Você está na página 1de 15

ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO

CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
COORDENAÇÃO-GERAL DE ORIENTAÇÃO

PARECER N. º 010/2015/DECOR/CGU/AGU
PROCESSO N.º 23079.024409/2004-45
INTERESSADA: Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
ASSUNTO: Aplicação da decadência prevista no art. 54 da Lei n.º 9.784/99 a atos
administrativos inconstitucionais

DIREITO ADMINISTRATIVO. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA PREVISTA NO ART. 54 DA LEI N.º


9.784/99. INAPLICABILIDADE A ATOS ADMINISTRATIVOS FLAGRANTEMENTE
INCONSTITUCIONAIS. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
SUGESTÃO DE REVISÃO DO ENTENDIMENTO PREVALECENTE NESTA ADVOCACIA-GERAL DA
UNIÃO.
I – A atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sinaliza no sentido de que esta
Advocacia-Geral da União passe a sustentar a impossibilidade de aplicação da decadência
inscrita no art. 54 da Lei n.º 9.784/99 aos atos administrativos flagrantemente
inconstitucionais.
II – Sugestão de revisão do contido na Nota DECOR/CGU/AGU n.º 218/2009, no Parecer n.º
2/2009/DECOR/CGU/AGU, no Parecer n.º 1/2011/JAB/CGU/AGU e na Nota n.º
162/2012/DECOR/CGU/AGU.

Senhor Coordenador-Geral de Orientação,

1. O processo em epígrafe trata da aplicação ou não da decadência prevista no art. 54 da


Lei n.º 9.784/99 a atos administrativos inconstitucionais.
2. Por intermédio do Parecer PFUFRJ/PG n.º 23/2005, de 17/06/2005, o Procurador-Geral da
Procuradoria Federal junto à Universidade Federal do Rio de Janeiro opinou pela consumação da
decadência no caso dos profissionais contratados sem concurso público pela Universidade Federal do Rio
de Janeiro nos períodos de junho a dezembro de 1990 e de janeiro de 1991 a junho de 1995:
(...)
Isso posto, orienta-se o parecer:
a) para o reconhecimento de que a Universidade Federal do Rio de Janeiro e os
trabalhadores de natureza especial (NES) integrantes do conjunto analisado no
pronunciamento entretêm vínculo de natureza estatutária;
b) para o reconhecimento de que as respectivas investiduras ou são válidas ou, não o
sendo, não estão mais sujeitas a desconstituição por força de consumação da decadência
do direito ao desfazimento;
c) para o reconhecimento de que a Administração tem o dever não apenas de declarar a
situação jurídica do pessoal em questão como de retirar dela o caráter de ‘especificidade
cadastral’ e de adaptá-lo às ‘orientações e procedimentos sistêmicos adotados na
Administração Federal’;
(...)
3. Na Nota Técnica n.º 30/2013/AUDIR/SEGEP/MP, de 13/12/2013, a Secretaria de Gestão
Pública do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão assim solicitou a manifestação da
Consultoria Jurídica junto à citada Pasta:
1. Trata a presente NOTA TÉCNICA sobre análise da situação dos prestadores de serviço
que teriam sido contratados para lotação nas unidades hospitalares da Universidade
Federal do Rio de Janeiro - UFRJ nos períodos de junho a dezembro/1990 e de janeiro/1991 a
junho/1995 e que foram registrados no SIAPE (agosto/setembro/1995) como NES-05 SEM
VÍNCULO.
(...)
2. Assim, considerando-se que as mencionadas contratações ocorreram após o advento da
Constituição Federal/88, a questão a ser tratada envolve, também, a aplicação do inciso II
do art. 37 da Carta Magna (...)
(...)
15. Criou-se, a partir daí, uma situação anômala uma vez que esses prestadores de serviço
não podem permanecer na situação em se encontram e nem simplesmente serem incluídos
no Regime Jurídico de que trata a Lei n.º 8.112/90 e nem no Plano de Carreira dos Cargos
Técnico-Administrativos em Educação - PCCT AE previsto na Lei n.º 11.091/2005, tendo em
vista as disposições contidas no inciso II do art. 37 da Constituição Federal/88.
16. Por outro lado, os supostos vínculos com a Administração Pública Federal perduram há
mais de 20 (vinte) anos, tendo inclusive gerado aposentadorias e pensões pelo RGPS.
Nesse sentido, entende-se que deve ser considerado o princípio da segurança jurídica, que
pode inviabilizar a desconstituição desses atos, ainda que tenham sido efetuados em
desacordo com os textos legais, pois o seu desfazimento pode ser mais prejudicial que a
sua manutenção.
17. Cabe ressaltar, também, que nos dados inseridos no SIAPE, esses prestadores de
serviço constam como enquadrados no Plano Geral de Cargos do Poder Executivo - PGPE, a
partir de 01 de julho de 2006, com base na Medida Provisória n.º 304 de 29 de junho de
2006, que deu origem a Lei n.º 11.357, de 19 de outubro de 2006.
18. Finalmente, de acordo com a relação constante da NOTA TÉCNICA n.º 001/2013/CGP/SG
4/PR 4/UFRJ de 07 de outubro de 2013, anexa às fls. 204/213 do Processo n.º
23079.064745/2011-05, 122 (cento e vinte e duas) pessoas teriam sido contratadas entre
junho/1990 e junho/1995, para prestarem serviços em unidades hospitalares da UFRJ, sem
que se tenha conhecimento da existência de Carteira de Trabalho, devidamente assinada.
19. Diante do exposto, como o assunto exige uma manifestação jurídica, considerando-se a
repercussão do desdobramento dessas questões no âmbito da Administração Pública
Federal, propõe-se o encaminhamento da presente NOTA TÉCNICA para apreciação da
Senhora Secretária de Gestão Pública, com proposta de remessa dos Processos n.ºs
23079.024409/2004-45 e 23079.064745/2011-05 à Consultoria Jurídica deste Ministério -
CONJUR/MP, para pronunciamento quanto ao procedimento a ser adotado em relação a
esses prestadores de serviço.
4. Por fim, a Consultoria Jurídica junto ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão,
por intermédio do Parecer n.º 0533-2.25/2014/PFF/CONJUR-MP/CGU/AGU, de 15/05/2014, defende a
inaplicabilidade do art. 54 da Lei n.º 9.784/99 a atos nulos e solicita que esta Consultoria-Geral da União
esclareça se a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmada a partir do julgamento do Mandado
de Segurança n.º 28.279/DF implica a superação das conclusões da Nota DECOR/CGU/AGU n.º 218/2009:
1. A Secretaria de Gestão Pública, por meio da Nota Técnica n.º 30/2013/AUDIR/SEGEP/MP
(fls. 242/244), solicitou desta Consultoria jurídica, órgão setorial da Advocacia-Geral da
União, manifestação sobre o procedimento a ser adotado em relação aos prestadores de
serviços contratados pela Universidade Federal do Rio de janeiro - UFRJ, nos períodos de
junho a dezembro de 1990, bem como de janeiro de 1991 a junho de 1995, sem
observância da regra do concurso público exigido pelo art. 37, 11, da Constituição Federal.
2. A Procuradoria Federal junto à Universidade Federal do Rio de janeiro ~ UFRJ, por meio
do PARECER PFUFRJ/PG/Nº 23/2005 (fls. 21/57 do Processo n.º 23079.064745/2011-50),
manifestou-se pelo reconhecimento da decadência.
(...)
4. O objeto da presente consulta reside no exame do instituto da decadência, que se
encontra previsto no art. 54 da Lei n.º 9.784/1999, nos seguintes termos:
Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos dei que decorram
efeitos favoráveis para os destinatários decai em 5 (cinco) anos, contados da data em que
foram praticados, salvo comprovada má-fé.
1º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da
percepção do primeiro pagamento.
2º Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade
administrativa que importe impugnação à validade do ato.
5. De início, afigura-se imprescindível examinar o alcance de referi1a norma, ou seja,
definir se ela abrangeria os atos nulos e anuláveis, ou, diversamente, apenas estes. A
análise dessa matéria à luz do caso concreto (eventual inobservância da regra
constitucional da exigência de concurso público), enseja o conflito entre dois princípios
constitucionais, a saber: o princípio da legalidade e o princípio da segurança jurídica.
Enquanto o primeiro reduz o campo de incidência do referido instituto, limitando-o aos
anuláveis, o segundo o amplia, estendendo-o aos atos nulos, em homenagem à confiança
dos beneficiados pela prática do administrativo.
6. Nesse caso, impõe-se a aplicação da técnica de ponderação de interesses (...)
7. Ao analisar o conflito entre os aludidos princípios, parte da doutrina, a qual me filio, não
tem hesitado em priorizar o princípio da legalidade, sob o fundamento de que os atos nulos
não produzem efeitos, e, assim, o art. 54 da Lei n.º 9.784/99 incidiria apenas sobre os atos
anuláveis. Nesse sentido, convém transcrever as lições do jurista Felipe R. Deiab:
Os atos nulos ou absolutamente insanáveis, a seu turno, como já salientamos, contrariam
de tal forma o ordenamento que não podem ser sanados nem pelo tempo. Correspondem
às hipóteses de anulação de atos administrativos viciados, para as quais a lei não instituiu
prazo decadencial (assemelhando-se a um direito potestativo sem prazo definido em lei
para o seu exercício).
8. Outro não é o entendimento da doutrinadora Raquel Melo Urbano de Carvalho que, ao
analisar a decadência administrativa, dilucida:
Atentando para a posição doutrinária majoritária de que atos com vícios de finalidade, de
motivo ou de conteúdo são necessariamente nulos e, assim, não devem produzir efeitos,
tem-se como incabível a decadência qüinqüenal para o exercício da autotutela
administrativa em tais situações. O art. 54 da Lei Federal nº 9.784 atingiria somente os
atos anuláveis, a saber, aqueles com vícios de sujeito ou de forma, se esta não for exigida
pela lei. Estes seriam os atos viciados que apenas poderiam ser revistos no prazo de
decadência 05 (cinco) anos, salvo comprovada má-fé.
9. Todavia, malgrado a coerência da aludida argumentação, essa tese, até pouco tempo,
não encontrava respaldo na jurisprudência dos tribunais superiores, notadamente no
Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, que priorizavam o princípio da
segurança jurídica em detrimento ao da legalidade (...)
10. Nessa linha, cumpre assinalar que, como já mencionado anteriormente, as
contratações feitas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro datam dos anos de 1990 a
1995, conforme atestado pela Secretaria de Gestão Pública deste Ministério. Como se pode
observar, passaram-se mais de quinze anos da prática dos referidos atos administrativos,
tempo mais do que suficiente para se reconhecer a consumação do prazo decadencial,
segundo o entendimento jurisprudencial acima reproduzido.
11. Registre-se, a propósito, que a Administração deve ser mais diligente na prática dos
seus atos, de sorte a evitar que eventuais absurdos dessa natureza voltem a se repetir. No
caso dos autos, uma vez demonstrada a irregularidade, não caberia nem mesmo instaurar
a sindicância ou processo administrativo disciplinar a fim de apurar a responsabilidade dos
agentes que contribuíram para prática da referida ilegalidade, haja vista a consumação da
prescrição, nos termos do art. 142 da Lei n.º 8.112/90.
12. Sucede, todavia, que, recentemente, o Supremo Tribunal Federal, ao examinar caso
análogo ao dos autos, no julgamento do MS 28279/DF, por maioria, adotou entendimento
diametralmente oposto ao anterior, de sorte a priorizar o princípio da igualdade,
impessoalidade e moralidade em detrimento ao da segurança jurídica, veja-se:
MANDADO DE SEGURANÇA. ATIVIDADE NOTARIAL E DE REGISTRO. INGRESSO. CONCURSO
PÚBLICO. EXIGÊNCIA. ARTIGO 236, PARÁGRAFO 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NORMA
AUTO-APLICÁVEL. DECADÊNCIA PREVISTA NO ARTIGO 54 DA LEI 9.784/1999.
INAPLlCABILlDADE A SITUAÇÕES INCONSTITUCIONAIS. PREVALÊNCIA DOS
PRINCíPIOS REPUBLICANOS DA IGUALDADE, DA MORALIDADE E DA IMPESSOALIDADE.
SUBSTITUTO EFETIVADO COMO TITULAR DE SERVENTIA APÓS A PROMULGAÇÃO DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IMPOSSIBLlDADE. ORDEM DENEGADA.
1. O art. 236, S 3º, da Constituição Federal é norma auto-aplicável.
2. Nos termos da Constituição Federal, sempre se fez necessária a submissão a concurso
público para o devido provimento d e serventias extrajudiciais eventualmente vagas ou
para fins de remoção.
3. Rejeição da tese de que somente com a edição da Lei 8.935/1994 teria essa norma
constitucional se tornado auto-aplicável.
4. Existência de jurisprudência antiga e pacífica do Supremo Tribunal Federal no sentido da
indispensabilidade de concurso público nesses casos (Ações Diretas de
Inconstitucionalidade 126/RO. reI. Min. Octavio Gallotti. Plenário, DJ 05.6.1992; 363/DF,
552/RJ e 690/GO, reI. Min. Sydney Sanches, Plenário, DJ 03.5.1996 e 25.8.1995; 417/ES, reI.
Min. Maurício Corrêa, Plenário. DJ 05.5.1998; 3.978/SC, reI. Min. Eros Grau, Plenário, DJe
29.10.2009).
5. Situações flagrantemente inconstitucionais como o provimento de serventia extrajudicial
sem a devida submissão a concurso público não podem e não devem ser superadas pela
simples incidência do que dispõe o art. 54 da Lei 9.784/1999, sob pena de subversão das
determinações insertas na Constituição Federal.
6. Existência de jurisprudência consolidada da Suprema Corte no sentido de que não há
direito adquirido à efetivação de substituto no cargo vago de titular de serventia, çom base
no art. 208 da Constituição pretérita, na redação atribuída pela Emenda Constitucional
22/1983, quando a vacância da serventia se der já na vigência da Constituição de 1988
(Recursos Extraordinários 182.641/SP, reI. Min. Octavio Gallotti.Primeira Turma, DJ
15.3.1996; 191.794/RS, reI. Min. Maurício Corrêa, Segunda Turma, DJ 06.3.1998; 252.313-
AgR/SP, reI. Min. Cezar Peluso. Primeira Turma, DJ 02.6.2006; 302.739-AgR/RS, reI. Min.
Nelson Jobim. Segunda Turma. DJ 26.4.2002; 335.286/SC, reI. Min. Carlos Britto, DJ
15.6.2004; 378.347/MG. reI. Min. Cezar Peluso, DJ 29.4.2005; 383.408-AgR/MG, reI. Min.
Ellen Gracie. Segunda Turma, DJ 19.12.2003; 413.082-AgR/SP, reI. Min. Eros Grau, Segunda
Turma. DJ 05.5.2006; e 566.314/GO, reI. Min. Cármen Lúcia, DJe 19.12.2007; Agravo de
Instrumento 654.228-AgR/MG. reI. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 18.4.2008).
7. Reafirmada a inexistência de direito adquirido de substituto que preenchera os requisitos
do art. 208 da Carta pretérita à investidura na titularidade de Cartório, quando a vaga
tenha surgido após a promulgação da Constituição de 1988, pois esta, no seu art. 236, §
3.º, exige expressamente a realização de concurso público de provas e títulos para o
ingresso na atividade notarial e de registro.
8. Os princípios republicanos da igualdade, da moralidade e da impessoalidade devem
nortear a ascensão às funções públicas. 9. Segurança denegada.
13. Em razão da consistência dos argumentos apresentados, convém reproduzir trechos do
voto vencedor da Relatora Ministra Hellen Gracie, veja-se:
Ministra Hellen Gracie:
O Congresso Nacional se esforçou para dar à Nação uma Constituição verdadeiramente
republicana, gue é hoje considerada uma das mais avançadas do mundo.
A Constituição-cidadã inaugurou uma nova era, ao deixar expressa a exigência de concurso
público para o provimento de serventias judiciais vagas ou para fins de remoção.
Imbuídos de espírito genuinamente republicano, nossos Constituintes romperam com a
tradição política feudal de atribuições de titulações de cartórios.
A Constituição de 1988 instaurou a legitimidade em relação ao provimento das serventias
notariais e de registro em nosso país.
É que vivíamos até a promulgação da atual Constituição como se estivéssemos ainda no
Império. As titularidades de cartórios equivaliam, na prática, a algo parecido às extintas
concessões de baronato, criando-se uma espécie de classe aristocrático-notarial,
atualmente inadmissível.
Hoje um jovem de origem modesta também pode sonhar em ingressar em tão importante
atividade, sem depender de favores de autoridades, bastando para tal desiderato vocação
e dedicação aos estudos jurídicos.
A esta Suprema Corte foi legada a maior de todas as missões: ser guardiã da Constituição
da República Federativa do Brasil. Como juízes da mais alta Corte de Justiça deste País, não
podemos e não devemos transformar a Constituição em refém de leis e de interpretações
contrárias ao espírito da própria Lei Maior.
Os princípios republicanos da igualdade, da moralidade e da impessoalidade devem nortear
a ascensão às funções públicas.
Os milhões de brasileiros e brasileiras gue se debruçam diariamente sobre livro durante
horas a fios a estudar em busca de um futuro melhor não merecem desta Suprema Corte
resposta que não seja o repúdio mais veemente contra esses atos de designação ilegítimos.
A tese defendida pelo impetrante faz letra morta do art. 236, § 3.º, da Constituição Federal,
que estabelece a exigência de prévia aprovação em concurso público para o inqresso na
atividade notarial e de registro, razão por que não deve ser acolhida pela Corte.
O que se busca no presente writ é. em verdade, o reconhecimento de uma espécie de
usucapião da função pública de notário ou registrador, pretensão inadmissível.
14, Como se vê, esse novo entendimento vai ao encontro da tese defendida por esta
Consultoria jurídica, segundo a qual a decadência administrativa não incide sobre os atos
nulos, o que reforça, por conseguinte, a necessidade de se rever, por meio da instauração
de processo administrativo, as contratações feitas pela Universidade Federal do Rio de
janeiro, sem a observância da regra constitucional do concurso público.
15. Deve-se, entretanto, destacar que esta Consultoria jurídica, em outra ocasião, já havia
provocado a Consultoria-Geral da União, a fim de que se posicionasse sobre a matéria.
Naquela oportunidade, o referido órgão, por intermédio da NOTA DECOR/CGU/AGU N.º
218/2009 - PGO (em anexo), concluiu que, em atenção aos precedentes jurisprudenciais
existentes sobre o tema, o melhor caminho seria o de conferir uma interpretação extensiva
ao art. 54 da Lei n.º 9.784/99, vale dizer, a decadência administrativa abrangeria tanto aos
atos anuláveis, quanto os nulos, o que inviabilizaria a Administração de rever os seus atos,
uma vez ultrapassado o prazo de cinco anos da sua realização.
16. Assinale-se, contudo, que a manifestação da Consultoria-Geral da União foi elaborada
antes do novo julgado do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria, que, como visto,
priorizou os princípios da igualdade, moralidade e impessoalidade, em detrimento da
segurança jurídica. Assim, infere-se que a observância da regra constitucional, que impõe à
realização prévia de concurso público, se desenha como condição essencial para
regularidade da investidura em cargo ou emprego público. Em outras palavras, a segurança
jurídica não teria o condão de justificar a convalidação das irregularidades decorrentes da
inobservância da referida norma.
17. Nesse contexto e levando-se em consideração a repercussão da matéria, sugere-se,
com fundamento no art. 4º, X, da Lei Complementar n.º 73/1993, o envio dos autos à
Consultoria-Geral da União, para que esclareça se, com advento do novo julgado do
Supremo Tribunal Federal (MS 28279/DF), que trouxe profundas alterações na matéria em
exame, as conclusões da NOTA DECOR/CGU/AGU N.º 218/2009 - PGO acerca da decadência
permanecem, ou, ao revés, devem ser revistas, de modo a permitir a instauração de
processos administrativos correspondentes, para apuração de eventuais irregularidade
presentes nas contratações feitas pela Universidade Federal do Rio de janeiro.
18. Ao término dessa exposição, torna-se possível sintetizar seus apontamentos mais
importantes, nos seguintes termos:
i ) a abrangência do instituto da decadência prevista no art. 54 da Lei n.º 9.784/99 em
relação à hipótese dos autos, que consiste na eventual violação à regra constitucional do
concurso público, enseja um conflito entre os princípios da legalidade e da segurança
jurídica;
ii) a técnica da ponderação de interesses é o critério a ser utilizado para resolução do
referido conflito;
iii) segundo entendimento jurisprudencial tradicional, a decadência incide sobre os atos
nulos e anuláveis, uma vez que o princípio da segurança jurídica prevalece em detrimento
ao da legalidade;
iv) todavia, recente julgado do Supremo Tribunal Federal trouxe profundas alterações sobre
a questão, porquanto assinalou que a decadência administrativa incide apenas sobre os
atos anuláveis;
v) nesse contexto e levando-se em consideração a repercussão da matéria, a controvérsia
de entendimento jurídico entre este órgão de assessoramento jurídico e a Procuradoria
Federal Junto a Universidade Federal do Rio de janeiro, bem como a NOTA DECOR/CGU/AGU
N.º 218/2009 - PGO, anterior ao referido julgado, sugere-se o envio dos autos à Consultoria-
Geral da União, para avaliar se o recente entendimento do Supremo Tribunal Federal é apto
a justificar a instauração de processos administrativos, a fim de se avaliar a regularidade
das contratações feitas pela Universidade Federal do Rio de janeiro - UFRJ, no período em
exame.
É o relatório. Passa-se a opinar.
5. Desde logo, vale frisar que o presente parecer cuida da definição sobre o alcance do art.
54 da Lei n.º 9.784/99. O objetivo é saber se a decadência ali prevista também atinge os atos
administrativos inconstitucionais.
6. Nos presentes autos, a Procuradoria Federal junto à Universidade Federal do Rio de
Janeiro opina pela consumação da decadência no caso dos profissionais contratados sem concurso
público pela Universidade Federal do Rio de Janeiro nos períodos de junho a dezembro de 1990 e de
janeiro de 1991 a junho de 1995.
7. Já a Consultoria Jurídica junto ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
defende a inaplicabilidade do art. 54 da Lei n.º 9.784/99 a atos nulos com fundamento precípuo na
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmada a partir do julgamento do Mandado de Segurança
n.º 28.279/DF e, por conseguinte, requer a revisão da Nota DECOR/CGU/AGU n.º 218/2009, aprovada
pelo Exmo. Sr. Advogado-Geral da União Substituto em 19/10/2009.
8. Deve-se destacar que esta Advocacia-Geral da União possui reiterados pronunciamentos
acerca do tema (Nota DECOR/CGU/AGU n.º 218/2009, Parecer n.º 2/2009/DECOR/CGU/AGU e Parecer n.º
1/2011/JAB/CGU/AGU). Todos no sentido da interpretação ampla do art. 54 da Lei n.º 9.784/99, ou seja,
aceitando a aplicação da decadência a atos administrativos anuláveis e nulos, o que inclui os atos
administrativos inconstitucionais.
9. Na mesma linha, o subscritor da presente peça jurídica se manifestou sobre a
abrangência do art. 54 da Lei n.º 9.784/99 na Nota n.º 162/2012/DECOR/CGU/AGU, aprovada pelo Exmo.
Sr. Consultor-Geral da União em 14/11/2012:
(...) enfatiza-se que esta Consultoria possui entendimento consolidado no sentido de que a
consumação da decadência prevista no art. 54 da Lei n.º 9.784/99 independe da gravidade
do vício que macula o ato.
7. Isso foi inicialmente proclamado na Nota DECOR/CGU/AGU n.º 218/2009, de 16/10/2009,
firmada pela ilustre Dr.ª Priscila Gonçalves de Oliveira em 16/10/2009 e aprovada pelo
Exmo. Sr. Advogado-Geral da União Substituto em 19/10/2009:
(...)
17. Adotando-se as premissas anteriormente salientadas, reconhece-se os efeitos do
decurso do tempo em que a Administração Pública Federal por não ter sido exercido o
poder-dever na verificação da causa que fulminava a validade do ato administrativo, seja
por vício de nulidade ou anulabilidade, desde que não seja hipótese de comprovada má-fé,
restando impossível a revisão do ato em respeito ao princípio da segurança jurídica. Nesta
linha de idéias, a imutabilidade decorrente dos efeitos da decadência enseja a
sedimentação do próprio ato administrativo.
18. Estribando-se ainda sobre os entendimentos jurisprudenciais, que reforçam a tese da
segurança jurídica no sentido de impedir a revisão de atos administrativos após
prolongados lapsos temporais, e sem que haja a específica distinção quanto aos atos nulos
e anuláveis, insta salientar alguns entendimentos a seguir transcritos e colhidos no seio da
jurisprudência da Corte Suprema e o Superior Tribunal de Justiça.
(...)
20. Com estas ponderações, após apreciação dos argumentos, proponho o
encaminhamento da matéria ao Consultor-Geral da União, apresentando as seguintes
sugestões:
20.1. Que seja eletronicamente realizada a vinculação do presente procedimento ao
procedimento NUP 00400.017095/2009-34;
20.2. Aponta-se para a firme possibilidade de que haja o reconhecimento da decadência
sobre determinado ato administrativo, restando atingido o poder-dever da Administração
Pública Federal de afastar o vício de nulidade ou anulabilidade no prazo qüinqüenal,
ressalvada a hipótese de comprovada má-fé seja do administrado seja da Administração
Pública, nos termos do artigo 54 da Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999;
(...)
8. A fim de tornar mais explícito o posicionamento desenvolvido na citada nota, vale
transcrever parcialmente o despacho de aprovação do Consultor-Geral da União:
Despacho do Consultor-Geral da União n.º 2.090/2009
Estou de acordo com a Nota DECOR/CGU/AGU n.º 218/2009-PGO, e com o Despacho que
aprovou, exarada nos autos do processo n.º 05586.00333112009-28, cuja cópia se
encontra juntada aos presentes autos, no sentido de que, de acordo com corrente
doutrinárias e jurisprudenciais absolutamente majoritárias exaustivamente pesquisadas, o
art. 54 da Lei n.º 9.784, de 1999, não distingue entre atos nulos e anuláveis, devendo
ambos submeterem-se à regra decadencial posta no referido artigo.
(...)
9. Mais adiante, o insigne Advogado da União João Gustavo de Almeida Seixas subscreveu
em 04/11/2009 o Parecer n.º 2/2009/DECOR/CGU/AGU, que mereceu a aprovação do Exmo.
Sr. Consultor-Geral da União em 21/01/2010, e assim analisou o assunto em tela:
(...)
15. Há, por igual, a recentíssima NOTA DECOR/CGU/AGU Nº 218/2009-PGO, da nobre
Advogada da União PRISCILA GONÇALVES DE OLIVEIRA, referendado pelo Despacho do
Consultor-Geral da União nº 2.090/2009, a consignar que:
17. Adotando-se as premissas anteriormente salientadas, reconhece-se os efeitos do
decurso do tempo em que a Administração Pública Federal por não ter sido exercido o
poder-dever na verificação da causa que fulminava a validade do ato administrativo, seja
por vício de nulidade ou anulabilidade, desde que não seja hipótese de comprova da má-fé,
restando impossível a revisão do ato em respeito ao princípio da segurança jurídica. Nesta
linha de idéias, a imutabilidade decorrente dos efeitos da decadência enseja a
sedimentação do próprio ato administrativo.
(...)
33. Ante o exposto, em resposta à consulta formulada pela CONJUR/MP, sou da opinião de
que:
a) O direito da Administração Pública Federal promover a revisão dos atos administrativos
seus que outorguem vantagens para os destinatários decai em 5 (cinco) anos, salvo
comprovada a má-fé em sua prática, conforme estabelece o art. 54, da Lei nº 9.784/1999;
b) a decadência em foco ocorre independentemente da gravidade do vício carregado pelo
ato administrativo, ou seja, sendo ele nulo ou simplesmente anulável, defeso se torna o seu
reexame pela Administração Pública Federal quando transcorrido o qüinqüênio
decadencial;
c ) esse raciocínio, referendado pela doutrina e jurisprudência, se escora na ausência de
distinção na redação dada ao art. 54, da Lei nº 9.784/1999, e nos princípios da segurança
jurídica e da boa-fé.
10. Recentemente, esta Consultoria-Geral da União, após ser provocada pela Procuradoria-
Geral da Fazenda Nacional, confirmou expressamente a tese no Parecer n.º
1/2011/JAB/CGU/AGU, de 29/11/2011, aprovado pelo Exmo. Sr. Consultor-Geral da União em
02/12/2011 (fls. 109/124):
(...) ante o exposto, concluímos que:
a) Contribuição Previdenciária PSS tem natureza jurídica tributária, por conseguinte se
aplicam as regras do Direito Tributário, assim a cobrança da mesma deveria ter sido
observada o que dispõe arts. 173 e 174 do Código Tributário Nacional, nesse aspecto
concordamos com a conclusão do Parecer PRFN 2ª Região nº 355/2010, fI. 67 dos autos;
b) houve prescrição na cobrança de créditos devidos ao erário, contudo, cabe a Receita
Federal verificar as causas que deram origem a prescrição da cobrança dos valores pagos
indevidamente a servidora Almerinda Ramos Constância Batista, ocupante do cargo de
Analista Tributária;
c) o Parecer PGFN/CJU/COJPN nº 1071/2011 não distinguiu os institutos da prescrição,
previstos nos dispositivos legais do Decreto 20.910, de 1932, do art. 114 da Lei nº 8.112, de
1990, e da decadência previsto art. 54 da Lei nº 9.784, de 1999;
d) considerando a prescrição qüinqüenal prevista no art. 1º do Decreto nº 20.910, de 1.932,
verifica-se que a tese jurídica do Parecer PGFN/CJU/COJPN nº 1071/2011, encontra
obstáculo na Súmula 34 da AGU, item 58, deste parecer, e no Parecer nº GQ-10, da AGU,
item 32, deste parecer;
e) o art. 54 da Lei nº 9.784/1999 aplica-se aos atos administrativos praticados de boa-fé, e
trata do instituto da decadência, ou seja, atinge o próprio direito;
f) o art. 114 da Lei nº 8.112, de 1990, continua valido e a aplicação depende da
constatação da má-fé do servidor, apurado em processo administrativo em que se assegure
a ampla defesa e a geração ou não de direitos;
g) não houve derrogação do art. 114 da Lei nº 8.112, de 1990, pela CGU, houve uma
inovação da ordem jurídica com a edição da Lei nº 9.784, de 1999;
h) o caso concreto em análise não se enquadra na moldura do art. 37, § 5º da CF;
i) a doutrina e a jurisprudência dos tribunais pátrios não vê (sic) distinção de atos nulos e
anuláveis para efeitos de aplicação do Art. 54 da Lei nº 9.784/1999;
j ) não há reparo a fazer no Parecer nº 02/2009/DECOR/CGU/AGU e na Nota
DECOR/CGU/AGU nº 218/2009-PGO;
I) ficando prejudicada a tese jurídica contida no Parecer da PGFN/CJU/COJPN nº 1071/2011;
60. Em caso de aprovação, sugere-se que seja encaminhada cópia desta manifestação à
Procuradora-Geral da Fazenda Nacional.
11. Todavia, percebe-se que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, insatisfeita com a
manutenção do posicionamento desta Consultoria-Geral, apresentou o pedido de
uniformização por intermédio do Parecer PGFN/CJU/COJPN n.º 1418/2012, de 19/07/2012.
12. Em linhas gerais, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional repete argumentos
contidos no Parecer da PGFN/CJU/COJPN nº 1071/2011 e também se apoia em alguns
julgados do Supremo Tribunal Federal e na manifestação desta Advocacia-Geral da União
na Ação Civil Ordinária n.º 79.
13. Ora, não se vê motivos para alterar o entendimento pacificado nesta Consultoria-Geral
da União por várias razões.
14. Em primeiro lugar, entende-se que atos inconstitucionais, sejam eles normativos ou
administrativos, são nulos. Nesse sentido já decidiu o Supremo Tribunal Federal (ADI
652/MA e ADI 1434 MC/DF).
1 5 . A ilegalidade referida na Lei n.º 9.784/99 deve ser compreendida de modo amplo,
abrangendo, assim, também o vício de inconstitucionalidade.
16. Desse modo, não há como deixar de aplicar o art. 54 da Lei n.º 9.784/99 aos atos
administrativos inconstitucionais.
17. Quanto à Ação Civil Ordinária n.º 79, vale destacar que a posição defendida por esta
Advocacia-Geral da União foi derrotada no Plenário do Supremo Tribunal Federal:
Ato administrativo. Terras públicas estaduais. Concessão de domínio para fins de
colonização. Área superiores a dez mil hectares. Falta de autorização prévia do Senado
Federal. Ofensa ao art. 156, § 2º, da Constituição Federal de 1946, incidente à data dos
negócios jurídicos translativos de domínio. Inconstitucionalidade reconhecida. Nulidade não
pronunciada. Atos celebrados há 53 anos. Boa-fé e confiança legítima dos adquirentes de
lotes. Colonização que implicou, ao longo do tempo, criação de cidades, fixação de famílias,
construção de hospitais, estradas, aeroportos, residências, estabelecimentos comerciais,
industriais e de serviços, etc. Situação factual consolidada. Impossibilidade jurídica de
anulação dos negócios, diante das consequências desastrosas que, do ponto de vista
pessoal e socioeconômico, acarretaria. Aplicação dos princípios da segurança jurídica e da
proteção à confiança legítima, como resultado da ponderação de valores constitucionais.
Ação julgada improcedente, perante a singularidade do caso. Votos vencidos. Sob pena de
ofensa aos princípios constitucionais da segurança jurídica e da proteção à confiança
legítima, não podem ser anuladas, meio século depois, por falta de necessária autorização
prévia do Legislativo, concessões de domínio de terras públicas, celebradas para fins de
colonização, quando esta, sob absoluta boa-fé e convicção de validez dos negócios por
parte dos adquirentes e sucessores, se consolidou, ao longo do tempo, com criação de
cidades, fixação de famílias, construção de hospitais, estradas, aeroportos, residências,
estabelecimentos comerciais, industriais e de serviços, etc.
(ACO 79/MT, relatada pelo Ministro Cezar Peluso, julgada pelo Plenário do Supremo Tribunal
Federal em 15/03/2012, DJe de 28/05/2012)
18. Ademais, convém destacar, como observado pelo jurista Alexandre Santos de Aragão, a
prevalência que o Supremo Tribunal Federal vem conferindo ao princípio da segurança
jurídica:
Um dos mais clássicos princípios gerais de Direito, o princípio da segurança jurídica, que,
junto à ideia geral de Justiça, compõe o grande binômio axiológico do Direito (justiça-
segurança), também possui grande importância no Direito Administrativo.
(...)
Por exemplo, na ADIN n. 2.240, o STF julgou procedente pedido formulado pelo Partido dos
Trabalhadores para declarar a inconstitucionalidade de lei estadual de criação de Município,
determinando, contudo, ao invocar expressamente o princípio da segurança jurídica, que a
vigência de referida lei fosse mantida pelo prazo de 24 meses até que o legislador estadual
estabelecesse nova disciplina.
(...)
16. Como veremos no capítulo próprio, o STF também tem, reiteradamente, deixado de
declarar a invalidade de atos administrativos para preservar a segurança jurídica de seus
destinatários, que em alguns casos até obraram em má-fé (ex.: MS n. 24.268) [nota de
rodapé n.º 16]
19. Ante o exposto, opina-se pela manutenção dos termos da Nota DECOR/CGU/AGU n.º
218/2009, do Parecer n.º 2/2009/DECOR/CGU/AGU e do Parecer n.º 1/2011/JAB/CGU/AGU no
que se refere ao entendimento de que a consumação da decadência prevista no art. 54 da
Lei n.º 9.784/99 independe da gravidade do vício que macula o ato administrativo,
rejeitando-se, por conseguinte, a tese desenvolvida no Parecer PGFN/CJU/COJPN n.º
1418/2012.
1 0 . No entanto, a partir do julgamento do Mandado de Segurança n.º 28.279/DF pelo
Plenário do Supremo Tribunal Federal em 16/12/2010 (DJe de 29/04/2011), foi iniciada a consolidação da
jurisprudência no sentido de se impedir que situações flagrantemente inconstitucionais sejam
alcançadas pela decadência inscrita no art. 54 da Lei n.º 9.784/99.
11. Eis a ementa do citado Mandado de Segurança n.º 28.279/DF:
MANDADO DE SEGURANÇA. ATIVIDADE NOTARIAL E DE REGISTRO . INGRESSO. CONCURSO
PÚBLICO. EXIGÊNCIA. ARTIGO 236, PARÁGRAFO 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL . NORMA
A U T O - A P L I C ÁV E L . DECADÊNCIA PREVISTA NO ARTIGO 54 DA LEI
9.784/1999.INAPLICABILIDADE A SITUAÇÕES INCONSTITUCIONAIS. PREVALÊNCIA DOS
PRINCÍPIOS REPUBLICANOS DA IGUALDADE, DA MORALIDADE E DA IMPESSOALIDADE.
SUBSTITUTO EFETIVADO COMO TITULAR DE SERVENTIA APÓS A PROMULGAÇÃO DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IMPOSSIBLIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. O art. 236, § 3º, da
Constituição Federal é norma auto-aplicável. 2. Nos termos da Constituição Federal,
sempre se fez necessária a submissão a concurso público para o devido provimento de
serventias extrajudiciais eventualmente vagas ou para fins de remoção. 3. Rejeição da tese
de que somente com a edição da Lei 8.935/1994 teria essa norma constitucional se tornado
auto-aplicável. 4. Existência de jurisprudência antiga e pacífica do Supremo Tribunal
Federal no sentido da indispensabilidade de concurso público nesses casos (Ações Diretas
de Inconstitucionalidade 126/RO, rel. Min. Octavio Gallotti, Plenário, DJ 05.6.1992; 363/DF,
552/RJ e 690/GO, rel. Min. Sydney Sanches, Plenário, DJ 03.5.1996 e 25.8.1995; 417/ES, rel.
Min. Maurício Corrêa, Plenário, DJ 05.5.1998; 3.978/SC, rel. Min. Eros Grau, Plenário, DJe
29.10.2009). 5. Situações flagrantemente inconstitucionais como o provimento de serventia
extrajudicial sem a devida submissão a concurso público não podem e não devem ser
superadas pela simples incidência do que dispõe o art. 54 da Lei 9.784/1999, sob pena de
subversão das determinações insertas na Constituição Federal. 6. Existência de
jurisprudência consolidada da Suprema Corte no sentido de que não há direito adquirido à
efetivação de substituto no cargo vago de titular de serventia, com base no art. 208 da
Constituição pretérita, na redação atribuída pela Emenda Constitucional 22/1983, quando a
vacância da serventia se der já na vigência da Constituição de 1988 (Recursos
Extraordinários 182.641/SP, rel. Min. Octavio Gallotti, Primeira Turma, DJ 15.3.1996;
191.794/RS, rel. Min. Maurício Corrêa, Segunda Turma, DJ 06.3.1998; 252.313-AgR/SP, rel.
Min. Cezar Peluso, Primeira Turma, DJ 02.6.2006; 302.739-AgR/RS, rel. Min. Nelson Jobim,
Segunda Turma, DJ 26.4.2002; 335.286/SC, rel. Min. Carlos Britto, DJ 15.6.2004;
378.347/MG, rel. Min. Cezar Peluso, DJ 29.4.2005; 383.408-AgR/MG, rel. Min. Ellen Gracie,
Segunda Turma, DJ 19.12.2003; 413.082-AgR/SP, rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, DJ
05.5.2006; e 566.314/GO, rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 19.12.2007; Agravo de Instrumento
654.228-AgR/MG, rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 18.4.2008). 7. Reafirmada a
inexistência de direito adquirido de substituto que preenchera os requisitos do art. 208 da
Carta pretérita à investidura na titularidade de Cartório, quando a vaga tenha surgido após
a promulgação da Constituição de 1988, pois esta, no seu art. 236, § 3º, exige
expressamente a realização de concurso público de provas e títulos para o ingresso na
atividade notarial e de registro. 8. Os princípios republicanos da igualdade, da moralidade e
da impessoalidade devem nortear a ascensão às funções públicas. 9. Segurança denegada.
(MS 28.279/DF, relatado pela Ministra Ellen Gracie e julgado em 16/12/2010 pelo Plenário
do STF, publicado no DJe de 29/04/2011).
12. Antes da reafirmação desse julgado, porém, o Supremo Tribunal Federal oscilou. Em
pelo menos quatro oportunidades admitiu expressamente a consolidação de situações flagrantemente
inconstitucionais pelo decurso do tempo.
13. Na Ação Civil Ordinária n.º 79, julgada em 15/03/2012 pelo Plenário do Supremo
Tribunal Federal, os princípios da segurança jurídica e da proteção à confiança legítima impediram a
decretação da nulidade de ato administrativo inconstitucional praticado há mais de cinquenta anos:
Ato administrativo. Terras públicas estaduais. Concessão de domínio para fins de
colonização. Área superiores a dez mil hectares. Falta de autorização prévia do Senado
Federal. Ofensa ao art. 156, § 2º, da Constituição Federal de 1946, incidente à data dos
negócios jurídicos translativos de domínio. Inconstitucionalidade reconhecida. Nulidade não
pronunciada. Atos celebrados há 53 anos. Boa-fé e confiança legítima dos adquirentes de
lotes. Colonização que implicou, ao longo do tempo, criação de cidades, fixação de famílias,
construção de hospitais, estradas, aeroportos, residências, estabelecimentos comerciais,
industriais e de serviços, etc. Situação factual consolidada. Impossibilidade jurídica de
anulação dos negócios, diante das consequências desastrosas que, do ponto de vista
pessoal e socioeconômico, acarretaria. Aplicação dos princípios da segurança jurídica e da
proteção à confiança legítima, como resultado da ponderação de valores constitucionais.
Ação julgada improcedente, perante a singularidade do caso. Votos vencidos. Sob pena de
ofensa aos princípios constitucionais da segurança jurídica e da proteção à confiança
legítima, não podem ser anuladas, meio século depois, por falta de necessária autorização
prévia do Legislativo, concessões de domínio de terras públicas, celebradas para fins de
colonização, quando esta, sob absoluta boa-fé e convicção de validez dos negócios por
parte dos adquirentes e sucessores, se consolidou, ao longo do tempo, com criação de
cidades, fixação de famílias, construção de hospitais, estradas, aeroportos, residências,
estabelecimentos comerciais, industriais e de serviços, etc.
(ACO 79/MT, relatada pelo Ministro Cezar Peluso, julgada pelo Plenário do Supremo Tribunal
Federal em 15/03/2012, DJe de 28/05/2012).
14. Em 2012, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal aceitou a aplicação da
decadência a ascensões funcionais nitidamente inconstitucionais em duas oportunidades:
MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. ANULAÇÃO DE ASCENSÕES
FUNCIONAIS CONCEDIDAS AOS SERVIDORES DO TRIBUNAL SUPERIOR DO
TRABALHO.PROCESSO ADMINISTRATIVO DE ANULAÇÃO INICIADO MAIS DE 5 ANOS APÓS A
VIGÊNCIA DA LEI 9.784/1999. DECADÊNCIA DO DIREITO DE ANULAR OS ATOS DE
ASCENSÃO. SEGURANÇA CONCEDIDA.
(MS 28953/DF, relatado pela Ministra Cármen Lúcia e julgado pela 1.ª Turma do STF em
28/02/2012, publicado no DJe de 28/03/2012)

AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUNAL DE CONTAS DA


UNIÃO.ANULAÇÃO DE ASCENSÕES FUNCIONAIS CONCEDIDAS AOS SERVIDORES DO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO . INCIDÊNCIA DA DECADÊNCIA PREVISTA
NO ART. 54 DA LEI Nº 9.784/99 . DIREITO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. SÚMULA
VINCULANTE Nº 3. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. DECADÊNCIA DO DIREITO DO
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO DE ANULAR ATOS DE ASCENSÃO FUNCIONAL DE
SERVIDORES DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO, REALIZADOS ENTRE
OS ANOS DE 1993 E 1995, APÓS O DECURSO DO PRAZO DECADENCIAL PREVISTO NO ART.
54 DA LEI Nº 9.784/99, CONTADO A PARTIR DE 1º DE FEVEREIRO DE 1999, DATA DE INÍCIO
DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 9.784/99. PRECEDENTES. NECESSIDADE DE SE GARANTIR O
CONTRADITÓRIO E A AMPLA DEFESA PARA A VALIDADE DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE
CONTAS DA UNIÃO. SÚMULA VINCULANTE Nº 3. 2. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
(MS 27561 AgR/DF, relatado pelo Ministro Dias Toffoli e julgado pela 1.ª Turma do STF em
11/09/2012, publicado no DJe de 04/10/2012)
15. A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal também aceitou a ascensão funcional e
aplicou o instituto da decadência:
MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. ANULAÇÃO DE ASCENSÕES
FUNCIONAIS CONCEDIDAS AOS SERVIDORES DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA
16ª REGIÃO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DE ANULAÇÃO INICIADO MAIS DE 5 ANOS APÓS A
VIGÊNCIA DA LEI 9.784/1999. DECADÊNCIA DO DIREITO DE ANULAR OS ATOS DE
ASCENSÃO.PRECEDENTES. SEGURANÇA CONCEDIDA.
(MS 31300/DF, relatado pela Ministra Cármen Lúcia e julgado pela 2.ª Turma do STF em
16/10/2012, publicado no DJe de 10/12/2012)
16. Somente no final de 2012, a partir do julgamento do Agravo Regimental no Mandado de
Segurança n.º 28273/DF, é que o Supremo Tribunal Federal passou a seguir uniformemente o decidido
no MS 28279/DF. Eis o teor da ementa do MS 28273 AgR/DF:
AGRAVO REGIMENTAL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA.
PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA.
AFASTAMENTO DE TITULARES DE SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS DA ATIVIDADE NOTARIAL E
DE REGISTRO SEM CONCURSO PÚBLICO, MEDIANTE DESIGNAÇÃO OCORRIDA APÓS O
ADVENTO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. LEGALIDADE. CONCURSO PÚBLICO.
EXIGÊNCIA. AGRAVO IMPROVIDO. I – O Supremo Tribunal Federal sempre se pronunciou no
sentido de que, sob a égide da Constituição de 1988, é inconstitucional qualquer forma de
provimento dos serviços notariais e de registro que não por concurso público; II – Não há
direito adquirido à efetivação em serventia vaga sob a égide da Constituição de 1988; III –
O exame da investidura na titularidade de cartório sem concurso público não está sujeito ao
prazo previsto no art. 54 da Lei 9.784/1999, por se tratar de ato manifestamente
inconstitucional. IV – Agravo regimental a que se nega provimento.
(MS 28273 AgR/DF, relatado pelo Ministro Ricardo Lewandowski e julgado pelo Plenário do
STF em 13/12/2012, publicado no DJe em 21/02/2013).
17. Desde então, o Plenário do Supremo Tribunal Federal vem seguindo a tese desenvolvida
no MS n.º 28.279/DF (MS 28440 ED-AgR/DF, MS 30014 AgR/DF, MS 26860/DF, MS 29270 AgR/PA, todos
julgados de 19/06/2013 a 10/04/2014).
18. Coerentemente, as duas Turmas do Supremo possuem inúmeros julgados no mesmo
sentido (Primeira Turma: MS 28276 ED/DF, MS 26888 AgR-Segundo/DF, MS 29192/DF, MS 30180 AgR/DF;
e Segunda Turma: MS 29787 AgR/DF, MS 28969 AgR/DF, MS 29698 AgR/DF, MS 28060 ED-AgR/DF, MS
27505 AgR/DF, MS 29731 AgR/DF, MS 27307 AgR-Segundo/DF, todos julgados entre 05/08/2014 e
21/10/2014).
19. Desse modo, percebe-se que hoje o Supremo Tribunal Federal não admite a aplicação
da decadência inscrita no art. 54 da Lei n.º 9.784/99 a situações flagrantemente inconstitucionais.
20. E como fica o entendimento sustentado por esta Advocacia-Geral da União na Nota
DECOR/CGU/AGU n.º 218/2009, no Parecer n.º 2/2009/DECOR/CGU/AGU, no Parecer n.º
1/2011/JAB/CGU/AGU e na Nota n.º 162/2012/DECOR/CGU/AGU?
21. Ora, parece ter havido superação parcial da tese consagrada nesta Advocacia-Geral da
União no sentido da interpretação extensiva do art. 54 da Lei n.º 9.784/99.
22. No que concerne aos fundamentos jurídicos das citadas manifestações desta Advocacia-
Geral da União, pode-se dizer, sem receio, que são firmes e lastreados em robusta doutrina e
jurisprudência firmada até então. Isso não se discute.
23. Em verdade, a tese que aceita a aplicação do art. 54 aos atos administrativos anuláveis
e nulos, incluindo neste grupo os atos inconstitucionais, parece mais coerente com o próprio sistema
constitucional vigente, uma vez que apenas em poucas passagens o princípio da segurança jurídica foi
afastado em homenagem ao valor justiça (arts. 5.º, XLII e XLIV; e 37, § 5.º).
24. Todavia, a consolidação da tese contrária no Supremo Tribunal Federal – intérprete
maior e último da Constituição – não pode ser desconsiderada: tem-se afastado os atos administrativos
flagrantemente inconstitucionais do campo de incidência do art. 54 da Lei n.º 9.784/99.
25. Vale dizer, ainda, que recentemente, no Acórdão n.º 1154/2014, o Plenário do Tribunal
de Contas da União deixou de aplicar a decadência em caso de acumulação inconstitucional de cargos
públicos:
(...)
Relatório:
Cuidam os autos de auditoria realizada pela Secretaria de Fiscalização de Pessoal (Sefip) no
Comando do Exército, no período entre 15/8/2011 e 1º/6/2012, com o objetivo de verificar a
existência de casos de acumulação de vencimentos, proventos ou pensões, por militares da
ativa, da reserva, reformados e pensionistasem desconformidade com o que dispõe a
Constituição Federal de 1988, legislação e jurisprudência pertinentes.
Após a realização de inúmeras sindicâncias pelo Comando do Exército que asseguraram aos
interessados o direito ao contraditório e à ampla defesa, restaram identificadas pela Sefip
as seguintes irregularidades:
a) 659 militares da ativa acumulando cargos públicos, em desrespeito ao art. 142, § 3º,
incisos II e III, da CF/1988;
b) 96 militares da reserva ou reformados que, após a passagem para a inatividade,
ingressaram em cargos públicos inacumuláveis, em desrespeito ao art. 37, § 10, da
CF/1988;
c) 73 militares da reserva ou reformados que acumularam cargos públicos ilicitamente
quando estavam na ativa, em desrespeito ao art. 94, § 3º, da CF/1967 (redação original),
art. 93, § 4º, da CF/1967 (com redação dada pela EC 1/1969), art. 42, § 3º, da CF/1988
(redação original) e art. 142, § 3º, II, da CF/1988 (com redação dada pela EC 18/1998);
d) 6 pensões inacumuláveis instituídas em desrespeito ao art. 93, § 4º, da CF/1967 (com
redação dada pela EC 1/1969), art. 42, § 3º, da CF/1988 (redação original), art. 29, II, da Lei
3.765/1960 e a jurisprudência do STJ (AgRg no Recurso Especial nº 853.016-RJ) e do TCU
(Acórdão 1.897/2011-TCU-Plenário).
Por meio de despacho proferido em 25/1/2013 (peça 99), determinei, com fundamento no
art. 250, V, do RI/TCU, a oitiva do Comando do Exército acerca das conclusões da equipe de
auditoria, promovida por meio do ofício 1.214/2013-TCU/SEFIP, de 6/2/2013 (peça 100).
Examina-se, neste momento, a resposta à oitiva apresentada pelo Comando do Exército em
24/4/2013 (peças 112 e 114).
Transcrevo a seguir a instrução de mérito da unidade técnica (peça 116):
‘1. INTRODUÇÃO E HISTÓRICO
Trata-se de auditoria realizada pela Secretaria de Fiscalização de Pessoal (Sefip), no
Comando do Exército, no período de 15/8/2011 a 1/6/2012. A auditoria deu-se em
cumprimento ao Despacho proferido pelo Exmo. Sr. Ministro Weder de Oliveira, em
28/7/2011, no TC 017.557/2011-9, com o objetivo de se verificar se há casos de
acumulação de vencimentos, proventos ou pensões, por militares da ativa, da reserva,
reformados e pensionistas em desconformidade com o que dispõe a Constituição Federal
de 1988, legislação e jurisprudência pertinentes.
(...)
CONCLUSÃO E PROPOSTA
47. Conclui-se que as justificativas apresentadas pelo Comando do Exército não afastam o
entendimento desta SEFIP de que os militares profissionais de saúde da ativa devem ser
tratados de forma isonômica aos demais militares da Força, por estarem sujeitos aos
mesmos direitos e deveres inerentes à carreira militar e, portanto, devem seguir as
disposições do art. 142, § 3º, II, da CF/1988, c/c arts, 117 e 122 da Lei 6.880/1980.
Conforme tais preceitos legais, é sabido que o militar da ativa, ao assumir outro cargo ou
emprego público, é compelido a passar, imediatamente, para a reserva não remunerada.
No entanto, para aqueles casos que refletiam situação irregular em período passado, mas
que a irregularidade foi sanada até o momento da auditoria, conforme análise caso a caso,
esta Sefip considerou como resolvida a situação irregular, sem necessidade de qualquer
outra medida. Contudo, como já comentado anteriormente, há que se frisar que esse tipo
de irregularidade deve ser evitado no âmbito do Exército com a adoção de mecanismos de
controle durante o processo seletivo para a ocupação dos cargos da área de saúde, bem
como a realização de recadastramento periódico desses profissionais com expressa
constatação da possível ocorrência de acumulação indevida de cargos públicos, seja em
caráter efetivo como temporário.
(...)
O Comando do Exército expôs as seguintes considerações em relação a esse item (peça
114, p. 13-14):
(...)
c) ainda dentro desse tema, o Comando do Exército apresentou argumento, no relatório de
fiscalização, acerca da aplicação do art. 54, da Lei 9.784/1999, que impediria a
Administração de desconstituir atos de reforma que já tenham sido julgados legais pelo
TCU há mais de 5 (cinco) anos, vindo a evitar, assim, que a acumulação de militar inativo
com vencimentos de cargo público ou com proventos de aposentadoria civil fosse
considerada irregular. Entretanto, na resposta à oitiva, o Comando do Exército concorda
com o exposto no relatório de fiscalização de que não há como se alegar, nos casos
identificados na auditoria, a decadência do direito do TCU em desconstituir situações
irregulares de acúmulo de cargos públicos;
(...)
59. Dando continuidade às argumentações apresentadas pelo Comando do Exército,
especificamente em relação à letra c) do item 51, acerca do instituto da decadência, cabe
transcrever o art. 54:
Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram
efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que
foram praticados, salvo comprovada má-fé.
§ 1.º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da
percepção do primeiro pagamento.
§ 2.º Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade
administrativa que importe impugnação à validade do ato.
6 0 . Conforme já exposto no relatório de fiscalização, as normas constitucionais que
disciplinam a acumulação de cargos são autoaplicáveis e, conforme decisão do STF no MS
28279/DF, o art. 54 da Lei 9.784/1999 não se aplica quando se trata de descumprimento de
norma dessa natureza:
‘MANDADO DE SEGURANÇA. ATIVIDADE NOTARIAL E DE REGISTRO. INGRESSO. CONCURSO
PÚBLICO. EXIGÊNCIA. ARTIGO 236, PARÁGRAFO 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NORMA
AUTO-APLICÁVEL. DECADÊNCIA PREVISTA NO ARTIGO 54 DA LEI 9.784/1999.
INAPLICABILIDADE A SITUAÇÕES INCONSTITUCIONAIS. PREVALÊNCIA DOS PRINCÍPIOS
REPUBLICANOS DA IGUALDADE, DA MORALIDADE E DA IMPESSOALIDADE. SUBSTITUTO
EFETIVADO COMO TITULAR DE SERVENTIA APÓS A PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA.’
61. Dentro desse contexto, cabe evidenciar que, ainda que se decidisse pela aplicação do
art. 54 da Lei 9.784/1999, o mesmo não se aplica aos casos de comprovada má-fé, como
por exemplo, quando o servidor apresenta declaração falsa ou omissa de acumulação de
cargos. Além disso, a contagem do prazo quinquenal previsto no referido artigo dependeria
de ato administrativo manifestando a legalidade da acumulação. E, na maioria das vezes, a
acumulação não é nem mesmo do conhecimento da Administração, de modo que não seria
razoável a alegação de desrespeito ao princípio da segurança jurídica, no qual se baseia o
art. 54 da Lei 9.784/1999. Caso fosse comprovado que o TCU analisou as acumulações
impugnadas quando da apreciação dos respectivos atos de reforma, seria pertinente se
discutir sobre decadência ou prescrição, mas nenhum caso enquadrado nessa situação foi
identificado na auditoria. O próprio TCU possui o prazo de cinco anos para promover a
revisão de ofício de atos apreciados pela legalidade, nos termos do art. 260, § 2º, do RI-
TCU.
Voto:
(...)
O Comando do Exército, em resposta à oitiva, corroborou o posicionamento externado pela
unidade técnica(peça 114, p. 14):
‘[...] há que se concordar, também, com o concluído no Relatório de Fiscalização 751/2011
de que ‘não há como se alegar, nos casos identificados nesta auditoria, a decadência do
direito deste Tribunal agir com o intuito de desconstituir situações irregulares de acúmulo
de cargos públicos’ e que ‘a permissão para que o militar inválido possa, por meios
estranhos a atividade castrense, prover sua própria subsistência, não o habilita a ofender a
ordem constitucional exercendo um cargo público não acumulável com a percepção dos
proventos advindos da reforma.’
Portanto, demonstrada a impossibilidade de acumulação de proventos militares de reserva
ou reforma com remuneração de cargo civil permanente não acumuláveis, nos termos do
art. 37, § 10, da Constituição Federal, acompanho a proposta de determinar ao Comando
do Exército que, observado o direito ao contraditório e à ampla defesa, adote as medidas
necessárias para extinguir as acumulações inconstitucionais aqui examinadas no prazo de
120 dias, utilizando, por paradigma, os procedimentos previstos no art. 133 da Lei
8.112/1990, aplicável aos casos da acumulação indevida de cargos públicos na esfera civil.
(...)
Acórdão:
VISTOS, relatados e discutidos esses autos que tratam de auditoria realizada no Comando
do Exército com o objetivo de verificar a existência de casos de acumulação ilegal de
cargos, empregos ou funções públicas, bem como de proventos e pensões, por militares da
ativa, da reserva, reformados e instituidores de pensão, em desconformidade com o que
dispõem a Constituição Federal, a legislação e a jurisprudência pertinentes.
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão do Plenário,
diante das razões expostas pelo Relator, em:
9.1. determinar ao Comando do Exército a adoção das seguintes providências, observado o
direito ao contraditório e à ampla defesa, podendo utilizar, por paradigma, os
procedimentos previstos no art. 133 da Lei 8.112/1990, aplicável aos casos de acumulação
indevida de cargos públicos na esfera civil:
9.1.1. no que se refere aos militares da ativa pertencentes ao quadro de saúde que
acumulam cargos públicos exclusivos de profissionais de saúde (tabelas 1 e 2, peças 23 e
24), verifique a existência de compatibilidade de horários, para que se possa fazer incidir
sobre tais situações a nova redação dos incisos II e III do § 3º do art. 142 da Constituição
Federal, dada pela EC 77/2014, e apresente a este Tribunal, em 180 (cento e oitenta dias),
os resultados dessa verificação;
9.1.2. no que se refere aos demais militares da ativa que acumulam cargos públicos, não
abrangidos no item 9.1.1, em desrespeito ao art. 142, § 3º, II e III, da Constituição Federal
(tabelas 1 e 2, peças 23 e 24), interrompa as acumulações inconstitucionais no prazo de até
120 (cento e vinte) dias contados a partir da ciência desta deliberação;
9.1.3. no que se refere aos militares da reserva ou reformados que, após a passagem para
a inatividade, ingressaram em cargos públicos inacumuláveis (tabelas 5 e 6, peças 27 e
28), interrompa a acumulação irregular, no prazo de 120 (cento e vinte) dias, contados a
partir da ciência desta deliberação;
9.1.4. no que se refere aos militares da reserva ou reformados que acumularam cargos
públicos ilicitamente quando estavam na ativa, em desacordo com a legislação que lhes é
aplicável (tabela 10, peça 32), excetos aqueles relativos aos militares pertencentes ao
quadro da saúde que acumularam cargos públicos exclusivos de profissionais de saúde,
bem como os militares que, até a data de publicação da Lei 9.297/1996, assumiram cargo
público de professor, adote medidas, no prazo de 120 (cento e vinte) dias, contados a partir
da ciência desta deliberação, com vistas a regularizar a acumulação irregular, uma vez que
o exercício concomitante dos dois cargos ocorreu enquanto o militar ainda se encontrava
na ativa;
9.1.5. no que se refere às pensões instituídas por Manoel Felix de Lima, Aluizio Gomes de
Almeida, Odilon Mattos Rasquin, José Carneiro da Cunha e João Porfirio de Lima Cordão,
instituídas em desacordo com o art. 93, § 4º, da Constituição Federal de 1967 (com
redação dada pela Emenda Constitucional 1/1969), art. 42, § 3º, da Constituição Federal
(redação original), art. 29, II, da Lei 3.765/1960 e à jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça (AgRg no Recurso Especial 853.016-RJ) e deste Tribunal (acórdão 1897/2011-TCU-
Plenário), adote medidas, no prazo de 120 (cento e vinte) dias, contados a partir da ciência
desta deliberação, com vistas a interromper os pagamentos de pensões inacumuláveis
(peça 74, p. 1-32);
9.1.6. apure os indícios de acumulação ilegal pendentes de análise (peças 37-39 e 78-79) e
regularize os casos em que se concluir pela ilegalidade, no prazo de 180 (cento e oitenta)
dias, contados a partir da ciência desta deliberação;
9.1.7. investigue, na sua jurisdição, se há militares reformados recebendo, ou que
receberam, auxílio-invalidez concomitantemente ao exercício de atividade remunerada em
cargos públicos civis e, se existirem, providencie a imediata suspensão do pagamento do
benefício, no prazo de 120 (cento e vinte) dias, contados a partir da ciência desta
deliberação, bem como a restituição ao erário dos valores indevidamente pagos nos últimos
cinco anos;
9.2. determinar ao Comando do Exército que informe a esta Corte de Contas, até o
vencimento dos respectivos prazos para o cumprimento das determinações ora expedidas,
as providências adotadas e os resultados obtidos em cada caso;
9.3. determinar à Sefip que proceda ao monitoramento do cumprimento das determinações
em processo específico;
9.4. dar ciência desta deliberação ao Comando do Exército, para a adoção das providências
ora determinadas, e ao Ministério da Defesa, para supervisão ministerial;
9.5. arquivar o processo após as comunicações cabíveis.
26. Ante o exposto, entende-se que a atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
sinaliza no sentido de que esta Advocacia-Geral da União passe a sustentar a impossibilidade de
aplicação da decadência inscrita no art. 54 da Lei n.º 9.784/99 aos atos administrativos flagrantemente
inconstitucionais, o que implicaria a revisão do contido na Nota DECOR/CGU/AGU n.º 218/2009, no
Parecer n.º 2/2009/DECOR/CGU/AGU, no Parecer n.º 1/2011/JAB/CGU/AGU e na Nota n.º
162/2012/DECOR/CGU/AGU, tudo a depender, evidentemente, da avaliação criteriosa das autoridades
superiores desta Advocacia-Geral.
À consideração superior.
Brasília, 22 de janeiro de 2015.

Antonio dos Santos Neto


Advogado da União
Matrícula SIAPE n.º 1507736
OAB/DF n.º 24.052

Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br


mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 23079024409200445 e da chave de
acesso 2d8ab7b3

Documento assinado eletronicamente por ANTONIO DOS SANTOS NETO, de acordo com os normativos
legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 1175401
no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): ANTONIO DOS
SANTOS NETO. Data e Hora: 28-01-2015 18:02. Número de Série: 2354148774697928242. Emissor: AC
CAIXA PF v2.

Você também pode gostar