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Anderson Pinho
medieval
FILOSOFIA MEDIEVAL (agora baseada nas relações de suserania e vassalagem
estabelecida entre o senhor feudal e os seus servos)
fosse organizada, legitimando assim, uma sociedade
A Idade Média abarca um período tão extenso hierarquizada, desigual e sem mobilidade social.
que é difícil caracterizá-la sem incorrer no risco da Definida pelo critério de sangue, quem nascia nobre
simplificação. Afinal, são mil anos (de 416 a 1455), entre morria nobre, quem nascia servo, morria servo.
a queda do Império Romano do Ocidente e a tomada Nesse contexto, a Igreja exerce enorme
de Constantinopla pelos turcos. influência, na medida em que mantém o monopólio do
A Alta Idade Média, período que se sucedeu à saber, pois são os monges os únicos letrados em um
queda do Império, é caracterizada por um estado de mundo onde nem os servos nem os nobres sabem ler.
desagregação da antiga ordem e pela divisão do Império Desde a invasão dos bárbaros, a cultura greco-
em diversos reinos bárbaros. latina permanecera por muito tempo confinada aos
mosteiros, ressurgindo lentamente após o século VIII,
no período conhecido como renascimento carolíngio,
ocasião em que Carlos Magno mandou fundar inúmeras
escolas junto às igrejas e mosteiros.
Dessa forma, os intelectuais pertencem às
ordens religiosas e, consequentemente, as principais
questões filosóficas referem-se às relações entre fé e
razão, sendo que esta se encontra sempre subordinada
àquela.
Se a fé é o conhecimento mais elevado e o
critério mais adequado da verdade, a filosofia não é a
busca da verdade, pois esta já foi encontrada, mas a ela
cabe apenas o trabalho de demonstração racional dessa
Mas, antes da queda, numa tentativa verdade.
desesperada de salvar o Império Romano, em 380 o No entanto, não devemos considerar todo o
imperador Teodósio torna o cristianismo, que já era a período medieval (sécs. V a XV, portanto mil anos)
seita religiosa com o maior número de seguidores, a como sendo de obscuridade. Em vários momentos, há
religião oficial. Desse modo, estabelece-se a ligação expressões diversas de produção cultural às vezes tão
entre Estado e Igreja, pois esta legitima o poder do heterogênea que se torna difícil reduzir o período àquilo
Estado, atribuindo-lhe uma origem divina. que se poderia chamar pensamento medieval.
Não deu muito certo! O Império caiu, mas a Uma constante se faz notar no pano de fundo
Igreja Católica (do grego καθολικος /katholikos = desse pensamento: a tentativa de conciliar a razão e a fé.
universal) Apostólica, e agora, Romana, emergiu e se A temática religiosa predomina a preocupação
tornou a maior instituição do mundo (até hoje). O apologética, isto é, na defesa da fé cristã e no trabalho
desejo de unidade de poder, de restauração da antiga de conversão dos não-cristãos.
unidade perdida, se expressa na difusão do cristianismo A máxima predominante é "Crer para
que representa, na Idade Média, o ideal de Estado compreender, e compreender para crer". A filosofia,
universal. embora se distinguindo da teologia, é instrumento
Nesse cenário de fragmentação, a Igreja surgia desta, é serva da teologia.
como um elemento de união, crescendo no vácuo que De início os religiosos têm receios quanto à
foi deixado pelo desaparecimento do império. Assim, a produção dos gregos, por serem eles pagãos, mas com
religião surge lentamente como elemento agregador dos as devidas interpretações e adaptações segundo a fé
inúmeros reinos bárbaros formados após sucessivas cristã, o pensamento medieval é fertilizado inicialmente
invasões; seus chefes são pouco a pouco convertidos ao pelo pensamento de Platão (nas obras da patrística,
cristianismo, e a Igreja se transforma em soberana sobretudo de Santo Agostinho) e depois pelo de
absoluta da vida espiritual do mundo ocidental. Aristóteles (no pensamento de Santo Tomás).
Ponte entre o homem e Deus, ela teria a última Apesar do risco de simplificação, divide-se a
palavra (a única) sobre como deveria ser a vida de seu Idade Média em duas tendências fundamentais: a
rebanho e sobre o que era o bem e o mal, o certo e o filosofia patrística e a escolástica.
errado, o justo e o injusto. Seria, portanto, a dona da
mente e, por conseguinte, dos corpos das pessoas. 1. A PATRÍSTICA (Séc. II ao VII)
Poderosa não apenas do ponto de vista
espiritual, mas também político, ninguém melhor do Na decadência do Império Romano, surge a
que ela para dizer como Deus queria que a sociedade partir do século II a filosofia dos Padres da Igreja,
conhecida também como patrística, isto é, dos
primeiros dirigentes espirituais e políticos do Agostinho de Hipona, fez parte da vertente filosófica
cristianismo, após a morte dos apóstolos. conhecida como “Patrística”. Durante parte da sua vida
A patrística resultou do esforço para conciliar a foi tido como pagão.
nova religião com o pensamento filosófico dos gregos Construindo sua
e romanos, pois somente assim seria possível combater espiritualidade e seu
as heresias e justificar a fé para convencer os pagãos da pensamento com base em
nova verdade e convertê-los a ela. suas próprias vivências, teve
A filosofia patrística liga-se, portanto, à influência de sua mãe Mônica
evangelização e à defesa da religião cristã contra os (mulher de forte fé), mas não
ataques teóricos e morais que recebia dos antigos. somente dela, também o
A patrística introduziu ideias desconhecidas bispo Ambrósio, Cícero
para os filósofos greco-romanos: a ideia de criação do (convertendo-o à filosofia),
mundo a partir do nada, de pecado original do homem, Plotino e Porfírio (o
de Deus como trindade una, de encarnação e morte de pensamento neoplatônico), o Maniqueísmo e a Bíblia
Deus, de juízo final ou de fim dos tempos e ressurreição (particularmente as Cartas de Paulo) são exemplos de
dos mortos, etc. modelos culturais que influenciaram Agostinho.
Precisou também explicar como o mal pode Agostinho apropriou-se de muitos elementos
existir no mundo, uma vez que tudo foi criado por da filosofia platônica para fundamentar sua explicação
Deus, que é pura perfeição e bondade. da doutrina cristã. Muitos autores afirmam que Santo
Introduziu, sobretudo com Santo Agostinho, a Agostinho cristianizou Platão.
ideia de “homem interior”, isto é, da consciência moral Assim como Platão julgava o intelecto superior
e do livre-arbítrio da vontade, pelo qual o homem, por à matéria, Santo Agostinho pregava a superioridade da
ser dotado de liberdade para escolher entre o bem e o alma ante o corpo, e sendo a alma um presente de Deus,
mal, é o responsável pela existência do mal no mundo. devíamos nos voltar inteiramente à Ele.
Para impor as ideias cristãs, os padres da Igreja Já no fim de sua vida, o filósofo lutou contra as
católica as transformaram em verdades reveladas por heresias. Dentre suas principais obras, podemos citar:
Deus (por meio da Bíblia e dos santos) que, por serem Os Solilóquios, A Trindade, A Cidade de Deus e Confissões.
decretos divinos, seriam dogmas, isto é, verdades O modo como Agostinho pensava o equilíbrio
irrefutáveis e inquestionáveis. entre fé e razão permitiu compreender que elas são
Com isso, criou-se uma distinção entre verdades complementares: a fé não substitui tampouco elimina a
reveladas ou da fé e verdades da razão ou humanas, ou inteligência, mas a estimula; do mesmo modo também
seja, entre verdades sobrenaturais e verdades naturais, ocorre com a relação entre a inteligência e a fé, onde a
as primeiras introduzindo a noção de conhecimento primeira fortalece a segunda. Assim, não via como
recebido por uma graça divina, superior ao simples antagônicas fé e razão, mas afirmava que para se
conhecimento racional. Dessa forma, o grande tema da compreender era necessário crer, subordinando,
filosofia patrística é o da possibilidade ou portanto, a razão à fé.
impossibilidade de conciliar a razão com a fé. “Alma” e “Deus” são as bases da filosofia
A esse respeito, havia três posições principais: agostiniana. Na relação alma-Deus, o ponto central é o
1. os que julgavam fé e razão irreconciliáveis e a conceito de “verdade”, que pode ser ilustrado pela
fé superior à razão (diziam eles: “Creio porque seguinte passagem: “não busques fora de ti (...); entra
absurdo”); em ti mesmo. A verdade está no homem interior”.
2. os que julgavam fé e razão conciliáveis, mas Santo Agostinho acreditava que a Verdade
subordinavam a razão à fé (diziam: “Creio para plena não poderia ser encontrada utilizando apenas a
compreender”); razão, mas o pensamento humano deveria estar
3. os que julgavam razão e fé irreconciliáveis, “iluminado” – ele acreditava que “a fé precede a razão”.
mas afirmavam que cada uma delas tem seu campo
próprio de conhecimento e não devem se misturar (a A doutrina da Iluminação
razão se refere a tudo o que concerne à vida temporal A teoria (doutrina) de Santo Agostinho possui
dos homens no mundo; a fé, a tudo o que se refere à determinada inspiração platônica, no entanto, ele
salvação da alma e à vida eterna futura). substitui a teoria da reminiscência (ou anamnese) de
Platão – que diz que as ideias já estariam em nossa alma
1.1 SANTO AGOSTINHO e, portanto, caberia aos indivíduos trazê-las à mente –
para elaborar a sua Teoria da Iluminação.
Aurélio Agostinho (354 – 430), o primeiro Para Agostinho, as ideias são a verdadeira
grande doutor da igreja foi um cidadão romano da realidade, são “pensamentos eternos de Deus”, são
cidade de Tagaste, uma província romana no norte da imutáveis, e estão na mente do Deus criador, na
África. Conhecido popularmente como Santo inteligência divina. Ele as entende como formas
fundamentais, como se fossem os modelos dos quais o Espírito Santo. A doutrina trinitária de Agostinho
são feitas todas as coisas. Assim, toda coisa foi criada apresenta a Trindade segundo o qual tudo aquilo que
conforme uma razão ou ideia própria. cada Pessoa é, é em relação a um ou a ambos.
Mas, como o homem conhece as ideias? A alma O filósofo tentou compreender a Trindade, no
humana conhece as ideias através da inteligência, da entanto, considerava que nossa mente é limitada e, por
alma racional, que é a coisa mais próxima de Deus, e é isso, não seria possível compreendê-la. Sobre isso, há
iluminada pela luz inteligível. Agostinho utiliza o sol uma lenda que diz que Agostinho passeava na praia
para exemplificar e nos diz que, assim como o sol existe, pensando no mistério da Trindade e encontrou um
resplandece e ilumina, também Deus existe, é inteligível menino, que era anjo, e havia cavado um buraco na
e torna inteligíveis todas as outras coisas. areia. O menino jogava água várias vezes nesse buraco,
Portanto, notamos que Deus, enquanto Suma a fim de colocar toda a água do mar ali. Agostinho então
verdade, ilumina, e que a mente de Deus possui os lhe disse que aquilo era impossível, e ele lhe respondeu
modelos (ou seja, as ideias) de todas as coisas. Deus, que “seria mais fácil transferir toda a água do mar para
no momento da criação, “participa às coisas a aquele buraco do que compreender o mistério da
capacidade de manifestar-se pela verdade, e às mentes a Trindade”.
capacidade de colhê-las”. Sendo assim, na doutrina A criação das coisas, dizia o bispo de Hipona, se
agostiniana, é Deus quem ilumina o intelecto do dá “do nada” (ex nihilo), mas uma realidade pode derivar
homem, e que permite que o espírito humano seja capaz de outra de três modos, a saber: por geração, onde se
de conhecer. origina da própria substância do gerador (por exemplo,
o pai que “gera” o filho), criando algo de idêntico ao
Deus gerador; por fabricação, onde a coisa que é fabricada
O filósofo tinha Deus como a fonte da verdade, ou deriva de algo, uma matéria, preexistente fora do
seja, entendia que a verdade se encontrava em Deus. Ao fabricante (por exemplo, as coisas/artefatos que o
afirmar que “Deus é Verdade”, Santo Agostinho homem produz); por criação a partir do nada. Em
demonstra que a existência da Verdade condiz com a outras palavras, o homem sabe gerar e produzir, mas
demonstração da existência de Deus. Sendo assim, não sabe criar, pois é um ser finito – ao passo que Deus
podemos considerar que, ao procurar a verdade, o “cria” o cosmo do nada e, ao fazer isso, cria o próprio
homem está procurando Deus. tempo juntamente com o mundo.
Agostinho forneceu algumas provas da existência
de Deus, dentre elas entender que a perfeição do Tempo
mundo estava ligada ao seu criador e que os seres Sobre o tempo, Agostinho se perguntava: “o que
humanos admitem que Deus é o criador do mundo. Se fazia Deus antes de criar o céu e a terra?”. Com essa
o criador do universo é Deus, então, se pode conhecê- indagação, ele começou a analisar o tempo, e pôde
lo. O entendimento de Agostinho a respeito de Deus afirmar que, antes de Deus criar o céu e a terra, não havia
não possuía um sentido aristotélico, ou seja, o sentido tempo. O tempo é criação de Deus, e existe no espírito
de motor imóvel para explicar o cosmo, com intenções humano, porque é nele que se encontram o passado, o
intelectuais. O sentido é de “desfrutar” Deus, de amá- presente e o futuro. Os tempos são três: o presente do
lo, de ocupar o vazio interior (do espírito), de ser feliz e passado (memória); o presente do presente (intuição); o
acabar com as inquietudes. presente do futuro (espera). O tempo presente pode dirigir-se
Santo Agostinho pensou em atributos essenciais de ao passado por meio da memória/lembrança, e ao futuro através
Deus, são eles: Ser, Verdade, Bem e Amor – no entanto, da espera.
esses atributos não devem ser pensados como Portanto, a ideia de antes e depois, assim como a ideia de
“propriedade”, mas possuem o sentido de coincidir medir os tempos se originaram com a consciência humana. O
com a essência dele. Um Deus que, conforme a Bíblia, tempo pertence ao homem, que é a criatura, e não ao Criador.
é “Aquele que é”. Tempo e eternidade são dimensões distintas. O tempo presente é
um contínuo “deixar de ser”, enquanto que a eternidade “existe
Trindade sempre”. Sendo assim, Deus é eterno, e não depende do tempo
Deus é essencialmente Trindade: é Pai, Filho e para existir.
Espírito Santo. Essas três Pessoas são inseparáveis, são Já dissemos aqui que Deus criou o mundo do nada.
“o único verdadeiro Deus”. Agostinho distingue cada A fim de explicar a criação, Agostinho utilizou a teoria
uma delas segundo a relação. O Pai, o Filho e o Espírito das Ideias de Platão, que se transformam em “verbos de
Santo são, cada um, Deus, e os três são um só Deus. Deus”: Deus criou o mundo segundo a razão,
Isso pode ser entendido da seguinte forma: cada um elaborando um modelo como seu pensamento (as
deles é substância e, os três juntos são uma só Ideias são estes pensamentos, são eternas e imutáveis).
substância. A relação entre as Pessoas é mútua, onde o Ou seja, Deus criou todas as coisas através do Verbo,
Pai “tem” o Filho, mas não é o Filho; do mesmo modo, que é o princípio de tudo. As razões seminais (entendidas
o Filho tem o Pai, mas não o é – e assim acontece com como germes, sementes, cópias das ideias) também são
utilizadas por Agostinho para explicar a criação. As a si mesmo é o mal, pois gera um desprezo por Deus;
sementes, ao longo do tempo, vão se desenvolvendo de já o amor a Deus constitui o bem. Santo Agostinho
diversos modos em diversas circunstâncias. Deus criou considerava que a essência do homem era o amor, e
a matéria, assim como todas as possibilidades de pensou em duas cidades: a “Cidade terrena”, que
concretização dela, incluindo suas razões seminais. pertence àqueles que vivem segundo o homem, e a
“Cidade celeste/divina”, que pertence àqueles que
O problema do mal vivem segundo Deus, destinados à salvação. O homem
Se Santo Agostinho entende que Deus é Bem, e se bom não tem os bens finitos como fins e objetos de
tudo provém de Deus, então de onde provém o mal? Se fruição, ele é aquele que ama do modo justo, que ama
todo bem, por mínimo que seja, vem de Deus, então conforme o juízo de Deus. O amor do homem é o que
quem é o autor do mal? O filósofo buscou analisar a determina seu destino terreno e ultraterreno.
problemática em três âmbitos: o do mal metafísico-
ontológico, que está ligado à nossa finitude,
contingência, desordem em tudo que existe, e à
imperfeição; o do mal moral, que se refere ao pecado
– que, por sua vez, depende da má vontade (aqui,
devemos saber que é da natureza da Vontade tender ao
Bem supremo, ocorre que, às vezes, a vontade pode
preferir bens inferiores, consistindo em uma escolha
incorreta. O homem recebeu de Deus a vontade livre, e
o mal consiste no mau uso dela, ou seja, é fruto das
ações humanas); por último, temos o mal físico, que se
refere às doenças, ao sofrimento, à morte e é
consequência do pecado original (portanto, do mal moral).
Cabe ressaltar que, para Agostinho, o pecado original
foi o primeiro desvio da vontade e que, após isso, o
homem passou a necessitar da graça divina.
O mal, assim sendo, é de responsabilidade do
homem, que é livre e pode responder pelas escolhas que
faz e pelas consequências delas. Agostinho não
pretendia deixar ser atribuído a Deus a responsabilidade
pelo mal e pelo pecado. Por isso, o pecado que o
homem comete é culpa totalmente dele. O bispo de
Hipona reafirma sempre a bondade de Deus.
Cidade de Deus
Contemporâneo do declínio do Império
Romano, Agostinho respondeu à acusação de que fora
o cristianismo o culpado pela queda, e pôs a culpa no
paganismo. Percebam que a boa vida não é mais aquela voltada
Sua resposta veio na obra Cidade de Deus, para o desenvolvimento da racionalidade humana
onde, segundo ele, há a cidade espiritual de Deus e a dentro de uma comunidade política, cujo Bem era
cidade material dos homens. Elas não coexistem encontrado por meio da razão e ensinado por meio de
separadamente, mas no plano de nossa existência a um processo educacional virtuoso, como teorizaram os
depender de nossa vontade de viver uma vida de gregos.
pecado na cidade terrena dos homens, ou se voltar para Agora, o conhecimento do bem não dependia
deus e viver em sua graça como um de seus servos. mais de uma instrução racional, mas apenas da vontade
Na obra “Cidade de Deus”, Santo Agostinho individual de cada um, por meio do livre-arbítrio, de
discursou contra os pagãos a favor da religião cristã, viver uma vida voltada para Deus. E a compreensão de
utilizando uma representação da sociedade humana como vivê-la é obra da graça divina que ilumina o
dividida em polos opostos: um bom (cidade celestial) e coração de quem estiver aberto para isso.
outro mau (cidade terrena). A cidade celestial é o oposto
da terrena, e ambas são movidas por amores também
opostos.
Agostinho descreve o mundo dividido da seguinte
forma: o dos homens (ou seja, o mundo terreno) e o
dos céus (ou seja, o mundo espiritual). Para ele, o amor
2. A ESCOLÁSTICA tiveram um viés de realismo moderado. De acordo com ele,
o universal (homem, animal, etc.) só existe enquanto
No século VIII, o imperador franco Carlos universal no intelecto, sendo, portanto, incorpóreos.
Magno começou a estimular e difundir o ensino ao Se abstrai dos homens singulares suas características
construir escolas que seriam dirigidas pela Igreja, comuns para se obter os universais – pois não existe o
retirando dos mosteiros o monopólio do ensino. “homem universal” na realidade, apenas homens
singulares.
De consolatione philosophiae
Nessa obra, Boécio considerou que a filosofia
pode mostrar ao homem a verdadeira felicidade (que é
Deus ou o sumo Bem), bem como pode afastá-lo de
bens fictícios, que são os bens materiais. Ele afirmava
que não é nas coisas terrenas que se deve buscar a
felicidade, pois o bem não se encontra nas riquezas, nos
prazeres, no poder, nem nas honras ou glórias. Em
outro sentido, não se pode negar que a bem-
aventurança exista, pois os bens “imperfeitos”
A cultura greco-romana passa a ser divulgada participam, de certo modo, do perfeito. Seria preciso
nos moldes romanos, ou seja, passa a ser ensinado reconhecer que a felicidade é Deus, e ambos são o sumo
gramática, retórica, e dialética (trivium), além de Bem. Portanto, a filosofia nos ensina a crer na
geometria, aritmética, astronomia e música (quadrivium), providência divina, mesmo com a presença do mal, pois
todas elas, é claro, sob um viés teológico. mostra o caminho da realidade para o bem.
Essa nova fase do pensamento da Igreja é
chamado de escolástica e tem como principal O problema do mal e a liberdade
expoente Tomás de Aquino. Se o mundo é governado por Deus, como existe
o mal e por que os maus ficam impunes? Boécio
21. SEVERINO BOÉCIO enfrenta esse problema nos dizendo que a Filosofia
observa que todos aqueles que se afastam da
Boécio (480 – 524) nasceu em Roma e foi honestidade são pessoas infelizes, mas ele também se
considerado pelos estudiosos como “o último dos atenta para o fato de que as coisas andam ao contrário,
romanos e o primeiro dos escolásticos”, sendo seu por exemplo, os bons sofrem enquanto os maus se
pensamento fundamental durante o surgimento da apropriam da recompensa que cabe à virtude – uma
Idade Média. Ele tinha a pretensão de que os latinos confusão de valores. A Filosofia permite que Boécio
conhecessem a cultura grega, e compreenda os princípios que regulam tais
para isso, fez traduções e acontecimentos. Tal princípio é a Providência, que se
comentários às obras de lógica trata da razão divina, que se encontra no supremo ser,
de Aristóteles (como as que governa a todos e é senhor de todas as coisas. Já a
Categorias, De interpretatione, realização dos acontecimentos no tempo e no espaço
Organon), assim como das obras diz respeito ao que foi chamado destino pelos antigos,
de Platão, comentou também uma disposição própria das coisas mutáveis, onde a
os Tópicos de Cícero. Sua obra providência mantém cada coisa associada à sua ordem.
mais famosa é o De consolatione Os homens, no entanto, acham que tudo está confuso,
philosophiae. Boécio também mas não dão conta dessa ordem, que se dispõe
compôs tratados teológicos como: De Trinitate; Utrum conforme uma norma apropriada, orientando-as para o
Pater et Filius et Spiritus Sanctus de divinitate substantialiter bem. Nada é feito visando o mal, mas este ocorre
preadicentur; Quomodo substantiae in eo quod sint, bonae sint; devido a um desvio, um “erro de avaliação” ao se
Liber contra Eutychen et Nestorium. procurar o bem.
Então, se a providência governa o mundo,
Os universais como isso se concilia com a liberdade humana? Boécio
Ao comentar o Isagoge de Porfírio, Boécio responde que o conhecimento divino implica no
encontrou questões acerca dos universais, tais como: se conhecimento simultâneo de todos os acontecimentos,
eles existem ou não, se eles são ou não corpóreos, e caso dos passados e dos futuros. Em outras palavras, em
sejam incorpóreos, se estão ou não unidos às coisas Deus se encontram presentes os acontecimentos
sensíveis. Não foram encontradas soluções de Porfírio futuros no modo como acontecem (pois dependem do livre-
sobre essas questões, mas Boécio propôs algumas que arbítrio presentes em sua contingência). Deus conhece as
coisas futuras de acordo com a natureza que cada uma isto é, na realidade). Anselmo sustenta que, se o ateu
delas terá: necessárias ou livres. pensa Deus, então Deus está em seu intelecto – do
contrário, não poderia negar nem pensar sua existência.
2.2 ANSELMO DE AOSTA Portanto, o argumento ontológico é assim chamado em
função da análise da ideia de Deus, que está presente na
Anselmo nasceu em mente, e que, por isso, se deduz sua existência também
Aosta (1033 – 1109). Era de fora da mente. Ou seja, a ideia de Deus se inclui,
família nobre, entrou no simultaneamente, a existência.
mosteiro beneditino de Os argumentos de Anselmo sofreram críticas e
Santa Maria de Bec, na também consensos. Uma das críticas foi feita pelo
Normandia, onde se tornou monge Gaunilon, que refutou a ideia da passagem do
prior e abade. Suas obras mundo ideal para o mundo real, e um dos consensos foi
mais famosas eram o feito por Leibniz, que refez o argumento afirmando que
Monologion (“Solilóquio”) e o “o ser necessário, se é possível, existe; mas é possível,
Proslogion (“Colóquio”), além logo existe”.
dessas, temos De veritate (“A
verdade”), o De libertate Deus e o homem
arbitrii (“O livre-arbítrio”), dentre outras. Todo o As reflexões de santo Anselmo giram em torno
pensamento de santo Anselmo se refere e se baseia na de Deus e o homem, e um dos temas abordados nesse
ideia de Deus. Para ele, uma coisa é falar da existência contexto é a relação entre conhecimento e palavra. A
de Deus e outra é falar de sua natureza – essa distinção palavra (ou conceito) é mais ou menos verdadeira,
fica clara no Monologion, em que ele formula as provas a dependendo do grau de semelhança com a coisa. O
posteriori da existência de Deus, e depois elabora o conhecimento humano é medido pelas coisas, se baseia
argumento ontológico, no Proslogion. Santo Anselmo sobre o conceito. Já a palavra divina é medida das
demonstra a existência de Deus tanto a posteriori como coisas, porque é o seu modelo.
a priori. O pensamento reto exprime a realidade como
As provas a posteriori da existência de Deus ela é. Além disso, há uma retidão da vontade e da
Tais provas demonstram como, a partir do liberdade, onde a liberdade é a capacidade de agir
mundo, se chega a Deus. A primeira se refere à retamente identificando-se com a vontade do bem e
bondade, em que se afirma que a existência de coisas com a boa vontade. A liberdade humana possui o
boas remonta à Bondade absoluta; a segunda diz objetivo de conservar a retidão que, por sua vez, deve
respeito à variedade de grandezas, que exige uma suma ser amada e buscada por si mesma. Retidão da vontade
grandeza, da qual as outras participam; a terceira está e retidão do intelecto (em outros termos, justiça e
alicerçada no conceito de causa: tudo o que é existe por verdade) se encontram e se fundem. Mesmo nos casos
causa de alguma coisa, assim, todas as coisas existem em em que a vontade pode se corromper, perdendo a
virtude de um Ser supremo; a quarta considera os graus retidão e se tornando serva de vícios, ela ainda conserva
de perfeição, que devem remeter a uma perfeição sua liberdade, que é a capacidade de agir de acordo com
primeira, suma, absoluta. Santo Anselmo pretendia o bem e de não pecar.
difundir a verdade de Deus, necessitando de um Anselmo pensava em como conciliar a
argumento mais simples para os leitores, algo que liberdade humana com a onisciência divina. Responde
gerasse uma certeira convicção da existência de Deus. ele que Deus prevê as coisas no modo como
Vejamos agora qual foi esse argumento. acontecerão, porque essa previsão se encontra na
eternidade (onde não há mutação) e a realização (ou
A prova a priori da existência de Deus ou acontecimento livre) possui lugar no tempo. Sendo
“argumento ontológico” assim, a liberdade humana não está em divergência com
Como sabemos, uma prova a priori significa a presciência divina. Anselmo entende que Deus pensa
dizer que ela não depende da natureza das coisas; tem na eternidade os eventos que se acontecerão no tempo
início, então, o argumento ontológico. Resumindo, Deus é e no modo em que se desenvolverão: se forem
“aquilo do qual nada de maior se pode pensar”. Essa necessários e se forem livres. Diz Anselmo que “se um
prova pressupõe que a existência real é uma perfeição, acontecimento se cumprirá sem necessidade, Deus, que
e se Deus possui todas as perfeições, também, prevê todo acontecimento futuro, deve prever também
necessariamente, possui a existência. Desse modo, não isso. Mas o que Deus prevê será necessariamente assim
seria possível pensar Deus como existente no como Deus prevê. Portanto, é necessário que algo seja
pensamento, mas não na realidade, pois ele não seria o sem necessidade”. O filósofo relembra que a liberdade
maior. Esse argumento engloba até os ateus, que se identifica com a vontade e, dessa maneira, com a
afirmam que Deus não existe (ao afirmar isso, o ateu retidão.
quer dizer que Deus não existe fora do seu intelecto,
Razão e fé A fé auxilia o movimento lógico da razão e de
No prólogo do Proslogion, Anselmo recorre a seus conceitos. Monge Gaunilon (assim como santo
Deus com as seguintes palavras, que se tornaram Tomás) observava que, quando falamos o nome
emblemáticas: “Eu não tento, Senhor, mergulhar em “Deus”, não costumamos ir para além do som físico das
teus mistérios, porque minha inteligência não é palavras, em especial no caso dos ateus. Por isso, não é
adequada; desejo, porém, entender um pouco da tua possível sustentar que se pode deduzir a existência de
verdade, que o meu coração já crê e ama. Não procuro Deus a partir do conceito de Deus. No fundo,
compreender-te para crer, mas creio para poder te sucintamente, Gaunilon lançava a concepção realista
compreender”. Isso quer dizer que santo Anselmo dos conceitos de Anselmo e o deixava em posição de
desejava esclarecer com a razão o que já se possui com assumir que tinha a fé como fundamento.
a fé.
Havia uma pretensão de que as coisas que 2.3 ABELARDO
fossem reveladas não fossem meramente impostas por
meio da autoridade da Escritura, mas também Pedro Abelardo (1079 –
transparecesse com a utilização do raciocínio. Anselmo 1142) nasceu em Le Pallet, na
confiava muito na razão humana, que ele acreditava que França, e foi considerado a
era capaz de explicar os mistérios da fé cristã, figura mais célebre do século
demonstrando coerência, conveniência e necessidade: XII. Tinha bastante crítica em
se esclarece com a razão o que se possui com a fé. relação aos seus mestres,
Sendo assim, a expressão do pensamento de santo principalmente acerca da
Anselmo é credo ut intelligam, em que a fé é entendida natureza dos universais e ao
como a garantia da verdade da razão. uso da dialética. Ministrou
Anselmo fez duas afirmações que ficaram bem aulas na escola de Notre-
conhecidas, a saber: fides quaerens intellectum (em que se Dame (primeiro núcleo de
demonstra a necessidade de que a fé busque suas uma universidade livre na França). Abelardo teve teses
confirmações no âmbito da razão) e credo ut intelligam condenadas e rejeitadas, sendo consideradas como
(em que se afirma a prioridade da fé em relação à razão). “desvios”, o que fez com que ele recorresse ao papa
Dito isso, é possível compreender a ideia de que a fé se para uma avaliação mais justa. Seus escritos tinham
ilumina com a inteligência. A razão serve para iluminar caráter ético (podemos citar Ethica seu Scito te ipsum),
as verdades da fé através de argumentações dialéticas, lógico (destacando-se Dialectica e Glosas literais),
ou seja, por meio de normas e métodos coerentes. teológico (Theologia christiana; Sic et non) e autobiográfico
(por exemplo, Historia calamitatum; Epistolarium; Poesias).
Concepção realista dos universais
Em Anselmo há uma defesa da concepção A dúvida
realista dos universais. O problema dos medievais Abelardo elabora um princípio no qual afirma
consiste em estabelecer qual seja o estatuto ontológico que é sob o estímulo da dúvida que se empreende a
dos universais: se eles são algo como ideias pesquisa, e que por meio da pesquisa podemos chegar
transcendentes, ou pensamentos de Deus etc., ou se ao conhecimento da verdade. A dúvida constitui-se
eles são apenas conceitos mentais, se são palavras como ponto de partida (trata-se da dúvida metódica), é
insignificantes, ou se existe uma solução que se interpõe uma “fase inicial” e, para superá-la, seria preciso impor
entre as várias posições. regras, tais como: analisar o texto linguisticamente,
Explica Anselmo que as coisas boas, existentes, verificando as implicações histórico-linguísticas dos
grandes etc., não seriam possíveis se não existissem as termos; verificar a autenticidade daquilo que foi escrito, tanto
ideias correspondentes a tais coisas na mente divina, no que se refere ao autor como a possíveis alterações;
como modelos da criação. Portanto, as coisas boas, fazer exame crítico de textos duvidosos, baseando-se em
existentes etc., não seriam possíveis se não houvesse o textos autênticos e em possíveis correções; não confundir
pressuposto da bondade, do ser etc., que significam opinião citada no texto com opiniões pessoais do autor, nem
ideias universais e arquetípicas, situadas na mente divina e interpretar como solução aquilo que o autor demonstra como
sobre as quais se formou aquilo que foi criado. problema. Com essas regras, Abelardo pretendia fornecer
O realismo teológico faz uma investigação racional caráter científico à investigação, mas também sabia que
sobre os mistérios da fé cristã. Isso implica dizer que a nem sempre essas regras seriam suficientes para
posse das verdades reveladas através da fé torna entender o significado dos textos bíblicos.
possível que a razão seja frequentemente vinculada ao
seu conteúdo, e que sua investigação percorra o “Intelligere” e “comprehendere”
movimento lógico que parte da fé para evidenciar seu Depois de conhecermos essas regras,
conteúdo e iluminar suas relações. poderemos agora entender o papel que a ratio critica
(uma espécie de razão como pesquisa) tinha nas
questões que se referem a Deus. Com o conceito da universais que se aplicam a uma pluralidade de
inatingibilidade da natureza divina, Abelardo propôs indivíduos, em outras palavras, é o problema da relação
que o objetivo fosse a verossimilhança, quer dizer, algo entre as palavras e as coisas, entre linguagem e realidade.
que fosse acessível à razão humana e não contrária à Os universais podem ser: ante rem (antes das coisas
Sagrada Escritura. Isso significa que Abelardo tinha sensíveis, pois existem em si e por si), post rem (na
consciência dos limites da razão, mas também desejava mente como conceitos abstratos), in re (nas coisas
que o discurso filosófico facilitasse e tornasse acessível sensíveis, como conotações ontológicas), como puros
o discurso teológico. Portanto, a ideia era a de que a nomes (sem relação estrutural com as coisas).
razão corrobora a fé. Nesse contexto, ele faz a distinção As soluções oferecidas para o problema foram:
entre intelligere e comprehendere. Intelligere, afirma 1) a solução do realismo exagerado (de Escoto
ele, é obra conjunta da ratio e da fides (fé), enquanto que Eriúgena e Guilherme Champeaux), segundo o qual os
o comprehendere é dom de Deus. A razão impede que a fé termos universais são res, ou seja, os universais existem
seja reduzida a palavras vazias e mecânicas e a graça em si, são ante rem (antes das coisas), possuem função
divina possibilita que nós nos deixemos invadir pelas de modelo em relação aos indivíduos concretos, o que
verdades. implica dizer que o conhecimento das ideias é o
conhecimento da realidade, de forma indireta;
Ética 2) a solução nominalista (de Roscelino de
Sobre a vida moral, Abelardo elaborou um Compiègne), em que o universal se trataria de um
tratado denominado Ethica seu Scito te ipsum (algo como nome, apenas, para designar uma multiplicidade de
o “conhece-te a ti mesmo” socrático) e pensou na indivíduos. Aqui, temos uma posição cética, pois anula
consciência como centro de irradiação da vida moral, qualquer valor aos universais, afirmando que não existe
ou “consensus animi” como fundamento da moral. nenhuma ligação substancial entras as palavras e as
Abelardo diferencia o plano da instintividade, que é pré- coisas;
moral e se refere às inclinações, impulsos e desejos 3) a solução moderada de Abelardo, que é o
naturais, do plano consciente e racional, que é moral e se conceitualismo. Ele considera que os universais existem
refere às intenções, propósitos e iniciativa do sujeito. em nossa mente (post rem) como conceitos, obtidos
Assim, existem impulsos que são involuntários e por abstração. O intelecto separa dos entes semelhantes
instintivos (pré-morais) e a moralidade se origina um modo de ser comum, que será o conceito universal
quando a consciência dá seu consenso. para este grupo de indivíduos. A essência das coisas não
Os atos morais são qualificados de acordo com é captada, só seu status communis e, além disso, Abelardo
a intenção de quem opera. O destaque para o elemento entende que não podemos conhecer a realidade em si
intencional, que determina a vida moral, é feito em (uma vez que só é conhecida por Deus), mas nossos
função de três objetivos, a saber: 1) a necessidade de próprios conceitos, que demonstram apenas parte da
interiorizar a vida moral, que reside na alma – Abelardo realidade. O status communis indica um modo de ser, ou
entendia que no interior se cumpre o bem ou o mal condição de natureza comum aos indivíduos da mesma
antes mesmo de se concretizarem em atos específicos; espécie.
2) há uma convicção de que nosso corpo não é mau 4) o realismo moderado de santo Tomás é uma
nem fonte do mal; 3) contestar a prática de julgar fácil posição mediana entre o platonismo e o aristotelismo,
e de forma categórica a vida do próximo sem conhecer em que os universais possuem tríplice valor. A ideia era
seus fins e objetivos – somente Deus pode avaliar, com a de que o universal existe ante rem na mente de Deus
base na verdade, nossas intenções e examinar a culpa (como modelo/arquétipo, tal como queria Platão), in re
com juízo perfeito. como forma das coisas (presentes nos corpos
individuais, que configuram as formas aristotélicas) e
“Intelligo ut credam” post rem como conceito mental (abstratos e
Intelligo ut credam é a expressão que resume o posteriores às coisas, como presumia Aristóteles).
pensamento de Abelardo e surge do entendimento de Veremos que toda essa problemática acerca dos
que a ratio (dialética, lógica), que possui autonomia universais influenciou os diversos estudos sobre a
própria e regras específicas, pode levar à fé. Por ser linguagem e a lógica nos séculos seguintes.
autônoma, a dialética é uma filosofia racional, mas “o
fim do itinerário filosófico é Deus”. Abelardo considera
ainda que a razão não dá explicações conclusivas. 2.4 A FILOSOFIA ÁRABE
O pensamento de Aristóteles foi difundido no
O problema dos universais
Ocidente pelos árabes, em particular Avicena e
A relação entre linguagem e realidade é o
Averróis. A seguir, veremos o aristotelismo presente no
elemento essencial da questão dos universais. O
pensamento de cada um deles.
problema dos universais se refere à determinação do
fundamento e do valor dos conceitos e termos
AVICENA AVERRÓIS
Ockham e os ockhamistas
Ockham e os ockhamistas (seus discípulos)
propuseram uma nova forma de pesquisa científica, que
tinha por base o conhecimento experimental. Para eles,
nós podemos conhecer cientificamente apenas o que se
dá por meio da experiência – fato que motiva também
a lógica, que nos permite relacionar as afirmações com
a efetiva realidade dos indivíduos (Ockham rejeita a
ideia de que entidades metafísicas sejam tidas como
concretas, como o movimento, o espaço, o tempo, etc.).
Além disso, o método de Ockham avalia que a
preocupação deveria estar voltada em como as coisas
(os fenômenos) se verificam, não que coisa são, ou
seja, não sua natureza, mas sua função.
Um outro método consiste na multiplicidade
das hipóteses explicativas. Ele não considerava possível
promover a pesquisa científica com princípios definidos
ou com estruturas necessárias. Se estamos em um
contexto de um mundo criado pela liberdade de Deus,
seria então possível examinar todas as hipóteses
explicativas, mas controlando essas hipóteses com os
dados experimentais oferecidos pelo conhecimento
intuitivo sensível. Em outras palavras, isso consistiria
em tomar em exame outras hipóteses além das que a
evidência solicita.
Ockham pensava em uma concepção do
universo como homogêneo em seus elementos
estruturais. A aceitação da pluralidade de hipóteses
possibilitou a refutação por parte dos ockhamistas a
necessidade da não-existência do vazio, ou os princípios