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DIREITO

ADMINISTRATIVO

Maytê Ribeiro Tamura Meleto Barboza


Princípios do Direito
Administrativo: legalidade,
supremacia do interesse
público e publicidade
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Descrever o princípio da legalidade.


 Explicar o princípio da supremacia do interesse público.
 Definir o princípio da publicidade.

Introdução
No Direito Administrativo, assim como nas demais disciplinas, é muito
importante o estudo dos princípios que o norteiam. Isso porque são
eles que orientam a atuação da Administração Pública; ou seja, como
o Estado deve proceder no trato com os administrados e vice-versa. Os
princípios auxiliam na compreensão dessa matéria e fazem ser possível
acompanhar os ditames do seu regime jurídico.
Neste capítulo, você vai ler sobre alguns princípios do Direito Adminis-
trativo, como o da legalidade, o da supremacia do interesse público e o
da publicidade. É essencial saber como toda a atuação da Administração
Pública deve ter fundamento na legislação, bem como entender que o
interesse público é superior ao dos seus administrados, além de compre-
ender a real importância de se dar publicidade a todos os atos praticados.

Princípio da legalidade
A atuação da Administração Pública deve se dar de acordo com o estabelecido
em lei. O Estado, representado pelos seus administradores, não pode simples-
2 Princípios do Direito Administrativo: legalidade, supremacia do interesse público e publicidade

mente agir segundo a sua própria vontade, isto é, conforme aquilo que entenda
ser o correto. Toda a sua atuação deve ser pautada na legislação, o que confere
segurança jurídica não apenas à própria Administração Pública, mas também
a todos aqueles que por ela são administrados. Segundo Carvalho (2016, p. 61):

Com efeito, o administrador público somente pode atuar conforme determina


a lei, amplamente considerada, abarcando todas as formas legislativas, desde
o próprio texto constitucional até as leis ordinárias, complementares e dele-
gadas. É a garantia de que todos os conflitos sejam solucionados pela lei, não
podendo o agente estatal praticar condutas que considere devidas, sem que
haja embasamento legal específico. Dessa forma, no Direito Administrativo,
se aplica o princípio da subordinação à lei. Não havendo previsão legal, está
proibida a atuação do ente público e qualquer conduta praticada ao alvedrio
do texto legal será considerada ilegítima.

Assim, o administrador não pode agir de modo contrário às leis, nem


mesmo fazer algo que nelas não esteja previsto. Tudo o que a Administração
Pública se propuser a realizar deve ter embasamento legal; isto é, deve ser
previamente estabelecido pelo legislador. Entretanto, há a discricionariedade
do agente público, que não pode ser descartada. Mas como é possível falar
em discricionariedade se tudo o que a Administração Pública pode fazer
deve estar contido nas leis? Há de se ponderar que nem sempre é possível ao
legislador prever todos os casos possíveis na esfera administrativa.
Destarte, é possível que, em determinadas situações, o agente público
possa, pautando-se pelos critérios de conveniência e oportunidade, esco-
lher a melhor forma de atuação, tendo em vista o melhor para o interesse
público. Tal princípio se originou com o fim do Estado Absolutista, que
antecedeu o Estado de Direito. Neste último, o que se prioriza é a criação
de direitos e deveres por meio de leis, de forma diferente do que ocor-
ria anteriormente, já que todo o poder era concentrado na figura do rei
(SCATOLINO; TRINDADE, 2016). Nesse sentido, temos as palavras de
Carvalho (2016, p. 62):

Neste diapasão, se faz necessário lembrar que a Legalidade não exclui a atuação
discricionária do agente público, tendo essa que ser levada em consideração,
quando faz análise da conveniência e da oportunidade em prol do interesse
público. Como a administração não pode prever todos os casos onde atuará,
deverá valer-se da discricionariedade para atender a finalidade legal, devendo,
todavia, a escolha se pautar em critérios que respeitem os princípios constitu-
cionais como a proporcionalidade e razoabilidade de conduta, não se admitindo
a interpretação de forma a que o texto legal disponha um absurdo. Com efeito,
Princípios do Direito Administrativo: legalidade, supremacia do interesse público e publicidade 3

pode-se definir que há apenas uma ressalva a ser feita à discricionariedade


do administrador, quanto à sua análise de conveniência e oportunidade, no
que tange ao respeito dos princípios constitucionais aplicáveis à matéria.
Isso porque a prática de atos discricionários é completamente o oposto de
atos arbitrários, os quais representam um abuso, haja vista serem praticados
fora dos limites da lei. Portanto, só é legítima a atividade do administrador
se estiver condizente com o dispositivo legal.

Assim, mesmo quando age discricionariamente, o administrador deve


guiar-se à luz dos princípios constitucionais que orientam a matéria. Mesmo
quando a decisão for discricionária, não poderá ser arbitrária, abusiva, de modo
que sempre haverá um respeito às leis, ainda que indiretamente.
O respeito à legislação é o cerne do princípio da legalidade. Para que a
atuação do agente público não seja considerada arbitrária e tenha legitimidade,
é preciso que cumpra os parâmetros estabelecidos pelo legislador, porém,
de acordo com Carvalho (2016), o próprio Texto Constitucional menciona
situações excepcionais e admite que, nestes casos, a Administração Pública
possa deixar de cumprir o que diz a lei. São elas:

 edição de medidas provisórias;


 situações de estado de defesa;
 estado de sítio.

As medidas provisórias estão previstas no art. 62 da Constituição Federal.


Elas são adotadas pelo Presidente da República, em situações excepcionais, que
possuam relevância e requeiram urgência; posteriormente devem ser enviadas
para a apreciação do Congresso Nacional (CARVALHO, 2016). Vejamos o que
diz o caput do dispositivo constitucional retromencionado: “Art. 62 Em caso
de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas
provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso
Nacional” (BRASIL, 1988, documento on-line).

As medidas provisórias possuem força de lei, mas, se não forem convertidas em lei
no prazo de 60 dias (que poderá ser prorrogado uma vez, por igual período), perdem
a eficácia.
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Já o Estado de Defesa é um instrumento do Estado e sua previsão está


contida no art. 136 da Constituição Federal. Vejamos o que diz a Carta Magna
a esse respeito:

Art. 136 O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e


o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou
prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública
ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional
ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza (BRASIL,
1988, documento on-line).

O Estado de Defesa se trata, portanto, de um mecanismo de defesa do


Estado, que visa preservar ou restabelecer, em locais restritos e determinados,
a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade
institucional ou, ainda, por calamidades ocasionadas pela natureza.
O § 1º do art. 136 menciona que o decreto que instituir o Estado de Defesa
deve determinar o tempo de sua duração (sendo que este não será superior a
30 dias, podendo ser prorrogado uma vez, por igual período, se persistirem
as razões que justificaram a sua decretação), especificando as áreas a serem
abrangidas e indicando as medidas coercitivas a vigorarem, como restrições
de direitos, bem como ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos,
na hipótese de calamidade pública, respondendo a União pelos danos e custos
decorrentes (BRASIL, 1988).
Outra situação que excetua a observação de legislação por parte da
Administração Pública sem retirar-lhe a legitimidade de sua atuação é o
estado de sítio. Sua utilização deve ocorrer em casos considerados mais
graves, mas o objetivo é praticamente o mesmo do Estado de Defesa, ou seja,
proteger o próprio Estado e a ordem pública. Sua previsão consta no art. 137
do Texto Constitucional, que estabelece que o Presidente da República pode,
após ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional,
solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio
nos seguintes casos:

Art. 137 [...]


I — comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que com-
provem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa;
II — declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira
(BRASIL, 1988, documento on-line).
Princípios do Direito Administrativo: legalidade, supremacia do interesse público e publicidade 5

Scatolino e Trindade (2016) atentam para o fato de que o princípio da lega-


lidade pode ser compreendido em dois sentidos: amplo e estrito. A legalidade
em sentido estrito é atuar de acordo com a lei. Já a legalidade em sentido
amplo significa respeitar não apenas as leis, mas também os princípios de
moralidade e do interesse público, de modo que esse sentido é mais abrangente,
como a própria denominação sugere.
O princípio da legalidade, portanto, refere-se ao fato de que o administrador
público deve basear sua atuação na legislação. Assim, o administrador público
não pode agir de acordo com sua própria vontade caso esta seja contrária ao
previsto em lei. Apesar de ser possuidor de discricionariedade, deve ainda
assim respeitar os princípios constitucionais, não podendo cometer abusos.

O Texto Constitucional menciona as situações excepcionais e admite que, nesses casos,


a Administração Pública pode deixar de cumprir o que diz a lei. São elas: a edição de
medidas provisórias, as situações de estado de defesa e o estado de sítio.

Princípio da supremacia do interesse público


O princípio da supremacia do interesse público sobre o privado significa que o
interesse da Administração Pública sempre prevalecerá sobre o interesse dos
particulares. Isso se deve ao fato de que o Poder Público é de interesse de todos,
de modo que o interesse de um particular não pode ser colocado acima dele.

A doutrina divide o interesse público entre primários e secundários. De acordo com


Scatolino e Trindade (2016), os interesses públicos primários se referem à sociedade
em geral, protegidos pelo ordenamento jurídico. Os interesses públicos secundários
se referem aos interesses específicos do Estado em si.
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De acordo com Scatolino e Trindade (2016, p. 77):

Por exemplo: se uma autoridade de trânsito convoca seus agentes para fazer
blitz na cidade, apenas com fins arrecadatórios, sem ter por fim o interesse
público de manter o trânsito seguro, estará praticando ato ilegal, pois foi
executado visando apenas o interesse público do Estado (secundário) e não
o interesse da coletividade (primário). Do mesmo modo, quando o Estado
não faz corretamente o pagamento de precatórios, ou não confere a justa
indenização exigida pela Constituição no caso de uma desapropriação,
está na busca, apenas, de seu próprio interesse (secundário). Igualmente,
a criação de empresas públicas ou sociedades de economia mista para
exploração de atividade econômica sem que tenha por motivo o relevante
interesse coletivo ou segurança nacional não visa ao interesse público
primário. Se o Estado pretende criar essas entidades somente com fim
lucrativo, sem atentar para as exigências constitucionais, estará buscando
apenas o interesse do Estado, e não o da sociedade. Esses atos são violadores
do ordenamento jurídico.

Não faz sentido que o interesse específico de particulares se sobreponha


sobre os interesses de toda uma coletividade. Dessa forma, o interesse
público secundário deve coincidir com o interesse público primário, pois,
se não for desse modo, a atuação da Administração Pública carece de
legitimidade. Afinal, a Administração Pública deve lutar pelo povo e
pela sociedade como um todo, assim, os interesses das pessoas devem ser
seus próprios interesses. Dessa forma, o interesse privado jamais poderá
prevalecer em detrimento do interesse público, que, como o próprio nome
do princípio sugere, é supremo.
Toda a atuação do Estado deve objetivar o bem geral da sociedade, assim,
os agentes públicos não devem jamais atuar em seu próprio benefício ou
benefício exclusivo da Administração Pública. Os interesses secundários
só podem ser legítimos quando objetivam resguardar os interesses da
população, que são os interesses primários, ou seja, os que possuem maior
relevância.
Quando houver conflito entre o desejo de um cidadão específico e o desejo
de toda a sociedade, obviamente deverá prevalecer o interesse da coletividade.
Assim, sempre deverá ser considerado o interesse geral e nunca um interesse
específico de um particular. De acordo com Carvalho (2016, p. 56):
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O interesse público é supremo sobre o interesse particular, e todas as condutas


estatais têm como finalidade a satisfação das necessidades coletivas. Nesse
sentido, os interesses da sociedade devem prevalecer diante das necessidades
específicas dos indivíduos, havendo a sobreposição das garantias do corpo
coletivo, quando em conflito com as necessidades de um cidadão, se analisado
isoladamente. Em razão desta busca pelo interesse público, a Administração
se põe em situação privilegiada, quando se relaciona com os particulares.

Ainda de acordo com Carvalho (2016), a supremacia do interesse público


consiste em uma série de prerrogativas que a Administração Pública possui
e que inegavelmente lhe confere muitas vantagens, como:

 possibilidade de revogar seus atos quando forem inoportunos ou in-


convenientes, o que se consubstancia na autotutela;
 possibilidade de desapropriação;
 prazos processuais diferenciados.

O interesse público é supremo e, portanto, superior ao interesse privado,


porque o que se espera é que o interesse público represente o interesse
de todos. Se o interesse for apenas do Estado e não representar nenhum
benefício para os cidadãos e para a sociedade, o ato praticado pela Adminis-
tração Pública será ilegal. Assim, o interesse público e o interesse coletivo
devem coincidir.

Princípio da publicidade
O princípio da publicidade refere-se ao fato de que todos os atos praticados
pela Administração Pública devem ser devidamente divulgados e publicados
para que toda a coletividade tome conhecimento do que é feito.
Ou seja, a publicidade, de acordo com Scatolino e Trindade (2016, p. 66),
“[...] é a divulgação oficial do ato, para conhecimento do público e para o
início da produção de seus efeitos (eficácia), bem como permitir o acesso
às condutas administrativas”. Segundo os autores, a publicidade não é um
elemento formativo do ato, mas um requisito de eficácia e moralidade. É uma
condição para que o ato seja eficaz, uma vez que apenas produzirá efeitos se
houver a divulgação pelo órgão oficial.
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A publicidade não deve ser confundida com a publicação do ato em si, uma vez que
esta é apenas uma das formas de se fazer a divulgação. Destarte, o ato apenas produzirá
efeitos se tiver sido devidamente divulgado.

De acordo com os precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF) e do


Superior Tribunal de Justiça (STJ), se o “[...] município não possui órgão de
imprensa oficial, é válida a publicação das leis e dos atos administrativos
municipais através da afixação na sede de prefeitura” (BRASIL, 1999, do-
cumento on-line).
Assim, é proibido que o poder público pratique atos sem que os cidadãos
possuam conhecimento. Como a Administração Pública age em prol da socie-
dade, esta possui o direito de saber exatamente o que está se passando, pois
é diretamente afetada. De acordo com Carvalho (2016, p. 69):

Com efeito, pode-se estipular que a principal finalidade do princípio da


publicidade é o conhecimento público acerca das atividades praticadas no
exercício da função administrativa. Em um Estado Democrático de Direito,
não se pode admitir que assuntos da Administração, que são do interesse de
todos, sejam ocultados. A publicidade tem grande abrangência, não só pela
divulgação oficial mas também para conhecimento e fiscalização interna de
seus agentes. Para assegurar tal prerrogativa, a Constituição da República, no
seu art. 5º, XXXIII, garante o direito à informação, além do art. 5º, LXXII,
que nos confere a garantia do habeas data como remédio para solucionar
qualquer controvérsia violadora deste direito. Da mesma forma, o art. 5º,
XXXIV, b, confere o direito à certidão.

Por essa razão, todos os atos praticados pela Administração Pública devem
ser oficialmente publicados. O cidadão tem todo o direito de saber o que está
se passando na Administração Pública e quais medidas têm sido tomadas. Só
com o conhecimento do que vem sendo realizado, a sociedade pode cobrar
as autoridades e até mesmo fiscalizá-las, a fim de verificar se tudo é feito de
modo legal.
Princípios do Direito Administrativo: legalidade, supremacia do interesse público e publicidade 9

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União,


5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/consti-
tuicao.htm. Acesso em: 2225 set. 2019.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (2ª Turma). Recurso Especial 148315/RS. Relator:
Min. Adhemar Maciel, 1 out. 1998. Diário da Justiça, 1 fev. 1999. Disponível em: https://
stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/19722013/recurso-especial-resp-148315-rs-1997-
-0065161-4?ref=juris-tabs. Acesso em: 25 set. de 2019.
CARVALHO, M. Manual de Direito Administrativo. 3. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016.
SCATOLINO, G.; TRINDADE, J. Manual de Direito Administrativo. 4. ed. Salvador: JusPO-
DIVM, 2016.

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