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Colecção Textos de apoio para estudantes de Direito Administrativo (2013)

UNIVERSIDADE ZAMBEZE
FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANIDADES
CURSO DE DIREITO

OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PODER ADMINISTRATIVO1

1. Noção

Os princípios são enunciados jurídicos que subjazem à ordem jurídica como suas grandes
orientações, estruturantes e valorativas, influindo na produção, no conteúdo e alcance das normas
jurídicas2. Comparativamente às normas jurídicas – comandos ou ordens que se dirigem a um certo
destinatário impondo obrigações, proibições ou permitindo condutas – os princípios jurídicos têm um
alcance mais abrangente, desempenhando por isso uma função reveladora que supera a da norma
jurídica(3)(4).
Os princípios gerais encabeçam – hic et nunc – o ramo do Direito Admnistrativo – complexo de
normas jurídicas a que a Administração Pública se subordina na sua actuação, funcionamento e relação
com particulares – como fundamento ou inspiração das “soluções relativas à interpretação e à
qualificação das normas jurídicas de acordo com uma perspectiva de coerência e de eficácia do
ordenamento jurídico5”.
Os princípios são tirados quer da tradição liberal - igualdade, liberdade, garantia –, quer das
necessidades da vida social – continuidade do serviço público, controlo superior dos actos dos
inferiores –, quer ainda dos imperaticos de equidade – enriquecimento sem causa6.

1 Moreira Rêgo, docente da Universidade Zambeze (2013)


2 Para uma leitura mais cuidada, José de Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral ...., pp. 418 e ss.; Karl
Larenz, Methodenlehre der Rechtswissenschaft, Berlim, 6.ª ed., reformulada, Springer-Verlag, 1991, (trad. portuguesa
de LAMEGO, José, Metodologia da Ciência do Direito, Lisboa, 4.ª ed., Fundação Calouste Gulbenkian, 2005, pp. 674
e ss.; Miguel Teixeira de Sousa, op.cit., pp.242 e ss.; e, Rizzatto Nunes, Introdução ao Estudo do Direito...., pp. 191 e
ss.
3 Maria Luisa Duarte, Introdução ao Estudo do Direito, Sumários Desenvolvidos, p. 89
4
É esclarecedora a distinção que o Prof. Freitas do Amaral apresenta, citando Gomes Canotilho, entre regra e princípio:
“as regras são normas que, verificados determinados pressupostos, exigem, proíbem ou permite algo em termos definitivos,
sem qualquer excepção (direito definitivo), os princípios são normas que exigem a realização de algo, da melhor forma possível,
de acordo com as possibilidades fácticas e jurídicas. Os princípios não proíbem, permitem ou exigem algo em termos de
«tudo ou nada»; impõem a optimização de um direito ou de um bem jurídico, tendo em conta a «reserva do possível»,
fáctica e jurídica (...). Os princípios coexistem, as regras antinómicas excluem-se”. Cfr. Freitas do Amaral, Curso de Direito
Administrativo, Vol. II, p. 33
5 Ibidem
6 Aqui, seguimos de perto Jean Rivero, Direito Administrativo..., p. 86
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Constatando-se, como se acaba de ver, que os princípios constituem traços caracterizadores do


regime administrativo, dotados de força obrigatória em relação à administração, no sentido de que os
actos que os transgridam são anulados e nos casos em que tenham criado danos podem originar a
responsabilidade administrativa, justifica-se o seu estudo e o seu conhecimento7.
Há autores que entendiam os princípios gerais de igual valor que as leis. Porém, tornou-se
patente que era reconhecido aos princípios “uma certa preeminência sobre as próprias leis, uma vez
que era a eles que que se atinha para as interpretar; as que se afastavam, consideradas excepções,
recebiam uma interpretação estrita8”
Desta forma, o valor jurídico dos princípios é, portanto, superior a todos os actos da
administração, sendo que na sua actuação é imperioso à Administração Pública a eles subordinar-se
dada a sua capital relevância face aos actos do executivo.

2. A consagração constitucional dos princípios do poder administrativo

O Direito Constitucional, composto pelas normas contidas na lei fundamental, ou Constituição, não
se preocupa apenas em estruturar e organizar o Estado através da determinação dos seus órgãos de
soberania9. Também se presta à fixação de princípios fundamentais que fundam, ou que servem de
pilares básicos de toda a ordem jurídica estadual. Estes princípios irradiam todos os demais ramos do
Direito. A propósito, como observa Vital Moreira citado por Freitas do Amaral, “as constituições
inserem as «têtes de chapitre» dos demais ramos do Direito.
O Direito Administrativo como ramo de Direito não está isento deste encabeçamento dos seus
princípios pelo Direito Constitucional. Por outras palavras, e mais concreto, é preciso dizer que os
princípios que norteam a actuação da Administração Pública não fogem à regra. Encontram
consagração na Constituição da República.
Desde logo, a CRM abre o seu TÍTULO I com a epígrafe “princípios fundamentais” para
logo no art. 1.º definir a República de Moçambique como um “Estado independente, soberano,
democrático e de justiça social”. Note-se que os termos da definição acima são verdadeiros princípios
jurídicos que enunciam a consciência, o objectivo e fixa as traves mestras da ordem jurídica
moçambicana.

7 Cfr. Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos, Direito Administrativo Geral, I..., p. 135 e Jean Rivero,
op.cit, pp. 86 e 87
8 Jean Rivero, op.cit.,p. 88
9
Para melhor compreensão do conceito de Direito Constitucional, vide Inocêncio Galvão Telles, Introdução ao
Estudo,..., p. 171
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A partir daí, toda a construção das normas seguintes corresponde à imbricação dos já
enunciados princípios com os demais que vão sustentando a configuração do Direito moçambicano
no seu todo: o do Estado de Direito e Democrático com as suas refracções ou propagações.
Para a Administração Pública, a Constituição reservou-lhe o TÍTULO XII (Administração
Pública, Polícia, Provedor de Justiça e Órgãos Locais do Estado) e, neste, dedicou-lhe o CAPÍTULO
I (Administração Pública), começando no seu art. 249.º por se referir aos princípios fundamentais.
É importante notar que, neste aspecto, a CRM está preocupada primacialmente com a
prossecução do interesse público, que não pode alcançar-se sem PODER ADMINISTRATIVO, mas
limita e condiciona-o com o respeito pelas liberdades fundamentais dos cidadãos (n.º 1). No n.º 2 do
mesmo artigo, o legislador constituinte continua preocupado com a limitação do poder administrativo,
agora com os princípios da igualdade, imparcialidade, ética e justiça.
Como salienta Freitas do Amaral10, o único fim do Estado é a prossecução do interesse público.
Contudo, este desiderato não se materializa a bel prazer da Administração. Existem limites à acção
administrativa e estes encontram-se expressos como orientações-chave.
É dentro desse quadro em que nos orientaremos a partir deste momento.

3. Os princípios do Poder Administrativo

Como acima se fez referência, o estudo dos princípios gerais/fundamentais do Direito


Administrativo revela-se de capital importância, pois só assim pode a administração orientar-se na sua
actuação, independentemente da existência ou não de lei que os disponha. Aliás, é preciso reconhecer
que os princípios que regem a actuação da Administração não se encontram apenas na Constituição.
Existem outros que surgem como refracção dos já mencionados dispostos em legislação avulsa que
nortea a actividade administrativa.
Assim, serão objecto de nossa análise os seguintes princípios: o da prossecução do interesse
público, do respeito dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, da legalidade, da
igualdade, da imparcialidade, da ética e boa fé e da justiça.

a) O princípio da prossecução do interesse público


Este princípio encontra ab initio consagração no n.º 1 do art. 249.º da CRM quando se dispõe
que “a Administração pública serve o interesse público”.

10
Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II,... p. 33
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Por interesse público quer-se significar o conjunto de necessidades essenciais à colectividade


insusceptíveis de satisfação individual por dizer respeito a todos os membros da comunidade.
Procurando aproximar à noção de bem-comum formulada por São Tomás de Aquino, Freitas do
Amaral

b) O princípio da proporcionalidade
Este princípio impele a administração a provocar uma menor lesão de interesses privados
compatível com a prossecução do interesse público em causa.
Dele se extraem três subprincípios, nomeadamente, o da adequação, o da necessidade e o da
proporcionalidade strictu sensu.
O primeiro ter-se-á por cumprido sempre que a medida adoptada seja idónea ou apta à obtenção
da finalidade eleita.
O segundo exige a opção pela medida que provoque um mínimo de interferência nos direitos,
interesses e bens jurídicos que se prevê poderem ser lesados.
O terceiro dispõe que a medida só é proporcional se dela decorrerem, de forma razoável ou
adequada, mais benefícios, tendo em vista a consecução do fim proposto, do que prejuízos para os
restantes direitos, interesses ou bens jurídicos em confronto.
Este princípio obriga a administração à ponderação entre os benefícios que as suas medidas têm
para o interesse público e as desvantagens que as mesmas acarrectam para a esfera jurídica dos
interessados.

c) O princípio da legalidade da Administração

O n.º 3 do art. 2.º da CRM abre a porta ao Estado de Direito dispondo que “o Estado subordina-
se à Constituição e funda-se na legalidade”. Salienta-se, a partir daqui, a subordinação jurídica de todos
– da colectividade e do poder político, no qual a administração – à lei (latu sensu).
O princípio da legalidade encerra o entendimento de que, por um lado, a administração não
deve contrariar o direito vigente e, por outro, a actuação administrativa deve fundar-se numa norma
jurídica11.

11 Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos, op.cit., p. 159


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Com o que fica dito, ressalta que as actividades materiais ou operacionais da administração, as
decisões da administração, seja qual for a autoridade de que emanam estão totalmente vinculados às
normas jurídicas em geral, vigentes no ordenamento jurídico.

d) O princípio da imparcialidade

Este princípio visa assegurar que nas decisões administrativas se tenham em consideração todos
os interesses públicos e privados relevantes, de modo a evitar que um interesse público se confunda
com quaisquer interesses privados com que a actividade administrativa possa contender ou se possa
envolver12.

e) Princípio da igualdade

Este princípio determina que a administração deve tratar de modo igual todos os cidadãos que
se encontrem em situações objectivas iguais e desigualmente os cidadãos que se encontrem em
situações objectivas distintas.
Dele decorre o princípio da proibição do arbítrio e, por consequência, o do pagamento da justa
indemnização.

12 José Eduardo Figueiredo Dias e Fernanda Paula Oliveira, Noções de Direito Administrativo,... p. 121

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