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Textos de Apoio Direito Administrativo – Introdução Geral (2013)

INTRODUÇÃO GERAL1

1. A Administração Pública: Sentidos Objectivo e Subjectivo

A) Generalidades

A nossa disciplina designa-se por Direito Administrativo. A questão que primeira e


metodologicamente se pode colocar é esclarecer o motivo pelo qual iniciamos o nosso estudo com o
conceito de Administração Pública em vez do conceito de Direito Administrativo.
O que nos leva, à partida, a falarmos da Administração Pública é o facto de que o estudo de
qualquer ramo de conhecimento humano inicia-se com a abordagem sobre o dado ou fénomeno que
lhe compete estudar, dito doutro modo, o seu objecto. E qual é o objecto de estudo do Direito
Administrativo? Mas antes, o que é o Direito Administrativo?
Para começar, basta-nos dizer que o Direito Administrativo é o sistema de normas e princípios
que regulam a actividade da administração pública no exercício da função administrativa.
Daqui, dois elementos saltam-nos à vista como objecto de estudo do Direito Administrativo:
administração pública e função administrativa. Vamos, então, nos deter a eles.

B) Administração Pública

O Prof. Marcello Caetano inicia o estudo do Direito Administrativo, apresentando a noção de


administração (a boa administração) como sendo “o conjunto de decisões e operações mediante as
quais alguém procur[a] prover à satisfação regular de necessidades humanas, obtendo e empregando
racionalmente para esse efeito os recursos adequados”. (Manual, Vol. I, p. 1-2)
Significa dizer que administrar é empregar racionalmente os recursos – dinheiro, bens e serviços
– para acorrer às necessidades humanas, isto é, gerir insuficiências e excessos, necessidades urgentes e
permanentes, e tudo fazendo e colocando para manter o regular provimento de meios para a
estabilização da sociedade.
Falámos de necessidades humanas, ou seja, necessidades dos homens. O homem como ser social
pode ter necessidades individuais ou de cariz particular e também colectivas, i.é, da sociedade como
um todo. No que respeita às necessidades individuais, o homem procura satisfazê-las individualmente,

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Textos de apoio destinados aos estudantes de Direito Administrativo (UZ-2013)
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mas as colectivas precisa da colaboração doutras pessoas, agindo individualmente, ou colectivamente


– no esquema de colaboração social2.
Com efeito, são várias as necessidades que têm de ser satisfeitas colectivamente. A necessidade de
manutenção da ordem e segurança pública, de provisão de vias de acesso, do transporte público, da
educação, de electricidade, de água potável, de serviços de identificação pública dos cidadãos, de
serviços de fiscalização do cumprimento das normas, de serviços portuários e aeroportuários,
telecomunicações, entre outras. A tarefa fundamental de satisfazer estas e outras necessidades cabe na
esfera do “conjunto, vasto e complexo, de actividades e organismos a que se costuma chamar
administração pública”. (Freitas do Amaral, Curso..., Vol. I, p. 32; Marcello Caetano, Manual..., Vol. I,
pp. 2-5).

C) Sentidos da expressão “administração pública”

A expressão administração pública comporta dois principais significados, designadamente,


objectivo ou material e subjectivo ou orgânico.
Em sentido objectivo, administração pública traduz ou identifica-se com actividade da
administração pública (Esteves de Oliveira, p. 9), ou como refere o Prof. Marcello Caetano, “o
conjunto de decisões e operações mediante as quais o Estado e outras entidades públicas procuram,
dentro das orientações gerais traçadas pela Política e directamente ou mediante estímulo, coordenação
e orientação das actividades privadas assegurar a satisfação regular das necessidades colectivas de
segurança e de bem estar dos indivíduos, obtendo e empregando racionalmente para esse efeito os
recursos adequados” (Marcelo, op.cit., p. 5)
Por sua vez, em sentido subjectivo ou orgânico, administração pública representa a própria
organização administrativa, no sentido referido pelo Prof. Freitas do Amaral como o vasto e complexo
de entidades e serviços administrativos organizados para a satisfação das necessidades colectivas.
É preciso acrescentar que o sentido subjectivo, administração pública comporta diversas
entidades, nomeadamente, o Estado, as autarquias locais, institutos públicos, agentes e funcionários.
Quer-se com isto dizer que a administração pública em sentido orgânico traduz-se, por um lado, nas
pessoas colectivas públicas e os serviços administrativos e, por outro, os agentes e funcionários.

2Importa trazer aqui a ideia de manifestação do direito como uma realidade humana e social. Ou seja, o instinto gregário
do homem é fruto da necessidade do homem fazer face às atrocidades e intempéries de mais diversa ordem.
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Por assim dizer, definir-se-á a administração pública como “sistema de órgãos, serviços e agentes
do Estado, bem como das demais pessoas colectivas públicas, que asseguram em nome da
colectividade a satisfação regular e contínua das necessidades colectivas de segurança, cultura e bem
estar” (Freitas do Amaral, op.cit., p. 37)
Assim, se alguém disser, por exemplo, que tem assuntos a tratar na administração pública, refere-
se a esta em sentido orgânico, ao passo que quando disser que a administração pública não funciona,
ou que é lenta, quer-se referir ao sentido objectivo, i.é, como actividade.
Ora, para evitarmos confusão, doravante, utilizar-se-ão letras minúsculas para se referir à
administração pública em sentido objectivo e maiúsculas para se referir à Administração Pública em
sentido subjectivo.
Mas, a quem compete a realização da actividade administrativa?

2. As funções do Estado e a teoria da separação de poderes

A) Generalidades

i) Teoria da separação de poderes

A teoria da separação de poderes remonta a John Locke, filósofo inglês, que defendia a ideia de
que a sociedade política é resultado de um acordo estabelecido entre homens que num momento
anterior, que designou de estado de natureza, viviam isolados uns dos outros, cabendo-lhes apenas o
cumprimento da lei natural. Segundo este autor, neste estado o homem dispunha de dois poderes: a) o
de fazer o que bem lhe apetecesse para salvaguarda pessoal e dos outros e b) o de punir a violação
daquela lei.
Esse estado não dava segurança plena, pois os juízes não eram imparciais e reinava a incerteza das
leis. Foi, nessa sequência, que os homens, por acordo, se ordenaram em sociedades políticas, detentoras
do poder supremo. Com a constituição dessas sociedades, os membros renunciaram os seus poderes
a favor dela. Daqui, é, no entanto, instituído um governo que vai exercer o poder político, i.é, o de
fazer as leis e de determinar como será empregue a força aos prevaricadores.
Segundo a teoria da separação de poderes, na sociedade política, o poder político divide-se em a)
legislativo, cuja função é fazer as leis; b) o executivo, com a função de as executar e/ou garantir a sua
aplicação; e, c) o judicial, com a função de julgar, i.é, de punir os infractores. (cfr. Marcello Caetano,
Manual de Ciência Política..., I, pp. 190-201)
Ora, esse poder não devia ser concentrado num único sujeito, pois, este, conforme a história
ensinou, é ambicioso e a sua intenção é sempre exorbitar do poder que detém e dele abusar. Assim, a
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separação do poder permitiria uma maior controlo, melhor sindicância e efectiva imposição de limites
com vista a impedir os abusos de autoridade de outros órgãos. Por isso, os diversos poderes haveriam
de actuar concertadamente e em harmonia. (vide Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria..., p.
250)3.

B) Os poderes do Estado e as funções do Estado

Uma interpretação rígida da teoria da separação de poderes pode levar-nos a estabelecer para cada
poder uma função estanque. Assim, ao poder legislativo caberia a função legislativa; ao poder
executivo, a função administrativa; e, finalmente, o judicial, a função jurisdicional.
Contudo, o tempo provou ser impossível manter esta divisão estanque. Por isso, a partir da ideia
de colaboração e hetero-limitação, a função legislativa pode ser partilhada com o poder executivo, a
quem se atribui a iniciativa legislativa, o parlamento que discute a proposta, e o preisdente que pode
vetar. Além disso, o governo, órgão do poder executivo, pode aprovar actos normativos,
nomeadamente, os Decretos-Leis. Com isso, deixa de haver uma atribuição em exclusivo das funções
do Estado a um poder determinado.
É portanto daqui, parafraseando Marcello Caetano (Manual de Ciência Política..., p. 203), que surgem
diferenças entre funções e poderes do Estado, estes entendidos em sentido orgânico, quando se trata
de atribuir uma mesma função a dois órgãos distintos da soberania, em nome da celeridade e
manutenção dos serviços, tendentes à satisfação das necessidades colectivas. Hoje em dia, assiste-se
várias vezes este ecletismo em que órgãos de poderes distintos praticam além de actos próprios,
também os de outros órgãos.

C) Continuação. Funções do Estado

i) A função política ou governamental

A função política é, na perspectiva de Gomes Canotilho (op.cit., p. 648) “um complexo de funções
legislativas, regulamentares, planificadoras, administrativas e militares, de natureza económica, social,
financeira e cultural, dirigidas à individualização e graduação dos fins constitucionalmente

3 Na mesma senda, vide art. 134.º da Constituição da República de Moçambique.


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estabelecidos”. Esta função é caracterizada por uma “grande margem de liberdade de conformação”,
(ibidem) ressalvado o princípio da constitucionalidade.
Marcello Caetano (Manual de Ciência..., p. 171) considera a função política como função não
jurídica, na medida em que não cria nem executa o direito positivo, apesar de em certas circunstâncias
assumir formas jurídicas, ou se quisermos, traduzir-se em actos legislativos ou regulamentares.
A função política surge-nos como a faculdade que o Estado tem de definir os valores que a
Administração deve privilegiar num dado momento (e.g. revolução, estado de sítio, emergência, etc.)
para garantir o reforço da paz e da segurança internas, pese o sacrifício das liberdades individuais, de
definir a orientação governativa, de estabelecer planos e programas de acção e de fixar os fins que
serão prosseguidos por leis. (Esteves de Oliveira, op.cit., p. 14; Marcello Caetano, Manual de Ciência...,
p. 171)
Nesta medida, podemos dizer que a função política preocupa-se com o interesse geral, mediante
a livre escolha dos rumos ou das soluções consideradas preferíveis. (Marcello, Idem, p. 172).
Pelo exposto, a função política distingue-se da administrativa, quanto ao fim, objecto, natureza e
carácter, no sentido de que a função política define o interesse geral da comunidade política, preocupa-
se com as grandes opções que devem nortear os destinos do país, inovar tudo para a salvaguarda e
desenvolvimento da sociedade política e tem carácter livre e primário.
Já, à Administração Pública, no exercício da função administrativa, compete concretizar aquele
interesse definido, satisfazer contínua e regularmente as necessidades colectivas, pôr em prática as
orientações tomadas a nível político e tem carácter condicionado e secundário. (Freitas do Amaral,
op.cit. p. 45-46)
Fazem parte desta função, os órgãos superiores do Estado, nomeadamente, os órgãos eleitos e o
Governo.
Contudo, não se pense que esta distinção traçada significa que uma e outra função está delimitada
no seu espaço. Há concerteza enorme interdependência, chegando, sobretudo, no que toca ao
Governo confundir-se se em determinado momento age no exercício do poder político, ou
administrativo.

ii) A função legislativa


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Marcello Caetano (Manual de Ciência..., p. 166) define a função legislativa referindo que é “a
actividade dos órgãos do Estado que tem por objecto directo e imediato estatuir normas de carácter
geral e impessoal inovadoras da Ordem jurídica”.
Com efeito legislar, em bom rigor, é “a actividade dos órgãos estaduais que consiste na criação de
preceitos gerais e abstractos contendo a disciplina jurídica primária do ordenamento jurídico, na
criação de normas jurídicas sem outros limites ou dependências que não sejam os resultantes de
preceitos constitucionais”. (Mário Esteves de Oliveira, op.cit., p. 20)
A função legislativa compete, nos termos do art. 179.º da CRM à Assembleia da República,
competindo-lhe, por lei, fixar o fundamento, o critério e o limite de toda a actividade administrativa.
(cfr. Freitas do Amaral, op.cit. p. 47). O Governo é, por vezes, chamado a praticar actos legislativos,
sob a forma de Decretos-Leis. Estes actos em contraposição aos Regulamentos administrativos, são
verdadeiros actos legislativos porque provenientes da função legislativa do Estado, pelo que, não se
equiparam.
Em contrapartida, conforme defende Esteves de Oliveira (op.cit. p. 22 e 25), os Decretos-Leis e
Leis que contêm actos pertencentes à função administrativa, isto é, dirigidos a pessoas individualizadas
e casos concretos da vida em sociedade, ou despidos do carácter de novidade, não podem qualificar-
se como diplomas legislativos. Aliás, a existência destes instrumentos, designados pela doutrina como
leis medida resulta da crescente complexificação das necessidades colectivas e da necessidade de
maior operacionalidade, protecção do interesse público, eficácia e urgência na produção de efeitos
imediatos e directos sobre conflitos de interesses vigentes. A título de exemplo podemos falar de uma
lei concedente de uma pensão de sangue extraordinária à viúva de um antigo combatente. É uma lei
de carácter individual e concreto (Freitas do Amaral, op.cit. p. 48)4.

4 São desta posição os Prof. Marcelo Caetano e Gomes Canotilho e jurisprudência portuguesa quase constante (não quer
dizer toda), nas palavras de Esteves de Oliveira, op.cit., p. 23 e ss. Com efeito, algumas vezes, os acórdãos sustentam,
baseados na concepção formal, ou orgânica que o facto de estes diplomas provirem da função legislativa devem ser
considerados actos legislativos (na mesma linha, o Prof. A. Queiró), pois mais do que isso, o legislador não se encontra
ancorado constitucionalmente ao cumprimento dos caracteres abstracto e geral das normas que cria. Na mesma senda,
Garrido Falla acrescenta que o que importa não é o conteúdo do acto, mas o valor formal dos actos.
O Prof. Mário Esteves de Oliveira é de opinião contrária, pois entende ele que qualquer acto normativo deve revestir os
caracteres da generalidade, abstracção e novidade que são conciliáveis com os preceitos constitucionais relativos ao
princípio da igualdade (entendida como igualdade perante a lei e não igualdade na lei) e interpretação dos direitos
fundamentais que remete para a Declaração Universal dos Direitos do Homem que se traduz na ideia de que a igualdade
perante a lei traduz-se na igualdade de protecção jurídica de todos os cidadãos. Ora, este dever de obedecer o princípio da
igualdade impõe-se sobremaneira no legislador a quem cabe tratar o igual de modo igual. Assim, não caberá ao legislador
optar, no exercício da sua função legislativa, entre criar um acto geral e abstracto ou individual e concreto, porquanto, e
como´bem reconhecem os ilustres Gomes Canotilho e Vital Moreira, se a generalidade e abstracção não são condições
suficientes da igualdade perante a lei, pelo menos, são condições necessárias da igualdade perante a lei.
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Ora, no entender do ilustre Prof. Esteves de Oliveira (op.cit. p. 22), a generalidade e abstracção são
fruto do princípio do Estado de Direito alicerçado pelos princípios da separação de poderes, igualdade
de direitos perante a lei e da legalidade administrativa.
Ora, nessa medida, quando se faz referência a actos da função legislativa, quer-se referir a actos
primários, isto é, aqueles que na sua criação excluem qualquer subordinação a um acto legal anterior,
senão e, apenas, a Constituição e aos princípios estruturantes da ordem jurídica.
Assim, seguindo de perto Esteves de Oliveira, deve excluir-se dos actos da função legislativa, a)
os actos regulamentares da Administração; b) os assentos do Tribunal Supremo, cuja
finalidade é interpretar uma norma legal anterior por via geral e abstracta; e, c) actos
legislativos com conteúdo concreto, isto é, sem conteúdo normativo e, portanto, não são
regras de conduta. (Mário Esteves de Oliveira, p. 21)
Assim, farão parte deste bloco de actos a) as leis orçamentais; b) as leis de autorização legislativa;
c) as leis de autorização de contracção de empréstimos pelo Governo; d) as ratificações de declaração
do estado de sítio; e, e) os actos da Administração que assumem a qualidade de verdadeiros actos
legislativos - Decretos-Lei, Declaração de utilidade pública de uma expropriação, aprovação de um
contrato do Estado. (Idem, pp. 21-22)

iii) A função jurisdicional

A função jurisdicional traduz-se na actividade do Estado que consiste na resolução de conflitos


concretos de interesses entre pessoas diferentes dos órgãos julgadores, com subordinação ao direito
constituído. Daqui extrai-se que estes órgãos são independentes das entidades em conflito e imparciais
na solução dos casos que lhes são submetidos. (Freitas do Amaral, op.cit., p. 48 e Esteves de Oliveira,
op.cit., p. 28)
Os órgãos cuja tarefa é julgar conflitos de interesses são os tribunais. O art. 212.º da CRM sob a
epígrafe função jurisdicional refere de um modo geral que “os tribunais têm como objectivo reforçar

Perante este posicionamento e fundamentos aduzidos não nos resta mais senão com ele concordar e, por efeito, assumir
as consequências práticas decorrentes desta posição, pois, na verdade, o art. 35.º e 43.º ambos da CRM nos conduzem a
assumirmos os actos normativos como gerais e abstractos, principalmente, por homenagem ao princípio do Estado de
Direito (art. 3.º da CRM) que é estruturante do ordenamento jurídico moçambicano. Esta concepção, concerteza, tem
consequências práticas muito importantes no que respeita à sua apreciação do ponto de vista jurisdicional. (ainda em
estudo, pois o art. 56/4 da CRM parece levar-nos ao entendimento de que para que um acto legislativo seja assim
considerado não tem de, necessariamente, ter o carácter geral e abstracto. No mesmo sentido, se encontra o Prof. Cistac,
sobretudo no que respeita às situações de “regulamentos administrativos independentes”, ou se quisermos, “autónomos”,
nos termos das disposições conjugadas dos arts. 143 e 204/1/f e 179/1, todos da CRM.
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a legalidade como factor da estabilidade jurídica, garantir o respeito pelas leis, assegurar os direitos e
liberdades dos cidadãos, assim como os interesses jurídicos dos diferentes órgãos e entidades com
existência legal”. Com efeito, um Estado regido pelo Direito como é o nosso não podem permitir-se
situações em que os sujeitos jurídicos violem impunemente as leis, pois assim estar-se-ia a promover
a desordem pública.
No processo de resolução de conflitos, a aplicação do direito pelos tribunais é um fim em si
mesmo; quer dizer, o que se impõe aos tribunais como interesse é que o direito seja aplicado para o
caso em concreto, sendo-lhe indiferente a parte que sair vencedora no pleito.
Como se deixa ver, a função jurisdicional é, ao lado da função administrativa, uma função
secundária, executiva e subordinada à lei.

iv) A função administrativa

Para se falar da função administrativa é imperioso partir-se do pressuposto de que quando decidiu
agregar-se, ou se quisermos, viver em comunidade, o homem passou a experimentar novas
necessidades. Trata-se de necessidades que não tinha5, ou não teria se vivesse isolado doutros seres
humanos. Com efeito, as necessidades de comunicação, de tranquilidade e segurança dos membros
do agregado, de defesa perante estranhos, isto é, outros agrupamentos e meio ambiente, de
fornecimento de água, energia eléctrica, saúde, educação, entre outras, surgem como decorrência da
organização do homem em sociedade.
Antes da adopção dos métodos de divisão do trabalho, o homem satisfazia as necessidades
individuais usando recursos e armas próprias, mas a partir da sua adopção, o homem começou a contar
com o apoio do vizinho, no desenvolvimento e materialização de tais actividades.
No entanto, as necessidades individuais a partir de certo momento começaram a ser mais
complexas e profundas e, por via disso, deixaram de serem simplesmente individuais e passaram a ser
colectivas. Portanto, as necessidades de um homem passaram a ser de outro e assim sucessivamente.
Por efeito disso, tornou-se necessário passar a responsabilidade pela sua satisfação aos órgãos da
colectividade que, para todos efeitos, oferecem mais segurança e garantia total na sua satisfação, não
obstante, a existência de particulares que concorrem com estes órgãos na satisfação das mesmas
necessidades.

5 Numa perspectiva da teoria contratualista.


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Dir-se-á, nesta perspectiva, que a função administrativa “consiste na actividade levada a cabo por
órgãos e serviços da colectividade (ou que actuam em seu nome) destinada a assegurar em concreto a
satisfação regular e contínua das necessidades colectivas de segurança, bem-estar moral e material e
progresso” (Esteves de Oliveira, p. 38)
Por seu turno, o Prof. Marcelo Caetano (Manual de Ciência Política..., p. 168) que prefere tratar a
função administrativa como uma das vias de execução do Direito, a par da via jurisdicional, refere que
esta corresponde à “actividade dos órgãos do Estado que tem por objecto imediato promover e
assegurar o cumprimento das leis e aplicar sanções aos infractores delas”.
Esta forma de ver a função administrativa demonstra claramente que o autor olha para a função
administrativa como uma actividade secundária à da função legislativa, cuja finalidade última é a
produção do Direito. Contudo, não quer dizer que o Professor M. Caetano reduz a função
administrativa ou executiva a mero tarefeiro, ou se quisermos executor. Vai mais longe, pois, sendo
certo que administrar implica tomar decisões conforme cada situação ou circunstância do momento e
através de critérios de oportunidade e conveniência. Nesta perspectiva, atribui a esta função
características de iniciativa e parcialidade, no sentido de que “o Estado não espera que lhe venham
pedir para executar a lei: aproveita faculdades legais, usa os seus poderes, cumpre os seus deveres,
escolhendo quando lhe seja possível as oportunidades de intervenção e determinando-se nela por
motivos da conveniência”. (Marcello Caetano, Manual de Ciência Política..., p. 169)

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