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A Negociação

de Conflitos como
Instrumento de Gestão

Texto 4
Princípios constitucionais que
regem a Administração Pública
Douglas Gerson Braga
A Constituição Federal é o cerne, o vetor de todo o ordenamento jurídico. É
formada por princípios e normas jurídicas. Os princípios estão no vértice da
pirâmide e irradiam seus efeitos sobre as demais normas jurídicas que devem
conformar-se a eles. Os princípios expressam valores éticos, sociais e políticos
da sociedade, convertidos pelo legislador constituinte em preceitos jurídicos,
segundo ensinamentos de Marino Pazzanelle Filho (1999).

Nesse sentido, Augustin Gordilho afirma que (1974):

o princípio exige que tanto a lei como o ato administrativo respeitem seus
limites e, ademais, tenham o seu mesmo conteúdo, sigam sua mesma
direção, realcem seu mesmo espírito. Mas, ainda mais, esses conteúdos
básicos da Constituição regem toda a vida comunitária e não somente os
atos a que mais diretamente se referem ou as situações que mais
expressamente contemplam; por serem ‘princípios’ são a base de uma
sociedade livre e republicana, são os elementos fundamentais e
necessários da sociedade e de todos os atos de seus integrantes.

Portanto, o princípio exige que tanto a lei como o ato administrativo:

• respeitem seus limites;


• tenham o seu mesmo conteúdo;
• sigam sua mesma direção;
• realcem seu mesmo espírito.

São várias as funções dos princípios constitucionais, contudo interessa-nos mais


destacar seu caráter orientador para os seguintes caminhos:

• criação legislativa;
• exercício das funções públicas, administrativa e
jurisdicional.
Assim, segundo Marino Pazzaglini Filho (1999):

a função orientadora quer dizer que os princípios constitucionais, como


verdadeiros mandamentos direcionadores da concretização do texto
constitucional, servem de norte à criação legislativa e à aplicação de
todas as normas jurídicas, constitucionais e infraconstitucionais, no
exercício das funções públicas administrativa e jurisdicional, bem assim
nas relações jurídicas entre particulares.

Dessa forma, violar um princípio, para Celso Antonio Bandeira de Mello (1994)
é:

• muito mais grave que transgredir uma norma;


• a mais grave forma de ilegalidade ou
inconstitucionalidade.

Para fins didáticos, podemos reunir os princípios constitucionais que informam a


Administração Pública em dois grupos:

• os especificados no artigo 37 da CF/1988;


• os explícitos ou implícitos em outros artigos da
CF/1988, reconhecidos pela jurisprudência e realçados
pela doutrina.

A todos eles, indistintamente, a Administração Pública direta e indireta, em


qualquer de seus níveis, deve severa obediência.

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Primeiro grupo
Princípios especificados no artigo 37 da
Constituição Federal

Por uma feliz coincidência, as iniciais dos nomes dos princípios especificados no
artigo 37 da Constituição Federal formam o vocábulo mnemônico LIMPE, que
lembra ambiente asséptico e transparência.

Vamos manter limpa a Administração Pública?

Princípios especificados no artigo 37 da Constituição Federal – (LIMPE)


„ Legalidade
„ Impessoalidade
„ Moralidade
„ Publicidade
„ Eficiência
LEGALIDADE

O princípio da legalidade está na base do Estado de Direito. Entre os particulares


vige o princípio da autonomia da vontade, segundo o qual o que não for proibido
por lei é permitido. Para o administrador público isso não basta, ele deve agir sob
o império das leis. Só pode fazer o que a lei lhe autoriza.

Veja o exemplo a seguir, o qual fere esse princípio:

„ conceder reajuste salarial por meio de ato administrativo interno, sendo que
a lei determina que os reajustes salariais podem, somente, ser concedidos
por intermédio de aprovação de lei específica.

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IMPESSOALIDADE

Esse princípio tem duas faces. A primeira refere-se à figura do administrador.


Com base nesse princípio, a Administração Pública deve atuar sem que a figura do
administrador seja identificada, pois essa administração não se presta a
promoções pessoais, já que o administrador atua em nome do interesse público.
A outra face diz respeito aos terceiros, sobre os quais recairão os efeitos dos atos
administrativos. Por esse princípio, os atos praticados pelo administrador não
podem privilegiar pessoas específicas. Devem ser dirigidos a todos,
indistintamente, salvo quando, por sua natureza especial, a lei autorizar tal
distinção.

Será descrito a seguir alguns exemplos que ferem esse princípio:


„ promoção pessoal aplicando nomes e símbolos de interesse pessoal em
obras públicas;
„ nepotismo – nomeação de parentes para preenchimento de cargos de
confiança;
„ nomeação de parentes sem realização de concurso público;
„ favorecimento a terceiros na contratação de obras e compras sem o devido
processo licitatório.

MORALIDADE
(Legalidade + Finalidade = Moralidade)

Este princípio exige ética na conduta administrativa. A moralidade da


Administração Pública não se limita à distinção entre o bem e o mal, devendo ser
acrescida da idéia de que o fim é sempre o bem comum. O equilíbrio entre a
legalidade e a finalidade, na conduta do servidor público, é que poderá consolidar a
moralidade do ato administrativo (Decreto n. 1.171, de 22 de junho de 1994, inciso
III).

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Esse princípio pode ser ferido a partir das seguintes ações:
„ despesas legais, porém não prioritárias diante de necessidades vitais da
população;
„ mordomias indevidas;
„ gastos exorbitantes em publicidade desnecessária;
„ tráfego de influência.

PUBLICIDADE

O gerenciamento público deve ser às claras, transparente. O princípio da


publicidade proporciona à população informação para que sejam exercidos
mecanismos de controle e fiscalização sobre a Administração Pública. Esse
princípio é imprescindível, portanto, para que se exerça o controle social.
Publicidade, contudo, não pode ser confundida com propaganda pessoal.

A seguir tem-se exemplos que tratam tanto da transgressão desse princípio, como
que execução lhe é obrigatória:
„ propaganda nominal em detrimento de comunicação impessoal de ações
administrativas: fere os princípios da impessoalidade e também o da
publicidade. Este princípio é ferido, pois a obrigatoriedade de fornecer
certidões públicas aos cidadãos decorre desse preceito.
„ hábeas-data: conhecimento, retificação ou anotação de informação em
órgão público.

EFICIÊNCIA

Trata-se do dever da boa gestão administrativa. O dever de aplicar a melhor


solução legal, ética e a mais efetiva à realização da finalidade administrativa. É a
utilização dos meios adequados para a obtenção de resultados de interesse
público. Trata-se da busca de maior eficácia possível às ações do Estado.

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Como exemplo de transgressão e forma de cumprimento temos:
„ limpeza insuficiente de bueiros versus manutenção adequada para prevenir
enchentes;
„ depredação de estabelecimentos comerciais em tumultos públicos por
insuficiência ou omissão policial.

Segundo grupo

Princípios explícitos ou implícitos no texto constitucional,


além dos especificados no artigo 37

São princípios consagrados por decisões do Supremo Tribunal Federal e pela


doutrina jurídica. O fato desses princípios não constarem expressamente no artigo
37 da Constituição não lhes diminui a importância. Os mais citados são os
seguintes:

Interesse público

O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é


princípio geral de Direito, inerente a qualquer sociedade organizada. É a própria
condição de sua existência, uma vez que todo poder emana do povo e, por
evidente, em seu nome e em seu benefício será exercido. O interesse público
expressa o bem comum, o bem-estar de uma coletividade.

Veja exemplos contrários a esse princípio:


„ construção de hidrelétrica que inunda terras produtivas, deixando de
considerar outras opções;
„ construção da Transamazônica, diante dos efeitos devastadores para a
floresta, para as comunidades locais e para o planeta;
„ quando o governante coloca o país em guerra, deixando de considerar
outras opções.

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Princípio da finalidade

Além de ater-se à letra da lei, o administrador deve considerar o objetivo que gerou
sua criação. Deve buscar o resultado prático, eficiente, compatível com as reais
necessidades e aspirações da sociedade, ou seja, do interesse público.

A seguir expõem-se exemplos contraditórios à aplicação desse princípio:


„ todo ato administrativo não respaldado em lei específica ou que se
contraponha à norma infringe o princípio da finalidade;
„ todo ato que vise a interesse particular em detrimento de interesse público
infringe o princípio da finalidade, como a desapropriação por vingança
(desvio de finalidade).

Princípio da igualdade

Diz a Constituição que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza (artigo 5o). Logo, o administrador não pode tratar de forma desigual
situações iguais no campo dos direitos e das obrigações. O princípio impõe que
haja tratamento igual para situações iguais e desigual para situações desiguais.

Veja os exemplos:
„ necessidade de licitação pública: igualdade de condições a todos os
concorrentes;
„ na investidura em cargo público, o princípio da igualdade impõe prévia
aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos.

Princípios da lealdade e boa-fé

É um princípio que está bastante relacionado à moralidade administrativa. O


administrador não pode adotar comportamento astucioso, eivado de malícia para
confundir ou dificultar o exercício de direitos.

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Mostra-se, a seguir, exemplo de transgressão a esse princípio:
„ construção de “escolas de latinha”, inapropriadas para uso habitual, ou
utilização da mesma sala de aula, com o mesmo professor, no mesmo
horário, para ministrar aulas concomitantes a duas turmas em anos
escolares diferentes, para fazer crer que se está eliminando o deficit de
vagas.

Princípio da motivação

Para todos os atos dos agentes públicos têm de haver um motivo explicável, um
fundamento de fato e de direito. O princípio da motivação é a própria explicação
dos pressupostos e dos fundamentos que embasam as decisões do agente
público.

O exemplo abaixo demonstra a não-aplicação desse princípio:


„ Venda de alimento estragado motiva a medida de interdição do
estabelecimento.

Princípios da razoabilidade e da proporcionalidade

As competências administrativas devem ser ponderadas (motivos razoáveis) e


exercidas de forma compatível com a extensão e intensidade (proporcionais),
exigidas para cumprimento da finalidade de interesse público.

Um bom exemplo da subversão na aplicação desse princípio é a:


„ reclamação de poluição sonora em via pública. Esta é utilizada pelo agente
público para justificar o fechamento de todos os estabelecimentos similares
do local, em vez de punir somente o causador do dano.

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Desrespeito aos princípios constitucionais

O que acontece quando os princípios da Administração Pública são


desrespeitados?

Primeiro, é preciso dizer que o desrespeito aos princípios da Administração Pública


constitui grave desrespeito diretamente ao povo. Constitui uma traição à confiança
depositada em governantes e servidores para a administração de bens e de
interesses públicos. A inobservância a qualquer dos princípios que informam a
Administração Pública pode gerar a nulidade do ato e a responsabilização
administrativa, cível e criminal do agente.

De posse dessas informações, é possível questionar rotinas descomprometidas


com a verdadeira finalidade da Administração Pública, bem como instituir
procedimentos inovadores mais eficientes na consecução dos interesses públicos,
sem receio de se cometer deslizes.

Os Sistemas de Negociação Permanente (SINPs), que vêm sendo instituídos na


Administração Pública, apóiam-se expressamente nesses princípios. A citação
expressa desses princípios no texto de leis, portarias e convênios, formalizadores
dos sistemas de negociação permanente, reafirma a natureza distinta das
metodologias de tratamento de conflitos do trabalho no setor público, em relação
ao setor privado. E serve, também, didaticamente, para reafirmar compromissos
com a necessidade permanente de aperfeiçoamentos administrativos, sempre nos
marcos do Estado democrático de Direito, dos princípios e das regras legais e
democráticas que informam e regem a Administração Pública.

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