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FILOSOFIA GERAL E DO DIREITO

FILOSOFIA MEDIEVAL
Laís Pessoa

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Olá!
Você está na unidade Filosofia medieval. Conheça aqui os quatro períodos principais, começando pelos padres

apostólicos, bem no início do cristianismo, nos séculos I e II, cuja atividade consistia basicamente em buscar

disseminar a palavra de Cristo, em continuidade ao trabalho iniciado pelos próprios apóstolos. O segundo

momento é o dos padres apologistas, nos séculos III e IV, quando é iniciado o trabalho de apologia do

cristianismo contra a filosofia grega, considerada pagã a partir da perspectiva cristã. O terceiro é o momento da

patrística, indo de meados do século IV ao século VIII, momento em que se faz importante buscar uma

conciliação entre razão em fé. O quarto é o da escolástica, entre os séculos IX a XVI, que fica com a tarefa de

sistematizar a filosofia cristã, a essa altura já bastante volumosa após muitos séculos de elaboração.

Bons estudos!

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1 Filosofia medieval: padres apostólicos
O traço principal que encontramos na filosofia medieval é a relação entre a experiência humana e a existência do

sagrado, por meio da busca de provas racionais e lógicas de que o sagrado existe e rege a vida humana.

O poder político exercido pela religião nesse período histórico faz com que seja impossível separar a influência

da religiosidade na vida cotidiana de todas as pessoas, incluídos aí os filósofos. Outra dificuldade é separar

filosofia e teologia no pensamento medieval, pois a fé e a divindade são o tema principal tratado pela filosofia,

que se torna teológica por consequência.

1.1 Idade das trevas

Existem adjetivações atribuídas à Idade Média como sendo uma idade das trevas, ao passo que também é

possível encontrar quem afirme exatamente o contrário. Trata-se de um período de contradições,

verdadeiramente, em que determinados campos do conhecimento se desenvolveram mais e melhor que outros,

que acabaram se caracterizando por atraso e até retrocesso. Veremos que na filosofia a contribuição medieval é

bastante rica e que há importantes contribuições e construções lógicas que fundamentaram o pensamento

moderno e o influenciaram de forma decisiva.

Em modo de síntese final e apenas esquemática, poderíamos dizer que a Idade Média se fez com

luzes e sombras, que fundamentam que, acerca dela, se tenham produzido «lendas douradas» e

«lendas negras». Luzes e sombras provêm de todos os três factores que estiveram na sua génese e

determinaram o seu rosto próprio. O classicismo em ruínas foi responsável pela subsistência de um

fundo de civilização (positivo) que, embora medievalizado (negativo), serviu como mediação entre a

antiguidade clássica e a modernidade. Os bárbaros foram responsáveis pela regressão cultural

(negativo), mas, ao mesmo tempo, acolheram, a seu modo, valores clássicos e valores cristãos

(positivo). O cristianismo revolucionou positivamente a visão e a prática da vida típicas do

paganismo (positivo), ainda que se tenha deixado levar por excessos de vária ordem (negativo)

(COUTINHO, 2008, p.14).

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2 Filosofia medieval: apologética
Jesus Cristo nasce durante o Império Romano, em que vigorava um politeísmo, ou seja, muitos deuses eram

simultaneamente cultuados, e todas as práticas religiosas eram toleradas com certa tranquilidade. O cristianismo

era, então, apenas uma dentre várias manifestações religiosas que conviviam no Império Romano. No entanto,

seus seguidores sofreram algumas perseguições por se recusarem a praticar os cultos tradicionais do império,

pois o cristianismo os obrigava ao monoteísmo.

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2.1 Idade Média

O Império Romano do Ocidente caiu no ano de 476, após ataques constantes de povos que os romanos

denominavam de bárbaros, dando início ao que chamamos de Idade Média, período em que a organização

política se tornou muito inferior se comparada à organização da instituição Igreja. A difusão do cristianismo nos

primeiros séculos fica a cargo de seus primeiros seguidores, que vão angariando novos fieis e fazendo com que a

comunidade cristã cresça.

Uma das grandes questões que surgem neste momento é sobre como conciliar fé e razão. No plano político, é

sobre como conciliar a doutrina cristã e a cidadania romana no lado oriental do Império. Pela proximidade

geográfica com a região onde florescera a Antiguidade Clássica, a influência cultural grega é forte, gerando um

grande contraste entre a fé cristã e o pensamento filosófico-científico.

Temos, então, dois diferentes grupos de pensadores cristãos:

aqueles que buscam conciliar o cristianismo com a filosofia grega (pagã, do ponto de vista cristão); e

aqueles que repudiam por completo a filosofia pagã e fazem apologia ao cristianismo.

O período principal de efervescência apologética foi nos séculos III e IV (COTRIM, 2001).

A Igreja cristã tem dois momentos muito diferentes no início de sua existência.

Fique de olho
Antes do Édito de Milão, em 313, era uma instituição minoritária, perseguida e quase
clandestina. Após 313 se torna uma instituição oficial do Império. A doutrina construída pelos
chamados padres (ou pais) da igreja se constitui progressivamente numa doutrina política,
trazendo para o campo temporal as posições teológicas fundamentais do cristianismo (NEMO,

2007).

Antes de sua oficialização pelo imperador Constantino em 313, a Igreja constituía uma espécie de Estado dentro

do Estado, uma vez que os cristãos se recusavam a cumprir determinadas obrigações de cidadãos por

contrariarem a doutrina cristã. Quanto maior a seita cristã se tornava, maior a ameaça que representava. Um

anticristão chamado Celso afirmou, mesmo, que eram como bárbaros no interior do império, ou seja, comparou a

ameaça cristã à ameaça que os povos bárbaros representavam no entorno das fronteiras romanas (NEMO, 2007).

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Enquanto Celso acusava os cristãos de criarem um Estado à parte e recriminava esta conduta, um apologista de

nome Tertuliano, um dos mais famosos por seu rigor, reivindica exatamente o status de secessão. Afirma que a

República dos cristãos é o mundo e que o Imperador não tem nenhum valor em si, é apenas um instrumento de

Deus. Para Tertuliano uma lei injusta não tem validade e a definição da justiça da legislação cabe à Igreja e não ao

Império. Como viveu no período anterior ao Édito de Milão, Tertuliano não podia verbalizar sua crítica muito

explicitamente (NEMO, 2007).

Fique de olho

Orígenes foi um apologista de grande relevância e de características mais moderadas que


Tertuliano, pois aceita a importância da filosofia grega, acreditando que os pagãos entreviram
a verdade. Sua formação é platônica, está na mesma geração de Plotino, fundador do
neoplatonismo. Por se alinhar com as teorias dualistas, defende que as escrituras sagradas
possuem dois sentidos, um mundano e um espiritual.

Orígenes antecipa, de certa forma, a teoria da existência de duas cidades, que depois ganha notoriedade com

Agostinho. As cidades de Orígenes não são antagônicas, existem paralelamente, cada uma em direção a seus

próprios objetivos. Isso no plano político é interessante porque permite que o governante temporal não seja

ameaçado pela Igreja, pois seu reinado é próprio de seus domínios terrenos. Orígenes acredita que o Império

facilitou a difusão da mensagem do Evangelho, o que não deixa de ser verdade, pois não fosse o ambiente

favorável ao florescimento e difusão do cristianismo, talvez sua expansão não tivesse ocorrido da forma como

ocorreu (NEMO, 2007).

Em Roma, a filosofia se apresenta como socorro metafísico, que oferece algo que a religião não oferecia. O

problema é que a filosofia só interessava realmente a um pequeno grupo letrado. O restante do “povo parecia

ansiar por uma presença que se contrapusesse à ausência, ao vazio. Ansiava por um Deus que fosse sensível ao

coração” (FERRY; JEPHARGNON, 2011, p. 24-29).

Em Atenas, o apóstolo Paulo observou essa lacuna metafísica:

Paulo, em pé no meio do Areópago, disse: “Homens de Atenas, em tudo vos vejo muitíssimo

religiosos. Percorrendo a cidade e considerando os monumentos do vosso culto, encontrei também

um altar com esta inscrição: A um Deus desconhecido. O que adorais sem o conhecer, eu vo-lo

anuncio!” (At 17, p.22-23).

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Entre os cristãos parecia haver uma presença só sentida por eles, que os inspirava o melhor comportamento e os

acompanhava todos os dias.

Os cristãos tinham um Deus que se importava com cada ser humano, individualmente, e cada vida recebia um

significado eterno num plano cósmico, dando forma à ideia de liberdade e de um amor sem fronteiras. Não se

tratava mais de cumprir ritos ou sacrifícios, mas de fazer sacrifícios pessoais, como o Cristo fez para salvar a

humanidade: era preciso oferecer-se ao Deus. Surge uma fascinante e inesperada valorização do ser humano e

um inédito pensamento do amor (FERRY; JEPHARGNON, 2011).

Um dos motivos que se pode apontar para o pensamento cristão se estabelecer com sucesso é ter preenchido os

vazios deixados pela insuficiência da filosofia grega em responder à questão da salvação. “A promessa cristã de

salvação é muito superior à promessa da salvação filosófica, o que fez o cristianismo prosperar, exercendo uma

tentação sobre os corações e não sobre as mentes” (FERRY; JEPHARGNON, 2011, p. 97).

Assista aí

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2.2 Filosofia cristã

O desenvolvimento da chamada filosofia cristã acontece, portanto, num cenário de desfacelamento do Império

Romano. A ascensão da Igreja assume papel religioso, econômico, social. A difusão do cristianismo ocorre na

base da lógica de que a fé é a fonte da verdade e que o importante é a salvação da alma, para a vida eterna.

Assim, no campo das investigações científico-filosóficas as possibilidades ficam bastante limitadas. Acredita-se

não ser necessário buscar a verdade, pois a verdade já foi revelada por Deus.

Trabalhando no limite do possível, os pensadores, a partir deste momento, passam a buscar, demonstrar

racionalmente as verdades da fé, quando muito.

Alguns religiosos nem isso admitiam, pois a filosofia grega seria a porta para o pecado e deveria ser evitada por

completo, como os apologistas.

Alguns filósofos buscaram conciliar fé e razão para tentar convencer os descrentes a aceitar a fé pela razão.

A filosofia cristã trata, então, de questões eminentemente teológicas como a trindade, a dualidade liberdade

versus salvação, a relação entre fé e razão.

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3 Filosofia medieval: patrística
Agostinho de Hipona viveu de 354 a 430, já nos últimos anos de sobrevivência do Império Romano do Ocidente e

seu pensamento se alinhava com a doutrina do neoplatonismo. Converteu-se cristão aos 33 anos e acreditou ter

encontrado a verdade total, a libertação em Jesus Cristo. No entanto, não se desvinculou de sua corrente de

pensamento neoplatônico, o que resultou numa filosofia cristã feita através do neoplatonismo. Sua obra tem

como objeto central o homem buscar a Deus dentro de si (GILSON, 1995).

Podemos considerar, no neoplatonismo, as seguintes características fundamentais: a) Retomando a

visão dualista do mundo, proveniente de Platão, procura superar esse dualismo através da afirmação

de um radical monismo: a dualidade do real é vista como condição derivada de uma radical unidade

originária, na qual tende a ser reassumida. b) Inscreve-se no contexto cultural de angústia

existencial, religiosidade e misticismo generalizados, típico dos últimos tempos da era pré-cristã e

primeiros da cristã, tendo-se configurado como filosofia religiosa de tendência mística e mesmo de

cariz soteriológico ou salvacionista. c) Como tal, ao menos do ponto de vista cristão, representa, ao

mesmo tempo, o derradeiro grande esforço e a impotência da razão pagã para encontrar, por si

mesma, uma resposta satisfatória para os mais graves problemas que se apresentam ao ser humano,

quais são os problemas do mal e do sofrimento, do pecado e da morte (COUTINHO, 2008, p. 28).

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3.1 Fé em busca da inteligência

Sua filosofia busca usar a fé para levar mais longe a inteligência, ou seja, aceitar pela fé as verdades que Deus

revela, para delas adquirir inteligência (fé em busca da inteligência). Valeu-se da máxima: “compreende para

crer, crê para compreender”. A obra Confissões narra sua luta pessoal e intelectual para alcançar o que chama de

caminho do verdadeiro conhecimento, ou seja, Deus. Não acredita na possibilidade de o homem chegar a

conhecer a verdade absoluta, mas defende que a fé deve ser a solução para o ceticismo. Assim, toda a verdade

revelada deve ser aceita com base na fé, pois não é possível ao homem investigar e descobrir nada nesse escopo.

A verdadeira sabedoria está, portanto, na verdade revelada (MORRISON, 2012).

As sensações são as ações que a alma exerce sobre o corpo e nos informam sobre objetos instáveis, contingentes

(fatos). O conhecimento nos mostra a verdade, que é necessária, imutável e eterna (regras). Conhecer é

apreender pelo pensamento um objeto que não muda. A alma já contém em si mesma conhecimentos desse

gênero. Afirma que os objetos sensíveis não ensinam verdades, porque são instáveis, contingentes, o que

demonstra sua desconfiança nos dados provenientes dos sentidos (BITTAR, 2010).

A grande questão que coloca é “de onde vem o conhecimento?”, se os sentidos não são confiáveis?

A contingencialidade humana faz com que não possamos também ser a fonte dos nossos conhecimentos

verdadeiros. Há, no entanto, algo no homem que o excede, que é a verdade, “uma realidade puramente inteligível,

necessária, imutável, eterna”: Deus.

Deus é o mestre interior que responde de dentro à razão que o consulta, é mais interior a nós que o nosso próprio

interior, é algo íntimo e transcendente ao pensamento. O caminho para Deus em Agostinho vai sempre do

exterior para o interior e do interior para o superior, pois Ele é uma realidade íntima e transcendente ao

pensamento (BITTAR, 2010).

Se tudo que é contingente é uma mistura de ser e não-ser (não-ser é o princípio de mutabilidade), Deus, então, é o

ser por excelência, essência pura, imutabilidade pura. E se há no homem algo mais profundo que o homem, que é

Deus, nosso pensamento é memória de Deus.

Na relação alma e corpo, o cristão afirma que o homem é a unidade da alma e do corpo, mas o filósofo recai na

afirmação platônica de que o homem é uma alma que se serve de um corpo. A alma é superior ao corpo e dele

não sofre influência e se une ao corpo pela ação que exerce para vivificá-lo.

Corpo

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O corpo do homem não é a prisão da alma, mas tornou-se a prisão da alma através do pecado original. Por isso o

primeiro objeto da vida moral deve ser a libertação do pecado original. Os atos morais são exclusividade das

criaturas racionais, que são livres, pois atos morais dependem da razão. Então, erros morais são o mau uso do

livre arbítrio. O livre arbítrio pode falhar, porque não é um bem absoluto; é a condição do maior dos bens, a

beatitude, a felicidade, o querer apreender o soberano Bem. O pecado é culpa do homem, só do homem, pois ao

pecar o homem preferiu em vez de usar a liberdade para buscar o bem, desviar-se de Deus para a busca de coisas

inferiores e para desfrutar de si (BITTAR, 2010).

Alma

A alma foi criada para reger o corpo, mas no pecado é regida por ele e entra em decadência. A alma só sai dessa

decadência com a graça da Redenção, com o socorro divino, pois a alma não é capaz de fazer o caminho de

retorno sozinha. A graça coopera com o livre arbítrio, sem ela o livre arbítrio pode errar (BITTAR, 2010).

Tendo sido criado por Deus, o homem depende, em última instância, da graça de Deus. O homem

pode optar pela prátca do bem, mas não tem o poder espiritual de fazer o bem que escolheu. Ele

precisa do auxílio da graça divina. Enquanto o mal é causado por um ato de livre-arbítrio, a virtude é

produto não da vontade humana, mas da graça de Deus. Enquanto a lei moral pode dar a impressão

de dizer ao homem o que ele deve fazer, ao fim e ao cabo ela realmente lhe diz o que é errado que

faça. Onde a lei impera, a fragilidade humana se vê mais exposta (MORRISON, 2012, p.71).

Para fazer o bem é preciso a graça (dom de Deus) e o livre arbítrio. A liberdade é o poder de utilizar

corretamente o livre arbítrio. Assim, o homem que é mais dominado pela graça de Deus, será o homem mais

livre. A liberdade plena não nos é acessível nessa vida, mas a busca, a aproximação da liberdade plena é o meio

de obtê-la após a morte (BITTAR, 2010).

A obra A Cidade de Deus se fez necessária para que Agostinho pudesse justificar o cristianismo perante o povo

romano, uma vez que surgiram acusações de que a ruína de Roma teria sido causada pela recusa cristã de

manter as oferendas aos deuses da cidade, considerados pagãos, e que por isso a cidade teria ficado

desprotegida. Disso surge a indagação central: por que o novo Deus cristão não salvou Roma? (MORRISON, 2012)

Os homens que amam a Deus são unidos a Ele pelo amor que tem por Ele e entre si por esse amor em comum.

Um povo é um conjunto de homens unidos na busca pelo amor de um mesmo bem. Há povos temporais unidos

na busca por bens temporais e os cristãos vivem na terra no meio desses povos (Cidade dos Homens). O povo

formado pelos cristãos em busca da mesma beatitude, sejam de que cidade temporal forem, é a Cidade de Deus.

As duas cidades estão misturadas na terra, mas serão separadas no juízo final.

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A criação da Cidade de Deus iniciou-se progressivamente desde a criação do mundo. O livro A Cidade de Deus é

uma construção teológica dessa história que vai desde a criação do mundo até o dia em que as cidades serão

separadas.

O mistério que atravessa essa história é a caridade divina atuando para restaurar a criação divina que foi

degradada pelo pecado. Porque uns se salvam e outros não, é um segredo de Deus.

Como Agostinho foi levado a pensar sobre o valor de uma sociedade terrena em virtude da ruína do Império

Romano, sua argumentação acaba por retirar o valor em si da vida na terra, que pode ser vista como sendo

apenas um meio de se obter a liberdade após a morte (BITTAR, 2010).

Assista aí

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3.2 Jusnaturalismo

A definição de justiça de Agostinho é jusnaturalista: “disposição do espírito, que respeitando a utilidade comum,

que atribui a cada um seu valor” e que tem sua origem na natureza. Direito natural é fruto de uma força inata.

Lex temporalis é a lei positiva; Lex aeterna é a eterna, da razão suprema; Lex naturalis é a natural, racional

(BITTAR, 2010, p. 215).

Fique de olho
Agostinho aceita a fórmula da justiça como a virtude de dar a cada um o que lhe é devido, o que
implica uma dificuldade de definição a respeito do que é o devido a alguém, pois poderia levar
à conclusão de que o conteúdo e a definição do que é justiça pode variar tanto quanto for o
número de sociedades existentes. Desse modo, o que é justo em uma cidade poderia ser, ao
mesmo tempo, injusto em outra. E assim justo e injusto existiriam simultaneamente, violando

a lógica da não-contradição (MORRISON, 2012).

Por isso a justiça em Agostinho é justiça humana ou justiça divina.

• Justiça humana

É a que se realiza entre os homens e é imperfeita, pois é feita pelos homens, cuja natureza está

corrompida.

• Justiça divina

É a que tudo governa e preexiste no céu; é absoluta, imutável, perfeita, infalível, infinitamente boa e

justa. Deus produz nos homens a lei através da justiça divina, então, nessa medida, pode-se até afirmar

que a lei dos homens também é divina (naquilo em que não se corrompeu).

Justiça humana e justiça divina nem sempre coincidem e muitas vezes o que é uma transgressão para uma, é

indiferente para a outra. No entanto, não é considerada lei a que não é justa, a lei só é lei se for justa. O direito

não pode se dissociar da justiça, ou será uma mera instituição humana e que não pode ser chamado de direito.

Justiça tem a ver com a ordem: da razão sobre as paixões, das virtudes sobre os vícios, de Deus sobre o homem

(BITTAR, 2010).

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Se as leis do Estado não estiverem em harmonia com o direito e a justiça naturais, não terão o caráter

de verdadeiras leis nem haverá, no caso, um Estado verdadeiro. Uma vez que ele definia uma

comunidade como um Estado do povo, “não haverá povo se este não estiver unido por um consenso

do direito; tampouco haverá direito que não esteja fundamentado na justiça. Segue-se daí que não

onde não houver justiça, não haverá comunidade.” Desse modo, Santo Agostinho parece ter

encontrado sua resposta para a questão de um conceito crítico e investigativo para investigar a

ordem jurídica convencional. A ordem jurídica deve ter uma base, e essa base não pode ser o

processo em si; a mera criação do direito através dos órgãos do Estado não pode significar que eles

sejam justos. Essa qualidade de justa deve vir de algum outro ato: aqui, está em conformidade com a

origem última da verdade, a vontade de Deus (MORRISON, 2012, p.73).

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4 Filosofia medieval: escolástica
A escolástica é a produção filosófica que surge no ambiente cultural das escolas e das primeiras universidades, a

partir do século IX, no contexto político do Império Carolíngio, em que o rei Carlos Magno promoveu uma

verdadeira renascença cultural estimulando as artes e a educação. Houve uma retomada do período clássico e a

educação romana foi usada como modelo na adoção das matérias lecionadas. O trivium era composto de

gramática, retórica e dialética; o quadrivium era composto de geometria, aritmética, astronomia e música. As

traduções e comentários da obra de Aristóteles feitos pelos árabes, especialmente Avicena e Averróis,

permitiram que seu pensamento fosse difundido na Europa, influenciando profundamente o pensamento

escolástico (COTRIM, 2001).

A busca de conciliação entre razão e fé persiste durante o período escolástico, que pode ser dividido em três

fases. Na primeira delas os pensadores demonstram confiança na existência de uma harmonia perfeita entre fé e

razão, entre os séculos IX e XII; na segunda delas, temos a elaboração de grandes sistemas filosóficos em que se

postula a possibilidade de uma harmonia parcial entre fé e razão, entre os séculos XIII e XIV; na terceira fase

encontramos a decadência da escolástica e a aceitação das diferenças fundamentais entre fé e razão (COTRIM,

2001).

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4.1 Tomás de Aquino

O principal expoente da escolástica é Tomás de Aquino, que viveu de 1225 a 1274 e tem uma obra que conjuga

cristianismo e aristotelismo. Existem muitas discussões a respeito da originalidade da obra de Tomás de Aquino

frente à de Aristóteles, alguns dizendo que se trata de mera repetição, outros defendendo que, pelo contrário,

existe continuidade e inovação. Étienne Gilson afirma que

se se trata de física, de fisiologia ou dos meteoros, santo Tomás é apenas aluno de Aristóteles; mas se

se trata de Deus, da gênese das coisas e de seu retorno ao criador, santo Tomás é ele mesmo

(GILSON, 1995, p.657).

Direito e justiça têm lugar especial em sua obra, sendo abordados como parte do conjunto de interesses dos

homens. A justiça em Tomás de Aquino deve ser estudada sob o ponto de vista da ação humana, da práxis, da

virtude de dar a cada um o que é devido (BITTAR, 2010).

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Figura 1 - Tomás de Aquino é o principal expoente da escolástica
Fonte: Adam Jan Figel, Shutterstock, 2020.

#PraCegoVer: A imagem é uma pintura de Tomás de Aquino, feita por Abraham Van Diepenbeek, pintor que

viveu de 1596 a 1675.

O homem na concepção tomista é composto de corpo (que é corruptível, material e mortal) e alma (que é

incorruptível, imaterial e imortal). Esse homem é dotado de faculdades, que ele classifica em vegetativas,

sensitivas e intelectuais. A faculdade vegetativa exerce as atividades das quais desconhece forma e fim, são

tarefas fisiológicas. A faculdade sensitiva executa e aprende a forma do agir. Já a faculdade intelectual, sobrevive,

executa atividades e ainda apreende a forma e o fim de suas ações. É a faculdade intelectual que diferencia o

homem dos outros seres dotados de alma (BITTAR, 2010).

O conceito cristão tomista de indivíduo aparece, assim, como o de

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um ser dividido de todos os outros seres e, por sua vez, não divisível em outros seres. Portanto, ele é

bem diferente sob esse aspecto, de uma espécie, por que, se é verdade que a espécie é formalmente

distinta de qualquer outra espécie, ela pode, porém, ser dividida numa pluralidade de indivíduos

distintos sem perder sua natureza. A humanidade existe em cada homem, e é inclusive porque há

homens que a espécie humana existe. Um homem, ao contrário, é distinto de todo outro homem e

não se poderia dividi-lo em vários sem o destruir; é por isso que o chamamos de ‘indivíduo’ (GILSON,

2006, p.265).

Essa individuação contribui para a valorização do homem enquanto ser original, para a construção de uma ideia

de dignidade única e própria a cada ser humano, que será completada apenas no século XVIII por Kant. O homem

é, portanto, ao mesmo tempo um animal racional, como na concepção clássica, um ser composto por corpo e

espírito, como na concepção neoplatônica e uma criatura feita à imagem e semelhança de Deus, como na bíblia

(SALGADO, 2011). A construção cristã de que o homem não é nem apenas alma, nem apenas corpo, mas uma

composição necessária e única dos dois será fundamental para o conceito de dignidade humana.

O conhecimento se constrói a partir da experiência sensível com as coisas, pois para a escolástica nada está no

intelecto que primeiro não tenha passado pelos sentidos. Assim, as sensações usam a razão como ponto de apoio

para construir o conhecimento e com o uso racional das experiências é possível ao homem discernir entre fins

desejáveis e não desejáveis e eleger os meios para alcançá-los. O ato de conhecer consiste, para o homem, em

depreender das coisas aquilo que nelas existe de universal. O que o intelecto vai buscar dentre os bens

disponíveis para conhecer é o bem em si, de que os bens particulares participam. Assim, a liberdade em

perfeição aconteceria nesse mundo se o intelecto humano fosse capaz de conhecer o Soberano Bem, que não nos

é alcançável.

Então,

somos, pois, reduzidos a procurar determinar, por um esforço incessantemente renovado do

intelecto, entre os bens que se nos oferecem, os que se ligam ao Soberano Bem por uma conexão

necessária. E é nisso, pelo menos neste mundo, que consiste nossa liberdade. Pois que a imutável

adesão ao Soberano Bem nos é recusada, nossa vontade só tem de optar entre os bens particulares;

logo, ela sempre pode querê-los ou não os querer, e querer este em vez daquele (GILSON, 1995, p.

669).

Deus deu ao homem a liberdade de ser, agir, decidir: a vontade existe no homem para que ele possa escolher o

caminho para realizar o bem. A liberdade consiste justamente em poder escolher dentre os inúmeros valores que

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se apresentam como caminhos. A atividade ética é exatamente a de discernir mal e bem e buscar o bem. Na ética

do coletivo, Tomás de Aquino segue o aristotelismo: a ética deve presidir o convívio social, a autoridade

dirigente da sociedade deve ser prudente na busca do bem comum.

A ética incide sobre o agir, sobre a razão prática, o que Tomás de Aquino denomina sinderese: conjunto de

conhecimentos conquistados a partir da experiência habitual, com base nos quais se podem construir conceitos

sobre o que é bom e mau, justo e injusto. No dicionário comum sinderese significa estado de contrição; remorso;

discrição; bom senso; faculdade de julgar corretamente. No sentido tomista, a sinderese atua para que o homem

encontre o caminho do bem (o bem é o que a todos agrada). A grande dificuldade é identificar o bem e distingui-

lo do bem aparente, pois o mal tem aparência de bem, embora seja a privação do bem, um estado de ignorância

do bem. As experiências sinderéticas vão formar um conjunto de princípios e conceitos que permitem a tomada

de decisões de acordo com hábitos, ou seja, os hábitos não são inatos e sim conquistados pela experiência

(BITTAR, 2010).

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4.2 A virtude da justiça

O princípio da razão prática de fazer o bem e evitar o mal será o pano de fundo da teoria tomista da justiça. O

homem, guiando-se pelos princípios que extrai da experiência, forma sua lei natural, seu hábito interior. Essa lei

natural é racional (vem da razão prática e sinderética); rudimentar (não corresponde à totalidade do direito);

insuficiente e incompleta (necessita de uma lei humana positiva para efetivar-se). A justiça na sociedade precisa

surgir porque essa lei natural do homem, ética, não basta para regular o comportamento em sociedade. A justiça

é uma virtude (meio termo entre um excesso e uma carência) que traduz o dever de dar a cada um o que é seu,

numa relação de igualdade entre pessoas (BITTAR, 2010).

Porém, é necessário explicar o que é próprio de cada um: cada um possui uma medida e nem todos são

materialmente iguais. A justiça é um hábito, uma prática, não tem a ver com paixões interiores e sim com a

exteriorização de um comportamento de dar a cada um o que é seu. A justiça cuida da conduta exterior do

homem enquanto as outras virtudes cuidam da conduta interior (alteridade).

A justiça é a maior das virtudes e o direito é a busca da sua realização. A justiça é uma virtude que supõe uma

relação com outrem, ao contrário das outras virtudes, que aperfeiçoam o homem em seu interior.

A justiça implica igualdade, pois “o que se iguala se ajusta”. A virtude da justiça é praticada em relação ao outro,

enquanto todas as outras virtudes afetam diretamente apenas ao próprio agente.

O estudo da justiça vem do estudo da Lex, termo que tem 3 acepções: divina, natural e humana.

A lei eterna é aquela que tudo ordena, rege a ordem universal, está em tudo.

A lei natural é a que é comum a homens e animais, uma participação racional na lei eterna, a natureza retrata em

parte leis divinas, na natureza residem princípios de justiça natural.

A lei humana é uma convenção dos homens, relativa e contingente, que deve procurar refletir o conteúdo das leis

eterna e natural, é a concretização da lei natural (BITTAR, 2010).

As criaturas participam da lei eterna segundo sua intelectualidade, segundo a perfeição de sua natureza e pela

dignidade de seu fim. A lei eterna age nas criaturas de acordo com a finalidade de cada espécie, de maneira que

os seres irracionais apenas servem aos seres racionais. O jusnaturalismo tomista prega uma justiça variável e

contingente como a razão humana. A positivação do que é contrário à lei natural é um direito injusto e ilegítimo.

Os conceitos de justiça podem ser vários, existem várias justiças, porque o que é devido a cada um é muito

específico.

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Temos, assim, a justiça comutativa, para as relações entre indivíduos particulares, em condição de igualdade; e a

justiça distributiva, para relações entre Estado e indivíduos, ou seja, a relação da parte com o todo, atribuindo a

cada parte o que lhe é devido a partir da participação, capacidade ou mérito em sua atuação na sociedade.

(BITTAR, 2010:259)

Na Suma Teológica, a justiça é definida como “o hábitus, pelo qual, com vontade constante e perpétua, se dá a

cada um o seu direito” (II, q. 58, a. 1, rep.) ou, ainda, “o ato de justiça consiste precisamente em dar a cada um o

que é seu” (II, q. 58, a. 11, rep.).

A alteridade é necessária no ato de justiça porque a justiça existe para retificar atos humanos, então, em seu

conceito mesmo a justiça implica a relação com outrem, “pois nada é igual a si mesmo, mas a um outro”.

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5 Filosofia medieval: mística e a questão teológica
O traço que marca a produção filosófica medieval é a permanente discussão a respeito da relação entre razão e

fé. Isso faz com que os contornos do pensamento medieval sejam, naturalmente, permeados pela teologia. O

estudo dos pensadores do período nos faz perceber que existe uma forte conexão entre teologia e filosofia,

existindo, de certo modo, até mesmo uma submissão da filosofia à teologia. Essa submissão terá fim com a

Modernidade, que separa definitivamente os dois campos de estudos, proporcionando autonomia a ambos.

Paralelamente a isso, como reação ao caráter racionalista que a escolástica começou a assumir, encontramos o

fortalecimento de manifestações de pensadores que podem ser agrupados dentro do que chamamos de mística

cristã, movimento que se inicia na Idade Média e cujo período de ouro dura até o século XVII, embora não

tenhamos espaço aqui para abordá-lo em sua totalidade.

5.1 Mística cristã

A palavra “mística” sofreu certa banalização e assumiu significados vulgares, muitas vezes sendo empregada

apenas como sinônimo de religião ou de interesse por religiosidades, mas aqui se faz necessário dedicar espaço

para nos debruçarmos sobre seu sentido original, para o que nos valemos das palavras de Lima Vaz:

Diz respeito a uma forma superior de experiência, de natureza religiosa, ou religioso-filosófica,

(Plotino), que se desenrola normalmente num plano trans racional - não aquém, mas além da razão -,

mas, por outro lado, mobiliza as mais poderosas energias psíquicas do indivíduo. Orientadas pela

intencionalidade própria dessa original experiência que aponta para uma realidade transcendente,

essas energias elevam o ser humano às mais altas formas de conhecimento e de amor que lhe é dado

alcançar nesta vida. A utilização moderna do termo “mística” para designar convicções,

comportamentos ou atitudes, cujo objeto está circunscrito aos limites do nosso ser-no-mundo e

envolvido por uma nuvem passional que obscurece o olhar claro da razão, deve ser interpretada

como indício de uma inversão radical na ordem de nossas prioridades espirituais, que inflete para o

domínio da imanência o termo último da intencionalidade constitutiva do espírito (VAZ, 2015, p.10).

As três grandes formas de experiência mística na cultura ocidental são:


• a mística especulativa;
• a mística mistérica; e
• a mística profética, sendo esta última essencialmente cristológica.

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5.2 Mística especulativa

A tradição mística especulativa se desdobra em duas grandes fases, a primeira de caráter neoplatônico e a

segunda de caráter cristão. No medievo, o encontro dessas duas fases proporciona a caracterização da mística

cristã como um todo em torno do problema da contemplação. A mística cristã como um todo se caracteriza, de

fato, como um único tronco cujas raízes estão no texto do Novo Testamento, apresentando versões das três

formas da mística: especulativa, mistérica e profética (VAZ, 2015).

Podemos, pois, considerar como patronos da mística especulativa cristã alguns dos representantes mais ilustres

da Patrística grega: os alexandrinos Clemente e Orígenes (séc. III), o capadócio São Gregório de Nissa (séc. IV),

denominado o “pai da mística cristã”. Evágrio Pôntico (séc. IV), os escritos chamados pseudodionisianos

(provavelmente inícios do séc. VI), Máximo Confessor (séc. VII). A obra de Pseudo-Dionísio, cuja influência foi

enorme no Oriente e, a partir do século IX (primeiras traduções), no Ocidente, acabou por fixar definitivamente a

estrutura conceptual e a terminologia da mística contemplativa cristã. Por sua vez, a mística ocidental latina

reconhece como seu mestre indiscutível Santo Agostinho (sécs. IV-V), que deu uma expressão latina e

genuinamente crista à terminologia e à estrutura conceptual da contemplação neoplatônica. A obra de Santo

Agostinho, juntamente com a de São Gregório Magno (séc. VI), constituem a fonte principal da doutrina da

contemplação na mística especulativa cristã no Ocidente, fonte que, a partir do século IX, misturará suas águas

com a corrente provinda dos escritos pseudodionisianos (VAZ, 2015, p.43).

No século XIII, encontramos um desenvolvimento importante da mística especulativa, também conhecido como

o século das grandes construções teológicas. Os destaques desse período são:



Alberto Magno, que iniciou a corrente renana da mística;

Tomás de Aquino, que se aprofundou numa teologia da mística (não confundir com teologia mística); e

São Boaventura, que escreveu inspirando-se no paradigma da vida mística vivida por São Francisco de
Assis (VAZ, 2015).

5.3 Mística mistérica

A designação da mística mistérica é exemplo de um caso de pleonasmo, já que mistério e mística tem a mesma

origem. No entanto, essa denominação se presta a delimitar o espaço em que atua a mística, bem como colocar

em destaque o mistério do rito ou do culto como espaço privilegiado da experiência do sagrado. O mistério se

revela, mas não se racionaliza (VAZ, 2015).

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5.4 Mística profética

A mística profética é a forma original da mística cristã, sobre a qual devem apoiar-se as formas cristãs da mística

especulativa e da mística mistérica. Suas origens são o Novo Testamento, o livro sagrado cristão por excelência,

embora elementos possam ser encontrados no Antigo Testamento também. A vida contemplativa é a estrutura a

ser colocada em prática para se buscar alcançar a plenitude, por meio da correspondência entre Palavra e Fé

(VAZ, 2015).

Sendo, pois, uma herança da tradição grega, o problema da relação entre contemplação e ação sofre,

ao ser transposto para a teologia cristã, uma profunda e mesmo radical mudança em seus dados e em

suas perspectivas, vindo a tornar-se uma marca original da contemplação cristã. Essa originalidade

manifesta-se em duas características fundamentais: a) primeiramente, a ação flui, por necessidade

intrínseca, da própria natureza da contemplação; b) em segundo lugar, contemplação e ação unem-

se na identidade do fim, vem a ser, a vida eterna na visão beatificante de Deus (VAZ, 2015, p.91-92).

A mística, de modo geral, pode ser delineada com três características principais, que são, a abertura ao mistério,

a necessidade do despojamento como caminho para o encontro e a ênfase na intimidade (MARIANI, 2009). A

experiência da mística, do ponto de vista do sujeito, é trans racional, ou seja, se dá num plano onde cessa o

discurso da razão. Isso a torna absolutamente singular e não partilhável (VAZ, 2015).

A contribuição da mística para a teologia é muito importante, pois sua oferta de elementos para uma melhor

compreensão da revelação capaz de dar suporte para se lidar com a tensão entre absolutez e relatividade

existente nas religiões em diálogo contra os riscos de diante da diferença, se sucumbir no fundamentalismo ou

no relativismo que promovem a violência. E para concluir podemos dizer que a atenção à mística certamente

tem trazido e se bem compreendida, continuará trazendo condições de se realizar, através da religião e para

além dela, a almejada promessa de frutuosa convivência (MARIANI, 2009).

Assista aí

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é isso Aí!
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:
• conhecer o período dos padres apostólicos, bem no início do cristianismo, nos séculos I e II;
• aprender sobre os padres apologistas, nos séculos III e IV, quando é iniciado o trabalho de apologia do
cristianismo contra a filosofia grega, considerada pagã a partir da perspectiva cristã;
• estudar sobre o momento da patrística, indo de meados do século IV ao século VIII, momento em que se
faz importante buscar uma conciliação entre razão em fé;
• compreender a escolástica, entre os séculos IX a XVI, que fica com a tarefa de sistematizar a filosofia
cristã;

Referências
AQUINO, T. Suma teológica. v. 2 (parte I). São Paulo: Loyola, 2002.

Bíblia Sagrada. Edição Claretiana. Tradução Mediante a versão dos Monges de Maredsous (Bégica) pelo Centro

Bíblico Católico. 119º ed. Revisada pelo Frei João Pereira de Castro, O. F. M. e pela equipe auxiliar da editora. São

Paulo: Editora Ave Maria Ltda, 1998.

BITTAR, E.; ALMEIDA, G. Curso de Filosofia do Direito. São Paulo: Atlas, 2010.

COTRIM, G. Fundamentos da Filosofia. São Paulo: Saraiva, 2001.

COUTINHO, J. Elementos de História da Filosofia Medieval. Braga: Universidade Católica Portuguesa, 2008.

FERRY, L.; JEPHARGNON, L. A tentação do cristianismo. Tradução: Vera Lúcia dos Reis. Rio de Janeiro: Objetiva,

2011.

GILSON, É. A filosofia na Idade Média. Tradução: Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

GILSON, É. O espírito da filosofia medieval. Tradução: Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

MARIANI, C. B. Mística e Teologia: Desafios contemporâneos e contribuições. In: Atualidade Teológica. Ano XIII

nº 33, 2009, pp. 360-380.

MORRISON, W. Filosofia do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2012.

NEMO, P. Histoire des idées politiques dans l’Antiquité et au Moyen Âge. Paris: PUF, 2007.

SALGADO, K. A Filosofia da Dignidade Humana - Porque a essência não chegou ao conceito? Belo Horizonte:

Mandamentos, 2011.

VAZ, H. C. L. Experiência mística e filosófica na tradição ocidental. São Paulo: Loyola, 2015.

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