Você está na página 1de 15

DIREITO

ADMINISTRATIVO

Gabriele Valgoi
Cargo, emprego
e função pública
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„ Descrever cargo, emprego e função pública e as suas principais


diferenças.
„ Classificar os cargos públicos diante do quadro funcional.
„ Indicar as principais características dos cargos públicos.

Introdução
Os serviços públicos são executados a partir das pessoas físicas que
compõem a estrutura estatal e que realizam as suas atividades em prol
do Estado. Essas pessoas físicas, em razão das funções que exercem e da
espécie de vínculo que detêm com o Poder Público, diferenciam-se em
razão da aplicação de um sistema de regras diferenciado a cada uma delas.
Dessa organização, derivam as unidades jurídicas de cargo, emprego e
função pública, cada qual com as suas peculiaridades e condições para
o seu exercício, sem, contudo, manter o elo principal entre elas, que é a
representação estatal.
Neste capítulo, você vai ler sobre as diferentes espécies de cargos
públicos, sua diferenciação em razão da natureza jurídica das funções que
ocupam e o respectivo quadro funcional que integram na Administração
Pública. Você também vai ler sobre as principais características inerentes
ao cargo público, de acordo com as diretrizes constitucionais.

1 Conceituação de cargo, emprego


e função pública
Alguns agentes, pela forma de vínculo com a Administração Pública, assu-
mem cargos públicos, enquanto outros são detentores de empregos públicos
2 Cargo, emprego e função pública

ou, ainda, ocupam somente uma função pública, a qual requer a assunção
de cargo e emprego na estrutura organizacional da Administração Pública.

Cargo público
O exercício de toda e qualquer função pública decorre da expressa previsão em
lei. O princípio da legalidade estrita está previsto no art. 37 da Constituição
Federal: “Art. 37 A administração pública direta e indireta de qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obede-
cerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência e, também, ao seguinte: [...]” (BRASIL, 1988, documento on-line).
Será, portanto, a lei, então, que vai definir — de acordo com a área de atuação,
complexidade e qualificação necessária — as atribuições a serem exercidas
pelos servidores públicos. A organização dessas atribuições é feita com base
no critério de divisão do trabalho.
Assim, para cada conjunto de atribuições definido por lei, caberá um
vínculo específico com o servidor público, que deterá o dever institucional
de cumprir suas funções. Esse conjunto de atribuições é chamado de cargo
público. De acordo com Mello (2009, p. 226), os cargos públicos:

[...] são as mais simples e indivisíveis unidades de competência a serem expres-


sadas por um agente, previstas em número certo, com denominação própria,
retribuídas por pessoas jurídicas de Direito Público e criadas por lei, salvo
quando concernentes aos serviços auxiliares do Legislativo, caso em que se
criam por resoluções, da Câmara ou do Senado, conforme se trate de serviços
de uma ou de outra destas Casas.

No âmbito da União Federal, a Lei nº. 8.112, de 11 de dezembro de 1990,


também define cargo público no art. 3º: “Art. 3º Cargo público é o conjunto
de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que
devem ser cometidas a um servidor” (BRASIL, 1990, documento on-line).
O ocupante do cargo público, portanto, é servidor público, que é espécie do
gênero agente público. Na conceituação de Di Pietro (2013), o agente público
seria toda pessoa física que presta serviços ao Estado e às pessoas jurídicas
da Administração Indireta. Desse modo, a expressão agente público é gênero
que define toda e qualquer pessoa que preste, ainda que por diversas formas
de relação, um serviço ao Estado. A partir da natureza dessa relação jurídica,
nascem diversas espécies.
Cargo, emprego e função pública 3

Segundo a doutrina de Mello (2009), seguida por Di Pietro (2013), o gênero


“agente público” comportaria três espécies, quais sejam:

„ agente políticos;
„ servidores públicos;
„ particulares em colaboração com o Poder Público.

Na clássica doutrina de Meirelles (2014), seriam cinco espécies:

1. agente político;
2. agente administrativo;
3. agente honorífico;
4. agente delegado;
5. agente credenciado.

O cargo público se trata de uma unidade jurídica existente na estrutura da Administra-


ção Pública, instituído por lei, visando à prestação de atribuições específicas exercidas
por servidores públicos submetidos ao regime estatutário, sendo que a lei que cria
o cargo público fixará um padrão remuneratório que será devido ao seu titular, bem
como definirá uma denominação própria para que se diferencie dos demais cargos.

A criação de cargos públicos decorre de lei, por iniciativa do Poder cuja


estrutura integrará. Segundo o inciso X do art. 48 da Constituição Federal
(BRASIL, 1988), somente por meio de lei serão realizadas a criação, trans-
formação e extinção dos cargos públicos. Além disso, a formatação das atri-
buições, a denominação e a remuneração correspondentes necessariamente
decorrem do texto da lei.
Portanto, caberá a cada Poder estatal (assim entendidos o Poder Executivo,
Legislativo e Judiciário), de cada ente da federação, determinar, por meio da
edição de lei, a criação de seus cargos. No âmbito da União, por exemplo,
será de iniciativa do Presidente da República a lei que dispor sobre a criação
e extinção de cargos no âmbito do Poder Executivo; competirá ao Congresso
4 Cargo, emprego e função pública

Nacional a criação dos cargos no Poder Legislativo, consoante disposto no


art. 51, IV, da Constituição Federal (BRASIL, 1988); e cabe aos tribunais a
iniciativa das leis que ensejarão a criação de cargos vinculados à sua estrutura.
Mesmo sendo expressa a condição de que a criação e a extinção de cargos
públicos deverão ser realizadas mediante lei, a Constituição Federal (BRASIL,
1988) definiu uma exceção a essa regra, nos moldes do art. 84, VI, ao prever
a possibilidade de o Presidente da República, mediante decreto, extinguir
cargos, empregos e funções, quando vagos, ou seja, quando não ocupados
por um agente.

Emprego público
O emprego público se trata de unidade jurídica, também dotada de atribuições,
porém ocupada por um servidor celetista, ou seja, aquele que detém vínculo
contratual com a Administração Pública, pois celebrou com esta um contrato
de trabalho, nos termos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Segundo Mello (2009) os empregos públicos são núcleos de encargos
de trabalho permanentes a serem preenchidos por agentes contratados para
desempenhá-los, sob relação trabalhista, conforme prevê a Lei Federal nº.
9.962, de 22 de fevereiro de 2000.
Portanto, os empregados são detentores de empregos públicos e se sub-
metem ao acordo firmado com o respectivo ente público, ou seja, ao contrato
de trabalho, que se submete às garantias constitucionais previstas no art. 7º
da Constituição Federal e às normas da CLT (Decreto-Lei nº. 5.452, de 1º de
maio de 1943). Essas normas, no entanto, definem garantias mínimas que
devem ser asseguradas pelo empregador, a partir da assinatura do contrato,
podendo ser ampliadas mediante ajuste próprio.
Na União Federal, a CLT é norma subsidiária às disposições da Lei Federal
nº. 9.962/2000, que regula o regime de emprego público do pessoal da Admi-
nistração Pública Federal Direta, autárquica e fundacional, que define que o
contrato de trabalho será celebrado por prazo indeterminado e somente poderá
ser rescindido por ato unilateral da Administração Pública, nas hipóteses do
art. 3º daquela lei.
O regime de emprego não é mais utilizado na Administração Pública Direta,
autárquica e fundacional, em razão da suspensão da redação do caput do art.
39 da Constituição Federal, atribuída pela Emenda Constitucional (EC) nº.
19, de 4 de junho de 1998, que restaurou a vinculação aos entes públicos, da
Cargo, emprego e função pública 5

adoção de um único regime jurídico. Portanto, com a concessão da medida


cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº. 2.135, o Supremo
Tribunal Federal (STF) suspendeu os efeitos da nova redação do caput do art.
39, dando efeitos ex nunc, ou seja, não retroagindo os efeitos, que valeram
somente a partir da data da decisão. O acórdão referente à decisão foi publicado
em 7 de março de 2008.
Assim, durante o período de vigência da redação do art. 39, caput, da
Constituição Federal, atribuída pela EC nº. 19/1998, os eventuais empregos
públicos estabelecidos foram reconhecidos como constitucionais, como, por
exemplo, os agentes comunitários de saúde, que, nos termos da Lei nº. 11.350,
de 5 de outubro de 2006, poderão ser constituídos na forma de cargos ou
emprego público, conforme art. 14 daquela lei.

Hoje, o regime de emprego na União fica restrito às contratações de pessoal nas


empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas de direito
privado. A criação de empregos públicos — segundo o disposto nos termos do
art. 61, § 1º, II, a, da Constituição Federal — deve se dar mediante lei e, em razão da
aplicação do princípio do paralelismo das formas, também somente por lei poderá
ser extinto (BRASIL, 1988).
Assim, para que seja juridicamente possível a contratação do empregado público,
este deve ter sido previamente aprovado em concurso público de provas ou provas
e títulos, nos moldes do art. 37, II, da Constituição Federal, ainda que as atividades
venham a ser desempenhadas nos entes privados da administração descentralizada.

Função pública
Consideram-se funções públicas as atribuições desempenhadas por um servidor
que não titulariza um cargo ou emprego público. Assim, a função pública é
sinônimo de atribuições (conjunto de atribuições a serem prestadas por um
servidor). Nessa linha de entendimento, não existe cargo ou emprego que não
constitua uma série de funções, definidas expressamente nos termos da lei.
Em alguns determinados casos, no entanto, haverá o exercício de atribuições
públicas pelo agente, mas este não ocupará qualquer cargo ou emprego público.
6 Cargo, emprego e função pública

Essas tarefas são definidas como funções públicas em sentido estrito. A partir
do Texto Constitucional (BRASIL, 1988), podemos estabelecer dois tipos de
funções que não correspondem a cargo ou emprego público:

1. funções exercidas por servidores contratados temporariamente, con-


soante disposto nos termos do art. 37, IX, da Constituição Federal;
2. funções atinentes à chefia, à direção ou ao assessoramento, que são
chamadas de funções de confiança, de livre nomeação e livre exone-
ração, previstas no art. 37, V, da Constituição Federal.

Também são funções públicas o exercício das atividades de mesário no


dia das eleições e as atividades de jurado no tribunal do júri.
As funções de confiança somente serão preenchidas por servidores efetivos,
de carreira, e se limitam ao critério de escolha mediante confiança direta da
autoridade nomeante. Por isso, a nomeação para o exercício dessas funções
não depende de qualquer critério de seleção, assim como não há qualquer
garantia de sua manutenção no exercício das atividades, podendo ser exonerado
a qualquer tempo.

Principais diferenças entre cargo, emprego


e função pública
Entre as principais diferenças entre o cargo e o emprego público em relação
às funções públicas, está o vínculo entre o servidor ocupante de cargo público
e o Estado. Isso porque o vínculo do ocupante de cargo público decorre de
lei, enquanto o emprego público tem seu vínculo advindo de um contrato
estabelecido entre o empregado e a Administração Pública.
Além disso, os empregos públicos são estabelecidos por meio de contrato
de trabalho, regido pela CLT, enquanto os cargos são ocupados nos termos da
lei, por meio de um ato administrativo chamado de provimento.
A Constituição Federal, nos termos do art. 37, I, traz expressa menção sobre
as três figuras — cargo, emprego e função —, porém, ao definir a exigência
do concurso público nos termos do inciso II do mesmo art. 37, traz referência
somente a cargo e emprego público, não englobando o exercício da função
pública (BRASIL, 1988). Isso porque a exigência de per si se demonstraria
incompatível com a própria natureza da função, já que, conforme mencio-
nado, aqueles que a exercem são contratados temporariamente para atender
a necessidades urgentes da Administração Pública ou então são ocupantes
de função de confiança.
Cargo, emprego e função pública 7

Muito embora o art. 37, II, da Constituição Federal não atribua expressamente a obri-
gatoriedade de as funções públicas se submeterem ao concurso público como meio
de ingresso na Administração Pública, as cortes de contas do País recomendam aos
entes que realizem a seleção dos contratados temporários por excepcional interesse
público, na forma do inciso IX do art. 37 da Constituição Federal, mediante a realiza-
ção de processo seletivo simplificado. Essa exigência é uma interpretação à luz do
disposto no caput do mesmo dispositivo, face ao princípio constitucional, aplicado à
Administração Pública, da impessoalidade (BRASIL, 1988).

Outra importante diferença diz respeito ao exercício da função de con-


fiança, que não deve ser confundida com a nomeação para cargo comissionado
(Quadro 1).

Quadro 1. Diferenças entre função de confiança e cargo público

Trata-se de uma função sem cargo, isolada dentro da


estrutura do serviço público.
Função Trata-se de uma função de direção, chefia ou asses-
de confiança soramento, portanto, não está atribuída a um cargo
específico, mas seu exercício somente poderá se dar a
servidor efetivo, investido em cargo público.

Trata-se cargo cuja função corresponde a uma ativi-


dade de direção, chefia e assessoramento.
Cargo em comissão
Por se tratar de um cargo, e não somente uma fun-
(ou cargo de
ção, pode ser exercida por quem não possua cargo
confiança)
efetivo, que receberá o tratamento como servidor
comissionado.

2 Classificação dos cargos públicos


Os cargos públicos podem ser classificados quanto à situação perante o quadro
funcional como cargos em carreira e cargos isolados. Na doutrina do professor
Jose dos Santos Carvalho Filho (2014), a carreira pode ser compreendida
como o conjunto de classes funcionais cujos integrantes vão percorrendo
8 Cargo, emprego e função pública

diversos patamares de que se constitui a progressão funcional. As classes são


compostas de cargos que tenham as mesmas atribuições.
Assim, os quadros de cargos em carreira permitem que ocorra um avanço
profissional por meio de um provimento chamado de promoção, o que não
ocorre com os cargos isolados. Em uma segunda classificação, os cargos podem
se diferenciar, em razão das garantias e características, como:

„ cargos vitalícios;
„ cargos efetivos;
„ cargos de provimento em comissão.

Nessa classificação, os cargos estão divididos em relação à garan-


tia de permanência no serviço público pelos seus ocupantes. A garantia
contra perda de cargos públicos respeita o princípio democrático, ao não
se permitir que ocorram disputas políticas, colisão aos princípios cons-
titucionais, proibindo a manipulação de servidores públicos pelo agente
político mal-intencionado.
Os cargos vitalícios são os mais protegidos contra a perda, uma vez que
seus ocupantes só poderão perdê-los por sentença judicial transitada em julgado,
ou seja, sentença judicial da qual não caiba mais nenhuma espécie de recurso.
Fora essa hipótese, nenhum detentor de cargo vitalício poderá ser forçado a
deixar o seu cargo. Hoje em dia, são cargos vitalícios:

„ magistrado;
„ membro do Ministério Público;
„ membros dos Tribunais de Contas.

Os cargos efetivos têm como característica garantir a seus ocupantes, após


3 anos de efetivo exercício, a estabilidade. Após a aquisição da estabilidade, o
ocupante de cargo efetivo só poderá perdê-lo em quatro hipóteses:

„ sentença judicial transitada em julgado,


„ processo administrativo disciplinar (PAD), no qual seja assegurada
ampla defesa e contraditório;
„ processo periódico para avaliação de desempenho;
„ excesso de despesa com funcionalismo público (no caso da União, se
a despesa com o funcionalismo ultrapassar 50% da receita corrente
líquida, poderá haver exoneração de servidores estáveis, desde que
cumpridas todas as formalidades legais para tanto).
Cargo, emprego e função pública 9

Os ocupantes de cargos de provimento em comissão, também chamados


de cargos de confiança, são aqueles livremente nomeáveis e exoneráveis pelas
autoridades competentes, ou seja, não necessitam de concurso público para
ingressar no serviço público, como também não há qualquer processo especial
para que sejam exonerados.
O STF editou súmula vinculante, de obrigatória obediência sobre a nome-
ação para cargo de provimento em comissão e funções de confiança, visando
resguardar a Administração Pública contra os interesses privados, por meio do
nepotismo. A Súmula Vinculante nº. 13 (BRASIL, 2008, documento on-line)
tem a seguinte redação:

A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral


ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou
de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia
ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança
ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta
em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola
a Constituição Federal.

A Súmula Vinculante nº. 13 do STF não se aplica à nomeação de ministros e secretários


estaduais e municipais por se tratarem de agentes políticos. Dessa forma, nada impede
que um prefeito nomeie o irmão para ser secretário municipal. São parentes de terceiro
grau: tios e sobrinhos do servidor, da autoridade ou de seus cônjuges. Esses cargos,
tradicionalmente no Brasil, são chamados de nomeáveis e exoneráveis ad nutum.

Os cargos de provimento em comissão podem ser ocupados por servidor


de carreira ou não. Há a possibilidade de serem criadas, em conjunto com
os cargos em comissão, as funções de confiança, as quais são de ocupação
obrigatória de servidores efetivos da Administração Pública.
Não é necessário que o ocupante do cargo de confiança seja previamente
servidor. No entanto, a Constituição Federal dispõe que tais cargos serão ocu-
pados por servidores de carreira nos termos, nas condições e nos percentuais
mínimos previstos em lei, ou seja, em regra, os cargos de confiança podem
ser ocupados por quem seja servidor anteriormente ou não.
10 Cargo, emprego e função pública

No entanto, caberá à lei definir um percentual mínimo em que tais cargos


serão ocupados por servidores de carreira. É claramente o que afirma o inciso
V do art. 37 da Constituição Federal, com a seguinte redação:

Art. 37 [...]
V — as funções de confiança exercidas exclusivamente por servidores ocu-
pantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por
servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos
em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento
(BRASIL, 1988, documento on-line).

Abrangência da expressão “servidores públicos”


Ainda que pairem controvérsias doutrinárias sobre a conceituação de ser-
vidores públicos, seguindo a doutrina firmada pela administrativista Maria
Sylvia Di Pietro (2013, p. 433), os “[...] servidores públicos em sentido amplo
seriam as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado e às entidades da
Administração Indireta, com vínculo empregatício e mediante remuneração
paga pelos cofres públicos”.
Os servidores públicos também se diferenciam dos servidores temporá-
rios, que são aqueles contratados por tempo determinado para atender a uma
necessidade temporária e de excepcional interesse público, conforme disposto
nos termos do inciso IX do art. 37, da Constituição Federal (BRASIL, 1988).
Esses servidores temporários exercem uma função e não ocupam cargo ou
emprego público. Assim, a expressão “servidores públicos” lato sensu com-
preende as modalidades de servidores estatutários, empregados públicos e
servidores temporários.
No ano de 2018, o STF firmou tese, em repercussão geral reconhecida, sobre
a aplicação do critério de livre nomeação e exoneração em razão de cargos em
comissão, criados no âmbito da Administração Pública. No caso concreto, a
lei do respectivo ente fixou percentual de cargos em comissão que deveriam
ser preenchidos obrigatoriamente por servidores efetivos, o que denotaria a
exigência, portanto, de aprovação em concurso público para sua ocupação.
Nesse sentido, restou estabelecido o julgamento:

Criação de cargos em comissão. Requisitos estabelecidos pela Constituição


Federal. Estrita observância para que se legitime o regime excepcional de
livre nomeação e exoneração. Repercussão geral reconhecida. Reafirmação
da jurisprudência da Corte sobre o tema. 1. A criação de cargos em comissão
é exceção à regra de ingresso no serviço público mediante concurso público
de provas ou provas e títulos e somente se justifica quando presentes os pres-
Cargo, emprego e função pública 11

supostos constitucionais para sua instituição. 2. Consoante a jurisprudência


da Corte, a criação de cargos em comissão pressupõe: a) que os cargos se
destinem ao exercício de funções de direção, chefia ou assessoramento, não
se prestando ao desempenho de atividades burocráticas, técnicas ou ope-
racionais; b) necessária relação de confiança entre a autoridade nomeante
e o servidor nomeado; c) que o número de cargos comissionados criados
guarde proporcionalidade com a necessidade que eles visam suprir e com
o número de servidores ocupantes de cargos efetivos no ente federativo que
os institui; e d) que as atribuições dos cargos em comissão estejam descritas
de forma clara e objetiva na própria lei que os cria. 3. Há repercussão geral
da matéria constitucional aventada, ratificando-se a pacífica jurisprudência
do Tribunal sobre o tema. Em consequência disso, nega-se provimento ao
recurso extraordinário. 4. Fixada a seguinte tese: a) A criação de cargos em
comissão somente se justifica para o exercício de funções de direção, chefia e
assessoramento, não se prestando ao desempenho de atividades burocráticas,
técnicas ou operacionais; b) tal criação deve pressupor a necessária relação
de confiança entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado; c) o número
de cargos comissionados criados deve guardar proporcionalidade com a ne-
cessidade que eles visam suprir e com o número de servidores ocupantes de
cargos efetivos no ente federativo que os criar; e d) as atribuições dos cargos
em comissão devem estar descritas, de forma clara e objetiva, na própria lei
que os instituir (BRASIL, 2019, documento on-line).

3 Principais características dos cargos públicos


O cargo público é ocupado por um servidor público que mantém com a Admi-
nistração Pública vínculo estatutário. Assim, seja o servidor público efetivo
— como sendo aquele ingresso no serviço público por meio da submissão
ao concurso público, na forma do art. 37, II, da Constituição Federal — seja
o servidor comissionado — nomeado em razão da confiança entre este e a
autoridade nomeante, nos moldes do art. 37, V, da Constituição Federal —, a
ambos será aplicado o Estatuto dos Servidores Públicos do respectivo ente.
Assim, por meio do provimento no cargo público, restará o agente vinculado
ao desempenho das suas atribuições (BRASIL, 1988).
Em âmbito federal, os servidores públicos têm como estatuto a Lei nº.
8.112/1990, conhecida como Regime Jurídico Único dos Servidores Públi-
cos Civis da União (RJU). Portanto, ao detentor de cargo público, não será
aplicado outra lei que não a do ente pelo qual esteja vinculado, assim como
não serão automaticamente aplicadas as disposições da CLT.
Entre as principais características dos cargos públicos, está a ampla aces-
sibilidade. Segundo o art. 37, I, da Constituição Federal, é garantido, em
razão do princípio da impessoalidade, que os cargos e empregos públicos
12 Cargo, emprego e função pública

devam ser acessíveis aos brasileiros, natos ou naturalizáveis, exceto aqueles


cargos previstos no § 3º do art. 12 da Constituição Federal, que são privativos
de brasileiros natos e que preencherem os requisitos estabelecidos em lei
(normalmente a lei de criação do cargo ou emprego público), assim como aos
estrangeiros, na forma da legislação aplicável. Nesse tocante, caberá à lei do
respectivo ente competente regular o acesso de estrangeiro a cargos públicos.
Portanto, não se trata de disposição automática, devendo ser regulamentada
para bem de ser assegurada a garantia de acesso ao estrangeiro.
Os cargos públicos, assim como as funções e os empregos públicos, não
poderão ser cumulados, consoante disposto nos termos do art. 37, XVI, da
Constituição Federal. Ocorre que, por expressa previsão constitucional, com-
porta exceção tal regra. Vejamos:

Art. 37 [...]
XVI — é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando
houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto
no inciso XI:
a) a de dois cargos de professor;
b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;
c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com
profissões regulamentadas (BRASIL, 1988, documento on-line);

Portanto, poderão ser cumulados até dois cargos de professor, ou um cargo


de professor e outro técnico ou científico, e dois cargos ou empregos privativos
de profissionais da saúde (por exemplo, dois cargos de médico, dois cargos de
enfermeiro, entre outros), desde que seja comprovada a compatibilidade de
horários. Outra importante característica do cargo público é a possibilidade
de cumulação com o cargo de agente político, na forma do art. 38, III, da
Constituição Federal. Vejamos:

Art. 38 Ao servidor público da administração direta, autárquica e fundacional,


no exercício de mandato eletivo, aplicam-se as seguintes disposições:
[...]
III — investido no mandato de Vereador, havendo compatibilidade de horários,
perceberá as vantagens de seu cargo, emprego ou função, sem prejuízo da
remuneração do cargo eletivo, e, não havendo compatibilidade, será aplicada
a norma do inciso anterior;
[...] (BRASIL, 1988, documento on-line).

Uma garantia inerente ao servidor público detentor de cargo efetivo é


concessão da estabilidade funcional, que, segundo o art. 41 da Constituição
Cargo, emprego e função pública 13

Federal, será conferida ao servidor após o decurso de 3 anos de serviço pú-


blico, mediante a aprovação em estágio probatório. Assim, o servidor somente
perderá o cargo público em virtude de sentença judicial transitada em julgado,
mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa,
conhecido como PAD, e mediante procedimento de avaliação periódica de
desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa, caso
não atenda aos critérios de pontuação definidos nos termos da lei.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União,


5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/consti-
tuicao.htm. Acesso em: 16 set. 2019.
BRASIL. Lei nº. 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos
servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais.
Diário Oficial da União, 12 dez. 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/cci-
vil_03/LEIS/L8112cons.htm. Acesso em: 16 set. 2019.
BRASIL. Recurso Extraordinário nº. 1041210. Relator Ministro Dias Toffoli. Diário da Justiça
eletrônico, 22 maio 2019. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.
asp?incidente=5171382. Acesso em: 16 set. 2019.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula vinculante 13. A nomeação de cônjuge,
companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau,
inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica inves-
tido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em
comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública
direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a
Constituição Federal. Diário de Justiça, p. 1, 2008. Disponível em: http://www.stf.jus.
br/portal/jurisprudencia/menusumario.asp?sumula=1227. Acesso em: 16 set. 2019.
CARVALHO FILHO, J. S. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2014.
DI PIETRO, M. S. Z. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2013.
MEIRELLES, H. L. Direito Administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2014.
MELLO, C. A. B. Curso de Direito Administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

Leitura recomendada
CARVALHO, M. Manual de Direito Administrativo. 2. ed. Salvador: Editora JusPODIVM, 2015.

Você também pode gostar