Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
CONSTITUIÇÃO
-1-
Olá!
Você está na unidade Teoria do Poder Constituinte. Conheça aqui os principais aspectos relacionados ao Poder
Constituinte, suas espécies e principais características, bem como a aplicabilidade das normas constitucionais no
tempo.
Bons estudos!
-2-
1 Definição
A Teoria do Poder Constituinte remonta à teoria da origem da Constituição e do seu fundamento de validade.
Não há, no ordenamento jurídico, norma que seja superior à Constituição. Mas qual a origem da superioridade
-3-
1.1 Poder Constituinte e Poder Constituído
Qual o fundamento da Constituição? O que a torna a mais relevante das normas em um ordenamento
jurídico? A resposta para essas perguntas passa pela compreensão do procedimento da elaboração da norma
Ao Poder Constituinte foi assegurada, de forma legítima e democrática, a função de elaborar normas
constitucionais, às quais são conferidas o caráter normativo máximo. A Constituição, base do ordenamento
jurídico e hierarquicamente superior a todas as outras normas, será, portanto, aquela derivada do Poder
Teoria Pura do Direito, Kelsen (2011, p. 217) estabelece que a Constituição é o fundamento para todas as demais
normas de um ordenamento jurídico; é a Constituição que torna as demais regras vigentes válidas. Contudo, o
que torna a Constituição válida como a norma mais elevada é o que Kelsen denomina norma fundamental:
[...] tem de terminar numa norma que se pressupõe como a última e a mais elevada. Como norma
mais elevada, ela tem de ser pressuposta, visto que não pode ser posta por uma autoridade, cuja
competência teria de se fundar numa norma ainda mais elevada. A sua validade já não pode ser
derivada de uma norma mais elevada, o fundamento da sua validade já não pode ser posto em
questão. Uma tal norma, pressuposta como a mais elevada, será aqui designada como norma
fundamental (Groundnorm).
A teoria de Kelsen pode ser sintetizada em sua pirâmide de hierarquia de normas, que assim se representa:
-4-
Figura 1 - Pirâmide de hierarquia de normas
Fonte: KELSEN, 2011.
#PraCegoVer: Na imagem, temos uma pirâmide que representa a hierarquia de normas. Ela se divide em três
níveis. Do topo para a base, temos a Constituição, no meio, as normas infraconstitucionais e, na base, as normas
infralegais.
A norma fundamental se relaciona com o Poder Constituinte diretamente, uma vez que este depende de
legitimidade para atuar na elaboração e edição de uma Constituição. De acordo com Tavares (2012), o
referencial teórico de um Poder Constituinte está atrelado à sua delimitação no tempo, caracterizado pela
manifestação de uma vontade social representada numa assembleia constituinte, ainda que a manifestação do
referido Poder não esteja restrita a esse momento único. Mais importante do que conceituar o que é Poder
Constituinte, é imprescindível que seja possível compreender quais são as suas funções. A partir da evolução do
Constitucionalismo como movimento político, jurídico e social, surge a necessidade de edição de regras que
disciplinem a separação de poderes do Estado, bem como regras capazes de traduzir sua organização e arranjo
institucional. Apenas um poder superior ao próprio Estado poderia ser capaz de estabelecer sua organização e
Mais importante do que conceituar o que é Poder Constituinte, é imprescindível que seja possível compreender
quais são as suas funções. A partir da evolução do Constitucionalismo como movimento político, jurídico e social,
surge a necessidade de edição de regras que disciplinem a separação de poderes do Estado, bem como regras
-5-
capazes de traduzir sua organização e arranjo institucional. Apenas um poder superior ao próprio Estado
poderia ser capaz de estabelecer sua organização e impor-lhe limites, e é esse o Poder Constituinte.
O Poder Constituinte é, portanto, a força criadora, orientada pela vontade social que se destina a elaborar as
regras de uma Constituição. Sua atuação não está restrita, no entanto, apenas à edição de textos constitucionais
inéditos: como será visto adiante nesta Unidade, a criação de normas constitucionais de que se incumbe o Poder
Constituinte pode ocorrer tanto no momento primeiro da lei fundamental quanto posteriormente.
Como não poderia deixar de ser, após a edição da lei fundamental, o poder de criação sofre limitações. A partir
desse momento, a capacidade de edição e de criação de normas constitucionais pelo Poder Constituinte torna-se
restrita. Assim, com relação aos limites que se aplicam, o Poder Constituinte pode ser compreendido em Poder
Poder Constituinte
É autônomo e incondicionado, derivado da legitimidade democrática que lhe confere poder para a criação de leis
inclusão e a alteração das regras constitucionais já instituídas anteriormente. A esse poder que tem a faculdade
de editar e de reformar as normas constitucionais dá-se o nome de Poder Constituído, uma vez que é conferido a
um órgão já constituído – pela própria Constituição – o poder de emendar a Constituição ou de criar normas
constitucionais em outras esferas de poder (como ocorre com o Poder Constituinte derivado decorrente, que será
estudado adiante). Esse Poder Constituído é, por sua vez, condicionado às regras exigentes, e limitado às regras
As diversas apresentações do Poder Constituinte são abordadas por Moraes (2017), que apresenta quadro
sintético para descrever os diferentes tipos de Poder Constituinte, de acordo com suas principais características,
-6-
Figura 2 - Apresentações do Poder Constituinte
Fonte: MORAES, 2017.
#PraCegoVer: Na imagem, temos um gráfico representando o Poder constituinte que está bifurcado em dois
tipos: originário e derivado. No primeiro, temos a revolução convenção subdividida em inicial, ilimitado,
reformador e decorrente.
-7-
2 Tipos de poder constituinte
Conheça, a seguir, os tipos de poder constituinte de acordo com suas características e limitações.
Assista aí
https://fast.player.liquidplatform.com/pApiv2/embed/746b3e163a5a5f89a10a96408c5d22c2
/730cdf91c5e1e1e404e219e12f0532b9
-8-
2.1 Poder Constituinte Originário
independência, por exemplo, são momentos em que o Poder Constituinte originário se manifesta em sua forma
mais pura. Também se denomina Poder Constituinte originário aquele que decorre de convenção, ou seja,
Tanto em face de revolução quanto em face de convenção se estará diante de um Poder Constituinte originário
que se pretende inicial, ilimitado, incondicionado e permanente. Cabe ao Poder Constituinte originário o
estabelecimento de uma nova ordem constitucional, e ele é inicial por estabelecer a base da ordem jurídica; é
ilimitado e autônomo por não se submeter a nenhuma outra norma jurídica anterior, não se vinculando a limites
anteriormente estabelecidos; e, também por essa razão, é incondicionado por não estar sujeito a nenhuma forma
ou procedimento prefixado do qual dependa a validade e a legitimidade de sua atuação (MORAES, 2017). Ao
discorrer sobre as características do Poder Constituinte originário, Canotilho (1993, p. 94) explica o que segue:
[O Poder Constituinte originário] é inicial porque não existe, antes dele, nem de facto nem de direito,
qualquer outro poder. É nele que se situa, por excelência, a vontade do soberano (instância jurídico-
política dotada de autoridade suprema). É um poder autônomo: a ele e só a ele compete decidir se,
como e quando, deve ‘dar-se’ uma constituição à Nação. É um poder omnipotente, incondicionado: o
Deve-se destacar que, para parte da doutrina, o Poder Constituinte originário resultado de convenção estará
sujeito a limitações a que o Poder Constituinte originário resultante de um movimento revolucionário não está.
Isso porque, diante de uma ordem vigente, ainda que se pretenda a edição de novas leis fundamentais que
Se há uma ordem vigente, ela condiciona o Poder Constituinte, ainda que originário. Nunca é demais
lembrar, sobretudo no caso brasileiro, que o Poder Constituinte não se confunde com o Poder
Estatal. A nova Constituição não ensejará um novo Estado. O Brasil já existe, com esta ou com outras
eventuais e futuras Constituições. Então, pelo menos por isso, a Constituinte tem limitações. Não
poderá ela, por exemplo, incorporar o território brasileiro, ou parte dele, a outro Estado. Não lhe
será permitido abrir mão da soberania nacional. (POLETTI apud TAVARES, 2012).
-9-
Por fim, devem ser observados alguns requisitos para que o Poder Constituinte possa, de fato, ser reputado como
Poder Constituinte originário. Sobre o tema, Mendes (2014, p. 118) estabelece com clareza a necessidade de que
o Poder Constituinte originário seja democrática e legitimamente estabelecido para que possa assim ser
considerado:
Se o poder constituinte é a expressão da vontade política da nação, não pode ser entendido sem a
referência aos valores éticos, religiosos, culturais que informam essa mesma nação e que motivam as
suas ações. Por isso, um grupo que se arrogue a condição de representante do poder constituinte
originário, que se dispuser a redigir uma Constituição que hostilize esses valores dominantes, não
haverá de obter o acolhimento de suas regras pela população, não terá êxito no seu empreendimento
revolucionário e não será reconhecido como poder constituinte originário. Afinal, só é dado falar em
atuação do poder constituinte originário se o grupo que diz representá-lo colher a anuência do povo,
- 10 -
2.2 Poder Constituinte Derivado
As leis constitucionais resultantes da atividade do Poder Constituinte originário trazem, em seu conteúdo, os
mecanismos previstos para o surgimento de novas regras constitucionais ou mesmo de alteração das regras
vigentes. A esse Poder Constituinte que se insere na Constituição atribui-se o nome de Poder Constituinte
constituído, ou Poder Constituinte derivado. De acordo com Moraes (2017, p. 43), o Poder Constituinte derivado
É derivado porque retira sua força do Poder Constituinte originário; subordinado porque se
encontra limitado pelas normas expressas e implícitas do texto constitucional, às quais não poderá
contrariar, sob pena de inconstitucionalidade; e, por fim, condicionado porque seu exercício deve
O Poder Constituinte derivado pode, ainda, ser classificado de acordo com duas subdivisões, espécies, as quais se
identificam de acordo com os aspectos característicos que lhe são atribuídos. Ainda mais, tais espécies estão
diretamente relacionadas com a finalidade do Poder Constituinte derivado que lhe foi conferida pelo texto
constitucional.
Assista aí
v=_vVmm0I3yXI&feature=emb_title
- 11 -
2.3 Poder Constituinte Derivado Reformador
O Poder Constituinte de reforma, ou Poder Constituinte reformador, diz respeito à competência atribuída a
determinado órgão para alterar as disposições constitucionais estabelecidas pelo Poder Constituinte
originário. O conceito se relaciona com a classificação das Constituições em rígidas, flexíveis e semirrígidas. No
caso das Constituições flexíveis, estas podem ser alteradas mediante processo legislativo ordinário, o mesmo que
se destina à edição de normas infraconstitucionais. No caso das Constituições rígidas, estas apenas podem ser
As Constituições semirrígidas, por sua vez, possuem partes rígidas e partes flexíveis.
Por óbvio, o Poder Constituinte reformador apenas existe em Constituições rígidas ou semirrígidas, nas quais
este é necessário para a promoção de alterações e mudanças na ordem constitucional. É o Poder Constituinte
reformador que se manifestará quando estabelecidos os requisitos que permitem a edição de regras
constitucionais mesmo diante de uma ordem já estabelecida. Deve-se ter em mente, no entanto, que o Poder
Constituinte reformador é, diferente do que ocorre com o Poder Constituinte originário, limitado e regulado pela
própria Constituição. Por essa razão, parte da doutrina sequer considera o Poder Constituinte reformador como
um poder constituinte de fato, pois, por se tratar de um poder constituído pela ordem constitucional vigente, não
A utilização da expressão Poder Constituinte para se referir ao Poder Constituinte derivado reformador, no
entanto, encontra defensores no fundamento de que, não obstante esteja subordinado à Constituição, também
de sua atuação surgem novas normas constitucionais, as quais integrarão a ordem constitucional vigente sem
qualquer hierarquia entre as normas. Sobre o assunto, Moraes (2017, p. 466) esclarece que os limites atribuídos
ao Poder Constituinte reformador estão diretamente relacionados à necessidade de que seja mantido o seu
sistema originário:
substancialmente idêntico o sistema originário da constituição. A revisão serve, pois, para alterar a
constituição mas não para mudá-la, uma vez que não será uma reforma constitucional o meio
propício para fazer revoluções constitucionais. A substituição de uma constituição por outra exige
uma renovação do poder constituinte e esta não pode ter lugar, naturalmente, sem uma ruptura
- 12 -
constitucional, pois é certo que a possibilidade de alterabilidade constitucional, permitida ao
Congresso Nacional, não autoriza o inaceitável poder de violar o sistema essencial de valores da
Assim, uma vez limitado pelos procedimentos estabelecidos pela própria Constituição, verifica-se a
impossibilidade de que o Poder Constituinte reformador seja utilizado para violar o sistema constitucional
vigente. Também por essa razão, o Poder Constituinte reformador encontra limitações. Na Constituição de 1988,
verifica-se a presença do Poder Constituinte reformador no artigo 60, o qual estabelece os critérios para que a
II - do Presidente da República;
III - de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se,
§ 1º A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa
ou de estado de sítio.
§ 2º A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos,
considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.
§ 3º A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado
§ 5º A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser
Como se verifica acima, além dos requisitos relacionados à competência para autoria da proposta e
procedimento a ser observado, o artigo 60 trouxe também hipóteses em que o Poder Constituinte reformador
- 13 -
não poderá atuar. Tais limitações ao Poder Constituinte reformador podem ser classificadas como materiais,
circunstanciais ou temporais. No caso da Constituição de 1988, há apenas limitações das duas primeiras espécies
mencionadas.
• Limitações materiais
O parágrafo 4º indica algumas matérias que foram disciplinadas pelos direitos previstos na Constituição,
que não poderá ser alterada pelo Poder Constituinte reformador, ou seja, que apenas poderá ser alterada
mediante atuação de uma nova Assembleia Constituinte. São as chamadas cláusulas pétreas da
• Limitações circunstanciais
Constituição de 1988, tais limitações estão previstas no parágrafo primeiro do artigo 60, transcrito
acima, que estabelece que caso haja vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de
• Limitações temporais
Estão presentes quando é previsto expressamente período durante o qual a Constituição não poderá ser
objeto de alterações, ou, do contrário, quando se estabelece expressamente um período para que
No caso da Constituição de 1988, como dito, não há limitação desse tipo ao Poder Constituinte reformador.
Houve, contudo, limitação temporal ao Poder Constituinte no que se refere à possibilidade de revisão da norma
- 14 -
2.4 Poder Constituinte Derivado Revisor
O Poder Constituinte derivado revisor diz respeito à possibilidade, prevista expressamente e de forma
excepcional, de que seja promovida a alteração e a atualização da norma constitucional. A revisão é feita também
por meio de emendas, denominadas emendas de revisão, que são editadas por meio de procedimentos mais
simplificados do que os procedimentos destinados à sua reforma. Como mencionado, o artigo 3º do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias previu a revisão da Constituição após cinco anos de sua promulgação:
Art. 3º – A revisão constitucional será realizada após cinco anos, contados da promulgação da
A revisão tinha como principal objetivo assegurar que o resultado do plebiscito previsto no artigo 2º do ADCT,
para a definição da forma e do sistema de governo que deveriam vigorar no país, pudessem ser incorporados à
Constituição. Com a conclusão do plebiscito e decorrido o prazo indicado na ADCT, a Constituição foi objeto de
- 15 -
2.5 Poder Constituinte Derivado Decorrente
O Poder Constituinte derivado decorrente, por sua vez, nada mais é o do que o Poder Constituinte dos
Estados para dispor sobre sua organização. Possui esse nome uma vez que decorre da própria Constituição e de
sua organização na forma de República Federativa. Por se tratar de Poder Constituinte derivado, é naturalmente
limitado pela própria Constituição, enfrentando circunscrição jurídica ainda mais restrita do que o Poder
Constituinte derivado reformador. Isso se deve especialmente ao fato de que as normas Estaduais e Municipais
O Poder Constituinte derivado decorrente é exercido pelas Assembleias Legislativas Estaduais, uma vez que a
Constituição assim determinou. No âmbito dos Municípios, não há Constituição, apenas leis orgânicas, de forma
Com relação ao Distrito Federal, a princípio também não caberia falar sobre um Poder Constituinte distrital, uma
vez que a Lei Orgânica do Distrito Federal também não teria a natureza de Constituição, pois não há Poder
Constituinte distrital. Porém, o Supremo Tribunal Federal, no âmbito da ADI 980, entendeu pela possibilidade de
que haja controle de constitucionalidade sobre a Lei Orgânica do Distrito Federal. Por essa razão, alguns
Poder Constituinte estadual. Silva (2004) aponta que alguns doutrinadores negam o seu caráter constituinte
porque este está sujeito a intensa limitação. Outros doutrinadores reconhecem o caráter constituinte,
ressalvando, no entanto, se tratar de poder secundário, condicionado, subordinado. Para o autor, o Poder
extrínsecas à vontade do soberano, que é o povo na sua expressão nacional, enquanto a autonomia,
como poder próprio dentro de um círculo traçado por outro, pressupõe ao mesmo tempo uma zona
são impostos pela Constituição Federal, que assegurou aos Estados a capacidade de auto-organizar-
Nesse contexto, é certo que o Poder Constituinte derivado decorrente diverge substancialmente do Poder
- 16 -
3 Mutações Constitucionais
Inseridas no contexto de alteração das Constituições estão as mutações constitucionais. Diferentemente do
Poder Constituinte derivado reformador, que se refere à existência de procedimentos solenes e formais, pré-
constitucionais referem-se aos processos informais e sociais de alteração das Constituições – não de seu
texto, mas de sua interpretação e seu significado no âmbito da sociedade. Para Silva (2004, p. 63-64), as
mutações constitucionais são um processo não formal de mudanças das constituições rígidas, por via da
“tradição, dos costumes, de alterações empíricas e sociológicas, pela interpretação judicial e pelo ordenamento
As mutações constitucionais ocorrem por diversas razões. Primeiro, porque a norma constitucional positiva é,
frequentemente, aberta e abstrata, de forma que lhes é possível atribuir mais de uma interpretação. Segundo,
porque a sociedade está em constante mudança e, uma vez que se alteram os ideais, naturalmente o sentido
atribuído por uma sociedade à norma está igualmente sujeito a alterações. Com relação ao caráter amplo e
abstrato da norma, que lhe permite diferentes interpretações, Tavares (2012, p. 106) indica que este se revela
A abstratividade ou abertura das normas revela-se pelos vocábulos vagos, pelas palavras imprecisas
de que haja intérpretes capacitados a identificar o sentido adequado da norma. Há se ter cuidado com o processo
de interpretação de norma constitucional e com suas mutações. Se, por um lado, há a necessidade constante da
adequação entre a norma e o que ela disciplina, de forma que esta corresponda à realidade constitucional, é
necessário assegurar que a norma não contrarie os princípios estruturais, políticos e jurídicos da
Constituição. Nesse sentido, observados tais limites, Canotilho admite a legitimidade das mutações
constitucionais:
acordo com as leis, a fim de encontrar um mecanismo constitucional capaz de salvar a constituição
- 17 -
em face da pressão sobre ela exercida pelas complexas e incessantemente mutáveis questões econó
mico sociais. Esta leitura da constituição de baixo para cima, justificadora de uma nova compreensão
Por outro lado, como visto, é necessário assegurar que a Constituição mantenha seu conteúdo jurídico protegido,
uma vez que esta deve sobreviver às pressões exercidas pela sociedade. Deve-se assegurar, assim, que as
mutações constitucionais não conduzam a um processo de criação de uma constituição legal paralela.
Fique de olho
A Teoria do Poder Constituinte analisa e discute as diferentes apresentações que o Poder
Constituinte assume. Compreender a função de cada uma dessas espécies, bem como as
limitações a que estão sujeitas, é essencial para diferenciá-las.
- 18 -
4 Aplicabilidade das normas constitucionais no tempo
O ingresso de uma nova norma constitucional no ordenamento jurídico implica a instauração de uma nova
realidade normativa. Essa nova realidade impõe a necessidade de compatibilização das normas já existentes com
a nova constituição.
- 19 -
4.1 Nova Constituição e ordem jurídica anterior
De acordo com a Teoria Constitucional, a partir do surgimento de uma nova Constituição tem origem uma nova
ordem jurídica. A partir desse momento, a ordem jurídica anterior é, portanto, superada, dando lugar a uma
nova realidade normativa. De acordo com Tavares (2012, 197), surge, então, a necessidade de que sejam
constituinte provoca a necessidade imediata de conceber novas regulamentações jurídicas, por meio
das fontes e instrumentos previstos pela Constituição para tanto. A renovação, pois, surge como
As normas então vigentes devem ser analisadas em face da Nova Constituição, de modo que, se com esta forem
compatíveis, serão consideradas recepcionadas nesse novo ordenamento jurídico. Não se trata da continuação
da validade da norma infraconstitucional, uma vez que a existência de uma nova Constituição retira o
fundamento de legalidade das legislações que lhe antecedem. É necessário assegurar-lhes nova validade, e a esse
processo denomina-se recepção. Diante de uma nova realidade normativa, uma norma existente no
ordenamento jurídico deve ter sua compatibilidade com a nova constituição assegurada, com o intuito de
conferir-lhe validade. Havendo a compatibilidade, se estará diante de uma norma que será recepcionada pela
Constituição. Caso não haja, a norma será considerada não recepcionada, por lhe faltarem meios de permanecer
É comum afirmar que as normas anteriores à Constituição permanecem válidas, desde que, como se viu, não
sejam incompatíveis com a nova ordem estabelecida. Contudo, a expressão “permanecem válidas” não oferece a
exata dimensão do fenômeno. De acordo com Tavares (2012, p. 206), o que ocorre é que os fundamentos de
validade da norma anterior, agora recepcionadas, mudam para a nova ordem constitucional:
inexata, continuam sendo válidas são, a partir de uma perspectiva jurídica, leis novas cuja
significação coincide com a das velhas leis. Elas não são idênticas às velhas leis, porque seu
- 20 -
A esse procedimento, Tavares denomina novação. Para o autor, se trata de um revigoramento de leis antigas, as
quais são submetidas a um processo de nova leitura em face da nova ordem constitucional e, consequentemente,
Revogação é o nome atribuído à substituição do direito antigo pelo novo. Alguns autores entendem que a não
recepção da norma anterior pela Constituição configuraria sua revogação por não recepção. Outros, por sua vez,
A divergência com relação à classificação dos efeitos decorrentes da nova norma constitucional não traz
consequências apenas doutrinárias. Isso porque entender que se trata de inconstitucionalidade superveniente
significaria admitir a possibilidade de que o Supremo Tribunal Federal, na qualidade de corte constitucional,
sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade. Por outro lado, se a compreensão for de que se trata de revogação,
não seria necessário observar os procedimentos previstos na Constituição da República para afastar a incidência
Sobre a divergência, Mendes (2014) recorda o debate havido no Supremo Tribunal Federal quando do
julgamento da Ação Direta de inconstitucional ADI 02-DF. O Ministro Paulo Brossard, incumbido da relatoria,
aduziu que a inconstitucionalidade da lei implica a sua nulidade absoluta, ou seja, sua invalidez desde sempre,
Contudo, se a nulidade da lei decorre tão somente da superveniência de novo texto constitucional, de forma que
a lei era compatível com a ordem constitucional anterior, então não poderia se dizer que sua invalidez ocorre
desde sempre: ela apenas passa a operar após a vigência da nova Constituição. Dessa forma, para o relator, não
Discordando do relator, o Ministro Sepúlveda Pertence sustentou que se tratava mesmo de inconstitucionalidade
superveniente, uma vez que, de acordo com o ministro, a solução de conflitos de normas no tempo por meio do
critério cronológico – normas posteriores derrogando normas anteriores – apenas se aplica quando se está
diante de normas de mesma hierarquia. Assim, não poderia se dizer que uma norma constitucional teria o
condão de revogar uma norma infraconstitucional anterior que com ela fosse incompatível. Deve-se destacar, no
entanto, que a solução encontrada pela Corte Constitucional foi aquela proposta pelo Relator Ministro Paulo
anteriores que com esta sejam incompatíveis, não estando a análise sujeita ao controle constitucional concreto
- 21 -
4.3 Recepção Material das Normas Constitucionais
Com relação à recepção das normas constitucionais anteriores, fala-se em sua recepção material. Inicialmente,
como já dito, a revogação é o instituto que alcança normas de mesma hierarquia, de forma que, diante do conflito
cronológico de duas normas hierarquicamente equivalentes, a norma posterior prevalecerá sobre a norma
anterior. Desse modo, a entrada de uma nova Constituição no ordenamento jurídico implica a revogação das
normas constitucionais anteriores, o que ocorre de forma imediata após a manifestação do Poder Constituinte
originário.
Por essa razão, para assegurar que uma norma constitucional anterior possa permanecer válida após a entrada
em vigência de um nova Constituição, é necessário que haja sua recepção material, assegurando que lhes seja
A recepção material das normas constitucionais, portanto, é exceção à regra da revogação. Sua ocorrência está
condicionada à existência de previsão expressa, no novo texto Constitucional, que lhe assegure novo fundamento
de validade.
A Constituição de 1988 admitiu de forma expressa a permanência, ainda que temporária, de algumas normas
constitucionais anteriores. No Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), por exemplo, foi
previsto que o novo sistema tributário nacional entraria em vigor a partir do primeiro dia do quinto mês
seguinte à promulgação da nova Constituição, e que, até aquela data, seria mantido o sistema tributário
instituído pela Constituição de 1967. Ainda que em caráter transitório e por tempo limitado, houve recepção
- 22 -
4.4 Repristinação
Ainda sobre os conflitos das normas no tempo, existe o fenômeno denominado repristinação. A repristinação é
o nome que se confere ao retorno da existência do fundamento de uma norma infraconstitucional que não havia
Como exemplo, suponha-se que uma lei ordinária foi editada sob a égide de uma Constituição, sendo compatível
com esta. Contudo, imagine-se que diante da superveniência de nova norma constitucional, esta lei ordinária não
foi recepcionada, perdendo, portanto, o seu fundamento de validade. Durante a vigência dessa segunda
Constituição, portanto, tem-se que a lei ordinária não foi recepcionada. Contudo, o que ocorreria diante da
entrada em vigência de uma terceira Constituição, com a qual a antiga lei ordinária fosse compatível?
Assista aí
time_continue=1&v=FYE_uar8g_A&feature=emb_title
De acordo com Mendes (2014), a repristinação, ou seja, a restauração da eficácia da norma pela superveniência
de nova ordem constitucional com a qual seja compatível, não pode ocorrer de forma tácita. A repristinação
apenas será possível se a nova Constituição estabelecer, de forma expressa, esta possibilidade. Isso porque, se a
norma infraconstitucional deixou de existir no ordenamento jurídico anterior, instituído pela Constituição com a
qual era incompatível, da mesma forma a norma não poderia ser recebida, posto que não existe.
presunção da repristinação:
Repristinação é o nome que se dá ao fenômeno que ocorre quando uma norma revogadora de outra
anterior, que, por sua vez, tivesse revogado uma mais antiga, recoloca esta última novamente em
estado de produção de efeitos. Esta verdadeira restauração de eficácia é proibida em nosso Direito,
em nome da segurança jurídica, salvo se houver expressa previsão da nova lei, conforme preceitua o
art. 2º, § 3º, da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. Assim, a legislação que tenha
perdido sua eficácia anteriormente à edição da nova Constituição Federal não irá readquiri-la com
sua promulgação. Nesse sentido, decidiu o STF que “existe efeito repristinatório em nosso
ordenamento jurídico, impondo-se, no entanto, para que possa atuar plenamente, que a
- 23 -
4.5 Desconstitucionalização
O conflito de normas no tempo torna possível, ainda, o fenômeno da desconstitucionalização. Esse é o nome
atribuído ao efeito dado às normas constitucionais que, diante da superveniência de nova Constituição, perdem o
Desconstitucionalização é nome técnico que se dá à manutenção em vigor, perante uma nova ordem
jurídica, da Constituição anterior, que porém perde sua hierarquia constitucional para operar como
legislação comum.
Em outras palavras, de acordo com a teoria da desconstitucionalização, uma norma que seja apenas formalmente
constitucional – ou seja, que integra a Constituição sem, no entanto, versar sobre matéria constitucional, estará
sujeita à desconstitucionalização na hipótese de superveniência de nova Constituição caso não seja incompatível
com esta.
Fique de olho
As diferentes formas de tratamento às normas constitucionais e infraconstitucionais em face
da superveniência de nova Constituição são relevantes para o estudo da Teoria da
Constituição, uma vez que é preciso conhecer os fenômenos e seus efeitos para compreender
as mudanças do ordenamento jurídico ao longo do tempo.
Contudo, a doutrina entende que, sem que haja expressa previsão constitucional para que tais efeitos alcancem a
norma anterior, não se admite que tal fenômeno possa ocorrer no ordenamento jurídico brasileiro.
é isso Aí!
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:
• aprender que o Poder Constituinte pode ser classificado em originário ou derivado, e que este pode ser
compreendido como Poder Constituído, e não Constituinte;
• entender que o Poder Constituinte derivado pode se apresentar como reformador, revisor ou
decorrente;
• perceber que nem toda alteração constitucional decorre da mudança do texto da Constituição: é o caso
- 24 -
• perceber que nem toda alteração constitucional decorre da mudança do texto da Constituição: é o caso
das mutações constitucionais;
• compreender porque, diante da superveniência de uma nova ordem constitucional, as normas antes
existentes precisam de fundamento na Nova Constituição para continuarem a integrar o ordenamento
jurídico;
• observar que as normas podem ser recepcionadas ou não recepcionadas pela Constituição.
Referências
CANOTILHO, J. J. G. Direito Constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1993.
MENDES, G. F. Curso de direito constitucional. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014.
MORAES, A. de. Direito Constitucional. 33. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2017.
SILVA, J. A. da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 37. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004.
TAVARES, A. R. Curso de direito constitucional. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012.
- 25 -