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A reflexão humana através da história sobre a revelação neotestamentária que foi dada

aos primeiros, deu origem ao que denominamos de “Teologia”, e essa teologia com o passar
do tempo foi adquirindo vários desdobramentos com as mais diversas nomenclaturas, para
apresentarem explicações mais amplas, profundas e aplicáveis na existência dos seres
humanos. Esses empreendimentos da teologia nem sempre foram produtivos no sentido de
contribuírem para a preservação da integridade da doutrina cristã, pelo contrário, muitos
movimentos teológicos têm caminhado na “contramão” da verdade cristã, e assim supostas
“teologias” apenas tem servido para manipular as pessoas e realizar uma desconstrução da
verdade. Nesse aspecto conceitos filosóficos e humanistas, com o propósito de reformular a fé
cristã, desferiram terríveis ataques contra a doutrina cristã que tinha as suas raízes nos ensinos
de Jesus e dos apóstolos. Esse estudo nos permite descortinar o passado e perceber o quanto
de uma vaidade desmedida alcançou o coração e o pensamento de alguns homens ao ponto
de levá-los a inventar heresias em nome de Deus, situações para lhes garantir poder ou
posição de destaque e também retorno financeiro. Inclusive as que foram combatidas pelos
famosos pais da igreja, entre Tertuliano, Irineu, Eusébio, Atanásio e outros tantos. Entre tais
heresias podemos citar o Gnosticismo, o Donatismo, o Arianismo, Unitarismo e assim por
diante. Entre os principais teólogos liberais percebe-se um projeto deliberado para desfazer da
integridade da doutrina cristã, até então acreditada e vivenciada por todos os cristãos de
diversas gerações. E, cumprindo as exigências ​do trabalho de História da Teologia vamos
estudar​ ​um​ ​pouco​ ​do​ ​que​ ​aconteceu​ ​desde​ ​a​ ​era​ ​Apostólica​ ​até​ ​a​ ​Reforma​ ​Protestante.

Os​ ​Pais​ ​Apostólicos


O conjunto dos primeiros escritos cristãos posteriores ao Novo Testamento é conhecido
pelo nome de "pais apostólicos." Eles são designados de "apostólicos" porque surgiram pouco
depois dos apóstolos e revelam uma certa conexão com eles. É importante observar que a
expressão "pais apostólicos" não designa somente indivíduos, mas também documentos
anônimos. O período aproximado em que foram produzidos vai de 95 a 150 DC. O final do
primeiro século e o início do segundo marcam também o início da era dos pais da igreja. Trata-se
dos antigos autores cristãos que com seus escritos instruíram as igrejas, articularam a doutrina
cristã e combateram desvios teológicos do seu tempo. Eles podem ser entendidos como os
campeões​ ​ortodoxos​ ​da​ ​igreja​ ​e​ ​os​ ​expositores​ ​da​ ​sua​ ​fé.
O estudo da História da Teologia pode ser altamente benéfico para o cristão, dando-lhe
em primeiro lugar uma melhor compreensão da atuação de Deus na vida do mundo. A história
não é um conjunto de acontecimentos aleatórios, sem rumo, mas revela, por trás de eventos
muitas vezes confusos e aparentemente desconexos, o propósito providencial de Deus. Além
disso, o conhecimento da história auxilia os cristãos e as igrejas a terem maior consciência de sua
identidade e da sua missão no mundo. Seja como fonte de inspiração ou de advertência, o
conhecimento da caminhada da igreja na terra permite que os cristãos definam melhor as suas
prioridades e estejam alerta contra erros e tentações já enfrentados no passado. O cristianismo
não surgiu em um vácuo, e sim em um contexto histórico e social específico. É importante
conhecer o ambiente em que surgiu o cristianismo, ambiente esse que influenciou a igreja e
também foi eventualmente influenciado por ela. Esse ambiente era definido por três grandes
culturas​ ​ou​ ​civilizações.
O estudo dos pais da igreja geralmente é designado por dois termos correlatos: patrística
e patrologia. A patrística refere-se ao estudo do pensamento dos pais, da sua teologia, e a
patrologia é o estudo histórico dos próprios personagens e da sua obra. As principais
características​ ​desses​ ​autores​ ​e​ ​documentos​ ​são​ ​as​ ​seguintes:
•​ ​Ausência​ ​de​ ​elaborações​ ​filosóficas
•​ ​Grande​ ​reverência​ ​pelo​ ​Antigo​ ​Testamento
•​ ​Interpretação​ ​tipológica​ ​(e​ ​alegórica)​ ​das​ ​Escrituras
•​ ​Familiaridade​ ​com​ ​as​ ​formas​ ​literárias​ ​do​ ​Novo​ ​Testamento
• Preocupação pastoral e prática: exortação à paz, unidade e pureza da igreja; ênfase ao
episcopado;​ ​celebração​ ​do​ ​martírio.
A maior parte dos pais apostólicos é constituída de literatura epistolar, ou seja, cartas.
Dois deles correspondem a outros gêneros, um à literatura apocalíptica e outro à literatura
catequética.​ ​A​ ​relação​ ​completa​ ​é​ ​a​ ​seguinte:
• Clemente de Roma (c. 30-100), um dos bispos da igreja de Roma, escreveu em nome da
sua igreja à igreja co-irmã de Corinto, exortando os crentes a serem submissos aos seus
presbíteros.​ ​Essa​ ​epístola,​ ​conhecida​ ​como​ ​I​ ​Clemente,​ ​foi​ ​escrita​ ​por​ ​volta​ ​do​ ​ano​ ​95.
• Inácio, o bispo de Antioquia da Síria, foi condenado à morte por volta do ano 110 e
levado a Roma para ser executado. Durante a viagem, escreveu cartas às igrejas de Éfeso,
Magnésia, Trales, Roma, Filadélfia, Esmirna e a seu colega Policarpo. Preocupações dominantes:
o​ ​martírio​ ​iminente​ ​do​ ​autor,​ ​a​ ​unidade​ ​da​ ​igreja​ ​e​ ​os​ ​movimentos​ ​heréticos​ ​e​ ​cismáticos.
• Policarpo (c. 70-155), bispo de Esmirna, escreveu uma carta aos filipenses por volta de
110, contendo exortações práticas. Policarpo foi martirizado no reinado do imperador Antonino
Pio.
• Papias (c. 60-c.130), bispo de Hierápolis, na Frígia, escreveu "Interpretações dos Ditos
do Senhor", sobre a vida e as palavras de Cristo. Essa obra só é conhecida através de trechos
preservados​ ​por​ ​Irineu​ ​de​ ​Lião​ ​e​ ​Eusébio​ ​de​ ​Cesaréia.

Os​ ​Polemistas​ ​e​ ​os​ ​Apologistas


Rapidamente surgiram no seio da igreja respostas de pensadores cristãos a esses desafios.
Os defensores intelectuais do cristianismo no segundo e terceiro séculos ficaram conhecidos
como os apologistas e os polemistas. Surgiram um pouco depois dos pais apostólicos. Quase
todos viveram na segunda metade do segundo século. Suas características gerais são as
seguintes: eram convertidos do paganismo ou do judaísmo, enfrentaram ataques externos,
usaram principalmente o Antigo Testamento, defenderam ou explicaram o cristianismo e
utilizaram formas literárias apologéticas ou dialógicas. Dirigiram os seus escritos às autoridades,
bem como a judeus e a intelectuais pagãos, defendendo os cristãos das muitas acusações que lhes
eram​ ​feitas.
Os apologistas foram os seguintes: Quadrato, Aristides, Justino Mártir, Taciano,
Atenágoras de Atenas, Teófilo de Antioquia, Melito de Sardes e Hegésipo. O mais destacado
deles foi Justino Mártir (100-165), um filósofo cristão que viveu em Roma e escreveu duas
apologias e o Diálogo com Trifão, o Judeu Taciano, seu discípulo, escreveu uma harmonia dos
evangelhos,​ ​o​ ​Diatessaron,​ ​e​ ​um​ ​Discurso​ ​aos​ ​Gregos.
Os chamados polemistas em geral tiveram maior estatura intelectual que os apologistas e
foram mais agressivos do que eles em seus escritos (daí "polemistas", do grego pólemos =
guerra). Alguns deles dirigiram-se contra intelectuais pagãos; mais comumente, porém,
voltaram-se contra falsos ensinos dentro da igreja. Esses pais da igreja viveram em três regiões
distintas do Império Romano: Gália, Cartago (norte da África) e Egito. Os mais importantes
foram Irineu de Lião (c.135-c.200) foi bispo de Lião, no sul da Gália (atual França), e escreveu
em grego uma monumental obra contra os gnósticos, intitulada Contra as Heresias. Tertuliano
(c.160-c.220), o primeiro escritor cristão a utilizar o latim e por isso chamado de "pai da teologia
latina". Cipriano (c.200-258), que ressaltou a importância do episcopado e morreu como mártir.
Em Alexandria, no Egito, foi fundada uma famosa escola catequética que teve como seus
grandes líderes Clemente de Alexandria (c.150-c.215) e o extraordinário Orígenes (c.185-c.254),
o mais influente pensador cristão do seu tempo e autor da obra Dos Primeiros Princípios, a
primeira teologia sistemática, e de uma obra polêmica, Contra Celso, além de muitíssimos outros
livros.​ ​ ​Outros​ ​menos​ ​conhecidos​ ​foram​ ​Hipólito,​ ​Júlio​ ​Africano​ ​e​ ​Gregório​ ​Taumaturgo.
No quarto século antes de Cristo, Alexandre, o Grande (356-323 AC) conquistou um
vasto império que ia desde os Balcãs até a Índia. Essas conquistas promoveram uma ampla
difusão da língua e cultura gregas (helenização) em toda a região oriental do Mar Mediterrâneo,
no Oriente Médio e no Egito. Quando Alexandre morreu aos 33 anos, o seu império foi dividido
entre os seus generais, dois dos quais ficaram com as terras bíblicas. A Síria coube a Seleuco e
seus descendentes (os selêucidas) e o Egito a Ptolomeu. A Palestina sofreu fortemente as
influências helenizantes dessas duas dinastias. Especialmente influenciados foram os judeus que
viviam fora da Palestina, na Diáspora (= dispersão), especialmente no Egito. Muitos deles,
falando apenas o grego, não mais podiam ler as suas Escrituras na língua original. Com isso, o
Velho Testamento precisou ser traduzido para o grego, tradução essa que recebeu o nome de
Septuaginta (LXX). Essa foi a Bíblia dos primeiros cristãos. Como uma versão popular do grego,
o koiné (= comum), era a língua mais falada em torno do Mediterrâneo, o Novo Testamento foi
todo​ ​escrito​ ​nesse​ ​idioma.
O Império Romano emergiu um pouco antes da era cristã, quando Otaviano foi aclamado
como César Augusto, tornando-se o primeiro imperador dos romanos (27 AC-14 DC). Os
romanos, com seu vasto império, abrangendo muitos povos e culturas, imprimiram no mundo
antigo o conceito de uma unidade que transcendia a diversidade. Nesse aspecto, havia um
interessante paralelo com a igreja cristã, que sendo uma só, era composta de uma grande
variedade de pessoas. Através da sua legislação avançada, de seu exército e de suas instituições,
os romanos criaram um ambiente de ordem e segurança como nunca se vira nas terras em tomo
do Mediterrâneo. A "pax romana" permitiu que as viagens, tanto marítimas como terrestres, se
tornassem​ ​mais​ ​rápidas​ ​e​ ​seguras,​ ​o​ ​que​ ​certamente​ ​veio​ ​a​ ​facilitar​ ​a​ ​difusão​ ​do​ ​cristianismo.

Gnosticismo
Gnosticismo vem de “gnósis”, que significa “conhecimento”. ​um movimento religioso (não uma
religião única e identificável) e filosófico, amplo (popular em todo o mundo greco-romano, nos
séculos I e II), multifacetado e difuso (permeando muitas outras religiões e filosofias): apesar de
poderem diferir em algumas preferências ou avaliações subjetivas sobre importâncias relativas,
gnósticos caracterizavam-se por todos basicamente clamarem possuir ou procurarem
supremamente algum tipo de conhecimento secreto (Gnose) sobre as naturezas do universo e da
existência humana. Segundo Romeiro (1993 pg. 08) “Os gnósticos acreditavam que na natureza
humana há o princípio do dualismo, isto é, que o espírito e o corpo - duas entidades separadas -
são opostos. Para eles,o pecado habitava somente na carne, tornando-a totalmente má. O corpo
podia fazer tudo o que lhe agradasse, vivendo nos prazeres da carne. O espírito era totalmente
bom”.“É a filosofia como instrução reveladora das coisas de Deus, que leva ao entendimento da
salvação”. O gnosticismo reivindica um conhecimento maior e especial da verdade, uma
tendência a considerar o conhecimento como algo superior à fé e uma visão de uma nova luz que
o​ ​cristianismo​ ​comum​ ​não​ ​possui.

Os​ ​ensinamentos
Consistem de uma grande variedade de disciplinas esotéricas, todas apresentadas de maneira
muito prática. Exercícios são dados o tempo todo durante as aulas, para que o aluno possa
entender e assimilar de melhor maneira tais ensinamentos. Alguns dos muitos ensinamentos
passados​ ​são​ ​os​ ​seguintes:
-​ ​meditação,
-​ ​psicologia​ ​esotérica​ ​gnóstica,
-​ ​magia​ ​sexual,
-​ ​alquimia,
-​ ​yogha,
-​ ​tarot​ ​e​ ​qabalah,
-​ ​astrologia​ ​hermética,​ ​entre​ ​outros​ ​tantos.
Os​ ​pais​ ​antignosticos
Alguns pais da igreja ficaram conhecidos como os “os pais antignósticos”, isso se deu ao
fato de que os mesmos se levantaram ferrenhamente contra a doutrina do Gnosticismo. A
doutrina gnóstica de Deus se relacionava com especulações mirabolantes relativas ao mundo
espiritual e à origem do mundo material (a assim chamada doutrina do ‘eons ). Valentino, por
exemplo, supunha que 30 eons tinham emanado da Divindade em processo teogônico. O mundo
material se deriva do eon mais baixo como resultado de uma queda. O Deus supremo, ou
Progenitor, formava o primeiro eon, também conhecido com búthos (abismo). Do “abismo”
procederam “o silêncio” ou “idéia” (sigé ou énnoia), e destes dois, “o espírito”e “a
verdade”(nous e aléetheia). Destes vieram, por sua vez, “razão”e “vida(lógos e ezooée) , e destas
“homem” e “a igreja” e 10 outros eons apareceram. “Homem” e “a igreja” juntos produziram 12
eons, o último dos quais “sabedoria”(sofia). Os eons, agindo unanimemente, formavam o mundo
do espírito, o Pléroma, que contém os arquétipos do mundo material. O último dos eons caiu do
Pléroma como resultado de ataque de paixão e ansiedade, e foi por causa desta queda que o
mundo​ ​material​ ​chegou​ ​a​ ​existir.​ ​O​ ​demiurgo​ ​que​ ​criou​ ​o​ ​mundo​ ​procedeu​ ​deste​ ​eons​ ​caído.

Monarquismo
No segundo século houve intensa reflexão sobre a teologia do Logos (Cristo como o
Verbo) e suas implicações. Vários pensadores cristãos, na ânsia de defender a convicção básica
do monoteísmo ou a unidade do Ser Divino (daí, "monarquia", isto é, governo de um só),
acabaram por negar a divindade ou a personalidade distinta do Filho e do Espírito Santo. Houve
duas manifestações básicas: (a) Monarquianismo Dinâmico: afirmava que Jesus era um homem
comum que foi adotado por Deus na ocasião do seu batismo, sendo revestido do poder divino
(daí, "dinâmico", de dynamis = poder). Essa posição, abraçada pelos ebionitas e por Paulo de
Samósata, também é chamada de adocionismo. (b) Monarquianismo Modalista: afirma que Pai,
Filho e Espírito Santo são três modos ou manifestações sucessivas (não simultâneas) do único
Deus.
No segundo e terceiro séculos, além dos questionamentos internos, o jovem movimento
cristão enfrentou formidáveis ameaças externas. Em primeiro lugar, houve o recrudescimento
das perseguições por parte do Império Romano. A bem da verdade, é preciso observar que, com
algumas exceções, essas perseguições não foram contínuas nem generalizadas. As causas iam
desde as habituais alegações de incesto (por causa da ênfase no amor fraternal), canibalismo (por
causa da Ceia do Senhor) e ateísmo (pela negação dos deuses), até acusações mais
especificamente políticas de subversão, falta de patriotismo e deslealdade ao império,
principalmente​ ​em​ ​virtude​ ​da​ ​recusa​ ​dos​ ​cristãos​ ​em​ ​participar​ ​do​ ​culto​ ​imperial.
Duas perseguições intensas, mas localizadas, ocorreram nos reinados de Marco Aurélio e
Sétimo Severo. A primeira atingiu as igrejas de Lyon e Viena, na Gália, no ano 177; a segunda
abateu-se sobre o Egito e Cartago nos anos 202-206. Alguns mártires famosos foram Justino,
Potino, Blandina, Perpétua e Felicidade. Muito mais grave foi a perseguição geral movida pelo
imperador Décio em 250-251. Decidido a impor em todas as regiões o culto imperial, Décio
exigiu que todos tivessem um certificado de sacrifício (libellus). Muitos cristãos foram
martirizados e outros conseguiram sobreviver aos maus tratos (os confessores). Muitos outros
negaram a fé: alguns simplesmente ofereceram o sacrifício e ficaram conhecidos como
sacrificati; outros, os libellatici, compraram certificados falsos. Passada a perseguição, muitos
procuraram​ ​reingressar​ ​na​ ​igreja,​ ​gerando​ ​um​ ​sério​ ​problema​ ​pastoral​ ​para​ ​os​ ​bispos.
Em dois longos períodos de paz no terceiro século (206-250 e 260-303), a igreja
experimentou um crescimento sem precedentes. Finalmente, no início do quarto século, ocorreu
a última e a maior de todas as perseguições, sob os imperadores Diocleciano e Galério
(303-311). Foram publicados editos ordenando em toda parte a destruição das igrejas e de cópias
das Escrituras. Os cristãos que entregaram essas cópias ficaram conhecidos como traditores (=
traidores). Dessa época data o cisma donatista, no norte da África. Os cismáticos, dentre os quais
certo Donato, alegaram que uma determinada consagração episcopal foi inválida porque um dos
bispos consagrantes teria sido um traditor. O cisma donatista durou mais de um século, criando
uma​ ​igreja​ ​paralela​ ​à​ ​igreja​ ​católica.
Outro desafio externo enfrentado pela igreja na era anterior a Constantino foram os
ataques de ilustres intelectuais pagãos como Luciano de Samosata, Galeno e Celso na segunda
metade do século II, e Porfírio, no terceiro século. Numa época em que o cristianismo crescia a
olhos vistos e incomodava seriamente o paganismo, esses homens cultos escreveram obras
influentes em que os cristãos eram acusados de serem ignorantes, supersticiosos e inimigos da
cultura​ ​e​ ​do​ ​conhecimento.

O​ ​Cristianismo​ ​Judaico
Sem dúvida, a principal matriz do cristianismo foi o judaísmo, em cujo seio nasceu. Na
época de Cristo, a Palestina estava sob dominação romana. No segundo século antes de Cristo, as
atitudes despóticas de um rei selêucida, Antíoco Epifânio, haviam provocado a revolta dos
macabeus (167 AC). Então, por cerca de um século os judeus gozaram de independência política,
até que, no ano 63 AC, os exércitos romanos, sob o comando do general Pompeu, conquistaram a
Palestina. Por conveniências políticas, os romanos permitiram que a região fosse governada por
reis​ ​vassalos,​ ​não-judeus,​ ​os​ ​Herodes.
O judaísmo era caracterizado pela existência de várias correntes. Havia os saduceus, que
controlavam o templo e eram colaboradores dos romanos. Os líderes religiosos mais
identificados com o povo eram os fariseus e os escribas, caracterizados pela mais estrita
obediência à lei. Havia também grupos menores, periféricos e radicais, como os zelotes e os
essênios (da comunidade de Qumran, junto ao Mar Morto). Sobre alguns desses grupos, ver Mc
12.18; At 23.7-8. O judaísmo caracterizava-se pela centralidade do templo e da lei, pelo rígido
monoteísmo e por uma forte esperança escatológica. Na Diáspora, onde era lida a Septuaginta (o
VT em grego), muitos gentios se aproximaram do judaísmo, sendo conhecidos como "prosélitos"
(convertidos plenos) e "tementes a Deus" (simpatizantes). Muitos deles eventualmente abraçaram
o​ ​cristianismo,​ ​como​ ​vemos​ ​em​ ​Atos​ ​dos​ ​Apóstolos.
O cristianismo, como um movimento surgido no seio do judaísmo, recebeu muitas coisas
importantes do mesmo. Em primeiro lugar, seus primeiros seguidores, todos eles judeus. Depois,
as Escrituras Hebraicas, a fé monoteísta, os elevados preceitos éticos. Finalmente, o culto cristão
e o sistema de administração da igreja também foram inspirados pelas práticas judaicas,
especialmente​ ​pela​ ​notável​ ​instituição​ ​que​ ​era​ ​a​ ​sinagoga.
A destruição de Jerusalém contribuiu decisivamente para a emancipação definitiva da
igreja em relação ao judaísmo. Nas primeiras décadas, muitas pessoas ainda podiam pensar que
os cristãos eram um grupo ou seita dentro do judaísmo. Essa identificação às vezes ajudava e às
vezes prejudicava os cristãos. Após a revolta dos judeus e a conseqüente punição dos romanos,
ficou​ ​cada​ ​vez​ ​mais​ ​claro​ ​que​ ​judaísmo​ ​e​ ​cristianismo​ ​eram​ ​religiões​ ​bastante​ ​distintas.
No final do primeiro século, o cristianismo havia se difundido amplamente em muitas
regiões do Oriente Médio e da Europa e estava se preparando para a sua grande conquista poucos
séculos depois: o Império Romano. As igrejas ainda reuniam-se em residências particulares e
salões​ ​públicos;​ ​só​ ​mais​ ​tarde​ ​seriam​ ​construídos​ ​os​ ​primeiros​ ​templos.

O​ ​Arianismo
A​ ​Controvérsia​ ​Ariana​ ​(​ ​4°​ ​século)
Por volta do ano 318, Ário, um presbítero de Alexandria (Egito), começou a ensinar que
Cristo, o Filho de Deus, foi criado pelo Pai antes da existência do mundo, sendo portanto inferior
ao Pai, mas superior aos seres humanos. Esse ensino gerou uma enorme controvérsia em toda a
igreja. Constantino, temendo pela estabilidade política do império, convocou um concílio de
bispos para resolver essa e outras questões. O Concílio de Nicéia, na Ásia Menor, reuniu-se em
325, sendo presidido pelo próprio imperador. Depois de muitas discussões, o concílio aprovou
um credo, o Credo de Nicéia, que afirmou a divindade de Jesus Cristo e condenou as posições
arianas. Uma palavra importante e controvertida dessa declaração foi homoousios, isto é,
"consubstancial". Cristo partilha da mesma substância que o Pai. Estava assim definida a
doutrina da trindade, ou seja: o Pai, o Filho e o Espírito Santo são três "pessoas" que
compartilham​ ​da​ ​mesma​ ​"substância"​ ​ou​ ​essência​ ​divina,​ ​sendo,​ ​portanto,​ ​um​ ​só​ ​Deus.
Mais tarde, sempre por razões políticas, Constantino e seus filhos apoiaram a posição
condenada, o arianismo, gerando grande problemas para a igreja, até que, como vimos acima, o
imperador Teodósio oficializou o cristianismo trinitário, niceno. No ano seguinte, Teodósio
convocou o Concílio de Constantinopla (381), que reafirmou plenamente as decisões do Concílio
de Nicéia. Esse concílio aprovou um novo credo que expandiu as declarações de Nicéia e
afirmou explicitamente a divindade do Espírito Santo (Credo Niceno-Constantinopolitano). Na
grande luta em defesa das decisões de Nicéia, destacaram-se quatro importantes pais da igreja
oriental: Atanásio (328-373), bispo de Alexandria, que escreveu as obras Sobre a Encarnação do
Verbo e Discursos Contra os Arianos (e foi exilado cinco vezes por causa de suas posições), e
três bispos e teólogos da Ásia Menor, conhecidos como os três capadócios: Basílio de Cesaréia
(m.379),​ ​Gregório​ ​de​ ​Nazianzo​ ​(m.c.389)​ ​e​ ​Gregório​ ​de​ ​Nissa​ ​(m.c.394).

Agostinho
Agostinho (354-430) converteu-se em Milão em 386, influenciado pela pregação de
Ambrósio, e tornou-se bispo de Hipona, no norte da África, em 395. É considerado o maior dos
pais da igreja e muito influenciou os reformadores protestantes. Das 94 obras que escreveu, as
mais conhecidas são as Confissões e A Cidade de Deus, esta última já referida na aula de
introdução. Agostinho lutou fortemente contra os cismáticos donatistas e contra Pelágio, um
monge inglês que afirmava que o homem nasce essencialmente bom e é capaz de fazer o bem
sem o auxílio de Deus. Agostinho, ao contrário, afirmou que o ser humano está morto no pecado
e, portanto, a salvação provém inteiramente da graça de Deus, sendo concedida apenas aos
eleitos.

O​ ​desenvolvimento​ ​do​ ​conceito​ ​de​ ​Igreja


Organização​ ​Eclesiástica
Esse período testemunhou o crescente fortalecimento dos bispos e dos concílios em que
se reuniam. Os bispos das capitais provinciais passaram a ser chamados de metropolitanos
(arcebispos). Os bispos das igrejas mais importantes e antigas - Roma, Constantinopla,
Alexandria, Antioquia e Jerusalém - receberam o título de patriarcas. Outra característica
marcante do período foi a afirmação da supremacia dos bispos de Roma. Isso resultou de um
longo processo em que esses bispos foram fazendo reivindicações cada vez mais ousadas sobre
sua​ ​autoridade.
Os principais fatores que contribuíram para o surgimento do papado foram: a insistência
no primado de Pedro (Mateus 16.17-19), que teria sido o primeiro bispo de Roma, e a alegação
de que essa autoridade foi transmitida aos seus sucessores; o suposto martírio de Pedro e Paulo
em Roma; a importância da cidade e da igreja de Roma; as declarações de governantes em apoio
às pretensões papais; a rápida aceitação dessa autoridade no ocidente, devido à falta de
concorrentes; o declínio do Império do ocidente, tomando a igreja a instituição mais importante
da sociedade; a habilidade de muitos bispos de Roma como teólogos, administradores e
promotores da obra missionária. O fato é que no século V houve a aceitação geral do primado de
Pedro, sendo Leão I (440-461) considerado o primeiro papa no sentido pleno da palavra. Essas
reivindicações encontraram forte resistência no oriente, sendo um dos fatores da futura separação
entre​ ​as​ ​igrejas​ ​oriental​ ​(ortodoxa)​ ​e​ ​ocidental​ ​(católica).
Uma das características da igreja antiga foi o profundo interesse pelas Escrituras. Pais da
igreja como Irineu, Orígenes, Jerônimo e Agostinho dedicaram as suas vidas ao estudo reverente
da Palavra de Deus. Teodoro de Mopsuéstia (c.350-428), da Escola de Antioquia, é considerado
o maior exegeta da igreja antiga. João Crisóstomo destacou-se pelas suas pregações
profundamente biblicas, expositivas. E outros ainda, como vimos, dedicaram-se à tarefa de
traduzir as Escrituras. Que o seu exemplo nos estimule a valorizar a Palavra e interpretá-la de
modo​ ​equilibrado.
Ao estudar este período, podemos ficar perplexos diante do surgimento de crenças e
práticas que não nos parecem corretas. Ficamos nos perguntando porque Deus permitiu que as
coisas tomassem certos rumos. A história da igreja é importante porque mostra os acertos e os
erros da igreja em sua caminhada no mundo. Nós também cometemos erros e temos as nossas
próprias divergências teológicas. Precisamos pelo menos entender como certas coisas
aconteceram, mesmo que não concordemos com elas. Por outro lado, seria um erro nos
concentrar nos desvios e esquecer as coisas positivas. Os reformadores protestantes do século
XVI​ ​souberam​ ​valorizar​ ​as​ ​contribuições​ ​positivas​ ​da​ ​igreja​ ​antiga.
A​ ​Igreja​ ​no​ ​Início​ ​da​ ​Idade​ ​Média​ ​(590-1073)
Inicialmente "A igreja na primeira metade da Idade Média", pois o período indicado é de quase
quinhentos anos. A Idade Média, que tem esse nome por estar entre a Idade Antiga e a Moderna,
com freqüência tem má reputação como a "idade das trevas". Muitos acham que foi uma época
em que só houve ignorância, superstições e retrocesso. Todavia, esse longo período da história
também​ ​teve​ ​coisas​ ​muito​ ​apreciáveis,​ ​especialmente​ ​na​ ​sua​ ​segunda​ ​metade.
O início da Idade Média coincide com o pontificado do grande bispo de Roma que foi
Gregório Magno (590-604), considerado um dos "doutores da igreja," ao lado de Ambrósio,
Jerônimo e Agostinho. Ele foi o primeiro monge a tomar-se papa. Foi um homem de grande
integridade pessoal e um notável administrador cujas ações aumentaram o poder temporal do
papado, ampliaram a ação missionária da igreja (corno veremos adiante) e influenciaram o
monasticismo e a liturgia católica ("canto gregoriano"). Gregório escreveu uma obra de teologia
prática, Livro do Cuidado Pastoral, um manual de aconselhamento que foi muito utilizado
durante toda a Idade Média. Cerca de trinta anos após a sua morte, houve um acontecimento de
grande​ ​importância​ ​que​ ​afetou​ ​profundamente​ ​o​ ​cristianismo.

O​ ​Escolasticismo
O escolasticismo foi um movimento intelectual e teológico que resultou da introdução da
filosofia de Aristóteles na Europa através dos árabes e judeus da Espanha. Essa filosofia, com
sua visão ordenada e sistemática do mundo, afetou todas as áreas do pensamento, contribuindo
para o chamado renascimento do século XII (1050-1250). A filosofia e a lógica aristotélicas
também afetaram fortemente a teologia cristã. Os primeiros teólogos escolásticos foram os
seguintes: Anselmo (1033-1109), arcebispo de Cantuária, chamado o "pai do escolasticismo";
sua obra principal foi Cur Deus Homo?, um tratado sobre a encarnação. Pedro Abelardo
(1079-1142), brilhante professor da Universidade de Paris que escreveu a obra Sic et Non.
Bemardo de Claraval (1090-1153), influente líder, pregador e místico, tido como o pai do
misticismo medieval. Pedro Lombardo (1100?-1160?), chamado "o mestre das sentenças" por
causa da sua obra Quatro Livros de Sentenças, um texto padrão de teologia por vários séculos no
qual ele defendeu os sete sacramentos. O século XII também marcou o surgimento das primeiras
universidades, tais como as de Paris, Montpellier, Cambridge, Oxford, Bolonha, Modena e
Régio. Nelas estudava-se filosofia, direito, medicina e teologia, a "rainha das ciências". Outra
contribuição​ ​do​ ​período​ ​foi​ ​a​ ​esplêndida​ ​arquitetura​ ​gótica​ ​das​ ​catedrais.

Atanásio​ ​e​ ​a​ ​formação​ ​da​ ​doutrina​ ​Trinitária


Atanásio (295-373) foi simultaneamente o Bispo mais amado e o mais odiado e
perseguido do seu tempo. Para os seus defensores, Atanásio era a garantia da ortodoxia católica,
o salvador da Fé, um autêntico sucessor dos Apóstolos; para os seus adversários, Atanásio era
um orgulhoso, teimoso, intransigente, rebelde, insolente inimigo da paz e da concórdia entre os
cristãos. ​No aspecto religioso, o Império Romano era caracterizado por uma grande diversidade
de opções. Havia em primeiro lugar a religião tradicional e familiar dos deuses greco-romanos.
Além disso, estavam florescendo no primeiro século as chamadas "religiões de mistério", que
comunicavam suas verdades mais profundas somente aos iniciados (cultos esotéricos). As
principais eram a religião de Cibele (vinda da Ásia Menor), de Ísis e Osíris (do Egito) e de Mitra
(da Pérsia). O mitraísmo tornou-se especialmente popular no exército romano. Finalmente, havia
o culto imperial ou estatal de Roma, com freqüência voltado para a própria pessoa do imperador,
culto esse que tinha um elemento fortemente político, como símbolo da unidade do império e da
lealdade ao mesmo. A recusa obstinada em participar desse culto traria sérias conseqüências para
os​ ​cristãos.
A década de 60 foi especialmente importante para a igreja primitiva. Nessa década,
morreram os últimos dos apóstolos originais de Cristo, à exceção de João. Segundo a tradição
praticamente unânime da igreja antiga foi nessa época que morreram martirizados os dois
apóstolos mais destacados, Pedro e Paulo. Essas mortes teriam ocorrido no contexto da
perseguição​ ​promovida​ ​por​ ​Nero,​ ​na​ ​cidade​ ​de​ ​Roma.

Outro evento de grande magnitude foi o declínio do cristianismo judaico em virtude do


cerco e eventual destruição de Jerusalém. Quando o cerco começou, no ano 66, os cristãos
hebreus fugiram da cidade e foram para. Pela, no outro lado do rio Jordão. Ali, com o passar dos
anos, esses judeus-cristãos, separados do restante da igreja, desenvolveram características
peculiares, vindo mais tarde a desaparecer nas brumas do tempo. Conhecidos como "ebionitas",
eles articularam uma posição teológica acerca de Cristo conhecida como adocionismo. Jesus
teria sido um mero homem que foi adotado por Deus como filho por ocasião do seu batismo.
Essa​ ​posição​ ​seria​ ​mais​ ​tarde​ ​defendida​ ​por​ ​outras​ ​pessoas​ ​no​ ​cristianismo​ ​antigo.

Bibliogafia
Berkhof,​ ​Louis.​ ​A​ ​História​ ​das​ ​doutrinas​ ​cristãs
Cairns,​ ​Earle​ ​E.​ ​Cristianismo​ ​através​ ​dos​ ​séculos
McGrath,​ ​Alister.​ ​Teologia​ ​Histórica
Olson,​ ​Roger​ ​E.​ ​História​ ​da​ ​Teologia​ ​Cristã
Romeiro,​ ​Paulo.​ ​Religião​ ​e​ ​Alienação
FACULDADE​ ​BÍBLICA​ ​BATISTA​ ​DE​ ​ENSINO​ ​TEOLÓGICO
ESCOLA​ ​DE​ ​CIÊNCIA​ ​DA​ ​EDUCAÇÃO​ ​TEOLÓGICA
CONVALIDAÇÃO​ ​EM​ ​TEOLOGIA

Wellington​ ​Sartori​ ​Nunes​ ​de​ ​Oliveira

História​ ​da​ ​Teologia

Rio​ ​de​ ​Janeiro


Setembro/2017

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