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Williane Tibúrcio Facundes

mostra de artigos
(organizadora)

E-book
TOMO 2

Vol. II

CIÊNCIAS JURÍDICAS
na Amazônia Sul-Ocidental

EAC
Editor
Copyright © by autores, 2023.
All rigths reserved.

Todos os direitos desta edição pertencem aos autores. Nenhuma parte desse
livro poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a autorização
prévia da organizadora pelo e-mail <willitiburcio@gmail.com >. A violação
dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº 9.610/98 e punido pelo art.
184 do Código Penal. As informações contidas em cada capítulo são de inteira
responsabilidade dos autores, bem como o alinhamento dos textos às normas
da ABNT e da ortografia gramatical da língua portuguesa.

CAPISTA E DIAGRAMADOR
Eduardo de Araújo Carneiro
eac.editor@gmail.com

CONSELHO EDITORIAL DA OBRA


Dr. Eduardo de Araújo Carneiro
Dr. Elyson Ferreira de Souza
Me. Adriano dos Santos Lurconvite
Esp. Simmel Sheldon de Almeida Lopes
Esp. Arthur Braga de Souza
Esp. Ícaro Maia Chaim

E-BOOK

F143c FACUNDES, Williane Tibúrcio (Org.).


Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental: mostra de
artigos / Williane Tibúrcio Facundes (organizadora). – 1.
ed. – Rio Branco: EAC Editor, 2023. 227 p.; il. 14,8x21
cm. Tomo II; Vol. 2. (E-Book)

ISBN: : 978-65-00-84853-3
1. Ciências Jurídicas; 2. Direito; 3. Amazônia; I. Título.
CDD 340.07
SUMARIO

APRESENTAÇÃO 05

1 TRABALHO EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS À ES- 07


CRAVIDÃO NA CONTEMPORANEIDADE: ESTUDO
DO CASO DE MARGARIDA BONETTI E RENÊ BON-
NETTI
Camilla Lima Escorcio
Arthur Braga de Souza

2. A ADMISSIBILIDADE DE PROVAS ILÍCITAS NO 47


DIREITO PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO
Guilherme Onofre Ferreira da Silva
Arthur Braga de Souza

3. ANÁLISE DO PROJETO PACIFICAR DA POLÍCIA 82


CIVIL DO ESTADO DO ACRE
Daniel Miranda Rocha Guimarães
Arthur Braga de Souza

4. LEI MARIA DA PENHA: UM ESTUDO SOBRE A POS- 120


SIBILIDADE DA GUARDA COMPARTILHADA UNILATE-
RAL EM FAVOR DA GENITORA EM VIRTUDE DO HISTÓ-
RICO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Derenilda de Albuquerque Sousa
Williane Tibúrcio Facundes

5. A IMPORTÂNCIA DA LEI 8.072/90 DOS 160


CRIMES HEDIONDOS
Ana Clara Silva de Souza
Arthur Braga de Souza

6 LEI 11.340/2006 DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA 193


Maria Esabela Braga Barbosa
Williane Tibúrcio Facundes
“A persistência é o caminho do êxito”.
Charles Chaplin
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

APRESENTAÇÃO

A
presente obra reúne 06 (seis) artigos de
concludentes do curso do direito do Centro
Universitário Uninorte, sob a organização
da professora especialista Williane Tibúrcio Facundes, tendo
também a colaboração do professor especialista Arthur Braga
de Souza os quais foram escritos em coautoria com os autores
e abordam relevantes temas jurídicos, a saber.

Os artigos científicos aqui apresentados desempenham


um papel fundamental na expansão do conhecimento jurí-
dico. Eles fornecem uma plataforma para a análise aprofun-
dada de questões legais, a discussão de jurisprudência recente
e a contribuição para o desenvolvimento de teorias jurídicas.
Além disso, esses artigos auxiliam na disseminação de infor-
mações valiosas para a comunidade jurídica, advogados, es-
tudantes e profissionais do direito. Eles também desempe-
nham um papel importante na formação de políticas e na to-
mada de decisões judiciais informadas.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Os textos científicos apresentados nesta obra exploram


tópicos variados, desde questões de direitos humanos e cons-
titucionais até a análise de casos legais específicos. A pes-
quisa cuidadosa e a análise crítica são o cerne para a produção
de artigos jurídicos aqui tratados que, por sua vez, contribuem
para o avanço e a compreensão aprofundada das complexida-
des legais em nossa sociedade.

Trata-se de uma obra coletiva e plural, que debate te-


mas interessantes à sociedade e, sem esgotar os assuntos, pro-
move reflexões a respeito de situações vivenciadas diaria-
mente em nosso corpo social. Daí se extrai a sua relevância.

Prof. Esp. Williane Tibúrcio Facundes


Docente do Curso de Bacharelado em Direito pelo Cento
Universitário Uninorte. Graduada em Direito pela U:Verse.
Especialista em Psicopedagogia. Graduada em Letras Vernáculas
pela Universidade Federal do Acre - UFAC.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

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TRABALHO EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS À ESCRAVI-
DÃO NA CONTEMPORANEIDADE: ESTUDO DO CASO DE
MARGARIDA BONETTI E RENÊ BONNETTI

SLAVERY-LIKE LABOR IN CONTEMPORARY TIMES: A


STUDY CASE OF MARGARIDA BONNETTI AND RENÊ
BONNETTI

Camilla Lima Escorcio1


Arthur Braga de Souza2

ESCORCIO, Camilla Lima. Trabalho em Condições Análo-


gas à Escravidão na Contemporaneidade: Estudo do Caso
de Margarida Bonetti e Renê Bonetti. X páginas. Trabalho
de Conclusão de Curso de graduação em Direito - Centro Uni-
versitário UNINORTE, Rio Branco, 2023.

1
Discente do 9º período do curso de bacharelado em Direito pelo Centro
Universitário Uninorte.
2
Graduado em Direito pelo Centro Universitário Uninorte. Pós-Graduado
em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes. Servidor
Público Federal do TRF da 1ª Região. Coordenador Adjunto e Professor
do Curso de Direito do Centro Universitário Uninorte.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

RESUMO

O presente estudo aborda a questão persistente do trabalho


análogo à escravidão na contemporaneidade, com ênfase no
contexto histórico delineado desde o período colonial até a
presente data. Diante desse contexto, buscou-se o estudo do
aparato de leis e suas modificações ao longo dos anos, dis-
correndo também sobre o posicionamento de doutrinadores
criminalistas e diplomas normativos internacionais referente à
temática apresentada. Como aporte teórico procedeu-se com
o estudo de caso envolvendo Margarida Bonetti e Renê Bo-
netti, imigrantes brasileiros que mantiveram uma empregada
doméstica em condições análogas à escravidão nos Estados
Unidos, tal como a relevância da visibilidade que foi dada pela
mídia nesse caso e como afetou diretamente o aumento nas
denúncias de trabalho escravo, segundo o Ministério do Tra-
balho e Emprego. Nessa perspectiva, procedeu-se com a de-
monstração de instrumentos jurisdicionais e administrativas
que buscam combater a prática delitiva de trabalho análogo à
escravidão, além de sua importância como meio de punir os
infratores e minimizar as consequências deste delito na vida
das vítimas.

Palavras-chave: escravidão moderna; contemporaneidade;


trabalho análogo à escravidão; combate;

ABSTRACT

The present study addresses the persistent issue of slavery-


like labor in contemporary times, with an emphasis on the his-
torical context outlined from the colonial period to the present
day. Given this context, the study aimed to explore the frame-
work of laws and their modifications over the years, also dis-
cussing the standpoint of criminal law scholars and interna-
tional normative instruments related to the presented theme.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

As a theoretical foundation, a case study was conducted in-


volving Margarida Bonetti and Renê Bonetti, brazilian immi-
grants who held a domestic worker in a condition analogous to
slavery in the United States. The study also examined the sig-
nificance of the media coverage and how it directly impacted
the increase in reports of slave labor, according to the Brazilian
Ministry of Labour and Employment. In this perspective, the
study presented judicial and administrative tools that seek to
combat the criminal practice of slavery-like labor, along with
their importance as a means to punish offenders and mitigate
the consequences of this transgression on the victim’s life.

Keywords: modern slavery; contemporaneity; slavery-like la-


bor; combat.

INTRODUÇÃO

Este artigo aborda a problemática do trabalho análogo


à escravidão como herança histórica do Brasil, a tipificação
penal da conduta delituosa, bem como a apresentação de um
estudo de caso sobre o caso de Margarida Bonetti e Renê Bo-
netti, brasileiros que mantiveram uma empregada doméstica
brasileira em condições análogas à escravidão nos Estados
Unidos.
O estudo de caso no presente trabalho tem como obje-
tivo explorar e, consequentemente, demonstrar como o traba-
lho escravo na modernidade se manifesta e as ferramentas e
instrumentos utilizados para o combate dessa prática crimi-

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

nosa. Não obstante, este trabalho tem como finalidade anali-


sar o termo de ajuste de conduta, bem como sua posição em
relação às empresas, a fim de discorrer sobre sua importância
na luta contra o trabalho semelhante a escravidão.
O crime de trabalho análogo à escravidão é uma prática
cruel e afronta o princípio da dignidade da pessoa humana e
da liberdade individual, preceituados na Constituição Federal
de 1988. Em que pese a existência de avanços sociais e le-
gislativos alcançados ao longo do tempo, a exploração do la-
bor humano continua a manchar o corpo social e econômico.
O trabalho escravo na contemporaneidade, especifica-
mente no Brasil, não é demonstrado de forma estereotipada,
remontando ao período colonial. Assim, essa conduta crimi-
nosa é por vezes disfarçada, mas demonstrada através de lon-
gas jornadas de trabalho, condições degradantes no âmbito
laboral, supressão de direitos mínimos trabalhistas, dentre ou-
tras coisas.
Desse modo, o caso de Margarida Bonetti e Renê Bo-
netti que repercutiu no ano de 2022, levam a observar que
esse impasse se perpetua ao longo dos séculos e aflige o te-
cido social brasileiro atualmente. Ademais, os reflexos da re-
percussão do caso no Brasil revelam-se no aumento das de-
núncias de trabalho doméstico análogo à escravidão. Assim,
justifica-se a necessidade de abordar o tema, discutindo-se os

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

obstáculos que dificultam o combate a essa conduta crimi-


nosa. Para tal finalidade, pretende-se apresentar os elemen-
tos que sustentam a continuidade desse fato típico através do
estudo de caso a ser realizado.
Em suma, o presente trabalho pretende construir uma
linha do tempo, explorando a evolução do conceito de trabalho
escravo desde os períodos de exploração colonial até os dias
atuais, demonstrando as ferramentas para enfrentar este mal
que assola a sociedade e o instrumentos legais e administra-
tivos que visam punir os infratores, bem como amenizar o im-
pacto das consequências dessa conduta delitiva na vida das
vítimas.

1.1 TRABALHO EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS À ESCRAVI-


DÃO

O trabalho análogo à escravidão é um termo utilizado


para caracterizar condições de trabalho que são semelhantes
ao trabalho escravo, ou seja, sendo consideradas desumanas,
humilhantes e opressivas. Essas condições envolvem jorna-
das excessivas de trabalho, salários baixos ou inexistentes,
ausência de direitos trabalhistas, falta de segurança e medi-
cina no ambiente de trabalho, dentre outros. Ademais, os tra-
balhadores nessas condições são frequentemente sujeitos ao
labor forçado, confinamento, ameaças e violência. O trabalho

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

análogo à escravidão é um atentado aos direitos da persona-


lidade, principalmente à dignidade humana.

1.1.1 HISTÓRIA DO TRABALHO ESCRAVO

Originalmente, a palavra escravo deriva do latim “scla-


vus”, que significa “a pessoa que é propriedade de outra”.
Neste sentido, a escravidão é uma forma antiga e difundida de
exploração e opressão que se desenvolveu ao longo dos sé-
culos. Embora tenha existido em diversas culturas e épocas,
a escravidão no sentido contemporâneo da palavra refere-se
especificamente ao sistema escravista que surgiu durante a
colonização e expansão marítima europeia no século XV e se
estendeu até o século XIX.
Nesse período, milhões de pessoas, principalmente da
África subsaariana, foram capturadas, vendidas e transporta-
das para as Américas como escravos para trabalhar nas plan-
tações de açúcar, algodão, tabaco e outras culturas. Eles eram
tratados como propriedade, e sua vida e liberdade estavam
inteiramente nas mãos de seus senhores. Eles não tinham di-
reitos legais e eram submetidos a tratamentos extremamente
desumanos e cruéis.
A história do trabalho escravo no Brasil começa no pe-
ríodo colonial, quando os portugueses trouxeram os primeiros

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

escravos africanos para trabalhar nos engenhos de cana-de-


açúcar no Nordeste. Estima-se que mais de 4 milhões de pes-
soas escravizadas foram transportadas para o Brasil durante
o período colonial e imperial, entre os séculos XVI e XIX. O
trabalho escravo expandiu-se para outras regiões e setores da
economia, incluindo fazendas, minas e construção civil. Du-
rante o período colonial, a escravidão era legal e amplamente
aceita na sociedade brasileira.
Além disso, os escravos não foram utilizados apenas
como mão-de-obra, mas na expansão europeia no novo
mundo, atuando em diferentes funções (Bauer, 2020, p. 116;
Costa, 2020, p. 116). O tráfico de indivíduos como escravos
se tornou uma atividade comercial lucrativa, em decorrência
da necessidade de mão-de-obra na colônia portuguesa.
Neste sentido, a função do escravismo para a América
teve um papel principal para o desenvolvimento do capitalismo
e do novo mundo, tendo em vista a ausência de outras alter-
nativas de trabalho, sendo dificultoso analisar como a Europa
poderia ter realizado a colonização e a exploração de recursos
da América sem a mobilização dos escravos africanos (Davis,
2001, p. 25).
Além disso, os escravos trazidos em sua maioria do
continente africano, desembarcavam nos principais portos,

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

quais sejam, São Luís, Fortaleza, Salvador, Belém, Rio de Ja-


neiro e Recife. A posteriori, eram redistribuídos em distintas
regiões da colônia portuguesa (Bauer, 2020, p. 117; Costa,
2020, p. 117).
No século XIX, o movimento abolicionista ganhou força
no Brasil e em outros países, levando a uma crescente pres-
são internacional para acabar com a escravidão. Assim, a abo-
lição da escravidão se deu de forma gradual com início em
outras legislações, como a Lei do Ventre Livre que concedia
liberdade aos filhos de escravas, bem como a Lei dos Sexa-
genários que determinou a liberação de escravos com mais de
sessenta anos. Em 1888, o Brasil se tornou o último país da
América a abolir a escravidão, quando então a princesa Isabel
assinou a Lei Áurea.

1.1.2 A ESCRAVIDÃO MODERNA

Em que pese, a escravidão tenha sido formalmente


abolida, as consequências do sistema escravocrata ainda são
refletidas no Brasil até hoje. A expressão “trabalho escravo”
apesar de não ser adequada em virtude de não existir mais
essa possibilidade, ainda é um termo muito utilizado, principal-
mente pelos meios de comunicação que se utilizam do con-
ceito para tornar suas matérias mais impactantes e mais aces-
síveis ao público leigo.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Ademais, há uma variedade de conceitos utilizados


para a caracterização do trabalho análogo à escravidão:

Neo-escravidão”, “escravidão branca”, “traba-


lho forçado”, “trabalho escravo”; “semiescravi-
dão”, ”superexploração do trabalho”; “forma de-
gradante de trabalho”, “trabalho escravo con-
temporâneo”; “trabalho em condições análogas à
de escravo”, além de outras, são expressões
utilizadas para fazer referência àquela modali-
dade de exploração da força de trabalho humana
ocorrente na atualidade, na qual a sua prestação
se dá de forma involuntária, e que é advinda de
coerção amparada em pretensa existência de dí-
vida, predominantemente ocorrente no âmbito do
trabalho rural. (Fávero Filho, 2010, p. 260)

O trabalhador que labora em condições semelhantes ao


escravo na modernidade não é aquela figura estereotipada de
uma pessoa acorrentada ou cativa no ambiente de trabalho.
Esses contextos são exceções, tendo em vista que a “escravi-
dão moderna” assume novos formatos, como as jornadas exa-
ustivas, locais de trabalho em condições ultrajantes, atrasos
salariais.
O Ministério Público do Trabalho, anualmente, resgata
muitos trabalhadores em condições análogas à escravidão.
Outrossim, a mídia através dos grandes jornais frequente-
mente denuncia casos de empregados laborando em condi-
ções subumanas, refletindo uma escravidão na modernidade.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

No primeiro trimestre de 2023, o Brasil bateu recorde


de resgates de pessoas em condições análogas à escravidão
em 15 anos. Segundo o Ministério do Trabalho e do Emprego
(MTE) foram resgatadas 918 pessoas, conforme o gráfico
abaixo:
Gráfico 01

Fonte: Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (DE-


TRAE/MTE)
Ademais, foi realizado um levantamento de quais esta-
dos da federação possuem maior volume de trabalhadores
nessas condições, sendo eles, Goiás e o Rio Grande do Sul.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Um dos casos recentes com maior destaque foi no município


de Bento Gonçalves (RS), nas vinícolas de produção de uvas,
nos quais os trabalhadores relataram que sofreram violências
como choques elétricos, espancamentos, ataques com spray
de pimenta, dentre outros tipos de atrocidades. Nesse local
foram encontrados 207 empregados em situações degradan-
tes.
Não obstante, no Lollapalooza, um dos maiores festi-
vais brasileiros, o MTE resgatou trabalhadores em situação
análoga à escravidão. No laudo realizado pelo Ministério do
Trabalho e do Emprego descreve que os indivíduos prestavam
serviço ao festival como carregadores por 12 horas, dormindo
no chão, sem energia e com a promessa de receber cento e
trinta reais por dia.
A maioria desses casos envolve empresas terceiriza-
das, em que não há a devida fiscalização das condições de
trabalho. Corroborando com a afirmação, uma operação do
Grupo Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego fez o res-
gate de 212 trabalhadores, no dia 17 de março de 2023, no
Estado de Goiás que laboravam em usinas de álcool e produ-
ção de cana-de-açúcar. Os locais em que esses empregados
viviam eram extremamente precários, com paredes com mofo
e goteiras nos telhados, sem ventilação adequada, consoante
relata o Auditor Fiscal do Trabalho, Roberto Mendes.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Destarte, é notório que a escravidão ainda é refletida na


sociedade brasileira e demonstra-se como um obstáculo para
o alcance da dignidade humana.

1.2 A TIPIFICAÇÃO PENAL DO TRABALHO ANÁLOGO A


ESCRAVIDÃO NO BRASIL

Conforme o ordenamento jurídico brasileiro, crime é


uma conduta humana típica, ilícita e culpável, punível por lei.
Em outras palavras, um crime é uma ação que vai contra as
leis vigentes no país e que, por sua natureza, prejudica um
bem jurídico protegido da sociedade ou dos indivíduos. Há di-
versas espécies de punições, como multas, prisão e outras
medidas típicas e atípicas previstas na legislação.
Consoante o renomado doutrinador Fernando Capez
(2022, p. 75), o conceito de crime pode ser analisado sob três
perspectivas, sendo eles, o aspecto material, o aspecto formal
e o aspecto analítico. Desse modo, o aspecto material des-
creve o crime como uma conduta humana de forma proposital
ou descuidada, expõe a perigo ou lesa bens jurídicos essenci-
ais à existência do corpo social, bem como da paz. O aspecto
formal, por sua vez, considera a infração penal como tudo
aquilo que o legislador tipifica em lei como tal, não importando
o seu conteúdo. Ainda, o aspecto analítico conceitua o crime

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

como todo fato típico e ilícito, ou seja, para que seja crime é
necessário que a conduta esteja tipificada na norma legal e
seja proibido por lei.
Não obstante, o art. 1º da Lei de Introdução ao Código
Penal conceitua tal conduta, vejamos:

Art. 1º Considera-se crime a infração penal que


a lei comina pena de reclusão ou de detenção,
quer isoladamente, quer alternativa ou cumulati-
vamente com a pena de multa; contravenção, a
infração penal a que a lei comina, isoladamente,
pena de prisão simples ou de multa, ou ambas,
alternativa ou cumulativamente.

No Brasil, o Código Penal é o principal instrumento legal


que define o que é considerado crime e as respectivas san-
ções. No entanto, existem outras leis específicas que também
estabelecem tipos de condutas consideradas criminosas,
como a lei de drogas, a lei de improbidade administrativa e
outras.
Importante destacar que a existência de um crime de-
pende da concorrência de três elementos: tipicidade, ilicitude
e culpabilidade. Em outras palavras, é imprescindível que a
conduta seja prevista como crime por lei, que seja defesa e
que tenha sido realizada com dolo ou culpa.
Ademais, é relevante ressaltar que o crime tipificado
não é a escravidão, tendo em vista que essa modalidade de

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

infração penal foi abolida em 1888, bem como a forma de es-


cravidão mudou, hodiernamente a lei pune a prática do traba-
lho análogo à escravidão.
Anteriormente, a escravidão era praticada na maioria
das vezes pela restrição à liberdade do indivíduo e a ausência
de pagamentos, entretanto, a prática dessa conduta modifi-
cou-se com o decurso do tempo, apesar dessas modalidades
ainda serem praticadas atualmente. A escravidão moderna
demonstra-se, principalmente, com locais de trabalho em con-
dições precárias e longas jornadas de trabalho.
Neste sentido, a palavra análoga diz respeito a algo que
é semelhante, equivalente, em que há correspondência entre
fatos ou coisas. Assim, a infração penal corresponde ao traba-
lho análogo à escravidão, ou seja, o labor semelhante à forma
de escravidão praticada anteriormente.
Destarte, é imperioso conceituar o crime de trabalho
análogo à escravidão disposto no art. 149 do Código Penal
Brasileiro, conforme a seguir descrito:

Redução a condição análoga à de escravo


Art. 149. Reduzir alguém à condição análoga à
de escravo, quer submetendo-o a trabalhos for-
çados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o
a condições degradantes de trabalho, quer res-
tringindo, por qualquer meio, sua locomoção em
razão de dívida contraída com o empregador ou
preposto:
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa,

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

além da pena correspondente à violência.


§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:
I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte
por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no
local de trabalho;
II – mantém vigilância ostensiva no local de tra-
balho ou se apodera de documentos ou objetos
pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no
local de trabalho.
§ 2º A pena é aumentada de metade, se o crime
é cometido:
I – contra criança ou adolescente;
II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia,
religião ou origem. (1940)

O crime tem como bem jurídico tutelado o status liber-


tatis, ou seja, a liberdade individual do ser humano. Ainda, o
jurista Guilherme de Souza Nucci (2021, p. 771) dispõe que o
objeto jurídico da tipificação penal engloba, além da liberdade
de ir e vir, a organização do trabalho e a própria dignidade da
pessoa humana. Assim, o artigo supramencionado dispõe so-
bre várias modalidades de violações aos objetos jurídicos tu-
telados.
A doutrina nomeia essa infração penal de “plágio”. Se-
gundo o jurista brasileiro, Vicente Maggio (2017), há 03 tipos
de plágios, sendo eles: (i) o plágio literário definido como a
cópia integral ou parcial de um texto de terceiro, sem a devida
referência; (ii) plágio político que consiste em alistar indivíduo
no exército de outro país; e (iii) plágio civil que é conceituado
como a posse de pessoa livre, com o fito de enriquecer-se de

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

sua mão de obra. Desse modo, o plágio civil ocorre, pois há a


sujeição de um indivíduo ao poder de outro, havendo, por-
tanto, a objetificação do ser humano. Para consumação de
uma das modalidades do crime é dispensável que o sujeito
passivo passe pelo sofrimento, não sendo exigível o eventual
consentimento da vítima, pois se trata de um bem jurídico tu-
telado indisponível.
O fato típico descrito no caput, portanto, consuma-se
em reduzir alguém à condição análoga à de escravo através
da submissão de outrem ao exercício de trabalhos forçados ou
a jornadas exaustivas, bem como a sujeição a condições de-
gradantes de trabalho e as restrições a sua locomoção por
qualquer meio, em decorrência de dívida com o empregador
ou preposto. É imprescindível ressaltar que o crime se trata de
uma ação vinculada, ou seja, deve ser cometida através de
uma dessas condutas descritas no tipo penal.
A primeira conduta descrita no caput é a submissão de
alguém a trabalhos forçados. Desse modo, o indivíduo é obri-
gado a realizar tarefas contra a sua vontade, sem a possibili-
dade de escolha ou de se recusar a executá-las. Essa imposi-
ção pode ocorrer por meio de violências, coerção psicológica,
ameaças ou outros meios de pressão.
Ademais, a segunda modalidade de cometer esse delito
é através da submissão de alguém a uma jornada exaustiva,

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ou seja, o trabalhador é forçado a laborar por um período de


tempo prolongado, além dos limites legais, sem intervalos in-
trajornadas e interjornadas adequados ou descanso semanal
remunerado.
A terceira conduta é a sujeição de alguém a condições
degradantes de trabalho. Isso envolve submeter a pessoa a
situações que atentem contra a sua dignidade, como trabalhar
em locais insalubres, sem condições de higiene, segurança ou
conforto. Essas condições geralmente são extremamente pre-
cárias, desumanas e humilhantes, causando sofrimento e da-
nos à integridade física e psicológica do trabalhador.
A quarta modalidade enquadrada no caput do artigo é
a restrição da locomoção de alguém em razão de dívida con-
traída com o empregado ou preposto. Nesta conduta, o em-
pregado é impedido de se locomover de forma livre em virtude
de dívida que contraiu com seu empregador ou com alguém
que atua em nome dele, como intermediário ou agente. Essa
restrição pode ocorrer de diversas maneiras, para exemplificar
é possível citar o caso do empregador que confisca os docu-
mentos de identificação do trabalhador, como passaporte ou
carteira de trabalho, impedindo-o de viajar ou buscar oportuni-
dades de trabalho em outro local.
A penalidade aplicada para as condutas descritas no
caput é pena de reclusão, com pena mínima de 02 (dois) anos

23
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

e pena máxima de 08 (oito) anos, além da aplicação de multa


pela violência cometida em face da vítima.
É válido ressaltar que, os incisos I e II, dispõem outros
meios de praticar o trabalho análogo à escravidão. No inciso I
preceitua sobre o cerceamento de meio de transporte, essa
conduta consiste em restringir os instrumentos de locomoção
do empregado, fazendo com que a vítima não consiga se au-
sentar do ambiente de trabalho.
O § 2º do tipo penal dispõe causas de aumento de pena
quando o infrator cometer esse crime em face de criança. Nos
termos do art. 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente, é
considerada criança a pessoa com 12 (doze) anos incomple-
tos. Ainda, a pena é aumentada de metade se o crime for co-
metido com fundamento em preconceito, raça, cor, etnia, reli-
gião ou origem. O doutrinador Guilherme de Souza Nucci
(2022, p. 270) assevera que essa última forma de executar a
infração penal é uma forma de racismo, sendo portanto, im-
prescritível e inafiançável.
Por se tratar de um tipo misto alternativo de caráter múl-
tiplo ou variado, se o infrator incorrer em mais de uma prática,
na mesma situação fática, terá praticado apenas um crime.
Assim, a variedade de condutas praticadas deve ser levada
em consideração na primeira fase de dosimetria de pena.
Ainda, se o meio empregado de cometer o ilícito penal for o

24
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

sequestro, este ficará absorvido pelo crime de redução aná-


loga à de escravo, em decorrência deste ser mais grave.
Sob tal ambulação são os seguintes julgados:

No art. 149 do Código Penal são previstas con-


dutas alternativas que, isoladamente, subsu-
mem-se ao crime de redução à condição análoga
à de escravo, tratando-se, portanto, de crime plu-
rissubsistente. Assim, tendo sido atribuído ao réu
o verbo ‘sujeitar alguém a condições degradan-
tes de trabalho’, o simples fato de não ter sido
descrito cerceamento do direito de locomoção
dos trabalhadores explorados não denota a au-
sência de tipicidade das condutas descritas na
peça acusatória. 4. Agravo regimental despro-
vido” (AgRg no RHC 85875-PI, 5.ª T., rel. Ribeiro
Dantas, 24.04.2018, v.u.).

1. Nos termos da jurisprudência desta Corte, o


delito de submissão à condição análoga à de es-
cravo se configura independentemente de restri-
ção à liberdade dos trabalhadores ou retenção no
local de trabalho por vigilância ou apossamento
de seus documentos, como crime de ação múlti-
pla e conteúdo variado, bastando, a teor do art.
149 do CP, a demonstração de submissão a tra-
balhos forçados, a jornadas exaustivas ou a con-
dições degradantes. Precedentes. 2. Devida-
mente fundamentada a condenação pela prática
do referido delito em razão das condições degra-
dantes de trabalho e de habitação a que as víti-
mas eram submetidas, consubstanciadas no não
fornecimento de água potável, no não ofereci-
mento, aos trabalhadores, de serviços de privada
por meio de fossas adequadas ou outro processo
similar, de habitação adequada, sendo-lhes for-
necido alojamento em barracos cobertos de pa-
lha e lona, sustentados por frágeis caibros de
madeira branca, no meio da mata, sem qualquer
proteção lateral, com exposição a riscos, não há
falar em absolvição. 3. Recurso especial provido

25
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

para restabelecer a sentença condenatória, de-


terminando que o Tribunal de origem prossiga no
exame do recurso de apelação defensivo (RE
1.843.150/PA, 6.ª T., rel. Nefi Cordeiro, j.
26.05.2020, v.u.);

CADASTRO DE EMPREGADORES QUE TE-


NHAM SUBMETIDO TRABALHADORES A
CONDIÇÕES ANÁLOGAS À DE ESCRAVO.
Considerando as provas juntadas, elaboradas
pela fiscalização do Ministério do Trabalho e Em-
prego, a legislação pertinente, bem como os en-
tendimentos jurisprudenciais da Suprema Corte
e da Alta Corte Trabalhista, há clara configuração
da condição de trabalho análogo ao escravo,
posto que "a violação aos direitos do trabalho é
intensa e persistente", refletida na precaríssima
situação encontrada no alojamento oferecido aos
trabalhadores, recrutados em sua maior parte
fora do Estado de São Paulo, e sem rede de
apoio local, com falta de pagamento regular de
salários, retenção das CTPS, bem como a au-
sência de observância das normas de saúde e
segurança no trabalho, como bem destacados no
relatório de fiscalização, razões pelas quais a
inscrição da empresa no cadastro de emprega-
dores que tenham submetido trabalhadores a
condições análogas à de escravo é medida que
se impõe. (TRT-2 10009116520195020319 SP,
Relator: Nelson Nazar, 3ª Turma - Cadeira 1,
Data de Publicação: 06/10/2020)

Outrossim, o doutrinador André Estefam (2022, p. 433)


preceitua que a criminalização da conduta é recente, tendo em
vista que a escravidão no Brasil apenas foi abolida em 1888.
Neste eito, é importante ressaltar que o país foi o último do
continente americano a abolir a escravidão.

26
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Consequentemente, os códigos penais sucessores tra-


ziam a tipificação limitada e foi apenas no Código Penal vi-
gente que houve a penalização do ato. Ainda, cabe ressaltar
que a redação original do art. 149 no Código Penal vigente
antes da modificação trazida pela Lei 10.803/2033 era a se-
guinte: “reduzir alguém à condição análoga à de escravo”, dei-
xando a interpretação ampla sobre o dispositivo.

Assim, a redação atual consoante Nucci (2020, p. 248)


teve a finalidade de combater o impasse do trabalho escravo
no Brasil, sendo uma prática costumeira em zonas rurais, nos
quais os empregados são sujeitos a circunstâncias semelhan-
tes às vivenciadas pelos escravos na triste memória da nossa
história.

Há também diversos diplomas normativos internacio-


nais no combate ao trabalho escravo. A Declaração Universal
dos Direitos Humanos de 1948 dispõe, em seus artigos 4º e
23, o seguinte:

4º Ninguém será mantido em escravidão ou ser-


vidão, a escravidão e o tráfico de escravos serão
proibidos em todas as suas formas.
(...)
23. Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre
escolha de emprego, a condições justas e favo-
ráveis de trabalho e à proteção contra o desem-
prego.

27
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Nessa conjuntura, segundo o doutrinador Fernando Ca-


pez (2022, p. 164) o art. 8º do Pacto Internacional Sobre Direi-
tos Civis e Políticos e o art. 6º da Convenção Americana de
Direito Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) merecem
ênfase, pois abordam expressamente a proibição da escravi-
dão e da servidão, ratificados pelo Brasil através dos Decretos
Presidenciais n. 592/92 e 678/92, respectivamente.

Entretanto, apesar da existência de dispositivos norma-


tivos nacional e internacionalmente, os dados colacionados no
Portal de Inspeção do Trabalho do MTE revelam que 1.930
trabalhadores foram resgatados em condições análogas à es-
cravidão em 2021.

Estes números expressivos evidenciam a problemática


da escravidão como herança histórica do Brasil, demons-
trando que a erradicação desse ilícito penal ainda é uma rea-
lidade distante no país, a título de exemplo examinaremos
agora um caso concreto.

1.3 ESTUDO DE CASO DE MARGARIDA BONETTI E RENÊ


BONNETI

Em 8 de junho de 2022, a Folha de São Paulo lançou


um podcast chamado “A Mulher da Casa Abandonada”. O po-
dcast fez sucesso e o jornalista Chico Felitti narra a história de
uma mulher que mora em uma mansão em um dos bairros

28
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

mais ricos de São Paulo. Neste podcast, o jornalista descobre


que a mulher que se nomeia por “Mari”, na verdade, é Marga-
rida Bonetti, uma mulher que esconde uma acusação de ter
cometido um crime cruel nos Estados Unidos, há 20 anos.
O jornalista Chico Felitti explica que, Margarida Bonetti
e seu ex-marido, Renê Bonneti moravam no Brasil quando, no
fim da década de 1970, se mudaram para os Estados Unidos
levando a empregada. Eles mantiveram a empregada domés-
tica por 20 anos no país estrangeiro em condições análogas à
escravidão, além de mantê-la de forma ilegal.
No podcast da folha de São Paulo é relatado pela amiga
da vítima, que a empregada do casal trabalhava diariamente
em diversas funções da casa como lavar as janelas do lado de
dentro e do lado de fora da residência, tirava a neve da en-
trada, passeava com o cachorro, lavava os três carros, levava
o filho do casal na escola, lavava, passava, costurava roupas,
encerava o chão, até mesmo cimentava a calçada da casa.
Apesar de diversos deveres impostos à vítima, ela nunca se-
quer recebeu salário.
Ademais, neste podcast investigativo descreve que a
casa em que viviam era avaliada em US$ 250 mil (duzentos e
cinquenta mil dólares), havendo ao menos três quartos vazios
no imóvel, a empregada era obrigada a morar no porão, um

29
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ambiente sem janelas e nem banheiro. Ainda, a vítima era pro-


ibida de usar o chuveiro e a porta da geladeira e dos armários
da casa tinham cadeados para que ela não os usasse.
Desde o momento que chegaram aos Estados Unidos,
a amiga da vítima conta no podcast que Margarida abusava
fisicamente da empregada, às vezes diariamente, batendo na
vítima com o punho fechado e depois com um sapato. Em um
desses momentos de violências, a agressora não gostou do
preparo de uma sopa e jogou a sopa fervendo no rosto da ví-
tima. A empregada contou em outro momento que Margarida
chegou a arrancar partes do seu cabelo, o que causou san-
gramento, por não ter gostado da forma que a vítima estava
dando banho em seu cachorro.
De acordo com os depoimentos descritos no podcast,
os exploradores negavam atendimento médico à vítima. Em
uma ocasião, a empregada cortou-se com um vidro e devido
à negligência dos patrões, a ferida em decorrência do corte
infeccionou e após mais de um ano do ocorrido, a vítima foi
levada ao hospital e diagnosticada com osteomielite (uma in-
fecção óssea causada por bactérias), tendo que passar mais
de quatro dias internadas. Além disso, a empregada desenvol-
veu um tumor em seu abdômen do tamanho de um melão en-
quanto laborava na residência dos Bonetti’s, mesmo pedindo
que Renê levasse ao médico, ele se recusava.

30
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

O jornalista Chico Felitti conta por meio do depoimento


da colega da empregada, que a vítima somente recebeu o de-
vido atendimento médico quando o casal veio ao Brasil por al-
guns meses de férias. Nesse momento, a empregada que ti-
nha como sua única amiga uma vizinha que morava na mesma
rua, contou as violências, negligências e toda a situação de-
gradante que seus chefes a faziam passar. A empregada che-
gou a contar que não detinha em seu poder seus documentos,
como o passaporte e sequer sabia de sua idade. Não so-
mente, a vítima contou de seu estado de saúde para a vizinha
e foi então que começou a mobilização para que essa situação
chegasse ao conhecimento das autoridades. Então, o casal foi
investigado pelo Federal Bureau of Investigation (FBI), acusa-
dos de manter a empregada doméstica brasileira em situação
análoga à escravidão nos Estados Unidos.
Conforme edição do Jornal da Globo disponibilizado na
internet, em 14 de agosto de 2000, a corte de Greenbelt con-
siderou Renê culpado por manter sua empregada como es-
crava nos Estados Unidos, condenado a pena de 6 anos e 5
meses de prisão, além de uma indenização de US$ 110 mil
(cerca de cento e noventa e oito mil reais) à vítima pelos salá-
rios não pagos nos termos da legislação trabalhista norte-ame-
ricana.

31
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

No entanto, importa salientar que a Margarida não foi


presa e nem cumpriu pena pelos crimes que cometeu, ela foi
considerada foragida pelo FBI, ficando escondida na casa da
família no Brasil desde a denúncia até o presente momento.
Ademais, Margarida não poderia ser extraditada para os Esta-
dos Unidos em virtude dos tratados internacionais ratificados
pelo Brasil com outros países que vedam a extradição de bra-
sileiros. Apesar disso, ela poderia ter cumprido a pena imposta
no Brasil, porém não há conhecimento do porquê isso não
aconteceu.
Se a infração penal supracitada tivesse ocorrido em ter-
ritório brasileiro, o casal seria acusado do crime tipificado no
art. 149 do Código Penal, de reduzir alguém à condição aná-
loga à de escravo com uma pena de reclusão de dois a oito
anos, e multa, além da pena correspondente à violência. Além
disso, a pena poderia ser aumentada de metade se fosse co-
metida em razão de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou
origem.
A repercussão do podcast que conta a história do crime
refletiu de tal modo, que o Ministério Público informou que os
números de denúncias sobre trabalho análogo à escravidão
aumentaram. De acordo com o levantamento realizado pelo
Ministério Público do Trabalho foi contabilizado um aumento
mensal de 7 para 16 denúncias após a divulgação do podcast.

32
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Esse importante dado demonstra que muitas vítimas são en-


corajadas com a repercussão e debate de temas sensíveis às
suas vivências. Assim, demonstra-se que apesar da escravi-
dão ter sido abolida há 135 anos, ainda é um obstáculo a ser
superado pelo corpo social.

1.4 SANÇÕES APLICADAS AO CONDENADO PELA PRÁ-


TICA DESSE CRIME

As consequências da condenação do crime de trabalho


análogo à escravidão permeiam várias esferas além da crimi-
nal. O Código Penal Brasileiro ao tipificar a conduta delitiva,
previu a pena de reclusão de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa,
além da pena correspondente à violência cometida. É impor-
tante ressaltar que essa pena pode ser aumentada de metade,
se a infração penal é cometida em face de criança ou adoles-
cente, ou por motivo de discriminação em razão de raça, cor,
etnia, religião ou origem.
No entanto, as sanções aplicadas às empresas e em-
pregadores que submetem seus funcionários a este crime
também podem atingir a esfera patrimonial, cível e administra-
tiva. Desse modo, para exemplificar é possível citar a cha-
mada “lista suja” dos empregadores que foi criada por meio da

33
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Portaria Interministerial n.º 02, de 12 de maio de 2011, do Mi-


nistério do Trabalho e Emprego e da Secretaria de Direitos
Humanos da Presidência da República.
Essa lista é um cadastro de empregadores que se cons-
titui como uma das principais ferramentas de política pública
de combate ao trabalho escravo, a finalidade desse instru-
mento é dar transparência e publicidade aos casos de empre-
gadores que submeteram seus empregados ao trabalho aná-
logo à escravidão, organizando os casos de infrações existen-
tes. Cabe ressaltar que os infratores são cadastrados apenas
após a decisão administrativa, que condena o uso de mão de
obra em situações de redução ao trabalho semelhante à es-
cravidão.
Outrossim, o art. 14, inciso VI da nova Lei de Licitações,
n.º 14.133, dispõe que:

Art. 14. Não poderão disputar licitação ou partici-


par da execução de contrato, direta ou indireta-
mente:
(...)
VI - pessoa física ou jurídica que, nos 5 (cinco)
anos anteriores à divulgação do edital, tenha sido
condenada judicialmente, com trânsito em jul-
gado, por exploração de trabalho infantil, por
submissão de trabalhadores a condições análo-
gas às de escravo ou por contratação de adoles-
centes nos casos vedados pela legislação traba-
lhista.

34
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Essa sanção administrativa visa punir infratores que co-


metem esse delito, bem como uma medida que tem por obje-
tivo o combate ao trabalho análogo à escravidão. É importante
mencionar que existe um projeto de lei em andamento, de nº
789/2023, com o objetivo de alterar a Lei de Licitações e Con-
tratos para estabelecer um percentual mínimo de contratação
de empregados resgatados de condições análogas à escravi-
dão, essa medida visa dar uma nova chance para esses tra-
balhadores poderem laborar de forma digna e com respeitos
aos direitos trabalhistas.
Outrossim, aqueles que forem condenados com deci-
são transitada em julgada ou proferida por órgão judicial cole-
giado, desde o momento da condenação até o transcurso do
prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena pelo crime
de reduzir alguém à condição semelhante à de escravo estão
inelegíveis para concorrem para qualquer cargo eletivo nos
termos do art. 1º, inciso I, alínea “e”, 8 da Lei Complementar
nº 64.
Não obstante, no que se refere a destinação das propri-
edades em que configurou o crime, a Emenda Constitucional
n.º 81 de 2014, acrescentou a Constituição Federal Brasileira,
em seu art. 243, a determinação de que as propriedades rurais
e urbanas de qualquer região da Unidade da Federação onde

35
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

forem encontradas a exploração de trabalho escravo serão ob-


jeto de expropriação e destinadas à reforma agrária e a pro-
gramas de habitação popular, sem qualquer indenização ao
proprietário. Esse é mais um instrumento que tem a finalidade
de reprimir essa conduta infracional.

1.4.1 O TERMO DE AJUSTE DE CONDUTA E AS EM-


PRESAS

Destarte, apesar de todas essas providências com o fito


de amenizar essa grave violação aos direitos humanos, ainda
é comum serem vistas nas manchetes dos noticiários sobre
casos de trabalho semelhante ao escravo. À vista disso é es-
sencial a atuação conjunta de diferentes órgãos, como o Mi-
nistério Público do Trabalho, o Ministério do Trabalho e Em-
prego e da Polícia Federal para verificar se as leis trabalhistas
estão sendo cumpridas integralmente e, consequentemente,
combaterem o trabalho análogo à escravidão.
É imperioso destacar que nas situações onde há em-
pregados em condições análogas à escravidão sempre haverá
a intervenção do Ministério Público do Trabalho (MPT). O MPT
é o órgão responsável por fiscalizar a execução das leis traba-
lhistas, atuando na mediação entre a relação empregado e
empregador. A competência de promoção da ação civil pública

36
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

na Justiça do Trabalho para defender os direitos e interesses


coletivos cabe ao MPT. Neste sentido, a este órgão compete
a atuação judicial e também administrativa (extrajudicial) dos
conflitos.
Posto isto, um dos instrumentos extrajudiciais para so-
lucionar os conflitos que se referem aos interesses coletivos e
difusos é Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), por meio
dele é possível promover obrigações de fazer e não fazer, bem
como gerar indenizações por danos e multas diárias na hipó-
tese de descumprimento do acordado.
Registre-se que este instrumento encontra previsão no
art. 14, da Lei da Ação Civil Pública - LACP, que dispõe:

Art. 14. O Ministério Público do Trabalho poderá


firmar termo de ajuste de conduta, nos casos pre-
vistos em lei, com o responsável pela ameaça ou
lesão aos interesses ou direitos mencionados no
artigo 1º desta Resolução, visando à reparação
do dano, à adequação da conduta às exigências
legais ou normativas e, ainda, à compensação
e/ou à indenização pelos danos que não possam
ser reparados.
§ 1º A aferição do cumprimento do termo de
ajuste de conduta ocorrerá nos próprios autos do
procedimento preparatório ou do inquérito civil.
§ 2º O Ministério Público do Trabalho, se for o
caso, poderá deprecar a realização de diligên-
cias necessárias para a verificação do cumpri-
mento do TAC, enviando as cópias necessárias
à realização do ato requerido, as quais serão au-
tuadas no destino como carta precatória de
acompanhamento de TAC.

37
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Para além disso, o TAC pode ser definido como um ato


jurídico no qual o infrator reconhece que a sua atitude viola
direitos difusos ou coletivos e se responsabiliza de erradicar a
violação, adequando a sua conduta às exigências impostas
nos normativos legais.
Assim, o TAC é um meio indispensável de combate ao
trabalho escravo contemporâneo, sendo uma maneira mais
célere e econômica de correção da infração tendo em vista
haver o reconhecimento da irregularidade e a celebração de
medidas legais para que essa violação não venha mais ocor-
rer. É válido ressaltar que em caso de descumprimento das
medidas cabe ao MPT propor a Ação Civil Pública.
Para exemplificar é possível citar o TAC assinado em
março de 2023 pelas vinícolas Aurora, Garibaldi e Salton. Uma
ação em 22 de fevereiro de 2023 resgatou 207 empregados
que laboravam em situações desumanas de trabalho em
Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha. Dessa maneira, nos ter-
mos do Termo de Ajuste de Conduta, as vinícolas se compro-
meteram entre outras coisas a: i) obedecer aos princípios ético
na contratação de forma direta ou terceirizada os trabalhado-
res; ii) fiscalizar e garantir condições salubres nos alojamen-
tos; iii) não praticar ou participar de aliciamentos, de manter ou

38
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

admitir empregados através de meios que vão contra as legis-


lações trabalhistas; iv) fiscalizar as medidas de segurança e
saúde do trabalho adotadas pelas terceirizadas.

Ademais, consta em uma das cláusulas do TAC que o


descumprimento das medidas impostas gerará uma multa de
R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) por violação. Destarte, o
Termo de Ajuste de Conduta é uma ferramenta imprescindível
para que o trabalho escravo contemporâneo seja erradicado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando o estudo realizado, é possível asseverar


que apesar da problemática do trabalho análogo à escravidão
remontar aos primórdios da história de descoberta do Brasil,
demonstra-se imprescindível a abordagem da temática na
contemporaneidade, haja vista que os dados apontados du-
rante todo o trabalho, revelam que o trabalho escravo persiste
mesmo após tantos avanços em termos de direitos humanos
e legislação trabalhista.

Em que pese a existência popular do termo “trabalho


escravo”, o que o Código Penal Brasileiro pune é o trabalho
análogo ao de escravo, haja vista que a escravidão foi formal-

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

mente abolida em 1888. Assim, o trabalho análogo ao de es-


cravo pode ser cometido diversas formas, desde a restrição ao
direito de ir e vir a meios degradantes de trabalho, tendo em
vista que o crime é de ação múltipla, ou seja, pode ser carac-
terizado por qualquer modalidade descritas na tipificação pe-
nal.

O estudo de caso sobre Margarida Bonetti e Renê Bo-


netti exemplificam vividamente como a exploração do indiví-
duo transcende fronteiras temporais e geográficas. Ao analisar
as consequências da repercussão do caso estudado em 2022
no aumento de denúncias de trabalho doméstico, segundo o
Ministério Público do Trabalho, é possível perceber a urgência
de debates no corpo social sobre esse ciclo de exploração no
âmbito laboral.

Não obstante, este estudo descreve as sanções que


podem ser aplicadas às pessoas que cometem o delito tipifi-
cado no art. 149 do Código Penal. Os infratores podem sofrer
sanções que perpassam várias esferas, além da pena de re-
clusão de 02 (dois) a 8 (oito) anos e multa prevista no preceito
secundário do artigo supramencionado.

As medidas que visam punir os criminosos podem ser


de caráter judicial ou extrajudicial, podendo afetar seus direi-
tos políticos e a possibilidade de participar de licitação com a

40
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

administração pública.

O Termo de Ajuste de Conduta (TAC), demonstrado no


bojo do presente trabalho, revela-se como um relevante ins-
trumento no combate ao trabalho escravo na modernidade,
haja vista que é um meio onde o empregador reconhece que
sua forma de conduzir a relação de trabalho viola a legislação
trabalhista e se compromete a erradicar essas atitudes, ade-
quando as exigências dispostas no TAC.

É importante ressaltar que o TAC é indispensável para


atenuar os danos causados às vítimas de trabalho análogo ao
de escravo, por meio de indenizações e compensações.

Portanto, ao enfrentar essa realidade incômoda, somos


instados a refletir sobre nossas responsabilidades como corpo
social e como agir de maneira coordenada e correta para fiel
cumprimento das leis trabalhistas.

Desse modo, é crucial a adoção de estratégias multidis-


ciplinares e cooperativas que envolvam governos, organiza-
ções internacionais, ONGs, empresas e a sociedade civil
como um todo. Isso envolve o fortalecimento das leis de com-
bate à exploração laboral, aprimoramento dos controles de fis-
calização e educação pública sobre direitos trabalhistas.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

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46
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

2
A ADMISSIBILIDADE DE PROVAS ILÍCITAS NO
DIREITO PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO

THE ADMITTING ILLICIT EVIDENCE IN THE


BRAZILIAN CRIMINAL PROCEDURE

Guilherme Onofre Ferreira da Silva3


Arthur Braga de Souza4

SILVA, Guilherme Onofre Ferreira da. A admissibilidade de


provas ilícitas no direito processual penal brasileiro. 19
páginas. Trabalho de Conclusão de Curso de graduação em
Direito – Centro Universitário UNINORTE, Rio Branco. 2023.

3
Discente do 9º período do curso de bacharelado em Direito pelo Centro
Universitário Uninorte.
4
Graduado em Direito pelo Centro Universitário Uninorte. Pós-Graduado
em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes. Servidor
Público Federal do TRF da 1ª Região. Coordenador Adjunto e Professor
do Curso de Direito do Centro Universitário Uninorte.

47
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

RESUMO

O presente estudo explora a complexa questão da admissão


de provas ilícitas no contexto do processo penal brasileiro. Ini-
cia-se com uma análise conceitual abrangendo processo,
prova, direitos fundamentais e provas ilícitas, que estabelece
as bases para a discussão subsequente. Uma abordagem his-
tórica é empreendida, destacando o surgimento da necessi-
dade de limitação à prova após a Ditadura Militar de 1964.
Esse período desafiador da história brasileira evidenciou a im-
portância de equilibrar a busca por justiça com a proteção dos
direitos individuais dos cidadãos. O artigo aprofunda-se na
questão da admissão de provas ilícitas, explorando teorias que
oferecem contextos para sua possível aceitação no processo
penal. Teorias notáveis, como a teoria da árvore envenenada
e a teoria da mancha purgada, são discutidas em detalhes.
Elas destacam situações em que provas inicialmente tachadas
de ilícitas podem, sob certas circunstâncias, ser admitidas de-
vido a fatores como o interesse público, a proporcionalidade
ou o contexto de obtenção. O posicionamento de doutrinado-
res brasileiros sobre a admissão de provas ilícitas é explorado.
Emergem considerações importantes sobre o princípio da pro-
porcionalidade, que desempenha um papel crucial na avalia-
ção de quando provas ilícitas podem ser aceitas, sempre equi-
librando a busca pela verdade processual com os direitos fun-
damentais dos acusados.

Palavras-chave: provas ilícitas; processo penal; admissibili-


dade; direitos fundamentais; proporcionalidade.

48
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ABSTRACT

The present study explores the complex issue of admitting illicit


evidence in the context of the Brazilian criminal procedure. It
begins with a conceptual analysis encompassing process,
evidence, fundamental rights, and illicit evidence, which sets
the groundwork for subsequent discussion. A historical
approach is undertaken, highlighting the emergence of the
need to limit evidence after the 1964 Military Dictatorship. This
challenging period in Brazilian history underscored the
importance of balancing the pursuit of justice with the
protection of individual citizens' rights. The article delves into
the issue of admitting illicit evidence, exploring theories that
provide contexts for its possible acceptance in the criminal
procedure. Noteworthy theories, such as the poisoned tree
theory and the purged stain theory, are discussed in detail.
They highlight situations where evidence initially labeled as
illicit may, under certain circumstances, be admitted due to
factors such as public interest, proportionality, or the context of
acquisition. The position of Brazilian scholars on the admission
of illicit evidence is explored. Important considerations emerge
regarding the principle of proportionality, which plays a crucial
role in assessing when illicit evidence might be accepted,
always balancing the pursuit of procedural truth with the
fundamental rights of the accused.

Keywords: illicit evidence; criminal procedure; admissibility;


fundamental rights; proportionality.

49
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

INTRODUÇÃO

O presente trabalho enfatiza a relevância vital das evi-


dências probatórias no contexto de um procedimento judicial
justo e do princípio da presunção de inocência. A noção de
prova é aqui delineada como o meio mediante o qual se certi-
fica a verdade factual, sendo exaltada sua importância no con-
vencimento do magistrado e na busca pela verdade material.
Além disso, o texto explora como o sistema legal busca en-
contrar um equilíbrio entre o poder do Estado e os direitos dos
acusados, especialmente no contexto do processo penal.
É examinado o direito à prova, em estreita ligação com
o preceito da presunção de inocência e o princípio do contra-
ditório. Evidencia a necessidade de que a obtenção de ele-
mentos probatórios se paute pela licitude e pela observância
dos direitos fundamentais, respeitando o devido processo le-
gal. O texto também aborda o que são provas ilícitas, que são
aquelas obtidas de maneira imprópria. Diferentes teorias so-
bre se essas provas ilícitas devem ou não ser consideradas
em um tribunal são discutidas.
Explanam-se as abordagens da Teoria da Árvore Enve-
nenada, da Fonte Independente, da Descoberta Inevitável, da
Tinta Diluída e da Serendipidade como possíveis perspectivas
concernentes às provas de natureza ilícita. Além disso, o texto

50
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

explora a ideia de que, em algumas situações especiais, é


possível que provas ilícitas sejam usadas se forem a única
maneira de proteger os direitos fundamentais do acusado.
Sublinha-se, porém, que o enfoque de excepcionali-
dade não autoriza o indiscriminado emprego de evidências
probatórias ilícitas, demandando que cada situação seja ava-
liada individualmente. Ressalta-se, por fim, que a discussão é
complexa e que os tribunais superiores assumem um papel
preponderante na delineação da abordagem a ser adotada em
relação a esta temática.

2.1 CONCEITO, OBJETO E FINALIDADE DA PROVA

2.1.1 CONCEITO

É cônsono a todos da sociedade que a existência de


provas é imprescindível para a formação de um processo justo
e devido. Frases como “inocente até que se prove o contrário”
são um tanto óbvias para o homem médio.
O princípio da presunção de inocência foi estabelecido
ainda em 1789, no art. 9º da Declaração de Direitos do Homem
e do Cidadão, e reiterado pelo Pacto Internacional sobre Direi-
tos Civis e Políticos, promulgado no Brasil pelo Decreto nº 592,
de 6 de julho de 1992.

51
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

A nossa Constituição Federal concebe entendimento


ainda mais amplo, onde estabelece que ninguém poderá ser
considerado culpado antes de uma sentença penal condena-
tória transitada em julgado (Brasil, 1988).
Segundo Guilherme de Souza Nucci:

[...] o termo prova origina-se do latim – probatio –


, que significa ensaio, verificação, inspeção, [...]
confirmação. Dele deriva o verbo provar – pro-
bare - significando ensaiar, verificar, examinar,
reconhecer por experiência, aprovar, estar satis-
feito com algo, persuadir alguém a alguma coisa
ou –, significando ensaiar, verificar, examinar, re-
conhecer por experiência, demonstrar. (2023, p.
447)

Para Fernando Capez prova é “[...] todo e qualquer


meio de percepção empregado pelo homem com a finalidade
de comprovar a verdade de uma alegação” (2022, p.143).
Bentham é ainda mais claro ao dizer que a prova “[...]
entende-se como um fato supostamente verdadeiro que se
presume deva servir de motivo de credibilidade sobre a exis-
tência de outro fato” (1959 apud Nucci, 2018, p. 499). Silva
segue o mesmo percurso, entendendo que o termo vem “da
existência ou veracidade de um fato material [...], em virtude
da qual se conclui por sua existência do fato ou do ato de-
monstrado” (2003, p. 1125).
Percebemos então que prova é a existência de fatos

52
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

que atestam, demonstram, convencem da existência de algo.


É capaz de convencer ou demonstrar que o fato alegado é
verdadeiro, ou o inverso, demonstrar que o fato é falso. Assim,
é o meio que as partes utilizam para convencer o juiz da vera-
cidade do que alegam (Aranha, 2006).
Nucci complementa:

Quando se busca provar um fato juridicamente


relevante, na investigação ou no processo,
deve-se ter a noção de que a busca findará em
torno de algo supostamente verdadeiro (que te-
nha ocorrido na realidade), levando à presunção
de credibilidade em outro fato, juridicamente im-
portante para o feito. (2023, p.447)

Desse modo, a prova está relacionada ao convenci-


mento, de forma que, se forem convincentes, há alta chance
de que o fato alegado seja a verdade almejada.

2.1.2 OBJETO

Para Adalberto Aranha, o objeto da prova “é o fato a ser


demonstrado, isto é, todos os fatos sobre os quais versem a
ação penal e devam ser verificados” (2006).
Paulo Rangel diz que o objeto da prova “é a coisa, o
fato, o acontecimento que deve ser conhecido pelo juiz, a fim
de que possa emitir um juízo de valor” (2021, p. 461).

53
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Já Fernandes diz que o “objeto de prova refere-se a pro-


posições representativas do fato e não ao próprio fato, ou seja,
é equivocado afirmar que a prova destina-se a obter conheci-
mento sobre um fato [...]”, uma vez que o que se busca por
meio do processo é a veracidade ou falsidade de uma decla-
ração sobre o fato (2021).
Nereu José Giacomolli expõe seu entendimento:

O objeto da prova é representado pelas circuns-


tâncias e pelos fatos carreados ao processo, re-
ferentes à imputação, punibilidade e determina-
ção da pena ou da medida de segurança, inclu-
sive dos fatos referentes à inocência e contra-
prova fática da imputação (2016, p. 192)

Conclui-se, portanto, que o objeto da prova é intrínseco


aos fatos alegados pelas partes, em caráter objetivo (o próprio
fato) ou subjetivo (proposições representativas do fato).

2.1.3 FINALIDADE

Conhecendo o conceito e objeto de prova, fica claro a


sua finalidade - o convencimento do juiz (Rangel, 2021, p.
461).
Renato Marcão usa o termo “influenciar na convicção
do magistrado a respeito da existência ou inexistência de um

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

fato, ou alegação pertinente e relevante para o julgamento da


causa” (2023, p. 194).
Leandro Cadenas Prado acrescenta uma finalidade ao
pensamento dos demais doutrinadores: “embasar a decisão
da demanda perante a coletividade” (2009).
Nesse sentido, “pode-se dizer, assim, que a prova tem
como finalidade permitir que o julgador conheça os fatos sobre
os quais fará incidir o direito”, esse que é o principal objetivo
da fase de conhecimento: “iluminar o espírito do julgador e per-
mitir a ele exercer o poder jurisdicional” (Bonfim, 2019, p. 418)
Portanto, a prova, além de influenciar, persuadir ou con-
vencer o juiz em sua tomada de decisão, tem o intuito de dar
fundamento à decisão do juiz, para que assim a sociedade es-
teja a par das justificativas para o teor da sentença.
No ordenamento jurídico vigora o princípio da busca
pela verdade real; logo, é natural evitarmos qualquer limitação
à prova, a fim de evitar qualquer obstrução na justa aplicação
da lei (Capez, 2022).
Boschi diz:

No seu objetivo de realizar justiça, tentando che-


gar o mais próximo possível de denominada “ver-
dade real”, não existe limitação aos meios de
prova no processo penal, portanto, tudo o que lí-
cito, for idôneo será como prova, consagrando-
se, assim, o princípio da liberdade dos meios de

55
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

prova colocados à disposição dos sujeitos pro-


cessuais. (2008, p. 163)

Todos os recursos, diretos ou indiretos, usados para


chegar à verdade dos fatos em um processo são chamados
meios de provas (Nucci, 2023). São os instrumentos que esti-
mulam o julgador a formar conhecimento certo ou provável
acerca dos fatos. Capez define como “[...] tudo quanto possa
servir, direta ou indiretamente, à demonstração da verdade
que se busca no processo” (2022, p. 155).
O Código de Processo Civil estabelece:

Art. 369. As partes têm o direito de empregar to-


dos os meios legais, bem como os moralmente
legítimos, ainda que não especificados neste Có-
digo, para provar a verdade dos fatos em que se
funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente
na convicção do juiz (Brasil, 2015).

Resta claro a possibilidade de os meios de prova esta-


rem ou não estabelecidos por lei. Aqueles a qual a lei atribui
um nome - prova testemunhal, por exemplo - são chamados
de meios de provas nominados. Já aqueles que não têm de-
signação legal - como a inspeção judicial - são chamados
meios de prova inominados (Nucci, 2023).
Nesse prumo, observa-se que os meios de prova po-
dem ser aqueles trazidos por lei ou mesmo aqueles que forem
moralmente aceitos, ainda que não descritos pelo legislador

56
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

(Rangel, 2021).
No direito romano, sistema basilar do ordenamento ju-
rídico brasileiro, o magistrado analisava as provas a partir de
um método diferente do que é utilizado em nosso país: o cha-
mado sistema das regras legais ou da prova tarifada. Nele, o
juiz se vê limitado à determinação do legislador, que estatuíra
valores a cada tipo de prova; sendo então cumulativos os seus
“pontos” até um nível em que fosse bastante para condenação
do réu.
Paulo Rangel explica:

O sistema das regras legais ou da certeza moral


do legislador ou, ainda, chamado de prova tari-
fada, significa dizer que todas as provas têm seu
valor prefixado pela lei, não dando ao magistrado
liberdade para decidir naquele caso concreto, se
aquela prova era ou não comprovadora dos fa-
tos, objeto do caso penal (2021, p. 507).

Antônio Magalhães acrescenta: “Cada prova tinha o


seu valor previamente determinado, além do que somente a
combinação delas, resultando em uma certa quantidade de
prova, poderia autorizar a condenação criminal” (1997, p. 22
apud Rangel, 2021, p. 131).
No Brasil, o sistema adotado é o do livre convencimento
motivado, trazido pela redação do art. 155 do Código de Pro-
cesso Penal. In verbis:

57
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Art. 155 O juiz formará sua convicção pela livre


apreciação da prova produzida em contraditório
judicial, não podendo fundamentar sua decisão
exclusivamente nos elementos informativos co-
lhidos na investigação, ressalvadas as provas
cautelares, não repetíveis e antecipadas.
Parágrafo único. Somente quanto ao estado das
pessoas serão observadas as restrições estabe-
lecidas na lei civil (Brasil, 1941).

Avena aduz que este sistema permite ao juiz “valorar


com liberdade a prova coligida, sempre buscando aproximar-
se da verdade como os fatos realmente se passaram" (2022,
p. 22). Este sistema encontra fundamento na Constituição, em
seu art. 93:

IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Ju-


diciário serão públicos, e fundamentadas todas
as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei
limitar a presença, em determinados atos, às pró-
prias partes e a seus advogados, ou somente a
estes, em casos nos quais a preservação do di-
reito à intimidade do interessado no sigilo não
prejudique o interesse público à informação (Bra-
sil, 1988).

O juiz então possui liberdade autorizada para seu livre


convencimento sobre a causa, zelando por expor sua motiva-
ção fundamentada nos autos, a fim de convencer as partes e
a sociedade (Nucci, 2023).

58
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

2.2 CONCEITO E FINALIDADE DO PROCESSO

A palavra processo deriva de pro cedere, que significa


progredir, avançar, seguir em frente. O processo em sentido
jurídico é a sequência lógica e ordenada de atos que visam
corroborar com a decisão do magistrado (Rangel, 2021).
A verdade descoberta no processo é sempre relativa
(Nucci, 2023), pois o que é verdade para um indivíduo pode
não ser verdade para outro. Assim, o objetivo das partes du-
rante o processo é convencer o juiz de que sua verdade é a
correta, que os fatos ocorreram como foi contado por ela.
Com isso em mente, podemos definir o direito proces-
sual penal como o conjunto de normas e princípios que cercam
e estabelecem o processo.
O processo penal é visto como o instrumento usado
pelo Estado para exercer a justiça almejada. É onde o conflito
entre o jus puniendi do Estado se depara com o jus libertatis
do acusado (Marcão, 2021).
Norberto Avena define processo penal como “[...] ins-
trumento destinado à realização do jus puniendi do Estado e
cujo desenvolvimento será regido por um conjunto de normas,
preceitos e princípios que compõem o direito processual”
(2022, p.02).

59
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Em suma, processo penal é o meio pelo qual o Estado


se utiliza para exercer seu jus puniendi, através de uma se-
quência lógica e ordenada de atos que permitem que a parte
acusatória mostre ao Judiciário que um delito existiu e quem
foi seu autor, para que assim a melhor e mais justa sanção
possa ser atribuída ao delinquente.

2.3 CONCEITO E FINALIDADE DOS DIREITOS FUNDA-


MENTAIS

Há divergência entre os doutrinadores sobre qual seria


o conceito de direitos fundamentais, dada sua longeva exis-
tência e mutações no decorrer do tempo. Sylvio Motta então
analisa o tema sob duas perspectivas: material e formal.

A concepção material de direitos fundamentais é


extremamente variável no tempo e no espaço, ou
seja, altera-se profundamente conforme a socie-
dade dentro da qual o conceito seja formulado e
o momento histórico em que tal formulação seja
levada a cabo (2021, p. 211).

A perspectiva material dos direitos fundamentais se


mostra então bastante volátil, sofrendo alterações conforme o
tempo ou a localidade. É dependente da sociedade a que está
vinculada, onde o corpo social define os direitos de maior valia
e merecedores de maior proteção.

60
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Já a concepção formal versa sobre a previsão do direito


na Constituição Federal. Ou seja, aqueles que a Carta Magna
define como direito fundamental. Essa previsão pode se dar
em um tópico específico ou esparsamente em todo o bojo do
documento. Além dos que estiverem expressos, também po-
dem ser considerados direitos fundamentais aqueles que de-
rivam dos direitos previstos pela CF, sendo a eles equipara-
dos.
Reunindo essas duas acepções, podemos definir direi-
tos fundamentais como o conjunto de direitos que, em deter-
minado período histórico e em certa sociedade, são reputados
essenciais para seus membros, e assim são tratados pela
Constituição, com o que se tornam passíveis de serem exigi-
dos e exercitados, singular ou coletivamente.
A ideia de existência de direitos fundamentais é anterior
ao constitucionalismo, que apenas os elencou em um rol em
um documento escrito, advindo diretamente da vontade do
povo (Moraes, 2021).

2.4 O DEVIDO PROCESSO LEGAL

Conectando as ideias acerca do processo e de gozo e


proteção dos direitos fundamentais, é oportuno trazermos à
baila o princípio do devido processo legal.

61
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

A história do Brasil está intimamente ligada à evolução


do devido processo criminal, principalmente no que diz res-
peito à superação do regime ditatorial e à consolidação do Es-
tado Democrático de Direito. Durante o regime militar, que du-
rou de 1964 a 1985, houve graves violações aos direitos hu-
manos e às garantias individuais, incluindo práticas de tortura,
detenções arbitrárias, censura e perseguições políticas.
Com o início da redemocratização no Brasil na década
de 1980, o sistema legal e político do país passou por um pe-
ríodo de transição e mudanças. Bases sólidas para a proteção
dos direitos individuais e a garantia de um julgamento justo e
imparcial foram estabelecidas com a promulgação da Consti-
tuição Federal de 1988, também conhecida como “Constitui-
ção Cidadã”. O princípio do devido processo legal está dis-
posto expressamente em seu art. 5º, LIV: “ninguém será pri-
vado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo
legal” (Brasil, 1988).
Como princípio constitucional, o devido processo legal
é o conjunto de garantias de ordem constitucional que asse-
gura às partes o poder de exercer suas faculdades e poderes
relativos ao processo, bem como também legitimam a função
jurisdicional (Cintra, Grinover e Dinamarco, 2006, p. 88).
Para Barroso (2008), é o princípio constitucional mais
importante, uma vez que dele decorrem todos os outros, o

62
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

qual também “reflete em uma dupla proteção ao sujeito, no


âmbito material e formal, de forma que o indivíduo receba ins-
trumentos para atuar com paridade de condições com o Es-
tado-persecutor”.
Giacomolli nos lembra que, “diante da imputação crimi-
nal, o CPP e as leis especiais estabelecem ser a defesa téc-
nica um ato processual obrigatório” (2016, p. 138).
Dessa forma, entendemos que o princípio do devido
processo legal é norma positiva que ajuda a interpretar corre-
tamente outras normas separadas, determinando condutas
obrigatórias ou, no mínimo, impedindo adoção de comporta-
mentos incompatíveis com ele.

2.4.1 A PROVA LÍCITA COMO DIREITO FUNDAMENTAL

O direito à prova, por sua vez, é trazido também como


um direito fundamental por desempenhar papel importante na
busca pela verdade, na proteção dos direitos do acusado e na
promoção de um julgamento justo e imparcial. O exposto no
bojo da Constituição é o seguinte: “Art. 5º, LV - aos litigantes,
em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em ge-
ral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os
meios e recursos a ela inerentes” (Brasil, 1988). Essa garantia
abrange o direito de produzir e apresentar provas, bem como

63
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

o direito de impugnar as provas produzidas pela parte contrá-


ria.
No processo criminal, o direito à prova está intrinseca-
mente ligado à presunção de inocência, que é o princípio fun-
damental que garante que todos os acusados são considera-
dos inocentes até que se prove que sua culpa é incontestável.
O direito à prova permite que os acusados demonstrem sua
inocência ou coloquem em dúvida a acusação do Ministério
Público.
Além disso, o direito à prova também está relacionado
ao princípio do contraditório, que diz que todas as partes de-
vem ter a mesma quantidade de oportunidades para apresen-
tar e demonstrar suas ideias e evidências, bem como confron-
tar as evidências da outra parte. A ampla defesa, que inclui o
direito à prova, dá ao acusado a capacidade de buscar provas
que possam contestar e refutar a acusação.
Sabendo disso, parece lógico observar a necessidade
de respeitar os limites legais e constitucionais para produção
e admissibilidade das provas. A obtenção de provas deve en-
tão ocorrer de forma lícita, observando os direitos e garantias
fundamentais dos envolvidos no processo. O conteúdo proba-
tório obtido mediante violação de direitos, coação, tortura ou

64
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

qualquer forma de abuso não podem ser admitidas, pois vio-


lam os princípios do devido processo legal e a dignidade da
pessoa humana.

2.5 PROVAS ILÍCITAS: ILEGAIS E ILEGÍTIMAS

Cabe então falarmos sobre aquelas que não podem,


segundo os textos legais, serem admitidas no processo penal
brasileiro. Tema esse que é o ponto-chave de nosso estudo.
É oportuno então conceituar o ilícito, segundo entendi-
mento de Nucci:

O conceito de ilícito advém do latim (illicitus = il +


licitus), possuindo dois sentidos: a) sob o signifi-
cado restrito, quer dizer o proibido por lei; b) sob
o prisma amplo, tem, também, o sentido de ser
contrário à moral, aos bons costumes e aos prin-
cípios gerais de direito. Constitucionalmente,
preferimos o entendimento amplo do termo ilícito
(2023, p. 80).

O caput do art. 157 do Código de Processo Penal assim


estabelece: “São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas
do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas
em violação a normas constitucionais ou legais” (Brasil, 1941).
Desse modo, seguiremos a linha de pensamento de
Nucci, que trata o termo “ilícito” como gênero e “ilegal” e “ile-
gitimo” como suas espécies:

65
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

O gênero é a ilicitude – assim em direito penal,


quanto nas demais disciplinas, inclusive porque
foi o termo utilizado na Constituição Federal –
significando o que é contrário ao ordenamento ju-
rídico, contrário ao Direito de um modo geral, que
envolve tanto o ilegal, quanto o ilegítimo, isto é,
tanto a infringência às normas legalmente produ-
zidas, de direito material e processual, quanto
aos princípios gerais de direito, aos bons costu-
mes e à moral (2023, p. 80).

A prova ilícita ilegal seria então aquela obtida mediante


violação de norma constitucional ou legal. Ou seja, a prova
que passou a existir por conta de uma violação ao direito ma-
terial.
Para Capez (2022) “quando a prova for vedada, em vir-
tude de ter sido produzida com afronta a normas de direito ma-
terial, será chamada de ilícita”.
Gomes (2005) aduz que “provas ilícitas, por força da
nova redação dada ao art. 157 do CPP, são as obtidas em
violação a normas constitucionais ou legais”.
As provas ilícitas possuem duas formas de conceitua-
ção - forma ampla e forma genérica. Pela forma ampla, as pro-
vas ilícitas são as que vão em conflito com o ordenamento ju-
rídico. Por sua vez, pela forma genérica as provas ilícitas são
as provas defesas, proibidas, que se dividem em provas ilícitas
propriamente ditas (as quais nos referimos aqui como ilegais)
e provas ilegítimas (Prado, 2009).

66
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Dessa forma se faz oportuno passarmos à conceitua-


ção das provas ilegítimas.
Nos escritos de Capez, a prova é chamada de ilegítima
quando viola regra de natureza processual (2022).
Vemos que “prova ilegítima é a que viola regra de direito
processual no momento de sua obtenção em juízo (ou seja:
no momento em que é produzida no processo)” (Gomes,
2005).
Assim, diferenciando-as, temos por prova ilegal aquela
que atenta contra normas constitucionais ou legais, as de na-
tureza material. As provas ilegítimas, por sua vez, são aquelas
que transgridem preceitos processuais, ou seja, no decorrer
do processo.
Há outra diferença entre as provas, que diz respeito às
suas consequências em relação a sua produção. Segundo
Prado, quando houver prova ilegítima “haverá sanção prevista
na própria lei processual, podendo ser decretada a nulidade
da mesma, é dizer, seu regime jurídico é tratado através da
Teoria das Nulidades”. Por sua vez, a produção da prova ilí-
cita, “que são aquelas produzidas externamente (ao pro-
cesso), possui sanções específicas previstas no direito mate-
rial” (2009).
Feitas as suas conceituações e diferenciação, é apro-

67
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

priado comentarmos sobre algumas teorias aplicadas às pro-


vas ilícitas.

2.5.1 TEORIA DA ÁRVORE ENVENENADA

A teoria que surgiu nos Estados Unidos, no início do


século XX, versa que a prova derivada de uma prova ilícita
também é ilícita. Ou seja, a prova obtida por meios ilícitos con-
tamina todas aquelas outras que dela derivarem. São as cha-
madas provas ilícitas por derivação.
O nome dado ao pensamento não poderia ser mais di-
dático, pois ilustra muito bem o que ele quer dizer. A árvore
seria aqui a prova obtida mediante lesão à norma constitucio-
nal ou legal, e seus frutos seriam todas as provas que dela
nasceram.
Esse entendimento foi abraçado pelo ordenamento ju-
rídico brasileiro e consagrado no §1º do artigo 157 do Código
de Processo Penal, o qual versa que “são também inadmissí-
veis as provas derivadas das ilícitas [...]” (Brasil, 1941).
Norberto Avena descreve as provas ilícitas como aque-
las que “embora lícitas na própria essência, decorrem exclusi-
vamente de outra prova, considerada ilícita, ou de uma situa-
ção de ilegalidade, restando, portanto, contaminadas” (2022,
p. 455).

68
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Prado (2009) a conceitua como “prova lícita em si


mesma, mas cuja produção decorreu ou derivou de outra
prova tida por ilícita”.
Avolio esclarece ainda mais quando diz que a prova ilí-
cita por derivação “concerne às hipóteses em que a prova foi
obtida de forma lícita, mas a partir da informação extraída de
uma prova obtida por meio ilícito”. Dessa forma, qualquer
prova que surja a partir de uma prova ilícita é consequente-
mente considerada ilícita por derivação (2003).
Fernando Capez exemplifica:
É o caso da confissão extorquida mediante tor-
tura, que venha a fornecer informações corretas
a respeito do lugar onde se encontra o produto
do crime, propiciando a sua regular apreensão.
Esta última prova, a despeito de ser regular, es-
taria contaminada pelo vício na origem (2022, p.
144).

Para essa teoria existem algumas exceções, as quais


veremos a seguir.
2.5.2 TEORIA DA FONTE INDEPENDENTE

A teoria da fonte independente está também presente


no §1º do artigo 157 do CPP, parte final: “São também inad-
missíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não
evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou

69
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte inde-


pendente das primeiras” (Brasil, 1941).
O §2º do mesmo artigo traz em si a definição: “Consi-
dera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os
trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instru-
ção criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova”
(Brasil, 1941).
Paulo Rangel traz em sua definição que:

[...] fonte independe de prova (FIP) é o que até


então a jurisprudência chamava de prova abso-
lutamente independe (PAI), ou seja, aquela que
não tem conexidade nenhuma com a prova ilí-
cita, e que, independentemente da ilícita, nós
chegaríamos nela pelos atos normais de investi-
gação. Ela é alcançada pela atividade contínua
do estado, durante a persecução penal. (2021, p.
480)

Avena explana que, na fonte independente, o que acon-


tece é o fim da relação de exclusividade que existia entre a
prova ilícita anterior e a que dela adveio, uma vez que surgiu
uma nova prova posterior (2022).
Nucci é esclarecedor ao utilizar exemplo prático:

Imagine-se que, por escuta clandestina, logo ile-


gal, obtém-se a localização de um documento in-
criminador em relação ao indiciado. Ocorre que,
uma testemunha, depondo regularmente, tam-
bém indicou à polícia o lugar onde se encontrava

70
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

o referido documento. Na verdade, se esse do-


cumento fosse apreendido unicamente pela in-
formação surgida da escuta, seria prova ilícita
por derivação e inadmissível no processo. Po-
rém, tendo em vista que ele teve fonte indepen-
dente, vale dizer, seria encontrado do mesmo
modo, mesmo que a escuta não tivesse sido
feita, pode ser acolhido como prova lícita (2023).

Portanto, se a prova é obtida por meio lícito, alheio


àquele a qual derivou ilicitamente, deverá ser admitida como
lícita, uma vez que surgiu de fonte independente ao fato ma-
culado.

2.5.3 TEORIA DA DESCOBERTA INEVITÁVEL

Por sua vez, a teoria da descoberta inevitável traz con-


sigo o entendimento de que a prova poderá ser admitida se for
atestado que ela seria inevitavelmente descoberta por via le-
gal.
Fernando Capez aduz que, nessa situação, a prova que
adveio da ilícita seria inevitavelmente obtida de qualquer
modo. Além disso, considera como “fonte independente a des-
coberta inevitável” (2022).
Avena mais uma vez é muito elucidativa ao exemplifi-
car:

71
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Outro exemplo ilustrado pela doutrina é o da


busca ilegal realizada pela autoridade policial na
residência do suspeito, resultando da diligência a
apreensão de documentos que o incriminam.
Ora, tais documentos, na medida em que surgi-
ram a partir de uma ilegalidade, constituem prova
ilícita por derivação. Considere-se, porém, que
se venha a constatar que já existia mandado de
busca para o local, mandado este que se encon-
trava em poder de outro delegado de polícia, o
qual, no momento da diligência ilegal, estava se
deslocando para a casa do investigado. Neste
caso, considerando a evidência de que os mes-
mos documentos obtidos ilegalmente seriam ine-
vitavelmente descobertos e apreendidos por
meios legais, afasta-se a ilicitude derivada, po-
dendo ser aproveitada a prova resultante da-
quela primeira apreensão. (2022, p. 456)

2.5.4 TEORIA DA TINTA DILUÍDA

Também conhecida como teoria da mancha purgada ou


do nexo causal atenuado, acontece quando um fato posterior
elide a ilicitude inicial. Ou seja, mesmo estando a prova obtida
contaminada pela ilicitude, um fato posterior expurga, dilui
essa mancha e permite sua utilização.
Aqui há nexo de causalidade entre a prova ilícita e a
prova de pretendida utilização, porém o fato posterior atenua,
expurga esse nexo.
Avena explica:

Na contaminação expurgada, ao contrário da


fonte independente, não ocorre o surgimento de

72
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

nova prova capaz de promover a descontamina-


ção. O que ocorre, enfim, é atenuação ou elisão
da ilicitude por derivação em razão de aconteci-
mento posterior consistente, ou na renovação lí-
cita da mesma prova, ou na legalização da situa-
ção que havia ocasionado a ilicitude da prova an-
terior (2022, p. 445).

2.5.5 SERENDIPIDADE

A serendipidade ou encontro fortuito de provas, como


também é chamada, se aplica às hipóteses onde, ao cumprir
diligência relativa a um crime, o policial fortuitamente encontra
provas concernentes a outro delito, o qual não estava previsto
no itinerário da investigação.
Paulo Rangel explica que, uma vez que tenha sido des-
coberta uma nova prova durante atividade investigatória auto-
rizada por ordem judicial, havendo ou não nexo causal com o
crime ora investigado, poderá ser aproveitada ainda que ob-
tida após sacramento da finalidade do mandado judicial (2021,
p. 148).
À exemplo, a situação explanada por Renato Marcão:

Imagine-se situação em que, autorizada judicial-


mente interceptação telefônica com vistas a in-
vestigar crime de tráfico de drogas, durante as
conversações gravadas e em razão delas se
descobre a prática de outros delitos. Muito em-
bora a medida excepcional tenha sido autorizada

73
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

com a finalidade de apurar crime determinado,


não há razão lógica ou jurídica para desprezar a
prova relativa a delito diverso (2023, p. 264).

Dessa forma, serendipidade é a descoberta inesperada


de evidências ou informações relevantes para outro caso
alheio ao originário durante investigações criminais.

2.6 DA POSSIBILIDADE DE ADMISSÃO DAS PROVAS ILÍ-


CITAS

Após conhecimento dos assuntos supracomentados,


conseguiremos entrar de forma mais descomplicada no
âmago deste estudo.
Sendo as provas ilícitas aquelas que ferem as normas
estatuídas em nossa Constituição ou na legislação vigente
(material ou processual), revestindo-se de linha tênue no que
envolve os direitos fundamentais do cidadão e o devido pro-
cesso legal, poderiam então ser admitidas por nosso ordena-
mento jurídico em alguma hipótese?
Há sim posicionamentos divergentes entre os doutrina-
dores pátrios, mas nossos Supremos Tribunais não têm dei-
xado confundir seu molde de decidir sobre o assunto.
2.6.1 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E A ADMIS-
SÃO DA PROVA ILÍCITA PRO REO

74
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

A Constituição Federal, assim como traz no inciso


LXXV do art. 5º, preceitua que deve-se evitar ao máximo o erro
judiciário (Brasil, 1988). No mesmo teor, o âmbito processual
de nosso ordenamento está sempre preconizando a busca da
verdade real. Nesse prumo, o princípio da proporcionalidade
surge como moderador no embate admissão x inadmissão.
A aplicação do princípio da proporcionalidade não é
algo que fuja da rotina no mundo jurídico. Ele está no direito
romano, no direito americano – como princípio da razoabili-
dade – e até mesmo pode ser visto na ideia de um dos símbo-
los do direito: a balança segurada pela deusa Themis.
Celso Ribeiro Bastos (1993, p. 276) aduz que o Estado
“deve ceder naquelas hipóteses que a sua observância intran-
sigente levaria a lesão de um direito fundamental ainda mais
valorado”.
Fernando Capez demonstra que a vedação legislativa
à produção de provas ilícitas não poderá afastar a aplicação
do princípio da proporcionalidade, “admitindo-se a prova ilícita
sempre que estiverem em jogo interesses de extrema magni-
tude para o cidadão, como a vida, a liberdade ou a segurança.”
(2022, p. 147)
Desse modo, tendo por certo que nenhum direito cons-
titucional é absoluto, observando-se a existência do conflito
entre direitos fundamentais, o entendimento é o de que será

75
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

sim possível a admissão da prova ilícita, desde que produzida


pela defesa.
Renato Marcão explana que “tal permissão deve levar
em conta a situação do caso concreto, de modo que só deverá
ser acolhida e valorada a prova ilícita quando o acusado não
dispuser de meios lícitos para demonstrar sua inocência.”
(2023, p. 265)
Norberto Avena estabelece que a função do princípio
da proporcionalidade aqui então é analisar, diante da "colisão
de direitos fundamentais, qual é o que deve, efetivamente, ser
protegido pelo Estado.” (2022, p. 457)
Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Fi-
lho e Antonio Scarance Fernandes ilustram ainda que quando
o próprio réu obtém provas por meios ilícitos visando lutar con-
tra sua condenação, está na verdade agindo em legítima de-
fesa (2004).
Quando para defender o réu, a prova ainda que obtida
de forma ilícita deverá então ser admitida, uma vez que, como
já mencionado, a Constituição busca fortemente prevenir-se
contra o erro judiciário, a fim de não punir injustamente o acu-
sado através da privação de sua liberdade.
Ada Pelegrini Grinover acrescenta:

76
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Aliás, não deixa de ser em última análise, mani-


festação do princípio da proporcionalidade, a po-
sição praticamente unânime que reconhece a
possibilidade de utilização, no processo penal,
da prova favorável ao acusado ainda que colhida
com infringência a direitos fundamentais seus ou
de terceiros (2001, p. 136)

Torquato Avolio também esclarece:

A aplicação do princípio da proporcionalidade


sob a ótica do direito de defesa, também garan-
tido constitucionalmente, e de forma prioritária no
processo penal, onde impera o princípio do favor
rei, é de aceitação praticamente unânime pela
doutrina e jurisprudência (2003, p. 66)

Fernando Capez (2022, p. 147) diz ainda que essa pro-


ibição legal não poderá afastar a aplicação do princípio da pro-
porcionalidade, admitindo-se a prova ilícita quando estiverem
ante ela direitos como a vida, a liberdade ou a segurança.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na derradeira análise, este estudo se propôs a investi-


gar a questão concernente à admissibilidade de provas ilícitas
no âmbito do processo penal brasileiro. Ao longo da investiga-

77
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ção, foram abordados os limites impostos à produção proba-


tória, bem como as circunstâncias em que, mesmo na pre-
sença de contaminação, tais provas poderiam ser admitidas.
Considerando o trazido pelo estudo, emergiu de ma-
neira proeminente a figura do princípio da proporcionalidade
como um meio capaz de arquitetar soluções para a questão
em debate. Esse princípio, com sua natureza flexível e adap-
tável, parece trilhar um caminho de equilíbrio entre a garantia
dos direitos individuais e a busca pela verdade processual. No
entanto, não se pode subestimar a complexidade que envolve
sua aplicação, uma vez que demanda análises e reflexões
mais aprofundadas.
Ante o exposto, considerando a natureza dinâmica da
jurisprudência e a constante evolução do direito processual
penal, é importante que este estudo seja apenas um ponto de
partida. Futuras investigações e análises minuciosas certa-
mente lançarão luz sobre as intricadas sutilezas desse cená-
rio, contribuindo para um arcabouço jurídico que proporcione
uma justiça equitativa e uma aplicação consistente e susten-
tável do princípio da proporcionalidade.

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81
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

3
ANÁLISE DO PROJETO PACIFICAR DA POLÍCIA CIVIL
DO ESTADO DO ACRE

ANÁLISIS DEL PROYECTO PACIFICAR DE LA


POLICÍA CIVIL DEL ESTADO DE ACRE

Daniel Miranda Rocha Guimarães 5


Arthur Braga de Souza6

GUIMARÃES, Daniel Miranda Rocha. Análise do projeto Pa-


cificar da polícia civil do Estado do Acre. Trabalho de Con-
clusão de Curso de Graduação em Direito - Centro Universitá-
rio UNINORTE, Rio Branco. 2023.

5
Discente do 9º período do curso de bacharelado em Direito pelo Centro
Universitário Uninorte.
6
Docente do Centro Universitário Uninorte. Graduado em Direito pelo Cen-
tro Universitário Uninorte. Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela
Universidade Cândido Mendes. Servidor Público Federal do TRF da 1ª Re-
gião.

82
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

RESUMO

O presente artigo dedica-se ao Núcleo de Segurança Comu-


nitária e Pacificação Social – Pacificar da Polícia Civil do Es-
tado do Acre, buscando trazer uma análise técnica e funda-
mentalmente demonstrar sua importância para o Judiciário
Brasileiro com ênfase no desafogamento das entidades judici-
árias. Diante desse contexto, foi iniciado o estudo conside-
rando a importância da conciliação e mediação de conflitos
ainda no âmbito das Delegacias de Polícia e os efeitos que
essas trazem sobre a comunidade, aumentando a confiança
na relação polícia e sociedade, ocasionando na clara diminui-
ção de processos encaminhados ao Juizado Especial Criminal
- JECRIM. Durante o estudo realizado, através de embasa-
mento teórico produziu-se uma análise acerca dos reflexos do
trabalho do Núcleo de Segurança Comunitária e Pacificação
Social – Pacificar no ambiente policial, na comunidade e no
âmbito dos Juizado Especial Criminal - JECRIM, pela sua
forma de viabilizar a resolução de conflitos por meios consen-
suais. Sendo assim, através do trabalho realizado pelo Pacifi-
car importantes mudanças na Polícia Civil do Estado do Acre
ocorreram, dentre elas exalta-se a constituição de audiências
de conciliação e mediação ainda no ambiente policial, objeti-
vando diminuir a quantidade de Boletins de Ocorrências (BO)
que viriam a se tornar demandas judiciais, diminuindo assim a
demanda no Juizado Especial Criminal - JECRIM e benefici-
ando todas as partes do processo, sendo a ação célere, me-
nos onerosa e de resolução rápida. Por fim, é notório que o
trabalho realizado pelo Pacificar incentiva as partes a busca-
rem soluções consensuais para seus conflitos antes mesmo
de recorrerem ao Poder Judiciário.

Palavras-chaves: conciliação; mediação; conflitos; Pacificar;


JECRIM.

83
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

RESUMEN

Este artículo está dedicado al Núcleo de Seguridad Comunita-


ria y Pacificación Social - Pacificar de la Policía Civil del Estado
de Acre, buscando traer un análisis técnico y demostrar fun-
damentalmente su importancia para el Poder Judicial brasi-
leño, con énfasis en el alivio de las entidades judiciales. En
este contexto, el estudio empezó considerando la importancia
de conciliar y mediar conflictos en el ámbito de las Comisarías
y los efectos que estos traen a la comunidad, aumentando la
confianza en la relación entre la policía y la sociedad, resul-
tando en una disminución en el número de casos remitidos al
Juizado Especial Criminal - JECRIM. Durante el estudio reali-
zado, a través de una base teórica, se produjo un análisis
acerca de los reflejos del trabajo del Núcleo de Seguridad Co-
munitaria y Pacificación Social - Pacificar en el ámbito policial,
en la comunidad y en el ámbito del Juizado Especial Criminal
- JECRIM, por su forma de posibilitar la resolución de conflic-
tos por vías consensuadas. Así, a través del trabajo realizado
por Pacificar, se produjeron cambios importantes en la Policía
Civil del Estado de Acre, entre ellos la instalación de audien-
cias de conciliación y mediación aún en el ámbito policial, con
el objetivo de reducir el número de los Boletim de Ocurrencia
(BO) que se convertirían en exigencias legales, reduciendo así
la demanda ante el Juizado Especial Criminal - JECRIM y be-
neficiando a todas las partes del proceso, siendo la acción ágil,
menos costosa y de rápida resolución. Por fin, queda claro que
el trabajo realizado por Pacificar incentiva a las partes a buscar
soluciones consensuadas a sus conflictos incluso antes de re-
currir al Poder Judicial.

Palabras clave: conciliación; mediación; conflictos; Pacificar;


JECRIM.

84
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

INTRODUÇÃO

Este estudo tem por objetivo realizar a análise do Pro-


jeto Pacificar da Polícia Civil do Estado do Acre, bem como
sua importância para o trabalho de uma polícia mais cidadã na
busca de auxiliar as partes na resolução de conflitos. Ademais,
o trabalho realizado pelo Núcleo de Segurança Comunitária e
Pacificação Social - Pacificar tem se provado bastante eficaz,
acelerando o procedimento de resolução de conflito, reali-
zando audiência de mediação ou conciliação ainda no ambi-
ente policial, sendo assim, diminuindo em larga escala a quan-
tidade de demandas que seriam encaminhadas para o Juizado
Especial Criminal - JECRIM.
Este trabalho tem como objetivo analisar a criação do
Pacificar, bem como sua atuação estratégica dentro das Dele-
gacias de Polícia e sua importância para as demandas que
atualmente vem afogando o ordenamento jurídico brasileiro, a
fim de discorrer sobre sua origem, mudanças quanto ao pro-
cedimento, suas principais contribuições, e ainda sua relação
com a comunidade, promovendo uma polícia cidadã.
Objetivando abordar a problemática sobre a realização
da mediação e conciliação no ambiente policial, com o propó-
sito de responder tal questão, foi feita extensa pesquisa bibli-
ográfica acerca do tema abordado, buscando entender aspec-
tos históricos, legais e práticos relacionados à implementação

85
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

da prática de mediação e conciliação no ambiente policial e


como o Pacificar poderia realizar essa aplicação e os reflexos
causados por essa prática no JECRIM e na comunidade,
sendo esses negativos ou positivos.

É notório para os membros do judiciário brasileiro que


existe uma grande demanda e esse problema só aumenta
quando pensamos no ambiente policial, muitas vezes são tan-
tas demandas que casos são esquecidos ou até mesmo per-
didos em meio à papelada. Com o advento do Pacificar, essa
problemática foi controlada, e em algumas delegacias do Es-
tado do Acre foi até mesmo resolvida, sendo assim, o Pacificar
vem como um divisor de águas, acelerando e diminuindo às
custas do processo para o Estado e para o cidadão.

Dessa forma, o presente artigo pretende contribuir para


o debate acerca da criação do Pacificar, de sua metodologia
de trabalho e seus reflexos no judiciário brasileiro, de forma
qualitativa, analisando as principais mudanças no procedi-
mento processual decorrentes dessa inovação. O público-alvo
deste artigo são operadores do Direito, Agentes de polícia e
Escrivães de polícia, para que estes disseminem para a comu-
nidade as novas possibilidades de resolução de conflitos por
meios alternativos.

86
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

3.1 MEDIAÇÃO

A mediação é um processo alternativo de resolução de


conflitos que visa encontrar uma solução aceitável para as par-
tes envolvidas, com a ajuda de um terceiro imparcial, conhe-
cido como mediador. Em vez de depender de uma decisão im-
posta por um juiz ou árbitro, a mediação permite que as partes
tenham um papel ativo na busca de uma solução que atenda
aos seus interesses e necessidades.
Sendo assim:

A mediação consiste no meio consensual de


abordagem de controvérsias em que um terceiro
imparcial atua para facilitar a comunicação entre
os envolvidos para proporcionar que eles pos-
sam, a partir da percepção ampliada dos mean-
dros da situação controvertida, protagonizar saí-
das produtivas para os impasses que os envol-
vem. (Tartuce, 2020, p. 198)

Vemos que partindo do dicionário, mediação seria “o


processo pacífico de acerto de conflitos no qual a solução é
sugerida e não imposta às partes interessadas” (Ferreira,
2014). Ou, ainda, conforme o Grande Dicionário Larousse Cul-
tural da Língua Portuguesa (2016): “mediação indica o ato ou
efeito de mediar, representando a intercessão, a intervenção,
o intermédio e a interposição”.

87
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Em uma delegacia de polícia, a mediação pode ser


usada para resolver conflitos relacionados a questões crimi-
nais ou de segurança pública, mais especificamente os crimes
de menor potencial ofensivo, crimes estes que estão tipificados
pela lei 9.099/95. A própria lei nos auxilia na definição do que
seriam os delitos de menor potencial ofensivo, segundo o art.
61, da Lei 11.313/2006: “Art. 61. Consideram-se infrações pe-
nais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as
contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena má-
xima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com
multa.”
Os crimes que podem ser mediados são aqueles que
não envolvem emprego de violência ou grave ameaça, ou co-
erção. Isso inclui, por exemplo, crimes de danos materiais, pe-
quenos furtos, fraudes, difamação e calúnia, entre outros.
A mediação não é adequada para crimes graves, como
homicídio, estupro, sequestro, terrorismo, tráfico de drogas,
entre outros. Isso ocorre porque esses crimes geralmente en-
volvem vítimas traumatizadas e graves danos psicológicos, fí-
sicos ou financeiros, e requerem uma resposta mais firme do
sistema de justiça penal. Além disso, a mediação poderia co-
locar a vítima em risco de sofrer coerção ou intimidação por
parte do acusado, ou de terceiros.

88
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

É notável que apenas os crimes menos graves e que


não envolvem violência ou coerção podem ser mediados. Ob-
servando que a mediação poderá ser aplicada a crimes de me-
nor potencial ofensivo por ser mais adequada para conflitos em
que as partes envolvidas podem chegar a um acordo voluntá-
rio. Diante de tal panorama, o desenvolvimento dessas ações
tem como objetivos a prevenção e a manutenção das relações
sociais desenvolvidas na comunidade, evitando assim, que cri-
mes com maior grau de violência sejam praticados por mem-
bros daquele nicho ou que crimes mais leves evoluam para
crimes graves, podendo assim, minar a comunidade a tor-
nando mais perigosa.
Nessa mesma linha de pensamento, Souza e Gama
(2016, p.15) destacam que “Se não houver uma interferência
ativa, de prevenção e um maior cuidado dos órgãos de segu-
rança pública na resposta às infrações penais de menor poten-
cial ofensivo, estas poderão se propagar e intensificar, susci-
tando outras formas de violência.”
Ainda nessa acepção de Souza e Gama, salientam o
seguinte:

Os crimes de menor potencial ofensivo são tipos


penais desestruturadores das relações interpes-
soais e perfazem vultuoso percentual das deman-
das que chegam às delegacias de polícia, sendo
exemplificadas pelos crimes de injúria, difama-
ção, calúnia, lesão corporal, dano ao patrimônio,

89
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ameaça, dentre inúmeros outros capazes de


acarretarem graves danos quando não são objeto
de um tratamento adequado pelas instituições de
controle social formal. (Souza e Gama, 2016,
p.193)

Por exemplo, em casos de briga entre vizinhos ou dis-


putas familiares, a mediação pode auxiliar as partes a chegar
a um acordo pacífico sem precisar recorrer a processos judici-
ais prolongados e dispendiosos. Nesse caso, o mediador pode
ajudar a facilitar a comunicação entre as partes e ajudar a en-
contrar uma solução que atenda aos interesses mútuos.
Além disso, a mediação pode ser usada como uma fer-
ramenta preventiva da reincidência. Por exemplo, em casos
de crimes de menor gravidade, como os crimes contra a honra,
a mediação pode ajudar a sensibilizar o infrator quanto às con-
sequências de suas ações e ajudá-lo a encontrar maneiras de
evitar a reincidência no futuro.
Como destaca Sales (2004), a mediação tem como ob-
jetivos: a solução de conflitos, a prevenção de conflitos, a in-
clusão social e a pacificação social. Destarte, todas as práticas
que configuram o processo de mediação têm por objetivo a
solução dos conflitos. O animus da mediação primordialmente
é prover uma solução ao litígio de modo satisfatório para am-
bas as partes.

90
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

A solução de conflitos é o objetivo mais claro da


mediação. A solução se dá por meio do diálogo,
no qual as partes interagem em busca de um
acordo satisfatório para ambas, possibilitando
uma boa administração da situação vivida. A co-
municação e a consequente participação dos in-
divíduos na resolução das controvérsias são im-
prescindíveis para o alcance do acordo ade-
quado. (Sales, 2004, p.27).

A mediação proporciona inúmeros benefícios à socie-


dade como o desafogamento dos juizados, a busca pela paz
social e o possível restabelecimento dos laços sociais entre o
autor e a vítima. Além disso, a mediação penal se adapta aos
ditames dos direitos humanos e, por conseguinte, assegura a
persecução e preservação do princípio da dignidade da pes-
soa humana, princípio este muito em voga nas práxis do sis-
tema judiciário.
Tratando desses benefícios podemos falar em resolu-
ção de conflitos de forma colaborativa. Em vez de uma das
partes impor sua vontade sobre a outra, a mediação ajuda as
partes a trabalharem juntas para encontrar uma solução que
atenda aos interesses e necessidades de ambas. Isso pode
levar a soluções mais criativas e duradouras, pois as partes
têm mais investimento no resultado final.

91
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Outro benefício significativo da mediação de conflitos é


a redução do custo e tempo de litígio. A mediação é geral-
mente mais rápida e menos dispendiosa do que o litígio judi-
cial, o que pode economizar tempo e dinheiro para todas as
partes envolvidas. Em vez de passar meses ou anos em um
tribunal, as partes podem resolver suas diferenças em algumas
sessões de mediação, permitindo que todos sigam em frente
mais rapidamente.
A confidencialidade também é um benefício importante
da mediação de conflitos. As informações compartilhadas du-
rante a mediação são confidenciais, o que ajuda as partes a se
sentirem mais confortáveis em serem abertas e honestas em
relação aos seus interesses e necessidades. Isso pode levar a
uma melhor compreensão entre as partes e a uma solução
mais satisfatória para todos.
Além disso, a mediação oferece às partes em conflito
maior controle sobre o resultado final do que em um processo
judicial. As partes são encorajadas a tomar decisões juntas,
em vez de confiar em um juiz para decidir o resultado. Isso
pode levar a soluções mais personalizadas e específicas, que
atendam às necessidades e preocupações de todas as partes
envolvidas.

92
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

A preservação do relacionamento também é um bene-


fício da mediação de conflitos. Quando há uma relação contí-
nua ou uma história compartilhada entre as partes em conflito,
a mediação pode ajudar a preservar o relacionamento, mesmo
que as partes decidam seguir caminhos separados. Isso pode
ser especialmente importante em conflitos familiares, comer-
ciais ou comunitários, onde as partes terão que continuar inte-
ragindo no futuro.
A mediação de conflitos pode ajudar as partes a apren-
der habilidades de resolução de conflitos que podem ser úteis
em situações futuras. Ao trabalhar juntas para encontrar uma
solução, as partes podem aprender a ouvir ativamente, comu-
nicar efetivamente e negociar com sucesso. Essas habilidades
podem ser aplicadas em todas as áreas da vida, melhorando
a capacidade de uma pessoa de lidar com conflitos de forma
saudável e produtiva. Em resumo, a mediação de conflitos ofe-
rece uma alternativa eficaz e atraente ao litígio judicial.
Indo no contrafluxo dos juizados cíveis, a mediação não
é tão aceita na esfera criminal, pois existe a cultura da impor-
tância da punição. Em alguns casos, a punição é vista como
uma parte essencial do processo, a fim de enviar uma mensa-
gem para a sociedade de que certos comportamentos não se-
rão tolerados. Nesses casos, a mediação pode ser vista como

93
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

uma alternativa fraca e insuficiente, que não atende às expec-


tativas da sociedade em relação à justiça.
E também a mediação pode ser vista como uma alter-
nativa que desfavorece a vítima, especialmente em casos em
que há uma desigualdade de poder entre as partes envolvidas.
Durante o processo criminal, a vítima pode se sentir prejudi-
cada se o processo não for conduzido de forma apropriada e
justa, e pode ter dificuldade em participar de uma mediação
de conflitos sem a presença de um advogado ou de seu repre-
sentante legal.

3.2 CONCILIAÇÃO

A conciliação de conflitos é um processo de resolução


de disputas que visa ajudar as pessoas a encontrar uma solu-
ção para o seu conflito pacificamente, sem a necessidade de
recorrer a ações judiciais ou à violência.
Na conciliação, o objeto maior é a construção do acordo
para evitar o processo. O conciliador participa sugerindo, acon-
selhando e interferindo. A resolutividade do conflito se dá sem
adentrar às minúcias da problemática, sendo que a interven-
ção do conciliador é voltada para forçar um acordo (Barcellar,
2012).

94
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

É uma forma alternativa e mais eficaz de resolver ques-


tões, pois ajuda as pessoas a entenderem as perspectivas e
os interesses uns dos outros e a chegar a um acordo mutua-
mente aceitável. A conciliação é conduzida por um conciliador
imparcial, que pode ser um especialista em mediação ou al-
guém treinado na arte da conciliação. O conciliador ajuda as
partes a se comunicarem e a explorarem soluções possíveis
para o conflito. Ele também pode oferecer sugestões e alter-
nativas, mas não toma decisões ou impõe soluções.
Para o doutrinador Barcellar (2016) definimos a concili-
ação (nossa posição) como um processo técnico (não intui-
tivo), desenvolvido pelo método consensual, na forma auto-
compositiva, destinado a casos em que não houver relaciona-
mento anterior entre as partes, em que terceiro imparcial, após
ouvir seus argumentos, as orienta, auxilia, com perguntas, pro-
postas e sugestões a encontrar soluções (a partir da lide) que
possam atender aos seus interesses e as materializa em um
acordo que conduz à extinção do processo judicial. “O foco e
a finalidade da conciliação é o alcance de um acordo que
possa ensejar a extinção do processo, e para isso foca-se no
objeto da controvérsia materializada na lide processual” (Bar-
cellar, 2016, p. 86).

95
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

O objetivo da conciliação é ajudar as partes a encontrar


uma solução mutuamente aceitável e satisfatória, aumen-
tando a comunicação e a compreensão entre elas, e fortale-
cendo as relações dos envolvidos. Além disso, a conciliação
é uma forma mais rápida e menos custosa de resolver confli-
tos, pois evita um processo judicial prolongado e caro.
A relação a ser criada pelo conciliador com as partes é
meramente profissional e a ser trabalhada em cima do pro-
blema trazido por ambas, buscando a melhor forma para a re-
solução do conflito, tendo em determinado aspectos as partes
ceder em algumas exigências para possibilitar a conciliação,
conforme salientado pelo doutrinador:

O conciliador, seja Juiz ou não, fica na superfície


do conflito, sem adentrar nas relações intersub-
jetivas, nos fatores que desencadearam o litígio,
focando mais as vantagens de um acordo onde
cada um cede um pouco, para sair do problema.
Não há preocupação de ir com maior profundi-
dade nas questões subjetivas, emocionais, nos
fatores que desencadearam o conflito, pois isso
demandaria sair da esfera dogmática jurídica,
dos limites objetivos da controvérsia (Buitoni,
2010, p.35).

A princípio, a mediação e conciliação são duas formas


distintas de resolução de conflitos que visam ajudar as partes
envolvidas a chegar a um acordo sem precisar recorrer a um

96
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

tribunal. Embora ambas tenham como objetivo principal resol-


ver um conflito, existem diferenças importantes entre as duas
abordagens. Sendo a mediação um processo em que um ter-
ceiro imparcial, o mediador, ajuda as partes a chegarem a um
acordo mutuamente aceitável.
O mediador não toma decisões nem oferece soluções,
mas sim ajuda as partes a identificar os problemas subjacen-
tes ao conflito e a encontrar soluções para resolvê-los. A me-
diação geralmente é voluntária e as partes têm controle sobre
o resultado final do processo. O mediador não toma partido e
não oferece conselhos ou orientações jurídicas. Ele age como
um facilitador da comunicação entre as partes, ajudando-as a
encontrar um acordo que seja justo para todos.
Diferente da conciliação que é um processo em que um
terceiro imparcial, o conciliador, busca resolver o conflito por
meio de uma proposta de acordo que é apresentada às par-
tes. O conciliador não toma decisões, mas pode sugerir solu-
ções para o conflito. Diferente da mediação, a conciliação
pode ser imposta por lei ou contrato e as partes podem ser
obrigadas a participar do processo. O conciliador também
pode oferecer conselhos ou orientações jurídicas e pode to-
mar partido em favor de uma das partes.

O sentido da conciliação, num contraste com a


mediação: enquanto nesta última o profissional

97
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

apresenta-se como um técnico que se limita a


equacionar os termos do conflito, distinguindo os
pontos mais atritivos daqueles mais próximos de
um consenso, já o conciliador coloca -se mais
próximo das partes, buscando criar um ambiente
de empatia entre os partícipes, no intuito de favo-
recer possível acordo, buscando destacar as van-
tagens da autocomposição, no contraste com os
ônus, encargos e incertezas imanentes do pro-
cesso judicial e a solução adjudicada que daí de-
corre (Mancuso, 2009, p. 233).

É de se notar que a diferença importante entre media-


ção e conciliação é que a mediação é um processo mais flexí-
vel e adaptável às necessidades específicas das partes envol-
vidas. Já a conciliação segue uma estrutura mais formalizada
e regulamentada, com etapas específicas a serem seguidas.

3.3 CRIMES CONTRA A HONRA

Tratando sobre o crime, através de breve análise é no-


tório que o legislador não conseguiu definir precisamente o que
seria “crime”, entretanto nos mostrou um caminho para distin-
guir o crime da contravenção. Tal explanação nos ajuda a com-
preender em quais casos práticos a conduta existente se amol-
daria em crime ou em contravenção.

Considera-se crime a infração penal que a lei co-


mina pena de reclusão ou de detenção, quer iso-
ladamente, quer alternativa ou cumulativamente
com a pena de multa; contravenção, a infração

98
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

penal a que a lei comina, isoladamente, pena de


prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa
ou cumulativamente. (Decreto Nº 3.914/41).

Ainda trabalhando na perspectiva da falta de meca-


nismo do legislador em estabelecer o conceito de crime.

O conceito de crime evoluiu e se modificou ao


longo do tempo. Atualmente após várias modifi-
cações o Código Penal não traz mais em seu con-
teúdo a definição do que é crime como era o caso
do Código Criminal do Império do ano de 1830 e
o Código Penal de 1890, cabendo à doutrina a
elaboração desse conceito. (Coalhado, 2016)

Segundo Moletta (2005), o papel de definição do que é


o crime fica sob a responsabilidade da doutrina jurídica. Dentre
os conceitos apresentados por essa, temos o entendimento
que o crime deve ser analisado sob a égide de três vertentes:
conceito formal, material e analítico. Para Delmanto (2000), o
crime, em seu sentido material, deve ser entendido como
sendo “a violação de um bem jurídico penalmente protegido”.
Segundo Machado (1987), o conceito material de crime busca
a essência do delito, mediante a fixação de limites legislativos
de incriminação de condutas. Estefan e Gonçalves (2013) dou-
trinam que:

É o que se ocupa da essência do fenômeno, bus-


cando compreender quais são os dados neces-
sários para que um comportamento possa ser

99
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

considerado criminoso ou, em outras palavras, o


que significa seja uma conduta considerada pe-
nalmente relevante aos olhos da sociedade. (Es-
tefan e Gonçalves, 2013, p.265)

Sobre a honra, é inerente a uma pessoa por seus atri-


butos físicos, morais e intelectuais. Pode-se dizer, portanto,
que equivale ao valor ou o atributo de dignidade e reputação
de uma pessoa no meio social. As espécies de honra referem-
se às diferentes formas em que a honra pode ser compreen-
dida e protegida em um contexto cultural, social e jurídico.
Existem quatro espécies de honra mais comuns, a saber:
honra objetiva, honra subjetiva, honra comum e honra espe-
cial.
A honra objetiva é aquela que trata da reputação ou
imagem que uma pessoa tem na sociedade. É a forma como
os outros a veem e é protegida pela lei quando alguém difama
e calunia uma pessoa, prejudicando a sua reputação perante
a sociedade. A honra subjetiva, por sua vez, refere-se à auto-
estima e autoimagem de uma pessoa. É a forma como ela se
vê a si mesma e é afetada quando alguém a insulta, ofende e
humilha, causando danos à sua autoestima e autoconfiança.
A honra comum é a honra que é compartilhada por um
grupo social, como uma família, comunidade ou instituição. É

100
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

protegida pela lei quando alguém ofender ou difamar um mem-


bro do grupo, causando danos à honra do grupo como um
todo.
Por fim, a honra especial é a honra que é protegida por
lei em razão de um status ou posição específica que uma pes-
soa ocupa na sociedade. Por exemplo, a honra de um magis-
trado ou de um representante político pode ser considerada
honra especial e é protegida pela lei de forma diferenciada.
É notável a importância de destacar que cada espécie
de honra pode ser protegida de forma diferente pela lei e a
gravidade dos delitos pode variar de acordo com a espécie de
honra envolvida. É fundamental que as pessoas tenham cons-
ciência da importância da honra e de sua proteção, bem como
das consequências que podem advir de condutas que agridam
a honra alheia.
Tratando dos crimes contra a honra, eles são aqueles
que atingem a reputação, dignidade e imagem de uma pessoa,
prejudicando sua imagem perante a sociedade. São previstos
no Código Penal Brasileiro, nos artigos 138 a 145, e dividem-
se em três categorias: calúnia, difamação e injúria. Vejamos a
descrição dos referidos artigos no Código Penal:

Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsa-


mente fato definido como crime:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e
multa.

101
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

§ 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo


falsa a imputação, a propala ou divulga.
§ 2º - É punível a calúnia contra os mortos.
Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato
ofensivo à sua reputação:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e
multa.
Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a digni-
dade ou o decoro: Pena – detenção, de um a seis
meses, ou multa.
§ 1º - O juiz pode deixar de aplicar a pena:
I – Quando o ofendido, de forma reprovável, pro-
vocou diretamente a injúria;
II – No caso de retorsão imediata, que consista
em outra injúria.
§ 2º - Se a injúria consiste em violência ou vias
de fato, que, por sua natureza ou pelo meio em-
pregado, se considerem aviltantes:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e
multa, além da pena correspondente à violência.
§ 3º - Se a injúria consiste na utilização de ele-
mentos referentes a raça, cor, etnia, religião, ori-
gem ou a condição de pessoa idosa ou portadora
de deficiência:
Pena - reclusão de um a três anos e multa.
III - na presença de várias pessoas, ou por meio
que facilite a divulgação da calúnia, da difama-
ção ou da injúria.
IV – Contra pessoa maior de 60 (sessenta) anos
ou portadora de deficiência, exceto no caso de
injúria.
Parágrafo único - Se o crime é cometido medi-
ante paga ou promessa de recompensa, aplica-
se a pena em dobro. (Brasil, 1940).

Conforme o Código Penal, os crimes contra a honra são


considerados de ação penal privada, ou seja, somente a vítima
ou seu representante legal pode mover ação penal contra o
autor do delito. Além disso, são considerados crimes de menor

102
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

potencial ofensivo, com pena máxima de dois anos de prisão


ou multa.
Dentre os crimes que mais geram conflitos na socie-
dade e que podem ser resolvidos através da mediação e da
conciliação, estão os crimes contra a honra, os mesmos estão
tipificados no Código Penal Brasileiro e se dividem em três:
calúnia (art. 138), difamação (art. 139) e injúria (art. 140).
Como já se sabe, a calúnia é um dos crimes mais recor-
rentes dentre a triarquia dos crimes contra a honra, sendo este
identificado da seguinte forma para o doutrinador Rogério
Greco (2008) pode-se indicar os três pontos principais que es-
pecializam a calúnia com relação às demais infrações penais
contra a honra, a saber: o primeiro é a imputação de um fato a
alguém; o segundo, esse fato imputado à vítima deve, obriga-
toriamente, ser infundado; o terceiro além de infundado, o fato
deve ser definido como conduta criminosa.
Já as definições de injúria e difamação são abordadas
pelo doutrinador Cleber Masson como sendo:

Difamar é imputar a alguém fato ofensivo à sua


reputação, consiste, pois, em desacreditar publi-
camente uma pessoa, maculando a sua honra
objetiva e os atributos que a tornam merecedora
de respeito no convívio social. Injúria, por outro
lado, é crime contra a honra subjetiva, e caracte-
riza-se com a simples ofensa da dignidade ou do
decoro da vítima, mediante xingamento ou atri-
buição de qualidade negativa. (Masson, 2018,
p.211)

103
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Além disso, a pena para esses crimes varia conforme a


gravidade da ofensa e pode incluir multa, prestação de servi-
ços à comunidade ou prisão. Por serem crimes recorrentes
acabam sobrecarregando o sistema judiciário, pois além de se-
rem muito frequentes, em muitos casos, demandam muito
tempo e recursos para serem resolvidos, é uma mistura de alta
demanda, provas complexas, tempo de julgamento e quanti-
dade de processos. Podendo essas coisas levar a atrasos no
julgamento.

3.4 PROJETO PACIFICAR

O Núcleo de Segurança Comunitária e Pacificação So-


cial – Pacificar é uma iniciativa da Secretaria de Segurança
Pública do Estado do Acre em parceria com a Direção de Po-
lícia Civil que tem por finalidade a mediação e conciliação de
conflitos com vistas à solução pacífica e extrajudicial.
Acreditando numa cultura de paz e na prevenção para
buscar o controle e a redução da violência e da criminalidade,
o Projeto visa conciliar conflitos para restabelecer vínculos
rompidos entre as pessoas. Tem como foco principal o cida-
dão, com ênfase na filosofia de uma Polícia Comunitária. O
Pacificar aplica a mediação e conciliação de conflitos com base

104
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

no policiamento orientado para solução de problemas, utili-


zando de alguns dos princípios de polícia comunitária e os fun-
damentos de Justiça Restaurativa, conforme se encontram es-
tabelecidos na Resolução 2002/12 do Conselho Econômico e
Social das Nações Unidas.
Para Vasconcelos, a justiça restaurativa pode ser uma
ferramenta capaz de transformar o paradigma da intervenção
penal, visto que através da comunicação pode fortalecer as re-
lações ora afetadas pelo crime:

Transforma o paradigma da intervenção penal,


uma vez que não está apenas preocupada com a
determinação de uma resposta adequada ao
comportamento criminal, mas também com a re-
paração, seja ela material ou simbólica, dos da-
nos causados pelo crime. Encoraja vítima e ofen-
sor a resolverem o conflito por intermédio do en-
tendimento e da negociação, reservando para os
agentes públicos ou para mediadores contrata-
dos o papel de facilitadores dotados de um só ins-
trumento de intervenção: a linguagem, o que os
coloca no mesmo nível de poder das partes (uma
vez que, aqui, o poder limita-se à comunicação).
Mais do que reparação material, podem ser repa-
radas as relações e a confiança afetadas pelo
crime. (Vasconcelos, 2008, p. 209)

A justiça restaurativa é um modelo alternativo de reso-


lução de conflitos que tem ganhado espaço no sistema de jus-
tiça criminal em diversos países, incluindo o Brasil. Ela visa
promover a reparação dos danos causados por um delito, por

105
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

meio de um diálogo entre as partes envolvidas, incluindo a ví-


tima, o autor do delito e a comunidade. Para o Vasconcelos,
esses processos restaurativos seriam:

Processos restaurativos seriam aqueles nos


quais vítimas, ofensores e, quando apropriado,
outros indivíduos ou membros da comunidade,
afetados pelo crime, participam juntos e ativa-
mente na resolução das questões provocadas
pelo crime, geralmente com a ajuda de um facili-
tador (mediador) – que deverá ser uma terceira
pessoa independente, imparcial e capacitada,
cuja tarefa é facilitar a abertura de uma via de co-
municação entre as partes. (Vasconcelos, 2008,
p.208)

No Brasil, a justiça restaurativa foi incorporada ao sis-


tema de justiça criminal por meio da Lei n.º 9.099/95, que ins-
tituiu os Juizados Especiais Criminais. Essa lei prevê a possi-
bilidade de aplicação de medidas de caráter restaurativo, como
a transação penal e a suspensão condicional do processo, que
visam promover a reparação dos danos causados pelo delito,
em vez de simplesmente punir o autor do delito.
A justiça restaurativa tem se mostrado uma abordagem
efetiva na redução da reincidência criminal e na promoção da
pacificação social, além de ser uma alternativa mais justa e
humana em relação ao sistema punitivo tradicional.
Por esses aspectos o doutrinador Vasconcelos, en-

106
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

xerga na justiça restaurativa uma forma de instrumento de po-


lítica criminal, buscando uma espécie de renovação na inter-
venção penal.

A Justiça Restaurativa deve ser concebida como


um instrumento de política criminal que vise à ino-
vação da intervenção penal. Apresenta um novo
olhar e uma nova forma de intervenção sobre o
crime. Rompe com os modelos retributivo e tera-
pêutico, que já deram mostras do seu esgota-
mento. É nesse ponto que reside seu potencial
transformador. É nesse aspecto que deve ser
mais bem explorada. (Vasconcelos, 2008, p.215)

A institucionalização do Pacificar se deu efetivamente


com a edição da Resolução Conjunta n.º 001 de 13 de agosto
de 2015, quando então foi instituído na Secretaria de Estado
de Segurança Pública e no âmbito da Secretaria de Estado de
Polícia Civil do Estado do Acre.
O Pacificar veio com uma inovação importantíssima,
pois através da sua prática de atenção concedida aos peque-
nos conflitos (crimes de menor potencial ofensivo) buscando
valorizar o diálogo, empoderar as pessoas e transformar situ-
ações que poderiam evoluir para crimes mais graves, deu às
partes o direito de serem ouvidos e terem suas rixas (proble-
mas) resolvidas.
Atualmente o Pacificar está instalado nas 05 (cinco) Re-
gionais de Polícia em Rio Branco e em outros municípios do

107
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Estado do Acre e atualmente sua Coordenadoria está locali-


zada na Direção Geral da Polícia Civil do Estado do Acre, e
seu modo de operação é o seguinte: o reclamante após regis-
trar o Boletim de Ocorrência (BO) ou de Reclamação na Dele-
gacia de Polícia, e após a identificação do delito como sendo
de menor potencial ofensivo, portanto, situação legalmente de
ser conciliada, é oferecido às partes, a possibilidades da reali-
zação de uma audiência de conciliação, caso seja aceita tal
possibilidade, a parte reclamada ora vítima será encaminhada
ao Núcleo de Conciliação para ser agendada audiência de con-
ciliação, em um prazo o mais breve possível e acessível para
ambas as partes.
Por meio desse trabalho incessante, observamos a Po-
lícia Civil não somente trabalhando diretamente com investiga-
ções de inquéritos, mas também como uma polícia que tem em
vista evitar que os crimes de ameaça, injúria, calúnia ou difa-
mação, evoluam para um delito mais grave, fazendo assim um
trabalho preventivo em meio a sociedade, trabalho esse que
vem ao longo do tempo trazendo bons frutos, visto que, após
o início do Pacificar os números de audiência se multiplicaram
a cada dia, mostrando uma maior confiança da comunidade na
Polícia Civil para a resolução de seus conflitos de forma rápida
e transparente.

108
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

E com o aumento de audiências realizadas pelos nú-


cleos, cominou que muitos dos boletins de ocorrência foram
acordados, diminuindo consequentemente a taxa de pessoas
que irão procurar o juizado como uma forma de resolução de
conflito.
Os atendimentos e conciliações realizados refletem,
imediatamente, em outras instituições como: prevenção do
crime, redução de inquéritos policiais nas delegacias de polí-
cia, redução do número de processos no Poder Judiciário, no
Ministério Público, bem como redução do número de ações na
Defensoria Pública.
Proporcionando à comunidade, a partir da diminuição
dos crimes, uma maior sensação de segurança e qualidade de
vida e ao Estado melhorias tanto sociais como econômicas.
A partir do momento que um cidadão se sentir vítima de
ameaça, calúnia, injúria e difamação, poderá se dirigir até a
Regional de Polícia Civil que atua na área do seu bairro e re-
gistrar um boletim de ocorrência, após o registro do ocorrido
será marcada a data para a realização de audiência de conci-
liação. Os casos citados acima, são os de maior recorrência
nos núcleos do Pacificar.
Sendo assim, ainda no primeiro contato com o ambiente
policial, o reclamante (vítima), vislumbra que vai ser ouvido e
que seu caso receberá total atenção da Autoridade Policial,

109
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

aumentando, consequentemente, o grau de confiança da co-


munidade com a polícia.
Os fatos atípicos são aqueles que não estão previstos
em lei, não sendo esses considerados crimes, logo a lei não
comina pena ou intervenção do Estado pelo fato determinado,
sobre o tema Estefam e Gonçalves salientam o seguinte:

Acrescenta que o Estado não cria delitos, apenas


os reconhece, de modo que não dispõe de um
poder absoluto na tarefa de decidir o que é ou não
crime; cabe-lhe, na verdade, verificar aquilo que
deve ser tratado como delito segundo os anseios
sociais. Caso o legislador não tenha tal sensibili-
dade e venha a definir como crime uma ação ou
omissão socialmente aceitas e que não tragam
prejuízo algum ao funcionamento normal das re-
lações sociais, o fato será materialmente atípico.
(2022, p. 348)

Os fatos atípicos são recorrentes nas Delegacias Polici-


ais e muitas vezes através de um diálogo entre as partes po-
derá ser resolvido o conflito, logo, o Pacificar recorrentemente
vem atendendo essas situações, evitando assim, que uma
briga de vizinhos por conta que um jogou seu lixo na lixeira do
outro possa evoluir para um fato típico, o que envolveria maio-
res despesas para o Estado e para as partes.
Pode-se deixar enfatizado que o Pacificar não foca seus
trabalhos apenas nesses crimes de menor potencial ofensivo,

110
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

mas também em casos em que ocorrem as vias de fato e tam-


bém em acidentes de trânsitos, basicamente em situações que
possam ser mediadas e que a vítima sinta se confortável para
dar início às tratativas. Logo, vislumbramos a grande importân-
cia do Pacificar e a sua relevância para o trabalho policial e
para a comunidade, ajudando vizinhos, colegas e amigos a
manterem uma relação mansa e pacífica, mesmo travando al-
guns conflitos.
Sucedendo, porventura um caso de crime contra a vida
ou de crime contra a dignidade sexual, por si só, seria um caso
em que não caberia a intervenção do Pacificar, pela gravidade
desse crime e pelo fato de ser um crime que na grande maioria
das vezes gera gigantescos traumas as vítimas.
Pensando também no estado em que a vítima poderá
se encontrar e que o autor do fato típico usará de sua vanta-
gem sobre ela, para coagi-la a desistir da denúncia ou de pros-
seguir com a persecução criminal do fato. Sem contar que o
próprio crime não permite que exista uma conciliação entre as
partes por sua gravidade.
A conciliação não seria produtiva, pois o indivíduo res-
ponsável pela prática do crime mais grave, poderia facilmente
coagir a vítima fazendo com que a mesma desista do pro-
cesso. Salientando que nunca caberia uma conciliação num

111
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

crime de homicídio ou roubo visto que são crimes de ação pe-


nal pública incondicionada a representação, nesses casos não
necessitam a representação da vítima perante a autoridade
policial.
A ação penal pública incondicionada a representação
pela vítima, é a que o Ministério Público pode iniciar ou,
mesmo, requisitar a instauração de inquérito policial, sendo
assim Estefam e Gonçalves explanam o seguinte:

Esta denominação decorre do fato de o exercício


do direito de ação pelo Ministério Público não de-
pender de qualquer condição especial. Basta que
o crime investigado seja de ação pública e que
existam indícios suficientes de autoria e materia-
lidade para que o promotor esteja autorizado a
oferecer a denúncia.
É a regra no direito penal, uma vez que, no silên-
cio da lei, a ação será pública incondicionada. Ao
cuidar, por exemplo, dos crimes de homicídio do-
loso (art. 121 do CP), roubo (art. 157 do CP), as-
sociação criminosa (art. 288) e peculato (art. 312
do CP), a lei nada mencionou a respeito da mo-
dalidade de ação penal. Em consequência, tais
delitos se apuram mediante ação pública incon-
dicionada. (2022, p. 777)

A partir dessa perspectiva, o projeto pacificar pode


atuar em casos em que ocorrem os crimes de ação penal pú-
blica condicionada, pois a vítima pode desistir da persecução
criminal através do termo de acordo assinado por ela ainda no
ambiente policial.

112
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

As partes são tratadas pelo Pacificar como reclamante


(vítima) e reclamado (autor), ambas devem chegar a um con-
senso após um período de diálogo e debates referente a situ-
ação que os levou até aquele ambiente, após chegarem a um
consenso, assinam um termo de acordo (documento extraju-
dicial) que demonstra a intenção das partes em cláusulas es-
pecíficas de abandonarem o conflito e manterem uma relação
de paz.
Os meios de resolução pacífica de conflitos e os recur-
sos metodológicos de que se serve no plano da Segurança
Cidadã e da Polícia Comunitária, vêm, de um lado, como um
instrumental de auxílio na intervenção das polícias e guardas,
em momentos em que o confronto não se faça necessário e,
de outro, como meio à sua integração, às ações comunitárias,
dos gestores públicos e operadores do direito. Conforme o
doutrinador Bengochea, (2004):

É necessário investir em uma concepção de polí-


cia cidadã, que é um conceito que se desdobra
numa série de dimensões. Por exemplo, a ques-
tão da participação comunitária, que inexiste na
polícia tradicional, uma vez que ela não foi con-
cebida para isto, é um fator permanente na polícia
cidadã, pela aproximação de seus integrantes à
população e pelo comprometimento com a segu-
rança pública no local de trabalho, surgindo aí o
policiamento comunitário. (p.124)

113
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

O Pacificar, vem por meio de seus membros (delega-


dos, agentes, escrivães, comissionados e estagiários) idealizar
esse projeto de uma polícia cidadã, ajudando a pacificar con-
flitos e em algumas exceções até mesmo grandes lides, atra-
vés da mediação e conciliação.
Que a busca pela paz continue a motivar os homens e
mulheres que atuam na linha de frente desse projeto e que a
cultura de uma polícia cidadã e ligada à comunidade se espa-
lhe pelo Estado do Acre.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com ênfase no estudo realizado, pode ser afirmado,


após minuciosa análise do tema, que os reflexos da institucio-
nalização pelo Núcleo de Segurança Comunitária e Pacifica-
ção Social - Pacificar são construtivos, pois vem incentivando
as partes a buscarem soluções consensuais para seus confli-
tos antes mesmo de recorrerem ao Poder Judiciário, além de
promover as partes do processo uma ação extrajudicial célere,
menos onerosa e de resolução rápida.
Por conseguinte, os resultados obtidos demonstram que
o Pacificar tem contribuído significativamente para a redução
do congestionamento processual no Juizado Especial Criminal

114
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

- JECRIM. Isso se deve, em grande parte, à adoção de méto-


dos consensuais de solução de conflitos, como a mediação e
a conciliação, que possibilitam maior celeridade na resolução
das demandas e menor custo para as partes envolvidas. Além
disso, esses métodos proporcionam uma maior satisfação das
partes com o resultado alcançado, uma vez que elas partici-
pam ativamente na construção da solução do conflito através
de um acordo extrajudicial, onde as partes se comprometem
com o respeito mútuo entre as mesmas e que terão uma con-
vivência mansa e pacífica como pessoas civilizadas que são.
Outro ponto importante que este estudo destaca é o pa-
pel desempenhado pelo Pacificar na promoção da cidadania e
no reforço das políticas públicas. Os centros não apenas lidam
com a resolução de conflitos entre as partes envolvidas, mas
também têm um papel na conscientização sobre direitos e res-
ponsabilidades, e na orientação para as instâncias apropria-
das quando necessário.
Assim, mesmo diante das disparidades sociais e obstá-
culos institucionais, o Pacificar contribui para garantir os direi-
tos essenciais, aumentando o acesso à justiça, dando forma à
ideia de um processo legal ágil e razoável, e participando na
construção de uma sociedade mais equitativa, imparcial e de-
mocrática.

115
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Por fim, é de se ressaltar o ilustre trabalho realizado pe-


los operadores do direito, servidores públicos e demais presta-
dores de serviços que dão vida ao pelo Núcleo de Segurança
Comunitária e Pacificação Social - Pacificar no Estado do Acre,
com ênfase no trabalho já realizado pela equipe, vemos pro-
blemas familiares sendo resolvidos, relações entre vizinhos
sendo reatadas e uma comunidade fortalecendo sua relação
com o Estado, através de uma de suas entidades, no presente
caso, a ilustre Polícia Civil.

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119
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

4
LEI MARIA DA PENHA: UM ESTUDO SOBRE A POSSIBI-
LIDADE DA GUARDA COMPARTILHADA UNILATERAL
EM FAVOR DA GENITORA EM VIRTUDE DO
HISTÓRICO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

MARIA DA PENHA LAW: A STUDY ON THE POSSIBILITY


OF UNILATERAL SHARED CUSTODY IN FAVOR OF THE
MOTHER DUE TO THE HISTORY OF DOMESTIC

Derenilda de Albuquerque Sousa7


Williane Tibúrcio Facundes8

SOUSA, Derenilda de Albuquerque. Lei Maria da Penha: um


estudo sobre a possibilidade da guarda compartilhada
unilateral em favor da genitora em virtude do histórico de
violência doméstica.Trabalho de Conclusão de Curso de
graduação em Direito – Centro Universitário UNINORTE, Rio
Branco, 2023.

7
Discente do 9° Período do Curso de Bacharel em Direito pelo Centro Uni-
versitário Uninorte.
8
Docente do Centro Universitário Uninorte. Graduada em Direito pela
U:VERSE. Especialista em Psicopedagogia pela Universidade Varzea-
grandense e Direito Digital pela Falculdade Metropolitana. Graduada em
Letras Vernáculas pela Universidade Federal do Acre- UFAC.

120
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

RESUMO

O presente artigo realiza uma análise que contempla a viabi-


lidade da concessão de guarda unilateral em prol da mãe, em
decorrência de um histórico de violência doméstica. Neste
contexto, são apresentados debates e reflexões de relevân-
cia, uma vez que, na atualidade, a guarda compartilhada é a
norma preponderante em nosso sistema jurídico, buscando
promover a equitativa participação dos progenitores na for-
mação dos seus descendentes. No entanto, em cenários de
violência doméstica, reconhecemos que a guarda comparti-
lhada pode não ser a alternativa mais apropriada para salva-
guardar o interesse primordial da criança, hajavista que a coa-
bitação dos pais poderia, potencialmente, acarretar riscos à
integridade física e emocional da mãe e dos filhos. Nestas
circunstâncias, a possibilidade de outorgar a guarda compar-
tilhada unilateral em favor da mãe tem sido objeto de discus-
são e reconhecimento, tanto na jurisprudência, na literatura
jurídica quanto em propostas legislativas, como uma alterna-
tiva voltada à proteção das vítimas de violência doméstica.
Portanto, este tema merece uma análise aprofundada e um
debate substancial no âmbito acadêmico.

Palavras-chave: violência doméstica; guarda compartilhada;


filhos; justiça; emocional;

ABSTRACT

This article carries out an analysis that considers the feasibility


of granting unilateral custody in favor of the mother, due to a
history of domestic violence. In this context, relevant debates
and reflections are presented, since, currently, shared
custody isthe preponderant norm in our legal system, seeking
to promote the equitable participation of parents in the
formation of their descendants. However, in scenarios of

121
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

domestic violence, we recognize that shared custody may not


be the most appropriate alternative to safeguard the child's
primary interests, given that the parents' cohabitation could
potentially pose risks to the physical and emotional integrity of
the mother and of children. In these circumstances, the
possibility of granting unilateral shared custody in favor of the
mother has been the subject of discussion and recognition,
both in jurisprudence, in legal literature and in legislative
proposals, as an alternative aimed at protecting victims of
domestic violence. Therefore, this topic deserves in-depth
analysis and substantial academic debate.

Keywords: domestic violence; shared custody; children;


justice; emotional;

INTRODUÇÃO

O tema em tela, amplamente discutido tanto na jurispru-


dência quanto na doutrina, versa sobre a possibilidade de con-
cessão de guarda unilateral em situações de violência domés-
tica, destacando a importância da salvaguarda dos direitos das
crianças que enfrentam contextos familiares marcados pela vi-
olência. Com efeito, a guarda unilateral se configura como um
arranjo de guarda no qual apenas um dos genitores é investido
da autoridade para tomar decisões cruciais acerca da vida e
da formação dos filhos, excluindo o outro progenitor dessas
responsabilidades.
No contexto específico da violência doméstica, a dis-
cussão sobre a guarda unilateral surge como uma medida de

122
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

proteção à criança e ao genitor que é vítima dessa violência.


A guarda unilateral pode ser considerada uma opção viável
quando há evidências ou histórico de violência doméstica que
possam comprometer o bem-estar e a segurança dos filhos
envolvidos
Em reiteradas decisões, os tribunais têm decidido o ca-
bimento da guarda unilateral em situações de violência do-
méstica, especialmente quando a violência é direcionada à ge-
nitora ou quando existem medidas protetivas vigentes, de-
vendo cada caso ser analisado individualmente, observando-
se o princípio do melhor interesse da criança, buscando ga-
rantir sua segurança e bem-estar.
No cenário jurídico brasileiro, observamos um número
significativo de debates legislativos em curso que abordam a
guarda compartilhada em contextos de violência doméstica,
como, por exemplo, o Projeto de Lei 3696/20, que propõe a
vedação da aplicação da guarda compartilhada dos filhos nos
casos em que os pais ou genitores tenham um histórico de
violência doméstica ou familiar direcionada a seus companhei-
ros ou filhos. Este projeto visa a introduzir modificações tanto
no Código Civil quanto no Código de Processo Civil, com o
propósito de aprimorar as disposições legais nesse contexto
sensível.

123
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

O mencionado projeto é de autoria do Deputado Léo


Moraes (Pode-RO), que busca realizar alterações na legisla-
ção vigente, com o objetivo de tornar mais explícita a possibi-
lidade de concessão da guarda unilateral sempre que, em uma
situação específica, for evidenciada a ocorrência de violência
doméstica ou familiar por parte de um dos pais. Isso ocorre em
contraposição à regra geral que preconiza a guarda comparti-
lhada. O intuito é, portanto, oferecer uma maior clareza e fle-
xibilidade no tratamento desses casos, levando em considera-
ção as circunstâncias particulares de cada situação.
Conforme afirmado pelo autor do projeto, o Deputado
Léo Moraes, ele defende que em situações em que haja pro-
vas ou indícios de grave violação à vida, à integridade física
ou psicológica, à liberdade, à dignidade sexual, à saúde cor-
poral ou à honra de um filho ou de qualquer dos pais ou geni-
tores, ou ainda um risco considerável de que tais violações
ocorram, a guarda da criança ou adolescente deveria ser con-
cedida àquele que não seja o autor ou responsável por tais
atos. Esta proposta visa priorizar a segurança e o bem-estar
das crianças e adolescentes em contextos marcados pela vio-
lência ou pela ameaça de violência, afastando a regra geral de
guarda compartilhada nessas circunstâncias específicas. (LE-
MOS, 2020).

124
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Com efeito, a violência doméstica constitui um sério


problema social que afeta inúmeras mulheres em todo o
mundo. No contexto da guarda de filhos em casos de violência
doméstica, essa questão assume uma importância ainda
maior, pois está diretamente relacionada com a implementa-
ção de medidas de proteção. A violência doméstica abarca
uma gama de agressões, abrangendo aspectos físicos, psico-
lógicos, sexuais, patrimoniais e morais, ocorrendo dentro do
âmbito familiar ou doméstico.
No cenário brasileiro, a Lei Maria da Penha (Lei nº
11.340/2006) foi promulgada com o propósito de coibir e pre-
venir a violência contra as mulheres. Ela estabelece medidas
de proteção e sanções aos agressores, representando um
avanço significativo na garantia dos direitos das mulheres con-
tra o abuso oriundo de uma sociedade permeada por valores
patriarcais e preconceitos de gênero.
Ademais, é importante salientar que a guarda unilateral
representa a alternativa mais apropriada para proteger tanto a
mãe quanto os filhos em situações de violência doméstica.
Nesse arranjo, somente um dos genitores assume a respon-
sabilidade exclusiva pela tomada de decisões relacionadas à
vida e à criação dos filhos, com a mulher detendo a guarda
exclusiva, o que, por conseguinte, previne a exposição contí-
nua à violência perpetrada pelo agressor.

125
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Portanto, serão analisadas, ao longo do trabalho, as


modalidades de guarda, bem como a discussão sobre o tema,
mostrando os entendimentos atuais dos tribunais e os Projetos
de Lei na Câmara dos Deputados a respeito do assunto, bus-
cando trazer com clareza as consequências que a violência
familiar poderá trazer para as crianças.

4.1 DO CONCEITO DE FAMÍLIA

4.1.1 BREVE CONCEITO DE FAMÍLIA E SUA ORIGEM

Na contemporaneidade, podemos dizer que a família é


uma instituição social, ou seja, é um agrupamento humano.
Sob essa ótica, a instituição familiar é o agrupamento humano
mais antigo, considerado, para os estudiosos, o primeiro
agente socializador da história. Famulus, termo em latim de
família, que significa “criado doméstico”, para muitos, pode ter
uma ideia fixa, algo imutável e padronizado. Entretanto, para
o Direito e operadores do direito, não é possível conceituar e
criar um conceito fixo sobre família, visto que o conceito de
família ao longo dos anos vai modificando-se e sofrendo mu-
danças na sua estrutura e no seu padrão.
Para o direito romano, a estrutura familiar era organi-

126
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

zada com base no princípio da autoridade, onde o pater fami-


lias detinha pleno controle sobre a vida e a morte de seus fi-
lhos, tendo a capacidade de vendê-los, impor castigos, penas
corporais e, em alguns casos extremos, aplicar a pena de
morte. Nesse cenário, as mulheres estavam submetidas à au-
toridade do pater famílias, que tinha o poder de repudiá-las por
meio de uma decisão unilateral. Além disso, esse poder se es-
tendia aos filhos não emancipados.
Conforme a perspectiva de venosa (Venosa, 2011, P.
05), o casamento sob a égide do direito romano não tinha
como principal objetivo o prazer, e sim estava centrado na
união de dois indivíduos que compartilhavam o mesmo culto
doméstico. Essa união era destinada a gerar uma terceira pes-
soa, apta a dar continuidade a esse culto. Portanto, o casa-
mento, de acordo com as leis e a religião da época, estava
mais relacionado à continuidade da linhagem e dos rituais fa-
miliares do que à busca de felicidade ou afinidade mútua entre
os cônjuges.
Nessa esteira, o objetivo principal do casamento era a
constituição familiar e gerar descendentes para continuar os
“negócios da família”, uma vez que os filhos não tinham infân-
cia, começando a trabalhar muito cedo, misturando a infância
com a juventude e a vida adulta. Os meninos, ficavam com o

127
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

labor “pesado”, isto é, a mão de obra braçal, enquanto as me-


ninas ficavam com os afazeres domésticos.
Com o crescimento do Cristianismo, este trouxe uma
nova ideia de família, baseada no seu livro sagrado, a Bíblia,
surgindo no Oriente Médico com a vinda de um homem cha-
mado Jesus. A partir disso, o Catolicismo passou salientava
sobre o homem e a mulher serem um único ser vivo, em carne
e em espírito, proibindo práticas como o aborto, adultério e
concubinato, baseando a relação no respeito, fidelidade e em
um casamento indissolúvel.
Trazendo para a modernidade, o conceito de família é
discutido na individualidade de cada pessoa. Para Diniz (2010,
p. 9-10) o conceito jurídico de família vai em direção a três
acepções fundamentais: a) a amplíssima; b) a lata; e c) a res-
trita. No sentido amplíssimo, o termo abrange um sentido am-
plo, incluindo todos os indivíduos com vínculo de sangue ou
da afetividade, como exemplo, o caso do art. 1.412, parágrafo
2º, do Código Civil. Em sentido lata, temos os cônjuges/com-
panheiros, seus filhos, e os parentes da linha reta, colateral e
afins. Por fim, o sentido restrito se trata da família em um con-
junto de pessoas unidas pelo laço do matrimônio e da filiação.
É certo que a primeira acepção (amplo) tem sido um
conceito prevalente em países mais progressistas que adotam
um Constituição que institui políticas de inclusão social. No

128
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Brasil, esse é o entendimento que vem de anos de luta,


mesmo a sociedade brasileira sendo “conservadora”, com um
entendimento mais restrito do conceito de família, indo em di-
reção a uma sociedade mais progressista, com entendimentos
em prol de determinados grupos, considerados como mino-
rias, baseando a família no afeto, o que consequentemente
possibilitou o reconhecimento de outras entidades familiares,
como a união de pessoas do mesmo sexo, reconhecida por
unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal, o que indireta-
mente deu outro sentido ao artigo 38 de Instrução Normativa
de 15 de 2001 que versa sobre união estável – que se diz se
existente somente entre homem e mulher – decisão polêmica
e importante para o cumprimento de uma Constituição que não
faz acepções de pessoas, dentre outros avanços.

4.2 DA ALIENAÇÃO PARENTAL (LEI 12.318/10)

4.2.1 DA LEI 12.318/10: PREJUDICA OU NÃO A MÃE?

Para Figueiredo (2014, p. 187) a alienação parental


busca, na teoria desenvolvida por Gardner, em 1985, que uma
grande variedade de sintomas, e àquelas associadas, podem
resultar na alienação de uma criança. Logo, algumas ações

129
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

poderiam acarretar, por si só, uma alienação, sendo elas prin-


cipais ou secundárias, bastando que estejam interligadas. Sob
essa ótica, pode-se dizer que uma filha poderá se afastar do
seu genitor em razão de abuso físico, sexual ou emocional
contra si, ou contra sua genitora.
Assim, a alienação parental pode ser conceituada, se-
gundo Antônio de Pádua Serafim (Ignacio, 2020), mestre em
Neurociências e Comportamento e Doutor em ciências pela
Faculdade de Medicina da USP, como uma forma de maltrato
ou abuso, isto é, um conjunto de sintomas pelos quais um ge-
nitor transforma a consciência de seus filhos, mediante dife-
rentes formas e estratégias de atuação, visando impedir, obs-
taculizar ou destruir seus vínculos com o outro genitor, sem
que existam motivos reais que justifiquem essa condição.
No Brasil, a alienação parental é regulamentada pela
Lei 12.318/10, que estabelece essa conduta como "a interfe-
rência na formação psicológica da criança ou do adolescente
promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou
por aqueles que tenham a criança ou adolescente sob sua au-
toridade, guarda ou vigilância, com o objetivo de fazer com que
a criança ou adolescente rejeite um de seus genitores ou que
cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção dos vín-
culos com este" (Art. 2º).
A Lei também inclui outras pessoas (parente diretos) no

130
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

cometimento da alienação parental, contudo, majoritaria-


mente, na prática, ocorre o conflito dos genitores e a criança
envolvida. Para Malta e Nicácio (2021), por haver conflito ma-
joritário nas relações conjugais, a alienação parental são for-
mas “sofisticadas” de violência doméstica.
É importante ressaltar que movimentos feministas têm
levantado preocupações quanto à Lei 12.318/10 e, em alguns
casos, pleiteado a sua inconstitucionalidade perante o Su-
premo Tribunal Federal. Estas preocupações são baseadas
em diversos argumentos, dado que a lei tem sido usada, em
algumas situações, para subverter o propósito de proteger as
mães que denunciam violência doméstica ou abuso sexual.
Isso ocorre porque a lei tem sido invocada para proteger ho-
mens envolvidos em atos de violência e abuso sexual, en-
quanto acusa mães que denunciam esses comportamentos
como praticantes de alienação parental. Isso é visto por muitos
como uma abordagem punitiva e desproporcional, uma vez
que as acusações de alienação parental são frequentemente
direcionadas exclusivamente às mães, criando um aparente
conflito com a Lei Maria da Penha.
De acordo com muitos movimentos feministas, a ques-
tão da alienação parental é muitas vezes utilizada como um
meio ardiloso para desacreditar as queixas feitas pelas mães

131
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

por meio de Boletins de Ocorrência. Esse uso da lei pode pre-


judicar a mãe e, por extensão, a criança envolvida, uma vez
que pode ser usada como uma ferramenta para inviabilizar ou
descreditar suas denúncias de violência ou abuso. É impor-
tante destacar que essa é uma questão complexa e que en-
volve uma análise cuidadosa dos casos específicos para ga-
rantir que a lei seja aplicada de maneira justa e equitativa, pro-
tegendo os direitos e a segurança de todos os envolvidos.
Do ponto de vista legal da Lei 12.318/10, existem das
justificativas para a existência da Lei: proteger a saúde física
e mental da criança; e evitar danos psicológicos à criança e ao
adolescente.
A primeira justificativa da Lei 12.318/10 reside na pro-
teção da saúde física e mental da criança, embasada na ima-
gem dos pais. A legislação visa garantir que a criança possa
enxergar seus pais de maneira equilibrada, sem ser influenci-
ada a odiar um deles, independentemente da existência de
motivos determinantes para conflitos entre os genitores. De
acordo com a referida lei, quando uma conduta de alienação
parental é constatada, o juiz, após ouvir o Ministério Público,
é obrigado a impor "medidas provisórias necessárias para pre-
servar a integridade psicológica da criança ou do adolescente,

132
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

incluindo a garantia de sua convivência com o genitor ou a vi-


abilização da efetiva reaproximação entre ambos, se for o
caso" (art. 4º).
A crítica à Lei da Alienação Parental, manifestada por
diversas pessoas, incluindo o movimento feminista, está rela-
cionada ao uso da lei em situações que possam prejudicar as
mulheres que denunciam violência doméstica ou abuso se-
xual. De acordo com Ana Liése, uma socióloga, o patriarcado
muitas vezes utiliza um mecanismo e uma estratégia chama-
dos "segredo de Justiça" para proteger homens envolvidos em
atos de violência e abuso sexual. Esse mecanismo pode ser
visto como favorecendo injustamente os agressores, em detri-
mento das vítimas.
O argumento central dessa crítica é que a Lei da Alie-
nação Parental pode ser usada como uma ferramenta por
parte de agressores para minar a credibilidade das mães que
denunciam crimes como violência doméstica ou abuso sexual.
Isso pode ocorrer ao acusar as mães de praticar alienação pa-
rental, colocando-as em uma posição desvantajosa perante a
Justiça.
A socióloga salienta que existem dois fatos que prejudi-
cam as mães: “O primeiro é o fato de as mulheres serem se-
paradas, e, muitas vezes, de forma violenta, com suas casas
invadidas por policiais, de seus filhos(as) pequenos(as), que

133
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

vão aos gritos e aos prantos porque não querem ficar com os
pais”. Ainda complementar dizendo que: “a criança é sujeita
de direitos e que quando ela reage aos gritos e em pânico a
esse arrebate policial é porque insiste que não quer ficar com
o pai. É a mensagem subliminar do que está acontecendo en-
tre ela e o agressor. Mas, o pai, violento, diz que a mãe é que
colocou a criança contra ele, sendo ele um homem violento e,
algumas vezes, é um homem abusador sexual. Há separações
dramáticas de mães de suas crianças pequenas ocorrendo to-
dos os dias”.
A segunda justificativa trata-se dos danos psicológicos
à criança e ao adolescente, sendo que, no art. 6º, da Lei su-
pracita, existem várias ações que o juiz poderá tomar como
providência caso seja verificada a alienação parental, sendo
elas: I - declarar a ocorrência de alienação parental e advertir
o alienador; II - ampliar o regime de convivência familiar em
favor do genitor alienado; III - estipular multa ao alienador; IV
- determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicosso-
cial; V - determinar a alteração da guarda para guarda com-
partilhada ou sua inversão; VI - determinar a fixação cautelar
do domicílio da criança ou adolescente (art. 6º).

134
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Nas duas justificativas, existe um mediador (o juiz) para


intermediar o conflito, buscando uma solução, podendo che-
gar, até mesmo, afastar o genitor alienante da criança, im-
pondo multas etc.
Vislumbra-se, assim, segundo Souza e Brito (2011, p.
276) que é como se o Estado possuísse o “direito de alienar
um dos pais da vida da criança”, não contribuindo para a cons-
trução do vínculo familiar e desenvolvimento da criança.
De todo modo, existem muitas discussões acerca da
Lei supramencionada, sendo por certo que, na prática, são lis-
tadas questões que incluem a denúncia de abusos morais e
sexuais perpetrados pelos pais como motivos para que as
mães fossem enquadradas como alienante, o que seria na
perspectiva dessas mulheres uma inversão do problema e a
criminalização do exercício da maternidade vigilante (Malta e
Nicácio, 2021).
Em suma, apesar de ter motivações nobres, a lei visa,
unicamente, proteger as crianças, não analisando a condição
da mulher que sofre de violência doméstica, sendo usadas,
muitas vezes, pelo agressor para agredir emocional e psicolo-
gicamente a mãe, devendo o magistrado ter o cuidado neces-
sário.

135
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

4.3 DO CONCEITO DE GUARDA E OUTRAS ESPÉCIES

Conforme dispõe o parágrafo 1º, do artigo 1.583, do Có-


digo Civil, a guarda unilateral é atribuída a um só dos genitores
ou alguém que o substitua. Sob essa ótica, um dos genitores
terá a guarda unilateral, enquanto o outro terá o direito de vi-
sitas. Para a existência da guarda unilateral, existem vários
contextos que podem prevalecer tal instituto, como, por exem-
plo, a guarda deferida a um dos genitores decorrentes do con-
senso entre ambos (art. 1.584, I, do Código Civil) ou quando
um dos pais declarar ao juiz que não tem interesse na guarda
compartilhada, ou ainda quando o filho somente é reconhecido
por um dos pais, que, por óbvio, geralmente é a genitora, cons-
tituindo-se a família monoparental (art. 1.612, do Código Civil).

4.3.1 DA GUARDA COMPARTILHADA

Em outra ótica, para Gonçalves (2019, p. 310) a guarda


compartilhada é conceituada como a responsabilização con-
junta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que
não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar
dos filhos comuns. A guarda compartilhada é a regra geral, e
será aplicada pelo juiz se os pais não tiverem decidido de outra
forma.

136
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Caso haja discordância com quem deve ficar a guarda,


em regra (art. 1.584, parágrafo 2º, do CC) a guarda será apli-
cada, sempre que possível, a guarda compartilha, impondo
uma responsabilização conjunta e o exercício dos deveres do
poder familiar.

4.3.2 DA GUARDA ALTERNADA

Pouco aplicada no Brasil, a guarda alternada é a moda-


lidade de guarda que estabelece que os filhos possam passar
um período na residência do genitor, e, outro período na resi-
dência da genitora.
Nessa esteira, não há uma previsão legislativa no Brasil
sobre a guarda alternada, dificultando sua aplicação, sendo
que para muitos autores tal modalidade atende mais ao inte-
resse dos pais do que dos filhos, visto que a criança não é uma
propriedade para ser dividida em duas e ter vidas simultâneas.

4.4 DA GUARDA UNILATERAL

Casabona (2006), ao investigar a origem etimológica da


palavra “guarda”, encontra sua raiz no latim, guardare, que sig-
nifica proteger, conservar, olhar ou vigiar, tendo, assim, em
seu conteúdo geral, o ato ou efeito de vigiar, proteger e ampa-
rar. E a define, juridicamente: “Pode se definir a guarda como

137
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

conjunto de direitos e obrigações que se estabelece entre um


menor e seu guardião, visando a seu desenvolvimento pessoal
e integração social” (Casabona, 2006, p. 103).
Na modalidade de guarda unilateral, a modalidade pela
qual um dos genitores passa a deter a guarda dos filhos por
sentença de homologação de acordo ou decisória. Ao outro
genitor é dado o dever/direito de visita e supervisão e fiscali-
zação dos atos do guardião. (A. da Motta; Ferreira; Maria; et.
al, 2022, p. 88).
Assim, apesar do filho estar sob a guarda unilateral de
um, não tira o direito de convivência de outrem.

4.4.1 DA GUARDA UNITERAL NO CONTEXTO DE VI-


OLÊNCIA DOMÉSTICA

Segundo a Lei 11.340/2006, várias são as formas de


violência doméstica e familiar expressas na lei, sendo violên-
cia física onde há o contato que fere a integridade física da
agredida, a violência psicológica causando dessa forma danos
emocionais e decorrente humilhação, violência sexual a vítima
participa sem sua intenção de atos sexuais forcados, a violên-
cia patrimonial sendo a retenção de bens de valores e a vio-
lência moral onde há calúnia, difamação ou injuria.

138
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

A Procuradora de Justiça do Estado do Acre (2020) Pa-


trícia Rego Amorim, concedeu uma entrevista ao Portal Cata-
rinas em 14 de outubro de 2020, na qual destacou que o Es-
tado do Acre é considerado o menos seguro para as mulheres.
Ela ressaltou que o feminicídio, que representa o nível mais
grave da violência contra a mulher, é apenas o último estágio
de um problema que possui vários níveis de agressão, inclu-
indo a física, psicológica e moral. O fato de o Acre liderar o
ranking de feminicídio levanta preocupações ainda maiores
em relação aos estágios anteriores de violência enfrentados
pelas mulheres na região.
Outrossim, um artigo da Agazeta.net destacou o desa-
bafo de três autoridades policiais lotadas na Delegacia da Mu-
lher de Rio Branco, no Acre, a qual mencionaram a presença
de 4.816 inquéritos em andamento nessa unidade policial, o
que evidencia claramente a insuficiência de servidores para
lidar com essa demanda. Isso resulta na prescrição de inqué-
ritos e na sobrecarga e frustração dos funcionários, que,
mesmo se empenhando ao máximo nessa corrida contra o
tempo, têm plena consciência de que muitas vidas ficarão de-
sassistidas.
A violência contra a mulher não apenas causa sofri-
mento imediato às vítimas, mas também afeta toda a estrutura
familiar. Sob essa ótica, a rotina opressora, humilhante, brutal

139
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

e irracional dos relacionamentos dos pais, que é presenciada


pelos filhos, perpetua ciclos de violência ao longo das gera-
ções, deixando um legado prejudicial e perpetuando a nocivi-
dade da violência.
A guarda compartilhada foi regulada, desde 2014, por
força da lei 13.058, na qual os pais têm seu direito de convi-
vência e participação na vida do filho, tendo o compartilha-
mento da responsabilidade, e garantindo o desenvolvimento
psicoemocional deste. Dessa forma, mesmo em situação de
agressor, o pai que não tenha colocado em perigo a criança,
tem o direito resguardado pela lei para se continuar o vínculo
parental.
O Código Civil menciona que não haverá modificação
alguma na relação pai e filho nos casos de dissolução do ca-
samento ou união estável, estabelece, assim, o Art. 1.632:

A separação judicial, o divórcio e a dissolu-


ção da união estável não alteram as rela-
ções entre pais e filhos senão quanto ao di-
reito, que os primeiros cabem, de terem em
sua companhia os segundos.

Ainda sobre esse debate, o art. 22, inciso IV, da lei


11.340, menciona que, após constada a violência doméstica e
familiar, o juiz aplicara sentenças de separação imediatas, tais
como a restrição ou suspensão de visitas domiciliares aos

140
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

seus dependentes, ou seja, não é em todos os casos que se


terá o direito de guarda.
A vítima é assegurada no momento da denúncia que o
agressor não tenha mais contato com as medidas protetivas
de urgência da lei 11.340, parágrafo 1.º, de 2006, em que é
afastado com distância mínima fixada do convívio da mulher e
do lar, porém, não das crianças. Menciona assim:

Art. 1º Esta Lei cria mecanismos para coibir


e prevenir a violência doméstica e familiar
contra a mulher, nos termos do § 8º do art.
226 da Constituição Federal, da Convenção
sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Violência contra a Mulher, da Convenção In-
teramericana para Prevenir, Punir e Erradi-
car a Violência contra a Mulher e de outros
tratados internacionais ratificados pela Re-
pública Federativa do Brasil; dispõe sobre a
criação dos Juizados de Violência Domés-
tica e Familiar contra a Mulher; e estabelece
medidas de assistência e proteção às mu-
lheres em situação de violência doméstica e
familiar.

As medidas protetivas têm característica de urgência,


sendo usado esse recurso de imediato pela vítima, na qual
Batista (2009, p. 17) comenta que certamente o setor mais cri-
ativo e elogiável da lei reside nas medidas protetivas de urgên-
cia. Ali estão desenhadas diversas providências que podem,

141
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

no mínimo, assegurar níveis suportáveis no encaminhamento


de soluções para conflitos domésticos e patrimoniais.

Com os genitores restritos a terem qualquer contato,


vem o problema da guarda compartilhada, mas geralmente o
menor sempre fica na presença materna. Dessa forma, será
uma pessoa nomeada para fazer a intermediação entre as par-
tes de levar e buscar no local combinado, sempre atento ao
bem-estar do menor.

Observamos que a partir da guarda compartilhada apa-


rece outra situação decorrente, a alienação parental que está
prescrita no artigo 2.º da lei federal 12.318/10, onde um dos
genitores interfere negativamente de forma psicológica no me-
nor, assim a mãe ou mesmo o pai agressor poderá promover
situações que possam levar a criança querer romper laços
sentimentais com uma das partes.

Sendo essa prática crime, fala sobre: “[...] reconhece


como forma de violência psicológica os atos de alienação pa-
rental (art. 4°, II, b), sendo assegurado à vítima o direito de,
por meio de seu representante legal, pleitear medidas proteti-
vas contra o autor da violência, à luz do disposto no ECA e na
Lei Maria da Penha (art. 6° e parágrafo único)”.

142
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

O porte de arma em face do agressor ainda pode gerar


uma falta de segurança na vítima, sendo de obrigação o de-
sarmamento imediatamente no ato após a denúncia. Desse
modo, a vítima se resguarda com mais segurança durante a
vigência da guarda compartilhada e no que dure as medidas
protetivas cabíveis. Hermann ainda enfatiza sobre o afasta-
mento do violador não só fisicamente da vítima, mas um afas-
tamento do convívio afetivo (família e testemunhas), onde fica
garantido a proteção há vítima e fidedignidade da testemunha
em provas no processo.

Em face do descumprimento da medida protetiva, onde


coloca em risco todos envolvidos no processo, até os meno-
res. Acontece duas situações, a multa diária ou a própria pri-
são preventiva onde se encontra mencionada no Código de
Processo Penal no art. 313, inciso III, o texto fala sobre a pos-
sibilidade de prisão preventiva: “se o crime envolve violência
doméstica e familiar contra a mulher, criança ou adolescente,
idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a exe-
cução das medidas protetivas de urgência”. Dessa forma,
deixa a vítima mais segura em casos de desobediência em
parte do autor da agressão doméstica.

4.4.2 PROJETO DE LEI N.º 29 DE 2020

143
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

O Deputado Denis Bezerra, do partido PSB/CE, apre-


sentou à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, em 4 de
fevereiro de 2020, o Projeto de Lei n.º 29/2020, com o objetivo
de promover alterações no artigo 1.584, caput, parágrafo 2º,
do Código Civil de 2002, e incluir o artigo 699 – A ao Código
de Processo Civil. O projeto propõe estabelecer como causa
impeditiva da concessão da guarda compartilhada os casos
que envolvem violência doméstica, além de impor ao magis-
trado a obrigação de questionar previamente o Ministério Pú-
blico e as partes sobre situações de violência doméstica ou
familiar que envolvam os pais ou o filho.
O argumento central do autor do Projeto de Lei é que a
guarda compartilhada, que atualmente é a regra geral, nem
sempre atende ao Princípio do Melhor Interesse da Criança e
do Adolescente em casos específicos. Em algumas situações,
torna-se inviável estabelecer a guarda compartilhada, especi-
almente quando há a ocorrência de violência doméstica ou fa-
miliar entre os genitores ou em relação aos filhos. O deputado
argumenta que, nesses casos, o juiz deveria conceder imedi-
atamente a guarda unilateral ao genitor que não tenha come-
tido atos de violência.
Em 29 de março de 2023, o Projeto de Lei foi aprovado
pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Portanto, o
projeto estabelece o risco de violência doméstica ou familiar

144
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

como um impedimento à guarda compartilhada de crianças e


adolescentes, reforçando o dever do juiz de investigar previa-
mente casos de violência doméstica ou familiar envolvendo o
casal ou os filhos. Essa aprovação reforça a tendência de
afastar a guarda compartilhada em situações de violência do-
méstica, trazendo mais clareza e segurança jurídica à matéria.

4.4.3 DA GUARDA UNILATERAL NO CONTEXTO DE VIO-


LÊNCIA DOMÉSTICA E A JURISPRUDÊNCIA MODERNA

A jurisprudência atual tem decidido que, em casos de


violência doméstica contra mães, o magistrado deverá obser-
var alguns pontos determinantes e fundamentais para a deci-
são, como o deferimento da guarda unilateral à genitora e o
afastamento do cônjuge do lar conjugal na sua proporcionali-
dade e caso concreto.
Vejamos a decisão da Décima Câmera Cível do Tribu-
nal de Justiça do Rio de Janeiro, que salienta sobre o simples
registro de ocorrência policial e a medida protetiva de urgência
ao juízo:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE FAMÍLIA.


GUARDA UNILATERAL REQUERIDA PELA
GENITORA, QUE EXERCE A GUARDA DE
FATO DO FILHO. ALEGAÇÃO DE VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA
CONFERINDO A GUARDA COMPARTILHADA.

145
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PRIN-


CÍPIO DO MELHOR INTERESSE DOS MENO-
RES. NÃO OPOSIÇÃO DO GENITOR. PROVI-
MENTO DO RECURSO. 1. Nas ações envol-
vendo a disputa pela guarda de menor deve ser
observado o princípio do melhor interesse, além
das garantias de segurança afetiva e emocional,
promoção da saúde e do desenvolvimento sadio,
da educação e dos atributos intelectuais, além do
afeto e de um salutar convívio familiar, cabendo
a guarda àquele que demonstra reunir as melho-
res condições para dirigir a educação dos meno-
res. 2. Na hipótese há elementos probatórios que
desaconselham a guarda compartilhada, notada-
mente o boletim de ocorrência com registro de
que o genitor praticou violência doméstica contra
a genitora, consistente em lesão corporal, ame-
aça e injúria, que ultimou a aplicação de medidas
protetivas, em caráter de urgência em processo
judicial que tramitou em Juizado de Violência Do-
méstica e Familiar contra Mulher neste Tribunal
de Justiça. 3. Guarda unilateral que se concede
em favor da genitora. 4. Provimento do recurso.
(TJ-RJ - Apelação Cível: 0174999-
41.2011.8.19.0001, Relator: Elton Martinez Car-
valho Leme, Data de Julgamento: 17/02/2016,
Décima Câmara Cível)

Em sentido semelhante, a Oitava Câmera Cível Espe-


cializada do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, de forma as-
sertiva, decidiu que, existindo boletins de ocorrência juntado
aos autos, mostra-se necessário o deferimento da guarda uni-
lateral em favor da mãe. Vejamos, in verbis:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE


GUARDA COMPARTILHADA - DIVERGÊN-
CIAS E FALTA DE CONSENSO ENTRE OS

146
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

GENITORES - EXISTÊNCIA DE MEDIDA PRO-


TETIVA EM FAVOR DA GENITORA - GUARDA
COMPARTILHADA DESACONSELHADA -
GUARDA UNILATERAL COM A MÃE - REGU-
LAMENTAÇÃO DE VISITAS - NECESSIDADE -
MELHOR INTERESSE DAS MENORES - OB-
SERVÂNCIA - RECURSO PROVIDO EM
PARTE. - O instituto da guarda deve atender,
primordialmente, ao princípio do melhor inte-
resse do menor, ao encontro da regra da prote-
ção integral infanto-juvenil esculpida no art. 227
da Constituição Federal - Nesse sentido, a Lei
nº 11.698/08, com o escopo de melhor atender
aos interesses do menor, estabelece a guarda
compartilhada como regra, a qual somente pode
ser afastada quando as circunstâncias de or-
dem pessoal concretas assim determinarem,
como em casos de sensíveis e inconciliáveis de-
savenças entre os genitores, o que se verifica
nesta demanda - No caso em análise, diante da
existência de medida protetiva em favor da ge-
nitora e considerando ainda os vários boletins
de ocorrência juntados aos autos, mostra-se
clara a divergência e a falta de consenso entre
os genitores, sendo desaconselhada a guarda
compartilhada das menores - Estabelecida a
guarda unilateral com a genitora, deve ser regu-
lamentado o direito de visitas, o qual se vincula
ao princípio da proteção integral do menor, de
quem não deve ser excluída a convivência com
o outro genitor.
(TJ-MG - AC: 10000210646832001 MG, Rela-
tor: Ângela de Lourdes Rodrigues, Data de Jul-
gamento: 28/04/2022, Câmaras Especializadas
Cíveis / 8ª Câmara Cível Especializada, Data de
Publicação: 02/05/2022)

Ainda, custa salientar sobre o andamento de qualquer


processo criminal que o genitor configurar como polo passivo

147
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

por ter supostamente agredido os filhos, que, havendo míni-


mos indícios, deve ser deferido a guarda unilateral em favor
da mãe:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO CIVIL.


GUARDA COMPARTILHADA. INVIABILIDADE.
MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. MAUS
TRATOS. EM APURAÇÃO. VIOLÊNCIA DO-
MÉSTICA E FAMILIAR. LITIGIOSIDADE. IN-
CREMENTO DO RISCO DE NOVAS AGRES-
SÕES. GUARDA UNILATERAL. CABÍVEL. DE-
CISÃO REFORMADA. 1. O artigo 1.584, pará-
grafo 2º, do Código Civil determina a fixação da
guarda compartilhada quando ambos os genito-
res encontrarem-se aptos a exercer o poder fa-
miliar, não havendo entre eles acordo relativa-
mente à guarda do filho comum. 2. No caso em
tela, a guarda compartilhada, resta inviável con-
soante com o melhor interesse da criança, pois
pendentes investigações criminais a respeito de
possíveis práticas de maus tratos praticadas
pelo genitor contra os filhos. 3. Demais, nas re-
lações em que há litigiosidade entre as partes,
a tomada de decisões conjuntas em relação aos
filhos se torna momento de acirramento dos
conflitos, cujos reflexos atingem não só as par-
tes diretamente envolvidas, mas também as cri-
anças, uma vez que, formando parte do núcleo
familiar, são inevitavelmente afetadas pelos atri-
tos vivenciados pelos pais. 4. Por fim, em casos
nos quais há indícios de violência doméstica e
familiar, a guarda compartilhada é incompatível
por constituir fator de incremento do risco de no-
vas agressões contra a vítima. 5. Conforme dis-
posto pelo quadro fático apresentado nos autos,
inexiste qualquer elemento que desabone a
conduta da mãe perante os filhos, fato que a co-
loca, portanto, em posição mais indicada ao
exercício da guarda, de forma unilateral, no pre-
sente momento. 6. Agravo de Instrumento co-
nhecido e provido.

148
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

(TJ-DF 07045786620188070000 - Segredo de


Justiça 0704578-66.2018.8.07.0000, Relator:
EUSTÁQUIO DE CASTRO, Data de Julga-
mento: 31/01/2019, 8ª Turma Cível, Data de Pu-
blicação: Publicado no DJE : 04/02/2019 . Pág.:
Sem Página Cadastrada.)

Nas análises das decisões, o interesse do menor, sua


segurança e seu desenvolvimento são os objetivos primordiais
para o deferimento da guarda unilateral no contexto de violên-
cia doméstica, uma vez que a agressão não só atinge a mãe,
mas também os filhos. Como dito anteriormente, os números
de violência doméstica contra mulheres são preocupantes, de-
vendo o juízo se ater ao caso concreto e observar o melhor
interesse do menor, devendo ficar sob a guarda da mãe.

4.4.3 DAS CONSEQUÊNCIAS DA VIOLÊNCIA CONJUGAL


SOBRE OS FILHOS

A violência conjugal é um tipo de violência (física, se-


xual, moral, patrimonial ou psicológica) cometido por um ho-
mem ou uma mulher em um relacionamento íntimo, seja pre-
térito ou atual. Assim, a violência conjugal é uma forma de vi-
olência doméstica. Apesar de poder ser praticada tanto por
homens quanto por mulheres, é certo que as mulheres sofrem
mais com a conduta descrita.

149
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Trazendo dados para comprovar tal afirmação, o Rela-


tório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública apontou, em
2020, que foram 1.350 casos de feminicídio no Brasil, um a
cada seis horas e meia, e 80 das vítimas eram mães dos lares
na qual um homem tentou matar uma mulher (Zanlorenzi,
2021)
Em 29 de março de 2023, a direção da Polícia Civil do
Acre (PCAC) divulgou dados da Operação Átria, que visa com-
bater à violência contra a mulher. No Estado, a ação alcançou
14 municípios, e em 30 dias foram atendidas uma de 400 mu-
lheres, vítimas de algum tipo de violência. No total, foram 20
mandados de prisão e 31 mandados de prisão preventiva que
foram expedidos pela Justiça e cumpridos pelos policiais, além
de 2 mandados de prisão temporária, 309 medidas protetivas,
3 armas apreendidas e 19 prisões em flagrante (Pinheiro,
2023).
Nesse ínterim, não se pode negar que a maior parte das
violências domésticas estão particularizadas na violência con-
jugal. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o
estado acreano registrou taxa de 2,7 feminicídios por 100 mil
mulheres, tornando o Acre um dos estados com maior taxa de
feminicídio do país, em conjunto com Tocantins e Mato Grosso
do Sul, que registraram uma taxa uma média de 1,2 casos por
100 mil mulheres. Em 2021, o estado do acreano registrou 29

150
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

homicídios dolosos contra mulheres, número 6,4% menor que


o registrado em 2020, contudo, observa-se que o Acre em
2020 tinha ficado em quarto lugar entre estados com maiores
taxas de feminicídio (Rodrigues, 2022).
Um caso que chocou o estado fora o caso da Adriana
Paulichen, ocorrido em 2021, após seu então marido, Hítalo
Marinho Gouveia, golpeou-a com uma faca e a estrangulou na
frente do seu filho, que na época tinha seis meses. Outro caso
fora da Kátia da Cruz Bernardo, assassinada a golpes de ter-
çado e arrastada de dentro de casa até a rua, em Cruzeiro do
Sul, cometido pelo então marido Marcos de Lima Nicácio, na
frente dos filhos (Rodrigues, 2022).
Nessa esteira, a maior parte da violência doméstica
está interligada a violência conjugal, esta que, infelizmente, no
Brasil e no estado do Acre tem terminado em feminicídio, um
homicídio qualificado pela motivação da condição de gênero,
sendo que os crimes, como nos exemplos demostrados acima,
são cometidos na presença dos filhos, não importando a
idade, criando-se um trauma na criança que dificilmente irá es-
quecer o ocorrido e irá gerar sequelas irreversíveis.
Pois bem, a primeira consequência da violência conju-
gal é o impacto no desenvolvimento integral da criança ou ado-
lescente. Esse impacto no desenvolvimento integral poderá

151
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ocasionar angústias e medo, uma vez que a criança e o ado-


lescente esperam proteção, amor e carinho, e tendo a violên-
cia como demonstração de “afeto” provoca insegurança e in-
felicidade, ocasionando resultados que prejudicam seu desen-
volvimento, favorecendo para o seu desajustamento global em
diferentes níveis, como fisiológico, emocional, cognitivo e
comportamental (Santana, 2022).
Com efeito, estudos demostraram que mesmo as crian-
ças pequenas podem sofrer um impacto negativo direto da ex-
posição à violência entre os pais, uma vez que indiretamente
lesam o desenvolvimento da criança, sentindo alterações na
forma e funcionamento familiar, sendo o nível de vinculação,
da responsabilidade parental e das práticas educativas (San-
tana, 2022).
Existem diversos estudos que demostram a importância
dos 7 primeiros anos de uma criança, isto é, a arquitetura o
cérebro é estabelecido nos primeiros anos e impacta na apren-
dizagem, no comportamento e na saúde ao longe de toda a
vida, podendo ser resumida na famosa frase de autor desco-
nhecido “o adulto que você é hoje é fruto da sua infância”. En-
tão, se uma criança cresce em um ambiente violento, terá, em
grande percentagem, a ser violenta. Se cresce em um ambi-
ente social saudável, terá, futuramente, uma grande percenta-
gem em ser um adulto que não tende a ser violento, não sendo

152
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

uma ciência exata, mas explicando de forma geral a teoria da


aprendizagem de Vitotski, pois o contexto social e os primeiros
contatos na sociedade – que começa pelos ensinamentos e
convivência com nossos pais – são determinantes quando se
fala em desenvolvimento cognitivo.
Em síntese, a violência conjugal traz diversas conse-
quências aos filhos, podendo causar problemas cognitivos,
doenças e até mesmo dependência química futura, uma vez
que em diversos relatos de usuários, sempre há relatos que
começaram a usar drogas por problemas de ordem emocional,
psicológico ou social que passou, seja uma agressão física ou
abuso sofrido, ou a vivência em um ambiente violento, presen-
ciando constantes agressões.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, o tema busca analisar, de forma ob-


jetiva, uma questão complexa e que requer uma análise cui-
dadosa, levando em consideração o melhor interesse das cri-
anças envolvidas. A violência doméstica representa uma vio-
lação dos direitos humanos e afeta diretamente a segurança e
o bem-estar das vítimas, incluindo a genitora e os filhos, tra-
zendo consequências psicológicas que podem durar uma
vida, também impactando a sociedade como um todo.

153
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

A proteção da vítima de violência doméstica é primor-


dial, e a decisão sobre a guarda dos filhos deve ser baseada
em uma avaliação minuciosa das circunstâncias individuais,
observando-se que a guarda unilateral em favor da genitora é
a opção mais adequada quando envolve um histórico compro-
vado de violência doméstica, garantindo assim a segurança e
a proteção das crianças.
Sobre o assunto, a legislação brasileira tem evoluído,
existindo vários projetos de lei que propõem explicitar a exce-
ção à guarda compartilhada nos casos de violência doméstica,
reconhecendo que a convivência conjunta dos pais pode não
ser apropriada quando há risco a segurança das crianças e da
genitora.
A jurisprudência vem reconhecendo diversas possibili-
dades de concessão da guarda unilateral em casos de violên-
cia doméstica, levando em consideração o contexto multiface-
tado das relações humanas afetadas pela violência, enten-
dendo os tribunais que devem ser preservados sempre a inte-
gridade física e psicológica dos filhos e da genitora envolvida.
Ademais, a violência doméstica traz consequências sig-
nificativas nos filhos que presenciam ou são expostos a essa
realidade. Essas consequências podem abranger um trauma
emocional; problemas de saúde mental; baixo desempenho
acadêmico; problemas comportamentais; baixa autoestima e

154
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

padrões disfuncionais, sendo certo que as crianças que cres-


cem em um ambiente de violência, além de ter dificuldades em
criar relacionamentos futuros, também terão dificuldades de
controlar suas emoções, lidar com o estresse e resolver con-
flitos de forma saudável, dentre outras consequências sérias.
Em síntese, a guarda unilateral em casos de violência
doméstica é a medida mais adequada para garantir a segu-
rança das crianças e da genitora vítima. Tanto a legislação
quanto a jurisprudência reconhecem a necessidade de flexibi-
lizar a guarda compartilhada em situações de violência, vi-
sando preservar o bem-estar e a proteção das vítimas. Acre-
dita-se que o agressor, em casos de guarda compartilhada,
estaria mais próximo de cometer novamente uma nova violên-
cia doméstica do que se redimir dos seus atos, não podendo
a vítima ser desamparada pela forma implícita na lei sobre o
assunto.

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159
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

5
A IMPORTÂNCIA DA LEI 8.072/90 DOS
CRIMES HEDIONDOS

THE IMPORT OF LAW 8.072/90


OF HEINOUS CRIMES

Ana Clara Silva de Souza9


Arthur Braga de Souza10

SOUZA, Ana Clara Silva de. A importância da lei 8.072/90 dos


crimes hediondos.. Trabalho de Conclusão de Curso de gradua-
ção em Direito – Centro Universitário UNINORTE, Rio Branco.
2023.

9
Discente do 9º período do curso de bacharelado em Direito pelo Centro
Universitário Uninorte.
10
Graduado em Direito pelo Centro Universitário Uninorte. Pós- Graduado
em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes. Servidor
Público Federal do TRF da 1ª Região. Coordenador Adjunto e Professor
do Curso de Direito do Centro Universitário Uninorte.

160
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

RESUMO

O presente estudo tem como objetivo principal demonstrar a


importância da Lei 8.072/90, que trata dos crimes hediondos.
Embora seja um assunto amplamente reconhecido, ainda é
fundamental abordá-lo com maior ênfase, dada a sua impor-
tância contínua. A lei visa proteger a sociedade contra crimes
violentos considerados hediondos, promovendo a justiça, res-
ponsabilizando criminosos, reduzindo a reincidência, refor-
çando valores éticos, fortalecendo a confiança na justiça e
coibindo atividades criminosas. Essa lei desempenha um pa-
pel crucial na manutenção da ordem pública e na segurança
da sociedade. A metodologia empregada englobou uma pes-
quisa abrangente sobre a natureza da lei e sua importância
na atualidade, com abordagem exploratória utilizando estu-
dos de casos. Essa abordagem proporcionou uma visão
abrangente sobre a relevância da Lei 8.072/90. A criação
desta lei introduziu mudanças significativas no tratamento dos
crimes hediondos, e, ao longo dos anos, foi dada uma aten-
ção maior a esses crimes e ao seu tratamento no sistema de
justiça brasileiro, destacando assim sua importância. Por-
tanto, a análise crítica desta lei estimula a busca pela efetivi-
dade da justiça dentro do contexto do sistema judiciário bra-
sileiro, e isso implica na disposição de considerar alterações
necessárias para aprimorar a aplicação dessa legislaTção,
quando requerido, a fim de assegurar um sistema de justiça
mais eficaz e alinhado com as demandas da sociedade.
Palavras-chave: hediondos; graves; crimes; Lei 8.072/90; di-
reito penal.

161
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ABSTRACT

The main objective of this study is to demonstrate the im-


portance of Law 8.072/90, which deals with heinous crimes.
Although it is a widely recognized subject, it is still essential to
address it with greater emphasis, given its ongoing im-
portance. The law aims to protect society from heinous violent
crimes, promoting justice, holding criminals accountable, re-
ducing recidivism, reinforcing ethical values, strengthening
public confidence in the justice system, and deterring criminal
activity. This law plays a crucial role in maintaining public or-
der and societal security. The methodology employed in-
volved an extensive research on the nature of the law and its
importance in the present day, with an exploratory approach
using case studies. This approach provided a comprehensive
understanding of the relevance of Law 8.072/90. The creation
of this law introduced significant changes in the treatment of
heinous crimes, and over the years, greater attention has
been given to these crimes and their treatment in the Brazilian
justice system, thus highlighting their importance. Therefore,
a critical analysis of this law encourages the pursuit of the ef-
fectiveness of justice within the context of the Brazilian judicial
system, and this implies the willingness to consider necessary
changes to improve the application of this legislation, when
required, in order to ensure a more effective justice system
that is aligned with the demands of society.

Keywords: heinous; serious; crimes; Law 8.072/90; criminal


law.

162
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

INTRODUÇÃO
Este artigo discute a Lei 8.072/90, dos crimes hedion-
dos, que surgiu como resposta a uma onda de crimes violen-
tos e sequestros no Brasil, com casos emblemáticos como o
assassinato da atriz Daniela Perez em 1992. A Constituição
Federal já previa a necessidade de uma lei rigorosa para es-
ses crimes.
Apesar de dúvidas sobre sua eficácia, a lei desempe-
nha um papel importante ao punir de forma rigorosa autores
de crimes graves (hediondos), tornando-os inafiançáveis e in-
suscetíveis de graça ou anistia. No entanto, o debate continua
sobre como equilibrar a punição com a reintegração dos in-
fratores na sociedade.
Os crimes hediondos são considerados particular-
mente graves devido ao seu potencial ofensivo e à profunda
indignação que causam na sociedade. Algumas categorias de
crimes, como estupro, homicídio qualificado, são classifica-
das como hediondas. O tratamento mais severo desses cri-
mes varia dependendo da cultura da sociedade. É importante
notar que, embora esses crimes exijam punições rigorosas, é
essencial respeitar os direitos humanos e não recorrer a me-
didas extremas, como a pena de morte, por exemplo.
A lei brasileira define especificamente quais crimes são
considerados hediondos e impõe punições correspondentes

163
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

a eles. Além disso, a Constituição Federal proíbe a concessão


de graça, indulto ou anistia para esses crimes, garantindo
uma abordagem mais rígida.
A história mostra que, apesar do avanço tecnológico e
da modernidade, crimes hediondos continuam a ocorrer regu-
larmente. A eficácia da lei de crimes hediondos ainda é incerta
e, mesmo após 23 anos de sua implementação, há dúvidas
sobre seu impacto real na redução da criminalidade.
O aumento das penas não garante necessariamente a
segurança da sociedade. Alguns argumentam que simples-
mente rotular crimes como hediondos e aumentar as penas
não desmantela organizações criminosas, como quadrilhas
de tráfico de drogas ou grupos de sequestro. A realidade mos-
tra que, em alguns casos, esses crimes continuam a aumen-
tar.
Portanto, a resposta à criminalidade não deve se limi-
tar apenas à punição, mas também à prevenção. Isso envolve
abordar questões sociais, de saúde mental e oportunidades
para diminuir a incidência desses crimes. A prevenção de cri-
mes hediondos no contexto legal requer uma abordagem mul-
tifacetada, incluindo medidas legislativas, investigações efica-
zes, políticas de segurança e esforços para enfrentar as cau-
sas subjacentes da criminalidade, além do fortalecimento do
sistema de justiça criminal.

164
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

5.1 BREVE HISTÓRICO SOBRE OS CRIMES HEDIONDOS


Desde bem antes da Lei 8.072/90, a sociedade vem há
bastante tempo tentando alcançar a segurança pública por
meio da criação de atos legislativos, trazendo uma falsa sen-
sação de segurança, que apenas ameniza o medo do dia a
dia.
Alguns atos atendem apenas ao direito penal de urgên-
cia e emergência, chamado de direito penal simbólico, pois
servem para a punição de crimes visando apenas atender a
um clamor social e não a proteção efetiva do bem jurídico.
Nesses casos, o direito penal é usado como um instru-
mento demagógico, com a aprovação de leis mais duras no
papel, mas que, na realidade, não são eficazes no sentido de
diminuir a criminalidade. Tais leis, muitas vezes, são criadas
em regime de urgência como forma de resposta à sociedade,
causando um falso sentimento de justiça e segurança. Um
exemplo é a lei de crimes hediondos, que foi criada devido ao
clamor popular, em razão de casos de grande repercussão.
O que seria hediondo? Classificado como um adjetivo
masculino, hediondo é tudo aquilo considerado imundo, feio,
repugnante, cruel, horrível. Se formos considerar o sentido fi-
gurado hediondo seria algo fedorento.
No ano de 1990 foi promulgada a Lei 8.072 com rela-
ção a crimes hediondos. Originalmente, o grande fator para a

165
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

criação desta lei, foi a grande leva de sequestros que estavam


ocorrendo, como também a demasiada quantidade de assas-
sinatos no país.
Neste prumo, conforme Monteiro (2015), o pânico to-
mou de conta da sociedade brasileira, justamente devido a
uma onda de sequestros no Rio de Janeiro, que resultou no
caso do empresário Roberto Medina e que foi o evento deci-
sivo para a criação da mencionada lei, atendendo os pedidos
da sociedade, que exigia que medidas drásticas fossem to-
madas, para trazer a sensação de segurança a população.

[…] devemos entender o momento de pânico


que atingia alguns setores da sociedade brasi-
leira, sobretudo por causa da onda de seques-
tros no Rio de Janeiro, culminando com o do
empresário Roberto Medina, irmão do Deputado
Federal pelo Estado do Rio de Janeiro, Rubens
Medina, considerado a gota d’água para a edi-
ção da lei.
O clima emocional para o surgimento de dispo-
sitivos duros que combatessem os chamados
crimes hediondos estava assim criado. A socie-
dade exigia uma providência drástica para pôr
fim ao ambiente de insegurança vivido no País.
O Governo precisava dar ao povo a sensação
de segurança. (Monteiro, 2015, p.12).

Para o doutrinador Antônio Lopes Monteiro, considera-


se hediondo:

[...] Quando a conduta delituosa estiver reves-


tida de excepcional gravidade, quando o agente

166
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

revela total desprezo pela vítima, insensível ao


sofrimento físico ou moral (Monteiro, 2015,
p.16).”
... Se perguntarmos a qualquer do povo o que
seria um crime hediondo, obteremos certamente
expressões como estas: o crime que é cometido
de forma brutal; o que causa indignação às pes-
soas quando dele tomam conhecimento; o que
é sórdido, repugnante..., Não podemos criticar
esse entendimento leigo. Ele revela, de fato, o
significado da palavra “hediondo”, quando en-
tendida em seu conteúdo qualificativo. Aurélio,
em seu dicionário, informa-nos que o vocábulo
origina-se do espanhol, significando “repelente,
repulsivo, horrendo…
Teríamos assim um crime hediondo toda vez
que uma conduta delituosa estivesse revestida
de excepcional gravidade, seja na execução,
quando o agente revela total desprezo pela ví-
tima, insensível ao sofrimento físico ou moral a
que a submete, seja quanto à natureza do bem
jurídico ofendido, seja ainda pela especial con-
dição das vítimas. (Monteiro, 2015, p.17).

A Lei de Crimes Hediondos, Lei n.º 8.072/90, teve seu


trâmite em caráter de urgência devido à repercussão popular.
Esta foi sancionada pelo presidente Fernando Collor de Mello,
no ano de 1990, logo após o sequestro do empresário Ro-
berto Medina, como um instrumento de um dispositivo consti-
tucional de criminalização.
Um dos casos que impulsionou a criação da lei foi o do
sequestro e assassinato da atriz Daniela Perez, filha da dra-
maturga Glória Perez, ocorrido no ano de 1992, no estado do
Rio de Janeiro, que foi algo muito impactante e causou

167
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

grande comoção popular. Até nos dias de hoje impressiona,


pela grande repercussão midiática que teve na época. A
grande influência dos envolvidos tornou o crime famoso, a
ponto de alterar a lei penal.
O assassinato de Daniela Perez ocorreu de forma dura
e cruel, derivado de inveja por conta de sua atuação impecá-
vel na novela “De Corpo e Alma”, que acabou chamando aten-
ção de seu assassino e parceiro de gravações Guilherme de
Pádua. Ele a emboscou na saída do estúdio, após a gravação
da novela que estavam contracenando. Daniela foi seques-
trada num posto de gasolina por meios de socos, e, após cair
desacordada, o criminoso a levou para um terreno baldio na
Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Neste local, ele a apunha-
lou mais de 18 vezes com várias facadas, conforme perícia,
no coração, pescoço e pulmão.
O caso da atriz foi a gota d'água para o legislador mu-
dar o tratamento penal e criar a lei de crimes hediondos, no
ano de 1990, uma vez que já havia ocorrido crimes dessa na-
tureza com outras pessoas influentes como, por exemplo, o
sequestro do empresário Roberto Medina.
O sequestro deste empresário ocorreu no ano de 1990,
quando Roberto Medina saía da sua agência de publicidade,
nomeada como Artplan. Ele ficou em cativeiro durante 17
dias, sendo liberto somente quando sua família pagou uma

168
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

grande quantia de resgate. Após esse caso, o sequestro foi


considerado também como crime hediondo.
Muito embora tenha havido atraso legislativo, o art. 5º,
XLIII da Constituição Federal, de 1988, já determinava a cria-
ção de uma lei que punisse de modo mais eficaz os autores
de crimes hediondos. Considerando os crimes inafiançáveis
e insuscetíveis de graça ou anistia, ou seja, as pessoas con-
denadas por esses delitos não podem receber estes tipos de
benefícios, devendo cumprir a pena de modo mais completo
que os demais criminosos, condenados por outros crimes.
Ademais, conforme o doutrinador Antônio Lopes Mon-
teiro (2015), houve uma pressa no momento de promulgação
da lei de crimes hediondos, visto que, no Rio de Janeiro, havia
uma onda de sequestros muito grande. Assim, a sociedade
precisava que o estado tomasse alguma medida.
Mas a sociedade se encontrou com uma grande dú-
vida: se realmente esta lei teria resultados. O doutrinador An-
tonio Lopes Monteiro teve dúvidas a respeito disto e chegou
a afirmar que a criminalidade estava bastante avançada e or-
ganizada, nos lançando a seguinte pergunta:

[...] se não tivesse sido editada essa lei, em que


situação o país estaria? Aliás, diversas consta-
tações nos levam à conclusão de que, enquanto
a Lei n. 8.072/90 vigorou na sua forma original
(apenas com as alterações da Lei n. 8.930/94),

169
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

as coisas estavam bem melhores.” (Monteiro,


2015, pg. 12.).

De certa forma, suas dúvidas eram válidas, se formos


pensar um pouco, a lei só foi mudada por conta de repercus-
sões midiáticas. O que se esperar de um sistema que fecha
os olhos para casos bem parecidos, porém, não conhecidos
para apenas validar o desespero de algum famoso - com in-
fluência sobre a sociedade - para poder fazer algo e não sair
taxado como um sistema falho - apesar de serem nítidas suas
falhas? A sociedade necessita de voz e pessoas famosas
para conseguir ter alguma resposta e solução para esses ti-
pos de casos graves, já que o sistema por si só não os re-
solve?
Portanto, Monteiro (2015) acredita que deve ser dado
sim o benefício da dúvida, se esta lei de crimes hediondos, o
qual já foi editada há mais de vinte quatro anos, traz algum
tipo de benefício à sociedade, se de fato vem ajudando a di-
minuir a criminalidade relacionada a hediondez, etc.
Conforme Fuller e Junqueira (2010), não cabe ao le-
gislador estabelecer um rol taxativo de crimes hediondos, as-
sim apresentando os aspectos gerais em se tratando do juiz
avaliando a respeito da hediondez, bem como a gravidade e
as consequências do crime.

170
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Ao legislador não caberia preestabelecer um rol


taxativo de crimes hediondos, mas apresentar
“aspectos gerais” a serem sopesados pelo Juiz
quando da avaliação da hediondez, tais como a
gravidade objetiva do fato, o modo ou o meio de
execução, os motivos e as consequências do
crime, a dimensão do bem jurídico atingido, re-
quintes de crueldade etc.
Esclarecendo o mecanismo do sistema judicial,
João José Leal leciona que “o critério que defen-
demos e que nos parece razoável não implica
classificar determinados crimes por si mesmos
como compulsoriamente hediondos, mas em
considerá-los como tais somente diante de cer-
tas circunstâncias, quando praticados por moti-
vos acentuadamente ignóbeis, ou quando cau-
sarem consequências extremamente graves,
como seria o caso de um estupro praticado me-
diante tortura, lesões gravíssimas ou morte da
vítima. Assim, caberia à lei positiva fixar objeti-
vamente o rol dessas circunstâncias agravado-
ras da conduta criminosa, mas a apreciação de
tais circunstâncias, motivos ou consequências
ficaria sujeita ao poder discricionário do juiz que,
em cada caso concreto, teria a liberdade de de-
cidir sobre o caráter de hediondez do crime
grave praticado” 1005. (Fuller; Junqueira, 2010,
pg. 131.)

Há um consenso que aqueles que cometem crimes he-


diondos merecem ser punidos, de acordo com a norma penal
mais grave. Assim, há um meio de conforto e segurança para
a sociedade quando a justiça aplica uma punição exemplar.
Vale ressaltar que, além da punição, deve haver a rein-
tegração dos infratores na sociedade, visto que, esse é um

171
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

dos objetos da pena: ser reeducado para retornar ao meio so-


cial. Mas não é o que se vê. Embora a punição seja necessá-
ria, também se faz preciso criar novas medidas para que haja
menos reincidência, reeducando os infratores e os inserindo
na sociedade novamente.
Portanto, a tipificação dos crimes hediondos acaba tra-
zendo à sociedade segurança e uma resposta penal justa,
proporcionando então a sua proteção, ainda que de modo in-
completo.

5.2 OS CRIMES HEDIONDOS NA LEGISLAÇÃO BRASI-


LEIRA

Os crimes hediondos se destacam devido ao seu


grande potencial ofensivo. Acabam por receber esta classifi-
cação, pois a sua ocorrência causa grande indignação na
nossa sociedade, por conta disto são tratados com mais rigor.
Por outro lado, existem crimes que não são classificados
como hediondos, porém a penalidade é a mesma que estes
crimes, sendo estes: tortura, terrorismo e tráfico de entorpe-
centes. Estes são chamados equiparados a hediondos.
No Brasil, os crimes hediondos são determinados pela
Lei n.º 8.072/1990, denominado de sistema legal. Essa lei es-

172
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

tabelece uma lista de crimes que são considerados hedion-


dos, com penas mais severas e restrições mais rigorosas no
que concerne à concessão de benefícios.
Em alguns países é o juiz que determina se uma lei
será considerada hediondo ou não, diferentemente do Brasil
como supracitado, por exemplo, nos Estados Unidos (EUA),
em alguns estados, o juiz tem a responsabilidade de determi-
nar se um crime é hediondo ou não. No país, não há uma
definição única de "crime hediondo" em nível federal, em vez
disso, essa classificação varia de acordo com as leis estadu-
ais, com cada estado possuindo suas próprias regulamenta-
ções sobre quais crimes se encaixam nessa categoria.
Para o doutrinador Cezar Roberto Bitencourt (2022),
os crimes hediondos são aqueles considerados repugnantes
e mais repulsivos para a sociedade, de uma forma tão intensa
que cause indignação profunda na mesma. Por isso, recebem
tratamento completamente diferente de outros crimes comuns
por nossa legislação penal, sendo disciplinados de maneira
mais severa.
Entretanto, Bitencourt também ressalta que, apesar de
quão grave tenha sido o crime, não se deve abordá-los com
medidas consideradas extremas, que venham a violar os di-
reitos humanos, como, por exemplo, pena de morte ou cruéis,
seguindo a máxima de que os iguais devem ser tratados de

173
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

acordo com suas igualdades, assim como os desiguais de-


vem ser tratados de acordo com suas desigualdades. Em ou-
tras palavras, o combate a qualquer tipo de crime deve ser
feito dentro dos limites da lei, respeitando os direitos funda-
mentais de todo ser humano e observando a proporcionali-
dade.
Mas como a legislação penal brasileira aborda os cri-
mes hediondos? Bom, como sabemos, são considerados cri-
mes hediondos aqueles crimes mais graves e de acordo com
a Lei n.º 8.072/90, são os seguintes:
● Homicídio, (sendo este qualificado ou simples prati-
cado por grupo de extermínio);
● Roubo;
● Extorsão qualificada por morte;
● Extorsão mediante sequestro e na forma qualifi-
cada;
● Estupro;
● Estupro de vulnerável;
● Epidemia com resultado morte;
● Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de
produto destinado a fins terapêuticos, ou medicinais;
● Favorecimento da prostituição ou exploração sexual
de criança, adolescente ou de vulnerável;

174
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

● Furto qualificado pelo emprego de explosivos ou de


artefato análogo;
● Genocídio;
● Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso res-
trito;
● Comercio ilegal de arma de fogo;
● Tráfico internacional de arma de fogo, acessório ou
munição;
● Organização criminosa, quando esta for direcionada
a prática de crime hediondo ou equiparado.

Também há os crimes equiparados a hediondos, são


aqueles que não estão listados na lei específica, porém rece-
bem o mesmo tratamento jurídico dos crimes considerados
hediondos. Sendo estes previstos na Constituição Federal de
1988, conforme o art. 5º. XLIII:

● Tortura;
● Terrorismo;
● Tráfico ilícito de entorpecentes.

Vale destacar que a norma vigente entende que crimes


hediondos podem ser também de forma tentada.
Esses crimes, em específico, são considerados mais

175
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

graves em vista de outros crimes, por conta de sua forma


cruel e violenta, ou até mesmo pela sua grande incidência, ou
ainda pelo bem jurídico que é tutelado. São vistos assim pela
sociedade e exigem penas de acordo com a crueldade come-
tida, uma vez que são uma forma alarmante de ameaça à se-
gurança social.
Na impossibilidade de citar todos, detalhadamente,
passaremos à exposição de algumas situações envolvendo
tais crimes.

5.3 CASOS DE CRIMES HEDIONDOS

A sociedade contemporânea tem sido assolada por


uma quantidade alarmante de crimes hediondos e é cada vez
mais evidente que a mera aplicação de penas severas não
parece ser suficiente para conter o cometimento desses atos.
Apesar das punições rigorosas, esses crimes continuam a
ocorrer de forma preocupante.
Conforme o G1, o número de assassinatos caiu 1% no
ano de 2022 no Brasil, mas no total foram 40,8 mil mortes de
forma violenta em todo o país, que em média equivale a 110
vítimas por dia. O que demonstra um número alarmante de
mortes violentas.
Neste contexto, é importante examinar alguns exem-
plos concretos que ilustram essa realidade perturbadora, a

176
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

fim de compreender as complexidades envolvidas na luta


contra a criminalidade violenta.
Neste prumo, conforme a revista online Veja, trazemos
um caso de grande repercussão, ocorrido em Rio Branco/AC.
Um grupo de extermínio conhecido como “Esquadrão da
Morte”, liderado pelo ex-coronel e ex-deputado federal Hilde-
brando Pascoal, apelidado de “Deputado da motosserra” –
em razão dos crimes que ele cometeu.
Há relatos de crimes altamente brutais como assassi-
natos, torturas e até esquartejamentos. Hildebrando foi con-
denado por mais de 100 anos de prisão no ano de 1999.
Os crimes começaram a ser investigados conforme de-
núncias iam aparecendo ao Conselho de Defesa dos Direitos
das Pessoas Humanas (CDDPH), há relatos de que testemu-
nhas que prestaram depoimento foram mortas brutalmente.
Em razão das complexidades dos casos, a responsabilidade
das investigações passou a ser da Polícia Federal.
Dentre as pessoas que viriam a depor, estava Sebas-
tião Crispim, antigo comparsa de Hildebrando, ele, em tese,
passaria informações sobre os assassinatos cometidos pelo
“Esquadrão da Morte”, especificamente sobre o assassinato
de Agilson Firmino dos Santos, conhecido como Baiano, que
foi assassinado e teve o seu corpo esquartejado com a ajuda
de uma serra elétrica, bem como de seu filho, o adolescente

177
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Wilder Firmino, de apenas 13 anos, que foi morto na frente do


pai e teve seu corpo dissolvido em ácido.

Atualmente, Hildebrando, já idoso e acometido por di-


versas doenças, segue em regime de prisão domiciliar.

Outro caso de grande repercussão nacional, conforme


o G1 (2022), se refere à vítima Eliza Samudio, que segundo
a mídia e jornais da época, foi sequestrada, torturada e es-
quartejada, supostamente pelo então goleiro do Flamengo
Bruno Fernandes.

O fato aconteceu no ano de 2010, mas já havia indícios


de que Bruno era extremamente agressivo, pois há relatos do
ano de 2009 que ele manteve a vítima em cárcere privado.
Segundo os jornais, o autor do crime agiu em conluio com
outros dois homens, apelidados de “Russo” e “Macarrão”, no
momento do homicídio.

Eliza sofreu não só nas mãos de Bruno como também


na mão de seus comparsas, a vítima, segundo os resultados
da investigação, foi estrangulada, torturada e esquartejada. E
apesar de ter passado mais de 12 anos do ocorrido, o corpo
da modelo nunca foi encontrado.

Do relacionamento conturbado entre autor e vítima


nasceu uma criança, que atualmente vive sob a guarda da
avó (mãe de Eliza).

178
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Outro caso de crime hediondo ganhou notoriedade no


ano de 2021. Segundo o G1 (2021), se trata de falsificação
de cosméticos, ocorrida no estado de Minas Gerais. Inclusive,
este é um crime que, geralmente, não é lembrado como hedi-
ondo, mas há previsão legal de hediondez do art. 273, do Có-
digo Penal.

Segundo o site de notícias G1 (2021), uma blogueira


se passava por estudante de biomedicina e afirmava em suas
redes sociais que havia criado métodos exclusivos, principal-
mente para o tratamento de melasma - que ocasiona o surgi-
mento de manchas na pele hiperpigmentadas de cores cas-
tanhas escuras ou marrons acinzentadas, que surgem por
consequência de uma grande produção de melanina.

Ela era dona de uma clínica de estética, onde fabricava


e vendia os produtos supostamente falsificados, além de mi-
nistrar também cursos online e presenciais, que ela chegava
a cobrar até R$5.000,00. Os kits produzidos eram vendidos
por cerca de R$1.500,00. A autora afirmou que atuava no
ramo estético desde os 15 anos e que os familiares dela tam-
bém estavam envolvidos.

De acordo com as notícias, a mulher teria agido de ma-


neira sagaz, adulterando totalmente os produtos e/ou colo-
cando no produto original o rótulo dela. Há relatos de várias

179
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

vítimas que foram afetadas pelo crime cometido, algumas


acometidas por queimaduras faciais.

Segundo o site, para a venda dos produtos falsificados,


a infratora adotava uma estratégia enganosa, divulgando o
suposto “antes e depois” das pessoas que utilizavam seus
cosméticos. Para passar uma imagem mais positiva, ela re-
corria a edições nas fotos que publicava.
Ora, esses são apenas alguns exemplos dos milhares
de casos de delitos hediondos. Apesar da existência de uma
lei para a proteção contra esses crimes e do registro frequente
de casos na sociedade, ainda somos confrontados com a per-
sistência de crimes bárbaros, em grande quantidade. Essa si-
tuação nos leva a questionar a efetividade da legislação vi-
gente.
Nesse contexto, torna-se crucial refletir sobre os méto-
dos que devem ser adotados pela legislação penal para en-
frentar esse desafio. Será que a sociedade realmente se
sente segura diante desses acontecimentos? Ou será que a
lei é apenas um disfarce para evitar que a população questi-
one e busque justiça por conta própria? Essas indagações
instigantes demandam uma análise profunda e a busca por
soluções mais eficazes para enfrentar esse grave problema
social.

180
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

5.4 AS CONSEQUÊNCIAS DE UM CRIME SER CONSIDE-


RADO HEDIONDO EQUIPARADO

Neste prumo, quando um crime é observado como he-


diondo ou equiparado, comumente isto acarreta consequên-
cias mais gravosas, começando pela fixação da pena, pas-
sando pela execução, gerando efeitos mais graves em caso
de reincidência e impossibilitando a concessão de graça, in-
dulto ou anistia.
De início, nestes crimes temos penas mais altas, que
são maiores em comparação a outros tipos de crimes, ou
seja, a pessoa que for condenada nestas situações enfrentará
um período maior de reclusão.
O texto original da Lei trazia a obrigatoriedade de início
da pena em regime fechado, mas o Supremo Tribunal Fede-
ral, no julgamento do habeas corpus n.º 111.840/ES, em
14/06/2012, declarou incidentalmente a inconstitucionalidade
da exigência de regime inicialmente fechado para os crimes
hediondos, devido à violação aos princípios do juiz natural e
da individualização da pena. Essa decisão foi tomada consi-
derando que apenas o juiz competente, responsável pelo pro-
cesso e julgamento, pode determinar, por meio de uma sen-
tença penal fundamentada, o regime inicial de cumprimento
da pena para um condenado.

181
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

A Súmula Vinculante n.º 26 estabelece que ao consi-


derar a progressão de regime para condenados por crimes
hediondos ou equiparados, o juiz de execução deve levar em
conta a inconstitucionalidade do artigo 2º, da Lei n.º
8.072/1990. Desta forma, isso deve ser feito sem deixar de
avaliar se o condenado atende aos requisitos objetivos e sub-
jetivos necessários para receber o benefício da progressão
de regime. O juízo da execução pode determinar, de forma
fundamentada, a realização de um exame criminológico para
tomar essa decisão.
Ademais, no Brasil não existe a possibilidade de graça,
indulto ou anistia para quem comete crimes hediondos, con-
forme disposto na Constituição Federal de 1988:

Art. 5º inc. XLIII - a lei considerará crimes inafi-


ançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a
prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecen-
tes e drogas afins, o terrorismo e os definidos
como crimes hediondos, por eles respondendo
os mandantes, os executores e os que, podendo
evitá-los, se omitirem; (Brasil, 1988)

Neste prumo, conforme Morais (2022), a lei estabelece


que certos crimes são considerados inafiançáveis e insusce-
tíveis de graça ou anistia, incluindo a tortura, o tráfico de dro-
gas, o terrorismo e os crimes hediondos. Neste contexto, essa
disposição é estipulada pelo artigo 5º, XLIII, da CF, mas sua

182
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

eficácia depende da criação de leis complementares pelo le-


gislador infraconstitucional. No caso dos crimes hediondos, já
existe uma lei que os define.

[...] bem como que a lei considerará crimes ina-


fiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a
prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecen-
tes e drogas afins, o terrorismo e os definidos
como crimes hediondos, por eles respondendo
os mandantes, os executores e os que, podendo
evitá-los, se omitirem. O art. 5º, XLIII, da Cons-
tituição Federal é uma norma constitucional de
eficácia limitada, pois necessita da atuação do
legislador infraconstitucional para que sua eficá-
cia se produza. Assim, quanto à inafiançabili-
dade e insuscetibilidade de graça ou anistia foi
editada a lei dos crimes hediondos, porém, no
tocante à definição do crime de terrorismo e tor-
tura, foi, ainda, necessária a edição de lei infra-
constitucional, de competência da União (art.
22, I, da CF), tipificando-os, em razão do próprio
preceito constitucional do art. 5º, XXXIX. (Mo-
rais, 2022, pg. 58.).

Mas o que seria graça, indulto e anistia? Conforme


Monteiro, eis o significado:

Anistia, graça e indulto são institutos de direito


substantivo, e são causas de extinção da puni-
bilidade previstas no art. 107, II, do Código Pe-
nal. As três formas de perdão, contudo, pos-
suem peculiaridades, diferenciando-se em sua
aplicação e efeitos. (Monteiro, 2015, pg. 81.)

E se tratar de graça e indulto, Monteiro alega:

183
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

São também formas de clemência do Estado.


Ao contrário da anistia, a graça e o indulto apli-
cam-se sempre a pessoas e não a fatos. O
termo “graça” não foi utilizado no texto constitu-
cional atual, e da mesma forma que a Constitui-
ção anterior o fazia no art. 81, XXII, a atual Carta
Magna apenas se refere a “indulto”. É compe-
tência privativa do Presidente da República a
sua concessão (art. 84, XII), podendo, contudo,
delegar essa atribuição aos Ministros de Estado,
ao Procurador-Geral da República ou ao Advo-
gado-Geral da União (art. 84, parágrafo único).
(Monteiro, 2015, pg. 81.)

A graça está prevista no art. 84, inciso XII, da CF/88, e


nada mais é do que uma prerrogativa do Presidente da Repú-
blica, que concede a uma pessoa o perdão da pena. Conce-
der este instituto é dar o perdão total ou parcial a um conde-
nado.
Assim, conforme Morais (2022), os poderes para con-
cessão da graça ou indulto cabem unicamente ao presidente
da república, bem como seus requisitos.

Nos termos do artigo 84, XII, da Constituição Fe-


deral, compete ao Presidente da República de-
finir a concessão ou não da graça, do indulto ou
da comutação de pena, bem como seus requisi-
tos e a extensão destas espécies de atos de cle-
mência constitucional, a partir de critérios de
conveniência e oportunidade. (Morais, 2022, pg.
560.).

184
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

O indulto, também previsto no art. 84, XII da CF/88, é


um tipo de perdão coletivo, que somente o Presidente da Re-
pública pode conceder.
Conforme Morais (2022), a concessão de perdão e a
comutação de penas, são exercidos em caráter privativo e
discricionário unicamente pelo presidente da república, sendo
limitados apenas pelo próprio texto constitucional.

A concessão de perdão e a comutação de pe-


nas são “exteriorizações de soberania”, exerci-
dos em caráter privativo e discricionário pelo
Presidente da República, tendo como limites so-
mente o próprio texto constitucional (CF, art. 5º,
XLIII).(Morais, 2022, pg. 560.)

A anistia está consignada no art. 8º, do Ato das Dispo-


sições Constitucionais Transitórias – ADCT, sendo configu-
rado como um ato legislativo de competência do Congresso
Nacional, que tem como finalidade perdoar crimes em deter-
minado contexto histórico.
Monteiro nos traz outra visão sobre o significado de
anistia:

O termo “anistia” encerra em si a noção de per-


dão geral. Em termos mais técnicos e na defini-
ção de Maximiliano, anistia “é um ato do poder
soberano, que cobre com o véu do olvido certas
infrações criminais, e, em consequência, im-
pede ou extingue os processos respectivos e

185
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

torna de nenhum efeito penal as condenações”.


(Monteiro, 2015, pg. 81.)

Logo, os crimes hediondos se diferenciam dos crimes


considerados comuns, pois os hediondos são mais gravosos
e exigem um tratamento penal mais severo, diante de sua
gravidade excepcional.

5.5 A LEI DE CRIMES HEDIONDOS E AS MEDIDAS PARA


SUA EFETIVAÇÃO

A história é cíclica, apesar de uma grande evolução


com tecnologias e toda a modernidade, ainda ocorrem, diari-
amente, esses tipos de crimes.
Nesse ínterim, acredita-se que ainda é cedo para afir-
mar se a lei de crimes hediondos funciona de fato - o próprio
doutrinador Antônio Lopes Monteiro tinha esta dúvida - visto
que a criminalidade ainda vem aumentando demasiadamente
e vimos que o aumento das penas não significa que a socie-
dade está mais segura.
Até hoje, 23 anos após a publicação desta lei, o ques-
tionamento persiste, pois apesar de algum leve conforto e be-
nefício para a sociedade, os resultados ainda não são total-
mente satisfatórios.

186
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Portanto, seguindo esta linha de raciocínio, se de fato


esta lei funciona em sua totalidade, Monteiro nos traz sua vi-
são a respeito:

Ainda é cedo para se saber se a Lei dos Crimes


Hediondos atingiu o objetivo de diminuir a crimi-
nalidade e criar um clima de maior segurança na
população. Temos dúvida quanto a isso, mesmo
porque recentes pesquisas realizadas nos mos-
tram ser a segurança o maior problema em
quase todos os estados da Federação. E não é
para menos. No dizer de muitos críticos não é
com o dar qualificativo a este ou àquele crime,
rotulando-o de hediondo; não é aumentando
sensivelmente a pena, ou mesmo criando dispo-
sitivos que aparentemente impeçam qualquer
benefício aos condenados que as quadrilhas de
traficantes ou as organizações dos sequestros
serão desmanteladas. A realidade é bem outra,
e, após a vigência desta lei, os casos de seques-
tros não só não diminuíram, mas vêm aumen-
tando. (Monteiro, 2015, pg. 12.)

Neste caso, vale-se ressaltar que a resposta à crimina-


lidade não é limitada apenas à punição. É preciso haver tam-
bém a prevenção destes crimes, tornando-se fundamental
abordar questões como desigualdade social, saúde mental,
acesso à oportunidades, educação, etc. Deste modo, exis-
tindo investimentos nessas áreas, é notável a diminuição da
incidência desses crimes.
A prevenção de crimes hediondos no âmbito penal

187
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

acaba envolvendo abordagens multifacetadas, onde se in-


cluem políticas de segurança pública eficazes, intervenção
comunitária, educação e conscientização, e legislação rigo-
rosa.
Primeiramente, as políticas de segurança pública efi-
cazes são fundamentais para prevenir crimes hediondos, es-
pecialmente em áreas de alto risco ou perigosas. Essas polí-
ticas podem incluir o aumento de policiais em guarnições co-
munitárias, bem como a adoção de tecnologias de vigilância
para fortalecer a segurança.
De outro modo, pode-se adotar a intervenção comuni-
tária, no qual este tem como objetivo reduzir a incidência de
crimes hediondos por meio de uma abordagem abrangente,
ressaltando e aumentando a quantidade de guarnições nos
bairros e comunidades e promovendo a segurança no todo.
No contexto atual, vale-se destacar também a impor-
tância da educação e conscientização, as quais podem ser
abordadas com o desenvolvimento de campanhas educacio-
nais nas escolas e comunidades para conscientizar sobre os
efeitos devastadores dos crimes hediondos, conscientizando
sobre as leis e o direito, mostrando quais as consequências
de quando se violam as leis.
Ademais, podem ajudar os jovens a identificar quais

188
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

são suas habilidades para que possam investir em suas car-


reiras e abrir portas de empregos, uma vez que a falta de
oportunidade pode acabar contribuindo para a propagação da
criminalidade.
Conforme os últimos dados, a aplicação de legislação
rigorosa também é de suma importância. Basicamente deve
haver a imposição de leis rigorosas, como medidas a serem
adotadas, incluindo penas de acordo com o crime cometido,
para assim de alguma forma ajudar a dissuadir a ocorrência
desses crimes. Destarte, a lei deve ser bem clara de modo
que um cidadão leigo consiga interpretar facilmente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A prevenção de crimes hediondos é um desafio de alta


complexidade, exigindo uma abordagem integrada, envol-
vendo não somente o sistema de justiça criminal, mas tam-
bém a sociedade. Portanto, a conscientização e educação
são meios de prevenção destes crimes.
Em diversas ocasiões, emerge a discussão acerca da
necessidade de reformular o sistema de justiça criminal,
sendo os casos de crimes hediondos uma das principais ra-
zões para as indagações sobre a eficácia real do sistema ju-
diciário. Diante desse cenário, a sociedade desempenha um

189
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

papel significativo ao demandar insistentemente por essa re-


forma, visando estabelecer um sistema mais eficiente e capaz
de atender integralmente às demandas e expectativas da po-
pulação.
É imprescindível manter o foco nas vítimas e familiares
afetados pelos crimes hediondos, buscando não apenas a
aplicação da justiça, mas também oferecendo apoio em todas
as esferas para aqueles que foram diretamente impactados.
Isso inclui disponibilizar serviços de aconselhamento e até au-
xílio financeiro em alguns casos.
Nesse contexto, é relevante salientar que a resposta
da sociedade frente a esses crimes não se manifesta de
forma homogênea. Pelo contrário, pode haver uma conside-
rável divergência de perspectivas, resultando em opiniões di-
versas.
Hoje em dia, a mídia exerce significativa influência
nessa dinâmica, uma vez que a opinião pública sobre crimes
hediondos assume papel de grande relevância, proporcio-
nando visibilidade e possibilitando que pessoas com menor
poder de influência acessem mais prontamente a justiça.

REFERÊNCIAS

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Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

190
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

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192
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

6
LEI 11.340/2006 DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

LAW 11.340/2006 ON DOMESTIC VIOLENCE

Maria Esabela Braga Barbosa 11

Williane Tibúrcio Facundes 12

BARBOSA, Maria Esabela Braga. Lei 11.340/2006 da violên-


cia doméstica. 18 páginas, 2023. Trabalho de Conclusão de
Curso de Graduação em Direito – Centro Universitário UNI-
NORTE – Rio Branco, 2023.

11
Discente do 9º período do curso de bacharelado em Direito pelo Centro
Universitário Uninorte.
12
Docente do Centro Universitário Uninorte. Graduada em Direito pela
U:VERSE. Especialista em Psicopedagogia pela Universidade Varzea-
grandense e Direito Digital pela Faculdade Metropolitana. Graduada em
Letras Vernáculas pela Universidade Federal do Acre- UFAC.

193
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

RESUMO

Introdução: O presente artigo versa sobre a Lei 11.340/2006,


dando ênfase a Lei Maria da Penha, e conceitua a violência
doméstica. Objetivo: De acordo com essa matéria será abor-
dado o surgimento desta norma, e se ela está sendo cumprida,
desde a sua origem, aos dias atuais, também é importante sa-
lientar os meios de assistências e proteções para as vítimas.
Métodos: Diante disso para o estudo do seguinte tema, pro-
cedeu-se um estudo aprofundado em observação histórica,
posicionamento dos Doutrinadores a respeito da temática, co-
nhecimentos, juntamente as alterações da lei. Resultados: A
origem da Lei 11.340/2006, levou gigantescas inovações, uma
das principais reformas foram dando voz as mulheres, que es-
tavam desamparadas e oprimidas contra esse tipo de violên-
cia e assim sendo ouvidas diante a sociedade. Conclusão:
Portanto esse aperfeiçoamento na lei que protege a mulher
ajuda ao combate à violência, dando total assistência a vítima.
Palavra-chave. Lei. Violência Doméstica. Efetividade. Aplica-
bilidade. Medidas Protetivas.

ABSTRACT

Introduction: the present article, that embraces the legislation


n. 11.340/2016, with emphasis on Lei Maria da Penha, and
conceptualizes the domestic violence. Goals: Accordingly with
the subject, will be approached the supervenience of the law
and if it’s goals are being fulfilled, since it’s origin, until current
days, it’s also important to underline it’s means of assistance
and it’s protections for victims of domestic violence. Methods:
With that being said, for the study of the following topic, was

194
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

used the method of historic observation, position of the indoc-


trinators about it, knowledges, along with the modifications of
the law. Results: the origins of the law n. 11.340/2016 brought
great innovations, one of them is the fact that it provided voice
for women, that were helpless and oppressed by this type of
violence, but now could be heard by society. Conclusion:
Therefore, this improvement in the law that protects women
helps in the fight against violence, giving total assistance to the
victim.
Keywords: Law. Domestic Violence. Effectiveness. Applicabi-
lity. Protective Measures.

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo uma pesquisa aprofun-


dada de como surgiu a Lei 11.340/2006 da violência domés-
tica, visa a compreender como foi a história do surgimento da
lei, narrando a contexto histórico e a eficácia no poder judici-
ário desde sua criação, a aplicabilidade, juntamente com o
resultado das medidas protetivas, se estão sendo eficazes
nos dias atuais. E esta norma é considerada uma das normas
que mais é desenvolvida no combate para proteção de vio-
lência contra a mulher.
Aos 17 anos de existência, criada em 07 de agosto de 2006,
a Lei Maria da Penha foi concebida para cessar as violências
cometidas em domínio doméstico e familiar contra as mulhe-

195
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

res, independentemente de sua referência sexual. As mulhe-


res lutaram e lutam por muito tempo para ter voz na socie-
dade, para que existissem leis que as protegessem.
Logo ao início irá abordar o contexto histórico de Maria
da Penha a mulher que sofreu por muitos anos violência den-
tro de sua própria casa, e ficou paraplégica após uma tenta-
tiva de homicídio cometida por seu cônjuge, que foi casada
23 anos e tiveram 3 filhas. Em sequência será abordado os
diferentes gêneros de violências e seus conceitos. É impor-
tante frisar que será parafraseado sobre a aplicabilidade da
lei, como ela está sendo aplicada desde sua origem. E vale
ressaltar a abordagem das medidas protetivas de urgência e
se são céleres, em conjunto com os avanços da lei para aco-
lher a mulher vítima de violência.
Conforme o que foi exposto, a lei propõe-se a diminuir
a quantidade dos casos de violências contra as mulheres,
com total suporte em afastar o agressor do lar e de perto da
vítima, na criação de Juizados especializados, estabelecendo
mecanismos jurídicos.

6.1 CONTEXTO HISTÓRICO DA LEI MARIA DA PENHA

A temática violência contra a mulher vem sendo de


grande dimensão para a sociedade agora, e tem sido uma
grande luta para conseguir esta aonde chegou, e além de

196
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ainda ser um assunto bem delicado, as mulheres lutam até


hoje e merece ser uma temática de grande visibilidade.
Sancionada em 07 de agosto de 2006 a lei 11.340/2006,
conhecida como Lei Maria da Penha, criada com intuito para
proteção a mulher, vítimas de violência doméstica e familiar,
sejam consideradas violência doméstica, tanto física, psicoló-
gica, sexual, patrimonial ou moral. O nome tem sido para ho-
menagem a uma enfermeira vítima de violência doméstica, co-
nhecida por Maria da Penha Maia Fernandes, que é mãe, far-
macêutica bioquímica, cearense, que sofreu violência durante
6 (seis) anos por seu cônjuge, pai de suas três filhas, o profes-
sor universitário Marco Antônio Herredia Viveros, que por duas
vezes tentou tirar a vida de Maria da Penha. Na primeira ten-
tativa foi enquanto dormia e seu ex companheiro disparou em
sua direção com uma arma de fogo, no qual ocasionou que
Maria da Penha ficasse paraplégica, sem poder andar e fazer
demais coisas que fazia antes. Já a segunda tentativa Marco
Antônio tentou assassinar Maria da Penha eletrocutada e em
seguida afogada.
O ano das agressões era 1983, naquele tempo não
existia uma lei especificada e nem auxílio as vítimas de vio-
lências domésticas eram designados por baixa infração, por-
tanto se tornava complicado para a vítima fazer a denúncia.
A vítima Maria da Penha denunciou o ex companheiro,

197
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

que foi condenado 19 anos depois pela justiça, e para provar


as violências que vinha sofrendo, Maria da Penha teve que
lutar em abundância enfrentando vários processos judiciais,
na qual teve que pedir apoio de diversos órgãos que, eram
eles: o Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da
Mulher e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da
OEA. Em 2002 seu ex-marido tentou recorrer em liberdade por
algumas vezes e teve seu julgamento anulado, e por fim em
2002 foi sentenciado por 15 anos de cárcere pelos crimes co-
metidos, após 19 anos. E cumpriu apenas 2 anos em reclusão,
atualmente Marco Antônio está em liberdade.

Devido o extenso processo que a vítima passou, tor-


nou-se um maior ícone na batalha a violência doméstica e fa-
miliar contra a mulher, no qual ocasionou que a lei recebesse
ao nome de Lei Maria da Penha.

6.1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA LEI MARIA DA PENHA

Anos atrás, este tipo de violência não se via de


grande alerta para as autoridades, muito menos para a
sociedade. Não existia uma lei específica para esta
infração, nem dele-gacias, órgãos e acompanhamentos
competentes para pes-soas vítimas deste tipo de violência,
as mulheres eram vistas
198
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

como objetos, patrimônio familiar, não tinham valores, não ti-


nham voz, viviam em uma sociedade totalmente venerável e
machista.

Na época as mulheres não tinham as devidas impor-


tâncias após sofrer violência do seu companheiro, por serem
consideradas um patrimônio da família, tal como eram bens
moveis e imóveis, como também os escravos. Toda a socie-
dade e a justiça brasileira eram telespectadores dos crimes
de violência contra as mulheres, com isso os cônjuges eram
perdoados.

Atualmente a evolução da sociedade, tanto nas regras,


como aos costumes tiveram alterações, e com isso a violência
doméstica passa a ter mais importância e o que eram aceitos
antigamente hoje em dia não é mais, mediante as leis e aos
tribunais, companheiros que batem em suas companheiras
sofrem consequências.

A violência doméstica e familiar deixou de ser imperce-


bível pela sociedade e leis, e passou a ser considerada infra-
ção a partir do ano de 2006, pessoas que cometiam essas
infrações eram punidas e mulheres foram ganhando espaços
na sociedade e na vida profissional.

DEFINIÇÃO DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

199
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

É considerado violência doméstica qualquer ato consi-


derado opugnação contra a mulher, que é praticada por ex
companheiros, namorados, maridos, ex-cônjuge, parentes
em geral que conviva no mesmo ambiente familiar. E con-
forme ao conhecimento da OMS, a violência se classifica em
três categorias: violência interpessoal, contra si mesmo, e pôr
fim a coletiva.
Com base no art.5° da Lei 11.340 de 7 de agosto de
2006 da violência contra mulher e familiar, saberemos a defi-
nição:

Art. 5º Para os efeitos dessa Lei, configura vio-


lência doméstica e familiar contra a mulher qual-
quer ação ou omissão baseada no gênero que
lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual
ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I – no âmbito da unidade doméstica, com-
preendida como o espaço de convívio perma-
nente de pessoas, com ou sem vínculo familiar,
inclusive esporadicamente agregadas;
II – no âmbito da família compreendida
como a comunidade formada por indivíduos
que são ou se consideram aparentados, unidos
por laços naturais, por afinidade ou por vontade
expressa;
III – em qualquer ralação intima de afeto, na
qual o agressor conviva ou tenha convivido com
a ofendida, independentemente de coabitação.

200
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

O significado de violência é qualquer conduta ou danos


causados em outras pessoas, sejam elas física, mental, entre
outras.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, a vi-
olência tem a seguinte definição:

é o uso intencional da força física ou poder, real


ou em ameaça, contra si próprio, contra outra
pessoa, ou contra um grupo ou uma comuni-
dade, que resulte ou tenha grande possibilidade
de resultar em lesão, morte, dano psicológico,
deficiência de desenvolvimento ou privação.
(OMS, 2002)

Com base no presente tema, Stela Valéria Soares de


Farias Cavalcanti, em seu livro se dá a designação para vio-
lência, e afirma:

é um ato de brutalidade, abuso, constrangi-


mento, desrespeito, discriminação, impedi-
mento, imposição, invasão, ofensa, proibição,
sevícia, agressão física, psíquica, moral ou pa-
trimonial contra alguém e caracteriza relações
intersubjetivas e sociais definidas pela ofensa e
intimidação pelo medo e terror. (Cavalcanti,
2007 p.29)

Conforme exposto, a Organização Mundial de Saúde


realizou análises e concluiu que a violência poderá ser espe-
cificada em três categorias:

201
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Violência interpessoal é quando pode acontecer em lo-


cais de posse pública ou particular, podendo ela ser agressão
física ou psicológica. Violência contra si mesmo são suicídios,
tentativas de tirar a própria vida ou ter em mente esta ideia.
Violência coletiva, dividido em dois gêneros diferentes,
o primeiro dele é a violência social, a que acontece em virtude
da desproporção socioeconômica em territórios de primeiro e
terceiro mundo. E a violência urbana realizar-se em locais ur-
banos, e configura-se em infrações eventuais ou infrações co-
ordenadas. Diante aos fatos Madeira; Costa (2012) comenta
que:

A violência contra mulher é determinada por as-


pectos sociais e culturais que definem e legiti-
mam lugares, direitos, deveres e papéis diferen-
ciados para mulheres e homens, embasando a
desigualdade de gênero presente historica-
mente na sociedade contemporânea.

Para um melhor entendimento, tem mulheres que ainda


se predispõem que o homem deve ser o cabeça da casa, o
que tem mais poder. Em nosso país a violência doméstica
cresceu em um nível absurdamente, que por inúmeras situa-
ções custavam a vida ou a saúde física e mental da vítima.
Antes da existência desta norma 11.340/2006, por mui-
tos anos as vítimas que sofriam agressões eram acolhidas
pela Lei nº 9.099/95, e a maioria dos casos relacionados a

202
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

violência contra mulher, conforme a constituição federal, se-


riam de atribuição aos juizados especiais criminais, que dar
visibilidade as infrações cometidas de menor potencialidade
ofensiva, crimes de pouca importância e a pena não ultra-
passa de dois anos, no qual o agressor tinha a pena alterada
e para pagar sua pena faziam serviços comunitários a socie-
dade ou pagavam com cestas básicas e não eram punidos.
Uma das inúmeras justificativas que os homens usam
para cometerem tal crime, é o por amor ou pela grande pai-
xão, por ciúmes, ou por medo da perda de sua parceira, entre
outros, diversas justificações. No entanto sobre a paixão im-
pulsiva, Ferri diz:

A paixão, por si só, não leva um homem ao de-


lito. Certamente, em grande parte dos delitos
passionais, ela entra como impulso, manifesto
ou íntimo e profundo, de toda a estrutura orgâ-
nica ou psíquica: mas, não basta para fazer de
um homem um delinquente, assim como a lou-
cura. Do contrário, todos os alienados mentais
seriam criminosos. (2009)

Embora não seja somente por este motivo as causas


das violências domésticas, as desculpas em grande quanti-
dade são ações exercidas por amor ou paixão. Como também
por uso de álcool e outros tipos de entorpecentes, o indivíduo
que logo é violento, tem a probabilidade de ser mais agressivo

203
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

com sua companheira, ocasionando diversos acontecimentos


desagradáveis com uma mulher.

6.1.3 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E SEUS DIFERENTES GÊ-


NEROS

A violência doméstica é considerada em gêneros dis-


tintos, e de diferentes graus, como exposto no art.7 da lei
11.340 de 7 de agosto de 2006, são eles:

Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre


outras:

I - a violência física, entendida como qualquer


conduta que ofenda sua integridade ou saúde
corporal;
II - a violência psicológica, entendida como
qualquer conduta que lhe cause dano emocio-
nal e diminuição da autoestima ou que lhe pre-
judique e perturbe o pleno desenvolvimento ou
que vise degradar ou controlar suas ações,
comportamentos, crenças e decisões, medi-
ante ameaça, constrangimento, humilhação,
manipulação, isolamento, vigilância constante,
perseguição contumaz, insulto, chantagem, vi-
olação de sua intimidade, ridicularização, ex-
ploração e limitação do direito de ir e vir ou
qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à
saúde psicológica e à autodeterminação; (Re-
dação dada pela Lei nº 13.772, de 2018)
III - a violência sexual, entendida como qual-
quer conduta que a constranja a presenciar, a
manter ou a participar de relação sexual não

204
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

desejada, mediante intimidação, ameaça, coa-


ção ou uso da força; que a induza a comerciali-
zar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexu-
alidade, que a impeça de usar qualquer método
contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à
gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante
coação, chantagem, suborno ou manipulação;
ou que limite ou anule o exercício de seus direi-
tos sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como
qualquer conduta que configure retenção, sub-
tração, destruição parcial ou total de seus obje-
tos, instrumentos de trabalho, documentos pes-
soais, bens, valores e direitos ou recursos
econômicos, incluindo os destinados a satisfa-
zer suas necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer
conduta que configure calúnia, difamação ou
injúria.

Ao citar o art.7 da Lei 11.340/2006, podemos ver que existem


sete tipos de violência doméstica:
Violência física é quando o agressor bate, joga objetos ou algo
que machuca em direção a vítima, ou seja, com a finalidade
de usar sua força contra a vítima, conforme o exemplo de
Locks:

Um puxão de cabelo, por exemplo, ofenderá a


integridade física da vítima, porém muitas ve-
zes não causará marcas a ponto de restar ca-
racterizado o crime de lesão corporal. Em con-
trapartida, a violência física também pode de-
correr de fato muito mais grave do que uma le-
são corporal, como é o caso do crime de homi-
cídio. (2009).

205
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Violência psicológica nada mais é quando a vítima sofre por


transtornos emocionais, que são piores que uma violência fí-
sica ocorre quando o agressor manipula, discrimina, humilha,
ameaça a vítima, ou seja, de acordo com o legislador violên-
cia psicológica é:

[...] qualquer conduta que lhe cause dano emo-


cional e diminuição da autoestima ou que lhe pre-
judique e perturbe o pleno desenvolvimento ou
que vise degradar ou controlar suas ações, com-
portamentos, crenças e decisões, mediante
ameaça, constrangimento, humilhação, manipu-
lação, isolamento, vigilância constante, persegui-
ção contumaz, insulto, chantagem, ridiculariza-
ção, exploração e limitação do direito de ir e vir
ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à
saúde psicológica e à autodeterminação. (BRA-
SIL, 2006).

Violência sexual a realização de uma ação na qual es-


teja agindo para constranger uma pessoa, tanto por sinais,
quanto por vocábulo. Conforme Osterne (2011) define-se a vi-
olência sexual, como:

Por violência sexual compreende-se todo ato ou


jogo sexual, relação hetero ou homossexual en-
tre uma ou mais pessoas, praticada de maneira
forçada, com níveis gradativos de agressivi-
dade, com vista de obtenção de prazer sexual
por via de força. (p.134)

206
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Violência patrimonial quando a vítima sofre quando o agres-


sor se deu ao prejuízo ou perdas com algo com valores efeti-
vos, ou seja, furtar, perder ou acabar com os bens de valores
da vítima.
Violência moral, todo impacto em que configure a dig-
nidade de uma pessoa, ofender e até mesmo idealizar assun-
tos não verdadeiros, conforme afirma Osterne (2011):

A violência moral é tida como aquele tipo que


atinge, direta ou indiretamente, a dignidade, a
honra e a moral da vítima. Da mesma forma
que a violência psicológica, poderá manifestar-
se por ofensas, e acusações infundadas, hu-
milhações, tratamento discriminatório, julga-
mentos levianos, trapaça e restrição à liber-
dade. (p.135)

O ocorrido de Maria da Penha Maia Fernandes foi um


símbolo de grande importância para os direitos de garantias e
igualdade das mulheres, no qual as autoridades competentes
deram origem a lei 11.340/2006, Lei Maria da Penha, que dar
auxílio e proteção para vítimas de violência doméstica e fami-
liar, a lei recebeu esse nome em homenagem à trajetória de
uma mulher que foi vítima de violência doméstica por muitos
anos. A lei não favorece somente ao sexo feminino, como tam-
bém vem a favorecer para pessoas transgêneros, transexuais
e/ou homens homossexuais.

207
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Tem sido um projeto de grande importância por uma


longa espera, discutido pela Câmara dos Deputados, até ser
aprovada pelo Congresso Nacional. A lei ampara vítimas em
vulnerabilidade e presentemente a Lei Maria da Penha, torna-
se possível que o agressor seja preso em flagrante, e graças
a ela, proporciona a vítima e aos filhos que o agressor mante-
nha certa distância deles e do domicílio onde convivia. Se en-
quadra nesta lei uma ou outra pessoa que tenha relação afe-
tiva como familiar com a vítima, seja ela por homem ou mulher.
Conforme base temática, a advogada Izabelle Rama-
lho (2022) deixa seu breve comentário sobre a aprovação da
lei:

Nesta caminhada, nada foi dado. A lei foi con-


quistada. Foi fruto de muitas lutas sociais e de
mulheres contra a omissão do Estado em caso
de violência doméstica, que era tratado como um
crime menor. Ramalho, (2022). Advogada, presi-
dente da Comissão da Mulher Advogada da
OAB/PB e professora substituta no Centro de Ci-
ências Jurídicas (CCJ).

Ao que era visto como crime de menor potencial ofen-


sivo, atualmente está lei vem sendo apresentada de extrema
importância e as mulheres vem lutando dia a dia por melho-
ras.

208
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

6.2 APLICABILIDADE DA LEI 11.340/2006 DA VIOLÊNCIA


DOMÉSTICA

A luta contra a violência doméstica e familiar vem sendo


um ponto bastante preocupante, pelo fato de ser um assunto
delicado e deverá ser abordado tanto em casa como em esco-
las na educação de crianças e adolescentes, e entenderem ao
certo a visão de violência. Pois muitas das situações de agres-
sões domésticas são ocorridas em âmbitos familiares, na pre-
sença de filhos pequenos que não compreendem a dor que
aquilo está causando, e acabam vivendo com aquilo, gerando
uma concepção totalmente machista e autoritária, achando o
que está assistindo em casa cometido pelo pai seja correto,
resulta que passam de gerações para gerações.
A família tem o dever de ensinar o que é o certo, e como
tornar-se uma pessoa integra de respeito. Pelo fato de a cri-
ança ter o adulto como um verdadeiro exemplo, uma forma de
vida a ser seguida, tendo em vista, que é a partir da família
que crianças vem conhecendo as regras e conceitos perante
a sociedade, respeitando uns aos outros. Se a criança convive
em um ambiente prospero de respeito, limites e estabilidades,
ela terá aquilo como uma forma padrão em toda sua vida. Te-
mos conhecimento que as mudanças dos padrões culturais
não são somente culpa da nossa sociedade democrata.
A importância da educação é essencial tanto em casa,

209
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

como também em institutos de educação de todos os graus de


escolaridade, para contribuição de bons conhecimentos de di-
reitos fundamentais, igualdade sexual e respeito aos demais.
O ponto principal a ser mencionado e bem mostrado nas insti-
tuições de ensinos em cartazes, divulgações e demais meios
com as diversas informações da lei e seus artigos para lutar
contra a violência doméstica contra a mulher.

6.2.1 APROVAÇÃO DA LEI PARA APLICABILIDADE

A lei que obteve aprovação em 07 de agosto de


2006, teve apoio do governo tendo um canal de atendimento
voltado somente a ela para denúncias, pelo número para con-
tato 180, o telefone designa a vítima o total apoio e acolhi-
mento de profissionais especializados em situações de vio-
lência doméstica e familiar. No ano de 2020 a ex ministra Dâ-
mares Alves notificou a origem de um aplicativo chamado Di-
reitos Humanos BR, também para realização de denúncias,
no qual podem ser tanto pela vítima, ou também algum amigo,
vizinho, ou qualquer pessoa que ver ou identificar que uma
mulher esteja sendo vítima de violência doméstica. Atual-
mente a denúncia poderá ser efetuada não apenas no Brasil,
como poderá também em outros países.

210
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Na atualidade o governo vem aprovando medidas de


proteção com mais celeridade, com intuito de que a punição
seja mais célere. Para que a vítima seja acolhida com seus
direitos íntegros e acompanhamentos necessários.
A Lei 11.340/2006 não se aplica somente as mulheres,
como também para as mulheres transsexuais em cenário de
violência. Esse requisito é indispensável, para execução
desta lei, a qual procura uma maneira de dar visibilidade de
igual para igual perante a lei, visando proteger de qualquer
que seja a violência.
A violência cometida terá que ser de gênero e os locais
em que deverá acontecer para se considerar violência domés-
tica, serão em domínios de relações domésticas, familiares e
afetivas. Diante diversos acontecimentos o STJ decidiu que a
Lei Maria da Penha também é aplicável a mulheres transsexu-
ais, onde não se trata da relação biológica e evidentemente
analogia de gênero. Esta disposição que o STJ elaborou tem
sido uma grande representatividade de um avanço do nosso
poder judiciário na estabilização para uma sociedade bem
mais inclusiva.
Apesar desta lei ser para prevenção a vítima, no Brasil
a violência doméstica vem crescendo a cada instante de
forma aterrorizante ao decorrer dos anos e merece ter um gi-
gantesco destaque, para que as autoridades competentes

211
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

deem mais atenção a tamanha incidência. E têm acontecido


milhões de ocorrências de violência contra a mulher nos últi-
mos tempos, conforme afirma Samira Bueno (2023): “Foram
mais de 18 milhões de mulheres vítimas de violência no último
ano. São mais de 50 mil vítimas por dia, um estádio de futebol
lotado"
Uma outra razão para que se ocasione as violências
são inseguranças dos companheiros, quando não se confiam,
isto é, distúrbio de personalidade, quando o agressor se sente
inseguro, e não é conformado com sua autoestima. O fator
figurado com o início de ataques contra mulheres começa a
partir de discursões em relacionamentos, com agressões ver-
bais, de um contra o outro, em seguida com estresses, frus-
tações, desentendimentos, maneira de não saber lidar com o
que esteja acontecendo, equilíbrio emocional e imaturidade
também são os motivos que ocasionam a violência domés-
tica. O maior número das vítimas são mulheres pobres de
baixa renda.
E com o surgimento da Lei 11.340/2006 pressupusesse
que as autoridades solucionassem e houvesse uma grande
melhora na lei. Não sendo uma das melhores leis para o com-
bate à violência doméstica, esta norma tem sido uma grande
conquista de uma extensa luta para combater esses delitos,
buscando aos melhores instrumentos de prevenção, punições

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rígidas e assistências as vítimas. Tendo em vista que ao sis-


tema jurídico seja aplicável conforme a lei, podendo o estado
assegurar-se que a mulher vítima de violência doméstica, es-
teja protegida de sua integridade psicológica ou física. E que
ao causador da violação seja punido, julgado e condenado,
de acordo com a lei.
As redes de apoio a vítima de violência contra a mulher
são realizadas tanto com atendimento geral como também
com as especializadas, que são: delegacias especializadas
em atendimento à mulher, centros de referência de atendi-
mento à mulher, juizados especiais, núcleos e defensorias,
abrigo, entre outros suportes para as vítimas.

No Art. 1° da Lei 11.340/2006 explica a real definição


da lei e para que serve:

Art. 1º Esta Lei cria mecanismos para coibir e


prevenir a violência doméstica e familiar contra
a mulher nos termos do § 8º do art. 226 da Cons-
tituição federal, da Convenção sobre a Elimina-
ção de todas as Formas de Violência contra a
Mulher, da Convenção Interamericana para Pre-
venir, Punir e erradicar a Violência contra a mu-
lher e de outros tratados internacionais ratifica-
dos pela República Federativa do Brasil; dispõe
sobre a criação dos Juizados de Violência Do-
méstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece
medidas de assistência e proteção às mulheres
em situação de violência doméstica e familiar.

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O verdadeiro objetivo da lei trata-se especificamente


para coibir aos atos de violências ocorridas em domínios do-
méstico, familiar e intrafamiliar, e fixa em proteção a mulher
contra atitudes desagradáveis de homens ou mulheres, que
tenham tido algum tipo de relação afetiva ou qualquer uma ou-
tra pessoa que conviva no mesmo domínio doméstico e fami-
liar.
De acordo com o posto de vista da lei 11.340/2006, para
a vítima que foi agredida, ela terá assistências do governo es-
tadual, governo federal e municipal, afastamento de local onde
ela trabalha, proteção de autoridades, como policiais, assis-
tências com advogados e autoridades competentes no caso,
como também manter-se segura em um local.
Para o agressor terá encarceramento de três meses a
três anos, em seguida encaminhado para um centro de ajuda
de recuperação e ajuda, podendo a qualquer momento ter de-
clarada sua prisão preventiva, sendo impossibilitado de che-
gar perto de seu lar e não podendo substituir sua pena por
multas ou até mesmo cestas básicas. Já para a estrutura da
lei, são necessários para gerar delegacias e seguranças es-
pecializadas na área, juizados especiais para as mulheres que
sofrem de violência doméstica e assistências as vítimas.
Diante dos fatos citados acima, o STJ delibera que a
Lei Maria da Penha é válida também para mulheres trans que

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passam por violências domésticas, alegando que mulheres


trans, são mulheres também. Conforme exposto no art. 5º da
lei 11.340/2006, o que se relaciona a violência de gênero.
A aplicabilidade desta lei é útil, que a ofendida tenha
assistências e venha se prevenir de brutalidades cometidas
por homens, porém podemos dizer que somente no âmbito
penal as resoluções desta lei não se resolvem, pois com um
melhor e maior desenvolvimento em estudos no tema, esta lei
merece e requer políticas públicas do nosso país, com este
pedido, a situação desta lei poderá ter inúmeros avanços. E
será um grande início de direitos mais avançados para reso-
lução da lei, que é de grande importância para a sociedade,
para garantir aos direitos humanos das mulheres, ampliação
de redes de prevenção e viabilizar ações de diferentes formas
de violência.

6.3 AS EFICÁCIAS DAS MEDIDAS PROTETIVAS

Após a lei ser promulgada, houve diversos ataques. Criada no


ano de 2006 a lei vem sendo modificada ao decorrer dos anos,
para ter sempre uma grande melhora de prevenções e puni-
ções rígidas, com intuito de prevenção e proteção a vítima.
Tendo em vista dos fatos apresentados as medidas protetivas
de urgência são definidas para proteção a mulher que esteja

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em situação vulnerável de sua integridade física ou psicoló-


gica, aquela que se sente vulnerável. As medidas protetivas
de urgências são estipuladas a partir do artigo.18° ao 24° da
lei 11.340/2006, e são ações fundamentais para as decorrên-
cias da violência e realizações das denúncias. E para realiza-
ção de denúncias não podemos esquecer que não será ne-
cessário de imediato o acompanhamento de um advogado.

6.3.1 MEDIDAS PROTETIVAS CABÍVEIS PARA VÍTIMA E


AGRESSOR

As únicas e principais medidas de urgência cabíveis na


Lei Maria da Penha, uma delas é quando a lei obriga o agres-
sor a não praticar certas condutas e da mulher vítima de vio-
lência é proteção a ela e seus filhos, tendo em vista a proteção
da família, em qualquer situação em que estiverem vulnerá-
veis.
Os direitos das vítimas de violência doméstica e fami-
liar tornam-se seguros a partir da denúncia em qualquer dele-
gacia ou delegacia especializadas a proteção da mulher e as-
sim o juiz fica encarregado de tomar as devidas providências.
Tendo em vista que no art.18 da lei 11.340/2006 caberá no
prazo de 48h o juiz tomar as seguintes medidas:

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Art. 18. Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz,


no prazo de 48 (quarenta e oito) horas:

I - Conhecer do expediente e do pedido e


decidir sobre as medidas protetivas de urgência;
II - determinar o encaminhamento da ofen-
dida ao órgão de assistência judiciária, quando
for o caso, inclusive para o ajuizamento da ação
de separação judicial, de divórcio, de anulação
de casamento ou de dissolução de união estável
perante o juízo competente; (Redação dada pela
Lei nº 13.894, de 2019)
III - comunicar ao Ministério Público para
que adote as providências cabíveis. IV - Determi-
nar a apreensão imediata de arma de fogo sob a
posse do agressor.

Poderão ser empreendidas em toda situação de violên-


cia contra a mulher, independente de cor, etnia, camada so-
cial, crença, fase ou renda, sendo ela pobre ou rica. Na maio-
ria dos casos a maior quantidade das vítimas são de renda
baixa, pois são aquelas que não tem condições de encarre-
gar-se despesas de um advogado e atendimentos especiali-
zados de maneira célere, para ter justiça o mais velozmente
possível.
Segundo o art. 19 desta lei, qualquer pessoa ou o MP
poderá solicitar as medidas de proteção, e cabe ao juiz aten-
der aos pedidos da requerida ou do MP:

Art. 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo


juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida.

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§ 1º As medidas protetivas de urgência poderão


ser concedidas de imediato, independente-
mente de audiência das partes e de manifesta-
ção do Ministério Público, devendo este ser
prontamente comunicado.
§ 2º As medidas protetivas de urgência serão
aplicadas isolada ou cumulativamente, e pode-
rão ser substituídas a qualquer tempo por outras
de maior eficácia, sempre que os direitos reco-
nhecidos nesta Lei forem ameaçados ou viola-
dos.
§ 3º Poderá o juiz, a requerimento do Ministério
Público ou a pedido da ofendida, conceder no-
vas medidas protetivas de urgência ou rever
aquelas já concedidas, se entender necessário
à proteção da ofendida, de seus familiares e de
seu patrimônio, ouvido o Ministério Público.
(MP,2018)

A lei visa a proibição de qualquer tipo de relação pós ocorrido,


que o agressor possa tentar em ter com a vítima, família ou
alguma testemunha do caso, seja ele contato físico ou por re-
des sociais. No art. 22° da lei 11.340/2006, consta algumas
das medidas protetivas aplicáveis pelo juiz para conduta do
agressor:

Art. 22. Constatada a prática de violência do-


méstica e familiar contra a mulher, nos ter-
mos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato,
ao agressor, em conjunto ou separadamente, as
seguintes medidas protetivas de urgência, entre
outras:
- suspensão da posse ou restrição do porte de
armas, com comunicação ao órgão competente,
nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro
de

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

2003 ;
- Afastamento do lar, domicílio ou local de convi-
vência com a ofendida; III - proibição de deter-
minadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus famili-
ares e das testemunhas, fixando o limite mínimo
de distância entre estes e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e
testemunhas por qualquer meio de comunica-
ção;
c) frequentação de determinados lugares a
fim de preservar a integridade física e psicoló-
gica da ofendida;
IV - Restrição ou suspensão de visitas aos de-
pendentes menores, ouvida
a equipe de atendimento multidis-
ciplinar ou serviço similar; V -
Prestação de alimentos provisio-
nais ou provisórios.
VI – Comparecimento do agressor a progra-
mas de recuperação e reeducação; e
VII – acompanhamento psicossocial do
agressor, por meio de atendimento individual
e/ou em grupo de apoio.

As medidas protetivas de urgências apresentadas


neste artigo acima, preveem o desligamento do agressor do
lar e vítima, proibição do agressor chegar perto ou ter algum
contato com a vítima, familiar ou testemunhas tendo uma certa
distância, restrições em casos de visitas de menores se não
for com condução de profissionais, acompanhamento com
profissionais ou grupo de apoio.
Como também existem outras medidas para punir o
agressor, como, tendo uma reeducação em alguns centros de

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ajuda e acompanhamento com psicólogos, com base na Lei


n° 13.984/2020. Esses são as medidas em que o agressor tem
direito e o juiz poderá aplicar com base nos fundamentos da
lei, para uma melhor segurança a mulher vítima de violência
doméstica.
Infelizmente esta lei não está sendo totalmente eficaz
como deveria para as vítimas de agressões doméstica, ela
não é aplicável na maioria dos casos. Pois existem algumas
situações em que a justiça falha, ocasiões em que os agres-
sores continuam frequentando lugares e não respeitam as leis
e nem a vítima, e diante desta conjuntura as agressões conti-
nuam sendo frequentes, que acabam levando em situações
piores ou até a morte. E em situações em que a mulher se
sente envergonhada pela nossa sociedade que continua ex-
cessivamente sexista e ainda preconceituosa, ou tem receio
de o marido fazer algo de tamanha brutalidade, gerando com
que muitas das mulheres agredidas não façam a denúncia
contra o marido e se conformem com as agressões recebidas
e prossiga obrigatoriamente com relações sexuais.
E para esta norma ser eficaz, não seriam apenas aber-
tura de mais delegacias, órgãos ou serviços de ajuda, a mu-
lher vítima de violência deveria ter oportunidade de acessos
as redes com estruturas somente a elas, entes que não exis-
tem na maioria dos interiores de alguns estados do nosso

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país. E uma outra opção a lei ser válida severamente como


deveria ocorrer, e aos agressores terem respeito e começa-
rem a cumprir com todas as obrigações que exigem a lei.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento do presente estudo, buscou o con-


texto de origem a lei 11.340/2006, que é popularmente mais
conhecida por Lei Maria da Penha, a norma que dá origem ao
acolhimento a uma mulher que passa por situação de vulnera-
bilidade, ou seja, que sofre violência doméstica ou familiar. Le-
vando com que o significado da palavra violência seja qual-
quer ato que leve a uma lesão, abuso sexual, físico, morte,
psicológico ou até mesmo patrimonial.
Embora ainda estejamos vivendo em uma sociedade
machista, há alguns anos atrás as mulheres não podiam fazer
denúncias e nem procurar um meio de ajuda ou proteção, pois
tinham que ser submissas ao seu companheiro, e muito me-
nos outras pessoas interviam para defender a vítima, pois era
costumes da sociedade, na qual o homem tinha total liberdade
de cometer o que quisesse com sua companheira, tendo total
autoridade sobre a mulher.
Atualmente, apesar desta lei ter tido inúmeros avanços

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

desde seu princípio, ela vem causando modificações na con-


duta do homem, que nunca está disposto a entender aos ocor-
ridos pelas mulheres, e os acontecidos de violência contra as
mulheres continuam tendo um grande aumento.
Concluímos que mesmo com a existência de medidas
protetivas excelentes, a lei continua sendo falha com sua apli-
cabilidade em algumas situações e os casos de violência vem
sendo um grande destaque, se agravando ao decorrer dos
dias e causando espanto e temor na sociedade. E para que as
vítimas das agressões físicas, psíquica, moral, entre outras,
se sintam acolhidas e se persuadir que seus direitos violados,
será indispensável que as autoridades competentes substan-
ciem com conscientização em palestras, auxílios de informa-
ções em todos as localidades. Mesmo com ajuda de políticas
públicas com reforço ao combate contra a violência doméstica,
ainda não foi o bastante para a sociedade em que vivemos.

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RAMALHO, Izabelle. Redação com texto divulgado pela


UEPB. Antes da Lei Maria da Penha, crime contra mulher
era ‘de menor potencial ofensivo’. Disponível em:
https://portalcorreio.com.br.

225
E-book
TOMO 2

Vol. II

Este livro reúne oito artigos, na


área de Ciências Jurídicas,
redigidos por concludentes do
Curso de Direito da UNINORTE –
Ac, sob a supervisão do Profa. Esp.
Williane Tibúrcio Facundes.
EAC
Editor .

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