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DIREITO CONSTITUCIONAL

Aula 1
Poder Constituinte.

Professor
Luís Henrique Linhares Zouein

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Introdução:

O melhor conceito de Poder Constituinte que encontrei na doutrina foi o do


professor Bernardo Gonçalves, que afirma ser o “(...) Poder ao qual incumbe criar ou
elaborar uma Constituição, alterar ou reformar uma Constituição e complementar uma
Constituição. Daí os termos Poder Constituinte Originário (criar), Poder Constituinte
Derivado-Reformador (alterar), Poder Constituinte Decorrente (complementar).”
Deste conceito, já se extrai as principais funções do Poder Constituinte, bem como as suas
principais espécies.
Foi o abade Sieyès, uma importante figura da Revolução Francesa, o grande
responsável pela teorização do poder constituinte. As ideias de Sieyès contribuíram
para que fosse deflagrado e mantido o processo revolucionário francês e seu grande
mérito foi estabelecer uma distinção entre o Poder Constituinte, que nós hoje chamamos
de Poder Constituinte Originário, e os demais poderes (os poderes constituídos).
São espécies de Poder Constituinte, que nós trabalharemos ao longo dessa
aula/transcrição:
-Poder Constituinte Originário;
-Poder Constituinte Derivado, que se divide em reformador e revisor;
-Poder Constituinte (Derivado) Decorrente.
Aqui, faço uma pausa para trazer uma crítica, também feita por Virgílio
Afonso da Silva e Dirley da Cunha Júnior. Ora, o Poder constituinte é, de forma
redundante, chamado de Poder Constituinte Originário (PCO). Isso porque ele seria o
único efetivamente constituinte. Todos os demais poderes, segundo estes autores, com
quem eu concordo, seriam, no máximo, os poderes constituídos. Para as provas, ainda
mais objetivas, fiquem com as nomenclaturas clássicas, que se valem da expressão “poder
constituinte” para as mais diversas espécies.
Ademais, podemos mencionar outras espécies de Poder Constituinte, como o
Poder Constituinte Difuso e o Poder Constituinte Supranacional, que igualmente
trabalharemos nesta aula.

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1. Poder Constituinte Originário:

Conceito:
O Poder Constituinte Originário consiste no poder de criar uma nova
Constituição, inaugurando, assim, uma nova ordem jurídica e um novo Estado.

Natureza e características do PCO. Perspectiva jusnaturalista vs. juspositivista.


Um dos temas que mais são exigidos em concursos públicos sobre o PCO é,
justamente, com relação à sua natureza. E a resposta depende da concepção jusfilosófica
adotada.
Para os adeptos da concepção jusnaturalista, aqueles que acreditam que
existiria uma ordem jurídica universal do ponto de vista geográfico e atemporal, portanto,
existente em qualquer tempo e em qualquer lugar, o PCO seria um poder jurídico (ou
de direito). Isso porque o PCO deveria observar as normas do direito natural.
Não é esse o entendimento dominante, tampouco é esta a posição segura de
prova. Prevalece uma concepção juspositivista, que toma o PCO como um poder
político, extrajurídico ou de fato.
Isso porque, dentre suas características, está o fato de ser inicial, autônomo,
ilimitado, incondicionado e, por consequência, absoluto.
O PCO, ao criar uma nova Constituição, rompe por completo com qualquer
ordem jurídica anterior, possuindo, assim, amplíssima capacidade de conformação. O
PCO, de acordo com o entendimento clássico e dominante, pode tudo ou, ao menos, quase
tudo. Ele NÃO se limita a qualquer regra de procedimento ou de conteúdo imposta por
uma ordem jurídica anterior.
A doutrina costuma apontar mais uma característica: o fato de o PCO ser
um poder permanente. Ainda que editada uma nova Constituição e, portanto, exauridos
os trabalhos, por exemplo, de uma assembleia constituinte, o PCO não se exaure ali. Ele
ficaria em estado de latência, que pode despertar em momentos de ruptura, com uma
ascensão de uma nova consciência jurídica coletiva, que ensejaria a edição de uma nova
Constituição e, por consequência, a refundação da ordem jurídica e do Estado.

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Para fechar este tópico, numa perspectiva jusnaturalista, por ser um poder
de direito ou jurídico, devendo observar as normas do direito natural, o PCO seria
limitado por essas normas de direito suprapositivo. Ocorre que, conforme já afirmado,
não é essa posição dominante.

Consequências:
Afirmar que o PCO é um poder de fato, extra jurídico ou político, que tem,
dentre suas características, o fato de ser ilimitado, autônomo, incondicionado e, por
consequência, absoluto, traz algumas consequências práticas e jurídicas, que podem cair
na sua prova.
Pode o Supremo Tribunal Federal realizar controle de
constitucionalidade das normas constitucionais originárias? Um autor alemão,
chamado Otto Bachoff, defenderia que sim. Isso porque, segundo ele, existiriam normas
constitucionais originárias inconstitucionais; haveria uma hierarquia entre normas
constitucionais, mesmo entre aquelas produzidas diretamente pelo PCO, de tal forma que
a jurisdição constitucional poderia declarar a sua invalidade. Por exemplo, a dignidade da
pessoa humana e seus desdobramentos seria uma norma hierarquicamente superior se
comparada a minúcias tributárias previstas no mesmo texto constitucional.
Não é essa a posição de prova e não é esse o entendimento da doutrina
majoritária brasileira, tampouco, da própria jurisprudência do STF, por dois principais
fundamentos.
Acabamos de ver a natureza e as características do PCO, sendo os demais
poderes constituídos. Não faria sentido permitir a obra, ainda que o Supremo
Tribunal Federal, controlar os trabalhos do seu criador.
E, mais, prevalece o princípio da unidade da Constituição, que veremos
com mais tranquilidade na aula sobre hermenêutica. Segundo este princípio, as normas
constitucionais não podem ser interpretadas isoladamente ou em tiras, mas devem ser
interpretadas e aplicadas dentro da lógica de um sistema harmônico e unitário.
Percebam que nada mais é que uma especificidade da interpretação
sistemática e, como consequência, não há hierarquia entre as normas constitucionais,
devendo o intérprete, em caso de aparentes colisões, harmonizá-las no caso concreto.

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A segunda consequência da adoção da concepção juspositivista implica em
que, de acordo com o entendimento dominante, não é possível opor direitos adquiridos
em face do PCO. Se ele é um poder de fato, político ou extrajurídico, e tem dentre as
suas características o fato de ser inicial, autônomo, incondicionado, ilimitado e absoluto,
ele não precisa observar nem mesmo os direitos adquiridos consagrados em uma ordem
jurídica anterior. Até pode fazê-lo, desde que o faça expressamente. Mas não está
obrigado a tanto; ele pode suprimir posições subjetivas previstas em uma ordem jurídica
anterior. É essa posição dominante, inclusive do Supremo Tribunal Federal.

Limitações ao PCO?
Mas há uma doutrina contemporânea, cada vez mais numerosa, com a qual
eu concordo, que entende que o PCO não é tão ilimitado ou absoluto assim.
Segundo Virgílio Afonso da Silva,
"(...) não parece supor que o poder de criar uma constituição é absoluto
e ilimitado no sentido de poder criar qualquer constituição. Se uma
assembleia constituinte redige e aprova um documento que institui a
escravidão, a superioridade de uma raça sobre outra, institui um
governo absoluto sem separação de poderes e não reconhece os direitos
fundamentais das pessoas, ainda que possa chamar esse documento de
constituição, não é possível aceitá-la como tal. Se é assim, se do ponto
de vista da teoria constitucional há um conteúdo mínimo absoluto para
as constituições, então o poder que as cria não é ilimitado, não pode
tudo.”

Esse entendimento é minoritário, mas ascendente, e pode ser exigido em


provas discursivas e orais, ou mesmo, com cautela, em provas objetivas. De fato, cada
vez mais se defende que o PCO não é tão ilimitado assim.
A primeira limitação, na minha sistematização, está muito associada à ideia
de legitimidade do PCO e seus trabalhos. De acordo com parte da doutrina, ele deve
observar a consciência jurídica coletiva que deflagrou os seus trabalhos. Se há uma
assembleia constituinte em desenvolvimento é porque, provavelmente, houve um
momento de ruptura. Surge, naquela sociedade, um novo senso de justiça, um novo senso
de direito, portanto, uma consciência jurídica coletiva ascendente, que trouxe a

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necessidade da edição de uma nova Constituição. Ora, em sendo assim, o PCO, por meio
dos representantes do povo, deve observar essa consciência jurídica coletiva.
A segunda restrição apontada por boa parte da doutrina (por exemplo
Bernardo Gonçalves e Flávio Martins), é o Direito Internacional dos Direitos
Humanos. Ainda que se edite, hoje, uma nova Constituição, por óbvio, o Estado
brasileiro continua sendo o mesmo, ainda que com modificações significativas. Mas,
ainda assim, continua sendo o mesmo Estado. Trata-se do princípio da continuidade do
Estado, mencionado por muitos autores de direito internacional público. Logo, aqueles
compromissos assumidos pelo Brasil na ordem internacional vinculariam os trabalhos do
PCO, ainda mais quando se trata de direitos humanos.
Terceira limitação seria o princípio da proibição de retrocesso. Atingidos
determinados níveis de densidade normativa, certos direitos não poderiam ser suprimidos,
ou reduzidos significativamente em seu grau de proteção, sob pena de violação à vedação
ao retrocesso.
Na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH) há um
dispositivo interessantíssimo, o art. 4.3, que bem reúne essas duas ideias: o DIDH e a
vedação ao retrocesso como limite ao PCO. Segundo esse dispositivo, os Estados
signatários da CADH que já hajam abolido a pena de morte, não podem restabelecê-la.
Considerando que no Brasil, hoje, a pena de morte é prevista apenas em caso de guerra
externa declarada, não seria possível uma nova Constituição Brasileira prever a pena de
morte de forma mais ampla, sob pena de violar a CADH.

Possibilidade de controle de convencionalidade internacional de norma


constitucional originária. Caso “A Última Tentação de Cristo” (Olmedo Bustos e
outros vs. Chile).
A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), no caso A Última
Tentação de Cristo (Olmedo Bustos e Outros vs. Chile), entendeu que ela própria, Corte
IDH, pode realizar o controle internacional de convencionalidade das normas
constitucionais, inclusive das originárias. Isso porque, diante dos sistemas internacionais
de proteção dos direitos humanos, as normas internas, independentemente de sua
hierarquia, seriam um “mero fato”.

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Percebam, portanto, aqui, a distinção. Para o Supremo Tribunal Federal e para
a doutrina dominante ele, Supremo Tribunal Federal, não pode realizar o controle de
constitucionalidade das normas constitucionais originárias, mas para a Corte IDH, tendo
um parâmetro diverso (sobretudo a CADH), ela pode realizar um controle internacional
de convencionalidade, inclusive das normas constitucionais originárias, o que demonstra
que o PCO não é tão ilimitado assim.

Titularidade vs. exercício:


A doutrina estabelece uma importante distinção entre titularidade e
exercício. O abade Sieyès afirmava que o titular do PCO era a nação. Bom, aquele
conceito tinha suas características que não convém aqui destrinchar. Mas, numa
concepção contemporânea e democrática, prevalece que o titular do Poder Constituinte
é o povo. Tanto é assim que o artigo 1º, parágrafo único, da CRFB prevê que “todo o
poder emana do povo e por ele será exercido diretamente ou por meio de seus
representantes”.
Mas titularidade não se confunde com exercício. O titular é e sempre será
o povo, numa concepção minimamente republicana e democrática. O seu exercício é
diverso. Em regra, o exercício do PCO se dará por meio de representantes legitimamente
eleitos como, por exemplo, em uma assembleia constituinte. Mas é perfeitamente possível
que o exercício do PCO e a edição de uma nova Constituição se dê por um grupo
minoritário, autoritário e/ou ilegítimo. Há, portanto, uma usurpação do poder. O
exercício ilegítimo do PCO jamais tirará do povo a titularidade deste poder.
Com isso, é possível distinguir a ideia de legitimidade, que já mencionamos
superficialmente, nos prismas subjetivo e objetivo. Numa perspectiva subjetiva, a ideia
de legitimidade do PCO está associada a quem exerce este poder, sendo a titularidade
sempre do povo. Numa perspectiva objetiva, está associado ao conteúdo. O conteúdo
dos trabalhos do PCO é compatível com a consciência jurídica coletiva que deflagrou este
novo momento constituinte? Caso sim, será legítimo do ponto de vista objetivo.

PCO histórico vs. revolucionário:


A doutrina também costuma trazer algumas classificações do PCO. Flávio
Martins e outros tantos autores dividem o PCO em histórico e revolucionário. O PCO

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histórico seria aquele que edita a primeira Constituição de um país. Imagine um
movimento separatista com o surgimento de um novo país. Ora, a primeira Constituição
desse país decorrerá do trabalho do PCO histórico.
Constituições posteriores daquele mesmo país serão caracterizadas pelo
trabalho do PCO revolucionário.

PCO material vs. formal:


A doutrina também costuma dividir o PCO em material e em formal. O PCO
material seria o conjunto de forças político-sociais que deflagraram uma nova
constituinte. Portanto, o povo e os valores subjacentes. Já o PCO formal é aquele poder
que exterioriza esse novo senso de direito emanado do PCO material. Em última análise,
é o grupo encarregado de redigir a Constituição.
Com isso encerramos o tema do Poder Constituinte Originário.

2. Poder Constituinte Derivado:

Conceito, natureza e características:


Agora, vamos trabalhar Poder Constituinte Derivado, a segunda espécie de
Poder Constituinte, começando por um conceito: o Poder Constituinte Derivado é o poder
de alterar a Constituição já existente, de acordo com as regras de procedimento e
algumas regras de conteúdo fixadas pelo Poder Constituinte Originário.
Desse conceito já é possível identificar que a natureza do Poder Constituinte
Derivado não é a mesma natureza do PCO. Se prevalece que o PCO é um poder de fato,
extrajurídico ou político, com relação ao Poder Constituinte Derivado, não há menor
dúvida de que se trata de um poder de direito ou jurídico, porque constituído pelo PCO
e limitado pelo Direito.
Como consequência, tem dentre as características o fato de ser instituído,
limitado e condicionado por meio de normas de procedimento, mas também normas de
conteúdo.
Este Poder Constituinte Derivado pode ser Reformador (ou de emendas –
tomados, em regra, como sinônimos) ou Revisor.

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Poder Constituinte Derivado Reformador:
Vamos começar pelo Poder Reformador. O artigo mais importante e de leitura
OBRIGATÓRIA é o artigo 60 da Constituição.

Limitações temporais:
O Poder Reformador, conforme já afirmado, é um poder jurídico (natureza),
instituído, limitado e condicionado (características). Por isso, encontra as mais diversas
limitações. A primeira mencionada pela doutrina são, justamente, as limitações
temporais. Em havendo limitações temporais, as constituições não poderiam ser
modificadas num determinado período de tempo. Estas limitações, comumente, existem
no início de vigência de novas constituições, para que haja uma consolidação dos seus
institutos e da nova ordem jurídica.
Prevalece com alguma tranquilidade na doutrina que a Constituição
Brasileira de 1988 NÃO previu nenhuma limitação temporal com relação ao Poder
Reformador. Editada a Constituição de 1988, no dia seguinte, ela já poderia ser alterada
pelo procedimento nela mesma previsto.
Há doutrina minoritária no sentido contrário, por exemplo, Virgílio Afonso
da Silva. Para alguns, o artigo 60, §5º da Constituição representaria uma limitação
temporal. Veremos que não é esse o entendimento dominante.
De outro lado, a Constituição de 1824, a nossa primeira Constituição
(Imperial), previa no artigo 174 uma limitação temporal. Após a sua promulgação, o texto
da Constituição só poderia ser alterado transcorridos 4 anos.

Limitações circunstanciais:
A doutrina também costuma apontar limitações circunstanciais como
importantes limitações ao Poder de Emenda. Essas limitações implicariam em que a
Constituição não poderia ser alterada se presentes determinados pressupostos fáticos e
jurídicos. Em regra, momentos de absoluta excepcionalidade institucional, de profunda
instabilidade social.
As alterações na Constituição exigem sobriedade, exigem debates
qualificados. Nestes momentos, essas exigências não seriam presentes. Assim, a
Constituição de 1988 traz sim limitações circunstanciais no artigo 60, §1º. A

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Constituição NÃO pode ser alterada durante a vigência de intervenção federal, estado
de defesa e estado de sítio.
Em 2018, tivemos a intervenção federal na segurança pública do meu Estado
do Rio de Janeiro. Por conta disso, no último ano do governo Temer, não foi possível a
aprovação da reforma da previdência.

Limitações formais:
A doutrina também costuma apontar limitações formais (ou processuais ou
procedimentais). O PCO fixou um procedimento próprio para a alteração dos seus
trabalhos. A limitação formal pode ser de ordem subjetiva (iniciativa), ou seja, quem
deflagra o processo legislativo; ou de ordem objetiva, com relação ao procedimento
propriamente dito: deliberação, votação, promulgação, publicação, etc.
Este procedimento é mais qualificado (mais rigoroso) se comparado ao
procedimento de alteração ou de edição da legislação infraconstitucional, como as leis
ordinárias. E isso é pressuposto para a rigidez constitucional e para a sua supremacia
formal. As constituições rígidas são aquelas em que, justamente, o seu procedimento de
alteração é um procedimento mais dificultoso do que com relação a legislação
infraconstitucional.
Ora, se o procedimento de alteração da Constituição fosse o mesmo de uma
lei, como é nas constituições flexíveis, uma lei, em última análise, poderia alterar a
Constituição, fulminando, assim, a sua supremacia.
Mas a rigidez também é pressuposto para a força normativa da
Constituição, ideia desenvolvida pelo alemão Konrad Hesse. Evidentemente, diz Hesse,
para que a Constituição mantenha sua força normativa, ela deve se adequar às
transformações do “chão da vida” (à realidade social que ela pretende regular). Mas ela
também não pode ser modificada o tempo inteiro. Vamos ver uma passagem de Konrad
Hesse:
"Igualmente perigosa para a força normativa da Constituição
afigura-se a tendência para a frequente revisão constitucional sob
a alegação de suposta e inarredável necessidade política. (...) A
estabilidade constitui condição fundamental da eficácia da
Constituição.”

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Limitações formais subjetivas:
De fato, no Brasil vivemos uma banalização das emendas à Constituição e
isso fulmina a força normativa da própria Constituição. Acabei de afirmar que as
limitações formais podem ser subjetivas ou objetivas. As limitações formais subjetivas
são, justamente, aquelas que trazem regras de iniciativa: quem pode propor emenda à
Constituição. Isso está no artigo 60, caput e seus incisos:
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos
Deputados ou do Senado Federal;
II - do Presidente da República;
III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades
da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria
relativa de seus membros.

Uma pegadinha clássica de prova em relação ao inciso III: dentro das


assembleias legislativas, a Constituição exige maioria RELATIVA. Seria intuitivo pensar
que, considerando que a nossa Constituição é rígida, seria exigido um quórum mais
rigoroso. Mas, cuidado! O Constituinte se satisfez com a maioria relativa.
Percebe-se que o povo não é mencionado como legitimado para propor
emenda à Constituição. Ainda assim, essa iniciativa popular é possível? Prevalece,
posição segura de prova objetiva, que NÃO.
De acordo com o entendimento dominante, deve ser feito uma interpretação
literal e taxativa do artigo, sobretudo quanto à iniciativa.
Mas há uma doutrina minoritária que defende o contrário: a possibilidade
da iniciativa popular, independentemente de previsão específica, com base numa
interpretação sistemática e teleológica. Ora, se todo o poder emana do povo e por ele
será exercido, diretamente ou por meio de seus representantes (art. 1º, parágrafo único,
da Constituição) e, com isso, consagra-se o princípio da soberania popular; se, com
relação à legislação infraconstitucional, há previsão expressa (art. 61) da iniciativa
popular para projetos de lei; ainda se a própria Constituição prevê outros mecanismos
de democracia direta (ex: art. 14, dentre eles o plebiscito e o referendo) não faria o

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menor sentido negar ao titular do poder, o povo, a iniciativa de alterar a Constituição que
o rege.
E quanto às Constituições Estaduais, é possível a iniciativa popular? Em
outras palavras, é possível que o Poder Constituinte Decorrente - veremos melhor essa
nomenclatura - preveja em seu texto a possibilidade de iniciativa popular de emenda à
Constituição Estadual? No Informativo n. 921, o Supremo Tribunal Federal entendeu que
SIM. Embora a iniciativa popular de emenda não seja possível no âmbito da Constituição
Federal, será possível no âmbito das Constituições Estaduais, desde que haja
previsão expressa para tanto.
Quais são os fundamentos? Justamente uma interpretação sistemática e
teleológica. O Poder Constituinte Decorrente, ou seja, o Poder Constituinte no âmbito dos
Estados, teria capacidade de conformação para tanto. A posição do STF parece ter pitadas
de incoerência, mas manda quem pode e obedece quem tem juízo.
A Constituição do meu estado do Rio de Janeiro, por exemplo, no seu artigo
111, inciso IV, prevê a iniciativa popular de emenda à Constituição.

Limitações formais objetivas:


Outra modalidade de limitação formal são as limitações formais objetivas,
que tratam do procedimento propriamente dito. Com relação ao procedimento de
aprovação, o art. 60, §2º, da CRFB afirma que a proposta será discutida e votada em cada
uma das casas do Congresso Nacional – Câmara e Senado - em 2 turnos em cada uma
delas, considerando-se aprovada se obtiver, em ambas, 3/5 dos votos dos respectivos
membros.
Pergunta: pode o Presidente da República vetar uma proposta de emenda à
Constituição aprovada pelo Congresso Nacional? NÃO! Não há que se falar em sanção
ou veto (tampouco promulgação) por parte do Presidente. A única possibilidade de sua
participação no âmbito do devido processo legislativo de emenda à Constituição é por
meio da inciativa. Tanto é assim que o artigo 60, §3º, dispõe que a emenda à
Constituição será promulgada pelas mesas da Câmara dos Deputados e do Senado
Federal, com o respectivo número de ordem.
Ressalte-se que a Mesa do Congresso Nacional é mesa diversa e não consiste
na mera soma dos trabalhos conjuntos das mesas da Câmara e do Senado. Percebam,

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portanto, que a Constituição exige a promulgação por meio da mesa da Câmara e do
Senado, conjuntamente.
Chegamos ao artigo 60, §5º, que dispõem o seguinte: “a matéria constante
de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova
proposta na mesma sessão legislativa”. Prevalece que esta NÃO é uma limitação
temporal, mas sim uma limitação formal objetiva.
Consagra-se aqui o princípio da irrepetibilidade absoluta. Se uma proposta
de emenda for rejeitada pelo Congresso Nacional em determinado ano, uma proposta com
conteúdo igual (ou muito semelhante) só pode ser apresentada no ano seguinte. Também
vigora este princípio com relação às medidas provisórias, que está no artigo 62, §10, da
CRFB. Editada uma medida provisória, se ela for rejeitada (ou prejudicada) em
determinado ano, o Chefe do Poder Executivo só pode editar MP com conteúdo igual (ou
semelhante) no ano seguinte.
Mas atenção! Com relação aos projetos de lei, no art. 67 da CRFB, também
se prevê o princípio da irrepetibilidade. Mas, se com relação às emendas e às medidas
provisórias esse princípio é absoluto, com relação aos projetos de lei, vigora o princípio
da irrepetibilidade relativa, porque pode ser superado por maioria absoluta dos
membros de uma das casas do Congresso Nacional. Ou seja, é possível que um projeto
de lei seja rejeitado naquele ano e que novo projeto de lei, com conteúdo idêntico, seja
no mesmo ano apresentado, deliberado, votado e, eventualmente, aprovado.

Limitações materiais: as cláusulas pétreas.


Chegamos, finalmente, às limitações materiais ao Poder Constituinte
Derivado. Nada mais são do que as denominadas cláusulas pétreas. Com relação a
determinadas matérias, que integram a identidade mais básica da Constituição, o PCO
restringiu o Poder de Reforma. Determinadas matérias não podem ser suprimidas do texto
constitucional. Matérias que podem ser explícita ou implicitamente previstas na
Constituição.
Para muitos, isso implicaria numa submissão dos vivos ao direito construído
pelos mortos. Ou seja, seria uma geração vinculando (de forma supostamente ilegítima)
uma outra. Por isso mesmo, há quem critique a previsão das cláusulas pétreas nas
constituições contemporâneas.

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Mas há também importantes concepções jusfilosóficas que defendem essa
possibilidade. São 2 as principais: a primeira é a (i) teoria do pré-comprometimento.
Para entende-la, é bom lembrar a Odisseia, de Homero, que traz a narrativa de Ulisses.
Como se sabe, o canto das sereias é irresistível. Nenhum marinheiro resiste e, ao escutar
este canto, mergulha no mar, sem nunca mais retornar. Ulisses, com seus marinheiros,
passaria pelo mar das sereias. Consciente dos riscos, determina o seguinte para sua
equipe: marinheiros, os senhores colocarão um tampão de ouvido, de tal forma que não
escutarão o canto das sereias. Eu NÃO vou colocar o tampão de ouvido. Vocês vão me
amarrar e eu vou escutar o canto das sereias. Quando isso acontecer, eu já sei que eu vou
pedir para ser desamarrado. Mas o que vale é a minha vontade de AGORA. Assumimos
um pré-comprometimento. A minha manifestação de vontade vai mudar, mas eu sei que
ela vai me prejudicar; não me desamarrem. Isso foi observado, de tal modo que Ulisses
foi o único a escutar o canto das sereias.
Quando, em 1988, vedamos a pena de morte no Brasil, salvo em tempos de
guerra externa declarada, e amarramos esse conteúdo protegido pelo manto das cláusulas
pétreas, nós sabíamos que, ao longo da nossa história social, após ascensões da
criminalidade urbana, em sentimento de desespero fomentado pelos grandes meios de
comunicação, ou após crimes bárbaros que geram uma repulsa e lesões ao tecido e aos
valores sociais mais importantes, parte da nossa comunidade defenderia, por exemplo, a
pena de morte. Nós sabíamos que isso aconteceria. Mas nós sabíamos que, como um
patamar civilizatório mínimo, a pena de morte não poderia ser banalizada. Em 1988,
assumimos este pré-comprometimento.
Há uma segunda concepção jusfilsófica que é a (ii) teoria da democracia
dualista, que divide os momentos democráticos em momentos políticos ordinários e
momentos políticos extraordinários.
Os momentos políticos ordinários seriam aqueles corriqueiros do cotidiano.
Os debates, até podem ser intensos, acalorados e mobilizar a sociedade. Mas os momentos
políticos extraordinários seriam aqueles em que teriam a mais intensa manifestação
da cidadania. Um extraordinário engajamento dos cidadãos e da população como
coparticipante dos processos decisórios mais importantes. E, porque nesses momentos de
política extraordinária – como momentos constituintes de trabalhos de um PCO, haveria
uma maior manifestação da população, haveria maior legitimidade e, por consequência,

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a possibilidade de limitação dos trabalhos políticos-jurídicos em tempos de política
ordinária.
As cláusulas pétreas na Constituição de 1988 estão previstas no §4º do art.
60:
Art. 60, §4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda
tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico; [percam que o
voto obrigatório NÃO é cláusula pétrea]
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.

Ocorre que o fato de determinado instituto ser previsto como cláusula pétrea,
não significa que ele não possa ser alterado. Segundo entendimento do Supremo Tribunal
Federal, as limitações materiais do Poder de Reforma, não significam intangibilidade
literal da respectiva disciplina na Constituição, mas apenas a proteção do núcleo
essencial dos princípios e institutos cuja preservação nelas se protege.

Direitos e garantias “individuais” como cláusulas pétreas:


Merece destaque o inciso IV, que traz como cláusulas pétreas os direitos e
garantias INDIVIDUAIS. Direito e garantia individual é espécie do gênero direito
fundamental, ao lado de outras espécies, como direitos sociais e os direitos coletivos em
sentido amplo. A Constituição afirma que somente os direitos individuais, como a vida e
a liberdade de expressão, seriam cláusulas pétreas. E a saúde? E a educação? E o meio
ambiente ecologicamente equilibrado? Em provas objetivas, fiquem com a literalidade da
Constituição.
Mas saibam que o tema é altamente controvertido na doutrina. Por exemplo,
Ingo Sarlet, Valerio Mazzuoli, Dirley da Cunha Júnior, defendem que TODOS os direitos
fundamentais – gênero – e não apenas uma de suas espécies – direitos individuais – seriam
cláusulas pétreas, sobretudo, em decorrência da unidade, indivisibilidade e
interdependência.

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Há também uma doutrina moderada. Por todos, Marcelo Novelino. Ele
defende que não é possível superar totalmente a literalidade do texto constitucional. São
cláusulas pétreas somente os direitos e garantias individuais. Nada obstante, determinados
direitos sociais são tão importantes que são pressupostos para os direitos individuais. Não
há liberdade de expressão ou exercício legítimo dos direitos políticos sem direito à
educação. Não há vida sem saúde. Logo, ao menos no que tange ao núcleo essencial
destes direitos, que são pressupostos para os direitos individuais, eles também devem ser
tidos como cláusulas pétreas.
Outra pergunta: é possível ampliação do rol de cláusulas? Pode o Poder
Constituinte Derivado acrescer mais um inciso ao art. 60, §4º, da Constituição, tornando
um novo assunto cláusula pétrea? Prevalece, com alguma tranquilidade, que NÃO.
Outra pergunta: é possível ampliar o rol de direitos protegidos pelo manto
das cláusulas pétreas? A doutrina parece defender que SIM. Marcelo Novelino, Dirley
da Cunha Júnior, Bernardo Gonçalves, dentre outros. Imaginemos que um novo inciso é
acrescido ao art. 5º (como se deu recentemente com o direito à proteção de dados
pessoais). De acordo com esta corrente, o novo direito acrescido ao texto constitucional
passaria a ser protegido por um inciso já existente, o inciso IV, do §4º, da Constituição.
Quando eu mencionei o conceito de limitações materiais ao Poder
Constituinte Derivado, deixei claro que elas podem ser explícitas ou implícitas.
Prevalece que não apenas aqueles temas previstos expressamente no art. 60,
§4º, da CRFB, mas toda e qualquer norma ínsita à identidade mais básica da
Constituição deve ser tida como cláusula pétrea.
A doutrina costuma mencionar algumas normas constitucionais. Por
exemplo, a própria titularidade do Poder Constituinte seria uma limitação material
implícita. O povo é, e deve continuar sendo, o seu titular. Mas também com relação ao
exercício. Por exemplo, o art. 60 como um todo, deve ser tido como uma limitação
implícita ao Poder de Reforma.
Ocorre que alguns autores, minoritariamente, defendem a possibilidade da
dupla reforma. Para esta corrente, por exemplo, a vedação à pena de morte, como
manifestação do direito à vida, é uma cláusula pétrea. Contudo, seria possível, num
primeiro momento, suprimir o inciso IV da Constituição, fazendo com que os direitos e
garantias individuais não fossem mais cláusulas pétreas. Num segundo momento, prever

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a pena de morte de forma mais ampla. Esse entendimento é minoritário e refutado,
justamente porque prevalece que todo o artigo 60 deve ser tido como também uma
cláusula pétrea implícita.
Também por isso, foi refutada a ideia de uma Assembleia Nacional
Constituinte exclusiva e específica para a reforma política. A então Presidenta Dilma,
após as grandes manifestações de 2013, defendeu esta possibilidade, como uma resposta
à “voz das ruas”. A ideia pode ser interessante do ponto de vista sociológico, mas
(acertadamente) foi muito criticada pela doutrina constitucional à época e, por
consequência, não vingou. Não é possível convocação de um “PCO parcial”, apenas para
reformar normas de natureza eleitoral/política da Constituição. Ou há uma ruptura por
completo e se edita uma nova Constituição, ou se altera a Constituição existente, de
acordo com as regras do jogo já existentes.
Uma terceira limitação material implícita prevista pela doutrina são os
princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, previstos nos artigos 1º
a 4 º da Constituição. O art. 1º, por exemplo, traz os fundamentos da República Federativa
do Brasil, como a dignidade da pessoa humana. O art. 3º traz os objetivos fundamentais
da República Federativa do Brasil, como construir uma sociedade livre, justa e solidária.
Por fim o artigo 4º da Constituição traz os princípios regentes no Brasil na ordem
internacional. Por serem princípios denominados de fundamentais, a doutrina costuma
apontar também como normas ínsitas à identidade básica da Constituição e, por
consequência, limitações materiais implícitas.
Parte da doutrina aponta o presidencialismo e a forma republicana como
limitações materiais implícitas. Não concordo com esta doutrina. Tanto não são cláusulas
pétreas que, no começo da década de 1990, por meio de um plebiscito, a população
brasileira foi instada a se manifestar pela república ou pela monarquia; pelo
presidencialismo ou pelo parlamentarismo. Logo, é perfeitamente possível modificação
neste sentido. Mas - e este é o meu entendimento-, se o povo foi instado a se manifestar
no início da década de 1990, a implementação do parlamentarismo, por exemplo, somente
seria possível por meio da convocação de novo plebiscito ou, ao menos, de um referendo.

Seria a Defensoria Pública uma cláusula pétrea?

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Vocês sabem que sou Defensor Público no Estado do Rio de Janeiro e não
poderia deixar de enfrentar o tema. Mas boa parte do que eu vou trazer aqui também vale
para o Ministério Público.
Imagem a seguinte pergunta em uma prova oral: a Defensoria Pública é
cláusula pétrea, ainda que implícita? Bom, Caio Paiva, em obra escrita com o professor
Tiago Fensterseifer, assim como Diogo Esteves e Franklyn Roger, defendem nas
respectivas obras de princípios institucionais que a Defensoria pública é uma cláusula
pétrea.
Primeiro argumento: a assistência jurídica integral e gratuita é direito
individual previsto no artigo 5º da Constituição. E a Defensoria Pública é a instituição
constitucionalmente vocacionada a garantir a assistência jurídica integral e gratuita e
prestar este serviço público essencial. Como pressuposto para esse direito individual,
assim como o próprio direito, também deve ser tida como uma cláusula pétrea.
Segundo argumento: o artigo 134 da Constituição, com a redação atual,
afirma que a Defensoria Pública é permanente e essencial. Sobretudo a ideia de
permanência também traria uma conotação da Instituição como cláusula pétrea.
Terceiro argumento: perfeitamente aplicável ao Ministério público, está na
própria ideia de separação de poderes, e a separação de poderes é uma cláusula pétrea.
De acordo com a posição clássica, atribuída a Montesquieu, três seriam os poderes:
Executivo, Legislativo e Judiciário. Contudo, numa visão mais contemporânea, fala-se,
cada vez mais, em uma nova compreensão do sistema de freios e contrapesos, com cada
vez mais protagonistas nesta sistemática de gestão e limitação do poder. Por isso, para
Diogo de Figueiredo, saudoso administrativista fluminense, existiria no Brasil um quarto
complexo orgânico, composto por instituições como MP e a DP, que teriam a função de
prover justiça. E, porque integrantes dessa sistemática contemporânea de freios e
contrapesos, também seriam cláusulas pétreas e, portanto, não poderiam ser extintas por
emenda à Constituição.
Concluímos, aqui, o Poder Constituinte Derivado Reformador (ou de
Emenda).

Poder Constituinte Derivado Revisor:

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Acima, mencionei que há uma segunda espécie de Poder Constituinte
Derivado, que é o Poder Revisor. Se o Poder Reformador é um poder ordinário de
alteração da Constituição, o Poder Revisor é um poder de alteração da Constituição
de forma extraordinária e transitória. Ele está previsto no artigo 3º do ADCT, que
previa uma revisão constitucional, realizada após 5 anos da sua promulgação, pelo voto
da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral.
Percebam que esta revisão constitucional por meio de um Poder Revisor
exigiu um procedimento mais flexível de alteração da Constituição. Ele se satisfazia
com uma maioria absoluta, e não 3/5 dos membros, em sessão unicameral.
Qual a diferença de sessão unicameral e sessão conjunta? Na sessão
unicameral, Senado e Câmara se reúnem, com a votação conjunta de Deputados(513) e
Senadores (81). Não há distinção entre os votos dos Parlamentares, que serão somados.
“Um Parlamentar, um voto”.
Já na sessão conjunta, ambas as Casas se reúnem, mas o conto dos votos não
é feito de forma conjunta, e sim separada. A deliberação se dá no mesmo momento e
conjuntamente, mas o cômputo dos votos e análise do quórum é feito em apartado, entre
Senadores e Deputados.
Ademais, embora não haja previsão expressa no art. 3º do ADCT, pergunto:
o Poder Revisor se submetia às cláusulas pétreas? O Supremo Tribunal Federal se
manifestou em 1993 sobre o assunto e entendeu que ainda que não houvesse previsão
expressa, as limitações materiais, sejam elas expressas ou implícitas, também limitavam
o Poder Revisor. Ou seja, no momento de revisão constitucional, as cláusulas pétreas
deveriam ser observadas.
Ainda, o art. 3º do ADCT é o que o Uadi Lammêgo Bulos chama de norma
de eficácia exaurida. Ele previa uma revisão 5 anos após a promulgação da Constituição
de 1988. Ou seja, em 1993. Sendo realizada a revisão, a norma produziu todos os seus
efeitos e a sua eficácia é, hoje, exaurida. Não há, portanto, a possibilidade de instauração
de uma nova revisão constitucional, com seu procedimento mais flexível, de alteração de
seu texto, seja no âmbito federal ou mesmo no âmbito estadual. Foi o que decidiu o
Supremo Tribunal Federal.

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3. Poder Constituinte Decorrente:

Poder Constituinte Decorrente é o poder de elaborar ou modificar as


Constituições dos Estados-membros da federação. Muitos autores afirmam que o Poder
Constituinte Decorrente nada mais é que um Poder Constituinte Derivado, embora no
âmbito dos Estados. Por isso, a expressão do Poder Constituinte Derivado Decorrente
também pode aparecer em provas.
Existe sim Poder Constituinte no âmbito dos Estados, tanto é que possuem
Constituições. Isso se dá com fundamento na sua capacidade de auto-organização,
inerentes aos entes políticos em uma federação. O fundamento normativo disto é o art.
25, caput da Constituição, e também o art. 11 do ADCT, que afirmavam, em síntese, que
as Assembleias Legislativas dos Estados editariam suas respectivas Constituições,
observados os princípios da Constituição Federal.

Natureza e características:
Conforme se percebe, assim como o Poder Constituinte Derivado, o Poder
Constituinte Decorrente tem como natureza um poder de direito (ou poder jurídico).
Isso porque submetido à Constituição Federal. Por isso, dentre as características, está o
fato de ser um poder secundário, limitado e condicionado.

Limitações:
Uma das principais limitações ao Poder Constituinte Decorrente é o princípio
da simetria. Claro que a Constituição traz limitações expressas aos Estados, mas também
traz limitações implícitas. Determinadas normas são previstas, em sua literalidade, com
relação à União. Mas entende o Supremo Tribunal Federal que determinadas matérias,
ainda que previstas para o âmbito federal, são normas de observância obrigatória pelos
Estados, que devem observar uma simetria com relação ao regramento aplicado ao âmbito
nacional e/ou federal. Exemplo são as normas envolvendo o processo legislativo.

Existe Poder Constituinte Decorrente no Municípios? E no Distrito Federal?


Imagine a seguinte pergunta de prova oral: existe Poder Constituinte
Decorrente nos Municípios? As normas mais importantes dos Municípios e decorrentes

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de sua capacidade de auto-organização não se chamam constituições mas sim Leis
Orgânicas. A questão, contudo, não é meramente terminológica. Tanto o art. 29 da
Constituição, quanto o art. 11, parágrafo único, do ADCT, afirmam que as Câmaras de
Vereadores deveriam editar as respectivas Leis Orgânicas, observadas as normas da
Constituição Federal e das respectivas Constituições Estaduais. Por exemplo, a Lei
Orgânica do Município do Rio de Janeiro deve observar a Constituição do Estado do Rio
de Janeiro e a Constituição Federal.
Até há doutrina minoritária que defende que as Leis Orgânicas Municipais
têm natureza constitucional, como Marcelo Novelino e Bernardo Gonçalves. Mas não é
este entendimento dominante, nem do Supremo Tribunal Federal, nem da doutrina.
Prevalece que as Leis Orgânicas Municipais NÃO têm natureza constitucional, mas
de lei propriamente dita, ainda que tomada como a lei mais importante de um Município.
Isso porque não faria sentido falar num “Poder Constituinte de terceiro grau” (pois
decorrente da Constituição Federal e da Constituição do Estado).
Qual é a consequência prática disso? Por não ter natureza constitucional, não
serve como parâmetro de controle de constitucionalidade, mas, no máximo, de
legalidade. De fato, as demais leis municipais devem observar a Lei Orgânica.
E o Distrito Federal? O Distrito Federal é um ente político sui generis,
porque reúne atribuições e competências dos Municípios e dos Estados. Mas ao se
analisar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a maior parte dos Ministros, na
prática, entende que o DF mais se aproxima do Estado do que dos Municípios. A lei
regente do Distrito Federal, conforme art. 32 da CRFB, também se chama lei orgânica.
Mas o próprio STF entende que esta Lei Orgânica tem natureza constitucional. Dentre
outros fundamentos, a Lei Orgânica do Distrito Federal encontra fundamento de validade
diretamente na Constituição. Não há nenhuma norma intermediária. Também por isso,
teria natureza constitucional e, como consequência, serve como parâmetro do controle
concentrado-abstrato no âmbito do TJ do Distrito Federal e Territórios.
Falando em Territórios, existe Poder Constituinte Decorrente neles? NÃO!
Eles hoje não existem, mas podem ser criados (art. 18, § 2º, da CRFB). Mas, prevalece
que os Territórios, em caso de criação, são autarquias federais de natureza territorial.
E, portanto, integrantes da Administração Pública indireta e não entes políticos. Como

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consequência, não são dotados de capacidade de auto-organização e, menos ainda,
providos de Poder Constituinte.

4. Poder Constituinte Difuso:

Chegamos ao Poder Constituinte Difuso, a quarta espécie de Poder


Constituinte. A doutrina costuma distinguir o Poder Constituinte Concentrado do Poder
Constituinte Difuso. Aquele (Poder Constituinte Concentrado) seria exercido por uma
instituição, por um órgão ou por um grupo de pessoas específico e previamente
delimitados. Já este (Poder Constituinte Difuso) seria aquele, como o próprio nome
indica, exercido por diversas instituições, órgãos, grupos ou indivíduos.
O Poder Constituinte Difuso é aquele responsável por um processo informal
de alteração da Constituição. Se, até agora, vimos processos formais de alteração do
texto constitucional, finalmente chegamos à possibilidade de mudanças informais da
Constituição, sobretudo, por meio da mutação constitucional.
Pra entender Poder Constituinte Difuso e mutação constitucional, é preciso
estabelecer uma distinção entre texto e norma jurídica. O texto, ou dispositivo, é aquilo
que se lê no direito positivo, sobretudo em um sistema romano-germânico (ou de civil
law). Mas texto não é norma jurídica. Norma é produto da interpretação do texto,
inserido num contexto.
Imaginemos o seguinte: a Constituição prevê determinado dispositivo
constitucional com o seu texto, e durante muito tempo o Supremo Tribunal Federal
confere a esse dispositivo um determinado sentido e alcance. Em decorrência de
profundas alterações na realidade social, política, econômica ou cultural da
comunidade brasileira, o texto da Constituição continua sendo o mesmo, mas o sentido
a ele atribuído passa a ser outro. Temos aqui uma mutação constitucional, que é,
justamente, um processo informal de alteração da Constituição, sem que haja alteração
do seu texto, mas do significado a ele atribuído, quando há uma profunda alteração na
sociedade.
Essa mutação constitucional tem limites. A doutrina costuma apontar os
limites semânticos do texto como uma importante restrição à mutação constitucional.

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Isso porque o texto do dispositivo seria o ponto de partida, mas também um limite do
intérprete.
A doutrina também costuma afirmar que, embora haja uma razoável
capacidade de liberdade no âmbito da mutação constitucional, o intérprete ou aplicador
do direito não pode violar a identidade mais básica da Constituição e do trabalho do
PCO. Afinal, o Poder Constituinte Difuso também é poder constituído e, por
consequência, limitado.
Ressalte-se que o Poder Constituinte Difuso não é exercido somente pelo
Poder Judiciário ou pelo Supremo Tribunal Federal. É claro que, quando no âmbito do
controle de constitucionalidade, ainda mais concentrado-abstrato, como uma ADI, uma
ADC, uma ADO, ADPF, o Supremo, quando realiza uma mutação constitucional, por ser
uma decisão com eficácia erga omnes e vinculante, traz maior potência a este fenômeno.
Contudo, é importante associar a ideia de Poder Constituinte Difuso ao
conceito de sociedade aberta dos intérpretes, de Peter Haberle. Todo aquele regido pela
Constituição desse ser tido como um legítimo intérprete ou, ao menos, um cointérprete.
Outras instituições e o povo também podem ser responsáveis por uma mutação
constitucional. A mutação constitucional não se dá apenas por meio da interpretação, mas
também por meio da práxis, ou seja, da própria prática constitucional. Pode se dar,
inclusive, por mecanismos legislativos. O Poder Legislativo, por meio de uma lei, pode
superar um entendimento do Supremo Tribunal Federal. Alguns chamam este fenômeno
de “reação legislativa”. Nada obstante, essa lei que supera um entendimento do STF nasce
com uma presunção de inconstitucionalidade. Há, portanto, um ônus argumentativo por
parte do Poder Legislativo, mas que, se suficientemente demonstrado, pode sim superar
uma interpretação constitucional conferida pela Corte. Ou seja: todas as instituições, ou
o mesmo povo, pode realizar uma mutação constitucional. Por isso, fala-se em Poder
Constituinte Difuso.

5. Poder Constituinte Supranacional:

Por fim, o Poder Constituinte Supranacional (para alguns, sinônimo de Poder


Constituinte Transnacional), conceito que vem aparecendo expressamente em diversos
editais de Defensoria Pública da banca FCC.

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Segundo Flávio Martins, Poder Constituinte Supranacional consiste na
“possibilidade de se elaborar uma só Constituição para vários países.
(...) Cada país abre mão de uma parcela de autonomia, elege seus
representantes que farão parte de uma Assembleia Legislativa
Transnacional e elaboram uma só Constituição. (...) Parte da doutrina
entende que o Tratado da União Europeia deve ser considerado um
exemplo de Constituição transnacional.”

Vamos trazer o debate para a realidade brasileira. É perfeitamente possível


que, diante de um constante processo de globalização, potencializado pelo
desenvolvimento tecnológico, seja editada uma “Constituição Interamericana”. Por
exemplo, uma Constituição que regrará os Estados Latino-americanos, do México à
Patagônia, passando pelo Brasil. Seria editada, portanto, uma Constituição Supranacional,
por meio de um Poder Constituinte Supranacional.
Isso já se vê, em boa medida, na Europa. Determinados problemas não podem
ser mais resolvidos interna e isoladamente pelos Estados. São problemas comuns a
determinadas regiões ou mesmo o mundo inteiro como, por exemplo, a questão
ambiental. Por isso, é perfeitamente possível que esses mesmos Estados optem por dispor
de parte da sua soberania, elegendo, de forma democrática, um Poder Constituinte
Supranacional, que editará uma norma de natureza constitucional, que regrará todos os
países signatários.
Percebam que há um processo de ressignificação do conceito de soberania,
mas também de cidadania. Os Estado,s tidos como soberanos, do ponto de vista interno
e externo, abrem mão de parcelas de soberania e delegam poderes a uma entidade
supranacional, que editará normas vinculantes e imperativas com relação aos países
signatários e seus cidadãos.
Mas há também uma ressignificação do próprio conceito de cidadania. O
indivíduo passa a ser integrante das mais diversas comunidades políticas, que podem
ser tidas em camadas. Eu, Luís Henrique, sou fluminense. Portanto, integro a comunidade
política da minha região do Estado do Rio de Janeiro. Mas também sou brasileiro e integro
a comunidade política do nosso país. Sou também sou latino-americano. E, caso seja
editada uma Constituição Interamericana, integraria uma comunidade política maior.

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Aliás, o professor Siddharta Legale, meu orientador do mestrado, defende que
a CADH já pode ser tida como uma Constituição Interamericana. Não é esse, contudo, o
entendimento dominante.
Percebam que a estrutura, num espaço em que há um Poder Constituinte
Supranacional, muito se assemelha ao federalismo. Por isso, há autores que falam no
Federalismo Supranacional.

Poder Constituinte Supranacional vs. Constitucionalismo Multinível:


Foi dito acima que o Poder Constituinte Supranacional pode ser tido como
sinônimo de Poder Constituinte Transnacional. E como estes conceitos dialogam com o
constitucionalismo multinível, que vem aparecendo também nos editais dos mais
variados? Não são sinônimos, mas são conceitos conexos.
Para entender o constitucionalismo multinível é preciso concretizar.
Imaginemos a existência de uma Constituição Interamericana. Ora, com relação a mim,
há uma Constituição maior, Interamericana; num segundo nível, há uma Constituição do
meu Estado-nação, a Constituição Brasileira; num terceiro nível, ainda, a Constituição do
meu Estado, o Rio de Janeiro. Haveria, portanto, diversas “camadas constitucionais”:
um constitucionalismo multinível, portanto (porque conhece diversos níveis). Percebam
que a existência de um Poder Constituinte Supranacional fomenta a existência de um
constitucionalismo multinível (apesar de não serem sinônimos).

Poder Constituinte Supranacional vs. Transconstitucionalismo:


E o transconstitucionalismo (teoria de Marcelo Neves que veremos um
melhor aprofundamento na próxima aula)? Poder Constituinte Supranacional é sinônimo
de transconstitucionalismo? NÃO! No âmbito do Poder Constituinte Supranacional,
há sim uma estrutura escalonada de ordem jurídica. Uma Constituição Interamericana
vincularia a Constituição Brasileira, que poderia ser considerada inválida em caso de
violação à Constituição de um bloco regional. Há, portanto, a ideia de hierarquia entre
normas jurídicas.
Já quando se fala em transconstitucionalismo, não se fala em hierarquia
entre ordens jurídicas. Marcelo Neves reconhece um ordenamento jurídico cada vez
mais complexo, com diversas fontes normativas e decisórias locais, regionais, nacionais,

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supranacionais e internacionais e, inclusive, privadas, como regulamentos de grandes
multinacionais ou tribunais arbitrais. Este fenômeno também é potencializado pela
globalização.
O Direito se torna cada vez mais complexo e menos hierarquizado. O
jurista deve estar atento a este fenômeno de uma ordem jurídica mais horizontalizada e
estabelecer um diálogo cooperativo entre essas diversas fontes normativas e decisórias,
sobretudo para a solução dos casos mais difíceis no âmbito do Direito Constitucional,
ainda mais em casos que envolvem direitos fundamentais.
Transconstitucionalismo e Poder Constituinte Supranacional, portanto, não se
confundem.

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