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FILOSOFIA ANTIGA
Nathalia Lipovestky
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Olá!
Você está na unidade Filosofia antiga. Conheça aqui a origem da filosofia bem como as questões cosmológica,
ética e metafísica.
Bons estudos!
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1. Origem da filosofia
A respeito da origem da Filosofia, todos os livros são praticamente unânimes em afirmar que foi um evento que
ocorreu por volta do século VI ou VII a.C., na Grécia. Pode parecer estranho fazer uma afirmação com tanta
exatidão sobre um algo que ocorreu há mais de vinte e cinco séculos, mas isso é possível exatamente porque
surgiu com um filósofo chamado Tales. Aristóteles afirmou, poucos séculos depois, que Tales foi o primeiro
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São duas as principais fontes de que dispomos para o conhecimento dos filósofos pré-socráticos: a
comentários a eles, geralmente breves, por autores de períodos posteriores, indo basicamente de
Aristóteles (384-323 a.C) a Simplício (séc. VI). Os fragmentos são citações de passagens dos próprios
O período que denominamos de Antiguidade (4000 a.C. a 476) comporta muitos povos e todos eles possuem
cultura e história próprias, como os assírios, os babilônios, os chineses, os egípcios, os indianos, os persas, os
hebreus. Esses povos também tiveram suas concepções de natureza e formas de explicar os fenômenos naturais,
mas nenhum deles parece ter alcançado o grau de sofisticação necessário para que sua forma de pensar se
caracterizasse como científica, como ocorreu com o povo grego (MARCONDES, 2008).
A grande virada que se presencia na Grécia, com os primeiros filósofos, é a chamada passagem do mito ao logos
. A mudança essencial que nos garante o surgimento da Filosofia nesse momento é, portanto, quanto ao discurso
de explicação da realidade. O logos é um termo em grego que significa discurso, ou seja, é uma explicação que
apresenta razões. Por isso é possível afirmar que o discurso dos primeiros filósofos é um logos, pois eles
buscavam explicar a realidade por meio de causas naturais (pensamento humano aplicado ao entendimento da
natureza). Em oposição ao mito, portanto, o logos é um discurso racional e crítico (MARCONDES, 2008). Os
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outros povos (e também os gregos) recorriam ao mito para explicar a realidade, porém, na Grécia, pela primeira
O pensamento mítico consiste em uma forma pela qual um povo explica aspectos essenciais da
realidade em que vive: a origem do mundo, o funcionamento da natureza e dos processos naturais e
as origens desse povo, bem como seus valores básicos. O mito caracteriza-se sobretudo pelo modo
como estas explicações são dadas, ou seja, pelo tipo de discurso que constitui. O próprio termo grego
mythos significa um tipo bastante especial de discurso, o discurso ficional ou imaginário, sendo por
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O mito faz, portanto, parte da cultura de um povo e pressupõe que as pessoas o aceitem, globalmente, sem
questionamento. O mito é a própria visão de mundo desse povo, excluindo a possibilidade de outras perspectivas
que poderiam fundamentar seu questionamento, já que as pessoas desconhecem outra forma de existir e
compreender a realidade: “ou o indivíduo é parte dessa cultura e aceita o mito como visão de mundo ou não
pertence a ela e, nesse caso, o mito não faz sentido para ele, não lhe diz nada” (MARCONDES, 2008, p. 20).
O mito recorre ao sobrenatural e sempre envolve elementos relacionados ao sagrado, à magia, ao mistério. As
explicações sempre recorrem aos deuses e sua vontade, o mundo humano é governado por forças superiores e
exteriores que devem ser respeitadas. Quando surge uma insatisfação quanto a essas explicações, surge a
possibilidade de se buscar respostas diferentes, baseadas em evidências e na lógica, iniciando, portanto, o que
chamamos de ciência.
O pensamento mítico tem uma característica até certo ponto paradoxal. Se, por um lado, pretende
fornecer uma explicação da realidade, por outro lado, recorre nessa explicação ao mistério e ao
sobrenatural, ou seja, exatamente àquilo que não se pode explicar, que não se pode compreender por
estar fora do plano da compreensão humana. A explicação dada pelo pensamento mítico esbarra
O mito é um recurso dialógico importante, porque tem força e capacidade de sensibilizar e influenciar quem o
ouve. E não se trata de um discurso completamente desprovido de lógica, tanto que quase sempre apresenta
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alguma lição a ser aprendida. Sua utilização não foi descartada por completo e permanece até os dias atuais, de
certa forma. A diferença é que o mito deixou de ser a única explicação existente e surgiu uma nova forma de
procurar respostas para as mesmas perguntas, uma forma que procura se basear no que, diferentemente do que
faz o mito, está ao alcance da compreensão humana. O que ocorre, portanto, é uma substituição da cosmogonia
(explicação da origem do universo baseada em mitos) pela cosmologia (explicação racional e sistemática das
características do universo).
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2. Filosofia antiga: questão cosmológica
A transição do pensamento mítico ao filosófico, da qual falamos anteriormente, se operou por meio do grupo
de pensadores que denominamos de pré-socráticos. Essa alcunha não significa que formem um grupo
homogêneo, mas apenas que vieram antes do filósofo Sócrates, que foi um divisor de águas no pensamento grego
clássico.
Figura 1 - Sócrates
Fonte: stefanel, Shutterstock, 2020.
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#PraCegoVer: A imagem mostra uma imagem do filósofo Sócrates em escultura exposta na Academia Nacional
de Atenas, na Grécia.
O que encontramos em comum no pensamento dos pré-socráticos é justamente o rompimento com os traços
mitológicos e sagrados que marcavam as concepções do período anterior. De resto, há muitas concepções,
interesses e escolas diferentes dentre os pré-socráticos. Não se pode falar em uma ideia de justiça uniforme
entre os pré-socráticos, por exemplo. As ideias sobre justiça e injustiça estão arraigadas a seus sistemas
filosóficos, mas a discussão sobre justiça não constitui uma preocupação particular como a ético-moral ou
physis). Assim, o objeto de investigação dos primeiros filósofos-cientistas é o mundo natural; sendo
que suas teorias buscam das uma explicação causal dos processos e dos fenômenos da naturais a
partir de causas puramente naturais, isto é, encontráveis na natureza, no mundo natural, concreto, e
não fora deste, em um mundo sobrenatural, divino, como nas explicações míticas. Segundo esse tipo
de visão, portanto, a chave da compreensão da realidade natural encontra-se nesta própria realidade
Os pré-socráticos foram, então, os primeiros filósofos e sua atuação se concentra no período entre 623 a.C. a 399
a.C. Vamos analisar, brevemente, as preocupações principais de alguns deles, para demonstrar como a
cosmologia permeia todo o pensamento pré-socrático como característica predominante. Nesse período, existe
um interesse forte em buscar descobrir o que seria a substância primordial, ou arché, algo que possa ser
A importância da noção de arqué está exatamente na tentativa por parte desses filósofos de
básico que permeie toda a realidade, que de certa forma a unifique, e que ao mesmo tempo seja um
elemento natural. Tal princípio daria precisamente o caráter geral a esse tipo de explicação,
Tales de Mileto (623-546 a.C.) foi considerado o primeiro pensador grego. Sua dedicação principal era à
astronomia e à geometria. Para ele, a água é a substância primordial, a origem de todas as coisas, pois permanece
a mesma em todas as transformações dos corpos. Anaximandro de Mileto (610-547 a.C.) busca aprofundar as
concepções de Tales. Para ele, a arché não pode ser algo material, deve ser algo que transcende o observável
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(realidade ao alcance dos sentidos). Define, então, que a arché deveria ser uma massa geradora dos seres que
contém em si todos os elementos contrários, o que denominou de Ápeiron. Anaxímenes de Mileto (588-524 a.C.)
afirmou que a origem de todas as coisas é indeterminada e preferiu não atribuir caráter oculto ou transcendental
para a origem de todas as coisas. Concluiu ser o ar o princípio de tudo (invisível, imponderável, divindade que
anima o mundo).
Pitágoras de Samos (570-490 a.C.) funda uma sociedade filosófica poderosa e influente e atribui uma estrutura
matemática à arché. Para Pitágoras, a essência de todas as coisas está nos números. Podemos observar, aqui, a
importância incorporada às ideias de ordem e harmonia, ou seja, pela primeira vez aparecem ordem e
constância fundamentando o pensamento pré-socrático. Pitágoras é um nome marcante até os tempos atuais por
suas contribuições na matemática, sendo seu teorema certamente a mais famosa delas.
Para Heráclito de Éfeso (500 a.C.) a realidade é dinâmica, está em permanente transformação. Pertence à
chamada Escola Mobilista, que se define pela noção de que há um fluxo constante impulsionado por forças
contrárias. O mundo evolui a partir das lutas, é um devir, ou seja, uma eterna mudança. Estatui o fogo como
princípio: chamas vivas e eternas governam o movimento. É de Heráclito a famosa frase “não se pode entrar
Parmênides de Eléia (510-470 a.C.) faz oposição a Heráclito. Afirma que há dois caminhos: o caminho da
filosofia e da razão ou o caminho da crendice e da opinião. Assim, existe o ser e sua não-existência não é
concebível: “o ser é; o não-ser não é”. Esses são princípios lógicos de identidade e não contradição que foram
posteriormente desenvolvidos por Aristóteles. Foi o primeiro filósofo a pensar o ser ideal no plano lógico.
Fique de olho
Os pré-socráticos são comumente agrupados em escolas, divididas mais ou menos
geograficamente. A Escola Jônica se caracteriza pelo interesse pela physis e teorias sobre a
natureza e dela fazem parte Tales, Anaximandro, Anaxímenes, Xenófanes e Heráclito. A Escola
Italiana apresenta visão de mundo mais abstrata, antecipando, em certa medida, o surgimento
da lógica e da metafísica. Dela fazem parte Pitágoras, Alcmeon, Filolau, Parmênides, Zenão e
Melisso. (MARCONDES, 2008).
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3. Filosofia antiga: questão ética
Embora a palavra “Ética” seja dotada de muitos significados atualmente, vamos aqui nos deter ao seu sentido
mais básico, que é o de preocupação com as causas e efeitos do agir humano. Assim, toda a reflexão a respeito de
como o comportamento humano em suas ações voluntárias pode levar ou não à realização de determinados fins,
será objeto da Ética. O grupo denominado de Sofistas dá início à fase com prerrogativas como:
não formam uma única escola, apenas possuem afinidades de ideias e modos de vida: ensinavam de modo
suas reflexões ensejam uma relativização da justiça, por combaterem tudo que é absoluto, fixo, eterno, inabalável;
seus conceitos se afastam de todo tipo de ontologia, metafísica ou mistificação de valores sociais;
na prática judiciária a retórica e a oratória se mostram muito úteis, por isso a atividade dos sofistas era muito
procurada.
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Para os sofistas, a lei (nomos) é o que liberta o homem da barbárie. Aquele período de pensamento e reflexão
sobre as coisas da natureza e do universo ficou para trás e a afirmação agora é a de que o homem é a causa de si
mesmo, não a natureza. As leis não são iguais em toda parte, o que mostra que são fruto da atividade humana e
por isso valores e legislação variam dentre as diferentes culturas (BITTAR, 2013).
O pensamento sofístico promove uma relativização do conceito de justiça pela identificação com o conceito de
legalidade: justo é o que está na lei. Esse raciocínio leva à inconstância do conceito de justiça, pois a lei positiva
A atividade dos sofistas foi favorecida por fatores políticos e sociais conjunturais, específicos de Atenas. Foi um
estruturação da democracia ateniense é um desses fatores, pois houve uma esquematização da participação
popular nos instrumentos de exercício do poder, sem necessidade de provar riqueza, nobreza ou ascendência.
Isso implica a necessidade da técnica de falar para o uso em assembleias (oratória, retórica), que era
basicamente exercício da cidadania através do discurso. A democracia diretamente exercida exige que o cidadão
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seja capaz de falar em público, articular suas ideias e que domine a arte da argumentação e do convencimento
por meio de sua fala. Era esse o produto oferecido pelos sofistas (BITTAR, 2013).
Os Sofistas de maior destaque foram Protágoras, Górgias, Pródico, Hípias, Antífon, Trasímaco, Crítias,
Sócrates é uma figura interessantíssima porque não existe certeza a respeito de sua existência. Por não ter
deixado nada escrito, os relatos de sua existência e atuação chegam até nós por meio de outros filósofos,
especialmente Platão. Sócrates teria vivido no séc. V a.C. e é considerado um divisor de águas na filosofia antiga
por centrar suas especulações na natureza humana e em suas implicações ético-sociais. Suas interações
principais são com os sofistas, de quem é o grande antagonista. Seus ensinamentos e discussões atacam
Sócrates aceita sua condenação à morte por respeito às leis de Atenas, mesmo sendo inocente das acusações.
Recusa-se a fugir, mesmo tendo amigos influentes que poderiam favorecer essa possibilidade, por defender que
obedecer a lei era o limite entre civilização e barbárie. Teve a Ética como modo de vida e filosofia. Suas reflexões
aparecem retratadas nos diálogos platônicos, em questões como “o que é a justiça?”, “o que é o Bem?”, “o que é o
amor?”, “o que é a coragem?” e levam à conclusão de que o conhecimento reside no interior do próprio homem.
Acredita que o mal é praticado quando não se sabe diferenciar o bem do mal, por isso é necessário o
O Direito é, para Sócrates, o instrumento humano de coesão social, para a realização do bem comum por meio
do cultivo das virtudes (desenvolvimento das potencialidades humanas). Postula a inderrogabilidade das leis da
cidade pela vontade humana, em contraposição à efemeridade das leis (variáveis no tempo e no espaço) pregada
Sua Ética é teleológica, ou seja, visa à finalidade. A felicidade (controle das paixões e a busca do saber) deve ser o
fim da ação, que um conhecer-se. Para Sócrates só erra quem desconhece, ou seja, a ignorância é o maior dos
males. Erradicar a ignorância através da educação (paideia) é a tarefa do filósofo. Postula que a Ética do coletivo
O discípulo mais famoso de Sócrates é Platão (428 a.C a 328 a.C), nascido em uma família nobre em Atenas e cujo
verdadeiro nome era Arístocles. A alcunha surgiu em função de sua compleição física, pois Platão em grego
Platão desenvolveu uma ética sustentada pelas ideias de ordem e de harmonia como caminho para se alcançar o
bem. Platão utiliza o mito com propósitos definidos, embora afirme que o mito não é verificável e não tem
organização interna. Para ele, o mito não é um mero emaranhado sem lógica nem vazio de razão e serve de
intermediário ao discurso filosófico (ético e político). Afirma que, em certo sentido, o mito é uma forma de logos
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se for considerado o significado de logos como discurso, ou seja, como o pensar manifestado pela voz por meio
de verbos e substantivos. O mito tem a vantagem de ser um meio de comunicação da sabedoria compartilhada e
possibilita a transmissão para outras gerações com o propósito de influenciar. Um dos mais conhecidos mitos
utilizados por Platão para transmitir suas ideias é o mito da caverna, que serve como metáfora para os graus do
Dentro da ética platônica há alguns conceitos chave, como o conceito de alma, de conhecimento, de amor e de
justiça. Estes conceitos se entrelaçam de forma mais ou menos circular, ou seja, é quase impossível explicar um
sem precisar recorrer ao outro. Para alcançar o conhecimento autêntico, Platão institui o método dialético, que
“consiste na contraposição de uma opinião com a crítica que dela podemos fazer, ou seja, na afirmação de uma
tese qualquer seguida de uma discussão e negação desta tese, com o objetivo de purificá-la dos erros e
A discussão sobre o amor é promovida na obra O Banquete e as respostas são dadas por Sócrates, baseado nos
ensinamentos de Diotima, uma sacerdotisa que afirma que o amor é o desejo de qualquer coisa que não se tenha
e à qual se aspire, ou seja, o amor é a Filosofia. O amor é um intermediário entre o saber e o não-saber, entre o
humano e o divino. O amor participa da imortalidade, é capaz de transmitir aos deuses o que vem dos homens e
A alma é discutida no livro Fédro, onde é apresentada a divisão entre alma e corpo. A alma tem uma história, é
imortal e move a si mesma. É o mais próximo que o homem pode chegar da divindade, do absoluto, pois ela é a
sede da racionalidade. Por isso, a alma deve ser educada. Educar a alma é permitir que a alma se lembre de tudo
que viu quando estava ainda no mundo das ideias e possibilitar que o homem seja responsável por seu destino
por meio da racionalidade. Chegamos, assim, ao conceito de conhecimento, que é a conjugação da formação
A alma se divide em três eixos fundamentais, que são temperança, coragem e sabedoria. Esses mesmos eixos são
a divisão da cidade justa. Na cidade justa a ordem e a harmonia são respeitadas e cultivadas, de forma que a
justiça é o dever que se impõe a cada um de não exercer mais que um emprego na sociedade, aquele para o qual
No cidadão, a justiça é a temperança dos desejos, a coragem das paixões e a sabedoria da razão; na polis, é a
temperança dos produtores e comerciantes, a coragem dos soldados e a sabedoria dos governantes. A educação
para a vida justa é a educação para a polis, pois a educação serve para que se possa identificar o verdadeiro Bem.
A justiça nasce do conhecimento e é uma forma de aproximação da divindade. A justiça é o bem em si desejável, é
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É importante caracterizar, ainda, dentro da questão ética no período da Antiguidade, as chamadas Filosofias
O período helenístico é aquele que se compreende a partir da conquista da Grécia pelos macedônicos (322 a.C.)
e caracteriza-se pela interação cultural entre a cultura grega clássica e a cultura dos povos orientais
conquistados com a expansão do Império Macedônico. Em Atenas, houve a continuação das atividades da
Academia e do Liceu por discípulos de Platão e Aristóteles. No entanto, o foco da reflexão ética teve uma
alteração em função das mudanças políticas que ocorreram. O cidadão não tem mais participação ou influência
na vida política da cidade e isso acarretou um abandono da reflexão política (vida pública) pela filosofia, cujas
reflexões deslocam-se para a vida privada. As preocupações, antes coletivas tornam-se preocupações individuais
a respeito de temas como a intimidade, a vida interior do homem, busca de filosofias de vida, a arte de viver, a
O cinismo é uma filosofia derivada da palavra grega kynos, que significa “cão”. Seu maior ícone, Diógenes, era
conhecido como o cão e por questionar, inclusive publicamente, valores e tradições sociais. Foram filósofos que
se propuseram a viver como cães da cidade, sem propriedades nem conforto. Levaram a filosofia de Sócrates ao
O epicurismo foi uma Escola que deve seu nome ao pensador grego Epicuro de Samos (341-270 a.C.) e que elege
no prazer a finalidade do agir humano. Constitui-se num momento histórico de decadência da Grécia e
apresenta, portanto, uma filosofia de desapontamento com a política do seu tempo. Sua doutrina busca explicar o
mundo a partir dos elementos que o integram, tratando de temas como a matéria, o átomo e as sensações. A vida
é apenas uma interação de átomos no cosmos, o que quer dizer que a morte é somente sua desagregação e nada
significa (por estar privado de sensibilidade o que se dissolveu). O cosmos se autogoverna. (BITTAR, 2010).
Por acreditarem que a mitologia e as filosofias que os antecederam não forneceram respostas suficientes,
procuram dar explicação para tudo por meio da física, inclusive a explicação para a ética. O conhecimento
humano se dá por meio das sensações, que é como o homem experimenta o mundo, portanto, todas as outras
formas de conhecimento possíveis submetem-se aos sentidos: a ética está onde estão os sentidos (BITTAR,
2010).
A ação humana se dá, necessariamente, no sentido de evitar a dor e buscar o prazer, então, a realização
felicidade humana depende de se alcançar o prazer. O prazer é elevado a móvel da ação humana. Mesmo cientes
de que a definição e a interpretação do que seja doloroso ou prazeroso variam de pessoa para pessoa, o
epicurismo consegue sintetizar a noção de que toda dor é um mal (algo não natural) e todo prazer é um bem
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Apenas os deuses podem alcançar o prazer absoluto e constante, ou seja, é impossível a ausência absoluta de
dor. Mas é possível buscar suprimir o maior número de dores possível, tarefa do sábio. O prazer gera a
tranquilidade da alma, a estabilidade das sensações e a satisfação do corpo. O significado de prazer dentro da
filosofia epicurista é como ausência de dor. É importante não confundir o epicurismo com uma doutrina
sensualista, que estimula o cometimento de pecados e apego às coisas terrenas. Conhecer a dor e o prazer é o
que possibilita ao homem escolher causar dor ou prazer, o sábio deve procurar oferecer serenidade aos outros,
prolongar os prazeres, reduzir e suportar as dores, favorecer a que os outros participem do prazer (BITTAR,
2010).
É a prudência, a maior das faculdades humanas, que permite ao homem discernir na escolha de seus
epicurismo, é conquistar a ataraxia: estabilidade de ânimo diante das coisas, prazeres, paixões e da dor. Como a
orientação ética humana deriva das sensações, ou seja, o agir bem se determina nas sensações e na empiria, o
epicurismo consiste numa proposta que repele a injustiça por ser causa de dor e atrai a justiça por ser causa de
prazer: a justiça epicurista consiste em não causar nem sofrer dano. O homem justo é o homem tranquilo e
A Ética estoica é uma ética da ataraxia (estado de harmonia corporal, moral e espiritual). O homem ético
respeita o universo, as suas leis e a si próprio – conhece a si mesmo e a suas limitações – e alcança a ataraxia por
saber distinguir o bem do mal). A ataraxia é o momento máximo de um processo mais longo de autodepuração
da alma, descoberta de sua interioridade, estado imperturbável diante de ocorrências externas. A ética estoica é,
portanto, uma ética derivada da conjugação dos conhecimentos adquiridos pelo homem. (BITTAR, 2010).
A finalidade da conduta humana é a ação e a ética estoica determina o cumprimento de andamentos éticos pelo
dever. O conteúdo deste dever é simples de encontrar, pois as normas do agir emanam da natureza, a que o
homem não pode pretender se sobrepor. O homem discerne entre o que é favorável ou desfavorável em seu agir
por ser capaz de intuir as normas naturais. As virtudes cardeais que orientam a stoa são justiça, sabedoria,
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4. Filosofia antiga: questão metafísica
Na contemporaneidade, a palavra metafísica pode apresentar mais de um significado dentro da Filosofia e é
objeto de muitas discussões acadêmicas. No entanto, é possível, devido ao recorte temporal do presente tópico,
delimitar nossa abordagem ao conceito de metafísica como aparece na obra de Aristóteles, num sentido mais
estrito, como a ciência do ente (aquilo que é) enquanto ente e de seus princípios fundamentais. Discute-se, então,
Figura 2 - Aristóteles
Fonte: Giannis Papanikos, Shutterstock, 2020.
#PraCegoVer: A imagem mostra uma estátua de Aristóteles situada na Praça de Aristóteles em Thessalonike, na
Grécia.
A denominação “metafísica” aparece pela primeira vez para classificar um grupo de livros da obra completa de
Aristóteles que vem após os livros da física. Seria, então, de plano, apenas a coleção daquilo que está depois da
física. No entanto, existe uma harmonia quanto ao conteúdo abordado nesses livros: “muitos estudiosos
acreditam que a atribuição do nome metafísica a esses livros não é mero acaso, mas está diretamente
relacionada com o próprio conteúdo dos textos, que tratam do princípio primeiro, de uma forma englobante ou,
É importante frisar que a metafísica fundamenta a ética, ou seja, ainda que a denominação de metafísica tenha
aparecido apenas para a obra de Aristóteles, seu conteúdo aparece em momentos anteriores, ainda que sem a
articulação necessária. Platão também trata de temas próprios da metafísica, como a alma, o existir, a natureza
das coisas. Veremos adiante um pouco da metafísica aristotélica e, inevitavelmente, ao final, chegaremos em sua
ética, pois não são conteúdos que se separam. Muito pelo contrário, estão constantemente entrelaçados.
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A metafísica platônica consiste em sua teoria das ideias ou das formas, desenvolvida com a finalidade de
estabelecer a natureza dos conceitos e das definições a serem alcançadas. Com Platão considera-se iniciada a
metafísica clássica, ou da Antiguidade, ainda que a denominação e a delimitação do tema só tenham aparecido
uma teoria da natureza essencial das coisas, que nos permita assim realizar, quando nos
perguntamos “o que é x?”, a análise pretendida. Saberemos quando a resposta foi obtida se ela
satisfizer os critérios estabelecidos por esta teoria para a aplicação bem-sucedida do método, que se
dá quando este nos leva ao conhecimento desta natureza essencial da coisa. (MARCONDES, 2008, p.
56).
A necessidade de uma metafísica em Platão aparece da diferença de compressão sobre o que é a Filosofia que
este apresenta em relação a seu mestre, Sócrates. Para Sócrates, a Filosofia tem o papel de levar o indivíduo a
se compreender melhor e a sua própria realidade por meio de processos de transformações intelectuais
e de valores, enquanto para Platão a filosofia é essencialmente uma teoria, em que se é possível conhecer a
verdade última da natureza das coisas por meio de processos de abstração e de superação da experiência
concreta. Essa teoria do conhecimento pressupõe, requer, uma metafísica que a sustente, ou seja, uma teoria
Aristóteles (384 – 322 a.C) nasceu em Estagira, na Macedônia, filho de Nicômaco, médico do rei. Estudou na
Academia de Platão por cerca de 20 anos e era cotado para assumir a direção após a morte de Platão, mas foi
preterido por não ser ateniense. Fundou o Liceu em 335 a.C. Foi professor de Alexandre Magno entre 345 e 340 a.
C., quando este assumiu o trono macedônico e com a morte de Alexandre em 323 a.C. começou a sofrer
Aristóteles rejeita a teoria das ideias de Platão e postula que a realidade sensorial deve buscar as estruturas
essenciais de cada ser. O conhecimento deve se dar por indução, ou seja, do particular para o geral. Procura
As distinções entre ato e potência e entre substância e acidente são determinantes em toda a sua filosofia:
Ato
é a manifestação atual do ser, aquilo que já existe;
Potência
são as possibilidades do ser (capacidade de ser), aquilo que ainda não é mas pode vir a ser;
Substância
aquilo que é estrutural e essencial do ser;
Acidente
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Acidente
aquilo que é atributo circunstancial e não essencial do ser.
É pois manifesto que a ciência a adquirir é a das causas primeiras (pois dizemos que conhecemos
cada coisa somente quando julgamos conhecer a sua primeira causa); ora, causa diz-se em quatro
pois à noção última, e o primeiro “porquê” é causa e princípio); a segunda causa é a matéria e o
sujeito; a terceira é a de onde vem o início do movimento; a quarta causa, que se opõe à precedente,
é o “fim para que” e o bem (porque este é, com efeito, o fim de toda geração e movimento).
(ARISTÓTELES,1984, p. 16).
Temos, nessa passagem, as definições das causas: a causa material, que é a matéria de que alguma coisa é feita;
a causa formal, que é a forma que toma essa matéria; a causa eficiente, que é o agente que produziu a coisa; a
Para encontrar a essência humana, Aristóteles buscou captar a função específica do Humano e concluiu ser uma
atividade da alma que se traduz no exercício da razão. Dessa forma, a racionalidade pode ser apontada como a
essência humana, ou seja, a felicidade para o ser humano se realiza no ato de pensar:
A questão da essência humana é uma investigação primordial para a metafísica aristotélica e conclui
que a essência humana é o ato de pensar, a racionalidade: “aquilo que pertence a cada di próprio
pela sua própria natureza é o que há de mais poderoso e que dá um maior prazer. Desta forma, para
o Humano, isso é a existência humana de acordo com o poder da compreensão do sentido, porquanto
é este tipo de existência que corresponde à possibilidade extrema do próprio si humano e essa
Na obra Da Alma Aristóteles escreve um tratado de biologia geral e define a alma como a forma do corpo vivo,
numa relação em que o corpo deve possuir determinadas qualidades físico-químicas que o tornem apto a servir
de matéria a sua alma correspondente. Há diversos tipos de almas, correspondentes aos diversos tipos de entes.
As etapas de desenvolvimento da alma são demarcadas pelas capacidades ou faculdades. Alguns estudiosos
listam essas capacidades como apenas três, deixando de fora a capacidade contemplativa, abordada em outras
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Sua descrição da alma humana identifica quatro capacidades integrantes de um todo, cada qual com suas
tendências específicas e diferentes objetivos: vegetativa, apetitiva, deliberativa e contemplativa. Para todos
os níveis da alma há finalidades internas e externas, no sentido de que há, para cada um dos objetivos de cada
aspecto da alma, uma realização do ser como um todo em relação ao bom cumprimento desse objetivo
(LIPOVETSKY, 2017).
inconscientes e involuntários do organismo concebido como uma máquina, para garantir a existência mecânica
da pessoa. É um aspecto da alma que o ser humano compartilha com as plantas, com a diferença de não se
dissociar dos demais aspectos da existência humana. Existe um objetivo específico intrínseco e distintivo de cada
parte da alma e a parte vegetativa a cumpre exercendo bem aquilo que se espera dela: a pele, por exemplo, tem
em si mesma o propósito de proteção e regulação de temperatura, e é boa como pele na medida em que alcança
O nível apetitivo compreende as emoções e sentimentos, as manifestações dos desejos de uma pessoa, atuando
como fonte de motivação e energia para viver. Embora seja uma parte da alma que o ser humano tem em comum
com os animais irracionais, no ser humano esse aspecto desejoso é fundamentalmente teleológico na visão de
Aristóteles:
o aspecto apetitivo do nosso ser é a tendência do organismo a buscar a sua própria realização
através da excelência dos seus desejos. Essa realização não é apenas a excelente busca dos seus
desejos ou a consumação bem-sucedida deles, mas também o ter desejos que aperfeiçoem o seu ser.
O nível deliberativo (ou calculativo) constitui, juntamente com o nível contemplativo, a parte racional da alma,
que nos distingue dos demais entes. A descrição do problema ético de que a parte racional da alma deverá
controlar as inclinações desejosas e que, com isso, se viverá bem, é um traço comum à psicologia moral de Platão,
Aristóteles, Kant, dentre outros. Aristóteles não sucumbe à dualidade de isolar as ações humanas como
instintivas, de um lado, ou racionais, de outro, nem postula a ideia de “mente como substância pensante”. A
deliberação racional é apenas um aspecto de um todo – o ser inteiro: “deliberação ou pensamento racional é
apenas uma das funções que os seres humanos inteiros desempenham e através da qual podem realizar-se a si
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A parte deliberativa da alma trata do pensar e planejar, estrategicamente, a abordagem e consecução das
necessidades humanas, liga-se umbilicalmente à ação. Deliberamos sobre como alcançar propósitos práticos,
cujos fins apresentam-se como objetivos externos da atividade deliberativa; os objetivos internos estão na
A quarta e última parte da alma é a contemplativa. Trata-se de um aspecto adicional do raciocínio, com objetos
distintos daqueles da parte deliberativa. Se, por um lado, o nível deliberativo se ocupa dos meios para alcançar
objetivos e àquilo que pode ser modificado no mundo por meio da ação humana, por outro lado, a razão
contemplativa concerne àquilo que não podemos mudar, ou seja, às coisas eternas e imutáveis. O nível
contemplativo é totalmente separado da nossa vida ativa. Pensar sobre temas como a origem e a natureza do
universo, a existência ou inexistência e a vontade dos deuses, a fonte e o sentido da moralidade etc. são parte do
que confere sentido à vida humana, ainda que não se obtenha respostas ou que as respostas não sejam
definitivas. A satisfação desse aspecto da alma está em contemplar bem (LIPOVETSKY, 2017).
Há três gêneros de fenômenos que surgem na alma: as afecções, que são desejo, ira, medo, audácia, inveja,
alegria, amizade, ódio, saudade, ciúme, compaixão e em geral tudo aquilo que é acompanhado por prazer e ou
sofrimento; as capacidades, que são condições de possibilidade para sermos afetáveis por afecções; e; as
disposições, que são os gêneros de fenômenos de acordo com os quais nos comportamos bem ou mal
relativamente às afecções. As que chamamos de excelências são disposições de caráter, ou virtudes morais
(ARISTÓTELES, 2009).
As pessoas já nascem com alguns traços de cada virtude e a educação tem o papel de reforçar essas boas
tendências e direcionar a ação humana em rumo à posição intermediária entre dois extremos. A ética aristotélica
não é relativista, pois é determinada por uma regra. Essa regra, no entanto, não é uma lei: o critério de justeza da
ação ética virtuosa é o ser humano prudente, é o fazer aquilo que o sábio faria. Uma vez alcançada a virtude, não
há a possibilidade de retorno ao vício, de modo que o sábio nunca age mal, pois está habituado à virtude
(LIPOVETSKY, 2017).
A razão conduz à virtude, que é a justa medida, um meio-termo, o ponto de equilíbrio entre dois excessos. O
homem, inserido na pólis, exerce em sociedade sua racionalidade através do discurso (logos), ao mesmo tempo
que a essência humana (a felicidade) se realiza na pólis, que se organiza visando a realização do bem, da
felicidade, da eudaimonía para todos. O homem é capaz de deliberar e escolher o melhor para si e para o
próximo.
O trabalho de Aristóteles sintetizou e sistematizou conteúdos que antes haviam sido trabalhados, mas sem muita
ordenação. Embora o denominemos de filósofo, Aristóteles foi um polímata, ou seja, uma pessoa que domina
muito bem diversas áreas do conhecimento. Muitos dos conceitos que adotamos nos tempos atuais foram
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cunhados por Aristóteles e jamais alterados, pois já possuíam, naquela época, o nível necessário de adequação.
Seu legado para o mundo ocidental é valiosíssimo e será retomado como objeto de discussão na Idade Média
é isso Aí!
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:
• conhecer a origem a filosofia;
• entender o pensamento dos principais pensadores da época;
• compreender a questão ética da filosofia;
• compreender a questão metafísica da filosofia.
Referências
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. António de Castro Caeiro. São Paulo: Atlas, 2009.
ARISTÓTELES. Metafísica. Tradução De Vincenzo Cocco. São Paulo: Abril S. A. Cultural, 1984.
LIPOVETSKY, N. Efetividade da justiça no mundo contemporâneo: entre ética e economia. Belo Horizonte:
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