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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Carolina Nobre Castello Branco

A Justiça Constitucional na concretização dos Direitos Fundamentais: um


estudo sobre o alcance dos novos ideais do constitucionalismo
contemporâneo

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título de
MESTRE em DIREITO DO ESTADO, subárea
Direito Constitucional, sob a orientação do Prof.
Doutor André Ramos Tavares.

SÃO PAULO

2011
Banca Examinadora

______________________________________

______________________________________

______________________________________

iii
Ao meu esposo Roderick, por todo seu amor e dedicação à
nossa família.

iv
AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus por me ter proporcionado a vida, a saúde e a família que tenho.

À minha mãe Helenilce, por seu exemplo de dedicação e persistência, por seu amor e
por sempre se ter empenhado na minha realização pessoal e profissional.

Ao meu pai José Roberto, pelo amor e suporte dedicado à minha mãe e à nossa família.

Ao meu esposo Roderick, por ter escutado, pacientemente, os pensamentos aqui


expostos e por sempre me ter apoiado nos momentos mais difíceis.

À minha filha Sofia, por me ter proporcionado a alegria necessária para continuar na
luta diária.

Ao meu sogro, Rodemarck de Castello Branco, por seu exemplo de sucesso e por ter
proporcionado à nossa família todo o suporte necessário para o cumprimento desta tarefa.

À minha sogra, Romélia Oda Cabral Castello Branco, pelas inúmeras vezes em que
esteve pronta a ajudar-me, por seu carinho e afeto e por sua atenção tão especial à minha filha.

À minha cunhada, Nuria, por seu exemplo de dedicação, esforço e competência.

À Professora Ritta de Cássia Haikal, por sua dedicação ao realizar a revisão deste
trabalho de forma tão meticulosa.

Aos meus amigos, pelo apoio e por terem aceitado e compreendido as minhas ausências.

Ao meu orientador, Professor André Ramos Tavares, pela atenção e apoio dedicado a
esta tarefa.

A Rosana, secretária da Pró-Reitoria de Pós-graduação da PUC-SP, pela simpatia e


prontidão ao ajudar-me sempre nas mais variadas situações.

Ao CNPq, pelo importante auxílio financeiro concedido, tornando possível a realização


deste mestrado.

v
RESUMO

Nome da autora: Carolina Nobre Castello Branco

Título do Trabalho: A Justiça Constitucional na concretização dos Direitos Fundamentais:


um estudo sobre o alcance dos novos ideais do constitucionalismo contemporâneo

Resumo: Este estudo tem por objetivo principal verificar a participação da Justiça
Constitucional na concretização dos Direitos Fundamentais. Para tanto, estabeleceu-se como
ponto de partida as mudanças trazidas pelos novos ideais discutidas no constitucionalismo
contemporâneo. A crescente preocupação com a efetividade dos Direitos Fundamentais e a
ampliação do conteúdo material da Constituição impõe uma atuação cada vez mais
abrangente da Justiça Constitucional e a necessidade de reformulação da compreensão de sua
função interpretativa. Assim, o trabalho divide-se em três etapas distintas. Em um primeiro
momento, a abordagem se inicia na análise da relação existente entre o Estado e a
Constituição, bem como sua gradativa evolução até a formação do Estado Constitucional e,
consequentemente, do constitucionalismo contemporâneo. Em seguida, o estudo propõe a
análise do „novo‟ Direito Constitucional, abordando as diferentes terminologias que vem sido
adotadas para definir o atual momento de mudança de concepção das idéias sobre
Constituição e suas consequências trazidas para o Direito na temática da constitucionalização
do Direito e na busca pela concretização dos Direitos Fundamentais. Por fim, o estudo se
concentra nas atividades da Justiça Constitucional e a identificação da sua relação com o
constitucionalismo contemporâneo para fins de concretização dos Direitos Fundamentais

Palavras-chave: Constitucionalismo – Neoconstitucionalismo – Pós-positivismo – Justiça


Constitucional – Direitos Fundamentais

vi
ABSTRACT

This study aims to evaluate the role of Constitucional Justice in the implementation of
Fundamental Rights. To that end, it was established as a starting point the changes brought
about by new ideas discussed in contemporary constitutionalism. The increasing concern over
the effectiveness of Fundamental Rights and the expansion of the substantive content of the
Constitution imposes a more comprehensive role of Constitutional Justice and the need to
recast their understanding of the interpretative function. Therefore, this work is divided into
three distinct stages. At first, the approach begins on the analysis of the relationship between
the State and the Constitution, and its gradual evolution to the formation of constitutional
state and thus of contemporary constitutionalism. Then, the study proposes the analysis of the
'new' Constitutional Law, approaching the several terminologies that have been adopted to
define the actual moment of changing of the conception of ideas about Constitution and its
consequences brought to the Law on the theme of constitutionalization of the law and in
seeking the concretization of Fundamental Rights. Finally, the study focuses on the activities
of the Constitutional Justice and the identification of its relationship to contemporary
constitutionalism in attaining Fundamental Rights

Keywords: Constitutionalism – New constitutionalism – post-positivism- Constitucional


Justice – Fundamental Rights

vii
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 1

CAPÍTULO 1 – O CONSTITUCIONALISMO DO ESTADO CONTEMPORÂNEO

1.1. Aspectos introdutórios: o Estado e sua relação com a Constituição .............................. 4


1.2. A Constituição como manifestação do Poder Constituinte ............................................ 9
1.3. Da antiguidade à contemporaneidade: origens e desenvolvimento do constitucionalismo
...........................................................................................................................20
1.3.1. O constitucionalismo na antiguidade ......................................................................... 23
1.3.2. O constitucionalismo moderno do Estado Liberal ..................................................... 26
1.3.2.1. O Direito consuetudinário inglês como fonte das dos ideais constitucionalistas .... 32
1.3.2.2. O constitucionalismo americano como fonte primária do Constitucionalismo
moderno ................................................................................................................................. 36
1.3.2.3. O constitucionalismo francês como fundamento filosófico do constitucionalismo
moderno ................................................................................................................................. 41
1.4. A expansão do constitucionalismo: o desenvolvimento do direito constitucional no
Estado pós-moderno .............................................................................................................. 42

CAPÍTULO 2 - O NEOCONSTITUCIONALISMO

2.1. O surgimento do chamado „pós-positivismo‟ e suas implicações para o desenvolvimento


do chamado „neoconstitucionalismo‟ .................................................................................... 47

2.2. „Neoconstitucionalismo‟: conceito e pela terminologia adequada ................................. 53

2.3. Características identificadoras do „neoconstitucionalismo‟ ........................................... 57

2.4. A incompatibilidade entre o positivismo e o „neoconstitucionalismo‟ .......................... 60

2.5. O neoconstitucionalismo e a constitucionalização do direito ......................................... 61

2.6. A busca pela concretização dos direitos fundamentais .................................................. 63

viii
2.6.1. A terminologia apropriada e sua abrangência ............................................................. 63

2.6.2. O problema da efetividade e o neoconstitucionalismo ................................................ 67

2.6.3. O problema da efetividade dos Direitos Fundamentais ............................................... 70

CAPÍTULO 3 - O PAPEL DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL PARA A


CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

3.1. A ascensão do judiciário e o surgimento da Justiça Constitucional ............................... 73

3.2. Justiça Constitucional, Tribunal Constitucional e Jurisdição Constitucional................. 75

3.3. As funções do Tribunal Constitucional .......................................................................... 78

3.4. Natureza do Tribunal Constitucional ............................................................................. 80

3.5. A Justiça Constitucional brasileira e as influências do sistema austríaco e americano de


controle de constitucionalidade ............................................................................................. 84

3.6. A legitimidade do Tribunal Constitucional diante do Poder Constituinte Originário .... 88

3.7. O Supremo Tribunal Federal e a tarefa de interpretar a Constituição ............................ 94

3.8. O poder do intérprete na concretização da Constituição ................................................ 96

3.9. A Justiça Constitucional brasileira e o Constitucionalismo contemporâneo .................. 97

3.10. A “nova” interpretação constitucional .......................................................................... 100

3.11. Os A valorização dos princípios e a abertura das normas constitucionais ................... 102

3.12. A “nova” interpretação constitucional e a tradicional dogmática jurídica ................... 105

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 109

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 113

ix
INTRODUÇÃO

É relativamente recente a posição destacada que o Direito Constitucional ocupa nos


debates jurídicos em todo o mundo. Costumava-se compreender o Direito Constitucional
como uma disciplina desmembrada de todas as outras, mas não tão importante quanto aquelas
voltadas para a prática.

Com a promulgação da “Constituição-Cidadã” de 1988, o constitucionalismo


brasileiro avançou em diversos aspectos positivos, principalmente na tentativa de buscar a
eficácia de suas garantias fundamentais. O estabelecimento do Estado constitucional no
Brasil fez surgir a necessidade de considerar a Constituição como o ponto de partida
obrigatório, ao qual todas as ações estatais devem imediata obediência, sob pena de se
tornarem inválidas. A partir de então, todos os outros ramos da ciência jurídica devem ser
reconhecidos como decorrência de preceitos e normas constitucionais. Assim, chega-se ao
fenômeno que muitos chamam de „constitucionalização do Direito‟, em que todo o Direito
passa a encontrar seu fundamento na Constituição.

No entanto, mesmo com o surgimento da Constituição de 1988, não foi possível


alcançar a efetividade idealizada. Muitos dispositivos constitucionais considerados
essenciais e voltados para a proteção de Direitos Fundamentais permanecem, ainda hoje,
sem eficácia social. Percebe-se que a rotina brasileira é a busca pela efetividade dos
dispositivos constitucionais por meio da técnica da positivação, o que acabou por gerar uma
falsa ideia de garantia constitucional.

Nesse aspecto, portanto, evidencia-se a atual necessidade de se discutir a


importância da Constituição no Estado e, principalmente, buscar a efetividade de seus
dispositivos. Em vista disso, emergem na doutrina estudos sobre um despertar para um novo
paradigma, uma nova forma de conceber o sentido de Constituição e, assim, efetivamente
alcançar a realização dos seus preceitos.

Na verdade, alguns apontam que a ideia é ir até mesmo mais além. Não se trataria
somente de reformular o modo como se compreende a Constituição e, sim, construir uma
nova teoria do Direito, capaz de modificar os critérios de validez difundidos pelo
positivismo jurídico kelseniano e conferir maior amplitude ao conceito de Direito.

1
Assim, desenvolveram-se as ideias no constitucionalismo contemporâneo
responsáveis pelo surgimento do chamado „neoconstitucionalismo‟. Ainda que exista algum
debate quanto à adequada terminologia para se adotar, importa ressaltar a ideia que o termo
pretende explicitar: a aproximação do Direito com a moral, a valorização dos princípios
mediante a interpretação constitucional e a efetividade dos Direitos Fundamentais.

É, portanto, nesse aspecto que este estudo pretende desenvolver-se, embora a


transformação atual do Direito Constitucional e a sua valorização perante os ramos do
Direito imponham, ainda, a observância de mais um elemento considerado essencial na
busca da concretização dos Direitos Fundamentais e dos ideais do constitucionalismo
contemporâneo: a Justiça Constitucional. Assim, a necessidade de compreensão da
transformação atual do modelo de Constituição e a busca pela eficácia social de suas
garantias fundamentais são os principais fundamentos da realização deste estudo.

Para uma coerente abordagem do tema, optou-se por estruturar este trabalho em três
Capítulos. Inicialmente, realizou-se um estudo acerca das relações existentes entre o Estado e
a Constituição, com breve abordagem dos aspectos conceituais e de sua gradativa evolução
até a formação do Estado Constitucional e, consequentemente, do constitucionalismo
contemporâneo. A partir de então, o constitucionalismo foi analisado sob o enfoque histórico-
descritivo para identificar seu processo evolutivo desde a antiguidade até a
contemporaneidade, destacando-se os constitucionalismos desenvolvidos na Inglaterra, na
França e nos Estados Unidos, para, assim, adentrar na temática referente ao momento de
expansão do constitucionalismo a partir do surgimento do chamado Estado pós-moderno.

Em um segundo momento, o estudo fixa-se na análise do „novo‟ Direito


Constitucional e no seu desenvolvimento a partir do chamado pós-positivismo. Nesta
oportunidade, foram também analisadas as diversas opiniões da doutrina acerca do conceito e
da terminologia adequada, para, então, ressaltar a sua incompatibilidade com o positivismo
jurídico de Kelsen. Diante da identificação do significado trazido pelo neoconstitucionalismo
à Teoria Constitucional e à Teoria do Direito, passam a ser verificadas as consequências
trazidas para o Direito com a adoção desse novo modelo, especialmente na temática da
constitucionalização do Direito e na busca pela concretização dos Direitos Fundamentais.

2
Por fim, a pesquisa concentra-se no estudo das atividades da Justiça Constitucional,
bem como na identificação da sua relação com o constitucionalismo contemporâneo para fins
de concretização dos Direitos Fundamentais almejados, objetivo final deste trabalho, porque
se centra na busca de solução da falta de efetividade dos Direitos Fundamentais por meio da
atuação da Justiça Constitucional. Após a identificação de aspectos gerais envolvendo a
Justiça Constitucional, tais como seu surgimento, natureza, conceito e funções, passa-se à
análise da função de interpretação constitucional diante do constitucionalismo
contemporâneo.

Para uma compreensão adequada do estudo, convém esclarecer alguns aspectos


importantes. A preocupação que ensejou o desenvolvimento deste trabalho sempre esteve
focalizada na temática da efetividade das normas constitucionais. Durante o desenvolvimento
da pesquisa, notou-se que as teorias relativas ao Direito Constitucional passavam por um
momento de transformação, identificado por muitos autores como neoconstitucionalismo. Ao
se amadurecer um pouco mais a ideia, chegou-se à conclusão de que a mudança sofrida no
estudo do Direito Constitucional em muito se deve a uma transformação no próprio conceito
de Direito, o que gera consequências profundas na aplicação das normas e das técnicas
interpretativas. Portanto, tornou-se fundamental abordar a temática da Justiça Constitucional,
pois a ela é conferida a última palavra relativa às normas constitucionais e, então, a partir
dela, todas as mudanças trazidas pelo constitucionalismo contemporâneo podem concretizar-
se.

3
CAPÍTULO 1 – O CONSTITUCIONALISMO DO ESTADO CONTEMPORÂNEO

1.1. Aspectos introdutórios: o Estado e sua relação com a Constituição

Em razão do dinamismo do Direito e das ilimitadas influências exercidas pela vida


social no desenvolvimento do Estado, é possível afirmar que o constitucionalismo
contemporâneo seria resultado das experiências vivenciadas pelas sociedades no decorrer da
história. Do mesmo modo, considerando-se que a Constituição foi o instrumento utilizado
para estabelecer a ordem política e os limites do poder do Estado, também não há outra forma
de analisá-la senão sob as influências da evolução do Estado e do Direito.

No entender de Jorge Miranda1, “a Constituição é Direito que tem por objeto o


Estado e, por isso, não há como se cogitar a existência de uma teoria da Constituição cindível
da concepção de Direito e de Estado”.

Portanto, tendo em vista essa relação entre o Estado, a Sociedade e o Direito,


percebe-se que esses elementos se encontram conectados e inter-relacionados e proporcionam
uma contínua influência uns sobre os outros, de forma que não seria possível tratar o
constitucionalismo sem observar a relação existente entre o Estado e a Constituição,
considerando-se, assim, os acontecimentos históricos e políticos capazes de direcionar o atual
modelo de Estado, hoje vivenciado.

Por ser uma sociedade política, o Estado deve sempre ter em vista a realização do
bem comum, já que surgiu em razão de um ato de vontade do homem, que cedeu ao Estado
seus direitos em busca de proteção2. Na atualidade, o Estado, além de carregar consigo a
característica de ser constitucional, deve também ser um Estado de Direito Social e
Democrático, uma vez que, além de ser capaz de intervir na ordem social e econômica,
também tem o dever de garantir o cumprimento de Direitos Fundamentais de seus cidadãos.

1
Manual de Direito Constitucional, tomo II: Constituição, 4ª ed., Coimbra Editora, 2000, p. 10.
2
Curso de Teoria do Estado e Ciência Política, 4.ed, São Paulo: Saraiva, 1999, p. 4. Celso Ribeiro Bastos
esclarece que a Teoria Geral do Estado, como disciplina autônoma, busca conhecer a realidade do Estado para
chegar à elaboração do Estado ideal, tendo sempre em mente vários Estados como objeto de estudo e não
apenas um, pois o estudo de um Estado em particular e seu ordenamento jurídico cabem ao Direito
Constitucional. Foi a partir do período entre guerras que surgiu a necessidade de se estudar o fenômeno estatal
e a Teoria Geral do Estado se desenvolveu como uma doutrina, cujo campo de atuação se encontra no que há
de comum entre todos os Estados, uma vez que trabalha com elementos existentes em todos eles: povo,
território e poder. (p. 1-2).

4
Todavia, um longo caminho foi percorrido para que fosse possível compreender o Estado nos
termos acima expostos.

Originalmente, o Estado surgiu como representação da centralização do poder3, única


alternativa viável diante da complexidade das relações resultantes da expansão social. Esse
poder, inicialmente centralizado e autoritário, perde força ao confrontar-se com a realidade
democrática imposta pela legalidade, legitimidade e separação de Poderes, princípios surgidos
com o estabelecimento do Estado de Direito.

Conforme explica Hermann Heller, o poder do Estado passa a ser sempre legal, já
que se torna um poder político juridicamente organizado. Desse modo, tal poder passa a ter
como fundamento a legalidade, enquanto esta se fundamenta na legitimidade4. Portanto, o
poder passa de poder de fato para poder legítimo, “que resulta do reconhecimento por aqueles
a quem a vontade do sujeito se dirige de que ele actua de acordo com uma lei digna de
acatamento geral, isto é, de que ele está no seu direito ao manifestar certa vontade” 5.

Com a expansão progressiva do convívio social humano, uma evolução gradativa do


Estado se configurou tendo em vista a atuação dos detentores do poder público6. O fato é que,
em razão de tal evolução, se confere ao Estado a função de estabelecer limites aos detentores
do poder. Para isso, torna-se imprescindível a existência de um ordenamento jurídico capaz de
estabelecer as novas exigências sociais, tais como a liberdade, a legalidade, a igualdade, a
separação de poderes e o estabelecimento de direitos e garantias fundamentais.

Portanto, o surgimento do Estado7 é, na verdade, um fenômeno político com


consequências jurídicas, porque não há como organizar, estruturar e conferir soberania ao

3
Conforme ensina Marcello Caetano: “Chama-se de poder a possibilidade de eficazmente impor aos outros o
respeito da própria conduta ou de traçar a conduta alheia.” (Manual de Ciência Política e Direito
Constitucional, Tomo I, 6ª ed., Coimbra: Almedina, 2009, p. 5)
4
Hermann Heller, Teoria do Estado, São Paulo: Mestre Jou, 1968, p. 288-289.
5
Marcello Caetano, Manual de Ciência Política e Direito, cit., p. 5.
6
Marcello Caetano, Manual de Ciência Política e Direito, cit., p. 5.
7
As características que o Estado absorve no decorrer da história são responsáveis por conferir a ele os adjetivos
que o qualificam: Estado Democrático, Estado Social, Estado Moderno, Estado de Direito, Estado Absolutista.
Percebe-se, assim, que o momento político em que este Estado se encontrava o acompanha para expressar as
relações deste com seus cidadãos. Diante de tantas variações de conceito e justificações, Joaquim José Gomes
Canotilho defende a ideia de que hoje apenas existe o Estado Constitucional. Segundo o autor, o
constitucionalismo tentou estruturar um Estado com qualidades que fazem dele um Estado constitucional. Mas,
para que o Estado constitucional seja um estado com as qualidades identificadas pelo constitucionalismo, ele
deve ser também um Estado Democrático de Direito. Assim, existem duas grandes qualidades que o Estado
constitucional deve possuir: ser Estado de Direito e ser Estado Democrático. Esta conexão interna entre
democracia e Estado de Direito é, portanto, fundamental. (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª
ed., Coimbra: Almedina, 2003, p. 93).

5
poder supremo de um Estado senão pela via da legalidade, da produção de normas jurídicas
capazes de orientar os mandamentos que o compõem. Além disso, também a função exercida
pelo Direito na sociedade só poderia ser efetivada se contasse com o aparelhamento e a
organização proporcionada pela figura do Estado.

Assim, independentemente de sua evolução histórica, qualquer Estado requer a


institucionalização jurídica do poder, já que existe a necessidade de se estabelecerem normas
fundamentais, capazes de assentar todo o ordenamento8. O Direito é, portanto, a relação entre
os fatos surgidos da convivência social e prescrições específicas surgidas com o intuito de
equilibrar os conflitos existentes na sociedade.

Nesse aspecto, Konrad Hesse observa que a presença e a relevância de tais conflitos
são fundamentais para que se possa vislumbrar a formação de uma unidade política. Hesse
ensina que a formação da unidade política de um Estado não implica o surgimento de um
Estado harmônico e a eliminação das diferenças sociais, políticas, institucionais e
organizativas por meio da nivelação total:

Dita unidade não se resulta imaginável sem a presença e relevância de conflitos na


convivência humana. Os conflitos preservam da rigidez, do estancamento em formas
superadas; são – se que bem não unicamente – a força matriz sem a qual a mudança
histórica não se produziria. A ausência ou a repressão dos mesmos pode conduzir ao
imobilismo, que supõe a estabilização do existente, assim como a incapacidade de
adaptação às circunstâncias modificadoras e de produção de novas formas: chega
então um dia que a ruptura com o existente se torna inevitável e a comoção um tanto
mais profunda9.

Convém salientar, contudo, que não é a existência do conflito que importa e, sim, a
resolução e a regulação dele, visto que somente a partir de tal esforço será possível tirar
proveito dos seus resultados, especialmente do seu efeito de garantir a formação e a
manutenção da unidade política do Estado10.

Se para o surgimento do Estado é fundamental a manifestação da unidade política,


esta, por meio dos seus conflitos, também se torna responsável pelo surgimento do Direito.
8
Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, t. I, cit., p. 7
9
Escritos de Derecho Constitucional, cit., p. 9-10. Texto no original: “Dicha unidad no resulta imaginable sin
la presencia y relevância de conflitos em la humana convivência. Los conflitos preservan de la rigidez, del
estancamiento em formas superadas; son – si bien no únicamente – la força motriz sin la qual el cambio
histórico no se produciría. La ausencia o la represión de los mismos puede conducir al inmovilismo que
supone la estabilización de lo existente, asi como la incapacidad para adaptarse a lãs circunstancias
cambiantes y a producir nuevas formas: llega entonces um dia em que la ruptura com lo existente se hace
entonces inevitable, y la commoción tanto más profunda”.
10
Konrad Hesse, Escritos de Derecho Constitucional, cit., p. 10.

6
Este, por se tratar de uma realidade normativa com o intuito de estabelecer um modelo de
atuação dos membros da sociedade, indicando como as pessoas devem atuar e conviver,
apresenta-se como um mecanismo de controle das tendências de dissociação que surgem do
convívio social11. Portanto, a relação entre Estado e Sociedade por meio do Direito é natural.
O próprio Estado já é uma sociedade de fins políticos juridicamente organizada, com estrutura
e forma conferida pelo Direito por meio da Constituição12.

A institucionalização jurídica do poder apresenta-se como uma alternativa viável


para organizar a atuação humana existente na unidade política do Estado. Para Konrad
Hesse13, o estabelecimento de uma ordem jurídica é necessário porque somente por meio da
cooperação planejada e consciente se torna possível o estabelecimento de uma unidade
política permanente.

Diante da propagação das ideologias liberais e racionalistas, fruto das grandes


revoluções do século XVIII, o Estado passou a ser compreendido como Estado de Direito. Em
sua origem, o termo foi utilizado para expressar o “Estado da Razão”, significando o Estado
governado segundo a vontade geral da razão. Essa compreensão fez com que a expressão
Estado de Direito sofresse certo esvaziamento e significasse apenas aquele Estado que atuava
sob o império da lei, carente de conteúdos. Assim, todos os Estados que adotassem soluções
advindas de uma ordem jurídica seriam Estado de Direito, sendo irrelevante se a lei embasava
qualquer arbitrariedade pública ou privada, pois o que realmente importava era a garantia de
respeito à lei14.

Nesse sentido, Pablo Lucas Verdú entende que a expressão Estado de Direito tem a
pretensão de transmitir a ideia de que todo o âmbito estatal está presidido de normas jurídicas,
o que leva à compreensão de que todo o poder estatal e qualquer atividade realizada pelo
Estado se ajustem àquilo determinado pelo Direito em suas prescrições legais15.

Para Gustavo Zagrebelsky16, a expressão Estado de Direito contém uma noção


genérica, mas não é um conceito vazio, porque indica um valor e alude a apenas uma das
direções do desenvolvimento da organização do Estado. Tal valor seria a eliminação das
11
Agassiz Almeida Filho, em prefácio da sua tradução da obra de Pablo Lucas Verdú, A luta pelo Estado de
Direito, Rio de janeiro: Forense, 2007, p. X.
12
Michel Temer, Elementos de Direito Constitucional, 23ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2010, p. 31.
13
Escritos de Derecho Constitucional, cit., p. 14.
14
Gustavo Zagrebelsky, El Derecho Dúctil: ley, derechos, justicia, Madrid: Trotta, 2005, p. 22-23.
15
A Luta pelo Estado de Direito, cit., p. 1.
16
El Derecho Dúctil, cit., p. 21.

7
arbitrariedades e a direção atingida por tal desenvolvimento seria a inversão da relação
existente entre Poder e Direito. O autor explica que, embora a expressão possa comportar
certo esvaziamento de conteúdo, não se pode inverter o seu uso para afastá-la de sua origem
liberal.

O fato é que, durante toda a evolução histórica do Estado de Direito, se preocupou


em construir um modelo de Estado plenamente compatível com as conjunturas de cada tempo
e lugar. Mas foi preciso esperar o fim da Segunda Guerra Mundial para que se propagasse a
ideia de democracia constitucional nos países europeus e latino-americanos, para tornar
possível, então, a elevação do Estado de Direito à condição de princípio estruturante e à
condição legitimadora para o surgimento do Estado de Direito Constitucional17.

O Estado de Direito assume, então, um significado de proteção dos cidadãos frente à


arbitrariedade de quem está no poder e compreende a representação eletiva, os direitos dos
cidadãos e a separação de poderes. Assim, o sentido geral de Estado Liberal de Direito
consiste no condicionamento da autoridade do Estado à liberdade da sociedade, por meio de
um equilíbrio recíproco trazido pela lei.18

Todas essas características descritas até agora se referem ao Estado que se formou
com base em uma forma moderna de representação do poder. Segundo Paulo Bonavides 19,
quando se utiliza a expressão Estado Moderno, pretende-se fazer referência àquele modelo de
Estado surgido em contraponto ao modelo estabelecido na antiguidade. Trata-se de uma nova
forma de representação do poder bem diferente daquela existente na Antiguidade Clássica e
também na Idade Média.

Somente com o estabelecimento do Estado Moderno e sua gradativa evolução,


tornou-se possível o desenvolvimento do Estado de Direito Constitucional. O
constitucionalismo teria surgido, inicialmente, de acordo com os ideais das revoluções
francesas e americanas, mas desenvolveu-se para um constitucionalismo verdadeiramente
democrático com a retomada da intervenção estatal na sociedade e com o intuito de conferir
especial proteção aos direitos sociais. Nesse sentido, Paulo Bonavides explica:

17
Agassiz Almeida Filho, em prefácio da sua tradução da obra de Pablo Lucas Verdú, A luta pelo Estado de
Direito, cit., p. X.
18
Gustavo Zagrebelsky, El Derecho Ductil, cit., p. 23.
19
Teoria Geral do Estado, 8ª ed., São Paulo: Malheiros editores, 2010, p. 33.

8
A consequência maior dessas transformações observadas na evolução do Estado
Moderno e seu Constitucionalismo, e que assinalaram o irreparável declínio do
sistema liberal de poder, foi a aparição de um Estado constitucional, cujos
fundamentos foram postos com toda clareza pelos publicistas que o teorizam.
Ocorre, porém, que o Estado não logrou ainda completar o ciclo de seu
desenvolvimento, nem determinar a natureza definitiva de suas formas
institucionais, tampouco dizer qual a tábua ou base de valores sobre a qual assentará,
por derradeiro, a sua legitimidade20.

Assim, pela primeira vez na época moderna, a lei vem submetida a uma relação de
adequação e de subordinação, já que deve obediência a um patamar mais alto do Direito: a
Constituição. Trata-se de uma inovação que se tem apresentado como uma continuação da
evolução dos princípios trazidos pelo surgimento do Estado de Direito, mas que, de fato, se
refere a uma profunda transformação e afeta, inclusive, a própria concepção de Direito21.

Dessa forma, o Estado estabelece-se por meio de uma Constituição capaz de


conferir-lhe um ordenamento jurídico que impõe regras de conduta social, embora a certeza
de obediência a tais regras seja um das principais preocupações que envolvem o estudo do
constitucionalismo no Estado contemporâneo. Essa nova forma de constitucionalismo não
gira ao redor de abstrações ou formalismos, porque tem como ponto de apoio os Direitos
Fundamentais22. Por isso, a legitimidade, compreendida como a justificação da imposição do
poder23, somente se verifica quando os Direitos Fundamentais se concretizam.

1.2. A Constituição como manifestação do Poder Constituinte

O advento das Constituições escritas facilitou o estudo da organização de cada


Estado, já que, com a codificação de suas normais fundamentais, foi possível identificar
elementos comuns e permanentes em todos os Estados e possibilitou classificá-los e
conceituá-los.

Sabe-se que, por detrás do surgimento do Estado, existe a manifestação de um poder


chamado de constituinte, capaz de formular uma Constituição. O Poder Constituinte
caracteriza-se por ser uma “manifestação soberana da vontade de um ou alguns indivíduos

20
Teoria Geral do Estado, cit., p. 50.
21
Gustavo Zagrebelsky, El Derecho Dúctil, cit., p. 34.
22
Teoria Geral do Estado, cit., p. 50.
23
Introdução à Teoria do Estado: fundamentos históricos da legitimidade do Estado Constitucional
Democrático, Tradução de Urbano Carvelli, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2009, p. 29.

9
24
capaz de fazer nascer um núcleo social” . Portanto, é possível afirmar que a Constituição
existe como decorrência do fenômeno político de formação estatal, porque, conforme bem
explicita Jorge Miranda, “onde está o fenômeno político, aí está o fenômeno constitucional”
25
.

Trata-se da manifestação de vontade daqueles que possuem força de constituir o


Estado. Nelson de Souza Sampaio26 refere-se ao poder constituinte como o poder que
representa a faculdade de organizar o Estado sem nenhuma limitação do direito positivo
interno.

A noção de Poder Constituinte teria começado a formar-se com o surgimento das


Constituições escritas27. A partir do momento em que o Poder Constituinte manifesta a sua
vontade soberana na forma de um texto escrito, adotado como Constituição, o Estado de
Direito evolui para um Estado Constitucional. Todavia, esse Estado Constitucional não deve
ser compreendido apenas como um Estado de Direito, uma vez que é necessária a sua
estruturação de forma legitimada pelo povo.

Assim, o poder do Estado deve ser organizado e exercido de forma democrática e a


soberania popular deve ser considerada um princípio fonte do Estado Constitucional, tendo
em vista que todo poder político deriva exclusivamente de seus cidadãos. O Estado
Constitucional estabelece-se como um Estado que possui uma Constituição limitadora do
poder pelo império do Direito, justamente por guardar as qualidades de ser um Estado de
Direito, mas é a legitimação democrática do poder que confere ao Estado Constitucional a
liberdade positiva propiciadora da participação política dos cidadãos28.

Portanto, essa participação política, que se traduz em uma decisão democrática, deve
ser considerada como o princípio necessário da legitimação moral do exercício do poder 29.
Representa a apreciação dos princípios da liberdade e da igualdade, características

24
Michel Temer, Elementos de Direito Constitucional, cit., p. 31.
25
Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, t. I, cit., p. 22.
26
O Poder de Reforma Constitucional, Bahia: Livraria Progresso Editora, 1954, p. 38.
27
Isto não impede que países como a Inglaterra, que adotam uma Constituição costumeira, cogitem a existência
de um Poder Constituinte. “O que há, nestas, é a permanente manifestação constituinte, na medida em que os
hábitos vão-se sedimentando para corporificar o costume.” (Michel Temer, Elementos de Direito
Constitucional, cit., p. 32-33).
28
José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit., p. 98.
29
Francisco J. Laporta, Norma básica, Constitución y decisión por mayorias, in: Francisco J. Laporta (org.),
Constitución: problemas filosóficos, Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2003, p. 86.

10
fundamentais de toda democracia, legitima o documento formulado e confere a este a
validade necessária para se tornar a norma suprema do Estado.

Todavia, as noções aplicadas nas explicações relativas ao Poder Constituinte


envolvem questões anteriores ao surgimento do Estado e do Direito porque a doutrina não se
demonstra pacífica quanto à afirmação de que o Poder Constituinte é uma manifestação
soberana da vontade que faz nascer o Estado30. O debate envolve saber se o Poder
Constituinte é um poder de fato ou um poder de direito.

Importa esclarecer que o poder sempre existe quando alguém tem a possibilidade de
fazer acatar pelos outros a sua própria vontade. Pode ser um poder de fato ou um poder
legítimo (de direito). O poder de fato utiliza-se da força para obter a imposição da vontade. Já
o poder legítimo “resulta do reconhecimento por aqueles a quem a vontade do sujeito se dirige
de que ele actua de acordo com uma lei digna de acatamento geral, isto é, de que ele está no
seu direito ao manifestar certa vontade” 31.

Assim, se for considerado um poder de fato, o Poder Constituinte traduz-se em força


e, por essa razão, apenas se impõe. Por outro lado, se for considerado um poder de direito,
tem sua origem em uma noção jurídica anterior ao Estado32, porque, na formação de uma
comunidade, a necessidade de disciplina é implícita e justifica a existência de uma norma
fundamental, que autoriza a definição de normas de conduta pela sociedade33.

Nesse sentido, Michel Temer explica:

Para os que sustentam a existência de um Direito Natural, esse poder é condicionado


àquela normatividade anterior. Isto porque, anterior ao Direito Positivo, o grupo
humano já tem uma ideia sobre como organizar-se, o que passa a ser o fio condutor
da regração escrita. Para estes, há uma normatividade que decorre da própria
estrutura íntima do homem. Se alguém é, automaticamente, titulariza direitos que
não podem ser negados pelo Estado (direito à vida, à liberdade e outros). Decorrem
dessa convicção os planos da legitimidade e da legalidade. Poderia, assim, verificar-
34
se norma positiva ilegítima (porque vulnera direitos próprios do ser humano) .

Para Celso Antônio Bandeira de Mello, o poder constituinte, quando originário, não é
referente a um fato jurídico justamente porque suas características – de ser incondicionado e

30
Michel Temer, Elementos de Direito Constitucional, cit., p. 32.
31
Marcello Caetano, Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, cit., p. 5.
32
Michel Temer, Elementos de Direito Constitucional, cit., p. 32, nota 1.
33
Marcello Caetano, Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, cit., p. 5.
34
Elementos de Direito Constitucional, cit., p. 32.

11
ilimitado – já não reconhecem a este poder espécie alguma de restrição e, portanto, sem
referencial a seguir em qualquer norma jurídica. Assim, é por meio da manifestação deste
poder que todo o ordenamento jurídico se forma e faz surgir o texto constitucional, razão pela
qual o autor afirma que o poder constituinte é pré-jurídico e precede a formação do Direito35.

É possível afirmar, portanto, que, “desde que existe Estado, existe, materialmente, ao
36
menos, a função constituinte, pois não se compreende grupo estatal destituído da mesma” .
Sendo assim, o poder constituinte não seria um fato jurídico, mas fato é. Por essa razão, Celso
Antônio Bandeira de Mello qualifica como irrelevante a necessidade de se conferir a
titularidade desse poder a alguém:

Isto é irrelevante porque o Poder Constituinte é um fato e, a rigor, ou alguém tem


este Poder Constituinte e o exerce, ou não tem este Poder Constituinte. É
perfeitamente inútil que haja uma regra dizendo que alguém tem Poder Constituinte.
Esta regra não vai, na verdade, alterar a real e efetiva existência ou não do Poder
Constituinte porque ele é um poder ilimitado, porque ele é um poder que se propõe,
que se diz, que se afirma incondicionado, portanto, ele pode se dispor do modo que
quiser sem algum bloqueio de ordem jurídica que possa servir de impeço, de
embaraço, de óbice àquilo que venha a ser disposto pelo chamado Poder
Constituinte. Ele tanto pode resultar de um movimento popular, de uma insurreição
popular, como pode resultar de um golpe militar. 37

Embora tais argumentos mereçam o devido respeito, o problema da titularidade do


poder constituinte deve ser debatido, pois dessa titularidade derivará a legitimidade deste
Poder. Conforme salienta Manoel Gonçalves Ferreira Filho, o exame da matéria permite a
manutenção da ideia de que o consentimento dos governados é fundamental para a existência
de uma Constituição38.

Se a decisão democrática deve ser considerada como um princípio necessário, capaz


de legitimar o surgimento do Estado, então o Poder Constituinte deve ter como titular aquele
capaz de sustentar tal decisão. Nesse aspecto, entra em discussão a questão da soberania,
tendo em vista a vontade soberana que o Poder Constituinte representa.

35
Celso Antônio Bandeira de Mello, Poder Constituinte, In: Revista de Direito Constitucional e Ciência
Política, v. 4, Rio de Janeiro: Forense, p. 69.
36
Nelson de Souza Sampaio, O Poder de Reforma Constitucional, cit., p. 39.
37
Celso Antônio Bandeira de Mello, Poder Constituinte, cit., p. 69-70.
38
Direito Constitucional Comparado, I - O Poder Constituinte, São Paulo: José Bushatsky Editor, Editora da
Universidade de São Paulo, 1974, p. 37.

12
Martin Kriele39 sustenta que tanto o conceito de legitimidade quanto o conceito de
soberania formam a chave para a compreensão de quase todos os problemas da Teoria do
Estado na sua fase moderna. Kriele explica que o poder de imposição do poder público só
existe enquanto for justificado e a soberania depende da legitimidade, que é o fundamento da
soberania.

Conforme explica Francisco J. Laporta, a palavra „soberania‟ significa um modo


simples de fazer referência ao fato de se aceitar uma fonte de decisões em seu grau mais
elevado. Quando utilizada em conjunto com a palavra „povo‟, expressa um princípio político,
consistente em atribuir justificação ético-política a uma decisão normativa tomada pela
maioria dos indivíduos que formam uma comunidade40.

A ideia de soberania tem origem no pensamento absolutista, porque estava associada


ao respeito à figura do soberano e, por isso, resulta um pouco contraditório perceber que, na
atualidade, a palavra soberania é comumente entrelaçada à expressão povo, para indicar a
vontade da maioria. Conforme explica Antonio-Enrique Perez Nuño:

No processo democratizador da ideia de soberania, julgo, como é notório, um papel


relevante a Rousseau, quem configurou como contade geral o conceito moderno de
soberano. Dita contade geral, de igual noção a noção absolutista de soberania, será
superior e transcedente às vontades individuais, mas ao invés de recair em um só
homem será patrimônio inalienável do povo a quem corresponderá sua titularidade e
exercício41.

No entanto, por mais que a soberania popular seja uma necessidade inevitável para o
estabelecimento de um Estado Constitucional, trata-se de um recurso provisório a ser utilizado
em uma situação transitória. Essa afirmação é capaz de estabelecer os fundamentos da
diferença entre poder constituinte e poder constituído. Nas palavras de Martin Kriele:

No início da Revolução Francesa, está a distinção entre “pouvoir constituant” e


“pouvoir constitué”, que Sieyès formulou e que era fundamental para o pensamento
da Constituante. O poder constituinte nessa época ainda não estava
constitucionalmente vinculado, ele é “legibus absolutus” e, em sentido próprio,

39
Introdução à Teoria do Estado, cit., p. 29..
40
Norma básica, Constitución y decisión por mayorias, cit., p. 87.
41
Soberania popular y Estado de Derecho, In: In: Francisco J. Laporta (org.), Constitución: problemas
filosóficos, Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2003, p. 47. Texto no original: “En el
processo democratizador de la idea de soberania jugo, como és notório, um papel relevante Rousseau, quien
configuro como voluntad general el concepto moderno de por soberano. Dicha voluntad general, al igual
noción que la noción absolutista de soberania, será superior e transcedente a las voluntades individuales,
pero em lugar de recaer em um solo hombre será patrimônio inalienable del pueblo, a quien correrponderá
su titularidad y ejercício”.

13
soberano. Ele renuncia então à sua soberania através da legislação constitucional.
Assim se tem no artigo conclusivo da Constituição de 1791: “A Assembleia
Nacional declara que a Constituição está concluída e que nada pode modificar
quanto a isso”. Quando, portanto, o “pouvoir constituant” renuncia à sua soberania,
a Assembleia Legislativa vinculada à Constituição não tem soberania42.

Nos países de Constituição escrita, especialmente quando esta Constituição é rígida,


o normal é que o poder constituinte se opere mediante uma organização transitória e limite-se
apenas à tarefa de elaborar a Carta Constitucional43. Dessa forma, quando o Estado
Constitucional já se encontra formado, a soberania popular repousa enquanto o poder
constituído põe em prática a vontade preliminarmente traçada pelo poder constituinte.
A diferença entre o poder constituinte e o poder constituído também é capaz de
demonstrar a distinção entre titularidade e exercício do poder, conforme aduz Martin Kriele:

(...) para o Estado Constitucional já instituído, é característica a distinção entre


titularidade e exercício da soberania popular: a titularidade repousa no povo, o
exercício repousa nos órgãos estatais constitucionais. Mas para o “pouvoir
constituant”, essa separação pode, na realidade, somente valer se ele mesmo já
estiver constituído 44.

Assim, é possível concluir que nem sempre o titular do poder constituinte é também
o exercente desse poder45. Por ser o poder constituinte um ato reflexo, possui a característica
de ser poder consciente e, por isso, deve pertencer a alguma entidade igualmente consciente,
personalizada. Trata-se de determinar o sujeito do poder constituinte, que pode ser passivo ou
ativo. O sujeito passivo do poder constituinte é a nação, porque, mediante a manifestação
deste poder, é constituída. Mas, para determinar a entidade definida como sujeito ativo do
poder constituinte, é necessário saber qual a entidade capaz de conferir à nação a
Constituição46.

Formalmente, é possível afirmar que o sujeito ativo do poder constituinte é a mesma


entidade que detém a soberania, que não deve ser confundida com o poder constituinte. A
soberania é um poder genérico, enquanto o poder constituinte é um poder específico com
função determinada. Entretanto, tal diferença não afasta a simetria existente entre esses
poderes, já que o poder constituinte se baseia no pressuposto da soberania47.

42
Introdução à Teoria do Estado, cit., p. 202.
43
Nelson de Souza Sampaio, O Poder de Reforma Constitucional, cit., p. 42.
44
Introdução à Teoria do Estado, cit., p. 203.
45
MichelTemer, Elementos de Direito Constitucional, cit., p. 33.
46
Nelson Saldanha, O Poder Constituinte, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986, p. 72.
47
Nelson Saldanha, O Poder Constituinte, cit., p. 73.

14
Nélson Saldanha explica que, conforme as circunstâncias, a soberania tem sido
atribuída ao monarca, ao Estado ou ao povo48. Mas o fato é que nas circunstâncias atuais,
especialmente após o advento do constitucionalismo moderno, não há como se atribuir a
soberania ao monarca, razão pela qual se chega à afirmação de que o titular do poder
constituinte é o povo.
O fato é que a discussão envolvendo a titularidade do poder constituinte se torna
fundamental na medida em que surge a necessidade de se determinar o que ou quem seria esse
“povo”. O problema encontra-se no caráter abstrato que o termo representa. Para Francisco J.
Laporta:

Desde sua primeira aparição no cenário do pensamento político nas mãos do "abade
Sieyès," o conceito de poder constituinte traz consigo deliciosas afirmações sobre
entes misteriosos e atividades fantasmagóricas. Coisas, por exemplo, como a
comunidade é "... um conjunto capaz de querer e agir", ou que "a nação é tudo o que
pode ser pelo fato de que é". Sem mencionar essa outra: "De qualquer maneira que
uma nação quiser algo, basta com que queira; todas as formas são válidas e sua
vontade é sempre a lei suprema". Por fim, mediante uma linguagem enigmática e um
pouco mística, Emmanuel Sieyès veio dar forma de postulado constitucional a uma
aspiração política viva na realidade francesa da revolução. Mas o fez de um modo
que nos deixou muita confusão. A sequência argumentativa é fácil reconstruir: existe
um sujeito, a quem se usualmente se denomina de “soberano”, detentor de uma
vontade, com a qual cria as normas jurídicas e, em especial, a constituição 49.

Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho, “é praticamente impossível, ou é impossível


mesmo, em estudo meramente científico, determinar quem é o titular do poder constituinte”
50
. Sabe-se apenas que o poder constituinte pertence ao povo, mas a obscuridade permanece
no sentido de se descobrir o que é, efetivamente, esse povo.
Todavia, essa abstração capaz de gerar tamanha dificuldade em se reconhecer a quem
realmente pertence à expressão „povo‟, não é capaz de esconder o sentido que se deve extrair

48
O Poder Constituinte, cit., p.73.
49
Francisco J. Laporta, Filosofía del Derecho y norma, in: Francisco J. Laporta (org.), Constitución: problemas
filosóficos, Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2003, p. 23. Texto no original: “Desde
que hace su primera aparición en el escenário del pensamiento político de la mano de „abbé Sieyès‟, el
concepto de poder constituyente trae consigo deliciosas afirmaciones sobre entes misteriosos y actividades
fantasmagóricas. Cosas, por ejemplo, como la comunidad que es „.. un todo capaz de querer y de actuar‟, o
que „la nación es todo lo que puede ser por el hecho que es‟. Por no mencionar esta outra: „de cualquier
manera que quiera algo uma nación, basta com que lo quiera; todas las formas son válidas y su voluntades
siempre la ley suprema‟. Em definitiva, mediante um lenguaje enigmático y algo místico, Emmanuel Sieyès
venía a dar forma de postulado constitucional a uma aspiración política viva em la realidad francesa de la
revolución. Pero lo hizo de um modo que nos dejó legadas um sinfín de confusiones. La secuencia
argumental es fácil de reconstruir: existe um sujeto, al que usualmente se denomina “soberania”, provisto
de uma voluntad, con la que crea las normas jurídicas, y en especial la constitución”.
50
Direito Constitucional Comparado, cit., p. 37.

15
da titularidade do poder constituinte. Em um Estado Constitucional Democrático, o „povo‟
escolhe seus representantes por meio de eleições instituidoras de uma Assembleia
Constituinte, cuja função será constituir o Estado que se está pretendendo ordenar
juridicamente.
O problema que envolve a titularidade do poder constituinte representa, de certa
forma, uma visão de como o povo chegou à pretensão dessa titularidade e de como tem sido
possível viabilizar tal pretensão sem a quebra das conveniências democráticas, nem das
técnicas.51
Pode-se dizer que, somente com o surgimento das primeiras assembleias
constituintes, a teoria do poder constituinte começou a desenvolver-se. Foi por meio da obra
de Sieyès – O que é o Terceiro Estado? – que se propagaram as ideias de ascensão da
burguesia e possibilitaram, assim, o surgimento da primeira Assembleia Nacional
Constituinte52, em 1789. Porém, já em 1787, os delegados das ex-colônias britânicas
reuniram-se em forma de Assembleia, na Convenção de Filadélfia, que resultou na primeira
construção de Constituição nos moldes contemporâneos53.
É possível afirmar, portanto, que a titularidade do poder constituinte seria conferida
ao povo, mas o exercício do poder é conferido pelo povo aos seus representantes, capazes de
instituir um novo Estado e formular uma Constituição. Assim, das diferentes hipóteses que
podem surgir quanto ao titular do Poder Constituinte, a modalidade mais conhecida é a
Assembleia Constituinte54, que exerce esse poder por meio da representação popular que
detém no momento de formação do Estado.
Dessa forma, a noção do povo, como titular direto, e de seus representantes, como
titulares indiretos do poder constituinte, torna praticável a participação popular, já que o povo,
como tal, não teria condições de governar de forma direta nem formar a consciência
necessária para se autoconferir uma Constituição nos termos contemporâneos. Do mesmo

51
Nelson Saldanha, O Poder Constituinte, cit., p. 75.
52
Segundo Nelson de Souza Sampaio a teoria do poder constituinte somente começa a se delinear com as
primeiras assembleias constituintes: “(...) as convenções das colônias recém-emancipadas pela Revolução
Americana, somente se define nas vésperas da Revolução Francesa, através da obra de Sieyés Que é o
Terceiro Estado?, destinada a propagar as ideias e reivindicações da burguesia na campanha eleitoral que
antecedeu a reunião dos Estados Gerais de 1789” (O Poder de Reforma Constitucional, cit., p. 40).
53
André Ramos Tavares explica que a primeira manifestação histórica do poder constituinte se teria operado na
Convenção de Filadélfia de 1787, quando dezenas de delegados das ex-colônias britânicas se reúnem em
Assembleia. (Curso de Direito Constitucional, 8ª ed. rev. e atual., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 51). A partir
da Convenção de Filadélfia, surgiu a primeira constituição escrita, que inaugurou o constitucionalismo
moderno.
54
Nelson de Souza Sampaio, O Poder de Reforma Constitucional, cit., p. 41.

16
modo, o governo, por si só, não teria o fundamento necessário para dirigir o povo se não fosse
por este eleito.
Nesse sentido, Karl Loewenstein aborda a existência de uma democracia
constitucional baseada em uma estrutura triangular, da qual participam governo, povo e
parlamento. Assim, a democracia constitucional parte do convencimento de que todo poder
emana do povo e, por isso, tanto o Governo quanto o Parlamento devem estar de acordo com
a vontade popular. Conclui-se, portanto, que existe uma complementaridade entre povo e
governo55.
Conforme aduz Joaquim José Gomes Canotilho, “o problema do titular do poder
56
constituinte só pode ter hoje uma resposta democrática” . O Poder constituinte é, portanto,
poder constituinte do povo concebido em sua „grandeza pluralística‟.
Canotilho explica que, somente a partir da noção pluralística que o termo „povo‟ comporta, se
torna possível abandonar o mito da subjetividade originária que envolve o poder constituinte,
responsável pela abstração envolvendo a sua titularidade.
Nesse aspecto, Peter Härbele sustenta que „povo‟ não é apenas um referencial
quantitativo que se manifesta no dia da eleição, mas também um elemento pluralista, que se
faz presente de forma legitimadora no processo constitucional57. Assim, o conceito atual de
povo deve ser compreendido, em sentido político, como um grupo de pessoas que agem
segundo ideias, interesses e representações de natureza política58.

Quanto ao aspecto da vinculação do poder constituinte, ainda que se afirme ser esse
poder ilimitado e livre, porque não encontra barreiras no direito positivo, convém observar
que, apesar de o poder constituinte ser capaz de criar outro poder, não pode deixar de ser uma
força plenamente consciente. No mundo moderno, as Constituições não são mais formações
espontâneas e, sim, obras reflexas, que devem corresponder à realidade e à necessidade social
de uma comunidade59. Assim, segundo Nelson Saldanha, o ato constituinte:

Relaciona-se com esse caráter intencional aquela vontade-de-futuro, que tem sido
notada nas Constituições ocidentais e revela um ânimo político determinado a
enfrentar, por uma resolução presente, as eventualidades vindouras, e a perenizar em

55
Teoría de la Constitución, Barcelona: Editorial Ariel, 1979, p. 91.
56
Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit., p. 75.
57
Hermenêutica Constitucional: A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição – Contribuição para a
interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes, Porto
Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1997, p. 37.
58
Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit., p. 75.
59
Nelson Saldanha, O Poder Constituinte, cit., p.68.

17
sentido indefinido as suas disposições; há que encontrar então um traço de otimismo
nessas instaurações de Constituição, a projetar (tarefa do poder constituinte) a
valorização das soluções presentes sobre as perspectivas supervenientes. 60

Dessa forma, seria possível afirmar que, nos moldes do constitucionalismo atual, o
poder constituinte sofre limitações, uma vez que não pode transpor os ditames constitucionais
já assegurados e compreendidos como fundamentais. Mesmo quando originário, diante de um
Estado já formado, o poder constituinte sofre limitações decorrentes do contexto histórico e
cultural em que a comunidade política se encontra. Nas palavras de André Ramos Tavares:

Neste sentido é que se alude à situação histórica da comunidade política, aos ideais
de justiça, ao Direito Internacional, a um Direito Natural, a grupos de pressão
(presentes em toda Assembleia Constituinte), a crenças ou a uma realidade social
subjacente limitadora (normalidade na teoria do jurista Hermann Heller), ou a
princípios superiores de convivência humana.61

Assim, o poder constituinte não pode ser um ato inteiramente livre, uma vez que se
encontra originariamente orientado pelas necessidades da sociedade. O sujeito constituinte
deve obedecer a padrões e modelos de conduta culturais, éticos e sociais, radicados na
consciência jurídica geral da comunidade. Por tal razão, Joaquim José Gomes Canotilho
aponta a existência de uma vinculação jurídica do poder constituinte, já que existem
princípios de justiça e de direito internacional de indispensável observação na manifestação
constituinte62. Se o ato constituinte é capaz de quanta autodeterminação histórico-política, é
possível encontrar num corpo social; por outro lado, é inescapavelmente determinado pelos
diversos tipos de circunstâncias culturais, que marcam cada manifestação daquele corpo63.

Convém observar, no entanto, que existe uma diferença fundamental entre o Poder
Constituinte como função do ato constituinte e a Constituição como produto resultante do ato
constituinte. Consoante observa Jorge Reinaldo Vanossi, “o poder constituinte é
fundamentalmente função, participando da criação e distribuição de competências do Estado”
64
. Assim, para o autor, toda vez em que houver uma redistribuição ou reformulação na
divisão dessas competências o poder constituinte novamente se manifesta. Nas palavras do
autor:

60
O Poder Constituinte, cit., p.69.
61
Curso de Direito Constitucional, cit., p. 63-64.
62
Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit., p. 81.
63
Nelson Saldanha, O Poder Constituinte, cit., p.69.
64
Jorge Reinaldo Vanossi, Uma visão atualizada do Poder Constituinte, Revista de Direito Constitucional e
Ciência Política, v. 4, Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 12.

18
Não tenho nenhum inconveniente (para dizê-lo em termos teóricos, é claro) em
prescindir da expressão Poder Constituinte. Do que não podemos prescindir é da
noção desse conceito, da função constituinte. Existe uma função constituinte e, uma
vez que existem os poderes constituídos, existe algo ou alguém ou um ato que fez
distribuição do Poder. Não podemos entender o funcionamento dos poderes
ordinários, se não aceitarmos a preexistência de um órgão ou um Poder que cumpriu
uma função consistente em organizar e distribuir tais poderes ordinários. Se não nos
agrada denominá-los constituinte e se não queremos reconhecer o seu caráter
extraordinário de supremo, ilimitado, absoluto e todos os demais termos utilizados
pela doutrina tradicional, então prescindamos de todos esses adjetivos, mas, de
qualquer forma, temos que conceptualizar a existência de uma função sem a qual
não se concebe a estrutura do Estado Contemporâneo. 65

Para Vanossi, quando o poder constituinte se manifesta de maneira fundacional, ele


será originário e, portanto, uma potência. Mas como não se esvai, continua presente e,
inclusive nos momentos de reforma constitucional, transforma-se em uma competência. Esses
argumentos são capazes de explicar a adoção por alguns da expressão “constituinte”, mesmo
em se tratando de poderes que não seriam constituintes de forma originária e, sim,
constituídos.

De fato, se compreendido como função, o poder constituinte também seria capaz de


manifestar-se nos momentos de reforma ou revisão constitucional, porque é nesse momento
que a força constituinte66 continua a agir. Trata-se da questão da subsistência do Poder
Constituinte além das Constituições. Como se sabe, o Poder Constituinte não desaparece após
a formação de uma Constituição, pois sobrevive como uma forma de expressão da liberdade
humana, já que uma geração não pode sujeitar suas leis a gerações futuras e o poder
constituinte sobrevive para que a decisão anteriormente tomada possa ser modificada67.

Nesse aspecto, cumpre ressaltar a distinção proposta por Paulo Bonavides entre
poder constituinte formal e poder constituinte material. Assim, existe uma Constituição
formal, composta de textos e folhas de papel, e outra real, relativa ao conjunto de forças
econômicas, políticas, sociais e financeiras, que estruturam a nação. A Constituição real é
65
Jorge Reinaldo Vanossi, Uma visão atualizada do Poder Constituinte, cit., p. 19.
66
Conforme André Ramos Tavares: “Segundo a doutrina de Georges Burdeau, a denominação de “poder” a essa
verdadeira potência é incongruente com a definição que lhe é comumente oferecida. Se é poder, só poderia
ser selvagem, que extravasa os limites do jurídico. O poder pressupõe, nos ensinamentos daquele renomado
publicista, um quadro de competências, o delineamento da extensão de seu exercício e sua ligação com uma
regra anterior, da qual vai haurir a validade de sua existência. Com o que se denomina „poder constituinte
originário‟ não ocorre isso. Decorre de tal fato motivo suficiente para abandonar, do ponto de vista técnico, a
referência a „poder‟. Preferível seria designá-lo simplesmente força ou energia constituinte, que
evidentemente só pode ser a originária e, mais do que isso, aquela que se manifesta como ruptura plena,
revolucionária ou que se relacione à independência de um Estado.” (Curso de Direito Constitucional, cit., p.
54)
67
Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Manual de Direito Constitucional Comparado, cit., p. 68-69.

19
condicionante da Constituição formal e também abrange as correntes espirituais portadoras de
valores básicos. Essa Constituição real seria capaz de formar uma espécie de constituinte
permanente68. Nas palavras do autor:

A vontade popular, as correntes de opinião, a presença organizada ou difusa dos


grupos e seus interesses em confronto completam com uma atuação contínua aquele
quadro da realidade infraestrutural, que repercute sobre as instituições políticas, até
formar a espécie de constituinte permanente que ninguém convocou, mas que
compõe a vontade profunda e decisiva da sociedade quando ela se manifesta com os
governantes ou apesar dos governantes69.

Dessa forma, o poder constituinte formal cede espaço para o poder constituinte real,
que se assenta na própria sociedade e não no Parlamento. Esse é o poder que tem dado vida à
Constituição da Inglaterra e também seria este o poder por detrás da impressionante
permanência da Constituição americana70.
Na atualidade, têm-se reconhecido outras formas de manifestações da vontade
constituinte, incluindo-se nestas algumas decisões da Justiça Constitucional. Tais decisões,
identificadas como „mutação constitucional informal‟71, teriam a capacidade de atuar na
modificação do conteúdo constitucional por meio da atividade de interpretação da
Constituição. Nesse aspecto, poder-se-ia conceber a manifestação de um poder constituinte
real, capaz de fundamentar as decisões da Justiça Constitucional, porque, conforme aduz
Paulo Bonavides, “é o poder constituinte dos juízes e hermeneutas que interpreta a
Constituição72.

1.3. Da antiguidade à contemporaneidade: origens e desenvolvimento do


constitucionalismo

A tarefa de compreender o sentido trazido pelo uso da expressão


„constitucionalismo‟ envolve não só o estudo da evolução do Direito Constitucional através

68
Teoria Geral do Estado, cit., p. 345-346.
69
Teoria Geral do Estado, cit., p. 347.
70
Paulo Bonavides, Teoria Geral do Estado, op. cit., p. 347.
71
André Ramos Tavares, Curso de Direito Constitucional, cit., p. 53. Conforme explica o autor: “É preciso
admitir que há outras situações nas quais as decisões constituintes parecem ser renovadas, situações não
controláveis e não identificáveis topicamente no tempo. É o caso, por exemplo, de diversas decisões da
Justiça Constitucional substantiva, especialmente daquilo que acabou sendo identificado pela literatura
tradicional como uma inofensiva e plenamente aceitável „mutação constitucional informal‟. O tema insere-se
no estudo da legitimidade e da posição (estrutural) da chamada Justiça Constitucional, com repercussões
evidentes para o estudo do sentido atual do poder constituinte.”
72
Teoria Geral do Estado, cit., p. 347.

20
do tempo, mas também o desenvolvimento político dos Estados que elegeram uma
Constituição como norma fundamental.

Em suas origens, o constitucionalismo teria surgido com o objetivo de disciplinar


toda a atividade dos detentores do poder, estabelecendo uma relação entre governantes e
governados sob o império de uma lei maior. Assim, as manifestações de soberania do Estado
e também os direitos pertencentes aos cidadãos estariam submetidos à ordem jurídica
estabelecida e recriada por meio da Constituição73.

Conforme explica Luís Roberto Barroso, o uso da expressão „constitucionalismo‟


no vocabulário político e jurídico é relativamente recente, porque, como é associado aos
processos revolucionários ocorridos na França e nos Estados Unidos, o início da sua
utilização data de pouco mais de duzentos anos74.

Para André Ramos Tavares, o termo „constitucionalismo‟ costuma gerar polêmica,


já que pode indicar, pelo menos, quatro sentidos diferentes. Primeiramente, o
constitucionalismo pode fazer referência ao movimento político-constitucional e remete à
pretensão de limitar o poder arbitrário. Em um segundo sentido, o termo é empregado para
indicar a imposição de uma carta constitucional escrita. Uma terceira concepção refere-se
aos propósitos mais atuais da função da Constituição e sua posição nas diversas sociedades.
Por fim, o constitucionalismo também pode indicar a mera evolução histórico-constitucional
de um determinado Estado75.

No entanto, é comum associar o uso da expressão „constitucionalismo‟ ao


surgimento de Constituições escritas, em que estas aparecem como o instrumento necessário
para frear os abusos do poder estatal, típicos da monarquia absoluta, preponderante na
Europa até a eclosão das grandes revoluções.

Joaquim José Gomes Canotilho adota um sentido estrito de constitucionalismo,


decorrente do movimento constitucionalista, o qual determina que todo Estado deve seguir
uma Constituição escrita, que funcionaria como instrumento assecuratório dos direitos e

73
Nesse sentido, a Constituição aparece como ponto de partida, pois é a criadora da ordem jurídica por ela
ordenada. Bem diferente do sentido institucional de Constituição, em que esta aparece como resultado e
descreve o poder já institucionalizado, decorrente de fatores históricos. (Jorge Miranda, Manual de Direito
Constitucional, t. II, cit., p. 16)
74
Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo,
São Paulo: Saraiva, 2009, p. 4-5.
75
Curso de Direito Constitucional, cit., p. 23.

21
garantias fundamentais76. Como se pode observar, o autor concebe o Direito Constitucional
diante de problemas jurídico-políticos e, por isso, compreende o constitucionalismo como
uma teoria ou ideologia, que ergue o princípio do governo limitado, indispensável à garantia
dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade.

Santi Romano compreende que a expressão „constitucionalismo‟ se direciona ao


Direito Constitucional do Estado Moderno, uma vez que o termo se refere às instituições e
princípios adotados pela maioria dos Estados no final do século XVIII, adeptos de um
governo constitucional, ou seja, um governo não absoluto77.

Do mesmo modo, Jorge Miranda entende que o constitucionalismo somente pode ser
compreendido se integrado às grandes correntes filosóficas, ideológicas e sociais dos séculos
XVIII e XIX, pois traduz a ideia de Direito liberal e baseia a regulamentação do Estado em
conformidade com os princípios dos textos revolucionários proclamados78.

Todavia, Karl Loewenstein afirma que a existência de uma Constituição escrita não
se identifica com o surgimento do constitucionalismo, já que organizações políticas
anteriores já haviam vivido sob um governo constitucional, sem sentir a necessidade de
estabelecer limites para o exercício do poder político79. Mas, conforme se explicará mais
adiante, o autor refere-se ao constitucionalismo da antiguidade, em momento anterior ao
estabelecimento do chamado constitucionalismo moderno, surgido após o aparecimento das
primeiras Constituições escritas.

Na verdade, em essência, o termo Constitucionalismo significa limitação do poder e


supremacia da lei, pois sugere, de modo explícito, a existência de uma Constituição80.
Todavia, há também casos em que o Constitucionalismo se faz presente, mesmo diante da
ausência de uma Constituição escrita.

Partindo de uma acepção histórico-descritiva, Joaquim José Gomes Canotilho


estabelece uma distinção essencial entre as Constituições modernas e as Constituições
históricas, para explicar os momentos do constitucionalismo na sua fase moderna e na sua
fase antiga. Segundo o autor, o constitucionalismo moderno legitimou o aparecimento da

76
Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit., p. 53.
77
Santi Romano, Princípios de Direito Constitucional Geral, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, p. 42.
78
Manual de Direito Constitucional, cit., p. 17.
79
Teoria de la Constitución, cit., p. 154.
80
Luis Roberto Barroso, Curso de Direito Constitucional Contemporâneo, cit., p. 5

22
Constituição moderna, consistente em uma “ordenação sistemática e racional da comunidade
política por meio de um documento escrito, no qual se declaram as liberdades e os direitos e
81
se fixam os limites do poder político” . Já a Constituição histórica se refere ao “conjunto
de regras (escritas ou consuetudinárias) e de estruturas institucionais, conformadoras de uma
dada ordem jurídico-política num determinado sistema político-social” 82.

Ao estabelecer tal distinção, Canotilho pretende sustentar a afirmação de que entre


as ideias existentes no constitucionalismo antigo e moderno ocorre o desenvolvimento de
perspectivas políticas, religiosas e jurídico-filosóficas, cujo conhecimento se torna
indispensável para a compreensão do fenômeno constitucional da atualidade.

Portanto, não há melhor modo de desenvolver o constitucionalismo senão sob a


perspectiva histórico-descritiva. Assim, convém abordar de forma mais aprofundada o
desenvolvimento do Constitucionalismo em dois momentos: o Constitucionalismo na
antiguidade e o Constitucionalismo moderno do Estado Liberal.

1.3.1. O constitucionalismo na antiguidade

A ideia da existência de um Constitucionalismo na antiguidade fundamenta-se na


adoção de um conceito mais amplo de Constituição, a ser compreendido como normas gerais
de ordenação de uma sociedade, mas sem as concepções modernas desenvolvidas a partir
das grandes revoluções. Assim, a aceitação de um Constitucionalismo na antiguidade apenas
traduz a ideia da existência de uma norma geral e suprema, que detém características de uma
Constituição apenas por ser capaz de institucionalizar um poder existente àquela época, mas
não se identifica com as aspirações liberais trazidas pelas revoluções quando do surgimento
do Estado Liberal.

Portanto, antes do surgimento do Estado Liberal, a Constituição teria uma acepção


mais abrangente, no sentido de que se encontrava presente em todo Estado. Seria, assim,
uma Constituição institucional, identificada com a institucionalização jurídica do poder83.

81
Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit., p. 52.
82
Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit., p. 53.
83
Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, t. II, cit., p. 22

23
Nesse sentido, a Constituição evidencia o Estado como instituição por ser permanente,
independentemente das circunstâncias e dos detentores do poder.

Tendo em vista a compreensão de que o Estado é uma instituição, é necessário o


estabelecimento de princípios e regras para a institucionalização do poder político que detém.
Portanto, nesse aspecto, justifica-se a existência de uma Constituição institucional, mesmo
antes da existência do chamado constitucionalismo liberal.

Os hebreus teriam sido os primeiros a praticar o constitucionalismo. Mesmo sob a


forma de uma teocracia, em que o domínio era exercido por uma autoridade que representava
o poder divino na terra, o detentor do poder não o exercia em caráter absoluto ou arbitrário,
uma vez que estava limitado pelas Leis do Senhor, que submetia igualmente governantes e
governados. Nela, encontrava-se radicada a Constituição em sentido material desse povo.
Assim, a política era uma função da teologia e o poder era confiado por Deus aos seus
detentores na terra.84

Conhecidos por estabelecer um regime político verdadeiramente constitucional, os


gregos85 também conseguiram desenvolver na antiguidade tal modelo em sua forma mais
avançada: a democracia constitucional. “A Cidade-Estado grega representou o início de uma
racionalização do poder e, até hoje, constitui o único exemplo concreto de regime
constitucional de identidade plena entre governantes e governados” 86.

Por meio da democracia direta, as cidades-estados gregas conseguiram estabelecer o


único exemplo de sistema político com plena identidade entre governantes e governados, com
distribuição igualitária de poder entre todos os cidadãos que participavam ativamente da
política da sociedade. Os gregos também foram responsáveis pelo estabelecimento do
primeiro controle jurídico do poder da História, porque possuía funções estatais amplamente
distribuídas de forma racional e possibilitava que o poder fosse eficazmente controlado87.

84
Karl Loewenstein, Teoria de la Constitución, cit., p. 154-155. Conforme explica o autor, a primeira forma de
oposição legítima ao poder na história foram os profetas, conhecidos como vozes da consciência pública que
iam contra os dominadores injustos, carentes de sabedoria e que se teriam afastado do caminho estabelecido
nas Leis do Senhor. Com a ajuda de uma Constituição moral da sociedade estatal, os profetas fundamentaram
a rebelião contra a autoridade que se havia esquecido da Lei.
85
Na Grécia antiga, Aristóteles não se esqueceu do sentido normativo de ordem, de liberdade, ao realizar seus
estudos sobre as diferentes constituições de Cidades-estados. (Jorge Miranda, Manual de Direito
Constitucional, cit., p. 14)
86
André Ramos Tavares, Curso de Direito Constitucional, cit., p. 26.
87
Karl Loewenstein, Teoria de la Constitución, cit., p. 156. O autor explica que, diante da grande contribuição
dos gregos na evolução política ocidental, não teria muita importância o fato de que a polis-Estado tivesse

24
A decadência da democracia exemplar na Grécia ocorreu quando o fundamentalismo
democrático foi levado ao extremo e a assembleia de cidadãos se tornou poderosa, a ponto de
não se submeter a limite constitucional algum. Assim, o povo tornou-se incapaz de frear o seu
próprio poder soberano e impossibilitou que as cidades-estados gregas alcançassem
estabilidade interna e gerassem inconstância em seu caráter nacional, tornando-se alvo fácil
para ataques estrangeiros88.

Na Roma antiga, também há exemplo de funcionamento de uma sociedade


fundamentalmente constitucional. A República romana possuía assembleias bem
institucionalizadas e a estrutura organizacional contava com complexos dispositivos de freios
e contrapesos para dividir e limitar o poder político. Quando o constitucionalismo republicano
de Roma se desintegrou, César dominou Roma e estabeleceu o império com a acumulação
sem limites de cargos republicanos em sua pessoa e manipulação do Senado, eliminando-se
todos os resíduos da constituição republicana. O regime de Roma abriu-se às influencias das
técnicas governamentais do Oriente e às ideologias democráticas e, em sua forma final, o
Império Romano trilhou caminho para o estabelecimento do absolutismo monárquico na
Europa, já que, em razão de tais influências, aproximou a figura do imperador com a
autoridade religiosa e divina89.

Percebe-se, assim, que, mesmo na Antiguidade, a Constituição não se afasta dos


sistemas políticos sociais e nela se pensa como um sistema organizatório que se impõe a
governantes e governados. Nesse aspecto, o sentido institucional de Constituição “revela a
prevalência dos elementos objetivos ou objetivados das relações políticas sobre as intenções
90
subjetivas destes ou daqueles governantes ou governados” , porque não haveria como o
Estado se manter sem a observância de princípios normativos capacitados para exercer a
função de regê-lo, visto que, por meio desses princípios, o poder político é instituído.

sido montada sobre uma infraestrutura de uma economia de escravos. Contudo, convém ressaltar o fato de
que a participação política dos cidadãos gregos na antiguidade rejeitava, nesse grupo, a participação de
muitos seres humanos, assim hoje considerados na sociedade atual. Portanto, mulheres, crianças, escravos,
deficientes físicos e doentes não eram considerados cidadãos gregos e, sendo assim, não possuíam qualquer
participação naquele processo democrático. Talvez se esse modelo fosse trazido para a atualidade, essa
democracia também não poderia ser considerada tão constitucional assim, a não ser sob o ponto de vista
formal.
88
Karl Loewenstein, Teoria de la Constitución, cit.,p. 156.
89
Karl Loewenstein, Teoria de la Constitución, cit.,p. 157.
90
Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, t. II, cit., p. 13.

25
Todavia, apesar de serem compreendidas como leis fundamentais do Estado,
superiores e dignas de serem respeitadas pelos reis, as Constituições institucionais, por serem
difusas e vagas, não eram capazes de determinar, com o rigor necessário, as relações entre
governantes e governados.

O processo de concentração de poder, que levaria à formação de Estados Nacionais


na Europa, apenas se iniciou na alta Idade Média91. Durante as disputas medievais pelo
domínio de terras e populações, começou-se a formar uma espécie de constitucionalismo
baseado nos costumes próprios de cada região. “Na segunda metade da Idade Média, já
aparecem referências à constituição de um povo, como expressão de sua organização e das
regras consagradas pelos costumes” 92. Na Idade Média, portanto, inicia-se o desenvolvimento
da ideia de lei fundamental, especialmente na Inglaterra por volta de 1215, mas é na Idade
Moderna que o constitucionalismo se desenvolve de forma mais plena.

1.3.2. O constitucionalismo moderno do Estado Liberal

A segunda fase do constitucionalismo, conhecida como a fase moderna, surgiu no


século XVIII. Na visão de Horst Dippel, as Revoluções Americana e Francesa teriam
contribuído de forma decisiva na inauguração de novas práticas constitucionais. Dippel
afirma, ainda, que não se tem um conhecimento completo, capaz de determinar exatamente as
origens e a formação dessa cultura constitucional. Nesse sentido, assim sustenta:

Hoje, na aurora do século XXI, depois de quase dois séculos de vigência do


constitucionalismo moderno, somos obrigados a admitir que o nosso conhecimento
da sua história ainda está no início. Que o constitucionalismo moderno surgiu no
século XVIII parece ser um fato indiscutível. (...) Contudo, no momento em que
damos conta dessa aceitação global de um princípio político, por muito singular que
seja, e em que autores como Bruce Ackerman cunharam já o termo
“constitucionalismo mundial”, somos também obrigados a admitir que, apesar de
Mcllwain, de Fioravanti e de muitos outros acadêmicos, ainda não conhecemos de
forma completa as origens e a formação desta cultura constitucional 93.

91
Luis Roberto Barroso, Curso de Direito Constitucional Contemporâneo, cit., p. 9.
92
Dalmo de Abreu Dallari, A Constituição na vida dos povos: da Idade Média ao século XXI, São Paulo:
Saraiva, 2010, p. 45-46.
93
Horst Dippel, História do Constitucionalismo moderno: Novas perspectivas, Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 2007, p. 1-2.

26
Talvez, por esse motivo, as explicações relativas ao surgimento e ao
desenvolvimento do constitucionalismo, advindo desse período revolucionário, se tornem, por
vezes, um pouco confusas. Na verdade, as consequências trazidas pelas grandes revoluções
foram capazes de modificar a estrutura organizatória e as bases em que se assentavam os
Estados. Tais consequências transformaram o papel do Estado na sociedade e fizeram surgir
uma nova espécie de Estado, que, no momento pós-revolucionário, assumiu o adjetivo de
Estado Liberal.

O fato é que, com o advento das revoluções que impulsionaram o surgimento do


Estado Liberal, houve um estreitamento da relação existente entre o Estado e a Sociedade,
possível de notar na análise do artigo 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,
ao estabelecer, de forma expressa, que toda sociedade tem uma Constituição94. Portanto,
percebe-se que tal artigo não é direcionado para o Estado, uma vez que estabelece uma
conexão direta entre a Sociedade e a Constituição.

Assim, o corpo jurídico representado pela Constituição destinava-se ao corpo social


e, desse modo, seria possível explicar a ideia por trás do termo „Constituição da República‟,
uma vez que a Constituição não se refere exclusivamente ao Estado e, sim, à própria
comunidade política. Contudo, a partir do século XIX, houve uma modificação na relação
existente entre Constituição e Sociedade, que proporcionou uma evolução semântica do
conceito de Constituição e passou a ter como referente o Estado. Assim, a Constituição
passou a ser compreendida como o a lei conformadora do corpo político que efetivamente
constituía o Estado que a criou95.

Essa afirmação talvez seja capaz de explicar a constatação exposta por Horst Dippel
no sentido de que, apesar de existir um grande número de estudos no campo do Direito
Constitucional, que pretendem explicar as origens do constitucionalismo moderno e sua
formação, poucos realmente ensinaram sobre a sua história. Segundo o autor, em todos esses
estudos, a unidade de análise escolhida foi o Estado e prejudicou, assim, uma perspectiva
direcionada para um nível mais elevado96.

94
Artigo 16 – Toute société dans laquelle La garantie des droits n‟est pás assurée, ni La separation dês
pouvoirs déterminée n‟a point de Constitution.
95
Joaquim José Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit., p. 88.
96
História do Constitucionalismo moderno, cit., p. 4.

27
Com o surgimento do Estado Liberal, ocorreu uma completa separação do Estado e
da Sociedade, uma vez que as leis eram estabelecidas apenas em razão da organização dos
Poderes do Estado. Reduziu-se, assim, o conceito de Constituição a uma simples lei do
Estado, o que contribuiu para a formalização da ideia de que a Constituição somente poderia
ser entendida através do Estado97.

Portanto, as explicações acerca do constitucionalismo moderno ainda se estabelecem


a partir da compreensão do Estado, em especial, o Estado Liberal, que se teria configurado no
chamado Período Moderno. O indivíduo passou a ser guiado pelo ideal da liberdade e o
Estado assumiu a feição de não interventor. Mas, para que o Estado fosse capaz de continuar
no controle das atividades da sociedade, utilizou-se dos conceitos racionalistas para criar o
princípio da legalidade e, assim, inaugurou um período de império da lei.

Para Celso Bastos, o Estado liberal, também chamado de Estado constitucional, tem
dois fundamentos principais: a história política da Inglaterra e o Iluminismo francês do século
XVIII98. Entretanto, seria possível afirmar que o conceito moderno de Constituição surgiu a
partir do desenvolvimento das Constituições americana e francesa.

Dando prosseguimento à análise histórico-descritiva, iniciada nos séculos XVII e


XVIII, consagrou-se a Teoria do Liberalismo99, que serviu de base para o surgimento dos
Direitos Fundamentais e rejeição ao poder arbitrário propagado pelo Absolutismo. O
Liberalismo ficou conhecido como o movimento de expressão máxima dos ideais de
liberdade, mas suas posições doutrinárias também traziam proposições do individualismo e do
racionalismo. A liberdade era exaltada como bem supremo, mas a igualdade e a fraternidade,

97
Joaquim José Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit., p. 89. Para Canotilho,
existem três razões fundamentais capazes de explicar a transmutação da Constituição da República para a
Constituição do Estado: a) a evolução semântica do conceito de constituição; b) a progressiva estruturação do
Estado Liberal; e c) a influência da filosofia hegeliana e da jusblicística germânica, que compreendiam a
Constituição como uma ordem de um Estado.
98
Curso de Teoria do Estado e Ciência Política, cit., p. 138.
99
Segundo Martin Kriele, o Liberalismo foi um movimento político que buscava atingir dois objetivos: o Estado
Constitucional e a economia de mercado. Por se tratar de uma filosofia propagada pela sociedade burguesa de
mercado, o Estado Constitucional formado a partir do Liberalismo seria, assim, um Estado da classe
burguesa, a serviço dos produtores e comerciantes. No entanto, convém observar que a economia de mercado
não é apoio confiável do Estado Constitucional, já que esta parte da doutrina liberal voltada para o aspecto
econômico apenas encontrará respaldo nos valores fundamentais da pessoa humana. (Introdução à Teoria do
Estado, cit., p. 240).

28
valores também propagados pela Revolução Francesa, foram legados a um plano
secundário100.

De acordo com a doutrina liberal, o Estado só será constitucional e racionalmente


constituído se os indivíduos desfrutarem de liberdade, segurança e propriedade, sendo ainda
necessária a distribuição paritária do poder entre os órgãos do governo101. Tinha como
pressuposto atingir o bem-estar comum com a menor presença possível do Estado. No
entender de Celso Bastos:

O fundamental é que o indivíduo seja livre para atingir e realizar as suas opções
fundamentais. Do Estado, espera-se muito pouco: basicamente que organize um
exército para defender a sociedade contra o inimigo externo. Que assegure a boa
convivência internamente mediante a polícia e o Judiciário, incumbidos de aplicar as
leis civis e as leis penais. Tudo o mais, saúde, educação, previdência, seguro social,
será atingido pela própria atividade civil. Prega-se, portanto, o Estado absenteísta.
Quanto menos, melhor, ou, se preferir, o Estado é um mal necessário 102.

Assim, do ponto de vista político, a Constituição passou a ser compreendida como


uma garantia contra o absolutismo e o exercício arbitrário do poder, capaz de definir uma
forma de organização política mais voltada para o respeito do indivíduo e de seus direitos.
Portanto, a ideia de Constituição trazida pelo constitucionalismo liberal é de “uma garantia e,
103
ainda mais, de uma direção de garantia” . O objetivo principal é a proteção dos direitos
conquistados pelos indivíduos e a Constituição seria apenas o meio para atingi-lo e deveria
continuar a salvaguardar a liberdade conquistada pelos cidadãos de forma contínua.

No constitucionalismo moderno, a Constituição passa a ser o instrumento capaz de


dar forma às garantias de liberdade, mas também deve incluir, em seu conteúdo, diretrizes
específicas a respeito da divisão do poder. Essa valorização da Constituição como um
documento escrito surgiu a partir da edição da Constituição dos Estados Unidos de 1787 e da
Revolução Francesa em 1789104.

Esses eventos que marcam o início do Constitucionalismo Moderno também indicam


que o sentido de Constituição não teria surgido do mesmo modo na Europa e na América,
porque o processo histórico de formação desses instrumentos conceituais foi diferente.

100
Dalmo de Abreu Dallari, A Constituição na vida dos povos, cit., p. 104.
101
Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, t. II, cit., p. 17. Evidencia-se aqui o princípio da separação
dos Poderes e o primeiro mandamento da Revolução Francesa: liberdade.
102
Curso de Teoria do Estado e Ciência Política, cit., p. 139.
103
Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, t. II, cit., p. 18.
104
André Ramos Tavares, Curso de Direito Constitucional, cit., p. 33.

29
Enquanto nos Estados Unidos, a Constituição recebeu, desde a sua origem, o caráter de norma
fundadora do Estado e tornou-se a norma fundamentadora de todo o sistema jurídico, na
Europa, o reconhecimento da primazia constitucional foi muito mais complexo.

Tendo em vista a existência prévia do regime absolutista, a preocupação central do


constitucionalismo desenvolvido na Europa baseava-se na reestruturação do poder político,
especialmente o do Rei 105. Portanto, a missão do Estado de Direito Liberal surgido na Europa
era proteger a liberdade dos indivíduos, por meio de documentos escritos capazes de
assegurar a separação de Poderes e estabelecer direitos e garantias fundamentais.

A principal preocupação da época era proteger os indivíduos do Poder Estatal


configurado no Antigo Regime. Por meio do Direito, especialmente com a utilização da
Constituição na sua forma escrita, foi possível proporcionar a distribuição igualitária do poder
com a criação de parlamentos e tribunais, onde um poder seria capaz de limitar outro poder.

A necessidade de tecer pormenores sobre a organização do poder justifica a adoção


de um modelo escrito de Constituição também na Europa. Antes do surgimento do Estado
Liberal, o poder era considerado mero atributo do Rei e os indivíduos eram considerados
como súditos e não como cidadãos. Assim, a aplicação das ideias racionalistas aos ideais
libertários proporcionou o estabelecimento um conjunto harmônico de normas registradas por
escrito.

Dessa forma, a lei passou a ser um ato supremo e, somente por meio dela, o Estado
seria capaz de justificar e validar suas ações. Assim, no Estado Liberal, desenvolve-se o
princípio da legalidade, que assinala a derrota do Absolutismo e do Antigo Regime106. Ao
expressar o Direito, a lei determina a contenção do poder do Estado, no contexto da
experiência social vivenciada em cada momento histórico107. Com isso, protegia-se a
liberdade conquistada e combatiam-se as antigas tradições absolutistas.

Por tudo isso, a Constituição escrita surge como uma necessidade no continente
europeu, tendo em vista que a ordenação desses mandamentos se torna complexa demais para
se basear apenas em normas esparsas e costumeiras. Dessa forma, é possível dizer que a
principal mudança surgida com o desenvolvimento do Estado Liberal na Europa foi o

105
Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, t. II, cit., p. 20.
106
Gustavo Zagrebelsky, El Derecho dúctil, cit., p. 24.
107
Maria Garcia, Desobediência Civil: direito fundamental. 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 72.

30
estabelecimento de limitações ao poder e, principalmente, a forma como esse poder é
distribuído.

Consequentemente, essa concepção torna a Constituição o instrumento capaz de


estabelecer limites e fundamentos ao poder público, mas, principalmente, os fundamentos de
toda a ordem jurídica108. Assim, é a Constituição que estabelece os Poderes do Estado e, por
isso, todas as normas do Estado que se encontram abaixo da Constituição devem estar com ela
em total acordo, já que somente assim também serão consideradas legítimas e válidas.

Assim, difundiu-se na Europa a ideia de imutabilidade e perpetuidade das


Constituições escritas, tendo em vista a sua intangibilidade por meio do princípio da rigidez
constitucional. Com base na Constituição escrita e na fixação de regras jurídicas para
subordinar o poder político ao Direito, a Constituição, além de adotar um sentido jurídico,
também carrega um sentido político, uma vez que ela estaria presente nas Constituições
costumeiras anteriores109.

Convém ressaltar, ainda, que as características típicas do constitucionalismo


moderno também encontram origem num movimento, cuja finalidade era introduzir no
continente europeu uma ordenação semelhante à que vigorava na Inglaterra. Para Santi
Romano, tais características “derivam de um longo e importantíssimo movimento político ou
doutrinário que, nos Estados do continente europeu, amadureceu com a Revolução Francesa,
mas de fato é muito antigo” 110.

Desta forma, institutos como a monarquia constitucional, o parlamento bicameral, a


representação política, as liberdades públicas e suas garantias constitucionais são exemplos da
forte influência do Direito inglês no Direito constitucional do Estado Moderno. Mas o fato é
que o constitucionalismo europeu111 recebeu diversas influências até o seu completo
desenvolvimento.

108
Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, t. II, cit., p. 19.
109
Dalmo de Abreu Dallari, A Constituição na vida dos povos, cit., p. 30.
110
Princípios de Direito Constitucional Geral, cit., p. 42.
111
Quanto ao desenvolvimento do constitucionalismo fora da Europa, observa-se que, na América Central e
Meridional, em populações de dominação espanhola e portuguesa, eram proclamadas constituições escritas
como o modelo norte-americano, conforme a tendência europeia. Já na Ásia, principalmente no Japão,
apesar de terem sido proclamadas constituições escritas, não havia possibilidade de estas serem interpretadas
nos moldes das concepções jurídicas europeias ou norte-americanas, tendo em vista a permanência de fortes
tradições, que já fazem parte da cultura e do espírito nacional do povo. (Santi Romano, Princípios de Direito
Constitucional Geral, cit., p. 54). No Japão permanece ainda a figura do „Tenno‟ – o enviado de Deus – que é
o Imperador, a figura do governo, da autoridade e do Estado. Apenas a título de esclarecimento, uma vez que

31
Joaquim José Gomes Canotilho estabelece modelos teóricos para melhor
compreender o desenvolvimento da ideia constitucional. Assim, o autor classifica o
desenvolvimento do constitucionalismo em modelo historicista, modelo individualista e
modelo estadualista112.

Cada um dos modelos trazidos pelo autor busca responder a questões relativas ao
desenvolvimento do constitucionalismo britânico, francês e americano. Portanto, convém
aprofundar-se um pouco mais acerca das experiências precursoras do constitucionalismo
moderno, observadas na Inglaterra, nos Estados Unidos da América e na França.

1.3.2.1. O Direito consuetudinário inglês como fonte dos ideais constitucionalistas

Para Santi Romano, o constitucionalismo dos Estados Modernos é produto do


desenvolvimento do Direito constitucional inglês. O autor explica que o movimento político
e doutrinário, que resultou no surgimento do Direito constitucional do Estado Moderno,
seria muito mais antigo e, nos Estados do continente europeu, só teria amadurecido com o
advento da Revolução Francesa113.

Após a revolução puritana, a nova classe média ocupou o seu devido espaço no
Parlamento inglês e exigiu sua participação no processo político, além de reivindicar
limitações para a Coroa. Em 1678, com a Revolução gloriosa, o Parlamento venceu e a
monarquia absoluta foi substituída pela monarquia constitucional, com o estabelecimento de
limitações constitucionais à Coroa114.

o estudo do constitucionalismo desenvolvido nos países orientais toma direção completamente diferente da
dos países ocidentais, em razão da forte tradição cultural e religiosa que conservam, ainda hoje, seus traços
sociais mais primitivos. Karl Loewenstein explica que, nos países dos impérios orientais da antiguidade, a
ideologia aplicada era a da Teocracia, sistema em que os detentores do poder na terra seriam meros agentes
ou representantes do poder divino. No Oriente, os valores religiosos e “seculares” estavam fusionados e a
teocracia apareceu com diferentes nomes e formas no mundo islâmico, no budismo e no xintoísmo e é um
tipo de governo que até hoje ainda se mantém no Tibet. Portanto, o desenvolvimento constitucional no
Oriente é extremamente ligado às tradições culturais e religiosas daquele povo. (Teoría de la Constitución,
cit., p. 154).
112
Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit., p. 55.
113
Princípios de Direito Constitucional Geral, cit., p. 43.
114
Karl Loewenstein, Teoría de la Constitución, cit., p. 157. Segundo o autor, neste período teria surgido a
primeira constituição escrita. No lugar de documentos outogardos pela coroa, outros começaram a surgir.
Primeiramente surgiu o Fundamental Orders of Connecticut (1639). Depois, o Agreement of the people
(1647) foi criado em plano privado, mas acabou sendo considerado o documento mais influente da Inglaterra,
considerado como o primeiro projeto de uma constituição moderna. Em 1654, o Instrument of Goverment
seria a primeira constituição escrita válida do Estado Moderno. Mais tarde, outras leis igualmente
importantes surgiram o Habeas Corpus Act de 1679, o Bill of Rights de 1668 e o Act of Settlement 12 &13

32
Na Inglaterra, as limitações constitucionais impostas à Coroa, apesar de serem
identificadas em inúmeros documentos escritos, não foram capazes de formar um documento
único. A existência de um documento formal escrito com a finalidade de ser reconhecido
como Constituição foi dispensada, visto que o próprio povo já reconhecia a importância
constitucional das suas leis fundamentais e lhes conferia a solenidade necessária, como se
tivessem sido documentadas formalmente.

Todavia, não convém referir-se à Inglaterra como um Estado sem Constituição


escrita. André Ramos Tavares observa que na atualidade não mais existem Constituições
estritamente costumeiras, formado por um conjunto de orientações normativas não
positivadas. Nas palavras do autor:

Na Inglaterra de hoje não se pode mais admitir que se trate de um sistema no qual a
Constituição seja exclusivamente costumeira. Pelo contrário, o ordenamento jurídico
inglês compõe-se do denominado Direito estatutário e das convenções
constitucionais, ao lado da jurisprudência e dos costumes (especialmente
parlamentares)115.

Portanto, a Inglaterra possui uma Constituição que é produto do desenvolvimento


histórico, mas possui lastro nas convenções e nas leis constitucionais, conforme observa Luís
Roberto Barroso:

As convenções são práticas consolidadas ao longo dos séculos no exercício do poder


político, incluindo sua organização e repartição de competências. (...) Já as leis
constitucionais são atos do Parlamento e têm natureza constitucional não em razão
da forma de votação, mas do seu conteúdo, por lidarem com matéria afetas ao poder
político e aos Direitos Fundamentais.116

Assim como Santi Romano, Mario G. Losano também identifica as leis fundamentais
da Inglaterra na origem do constitucionalismo europeu. Segundo explica o autor, a história
jurídica inglesa é uma contraposição ininterrupta de leis setoriais do soberano e de constumes

de 1700). Contudo, os Ingleses acabaram por abandonar a concepção de uma lei fundamental escrita e se
contentaram com a regulação em leis individuais de sua ordem fundamental. Luís Roberto Barroso também
inclui neste rol, a Magna Charta de 1215 e a Petition of Rights de 1689. A Magna Charta, em razão da
amplitude de seus termos, é considerada um marco simbólico da história constitucional como uma carta geral
de liberdades públicas. Tratava-se de um documento responsável pela imposição da força política dos barões
do feudalismo ao Rei, capaz de resguardar dos direitos relativos à propriedade, à tributação e às liberdades,
inclusive a religiosa. Já a Petition of Rights, foi considerada o primeiro documento imposto pelo parlamento
ao Rei que continha substanciais limitações ao seu poder. (Curso de Direito Constitucional Contemporâneo,
cit., p. 10-11).
115
Curso de Direito Constitucional, cit. p. 91.
116
Curso de Direito Constitucional Contemporâneo, cit., p. 13.

33
não-escritos. É “da interação entre esses elementos que surge aquele sistema de limitações ao
poder soberano que, no século XVIII, serve de modelo a quem deseja limitar as monarquias
do continente europeu” 117.

No entanto, importa ressaltar que, apesar de derivarem do direito constitucional


inglês, as Constituições elaboradas com base nas influências do constitucionalismo da
Inglaterra são ordenações autônomas, dotadas de características próprias. Contudo, segundo
Santi Romano, a recepção do direito público inglês na Europa somente deve ser tratada em
sentido impróprio, já que “se trata de uma pálida e inexperiente imitação, através da qual as
instituições inglesas foram, no seu espírito, substancialmente reelaboradas e mesmo
deformadas” 118.

Tal afirmativa se refere ao fato de que a Inglaterra se encontra sempre sobre a mesma
base, não interrompe ou, quando muito, restaura sem grandes modificações a atividade
legislativa, enquanto as Constituições de outros Estados têm tido caracteres mais ou menos
revolucionários. Esse aspecto é capaz de refletir-se diretamente na forma que as Constituições
adquirem. A Inglaterra nunca teve Constituição escrita, mas, quando o modelo de ordenação
inglesa foi transplantado para outros lugares, prevaleceu o sistema de redigir o Direito
constitucional119.

Segundo Luís Roberto Barroso, como a Constituição inglesa não possui forma de um
texto escrito, tem, portanto, natureza flexível, embora essa flexibilidade proporcione a
alteração da Constituição mediante ato do Parlamento120, já que, na Inglaterra, o modelo de
democracia se baseia na supremacia do Parlamento e não na da Constituição.

Todavia, os atos normativos ingleses foram capazes de influenciar o


constitucionalismo europeu através de duas vias, segundo propõe Mario G. Losano. A
primeira delas é a via direta, referente à análise das instituições inglesas através de escritos e

117
Os grandes sistemas jurídicos: Introdução aos sistemas jurídicos europeus e extra-europeus, Tradução de
Marcela Varejão, São Paulo: Martins Fontes, 2007.
118
Princípios de Direito Constitucional Geral, cit., p. 51.
119
Princípios de Direito Constitucional Geral, cit., p. 44. Importante observar que o modelo de ordenação
inglesa, baseado em normas costumeiras, serviu de base para o surgimento de um modelo de
constitucionalismo, cujo fundamento é a formalização por escrito de normas constitucionais. Trata-se,
portanto, da tentativa de redigir um modelo não escrito, pois o modelo inglês de Constituição consuetudinária
não é formalizado.
120
Luís Roberto Barroso, Curso de Direito Constitucional Contemporâneo, cit., p. 13.

34
traduções. Já a via indireta seria aquela que deriva da influencia do modelo estatal inglês
sobre as suas colônias, especialmente, as norte-americanas121.

Nestes termos, José Joaquim Gomes Canotilho identifica as contribuições jurídicas


do modelo inglês para o desenvolvimento do modelo constitucional: a) o estabelecimento da
liberdade como liberdade pessoal de todos e como segurança da pessoa e de seus bens; b) a
criação de um processo justo e regulado por lei (due processo of Law); c) a interpretação das
leis do país (Laws of the land) realizada por juízes, que vão estabelecendo o direito comum de
todos os ingleses (Common Law); e d) a ideia de representação e soberania parlamentar na
estruturação de um governo moderado122.

Portanto, ainda que ressalte tamanha diferença, quando comparado ao modelo de


Constituição escrita, o modelo constitucional inglês exerceu fortes influências para o
estabelecimento do constitucionalismo moderno. Santi Romano avalia que as influências do
direito inglês são facilmente perceptíveis quando da existência das seguintes características: a)
monarquia constitucional; b) parlamento bicameral; c) representação política (ao menos em
duas Câmaras, com membros eleitos pelo povo); d) governo de gabinete; e e) liberdades
públicas e garantias constitucionais123.

Cumpre salientar ainda que o direito constitucional inglês baseava-se em uma


Constituição equilibrada entre rei e o parlamento, na forma de uma Constituição mista, onde o
poder era partilhado entre o monarca e outros órgãos do governo. Este balanceamento das
forças políticas foi responsável pelo surgimento da forma representativa e da soberania
parlamentar124. Também teria sido na Inglaterra do século XVII que surgiu pela primeira vez
a doutrina da separação de poderes, ligada à ideia da Rule of Law. Segundo André Ramos
Tavares, diante da pretensão antiabsolutista da época, formou-se a necessária separação entre
a função legislativa e executiva, condição para o desenvolvimento válido da Rule of Law125.

121
Os grandes sistemas jurídicos, cit., p. 75. Ao estabelecer tal relação seria possível entender as influências
exercidas pelo constitucionalismo inglês no desenvolvimento do constitucionalismo norte-americano que,
posteriormente, resultou no surgimento do constitucionalismo moderno. Todavia, conforme se explicará mais
adiante, há indícios de que o constitucionalismo desenvolvido nos Estados Unidos introduziu uma linguagem
mais clara e direta, cujos direitos se encontravam de fácil identificação, diferentemente da linguagem
utilizada nas cartas inglesas. (Horst Dippel, História do Constitucionalismo moderno, cit., p. 5-6)
122
Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit., p. 53-54.
123
Princípios de Direito Constitucional Geral, cit., p. 51-52.
124
José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit., p. 56.
125
Curso de Direito Constitucional, cit., p. 30.

35
Diante de tais, não se pode negar a importância do modelo constitucional inglês para
o surgimento do Constitucionalismo moderno, já que tais características se encontram
presentes em quase todos os modelos de Estado constitucional, estabelecidos a partir da Idade
Moderna.

1.3.2.2. O constitucionalismo americano como fonte primária do Constitucionalismo


moderno

A compreensão de Constituição como uma lei escrita de natureza superior é um


produto obtido a partir da conjugação de costumes e ideais teóricos. Tal sentido de
Constituição teria tido origem no final do século XVIII nos Estados Unidos da América,
quando da busca por uma forma de governo capaz de conjugar liberdade e proteção dos
Direitos Fundamentais dos indivíduos126.

A Constituição escrita americana surgiu com o objetivo de se estabelecerem regras


básicas e objetivos para o novo ordenamento que estaria por formar-se. As várias colônias
britânicas que se constituíram na margem atlântica da América do Norte eram regidas por
cartas ou concessões promulgadas pela Inglaterra, estabelecendo-se, assim, a expansão extra-
européia do direito inglês127. Mas foi a partir da Revolução Americana que se tornou possível
o surgimento das primeiras Declarações de Direitos das colônias, possibilitando a estruturação
de um documento que passaria a ser conhecido como Constituição dos Estados Unidos da
América. As bases filosóficas que sustentaram os ideais consolidados na Constituição
americana têm origem nas ideias políticas do século XVIII acerca da liberdade e garantia de
direitos naturais da pessoa humana.

Através da Revolução, os americanos pretenderam reafirmar os direitos contidos no


Bill of Rights britânico, porém de uma forma diferente, já que quem reclamou estes direitos na
América do Norte foi o „povo‟ e não o parlamento. Assim, a Constituição era inspirada em
princípios diferentes daqueles que fundamentam o direito constitucional inglês128.

Surge a ideia da existência de uma lei superior, contra as leis do legislador, no


momento em que é o „povo‟ que toma decisões. Formaliza-se assim a ideia básica de

126
Dalmo de Abreu Dallari, A Constituição na vida dos povos, cit., p. 229.
127
Mario G. Losano, Os grandes sistemas jurídicos, cit., p. 77.
128
José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit., p. 58

36
democracia dualista, exposta por Bruce Ackerman, por meio da qual a tomada de decisões é
dividida entre o „povo‟ e o governo. As decisões do povo são tomadas apenas em momentos
constitucionais, ou seja, em momentos raros e diante de condições especiais. Já as decisões
tomadas pelo governo ocorrem diariamente, porém, devem obedecer a determinadas
condições129.

Dalmo de Abreu Dallari afirma que a Constituição americana assume natureza


jurídica de lei fundamental, porque, além de fixar a síntese das ideias inspiradoras e os
objetivos práticos do novo sistema, também traz a expressão de um ideal político130. Por meio
da sua elaboração, inaugurou-se uma República, porque criava um novo sistema político
escolhido pelo povo, com o estabelecimento de limites que proporcionava a sua perpetuidade
futura e impedia o uso arbitrário do poder.

Conforme explica Horst Dippel, a Declaração de Direitos do Estado de Virgínia de


1776 teria sido o documento revolucionário mais importante, capaz de explicar o início da
história do constitucionalismo moderno nos Estados Unidos131. Por muito tempo, os
americanos estavam acostumados a firmar Declarações de Direitos, empregando vocabulário
semelhante ao utilizado nas Cartas inglesas. Todavia, os delegados de Virgínia introduziram
um novo vocabulário e inauguraram um novo tipo de linguagem. No preâmbulo da
Declaração de Direitos do Estado de Virgínia de 1776, assim constava:

Uma declaração de direitos feita pelos representantes do bom povo de Virgínia,


reunido numa convenção livre e plena, direitos esses que lhe pertencem, bem como
à sua posteridade, enquanto base e fundamento de governo 132.

A utilização de expressões como “representantes do bom povo de Virgínia” e


“convenção livre e plena” demonstrou que não se tratava de um documento estabelecido em
qualquer assembleia, mas, sim, um documento escrito deliberadamente, uma verdadeira
Declaração de Direitos, por assim dizer. Nas palavras de Horst Dippel,

(...) aqueles representantes tinham declarado direitos que pertenciam concretamente


ao povo e à sua descendência, e não à sua própria assembleia ou convenção, por
oposição a outras instituições. Estes direitos serviam, na mais revolucionária de

129
Nós, o povo soberano: fundamentos do Direito Constitucional, Tradução de Mauro Raposo de Mello, Belo
Horizonte: Del Rey, 2006, p. 7.
130
Dalmo de Abreu Dallari, A Constituição na vida dos povos, cit., p. 230.
131
História do Constitucionalismo moderno, cit., p. 5.
132
História do Constitucionalismo moderno, cit., p. 6.

37
todas as frases, “como base e fundamento de governo”, uma afirmação até aí
completamente desconhecida e que colidia com qualquer interpretação possível da
Constituição inglesa133.

Conforme explica Dalmo de Abreu Dallari, a especial participação do Estado de


Virgínia fundamenta-se no fato de que lá havia lideranças conhecedoras das mais avançadas
propostas teóricas. Entre essas lideranças, aponta-se Thomas Jefferson, cuja família se
estabelecia em Virgínia e teria sido enviado para Paris como representante da Confederação
dos Estados Unidos apenas alguns anos antes do surgimento da Constituição americana.
Segundo consta, Thomas Jefferson teria enviado de Paris, para seus companheiros políticos
nos Estados Unidos, centenas de livros sobre política, história, filosofia e outras obras capazes
de ajudar na organização das antigas colônias britânicas134.

Em relação a essa possível influência do Direito francês e do Direito americano,


Santi Romano afirma que é difícil determinar concretamente, já que as teorias francesas
difundidas antes da Revolução de 1789 poderiam ter influenciado de alguma forma as
Constituições americanas e, por isso, quando a França adotou como modelo as cartas escritas
americanas, elas já continham, em sua substância, princípios que expressariam as teorias
difundidas por franceses, como Montesquieu135.

Todavia, para Santi Romano, a filosofia do século XVIII não teria influído muito na
natureza jurídica dos institutos surgidos na América, já que teriam servido de base apenas por
um curto momento e rapidamente se emanciparam dessas ideias. Os americanos teriam
sobrevivido após o declínio dos princípios trazidos pela doutrina francesa e demonstrado mais
vitalidade do que estes, o que, definitivamente, mostraria a capacidade de o Direito americano
ter influenciado mais na distribuição das ideias constitucionalistas no mundo do que o Direito
francês136. Nesse sentido, assim sustenta o autor:

(...) a imediata fonte principal do constitucionalismo francês deve ser buscada não
nas doutrinas filosóficas que floresceram na França no século XVIII, principalmente
naquela de Rousseau, mas nas cartas americanas, logo, é falsa a afirmação de que
tais doutrinas lhe deram figura e alma particulares. Na América, a democracia e o
constitucionalismo têm tido um caráter essencialmente religioso, remontam à
Reforma e às lutas por esta geradas, conservam sempre os traços dessa sua
característica originária; na França, pelo contrário, preparadas por um movimento
filosófico aludido, adquiriram um aspecto mais simples e puramente político;

133
História do Constitucionalismo moderno, cit., p. 7.
134
A Constituição na vida dos povos, cit., p. 231
135
Princípios de Direito Constitucional Geral, cit., p. 52.
136
Princípios de Direito Constitucional Geral, cit., p. 53.

38
portanto, ao serem difundidas no continente europeu, foram adotadas com tal
aspecto137.

Portanto, não é de surpreender a afirmação de Horst Dippel de que a Declaração de


Direitos do Estado de Virgínia marcou o verdadeiro nascimento do constitucionalismo
moderno138. De fato, tudo mudou a partir da sua elaboração, já que não havia existência
anterior de documento escrito capaz de proclamar de forma tão livre e direta a soberania
popular, os princípios universais e os direitos inerentes à condição humana como base e
fundamento de governo.

Assim, antes mesmo da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, já


havia, em 1776, uma Declaração de uma antiga colônia britânica, que proclamava critérios
considerados constitutivos do constitucionalismo moderno, uma vez que assegurava
princípios fundamentais e elementos estruturais entendidos como indispensáveis na
elaboração de uma carta de direitos.

Interessante notar que, conforme observa Horst Dippel, nenhum dos critérios
estabelecidos na Declaração de Direitos do Estado de Virgínia era realmente novo. Todos já
haviam sido discutidos nas colônias britânicas, mas a linguagem como esses critérios foram
proclamados, com a utilização de expressões diretas e claras, fez com que parecesse uma
novidade139.

Na cultura revolucionária americana, a Constituição serviu para constituir uma


ordem política informada pelos princípios do governo limitado, pois assenta a ideia da
limitação normativa do domínio político por intermédio da lei escrita. Assim, a Constituição
se estabelece como um acordo celebrado pelo povo com a finalidade de criar um governo
vinculado a uma lei fundamental. Esta característica se torna essencial para compreender o
importante papel desempenhado pelo poder judicial no constitucionalismo americano140.

Pelo fato de já ter avançado nas discussões sobre independência e sistema ideal de
governo, além de também deixar claro o seu rompimento com a Inglaterra, a Declaração de

137
Princípios de Direito Constitucional Geral, cit., p. 52.
138
História do Constitucionalismo moderno, cit., p. 8.
139
História do Constitucionalismo moderno, cit., p. 10.
140
José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit., p. 60

39
Direitos do Estado de Virgínia serviu de ponto de partida para a Constituição dos Estados
Unidos da América, que somente seria aprovada em 1787.

A Declaração de Direito do Estado de Virgínia também estabeleceu um catálogo


completo dos traços essenciais do constitucionalismo moderno. São dez traços essenciais,
expressos, na Declaração que seriam identificadores do constitucionalismo moderno: a)
soberania popular; b) princípios universais; c) direitos humanos; d) governo representativo; e)
constituição como direito supremo; f) separação de poderes; g) governo limitado; h)
responsabilidade e sindicabilidade de governo; i) imparcialidade e independência dos
tribunais; j) reconhecimento ao povo do direito de reformar o próprio governo e do poder de
revisão141.

Diferentemente, a Declaração Francesa de 1789, apesar de conter os traços essenciais


do constitucionalismo moderno, em parte alguma aborda a independência do poder judicial, a
sindicabilidade, o governo ilimitado ou a Constituição como direito supremo reforçado. No
entanto, mesmo não sendo reproduzidos por completo, os dez traços essenciais de Virgínia
somente se tornaram um fenômeno global como elementos constitutivos do
constitucionalismo moderno porque foram recebidos na França por meio do art. 16 da
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão142.

Existe a ideia de que a Constituição americana representa a formalização por escrito


e simplificada do Direito Constitucional Inglês, porque, tanto o Direito francês como o
americano se teriam tornando um meio pelo qual as influências do Direito inglês foram
levadas para outros Estados.

Contudo, diante de todo o exposto acerca da Declaração de Direitos do Estado de


Virgínia, é possível afirmar que o constitucionalismo moderno teria iniciado nos Estados
Unidos da América, visto que ficou evidente a ruptura surgida entre as instituições políticas
britânicas e as colônias americanas. A Declaração de Virgínia, bem como os ideais que
fundamentaram o surgimento da Constituição americana em nada se assemelham aos
conceitos vagos e esparsos advindos das cartas britânicas, típicos do direito consuetudinário
adotado na Inglaterra.

141
Horst Dippel, História do Constitucionalismo moderno, cit., p. 10.
142
Horst Dippel, História do Constitucionalismo moderno, cit., p. 16.

40
No entanto, não se pode deixar de considerar certo resquício da influência das ideias
filosóficas difundidas na França no século XVIII. Certamente, alguma lição Thomas Jefferson
e outros ideários políticos americanos aproveitaram a literatura importada da França, porque
não se pode afirmar que, sem o acesso às ideias revolucionárias francesas, a Declaração do
Estado de Virgínia seria escrita nos mesmos moldes.

1.3.2.3. O constitucionalismo francês como fundamento filosófico do constitucionalismo


moderno

Tendo em vista as ideias já expostas acerca do constitucionalismo inglês e


americano, resta conferir ao constitucionalismo francês o importante papel de precursor do
fundamento filosófico capaz de originar o desenvolvimento do constitucionalismo moderno
na sua forma mais acabada, ou seja, mediante adoção de um documento escrito que comporte
expressões claras de tais ideais filosóficos.

Não se trata, portanto, de negar a importância da Revolução Francesa e da


Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão na história do constitucionalismo. Mas o
fato é que aquele modelo constitucional, iniciado na Inglaterra e baseado na limitação do
poder real, passou a ser também adotado na França no momento pós-revolucionário e a maior
contribuição para que isso efetivamente acontecesse foi do constitucionalismo americano.

Para Santi Romano, o surgimento das Constituições americanas contribuiu de forma


decisiva para que a França adotasse o modelo constitucional inglês, porque se inspiravam em
princípios semelhantes aos dos ingleses, mas adotavam um modelo escrito claro e breve e
diferenciavam-se, assim, das inúmeras fontes e textos acumulados ao longo dos séculos pelo
Direito constitucional inglês143.

A principal observação que se põe neste sentido é a de que a narrativa historicista


não é capaz de fornecer um esquema interpretativo do constitucionalismo francês,
reconhecidamente de origem revolucionária e, por isso, somente se pode compreender o seu
desenvolvimento no campo das rupturas revolucionárias do século XVIII. Tal constatação,
exposta por José Joaquim Gomes Canotilho, é elemento essencial para justificar porque que a
formação constitucional francesa não tem os mesmos traços do evolucionismo britânico,

143
Princípios de Direito Constitucional Geral, cit., p. 50.

41
dando ensejo ao aparecimento de novas categorias políticas como poder constituinte,
soberania nacional e constituição escrita144.

Com a Revolução de 1789 na França e a sua repercussão em outros Estados


europeus, surgiu a necessidade de elaborar novas ordenações. Após a Revolução Francesa,
surgiu a Declaração dos Direitos dos Homens e do Cidadão, seguida pela primeira Carta
Constitucional europeia em 1791, em que tal Declaração apareceu como preâmbulo. Mario G.
Losano destaca que a grande importância da declaração francesa reside em seu caráter
universal, pois “exprime o resultado da revolução naquela forma generalizada herdada da
tradição iluminista” 145.

O fato é que o constitucionalismo francês foi conduzido por um modelo


individualista, pois a Revolução francesa procurou construir uma nova ordem baseada nos
direitos naturais dos indivíduos, legitimada e fundada pelo poder constituinte, por meio de um
plano escrito estabelecido como lei superior: a Constituição146.

Com fundamento na Declaração dos Direitos do Homem, buscava-se a base capaz de


conciliar estes novos ideais com a monarquia. A principal dificuldade encontrada pelos
filósofos iluministas era justificar a adoção de um modelo consuetudinário inglês, diante da
disseminação das ideias racionalistas. Este contraste foi resolvido por meio da adoção de um
documento escrito, capaz de reunir todas as ideias do direito constitucional inglês, só que de
forma mais clara e concisa. Por tal razão, as cartas americanas foram amplamente difundidas
na Europa e “facilitaram a difusão do constitucionalismo de tal forma que se pode dizer que o
direito americano serviu como trâmite entre o direito constitucional inglês e aquele dos vários
Estados constitucionais da Europa” 147

1.4. A expansão do constitucionalismo: o desenvolvimento do direito constitucional no


momento pós-moderno

Já no século XX, a constituição material derivada das concepções racionalistas e


contratualistas do Estado Liberal, inicia um processo de relativização e passa a acolher

144
Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit. p. 56- 57.
145
Os grandes sistemas jurídicos, cit., p. 80.
146
José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constituicional e Teoria da Constituição, p. 57-58.
147
Santi Romano, Princípios de Direito Constitucional Geral, cit., p. 50.

42
outras inspirações filosóficas e ideológicas sob pena ter seu âmbito de aplicação reduzido de
forma significativa148.

Com a evolução da sociedade, o convívio humano tornou-se mais complexo.


Avanços tecnológicos, transformação do processo político e o surgimento de novos valores
são aspectos apontados por Carlos Roberto Siqueira Castro como responsáveis pelo
surgimento de ordenamentos caracterizados por uma extrema abertura da Constituição do
ponto de vista material, tornando vulnerável a concepção constitucional clássica149.

Segundo José Roberto Dromi, no começo do século XX surge um constitucionalismo


social, em substituição ao constitucionalismo liberal. Este constitucionalismo social tem fins
na justiça social, mas não indica qualquer renúncia aos direitos relativos à liberdade
alcançados pelo desenvolvimento do constitucionalismo liberal. Esta nova modalidade de
constitucionalismo surge com o intuito de servir de instrumento para que os direitos humanos
tenham efetiva vigência, numa tentativa de superar o formalismo jurídico150.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948, proporcionou o


reconhecimento da dignidade da pessoa humana, postulado de reconhecimento necessário por
todo o Estado Constitucional Democrático. Seguindo essa tendência, a Constituição brasileira
de 1988 buscou sua inspiração democrática em diversas Constituições adeptas desse ideal:
Constituição Mexicana de 1917, Constituição Italiana de 1947, Constituição Alemã de 1949,
entre outras. Por ser valor essencial do homem, a dignidade da pessoa humana passou a ser o
vértice do ordenamento jurídico brasileiro, o fundamento da organização nacional.

Assim, a Constituição Federal de 1988, institui uma série de mecanismos que


buscam dar eficácia a tais valores e não há dúvidas que o sistema de Direitos Fundamentais
foi convertido como núcleo básico do ordenamento constitucional brasileiro. Para Gisele
Cittadino, a promulgação da Constituição de 1988:

(...) é certamente a expressão definitiva daquilo que Pierre Bouretz designa como
movimento de retorno ao direito do país. Não se trata, como poderia parecer à
primeira vista, de uma mera reconstrução do Estado de Direito após anos de
autoritarismo militar. Mais do que isso, o movimento de retorno ao direito no Brasil

148
Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, t. II, cit., p. 20.
149
Carlos Roberto Siqueira Castro, A Constituição aberta e os Direitos Fundamentais, Rio de Janeiro: Forense,
2005, p. 15.
150
La Reforma Constitucional: El Constitucionalismo del “por-venir”. La reforma de la Constitución, In: El
Derecho Publico de Finales de Siglo: Una perspectiva iberoamericana, Madrid: Editorial Civitas, Fundación
BBV, 1997, p. 108.

43
também pretende reencantar o mundo. Seja pela adoção do relativismo ético na
busca do fundamento da ordem jurídica, seja pela defesa intransigente da efetivação
do sistema de direitos constitucionalmente assegurados e do papel ativo do
Judiciário, é no âmbito do constitucionalismo democrático brasileiro que se pretende
resgatar a força do direito, rompendo com a tradicional cultura jurídica 151.

Portanto, a busca por um constitucionalismo democrático, voltado para a efetividade


dos Direitos Fundamentais é a principal preocupação do direito constitucional no momento
pós-moderno. Mas para que se torne possível evoluir na temática apresentada, convém
identificar o que seria a pós-modernidade.

E obra referente ao tema, Eduardo C. B. Bittar explica que a expressão „pós-


modernidade‟ não possui conceito unânime e é utilizada para designar um contexto sócio-
histórico marcado pela transição. Como movimento intelectual, critica a modernidade e
aponta para a necessidade de emergência de uma outra visão de mundo, do fim das filosofias
da história, da quebra das metanarrativas, vez que demanda novas ideias capazes de ir além do
discurso da modernidade. Como conjuntura de transformações, a expressão sintetiza um
complexo de mudanças e muitas vezes é utilizada no sentido de indicar uma simplificação
conceitual das tensões e contradições responsáveis pelo surgimento da crise da modernidade.
Não significa, necessariamente, que a modernidade se tornou superada, pois o momento pós-
moderno pode ser identificado em um quadro de mudanças, em um estado histórico
descritivo, quando se percebe que as grandes marcas da modernidade começam a
desaparecer152.

Portanto, para se definir o que seria a pós-modernidade é necessário saber o que se


configura como modernidade. Anthony Giddens153 ensina que a modernidade corresponde
ao estilo de vida ou organização social surgido na Europa a partir do século XVII e que,
posteriormente, se tornou mais ou menos mundial em sua influência. Mas deve ser também
compreendida como um conjunto de transformações culturais, sociais, econômicas e
políticas produzidas a partir de fortes ideais filosóficos surgidos entre os séculos XVII e
XIX154.

151
Judicialização da Política, Constitucionalismo Democrático e Separação de Poderes, In: Luiz Werneck Viana
(org.), A Democracia e os três poderes no Brasil, Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002, p. 26.
152
O Direito na pós-modernidade e reflexões frankfurtianas, 2ª ed. rev. atual.,Rio de Janeiro: Forense
universitária, 2009, p. 146-147.
153
As conseqüências da modernidade, Tradução de Raul Fiker, São Paulo: Editora UNESP, 1991, p. 11.
154
Eduardo C. B. Bittar, O Direito na pós-modernidade, p. 35. O autor revela ainda que a pós-modernidade “não
encerra a modernidade, pois, em verdade, inaugura a sua mescla com os restos da modernidade” (p. 116).

44
Com vista nestas explicações não há ainda como determinar o marco inicial da pós-
modernidade e nem como afirmar que a modernidade já foi superada em todos os seus
aspectos, pois conforme afirma Eduardo C. B. Bittar, “pós-modernidade implica um momento
histórico, ou seja, uma certa conjuntura temporal que se processa „após a modernidade‟. Isso
155
importaria na necessidade de refinamento da própria ideia de modernidade aí contida” .O
que se sabe é que a modernidade vem sofrendo um desmoronamento paulatino, simbolizado
pelas múltiplas falências institucionais, pela existência de práticas incongruentes e desatinos
econômicos, geradoras de um estado de crise inegável e perceptível em todos os pontos de
vista156.

Assim, o surgimento das ideias que apontam para o desenvolvimento de um novo


constitucionalismo indica, justamente, esta situação de crise dos conceitos solidificados pela
modernidade, proporcionando esta necessidade de transformação das concepções que
sustentam o direito, especialmente o direito constitucional.

Para Carlos Roberto Siqueira Castro, “o Estado constitucional democrático atual é


157
um Estado da abertura constitucional radicado no princípio da dignidade do ser humano” .
Nesse sentido, o constitucionalismo que se apresenta no momento pós-moderno deve ser
concebido a partir do fenômeno da abertura constitucional, vez que encontra fundamento no
cânone da dignidade da pessoa humana e da expansão ilimitada de sua personalidade.

Esse novo ideal composto de valores, princípios e regras, além de novas técnicas de
hermenêutica e da teoria dos Direitos Fundamentais, recebe a designação provisória de pós-
positivismo158. Haveria, também, uma valorização de princípios, que são incorporados de
forma implícita ou explícita nos textos constitucionais e uma reaproximação do Direito com a
Ética.

Ao argumentar em favor de sua teoria sobre a força normativa da Constituição,


Konrad Hesse159 também entende ser essencial que a Constituição incorpore o estado

155
Eduardo C. B. Bittar, O Direito na pós-modernidade, p. 23.
156
Eduardo C. B. Bittar, O Direito na pós-modernidade, cit., p. 97.
157
A Constituição aberta e os Direitos Fundamentais, cit., p. 19.
158
Luís Roberto Barroso e Ana Paula Barcellos. O começo da história: a nova interpretação constitucional e o
papel dos princípios no Direito Brasileiro. Revista latino-americana de estudos constitucionais, n. 2, Belo
Horizonte: Del Rey, 2003, jul.-dez, p. 175.
159
A força normativa da Constituição, Tradução de Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre: Sérgio Antônio
Fabris Editor, 1991, p. 21.

45
espiritual do seu tempo e considere os elementos sociais, políticos e econômicos
dominantes; caso contrário, poderá vir a enfraquecer.

Diante dessa concepção, a Constituição deve ser entendida como compromisso de


esperança a partir de uma visão de uma sociedade aberta pluralista, democrática e tolerante.
É nesse sentido que Carlos Roberto Siqueira Castro concebe a sua ideia de
constitucionalismo comunitário ou pós-moderno, já que defende um modelo mais orgânico e
voltado para a sociedade. Por conseqüência, a concepção clássica de Constituição material
seria uma noção ultrapassada e sem serventia, já que o contraste entre a ideia formal e
material de Constituição não mais prevaleceria quando se trata de matérias
constitucionais160.

É neste aspecto que se evidencia a expansão do constitucionalismo que aqui se


preocupou em explicitar. A abertura dos conteúdos materiais da Constituição e sua
concepção para além de sua forma com vistas à efetiva realização dos direitos nela contidos.
Este seria a principal transformação trazida pelo atual necessidade de transformação que
poderia ser identificada como o início de um momento pós-moderno.

160
Carlos Roberto Siqueira Castro, A Constituição aberta e os Direitos Fundamentais, cit., p. 25.

46
CAPÍTULO 2 – O „NOVO‟ DIREITO CONSTITUCIONAL

2.1. O surgimento do chamado „pós-positivismo‟ e suas implicações para o


desenvolvimento do chamado „neoconstitucionalismo‟

A partir do século XX, o estabelecimento de um ordenamento jurídico pelo Estado


não envolve apenas a imposição de normas capazes de limitar os poderes e a conduta social,
mas importa também determinar a possibilidade de aplicação prática do poder dominado pelo
Estado por meio do Direito, cuja aplicação pelo Estado depende muito do conceito de Direito
predominante, conforme o momento histórico ou mesmo conforme os costumes da sociedade
para a qual ele se dirige.

Portanto, a determinação do conceito de Direito apresenta-se como um ponto de


partida que norteia o pensamento para a realidade. Assim, para que seja possível o
conhecimento jurídico, é necessário que antes se determine o que é o Direito161, visto que o
seu conceito tem a função lógica de estabelecer um esquema prévio, capaz de orientar a
aplicação prática das normas.

A busca pela determinação do conceito de Direito é, talvez, a mais importante


preocupação dos juristas, desde que o Direito passou a ser compreendido como ciência. Pode-
se dizer que a determinação do seu conceito estabelece o ponto de partida das mais
diversificadas teorias que discutem a sua aplicação, bem como a interpretação e a validade das
normas jurídicas.

O problema reside no fato de que o Direito é uma realidade diversa demais, uma vez
que não possui definição única, concisa e universal, dada a variedade de elementos e a
particularidade que apresenta162. A própria variação do significado da palavra „direito‟ já
demonstra a pluralidade de compreensões a depender do modo como é ela aplicada. Várias
foram as teorias desenvolvidas com o intuito de determinar o conceito de Direito, no entanto,
para os fins deste trabalho, convém estabelecer como ponto de partida o positivismo jurídico,
especialmente o desenvolvido a partir de Hans Kelsen.

161
Maria Helena Diniz, Compêndio de Introdução à Ciência do Direito, 19ª ed., São Paulo, Saraiva, 2008, p. 28.
162
Maria Helena Diniz, Compêndio de Introdução à Ciência do Direito, cit., p. 29.

47
Com o desenvolvimento do Estado na sua fase moderna, as regras do Direito natural
já não bastavam mais para assegurar a convivência pacífica entre os membros da sociedade e
controlar os abusos do poder estatal. No âmbito do racionalismo iluminista, a busca pelos
ideais de justiça tornou imprescindível o estabelecimento de normas criadas pelo próprio
homem “para controlar os ímpetos humanos e servir de veículo para a realização do bem
comum” 163.

Nesse momento, surge a necessidade de formalização do Direito por meio de


documentos escritos, para relacionar sua validade à sua forma. Em contraposição à doutrina
jusnaturalista, o positivismo surge como forma de vincular o critério da justiça à validade da
norma, resolvendo-se, assim, o problema da abstração do critério de justiça, comum na
doutrina jusnaturalista164. Segundo Tércio Sampaio Ferraz Jr., o positivismo jurídico surgiu
em razão da necessidade de a sociedade burguesa estabelecer garantias para a sua categoria
frente ao Estado, já que, antes da Revolução Francesa, o sistema monárquico representava
para a burguesia uma afronta diante de tanta discricionariedade165.

Conforme observa Manuel Atienza, a expressão „positivismo jurídico‟ guarda certa


ambiguidade, tendo em vista as concepções diferentes que pode comportar. O autor explica
que, nos países latinos, o positivismo assume um caráter político, porque tem sido vinculado
a uma atitude política de caráter liberal ou social-democrata, enquanto o jusnaturalismo
sempre esteve vinculado a posturas de caráter conservador166.

Esse caráter político assumido dá ensejo ao surgimento de um positivismo de


caráter metodológico. Essa é a intenção de Hans Kelsen ao desenvolver a Teoria Pura do
Direito, no sentido de purificá-lo de qualquer influência externa, para ser estudado como

163
Celso Ribeiro Bastos, op. cit., p. 38.
164
Conforme explica Norberto Bobbio: “Com outra definição, poderíamos dizer que a teoria do direito natural é
aquela que considera poder estabelecer o que é justo e o que é injusto de modo universalmente válido. Mas
essa pretensão é fundada? A julgar pelas divergências entre os vários adeptos do direito natural sobre o que
deve ser considerado justo ou injusto, a julgar pelos fatos de que o que era natural para uns não o era para
outros, deveríamos responder que não. Para Kant (e em geral para todos os jusnaturalistas modernos), era
natural a liberdade; mas para Aristóteles, era natural a escravidão. Para Locke, era natural a propriedade
individual, mas para todos os socialistas utópicos, de Campanella a Winstanley, a Morelly, o instituto mais
conforme com a natureza do homem era a comunhão dos bens”. (Teoria Geral do Direito, Tradução de
Denise Agostinetti, São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 36).
165
Introdução ao estudo do Direito: técnica, decisão, dominação, 2. ed., São Paulo, Atlas, 1994, p. 75.
166
¿És el positivismo uma Teoría aceptable del Derecho?, In: Eduardo Ribeiro Moreira, Jerson Carneiro
Gonçalves Junior e Lucia Helena Polleti Betini (orgs.), Hermenêutica Constitucional: homenagem aos 22
anos do grupo de estudos Maria Garcia, Florianópolis: Conceito Editoral, 2010, p. 462-463.

48
princípio metodológico fundamental167. Kelsen concebe o sistema jurídico, cujo conteúdo é
formado exclusivamente por regras jurídicas. Por se tratar de uma teoria pura, Kelsen não
trata de princípios. Somente as normas, identificadas como as regras jurídicas, são
enunciados normativos com um pressuposto e consequência.

Com Kelsen, o positivismo desenvolveu-se como forma de estabelecer o


conhecimento jurídico a partir do direito positivo e separaram-se, assim, aspectos
sociológicos, psicológicos e influências externas advindas da ética e da moral. Essa
sistematização do Direito acabou por supervalorizar o preceito legal e, como consequência,
deixou vestígios difíceis de serem modificados, mesmo nos sistemas jurídicos
contemporâneos.

Importa ressaltar que, segundo observa Norberto Bobbio, a obra de Kelsen constitui
uma etapa fundamental da teoria do Direito. Apesar das incessantes críticas direcionadas às
suas afirmações, muitas outras obras se desenvolveram com base em conceitos fundamentais
trazidos por Kelsen168. Ainda assim, muitas vezes foi apontada como sede de todos os erros
do século169.

O fato é que, após a Segunda Guerra Mundial, o positivismo jurídico entrou em


descrédito em razão das consequências advindas com o surgimento de Estados totalitaristas.
O culto exacerbado à supremacia da lei foi capaz de gerar consequências semelhantes
àquelas que fundamentaram a sua criação. Como num movimento cíclico, a lei criada para
proteger e garantir a liberdade dos cidadãos também autorizou a usurpação dessa mesma
liberdade pelo Estado, a ponto de se chegar a um governo tão descontrolado e ilimitado
quanto aquele contra o qual lutavam os pensadores iluministas da Revolução Francesa.

Eduardo Ribeiro Moreira explica que o positivismo jurídico kelseniano cometeu, de


fato, um grave erro contra a sua própria sustentabilidade, ao reconhecer que nada poderia ser

167
Hans Kelsen é apontado pela doutrina como um dos principais idealizadores do positivismo jurídico. Ao
desenvolver a sua Teoria Pura do Direito, Kelsen pretendeu explicar o direito sem qualquer influência
externa, eliminando os aspectos psicológicos, políticos e sociológicos. Apesar das críticas que sua teoria
sofreu, especialmente após a Segunda Guerra Mundial, Kelsen reconhece que a teoria política, a sociologia e
a filosofia possuem objetos com certa conexão com o direito, mas este não pode ser analisado a partir de
influências de tais ciências, uma vez que elas podem obscurecer a essência da ciência jurídica e diluir seus
limites (Teoria Pura do Direito, 7ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 2006, p.02).
168
Norberto Bobbio afirma que as duas principais teorias do direito surgidas nos últimos vinte anos, Law and
Justice de Alf Ross e The Concepto f the Law, de Herbert L. Hart, reconheceram o débito que contraíram
com a teoria pura do Direito. (Da estrutura à função, cit., p. 182)
169
Da estrutura à função: novos estudos de Teoria do Direito, Tradução de Daniela Beccaccia Versiani,
Baurueri, SP: Manole, 2007, p. 182.

49
feito contra o governo nazista, já que, do ponto de vista jurídico, tudo estaria normatizado
conforme as teorias do direito positivo. No entanto, o autor afirma que a crítica referente ao
fato de que o positivismo permitiu o nazismo é falsa, já que o próprio Hans Kelsen teria
defendido a criação de um Tribunal Constitucional, independente de todos os outros Poderes
do Estado e não a cargo do chefe do executivo170.

O próprio Hans Kelsen explica que a situação política e científica, pela qual a
Teoria Pura do Direito foi desenvolvida, referia-se à Primeira Guerra Mundial e aos abalos
sociais dela advindos, mas a situação não se modificou muito depois da Segunda Guerra
Mundial. Em resposta às críticas sofridas, aduz que:

Agora, como antes, uma ciência jurídica objetiva que se limita a descrever o seu
objeto esbarra com a pertinaz oposição de todos aqueles que, desprezando os
limites entre ciência e política, prescrevem ao Direito, em nome daquela, um
determinado conteúdo, quer dizer, creem poder definir um Direito justo e,
consequentemente, um critério de valor para o Direito positivo 171.

Assim, ao final dos anos 60, os elementos básicos que fundamentavam o


positivismo jurídico começaram a ser relativizados, já que as Constituições contemporâneas
começaram a incluir, em seus conteúdos, matérias, princípios e valores, contrariando o
paradigma jurídico proposto por Kelsen quando da sustentação do positivismo jurídico para
a purificação do Direito.

A partir de Herbert L. A. Hart, as ideias positivistas trazidas por Kelsen começaram


a ser relativizadas, porque ele apresentou modelos qualitativos de positivismo jurídico e
inaugurou o surgimento de um novo padrão de positivismo: o inclusivo. Em resposta às
críticas que lhe foram feitas por Ronald Dworkin, Hart assim sustenta:

Há um aspecto ulterior em que Dworkin apresenta indevidamente a minha forma


de positivismo jurídico. Trata a minha teoria da regra de reconhecimento como
exigindo que os critérios que esta fornece para a identificação do Direito devam
consistir apenas em factos históricos e, assim, como sendo um exemplo de
„positivismo meramente factual‟. Mas embora os meus exemplos principais dos
critérios fornecidos pela regra de reconhecimento sejam questões daquilo que
Dworkin tem chamado de „pedigree‟, dizendo respeito apenas ao modo como as
leis são adotadas ou criadas por instituições jurídicas, e não ao seu conteúdo, eu
expressamente afirmo os dois seguintes pontos neste livro (na pág.80) e no meu
artigo anterior intitulado „Positivism and the Separation of Law and Morals‟, que,

170
O momento do positivismo, in: Dimitri Dimoulis e Écio Otto Duarte (coord.), Teoria do Direito
Neoconstitucional: Superação ou reconstrução do positivismo jurídico? São Paulo: Método, 2008, p. 235.
171
Hans Kelsen em prefácio à segunda edição de sua obra Teoria Pura do Direito, cit., p. XVIII.

50
em muitos sistemas de direito, tal como nos Estados Unidos, os critérios últimos
de validade jurídica podiam incorporar explicitamente, para além de pedigree,
princípios de justiça ou valores morais substantivos, e estes podem integrar o
conteúdo de restrições jurídico-constitucionais172.

Portanto, quando Hart permite a incorporação de princípios e valores morais, o


positivismo sofre um abrandamento nas suas concepções e faz surgir duas formas de
positivismo: o positivismo exclusivo e o positivismo moderado. O positivismo exclusivo,
também conhecido como duro (hard) e inflexível, é o positivismo conforme as ideias de
Hans Kelsen, compreendido pela separação total entre o direito e a moral173. Já o
positivismo moderado, é o soft positivism, uma forma mais leve de se conceber a teoria
positivista do Direito.

Segundo Eduardo Ribeiro Moreira, o positivismo inclusivo abranda as


características típicas do positivismo exclusivo, entendidas como inapropriadas para atuar no
Estado Constitucional do século XXI. Na sua definição, o positivismo inclusivo tem como
principal distinção estabelecer que a moral existe, só que de forma excepcional, pois não há
conexão necessária entre o direito e a moral. Assim, os princípios jurídicos passam a ser
considerados, mas sua aplicação ocorre de forma supletiva e são apenas utilizados quando a
lei for omissa e não houver solução normativa para o caso174.

A partir da compreensão dessa separação que surge na doutrina positivista dentro


do próprio positivismo, fica visível a necessidade de adequação que essa concepção de
Direito vem sofrendo através do tempo. Assim, a doutrina positivista, para não ser
totalmente superada, reformula-se conforme as novas concepções que passam a fazer parte
das preocupações da Teoria do Direito. Nas palavras de Lenio Luiz Streck, “a „fórmula
ultrapassada‟ de positivismo não está derrotada, mormente pela capacidade de mutação
genética que possui” 175.

Há quem identifique que o positivismo jurídico, na verdade, se encontra em crise,


porque seu modelo teria fracassado a partir do final do século XIX. Conforme aponta

172
O conceito de Direito, Tradução de A. Ribeiro Mendes, 5ª ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, p.
309.
173
Eduardo Ribeiro Moreira, O momento do positivismo, cit., p. 237.
174
O momento do positivismo, cit., p. 238.
175
A incompatibilidade paradigmática entre positivismo e neoconstitucionalismo, in: Neoconstitucionalismo,
Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 334.

51
Friedrich Müller, o fracasso do positivismo jurídico não é casual, pois já afeta questões
fundamentais, como a realidade e o direito, o „ser e o dever ser‟176.

Tal crise se acentua na medida em que ideias como a moralização do Direito e a


valorização dos princípios ganham mais espaço e tornam difícil a descrição dos parâmetros
tradicionais do Direito. Luís Roberto Barroso sustenta que tanto a superação histórica do
jusnaturalismo quanto o fracasso político do positivismo serviram de base para o surgimento
de um conjunto amplo de reflexões acerca do Direito, ainda em fase de produção. Assim,

O pós-positivismo é denominação provisória e genérica de um ideário difuso, no


qual se incluem algumas ideias de justiça, além da lei e de igualdade material
mínima, advindas da teoria crítica, ao lado da teoria dos Direitos Fundamentais e
da redefinição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada
nova hermenêutica177.

Para Friedrich Müller, não se trata de uma postura antipositivista, mas, sim, do
desenvolvimento de uma teoria pós-positivista, que concebe o trabalho jurídico como um
processo a ser realizado no tempo178.

Para Eduardo Ribeiro Moreira, o termo „pós-positivismo‟ é, na verdade, uma


nomenclatura de transição, porque não prevê todos os avanços que vêm sendo elaborados. O
momento de transição que representa é aquele existente entre o positivismo inclusivo e o
neoconstitucionalismo, já que a passagem entre essas teorias não ocorreu de forma imediata.
Assim, somente após a identificação de uma nova teoria do Direito é que se desenvolveram
outros elementos e possibilitaram a utilização do termo neoconstitucionalismo, de aceitação
internacional179.

A designação provisória de pós-positivismo surgiu, assim, para expressar um novo


ideal fundado na dignidade da pessoa humana, composto de valores, princípios e regras,
além de novas técnicas de hermenêutica e da teoria dos Direitos Fundamentais. Há uma
valorização de princípios, incorporados de forma implícita ou explícita nos textos
constitucionais e uma reaproximação do Direito com a Ética180.

176
O novo paradigma do Direito: Introdução à teoria e metódica estruturantes, 2ª ed. rev. atual. amp. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2009, p. 10.
177
Curso de Direito Constitucional Contemporâneo, cit., p. 242.
178
O novo paradigma do Direito, cit., p. 11.
179
O momento do positivismo, cit., p. 240.
180
Luís Roberto Barroso e Ana Paula Barcelos, O começo da história: a nova interpretação constitucional e o
papel dos princípios no Direito Brasileiro, cit., p. 175.

52
Nesse aspecto, o constitucionalismo promove um retorno aos valores, vez que o
„pós-positivismo‟ guarda relativo respeito ao ordenamento jurídico, mas nele introduz ideias
de justiça e legitimidade181. A reaproximação da ética e do Direito seria possível mediante a
utilização de instrumentos jurídicos para concretizar os valores compartilhados por toda a
comunidade.

Importa observar que a concepção positivista do Direito demonstra certa limitação


para os novos desafios da Teoria Geral do Direito, mas não se pode negar a sua importância
no surgimento e no desenvolvimento do constitucionalismo. Foi a partir do positivismo que
se tornou necessário assegurar garantias para os cidadãos e impor deveres para o Estado de
maneira formal, por meio de uma lei maior, acima de todas as outras leis estatais. Dessa
forma, surgiram as primeiras Constituições escritas do mundo, que, apoiadas no positivismo
jurídico, passaram a impor a sua supremacia a todas as normas do Estado. Nesse aspecto,
Eduardo Ribeiro Moreira assim ressalta:

Não se pode esquecer que o positivismo jurídico teve, no final do século XX, a
importante função de superar as incertezas causadas pela aplicação da teoria do
direito jusnaturalista. (...) Em bom momento, a teoria do direito positivista teve seu
mérito de superar tais incertezas e dar rumo cientificamente exigido então ao
direito182.

Assim, a superação do positivismo jurídico deve ser compreendida sem esquecer os


institutos consolidados por essa Teoria do Direito. A Constituição tornou-se a sua mais
importante conquista, mas é a busca pela concretização de suas normas, especialmente no
que tange à garantia dos Direitos Fundamentais, o elemento que põe em questionamento a
compreensão do Direito a partir do positivismo jurídico e faz surgir novas concepções para
além daquelas pós-positivistas.

2.2. „Neoconstitucionalismo‟: conceito e terminologia adequada

A nova configuração teórica que envolve os debates mais atuais do direito


constitucional tem sido identificada na doutrina mediante o uso de expressões como

181
Luís Roberto Barroso, Fundamentos teóricos e filosóficos do novo Direito Constitucional Brasileiro, Pós-
modernidade, teoria crítica e pós-positivismo, In: Luis Roberto Barroso (org.), A nova interpretação
constitucional: Ponderação, Direitos Fundamentais e relações privadas, 3ª ed. rev., Rio de Janeiro: Renovar,
2008, p. 28.
182
O momento do positivismo, cit., p. 234.

53
„neoconstitucionalismo‟, „constitucionalização de direitos‟, „novo constitucionalismo‟,
„constitucionalismo contemporâneo‟ ou, ainda, „novo direito constitucional‟.

Tais terminologias pretendem indicar a existência de um novo paradigma para


compreender o Direito constitucional, senão a própria Teoria do Direito. Para Luís Roberto
Barroso, o „neoconstitucionalismo‟ surgiria como o novo direito constitucional, uma
verdadeira revolução de alguns dos aspectos de concepção do direito constitucional e uma
subversão da atual visão hermenêutica183.

Para Eduardo Ribeiro Moreira, as novas transformações constitucionais reunidas na


Teoria do Direito perfazem o „neoconstitucionalismo‟, mas também poderia ser chamado de
„constitucionalismo contemporâneo‟ ou „novo constitucionalismo‟. No entanto, o uso da
expressão „constitucionalismo contemporâneo‟ poderia levar à falsa impressão de referir-se
apenas ao direito constitucional, quando o seu objeto é bem maior184.

Do mesmo modo, Susanna Pozzolo também elege o termo „neoconstitucionalismo‟


como apropriado, ainda que originalmente tenha servido para denominar certas ideias
antipositivistas, fato justificável em razão do seu raro uso, capaz de conferir-lhe certa
indeterminação185.

As exigências da ética que o Direito passa a ter que sustentar a partir do século XXI
conduzem ao constitucionalismo da verdade, conforme aduz Jose Roberto Dromi. Este seria o
modelo de constitucionalismo do por vir, vez que a Constituição não pode ser mais um
documento de promessas. Nas palavras do autor:

A Constituição deve ser uma ferramenta para ser, fazer e crescer. Não necessitamos
de uma Constituição somente para crescer, também para ser e fazer. Uma
Constituição que exija tanto a teoria como a prática; O saber especulativo como o
saber prático; a razão como a tradição. Este é o constitucionalismo imediatista. Para
não envelhecer, A Constituição tem que ser , e deve ser, a identidade axiológica dos

183
Luís Roberto Barroso, Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: o triunfo tardio do direito
constitucional no Brasil, Revista da Procuradoria Geral do Estado do Rio Grande do Sul, v. 28, n.60, Porto
Alegre: 2004 p. 26.
184
Neoconstitucionalismo e Teoria da Interpretação. In: Eduardo Ribeiro Moreira, Jerson Carneiro Gonçalves
Júnior e Lúcia Helena Polleti Betini (orgs.), Hermenêutica Constitucional: homenagem aos 22 anos do grupo
de estudos Maria Garcia, Florianópolis: Conceito Editoral, 2010, p. 216.
185
Em obra conjunta com Écito Oto Ramos Duarte, Neoconstitucionalismo e Positivismo Jurídico: as faces da
Teoria do Direito em tempos de interpretação moral da Constituição, São Paulo: Landy Editora, 2010, p. 77.

54
valores propostos e a prática política os valores realizados com atualização
constante186.

Maria Garcia187 prefere utilizar o termo „Constitucionalismo do século XXI‟ para


explicar o fenômeno que envolve o constitucionalismo preocupado com a ética, em que o
jusnaturalismo e o juspositivismo se aproximam para tratar do Direito, como sempre
fizeram. Por essa razão, não há motivos para utilizar „neos‟ ou „pós‟ para tratar das
tendências do Constitucionalismo do século XXI.

Cumpre salientar, no entanto, que a utilização recorrente dos prefixos „pós‟ e „neo‟
é justificável, na medida em que se destinam a expressar o que tem a pretensão de ser novo,
que veio depois, mas não se sabe ainda o que é e pode tanto ser avanço, quanto uma volta ao
passado188. Walber de Moura Agra compartilha desse mesmo entendimento, ao afirmar que
ainda não existe uma precisão conceitual para a terminologia „neoconstitucionalismo‟. Para
o autor, trata-se de um neologismo, que teria surgido com o objetivo de “exprimir algumas
qualificações que não poderiam ser devidamente explicadas pelas conceituações vigentes no
constitucionalismo, no juspositivismo ou no jusnaturalismo. Ele também é chamado de
constitucionalismo de direitos, constitucionalismo avançado ou paradigma argumentativo”
189
.

Com o intuito de melhor identificar esse processo de mudança experimentado pelo


Direito, Eduardo Ribeiro Moreira estabelece um paralelo entre o positivismo e o
neoconstitucionalismo elegendo posições graduais com elementos diferentes entre si:
positivismo exclusivo (hard), positivismo inclusivo (soft), neoconstitucionalismo teórico
190
(normativo) e neoconstitucionalismo total (forte) .

Conforme já se explicou, o positivismo exclusivo é a opção de entender o Direito


como na doutrina de Kelsen, em que há a separação completa entre o Direito e a Moral, e o

186
La Reforma Constitucional, cit., p. 108-109. Texto no original: “La Constitución deve ser una herramienta
para ser, hacer y crecer. No necessitamos una Constitución solo para crecer, también para ser y hacer. Una
Constitución que exija tanto la teoria como la práxis; el saber especulativo como el saber prático; la razón
como la tradición. Este es el constitucionalismo de la imediatez. Para no envejecer, la Constitución tiene que
ser, y debe ser, la identidad axiológica de los valores propuestos y la prática política los valores realizados
com actualidade constante”.
187
Maria Garcia, Desobediência Civil, cit., p.203.
188
Luís Roberto Barroso, Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito, cit., p. 27.
189
Walber de Moura Agra, Neoconstitucionalismo e superação do positivismo, In: Dimitri Dimoulis e Écio Oto
Duarte, Teoria do Direito Neoconstitucional: superação ou reconstrução do positivismo jurídico?, São
Paulo: Método, 2008, p. 435.
190
O momento do positivismo, cit., p. 236.

55
positivismo incluso abranda tais características e trabalha com as fontes sociais, em que os
princípios passam a ser considerados.

No tocante ao neoconstitucionalismo, este pode ser teórico (normativo) quando


limitado às questões estritamente jurídicas, relativas à aplicação do Direito e sua teoria. Em
contrapartida, o neoconstitucionalismo total compreende um novo paradigma para a Teoria
do Direito e para a Filosofia do Direito, em que os princípios agem como diretrizes
constitucionais contínuas, que incidem a todo momento191.

Diante dessa classificação, Eduardo Moreira conclui que o neoconstitucionalismo


teórico teria sido o utilizado no Brasil, uma vez que o positivismo exclusivo não é mais
aceito. Porém, ressalta que, para ser possível chegar ao modelo do neoconstitucionalismo
total, é necessário primeiro sedimentar as bases do neoconstitucionalismo teórico192.

Nesse aspecto, importa observar que Eduardo Ribeiro Moreira concebe o


neoconstitucionalismo como uma teoria desenvolvida em momento posterior ao pós-
positivismo, já que este somente teria sido apenas a primeira nomenclatura. Somente no
início do século XXI, o neoconstitucionalismo desenvolveu-se como uma proposta de teoria
de Direito, apesar de seus sentidos terem sido classificados em neoconstitucionalismo
teórico ou normativo e neoconstitucionalismo total ou forte, razão pela qual a doutrina atual
fala em neoconstitucionalismos.

Do exposto, cumpre ressaltar a opção pelo uso da expressão neoconstitucionalismo


para expressar o modelo que se descreveu deve ser considerada com cautela. Como já se
salientou, por se tratar de um fenômeno atual, presente e em processo de formação, é comum
que se agreguem prefixos como “pós” e “neo” a essas terminologias.

O termo neoconstitucionalismo pode até se demonstrar como de melhor opção


momentânea, porque, além de salientar a novidade e a emergência do tema, é capaz de
expressar, com uma só palavra, o novo modelo em surgimento. Contudo, há de se considerar
que muitos autores identificam as mesmas características deste processo de mudança, mas se
utilizam de outra terminologia. Conforme visto, expressões como „constitucionalismo
contemporâneo‟, „pós-positivismo‟, „constitucionalismo do século XXI‟,
„constitucionalismo moderno‟ e „constitucionalismo do por vir‟, podem ser utilizadas para

191
Eduardo Ribeiro Moreira, O momento do positivismo, cit., p. 241-242.
192
O momento do positivismo, cit., p. 242.

56
identificar este processo evolutivo sofrido pelo Direito. Assim, os novos elementos trazidos
com esta nova teoria podem muitas vezes indicar se tratar do mesmo assunto, mas
identificados pela doutrina de forma diferente.

2.3. Características identificadoras do „neoconstitucionalismo‟

Como ainda não existe uma precisão conceitual formada, a identificação do


conceito de „neoconstitucionalismo‟ ainda se demonstra indefinida. Por tal razão a doutrina
prefere fazer uso de características para melhor explicitar o momento de transformação do
Direito Constitucional.

Para Walber de Moura Agra a falência do padrão normativo baseado na supremacia


do parlamento, a „pós-modernidade‟, a superação do positivismo clássico, a centralidade dos
Direitos Fundamentais e a diferenciação qualitativa entre princípios e regras como
responsáveis por impulsionar o „neoconstitucionalismo‟193.

Écio Oto Duarte também registra uma série de propriedades e teses atribuíveis ao
paradigma neoconstitucionalista: a) pragmatismo; b) ecletismo (sincretismo) metodológico;
c) judicialismo ético-jurídico; d) interpretativismo moral-constitucional; d) pós-positivismo;
e) juízo de ponderação; f) especificidade interpretativa; g) ampliação do conteúdo da
Grundnorm; e h) conceito não positivista de Direito194.

Com o intuito de identificar as potencialidades do „neoconstitucionalismo‟,


Eduardo Ribeiro Moreira elabora um quadro explicativo com na tentativa de melhor
descrever como as mudanças trazidas pelo constitucionalismo efetivamente operam,
estabelecendo um paralelo entre as teorias tradicionais do Direito e o
„neoconstitucionalismo‟ conforme o tema:

193
Neoconstitucionalismo e superação do positivismo, cit., p.435.
194
Neoconstitucionalismo e positivismo jurídico, cit., p. 64 e SS.

57
Como é tratado pelas
Como é tratado pelo
Tema Teorias Tradicionais do
Neoconstitucionalismo
Direito
Sociedade Homogênea Plural e Global
Monista (sem correlação Construtivista, com Parâmetros de
com o direito no Racionalidade Prática e Pretensão de
Moral positivismo jurídico) ou dos Correção, que vai guiar todo o
Valores (absoluta no discurso jurídico e romper com a
jusnaturalismo) ordem daquilo que é.
Estado Constitucional (acrescenta
uma especial atenção para as
emanações do poder constituinte e
Estado de Direito (com constituído – reformas
especial atenção à coerção constitucionais – e para o papel
Política exercida pelo Poder desempenhado pelo Tribunal
Judiciário e aos atos do Constitucional. Em primeiro plano,
poder público) aparece a constante vigilância em
torno dos Direitos Fundamentais, que
permitem o direito como um todo
alcançar novo status)
Desenho Lei em primeiro plano e Primazia da Constituição e da
Institucional das demais fontes tidas como Jurisprudência emanada pelo
Fontes do Direito secundárias Tribunal Constitucional
Primazia dos princípios preenchidos
pela argumentação jurídica.
Conjunto de Normas com Existência das normas políticas e dos
Teoria da Norma
configurações de regras critérios jurídico-procedimentais,
além de regras e princípios com
morfologia peculiar.
Metodologia constitucional apurada,
Teoria da Regras para interpretação e,
considerando valores e criando
interpretação quando estas não existirem,
conceitos como a derrotabilidade.
o intérprete é livre para
Toda interpretação jurídica é
julgar.
interpretação constitucional.
Positivismo (exclusivo ou
Teoria do Direito Neoconstitucionalismo
inclusivo)
Autoria: Eduardo Ribeiro Moreira195

Tendo em vista tais características que diferenciam o „neoconstitucionalismo‟ do


positivismo, Eduardo Ribeiro Moreira conclui:

195
Quadro apresentado no artigo Neoconstitucionalismo e teoria da interpretação, cit., p. 218-219.

58
O neoconstitucionalismo, como Teoria do Direito, pode ser compreendido como
paradigma que revisa a teoria da norma, a teoria da interpretação, a teoria das
fontes, suplantando o positivismo, para, percorrendo as transformações teóricas e
práticas nos diversos campos jurídicos integrá-las sob uma base útil e
transformadora 196.

Porém, o uso da expressão „neoconstitucionalismo‟ ainda não está genericamente


aceito. Assim, por se tratar de um modelo em processo de formação, a caracterização de
todos os seus elementos e a definição unívoca de uma terminologia adequada ainda se torna
impraticável. Contudo, considerando-se as definições aqui analisadas, é possível compendiar
algumas características capazes de identificar o que se entende por „neoconstitucionalismo‟:

a) Uma revolução de alguns dos aspectos de concepção do Direito Constitucional e uma


subversão da atual visão hermenêutica;

b) Novas transformações constitucionais reunidas na Teoria do Direito;

c) Um fenômeno que envolve o constitucionalismo preocupado com a ética, em que o


jusnaturalismo e o juspositivismo se aproximam para tratar do Direito;

d) Um neologismo surgido com o objetivo de exprimir algumas qualificações que não


poderiam ser devidamente explicadas pelas conceituações vigentes no
constitucionalismo, no juspositivismo ou no jusnaturalismo;

e) Uma transformação do Direito Constitucional que acompanhe as tendências trazidas


pelo século XXI para a sociedade atual;

f) Uma visão constitucionalizada do Direito;

g) Uma teoria desenvolvida em momento posterior ao pós-positivismo;

h) Uma proposta para de teoria de Direito.

No entanto, neste estudo prefere-se a utilização do termo „constitucionalismo


contemporâeno‟, pois ainda que estas novas idéias surgidas tenham sido identificadas por
boa parte da doutrina como „neoconstitucionalismo‟, estas ideias surgem justamente no
constitucionalismo da contemporaneidade, ou seja, são transformações que estão em
discussão no atual momento constitucional. Isso possibilita o uso do termo
„constitucionalismo contemporâneo‟, especialmente tendo em vista que ainda se trata de um
momento sem precisa definição na teoria do direito.

196
Neoconstitucionalismo e teoria da interpretação, cit., p. 219-220.

59
2.4. A incompatibilidade entre positivismo jurídico e o „neoconstitucionalismo‟

Para Susanna Pozzolo, o „neoconstitucionalismo‟ não seria plenamente coincidente


com o positivismo jurídico porque não se apresenta como uma doutrina descritiva e, sim, no
mínimo, como uma reconstrução racional e, no máximo, como justificação do sistema, mas
é, sobretudo, uma política constitucional que indica como o Direito deve ser.

O „neoconstitucionalismo‟ representou o fim dos modelos em que o poder


estabelecido não tinha compromisso com a concretização dos dispositivos constitucionais. O
caráter científico da ciência jurídica e seu sentido descritivo perdem espaço em razão da
necessidade de normas de sentido deontológico, voltadas para a estruturação da
sociedade197. Tais aspectos indicam a existência de uma incompatibilidade entre o modelo
positivista e o proposto pelo „neoconstitucionalismo‟.

Questiona-se, ainda, se o positivismo do tipo inclusivo teria como se adequar ao


„neoconstitucionalismo‟. Eduardo Ribeiro Moreira entende que não haveria tal possibilidade
por se tratar de uma questão de fundamento. Como o positivismo inclusivo foi idealizado
como uma tentativa de manutenção do modelo positivista e, tendo em vista que a proposta
do „neoconstitucionalismo‟ pretende ir além198 daquela expressa pelo positivismo inclusivo,
não haveria como estabelecer qualquer conciliação entre as duas teorias.

Outro aspecto capaz de evidenciar a incompatibilidade entre o positivismo e o


„neoconstitucionalismo‟ é o fato de que há uma rearticulação do problema da validade. O
esquema kelseniano, que fundamenta a validade de todas as normas com base em uma
norma fundamental hipotética, é ultrapassado, para defender “que a obrigatoriedade jurídica
assumida em função da Constituição se deve à inclusão, no conceito de grundnorm, de
conteúdos morais” 199.

Com o estabelecimento do Estado Constitucional contemporâneo, a supremacia da


Constituição sobre a vontade da lei ordinária e a subordinação do legislador ao conteúdo de
justiça constitucionalmente previsto indicam que a Constituição não pode ser compreendida
como um mero invólucro político que serve de inspiração para o sistema, nem como um
simples e posterior grau de formalidade. O texto fundamental passa a consagrar uma série de

197
Walber de Moura Agra, Neoconstitucionalismo e superação do positivismo, cit., p. 437.
198
O momento do positivismo, cit., p. 239-240.
199
Écio Oto Ramos Duarte, em obra conjunta com Susanna Pozzolo, Neoconstitucionalismo e positivismo
jurídico, cit. p. 71.

60
princípios e conteúdos de valores e irradia-se por todo o ordenamento jurídico, de forma a
proporcionar a sua constitucionalização. Assim, Susanna Pozzolo conclui que a metodologia
e a teoria da doutrina juspositivista não seriam adequadas para esse Direito surgido do
Estado Constitucional contemporâneo200.
Também sustentando a existência de uma incompatibilidade paradigmática entre o
positivismo e o „neoconstitucionalismo‟, Lenio Luiz Streck destaca a existência de três
frentes de batalha, que contrapõem o positivismo ao „neoconstitucionalismo‟. A primeira
delas é a teoria das fontes, tendo em vista que a lei não é fonte única, já que o
„neoconstitucionalismo‟ introduz a noção de princípios. A segunda refere-se à alteração
substancial ocorrida na teoria da norma, em razão do aparecimento dos princípios; o
„neoconstitucionalismo‟ evita a descontextualização do Direito entre dualismos que lhe
sustentam o modelo positivista-metafísico. Por fim, a terceira frente de batalha a ser
proposta trata do plano da interpretação, porque é impossível abordar o
„neoconstitucionalismo‟ sem superar o esquema da subsunção e a relação sujeito-objeto
proposta pelo positivismo jurídico201.
Portanto, os argumentos expostos de fato são capazes de sustentar que não há
qualquer possibilidade de compatibilizar o novo modelo construído pelo
„neoconstitucionalismo‟ com o positivismo jurídico, ou mesmo com a sua forma mais
branda, o positivismo inclusivo. Como visto, não se trata apenas de uma incompatibilidade
decorrente das diferentes concepções de Direito que os modelos apresentam nem referente
apenas ao fato de que o positivismo jurídico separa a Moral do Direito, enquanto no
„neoconstitucionalismo‟, a Moral e o Direito devem estar, necessariamente, em sintonia. A
discussão vai além, porque se refere a conceitos fundamentais norteadores do
desenvolvimento de qualquer Teoria do Direito.

2.5. O „Neoconstitucionalismo‟ e a constitucionalização do direito

O século XXI trouxe tendências para a sociedade atual que repercutem de forma
significativa nos desafios do Direito e exigem, em vista disso, uma transformação
equivalente do Direito Constitucional.

200
Neoconstitucionalismo e positivismo jurídico, cit. p. 87.
201
A incompatibilidade paradigmática entre o positivismo e o neoconstitucionalismo, cit. p. 335.

61
Como o constitucionalismo se altera com o tempo e conforme a dinâmica social,
“O Direito contemporâneo passa, assim, pelo fio da navalha de uma renovação
incontornável: uma nova onda do constitucionalismo – movimento, processo, dinâmica –
por uma visão constitucionalizada do Direito” 202.

Falar no em um sistema jurídico constitucionalizado implica na observância da


existência de uma Constituição rígida e, consequentemente, na presença de um controle de
constitucionalidade capaz de garantir a supremacia das normas constitucionais. Contudo, é o
processo de moralização do Direito, que induz a mudança no raciocínio jurídico exercido
durante o controle de constitucionalidade, o fator que acrescenta especial atenção ao
processo de constitucionalização203.

Convém ressaltar, portanto, que a constitucionalização do Direito é mais uma forma


de explicitar o processo de mudança enfrentado pelo Direito Constitucional, pois o tema
trata da irradiação dos efeitos da Constituição em todo o ordenamento jurídico,
proporcionando ainda uma reflexão moral da Constituição e das normas que nela se apóiam.

Conforme ensina Alfonso García Figueroa, as transformações do positivismo


obedecem a idéia central de que o positivismo jurídico tradicional não é capaz de explicar
adequadamente a realidade do Direito. Trata-se do „argumento do contraste com a prática‟.
Porém, essa idéia de prática não pode ser considerada igual em todos os lugares, razão pela
qual se justifica uma diferença entre a constitucionalização do Direito no continente Europeu
e nas culturas jurídicas da América do Norte. Assim, na filosofia jurídica desenvolvida na
Europa „o argumento do contraste com a prática‟ concentrou-se nas dificuldades do
positivismo jurídico para oferecer uma teoria do Direito capaz de explicar as transformações
causadas nas normas jurídicas pelo impacto de sua constitucionalização”204.

Neste sentido, Gustavo Zagrebelsky afirma que com o surgimento do Estado


Constitucional ocorreu uma mudança genética, conseqüência da novidade trazida pela
mudança da posição de lei que, pela primeira vez, está submetida a uma relação de
adequação e de subordinação a um nível mais alto de Direito estabelecido com a
Constituição. Por isso, o autor afirma que não se trata apenas de uma continuação do

202
Maria Garcia, Desobediência Civil, cit., p.189.
203
Positivismo corrigido e positivistas incorrigíveis, in: Eduardo Ribeiro Moreira et.al. Hermenêutica
Constitucional: homenagem aos 22 anos do grupo de estudos Maria Garcia.Florianópolis: Conceito editorial,
2010, p. 30.
204
Positivismo corrigido e positivistas incorrigíveis, cit., p. 29.

62
modelo de Estado de Direito e sim uma completa transformação que inclusive afeta
necessariamente a concepção de Direito. Nas palavras do autor:

A importância da transformação deve induzir a pensar em uma autêntica mudança


genética, mais do que um desvio momentâneo com espera e com a esperança de
renovação. (...) mais do que uma continuação, se trata de uma profunda
transformação que inclusive afeta necessariamente a concepção de direito205.

Neste aspecto, Alfonso García Figueroa chama de „tese da mutação genética‟


aquela em que o Direito constitucionalizado seria qualitativamente diferente do Direito não
constitucionalizado. Assim, se tal tese é unida ao argumento de contraste com a prática
resulta na afirmação de que a Teoria do Direito viu mudar substancialmente seu objeto de
estudo, razão pela qual se torna necessário rever todo o discurso da teoria positivista206.

É neste aspecto que o „neoconstitucionalismo‟ se enquadra, pois reflete justamente


esta revisão do discurso da teoria positivista e a moralização de todo o Direito compreendido
a partir da Constituição.

Porém, cumpre observar que se este „novo‟ constitucionalismo propõe uma


irradiação das normas constitucionais, por outro lado, também pode, aliado a outros fatores,
proporcionar significativa contribuição para a intensa judicialização das relações políticas e
sociais207. Torna-se, portanto, fundamental a existência de um equilíbrio entre a supremacia
constitucional, interpretação judicial da Constituição e processo político majoritário.

2.6. A busca pela concretização dos Direitos Fundamentais


2.6.1. A terminologia apropriada e sua abrangência

Teoricamente, os Direitos Fundamentais representam um conjunto de normas e


princípios, capazes de englobar prerrogativas e deveres com o objetivo de garantir a
convivência digna, livre e pacífica dos seres humanos em sociedade.

Mas a expressão „Direitos Fundamentais‟ apresenta-se nas mais diversas formas e,


por vezes, aplicada com o rótulo de „direitos do homem‟, „direitos humanos‟, „direitos

205
El derecho dúctil, cit., p. 33-34.
206
Positivismo corrigido e positivistas incorrigíveis, cit., p. 29.
207
Luís Roberto Barroso, Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: o triunfo tardio do direito
constitucional no Brasil, cit., p. 65.

63
individuais‟, „direitos subjetivos públicos‟, „liberdades fundamentais‟ e „direitos humanos
fundamentais‟.

A própria Constituição Federal de 1988 reflete essa diversidade terminológica,


porque se utiliza de termos variados para expressar regras que refletem os Direitos
Fundamentais. Assim ocorre quando a Constituição, em seu artigo 4.º, II, traz a expressão
“direitos humanos”, ou em seu artigo 5.º, § 1.º, trata dos “direitos e garantias fundamentais” e,
ainda, nos artigos 5.º, LXXI, e 60, § 4.ᵒ, IV, revela expressões como “direitos e liberdades
individuais” e “direitos e garantias individuais”.

A dificuldade de se encontrar uma terminologia exaustiva, capaz de expressar toda a


substância que englobam tais direitos, fez com que essa variedade de expressões sofresse
críticas por parte da doutrina. A ausência de consenso terminológico acaba por refletir-se na
esfera conceitual do tema, especialmente no que diz respeito ao significado de cada termo
utilizado.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho entende que, apesar de o termo „Direitos


Fundamentais‟ servir para caracterizar os direitos expressos na Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão de 1789, ele seria inadequado no mundo de hoje para expressar tais
direitos, porque a expressão liberdades públicas englobam direitos no plano econômico e
social, que vão além das meras liberdades208.

No entendimento de Ingo Wolfgang Sarlet, a moderna doutrina constitucional tem


rechaçado de forma progressiva a utilização de certos termos, como „liberdades públicas‟,
„liberdades fundamentais‟, „direitos individuais‟, „direitos públicos individuais‟ e suas
variações. Tais termos, se utilizados de forma genérica, distanciam-se do estágio atual da
evolução dos Direitos Fundamentais, porque revelam uma insuficiência de abrangência, já
que estão atrelados a específicas categoriais de Direitos Fundamentais209.

Portanto, é preferível utilizar a expressão „Direitos Fundamentais‟ em sua forma


genérica, porque, além de representar uma sintonia com a expressão utilizada pela
Constituição Federal de 1988, também abrange todas as demais espécies e categorias dos

208
Direitos Humanos Fundamentais, 7ª ed., Saraiva: São Paulo, 2005, p. 15.
209
A eficácia dos Direitos Fundamentais, 4ª ed., rev., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 34.

64
Direitos Fundamentais (direitos sociais, políticos, individuais coletivos, de nacionalidade e
outros) 210.

Há, ainda, uma distinção entre as duas expressões mais utilizadas de forma genérica
para caracterizar direitos inseridos nesse contexto: „direitos humanos‟ e „Direitos
Fundamentais‟. De certa forma, os Direitos Fundamentais são sempre direitos humanos, uma
vez que seu titular será sempre o ser humano. Contudo, a utilização do termo “direitos
humanos” como um critério unificador não se justifica por essa razão, porque a expressão
“Direitos Fundamentais” se aplica aos direitos do ser humano, reconhecidos e positivados na
esfera constitucional interna, ao passo que o termo “direitos humanos” possui uma relação
com o direito internacional, já que se refere ao reconhecimento do ser humano como tal,
independentemente de qualquer ordem constitucional vigente. Os direitos humanos refletem,
portanto, um caráter supranacional de tais direitos e possuem uma validade universal211.

No aspecto da diferença entre os direitos humanos e os Direitos Fundamentais,


Joaquim Carlos Salgado esclarece que o termo „Direitos Fundamentais‟ é relativo aquele
Direito que dá fundamento aos demais Direitos e, por se tratar de Direitos devem estar
garantidos por uma lei matriz de todas as demais que é a Constituição212.

Todavia, há de se reconhecer que apesar da escolha pela utilização de um ou outro


termo revelar diferentes significados as diferenças entre eles não são capazes de desfazer a
íntima relação que eles possuem.

Isso se deve ao fato de que a maior parte das Constituições surgidas após a Segunda
Guerra Mundial teve suas bases retiradas da Declaração Universal de 1948 e em outros tantos
documentos internacionais que surgiram consequentemente. Além disso, não se pode negar o
atual processo de internacionalização do direito constitucional, o que acaba por aproximar213
ainda mais os conteúdos que as duas expressões procuram refletir.

Para Ingo Wolfgang Sarlet, apesar de haver uma conexão íntima entre os direitos
humanos e os fundamentais, a diferença entre eles ainda persiste, principalmente no plano da

210
Ingo Wolfgang Sarlet, A eficácia dos Direitos Fundamentais, cit., p. 33.
211
Ingo Wolfgang Sarlet, A eficácia dos Direitos Fundamentais, cit., p. 38.
212
Os Direitos Fundamentais, in: Revista Brasileira de Estudos Políticos, n. 82, Belo Horizonte: 1996, p. 15-16.
213
Manoel Gonçalves Ferreira Filho compreende que a expressão “Direitos Fundamentais” é, na verdade, uma
abreviação de “direitos humanos fundamentais”. (Direitos Humanos Fundamentais, cit., p. 14).

65
positivação, visto que o termo „direitos humanos fundamentais‟ ainda ressalta os direitos
humanos de matriz internacional214.

Outra distinção referente a expressões comumente utilizadas como sinônimos diz


respeito aos termos „direitos do homem‟ e „Direitos Fundamentais‟. José Joaquim Gomes
Canotilho ensina que é possível diferenciá-los conforme suas origens e seus significados. Os
„direitos do homem‟ são os válidos para todos os povos e em todos os tempos, enquanto os
„Direitos Fundamentais‟ são os direitos do homem jurídico - institucionalmente garantidos e
limitados em certo espaço e tempo. Nesse sentido, compreende-se que os direitos do homem
derivam da própria natureza humana e, por isso, possuem um caráter inviolável, atemporal e
universal, e os Direitos Fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes numa ordem
jurídica concreta215.

Tal distinção se aproxima da realizada por Sarlet relativa às expressões „direitos


naturais‟ e „Direitos Fundamentais‟. Percebe-se, portanto, que, embora se trate de estabelecer
diferenças entre as mais diversas terminologias, a confusão entre os termos utilizados sempre
persistirá, porque a distinção depende da aplicação de conceitos que, muitas vezes, se
demonstram divergentes.

De fato, existem expressões mais adequadas que outras, mas essa adequação depende
muito do contexto em que estão sendo empregadas. Muitas vezes, prefere-se utilizar o termo
„direitos humanos‟ por se tratar de um assunto referente à seara do Direito Internacional, sem,
contudo, deixar de trazer em seu sentido a expressão daqueles direitos que podem ter sido
reconhecidos em uma ordem jurídica interna como „Direitos Fundamentais‟.

Para efeitos de definição, Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins afirmam que Direitos
Fundamentais são

direitos público-subjetivos de pessoas (físicas ou jurídicas), contidos em dispositivos


constitucionais e, portanto, que encerram o caráter normativo supremo dentro do
Estado, tendo como finalidade limitar o exercício do poder estatal face da liberdade
individual216.

214
A eficácia dos Direitos Fundamentais, cit., p. 39.
215
Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit., p. 393.
216
Teoria Geral dos Direitos Fundamentais, 2ª ed. rev. atual. ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p.
47.

66
Portanto, tratar de Direitos Fundamentais significa tratar dos direitos reconhecidos
por uma ordem jurídica interna, para que os Direitos Fundamentais possam ser estudados e
compreendidos como direitos jurídicos, positivamente vigentes em uma ordem constitucional,
é necessário que sejam antes positivados. Mas não é suficiente qualquer positivação, porque,
conforme observa José Joaquim Gomes Canotilho, a dimensão de Direitos Fundamentais
somente será conferida àqueles direitos positivados na Constituição, dotados de força de
norma constitucional217.
A constitucionalização dos Direitos Fundamentais não significa mera enunciação
formal de princípios. Segundo Alexandre de Moraes, a previsão constitucional de Direitos
Fundamentais representa a plena positivação de direitos a partir da qual o indivíduo tem a
possibilidade de exigir a participação do Poder Judiciário para a concretização. Tal previsão
direciona-se à proteção da dignidade humana em seu sentido mais amplo218.
No entanto, não se pode negar que, antes do reconhecimento de tais direitos em nível
de direito constitucional positivo, é possível identificar a existência dos chamados “direitos do
homem”, compreendidos como direitos naturais inerentes à própria natureza humana, que
antecederam e influenciaram o surgimento dos Direitos Fundamentais.

2.6.2. Surgimento dos Direitos Fundamentais


O surgimento dos Direitos Fundamentais possui íntima relação com o surgimento do
constitucionalismo. Seu desenvolvimento se inicia a partir de um corte histórico em que
ocorre uma nítida separação entre dois períodos. O primeiro antecede aqueles documentos
tidos como marco inicial para o surgimento desses direitos (Virginia Bill of Rights e
Déclaration des Droits de l´Homme et Du Citoyen). O outro período seria o posterior à
existência desses documentos e estaria marcado pela constitucionalização ou positivação
desses direitos nos documentos constitucionais de cada Estado219.
Ingo Wolfgang Sarlet identifica a existência de uma fase pré-histórica no processo
evolutivo dos Direitos Fundamentais, seguida por uma fase intermediária de elaboração da

217
Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit., p. 377.
218
Direitos Humanos Fundamentais e as Constituições brasileiras, in: Constitucionalismo social: estudos em
homenagem ao Ministro Marco Aurélio de Farias Mello, São Paulo: Editora LTR, 2003, p. 228-229.
219
Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit., p. 380.

67
doutrina jusnaturalista, até chegar-se à fase de constitucionalização iniciada com as
declarações de direitos220.
Todavia, conforme ressaltam Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, a idéia de que os
Direitos Fundamentais tenham começado seu processo evolutivo ainda na antiguidade é
equívoca, porque somente se pode falar em Direitos Fundamentais diante da presença de três
elementos: Estado, indivíduo e texto normativo capaz de regular a relação entre Estado e
indivíduos221.
Portanto, haveria a necessidade de existir não somente o Estado ou o indivíduo, mas
de um instrumento capaz de regularizar esta relação. Sendo assim, a existência de uma
Constituição se faz fundamental, visto que somente por meio dela é que se torna possível a
declaração e, por consequência, a garantia dos Direitos reconhecidos como fundamentais.
Entretanto, pode-se afirmar que foi com o estabelecimento das cartas de franquias
medievais que os Direitos Fundamentais passaram a ser desenvolvidos de forma efetiva no
plano jurídico formal. A mais conhecida foi a Magna Carta de 1215, cuja finalidade foi
estabelecer o reconhecimento de direitos e prerrogativas ao rei em troca de certos direitos de
liberdade estamentais aos barões. Portanto, a Magna Carta não trazia a ideia de Direitos
Fundamentais inatos, mas já era capaz de estabelecer a abertura necessária para o
desenvolvimento dos direitos do homem, especialmente no que diz respeito à ideia da
liberdade individual.
Porém, conforme observa Ingo Wolfgang Sarlet, não se pode conceder a esses
direitos conferidos pela Magna Carta e outros documentos da mesma espécie o caráter de
autênticos Direitos Fundamentais, visto que foram conferidos dentro de um contexto social e
econômico marcado pela desigualdade222. Tratava-se de direitos atribuídos somente a certas
castas da sociedade medieval e, por isso, não estabeleciam direitos gerais e, sim, obrigações
concretas dos reis que subscreviam os documentos.
Segundo Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, somente na segunda metade do
século XVIII que foram reunidas as condições para o aparecimento dos Direitos
Fundamentais223. Todavia, é possível afirmar a existência anterior de circunstâncias histórico-
sociais capazes de influenciar no surgimento de tais direitos.

220
A eficácia dos Direitos Fundamentais, cit., p. 43.
221
Teoria Geral dos Direitos Fundamentais, cit. p. 21-23.
222
A eficácia dos Direitos Fundamentais, cit., p. 48.
223
Teoria Geral dos Direitos Fundamentais, cit., p. 23.

68
A Reforma Protestante é exemplo de um acontecimento histórico-social que cumpre
importante papel para o surgimento dos Direitos Fundamentais. Com a Reforma,
gradativamente se reconheceu a liberdade de opção religiosa e de culto e isso contribuiu para
a laicização da doutrina do direito natural224.
Do mesmo modo, as declarações de direitos inglesas do século XVII (Petition of
Rights, Habeas Corpus Act, Bill of Rights) estabelecem Direitos e liberdades reconhecidas aos
cidadãos ingleses e surgem como enunciações gerais de direito costumeiro, capazes de limitar
o poder monárquico de forma progressiva. Para Ingo Wolfgang Sarlet, essas declarações
significaram a evolução das liberdades e privilégios estamentais medievais para liberdades
genéricas no plano do direito público, mas ainda não podem ser consideradas como marco
inicial do surgimento dos Direitos Fundamentais, visto que tais direitos e liberdades não
vinculavam o Parlamento e, portanto, careciam de supremacia e estabilidade225.
Nesse aspecto, importa ressaltar a existência de um conflito doutrinário acerca do
marco inicial da transição dos direitos e liberdades legais inglesas para o nascimento dos
Direitos Fundamentais, porque tanto na América do Norte como na Europa as Declarações de
Direitos surgiram quase que de maneira simultânea.
Assim, há quem defenda o surgimento dos Direitos Fundamentais com a Declaração
de Direitos dos Povos da Virgínia de 1776, sendo esta compreendida como marco inicial do
desenvolvimento do constitucionalismo moderno, conforme aqui exposto, segundo as ideias
de Host Dippel.
De fato, as declarações americanas contribuíram de forma muito significativa na
incorporação dos Direitos Fundamentais pela Constituição Americana de 1787 e teriam
incorporado virtualmente os direitos e liberdades legais inglesas, mas com características de
universalidade e supremacia e vinculação do poder público.
Outra vertente doutrinária defende que a Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão de 1789 inaugurou o marco de transição dos direitos e liberdades inglesas para o
nascimento dos Direitos Fundamentais constitucionalmente previstos. Assim como as
declarações americanas, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão também
comportava inspiração jusnaturalista e reconheceu a todos os homens direitos naturais
invioláveis, inalienáveis e imprescritíveis, mas possuía um caráter mais universal e abstrato,

224
Ingo Wolfgang Sarlet, A eficácia dos Direitos Fundamentais, cit., p. 49.
225
A eficácia dos Direitos Fundamentais, cit., p. 50.

69
razão pela qual é possível entender que não se tratava apenas de Direitos Fundamentais e, sim,
de direitos que vieram a ser compreendidos como direitos humanos.
A grande diferença residiria no fato de que a Declaração francesa não teria a visão
individualista identificada nas Declarações americanas, além de conferir ao legislador o papel
de representante do povo, capaz de estabelecer limitações aos Direitos Fundamentais226.
O principal acontecimento que relaciona os Direitos Fundamentais de forma
definitiva ao constitucionalismo foi quando a Suprema Corte americana reconheceu a
supremacia da Constituição frente ao legislador federal, no caso Marbury versus Madison. Ao
garantir-se a supremacia constitucional, garantiu-se também a prevalência dos Direitos
Fundamentais nela contidos frente às outras leis. Tal fato influenciou de forma decisiva na
dogmática dos Direitos Fundamentais, já que o judiciário passou a atuar de forma efetiva na
fiscalização do cumprimento de tais direitos pelos demais poderes do Estado227.

Na atualidade, os Direitos Fundamentais são reconhecidos em todo Estado


Constitucional, mas continuam a desenvolver-se para alcançar outros direitos surgidos da
evolução humana em sociedade e englobam temas característicos do atual contexto histórico
em que o homem está envolvido, como o biodireito, a proteção ambiental, a informação
digital, entre outros.

Mas, ainda que o estudo da evolução dos Direitos Fundamentais aponte para a
constitucionalização ou positivação como fator fundamental para o reconhecimento desses
direitos em um contexto histórico, o constitucionalismo contemporâneo tem demonstrado o
surgimento de novas concepções consideradas pós-positivistas, que apontam para a ideia de
serem os Direitos Fundamentais a base e a razão de ser do constitucionalismo atual. Desse
modo, pode-se assegurar a esses direitos a condição de cláusula superconstitucional, que,
interpretada adequadamente, servirá de mecanismo para permitir a continuidade e o
aperfeiçoamento do sistema constitucional democrático.

2.6.3. O problema da efetividade dos Direitos Fundamentais


Conforme visto, a preocupação com a efetividade dos Direitos Fundamentais tem
sido apontada como o principal objetivo do constitucionalismo contemporâneo. A positivação

226
Teoria dos Direitos Fundamentais, cit. p. 24.
227
Teoria Geral dos Direitos Fundamentais, cit., p. 24.

70
dos Direitos Fundamentais na Constituição não é mais capaz de, por si só, alcançar a almejada
efetividade de tais direitos, vez que muitas vezes a previsão constitucional existe, mas a
realidade prática é outra.

Neste sentido, a busca pela efetividade dos direitos fundamentais encontraria uma
resposta nas novas concepções propostas no constitucionalismo contemporâneo. Este novo
Direito Constitucional, ainda em processo de formação de conceitos e de desenvolvimento de
teorias já seria capaz de indicar soluções alternativas para tentar solucionar o problema da
falta de efetividade dos Direitos Fundamentais.

No entanto, antes de adentrar propriamente no tema, cumpre estabelecer algumas


diferenças fundamentais entre os termos „efetividadade‟ e „eficácia‟. Ingo Wolfgang Sarlet
(2004), ao justificar o título de seu trabalho acerca do tema, esclarece que há uma correlação
dialética de complementaridade entre vigência e eficácia da norma, já que a vigência constitui
verdadeiro pressuposto para a eficácia. O autor ressalta ainda que a eficácia costuma ser
vinculada à noção de aplicabilidade das normas jurídicas, mas por outro lado existe uma
distinção entre eficácia social e jurídica, sendo a eficácia social conceito de efetividade228.

José Afonso da Silva, ao explicar os vários aspectos que envolvem o conceito de


eficácia, explica que a eficácia social refere-se a uma efetiva conduta daquilo previsto na
norma. Nas palavras do autor, “eficácia social significa a real efetivação da norma; significa
que ela está efetivamente regendo a realidade social nela descrita. O termo „efetividade‟
exprime tecnicamente essa qualidade da norma jurídica”229.

Convém esclarecer que não faz parte do intuito deste trabalho tratar sobre a eficácia
jurídica das normas constitucionais e suas variadas classificações muito bem abordadas em
vasta doutrina230. Pretende-se apenas estabelecer uma relação da eficácia social, ou seja, da
efetividade dos Direitos Fundamentais com o constitucionalismo contemporâneo na tentativa
de se encontrar alguma solução para o problema da concretização dos Direitos Fundamentais.

228
A eficácia dos Direitos Fundamentais, cit. p. 227.
229
Aplicabilidade das normas constitucionais, José Afonso da Silva, 7ª ed., São Paulo: Malheiros editores, 1999,
p. 13.
230
Desde Ruy Barbosa muitas concepções sobre o problema da eficácia jurídica das normas constitucionais
surgiram. Para aprofundamento do tema, sugere-se: José Afonso da Silva, Aplicabilidade das Normas
Constitucionais; Luís Roberto Barroso, Curso de Direito Constitucional Contemporâneo; J.H. Meirelles
Teixeira, Curso de Direito Constitucional; Maria Helena Diniz, Norma Constitucional e seus efeitos; Celso
Ribeiro Bastos e Carlos Ayres Brito, Interpretação e aplicabilidade das normas constitucionais.

71
Em vista disso, André Ramos Tavares identifica na Justiça Constitucional “o papel
didático de orientação geral do Estado no cumprimento e implementação de direitos
231
fundamentais” . Assim, é possível encontrar na Justiça Constitucional a possibilidade de
alcance da almejada efetividade dos Direitos Fundamentais.

231
Justiça Constitucional: pressupostos teóricos e análises concretas, in: André Ramos Tavares (coord.), Justiça
Constitucional: pressupostos teóricos e análises concretas, Belo Horizonte: Editora Fórum, 2007, p. 163.

72
CAPÍTULO 3 - O PAPEL DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL NA
CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

3.1. A ascensão do judiciário e o surgimento da Justiça Constitucional

Conforme já exposto, a crise do positivismo e do Estado moderno, juntamente com a


decadência do modelo inaugurado por esse período, influenciaram o aparecimento das
mudanças que começaram a ocorrer a partir do final do século XX na ciência do Direito.

Com o surgimento do Estado constitucional, as chamadas fontes do Direito só


poderiam ser validamente abordadas por meio das Constituições. Conforme esclarece José
Joaquim Gomes Canotilho, as Constituições foram reconhecidas como Lex superior porque,
além de serem fontes normativas, também possuíam um valor normativo hierarquicamente
superior, chamado de superlegalidade material. Tal característica faz com que a Constituição
se torne o parâmetro obrigatório de todos os atos estatais e norma primária de toda produção
jurídica e alcance, assim, a sua superlegalidade formal232.

Contudo, na fase inicial do Estado Constitucional, a chamada superlegalidade


material da Constituição ainda não era plenamente reconhecida. A Constituição servia de
referência inicial para toda produção normativa, mas a ideia do seu valor normativo ainda não
estava desenvolvida. André Ramos Tavares explica que a supremacia da lei esteve sempre
alicerçada na ideia de fontes e na identificação formal do Direito. Como esse conceito se
desenvolveu em uma época em que o formalismo era necessário para conferir segurança
jurídica, o Estado legalista inaugurou o padrão de legitimidade formal, visto que se trata de
um período em que a lei escrita era identificada com o Direito233.

Assim, a lei foi concebida inicialmente apenas como uma força passiva, ou seja, uma
força em sentido estrito, e as decisões judiciais não tinham capacidade de exercer uma força
em sentido idêntico àquela conferido às leis. Portanto, nessa época, não há qualquer espaço
para a atividade de interpretação das leis, o que gera uma impossibilidade técnica de
existência de um Tribunal Constitucional234. Assim, o Judiciário era considerado apenas um

232
Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit., p. 890.
233
Teoria da Justiça Constitucional, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 36.
234
André Ramos Tavares, Teoria da Justiça Constitucional, cit., p. 37.

73
órgão de mera aplicação mecanicista da lei, em que os juízes deveriam retirar o seu respaldo
do Legislativo, de forma que era incompatível qualquer atuação de caráter normativo e
inovador.

Com a evolução da ideia de superlegalidade formal, começou-se a perceber que, para


a manutenção da rigidez constitucional, seria necessário o estabelecimento de mecanismos de
revisão capazes de consagrar o valor normativo das Constituições. Nas palavras de Canotilho:

A ideia de superlegalidade formal (a Constituição como norma primária da


produção jurídica) justifica a tendencial rigidez das leis fundamentais, traduzidas na
consagração, para as leis de revisão, de exigências processuais, formais e materiais,
“agravadas” ou “reforçadas” relativamente às leis ordinárias. Por sua vez, a
parametricidade material das normas constitucionais conduz à exigência da
conformidade substancial de todos os atos do Estado e dos poderes públicos com as
normas e princípios hierarquicamente superiores da Constituição. Da conjuntura
dessas duas dimensões – superlegalidade material e superlegalidade formal da
Constituição – deriva o princípio fundamental da constitucionalidade dos atos
normativos: os actos só estarão conformes quando não violarem o sistema formal,
constitucionalmente estabelecido, da produção desses actos, e quando não
contrariarem, positiva ou negativamente, os parâmetros materiais plasmados nas
235
regras ou princípios constitucionais . (grifo no original)

Mas o estabelecimento do princípio fundamental da constitucionalidade das leis


somente pôde ser desenvolvido a partir do surgimento da crise do modelo de Estado legalista.
Tal crise foi desencadeada em razão da desconfiança que o Legislativo passou a despertar no
povo, já que a supremacia do Parlamento e a exacerbação legislativa sustentavam a falta de
limitação do Poder Legislativo. Mesmo composto por representantes eleitos pelo povo, o
Parlamento parecia carecer de limites, da mesma forma que o Rei, antes do advento da
monarquia constitucional e das restrições ao poder estabelecidas com a Constituição.

Somente após a Segunda Guerra Mundial, a ideia para o estabelecimento de uma


Justiça Constitucional, como elemento fundamental dos sistemas constitucionais europeus,
começou a formar-se. Para Marcelo Figueiredo, a Justiça Constitucional surgiu como um
dado decisivo porque, sem esse elemento fundamental, as mudanças sofridas pelo direito
Constitucional não teriam ocorrido236.

235
Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit., p. 890.
236
Marcelo Figueiredo, O Controle de constitucionalidade no Brasil, In: André Ramos Tavares e Walter
Claudius Rothenburg, Aspectos atuais do controle de constitucionalidade no Brasil: Recurso Extraordinário
e Arguição de Preceito Fundamental, Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 176.

74
A explicação para um surgimento tão tardio (se comparado ao momento do
surgimento das Constituições) é de que apenas com o declínio do modelo de Estado legalista
começa-se a identificar o Direito não somente a partir das fontes. Com a crise, passou-se a
admitir uma pluralidade de fontes do Direito, indicativo de que esse novo modelo propõe uma
democratização do constitucionalismo237. Nesse aspecto, torna-se possível identificar o
surgimento de elementos capazes de dar início à transição entre os modelos positivista e pós-
positivista, ou, ainda, indicar as primeiras manifestações do neoconstitucionalismo.

A pluralidade de fontes, alcançada a partir dessa mudança de paradigma, é


responsável pela complexidade que o Direito hoje possui. Como a desconcentração do poder
político se torna evidente por meio da distribuição de competências, o resultado é o
estabelecimento de um sistema ainda mais complexo, uma vez que, em razão da
multiplicidade de órgãos estabelecidos, muitos problemas que envolvem as relações de
legitimidade entre esses órgãos começam a aparecer238. Assim, em razão da atividade de
controle de constitucionalidade, ocorre uma nítida ascensão do poder judicial, que faz surgir
fundamentos para o desenvolvimento de uma Justiça Constitucional.

3.2. Justiça Constitucional, Tribunal Constitucional e Jurisdição Constitucional

Para que seja possível melhor compreensão da evolução do tema, convém, neste
momento, estabelecer uma distinção quanto às diversas terminologias aqui empregadas.

Fala-se em Tribunal Constitucional, Justiça Constitucional ou, ainda, em Jurisdição


Constitucional. Conforme explica André Ramos Tavares, não há um consenso formalizado
sobre o alcance de tais expressões, mas sabe-se que o problema terminológico está
relacionado com o tipo de Justiça Constitucional concebido no Estado. Assim, se a Justiça
Constitucional é compreendida apenas com a função de controle abstrato, não há diferença
entre esse termo e o Tribunal Constitucional, visto que tais expressões podem ser usadas de
forma sinonímica. Trata-se de uma postura clássica atrelada às origens do Tribunal
Constitucional e de sua teorização239.

237
André Ramos Tavares, Teoria da Justiça Constitucional, cit., p. 45.
238
André Ramos Tavares, Teoria da Justiça Constitucional, cit., p. 47.
239
Teoria da Justiça Constitucional, cit., p. 141.

75
Por „Justiça Constitucional‟ deve-se entender a justiça desenvolvida no âmbito do
Tribunal Constitucional e pode referir-se também a uma forma genérica de organização dos
tribunais constitucionais240.

Quanto à expressão Jurisdição241 Constitucional, Walber de Moura Agra entende que


“a jurisdição constitucional é uma função estatal que tem a missão de concretizar os
mandamentos contidos na Constituição, fazendo com que as estruturas normativas abstratas
possam normatizar a realidade fática” 242.

Nesse sentido, André Ramos Tavares explica que o termo „jurisdição constitucional‟
tem sido utilizado para designar a atividade por meio da qual se realiza a proteção da
Constituição em todas as suas dimensões, por meio de um método jurídico-processual. Para o
autor, o uso desse termo parece pressupor a existência de um tribunal que desempenhe apenas
a curadoria da Constituição para assegurar seu cumprimento243.

A defesa da Constituição, em todos os aspectos, por um tribunal com tal função


exclusiva seria, assim, a essência da jurisdição constitucional. É, na verdade, a condição de
possibilidade do Estado Democrático de Direito, tendo em vista que a Constituição é o
fundamento de validade do ordenamento jurídico de um Estado244.

240
André Ramos Tavares, Teoria da Justiça Constitucional, cit., p. 151.
241
O termo jurisdição, quando empregado isoladamente, refere-se a uma das funções estatais que representa uma
forma de exercício da soberania do Estado em nome do povo, conforme determina o art. 1º, parágrafo único,
da Constituição Federal de 1988. Athos Gusmão Carneiro qualifica a jurisdição como a atividade estatal
correspondente ao direito subjetivo de ação pelo qual alguém pede ao Estado que lhe faça justiça (Jurisdição
e Competência, 14ª ed., São Paulo: Saraiva, 2005, p. 3). Para Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegini
Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, a jurisdição representa a segunda ordem de atividades jurídicas do
Estado no desempenho de sua função jurídica. A primeira ordem seria a legislação, capaz de definir normas
de caráter genérico e abstrato. Ao buscar a realização dessas normas no caso de um conflito concreto entre
pessoas, o Estado utiliza-se da jurisdição, capaz de assegurar a prevalência do direito positivo do país. O
desenvolvimento do conceito de jurisdição tem como ponto de partida um debate metodológico existente
entre duas correntes do direito processual: a teoria dualista e a teoria unitária do ordenamento jurídico.
Chiovenda, representante da corrente dualista, compreende que o ordenamento jurídico é dividido entre
direito material e direito processual. Já Carnelutti, adepto da teoria unitária do ordenamento jurídico, entende
que o direito objetivo é incapaz de disciplinar todos os conflitos de interesses e o processo é necessário para
complementar os comandos da lei. (Teoria Geral do Processo, 8ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais,
1991, p. 40).
242
A reconstrução da legitimidade do Supremo Tribunal Federal: densificação da jurisdição constitucional
brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 19.
243
André Ramos Tavares, Teoria da Justiça Constitucional, cit., p. 145.
244
Lenio Luiz Streck, Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito, 2. ed, Rio de
Janeiro: Forense, 2004, p. 13.

76
Segundo José Joaquim Gomes Canotilho, quando se adota um modelo de controle de
constitucionalidade, que todos os tribunais têm o direito e o dever de realizá-lo, a jurisdição
conferida a estes tribunais também seria constitucional. Nas palavras do autor:

Subjacente a esta concepção, está a ideia de que a jurisdição constitucional não se


distingue substancialmente das outras formas de jurisdição. Precisamente por isso,
também não se justifica a existência de uma jurisdição especificamente competente
para apreciar as questões da constitucionalidade.245

No entanto, atualmente adota-se uma postura mais restritiva sobre jurisdição


constitucional, consoante aduz André Ramos Tavares:

Eis aqui a essência daquilo de que se compõe a jurisdição constitucional: a defesa da


Constituição sob todos os seus aspectos, desde que operada por um tribunal
(exercício de jurisdição) como função exclusiva (eliminando desse conceito
tribunais que desempenhem a jurisdição comum concomitantemente). Assim,
atualmente, pode-se considerar que se tem adotado uma concepção mais restritiva de
jurisdição constitucional (...) 246.

Teoricamente até seria possível dispensar o caráter exclusivo, tendo em vista que
qualquer cumprimento da Constituição e realização da sua defesa seriam, desde já, o exercício
de jurisdição constitucional. Mas tal entendimento poderia alargar o uso da expressão abarcar
também aqueles casos em que os tribunais em geral dão cumprimento à Constituição247.
Assim, a jurisdição constitucional deve ser considerada uma atividade típica de um órgão
estatal especificamente criado com a finalidade de verificar a relação de congruência entre as
normas infraconstitucionais e a Constituição.

Quanto ao termo „Tribunal Constitucional‟, ele seria aplicado para referir-se ao


modelo desenvolvido por Hans Kelsen, quando sugeriu a criação de um Tribunal
Constitucional independente de todos os demais poderes do governo, com o intuito exclusivo
de interpretar as normas constitucionais de forma abstrata.

Segundo André Ramos Tavares, questiona-se se o Tribunal Constitucional realmente


teria natureza de um „Tribunal‟, na acepção clássica do termo. O uso da expressão justifica-se
como critério diferenciador, para destacar a distinção existente entre os termos „Corte

245
Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit., p. 896.
246
Teoria da Justiça Constitucional, cit., p. 145.
247
André Ramos Tavares, Teoria da Justiça Constitucional, cit., p. 146.

77
Constitucional‟ e „Tribunal Constitucional‟, embora a palavra „Corte‟ guarde mais referência
com a realidade do direito americano248.

O modelo de Tribunal Constitucional desenvolvido por Kelsen não é propriamente


um órgão jurisdicional, uma expressão de poder judicial, porque não aplica normas anteriores
a fatos concretos, razão por que tem a sua função limitada a declarar se uma lei é ou não
compatível com a Constituição249.

No entanto, compreender que o Tribunal Constitucional é apenas um órgão


autônomo dos demais Poderes, que atue com exclusividade e monopólio no controle de
constitucionalidade, é identificável como um conceito restrito. A identificação de um Tribunal
Constitucional deve ser realizada a partir de suas funções, todas voltadas para a proteção da
supremacia da Constituição e não pela exclusividade ou monopólio no exercício dessas
funções250.

3.3. As funções do Tribunal Constitucional

Como visto, a Justiça Constitucional surge com o objetivo de proporcionar a


concretização do princípio da Supremacia da Constituição, que somente pode tomar forma a
partir da chamada rigidez constitucional.

A supremacia jurídica da Constituição não se pressupõe por simples recomendação


do texto constitucional, pois ela somente existirá nos sistemas em que essa noção de
supremacia seja realmente realizada. Segundo Marina Gascón Abellán, para alcançar a
supremacia da Constituição, é necessário antes reconhecer a sua rigidez por meio de um
sistema de revisão constitucional especialmente reforçado, mais complexo que a tramitação
legislativa comum251. Assim, a supremacia da Constituição e a Justiça Constitucional são
conceitos intimamente vinculados.

Por isso, a função de controle constitucional das leis é entendida como função
inaugural do Tribunal Constitucional diante do destaque por ela ocupado, apesar de existirem

248
Teoria da Justiça Constitucional, cit., p. 154.
249
Eduardo Garcia de Enterria, La Constitución como norma y el Tribunal Constitucional, Madrid: Editorial
Civitas, 2001, p. 132.
250
André Ramos Tavares, Teoria da Justiça Constitucional, cit., p. 159.
251
Los limites de la Justicia Constitucional: el Tribunal Constitucional entre juridicción y legislación, In:
Francisco J. Laporta (org.), Constitución: problemas filosóficos, Madrid: Centro de Estudios Políticos y
Constitucionales, 2003, p. 165.

78
ainda outras funções originárias implícitas. André Ramos Tavares explica que ao Tribunal
Constitucional também estão atribuídas as funções: a) interpretativa; b) estruturante; c)
arbitral; d) governativa; e e) legislativa scrito sensu252.

De forma diferente, José Joaquim Gomes Canotilho destaca a existência das funções
da Justiça Constitucional, e não propriamente do Tribunal Constitucional, como propõe André
Ramos Tavares.

As funções propostas por Canotilho são heterogêneas e desenvolvem-se conforme as


particularidades de cada ordenamento jurídico-constitucional. Assim, classifica-as em: a)
litígios constitucionais, entre órgãos supremos do Estado; b) litígios emergentes da separação
vertical de órgãos constitucionais, como a Federação e os entes federados; c) controle de
constitucionalidade das leis e outros atos normativos; d) controle da regularidade de formação
dos órgãos constitucionais e de outras formas importantes de expressão política, como
eleições, referendos e consultas populares; e) proteção autônoma dos Direitos Fundamentais;
e f) intervenção nos processos de averiguação e apuramento da responsabilidade
constitucional e a defesa da Constituição contra os crimes de responsabilidade253.

Dentre as funções do Tribunal Constitucional relacionadas, a função interpretativa é


a que se encontra sempre presente, já que, para qualquer análise com base na Constituição,
exige-se determinar a definição exata do comando constitucional.

Importa ressaltar que não deve ser reconhecida como função própria do Tribunal
Constitucional a interpretação das leis, mas, sim, a interpretação da Constituição. A
interpretação das leis ordinárias será realizada pelo Tribunal Constitucional para fins de
controle de constitucionalidade254 e, nesse, caso, a função de controle estará em evidência.

Já a função estruturante é direcionada para a manutenção da estrutura do


ordenamento jurídico, realizada por meio da atividade de controle de constitucionalidade. A
função arbitral caracteriza-se quando o Tribunal Constitucional age para proporcionar
conformidade à forma federativa, atua na superação de atrito entre os poderes e determina a
competência das entidades para legislar sobre certo tema255.

252
Curso de Direito Constitucional, cit., p. 255.
253
Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit., p. 895.
254
André Ramos Tavares, Teoria da Justiça Constitucional, cit., p. 218.
255
Curso de Direito Constitucional, cit., p. 256.

79
No que diz respeito à função governativa, André Ramos Tavares explica que ela se
faz presente no desenvolvimento de todas as outras funções, porque ocorre a partir do
momento em que as Constituições passaram a incorporar normas programáticas,
caracterizadas por postulados a serem executados pelos Governos, “o que „constrangeu‟ o
Tribunal Constitucional a trabalhar também nessa seara” 256.

Por fim, ainda conforme a classificação de André Ramos Tavares, a função


legislativa típica também foi atribuída ao Tribunal Constitucional. No caso das omissões
normativas consideradas inconstitucionais, poderá o Tribunal Constitucional desempenhar
uma competência legislativa a termo, ou seja, de forma temporária, para suprir a lacuna, até
que o Parlamento se manifeste para superar a inércia inicial257.

Ressalte-se que, a respeito dessa última função, há certa polêmica, já que a atuação
do Tribunal Constitucional nesses casos poderia significar uma atuação política do Tribunal
Constitucional, o que não seria permitido (ao menos preliminarmente), conforme se
demonstrará adiante.

De todas as funções atribuídas ao Tribunal Constitucional, a função interpretativa,


de definição da norma constitucional, é a escolhida aqui para ser desenvolvida, tendo em vista
a importância da interpretação constitucional para o objeto deste trabalho.

3.4. Natureza do Tribunal Constitucional

O surgimento da Justiça Constitucional e seu papel desempenhado no Estado


despertam dúvidas acerca de sua natureza: seria o Tribunal Constitucional um órgão
essencialmente jurídico ou também competiria a ele o desempenho de funções políticas?

Determinar a natureza do Tribunal Constitucional é essencial porque, com base nela,


é possível viabilizar a concretização necessária de suas decisões.

Historicamente, o surgimento do Tribunal Constitucional na Áustria já indicava a sua


pretensão de ser um órgão essencialmente voltado para o controle de constitucionalidade e
realizar função essencialmente jurídica, já que foi idealizado como um poder paralelo às

256
Curso de Direito Constitucional, cit., p. 256.
257
Curso de Direito Constitucional, cit., p. 256.

80
outras atividades do Estado, sem qualquer influência de natureza política, de modo a ressaltar,
assim, a sua imparcialidade.

De fato, não há como negar ao Tribunal Constitucional sua natureza jurídica, visto
que suas decisões estão atreladas às regras estabelecidas no ordenamento jurídico do Estado.

Marina Gascón Abellán ensina que os Tribunais constitucionais de inspiração


kelseniana estão submetidos a limites que derivam da distinção entre juízo de
constitucionalidade e juízo de legalidade e também entre juízo de constitucionalidade e
decisão política258. Mas, para que se torne possível estabelecer uma separação das
competências para a justiça constitucional, é necessário compreender de forma clara a
separação entre as questões políticas e as questões constitucionais.

A função do juiz constitucional não é substituir o Parlamento, o qual possui liberdade


política necessária para editar leis de forma inovadora. No entanto, quando o juiz
constitucional se preocupa em eliminar somente aquelas leis intoleráveis do ponto de vista
constitucional, sem a intenção de fixar a melhor lei de acordo com a perspectiva
constitucional, estará atuando como um legislador negativo. O Tribunal Constitucional não
deve influir na direção política do país e, por isso, o juiz não pode valorizar as motivações
políticas em que as leis se baseiam. Nas palavras de Marina Gascón Albellán:

Em resumo, a justiça constitucional pressupõe a separação entre juízo de


constitucionalidade das leis ou de outros atos de poder, que compete ao Juiz
constitucional, a decisão política expressada na lei que é competência do legislador
democrático, e o juízo de legalidade, que compete à jurisdição constitucional
ordinária. Esta separação obriga ao Tribunal a realizar um esforço auto-inibitório a
fim de que não se transforme em um legislador positivo nem em um Tribunal
Supremo. Sem embargo não se resulta sempre fácil manter-se fiel a estes
propósitos.259.

Nesse sentido, Eduardo Garcia de Enterría ensina que a força erga omnes das
sentenças do Tribunal Constitucional teria uma natureza puramente legislativa e, por isso,
admite que o Tribunal Constitucional é um legislador, mas um legislador negativo. Existiria,

258
Los limites de la Justicia Constitucional, cit., p. 169.
259
Los limites de la Justicia Constitucional, cit., p. 171. Texto no original: “En resumen, la justicia
constitucional pressupone la separación entre el juicio de constitucionalidad de las leyes o de otros actos de
poder, que compete al Juez constitucional, la decisión política expressada em la ley, que es competência del
legislador democrático, y el juicio de legalidad, que compete a la jurisdicción ordinária. Esta separación
obliga al Tribunal a realizar um esfuerzo autoinibitorio a fin de que no transformese en un legislador
positivo ni en un Tribunal Supremo. Sin embargo no siempre resulta fácil mantenerse fiel a estos
propósitos”.

81
assim, um poder legislativo de duas formas: o legislador positivo, que tem a iniciativa de
editar normas de forma inovadora; e o legislador negativo, que elimina as leis incompatíveis
com a norma constitucional260.

Contudo, não há como negar o sentido político que possui a Constituição. Aliás, esse
é o seu sentido clássico, visto que é considerada uma carta política por excelência, capaz de
reconhecer o regime político e a organização do Estado, fixar regras de exercício do poder e
da participação popular.

Nesse aspecto, o Tribunal Constitucional, ao atuar como intérprete das normas


constitucionais, muitas vezes atua de forma política, ainda que com respaldo devido na
Constituição. Há também casos em que o processo decisório se torna influenciado por
circunstâncias políticas.

Portanto, existem algumas formas em que a Justiça Constitucional pode influenciar


na política, já que muitas vezes a indeterminação do próprio texto constitucional pode
proporcionar isso. A existência de cláusulas abertas, de disposições normativas de forte
conteúdo valorativo e da presença marcante dos princípios nos textos constitucionais
contribuem para a existência de uma indeterminação constitucional, que justifica algumas
atuações políticas da Justiça Constitucional.

Tais atuações ou contêm recomendações para o legislador positivo ou fixam o


significado de um conceito essencialmente controvertido. No primeiro caso, o Tribunal
declara a constitucionalidade da lei, mas faz acompanhar essa decisão de uma recomendação
ao legislador com a finalidade de ajustar determinada lei à melhor interpretação da
Constituição estabelecida na sentença. A segunda possibilidade diz respeito à atuação do
Tribunal em casos de indeterminação de princípios ou valores, cuja interpretação é
socialmente controvertida. Assim, não seria possível que o Tribunal fizesse uma
recomendação ao legislador, de modo que é necessário fixar diretamente o significado que
deve ser aplicado261.

No caso brasileiro, quando o Supremo Tribunal Federal realiza o controle de


constitucionalidade das leis emanadas do Legislativo, está realizando uma atividade de
controle judicial sobre uma atividade política, que é a de editar leis. O desempenho do

260
La Constitución como norma y el Tribunal Constitucional, cit., p. 132.
261
Marina Gascón Abellán, Los limites de la Justicia Constitucional, cit., p. 180.

82
Supremo nesse sentido é necessário para a manutenção da supremacia da Constituição, visto
que o poder conferido tanto ao Legislativo quanto ao Judiciário não pode ser considerado
absoluto e deve, sim, ser limitado aos termos aduzidos no texto constitucional. Mas o fato é
que, muitas vezes, questões políticas chegam ao Supremo Tribunal Federal como questões
jurídicas a serem dirimidas.

Até mesmo o modo de composição dos Tribunais Constitucionais por indicação do


Chefe do Executivo indica a existência de um elemento de natureza política. Todavia, é
importante considerar que os membros do Tribunal Constitucional não podem usar de suas
convicções íntimas para decidir sobre os conflitos que envolvem questões constitucionais, por
ser essencial manter a característica de neutralidade e imparcialidade dos seus membros.

Nesse sentido, André Ramos Tavares ensina que:

A existência, ainda que em grau mínimo, de conotação política na indicação dos


membros para a composição do Tribunal Constitucional é contrastada pela regra de
independência funcional capaz de afastar as ideologias do seio do Tribunal. É uma
espécie de “compensação” que afasta o elemento político das decisões sem eliminar
a desejável legitimidade de origem.262

Assim, é possível afirmar que a Justiça Constitucional atuará de forma legítima


quando, para solucionar questões jurídicas, for necessário manifestar-se sobre questões
políticas. Na verdade, não há como negar certa interferência política da Justiça Constitucional,
dado o caráter dominante da participação dos princípios constitucionais na hermenêutica e da
amplitude material alcançada pela Constituição. Trata-se, portanto, de uma consequência
natural, inclusive prevista constitucionalmente, de que o Judiciário atuará no processo
eleitoral por meio da Justiça Eleitoral, o que, sem dúvida, coloca o Judiciário no centro dos
debates das questões políticas que envolvam a eleição de seus representantes263.

O fato é que o Tribunal constitucional hoje apresenta diferenças essenciais do


modelo kelseniano. Essa transformação seria decorrente da própria transformação da ideia de
Constituição264, nos termos propostos por este trabalho.

262
Teoria da Justiça Constitucional, cit., p. 455.
263
Neste aspecto, convém lembrar a recente decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade da
lei conhecida como “ficha limpa”. Não há como negar que a decisão emanada do Supremo, apesar de se
basear em critérios jurídicos (tendo em vista se tratar de um processo que questiona a constitucionalidade da
lei), gerou consequências políticas, uma vez que, reconhecida a constitucionalidade da lei, certo candidato foi
reconhecido como impedido de participar do recente processo eleitoral nos termos da lei.
264
Marina Gascón Abellán, Los limites de la Justicia Constitucional, cit., p. 181.

83
3.5. A Justiça Constitucional brasileira e as influências do sistema austríaco e americano
de controle de constitucionalidade

O desenvolvimento da Justiça Constitucional em um país depende de um


desenvolvimento cultural lento, em que o cidadão passa a exigir seus direitos e cumprir seus
deveres de modo a gerar um fortalecimento das instituições do Estado. “Nenhum tribunal, em
nenhum país do mundo, poderia levar sozinho a tarefa de ser o guardião da Constituição se as
outras instituições não guardassem reverência e respeito aos comandos e princípios
constitucionais” 265, afirma Marcelo Figueiredo.

Na estrutura organizacional brasileira, a Justiça Constitucional é representada pelo


Supremo Tribunal Federal, cujo papel principal é ser o guardião da Constituição. Ao Supremo
Tribunal Federal, cabe a atividade de interpretação das normas constitucionais para
compatibilizá-las ou não com as leis infraconstitucionais, e, assim, chegar-se, à proteção e à
concretude do princípio da supremacia da Constituição.

Em diversos países, é possível encontrar diferentes formas de manifestação da


jurisdição constitucional. Muitos adotam o modelo de Tribunal Constitucional e até mesmo os
Estados Unidos e a França desenvolveram suas formas de jurisdição constitucional com o
judicial review e o controle político de constitucionalidade266, respectivamente267.

Contudo, em alguns casos, preferiu-se adotar um modelo misto, em que a adoção de


ambos os sistemas de controle de constitucionalidade foi a solução. Marcelo Figueiredo
explica que, na América Latina, houve uma mitigação das diferenças entre os sistemas
concentrado e difuso268.

A combinação dos mecanismos de controle de constitucionalidade fez surgir diversos


modelos, como o português e o brasileiro. Contudo, importa salientar que tais modelos têm
como fonte os sistemas de controle austríaco e americano.

265
O Controle de constitucionalidade no Brasil, cit., p. 177.
266
Importa ressaltar que, na França, não há controle jurisdicional de constitucionalidade, pois este controle é
realizado por órgãos políticos. O fato é que a concepção da lei como vontade geral manteve-se aliada ao
dogma da supremacia da lei e, sendo assim, somente as assembleias legislativas teriam o poder de,
politicamente, controlar as leis quanto a sua constitucionalidade.
267
O Controle de constitucionalidade no Brasil, cit., p. 180.
268
O Controle de constitucionalidade no Brasil, cit., p. 181.

84
Para Eduardo Garcia de Enterria, o Tribunal Constitucional seria uma invenção do
constitucionalismo americano, reelaborado algum tempo depois por Hans Kelsen. A própria
concepção de Constituição é uma criação do constitucionalismo desenvolvido na América do
Norte. Foi a primeira emenda à Constituição americana de 1787269, que trouxe as primeiras
definições capazes de conferir limites ao Poder Legislativo, tornando-se explícita a ideia da
sua supremacia270.

O sistema americano teria começado a desenvolver-se em 1803, por meio do caso


William Marbury versus James Madison271, julgado pelo então Presidente da Suprema Corte
dos Estados Unidos John Marshall. Porém, é importante ressaltar que, antes mesmo da
decisão de Marshall, já havia outras decisões isoladas nos estados federados, que reconheciam
a nulidade de certas leis contrárias à Constituição.

Na verdade, as consequências da decisão de Marshall para o surgimento do controle


de constitucionalidade difuso só seriam reconhecidas muito tempo depois, já que, somente em

269
“Congress shall make no law respecting an establishment of religion, or prohibiting the free exercise thereof;
or abridging the freedom of speech, or of the press; or the right of the people peaceably to assemble, and to
petition the Government for a redress of grievances”. (O Congresso não deve fazer leis a respeito de se
estabelecer uma religião, ou proibir o seu livre exercício; ou diminuir a liberdade de expressão, ou da
imprensa; ou sobre o direito das pessoas de se reunirem pacificamente, e de fazerem pedidos ao governo para
que sejam feitas reparações por ofensas).
270
La Constitución como norma y el Tribunal Constitucional, cit., p. 125.
271
Em poucas palavras, pode-se dizer que o caso girava em torno da nomeação de William Marbury para o cargo
de juiz de paz, feita em 1801 pelo ainda presidente federalista John Adams, que estava terminando o seu
mandato e não teve tempo hábil para empossar Marbury no cargo. O sucessor de Adams, Thomas Jefferson,
ao assumir a presidência ordenou que o seu Secretário de Estado James Madison negasse posse a Marbury.
Inconformado, Marbury recorreu à Suprema Corte com o fim de que Madison fosse obrigado a dar-lhe a
posse. Para decidir a questão, Marshall serviu-se da competência constitucional da Suprema Corte e concluiu
que a Lei Judiciária de 1789 (que serviu de base para o pedido de Marbury e permitia que o Tribunal
expedisse mandados para sanar atos ilegais do Executivo) “seria” inconstitucional, pois o Artigo III, Seção 2,
disciplinava de forma taxativa a competência originária da Suprema Corte. Assim, o Congresso não poderia
ampliar as competências da Suprema Corte por meio da Lei Judiciária de 1789. A decisão do juiz Marshall é
até hoje lembrada por ter estabelecido as bases do controle difuso de normas, mas expressou uma
problemática muito mais política do que jurídica. O fato é que o ambiente político da época revelava que o
partido federalista havia perdido a eleição da presidência para um representante do partido republicano. Mas,
ainda que os federalistas não detivessem mais o controle do Poder Executivo e do Legislativo (o Congresso
também era formado em sua maioria por republicanos), ainda detinham o controle do Poder Judiciário, cuja
maioria era composta por federalistas, como Marshall. Os republicanos jamais admitiram a interferência do
Judiciário nas deliberações do Executivo e a decisão de Marshall revelou-se surpreendente, porque, ao invés
de apoiar a vertente federalista, apoiou os seus adversários, ou seja, ao admitir que a Lei Judiciária de 1789
era inconstitucional, limitou a competência da Suprema Corte e não admitiu a sua interferência em atos do
Poder Executivo.

85
1857, pelo caso Dredd Scott, uma decisão da Suprema Corte foi capaz de anular uma lei do
Congresso americano272.

Por mais que não possa ser considerada a primeira decisão que reconheceu a
nulidade de uma lei frente à Constituição, a decisão de Marshall 273 ainda se revela muito
importante no desenvolvimento do sistema de controle de constitucionalidade americano,
porque foi capaz de mostrar que o juiz é o último intérprete da Constituição 274. Dessa forma,
os princípios da Supremacia da Constituição e da competência do Judiciário para invalidar
atos do Congresso foram efetivamente consagrados.

Contudo, não bastava apenas afirmar a superioridade da Constituição perante a lei.


“Era necessário reconhecer a judicial review, ou seja, a faculdade judicial de controle de
275
inconstitucionalidade das leis.” . É essa a evolução que se concretiza com a sentença de
Marshall.

Já o sistema de controle de constitucionalidade surgido na Europa se desenvolveu de


modo diferente em razão do momento em que a sociedade se encontrava na época. A
modalidade de controle que se desenvolveu na Europa foi consagrada inicialmente pela
Constituições Austríacas de 1920 e 1929, obra de Hans Kelsen. Conforme explica José
Joaquim Gomes Canotilho:

À ideia de um controlo concentrado está ligado o nome de Hans Kelsen, que o


concebeu para ser consagrado na Constituição austríaca de 1920 (posteriormente
aperfeiçoado na reforma de 1929). A concepção kelseniana diverge
substancialmente da judicial review americana: o controlo constitucional não é
propriamente uma fiscalização judicial, mas uma função constitucional autônoma,
que, tendencialmente, se pode caracterizar como função de legislação negativa. No
juízo acerca da compatibilidade ou incompatibilidade (Vereinbarkeit) de uma lei ou
norma com a Constituição não se discutiria qualquer caso concreto (reservado à
apreciação a quo) nem se desenvolveria uma atividade judicial. 276

272
José Acosta Sanchéz, Formación de la constitución y jurisdicción constitucional: fundamentos de la
democracia constitucional, Madrid: Tecnos, 1998, p. 115.
273
Importa salientar que, para resolver a questão, Marshall partiu do princípio de que, se a Constituição
americana é escrita, significa que seus parâmetros já estavam expressos e não haveria sentido uma lei
deliberada pelo Congresso tratar de assuntos que já estavam definidos em seu texto de forma originária e
absoluta. Isso enfraqueceria o papel da Constituição e colocaria as leis em um mesmo patamar. Marshall
também alertou para o fato de que todos os Juízes e Cortes deveriam obedecer à Constituição e não somente
às leis.
274
José Acosta Sanchéz, Formación de la constitución y jurisdicción constitucional: fundamentos de la
democracia constitucional, Madrid: Tecnos, 1998, p. 122.
275
José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit., p. 898.
276
Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit., p. 898-899.

86
Conforme explica Marcelo Figueiredo, com exceção da França, quase toda a Europa
adotou o modelo hoje conhecido por todos como controle concentrado de constitucionalidade.
Tal sistema se fundava na existência de um Tribunal Constitucional formado por profissionais
do Direito, especialmente criado para trabalhar com o controle abstrato das normas e sua
compatibilidade com a Constituição. Essa experiência europeia teria sido responsável pelo
surgimento da Justiça Constitucional, especializada na aplicação do direito constitucional277.

É a Justiça Constitucional concentrada, com a função principal de realizar o controle


das normas de modo abstrato, formalizada por meio de um órgão cujas competências foram
previstas na Constituição. Ao Tribunal Constitucional, compete processar e julgar de forma
originária, sendo que suas decisões são dotadas de força de coisa julgada e com efeito erga
omnes.

Partindo do ponto de vista organizatório, José Joaquim Gomes Canotilho classifica


os modelos de Justiça Constitucional em unitário e de separação. Conforme o modelo
unitário, a Justiça Constitucional não tem autonomia organizativo-institucional, já que todos
os tribunais têm o direito e o dever de realizar o controle de constitucionalidade da norma
aplicável ao caso submetido à decisão judicial278. Dessa forma, percebe-se que tal
classificação está de acordo com o sistema desenvolvido nos Estados Unidos da América e
adotado no Brasil como controle difuso ou concreto de constitucionalidade.

Já no modelo de separação, a justiça constitucional é confiada a um Tribunal com


competência específica para decidir sobre questões constitucionais. Trata-se, portanto, do
chamado sistema austríaco e, conforme explica Canotilho:

(..) a ideia básica subjacente a este modelo é a de que a decisão de questões jurídico-
constitucionais representa uma função jurisdicional em sentido material (não se
trata, portanto, apenas de um problema político-constitucional)” 279.

No Brasil optou-se pela adoção de um sistema misto de controle de


constitucionalidade, combinando o modelo americano, de controle difuso, com o modelo
austríaco, de controle concentrado.

277
O Controle de constitucionalidade no Brasil, cit., p. 179.
278
Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit., p. 896.
279
Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit., p. 896.

87
Assim, pelo ordenamento jurídico brasileiro, é possível que um juiz ordinário
reconheça a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de uma determinada norma, uma
vez que sua decisão, nesse sentido, é relevante para a apreciação satisfatória do caso em
concreto. No entanto, a Constituição confere apenas ao Supremo Tribunal Federal a
competência originária exclusiva para a apreciação do controle de constitucionalidade das
normas em abstrato e prevê mecanismos processuais especialmente voltados para tanto.

Conforme aduz Gilmar Ferreira Mendes, o Supremo Tribunal Federal ocupa uma
posição peculiar em razão da combinação desses dois sistemas e atua tanto como órgão de
revisão de última instância, como também Tribunal Constitucional, com competência para
aferir a constitucionalidade das leis estaduais e federais280.

Mas a combinação dos modelos para a adoção de um sistema misto pode gerar
alguns problemas de operacionalidade e legitimidade. Para Marcelo Figueiredo, a adoção de
ambos os modelos gera dúvidas e fica difícil saber qual é o mais democrático, ideal ou eficaz.
Também se questiona com relação à segurança proporcionada pelos modelos e a qualidade
das decisões. Para solucionar tais problemas, é preciso antes ter em mente que cada jurisdição
constitucional estabelecida em determinado Estado possui critérios próprios, porque sofre
variações conforme o sistema constitucional em que foi estabelecida281.

Assim, ainda que o Brasil tenha adotado um sistema misto, tal sistema se espelha nos
modelos americano e austríaco, e, genuinamente, não é este nem aquele. A própria
combinação de fatores faz com que exista alguma técnica, em ambos os modelos, que foi
relativizada ou flexibilizada para que se torne possível a operacionalidade do sistema.

3.6. A legitimidade da Justiça Constitucional diante do Poder Constituinte Originário

A superação do dogma do Parlamento absoluto e a complexidade do Direito fizeram


com que a função do Tribunal Constitucional passasse a ser muito mais do que fiscalizadora
apenas do desrespeito à hierarquia normativa. Assim, exige-se do Tribunal Constitucional a

280
Gilmar Ferreira Mendes, Jurisdição Constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha,
3ª ed., São Paulo: Saraiva: 1999, p. 20.
281
O Controle de constitucionalidade no Brasil, cit., p. 181.

88
capacidade de deliberar de forma definitiva também sobre outros temas, como a distribuição
de competência e o conflito entre os poderes282.

Nuno Piçarra acredita numa mudança ocorrida no princípio da separação de Poderes.


Com a ideia de controle de poder por outro poder, a atual configuração da função jurisdicional
constituiria um contrapoder da função legislativa e “o sistema de controles jurídicos
constituiria o núcleo essencial do princípio da separação dos Poderes no Estado de Direito
contemporâneo” 283.

A legitimidade do Tribunal Constitucional possui estreita relação com o esquema de


limitação do poder. Como a Constituição vigente manteve o entendimento clássico do sistema
de freios e contrapesos do constitucionalismo moderno, os poderes da União foram divididos
conforme a função a ser desempenhada. Desse modo, é na Constituição que se encontra a
fonte da legitimidade dos poderes e seu controle recíproco284.

Todavia, há de se ressaltar que o Poder Legislativo e o Judiciário possuem funções


materialmente diferentes e isso faz surgir uma tensão entre eles. Num sistema de freios e
contrapesos, um poder deve ser capaz de limitar outro poder e, assim, deve haver um poder
capaz de garantir a continuidade do princípio da supremacia da Constituição e estabelecer
limites para as leis emanadas do Parlamento.

Portanto, para que seja possível a manutenção do equilíbrio e a atuação dos Poderes,
faz-se necessário o controle recíproco entre eles, sendo que o Judiciário é o poder
constitucionalmente competente para dirimir tais conflitos. Trata-se, conforme visto, da
função de arbitragem designada ao Tribunal Constitucional.

De outra forma, se a lei emana do Poder Legislativo, é possível afirmar que ela
possui natureza política. No entanto, essa mesma lei também pode conter uma natureza
jurídica ao ser integrada ao ordenamento jurídico vigente no Estado. Contudo, conforme
explica Nuno Piçarra, em determinado momento, o componente político da lei pode vir a
sobrepor-se a seu componente jurídico e, assim, postergar os valores jurídico-constitucionais

282
Teoria da Justiça Constitucional, cit., p. 48.
283
Nuno Piçarra, A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional: em contributo para o
estudo das suas origens e evolução, Coimbra Editora, 1989, p. 258-259.
284
Ana Cândida da Cunha Ferraz e Fernanda Dias Menezes de Almeida, Interpretação Constitucional: O
controle judicial da atividade política, in: Eduardo Ribeiro Moreira et.al., Hermenêutica Constitucional:
homenagem aos 22 anos do grupo de estudos Maria Garcia, Florianópolis: Conceito editorial, 2010, p. 64.

89
fundamentais285. Portanto, existe a necessidade de se estabelecer um poder para garantir a
realização desses valores, e o poder que se revela mais adequado para tanto é o judicial, com
função exclusivamente jurídica e despida de qualquer influência política, com enfoque apenas
na salvaguarda e atualização dos valores constitucionais.

Convém ressaltar que, conforme visto, a função de controle de constitucionalidade


das leis muitas vezes acaba por adentrar em aspectos políticos que contaminam, de forma
involuntária, o processo decisório. Dessa forma, fica difícil delimitar a atuação do Poder
Legislativo e do Poder Judiciário e fica vedada a participação deste último como legislador
negativo. Conforme explica Nuno Piçarra, como a Constituição do Estado de Direito
Contemporâneo possui características de norma de ordenação do processo político, a validade
da lei a ser verificada pelo Judiciário não está em si própria, mas na sua conformidade com os
objetivos e princípios constitucionais. Assim,

a sua dimensão muitas vezes marcadamente política faz com que a tutela dos
princípios constitucionais e dos valores especificamente jurídicos em geral não
possa caber, em última instância, ao legislador, mas aos tribunais (nomeadamente ao
Tribunal Constitucional), os quais justamente nessa tarefa encontram o limite do seu
poder. Serão o legítimo contrapoder do legislador apenas na medida em que se
confinarem no controlo exclusivamente jurídico da constitucionalidade das leis. Mas
já não estão, de modo algum, legitimados a erigir-se em contralegisladores ou
substitutos do legislador, invadindo a ampla liberdade de conformação política deste
no quadro da Constituição e usurpando o núcleo essencial da função legislativa 286.

Tendo em vista que a função inaugural do Tribunal Constitucional é realizar o


controle de constitucionalidade das normas, torna-se evidente a importância de sua atividade
na dinâmica jurídica do Estado. Enquanto o Poder Legislativo, eleito democraticamente pelo
povo, exerce a sua função de produção normativa, cabe ao Tribunal Constitucional a
verificação da congruência do produto do Legislativo com a Constituição.

Neste aspecto, evidencia-se o debate, cada vez mais emergente, sobre a legitimidade
democrática do Tribunal Constitucional. Discute-se, pois, como um Tribunal Constitucional,
formado por juízes não eleitos democraticamente pelo povo, pode ter o poder de frear as
normas produzidas pelos representantes do povo.

André Ramos Tavares explica que a preocupação com a legitimação do Tribunal


Constitucional faz parte de uma teorização, que discute a demarcação da forma de atuação da

285
A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional, cit., p. 260.
286
A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional, cit., p. 260

90
Justiça Constitucional, em que prepondera a vertente, para procurar indicar elementos que lhe
assegurem um caráter democrático287.

Com a substituição do Estado legalista pelo Estado constitucional, torna-se


necessária a existência de um órgão neutro, que funcione como o curador da Constituição.
Tavares explica que não há um modelo final de democracia a ser utilizado como parâmetro
absoluto288. Desse modo, a comparação da democracia alcançada pelo Estado legalista com a
democracia do Estado constitucional apresenta algumas diferenças.

Na adoção do modelo de Estado constitucional, importa considerar a existência de


uma democracia constitucional, ou seja, uma democracia que pretende preservar a
Constituição, de modo que a vontade de poucos não deve prevalecer diante da vontade do
povo. Considera-se, ainda, que, para preservar a Constituição, a sua manipulação não pode ser
feita de modo a tornar imperioso o maior rigor nas atividades do poder de reforma
constitucional, de modo a evitar, assim, a crise de legitimidade da Constituição289.

Por tudo isso, percebe-se que a mudança ocorre no modo de ver a democracia antes
existente no Estado legalista e a democracia hoje existente com o Estado constitucional.
Sendo assim, é possível afirmar que a democracia vivenciada no Estado legalista teria
evoluído para ser concebida de forma substancialmente diferente, dada a sua necessária
associação com a Constituição.

Quanto ao aspecto da composição do Tribunal Constitucional, a problemática


envolvida pretende negar existência ao princípio democrático, visto que os membros
integrantes do Tribunal não foram eleitos pelo povo.

Ana Cândida da Cunha Ferraz e Fernanda Dias Menezes de Almeida explicam que,
nesse aspecto, surge a principal diferença entre os poderes políticos e o Judiciário. O
Legislativo e o Executivo são poderes políticos, cujo fator legítimo se encontra na escolha dos
seus membros por eleição popular. Diferentemente, o Judiciário, por sua natureza imparcial,
possui uma legitimidade decorrente da forma técnica de escolha dos membros, ou seja,

287
Teoria da Justiça Constitucional, cit., p. 492.
288
Teoria da Justiça Constitucional, cit., p. 494.
289
Teoria da Justiça Constitucional, cit., p. 494.

91
mediante aprovação em concurso público e, também, em certos casos, por indicação dos
membros do Executivo com aprovação do Legislativo290.

André Ramos Tavares explica que a utilização do sufrágio universal direto na


composição do Tribunal Constitucional é, provavelmente, o modo menos aconselhável para
preservação da democracia. Tanto a legitimidade quanto a democracia não se sustentam
somente pela votação popular291.

Conforme explica Peter Härbele, “a questão da legitimação coloca-se para aqueles


que não estão formal, oficial ou competencialmente nomeados para exercer a função de
292
intérpretes da Constituição” . O autor explica que, num Estado constitucional-democrático,
a legitimação deve ser analisada sob uma perspectiva democrática. Desse modo, a democracia
não se desenvolve apenas por meio da delegação da responsabilidade formal do povo para os
órgãos estatais, mediante o procedimento eleitoral, mas desenvolve-se por meio da realização
dos Direitos Fundamentais.

Neste aspecto, percebe-se a vital importância do Tribunal Constitucional, ao realizar


a sua atividade interpretativa. No exercício da sua função de verificar a congruência
constitucional das leis emanadas do Legislativo, o Tribunal deve considerar a realização ou
proteção dos Direitos Fundamentais, tendo em vista que essa atitude legitima a sua atividade
perante a Constituição.

Outro ponto capaz de sustentar a legitimidade democrática do Tribunal


Constitucional se refere ao fato de que a previsão, na própria Constituição, da existência de
um Tribunal Constitucional com função de controle das leis emanadas pelo Legislativo já
demonstra a vontade de o poder constituinte originário estabelecer tal previsão.

No entender de André Ramos Tavares, “a vontade da maioria atual cede em face de


norma constitucional que disponha em sentido contrário. A maioria momentânea deve curvar-
293
se à vontade da maioria constituinte” . De fato, não haveria sentido em estabelecer
entendimento de forma diversa, uma vez que a preponderância da maioria momentânea294

290
Interpretação Constitucional, cit., p. 64.
291
Teoria da Justiça Constitucional, cit., p. 495
292
Hermenêutica constitucional, cit. p. 29.
293
Teoria da Justiça Constitucional, cit., p. 498.
294
Conforme assevera André Ramos Tavares, é importante observar que muitas vezes essa maioria popular
representada pelo Legislativo pode constituir, na verdade, uma maioria qualificada, que se forma em

92
poderia acarretar a superação do Poder Constituinte Originário frente ao Poder Derivado e
enfraquecer a Constituição e sua supremacia.

Ocorre, desse modo, na verdade, uma mudança de ponto de vista sobre o sentido de
democracia. Deve-se ter em mente que a legitimação democrática conferida diretamente ao
legislador não é, do mesmo modo, conferida ao Tribunal Constitucional. Para Nuno Piçarra, o
Estado de Direito Contemporâneo passou a ser um Estado de jurisdição executor da
Constituição, em que o Poder Legislativo é limitado por um poder judicial, ainda que este não
disponha da mesma legitimidade democrática295.

Conforme explica André Ramos Tavares, a legitimidade deve ser averiguada em


diferentes escalas. O Tribunal Constitucional é inicialmente legítimo porque a Constituição
em vigor lhe conferiu competência necessária para atuar em suas funções. Portanto, passa a
ser o representante da soberania popular e, em razão disso, “seria legítimo porque assim o
desejou a vontade majoritária explicitada na Constituição” 296, embora essa justificativa não se
revele suficiente.

Há quem confira ao Tribunal Constitucional uma legitimidade democrática indireta,


tendo em vista que este Tribunal também estava sujeito às leis emanadas da vontade popular.
No entanto, Tavares297 ressalta que essa concepção pode levar a ideia de que o aplicador do
Direito atua mecanicamente, concepção equivocada, dada a sua incapacidade de justificar o
conjunto de funções desenvolvido pelo Tribunal Constitucional.

Nesse sentido, Alexandre de Moraes entende que a composição dos Tribunais


Constitucionais é um fator de legitimidade da justiça constitucional e a participação popular
deve ser considerada no momento em que os representantes eleitos do povo, ocupantes de
cargos no Legislativo e no Executivo, atuam na escolha dos membros do Tribunal298.

Portanto, a participação popular é realizada de forma indireta, já que os


representantes eleitos pelo povo realizam tal escolha. Ainda que as pessoas integrantes do
Tribunal Constitucional não sejam eleitas por meio de voto popular, isso, por si só, não

detrimento de minorias. Dessa forma, a Constituição torna-se alvo de interesses conjecturais e, nesses casos,
o Tribunal Constitucional deve agir com maior vigor. (Teoria da Justiça Constitucional, cit. p. 500)
295
A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional, cit., p. 262.
296
Teoria da Justiça Constitucional, cit., p. 501.
297
Teoria da Justiça Constitucional, cit., p. 504.
298
Alexandre de Moraes, Jurisdição constitucional e tribunais constitucionais: garantia suprema da Constituição,
São Paulo: Atlas, 2000, p. 291.

93
caracteriza fundamento necessário para sustentar a ilegitimidade do órgão, porque seria uma
simplificação dos argumentos democráticos contrários à permanência do Tribunal
Constitucional299.

Existem, ainda, muitas outras vertentes capazes de justificar a legitimidade


democrática do Tribunal Constitucional, no entanto, importa observar que o princípio
democrático não significa a vontade da maioria. O fato é que, sem a existência de um
Tribunal Constitucional, a compreensão adequada do novo paradigma constitucional não seria
possível, pois, conforme ensina Lenio Luiz Streck, “o Tribunal constitucional não somente
utiliza normas de interpretação, como as constrói e as impõe à comunidade jurídica” 300.

Dessa forma, o modo de escolha dos membros que compõem os poderes da União
revela-se mais um procedimento formal, que deve ser respeitado porque é
constitucionalmente previsto. No entanto, muitos outros aspectos devem ser considerados a
fim de se conferir ou não o respeito ao princípio democrático na composição do Tribunal
Constitucional. Como visto, a democracia não só se obtém por meio de eleição popular e, no
constitucionalismo contemporâneo, importa observar a realização dos Direitos Fundamentais.

3.7. O Supremo Tribunal Federal e a tarefa de interpretar a Constituição

Instituído em 1891 pela primeira Constituição republicana do Brasil, o Supremo


Tribunal Federal é o órgão de cúpula do sistema judiciário brasileiro, responsável pela guarda
da Constituição.

Conforme já exposto, o Supremo Tribunal Constitucional exerce o papel de um


Tribunal Constitucional301, cuja função inaugural é a realização do controle de
constitucionalidade das normas infraconstitucionais. Além disso, o Supremo Tribunal Federal
combina outras funções, pois detém o papel de solucionar os conflitos de competência entre
os Tribunais superiores, de atuar como instância de apelação, de unificar a jurisprudência em

299
Teoria da Justiça Constitucional, cit.,p. 493.
300
Jurisdição constitucional e hermenêutica, cit., p. 42.
301
Quando a Constituição de 1988 estava sendo elaborada, foi sugerida a criação de um Tribunal Constitucional,
com competência exclusiva de controle de constitucionalidade das leis e dos atos das autoridades públicas.
Todavia, o Supremo Tribunal Federal realizou intensa pressão nos constituintes para impedir a criação deste
órgão e entender que assim perderia sua principal atribuição e, por consequência, seu prestígio. (Dalmo de
Abreu Dallari, O poder dos juízes, 3ª ed., São Paulo: Saraiva p. 113-114).

94
certos casos, além de decidir sobre matérias expressamente previstas na Constituição302. Por
essa razão, não pode ser considerado um Tribunal Constitucional típico, já que também
desempenha outras funções conferidas pela Constituição.

Portanto, percebe-se que o Supremo Tribunal Federal funciona como um Tribunal


especializado, porque é dotado de atribuições específicas, que envolvem aspectos
exclusivamente constitucionais. Além disso, ainda combina essa atividade com a sua função
primordial de salvaguardar a Constituição por meio da atividade de controle de
constitucionalidade das leis expedidas pelo Legislativo.

No entender de Dalmo de Abreu Dallari, as competências do Supremo Tribunal


Federal são “exageradamente amplas”, o que leva a uma sobrecarga em suas atividades303. O
autor aponta uma série de imperfeições, que seriam responsáveis por uma ineficiência na
atividade de guarda da Constituição.

Se por um lado a conjugação de atividades de Tribunal Constitucional com as outras


atividades conferidas pela Constituição impede a sua atuação com rapidez e eficiência, por
outro, deve-se considerar que, dos onze ministros que compõem o Supremo, três deles
cumulam atividades de membros do Tribunal Superior Eleitoral, conforme estabelece a
Constituição.

Não há dúvida quanto à sobrecarga de trabalho destinada aos onze ministros do


Supremo Tribunal Federal, mas o aumento do número de processos no Judiciário brasileiro
não é problema apenas da Corte Suprema do país, mas uma realidade existente em todo o
sistema. Na tentativa de solucionar o problema, a legislação processual apressa-se em
estabelecer mudanças para conferir maior agilidade e soluções capazes de reduzir os
processos que chegam ao Supremo.

Dalmo de Abreu Dallari explica que, somente por meio do aumento do número de
juízes ou da redução da competência do Tribunal, seria possível contornar a sobrecarga de
atividades, embora tais alternativas não pareçam aceitáveis para os membros do Supremo.
Sendo assim, a saída encontrada seria a redução da independência dos juízes e tribunais, na

302
Dalmo de Abreu Dallari O poder dos juízes, cit., p. 113.
303
O poder dos juízes, cit. p. 113.

95
tentativa de diminuir a quantidade de decisões merecedoras de recursos destinados à máxima
instância304.

É, portanto, nesse cenário, que o Supremo Tribunal Federal tem equilibrado suas
funções de instância máxima do Judiciário Brasileiro e Justiça Constitucional.

3.8. O poder do intérprete na concretização da Constituição

A tarefa de interpretação das normas constitucionais representa um ponto crucial na


realização dos ditames do constitucionalismo contemporâneo.

Como visto, o positivismo e as ideias racionalistas trazidas pelo Estado Moderno


entraram em crise e proporcionaram a substituição de um Estado de Direito com vertente
legalista por um Estado de Direito Constitucional Democrático. Aos poucos, o dogma da lei
suprema foi substituído pela supremacia da Constituição, considerando-se, acima de tudo, os
princípios, valores e preceitos nela contidos.

Conforme explica Luís Roberto Barroso e Ana Paula Barcellos, com a superação
histórica do jusnaturalismo e o fracasso político do positivismo, surgiu um conjunto amplo de
reflexões sobre o Direito, ainda em desenvolvimento, responsável por sua reaproximação com
a Ética. Esse conjunto envolve também reflexões sobre a função social do Direito e sua
interpretação305. Assim, busca-se a valorização dos princípios, sua incorporação pelos textos
constitucionais e o reconhecimento pela ordem jurídica da sua normatividade.

Nesse aspecto, evidenciou-se a atividade interpretativa, visto que o juiz passou a


atuar de forma efetiva na comunicação existente entre a lei e o fato concreto. Percebeu-se que
a atividade do intérprete se torna indispensável, já que, ao contrário da doutrina positivista
mais extremada, o Direito não poderia prever tudo. Ao intérprete do Direito, foi conferido o
papel não somente de dizer o Direito, mas também de reconhecer e reconstituir o seu
significado.

Herbert Hart já esclarecia que os tribunais, ao proferirem seus julgamentos, apenas


dão a impressão de que suas decisões são consequências claras e evidentes da lei. Todavia,
na maior parte das vezes, não há regras nem precedentes que admitam apenas um resultado.

304
O poder dos juízes, cit., p. 114.
305
O começo da história, cit., p. 174.

96
Assim, o juiz tem sempre de escolher entre interpretações conflitantes sobre o significado de
determinado precedente. Para Hart, “todas as regras têm uma penumbra de incerteza e o juiz
deve escolher entre alternativas” 306.

Assim, o Supremo Tribunal Federal cumpre função primordial como intérprete da


Constituição brasileira, porque por meio de suas decisões tem a oportunidade de realizar a
concretização das normas constitucionais e dos valores nela densamente contidos.

3.9. A Justiça Constitucional brasileira e o constitucionalismo contemporâneo

Lenio Luiz Streck aponta que o significado do constitucionalismo contemporâneo


decorre da necessária compreensão de uma relação existente entre Constituição e Jurisdição
Constitucional. Explica o autor que, se a Constituição é o fundamento de validade do
ordenamento jurídico, a jurisdição constitucional é a condição de possibilidade do
constitucionalismo contemporâneo307.

Desse modo, não basta apenas que o texto constitucional reconheça explicitamente a
força normativa de seus preceitos. É necessário que ocorra a transformação deles para a
realidade fática e isso somente é possível por meio do papel desempenhado pela Justiça
Constitucional. Todavia, a preocupação com a efetividade da Constituição envolve considerar
o tipo de justiça constitucional desenvolvido em cada país e o redimensionamento do papel
dos operadores do Direito308.

Lenio Luiz Streck explica que, no Brasil, sempre houve uma dificuldade no
cumprimento de requisitos mínimos de legalidade formal, conquistada com a Revolução
Francesa. O longo período de regime autoritário somente pode iniciar uma transição para uma
democracia a partir da convocação da Assembleia Constituinte, que resultou na Constituição
da República de 1988. Durante o processo de elaboração do texto constitucional, as
experiências do constitucionalismo europeu na época influenciaram na formação de um texto
programático, dirigente e compromissário309, mas o texto constitucional não teve o impacto
necessário capaz de despertar na sociedade o novo imaginário que estava a se formar.

306
O conceito de direito, cit., p. 17.
307
Jurisdição constitucional e hermenêutica, cit., p. 13.
308
Lenio Luiz Streck, Jurisdição constitucional e hermenêutica, cit., p. 18.
309
Jurisdição constitucional e hermenêutica, cit., p. 25.

97
No entender de Gisele Cittadino, “o pensamento jurídico brasileiro é marcadamente
positivista e comprometido com a defesa de um sistema de direitos voltado para a garantia da
autonomia privada dos cidadãos”. Por isso, a defesa de direitos no Brasil está associada aos
direitos civis e políticos, enquanto que os direios econômicos e sociais acabam deixados para
uma segunda oportunidade310.

Para Streck, “o advento do novo fundamento de validade não chegou a criar a


necessária empolgação no seio dos operadores do Direito”311. Sendo assim, os juristas
continuavam suas atividades sem estabelecer qualquer mudança em razão do surgimento da
Constituição de 1988.

A experiência política constitucional do Brasil até o surgimento da Constituição de


1988 foi marcada pela violação da legalidade constitucional, falta de efetividade das
Constituições e ilegitimidade do poder. A partir de 1988, a nova Constituição foi considerada
um marco zero de recomeço de uma história que ainda hoje estamos vivenciando312.

As normas constitucionais finalmente alcançaram uma posição plena e


inquestionável no ordenamento jurídico e a busca pela efetividade de tais normas tem sido
preocupação crescente nos debates do direito constitucional pátrio. E foi justamente essa
efetividade da Constituição que serviu de base para o desenvolvimento da “nova interpretação
constitucional”, denominada assim por Barroso313.

Segundo Lenio Luiz Streck, estabeleceu-se na prática jurídica brasileira um “teto


hermenêutico”, que se coloca como obstáculo para a realização das modificações trazidas pelo
constitucionalismo contemporâneo. Por esse teto,

310
Judicialização da política, constitucionalismo democrático e separação dos poderes, cit., p. 26-27.
311
Jurisdição constitucional e hermenêutica, cit., p. 25. O autor explica que, como uma expressiva parcela dos
juristas não se deu conta do processo de refundação social com o advento da Constituição de 1988, muitos
continuaram presos às velhas práticas. Em nota de rodapé, o autor chama de habitus “o conjunto de crenças e
práticas que compõem os pré-juízos do jurista, que tornam a sua atividade refém da quotidianidade (algo que
podemos denominar de concretude ôntica), donde falará do e sobre o Direito. É o desde-já-sempre e o como-
sempre-o-Direito-tem-sido, que proporciona a rotinização do agir dos operadores jurídicos, propiciando-lhes,
em linguagem heideggeriana, uma „tranquilidade tentadora‟. O habitus é uma espécie de „casa tomada‟, onde
o problema de estar-refém-do-habitus nem sequer se apresenta como um problema-de-estar-refém-do-
habitus. É o lugar onde a suspensão dos pré-juízos não ocorre, impossibilitando-se a sua confrontação com o
horizonte crítico. Em síntese, o habitus vem a ser o locus da década para o discurso inautêntico repetitivo,
psicologizado e desontologizado.” (p. 25-26).
312
O começo da história, cit., p. 169.
313
O começo da história, cit., p. 170

98
o limite do sentido e o sentido do limite de o jurista (operador do Direito lato sensu)
podem dizer que o Direito permaneceu confinado a um conjunto de representações
permeado pelas crises de paradigmas, isto é, de um lado, a doutrina e a
jurisprudência trabalham ainda sob a perspectiva de um modelo liberal-
individualista-normativista, e, de outro, como que a avalizar esse (velho) modelo,
estão o paradigma epistemológico da filosofia da consciência aristotélico-tomista.
Graças a isso, os operadores do Direito (professor, advogado, juiz, promotor,
estudante do direito) se conformam (ram) com aquilo que é (e, portanto, estava)
predito acerca do Direito na sociedade brasileira.314

Assim, Streck afirma que não houve a devida compreensão do sentido do Estado
Democrático de Direito. Para o autor, a razão disso tudo é a “baixa constitucionalidade”
praticada no Brasil, capaz de afastar a realização dos ideais trazidos com a Constituição de
1988315.

Isso seria capaz de explicar as causas da falta de efetividade, ainda nos dias atuais, de
diversos dispositivos constitucionais, muitos deles relativos à defesa de direitos considerados
fundamentais.

Contudo, a perpetuidade desta falta de efetividade não faz parte do papel da Justiça
Constitucional. Nos dias atuais, “a jurisprudência desponta como fonte de direito justo, capaz
316
de acompanhar as exigências axiológicas da sociedade” e, no sistema jurídico brasileiro, a
jurisprudência é reconhecida como fonte direta do Direito e as mudanças na compreensão dos
métodos interpretativos cumprem função fundamental neste momento de transição de
concepções no Direito brasileiro.

Desta forma, todo o cuidado dispensado na elaboração de uma Constituição pode ser
considerado inútil se não for efetivamente aplicada e respeitada por todos os governantes e
governados. Sendo assim, o conteúdo constitucional não pode ser de aplicação impossível
nem conter regras que contrariem a realidade social. Mesmo no processo de reforma
constitucional por meio de emendas, a realidade social deve ser considerada sob pena de
desmoralização da Constituição, já que seus conteúdos apenas serão afirmações puramente
teóricas, sem qualquer eficácia prática317.

Dalmo de Abreu Dallari defende uma Constituição efetivamente praticada, capaz de


desenvolver em seu povo uma consciência da sua existência e vantagens e de reconhecer as

314
Jurisdição constitucional e hermenêutica, cit., p. 43.
315
Jurisdição constitucional e hermenêutica, cit., p. 43-44.
316
Ricardo Maurício Freire Soares, Hermenêutica e interpretação jurídica, Saraiva: São Paulo, 2010, p. 123.
317
Dalmo de Abreu Dallari, A prática da Constituição, in: Hermenêutica Constitucional: homenagem aos 22 anos
do grupo de Estudos Maria Garcia, Florianópolis: Conceito editorial, 2010, p. 195-99.

99
situações em que se está agindo de acordo com as normas ou contra elas. Uma vez existindo
essa consciência constitucional, será difícil o abuso de qualquer poder na utilização arbitrária
das normas constitucionais, já que cada pessoa agirá como vigilante. O autor observa a
existência de um circulo vicioso, porque, onde a Constituição não é respeitada, é crescente a
sua falta de prestígio e a tentação de agir contra ela. Entretanto, onde existe o costume de agir
em seu respeito, a Constituição torna-se mais fortalecida318.

Eduardo Garcia de Enterria afirma que o tema que envolve o Tribunal Constitucional
é aquele em que a Constituição encontra suas possibilidades de futuro 319. De fato, a função
interpretativa da Justiça Constitucional confere ao intérprete o poder de concretizar os
mandamentos constitucionais, pois o juiz constitucional pode, inclusive, inovar em muitos
aspectos na busca por uma alternativa adequada. Ainda que se confira ao Tribunal
Constitucional a característica de legislador negativo, sabe-se que é por meio das suas
decisões que a Constituição revela seu sentido e torna-se real.

3.10. A „nova‟ interpretação constitucional

Com o surgimento das novas concepções trazidas pelo Constitucionalismo


contemporâneo, os Direitos Fundamentais passam a atuar como peça fundamental na
atividade interpretativa. Como o texto constitucional não se limita a estabelecer competências
e normas sobre repartição de poder, a Constituição recebe alta carga axiológica e isso resulta
na mudança das práticas jurisprudenciais e, assim, os princípios passaram a nortear o
intérprete na aplicação das normas.

Nas palavras de Eduardo Ribeiro Moreira,

a interpretação constitucional tem pontos de aprofundamento e redimensionamento


com o neoconstitucionalismo, a ponto de dizer, sem exagero, que o desenvolvimento
do neoconstitucionalismo apontará o paradigma jurídico deste início de século” 320

A afirmação de Eduardo Ribeiro Moreira refere-se ao momento em que atualmente


se encontra o Direito e à mudança que se vem estabelecendo de forma gradual, operada pelas
ideias emergentes do chamado constitucionalismo contemporâneo ou neoconstitucionalismo.

318
A prática da Constituição, cit., p. 196.
319
La Constitución como norma y el Tribunal Constitucional, cit., p. 121.
320
Neoconstitucionalismo e Teoria da Interpretação, cit., p. 215.

100
Por esta razão, o autor afirma que a teoria da interpretação é um dos primeiros e mais
importantes desenvolvimentos do neoconstitucionalismo321.

A utilização de um modelo de princípios pelo intérprete no momento da integração


entre o fato e a norma é chamada por Luís Roberto Barroso de “nova” interpretação
constitucional. Na “nova” interpretação constitucional, o intérprete realiza tal integração,
mediante um modelo de princípios aplicados pela ponderação. As escolhas são
fundamentadas e realizadas dentro das possibilidades e limites do sistema jurídico. Busca-se a
solução justa para o caso concreto, mas não se pretende conduzir a uma prática ilimitada e
sem parâmetros no Direito. No entender de Barroso, trata-se de uma perspectiva pós-
positivista do Direito, com ideias relacionadas à normatividade dos princípios, ponderação de
valores e teoria da argumentação322.

Assim, a atuação do juiz constitucional torna-se fundamental para a eficiência deste


novo modelo de interpretação, chamado por Germana de Oliveira Moraes de „direito por
princípios‟. Portanto, para a concretização deste direito torna-se imprescindível a capacidade
de percepção dos valores sociais do juiz constitucional. Isto porque, segundo a autora, nestes
tempos de transição a melhor alternativa que o juiz constitucional irá encontrar para atender
os desafios de reconstruir o direito é a interação com a sociedade civil323.

Para Eduardo Ribeiro Moreira, esta nova a interpretação das leis em face da
Constituição no neoconstitucionalismo é chamada de “sobreinterpretação”, porque a
interpretação no neoconstitucionalismo possui um significado mais abrangente, relacionado
com o processo de constitucionalização do Direito324.

De fato, a constitucionalização do Direito adicionou um aspecto importante ao


positivismo jurídico, pois a Constituição não envolve somente o texto escrito e o Direito
constitucional tornou-se multidisciplinar. Assim, para garantir a perpetuidade da
Constituição, exigiu-se a sua abstração e a norma constitucional passou a ser marcada pela

321
Neoconstitucionalismo e Teoria da Interpretação, cit., p. 221.
322
O começo da história, cit., p. 171.
323
O juiz constitucional no Brasil, in: Revista Latino-americana de estudos constitucionais, n. 2, Belo Horizonte:
Del Rey, 2003, p. 540.
324
Neoconstitucionalismo e Teoria da Interpretação, cit. p. 221.

101
principiologia, capaz de conferir-lhe a adaptabilidade necessária para a sua evolução ao
longo do tempo325.

Com a constitucionalização, toda interpretação jurídica é também interpretação


constitucional, ainda que indiretamente326. Todavia, essa interpretação constitucional será
direta quando a decisão judicial se basear em princípio ou em qualquer norma constitucional
aplicada expressamente ao caso concreto. Desse modo, obtém-se uma concretização da
Constituição327.

Para Luís Roberto Barroso, a compreensão de uma ideia “muito singela” ensejou
uma mudança na interpretação constitucional:

as normas jurídicas em geral são incapazes de trazer sempre em si um sentido


único, objetivo e válido para todas as situações sobre as quais incidem. Com isso,
se percebeu que não cabe ao intérprete uma atividade de mera revelação do
conteúdo preexistente na norma328.

Nesse sentido, as normas constitucionais, por seu conteúdo aberto e


principiológico, não têm como ser aplicadas de forma única para todas as situações possíveis
de ocorrer. Assim, o sentido da norma apenas será revelado diante do caso concreto, dos
princípios a serem observados e do fim a ser alcançado.

3.11. A valorização dos princípios e a abertura das normas constitucionais

Ao se tratar de princípios, importa ressaltar o conceito de Robert Alexy: “os


princípios são mandados de otimização, pois ordenam algo que seja realizado na maior
329
medida possível, dentro das possibilidades jurídicas reais” . São, portanto, elementos da
ordem jurídica, responsáveis pela condução do sistema jurídico.

O conceito trazido por Robert Alexy, por si só, já é capaz de ingressar, de forma
natural, na hermenêutica constitucional atualmente desejada. Ao conceituá-los como

325
André Ramos Tavares, A Constituição aberta. Revista latino-americana de estudos constitucionais, n.8,
Fortaleza, 2008, p. 333.
326
A interpretação constitucional será indireta em dois momentos: 1) mediante um juízo negativo sempre
presente, ou seja, quando ainda que não se faça menção a uma inconstitucionalidade, o juízo negativo de
constitucionalidade ocorreu com sucesso; 2) mediante um juízo finalístico, já que toda decisão deve cumprir
a Constituição. (Eduardo Ribeiro Moreira, Neoconstitucionalismo e Teoria da Interpretação, cit., p. 222)
327
Neoconstitucionalismo e Teoria da Interpretação, cit., p. 221-222
328
O começo da história, cit., p. 171
329
Robert Alexy, Constitucionalismo discursivo, 2ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 99.

102
mandados de otimização, Alexy estabelece a necessidade de realizar a norma jurídica em
busca de sua excelência.

Na busca pela concretização dessa realidade, o operador do Direito necessariamente


se utiliza de valores, uma vez que os princípios já trazem consigo uma carga valorativa muito
grande. Neste sentido, Celso Ribeiro Bastos explica que

(...) os princípios constitucionais demonstram sua transcendência ao encampar


valores, impedindo que a Constituição se torne um corpo sem alma, uma vez que
fornecem a ótica pela qual a Constituição será manuseada de forma segura 330.

Como os princípios são responsáveis por grande parte da transformação que


experimenta o Direito, atuam, hoje, como fonte principal na regência da aplicação das leis e,
desse modo, toda e qualquer norma jurídica deve conformar-se aos princípios fundamentais
da Constituição.

É comum encontrar nas Constituições modernas normas com caráter aberto,


classificadas por André Ramos Tavares como principiológicas e caracterizadas por conceitos
imprecisos, que dificultam a compreensão de seu conteúdo. Consequentemente, surgem
dificuldades interpretativas superiores àquelas identificadas durante a interpretação de uma
norma sem conteúdo constitucional331.

Conforme explica Luís Roberto Barroso, “as cláusulas constitucionais, por seu
conteúdo aberto, principiológico e extremamente dependente da realidade subjacente, não se
prestam ao sentido unívoco e objetivo que uma certa tradição exegética lhes pretende dar” 332.
O fato é que a interpretação tradicional está baseada em um modelo de regras aplicáveis
mediante subsunção e deve o intérprete revelar o sentido das normas para fazê-las incidir
sobre o caso concreto. Assim, na atividade interpretativa tradicional, os juízos formulados são
de fato e não de valor.

A especificidade das normas constitucionais levou ao desenvolvimento de um


conjunto de princípios específicos de interpretação da Constituição: supremacia, unidade,
razoabilidade-proporcionalidade e efetividade. Tais princípios possuem natureza

330
Celso Ribeiro Bastos, Hermenêutica e Interpretação Constitucional, 2ª ed., rev. ampl., São Paulo: Celso
Bastos/ IBDC, 1999, p. 97.
331
Curso de Direito Constitucional, cit., p. 106.
332
O começo da história, cit., p. 171.

103
instrumental e “funcionam como premissas conceituais, metodológicas ou finalísticas da
aplicação das normas, que vão incidir sobre a relação jurídica de direito material”333.

Carlos Roberto Siqueira Castro compreende a abertura do texto constitucional


como uma evolução no aspecto temático da Constituição, porque “busca fotografar a
caminhada do constitucionalismo liberal em direção ao constitucionalismo societário ou
comunitário”334, que compreende a Constituição como uma estrutura normativa, que envolve
um conjunto de valores. Há uma nítida conexão entre valores compartilhados por certa
comunidade política e uma ordenação jurídica fundamental e suprema representada pela
Constituição.

Para André Ramos Tavares, “a Constituição e a abertura de suas disposições


permite que haja uma conjugação entre o real e o normativo, que finda por evitar que a
Constituição e suas normas se tornem letra morta” 335.

A abertura do texto constitucional, portanto, enfatiza os valores do ambiente


sociocultural da comunidade. Pela via da abertura, os outros conteúdos normativos,
extranormativos e metanormativos ficam expostos à Constituição336. Costumes, valores,
postulados morais e outros direitos até então estranhos passam a ter o potencial de
influenciar no texto constitucional.

Ao argumentar em favor de sua teoria sobre a força normativa da Constituição,


Konrad Hesse também entende ser essencial que a Constituição incorpore o estado espiritual
do seu tempo e considere os elementos sociais, políticos e econômicos dominantes, caso
contrário, poderá vir a enfraquecer337.

Assim, a abertura da Constituição está intimamente ligada ao fenômeno da mutação


constitucional, compreendido como a mudança da mentalidade social e política, capaz de
gerar reflexos na ordem jurídica. Na mutação constitucional, ocorre um confronto entre a
literalidade da Constituição rígida e as mudanças da realidade da vida, que ensejam uma
acomodação das regras constitucionais aos novos padrões de cultura e civilização.

Conforme explica André Ramos Tavares:

333
Luís Roberto Barroso, O começo da história, cit., p. 210.
334
A Constituição aberta e os Direitos Fundamentais, cit., p. 21.
335
A Constituição aberta, cit., p. 333.
336
A Constituição aberta e os Direitos Fundamentais, cit., p. 21.
337
A força normativa da Constituição, cit., p. 21.

104
A ideia de mutação constitucional informal pressupõe a fixação de uma
interpretação anterior, normalmente pela Justiça Constitucional (usualmente um
Tribunal Constitucional) e a fixação, posterior no tempo, de outra interpretação
para o mesmo suporte normativo, para o mesmo dispositivo da Constituição, pela
mesma instância definitiva. A afirmação da ocorrência de mutação informal,
portanto, pressupõe uma comparação temporal que conclua pela diversidade de
compreensão de um mesmo enunciado normativo338.

Karl Lowenstein ensina que, na mutação constitucional, se produz uma


transformação na realidade da configuração do poder político, da estrutura social, mas o
texto constitucional permanece intacto, diferentemente do que ocorre com a reforma da
Constituição, onde há uma concreta alteração do texto constitucional339.

A mutação constitucional é, portanto, um fenômeno informal proporcionado pelas


normas principiológicas incorporadas na Constituição.

Essa preocupação com princípios e valores, característica das obras de Peter


Härbele e Robert Alexy, vem sido especialmente abordada nos debates do
constitucionalismo contemporâneo. Para André Ramos Tavares, quando o fenômeno da
abertura constitucional é abordado, considerando especialmente a vertente principiológica e
antiformalista, o ponto central do debate constitucional é elevado, porque os limites da
justiça constitucional começam a ser discutidos. Por essa razão, é preciso chegar a um
equilíbrio, no sentido de evitar uma abertura excessiva do texto constitucional, um
“esgarçamento”, que poderia gerar como consequência a concepção de Constituição como
mera abertura e justificar a atuação da Justiça Constitucional em seu grau máximo340.

3.12. A “nova” interpretação constitucional e a tradicional dogmática jurídica

Para Peter Härbele, a interpretação da Constituição é uma atividade que diz respeito
a todos, mesmo intérpretes indiretos ou em longo prazo. Trata-se de um processo aberto que
conhece possibilidades e alternativas. A vinculação converte-se em liberdade na medida em
que reconhece uma nova orientação hermenêutica. Há uma necessidade de integração da
realidade no processo de interpretação, que gera, como consequência, a ampliação do círculo
do intérprete341.

338
Curso de Direito Constitucional, cit., p. 107.
339
Teoria de la Constitución, cit., p. 164-165.
340
A Constituição aberta, cit., p. 328.
341
Hermenêutica Constitucional, cit., p. 30.

105
No mesmo sentido, Juarez Freitas, ao refletir sobre a melhor interpretação
constitucional, argumenta que ir além do texto constitucional é uma condição obrigatória
para compreender a tradição na qual o texto se encontra. Assim, é necessário “transcender
falsas dicotomias”, “caminhar além da interpretação semântica” e “não se render à suposta
autonomia exacerbada do objeto”342. Nesse sentido, a Constituição não deve ser vista como
um mero objeto de análise, pois ela não se confunde com seu âmbito textual, embora este a
integre.

Todavia, para Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins é necessário que se desenvolva


um critério racional capaz de motivar a decisão que invalida leis em prol de uma minoria.
Isso porque as leis seriam decisões do povo, da maioria, elaboradas que por meio de seus
representantes. Assim, para que os juízes possam contrariar a decisão da maioria devem
dispor critérios racionais porque somente assim se terá a certeza de que não se trata de uma
decisão subjetiva ou arbitrária343.

Ocorre que a visão constitucional atual deve ser integralizante e por isso é
necessária uma revisão das concepções atuais de hermenêutica jurídica em busca da
“concretização”, termo utilizado pela doutrina alemã para indicar o sentido de atualização ou
de abertura na compreensão dos textos normativos, em uma abordagem não convencional da
compreensão do Direito344.

Na interpretação tradicional, há uma aceitação sem discussão de certos pontos de


partida compreendidos como dogmas. Nessa perspectiva, os pontos de partidas são as leis e
isso tem razão de ser para permitir que a decisão tenha por base o Direito, que,
compreendido como dogma, não pode ser posto em questão.

Tércio Sampaio Ferraz Jr. ensina que há três tipos de dogmática jurídica: a) a
analítica, que procura identificar o que é o Direito; b) a hermenêutica, que tem o papel de
compreender o Direito identificado; e c) a de decisão, que se traduz pela teoria da
argumentação jurídica345.

342
A melhor interpretação constitucional versus a única proposta correta, Revista latino-americana de estudos
constitucionais, n. 2, Belo Horizonte: Del Rey, 2003, jul.-dez, p. 281.
343
Teoria Geral dos Direitos Fundamentais, cit., p. 25.
344
André Ramos Tavares, A Constituição aberta, cit., p. 335.
345
Introdução ao estudo do Direito: técnica, decisão, dominação, 2ª ed., São Paulo: Atlas, 1994, p. 17.

106
Assim, o jurista teórico apoia-se na dogmática para estabelecer limites dentro dos
quais podem explorar diferentes combinações. Essas limitações estabelecidas pela
dogmática comportam posições cognitivas diversas, que podem conduzir a exageros, como
uma visão muito restritiva e legalista do Direito, caracterizada por um excesso de
formalismo, a que Tércio Sampaio Ferraz Jr. chamou de “prisão do espírito”346.

Mas a dogmática jurídica não estaria limitada ao princípio da indelegabilidade dos


pontos de partida, apenas dependeria dele. Por essa razão, a dogmática não deve ser
considerada como uma “prisão de espírito”, porque, apesar de o jurista partir do dogma, ele
lhe dá sentido e permite certa manipulação, uma vez que interpreta a sua própria vinculação.
Assim, se a Constituição prescreve, o jurista conhece a norma e a ela se prende, porém, seu
significado vai ser determinado dentro do âmbito de disponibilidade do jurista347.

Portanto, a dogmática aumenta as incertezas de modo compatível com as duas


exigências do Direito: vinculação de normas e pressão para decidir conflitos. Ampliar as
incertezas, conforme explica Tércio Sampaio Ferraz Jr., não é criar dúvidas, mas criá-las
tendo em vista a orientação do homem na sociedade, conforme a ordem estabelecida. Nesse
sentido, não é qualquer interpretação que vale, mas apenas aquelas que resultam de uma
argumentação, conforme os padrões dogmáticos348.

Carlos Roberto Siqueira Castro acredita que a Constituição brasileira de 1988


inaugurou uma transição de uma lógica conceptual para uma teleológico-axiológica. O
núcleo rígido dos institutos jurídicos não fica ferido nem se despreza, por isso, a segurança
jurídica. Apenas não se admite que um conceito fique intacto e protegido de novas
orientações valorativas que emanam dos princípios349.

Dessa forma, fica perceptível que partir do dogma da norma constitucional só


amplia suas possibilidades interpretativas de forma estruturada e possibilita ao intérprete a
adequação da norma à realidade social conforme certos padrões.

Luís Roberto Barroso explica que “a dogmática moderna avaliza o entendimento de


se enquadrarem as normas em geral, e as normas constitucionais em particular, em duas

346
Introdução ao estudo do Direito, cit., p. 49.
347
Introdução ao estudo do Direito, cit., p. 50.
348
Introdução ao estudo do Direito, cit., p. 51.
349
A Constituição aberta e os Direitos Fundamentais, cit., p. 59.

107
grandes categorias diversas: os princípios e as regras”350. Estas últimas teriam uma
incidência bem mais restrita, enquanto os princípios já carregam a característica da abstração
e a possibilidade de incidirem sobre uma pluralidade de situações.

Há, portanto, uma mudança na compreensão de interpretação da Constituição para


admitir o processo interpretativo, não mais como uma mera descoberta do texto normativo,
mas como um real processo criativo, advindo de um ato de vontade do intérprete. Nessa
concepção, não há na norma um significado preexistente e, por isso, alguns autores passam a
compreender que a expressão “interpretação” não é mais adequada para expressar essa nova
tendência e preferem substituí-la por “concretização”351.

A ideia de uma nova interpretação constitucional está vinculada ao


desenvolvimento de certas “fórmulas originais de realização da vontade da Constituição”352.
Contudo, esse desenvolvimento não significa o desprezo ao método clássico ou aos
elementos tradicionais da hermenêutica.

350
O começo da história, cit., p. 170.
351
A Constituição aberta, p. 336.
352
Luís Roberto Barroso e Ana Paula Barcellos, O começo da história, p. 170.

108
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por se tratar de um movimento ideológico e político, o constitucionalismo altera-se


com o tempo, conforme a dinâmica social e reflete os acontecimentos históricos e culturais
da sociedade, embora isso não signifique a sua superação.

No Estado Contemporâneo, vivencia-se uma situação de falência dos modelos até


então incorporados na vida humana como a única alternativa possível, ou melhor, como a
única hipótese concebível. Nos mais variados aspectos da convivência social, é possível
vislumbrar uma situação de crise: nas instituições públicas, na economia, na família, na
religião, no meio ambiente, na educação e na indústria. Questiona-se o atual modelo de
desenvolvimento, de produção e de consumo. Fala-se em sustentabilidade e incentiva-se a
produção local, o consumo consciente e a responsabilidade social. Questionam-se os
modelos tradicionais de educação e busca-se a transformação do conceito de família.

A reformulação de antigos parâmetros, de técnicas já consolidadas, daquilo que


„sempre foi‟, surge não mais como uma alternativa, mas, sim, como uma necessidade, uma
consequência necessária para que se torne possível a continuidade das relações humanas.

No mundo do Direito, não poderia ser diferente. Como um reflexo dos


acontecimentos sociais, o Direito também experimenta uma situação de crise, direcionada
não apenas a ele, à Filosofia ou à Economia, mas geral e ampla, e irradia seus efeitos para
todos os aspectos que fazem parte da relação social. Com a crise, inaugura-se um período de
questionamento e de reflexão, na tentativa de controlar seus efeitos e restaurar novamente o
equilíbrio desejado. Se este momento é o que alguns chamam de „pós-modernidade‟ ou se é,
ainda, a própria modernidade, revela-se impossível de definir de forma tão precoce.

Para alguns, a crise representa o início de uma transição, mas seria melhor pensar
na ideia de continuidade como um ciclo que se renova e se aperfeiçoa a cada dificuldade
enfrentada, porque não se pretende deixar para trás as conquistas estabelecidas, mas
trabalhar os seus defeitos, para assim alcançar novos ideais. Aliás, é assim que a história
humana se apresenta, porque, a cada revolução, guerra ou descoberta, o homem se adapta,
inova e inaugura uma nova era.

Assim, ao término da pesquisa realizada e em conclusão às ideias aqui expostas,


cumpre ressaltar as considerações finais sobre os temas discutidos neste trabalho conforme
as proposições que seguem.

109
a) O surgimento do Estado Constitucional proporcionou o aparecimento dos
primeiros documentos escritos considerados como norma fundamental do
ordenamento jurídico de um Estado. A Constituição passou a ser reconhecida
como norma suprema, necessária para a repartição igualitária do poder,
assegurando a liberdade dos cidadãos e assentando a organização político-
estatal;

b) A concepção de Constituição muda conforme a necessidade de se delegar ao


Estado a proteção de direitos sociais e passa a ser compreendida como o
instrumento capaz de garantir a realização dos Direitos mais fundamentais do
homem;

c) O constitucionalismo surgiu em decorrência do desenvolvimento político do


Estado, mas foi a partir das grandes revoluções do século XVIII que se
estabeleceu de forma moderna, fruto das ideias iluministas e racionalistas que
defendiam a proteção da liberdade e da igualdade por meio da formulação de um
texto escrito, capaz de formalizar os direitos e as garantias dos cidadãos;

d) Ainda que exista um debate na doutrina sobre a titularidade do início do


surgimento do constitucionalismo, a posição prevalecente é a de que o
constitucionalismo teve origem nos Estados Unidos da América, porque, a partir
da Declaração de Virgínia de 1787, desenvolveram-se as primeiras ideias que
levaram à formulação da Constituição norte-americana;

e) Com a expansão do constitucionalismo e o contínuo desenvolvimento do Estado


e de suas obrigações perante a sociedade, surge a necessidade de expansão da
concepção de Constituição e o alargamento do seu conteúdo material se faz
fundamental. Assim, a Constituição deve ser entendida como compromisso de
esperança, com base numa visão de uma sociedade aberta pluralista, democrática
e tolerante;

f) No que tange ao aspecto da Constituição como manifestação do poder


constituinte, verificou-se que, na atualidade, se têm reconhecido outras formas
de manifestações da vontade constituinte, incluindo-se nelas algumas decisões
da Justiça Constitucional, que teriam a capacidade de atuar na modificação do
conteúdo constitucional por meio da atividade de interpretação da Constituição;

110
g) O „neoconstitucionalismo‟ teve suas ideias desenvolvidas a partir do chamado
pós-positivismo, uma teoria que teria sido desenvolvida em momento posterior
ao desmembramento do positivismo em positivismo inclusivo e positivismo
exclusivo. O pós-positivismo seria, assim, uma nomenclatura de transição que
indica a necessidade de resgate dos valores e a reaproximação do Direito com a
ética. O modelo de positivismo inspirado por Kelsen estaria superado, mas tal
superação deve ser compreendida sem esquecer alguns dos institutos já
consolidados por essa Teoria do Direito. A Constituição tornou-se a sua mais
importante conquista, mas é a busca da concretização de suas normas,
especialmente no que tange à garantia dos Direitos Fundamentais, o elemento
que põe em questionamento a compreensão do Direito a partir do positivismo
jurídico kelseniano e faz surgir novas concepções para além daquelas pós-
positivistas;

h) O „neoconstitucionalismo‟ seria o termo mais utilizado na busca pela definição


as novas transformações constitucionais reunidas na Teoria do Direito. Por
tratar-se de um fenômeno atual, presente e em processo de formação, é comum
que se agreguem prefixos como „pós‟ e „neo‟ a essas terminologias. Todavia, o
uso da „constitucionalismo contemporâneo‟ pretende enfatizar o atual momento
constitucional em que surge o „neocontitucionalismo‟. Por ser uma doutrina
ainda em fase de formação, a definição exata do seu conceito e da terminologia
adequada não pode ser realizada de forma tão precoce.

i) As ideias surgidas no constitucionalismo contemporâneo ultrapassam a mera


observação do fenômeno constitucional através dos tempos para influenciar na
própria concepção de Direito e de seus critérios de validade. A compreensão do
fenômeno se torna mais explícita quando da definição de características e
elementos que envolvem esta nova teoria;

j) Identifica-se uma incompatibilidade entre o „neoconstitucionalismo‟ e o


positivismo jurídico kelseniano porque o caráter científico da ciência jurídica e
seu sentido descritivo perdem espaço em razão da necessidade de normas de
sentido deontológico, voltadas para a estruturação da sociedade. Assim, nem
mesmo o positivismo inclusivo seria possível de compatibilizar-se, já que o

111
„neoconstitucionalismo‟ obriga a rearticulação do problema da validade e
ultrapassa-se, desse modo, a ideia kelseniana da existência de uma norma
hipotética fundamental. Além disso, a lei passa a não ter uma única fonte, visto
que os princípios passam a ser incluídos como fonte do Direito e a técnica de
subsunção e a relação sujeito-objeto também se tornam inadequadas para o novo
contexto trazido pelo „neoconstitucionalismo‟;

k) A busca pela concretização dos Direitos Fundamentais é a consequência


necessária do constitucionalismo contemporâneo, vez que são sua a base e a
razão de ser. Sendo assim, pode-se assegurar a esses direitos a condição de
cláusula superconstitucional, que, interpretada adequadamente, servirá de
mecanismos que permitirão a continuidade e o aperfeiçoamento do sistema
constitucional democrático;

l) A interpretação constitucional tradicional, baseada na aplicação de um modelo


de regras e da técnica da subsunção, restou ultrapassada, de acordo com o
„neoconstitucionalismo‟. Os princípios constitucionais, o postulado da dignidade
humana e a compreensão de que a Constituição está inserida em seu ambiente
cultural são elementos capazes de realizar uma revisão na atual metodologia
interpretativa, necessários para a ampliação do círculo do intérprete
constitucional, com o fim de alcançar uma efetiva integração da realidade
concreta ao conceito abstrato contido nas normas constitucionais;

m) A nova interpretação constitucional deve ser realizada de forma que o operador


do Direito seja capaz de ponderar novos valores sociais para o alcance da justiça
e dos fins que o Direito prioriza, sem, contudo, deixar esquecidos os elementos
clássicos da técnica interpretativa, para que não se percam os limites necessários,
a fim de proporcionar segurança jurídica no processo decisório.

Não há dúvida de que o as discussões emergentes no constitucionalismo


contemporâneo tem como fim a realização dos Direitos Fundamentais, sendo a abertura do
texto constitucional uma maneira de se atingir esse objetivo. Todavia, é necessário estabelecer
limites para esse novo processo interpretativo, de modo a não conferir poder demasiado ao
intérprete constitucional. A Constituição é uma reflexão histórica da vida social e cultural de
um povo e, nesse sentido, ela deve ser compreendida.

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