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OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

TRAJANO SANTOS FILHO


UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
TRABALHO FINAL DA DISCIPLINA “O PÚBLICO E O PRIVADO NA
GESTÃO PÚBLICA”
PROFª. SÔNIA LETÍCIA DE MELLO CARDOSO

1. INTRODUÇÃO
Na medida em que a Administração Pública seja caracterizada pela gestão de
interesses coletivos comuns e pela utilização de recursos públicos em prol desse fim,
ela deve partir de pressupostos mínimos para que sua atuação seja materialmente
legítima, alinhada aos objetivos que persegue e reconhecida pelo corpo de
administrados que a ela se submete.
À referida cartela de compromissos se deve o reconhecimento de um regime
jurídico de direito público, cujo exercício se respalda e se restringe pelo conjunto de
princípios constitucionais da Administração Pública. Inscritos no caput do art. 37 da
Constituição Federal de 1988, são eles: legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência.
Nesse contexto é que se situa o presente trabalho, cujo objetivo é discutir,
ainda que brevemente, algumas considerações conceituais acerca dos princípios
constitucionais da Administração Pública.
Deve-se esclarecer que muito embora existam princípios da administração
que decorrem da interpretação constitucional e que configuram um corpo de valores
implícitos e não escritos amplamente reconhecido pela doutrina administrativista e
constitucional, estes não foram objeto de estudo no presente trabalho.

2. DESENVOLVIMENTO
A seguir serão indicados na forma de subtópicos os cinco princípios expressos
que regem a Administração Pública no Brasil, de acordo com a ordem prevista pelo
caput do art.37 da Constituição Federal. Em cada um desses tópicos será feita breve

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revisão de literatura a respeito do tema, reservando-se o último parágrafo, em todos
os casos, à uma breve síntese do assunto discutido.

2.1. Princípio constitucional da legalidade


O princípio da legalidade, corolário do Estado Democrático de Direito,
representa um dos mais destacados pressupostos a que a Administração Pública
deve observar em todos os seus atos. Isso porque, ao contrário do que se deduz na
esfera de interesses privados, em que tudo o que não é expressamente proibido está
autorizado, a gestão da coisa pública é taxativa: somente está autorizado aquilo que
é expressa e legalmente previsto (o conceito de lei, aqui, tomado em sentido amplo).
Referido princípio submete a atuação do Administrador Público à lei enquanto
expressão última da vontade popular e, assim, lhe concede diretrizes fundamentais
de atuação, restringindo e direcionado os vários aspectos de sua faculdade executiva.
Isso porque:
[...] na teoria do Estado moderno, há duas funções estatais básicas: a de criar
a lei (legislação) e a de executar a lei (administração e jurisdição). Esta última
pressupõe o exercício da primeira, de modo que só se pode conceber a
atividade administrativa diante dos parâmetros já instituídos pela atividade
legisferante. Por isso é que administrar é função subjacente à de legislar. O
princípio da legalidade denota exatamente essa relação: só é legítima a
atividade do administrador público se estiver condizente com o disposto na
lei (CARVALHO FILHO, 2011, p. 43).

É nesse sentido o magistério de Gilmar Ferreira Mendes, para quem:

O sentido primeiro do princípio da legalidade comporta o entendimento


segundo o qual é o constituinte, depois o legislador e, por último, o
administrador — nesta ordem hierárquica — que devem tomar decisões
importantes para os destinos do Estado. As decisões fundamentais de uma
sociedade devem ter assento constitucional, e outras tantas, de natureza
perene e de importância e abstração reconhecidas, devem estar presentes
em textos de leis e demais atos legislativos (MENDES; BRANCO, 2012, p.
982).

Tanto é assim que mesmo nos casos em que à Administração Pública é


delegada a competência para o julgamento do mérito de uma questão (isto é, da sua
conveniência e oportunidade para o interesse público) a sua atuação não é livre (i.e.
arbitrária), mas “[...] sempre relativa e parcial, porque, quanto à competência, a forma
e a finalidade do ato, a autoridade está sempre subordinada ao que a lei dispõe”
(SILVA, 2005, p. 428).
Referido princípio garante previsibilidade aos atos da Administração Pública
e, por isso, coíbe abusos, prescrevendo o conteúdo e os limites da intervenção do
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Estado na sociedade. É supedâneo do Estado Democrático de Direito e assegura o
regime jurídico de direito público, pautado por direitos-deveres (prerrogativas
necessárias para o fiem cumprimento de demandas públicas) e os deveres que se
impõem ao Administrador à frente da coisa pública.

2.2. Princípio constitucional da impessoalidade


O princípio constitucional da impessoalidade está aderido àquilo que se
entende constituir a finalidade pública dos atos administrativos. Ele sinaliza que “[...]
a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas
determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que tem que nortear o seu
comportamento” (DI PIETRO, 2014, p. 69). Ele, assim:

[...] traduz a idéia de que a Administração tem que tratar a todos os


administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem
favoritismo nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades
pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação
administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de
qualquer espécie. O princípio em causa não é senão o próprio princípio da
igualdade ou isonomia. Está consagrado explicitamente no art. 37, caput, da
Constituição. Além disso, assim como “todos são iguais perante a lei” (art. 5º,
caput), a fortiori teriam de sê-lo perante a Administração (MELLO, 2010, p.
114).

Isso porque a Administração Pública persegue apenas o pleno atendimento


do interesse público, o qual não se confunde, em hipótese alguma, com os interesses
particulares dos seus representantes. Nesse sentido:

O princípio objetiva a igualdade de tratamento que a Administração deve


dispensar aos administrados que se encontrem em idêntica situação jurídica.
Nesse ponto, representa uma faceta do princípio da isonomia. Por outro lado,
para que haja verdadeira impessoalidade, deve a Administração voltar-se
exclusivamente para o interesse público, e não para o privado, vedando-se,
em consequência, sejam favorecidos alguns indivíduos em detrimento de
outros e prejudicados alguns para favorecimento de outros. Aqui reflete a
aplicação do conhecido princípio da finalidade, sempre estampado na obra
dos tratadistas da matéria, segundo o qual o alvo a ser alcançado pela
Administração é somente o interesse público, e não se alcança o interesse
público se for perseguido o interesse particular, porquanto haverá nesse caso
sempre uma atuação discriminatória (CARVALHO FILHO, 2011, p. 43).

É possível concluir, portanto, que o princípio da impessoalidade tem por


objetivo precípuo a diferenciação da esfera de interesses atingidos pela Administração
Pública em sua atuação hodierna, visando a garantia de que assuntos privados não
irão influenciar na maneira como o Estado atua na sociedade e, ainda, que a ninguém
será permitido locupletar-se em nome do estado ou de seus agentes.
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2.3. Princípio constitucional da moralidade
De acordo com José dos Santos Carvalho Filho, “o princípio da moralidade
impõe que o administrador público não dispense os preceitos éticos que devem estar
presentes em sua conduta” (CARVALHO FILHO, 2011, p. 44). O autor prossegue:

[O administrador] deve não só averiguar os critérios de conveniência,


oportunidade e justiça em suas ações, mas também distinguir o que é
honesto do que é desonesto. Acrescentamos que tal forma de conduta deve
existir não somente nas relações entre a Administração e os administrados
em geral, como também internamente, ou seja, na relação entre a
Administração e os agentes públicos que a integram (CARVALHO FILHO,
2011, p. 44).

Convém destacar que, conforme sinaliza MELLO (2010), o conceito de


moralidade estabelecido à luz do art. 37 da Constituição Federal não é o mesmo
àquele emprestado à moralidade comum, mas constitui, por sua vez, uma espécie de
“moralidade jurídica”. Dito isso, “[...] deve-se procurar resgatar um conteúdo jurídico
do princípio, reconhecendo que o Estado não deve obediência a qualquer moralidade,
mas somente àquela compartilhada na comunidade política específica” (MENDES;
BRANCO, 2012, p. 983).
Um dos aspectos do princípio da moralidade (com reflexos diretos na
legislação infraconstitucional) é a probidade administrativa. Discorrendo sobre o tema,
fala o professor José Afonso da Silva:

A probidade administrativa é um a forma de moralidade


administrativa que mereceu consideração especial da
Constituição, que pune o ímprobo com a suspensão de direitos
políticos (art. 37, § 49). A probidade administrativa consiste no
dever de o "funcionário servir a Administração com honestidade,
procedendo no exercício das suas funções, sem aproveitar os
poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou
de outrem a quem queira favorecer". O desrespeito a esse dever
é que caracteriza a improbidade administrativa. Cuida-se de um
a imoralidade administrativa qualificada. A improbidade
administrativa é um a imoralidade qualificada pelo dano ao erário
e correspondente vantagem ao ímprobo ou a outrem (SILVA,
2005, p. 669).

Aludido axioma sintetiza um dos mais valores mais sensíveis para a


Administração Pública brasileira contemporânea, em que pese exija do Administrador
o julgamento ético de suas ações enquanto gestor de interesses coletivos, guardando,

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com isso, estrita observação à idoneidade e probidade de sua conduta, tendo como
horizonte inarredável o pleno atendimento do interesse público.

2.4. Princípio constitucional da publicidade


O princípio constitucional da publicidade revela, em seu sentido, o dever
intrínseco de a Administração Pública garantir a transparência de todos os seus atos.
Diferentemente dos demais princípios discutidos até então, ela não compõe o
elemento formativo do ato administrativo, mas condiciona a sua eficácia e validade,
conforme expõe José Afonso da Silva (2005).
Para Gilmar Ferreira Mendes:

O princípio da publicidade está ligado ao direito de informação dos cidadãos


e ao dever de transparência do Estado, em conexão direta com o princípio
democrático, e pode ser considerado, inicialmente, como apreensível em
duas vertentes: (1) na perspectiva do direito à informação (e de acesso à
informação), como garantia de participação e controle social dos cidadãos (a
partir das disposições relacionadas no art. 5º, CF/88), bem como (2) na
perspectiva da atuação da Administração Pública em sentido amplo (a partir
dos princípios determinados no art. 37, caput, e artigos seguintes da CF/88)
(MENDES; BRANCO, 2012, p. 985).

Isso porque “não pode haver em um Estado Democrático de Direito, no qual


o poder reside no povo (art. 1º, parágrafo único, da Constituição), ocultamento aos
administrados dos assuntos que a todos interessam” (MELLO, 2010, p. 114).
É o dever de publicidade que garante aos administrados a possibilidade de
fiscalização de atos públicos e a verificação, por exemplo, do respeito que o
Administrador Público guarda aos princípios concretizados pela Constituição Federal
de 1988 e todas as demais normas vigentes em uma determinada época. Ela decorre
da natureza dos interesses envolvidos na atuação do Estado, pois se há gestão de
recursos e interesses advindos da comunidade, é impositivo que essa comunidade
saiba exatamente o que é decidido, o que é feito e como é feito, dada a natureza
democrática que junge o Poder Público desde a constituinte de 1988.

2.5. Princípio constitucional da eficiência


Adicionado ao rol de preceitos constitucionais da Administração Pública
através da Emenda Constitucional nº 19/98, o princípio da eficiência tem em seu
núcleo a “[...] procura de produtividade e economicidade e, o que é mais importante,
a exigência de reduzir os desperdícios de dinheiro público, o que impõe a execução

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dos serviços públicos com presteza, perfeição e rendimento funcional” (CARVALHO
FILHO, 2011, p. 52).
Para Marçal Justen Filho (2014) o princípio em causa se desdobra em quatro
diretrizes fundamentais para a atuação do Poder Público: a) a utilização de recursos
públicos deve ser a mais produtiva possível (eficiência econômica); b) é vedado o
desperdício ou má utilização de recursos destinados à satisfação do interesse público
(dever de otimização dos recursos públicos); c) deve ser perseguida a eficiência
estatal e de sua própria configuração, e; d) é vedada toda espécie de desperdício e
falha na gestão de necessidades coletivas.
Como consequência do princípio:

Não apenas a perseguição e o cumprimento dos meios legais e aptos ao


sucesso são apontados como necessários ao bom desempenho das funções
administrativas mas também o resultado almejado. Com o advento do
princípio da eficiência, é correto dizer que Administração Pública deixou de
se legitimar apenas pelos meios empregados e passou — após a Emenda
Constitucional n. 19/98 — a legitimar-se também em razão do resultado
obtido (MENDES; BRANCO, 2012, p. 988).

Não obstante, o princípio constitucional da eficiência direciona ao


Administrador Público um comando de qualidade, tanto na gestão de recursos e bens
públicos, quanto no oferecimento de serviços públicos, buscando, assim, o
atendimento de demandas coletivas de maneira racional e plenamente satisfatória.
É importante sublinhar que para a Administração Pública o julgamento da
eficiência de um ato público não ocorre necessariamente pela verificação do menor
investimento per se. Diferentemente do que ocorre na gestão de interesses privados,
não se busca, aqui, a aferição de lucro, mas a gestão consciente de recursos que
permita o atendimento de interesses coletivos da maneira mais satisfatória possível
pelo custo estritamente necessário (financeiro, humano, etc.), evitando, assim,
desperdícios ou falhas na execução de medidas que importem frustração do interesse
público em alguma medida.

3. CONCLUSÃO
A partir de todas as considerações tecidas no decorrer do presente estudo é
possível concluir que a expressa indicação de princípios da administração pública na
Constituição Federal de 1988 desempenhou e desempenha um papel fundamental na
construção do estado contemporâneo em todas as suas manifestações. Isso porque,

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de um lado, eles reservam pressupostos mínimos para a atuação administrativa, e, de
outro, flexibilizam o alcance da norma constitucional a todos os atos da administração,
afastando os rigorismos da exegese e estimulando a modernização do Poder Público.
No primeiro momento foi destacado o princípio da legalidade e o papel
fundamental que ele desempenha na fixação de diretrizes para a atuação da
administração pública, impondo deveres, limites e objetivos a serem cumpridos em
prol do atendimento de necessidades coletivas. Além disso, ele garante a
previsibilidade dos atos públicos (sua padronização) e o seu conteúdo, afastando
arbitrariedades e garantindo mínimos substanciais que devem ser cumpridos.
Em sequência, ao ser abordado o princípio da impessoalidade, foi delineado
o distanciamento que o mesmo promove entre assuntos da esfera privada e àqueles
afetos ao interesse público. Foi evidenciada a origem do preceito no direito
fundamental à isonomia e a proibição que dela decorre contra atos da Administração
Pública que, direta ou indiretamente, tivesse por propósito lesar ou beneficiar
indivíduos específicos por motivos estranhos ao estrito interesse público (sem
identidade determinada).
Analisando o princípio da moralidade observou-se o horizonte a que se
persegue na reconstrução da Administração Pública no Brasil após a promulgação da
Constituição Federal de 1988, quando passa a exigir expressamente que o
Administrador Público atue com honestidade, lealdade, boa-fé. Ele excede à
compreensão de uma “moral comum” e busca sua abstração jurídica.
Posteriormente, ao dedicar-se olhos ao penúltimo preceito analisado, princípio
constitucional da publicidade, identificou-se, excepcionalmente, valor estranho ao
conteúdo e forma dos atos públicos, mas fundamental para sua eficácia e validade, e
não poderia ser diferente. Se na gestão dos assuntos relativos à esfera privada a
privacidade é a regra, a administração do interesse público obrigatoriamente há de
ser pública. Somente assim a sociedade administrada pode conhecer os atos
engendrados pela Administração, seu conteúdo e justificativa, para que possa, em
seguida, avaliar se as normas fundamentais e os preceitos que balizam o Poder
Público efetivamente estão sendo respeitados.
Por fim foi discutido o princípio constitucional da eficiência, inovação
constitucional trazida em meados de 1998 visando promover a utilização racional de
recursos públicos (vedando quaisquer desperdícios ou falhas), bem como o

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aprimoramento da máquina pública em prol da qualidade e satisfação dos interesses
públicos atendidos direta ou indiretamente pelo Estado.

REFERÊNCIAS

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24ª. ed.,
rev. ampl e atual. até 31.12.2010. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. - 27. ed.- São Paulo:
Atlas, 2014.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. – 10. ed., rev., atual. e
ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.

MELLO, Celso Antônio Bandeiro de. Curso de Direito Administrativo. 27ª. ed., rev.
e atual. até a Emenda Constitucional 64, de 4.2.2010. – São Paulo: Editora
Malheiros, 2010.

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de direito


constitucional. – 7. ed., rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. – 25. ed., rev. e
atual. nos termos da Reforma Constitucional, Emenda Constitucional n. 48, de
10.8.2005. – São Paulo: Editora Malheiros, 2005.

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