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Introdução
O presente trabalho objetiva fornecer uma visão global do regime institucional da
administração de pessoal no serviço público, abordando desde os princípios consti-
tucionais regedores da Administração Pública, o ordenamento institucional da ad-
ministração de pessoal, até a Reforma Administrativa, esta como forma remodeladora
da feição de sua atividade administrativa.
No direito pátrio, a Administração Pública é dividida em direta, indireta ou
fundacional, à luz do art. 37 da Constituição Federal, e, no plano político-adminis-
trativo, em federal, estadual, distrital e municipal.
Os diplomas estruturadores da organização da União são o Decreto-Lei 200
de 25.02.67, com alterações posteriores, e a Lei 8.490 de 19.11.92, ocupando-se da
organização da Presidência e Ministérios.
No tocante aos servidores da administração, a Constituição Federal de 1988
denominou, em seu cap.VII, seção II, de servidores públicos civis todos os que
prestam serviços à Administração em geral e instituiu o “regime jurídico único e
plano de carreira” para a Administração direta, autárquica e fundacional (art. 39-
CF), mais tarde regulamentados pela Lei 8.112/90, no plano da administração
federal.
A Emenda Constitucional nº 19, publicada no DOU de 5 de junho de 1998,
modifica o regime e dispõe sobre os princípios da administração. Em seus 34 arti-
gos promove setenta e sete alterações no corpo das disposições permanentes da
Constituição da República, além de criar onze normas de caráter transitório para
implementá-las.
Esse conjunto de conteúdo administrativo impor-se-á, mercê do princípio do
paralelismo inerente ao nosso sistema federativo, à observância pela União, pelos
estados-membros, Distrito Federal e municípios.
As inovações serão tratadas, para fins didáticos, sob três segmentos: estrutu-
ra, competência e controle da Administração; servidores públicos e agentes políti-
cos; prestação de serviços públicos. Todavia, nos aprofundaremos apenas na ques-
tão dos servidores públicos, como objeto da proposta.
Surgiu com toda força a ideologia, segundo a qual o Estado existe para ofere-
cer utilidades aos indivíduos, componentes da população. Portanto, a presença do
Estado-administrativo justifica-se no sentido de realizar serviços de interesse cole-
tivo, ou seja, pertinente à sociedade como um todo.
A satisfação de necessidades sociais, através da prestação contínua e regular
de serviços de interesse da coletividade, passou a ser a finalidade primordial do
Estado moderno, transformando o Estado numa usina de serviços públicos, cujo
funcionamento deve ser ininterrupto e eficiente, consoante ensinamento de José
Cretella Júnior.2
Adotando o conceito tradicional de administração pública, do administrativista
Hely Lopes Meireles, podemos defini-la como a gestão de bens e interesses qualifi-
cados da comunidade no âmbito federal, estadual ou municipal, segundo os precei-
tos do Direito e da moral, visando o bem-comum.
A locução Administração Pública tanto serve para designar pessoas e órgãos
governamentais, como a atividade administrativa em si mesma.
1
In: Princípios de Direito Administrativo Brasileiro. p. 20-21.
2
In: Administração Indireta Brasileira. p. 4.
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Texto de apoio/Unidade 3
3
In: Curso de Direito Constitucional Positivo. 9. ed.
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CADRHU
Quando uma autoridade administrativa faz uso do seu poder em casos e para
fins diversos dos pretendidos pela lei, temos um desvio de poder, que consiste num
afastamento do espírito da lei, ou seja, numa aberratio finis legis. A ocorrência de
vícios, que afetam a legalidade do ato, rompe o equilíbrio da ordem jurídica.
O administrador público muitas vezes confunde o uso do seu poder discricioná-
rio, para “indiscriminadamente” servir-se do ato administrativo para fins reprovados
pela ordem jurídica, cabendo, assim, ao intérprete distinguir, limitar e selecionar o
uso legítimo e ilegítimo do poder discricionário.
A lei não indica o princípio da decisão que deve ser seguida, como no caso da
competência vinculada, mas remete ao órgão chamado a agir, à margem de inicia-
tiva na escolha da linha de conduta a adotar no atendimento de um interesse públi-
co específico.
A experiência mostra que, não raro, o administrador público desvia o fim
previsto, ocorrendo o fenômeno do abuso da discricionariedade, muito comum na
atualidade, principalmente no tocante ao uso do dinheiro público.
A importância do tema remete à necessidade de repensar o chamado “Poder
Discricionário”, como o fez a jurisprudência pretoriana do Conselho de Estado Fran-
cês desenvolvendo nos últimos anos, com interessantes aplicações que lhe permiti-
ram reduzir a nada “a velha teoria, tão perigosa dos atos administrativos discricio-
nários”.4
A legalidade não é formada apenas de elementos externos, relacionados com
a competência, objeto e forma dos atos administrativos; penetra até os motivos e
principalmente o fim do ato. Assim, o fim do ato é passível de exame, como aspecto
da legalidade, para que seja verificada se a Administração agiu ou não de conformi-
dade com o fim previsto em lei. A finalidade é investigada para determinar se o ato
foi praticado para atingir o fim desejado pelo texto legal.
Vale ressaltar, para finalizar, que o fim de qualquer ato administrativo é, sem
dúvida, o interesse coletivo; o fim visado deve ser público. A finalidade pública,
mesmo genérica, justifica a edição do ato, sendo pois viciado o ato com o fim
privado, ou seja, a vontade distorcida do administrador público.
O segundo princípio constitucional refere-se à moralidade, como pressuposto
de validade de todo ato administrativo.
O repetido administrativista Hely Lopes Meireles, citando Hariou,5 explica
que não se trata de moral comum, mas de moral jurídica, esta entendida como “um
conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração”.
Acrescenta, o autor citado, que o administrador deve ser dotado da capacidade de
discernir o bem do mal e o honesto do desonesto.
O princípio da moralidade implica no entendimento que o elemento ético da
conduta não pode ser desprezado, pois não basta olhar pelo ângulo da legalidade
4
Leon Duguit Manuel de Droit Constitucionel,1907, Citado por Cretella Júnior em Anulação do Ato
Administrativo por Desvio de Poder.
5
In: Direito Administrativo Brasileiro. 18. ed.
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Administração e instituiu em seu art. 39, o “regime jurídico único e planos de carrei-
ra” para a Administração direta, autárquica e fundacional, significando dizer que não
mais será possível a diversidade de contratações na Administração Pública.
Apesar da objetividade da norma em instituir um único regime jurídico para a
Administração, não restou clara a exigência de ser de direito público sua natureza.
Doutrinariamente, a questão da natureza jurídica do regime único foi objeto
de estudo de vários autores, alguns se inclinando, como Hely Lopes Meireles pela
natureza pública do regime e outros em minoria, mas fincados em indiscutível e
sólida argumentação, vêm defendendo que a Constituição Federal não determinou
previamente o regime único a ser adotado, cabendo a essas pessoas jurídicas de
direito público a escolha.
É indiscutível a evolução das relações de trabalho do servidor público com o
Estado, com absorção por elas, cada vez mais, de elementos contratuais. A própria
Constituição Federal, que determinou a instituição de um regime único, estabeleceu
que fosse aplicada aos servidores públicos uma série de direitos próprios do empre-
gado privado. Além disto, outorgou a esses o direito de sindicalização e greve.
Em magnífico artigo doutrinário, publicado na Revista ANDES do Sindicato
Nacional dos Docentes Universitários – Caderno n. 9, o professor José Francisco de
Siqueira Neto observou que o movimento dos servidores públicos de maneira geral
se perdeu em aspectos periféricos e de inegável controvérsia política que, ao ímpe-
to de regulamentar o regime único, foi consagrado o conceito de que esta unicidade
passaria inexoravelmente pela adoção do regime estatutário, em detrimento da
contratação coletiva de trabalho, “redundando assim, um sistema sindical anôma-
lo, já que consiste apenas na liberdade de Organização em Sindicatos e no reconhe-
cimento do Direito de Greve, mas não admite a contratação coletiva de trabalho”.
O jurista, citado, argumenta que esta “equivocada conclusão jurídica” levou a
contraposição também equivocada do funcionalismo público em defender o siste-
ma de contratualidade das relações de trabalho, sentindo necessidade de discorrer
acerca de alguns aspectos fundamentais que norteiam o Direito Administrativo: a
situação jurídica do servidor público, as motivações que impulsionam a privatização
do Estado e suas relações de autonomia, controle e fundamentos democráticos.
Ainda discorreu o autor, acima, que o Servidor Público não pode ser equipara-
do ao trabalhador do setor privado em sua totalidade trabalhista, pois a finalidade
do tomador de serviços são diversos do setor público para o privado. Enquanto o
primeiro busca o atendimento das necessidades da coletividade, o segundo busca o
lucro.
Sem embargo da aproximação dos regimes celetista e estatutário e da polêmi-
ca sobre a natureza jurídica do regime único, constitui fato inconteste, no direito
positivo brasileiro, que os regimes não se confundem e que a Carta Magna preten-
deu abolir a dualidade dos regimes jurídicos existentes.
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No inciso I do art. 37, foi acrescido o direito a cargo e emprego público aos
estrangeiros, antes acessível apenas a brasileiros, todavia precisa ser regulamenta-
do por lei complementar.
I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham
os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros na forma da lei.
Considerações finais
Finalizamos com a constatação de que a reforma administrativa não rompeu
com o modelo tradicional e não instaurou no País uma nova mentalidade que tenha
como premissa a contratação coletiva, o respeito ao direito de greve e sindicalização
dos servidores públicos, essenciais para a democratização das relações de trabalho
e para uma melhor prestação de serviço público, instaurando, só assim, um moder-
no mecanismo de consulta e rompendo com o tradicional e vago conceito de inte-
resse público, substituindo-o por interesse da sociedade
sociedade, para quem o serviço
público existe.