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Administração de pessoal no serviço público:

regime jurídico único*

Lygia Maria de Godoy Batista**


João Hélder Dantas Cavalcanti***

Introdução
O presente trabalho objetiva fornecer uma visão global do regime institucional da
administração de pessoal no serviço público, abordando desde os princípios consti-
tucionais regedores da Administração Pública, o ordenamento institucional da ad-
ministração de pessoal, até a Reforma Administrativa, esta como forma remodeladora
da feição de sua atividade administrativa.
No direito pátrio, a Administração Pública é dividida em direta, indireta ou
fundacional, à luz do art. 37 da Constituição Federal, e, no plano político-adminis-
trativo, em federal, estadual, distrital e municipal.
Os diplomas estruturadores da organização da União são o Decreto-Lei 200
de 25.02.67, com alterações posteriores, e a Lei 8.490 de 19.11.92, ocupando-se da
organização da Presidência e Ministérios.
No tocante aos servidores da administração, a Constituição Federal de 1988
denominou, em seu cap.VII, seção II, de servidores públicos civis todos os que
prestam serviços à Administração em geral e instituiu o “regime jurídico único e
plano de carreira” para a Administração direta, autárquica e fundacional (art. 39-
CF), mais tarde regulamentados pela Lei 8.112/90, no plano da administração
federal.
A Emenda Constitucional nº 19, publicada no DOU de 5 de junho de 1998,
modifica o regime e dispõe sobre os princípios da administração. Em seus 34 arti-
gos promove setenta e sete alterações no corpo das disposições permanentes da
Constituição da República, além de criar onze normas de caráter transitório para
implementá-las.
Esse conjunto de conteúdo administrativo impor-se-á, mercê do princípio do
paralelismo inerente ao nosso sistema federativo, à observância pela União, pelos
estados-membros, Distrito Federal e municípios.

* Texto de apoio elaborado especialmente para o Curso de Especialização em Desenvolvimento de


Recursos Humanos de Saúde – CADRHU.
** Juíza do Trabalho.
*** Advogado Trabalhista.
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CADRHU

As inovações serão tratadas, para fins didáticos, sob três segmentos: estrutu-
ra, competência e controle da Administração; servidores públicos e agentes políti-
cos; prestação de serviços públicos. Todavia, nos aprofundaremos apenas na ques-
tão dos servidores públicos, como objeto da proposta.

Conceito e princípios constitucionais da administração


pública
Com a evolução da sociedade e o aparecimento do Estado moderno, dá-se uma
substituição da noção Estado-soberano por Estado-administrador, ocasionando al-
terações de índole político-social.
A soberania passa a ser elemento essencial ao Estado, como pressuposto jurí-
dico formal para a existência deste, enquanto administração é gestão de serviços,
atividade de quem não é proprietário.
Na lição de Ruy Cirne de Lima1
“exprime-se nestes passos, pela palavra administração conceito antagônico ao de pro-
priedade. Propriedade lato sensu, pode dizer-se o direito que vincula à nossa vontade
ou à nossa personalidade um bem determinado em toda as suas relações. Opõe-se à
noção de administração à de propriedade nisto que, sob administração, o bem não se
entende vinculado à vontade da personalidade do administrador, porém, a finalidade
impessoal a que essa vontade deve servir. Tal finalidade é, algumas vezes, fixada na lei
ou no contrato, doutras vezes fica, porém, ao próprio administrador determiná-la a
seu prudente critério, de conformidade com as circunstâncias [...] Em direito público,
designa também, a palavra administração a atividade do que não é senhor absoluto”.

Surgiu com toda força a ideologia, segundo a qual o Estado existe para ofere-
cer utilidades aos indivíduos, componentes da população. Portanto, a presença do
Estado-administrativo justifica-se no sentido de realizar serviços de interesse cole-
tivo, ou seja, pertinente à sociedade como um todo.
A satisfação de necessidades sociais, através da prestação contínua e regular
de serviços de interesse da coletividade, passou a ser a finalidade primordial do
Estado moderno, transformando o Estado numa usina de serviços públicos, cujo
funcionamento deve ser ininterrupto e eficiente, consoante ensinamento de José
Cretella Júnior.2
Adotando o conceito tradicional de administração pública, do administrativista
Hely Lopes Meireles, podemos defini-la como a gestão de bens e interesses qualifi-
cados da comunidade no âmbito federal, estadual ou municipal, segundo os precei-
tos do Direito e da moral, visando o bem-comum.
A locução Administração Pública tanto serve para designar pessoas e órgãos
governamentais, como a atividade administrativa em si mesma.

1
In: Princípios de Direito Administrativo Brasileiro. p. 20-21.
2
In: Administração Indireta Brasileira. p. 4.
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Texto de apoio/Unidade 3

A administração pública tem a natureza de um múnus público para quem a


exerce e o bem-comum da coletividade como fim, e por isso deve ser fiel aos prin-
cípios constitucionais da legalidade, moralidade, impessoalidade e publicidade dos
atos administrativos, sob pena de, ao relegá-los, desvirtuar a gestão dos negócios
públicos e olvidar o que há de mais elementar para a boa guarda e zelo dos interes-
ses sociais.
Os princípios constitucionais se destinam, de um lado, a orientar a ação do
administrador na prática dos atos administrativos e, do outro, a garantir a boa
administração, que se consubstancia na correta gestão dos negócios públicos e no
manejo dos recursos públicos (dinheiro, bens e serviços), no interesse coletivo,
com o que também se assegura aos administrados o seu direito a práticas adminis-
trativas honestas e probas.
Os princípios explicitados no caput do art. 37, podemos dizê-los gerais e, em-
bora únicos expressamente postos, contêm no texto constitucional alguns outros
princípios específicos, como, por exemplo, o da licitação, o da prescritibilidade dos
ilícitos administrativos e os da responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direi-
to público (inc.XXI e § 1º ao 6º do art. 37).
Passaremos à abordagem dos princípios constitucionais gerais, para ressaltar-
mos a supremacia do interesse público sobre o particular.
O constituinte de 1988 entendeu que o princípio da finalidade do ato admi-
nistrativo era um aspecto da legalidade, na medida que este só é válido quando
atende ao seu fim legal, ou seja, ao fim submetido à lei. Logo, o fim já está sujeito
ao princípio da legalidade, por isso sempre vinculado.
A afirmação dos direitos fundamentais do Homem, no Direito Constitucional
positivo, reveste-se de transcendental importância, pois não basta que um direito
seja reconhecido e declarado, é necessário garanti-lo, como disse Maurício Hariou,
citado por José Antônio da Silva,3 “porque haverá ocasiões em que será discutido e
violado”.
E dentre essas garantias, estão as prescrições que vedam determinadas ações
do poder público, ou formalidades exigidas para determinados atos, para abriga-
rem dos abusos do poder e das violações possíveis dos concidadãos os direitos
constitutivos da personalidade individual.
A legalidade, como princípio de administração, significa que o administrador
público está sujeito aos mandamentos da lei e exigências do bem-comum, sob pena
de invalidade do ato e de responder, civil e criminalmente, pela violação deste
princípio.
O exame deste aspecto do ato administrativo é de incontestável atualidade e
relevância no âmbito do direito público, pois implica no exame da finalidade do ato
e as conseqüências advindas do “desvio de finalidade”, aspecto vicioso do ato ad-
ministrativo, que o eiva de nulidade.

3
In: Curso de Direito Constitucional Positivo. 9. ed.
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CADRHU

Quando uma autoridade administrativa faz uso do seu poder em casos e para
fins diversos dos pretendidos pela lei, temos um desvio de poder, que consiste num
afastamento do espírito da lei, ou seja, numa aberratio finis legis. A ocorrência de
vícios, que afetam a legalidade do ato, rompe o equilíbrio da ordem jurídica.
O administrador público muitas vezes confunde o uso do seu poder discricioná-
rio, para “indiscriminadamente” servir-se do ato administrativo para fins reprovados
pela ordem jurídica, cabendo, assim, ao intérprete distinguir, limitar e selecionar o
uso legítimo e ilegítimo do poder discricionário.
A lei não indica o princípio da decisão que deve ser seguida, como no caso da
competência vinculada, mas remete ao órgão chamado a agir, à margem de inicia-
tiva na escolha da linha de conduta a adotar no atendimento de um interesse públi-
co específico.
A experiência mostra que, não raro, o administrador público desvia o fim
previsto, ocorrendo o fenômeno do abuso da discricionariedade, muito comum na
atualidade, principalmente no tocante ao uso do dinheiro público.
A importância do tema remete à necessidade de repensar o chamado “Poder
Discricionário”, como o fez a jurisprudência pretoriana do Conselho de Estado Fran-
cês desenvolvendo nos últimos anos, com interessantes aplicações que lhe permiti-
ram reduzir a nada “a velha teoria, tão perigosa dos atos administrativos discricio-
nários”.4
A legalidade não é formada apenas de elementos externos, relacionados com
a competência, objeto e forma dos atos administrativos; penetra até os motivos e
principalmente o fim do ato. Assim, o fim do ato é passível de exame, como aspecto
da legalidade, para que seja verificada se a Administração agiu ou não de conformi-
dade com o fim previsto em lei. A finalidade é investigada para determinar se o ato
foi praticado para atingir o fim desejado pelo texto legal.
Vale ressaltar, para finalizar, que o fim de qualquer ato administrativo é, sem
dúvida, o interesse coletivo; o fim visado deve ser público. A finalidade pública,
mesmo genérica, justifica a edição do ato, sendo pois viciado o ato com o fim
privado, ou seja, a vontade distorcida do administrador público.
O segundo princípio constitucional refere-se à moralidade, como pressuposto
de validade de todo ato administrativo.
O repetido administrativista Hely Lopes Meireles, citando Hariou,5 explica
que não se trata de moral comum, mas de moral jurídica, esta entendida como “um
conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração”.
Acrescenta, o autor citado, que o administrador deve ser dotado da capacidade de
discernir o bem do mal e o honesto do desonesto.
O princípio da moralidade implica no entendimento que o elemento ético da
conduta não pode ser desprezado, pois não basta olhar pelo ângulo da legalidade

4
Leon Duguit Manuel de Droit Constitucionel,1907, Citado por Cretella Júnior em Anulação do Ato
Administrativo por Desvio de Poder.
5
In: Direito Administrativo Brasileiro. 18. ed.
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Texto de apoio/Unidade 3

ou ilegalidade mas da honestidade ou desonestidade, sob os olhos da ética da pró-


pria instituição.
A lei pode ser cumprida imoralmente, quando, por exemplo, tenha o agente o
intuito de prejudicar alguém deliberadamente, ou de favorecer esse alguém. Pode
produzir um ato formalmente legal, mas materialmente comprometido com a
moralidade administrativa, pois como já proclamavam os romanos, non omne quod
licet honestum est (nem tudo que é legal é honesto).
Ao tratarmos do princípio da moralidade, não podemos deixar de falar sobre
a probidade administrativa, pois esta é uma forma de moralidade administrativa,
que mereceu tratamento especial no § 4º do art. 37 e art. 15, inciso V, ambos da
Carta Política de 1988, nos quais prevê, para tal, a suspensão de direitos políticos e
perda de função pública sem prejuízo de outras sanções de natureza penal.
A moralidade administrativa e a probidade são tuteladas de modo a elevar a
imoralidade à causa de invalidade do ato administrativo.
O princípio da impessoalidade da Administração Pública significa que os atos
e provimentos administrativos são imputáveis, não ao funcionário que os pratica,
mas ao órgão ou entidade administrativa que em seu nome age o funcionário,
como preleciona José Afonso da Silva em sua obra já citada.
O objetivo inafastável da Administração é o interesse público, por isso este
princípio visa afastar o interesse e favoritismo privado, sob forma de desvio de
finalidade, constituindo uma das mais insidiosas modalidades de abuso de poder.
Por último, o princípio da publicidade, que nada mais é que a divulgação
oficial do ato. A publicação que produz efeito jurídico é a feita pelo órgão oficial da
Administração e não pela imprensa particular, valendo ainda como divulgação ofi-
cial a afixação dos atos e leis municipais na sede da Prefeitura ou da Câmara, onde
não houver órgão oficial de divulgação.
A Constituição exige a publicidade como requisito de eficácia e moralidade do
ato, não só por inadmitir que a coisa pública seja manejada de forma sigilosa (salvo
os casos de segurança nacional), mas para que possa assegurar os efeitos externos do
ato e propiciar o seu conhecimento e controle pelos interessados e o povo em geral.
A ausência de publicidade também eiva o ato de vício insanável, o expondo a
invalidação e sobre ele não fluem os prazos para impugnação administrativa ou
anulação judicial.

Os servidores públicos civis e o regime jurídico único


Até o advento da Constituição Federal de 1988, vigoravam no setor público, dois
regimes jurídicos de trabalho, o regime estatutário e o celetista. O primeiro, para
regular as relações de trabalho dos servidores concursados e o segundo, para os
servidores contratados sem a vantagem da estabilidade atribuída ao primeiro.
A Nova Carta Constitucional introduziu, em seu Capítulo VII, seção II, a termi-
nologia servidores públicos civis para referir-se a todos os que prestam serviço à
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CADRHU

Administração e instituiu em seu art. 39, o “regime jurídico único e planos de carrei-
ra” para a Administração direta, autárquica e fundacional, significando dizer que não
mais será possível a diversidade de contratações na Administração Pública.
Apesar da objetividade da norma em instituir um único regime jurídico para a
Administração, não restou clara a exigência de ser de direito público sua natureza.
Doutrinariamente, a questão da natureza jurídica do regime único foi objeto
de estudo de vários autores, alguns se inclinando, como Hely Lopes Meireles pela
natureza pública do regime e outros em minoria, mas fincados em indiscutível e
sólida argumentação, vêm defendendo que a Constituição Federal não determinou
previamente o regime único a ser adotado, cabendo a essas pessoas jurídicas de
direito público a escolha.
É indiscutível a evolução das relações de trabalho do servidor público com o
Estado, com absorção por elas, cada vez mais, de elementos contratuais. A própria
Constituição Federal, que determinou a instituição de um regime único, estabeleceu
que fosse aplicada aos servidores públicos uma série de direitos próprios do empre-
gado privado. Além disto, outorgou a esses o direito de sindicalização e greve.
Em magnífico artigo doutrinário, publicado na Revista ANDES do Sindicato
Nacional dos Docentes Universitários – Caderno n. 9, o professor José Francisco de
Siqueira Neto observou que o movimento dos servidores públicos de maneira geral
se perdeu em aspectos periféricos e de inegável controvérsia política que, ao ímpe-
to de regulamentar o regime único, foi consagrado o conceito de que esta unicidade
passaria inexoravelmente pela adoção do regime estatutário, em detrimento da
contratação coletiva de trabalho, “redundando assim, um sistema sindical anôma-
lo, já que consiste apenas na liberdade de Organização em Sindicatos e no reconhe-
cimento do Direito de Greve, mas não admite a contratação coletiva de trabalho”.
O jurista, citado, argumenta que esta “equivocada conclusão jurídica” levou a
contraposição também equivocada do funcionalismo público em defender o siste-
ma de contratualidade das relações de trabalho, sentindo necessidade de discorrer
acerca de alguns aspectos fundamentais que norteiam o Direito Administrativo: a
situação jurídica do servidor público, as motivações que impulsionam a privatização
do Estado e suas relações de autonomia, controle e fundamentos democráticos.
Ainda discorreu o autor, acima, que o Servidor Público não pode ser equipara-
do ao trabalhador do setor privado em sua totalidade trabalhista, pois a finalidade
do tomador de serviços são diversos do setor público para o privado. Enquanto o
primeiro busca o atendimento das necessidades da coletividade, o segundo busca o
lucro.
Sem embargo da aproximação dos regimes celetista e estatutário e da polêmi-
ca sobre a natureza jurídica do regime único, constitui fato inconteste, no direito
positivo brasileiro, que os regimes não se confundem e que a Carta Magna preten-
deu abolir a dualidade dos regimes jurídicos existentes.
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Texto de apoio/Unidade 3

É preciso, no entanto, reconhecer que a opção por um regime único se foi


fundamental no sentido de unificar as reivindicações dos servidores públicos, tam-
bém serviu para freá-las.
Tecnicamente o regime estatutário é o regime que estabelece relações jurídi-
cas entre o Estado e o servidor público, com base nos princípios constitucionais e
preceitos legais da entidade estatal a que pertence. As regras são estabelecidas
unilateralmente pela Administração Pública, elevando retoricamente a supremacia
do “interesse público”. A relação entre Poder público e servidor não se dá por ins-
trumento contratual mas por regras preestabelecidas, consagrando um verdadeiro
contrato de adesão.
Os defensores deste regime jurídico apontam ser o que melhor atende aos
princípios constitucionais, consagrados no art. 37 da CF/88, além de atender ao
princípio da autonomia administrativa, na medida que cada esfera da Federação
organizaria o seu funcionalismo sem a interferência da legislação federal.
Já os defensores do regime contratual (CLT) argumentam que facilitaria o
desenvolvimento do processo de negociação e contratação coletiva, além de unifi-
car um maior número de trabalhadores, tanto na administração direta, como na
indireta, dando unidade as suas reivindicações mais gerais e garantindo uma legis-
lação mais abrangente. Nesta perspectiva seria adotado o regime trabalhista como
único, incorporando os direitos estatutários conquistados, se mais benéficos que os
previstos na CLT.
Siqueira conclui, entretanto, que o texto constitucional preconizou pelo regi-
me estatutário sem contudo diminuir ou restringir direitos sindicais.
Com o devido respeito às opiniões contrárias, adotamos o entendimento, de
que o texto constitucional não trouxe obrigatoriedade ao regime estatutário, como
forma de unicidade do regime jurídico, mas apenas a unicidade deste, como forma
de consagrar a isonomia entre os servidores do poder público e a unidade de suas
reivindicações. Deixou a critério do Administrador Público a escolha, de acordo
com a sua realidade, pois não é raro, nos Municípios, a predominância do regime
celetista.
A unidade pretendida pelo Constituinte, é de que todos os servidores da Ad-
ministração direta do Estado, das autarquias e fundações públicas fossem submeti-
dos a idênticos critérios de recrutamento, de provimento, de progressão na carrei-
ra, de retribuição, de auferimento de vantagens e direitos etc. Como defende José
Afonso da Silva, a unidade pretendida pelo Constituinte pode ser jurídica, intelec-
tual e administrativa.
Na prática, ocorreu que a União, os Estados e grande parte dos Municípios
brasileiros, através de legislação ordinária, estabeleceram um regime único, de
natureza pública. Embora tenhamos visto que é comum (a exemplo do interior do
Rio Grande do Norte) os Municípios não instituírem por lei o regime jurídico único
estatutário pela esdrúxula interpretação de que a partir da Constituição Federal de
1988 restou automaticamente extinto o regime celetista no serviço público.
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CADRHU

Confessamos que o servidor público perdeu com a instituição do regime


estatuário, pois a CLT impõe o respeito às disposições legais de proteção ao traba-
lhador e aos contratos coletivos que venham a ser estabelecidos(art.444-CLT),
assegurando a inalterabilidade contratual de trabalho por ato unilateral e em
prejuízo do empregado(art. 468-CLT). O princípio protetor não convive com a
visão administrativa.
O que se buscava na Constituinte de 1988 ficou na retórica.
Entretanto, parece-nos que a proposta do Constituinte buscou trazer ao País
uma nova concepção à ordem jurídica e, dentre outros direitos, assegurou
aos servidores públicos a sindicalização e o direito de greve
greve. Mas isto não foi
suficiente para romper com a mentalidade legalista e burocrática que sempre con-
siderou as relações existentes entre a administração pública e seus servidores como
primordialmente estatutárias (definidas em lei).
Portanto, se buscamos promover a negociação coletiva no serviço público é
conveniente que iniciemos a ruptura com essa visão tradicional, para que assim
possamos criar uma nova cultura e institucionalizar a negociação coletiva no setor
público.
Só este fato já é suficiente para dizermos, sem margem de dúvida, que no
Brasil as relações de trabalho no serviço público têm uma característica marcante:
o autoritarismo.
Esta peculiaridade fica evidente pela inexistência de mecanismos de consulta
e participação, pela existência de planos de carreira que não levaram em conta
modernos mecanismos de gestão.
Então, o que devemos buscar é criar uma nova concepção que promova a
democratização e modernização das relações de trabalho no setor público, tendo
como meta não apenas a melhoria das condições de trabalho e remuneração do
servidor público, mas também o melhor atendimento à população, através de uma
melhor qualidade e eficiência dos serviços públicos.
O surgimento desta nova concepção é imprescindível para responder aos pro-
blemas existentes na Administração Pública, tendo sempre em vista o fortalecimen-
to da democracia e o aperfeiçoamento do serviço público.
Entretanto, estes, como toda mudança, como todo rompimento de uma cultu-
ra velha, enfrentam toda sorte de dificuldades, sendo as mais visíveis:
•burocracia e autoritarismo na gestão do setor público;
•corporativismo das entidades sindicais do funcionalismo público e privilégios
de algumas carreiras de servidores públicos que asseguram para si tratamen-
to diferenciados;
•visões jurídicas tradicionais que impedem o nascimento de uma nova con-
cepção;
•prática clientelista das autoridades.
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Texto de apoio/Unidade 3

De outro lado, os sindicatos dos servidores públicos guardam especial similitude


comportamental com os sindicatos do setor privado, mas também encontramos
diferenças evidentes: a natureza da força de trabalho e do empregador determina
essa diferença.
A quantidade de sindicatos, hoje existente, é preocupante. A liberdade sindi-
cal não foi consagrada nos moldes preconizados pelas Convenções da Organização
Intrnacional do Trabalho, especialmente a 87 (liberdade sindical e proteção do
direito sindical), a 98 (aplicação dos princípios do direito de sindicalização e de
negociação coletiva), a 135 (proteção e facilidades a serem dispensadas a repre-
sentantes dos trabalhadores na empresa) e a 151 (proteção do direito de
sindicalização e procedimentos para definir as condições de emprego no serviço
público).
Assim sendo, a representação sindical e a representação geral dos trabalhado-
res por local de trabalho não sofrem nenhuma regulamentação. Então, nos sindica-
tos do setor público, a questão da invasão de bases e representação geral são mais
graves, porque como efetivamente não negociam, não enfrentam esta questão, logo
são inúmeros os sindicatos de fachadafachada.
A representação da Administração Pública, de outro lado, constitui outro gra-
ve problema. Não há no País um controle central sobre as políticas de emprego no
serviço público, razão pela qual seria interessante que em todas as esferas de nego-
ciação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) houvesse uma coordenação
e um acompanhamento centralizado para garantir o contato permanente e harmo-
nia quanto às diversas iniciativas.
Diante do que até aqui dissemos fica evidente que, para uma nova relação de
trabalho no setor público, faz-se imprescindível a democratização do estado brasi-
leiro e a urgente melhoria dos níveis de qualidade dos serviços públicos (custos,
eficiência, produtividade, resultados e relação com o usuário).
Também é fundamental a quebra da cultura organizacional e das estruturas
de poder do Estado Brasileiro, formando uma nova concepção de gestão de pessoal
baseada no conceito democrático de relações de trabalho trabalho, como forma de
rompimento definitivo com a cultura do direito administrativo e no caráter autori-
tário de gestão da coisa pública.

Breve comentário sobre a reforma administrativa


Assistimos, agora, a reforma administrativa que, em relação aos servidores públi-
cos em geral, realizou profundas modificações, produzindo alterações que vão além
do âmbito remuneratório; atingem as condições de seu vínculo jurídico com o Esta-
do, mas sem romper com o principal: o autoritarismo.
Acabou com a exigência do regime jurídico único, abrindo a possibilidade de
ser instituída a duplicidade de regime jurídico-institucional e celetista; revisou as
condições de obtenção e manutenção da estabilidade, autorizando a demissão por
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CADRHU

desempenho insuficiente e por necessidade da administração(aprova a demissão


destes para que os gastos com pessoal não ultrapassem 60% da receita), que nada
mais é, a nosso ver, que a extinção da estabilidade. Perguntamos, como ficam os
servidores públicos regidos pelo regime estatutário e, portanto, sem FGTS, agora
sem estabilidade? Restou-lhes o nada jurídico.
A Carta de 1988 remete no art. 39 § 2º ao art. 7º para conferir vários direitos
trabalhistas, especificamente os incisos IV, VI, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII,
XVIII, XIX, XX, XXII, XXIII e XXX, que estabelecem, a par de outros direitos, garantia
de vencimento nunca inferior ao mínimo e irredutibilidade salarial. Direitos estes
abraçados pela Lei 8. 112/90 que instituiu o regime jurídico único no âmbito federal.
A Constituição Federal também estabeleceu, como regra, o ingresso por con-
curso público independentemente do regime a ser adotado, embora também tenha
previsto a contratação por tempo determinado para atender às necessidades tem-
porárias de excepcional interesse público, ambos também recepcionados pela Lei
8.112/90. Não obstante por razões diversas, alguns administradores públicos têm
admitido trabalhadores, através de contratação expressa ou tácita, sem obediência
às condições estabelecidas constitucionalmente.
As principais mudanças para os servidores públicos, com a reforma constitu-
cional, foram no tocante a investidura em cargo público, política salarial, estágio
probatório, estabilidade, disponibilidade, isonomia e o regime jurídico, conforme
veremos mais especificamente a seguir.
No caput do art. 37 foi acrescentado o termo eficiência
eficiência, passando a vigorar
com a seguinte redação, verbis:
A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Esta-
dos, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também ao seguinte.

No inciso I do art. 37, foi acrescido o direito a cargo e emprego público aos
estrangeiros, antes acessível apenas a brasileiros, todavia precisa ser regulamenta-
do por lei complementar.
I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham
os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros na forma da lei.

Ao inciso II do mesmo artigo suso foi acrescentado que a investidura através


de concurso público, de provas e títulos será conforme a natureza e comple-
xidade do cargo ou emprego
emprego.
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em con-
curso público de provas e títulos, de acordo com a natureza e complexidade do cargo
ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comis-
são declarado em lei de livre nomeação e exoneração.
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Texto de apoio/Unidade 3

O inciso V sofreu modificação substancial, a princípio com a idéia de impedir


o nepotismo, quando substitui a palavra preferencialmente por exclusiva-
mente para o exercício de cargo de confiança ou comissão. Todavia, ao utilizar a
locução a serem preenchidos, quando se reporta aos cargos comissionados, sem
embargo, consagrou o nepotismo com a manutenção dos cargos exis-
tentes.
Também observamos, no referido texto, que, ao limitar a proibição aos cargos
de chefia, direção e assessoramento, deu outra “brecha legal” ao nepotismo, pois
inúmeros são os cargos comissionados sem essas especificações. No Judiciário, por
exemplo, temos as funções comissionadas, denominadas de FC (1, 2,3,4,5) que
tanto podem ser para cargos de chefias como quaisquer outros, como, por exem-
plo, datilógrafo de audiência, porteiro, assistente de diretor. As funções gratificadas,
denominadas anteriormente de DAS , hoje FC (8,9,10), consideradas de cargos de
confiança, com gratificações variadas, podem ser ocupadas por pessoas desprovi-
das de qualquer vínculo empregatício e destinam-se às funções de assessoramento
e direção(a partir da reforma só podem ser preenchidos por servidores de carrei-
ra). Já as primeiras, os ocupantes apenas necessitam estar vinculados a um deter-
minado órgão (prefeituras municipais, por exemplo), ou ao próprio Tribunal, a
partir da reforma, pelo que depreendemos do texto, necessariamente devem ser
ocupadas por servidores do quadro, mas a limitação se prende a cargo de chefia,
direção e assessoramento, eis a “brecha”:
V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo
efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos,
condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de
direção, chefia e assessoramento.

A modificação concernente ao direito de greve dos servidores substitui no


inciso VII a regulamentação em lei complementar para lei específica.
Vejamos outros aspectos da reforma:
Teto salarial – Nenhum servidor poderá receber, somando proventos, adici-
onais, prêmios, aposentadorias e até vencimentos decorrentes da acumulação de
cargos públicos(nos casos permitidos)etc, mais que os Ministros do Supremo Tribu-
nal Federal, como também não será permitido o acúmulo de aposentadoria com
salário acima do teto. Este teto deverá ser definido por lei proposta pelos represen-
tantes dos três Poderes, conforme disposição no inciso XI e seguinte do texto cons-
titucional emendado.
Regime jurídico – Acabou o regime jurídico único . A política de adminis-
tração e remuneração de pessoal agora é definida por conselhos criados pela União,
Estados e Municípios. Com isso haverá na Administração tanto servidores estatutários
como celetistas. Porém, todos deverão ser submetidos a concurso público para
investidura no cargo ou emprego. E os aumentos salariais definidos por lei propos-
ta pelos três Poderes. Vejamos:
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CADRHU

Art. 39 - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de


política de administração e remuneração de pessoal integrado por servidores designa-
dos pelos respectivos Poderes.

Estabilidade/estágio probatório – Este foi ampliado de dois para três


anos. A reforma acabou a estabilidade do servidor público ao permitir-se no art.
41, inciso III a demissão por insuficiência de desempenho, como já vimos antes.
Isonomia – Acaba a isonomia de vencimentos entre os servidores dos três
Poderes. Os servidores com a mesma função podem receber salários diferenciados.
A reforma assegura revisão anual de salários dos servidores mas cada Poder defini-
rá o índice.
As normas examinadas são auto-aplicáveis, ou de eficiência imediata, alcan-
çando tanto os contratos em curso, quanto as situações ainda discutidas em proces-
so de conhecimento, sem incidência , portanto, da prescrição e da coisa julgada.
Com a reforma concluímos também, que os contratos dos trabalhadores pú-
blicos admitidos sem concurso não importam em nulidade (para aqueles que a
adotavam).

Considerações finais
Finalizamos com a constatação de que a reforma administrativa não rompeu
com o modelo tradicional e não instaurou no País uma nova mentalidade que tenha
como premissa a contratação coletiva, o respeito ao direito de greve e sindicalização
dos servidores públicos, essenciais para a democratização das relações de trabalho
e para uma melhor prestação de serviço público, instaurando, só assim, um moder-
no mecanismo de consulta e rompendo com o tradicional e vago conceito de inte-
resse público, substituindo-o por interesse da sociedade
sociedade, para quem o serviço
público existe.

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