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PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Da supremacia do interesse público sobre o privado e da indisponibilidade do interesse


público, anteriormente referidos, decorrem todos os demais princípios que orientam o Direito
Administrativo.

Os princípios - que podem ser expressos ou implícitos - determinam o alcance e o


sentido do conjunto de regras que compõem um dado subsistema do ordenamento jurídico,
balizando a interpretação e a própria produção normativa.

No artigo 37, “caput”, da Constituição da República de 1988, estão expressos cinco


princípios, quais sejam: Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade, Eficiência:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos
estados, do Distrito Federal e dos municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...]

Quem ainda não ouviu falar do famoso LIMPE? Trata-se de processo mnemônico para facilitar o
aprendizado dos princípios explícitos na CRFB/88 que regem a Administração Pública: Legalidade,
Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência.

Além destes, alguns outros princípios decorrem da Carta Magna, como a isonomia, o
contraditório e a ampla defesa; além do que outros se encontram implícitos nas normas
constitucionais ou expressos em disposições infraconstitucionais.

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A própria Lei nº 9.784/99, que regula o processo administrativo, trata expressamente
sobre outros princípios, tais como a finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, ampla
defesa, contraditório, segurança jurídica e interesse público:

Art. 2º. A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade,
finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa,
contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Todos esses princípios devem ser observados por toda a Administração Pública, direta
ou indireta, de qualquer Ente Federativo (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). Ainda,
particulares que estejam no exercício de função pública também devem respeitar e agir consoantes
tais princípios.

1. Princípio da Legalidade

Esse princípio assegura que o Estado deve obediência ao ordenamento jurídico. Trata-
se de freio à atuação estatal arbitrária e irresponsável.

Significa que toda e qualquer atividade administrativa deve ser autorizada por lei.
Dessa forma, caso não haja previsão legal, está proibida a atuação do agente público e qualquer
conduta praticada ao arrepio do texto legal será considerada ilegítima.

O princípio da legalidade tem duas acepções. Para os particulares vige a autonomia


privada, não sendo exigida a previsão legal como requisito para atuação dos cidadãos, ou seja, aos
particulares, tudo que não está proibido, está juridicamente permitido. É o chamado princípio da
não contradição à lei. Já no âmbito público, conforme já mencionado, os agentes públicos só
podem atuar diante de autorização legal. É o chamado princípio da subordinação à lei.

Faz-se necessário lembrar que o princípio da legalidade não exclui a atuação


discricionária do agente público, justamente porque a própria lei admite o uso desse juízo de
escolha e a análise da conveniência e da oportunidade em prol do interesse público. Como a
Administração não pode prever todos os casos onde atuará, deverá valer-se da discricionariedade
para acender a finalidade legal, devendo, todavia, a escolha se pautar em critérios que respeitem
os princípios constitucionais como a proporcionalidade e razoabilidade.

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A prática de atos discricionários não se confunde com a prática de atos arbitrários, os quais
representam um abuso, haja vista serem praticados fora dos limites da lei. Portanto, só é legítima
a atividade do administrador, se estiver condizente com o dispositivo legal.

Outrossim, não se confunde a legalidade com o princípio da Reserva Legal que


determina a aplicação de determinada espécie normativa a uma atuação definida no texto
constitucional. Assim sendo, algumas matérias devem ser tratadas por meio de lei ordinárias e
outras por lei complementar, por expressa determinação da Constituição da República que não
exige somente o respeito à lei, mas sim à espécie normativa definida em seus termos.

Não obstante a exigência de a lei ser a regra, em determinadas situações, o texto


constitucional restringe este princípio:

• Edição de medidas provisórias (Constituição Federal, art. 62);


• Estado de sítio (Constituição Federal, arts. 137 a 139);
• Estado de defesa (Constituição Federal, art. 136).

Nesses casos, o Poder Executivo pode impor restrições aos direitos individuais a fim de
enfrentar questões excepcionais, urgentes e relevantes.

Também não se deve confundir a legalidade com a legitimidade e a juridicidade.


Enquanto a legalidade significa agir conforme o texto da lei, a legitimidade denota obedecer não
só a lei, mas também os demais princípios. Já a juridicidade passa a exigir que a atuação da
Administração Pública além de baseada em lei esteja voltada para os anseios da coletividade e
sempre atendendo à moral.
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Ainda, a título de exemplo da aplicação do princípio da legalidade, existem
entendimentos já sumulados pelo Supremo Tribunal Federal:
• Súmula Vinculante nº 44: “Só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a
habilitação de candidato a cargo público”.
• Súmula nº 683: “O limite de idade para a inscrição em concurso público só se
legitima em face do art. 7º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado
pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido”.

2. Princípio da Impessoalidade

A impessoalidade serve para garantir que a atuação da administração pública vise tão
somente à satisfação do interesse público. Assim, o administrador não pode atuar buscando atingir
interesses próprios, tampouco pode atuar visando prejudicar alguém, ou seja, para o Estado, é
irrelevante conhecer quem será atingido pelo ato, pois sua atuação é impessoal. O agente fica
proibido de priorizar qualquer inclinação ou interesse seu ou de outrem.

Tal princípio deve ser analisado sob quatro perspectivas:

• Dever de isonomia: estabelece que os atos administrativos devem ser praticados


ao interesse público, impedindo que a Administração se beneficie ou prejudique
pessoa específica;
• Dever de conformidade aos interesses públicos: se confunde com o princípio
da finalidade, o qual impõe que o fim a ser buscado pelo administrador deve ser
aquele prescrito pela lei. Assim, o ato praticado com objetivo diverso do interesse
público será nulo, por desvio de finalidade;
• Vedação à promoção pessoal do agente: as realizações governamentais não
devem ser atribuídas ao agente ou à autoridade que as pratica, tendo em vista
que são apenas meio de manifestação da vontade estatal. Neste sentido, o art.
37, §1º, da CF veda a promoção pessoal do agente nas publicidades de governo;
• Imputabilidade: a doutrina moderna acrescenta ainda, ao entendimento
tradicional, uma nova perspectiva do princípio da impessoalidade. Com efeito, a
impessoalidade deve ser enxergada também sob a ótica do agente. Nesse sentido,
deve-se considerar que o ato não deve ser atribuído à pessoa do servidor público,

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mas à Administração, sendo o agente mero executor. Corresponde à Teoria do
Órgão ou Teoria da Imputação Volitiva.

Um exemplo da incidência deste princípio ocorre na impessoalidade para a contratação


de pessoas, que deve ser precedida, em regra, por concurso, conforme exigências do edital,
ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e
exoneração (art. 37, II, da Constituição Federal). Cite-se, também, a realização de licitação pública
para a contratação de obras, serviços, compras e alienações (art. 37, XXI, da Constituição Federal).

É importante destacar também que, para prestigiar a impessoalidade, a indisponibilidade


do interesse público e a moralidade, a nomeação de parentes ou cônjuge da autoridade pública
é conduta que vai de encontro a todos estes princípios e não encontra qualquer respaldo no
ordenamento constitucional vigente.

Trata-se de garantia, portanto, da vedação do nepotismo. A matéria já era objeto de


regulamentação legal na lei 8112/90, em seu art. 117, VIII.

Apenas em 2008, o Supremo Tribunal Federal expediu a Súmula Vinculante nº 13 que


dispõe que "A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por
afinidade, até investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo
em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada na Administração Pública direta e
indireta, em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios,
compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal".

No mesmo sentido, o Supremo Tribunal Federal já firmou tese de repercussão geral


sobre esse tema, assentando o entendimento de que a vedação do nepotismo não depende de lei
formal para coibir a prática, dado que a proibição decorre diretamente da Constituição Federal.
Ainda, entende que, caso exista lei formal, esta não é de competência exclusiva do Chefe do Poder
Executivo, podendo ser elaborada pelo Poder Legislativo. Esses entendimentos foram firmados nos
Temas 29 e 66, colecionados ao final deste Capítulo, na sessão de jurisprudência correlata.

Não obstante, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido da


inaplicabilidade da vedação ao nepotismo quando se tratar de nomeação de agentes para o
exercício de cargos políticos, como é o caso de secretário ou de ministro de estado, situação na
qual a nomeação do munus público é transferido por meio da nomeação.

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Desse modo, a Súmula Vinculante 13 não se aplica para cargos públicos de natureza
política. Assim, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, geralmente, tem excepcionado a
regra sumulada e garantido a permanência de parentes de autoridades públicas em cargos
políticos.

Entretanto, o STF também prevê a exceção da exceção: poderá ficar caracterizado o


nepotismo mesmo em se tratando de cargo político caso fique demonstrado:

• Nepotismo cruzado;
• Fraude à lei;
• Inequívoca falta de razoabilidade na nomeação por manifesta ausência de
qualificação técnica ou inidoneidade moral do nomeado.

Por fim, ainda quanto ao princípio da impessoalidade, importante mencionar que o


Supremo Tribunal Federal, interpretando o disposto no art. 37, §1º, da Constituição Federal,
assentou entendimento nos seguintes termos:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO ADMINISTRATIVO.


IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PROPAGANDA INSTITUCIONAL. CARACTERIZAÇÃO DE
PROPAGANDA PESSOAL. VEDAÇÃO. PRECEDENTES. SÚMULA 279/STF. O Supremo Tribunal
Federal, interpretando o disposto no art. 37, § 1º, da Constituição Federal, assentou que o “
rigor do dispositivo constitucional que assegura o princípio da impessoalidade vincula a
publicidade ao caráter educativo, informativo ou de orientação social é incompatível com
a menção de nomes, símbolos ou imagens, aí incluídos slogans, que caracterizem
promoção pessoal ou de servidores públicos”

Ainda, observe que, em que pese o princípio da impessoalidade seja explícito no rol do
art. 37 da CF/88, é implícito no rol da Lei nº 9784/99, razão pela qual você deve sempre estar
atento ao enunciado da questão.

3. Princípio da Moralidade

Este princípio está relacionado com a ideia de honestidade, boa conduta e atuação ética
dos agentes públicos. Assim, não há conceito determinado de moralidade e a Constituição de 1988
inovou ao prever este princípio, que não estava expresso em nenhuma Constituição pretérita.

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A moral administrativa não se confunde com a moral comum, isto é, com a ideia que o
agente público faz sobre o que é certo e o que é errado. O que importa é a noção objetiva do
conceito, compreendida como moral jurídica ou relacionada à boa administração. Ademais, o dever
de agir com moralidade é um comando destinado não só ao agente público, mas também aos
particulares que mantêm relação com o Poder Público.

Além de agir dentro da legalidade, o administrador público tem que agir com
honestidade e com lealdade, de acordo com a ética e a moral. Reitera-se que a moralidade é um
requisito de validade do ato administrativo, razão pela qual, caso o ato esteja eivado de
imoralidade, poderá ser invalidado tanto pela própria Administração, quanto pelo Poder Judiciário.

Acrescente-se, ainda, que, quanto à necessidade de preservar os padrões de moralidade


no serviço público, destaca-se a vedação da prática do nepotismo, sem dúvida uma das formas de
improbidade na Administração.

Para que você faça uma conexão com o Direito Processual Civil e o Direito Constitucional,
recorde-se que o princípio da moralidade deve ser tutelado através dos seguintes instrumentos:

• Ação popular;
• Ação de improbidade administrativa;
• Ação civil pública.

Cabe também mencionar que tal princípio tem dimensão autônoma em relação ao
princípio da legalidade, pois não se refere apenas à violação das leis, como preceitua este princípio,
indo além e abarcando outras condutas imorais que prejudicam o interesse público.

Além disso, foram editadas diversas leis que buscam dar respaldo legal ao princípio da
moralidade, visando coibir a prática de atos imorais, dentre as quais destacam-se a Lei nº 8.429/92
(Lei de Improbidade Administrativa) e a Lei nº 12.846/13 (Lei Anticorrupção), que estudaremos,
com profundidade, respectivamente, nos capítulos 14 e 23.

Sobre esse princípio, importante pontuar, ainda, o entendimento do Superior Tribunal


de Justiça:

“A demora excessiva e injustificada da Administração para cumprir obrigação que a própria


Constituição lhe impõe é omissão violadora do princípio da eficiência, na medida em que
denuncia a incapacidade do Poder Público em desempenhar, num prazo razoável, as
atribuições que lhe foram conferidas pelo ordenamento (nesse sentido, o comando do art. 5

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º, LXXVIII, da CF). Fere, também, a moralidade administrativa, por colocar em xeque a
legítima confiança que o cidadão comum deposita, e deve depositar, na Administração.
Por isso que semelhante conduta se revela ilegal e abusiva, podendo ser coibida pela via
mandamental, consoante previsto no art. 1.º, caput, da Lei n. 12.016, de 7 de agosto de 2009"
(STJ, MS 19.132/DF, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Seção, DJe 27.3.2017).

4. Princípio da Publicidade

Exprime a ideia de que a atuação da administração pública deve alcançar o máximo de


transparência possível. Via de regra, todos os atos administrativos devem ser públicos.

No intuito de permitir à sociedade cobrar transparência da Administração Pública, a


Constituição Federal prevê diversos institutos jurídicos, a exemplo do habeas data (art. 5º, LXXII),
mandado de segurança (art. 5º, LXIX), direito de petição aos Poderes Públicos (art. 5º XXXIV, alínea
“a”), direito à obtenção de certidões em repartições públicas (art. 5º, LXXXIV, alínea “b”) e a ação
popular (art. 5º, LXXIII).

Porém, esse princípio não é absoluto e poderá ser restringido nas hipóteses de
segurança da sociedade e do Estado e quando a intimidade ou o interesse social o exigirem (art.
5º, XXXIII e LX da Constituição Federal). No entanto, importante ressaltar que somente a lei – em
sentido formal – pode instituir regras de sigilo desse princípio.

Ademais, a publicidade não se confunde com a publicação dos atos. Via de regra, a
publicação é apenas uma das formas de dar publicidade aos atos administrativos, existindo outros
meios para esse fim, como notificação direta, divulgação pela internet e afixação de avisos.

Os atos externos devem ser divulgados através de publicação no órgão oficial. Para os
órgãos internos não há essa exigência, sendo suficiente que chegue ao conhecimento dos
destinatários. Ademais, nos municípios em que não exista impressa oficial, admite-se a
publicação dos atos por meio de afixação destes na sede da Prefeitura ou da Câmara de
Vereadores.

Ressalta-se que a publicidade é uma forma controle da Administração pelos cidadãos.


A sociedade só poderá controlar os atos administrativos se estes forem publicados.

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A doutrina também analisa a publicidade como requisito de eficácia – e não de
formação - dos atos administrativos, definindo que, mesmo depois de expedidos regularmente,
estas condutas não produzem efeitos em relação à sociedade antes de garantida sua publicidade.

Por fim, saliente-se que a conduta de negar publicidade a atos oficiais é tipificada pela
Lei nº 8429/92 como ato de improbidade na modalidade violadora de princípios administrativos.

5. Princípio da Eficiência

Esse princípio ficou consagrado no texto constitucional por meio da EC 19, de 1988
(único princípio do rol que foi acrescentado, não fazendo parte do texto originário da CF/88. Isso
já caiu em prova!). A referida emenda constitucional realizou a famosa Reforma Administrativa, que
tentou fazer com que o Estado abandonasse sua atuação calcada na burocracia, objetivando uma
atuação com mais resultados, eficiência e eficácia.

O princípio da eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida com maior
produtividade e redução dos desperdícios de dinheiro público. Também pode ser chamado de
princípio da qualidade dos servidores públicos.

A doutrina e a jurisprudência entendem, atualmente, que a eficiência é uma norma de


eficácia plena e de aplicabilidade imediata. O argumento utilizado é que a EC 19/98, além de
inserir o princípio da eficiência no art. 37, também trouxe outros modos de apuração da eficiência
por parte da Administração Pública.

Na Constituição da República de 1988 encontram-se vários exemplos de desdobramento


desse princípio, como:

• Exigência de avaliação especial de desempenho (art. 41);


• Exigência de participação em cursos de aperfeiçoamento (art. 39, §2º);
• Regulamentação da participação do usuário na Administração Pública, através de
reclamações, avaliações periódicas dos serviços, entre outras questões (art. 37, §3
º);
• Possibilidade de ampliar a autonomia gerencial, orçamentária e financeira
mediante contrato de gestão (art. 37, §8º);
• Previsão de que lei discipline a aplicação de recursos em programas de qualidade
e produtividade, treinamento e modernização do serviço público (art. 39, §7º);

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Esse princípio não alcança apenas o modo de atuação dos agentes públicos, a
Administração também deve observá-lo em relação ao modo de se organizar, se estruturar e
disciplinar os seus agentes.

Também é importante destacar que a eficiência se distingue da eficácia e da


efetividade. Enquanto a eficiência é a relação custo/benefício, a eficácia diz respeito ao alcance da
meta prevista e a efetividade compreende os resultados alcançados.

Com isso, terminamos o estudo dos princípios administrativos previstos expressamente


no artigo 37 do texto constitucional e passaremos ao estudo de outros princípios também
aplicáveis à seara administrativa. Alguns são apenas previstos implicitamente no texto
constitucional, mas são considerados de igual importância para a atuação dos agentes públicos.

6. Princípio do Contraditório e Ampla Defesa

São princípios expressos no texto constitucional de 1988, em seu artigo 5°, LV, e são
decorrência lógica do princípio do devido processo legal. Estão expressos, também, na Lei de
Processo Administrativo Federal. São implícitos, contudo, no rol do art. 37 da CF/88.

Apesar de serem princípios bem amplos, o texto constitucional determina explicitamente


a aplicação destes em sede de processos administrativos e o desrespeito a essas garantias enseja
a nulidade do processo e de todos os atos administrativos dele decorrentes.

O princípio do contraditório é, em síntese, o direito conferido ao particular de saber


o que acontece no processo administrativo ou judicial de seu interesse, é a garantia de se
manifestar sobre todas as alegações e provas trazidas pela parte contrária. Já a ampla defesa é
direito da parte de usar todos os meios legais para provar suas alegações e defender seus
argumentos

Sendo assim, não se afigura suficiente dar ao particular apenas o conhecimento do


feito, é preciso garantir a sua real participação.

No contexto administrativo, a ampla defesa merece destaque em alguns aspectos.


Vejamos:

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• Defesa Técnica: no que tange a essa garantia, a súmula 343 do Superior Tribunal
de Justiça define que é indispensável a presença de advogado em todas as fases
do processo administrativo disciplinar. Porém, a súmula vinculante nº 5 do STF
determina que “a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo
disciplinar não ofende a Constituição.” Assim, afasta-se a aplicabilidade da
súmula 343 do Superior Tribunal de Justiça, restando aos particulares acusados
em processos administrativos disciplinares a faculdade de se fazerem representar
por advogado;
• Defesa Prévia: via de regra, é necessário que o particular possa se manifestar
antes de ser proferida decisão administrativa. Todavia, em situações emergenciais,
nas quais o interesse público esteja em perigo, admite-se que a atuação
administrativa anteceda a manifestação do particular. Tais situações são
denominadas de contraditório diferido e admitidas em decorrência da
supremacia do interesse público sobre o privado.

Cabe mencionar, também, que o recurso na esfera administrativa é inerente à ampla


defesa, sendo inconstitucional a exigência de depósito prévio ou garantia para a interposição de
recurso administrativo, nos termos da Súmula Vinculante 21 do STF.

Você também não pode esquecer desses importantes enunciados que tratam sobre o contraditório
e ampla defesa e despencam em prova:

Súmula nº 373 do STJ: É ilegítima a exigência de depósito prévio para admissibilidade de recurso
administrativo.

Súmula Vinculante nº 3: Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o


contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato

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administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de
concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.

OBS: O STF possui nova orientação, no sentido de conceder direito ao contraditório e a ampla
defesa também quando a anulação do ato de aposentadoria ocorre depois de tempo razoável de
sua concessão (em média 5 anos), vide Tema 445 da Repercussão Geral, cuja tese fixada
transcrevemos a seguir:
TEMA 455 – TESE: Em atenção aos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, os
Tribunais de Contas estão sujeitos ao prazo de 5 anos para o julgamento da legalidade do ato de
concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão, a contar da chegada do processo à
respectiva Corte de Contas.

7. Princípio da Intranscedência

O princípio da intranscendência foi consagrado pelo STF em suas jurisprudências e inibe


a aplicação de sanções às entidades federativas por ato de gestão anterior, desde que se
demonstre que o novo administrador está tomando todas as providências necessárias a sanar
os prejuízos.

Nesses casos, quando a nova gestão toma todas as medidas para ressarcir o erário e
corrigir as falhas, o ente (Estado ou Município) não poderá ser incluído nos cadastros de
inadimplentes da União.

Nesse sentido, foi editada a Súmula 615 do Superior Tribunal de Justiça:

• Súmula n º 615: “Não pode ocorrer ou permanecer a inscrição do município em


cadastros restritivos fundada em irregularidades na gestão anterior quando, na
gestão sucessora, são tomadas as providências cabíveis à reparação dos danos
eventualmente cometidos”.

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8. Princípio da Autotutela

Também conhecido como princípio da sindicabilidade, a autotutela permite que a


administração reveja seus atos, seja para anulá-los quando eivados de vício ou para revogá-
los por motivo de conveniência e oportunidade.

Não se trata de uma mera faculdade, constituindo, em verdade, um dever. Isso porque
não se pode admitir que, diante de situações irregulares, a Administração permaneça inerte. Esse
poder da Administração está consagrado em entendimentos sumulados do Supremo Tribunal
Federal:

• Súmula nº 346: “A administração pública pode declarar a nulidade dos seus


próprios atos”.
• Súmula nº 473: “A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados
de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-
los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos
adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”.
• Súmula 611-STJ: “Desde que devidamente motivada e com amparo em
investigação ou sindicância, é possível a instauração de processo administrativo
disciplinar com base em denúncia anônima, em face do poder-dever de autotutela
imposto à Administração”.

Porém, tal princípio não é absoluto, eis que em alguns casos deve-se prestigiar a
segurança jurídica e a boa-fé. Por isso mesmo, a Lei nº 9.784/99, que regula o processo
administrativo federal, em seu artigo 54, indicou que o direito da Administração de anular atos
administrativos que resultam em efeitos favoráveis ao destinatário tem prazo decadencial de cinco
anos, salvo comprovada má-fé.

Ademais, o STF, no RE 594/MG, julgado em 21/09/2011, entendeu que o exercício da


autotutela administrativa, quando implique em desfazimento de atos administrativos que afetem
o interesse do administrado, deve ser precedido da instauração de procedimento no qual se dê a
oportunidade de contraditório.

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O princípio da autotutela não se confunde com a tutela administrativa. Autotutela é o controle
que a Administração, seja direta, seja indireta, exerce sobre seus próprios atos. Tutela Administrativa
é o controle finalístico que a administração direta exerce sobre a administração indireta, eis que
não há hierarquia entre elas.

9. Princípio da Continuidade dos Serviços Públicos

Baseia-se na ideia de que a prestação da atividade administrativa deve ser


ininterrupta, eis que muitas necessidades da sociedade são inadiáveis.

Tal princípio está expresso no art. 6°, § 1°, da Lei 8.987/95, como necessário para que o
serviço público seja considerado adequado. Vale ressaltar que o princípio da Continuidade está
intimamente ligado ao princípio da Eficiência, haja vista tratar-se de garantia de busca por
resultados positivos.

Deste princípio decorrem questionamentos relevantes para provas de concurso. São eles:

• É possível que o servidor público entre em greve? O questionamento surge a


partir da ideia de que a greve do servidor poderia interromper a execução dos
serviços públicos contrariando o princípio da continuidade. Inicialmente, cumpre
apontar que os servidores militares não têm direito de greve, por expressa
vedação constitucional. Já os servidores civis têm direito à greve. Porém, ao tratar
dos servidores públicos civis, em seu art. 37, VII, a CRFB/88 definiu o direito de
greve a estes agentes nos termos e condições estabelecidos em lei específica.
Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal já pacificou o entendimento de que o
direito de greve é norma de eficácia limitada e, diante da ausência de lei específica
a tratar da matéria, será utilizada a lei geral de greve (Lei 7.783/89);

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• É possível interromper a prestação de um serviço por inadimplemento do
usuário? A Lei 8.987/95, em seu art. 6, §3°, estabelece que não se caracteriza
como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência
ou após prévio aviso, quando for motivada por razões de ordem técnica ou de
segurança das instalações ou por inadimplemento do usuário, considerado o
interesse da coletividade. Apesar de a interrupção por inadimplemento do usuário
ser matéria divergente na doutrina nacional, é majoritário o posicionamento de
que será ilegal a paralisação de determinado serviço público por
inadimplemento do usuário, caso enseje a interrupção de um serviço essencial
à coletividade.
• O instituto da exceção de contrato não cumprido pode ser aplicado em
contratos administrativos? Exceptio rum adimpleti contractus é o direito de
suspender a execução do contrato em face do inadimplemento da outra parte.
Conforme disposição do art. 78, XV, da Lei 8.666/93, o particular tem direito de
invocar a exceção do contrato não cumprido, desde que a administração seja
inadimplente por mais de 90 (noventa) dias em relação aos seus pagamentos.

10. Princípio da Segurança Jurídica

Trata-se de princípio considerado um dos pilares do Estado Democrático de Direito:


ele visa inibir comportamentos contraditórios por parte da administração. O referido princípio está
consagrado no art. 2º, caput, da Lei nº 9.784/99, a qual regula o processo administrativo.

Pode-se afirmar que, se houver mudança de interpretação por parte da administração,


das normas legais, tais mudanças não podem ser aplicadas retroativamente, pois isso afrontaria
o princípio da segurança jurídica. Por exemplo, se o ente público chegar à conclusão de que
determinado servidor público não tem direito a certa quantia que já vinha recebendo, de boa-fé,
a algum tempo, a Administração não pode exigir que o servidor devolva esse valor.

Ademais, conforme já mencionado, existe um prazo decadencial a ser respeitado pela


Administração para que esta possa anular seus atos que geram efeitos favoráveis aos seus
destinatários: trata-se do prazo decadencial de 5 anos, previsto no art. 54, da Lei nº 9.784/99.

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O prazo decadencial supramencionado não se aplica quando o ato a ser anulado afronta
diretamente a CF/88. Observe-se importante julgado do Supremo Tribunal Federal acerca do tema:
“Não existe direito adquirido à efetivação na titularidade de cartório quando a vacância do cargo
ocorre na vigência da CF/88, que exige a submissão a concurso público (art. 236, § 3º). O prazo
decadencial do art. 54 da Lei nº 9.784/99 não se aplica quando o ato a ser anulado afronta
diretamente a Constituição Federal. O art. 236, § 3º, da CF é uma norma constitucional
autoaplicável. Logo, mesmo antes da edição da Lei 8.935/1994 ela já tinha plena eficácia e o
concurso público era obrigatório como condição para o ingresso na atividade notarial e de registro.
STF. Plenário. MS 26860/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 2/4/2014 (Info 741).”

11. Princípio da Proteção à Confiança

O princípio da proteção à confiança tem sido entendido como um desdobramento do


princípio da segurança jurídica, correspondendo ao aspecto subjetivo da segurança jurídica.

Em linhas gerais, defende-se, por meio desse princípio, que atos considerados ilegais
possam ser mantidos em nome da uma legítima expectativa criada por parte do administrado.
O referido princípio leva em conta a boa-fé do cidadão, que acredita e espera que os atos
praticados pelo Poder Público sejam lícitos e respeitados pela própria administração.

A doutrina costuma diferenciar os princípios da segurança jurídica e da proteção à


confiança. Nesse diapasão, o princípio da segurança jurídica se refere mais ao sentido objetivo,
dando estabilidade às relações jurídicas constituídas; já o princípio da proteção à confiança diz
respeito ao aspecto subjetivo, à crença do indivíduo na legalidade dos atos da Administração
Pública.

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12. Princípio da Razoabilidade e Proporcionalidade

A razoabilidade se destina a aferir a compatibilidade entre os meios empregados e os


fins visados. Já a proporcionalidade se destina a conter o excesso de poder, espera-se, com isso,
uma atuação proporcional do agente público, ou seja, um equilíbrio entre os motivos que deram
ensejo à prática do ato e a consequência jurídica da conduta.

Para que a conduta estatal observe o princípio da proporcionalidade deve apresentar


três fundamentos:
• Adequação: o meio empregado na atuação deve ser compatível com a finalidade;
• Necessidade: a conduta deve ser necessária, não havendo outro meio que cause
menos prejuízo para alcançar a finalidade;
Proporcionalidade em sentido estrito: as vantagens a serem obtidas devem superar as desvantagens.

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