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Williane Tibúrcio Facundes

mostra de artigos
(organizadora)

CIÊNCIAS JURÍDICAS
na Amazônia Sul-Ocidental

EAC
Editor
Copyright © by autoras, 2023.
All rigths reserved.

Todos os direitos desta edição pertencem aos autores. Nenhuma parte desse
livro poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a autorização
prévia da organizadora pelo e-mail <willitiburcio@gmail.com >. A viola-
ção dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº 9.610/98 e punido
pelo art. 184 do Código Penal. As informações contidas em cada capítulo
são de inteira responsabilidade dos autores, bem como o alinhamento dos
textos às normas da ABNT e da ortografia gramatical da língua portuguesa.

CAPISTA E DIAGRAMADOR
Eduardo de Araújo Carneiro
eac.editor@ gmail.com

CONSELHO EDITORIAL DA OBRA


Dr. Eduardo de Araújo Carneiro
Dr. Elyson Ferreira de Souza
Me. Adriano dos Santos Lurconvite
Esp. Simmel Sheldon de Almeida Lopes
Esp. Arthur Braga de Souza
Esp. Ícaro Maia Chaim

E-BOOK

F143c FACUNDES, Williane Tibúrcio (Org.).


Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental: mostra de
artigos / Williane Tibúrcio Facundes (organizadora). – 1.
ed. – Rio Branco: EAC Editor, 2023. 188 p.; il. 14,8x21
cm. Tomo I, Vol. 6. (E-Book)
ISBN: 978-65-00-70590-4.
1. Ciências Jurídicas; 2. Direito; 3. Amazônia ; I. Título.
CDD 340.07
SUMARIO

APRESENTAÇÃO 05

1. AS CONDIÇÕES PARA PRISÃO DOMICILIAR DOS 08


PRESOS PROVISÓRIOS E DEFINITIVOS
POR RAZÕES DE SAÚDE
Ana Clara Bernardino de Souza
Williane Tiburcio Facundes

2. ESTUPRO DE VULNERÁVEL: ANÁLISE DA 43


RELAÇÃO SEXUAL DE MENORES DE 14 ANOS E DA
POS-SÍVEL RESPONSABILIDADE PENAL DOS PAIS
POR OMISSÃO
Débora Maia Alvares
Williane Tiburcio Facundes

3. O CUMPRIMENTO DE PENAS PRIVATIVAS DE 79


LIBERDADE POR GESTANTES NO PROCESSO
PENAL BRASILEIRO
Caila Vitoria Amaral Silveira
Williane Tiburcio Facundes

4. ASSÉDIO MORAL TRABALHISTA NO ÂMBITO DOS 117


ÓRGÃOS PÚBLICOS: UMA ANÁLISE SOBRE AS
IMPLICAÇÕES DA INEXISTÊNCIA DE LEI
Ana Sarah Macêdo Leitão
Williane Tiburcio Facundes

5. MOTORISTAS DE APLICATIVO E A RELAÇÃO DE 153


TRABALHO DEGRADANTE NO SÉCULO XXI
Noely Maria da Costa dos Santos Freitas
Williane Tiburcio Facundes
“Quem não luta pelos
seus direitos não é
digno deles.”

Rui Barbosa
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

APRESENTAÇÃO

A
presente obra reúne 05 (cinco) artigos de con-
cludentes do curso do direito do Centro Univer-
sitário Uninorte, sob a organização da profes-
sora especialista Williane Tibúrcio Facundes, tendo também a
colaboração do professor mestre Gilberto Jorge Ferreira da
Silva e do prof. Especialista Arthur Braga de Souza dos quais
foram escritos em coautoria com o organizador e abordam re-
levantes temas jurídicos, a saber.

Dentre os textos aqui presentes, aborda-se sobre as


condições para prisão domiciliar dos presos provisórios e de-
finitivos por razões de saúde, levando-se em conta a dignidade
da vida dos apenados que se encontram encarcerados, em
que o Estado venha a cumprir seu dever de garantir a devida
progressão de regime para prisão domiciliar, a todos que pos-
suem tal direito, durante o seu cumprimento de pena na uni-
dade prisional.

Outra temática estudada é a importância da responsa-


bilidade penal dos pais por omissão nos crimes de estupro de
vulnerável, com o advento da Lei n.º 12.015/2009, que passou
a tipificar como hediondo o crime de estupro de vulnerável em
sua forma simples e qualificada.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Segue tratando acerca das condições de vida das mu-


lheres grávidas no sistema prisional brasileiro, explorando
ainda as condições em que são submetidas no pós-parto e
depois nos primeiros meses de vida do bebê. O sistema car-
cerário em razão de sua precariedade, superlotação e falta de
recursos possibilita a violação dos direitos humanos das mu-
lheres grávidas privadas de liberdade, desde a fase de gravi-
dez, parto, até o aleitamento materno.

Prossegue abordando sobre a circunstância do crime


de assédio moral trabalhista no âmbito dos órgãos públicos
com análise em relação às implicações da inexistência de lei,
salientando a lacuna de uma lei que enquadre no âmbito naci-
onal a tipificação do delito de assédio moral no ambiente de
trabalho com destaque aos órgãos públicos, por meio das prá-
ticas delituosas dos servidores públicos, enfatizando o projeto
de lei 4.742/2001 e a lei 8.112/1990.

E por fim, o debate sobre o trabalho dos entregadores


de aplicativos no contexto das transformações gerais no
mundo do trabalho contemporaneamente. O primeiro passo
será contextualizar as mudanças no trabalho que ocorrem na
sociedade moderna e seu vínculo com a informatização da so-
ciedade.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Trata-se de uma obra coletiva e plural, que debate te-


mas interessantes à sociedade e, sem esgotar os assuntos,
promove reflexões a respeito de situações vivenciadas diaria-
mente em nosso corpo social. Daí se extrai a sua relevância.

Rio Branco, maio de 2022.

Prof. Esp. Williane Tibúrcio Facundes


Docente do Curso de Bacharelado em Direito pelo
Cento Universitário Uninorte. Graduada em Direito pela
U:Verse. Especialista em Psicopedagogia. Graduada em Le-
tras Vernáculas pela Universidade Federal do Acre - UFAC.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

1
AS CONDIÇÕES PARA PRISÃO DOMICILIAR DOS
PRESOS PROVISÓRIOS E DEFINITIVOS
POR RAZÕES DE SAÚDE

THE CONDITIONS FOR HOUSE DETENTION OF


PROVISIONAL AND DEFINITIVE PRISONER
DETAILS FOR HEALTH REASONS

Ana Clara Bernardino de Souza1


Williane Tiburcio Facundes2

SOUZA, Ana Clara Bernardino de. As condições para a pri-


são domiciliar dos presos provisórios e definitivos por ra-
zões de saúde. Trabalho de Conclusão de Curso de gradua-
ção em Direito – Centro Universitário UNINORTE, Rio Branco,
2022.

1 Discente do 9º período do curso de Direito do Centro Universitário Uni-


norte.
2 Docente do curso de direito do Centro Universitário Uninorte. Graduada

em Direito pela U:Verse. Especialista em Psicopedagogia pela Universi-


dade Varzeangrandense. Graduada em Letras vernáculas pela UFAC.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

RESUMO

O presente artigo trata sobre as condições para a prisão do-


miciliar dos presos provisórios e definitivos por razões de sa-
úde, levando-se em conta a dignidade da vida dos apenados
que se encontram encarcerados, em que o Estado venha a
cumprir seu dever de garantir a devida progressão de regime
para prisão domiciliar, a todos que possuem tal direito, durante
o seu cumprimento de pena na unidade prisional. Nesta
senda, busca-se a possibilidade da progressão para prisão do-
miciliar, para que assim, o apenado possua uma maior opor-
tunidade de tratamento, em uma condição mais viável para tal
e consequentemente, a subsistência dos mesmos.

Palavras-chave: prisão; saúde; deficiência; tratamento.

ABSTRACT
The present article addresses the conditions for the house ar-
rest of remand and convicted prisoners for medical reasons,
taking into account the dignity of the life of the convicts that are
currently incarcerated, in which the State fulfills its duty of gua-
ranteeing the proper progression of the house arrest regime,
to everyone who possesses such right, during their serving of
sentence in the prison unit. With this course, the possibility of
progression to house arrest is sought, so that the convicted
may have a greater opportunity for treatment, in a more viable
condition for such and, consequently, their subsistence.

Keywords: prison; health; deficiency; treatment.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

INTRODUÇÃO

Este artigo aborda a importância das condições para a


concessão da prisão domiciliar, especificamente por razões de
saúde, assim como, discorre acerca de como os apenados
que possuem enfermidades se encontram no regime de pena
que estão submetidos no sistema penitenciário, no que diz res-
peito ao aparato médico a eles que se faz necessários diante
de suas enfermidades, para manter os apenados que pos-
suem doenças em cárcere, desde a medicações, consultas ex-
ternas e ao próprio cotidiano dentro de uma cela em um sis-
tema prisional.
Sabe-se que a pena privativa de liberdade é imposta
àquele que pela sua conduta cometeu ato socialmente repro-
vado e, em consequência disso, foi submetido ao crivo jurisdi-
cional. Sendo que, nesse contexto, a doutrina clássica consi-
dera a pena como um meio de afastar o indivíduo do convívio
social, objetivando atenuar o mal causado pela sua periculosi-
dade.
Sendo assim, é preciso analisar as hipóteses de cada
caso em específico, visando o meio termo entre o cumpri-
mento de pena do apenado e a possibilidade ou não, de per-
manecer em um presídio, diante do seu estado de saúde.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Em muito dos casos, vem sendo recorrente, os presos


que almejam a prisão domiciliar, tendo em vista que, ao ser
apresentado ao juízo tais condições em que o preso se encon-
tra, por razões de saúde e sendo devidamente comprovado a
necessidade da modificação para prisão domiciliar e a impos-
sibilidade do mesmo em permanecer no sistema prisional, por
falta de tratamento adequado, colocando em risco a própria
vida do indivíduo, se dá o deferimento em busca de uma solu-
ção.
Nesse sentido, o presente artigo pretende relatar sobre
a importância do presente assunto, assim como, transmitir a
informação de como ocorre, causando uma reflexão e o en-
tendimento em relação a prioridade em questão.

1.1 ORIGEM HISTÓRICA DO SISTEMA PRISIONAL

Primeiramente, antes de abordar as condições para a


prisão domiciliar dos presos provisórios e definitivos por ra-
zões de saúde, no ponto inicial vale ressaltar de onde veio a
se originar o sistema prisional.
Desde a antiga Grécia passando por Roma, Idade Mé-
dia, Idade Moderna, Brasil Colônia onde ressaltou de grande
importância as ordenações que seriam Afonsinas, Manuelinas
e Filipinas, assim sendo o Brasil Império e após o República,

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

para obter-se um resultado maior de um entendimento escla-


recedor e amplo no direito.

1.1.1 GRÉCIA

Em relação ao Direito Penal na época da Grécia, pouco


encontramos a respeito, porém ao analisarmos a filosofia do
direito, analisamos que o saber sobre este assunto, veio atra-
vés dos oradores, poetas e principalmente dos grandes filóso-
fos da época, entre eles destacam-se dois Platão e Aristóteles,
pois de acordo com:
Certamente os juristas não eram para os gregos
“algo leve, alado e sagrado”, como quisera Pla-
tão para os poetas, mas tinham um lugar desta-
cado na sociedade arcaica, sobretudo pelo papel
que desempenhavam na constituição das condu-
tas políticas e privadas, na formação do próprio
conceito de homem grego, já que ele era um ho-
mem por natureza voltado ao espaço público e
ao cuidado com as normas. (BORGES, 2011, p.
24).

O conceito para Platão mostrou-se que a pena tinha um


caráter expiatório, ou por outra, que o castigo era a retribuição
ao mal cometido. Sendo assim com o entendimento de pena,
deve-se saber sobre a saúde, a partir da análise de Platão, e
segundo Aristóteles outro grande filosofo da época este ver a
pena como de caráter intimidatório:

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

À vista disso no âmbito do direito e da filosofia a


prisão domiciliar é a educação que o apenado
deve-se passar, porém adendos no devido as
condições de saúde do apenado. Em sua obra
Política, Aristóteles apresentava a pena como
caráter intimidatório, pois o castigo além de inti-
midar o réu para que não voltasse novamente a
cometer delitos, devia também servir de exemplo
para os demais que por ventura estivessem pres-
tes a cometer um crime. Este filósofo fez pene-
trar, por fim, nas suas construções éticas e jurí-
dicas, a ideia do livre arbítrio, sem que se saiba
que papel teve nas práticas gregas. Esta ideia,
entretanto, veio exercer considerável influência
no Direito Penal do Ocidente. (BATISTELA;
AMARAL, 2008, p.2).

A pena alcançou o seu fundamento civil tornando-se


pública, e no Direito de Atenas distinguia-se o que defendia
um bem do Estado ou da religião, ou apenas um bem particu-
lar, reservando-se para o primeiro o máximo rigor penal.

1.1.2 ROMA

O Direito Penal Romano é, até hoje, a maior fonte origi-


nária de inúmeros institutos jurídicos. Roma deixou abundante
cópia de documentos jurídicos, que permitem seguir, com uma
informação precisa, a sua longa história, desde a fundação da
cidade, desde a Lei das XII Tábuas, até os tempos de Justini-
ano, na decadência do Império.
Desse modo a monarquia romana apresentava:

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Na monarquia romana, mesmo antes da época


dos pretores (356 a.C.), a Lei das XII Tábuas
(451-449 a.C.) reservava a intervenção penal a
violações que diretamente atentassem contra o
Estado (alta traição, subtração ao serviço militar,
incitação ao inimigo etc.). O direito romano dis-
tinguia entre infrações penais privadas (delicta
privata) e públicas (crimina publica): aquelas,
menos graves, entregues à persecução do pró-
prio ofendido, em tribunais civis; estas, de maior
intensidade, cometidas à acusação por parte de
qualquer do povo, com a obrigatoriedade de o tri-
bunal criminal emitir o veredicto condenatório ou
absolutório. Uma diretiva clara informava o sis-
tema: lesões de menor relevância deveria ser
equacionadas entre os próprios envolvidos, sem
a ingerência do poder público. De minimis non
curat praetore. (ARRUDA, 2009).
Os romanos foram grandes juristas, que, entretanto,
não cuidavam da doutrina sistemática de conceitos fundamen-
tais porque o seu direito era uma prática do justo em relação
a fatos cotidianos.

1.1.3 IDADE MÉDIA

O Direito Penal Medieval possui como característica


principal a crueldade e os instrumentos de tortura, instaurava-
se nesta época um clima de segurança sem proteção estatal
a população, dando-se ao fato de que o juiz estabelecido na
época possuía total autonomia e liberdade para aplicas as
mais variadas penas, uma ves que, este não baseava-se seu
julgamento plenamente nas leis, ia além delas, muitas vezes

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

para alimentar seu ego, não existindo assim a plena observân-


cia do princípio da legalidade, o apenado era submetido a tor-
turas e outro meios de cumprimento de pena não resguar-
dando-se sua integridade física:

A tortura é um jogo judiciário estrito. E a esse tí-


tulo, mais longe do que às técnicas da Inquisição,
ela se liga às antigas provas que se utilizavam
nos processos acusatórios: ordálias, duelos judi-
ciais, julgamentos divinos. Entre o juiz que or-
dena a tortura e o suspeito que é torturado, há
ainda como uma espécie de justa: o “paciente” —
é o termo pelo qual é designado o supliciado —
é submetido a uma série de provas, de severi-
dade graduada e que ele ganha “aguentando”,
ou perde confessando. (FOUCAULT, 1999, p.
59).

Desse modo, segundo Foucault (1999, p.249), o proce-


dimento do inquérito na Idade Média foi imposto à velha justiça
acusatória, mas por um processo vindo de cima; já a técnica
disciplinar invadiu, insidiosamente e como que por baixo, uma
justiça penal que é ainda, em seu princípio, inquisitória:

Surgiram neste momento dois tipos de prisões: a


prisão do Estado e a prisão eclesiástica. A pri-
meira com a modalidade de prisão-custódia, uti-
lizada no caso em que o delinqüente estava à es-
pera de sua condenação, para os casos de pri-
são perpétua ou temporal ou, até receber o per-
dão. Já a segunda, era destinada aos clérigos re-
beldes, que ficavam trancados nos mosteiros,
dentro de um aposento subterrâneo, para que,
por meio de penitência e meditação, se arrepen-

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

dessem do mal causado e obtivessem a corre-


ção. Foi na segunda metade do século XVI que
surgiu um importante movimento para desenvol-
ver as penas privativas de liberdade: a criação de
prisões para correção dos condenados. Cita-se o
“House of Corretion”, construída em Londres, na
Inglaterra, entre 1550 e 1552, tendo por objetivo
a reeducação dos delinquentes, através de disci-
plina e trabalho severo. Em 1556 surgiu em Ams-
terdam, na Holanda, a casa de correção para ho-
mens; e no ano de 1557, uma casa de correção
para mulheres; e em 1600 uma prisão especial
para homens (BATISTELA, 2007, p.14)

Batistela e Amaral (2008, p.4), o termo “penitenciária”


tem antecedentes no Direito Penal Canônico, que é a fonte
primária das prisões. Este direito era dotado de peculiarida-
des, como, por exemplo, os gastos com manutenção e subsis-
tência que ficavam por conta do próprio encarcerado.
Os cristãos entendiam que a pena deveria servir de pe-
nitência, para que o condenado reconhecesse seus pecados,
arrependesse e não delinquissem mais. No entanto, viam a
necessidade de o réu recolher-se em locais cujo ambiente
contribuiria para sua correção.
Verifica-se, portanto, que no período de ascensão da
Idade média o cenário enfrentado pela população era de total
desproteção, criando-se assim um clima de terror e uma at-
mosfera de constante medo, diante da insegurança estatal,
pois a aplicação de penas não respeitava a integridade física

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

e mental dos apenados, vindo tal situação obter um melhor


cenário para a população na época da baixa idade médica.

A penalidade moderna — a problematização do


criminoso por trás de seu crime, a preocupação
com uma punição que seja correção, terapêutica,
normalização, a divisão do ato do julgamento en-
tre diversas instâncias que devem, segundo se
espera, medir, avaliar, diagnosticar, curar, trans-
formar os indivíduos — tudo isso trai a penetra-
ção do exame disciplinar na inquisição judiciária.
(FOUCAULT, 1999, p. 249).

Historicamente, o direito penal anterior à idade média


encarava a pena privativa de liberdade como mero instru-
mento processual apto a custodiar o réu até que uma pena
definitiva fosse imposta. As penas definitivas, à época, consis-
tiam em sanções muitas vezes cruéis, de morte, tortura, lesão
e confisco patrimonial no caso de dívida. Eram as chamadas
penais corporais.
Nesse sentido, Paulo César Busato (2017, p. 767) dis-
põe que:

Até a Idade Média, as prisões do Estado eram


destinadas principalmente aos inimigos políticos,
possuindo duas modalidades fundamentais: a de
prisão-custódia, onde permaneciam as pessoas
aguardando a execução; e a de detenção tempo-
rária ou perpétua, figurando como exemplo a
Torre de Londres e a Bastilha de Paris.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

O que se pode verificar é que na alta Idade Média a


sociedade viveu sob um sistema de terror e insegurança, pois
a aplicação de penas cruéis evidenciava a falta do princípio da
dignidade humana e da legalidade, que só começaram a ser
delineados com a baixa Idade Média.

1.1.4 IDADE MODERNA

Já a respeito da Idade Moderna, em meados do século


XVI, a população europeia era formada, em sua maioria, de
indivíduos pobres. Não havia política criminal que pudesse mi-
nimizar a situação de pobreza, pois havia se perdido a segu-
rança, já que a pena de morte não era mais eficaz para punir
os delinquentes:

Foi na segunda metade do século XVI que surgiu


um importante movimento para desenvolver as
penas privativas de liberdade: a criação de pri-
sões para correção dos condenados. Cita-se o
“House of Corretion”, construída em Londres, na
Inglaterra, entre 1550 e 1552, tendo por objetivo
a reeducação dos delinquentes, através de disci-
plina e trabalho severo. Em 1556 surgiu em Ams-
terdam, na Holanda, a casa de correção para ho-
mens; e no ano de 1557, uma casa de correção
para mulheres; e em 1600 uma prisão especial
para homens. (BATISTELA, 2007, p.14)

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Um fato importante na era moderna foi a mudança da


prisão-custódia para prisão-pena, cuja motivação foi econô-
mica, para transformar o sistema de cerceamento da liberdade
em um instrumento que permitisse a introdução do capita-
lismo.
A partir desta análise surgiu estabelecimento cuja a fi-
nalidade era deter a liberdade do indivíduo em conflito com a
lei, sendo esses denominados casas de detenção e penitenci-
árias, surgindo diante disto o que hoje chamamos de sistema
penintenciário:

Criou-se em 1818 a Western Pennsylvania Peni-


tentiary e, na sequência, em 1829, a Eastern
State Penitentiary, nos Estados Unidos. Era o de-
nominado sistema pensilvânico, onde havia o
isolamento completo do condenado, que não po-
dia receber visitas, a não ser dos funcionários,
membros da associação de ajuda aos presos e
do sacerdote. O pouco trabalho realizado era
manufaturado. Vigorava a lei do silêncio, sepa-
rando-se os presos em celas individuais, o que
não deixava de ser uma vantagem se comparado
à promiscuidade das celas coletivas dos dias de
hoje. (NUCCI, 2011, p. 76).

No sistema pensilvânico, também conhecido como fila-


délfico, belga ou celular. Sua aplicação na utilização era o iso-
lamento celular absoluto, não podendo os presos manter qual-
quer forma de comunicação com seus companheiros. Este sis-
tema foi muito criticado porque era retirado do ser humano

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

uma necessidade humana: a de se comunicar.


Devido às limitações do sistema pensilvânico houve
uma necessidade de corrigir os defeitos e de superar as limi-
tações do sistema assim houve uma impulsão a criação de um
novo sistema. Segundo Guilherme Nucci (2011, p. 76), poste-
riormente, surgiu o sistema auburniano, com prisão de Auburn,
que tomou pulso com a indicação do Capitão Elam Lynds
como diretor (1823). Preocupava-se, essencialmente, com a
obediência do criminoso, com a segurança do presídio e com
a exploração da mão de obra barata.

1.1.5 BRASIL COLÔNIA

Segundo Didone (2003, p.16), tal observação é com-


preensível, uma vez que cada civilização, cada sociedade tem
sua cultura própria, sendo natural a adaptação de normas às
suas realidade e necessidades.

1.1.5.1 Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas

As Ordenações Afonsinas foram promulgadas em


1446, por D. Afonso V, constituindo o primeiro código completo
de legislação a aparecer na Europa depois da Idade Média.
Em 1514, foram editadas as Ordenações Manuelinas, e
de cuja codificação foram incumbidos os juristas Rui Bato, Rui

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

da Grã e João Cotrim. Durante sete anos, recebeu reformas,


sendo finalmente publicada em 1521. Estas Ordenações fo-
ram a real e efetiva legislação do início do regime colonial no
Brasil.
Nas condições primitivas da colônia, não era fácil se ter
um rigoroso ajustamento às leis da metrópole, porque pessoas
que vinham para o Brasil estavam cheias de ambições, e em
nenhum momento se preocupavam com o que estava pres-
crito juridicamente, ou com o que a sociedade metropolitana
considerava moralmente correto.
Essa legislação não era apropriada para reger a socie-
dade dos primeiros tempos coloniais, pois era uma legislação
que representou a evolução de uma velha sociedade às ne-
cessidades da mesma, ao nela se acolher.
Na realidade, sobretudo no regime das capitanias, o
que interessava era o arbítrio do donatário, representado por
um direito informal e personalista, com o qual se pretendia
manter a ordem social e jurídica, em núcleos de homens am-
biciosos ou de delinquentes que longe da metrópole, não se
sentiam presos às limitações jurídicas e morais desta.
Já no tempo dos governos gerais, tornou-se um pouco
mais efetivo o império da lei, por se ter um quadro de funcio-
nários destinados à aplicação e execução e medidas penais.

21
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Entretanto, na prática, os abusos e injustiças continuaram


existindo.
As Ordenações Filipinas foram a mais longa das Orde-
nações, vigorando do tempo colonial até os primeiros anos do
Império.
Essas ordenações foram marcantes pela exorbitância
das penas, que alcançavam com extremo rigor fatos às vezes
insignificantes; pela desigualdade de tratamento entre os in-
fratores; pela confusão entre direito, moral e religião, e por
muitos outros vícios.
As execuções efetivaram-se na forca, na fogueira, e em
alguns casos ocorria a amputação dos braços ou das mãos do
condenado. Essas penas ficaram reservadas para os casos de
homicídio, latrocínio e insurreição de escravos, configurando
uma mudança importante, pois no antigo regime, a pena de
morte era prevista para mais de setenta infrações. Em 1835,
como reação ao levante de negros muçulmanos ocorrido na
Bahia, uma lei draconiana ampliaria as hipóteses de pena ca-
pital para escravos que matassem, tentasse matar ou ferir gra-
vemente seu senhor ou feitor.
Tivemos no Brasil o caso de Tiradentes que, acusado
de crime de lesa-majestade (traição cometida contra a pessoa
do Rei, ou seu Real Estado), foi enforcado e esquartejado, de-
monstrando a crueldade excessiva da época.

22
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

A permanência da Corte Portuguesa no Brasil, por mais


de 13 anos, não trouxe nenhuma alteração à nossa legislação
penal, nem o fato da independência do país veio marcar o iní-
cio de novo período na história do nosso Direito Penal. A evo-
lução, entretanto, foi se operando com o passar dos tempos,
e em plena vigência das Ordenações Filipinas, em Portugal,
espíritos adiantados propugnaram pela renovação das leis.

1.1.6 BRASIL IMPÉRIO

Com a independência e a Carta Constitucional de 1824,


veio a necessidade de se substituir a legislação do Reino.
Segundo Brasil (1984), o espírito que dominou o Código
Criminal do Império estava antecipado na Constituição de
1824. Este código estabelecia as relações do conjunto da so-
ciedade.

Por outro lado, na crítica realizada por


Raymundo Faoro existe a noção de que o poder
moderador era o principal mantenedor do esta-
mento burocrático: a coroa poderia nomear e de-
mitir os ministérios, pairando sobranceira sobre
as decisões política se administrativas. O jurista
gaúcho ainda afirma que a teoria do poder mo-
derador em Benjamin Constant constituía a “es-
sência do primado da Coroa, será a pedra que
autorizará o imperador a reinar, governar e admi-
nistrar, por via própria, sem a cobertura ministe-
rial”. O período que e estendeu de 1823 a 1826

23
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

presenciou, segundo o autor de Os donos do po-


der, a fase áurea do suposto autoritarismo de D.
Pedro I, o qual governava e reinava tendo sob o
seu domínio os ministérios e o Conselho de Es-
tado, “inexpressivo apêndice do soberano”. (GI-
LENO, 2016, p.72).

Em todos os casos o governo imperial poderia agir apli-


cando as penas que continham no código como, por exemplo,
prisão perpétua ou temporária, com ou sem trabalhos força-
dos, banimento ou condenação à morte.
As características mais importantes desse código são:

[...] a) a exclusão da pena de morte para os cri-


mes políticos; b) a imprescritibilidade das penas;
c) a reparação do dano causado pelo delito; d)
ser considerado agravante o ajuste prévio entre
duas ou mais pessoas, para a prática do crime;
e) a responsabilidade sucessiva nos crimes de
imprensa (AMARAL; BATISTELA, 2008, p. 9).

Este código transformou-se em lei, a 16 de dezembro


de 1830, sendo o primeiro Código Penal autônomo da América
Latina. Na época, as ideias liberais encontravam-se no seu
ápice. A propaganda individualista, desenvolvida quase simul-
taneamente na França e nos Estados Unidos, estava em ebu-
lição. Era natural que, nos princípios em foco, se fundamen-
tasse a Constituição Federal, revelando-se uma das mais adi-
antadas.
O seu art. 179 reuniu de forma completa, a enumeração

24
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

dos direitos e garantias individuais. Pelo que este preceito con-


signou, podia-se vislumbrar a orientação do Código Criminal
por vir.
O inciso 2.º desse artigo dizia: “Nenhuma lei será esta-
belecida sem utilidade pública”. É manifesto que o legislador
se inspirava na doutrina de Bentham, segundo a qual os siste-
mas legislativos deveriam se basear na utilidade das coisas.
O inciso 3.º firmava o relevante princípio da irretroativi-
dade da lei, cuja incidência no terreno repressivo consubstan-
cia uma das essenciais garantias à liberdade dos cidadãos.
Assim dispunha outros incisos do art. 179, referentes, a maté-
ria penal:

Inciso 4.º: “Ninguém pode ser perseguido por


motivo de religião, uma vez que respeite a do Es-
tado, e não ofenda a moral pública”;
Inciso 5.º: “Ninguém poderá ser preso sem culpa
formada, exceto nos casos declarados na lei; e
nestes, dentro de 24 horas, contadas da entrada
na prisão, sendo em cidades, vilas, ou outras po-
voações próximas aos lugares da residência do
juiz; e nos lugares remotos dentro de um prazo
razoável que a lei marcará, atenta a extensão do
território, o juiz, por uma nota por ele assinada,
fará constar ao réu o motivo da prisão, os nomes
dos seus acusadores, e os das testemunhas, ha-
vendo-as”;
Inciso 6.º: “Ninguém será sentenciado senão
pela autoridade competente, por virtude de lei
anterior, e na forma por ela prescrita”;
Inciso 7.º: “Nenhuma pena passará da pessoa do
seu delinquente. Portanto, não haverá em caso
alguma confiscação de bens, nem a infâmia do

25
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

réu se transmitirá aos parentes, em qualquer


grau que seja”;
Inciso 8.º: “As cadeias serão seguras, limpas e
bem arejadas, havendo diversas casas para se-
paração dos réus, conforme suas circunstâncias
e natureza dos seus crimes” (BRASIL, 1988)

O Código Criminal do Império revelou o acolhimento


dado às ideias liberais, após surgiu um novo código sendo ele
Código de Processo de 1832, que possui alta importância para
o Brasil e sua legislação, possuindo vigor até o fim do ano de
1941.

1.1.7 BRASIL REPÚBLICA

Proclamada a República em 1889, intensificou-se a ne-


cessidade de se promover reforma na legislação criminal,
mesmo porque já haviam se passado 60 anos da promulgação
do Código do Império, e as suas leis ficaram envelhecidas por
não mais acompanhar a realidade.
O Ministro da Justiça do governo provisório, Campos
Sales, confirmou o trabalho que havia sido confiado a Batista
Pereira na preparação do novo Código. Em pouco tempo o
projeto foi estruturado e rapidamente entregue ao Governo,
sendo submetido ao juízo de uma comissão presidida pelo
próprio Ministro da Justiça. Por decreto de 11 de outubro de
1890 foi aprovado, transformando-se em lei passando o Brasil

26
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

a ter um novo código penal.


Devido este ter sido feito sem a devida atenção pois era
muito almejado, veio a possuir defeitos em seu texto, contribu-
indo para mais diversas críticas, deixando em dúvida sua ido-
neidade, não facilitando a sua devida aplicação, conforme era
almejado.
Para solucionar o problema, o Poder Executivo fez um
projeto para um novo Código. Depois de inúmeras tentativas,
em 1940 o projeto definitivo foi apresentado, sendo promul-
gado em 7 de dezembro do mesmo ano. Entrou em vigor em
1º de janeiro de 1942.
Vicente Piragibe coligiu toda a legislação penal poste-
rior ao Código de 1890 e elaborou uma “Consolidação das Leis
Penais”, obra de grande valor, pois facilitava a todos quantos
tinham de indagar qual direito penal estava vigente.
Para fazer o Código de 1940, o legislador brasileiro ins-
pirou-se em um Código Italiano, de 1930, chamado Código de
Rocco, e também seguiu, como exemplo, o Código Suíço de
1937, para inúmeras soluções adotadas.

Embora elaborado durante regime ditatorial, o


Código Penal unifica fundamentalmente as ba-
ses de um direito punitivo democrático e liberal.
Na parte geral do Código, temos por base o prin-
cípio da reserva legal; o sistema de duplo binário;
a pluralidade de penas privativas da liberdade; a
exigência do início da execução para a configu-
ração da tentativa; o sistema progressivo para o

27
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

cumprimento da pena privativa de liberdade; a


suspensão condicional da pena e o livramento
condicional. Na parte especial, dividida em onze
títulos, a matéria se inicia pelos crimes contra a
pessoa, terminando pelos crimes contra a admi-
nistração pública. Não há mais pena de morte e
nem de prisão perpétua, e o máximo da pena pri-
vativa de liberdade é de 30 anos. (BATISTELA;
AMARAL, 2008, online).

Em 1961, o governo decidiu fazer uma reforma na le-


gislação criminal, e solicitou a Nelson Hungria, mestre de Di-
reito Penal Brasileiro, para que a fizesse.
Modificou-se a parte geral, tendo como ponto marcante
o abandono do sistema do duplo binário (medidas de segu-
rança detentivas para imputáveis), adotando o sistema vicari-
ante (pena ou medida de segurança), nos casos em que o
agente é semi-imputável. Juntamente com a nova Parte Geral
do CP, foi promulgada a Lei de Execução Penal, Lei n.º 7.210,
de 11 de julho de 1984.

1.2 O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E SEUS


OBJETIVOS

Entendida da história da pena e a punição aplicada pelo


Estado dentro de um ordenamento jurídico, se faz necessário
entender o conceito aplicado para a prisão domiciliar, bem
como o que torna possível sua aplicação.

28
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

O conceito de “preso” é um gênero e pode ser


tanto um preso cumprindo pena (preso definitivo)
quanto alguém que ainda está respondendo ao
processo criminal, mas encontra-se preso pre-
ventivamente ou de forma temporária (preso pro-
visório). Assim, a maneira mais correta a se des-
crever seria “apenado” e “reeducando” (MOURA
2021).

O reeducando provisório é na qual se enquadram a pri-


são em flagrante, a prisão temporária e a prisão preventiva; e
prisão pena, que tem função de punição, em razão da conde-
nação do acusado pela prática de crime. Cabe ressaltar que a
regra geral é que o acusado responda o processo em liber-
dade, mas a prisão cautelar é possível, como exceção, nos
casos em que os requisitos legais para sua decretação este-
jam presentes.
Segundo Lopes (2019), a prisão domiciliar decorre de
motivos pessoais do agente, que pode ser de natureza huma-
nitária. Tal situação fática poderá ser comprovada por meio de
via documental ou por perícia técnica, conforme o caso con-
creto. O conceito aplicado acima, no que pese ao termo “natu-
reza humanitária”, decorre diretamente do princípio da digni-
dade da pessoa humana que protege o apenado.
O sistema carcerário brasileiro, segundo o DEPEN (De-
partamento Penitenciário Nacional), ocupa o terceiro lugar em
superlotação, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e

29
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

China. Logo, o desafio do Estado torna-se ainda mais arro-


jado, em cumprir os objetivos da aplicação da pena.
Nesse sentido, Moura (2021) destaca que a harmonia
entre polícia, legislação e o sistema judiciário penal, não está
acontecendo da forma que deveria. Presos de menor potencial
ofensivo misturam-se com presos de alta periculosidade, difi-
cultando assim a ressocialização do apenado.
Logo a reincidência de crimes e de presos torna-se ine-
gável, colaborando assim para a superlotação, gerando pro-
blemas de saúde, afinal as regras de biossegurança não são
respeitadas e proliferação de doenças põe em risco a vida do
preso, bem como, a vida de quem interage com esse sistema.
A garantia prevista no art. 5, XLIX, da Constituição da
República Federativa do Brasil de 1998, onde determina que
é assegurado aos presos o respeito e a integridade física e
moral são evidentemente violados, pois, nenhuma garantia é
respeitada de forma a tratar o preso como um animal. O Es-
tado deve cuidar e zelar pela saúde do preso mantido em sua
custódia conforme está previsto no art. 196 da Constituição
Federal de 1988:

A saúde é direito de todos e dever do Estado, ga-


rantido mediante políticas públicas sociais e eco-
nômicas que visem à redução do risco de doença
e de outros agravos e ao acesso universal e igua-
litário às ações e serviços para a sua promoção,
proteção e recuperação.

30
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Em razão disso, se faz necessária a administração de


regime do preso que se encontra em estado de saúde grave,
pois o sistema carcerário não possui condições de administrar
a situação do apenado, devendo possibilitar o cumprimento da
pena em seu domicílio.

1.3 APLICAÇÃO DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL E CÓDIGO


DE PROCESSO PENAL

A busca de sua finalidade reveste grande importância


dentro do sistema penal brasileiro, para que a pena seja apli-
cada de forma a possibilitar a restruturação do apenado dentro
da sociedade, nesse sentido é que trata da Lei de Execuções
Penais.

A Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, também


conhecida como Lei de Execuções Penais –
LEP, tem como finalidade efetivar as disposições
de sentença ou decisão criminal e proporcionar
condições para a harmônica integração social do
condenado e do internado. (BRASIL, 1984).

A referida LEP, buscar uma melhor aplicação da prisão


domiciliar e, proteger os direitos sem deixar de lado os seus
deveres, disciplinando sobre penalidades por faltas cometidas
dentro do estabelecimento prisional devendo se aplicar tanto
ao preso provisório quanto ao preso definitivo.

31
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Moura (2021) descreve a LEP, como um dos sistemas


mais bem estruturados do mundo, pelo menos na teoria, toda-
via a aplicação encontra-se defasada. Nesse sentido, não só
apresenta problemas na execução em um âmbito geral, mas
falha em desenvolver e alcançar os objetivos da lei penal.

1.3.1 INTERSECÇÕES DAS MÃES NO SISTEMA


PRISIONAL

Para o acontecimento da prisão domiciliar, há conflitos


a respeito da dignidade humana, de acordo com a Constitui-
ção da República Federativa do Brasil:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada


pela união indissolúvel dos Estados e Municípios
e do Distrito Federal, constitui-se em Estado De-
mocrático de Direito e tem como fundamentos:
(...) III - a dignidade da pessoa humana. (BRA-
SIL, 1988).

Em respeito à dignidade da pessoa humana, manter o


preso em regime fechado constitui e, celas superlotadas onde
a proliferação da doença constitui um farto incontroverso. Pos-
sibilitar o preso o cumprimento de sua pena em regime domi-
ciliar constitui uma ação humanitária.
Por essa razão é o dispõe o art. 12 e 14 da LPP, no qual
determina a implantação da assistência material e à saúde do

32
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

preso. Na mesma linha o Código de Processo Penal - CPP,


determina as condições que serão aplicadas.

Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preven-


tiva pela domiciliar quando o agente for:
I - Maior de 80 (oitenta) anos;
II - Extremamente debilitado por motivo de do-
ença grave;
III - imprescindível aos cuidados especiais de
pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com
deficiência;
IV - Gestante;
V - Mulher com filho de até 12 (doze) anos de
idade incompletos. (BRASIL, 1941).
VI - Homem, caso seja o único responsável pelos
cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade
incompletos.

Tais requisitos se baseiam no grau de risco em que o


apenado se encontra dentro do sistema carcerário, no qual
mantê-lo preso, constitui risco para sua própria integridade
como para os que rodeiam.

Estudo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)


constatou que 622 presas são grávidas ou estão
em fase de amamentação. Por ocasião do julga-
mento desse HC, o Ministro Lewandowski havia
determinado que o Departamento Penitenciário
Nacional (Depen) listasse todas as presas pre-
ventivas gestantes ou mães de crianças com até
12 anos. O órgão também foi obrigado a indicar
se as unidades têm superlotação, escolta para
garantir o acompanhamento da gestação, assis-
tência médica adequada, berçários e creches.
(FALQUETO, 2022).

33
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Portanto, diante de tal alteração na matéria legislativa,


há uma obrigação na concessão a gestantes e mulheres que
são responsáveis por indivíduos portadores de deficiência e
de crianças o regime de prisão domiciliar, em nosso Estado há
a fiscalização através do já conhecido monitoramento eletrô-
nico e a fiscalização do sistema penitenciário a fim de fazer
valer tais direitos.
De acordo com o Tribunal Judiciário do Estado do Acre
2022, a regra prevista no Código de Processo Penal:

Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preven-


tiva pela domiciliar quando o agente for:
I - maior de 80 (oitenta) anos;
II - extremamente debilitado por motivo de do-
ença grave;
III - imprescindível aos cuidados especiais de
pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com
deficiência;
IV - gestante;
V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de
idade incompletos;
VI - homem, caso seja o único responsável pe-
los cuidados do filho de até 12 (doze) anos de
idade incompletos;
Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exi-
girá prova idônea dos requisitos estabelecidos
neste artigo. (BRASIL, 1941)

Nesta senda quando se priva uma mãe que se encontra


no sistema penitenciário em regime fechado, também se priva
os filhos do devido contato com sua mãe para a construção de

34
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

sua vida social e física. Tal privação vem a trazer grandes im-
pactos e a concessão da prisão domiciliar é algo primordial e
de caráter essencial para o melhor desenvolvimento dos filhos
da mãe ou pai encarcerado.

Figura 1 - Aprisionamento Feminino.


40

35

30

25

20
37,4 37,2
33,31
15 28,2 28,88
10
12,9
5
5,6
0
2000 2005 2010 2015 2019 2020 2021

Valor em milhares

Fonte: Departamento Penitenciário Nacional (2022).

Os seguintes dados apresentados da Figura 1, ex-


cluem-se os cálculos de presos em prisão domiciliar, os presos
que estão sob custódia das polícias judiciárias, batalhões po-
lícias e bombeiros militares.

35
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Figura 2 - Faixa etária dos Filhos que estão sem


celas físicas com suas mães.

9%
4%
5%
6% 0 a 6 meses
6 meses a 1
76% ano
1 a 2 anos

Fonte: Departamento Penitenciário Nacional (2022).

Os dados apresentados da Figura 2, são um total de


990 filhos, sendo de modo 754 crianças acima de 3 anos con-
vivendo com suas mães presas e de 2 a 3 anos são 61 crian-
ças. De acordo com Departamento Penitenciário Nacional
(2022), no mesmo nicho apresentado tem-se 85 lactantes
(mãe que amamenta) e 159 gestantes/parturientes.
Sendo assim:

Às mulheres encarceradas devem ser assegura-


dos todos os seus direitos não atingidos pelas
penas restritivas de liberdade. Os/as filhos/as
que estejam abrigados/as com suas mães não
estão privados/as de liberdade. Assim, devem
ser destinados esforços a minimizar a experiên-
cia do cárcere para a criança, viabilizando sua
convivência com a família e a comunidade, bem
como o acesso às políticas públicas extramuros

36
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

por meio de rotinas diferenciadas a serem con-


duzidas pela equipe interdisciplinar. (DEPARTA-
MENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL, 2016, p.
17).

Desse modo as presas gestantes e mães devem dispor


de mecanismos que incentivem a prática de atividades de in-
serção social. Devem ser ofertadas assistência jurídica, edu-
cacional, laboral, de saúde física e mental, nutricional, de psi-
cologia, de serviço social, desportiva, cultural e outros serviços
à luz de suas necessidades específicas.

Figura 3 - Faixa etária dos Filhos que estão


em prisão domiciliar, com suas mães.
3% 4%
3%
3%
0 a 6 meses
6 meses a 1 ano
1 a 2 anos
2 a 3 anos
Mais de 3 anos
87%

Fonte: Departamento Penitenciário Nacional (2022).

Já os presos em prisão domiciliar, com seus filhos de


acordo com a Figura 3, são um total de 335 crianças, e 290
são acima de 3 anos, 2 a 3 anos totalizando um total de 11

37
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

crianças. Na mesma referência presente o Departamento Pe-


nitenciário Nacional (2022), a de se ter 11 mães lactantes
(mãe que amamenta) e 5 gestantes/ parturientes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tal como foi apresentado, acerca do sistema prisional,


historicamente até os dias atuais, fazendo correlação com as
condições de progressões de pena ou casos específicos que
possuem direito ao regime aberto, devido a questões que se
enquadram conforme a lei, com ênfase nas razões de saúde
dos reeducandos, alude-se a relevância ao direito da digni-
dade da pessoa humana, em detrimento com o dever do cum-
primento de pena. A condição da prisão domiciliar, portanto, é
uma forma de obter uma resolução, que não consegue ser al-
cançada no regime fechado.

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42
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

2
ESTUPRO DE VULNERÁVEL: ANÁLISE DA RELAÇÃO
SEXUAL DE MENORES DE 14 ANOS E DA POSSÍVEL
RESPONSABILIDADE PENAL DOS PAIS POR OMISSÃO

RAPE OF A VULNERABLE: ANALYSIS OF THE SEXUAL


RELATIONSHIP OF CHILDREN UNDER 14 YEARS AND
THE POSSIBLE CRIMINAL RESPONSIBILITY OF THE
PARENTS BY OMISSION

Débora Maia Alvares¹


Arthur Braga de Souza²

ALVARES, Débora Maia. Estupro de vulnerável: Análise da


relação sexual de menores de 14 anos e da possível res-
ponsabilidade penal dos pais por omissão. Trabalho de
Conclusão de Curso de graduação em Direito – Centro Uni-
versitário UNINORTE, Rio Branco, 2023.

43
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

RESUMO
O presente artigo trata da importância da responsabilidade pe-
nal dos pais por omissão nos crimes de estupro de vulnerável,
com o advento da Lei n.º 12.015/2009, que passou a tipificar
como hediondo o crime de estupro de vulnerável em sua forma
simples e qualificada. Como aporte teórico procedeu-se uma
análise social e histórica juntamente com uma pesquisa dos
conceitos, da natureza jurídica, do papel realizado pelos pais
e da perspectiva em volta da responsabilidade penal por omis-
são. Nesse entendimento, procedeu-se o estudo com base em
pressupostos e conceitos do Direito Penal brasileiro, discor-
rendo posicionamentos de doutrinadores criminalistas acerca
desse instituto e de sua relevância.

Palavras-chave: crime; estupro; vulneráveis; omissão; res-


ponsabilidade.

ABSTRACT
This article deals with the importance of the criminal responsi-
bility of the parents in the omission in the crimes of rape of
vulnerable with the law 12.015/2009, which came to typify as
heinous the crime of rape of vulnerable in its simple and quali-
fied form. As a theoretical contribution, a social and historical
analysis was carried out together with a research of the con-
cepts of the legal nature, the role played by parents and the
perspective around criminal responsibility for omission. In this
understanding, the study was carried out based on assump-
tions and concepts of Brazilian Criminal Law, discussing the
positions of criminal scholars about this institute and its rele-
vance.

Keywords: crime; rape; vulnerable; omission; responsibility.

44
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

INTRODUÇÃO

Este artigo aborda a importância da responsabilidade


penal dos pais por omissão no estupro de vulnerável, tem
como base promover o estudo do crime de estupro de vulne-
rável juntamente com o consentimento e a omissão dos pais
perante as relações sexuais de seus filhos menores de 14
anos, visto que, conforme o Estatuto da Criança e do Adoles-
cente, considera-se um dever legal dos pais zelar pela digni-
dade de seus filhos.
Praticar atos sexuais precocemente é considerado um
fato altamente perigoso para um ser humano que ainda está
em fase de desenvolvimento, é um acontecimento que gera a
responsabilidade penal dos pais perante seus filhos menores
de 14 anos de idade, dado que esses indivíduos ainda não têm
a devida autonomia para consentir a prática de qualquer tipo
de ato sexual ou libidinoso.
Vale destacar que a adolescência é uma fase de ex-
trema importância no desenvolvimento do ser humano, por
isso, o zelo e a atenção para com os adolescentes se tornam
elementos completamente indispensáveis. Essa fase pode ser
descrita como a passagem da infância para a vida adulta, nela
ocorrem múltiplas alterações físicas, psicológicas, cognitivas
e sociais.

45
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Contudo, é perceptível a mudança constante da socie-


dade e de seus costumes, fato que respinga diretamente na
formação de crianças e adolescentes, principalmente no âm-
bito sexual, os adolesceste de hoje estão mais suscetíveis a
prática de atos sexuais ou libidinosos. Ademais, em vista des-
sas mudanças na sociedade ocorre o desencadeamento de
diversas novas percepções e desejos, caracterizadas pelo iní-
cio da atividade ou envolvimento sexual.
É nesse cenário que a responsabilidade penal dos pais
se torna importante, em razão de ter o caráter preventivo e
repressivo, dado que, por lei, compete aos pais o dever de as-
segurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade,
o direito à dignidade.
Logo, a responsabilidade penal dos pais por omissão
no crime de estupro de vulnerável consiste no ato de punir
aqueles que descumprirem voluntariamente com os seus de-
veres inerentes ao poder familiar, isto é, basta a mera volun-
tariedade do agente, significando a ação ou omissão exercida
livremente, sem influência de coação física ou moral.
Nesse sentido, o presente artigo pretende apresentar
de forma aberta a eficiência da responsabilidade penal dos
pais por omissão, como também a importância de aperfeiçoar
e regulamentar esse instituto de maneira que seja mais bem
colocado e aproveitado no direito penal, a fim de que assim

46
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

não haja maiores controvérsias a respeito desse instituto e ve-


rifique-se o alcance de resultados positivos e eficazes.

2.1 CRIME DE ESTUPRO

Com o íntegro objetivo de proteger os indivíduos e as


suas reais vontades, o ordenamento jurídico garante o direito
à liberdade e ele não se limita apenas ao direito de ir e vir, mas
também abrange a liberdade que cada ser humano tem de es-
colher com quem deseja se relacionar sexual e amorosa-
mente. Nesse sentido, se configura o crime de estupro a partir
do momento em que essa liberdade de escolha é violada por
um ato libidinoso ou conjunção carnal que tenha por finalidade
satisfazer apenas o indivíduo que o pratique contra outrem.
De acordo com Rogério Gregório (2022, p. 623) a lei
tutela o direito de liberdade que qualquer pessoa tem de dispor
sobre o próprio corpo, no que diz respeito aos atos sexuais.
Ainda sobre o assunto, Jiménez (2011) discorre sobre a liber-
dade sexual, afirmando que:

Liberdade sexual significa que o titular da mesma


determina seu comportamento sexual conforme
motivos que lhe são próprios no sentido de que é
ele quem decide sobre sua sexualidade, sobre
como, quando ou com quem mantém relações
sexuais.

47
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Atualmente, o estupro é considerado um dos crimes


mais rejeitados pela sociedade. Essa prática é realizada sem
o claro consentimento da vítima, mediante força, coação,
grave ameaça e outras diversas condutas que podem ser uti-
lizadas para violar a integridade física e a dignidade de um ser
humano.
Vale ressaltar que o estupro cometido contra a vítima
afeta diretamente em sua saúde mental e física, ele é capaz
de causar diversos tipos de traumas no indivíduo pelo resto de
sua vida. No direito, a prática do estupro se enquadra nos cri-
mes contra a dignidade sexual, sendo definido no artigo 213
do Código Penal (1940):

Art. 213. Constranger alguém, mediante violên-


cia ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou
a praticar ou permitir que com ele se pratique ou-
tro ato libidinoso: (Redação dada pela Lei nº
12.015, de 2009).
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. (Re-
dação dada pela Lei nº 12.015, de 2009).
§ 1°: Se da conduta resulta lesão corporal de na-
tureza grave ou se a vítima é menor de 18 (de-
zoito) ou maior de 14 (catorze) anos: (Incluído
pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. (In-
cluído pela Lei nº 12.015, de 2009).
§ 2°: Se da conduta resulta morte: (Incluído pela
Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos
(Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009).

48
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Assim dispõe o doutrinador Rogério Gregório (2022, p.


621):

Verifica-se que o núcleo do tipo é o verbo cons-


tranger, aqui utilizado no sentido de forçar, obri-
gar, subjugar a vítima ao ato sexual. Trata-se,
portanto, de modalidade especial de constrangi-
mento ilegal, praticado com o fim de fazer com
que o agente tenha sucesso no congresso carnal
ou na prática de outros atos libidinosos. Portanto,
para que se possa configurar o delito em estudo,
é preciso que o agente atue mediante o emprego
de violência ou de grave ameaça. Violência diz
respeito à vis corporalis, vis absoluta, ou seja, a
utilização de força física, no sentido de subjugar
a vítima, para que com ela possa praticar a con-
junção carnal, ou a praticar ou permitir que com
ela se pratique outro ato libidinoso.

Contudo, ressalta-se também que a dignidade sexual é


um bem jurídico protegido pela Constituição Federal, pelo fun-
damento constitucional da dignidade da pessoa humana, que
busca preservar a garantia de uma vida digna para cada indi-
víduo, conforme dispõe o texto do artigo 1º, inciso III, da Cons-
tituição da República Federativa do Brasil.
Logo, o artigo 5°, inciso X da Constituição Federal tam-
bém se torna fundamental pois visa proteger a intimidade, a
privacidade, a honra e a imagem das pessoas, garantindo o
direito à indenização por eventuais danos que podem causar
sequelas irreparáveis na vida da vítima por conta da violação
desses direitos.

49
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distin-


ção de qualquer natureza, garantindo-se aos bra-
sileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos ter-
mos seguintes:
X - São invioláveis a intimidade, a vida privada, a
honra e a imagem das pessoas, assegurado o
direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação;

Desse modo preceitua Guilherme de Souza Nucci


(2021, p. 999):

Ao mencionar a dignidade sexual, como bem ju-


rídico protegido, ingressa-se em cenário mo-
derno e harmônico com o texto constitucional,
afinal, dignidade possui a noção de decência,
compostura e respeitabilidade, atributos ligados
à honra. Associando-se ao termo sexual, insere-
se no campo da satisfação da lascívia ou da sen-
sualidade. Ora, considerando-se o direito à inti-
midade, à vida privada e à honra (art. 5.º, X, CF),
nada mais natural do que garantir a satisfação
dos desejos sexuais do ser humano de forma
digna e respeitada, com liberdade de escolha,
porém, vedando-se qualquer tipo de exploração,
violência ou grave ameaça.

Corroborando com tal entendimento, discorre Ingo


Wolfgang Sarlet em Dignidade da pessoa humana e direitos
fundamentais (2010, p 60):

A dignidade da pessoa humana é a qualidade in-


trínseca e distintiva de cada ser humano que o

50
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

faz merecedor do mesmo respeito e considera-


ção por parte do Estado e da comunidade, impli-
cando, neste sentido, um complexo de direitos e
deveres fundamentais que assegurem a pessoa
tanto contra todo e qualquer ato de cunho degra-
dante e desumano, como venham a lhe garantir
as condições existenciais mínimas para uma vida
saudável, além de propiciar e promover sua par-
ticipação ativa e corresponsável nos destinos da
própria existência e da vida em comunhão com
os demais seres humanos.

2.1.1 DO CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL

Inicialmente, a palavra vulnerável já remete ao sinô-


nimo de algo frágil, indefeso, e debilitado, se tratando de al-
guém que está completamente desprotegido, em uma situa-
ção de risco, sem ter ajuda para dispor de suas necessidades
mínimas ou cuidar de sua própria proteção, sendo considera-
dos incapazes de se expressarem de forma correta e eficaz.
A vulnerabilidade é uma particularidade que indica uma
condição de fraqueza e é por essa razão que se torna extre-
mamente necessário defender por meio das leis os direitos bá-
sicos de um ser humano considerado vulnerável, com o foco
de garantir o princípio da dignidade humana, assegurando ao
indivíduo a sua autonomia e capacidade, competindo ao Es-
tado e à comunidade o dever de protegê-los e atendê-los
quando necessário.
Para Guimarães e Novaes (1993) os vulneráveis se

51
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

conceituam do seguinte modo:

São pessoas que por condições sociais, cultu-


rais, étnicas, políticas, econômicas, educacio-
nais e de saúde têm as diferenças, estabelecidas
entre eles e a sociedade envolvente, transforma-
das em desigualdade. A desigualdade, entre ou-
tras coisas, os torna incapazes ou pelo menos,
dificulta enormemente, a sua capacidade de li-
vremente expressar sua vontade.

No entanto, levando o conceito de vulnerabilidade para


o campo da sexualidade, é notório uma grande problemática
no que tange ao relacionamento sexual de indivíduos vulnerá-
veis. De acordo com o doutrinador Fernando Capez, o vulne-
rável é qualquer pessoa em situação de fragilidade ou perigo
e, por isso, a lei não alude sobre a capacidade de consentir ou
a maturidade sexual da vítima, mas ao fato de possuir uma
maior fraqueza, seja moral, fisiológica, social, biológica ou cul-
tural (CAPEZ, 2019).
Por conseguinte, no âmbito do direito, o ordenamento
jurídico brasileiro, com o total intuito de preservar a honra e a
dignidade dos indivíduos considerados vulneráveis, incluiu
pela Lei no 12.015, de 2009, o artigo 217-A, que disciplina so-
bre o crime de estupro de vulnerável, caracterizado pela con-
junção carnal, ou qualquer ato libidinoso com menores de 14
anos, com ou sem consentimento, e de pessoas que, por en-

52
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

fermidade ou deficiência mental, não possuem o discerni-


mento necessário para a prática do ato, bem como, por qual-
quer outra razão, não possa oferecer resistência.
Dispõe o 217-A, do Código Penal (1940):

Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro


ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:
(Incluído pela Lei no 12.015, de 2009)
§ 1°: Incorre na mesma pena quem pratica as
ações descritas no caput com alguém que, por
enfermidade ou deficiência mental, não tem o ne-
cessário discernimento para a prática do ato, ou
que, por qualquer outra causa, não pode oferecer
resistência.
§ 3°: Se da conduta resulta lesão corporal de na-
tureza grave: Pena – reclusão, de 10 (dez) a 20
(vinte) anos.
§ 4º Se da conduta resulta morte: Pena – reclu-
são, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

Enfatiza-se que, no crime de estupro de vulnerável, não


se faz necessário o uso da violência ou grave ameaça na prá-
tica do ato libidinoso ou da conjunção carnal, nem mesmo o
consentimento da vítima afasta a culpabilidade do agente que
se relacionou sexualmente com ela, dado que, para o legisla-
dor, um indivíduo considerado vulnerável pela lei não é capaz
de ter total discernimento de suas ações, vontades ou desejos,
por se levar em consideração a falta de plenitude e entendi-
mento para lidar com determinadas situações, ou até mesmo
por não ter como oferecer a devida resistência.

53
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Segundo Guilherme de Souza Nucci, em Código Penal


Comentado (2021):

Para a configuração do crime de estupro de vul-


nerável descrito no art. 217-A, caput, do Código
Penal, inserido pela Lei n. 12.015/2009, basta a
comprovação da conjunção carnal ou outro ato
libidinoso com menor de 14 anos, não havendo
mais que se falar em presunção de violência. No
julgamento do Recurso Especial Representativo
da Controvérsia n.º 1480881/PI o Superior Tribu-
nal de Justiça pacificou sua jurisprudência no
sentido de que para a caracterização do crime de
estupro de vulnerável previsto no art. 217-A, ca-
put, do Código Penal, basta que o agente tenha
conjunção carnal ou pratique qualquer ato libidi-
noso com pessoa menor de 14 anos, sendo irre-
levantes, para tanto, o consentimento da vítima,
sua eventual experiência sexual anterior ou a
existência de relacionamento amoroso entre o
agente e a vítima.

Ressalta-se também que a Organização Mundial da Sa-


úde (1999), ao referir-se à violência sexual em que a vítima é
uma criança ou um adolescente, adota o seguinte termo ao
abuso sexual infantil.

Abuso sexual infantil é o envolvimento de uma


criança em atividade sexual que ele ou ela não
compreende completamente, é incapaz de con-
sentir, ou para a qual, em função de seu desen-
volvimento, a criança não está preparada e não
pode consentir, ou que viole as leis ou tabus da
sociedade. O abuso sexual infantil é evidenciado
por estas atividades entre uma criança e um
adulto ou outra criança, que, em razão da idade

54
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ou do desenvolvimento, está em uma relação de


responsabilidade, confiança ou poder (World
Health Organization - WHO -, 1999, p. 7).

Posto isso, vale destacar que para a doutrina o sujeito


ativo do crime de estupro de vulnerável pode ser qualquer pes-
soa, mas o sujeito passivo só pode ser o indivíduo considerado
vulnerável pela lei, conforme evidencia o artigo 217-A caput e
§ 1°, do Código Penal. Em casos que a vítima do crime não for
vulnerável, será caracterizado como estupro simples, pois o
estupro de vulnerável caracteriza-se por se concretizar a con-
junção carnal ou qualquer outra prática de ato libidinoso com
pessoas vulneráveis, mesmo sendo sem violência ou grave
ameaça, independentemente do consentimento da vítima.
Por fim, sempre será presumida a vulnerabilidade
quando a vítima tiver menos de 14 anos de idade ou que, por
enfermidade ou deficiência mental, não tiver o necessário dis-
cernimento para a prática do ato, como também, por qualquer
outra causa, não poder oferecer resistência.

2.2 OMISSÃO PENALMENTE RELEVANTE

Inicialmente, acerca do comportamento omissivo


considerado penalmente relevante, o Código Penal Brasileiro,
em seu artigo 13, disciplina sobre a relação de causalidade,

55
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

que é a conexão entre a conduta do agente e o resultado cau-


sado por ela. Diante disso, para que o crime exista e seja im-
putável ao agente, se faz necessário a análise do caso em
seus elementos constitutivos para que seja possível determi-
nar se aquela conduta realmente foi a causa do resultado ne-
gativo.
Dispõe assim o artigo 13, § 2º do Código Penal (1940):

Art. 13 — O resultado, de que depende a exis-


tência do crime, somente é imputável a quem lhe
deu causa. Considera-se causa a ação ou omis-
são sem a qual o resultado não teria ocorrido.
§ 2º — A omissão é penalmente relevante
quando o omitente devia e podia agir para evitar
o resultado. O dever de agir incumbe a quem:
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção
ou vigilância;
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de
impedir o resultado;
c) com seu comportamento anterior, criou o risco
da ocorrência do resultado.

A respeito do assunto, discorre o autor Francisco Mu-


ñoz Conde (2010):

O delito omissivo consiste, sempre, portanto, na


omissão de determinada ação que o sujeito tinha
a obrigação de realizar e que podia realizar. Por-
tanto, o delito de omissão é sempre, estrutural-
mente, um delito que consiste na infração de um
dever. Mas não de um dever social ou moral, se-
não de um dever jurídico. Na realidade, no fundo
de todo delito existe sempre uma infração de um

56
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

dever, o dever de respeitar o bem jurídico prote-


gido no tipo penal em questão (não matar, não
furtar etc.), mas o essencial no delito de omissão
é que esse dever se descumpre ao omitir o su-
jeito uma ação mandada e, portanto, esperada
pelo Ordenamento jurídico.

Contudo, o artigo 13, § 2º, alíneas "a" “b” e "c" do Có-


digo Penal especificam as hipóteses em que a omissão é pe-
nalmente relevante, sendo elas sinônimo do indivíduo que tem
o dever e a possibilidade de agir para evitar o resultado, mas
opta por se omitir, fato que consequentemente gera a respon-
sabilidade penal do agente, pois o direito considera que o omi-
tente colaborou, mesmo que indiretamente, para a ocorrência
do resultado danoso.
A primeira hipótese prevista no Código Penal responsa-
biliza aqueles que tenham por lei a obrigação de cuidado, pro-
teção ou vigilância, ou seja, é o sujeito que tem legalmente o
dever e a obrigação de agir para evitar o resultado nocivo.
Como, por exemplo: se um salva-vidas municipal avistar uma
pessoa se afogando e decidir não ajudar, ocasionando poste-
riormente a morte do indivíduo, ele irá responder pelo crime,
uma vez que ignorou a sua obrigação legal.
A segunda hipótese discorre sobre a figura do agente
que, de alguma forma, assumiu a responsabilidade de impedir

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

o resultado, isto é, ele não tem a obrigação diretamente deri-


vada da lei, mas de alguma outra forma ele assumiu a respon-
sabilidade de impedir a ocorrência do resultado. Por exemplo:
a mãe que, em determinado momento, assume a responsabi-
lidade de proteção, cuidado e vigilância por uma criança que
não é sua, dado que resolve levar o filho de seu amigo para
brincar no parquinho com a sua filha.
A terceira e última hipótese trata sobre o sujeito que,
com o seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência
do resultado, assim dizendo, são determinadas atitudes prati-
cadas pelo agente que geram os riscos de ocorrência do re-
sultado danoso. Exemplo: o indivíduo empurra uma pessoa na
piscina e, ao perceber o afogamento, não faz absolutamente
nada para evitar o resultado, portanto o dolo está na omissão
e não na ação de empurrar.
Sendo assim, para a doutrina, uma conduta omissiva
será penalmente relevante quando o sujeito que tem o dever
de agir e decidir voluntaria e conscientemente se omitir de
prestar ajuda para evitar um resultado que gere risco à vida e
saúde de outrem, visto que a atitude omissiva é prevista no
tipo penal como modelo de comportamento reprovável.
Em concordância com tal entendimento, discorre Gui-
lherme de Souza Nucci, em Código Penal Comentado (2021):

58
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

A omissão que não é típica, vale dizer, quando o


não fazer deixa de constar expressamente num
tipo penal (como no caso da omissão de socorro
– art. 135, CP), somente se torna relevante para
o direito penal caso o agente tenha o dever de
agir. Do contrário, não se lhe pode exigir qual-
quer conduta (...) daí por que, mesmo que aja do-
losamente, não pode ser punido, pois não tinha
o dever jurídico de impedir o resultado.

2.2.1 CONFLITO ENTRE CRIME DE AÇÃO E CRIME DE


OMISSÃO

Inicialmente, ao analisar o conceito de ação e omissão


no Direito Penal é possível encontrar uma grande semelhança,
já que ambas geram resultados negativos e moralmente inde-
sejáveis. O Código Penal brasileiro tratou os crimes omissivos
de uma forma absolutamente genérica, descrevendo todo e
qualquer ato omissivo como “toda ação ou omissão voluntária
contrária à lei penal”, fato esse que acarretou diversas dúvidas
e conflitos a respeito da natureza do delito omissivo.
Ressalta-se que o crime de ação é a regra e demanda
do agente uma conduta constante no fato típico, como, por
exemplo: matar, furtar, agredir e entre outras condutas consi-
deradas proibidas por lei. Já o crime de omissão configura-se
por violar o dever de fazer algo que a lei determina, ou seja,
não existe uma ação concreta, mas sim uma não atuação de
um dever, como, por exemplo: deixar de prestar socorro.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Nesse contexto, preceitua o promotor de justiça Victor


Eduardo Rios Gonçalves (2016, p. 100):

Os crimes omissivos impróprios ou comissivos


por omissão, estão previstos no art. 13, § 2º, do
CP, que estabelece hipóteses em que o sujeito
tem o dever jurídico de evitar o resultado e, caso
não o faça, responde pelo crime. Verifica-se em
tipos penais que normalmente exigem uma ação
para sua configuração, como ocorre com o homi-
cídio, porém o agente nada faz e isso causa a
morte da vítima, devendo, portanto, responder
pelo crime, porque tinha o dever jurídico de evitar
aquela morte. É o que ocorre com a mãe que in-
tencionalmente deixa de alimentar um filho de
pouca idade, causando a morte dele.

No mesmo sentido, descreve também o advogado e


professor Juarez Tavares:

Diz-se, na verdade, que os crimes omissivos im-


próprios são crimes de omissão qualificada por-
que os sujeitos devem possuir uma qualidade es-
pecífica, que não é inerente e nem existe nas
pessoas em geral. [...] Fala-se que essa relação
especial do sujeito (qualificado) para com a ví-
tima corresponde a um dever especial de prote-
ção, diferentemente do dever geral de solidarie-
dade dos delitos omissivos próprios. (TAVARES,
2012, p. 312-313).

Dessa forma, para diferenciar crimes de ação e crimes


de omissão, se faz necessário uma análise minuciosa do caso
concreto, posto que, a ação remete ao simples não fazer do

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

indivíduo. Já nos casos de omissão, cumpre destacar que o


agente possui um dever de agir para evitar um determinado
resultado e este escolhe não fazer.
Por fim, corroborando com tal entendimento, Zaffaroni
discorre que:

Para a maioria dos autores, do ponto de vista po-


lítico-criminal, a omissão é vista com grande des-
confiança, devido ao fato de introduzir um sério
perigo para a legalidade, particularmente quando
se trata de delitos impróprios de omissão, em
que se deve reconhecer que, em muitos casos,
não há tipo expresso. Com bom critério, obser-
vou-se que a omissão penal pode tipificar-se em
quase todos os casos, sem que com isto se corra
o risco de deixar atípicas condutas que, inquesti-
onavelmente, são delitos. Efetivamente, cremos
ser essa tese correta, e que os exemplos e casos
jurisprudenciais a que habitualmente se recorre,
bem poderiam ser tipificados. A nosso juízo, a
pretensão de abarcar uma punibilidade sem la-
cunas é altamente perigosa, e cremos que, no
futuro, seria desejável uma revisão dos conceitos
acerca da omissão penal e da atitude legislativa
frente a ela. Em definitivo, fora dos casos que
normalmente se usam a título de exemplo, as ou-
tras hipóteses restantes a respeito de omissões
sem tipicidade expressas são quase todas pro-
dutos de laboratório, que ninguém submeteu à
prática até o momento.

Pois bem, agora pensando na situação de uma mãe ou


um pai, que tendo ciência de que seu filho(a) está em situação
de risco do crime de estupro de vulnerável, mas nada faz para

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

impedir a consumação do crime, o que fazer? Qual seria a res-


ponsabilidade penal de uma mãe que, por exemplo, percebe
que a sua filha está sendo vítima de estupro de vulnerável,
praticado dentro de casa, pelo próprio padrasto e nada faz?
Ou do pai que ouve o seu filho relatar que está sendo violen-
tado e não procura os meios legais para punir os criminosos?

2.3 A RESPONSABILIDADE PENAL DOS PAIS POR OMIS-


SÃO COM O RELACIONAMENTO SEXUAL DOS FILHOS
MENORES DE 14 ANOS

Primeiramente, enfatiza-se que a adolescência é uma


fase de extrema importância no desenvolvimento do ser hu-
mano, por isso, a proteção, o zelo e a atenção para com os
adolescentes se tornam elementos indispensáveis. Essa fase
pode ser descrita como a passagem da infância para a vida
adulta, nela ocorrem múltiplas alterações físicas, psicológicas,
cognitivas e sociais.
Contudo, em vista dessas mudanças, acontece o de-
sencadeamento de diversos novos mundos, percepções, von-
tades e desejos, é onde começa a busca pelo prazer, caracte-
rizada pelo início da atividade ou envolvimento sexual. Se-
gundo Luiz Carlos Osório, em Adolescente Hoje (1989):

62
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Nas últimas décadas, contudo, a adolescência


vem sendo considerada o momento crucial do
desenvolvimento do indivíduo, aquele que marca
não só a aquisição da imagem corporal definitiva
como também a estruturação final da personali-
dade. É uma idade não só com características bi-
ológicas próprias, mas com uma psicologia e até
mesmo uma sociologia peculiar. Não é sem ra-
zão que se afirmar que todas as grandes mudan-
ças culturais da história da humanidade ocorrem
no limiar entre a adolescência e a idade adulta.
(OSORIO, 1989).

A sexualidade é inevitável, ela é o florescer do senti-


mento vinculado à vida sexual ou ao sexo, porém, ela pode
acarretar diversos comportamentos de risco se a prática acon-
tecer de maneira precoce, principalmente se o ato for entre
menores vulneráveis e adultos.
Seguindo essa linha, ao se tratar de relações sexuais e
menores de 14 anos, o ordenamento jurídico brasileiro, com o
total intuito de preservar o desenvolvimento e garantir a prote-
ção das crianças e adolescentes, incluiu pela Lei n.º 12.015,
de 2009, o artigo 217-A, que disciplina sobre o crime de estu-
pro de vulnerável.
Dispõe o 217-A caput, § 1°, do Código Penal (1940):

Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro


ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:
(Incluído pela Lei no 12.015, de 2009) § 1°: In-
corre na mesma pena quem pratica as ações

63
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

descritas no caput com alguém que, por enfermi-


dade ou deficiência mental, não tem o necessário
discernimento para a prática do ato, ou que, por
qualquer outra causa, não pode oferecer resis-
tência.

Contudo, tendo em conta a sociedade e a sua constante


evolução, tanto nos costumes quanto no pensar, os adoles-
ceste de hoje estão mais suscetíveis a praticar atos sexuais
que não condizem com a sua idade, fato que gera a respon-
sabilidade dos pais perante comportamentos precoces de
seus filhos, dado que, esses indivíduos ainda não têm autono-
mia para consentir a prática de ato sexual ou libidinoso. Cor-
roborando com tal entendimento, discorre o professor de Di-
reito Penal Leonardo Castro (2014):

E se houvesse consentimento? E se existisse re-


lação de namoro entre autor e vítima? Com o ad-
vento da Lei 12.015/09, qualquer discussão
nesse sentido foi encerrada, pois o critério,
agora, é objetivo (idade), e não mera presunção
(que, por natureza, é subjetiva). Pela redação
atual, se a vítima for menor de 14 (quatorze)
anos, seja do sexo masculino ou feminino, ocor-
rerá o crime, pouco importando o seu histórico
sexual.

Com isso, cabe aos pais o dever de garantir a segu-


rança sexual de seus filhos, oferecendo a devida educação

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

sexual para gerar atitudes conscientes, seguranças e saudá-


veis, posto que, os pais são responsáveis pelo cuidado e pro-
teção de seus filhos menores de idade, devendo sempre agir
para zelar pela integridade física e moral deles, como também
evitar qualquer tipo de resultado que seja prejudicial a eles.
Entretanto, caso ocorra de os pais consentirem com as
relações sexuais dos menores vulneráveis, estão ignorando e
descumprindo com os seus deveres inerentes ao poder fami-
liar, de acordo com o artigo 249 do Estatuto da Criança e do
Adolescente — ECA (1990), que preceitua o seguinte texto:
Art. 249.
Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres ine-
rentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda,
bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho
Tutelar. De acordo com Guilherme de Souza Nucci (2020, p.
854) basta a voluntariedade, significando a ação ou omissão
exercida livremente, sem a influência de coação física ou mo-
ral.
À vista disso, levando o caso em questão ao ordena-
mento jurídico, de acordo com o artigo 13, § 2º do Código Pe-
nal, compete ao omitente o dever de agir para evitar o resul-
tado, ou seja, os pais que se omitirem de sua responsabilidade
ou permitirem a prática sexual de menores de 14 anos, pode-
rão ser acusados de omissão ou de coautoria do crime estupro

65
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

de vulnerável, se estiverem cientes da relação sexual de seus


filhos e nada fizeram para impedir, pelo contrário, permitirem
o envolvimento sexual do menor.
Ainda em relação ao ordenamento jurídico brasileiro,
esse ato dos pais pode ser entendido como omissão e negli-
gência advinda da parte que mais tem o dever de zelar pela
integridade física e moral do filho, podendo acarretar crime de
omissão ou licenciosidade de menores (LEONARDO, So-
lange, 2019, p. 67).
Diante dessa problemática, gera uma grande discussão
sobre a existência ou inexistência da responsabilidade penal
dos pais, uma vez que, o consentimento da família pode gerar
severos danos psicológicos e físicos na futura vida adulta do
indivíduo.
De fato, o relacionamento sexual de indivíduos menores
de 14 anos de idade é tanto perigoso quanto precoce, por-
tanto, quando os pais, com o dever legal de cuidado e vigilân-
cia, optam por deixar de intervir, eles automaticamente contri-
buem para a ocorrência do crime, devendo ter como conse-
quência a penalidade legal, já que a sua omissão afeta direta-
mente na integridade sexual de seus filhos. Não se pode nor-
malizar a omissão dos pais diante de sua responsabilidade,
pois a falta dela expõe seus filhos vulneráveis a riscos irrever-
síveis e nocivos.

66
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Vale ressaltar que o relacionamento amoroso do menor


vulnerável não afasta a configuração do crime, sendo irrele-
vante eventual consentimento da vítima para a prática do ato,
conforme a Súmula n. 593 do Superior Tribunal de Justiça:

O crime de estupro de vulnerável se configura


com a conjunção carnal ou prática de ato libidi-
noso com menor de 14 anos, sendo irrelevante
eventual consentimento da vítima para a prática
do ato, sua experiência sexual anterior ou exis-
tência de relacionamento amoroso com o agente.

É possível observar na atual sociedade a grande quan-


tidade de adolescentes menores de 14 anos de idade que tem
uma vida sexual igual a de um adulto, muitos afirmam que se
trata de costumes e mudanças da nova atualidade e normali-
zam tal conduta, mas poucos entendem que a segurança e o
zelo pela saúde dos vulneráveis é um fato que não deve ser
mudado ou tratado com desleixo, já que é um bem jurídico que
deve ser preservado independente das constantes mudanças
nos usos, costumes e princípios da sociedade, nada se torna
capaz de justificar a flexibilização do termo vulnerável e a
omissão dos pais em situações de risco.
Dessa forma, a doutrina entende que os pais colaboram
com o crime por se omitirem de evitar a sua consumação, de-
vendo aplicar a mesma tipificação penal do agente à conduta

67
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

dos pais, ou seja, se uma mãe ao perceber que seu compa-


nheiro está molestando a sua filha menor dentro de casa e
nada faz para intervir, ela também será acusada de estupro de
vulnerável por entender que a sua omissão cooperou com o
crime.
Nesse caso, a omissão do omitente é penalmente rele-
vante, pois, o Código Penal Brasileiro, em seu artigo 29, caput,
dispõe sobre o concurso de pessoas: Art. 29 - Quem, de qual-
quer modo, concorre para o crime incide nas penas a este co-
minadas, na medida de sua culpabilidade. Ou seja, aos pais
que ignoram o seu dever de proteger seus filhos de um claro
risco futuro, como, por exemplo, o estupro de vulnerável, serão
automaticamente considerados como contribuintes do crime
Abaixo segue o julgado do Superior Tribunal de Justiça,
de caso ocorrido no Estado do Pará, sobre a omissão da mãe
da vítima menor:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. ESTUPRO


DE VULNERÁVEL, QUE RESULTOU EM GRA-
VIDEZ. AUSÊNCIA DOS INDÍCIOS DE AUTO-
RIA. VIA INIDÔNEA. CÁRCERE PREVENTIVO
MANTIDO PELA SENTENÇA CONDENATÓ-
RIA. ART. 312 DO CPP. PERICULUM LIBERTA-
TIS. MOTIVAÇÃO IDÔNEA. RECURSO CO-
NHECIDO EM PARTE E NÃO PROVIDO.
1. A análise da suposta ausência de indícios su-
ficientes da autoria delitiva demanda ampla dila-
ção probatória, incompatível com a via estreita
do habeas corpus.

68
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

2. A prisão preventiva é compatível com a pre-


sunção de não culpabilidade do acusado desde
que não assuma natureza de antecipação da
pena e não decorra, automaticamente, da natu-
reza abstrata do crime ou do ato processual pra-
ticado (art. 313, § 2º, CPP). Além disso, a deci-
são judicial deve apoiar-se em motivos e funda-
mentos concretos, relativos a fatos novos ou con-
temporâneos, dos quais se possa extrair o perigo
que a liberdade plena do investigado ou réu re-
presenta para os meios ou os fins do processo
penal (arts. 312 e 315 do CPP).
3. São bastantes as ponderações invocadas pelo
Juízo singular para embasar a ordem de aprisio-
namento preventivo do recorrente e a negativa
do apelo em liberdade, porquanto contextuali-
zou, em elementos concretos dos autos, o peri-
culum libertatis. Salientou o Magistrado que o réu
perpetrou abusos sexuais por longos anos com a
vítima, desde os seus 9 anos de idade, com a
conivência da genitora. Nem mesmo após a gra-
videz da ofendida, aos 15 anos, decorrente dos
estupros sofridos, as agressões e ameaças ces-
saram.
4. A mãe da ofendida, também condenada na
mesma ação penal, negligenciou os cuidados
com sua filha, submetendo-a ao convívio conti-
nuado com o agressor, conquanto soubesse dos
abusos. A conivência devia-se, mormente, em
razão da ajuda financeira que recebia, uma vez
que o réu pagava as despesas da casa da geni-
tora, inclusive o aluguel e a alimentação.
5. A gravidade concreta das condutas executa-
das, continuadamente, e a periculosidade social
do acusado constituem elementos idôneos, nos
termos da jurisprudência desta Corte Superior,
para justificar a custódia cautelar.
6. Recurso parcialmente conhecido e, nessa ex-
tensão, não provido, com recomendação, ad
cautelam, de prioridade no julgamento da apela-
ção.
(STJ - RHC: 122321 PA 2019/0383428-6, Rela-
tor: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

de Julgamento: 09/06/2020, T6 - SEXTA


TURMA, Data de Publicação: DJe 17/06/2020)

A seguir, segue o julgado do Superior Tribunal de Jus-


tiça, ocorrido no Estado de Tocantins, sobre o estupro de vul-
nerável cometido pelo padrasto da menor e a omissão da ge-
nitora:

HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁ-


VEL PRATICADO PELA GENITORA DA VÍTIMA.
OMISSÃO PENALMENTE RELEVANTE. DE-
VER DE IMPEDIR O RESULTADO. CRIME CO-
MISSIVO POR OMISSÃO. ART. 13, § 2º, DO CP.
AUTORIA. CONDIÇÃO DE GARANTE. ELE-
MENTO NORMATIVO DO TIPO. CAUSA DE
AUMENTO DE PENA PREVISTA NO ART. 226,
II, do CP. ASCENDÊNCIA DO AUTOR DO DE-
LITO SEXUAL. BIS IN IDEM. INADMISSIBILI-
DADE. TEMA NÃO DEBATIDO PELA CORTE
DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA.
ILEGALIDADE FLAGRANTE. CONCESSÃO DA
ORDEM DE OFÍCIO (ART. 654, § 2º, DO CPP).
CONTINUIDADE DELITIVA PRATICADA POR
LONGO PERÍODO DE TEMPO. FIXAÇÃO DA
FRAÇÃO DE 1/5. AUSÊNCIA DE ILEGALI-
DADE.
1. Condenada a ré pela prática do delito de estu-
pro de vulnerável, por omissão imprópria (art. 13,
§ 2º, do CP), a posição de garantidora, estabele-
cida apenas em razão da condição de ascen-
dente da vítima, passa a ser elementar do tipo
penal, motivo pelo qual configura bis in idem a
consideração do mesmo fato para determinar o
recrudescimento da pena, como causa de au-
mento (art. 226, II, do CP).
2. Não obstante o longo período de abuso perpe-
trado pelo pai, dos 8 aos 13 anos da vítima, o
Magistrado sentenciante, demonstrando sensibi-
lidade, foi cauteloso ao fixar a fração de 1/5 pelo
reconhecimento da continuidade delitiva para a
genitora, condenada por omissão imprópria, por

70
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

entender que não conhecia dos fatos delituosos


durante todo o período em que perpetrado.
3. Ordem denegada. Habeas corpus concedido
de ofício, para redimensionar a pena da paciente,
pelo delito de estupro de vulnerável, a 11 anos, 8
meses e 12 dias de reclusão, mantidos os de-
mais termos da condenação.
(STJ - HC: 683176 TO 2021/0237188-2, Relator:
Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de
Julgamento: 07/12/2021, T6 - SEXTA TURMA,
Data de Publicação: DJe 13/12/2021)

Em conclusão, segue julgado do Superior Tribunal de


Justiça, de um caso de Rondônia:

Apelação criminal. Ministério Público. Estupro de


vulnerável em continuidade delitiva contra filha e
enteada (art. 217-A, c/c 226, II e 71 do CP).
Omissão relevante (art. 13, § 2º, a, do CP. Exis-
tência do fato e autoria comprovada. Palavra da
vítima. Relatório Psicológico. Confissão. Sufici-
ência. Sentença reformada. Condenação decre-
tada. Incapacidade para o exercício do poder fa-
miliar. Recurso provido.
1. A mãe e o padrasto da vítima menor de 14
anos que, ao tomarem conhecimento da gravidez
decorrente dos abusos sexuais por ela sofrido,
se omitem perante as autoridades públicas e
ainda incentivam a união estável dela com o seu
agressor, incorrerem de forma omissiva impró-
pria na prática do crime de estupro de vulnerável
nos termos do art. 13, § 2º, a, do CP.
2. É de rigor, nos termos do inciso II, do art. 92,
do CP, a decretação da incapacidade para o
exercício do poder familiar da mãe condenada
pelo crime de estupro de vulnerável praticado
contra sua filha menor de 14 anos, por conduta
omissiva imprópria.
3. Recurso provido. Condenação decretada. (TJ-
RO - APL: 00005658220188220021 RO

71
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

0000565-82.2018.822.0021, Data de Julga-


mento: 21/07/2021, Data de Publicação:
03/08/2021)
Dessa forma, observa-se que, mesmo com o consenti-
mento da vítima, não é possível gerar o afastamento da apli-
cação de pena aos pais, da mesma forma que, se uma mãe,
percebendo que algo está errado, escolher se omitir por não
ter provas da ocorrência do abuso que seu companheiro pra-
tica contra sua filha.

Ela também será condenada por estupro de vulnerável,


posto que, é levado em consideração a falha da genitora em
cumprir com o seu dever de proteção, pois a atitude correta
seria denunciar o seu companheiro para se ter a clareza do
suposto perigo do crime de estupro de vulnerável que sua filha
estava exposta, afim de cessar os abusos da maneira correta.

No entanto, ressalta-se que os pais necessitam enten-


der de uma vez por todas que seus filhos menores de 14 anos
de idade são seres humanos em formação, precisam de todo
apoio, cuidado e educação para tomarem decisões e atitudes
conscientes, sempre se atentando aos sinais e comportamen-
tos estranhos de seus filhos.

Nessa fase da vida os adolescentes naturalmente se


questionam e confrontam frequentemente todos os valores e
entendimentos já adquiridos no seu meio familiar com um
mundo completamente novo que acabou de ser descoberto

72
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

por eles, cheio de novas percepções e experiências para se-


rem exploradas. Pode-se dizer então que a adolescência é
considerada um momento crucial da vida, pois é quando se
define que tipo de adulto irá querer se tornar.

Posto isso, é notório que permitir um indivíduo vulnerá-


vel de praticar atos sexuais precocemente, pulando brutal-
mente as etapas de sua vida, é um crime, pois viola um dos
bens mais importante de uma pessoa, a sua integridade física.

Por fim, os doutrinadores foram objetivos e unânimes


ao mostrarem que os menores de 14 anos de idade são abso-
lutamente incapazes de manter qualquer tipo de relação se-
xual por conta de sua vulnerabilidade.

Ou seja, é correto afirmar que o relacionamento sexual


dos adolescentes menores de 14 anos de idade, decorrente
da total omissão de seus pais, que, de uma certa forma, con-
tribuíram para a ocorrência do crime de estupro de vulnerável,
estão sujeitos às penalidades legais.

Vale lembrar que todos os indivíduos devem respeitar e


cumprir com os deveres e regras da legislação vigente para se
ter uma sociedade harmônica, respeitosa e segura, indepen-
dentemente das mudanças nos costumes da sociedade, pois
a lei é apenas uma e o Código Penal Brasileiro é bem claro
em todos os textos de suas normas.

73
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesse artigo foi abordado o estudo da prática sexual de


adolescentes menores de 14 anos e a responsabilidade penal
dos pais por sua omissão, uma vez que, a sociedade passa
por constantes mudanças nos costumes e princípios que inter-
ferem de modo direto na vida familiar, fato esse que gera um
dano nocivo ao menor vulnerável.
Foram analisadas as características e atributos consi-
derados necessários para se configurar o crime de estupro de
vulnerável, juntamente com a relação de causalidade entre a
prática de crime comissivo por omissão dos pais e o resultado
causado por ela, como também foi apontado no artigo um con-
junto de doutrinadores para enriquecer ainda mais a pesquisa.
Ademais, é de suma importância a responsabilidade
penal dos pais por omissão diante das relações sexuais pre-
coces de seus filhos menores de 14 anos de idade, pois vale
ressaltar que a responsabilidade penal é de fato um dever ju-
rídico de responder pela ação delituosa com o total objetivo de
reparar a ordem social e punir o agente responsável pelo
dano, ou seja, submetê-lo a uma pena.
Considerando o estudo realizado, é notório que a omis-
são dos pais diante da vida sexual dos seus filhos menores
de 14 anos, principalmente se forem conscientes da iniciação

74
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

sexual precoce de seus filhos vulneráveis, incentivando de


forma indireta a pularem brutalmente as etapas de sua vida, é
um fato que configura crime, pois de acordo com o Estatuto
da Criança e do Adolescente (1990), os pais têm o dever
legal de proteger e zelar pelo bem jurídico mais importante de
um ser humano, a sua integridade física.
Diante de todo o exposto, os doutrinadores foram obje-
tivos e unânimes ao mostrarem que os menores de 14 anos
de idade são absolutamente incapazes de manter qualquer
tipo de relação sexual por conta de sua vulnerabilidade, ou
seja, é válido afirmar que o relacionamento sexual dos adoles-
centes menores de 14 anos de idade, decorrente do total con-
sentimento e omissão de seus pais, que de uma certa forma,
contribuíram para a ocorrência do crime de estupro de vulne-
rável, estão sujeitos às penalidades legais, dado que poderiam
ter evitado a conduta e o seu resultado, mas não o fizeram.
Vale lembrar que todos os indivíduos devem respeitar e
cumprir com cada dever e regra da legislação vigente para se
ter uma sociedade harmônica, respeitosa e segura para todos
os indivíduos, independentemente das mudanças nos costu-
mes e usos da sociedade, pois a lei é apenas uma e o Código
Penal Brasileiro é bem claro e direto em todos os textos de
suas normas.

75
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Por fim, o que se espera é que não fique somente no


debate dos juristas e doutrinadores, mas que esse estudo en-
volta do tema sirva de modelo, a fim de padronizar os meca-
nismos e harmonizar toda a legislatura relacionada a respon-
sabilidade penal dos pais por omissão no crime de estupro de
vulnerável, para que assim seja possível preservar ainda mais
a integridade física das crianças e dos adolescentes, como
também punir corretamente aqueles responsáveis que não
cumprem com os deveres inerentes ao poder familiar.

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derativa do Brasil.

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CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal - Parte Geral -


Volume. 1. São Paulo. 23 ª Edição. Saraiva Jur, 2019.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal esquema-


tizado: parte especial. 6ª edição. São Paulo. Saraiva, 2016.

GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. São Paulo.


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GUIMARÃES, M. C. S. G.; NOVAES, S. C. Vulneráveis. Dis-


ponível em: http://www.ufrgs.br/bioetica/vulnera.htm. Acesso
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14 anos e a responsabilidade penal dos pais por sua omis-
são. Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universi-
dade do Sul de Santa Catarina como requisito parcial à obten-
ção do título de Bacharel em Direito. Tubarão, 2019.

MUÑOZ CONDE, Francisco. Teoría general del delito. Te-


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77
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

TAVARES, Juarez. Teoria dos crimes omissivos. São


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VIEIRA, Eliel. A valorização da palavra da vítima no crime
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ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique.


Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. 4ª edição.
São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. E-book. Acesso
restrito via Revista dos Tribunais.

78
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

3
O CUMPRIMENTO DE PENAS PRIVATIVAS DE
LIBERDADE POR GESTANTES NO PROCESSO
PENAL BRASILEIRO

THE COMPLIANCE WITH PREGNANT PENALTIES OF


FREEDOM BY PREGNANT WOMEN IN THE BRAZILIAN
CRIMINAL PROCEDURE

Caila Vitoria Amaral Silveira3


Gilberto Jorge Ferreira da Silva4

SILVEIRA, Caila Vitoria Amaral. O cumprimento de penas


privativas de liberdade por gestantes no processo penal
brasileiro. Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação
em Direito – Centro Universitário UNINORTE, Rio Branco,
2023.

3 Discente do 10º período do Curso de Bacharel em Direito pelo Centro


Universitário Uninorte.
4 Graduado em Direito pela Universidade Federal do Acre (UFAC), Pós-

graduado em Processo Civil (UCAM), Mestre em Direito pela Universidade


de Santa Cruz do Sul (UNISC), Defensor Público – Defensoria Pública do
Estado do Acre, com atuação no TJAC e Tribunais Superiores. Professor
do Centro Universitário Uninorte.

79
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

RESUMO

O presente artigo trata das condições de vida das mulheres


grávidas no sistema prisional brasileiro, explorando ainda as
condições em que são submetidas no pós-parto e depois nos
primeiros meses de vida do bebê. O sistema carcerário em ra-
zão de sua precariedade, superlotação e falta de recursos pos-
sibilita a violação dos direitos humanos das mulheres grávidas
privadas de liberdade, desde a fase de gravidez, parto, até o
aleitamento materno. Para garantir o direito à vida digna, à sa-
úde e ao bem-estar da mãe e do bebê, o Brasil adotou as Re-
gras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres pre-
sas e medidas não privativas de liberdade para mulheres in-
fratoras para buscar através desse mecanismo mais dignidade
e cuidados com a mulher grávida ou mãe de vários filhos.
Nesse contexto, o presente trabalho tem como problemática
quais são as dificuldades enfrentadas pelas mulheres gestan-
tes no cumprimento de pena privativa de liberdade no sistema
carcerário brasileiro? E como objetivo analisar os aspectos do
sistema penitenciário feminino no Brasil, dando enfoque as
mulheres grávidas em fase de cumprimento de pena.

Palavras-Chaves: Sistema Prisional. Gestante. Dignidade.


Direitos. Deveres.

80
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ABSTRACT

This article talks about the living conditions of pregnant women


in the Brazilian prison system, exploring the conditions in which
they are subjected in the postpartum period and later in the first
months of the baby's life. The prison system, due to its precar-
iousness, overcrowding and lack of resources, makes it possi-
ble to violate the human rights of pregnant women deprived of
their liberty, from the stage of pregnancy, childbirth, to breast-
feeding. To guarantee the right to a dignified life, health and
well-being of mother and baby, Brazil adopted the United Na-
tions Rules for the treatment of women prisoners and non-cus-
todial measures to seek through this mechanism more dignity
and care for the pregnant woman or mother of several children.
In this context, the present essay has as a problematic what
are the difficulties faced by pregnant women in the fulfillment
of custodial sentence in the Brazilian prison system? And as
an objective, to analyze the aspects of the female penitentiary
system in Brazil, focusing on pregnant women in the sentence
serving phase.

Keywords: Prison System. Pregnant. Dignity. Rights. Duties.

81
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

INTRODUÇÃO

Este artigo traz uma discussão sobre o sistema prisio-


nal no Brasil e sua precariedade em relação ao atendimento
das mulheres grávidas privadas de liberdade. O Estado tem o
dever de garantir saúde, bem-estar e condições mínimas de
dignidade para as mulheres, principalmente, se esta estiver
grávida.
O sistema penitenciário feminino foi construído sem le-
var em consideração as peculiaridades femininas, muitos con-
tam com um percentual mínimo de celas com dormitórios e
com o elevado crescimento da população carcerária feminina,
esse movimento fica pior o que causa preocupação em rela-
ção à maternidade exercida dentro dos presídios, diante disso,
surge o problema de como as políticas públicas tem prestado
assistência para as mulheres grávidas ou que estão em traba-
lho de parto ou pós parto e que estão presas.
São retiradas das grávidas que estão sob o cuidado do
sistema prisional o direito de realizar o pré-natal, condição im-
portante para a saúde do feto e da mãe, mesmo sendo obri-
gação do estado cuidar da saúde da mãe encarcerada, ofertar
condições para que ela tenha o mínimo de higiene pessoal e
boa alimentação, já que essa cidadã está sob sua custódia.

82
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Nesse contexto, o presente trabalho visa refletir sobre


quais são as dificuldades enfrentadas pelas mulheres gestan-
tes no cumprimento de pena privativa de liberdade no sistema
carcerário brasileiro? Tendo como objetivos analisar os aspec-
tos do sistema penitenciário feminino no Brasil, dando enfoque
as mulheres grávidas em fase de cumprimento de pena.
O trabalho traz inicialmente uma reflexão sobre o sis-
tema carcerário brasileiro discorrendo sobre as condições dos
presídios e de quem nele vive. Abrange uma discussão sobre
as penas, em seguida sobre o sistema carcerário feminino e
sua superlotação, o que dificulta a vida com dignidade dentro
das celas. Nos tópicos a seguir explora a temática as gestan-
tes no sistema prisional, depois os direitos apontados pelo Es-
tatuto da Criança e Adolescente, finalizando com uma reflexão
sobre as regras de Bangkok, a lei da primeira infância e a lei
do uso de algemas.

3.1 SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO

Segundo Mirabete (2003) o sistema carcerário brasi-


leiro refere-se as penas de prisão ou privação de liberdade,
prevista no Código Penal em duas espécies – reclusão e de-
tenção. E tem por objetivo a punição da criminalidade e o pro-
cesso de ressocialização.

83
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

A prisão, em sentido jurídico, é a privação da li-


berdade de locomoção, ou seja, do direito de ir e
vir, por motivo ilícito ou por ordem legal. Entre-
tanto, o termo tem significados vários no direito
pátrio pois pode significar a pena privativa de li-
berdade ("prisão simples" para autor de contra-
venções; "prisão" para crimes militares, além de
sinônimo de "reclusão" e "detenção"), o ato da
captura (prisão em flagrante ou em cumprimento
de mandado) e a custódia (recolhimento da pes-
soa ao cárcere). Assim, embora seja tradição no
direito objetivo o uso da palavra em todos esses
sentidos, nada impede se utilize os termos "cap-
tura" e "custódia", com os significados menciona-
dos em substituição ao termo "prisão" (MIRA-
BETTE, 2003, p.359).

Mirabete (2003) acrescenta que a Lei de Execução Pe-


nal - LEP (Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984) a partir do seu
artigo 82, trata dos estabelecimentos penais, locais em que os
apenados cumprirão sua pena em regime de privação de liber-
dade. Apresentando algumas diferenciações quanto as condi-
ções do apenado, como por exemplo, a disponibilidade de pre-
sídios masculinos e femininos, adequados à sua necessidade,
mulheres maiores de sessenta anos serão recolhidas separa-
damente em estabelecimento próprio e adequado as suas ne-
cessidades, além de dependências destinadas a dar assistên-
cia, educação, trabalho, recreação e prática esportiva. Nesse
sentido, busca-se punir, mas ao mesmo tempo prover o
acesso aos direitos básicos inerentes a todos os indivíduos,
além de se trabalhar o processo de ressocialização.

84
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Capez (2004) entende que a proposta do Sistema Pri-


sional é gerar a devida punição aos atos dos infratores, desti-
nando a eles punições de acordo com o Código Penal, no qual
irá ocorrer por meio da privação da sua liberdade. Sua se-
gunda proposta, é que busque ressocializar o apenado, para
que este possa ser reintegrado ao convivo social e não volte a
cometer outros crimes, ou seja, esteja apto na condição de um
cidadão totalmente recuperado e passível da convivência co-
mum com outros cidadãos, buscando novas e verdadeiras
possibilidades de crescimento pessoal, bem como profissio-
nal, como por exemplo, por meio de buscar um emprego, dis-
por do convívio comum com amigos e familiares, o entendi-
mento que a criminalidade não traz nenhum ônus positivo para
o cidadão, apenas resulta em morte ou privação da liberdade.
Ferreira (2021) menciona que o sistema carcerário bra-
sileiro é precário e que boa parte da população carcerária vive
de maneira desumana, sem condições mínimas de higiene,
em espaços superlotados, prejuízos para a saúde dos presos,
falta de segurança com relação a vida e a proteção individual,
além do Estado e o próprio sistema prisional sem garantir o
acesso a direitos básicas, direito que abrangem a todos os ci-
dadãos, independente da situação carcerária ou de liberdade.
Nesse mesmo contexto Bitencourt (2011, p. 168) destaca

85
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

[...] o descumprimento em massa do direito à


vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e en-
tre outros direitos intrinsecamente ligados aos
positivados na Constituição Federal, o que ve-
mos dentro dos presídios é um verdadeiro cená-
rio de vida precária, o que resulta em revolta e
violência na maior parte das penitenciárias pelo
país, gerando caos e desordem, presos sobrevi-
vendo em condições subumanas, sem alimenta-
ção, tratamento médico, trabalho, estudo ou
qualquer outro meio que possa garantir um futuro
melhor (BITENCOURT, 2011, p.168).

Ferreira (2021) comenta que dentro do sistema prisio-


nal também estão as mulheres que adentraram o mundo do
crime, e que o sistema prisional feminino não difere muito do
sistema masculino, pois vivem nas mesmas condições, além,
de que, os recursos que deveriam ser oferecidos para atender
as mulheres, tais como absorventes e outros itens, acabam
não sendo ofertados.
Para Capez (2004) apesar da necessidade de garantir
a efetividade dos direitos básicos, dentro do sistema prisional,
o processo de ressocialização ainda é um dos mais importan-
tes, e que deve ser trabalhado de forma contínua. Tratando-
os como cidadãos e pessoas de direito, é o princípio para que
esse processo funcione, preparando-os para voltarem a liber-
dade e possam ser pessoas melhores, ao invés de, saírem de
dentro do sistema prisional ainda mais violentos e ainda mais
inseridos no mundo do crime. A ressocialização é um passo
importante para a volta e inserção do apenado na sociedade

86
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

e para que ele não cometa novo crime e possa viver com dig-
nidade com sua família e seus pares.

3.1.1 DAS PENAS

Os cidadãos possuem direitos e deveres que devem ser


obedecidos segundo o Código Penal, no entanto, quando os
indivíduos se manifestam de forma contraria ao que propõe o
código ou as leis do país ele sofre uma sanção denominada
pena. Segundo Greco (2012) o Código Penal, por intermédio
do art. 59, prevê que as penas devem ser necessárias e sufi-
cientes à reprovação e prevenção do crime.
No Brasil, existem três principais finalidades para as pe-
nas, onde se busca que esta seja retributiva, uma vez que é a
retribuição das ações causadas pelo infrator a vítima, preven-
tiva geral e especial, a primeira abrange o coletivo e busca-se
diminuir ou evitar os casos de violência.
Enquanto a segunda, refere-se ao indivíduo, como
forma de intimidar o infrator a não cometer novamente novos
crimes, além da função ressocializadora, com o objetivo de
reintegrar o infrator na sociedade, mostrando a este novas
possibilidades longe da criminalidade. Essas principais finali-
dades ocorrem em diferentes momentos, desde a cominação
da pena até o momento em que há a sua execução.

87
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Greco (2012) reforça a importância de compreender o


papel das penas como forma de punir aquele que pratica uma
infração penal. A partir do momento que o cidadão comete um
fato típico, ilícito e culpável, o Estado obtém-se o direito de
realizar o seu “ius puniendi” (direito de punir), observando
sempre os princípios expressos na Constituição Federal.

[....] A Constituição Federal, visando proteger os


direitos de todos aqueles que, temporariamente
ou não, estão em território nacional, proibiu a co-
minação de uma série de penas, por entender
que todas elas, em sentido amplo, ofendiam a
dignidade da pessoa humana, além de fugir, em
algumas hipóteses, à sua função preventiva... O
inciso XLVII do art. 5º da Constituição Federal
diz, portanto, que não haverá penas: a) de morte,
salvo no caso de guerra declarada, nos termos
do seu art. 84, XIX. b) de caráter perpétuo; c) de
trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis
(GRECO, 2012, p.469).

A vida em sociedade obriga os cidadãos a cumprir as


regras coletivas, quando elas descumpridas, observa-se que
as penas são para todos, nesse sentido, Greco (2012) consi-
dera que o Estado deverá garantir o direito de todos os cida-
dãos, mesmo aqueles que infringirem as leis penais, deverão
ser sim punidos, porém, dentro dos limites legais que são es-
tabelecidos na Constituição Federal Brasileira. E cada tipo de
regime de reclusão e detenção será composta por regras, e
todo apenado deverá ter o regime inicial de pena na forma de

88
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

reclusão (em casos em que ocorram a reincidência criminal


este iniciará imediatamente no regime fechado).
Segundo Paixão (1997) apesar do estabelecimento da
penalidade, os presos devem ser tratados com dignidade, res-
peitando o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, que
deve ocorrer independentemente do cárcere, uma vez que ao
perder a liberdade todos os outros direitos permanecem. En-
tretanto, mesmo que constitucional, a dignidade da pessoa hu-
mana é diariamente violada pelo próprio Estado, tendo em
vista as condições dos presídios do país.
Garantir a dignidade da pessoa humana é proporcio-
nar aos cidadãos direito à vida, à saúde, à liberdade, à mani-
festação, à habitação, à segurança social, à educação, à mo-
radia e entre outros. Garantir dignidade aos presos perpassa
por ofertar as condições mínimas de vida, saúde, alimentação,
assim Greco (2012) menciona que no regime fechado o preso
deverá trabalhar em período diurno dentro do estabelecimento
prisional.
O apenado no regime semiaberto deverá trabalhar em
colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar, da
mesma forma que há a possibilidade do trabalho externo e fre-
quência em curso supletivos profissionalizantes, colégios de
segundo grau ou faculdades para o ensino superior (o ape-

89
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

nado terá que utilizar tornozeleira eletrônica para o devido mo-


nitoramento); o regime aberto será mais flexível, uma vez que,
este é baseado na autodisciplina e senso de responsabilidade
sendo-lhes permitido trabalhar, fazer cursos e outras ativida-
des autorizadas, tendo que se recolher ao sistema prisional o
período noturno e nos dias de folga.
Importante é que as oportunidades de se ressocializar
sejam dadas as mulheres presas e aos presos, também, por-
que sem oportunidades a volta a sociedade com condições
dignas de vida fica mais difícil, o que pode levá-los a reincin-
divas.
Greco (2012) acrescenta que as penas restritivas de
direito como constam no CP em seu artigo 43, menciona que
estas serão de prestação pecuniária, perda de bens e valores,
prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas,
interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana.
O artigo 46 do CP, por sua vez, trata da prestação de
serviços à comunidade ou a entidades públicas é estabelecida
para as condenações superior a seis meses de privação da
liberdade. E se necessário, penalidade de multa, como consta
no artigo 49 do CP, que consistirá no pagamento ao fundo pe-
nitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-
multa.

90
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

3.1.2 O SISTEMA CARCERÁRIO FEMININO

A carceragem feminina no Brasil passa por muitas di-


ficuldades desde os relacionados a infraestrutura dos prédios
até os direitos femininos de cada mulher, ou de cada mãe. Se-
gundo Queiroz (2015) muito dos crimes realizados por mulhe-
res, estão relacionados ao aspecto de classe social, em
grande parte por meio do tráfego ou consumo de drogas, ou
crimes que possuem o intuito de ganho financeiro para com-
plementar a renda, e há também o cometimento de outros atos
infracionais e criminosos mais graves, porém, se demonstram
menos presentes dentro do sistema carcerário feminino. Con-
sidera-se que os crimes cometidos pelas mulheres sejam me-
nos violentos, e que é ainda mais violenta a realidade que con-
diciona estas ao cometimento de crimes.
Oliveira (2021) considera que o sistema carcerário
brasileiro é bastante conhecido por suas frequentes violações,
principalmente pela precariedade no encarceramento e viola-
ção dos direitos humanos, o que se torna ainda mais preocu-
pante, se tratando de mulheres grávidas, desde o parto ao
aleitamento materno. Considera-se, que mesmo existindo leis
que asseguram direitos as mulheres, estas são não utilizadas
de maneira satisfatória, deixando estas expostas a situações
de total calamidade, muitas vezes tratadas como homens, não

91
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

levando em consideração suas necessidades e particularida-


des do sexo feminino, independente de seus direitos huma-
nos.
A maioria das mulheres encarceradas enfrenta proble-
mas para acompanhar a família e/ou os filhos que ficaram sob
a proteção de outros parentes ou mesmo do Estado, assim, é
importante que as presas ao adentrar no sistema prisional se-
jam acompanhadas e informadas sobre seus direitos, como
menciona Araújo (2022) “a mulher presa ao adentrar no sis-
tema prisional, recebe uma cartilha que as informam sobre os
seus direitos e deveres, e nele está expresso que estas pos-
suem direito à assistência material”.
Porém, esse direito muitas vezes fica somente no pa-
pel, levando as presas a realizarem permuta, utilizando dos
poucos utensílios como moeda de troca. Produtos utilizados
para vaidade tem maior valoração e são trocados por serviços
de faxina e de cabeleireiro realizados por elas. O acesso à
produtos básicos de higiene não deveriam ser tratados como
moeda de troca, e, ainda mais grave é perceber o quanto o
próprio Estado ignora a realidade dessas mulheres e as ne-
cessidades básicas do seu cotidiano. Nesse contexto, Silves-
trin (2017, p. 26) expõe

92
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Além do abandono por parte de familiares, as


mulheres encarceradas são novamente abando-
nadas, agora pelo Estado, uma vez que este,
apesar das inúmeras leis de proteção à essas
mulheres, repetidamente falha ao colocá-las em
prática.

Para Diniz (2014) o direito das mulheres dentro do sis-


tema prisional, deve ser respeitado, resguardando o estabele-
cido na Constituição Federal de 1988, que em seu primeiro
artigo, trata do princípio base que protege os direitos e neces-
sidades de todos os cidadãos, este o princípio da dignidade
da pessoa humana, observando as necessidades de cada in-
divíduo de forma a serem respeitadas, garantindo uma exis-
tência humana digna e igualitária, sem distinções.
O artigo 5º da CF, reforça o entendimento sobre o prin-
cípio da dignidade da pessoa humana, o respeito à integridade
física e moral no apenado, além do direito das presas em pe-
ríodo de amamentação, expresso:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distin-


ção de qualquer natureza, garantindo-se aos bra-
sileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
III - ninguém será submetido a tortura nem a tra-
tamento desumano ou degradante; XLIX - é as-
segurado aos presos o respeito à integridade fí-
sica e moral;
L - às presidiárias serão asseguradas condições
para que possam permanecer com seus filhos

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

durante o período de amamentação (BRASIL,


1988).

Oliveira (2021) reforça o entendimento de que as mu-


lheres presas sofrem grandes preconceitos com relação ao
seu gênero, preconceito visto não somente dentro do sistema
prisional, mais é tido que a mulher ainda tem certa invisibili-
dade na sociedade. Não existem políticas públicas adequadas
para o cumprimento da pena das mulheres, tendo em vista que
as condições do sistema prisional, foram construídas por ho-
mens para o encarceramento de outros homens, desconside-
rando o uso destes espaços por mulheres, sendo assim, sem
a devida adequação acerca das especificidades do gênero fe-
minino.
Como as prisões foram estruturadas para o público
masculino, as presas não têm um ambiente pensado especi-
almente para seu encarceramento, levando a se submeterem
a ambientes improvisados e insalubres, além de passíveis a
sofrerem de violência pelo próprio Estado, sujeitando-as a per-
der a sua dignidade em um momento em que a sociedade está
em constante luta pela igualdade de gêneros (OLIVEIRA,
2021). Nesse contexto, Silvestrin (2017, p. 26) expõe

As mulheres encarceradas sofrem dupla negli-


gência, uma vez que, além de pertencerem ao
grupo já marginalizado dos presidiários, a falta
de investimentos e políticas sob uma perspectiva

94
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

de gênero fazem com que muitas vezes essas


mulheres sejam tratadas como homens, dei-
xando de ter acesso a itens básicos de saúde,
como absorventes ou exames ginecológicos
(SILVESTRIN, 2017, p.27).

Oliveira (2021) considera que além das problemáticas


vivenciadas tanto na questão de o sistema prisional ser falho
quanto a lidar com mulheres encarceradas, há outras proble-
máticas que merecem bastante atenção, tal como a superlota-
ção nos presídios femininos, e o processo de ressocialização
das infratoras, com o intuito de combater a reincidência.

3.1.2.1 A superlotação nos presídios femininos

Assis (2007) ao tratar dos principais problemas que


acarretam a superlotação dentro dos presídios, sejam estes
masculinos ou femininos, considera que há a falta de espaço
para acomodar a quantidade de presos, que acabam ultrapas-
sando as vagas disponíveis dentro do sistema prisional, além
de problemáticas relacionadas as guerras entre facções, o que
acarreta na divisão territorial do espaço físico das prisões en-
tre essas diferentes facções criminosas o que acaba gerando
a superlotação em alguns pavilhões.
O autor destaca que as essas superlotações podem
trazer outros problemas que podem interferir em problemas de

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

saúde ou psicológicos, e prejudicar quaisquer trabalhos que


possam vir a ser desenvolvidos na tentativa de ressocializa-
ção, uma vez, que essa falta de condições e insalubridade no
ambiente prisional pode estimular revoltas/ ou ressentimentos
do indivíduo contra o sistema prisional, agravando seus atos
criminais quando em convívio social (ASSIS, 2007). É impor-
tante, não só punir aquele que comete um crime, mais também
dispor de um processo de ressocialização eficiente, para evitar
que o apenado regresse ao sistema prisional.

A superlotação das celas, sua precariedade e


sua insalubridade tornam as prisões num ambi-
ente propício à proliferação de epidemias e ao
contágio de doenças. Todos esses fatores estru-
turais aliados ainda à má alimentação dos pre-
sos, seu sedentarismo, o uso de drogas, a falta
de higiene e toda a lugubridade da prisão, fazem
com que um preso que adentrou lá numa condi-
ção sadia, de lá não saia sem ser acometido de
uma doença ou com sua resistência física e sa-
úde fragilizadas (ASSIS, 2007, p.1).

Esse ambiente pode deixar os presos mais suscetíveis


a doenças e ainda contaminar os demais, sendo que em uma
cela com quantidade excessiva de apenados pode até levar
todos a uma condição de doente, pois esse contexto em con-
junto com as más condições de vida, de alimentação e de hi-
giene podem facilitar a proliferação de doenças dentro do am-
biente.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

3.1.2.2 Ressocialização dos apenados

Ressocializar as pessoas encarceradas é a grande


missão das instituições penais, mas segundo Mirabete (2008)
as medidas de ressocialização desenvolvidas dentro do sis-
tema penitenciário muitas das vezes acabam sendo são fa-
lhas, pois não conseguem de fato cumprir com o seu papel de
ressocializar o preso para o convívio social, no qual muitos
destes acabam voltando ainda mais perigosos ou com possi-
bilidades de retornar ao mundo do crime, e como consequên-
cia retornar novamente ao sistema carcerário.

A falência de nosso sistema carcerário tem sido


apontada, acertadamente, como uma das maio-
res mazelas do modelo repressivo brasileiro,
que, hipocritamente, envia condenados para pe-
nitenciárias, com a apregoada finalidade de rea-
bilitá-lo ao convívio social, mas já sabendo que,
ao retornar à sociedade, esse indivíduo estará
mais despreparado, desambientado, insensível
e, provavelmente, com maior desenvoltura para
a prática de outros crimes, até mais violentos em
relação ao que o conduziu ao cárcere (MIRA-
BETE, 2008, 89-92).

Transformar os sistemas carcerárias em ambientes


mais saudáveis e com vistas a ressocializar os infratores tem
sido difícil, são muitos as dificuldades apresentadas nos insti-
tutos penitenciários, assim Mirabete (2008) considera que não
há como trabalhar de forma efetivação com a recuperação do

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

indivíduo, tendo estes com boa parte dos seus direitos míni-
mos negados, como por exemplo, a efetiva separação dos in-
fratores levando em conta critérios de justiça, como por meio
da separação dos presos por gravidade dos delitos, e como
não ocorre essa separação, presos acometidos por delitos me-
nos graves, acabam sendo expostos ao convívios de presos
que praticaram delitos mais graves, bem como sendo inseri-
dos dentro de facções criminosas dentro dos próprios presí-
dios, o que acaba gerando em alguns casos, como resultado,
que o apenado tenha uma transformação negativa e agrava-
mento de práticas delitivas. Essas situações podem ocasionar
problemas psicológicos ainda mais graves, o que pode pôr em
risco o convívio social com outras pessoas fora do sistema
carcerário.
Mirabete (2008) complementa ao dizer que essas pro-
blemáticas também estão diretamente ligadas as faltas de
condições dentro dos presidiários, no qual muitas vezes cen-
tenas de presos são tumultuados em um único ambiente, além
de que, não há um trabalho tão efetivo em buscar ocupar a
mente do apenado, por meio das atividades laborais, partici-
pação em cursos e palestras, possibilidade de estudarem, nos
quais poderiam assim buscar novos aprendizados e possibili-
dades de trabalho e de vida.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

3.2 AS GESTANTES NO PROCESSO PENAL


BRASILEIRO

Conhecer os direitos que lhes são garantidos é uma es-


tratégia que melhoraria a vida e o cuidado das mães privadas
de liberdade, pois assim poderiam requerer direitos como
acompanhar a saúde de seu filho, nesse sentido, Oliveira
(2021) acrescenta que as mães que vivem em situação de cár-
cere possuem direitos e obrigações com relação a sua saúde
e de seus filhos, porém, poucas são as instituições que apli-
cam seus direitos.
E as detentas grávidas, acabam passando por uma si-
tuação ainda mais pesada, tanto pela falta dos seus direitos
fundamentais, como o momento do parto e dos primeiros me-
ses em um local insalubre prejudicial para a vida da mãe e do
bebê. O sonho de ser mãe é algo que muitas mulheres bus-
cam, estejam elas livres, cumprindo penas, privadas de sua
liberdade.
Oliveira (2021) menciona que se uma mulher for presa
grávida, ela tem o direito de requisitar que sua prisão tempo-
rária seja convertida em prisão domiciliar, desde que não te-
nha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa
e não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Uma mulher gravida passa por muitas mudanças em


seu corpo e mente, segundo Matheus (2007) a gestação é si-
nônimo de diversas mudanças nas mulheres. Durante os nove
meses de gestação, a futura mãe passará por mudanças hor-
monais, circulatórias, digestivas, metabólicas, musculares, di-
gestivas e outras; com o objetivo de se adaptar e permitir o
desenvolvimento normal do feto.
Essas mudanças demonstram que a gestante dentro do
sistema carcerário merece atenção, tendo em vista que essas
mudanças podem afetar o processo de gravidez, por isso, há
a necessidade de assegurar condições necessárias para a sa-
úde e bem-estar das gestantes dentro do sistema carcerário.

3.2.1 A LEI DE EXECUÇÃO PENAL

Conforme Silvestrin (2017, p.13) “a lei de execução pe-


nal nº 7.210, de 11 de julho 1984, trata sobre os direitos dos
presos, respeitando o princípio da pessoa humana, buscando
assegurar o acesso a saúde, educação, assistência e outros”.
E se tratando de mulheres mães e gestantes, reforça o enten-
dimento sob a necessidade de acompanhamento médico à
mulher, no pré-natal e pós-parto, extensivo ao recém-nascido,
além da necessidade de adoção de espaço próprio para ges-
tantes e parturiente.

100
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Oliveira (2021) considera que as gestantes pela própria


situação da gravidez necessitam de maior atenção, e que es-
tas necessidades durante esse período compreendem uma
das maiores diferenças biológicas entre o homem a mulher, e
que acabam não sendo garantidos no sistema carcerário. Não
somente pela falta de estrutura adequada, mais pela necessi-
dade da assistência ao pré-natal, cuidados específicos e ne-
cessários para uma mulher gestante que não são atendidos.
O Estado acaba tendo que agir de forma mais atuante
na garantia dos direitos humanos dessas mulheres, promo-
vendo uma gravidez mais saudável e um parto seguro para a
mãe e para o bebê. É de fundamental importância que o Es-
tado faça seu papel nesse contexto para que as grávidas te-
nham seus direitos alcançados e seu sonho de ser mãe, me-
lhor, alcançado.

3.2.2 O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE -


ECA

Segundo Silvestrin (2017) o Estatuto da Criança e do


Adolescente, foi instituído pela lei 8.069 de 1990, com estatuto
com conteúdo similar ao estabelecido na Convenção das Na-
ções Unidas de Direito da Criança e foi elaborado como um
aparato legal de proteção a crianças e adolescentes, bem

101
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

como da mulher como mãe e gestante, garantindo a todos es-


tes seus direitos e deveres, bem como a aplicação de medidas
que protejam os menores que possuam seus direitos ameaça-
dos ou em situações de infração ou vulnerabilidade, indo mais
além, garantindo proteção integral ao feto (presente) e à (fu-
tura) criança. Cabe, portanto, ao Estado a obrigação em pro-
teger, respeitar e garantir a promoção integral desses direitos.
E para Montenegro (2015) o ECA buscou garantir direi-
tos e resguardar os menores, para o cumprimento do que é
expresso na Constituição Federal, para que, esses indivíduos
que vivem períodos de intenso desenvolvimento físico, educa-
cional, moral e social possam ser protegidos, obtendo assim
todo o apoio necessário para seu desenvolvimento.
E pensar no feto como uma criança em desenvolvi-
mento, reforça-se o entendimento que o ECA possui por prin-
cípio a prioridade absoluta da criança e do adolescente,
quanto a garantia de direitos básicos e fundamentais, e prote-
ção integral do indivíduo, durante todo seu desenvolvimento,
previsto no artigo 227 da Constituição Federal de 1988, este
dispõe:

É dever da família, da sociedade e do Estado as-


segurar à criança e ao adolescente com absoluta
prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimenta-
ção, à educação, ao lazer, à profissionalização,
à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, e

102
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

a convivência familiar e comunitária, além de co-


locá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão (BRASIL, 1988).

Matheus (2007) menciona que O ECA estabelece em


seu artigo 8º que é assegurado a todas as mulheres o acesso
aos programas e às políticas de saúde da mulher e de plane-
jamento reprodutivo e, às gestantes, o acesso a nutrição ade-
quada, atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpé-
rio e atendimento pré-natal, perinatal e pós-natal integral no
âmbito do Sistema único de Saúde – SUS. Assim Kantovisck
(2016, p. 1) destaca:

A assistência ao pré-natal tem o objetivo de as-


segurar o desenvolvimento da gestação, permi-
tindo o parto de um recém-nascido saudável,
sem impacto para a saúde materna, inclusive
abordando aspectos psicossociais e as ativida-
des educativas e preventivas.

De acordo com o Ministério da Saúde, o pré-natal se


tornou um instrumento imprescindível na redução da mortali-
dade materna no país. Um pré-natal adequado, bem estrutu-
rado e organizado pode reduzir o risco de morte materna e
neonatal, assim Kantovisck (2016) ressalta a importância do
pré-natal para a prevenção e/ou detecção precoce de patolo-
gias tanto maternas como fetais, permitindo o desenvolvi-
mento saudável do bebê e redução dos riscos para a gestante.

103
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Essa assistência pré-natal deverá ser iniciada imedia-


tamente assim que a gravidez for identificada, sendo necessá-
rio avaliar a idade gestacional e elaborar um planejamento do
acompanhamento obstétrico contínuo, principalmente se hou-
ver alguma complexidade na gestação.

3.2.3 REGRAS DE BANGKOK

Modelos, regras, estrutura, entre outros fatores que


compõem o sistema prisional brasileiro foram propostos vi-
sando que só existiriam presos do sexo masculino, segundo
Cunha (2017) todos os modelos e regras do sistema prisional
que existiam haviam sido elaborados para o contemplar pre-
sos homens, e não trazia especificidades ao lidar com mulhe-
res dentro sistema carcerário, havendo a necessidade de re-
modelar as regras abordando o gênero feminino, criando as-
sim, o primeiro marco normativo internacional a levar em con-
sideração essa problemática, sendo conhecido como Regras
de Bangkok “Regras das Nações Unidas para o tratamento de
mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para
mulheres infratoras”, tendo sua aprovação no 12º Congresso
das Nações Unidas sobre Prevenção ao Crime e Justiça Cri-
minal.

104
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Cunha (2017) menciona que diversos países participan-


tes do congresso foram convidados a considerarem as neces-
sidades e realidades específicas das mulheres presas com re-
lação ao desenvolvimento de leis, procedimentos, políticas e
planos de ação relevantes. O Brasil adotou as regras de
Bangkok, trazendo sensibilidade dos poderes públicos respon-
sáveis pelo sistema carcerário e pelas políticas de execução
penal para as questões de gênero dentro dos presídios, esti-
mulando melhorias dentro do sistema carcerário brasileiro,
principalmente voltado as mulheres presas. Nesse contexto,
Sivestrin (2007, p. 15-16) destaca

[...] temática de gênero vinculada à maternidade,


ressaltando-se a especial vulnerabilidade de mu-
lheres que ingressam no sistema carcerário com
crianças, além daquelas que seriam as respon-
sáveis pelo sustento de outros que ficaram fora.
Salienta-se também as diretrizes de saúde,
acompanhamento médico e psicológico, tanto
para as mulheres quanto para seus filhos, numa
forma de reiterar algumas práticas que a lei bra-
sileira já trazia, além de incorporar outras, que
seriam inovações, como a tentativa de mudar a
perspectiva de juízes no sentido de suspender
por um período razoável a medida privativa de
liberdade, levando em consideração o melhor in-
teresse das crianças.

É importante, que o sistema prisional receba as mulhe-


res com assessorias que visem repassar as presas seus direi-
tos e deveres enquanto encarceradas, as mulheres deveriam

105
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

receber assessoria jurídica, médica ou à saúde, assessoria so-


cial, já que muitos dos presos e presas se tornam vulneráveis
social e economicamente, e assessorial espiritual caso fosse
do interesse do preso, sendo importante que nesses direitos
fossem informadas as mulheres que as infratoras recém-che-
gadas possuem condições especiais como acesso aos paren-
tes, assistência jurídica, informações sobre regras e regula-
mentos do regime prisional.
E ressalta-se, que a possibilidade da suspensão da me-
dida privativa de liberdade pode ocorrer em detrimento do me-
lhor interesse da criança. Outra questão a considerar é que as
regras de Bangkok consideram que não sejam aplicadas san-
ções de isolamento ou segregação disciplinar, mais sim dadas
orientações sobre dietas e saúde, dispor de acompanhamento
médico, entre outras, principalmente em casos de gestação.
(CUNHA, 2017)

3.2.4 LEI DA PRIMEIRA INFÂNCIA

Conforme Silvestrin (2017) a Lei nº 13.257, de 8 de


março de 2016, sancionada pela então Presidente Dilma Ro-
usseff, também conhecida como Lei da Primeira Infância, se
tornou um marco importante na proteção de crianças do nas-

106
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

cimento aos 6 anos, por meio de uma lei específica que pas-
sou a estabelecer regras, princípios, diretrizes e metas para a
proteção integral da criança, colocando as crianças na faixa
etária supracitada como prioridade no desenvolvimento de
programas, na formação dos profissionais e na formação de
políticas públicas para a primeira infância.
Entende-se que essa fase é uma das mais importantes
para o desenvolvimento saudável da criança e de como esta
pode refletir diretamente na vida adulta. Período em que deve
ser garantido o direito a brincar, de ser cuidado(a) por profis-
sionais em primeira infância e prioridade nas políticas públi-
cas. E é nessa faixa etária que elas iniciam o processo de
construção identitária e de entendimento das regras sociais, e
dessa forma, necessitam de uma representação materna ou
paterna para o um entendimento mais claro sobre a vida e seu
entendimento como cidadão.
A existência de políticas públicas voltadas exclusiva-
mente a essa faixa etária se reveste de grande importância por
estar amparando aqueles que mais necessitam de cuidado e
são mais “vulneráveis”, além de ser esse o período da vida em
que o ser humano apresenta as condições ideais para o de-
senvolvimento de inúmeras habilidades, que irão refletir de
forma significativa na vida adulta (BASAGLIA, 2016).

107
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Proteger as crianças deve ser dever de todos, Estado e


família, as crianças são vulneráveis e por isso necessitam de
todo aporte, assim, Silvestrin (2017) explica outra conquista
inédita e importante adotada com a nova lei com relação a co-
metimento imediato das práticas de infração penal, e refere-se
ao colhimento de informações sobre a existência de filhos, res-
pectivas idades e se possuem alguma deficiência, além de
nome e contato de eventual responsável pelos cuidados dos
filhos, indicado pela pessoa presa.
A ideia é voltada a tirar a invisibilidade da situação des-
sas crianças, e prestar o devido acompanhamento e assistên-
cia, tanto assistencial como psicológico, visando garantir o
bem-estar e segurança das crianças. Silvestrin (2017) acres-
centa que as informações coletadas devem ser encaminhadas
para a equipe psicossocial do sistema prisional e para o Minis-
tério Público, para que sejam adotadas medidas de proteção
ao filho do preso(a), para que sejam tomadas as medidas ne-
cessárias, tendo por objetivo diminuir os prejuízos psicológi-
cos para a criança. A prisão domiciliar foi outro marco impor-
tante ao tratar da primeira infância.

A principal mudança trazida pela lei da primeira


infância se observa no fato de que agora basta
que a investigada ou ré esteja grávida para ter
direito à prisão domiciliar. Não mais se exige
tempo mínimo de gravidez nem que haja risco à

108
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

saúde da mulher ou do feto. Além disso, mulhe-


res com filhos de até 12 anos de idade também
podem ter sua prisão preventiva convertida em
domiciliar (SILVESTRIN, 2017, p.21).

Portanto, Silvestrin (2017) considera que ao instituir a


possibilidade de prisão domiciliar traz o entendimento de as
crianças não terem contato com o ambiente insalubre, cruel e
sem condições ambientais e estruturais do sistema prisional.
Ressalta-se que a prisão domiciliar não é um benefício, conti-
nua, portanto, como punição ao ato infracional, visando por
outro lado a manutenção entre o vínculo mãe e filho, e entre a
criança e sua integral proteção para o seu pleno desenvolvi-
mento, pois a separação deveria ser gradual para evitar que
seja traumática para ambos. Além disso, tem-se a incerteza
do destino de seu filho, pois nem sempre fica com um membro
de sua família.

3.2.5 LEI DO USO DE ALGEMAS

Segundo Basaglia (2016) a lei nº 13.434 que se refere


ao uso de algemas em mulheres grávidas, passou a vigorar a
partir de abril de 2017, proibindo que as mulheres presas fos-
sem algemadas durante o parto ou em mulheres durante a
fase de puerpério imediato. A lei alterou o art. 292 do Decreto-

109
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Lei nº 3.689 do Código de Processo Penal, respeitando tam-


bém esse momento tão importante que se aproxima do parto,
entendo que uma mãe em trabalho de parto ou pós-parto ime-
diato não possui nenhum potencial lesivo para a sociedade,
importante para buscar diminuir o estigma que estas carregam
de “mães-criminosas”.
Marcolino (2018) cita o Habeas Corpus 143.641, jul-
gado Supremo Tribunal Federal pelo Ministro Ricardo Lewan-
doswiski dispõe que como outra questão que beneficia a mãe
gestante e o bebê, sendo adotado originalmente por um con-
junto de juristas, para combater a adoção sistemática da me-
dida de prisão preventiva, abrangente mãe de crianças (com
até doze anos de idade incompletos) e também as grávidas.
Esse Habeas Corpus teve o intuito de garantir o cum-
primento de pena digna para mulheres na situação supraci-
tada em prisão preventiva, uma vez, que as condições ofere-
cidas nos sistemas prisionais acarretavam violação aos direi-
tos básicos das mães e das crianças, como por exemplo a par-
ticipação na vivência e desenvolvimento da criança e necessi-
dade do cuidado materno, bem como as grávidas sem direito
ao acompanhamento pré-natal.

Todas as mulheres grávidas ou com filhos de até


doze anos tem a possibilidade, a partir do Ha-
beas Corpus n.143.641, de pedir a substituição

110
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

da prisão preventiva pela domiciliar ou conces-


são de liberdade provisória. Essa medida vai ser
observada mediante ao crime praticado, as exce-
ções são em casos de grave ameaça ou em situ-
ações de violência, como latrocínio, homicídio.
Torna-se necessária essa medida porque as ins-
tituições prisionais onde essas mulheres estão
presas, comumente, não oferecem boas condi-
ções, ainda mais quando se encontram grávidas
ou com filhos de colo. Faz-se necessário o direito
a dignidade humana dentro desses locais, e
como a maior parte dos presídios não possuem
locais adequados para espaço materno e cre-
ches, vê-se uma possibilidade com o habeas cor-
pus em questão (MARCOLINO, 2018, p.3).

Por fim, Marcolino (2018) reforça que esse Habeas Cor-


pus teve como intuito principal de preservar e os direitos da
criança e garantir seu bem-estar, contribuindo para seu desen-
volvimento saudável, o que influencia o coletivo. E este ga-
rante o pleno cumprimento do artigo 227 do CF, quanto a ga-
rantia dos direitos básicos e fundamentais de toda a criança e
adolescente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As prisões femininas são espaços precários e na maio-


ria das vezes as mulheres não são ouvidas em seus direitos
mínimos como saúde e materiais de higiene pessoal. Quando

111
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

se trata de mulheres grávidas observa-se uma maior inviolabi-


lidade de seus direitos, como por exemplo o direito de realizar
o pré-natal, o direito de amamentar seu filho, entre outros.
As mulheres presas perdem o direito de ser mãe, de
cuidar de sua família, passando a responsabilidade de cuidar
de sua família para outros, ou seja, há uma série de direitos
essenciais violados entre eles preservação de vínculos e rela-
ções familiares, ressocialização, saúde, educação, trabalho,
bem-estar e projeto de vida.
As políticas prisionais devem ser políticas de mudanças
de vida e conduta, com ações de reabilitação que permita a
mulher reingressar na sociedade com condições de vida digna
e que distancie a mulher do crime, para tanto, há política de
prever para as mulheres oportunidades de formação social e
escolar que dê vida digna a mulher fora da prisão, e para as
mulheres grávidas projetos que permitam a mulher ter uma
gravidez saudável, maternidade, que ela crie vínculos com seu
filho e sua família, saúde e lazer para mãe e filho.
Para uma política que humanize as penitenciárias femi-
ninas é preciso ouvir as mulheres presas, e para melhorar o
sistema prisional para as grávidas é importante reformar polí-
ticas públicas e tornar os espaços prisionais femininos, pois
hoje eles são um ambiente masculinizados, superlotados e

112
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

precários em todos os sentidos desde lugares para dormir até


para material de higiene íntima e pessoal.
Os analisar os aspectos do sistema penitenciário femi-
nino no Brasil, dando enfoque as mulheres grávidas em fase
de cumprimento de pena, é fator imprescindível para garantir
direitos mínimos às mulheres grávidas, mães, mulheres, pro-
movendo mudanças e ofertando melhores condições para a
permanência do bebê com a mãe, construções de berçários
para que a mãe estabeleça vínculos com o filho, creches para
que os filhos possam viver perto de suas mães e um ambiente
acolhedor e digno de vida para mulheres e grávidas.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

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116
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

4
ASSÉDIO MORAL TRABALHISTA NO ÂMBITO DOS
ÓRGÃOS PÚBLICOS: UMA ANÁLISE SOBRE AS
IMPLICAÇÕES DA INEXISTÊNCIA DE LEI

LABOR MORAL HARASSMENT IN THE FRAMEWORK OF


PUBLIC BODIES: AN ANALYSIS ON THE IMPLICATIONS
OF NON-EXISTENCE OF LAW

Ana Sarah Macêdo Leitão5


Ícaro Maia Chaim6

LEITÃO, Ana Sarah Macêdo. Assédio moral trabalhista no


âmbito dos órgãos públicos: uma análise sobre as
implicações da inexistência de lei. Trabalho de conclusão
de curso de graduação em direito - Centro Universitário
UNINORTE, Rio Branco, 2023.

5 Discente do 9º Período do Curso de Bacharel em Direito pelo Centro Uni-


versitário Uninorte.
6 Docente graduado em Direito pela Faculdade Barão do Rio Branco. Pós-

graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera. Ad-


vogado. Assessor Jurídico na Procuradoria Geral do Estado do Acre. Co-
ordenador do Curso de Direito do Centro Universitário Uninorte.

117
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

RESUMO
Esse artigo explana sobre a circunstância do crime de assédio
moral trabalhista no âmbito dos órgãos públicos com análise
em relação às implicações da inexistência de lei. A pesquisa
tem como critério objetivo de salientar a lacuna de uma lei que
enquadre no âmbito nacional a tipificação do delito de assédio
moral no ambiente de trabalho com destaque aos órgãos
públicos, por meio das práticas delituosas dos servidores
públicos, enfatizando o projeto de lei 4742/2001 e a lei
8.112/1990. A contribuição teórica derivou da análise jurídica
da legislação brasileira através da CLT e de leis dos serviços
públicos, bem como dos dados de projetos de leis em
tramitação. Além disso, estudos dos conceitos no direito do
trabalho e nos entendimentos jurisdicionais dos locais de
trabalhos e o crime de assédio moral.

Palavras-chave: crime; assédio moral; lei; órgãos públicos;


projeto.

ABSTRACT
This article explains the circumstance of the crime of moral
harassment at work within the scope of public bodies with
analysis in relation to the implications of the non-existence of
law. The research has as an objective criterion to highlight the
gap of a law that fits, at the national level, the typification of the
crime of moral harassment in the work environment, with
emphasis on public bodies, through the principles the criminal
practices of public servants, emphasizing the bill 4742/2001
and the law8,112/1990.The theoretical contribution derived
from the legal analysis of Brazilian legislation through the CLT
and public services laws, as well as data from bills in progress.
In addition, studies of concepts in labor law and jurisdictional
understandings of workplaces and the crime of moral
harassment.

Keywords: crime; moral harassment; law; public agencies;


project.

118
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

INTRODUÇÃO

Em observância ao cenário da legislação brasileira e a


abordagem do presente artigo buscou ressaltou a
essencialidade da criação de uma lei que regulamente o crime
de assédio moral no ambiente de trabalho inere aos órgãos
públicos, uma vez que inexiste legislação sobre a temática,
tendo por andamento somente um projeto de lei em situação
de aprovação.
O assédio moral no ambiente de trabalho não possui
período definido quanto ao tempo do surgimento, porém,
contêm estudos quanto ao início dessa prática. O fator
predominante foi a época da escravidão, em que ocorria
exploração quanto ao trabalho escravo, decorrendo uma
subordinação exagerada.
Na era da contemporaneidade, as problemáticas do
assédio moral trabalhista por condutas inadequadas de
servidores públicos são infelizmente frequentes e falta uma lei
nacional que sanciona, ainda que tenha órgão como o
Ministério Público do Trabalho que recebe mais de 5.500
casos de denúncia, há essa lacuna quanto aplicabilidade de
lei específica para o crime em questão.
E imperioso destacar que o assédio moral trabalhista no
âmbito dos órgãos públicos acontece por comportamentos

119
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

repetitivos cometidos por servidores que possui um poder


hierárquico superior a vítima, o qual constrange o
subordinado, acarretando diversos transtornos psicológicos,
humilhações, e agressões físicas ou mentais, trazendo
consequências para as relações sociais nos locais de trabalho.
No Brasil, a situação é de projeto de lei em processo de
aprovação, como a de número N° 4.742/2011, aguardando
apreciação da casa revisora do Senado Federal. Ainda que em
tramitação aprovar uma lei federal se torna importante para a
tipificação do crime de assédio moral no ambiente de trabalho,
já que o objetivo principal é trazer proteção legalmente
imposta a vítima, no âmbito nacional.
Outrossim, a lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990,
vigente aos servidores públicos, traz expresso punibilidade ao
sofrimento ou cometimento de assédio moral no ambiente de
trabalho. Todavia, destaca-se como um regime jurídico,
inexistindo uma legislação que insira tanto a sanção do crime
de assédio moral trabalhista quanto ao referido delito praticado
nos órgãos públicos.
Nessa perspectiva, esse artigo tem por objetivo de
pontuar a imprescindível elaboração de uma lei federal com a
finalidade de sancionar o crime de assédio moral trabalhista
no âmbito dos órgãos públicos, de modo que resulte direitos e
garantias as vítimas, sendo assim resguardadas.

120
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

4.1 ASSÉDIO MORAL

O assédio significa uma perseguição cometida de modo


insistente contra um indivíduo ou grupo através de condutas
inconvenientes. Esses atos abusivos e prolongados que
afetam os indivíduos decorrem de diversas maneiras nos
convívios sociais, à medida que prejudicam a saúde do
assediado devida a violência sofrida.
O assédio moral, por exemplo, se caracteriza como um
dos tipos de inúmeros assédios existentes, e que, por sua
vez, trata-se de uma violência psicológica, o qual expõe a
vítima ao constrangimento ou humilhação mediante conduta
abusiva proferidas de acusações, atos, gestos ou escritos que
danificam a integridade física epsíquica do assediado.
O termo assédio moral tem por caracterização a palavra
“mobbing”, o que se refere a ataque, perseguição, maltrato e
sitiar. Ademais, trata-se de atribuição implicada aos países
Alemanha e Itália. O fato é que apesar de ser uma definição
atribuída aos países mencionados, correlaciona ao assédio
moral de forma ampla e consequentemente as práticas
abusivas que são repetitivas.
A temática assédio moral ainda que recorrente e voltada
de debates, em plenoséculo XXI, não se perpetua como uma
problemática recente, já que há anos vem se alastrando e

121
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

mostrando implicações nas relações sociais dos indivíduos,


o que circunstancia atitudes dolosas do agente numa
sistemática que acaba por ferir a dignidade, a integridade
física ou psíquica, da vítima.

4.1.1 DO ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO

No ambiente de trabalho, o assédio moral, decorre de


condutas repetitivas praticadas em grande escala por um
chefe com poder hierárquico superior e a vítima que é
subordinada através do vínculo empregatício a esse superior.
Ademais, são condutas que ocasionam humilhação e
constrangimento nos locais de trabalho, trazendo
consequências a integridade do indivíduo, visto que
acarreta prejuízosfísicos e mentais a vítima durante as
funções de seu trabalho.
Os ataques realizados de assédio moral podem ser
cometidos por um chefe ouum colega de trabalho a depender
de cada ambiente de trabalho e da intenção de abuso
lançado a vítima. O objetivo do assediador é desestabilizar o
assediado de modo profissional e social, uma vez que acusa,
humilha, constrange e insulta publicamente, isto é, diante de
todos os empregados nos presentes locais de trabalho.Com
isso, abala a reputação do assediado perante o ambiente de

122
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

trabalho, eposteriormente, acarretam danos na vida pessoal


e profissional do assediado.
As consequências para a vítima são do isolamento
social dentro do ambiente de trabalho, enfraquecendo as
relações organizações e a produção excepcional das
atividades laborais. O assediador em muitas das vezes faz
piadas e determinação de metas exageradas que
constrangem o assediado, ao ponto que a crescente de
demissão e evasão nas empresas torna-se recorrente.
Ainda, situações de desconforto são geradas a vítima,
já que a desestabilizaçãoé tão grande, devidos às condutas
abusivas prolongadas e repetitivas, que o assediado fica
encurralado ao ponto de não ter uma saída, ou seja, a
demissão, o isolamento ou aguentar os insultos diários. O
fato é que a maioria dos indivíduos tem medo de efetuar a
denúncia, por receio ou acreditar nas ameaças proferidas
pelo assediador, como por exemplo, que não terá mais uma
carreira no mercado de trabalho, entre outros.
Nos locais de trabalho, o assédio moral, tem por
classificação e tipologia, conforme a cartilha apresentada pelo
Tribunal Superior do Trabalho, sendo nomeados de assédio
moral interpessoal, assédio moral institucional, assédio moral
vertical, assédio moral horizontal e assédio moral misto. Nas
relações sociais vivenciadas no ambiente de trabalho e dos

123
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

prejuízos causados, cada um desses assédios obtém de


especiação, decorrendo como:

a) Assédio moral Interpessoal: Decorre em três tipos,


sendo pessoal, direta e individual, prejudicando o
relacionamento da vítima com a equipe da empresa.
b) Assédio moral institucional: Acontece na organiza-
ção por meio de incentivo ou tolerância das práticas
de assédio. A prevalência de poder controlador e
humilhante nas organizações.
c) Assédio moral vertical: Trata-se de assédio moral
dessa modalidade quanto a hierarquia entre os indi-
víduos, frequentes entre chefes e seus subordina-
dos. Podendo ser vertical descendente e ascen-
dente, em que no primeiro são práticas abusivas-
cometidas pelos chefes contra os subordinados, já na
ascendente, são praticados pelos subordinados ou con-
junto desses contra o chefe.
d) Assédio moral horizontal: Nesse tipo de assédio as
condutas abusivas são proferidas entre pessoas da
mesma hierarquia, causando disputas internas no
ambiente de trabalho.
e) Assédio moral misto: São inseridas as modalidades
de assédio moral vertical e assédio moral horizontal

124
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

em relações as práticas abusivas, em que tem um


misto dosdois tipos de assédios mencionados, isto
é, o assédio ocorre entre os colegas da organização
e por pessoas de hierarquia superior.

Dessa forma, são notários que há classificações para


cada assédio moral praticado no ambiente de trabalho, bem
como consta as definições evidenciadas. Todavia, ainda que
em conceitos definidos, na realidade, os índices de violência
psicológica de assédio moral tem sido numericamente ano a
ano consideravelmente elevado com base nos dados
estatísticos apresentados pelo Ministério Público do
Trabalho. No ano de 2022, as notícias de fato do assédio
moral foram de 3.309 casos,inquéritos civis:1.103, ações: 90,
e termos de ajustamento de conduta: 209. Esses dados
mostram a recorrência praticada de assédio moral, os quais
causam prejuízosnos locais de trabalho.

4.1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO ASSÉDIO MORAL NO


AMBIENTE DE TRABALHO

O assédio moral no ambiente de trabalho é uma


problemática não obtêm de confirmações quanto ao seu
surgimento, mas com base em estudos teóricos ao decorrer
dos anos afirmam que o assédio moral tem por origem desde

125
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

do período quese efetuou de modo concreto o trabalho e suas


atividades laborais praticadas pelos empregados que nelas
faziam parte. Os pilares para um indício desse assédio moral
decorrem da época da escravidão, sendo espalhados pelo
mundo, no período de guerra e conquistas territoriais, na
civilização do Oriente Médio, teve início do trabalhoescravo.
O Trabalho era visto como fator principal de
subsistência, não que em pleno século XXI não tenha essa
primordialidade, porém, na história do mundo, não se tinha
uma hierarquia de cargos profissionais e economia como
existe na mais recente atualidade. Contudo, essa hierarquia
de poderes no ambiente de trabalho se tornou com maior
frequência ao decorrer da formação da civilização
contemporânea. Período histórico da Revolução Industrial,
do século XVIII até meados do século XX, foi marcado por
uma evolução das condições do ambiente de trabalho, das
inovações de informações e tecnológicas.
O trabalhador nesse tempo histórico trabalhava em
ambientes insalubres e viviam recebendo ordens para não
parar o serviço laboral realizado, uma vez que a probabilidade
da demissão era muito grande.É apercetível que a visão do
comportamento do empregado no ambiente de trabalho traz
alguns resquícios para a condição enfrentada pelo
trabalhador na contemporaneidade, ou seja, das ordens que

126
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

acarretam chance de uma futurademissão.


Com o crescimento do capitalismo e o surgimento da
globalização, as organizações trabalhistas tinham um
pensamento de melhores condições de trabalhoe respostas
positivas para as empresas através das manufaturas.
Todavia, ainda que tivessem por objetivos benefícios
econômicos, decorriam ideias de que o capitalismo ocasionou
assédio moral no ambiente de trabalho, conforme acreditava
o pensador Lima Filho (2007, p.152), no qual se manifestava
para tal com a produtividade capitalista.
Existem muitos estudos e pesquisas acerca da
temática do assédio moral interligados as relações dos
empregados nas organizações e as violências psicológicas
em que se determinam. Dentre os precursores no campo de
pesquisas, está a psiquiatra francesa Marie France Hirigoyen,
o qual foi pioneira e se preocupou com o tema assédio moral
em ambiente de trabalho, destaque para a obra “Assédio
Moral: a violência perversa do cotidiano”, em que se
configurou que ocorria condutas abusivas decorrentes de
comportamentos, gestos e palavras.
O professor sueco, Heinz Leymann, realizou pesquisas
que tiveram desenvolvimento na Suécia, no ano de 1984,
através da publicação do ensaiocientifico: National Board of
Occupational Safety and Health in Stokolm. Esse definia o

127
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

assédio moral, mobbing (termo em inglês), como conduta


hostil realizada por superior ou colega, sendo repetidas por
tais ao longo do trabalho, traziam consequências a vítima de
modo psicológico, física, social e com a miséria.
No Brasil, a concepção que se tem é que o assédio
moral está em prolongamento desde o período inicial da
escravidão, em que constam violências psicológicas análoga
ao trabalho escravo ao decorrer das décadas até o cenário
contemporâneo.
Os estudos realizados no Brasil sobre assédio
moral se concretizaram porpesquisas efetuadas por alguns
estudiosos nas publicações de obras renomadas. A
pesquisadora, médica do trabalho e professora, Margarida
Maria Silveira Barreto, defendeu sua tese de mestrado no ano
2000 sobre o tema: Uma Jornada de humilhações,
posteriormente, no ano de 2006, foi publicada a obra
“Violência, Saúdee Trabalho: uma jornada de humilhações. O
campo de pesquisa dessa era focado nas humilhações
sofridas e os índices como dados estudados. Ademais, trazia
um conceito de assédio moral que consistia em humilhação,
constrangimento, repetição prolongamento no ambiente de
trabalho.
Na coluna de Monica Bergamo, em 25 de novembro
de 2000, no Brasil, no site da folha, a jornalista mencionada

128
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

publicou uma pesquisa que ganhou repercussão nesse


período, a respeito do assédio moral, os quais foram
marcadas por discussões sociais, legais e movimentos
sindicais.

4.2 DA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA: ASSÉDIO MORAL

No Brasil, não tem predominância de nenhuma lei que


regulamenta de modo específico, isto é, em âmbito federal
sobre a punibilidade do assédio moral no ambiente de
trabalho, por sua vez, o que estão em fase de trâmite são os
projetos de leis referente ao assédio moral, decorrendo
através do congresso nacional.
De fato, existe leis no âmbito trabalhista que são
utilizadas por base fundamental legal para a repreensão das
condutas abusivas frequentes devido o assédio moral. A
Constituição Federal de 1988 (BRASIL,2022), traz expresso
no art.1,incisos III e IV, princípios fundamentos que norteiam
o trabalhador e garantem o princípio da dignidade da pessoa
humana. Ainda, o art.5, incisos V e X, da Constituição
Federal, asseguram a indenização por direito no caso de
violabilidade por dano moral.
Na consolidação das leis trabalhistas, do ano de 1943,
no artigo 483, alíneas “a” e “b”, disciplinam os direitos do

129
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

empregado para rescindir o contrato de trabalho, podendo se


relacionar e implicar ao assédio moral, visto que essa rescisão
poderá ocorrer quando tiver exigência superioridade nos
serviços prestados oposto ao contrato e no caso de
tratamento rigoroso por pessoa com hierarquia superior ou
seu empregador. Nisso, essa legislação vigente, inclui-se
como fundamento jurídico da temática do assédio moral.
O Tribunal Superior do Trabalho, contém julgamento
benéfico a vítima do assédio moral, com um tema que tem
por ementa, por exemplo, o recurso de revistapublicada no
ano de 2015, sendo assim defendido:

Ementa: RECURSO DE REVISTA. ASSÉ-


DIO MORAL NO TRABALHO. RIGOR EX-
CESSIVO DO SUPERIOR HIERÁR-
QUICO. DANO MORAL.
TRANSPORTE DE VALORES. INDENIZA-
ÇÃO. Trata-se de hipótese na qual o Tribu-
nal de origem, valorando fatos e provas, fir-
mou convicção acerca da caracterização
da responsabilidade civil subjetiva capaz
de ensejar a reparação por danos, por-
quanto comprovado o assédio moral, con-
substanciado no rigor excessivo do seu su-
perior hierárquico; bem como o abalo mo-
ral, decorrente da imposição de realizar
transporte de numerário, função para a qual
o reclamante não foi contratado e treinado,
sem oferecer a devida segurança, ex-
pondo-o a risco de vida. A argumentação

130
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

da reclamada de que não restaram configu-


rados o assédiomoral, o ato ilícito e o nexo
causal remete à revisão do acervo fático-
probatório, procedimento vedado nesta
fase recursal de natureza extraordinária
pela Súmula nº 126 do TST. A propósito,
esta. corte Superior vem firmando o enten-
dimento de que a conduta do empregador
de exigir do empregado o transporte de nu-
merário, atividade para a qual não foi con-
tratado e treinado, com a indevida exposi-
ção à situação de risco, enseja o paga-
mento de indenização por dano moral. Re-
curso de revista de que não se conhece, no
particular. MULTA PREVISTA NO ART.
475-J DO CÓDIGO DE PROCESSO CI-
VIL. INAPLICABILIDADE NO
DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO.
Consoante entendimento sedimentado
pela Subseção I Especializada em Dissí-
dios Individuais desta Corte Superior, a
multa prevista no art. 475-J do CPC, que se
refereao cumprimento da sentença civil, não
é aplicável ao processo do trabalho, haja
vista a incompatibilidade com as disposi-
ções dos arts. 769 e 889 da CLT. Recurso
de revista conhecido e provido, nesse par-
ticular.(BRASIL,2022)

Dessa forma, mesmo com aparato de algumas leis


vigentes seja na constituição federal, na Consolidação das
leis trabalhistas e jurisprudências, ainda há lacunas na
legislação brasileira sobre uma lei específica do assédio
moral, em que contém condutas praticadas repleta de rigor

131
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

superior hierárquico. A legislação utilizada não traz de modo


claro sobre o assédio moral no ambiente de trabalho,
somente a respeito de futuras indenizações desses atos
delituosos, faltando uma fiscalização mais apresentada por
parte dos legisladores.

4.2.1 DOS PROJETOS DE LEIS N° 4.742/2011 e N°


5.971/2001 EM RELAÇÃO AOASSÉDIO MORAL.

No ordenamento jurídico, existem leis que são


garantias municipais e estaduais, os quais tem predominância
e criação apenas onde foram estabelecidas, ou seja, as
legislações que fundamentam sobre o assédio moral em
outros estados ou municípios tem aplicabilidade somente no
local da lei. A lei complementar n° 377,de 31 de dezembro de
2021(BRASIL,2022), que alterou a lei n° 39, de 29 de
dezembro de 1993, continham finalidades de impor
penalidade na prática de assédio, sendo exemplo de uma lei
que decorria de vigores no Estado do Acre.
No âmbito nacional, há projetos de leis que
contribuíram e ainda estão em tramitação para a
criminalização do assédio moral no ambiente de trabalho, os
destaques para a PL 5.971/2001 e a PL 4.742/2001, em que
ambas buscavam na concepção do projeto de sancionar o

132
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

assédio moral com as suas respectivas punibilidades.


O Projeto de lei 5.971, apresentado na data de 13 de
dezembro de 2001, constitui na situação de arquivada, mas
apesar de está em arquivo, esse projeto do autor Inácio
Arruda, o qual fazia parte do PCdoB/CE, trouxeram
argumentos que poderiam ser utilizados, como por exemplo
o da tipificação do assédio moral no ambiente de trabalho, e
que por ementa alterava o decreto de lei n°2.848, da data de
7 de dezembro de 1940, referente ao Código penal.
A Câmara dos Deputados, em março de 2019,
aprovou o projeto de lei 4.742,o qual tem por apresentação e
conteúdo do autor Marcos de Jesus, do PL/PE, com
propostas instituídas em 23 de maio de 2001, disciplinando a
sanção do crime de assédio moral no trabalho, incluído do
art.146-A no decreto de lei n° 2.848, de 7/12/1940, do código
penal, alterando esse decreto-lei para a tipificação do assédio
moral.
Ademais, após a aprovação do projeto de lei
4.742/2001, a tramitação se situana casa revisora do Senado
Federal, no qual aguarda apreciação. Os fundamentos
jurídicos aprovados na câmara dos deputados são quanto as
ofensas na dignidade doindivíduo, ocasionados por danos e
prejuízos físicos ou mentais da vítima na prática de suas
funções no trabalho, devido consequências do assédio moral,

133
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

em que a penalidade decorrerá de detenção de 1 a 2 anos e


multa, com aumento de 1/3 no caso de vítima com idade
inferior a 18 anos, conforme emenda da Deputada Margarete
Coelho.
O ponto essencial do projeto de lei 4.742/2001 é
quanto a implicação do artigo146-A, incluído no código penal
brasileiro, decorrendo de fator que se sanciona comodelito o
assédio moral no trabalho com um nível de superior
hierárquico por aquele que o comete em ações, sendo
estabelecido em dispositivo:

Art. 146-A. Desqualificar, reiteradamente, por


meio de palavras, gestos ou atitudes, a auto-
estima, a segurança ou a imagem do servidor
público ou empregado em razão de vínculo hie-
rárquico funcional ou laboral. Pena: Detenção
de 3 (três) meses a um ano e multa.(BRA-
SIL,2022)

Assim, os projetos de leis, mesmo em fase de


tramitação, são os objetivos requeridos para a proteção das
vítimas do assédio moral, e mostra-se cada vez mais
perceptível por intermédio dessas concepções jurídicas a
relevância de uma lei específica no âmbito nacional para
tornar o assédio moral no trabalho como crime e passível de
sansões contra tais atos praticados.

134
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

4.2.2 REGULAMENTAÇÕES IMPOSTAS SOBRE O ASSÉ-


DIO MORAL NO AMBIENTEDE TRABALHO.

Em relação ao assédio moral e as leis que o


regulamentam, utiliza-se de conhecimentos jurídicos da
constituição federal e das consolidações das leis trabalhistas
como forma de prevenção, sanção e proteção dos direitos
fundamentais cabíveis a vítima. Além disso, constitui de
jurisprudência, leis estaduais e municipais,para regulamentar
condutas abusivas internas nos locais de trabalho, por isso,
estãodisciplinados inúmeros decretos, leis complementares e
orgânicas contra esse crime que não possui lei
regulamentadora estabelecida.
A competência para recebimento de denúncias está a
cargo do Sindicato da categorial profissional, em que o
assediado poderá buscar informações e esses repassarem
ao Ministério Público do Trabalho. Todavia, a vítima poderá
recorrer por ajuda diretamente no MPT, sendo mediante órgão
o fiscalizatório quanto as denúncias recebidas de assédio
moral no ambiente de trabalho.
É cabível por parte da vítima requerer pelo dano
sofrido, uma indenizaçãorecorrente do assédio moral, visto
que se trata de um direito garantido na constituição federal,
artigo 144, inciso VI, em que a justiça do trabalho tem por

135
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

competência o julgamento e o processamento de atos


indenizatórios ocasionados por danos morais.No Estado do
Acre, na cidade de Rio Branco, obtêm uma lei orgânica de
n° 1.758, de 26 de outubro de 2009, dispondo da
aplicabilidade de penas no caso deconcretização dos atos
de assédio moral. A Câmara Municipal de Rio Branco, fez a
aprovação da lei e a Mesa Diretora a promulgação. Essa lei
representa um exemplode regulamentação contra o crime em
questão, tendo efetividade e validade na cidade de Rio
Branco.
O Prefeito de Rio Branco, no Acre, Sebastião Bocalom,
assinou um decreto de combate ao assédio moral, em prol da
prefeitura de Rio Branco, efetuada no dia 18 de outubro de
2022, ressaltando aos prejuízos causados e salientando da
probabilidade de casos de assédio moral comprovados
procurarem pelas ouvidorias e pelos competentes órgãos.
Por conseguinte, no ordenamento jurídico, são
recorrentes como evidenciadosprojetos de leis que objetivam
regulamentação, leis orgânicas, decretos e leis
complementares que se expressam no regime municipal,
estatal e regionais a depender de cada órgão que dispõem
acerca do crime de assédio moral. O fato é queainda que com
a conscientização e avanço por meio de leis punitivas ao
assédio moral no moral, faz-se necessário uma lei

136
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

generalização perante o tema debatido.

4.2.3 DA INEXISTÊNCIA DE LEI NO ÂMBITO NACIONAL

Na passagem das décadas até o momento da era da


sociedade moderna é possível comprovar a existência de
assédio moral e a gravidade dos comportamentoshumilhantes
proferidos a vítima, e os consequentes danos submetidos ao
assediado.Em contrapartida, ainda que seja considerado um
crime repreendido nos cotidianos sociais, apresenta uma
inexistência de legislação em tramitação no âmbito nacional,
mesmo que o ordenamento jurídico contenha projetos de lei em
processo de aceitação e imposição de leis municipais e
estaduais.
Na administração pública, o assédio moral está
limitado quanto a tipificação, uma vez que as legislações do
conjunto de órgãos pertencentes a sociedade constituem
regimentos próprios, sendo cada vez mais escasso
nacionalmente, já que as criações de leis tem eficácia somente
onde foi originada, nisso, são vulneráveis os direitos e
garantias da vítima, e as poucas leis vigentes sobre o tema
não trazem clareza a respeito da punibilidade, o que se torna
essencial uma lei federal que protejaos assediados e não de
espaço para impunibilidade dos assediadores.

137
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

No Ministério Público do Trabalho, o procurador


representante, Paulo Neto, perante discussões sobre o
assédio moral, realizou declarações e explicações em relação
aos intermédios usados para amparar juridicamente as
vítimas. O referido procurador ressaltou que o MPT funciona
com setor estabelecido para solucionar assédio moral, de
modo que atua como órgão instaurado na finalidade efetiva
da condenação.
Além disso, Paulo Neto, menciona que por ano, o MPT,
recebe em números casos novos de denúncias acima de
5.500 relacionado aos dados gerais do Brasil. Essa estatística
simboliza uma alta na frequência dominante do assédio moral
na sociedade brasileira, fora os casos não oficiais
denunciados ou revelados, por isso, aprimordialidade de uma
garantia de lei federal aplicável, visto que há uma ausência.
O próprio procurador do Ministério Público do Trabalho,
Paulo Neto, reconheceu ao ser questionado acerca do
assédio moral, que inexiste lei tratando de maneira
determinada o assédio moral. E afirmou que o para MPT obter
fundamentos legais contra o assédio moral, faz usufruto da
constituição federal por meio dos princípios que estão
integrados. Por fim, fez citação aos projetos de leis queestão
em tramitação para aprovação e declarou a necessidade de
uma lei fundamentalmente clara.

138
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Destarte, os argumentos do citado procurador é


apenas um dos muitos constados no ordenamento jurídico,
decorrente de debates, apontando a ausência de lei na
criminalização do assédio moral. Assim, essas discussões,
demonstram como é imperioso uma legislação em âmbito
nacional que traga clareza por parte do legislador, protegendo
e dando segurança legal a vítima, evitando lacunas que de
alguma livre o assediador da sanção cabível. Contudo,
mesmo na necessidade de uma lei federal, há uma
complexidade jurídica sobre essa temática para acontecer a
aprovação.

4.3 DOS ÓRGÃOS PÚBLICOS E SUAS FUNÇÕES NA


SOCIEDADE: FATORES DEPUNIBILIDADE.

Os órgãos públicos têm integração de servidores


públicos, os quais efetuam atuações prestadas ao Estado,
caracterizado na administração pública. As situações nesses
órgãos acontecem através dos servidores públicos que dela
fazem parte, os quais condutas abusivas são praticadas nas
organizações por profissionais dos órgãos públicos,
circunstanciando entre os servidores ou seus chefes com
poder superior hierárquico.
A maneira como o servidor público tem que se portar

139
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

na função de seu cargo está disciplinada em lei administrativa


que regulamenta os seus deveres e respectivas penalidades
quanto aos seus comportamentos nas relações
empregatícias. Os atos abusivos cometidos pelos servidores
acarretam início de sindicância com procedimento
administrativo instaurado.
A legislação vigente aos servidores públicos, esses
que possuem funções nos órgãos públicos, expressa as
obrigações do servidor público, sendo a lei atualizada, n º
8.112, de 11 de dezembro de 1990, em que traz regime
jurídico, e implicações a respeito de falta grave dos
servidores públicos em suas funções laborais. É
imprescindível destacar que alguns doutrinadores
majoritários na sociedade brasileira pontuam de as ações
abusivas levarem a improbidade administrativa, tendo que
atribuir o princípio da moralidade administrativa.
Em referência aos órgãos públicos, há
regulamentações nos âmbitos municipais e estaduais que
sancionam em legislações para cada localidade, medidasnos
casos que os servidores públicos cometerem ou sofrerem
assédio moral no ambiente de trabalho.
Com isso, a título de exemplificação, o Estado Acre, por
lei complementar nº377, de 31 de dezembro de 2021, para
alterar a lei n° 39, de 29 de dezembro de 1993, dispõe sobre

140
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

aliterações para vigência, na preposição legal:

Art.167 – Ao servidor é proibido: praticar assédio


moral no ambiente de trabalho, assim entendido
todo tipo de ação, gesto ou palavra que atinja,
pela repetição, a autoestima e a segurança de
indivíduo, fazendo-o duvidar de si e de sua com-
petência, implicando em dano ao ambiente de
trabalho, à evolução profissional ou à estabili-
dade física, emocional e funcional do servidor;
imputar falsamente a prática de assédio moral.
(BRASIL,2022)

Dessa maneira, a finalidade dessa lei é para a


penalidade das práticas de assédio moral na administração
pública aplicando aos servidores públicos. Essa lei
complementar estadual é um caso de vigência somente local,
isto é, validade no Estado de criação e imposição. Com isso,
ainda que tenha leis estaduais e municipais em prol do
combate do assédio moral efetuado nos órgãos públicos,
necessita-se deuma lei no âmbito nacional que englobe tanto
o crime de assédio moral no ambiente de trabalho
especificamente, bem como desse delito cometido por
servidores públicos, os quais apenas contêm de lei federal
sobre seus deveres, não decorrendouma legislação federal
inclusa do crime e das condutas no conjunto integrado.

141
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

4.3.1 DA TIPIFICAÇÃO DO CRIME DE ASSÉDIO MORAL


NOS ÓRGÃOS PÚBLICOS: SERVIDORES PÚBLICOS E GA-
RANTIAS LEGAIS

A lei n° 8.112, de 11 de dezembro de 1990, traz


disciplinado o regime jurídico consolidados aos servidores
públicos, em que instituem deveres, garantias e prováveis
sanções por comportamentos inadequados por parte do
servidor. Namatéria de assédio moral como crime praticado ou
sofrido por esses profissionais nos órgãos públicos, não
contem discriminação clara na lei, fazendo com que haja
interpretações legislativas sobre o delito, já que o
cometimento de assédio moral se aplicaria na lei do servidor
público como violação do princípio da moralidade
administrativa.
Na referida lei do servidor público, o artigo 116,
expressa os deveres do servidor, podendo ser interpretado
para conjectura do assédio moral, a exemplo, do inciso III, do
mencionado artigo, cabendo ao servidor seguir as ordens da
superioridade, mas desde que não tenha ilegalidade. Em
analogia a tipificação do crime de assédio moral, o servidor
cumprirá ordens, porém as condutas não poderão estar fora
do que a lei aceita e disciplina quanto a relação de emprego.
Além disso, por sua vez, o artigo 117, da lei de

142
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

regimento dos servidores públicos, constam proibições aos


servidores, e que facilmente decorrerá de analogia e
aplicação ao crime de assédio moral. No inciso XV, do art.117,
adverte que não é passível de aceitação, condutas
desidiosas. Assim, tais atitudes, não deverá se concretizar
para evitar o cometimento do delito de assédio moral no
ambiente de trabalho.
O decreto de lei 1.171, de 22 de junho de 1994,
aprovou o código de ética profissional do Servidor Público
Civil do Executivo Federal, o qual disciplina as condutas
erradas realizadas pelos servidores públicos. Ademais, nesse
decretocontém divisão de dois capítulos, atribuídos de regras
deontológicas, deveres, vedações e comissões referente ao
servidor. Esse dispositivo se insere na prevençãodo assédio
moral, visto que as obrigações impostas deverão ser
cumpridas para não resultar na infração de ética do
profissional.
O projeto de lei 4.591, representou uma proposta
legislativa que buscava alterar a lei do servidor público de
número 8.112/90, para que fosse inserida com sanção o
cometimento de assédio moral pelos servidores públicos. A
apresentação do projeto decorreu no dia 3 de maio de 2001
pela autora Rita Camata do PMDB/ES, na câmara dos
Deputados, em pleno XXI, consta como arquivada.

143
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Contudo, mesmo que o projeto de lei objetiva


penalidade para o crime de assédio moral relacionados aos
servidores, e que a tramitação não foi aprovada e esteja
arquivada, trouxeram contribuições jurídicas para a discussão
dessa temática. O artigo 117-A, em mediante projeto de lei
seria para regimentar na lei 8.112/90, acrescentada, para a
proibição de atos por parte dos servidores de assédio moral,
o que traria penas distribuídas para cada situação, bem como
projetava os cincos incisos desse artigo citado.
A câmara municipal de Rio Branco, Acre, por meio
da lei n °1.758, de 26 de outubro de 2009, fez promulgação
de lei orgânica que discriminava a tipificação do crime de
assédio moral por parte dos servidores públicos, vigorando:

Art.1º Os gestores e servidores públicos muni-


cipais, que incidirem na praticade assédio mo-
ral, nas dependências da Administração Pú-
blica Municipal Direta, Indireta e Fundacional,
ficam sujeitos às seguintes penalidades admi-
nistrativas:
4.2.4 Advertência;
4.2.5 Suspensão;
4.2.6 Demissão ou exoneração do ser-
viço público;
§1° - Na aplicação das penalidades serão con-
siderados os danos que dela provierem para o
servidor e para o serviço prestado ao usuário
pelos órgãosda administração direta, indireta e
fundacional, as circunstâncias agravantes ou
atenuantes e os antecedentes funcionais.

144
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Dessa maneira, é inevitável que existe regimentos


jurídicos contra a conduta dos servidores públicos, podendo a
ocasionar infração de fundamentos éticos disciplinados para
tais, bem como as legislações municipais, estaduais e
federais supracitadas. Todavia, a problemática acontece
quanto a tipificação do assédio moralno ambiente de trabalho
praticados por servidores públicos, os quais inexiste uma lei
no âmbito nacional que garanta e previna por intermédio de
penalidades com mais clareza sobre esses delitos e as suas
consequências para a sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A legislação brasileira vigente traz na consolidação das


leis trabalhistas e constituição federal, direitos fundamentais
que podem ser interpretados como tipificação ao crime de
assédio moral no ambiente de trabalho. Contudo, apesar da
interpretação realizada e aplicação aos casos do supracitado
delito, vale destacar a importância de uma lei nacional que
sancione o assédio moral trabalhista no âmbito dos órgãos
públicos, sendo tipificado por lei federal específica.
Segundo citado por conceitos, características, artigos,
leis e jurisprudências sobre o assédio moral nos locais de

145
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

trabalho, ficou claro a necessidade da criação e vigência de


uma lei que assegure que o crime abordado seja aplicável nos
órgãos públicos através de uma legislação nacional própria, já
que apenas utiliza de leis já existentes.
A análise feita a respeito da implicação de uma lei que
inexiste demonstrou ser imprescindível para abordagem legal
do crime de assédio moral, haja vista a base dos estudos
teóricos e fundamentos legais sob projetos de leis já atuantes,
como a PL 4.742/2011, pendente de aprovação, visando a
aplicabilidade da lei federal que criminaliza o mencionado de
delito.
É notório que na sociedade o assédio moral no
ambiente de trabalho decorre de práticas repetitivas
cometidas por um indivíduo com um poder hierárquico
superior ao subordinado nos órgãos públicos entre servidores.
Nisso, já dizia o ensaio científico “National Board of
Occupational Safety and Health in Stokolm” do Heinz
Leymann, professor sueco, assédio moral, mobbing, como
conduta hostil realizada por superior ou colega, sendo
repetidas por tais ao longo do trabalho, traziam consequências
ao vitimado.
A punibilidade das condutas inadequadas dos
servidores que cometeram assédio moral nos órgãos públicos
como foi pesquisado são legisladas por um regime jurídico,

146
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

sendo a lei nº n º 8.112, de 11 de dezembro de 1990. E mesmo


com esse regime, ainda não tem discriminação clara na lei,
fazendo com que haja interpretações legislativas sobre o
delito, já que o cometimento de assédio moral se aplicaria na
lei do servidor público como violação do princípio da
moralidade administrativa, requisitando uma lei federal sobre
a tipificação contra essas condutas.
No cenário de estudo sobre assédio moral, observou-
se, que esse tem por características a violência psicológica, o
constrangimento e humilhações seguidas de condutas abusi-
vas que afetam a integridade mental e física do vitimado.
Dessa forma, a importância de uma lei única que proteja a ví-
tima, pois contribuiria para a aplicação específica da sanção e
do crime.
Portanto, a implicação de uma lei federal do delito de
assédio moral trabalhista no âmbito dos órgãos públicos é
inevitável, tendo em vista a ausência de uma legislação
própria dessa tipificação. Ademais, a cominação da lei do
servidor público (lei n º 8.112) mais o delito de assédio moral
no ambiente de trabalho com base também da apreciação de
projeto de lei em fase de aprovação diante dos estudos
teóricos apresentados

147
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

REFERÊNCIAS

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

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152
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

5
MOTORISTAS DE APLICATIVO E A RELAÇÃO DE
TRABALHO DEGRADANTE NO SÉCULO XXI

APPLICATION DRIVERS AND THE DEGRADATING WORK


RELATIONSHIP IN THE 21ST CENTURY

Noely Maria da Costa dos Santos Freitas7


Williane Tibúrcio Facundes8

FREITAS, Noely Maria da Costa dos Santos. Motoristas de


Aplicativo e a Relação de Trabalho Degradante no Século
XXI. Trabalho de Conclusão de Curso de graduação em Di-
reito – Centro Universitário UNINORTE, Rio Branco, 2023.

7 Discente do 9º período do curso de bacharelado em Direito pelo Centro


Universitário Uninorte.
8 Docente do curso de Bacharelado em Direito pelo Centro Universitário

Uninorte. Graduada em Direito pela U:Verse. Especialista em Psicopeda-


gogia. Graduada em Letras Vernáculas pela UFAC.

153
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

RESUMO

A presente pesquisa tem como objetivo o debate sobre o tra-


balho dos entregadores de aplicativos no contexto das trans-
formações gerais no mundo do trabalho contemporanea-
mente. O primeiro passo será contextualizar as mudanças no
trabalho que ocorrem na sociedade moderna e seu vínculo
com a informatização da sociedade. O segundo passo será
colocar como se insere nesse contexto o trabalho por aplica-
tivo. O tema possui grande importância no cenário jurídico
atual e sua discussão tem como principal objetivo a manuten-
ção da segurança jurídica e norma reguladora. As mudanças
ocorridas no cenário do Direito do Trabalho ganham novas for-
mas de trabalho, como as plataformas de delivery que estão
sendo um grande desafio para a legislação trabalhista brasi-
leira, pois, além da falta de segurança e suporte que deveriam
ser oferecidos pelas empresas aos entregadores de aplicativo,
eles são considerados apenas autônomos e não empregados
de forma que individualiza e inviabiliza as relações de trabalho,
obliterando relações de exploração.

Palavras-chave: trabalho; delivery; sociedade; exploração;


desafio.

154
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ABSTRACT

This research aims to discuss the work of app delivery people


in the context of general transformations in the contemporary
world of work. The first step will be to contextualize the
changes in work that occur in modern society and their link with
the computerization of society. The second step will be to de-
fine how work by application fits into this context. The theme is
of great importance in the current legal scenario and its discus-
sion has as its main objective the maintenance of legal cer-
tainty and regulatory norm. The changes that have taken place
in the Labor Law scenario gain new ways of working, such as
delivery platforms that are being a great challenge for Brazilian
labor legislation, because, in addition to the lack of security and
support that should be offered by companies to delivery work-
ers, application, they are considered only autonomous and not
employed in a way that individualizes and makes work relation-
ships unfeasible, obliterating exploitation relationships.

Keywords: work; delivery; society; exploration; challenge.

155
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

INTRODUÇÃO

O trabalho é muito importante na sociedade. A socie-


dade não se sustentaria sem o trabalho. Historicamente, ele
muda de forma com as mudanças sociais. O escravo, o servo,
o camponês, o trabalhador assalariado, são algumas manei-
ras de se recordar a forma que o trabalho assumiu no decorrer
da história.

Desde a revolução industrial, a forma do trabalho assa-


lariado se tornou dominante. Isso não significou que não mu-
dou mais. O caráter assalariado do trabalho continua, mas ele
vai mudando de forma. Por outro lado, outras formas de traba-
lho coexistiram com o trabalho assalariado, inclusive formas
análogas.

A transformação do trabalho assalariado é constante e


hoje, contemporaneamente, temos mais uma mutação no seu
interior. Esse é o caso dos trabalhadores por aplicativo. Entre
as diferenças existentes há a questão da forma de remunera-
ção, que não é um salário fixo, e sim a partir do rendimento
efetivo, ou seja, é “pago por serviço”.

Como é uma forma de trabalho relativamente recente,


ele vem chamando a atenção e começa a produzir pesquisas
e publicações ao seu respeito. Essa forma de trabalho possui

156
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

vários aspectos que precisam ser mais bem compreendidos:


a remuneração, a jornada de trabalho, as condições de traba-
lho, o vínculo com os direitos trabalhistas, entre outros. O
nosso objetivo aqui será relativo ao problema da jornada de
trabalho e seu vínculo com o direito trabalhista.

A história da sociedade moderna mostra que no seu iní-


cio havia longas jornadas de trabalho, especialmente durante
a chamada “revolução industrial”. Essas longas de jornadas de
trabalho foram diminuindo, em parte pela pressão dos traba-
lhadores, em parte por causa do desenvolvimento tecnológico.
Hoje há um movimento para retirar um dia de trabalho da se-
mana, caindo de 5 para 4 dias semanais.

Mas isso é para um grupo de trabalhadores mais sele-


tos, aqueles que possuem estabilidade, direitos trabalhistas
consolidados. Na contemporaneidade, um outro grupo de tra-
balhadores, os de aplicativos, vivem uma situação inversa:
longas jornadas de trabalho.

O que explica isso em pleno século 21? E por que o


direito do trabalho e a legislação trabalhista não coíbem esse
processo que parece um retrocesso ao período da revolução
industrial? Essas são as questões que movem o presente tra-
balho.

157
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

5.1 O TRABALHO EM TRANSFORMAÇÃO E OS ENTREGA-


DORES POR APLICATIVO

5.1.1 TRANSFORMAÇÃO E OS ENTREGADORES POR


APLICATIVO

As transformações do trabalho no mundo contemporâ-


neo ocorrem rapidamente. Desde a revolução industrial e suas
adaptações posteriores, até chegar ao que alguns chamam de
“revolução da informática”, muita coisa foi mudando. Algumas
mudanças foram pequenas e tiveram pouco impacto, en-
quanto outras já foram mais amplas e impactantes.
O foco aqui será o trabalho dos entregadores de aplica-
tivos no contexto das transformações gerais no mundo do tra-
balho contemporaneamente. O primeiro passo será contextu-
alizar as mudanças no trabalho que ocorrem na sociedade mo-
derna mais contemporaneamente e seu vínculo com a infor-
matização da sociedade. O segundo passo será colocar como
se insere nesse contexto o trabalho por aplicativo.
Alguns autores chamaram a atenção para a mudança
no “mundo do trabalho” a partir dos anos 1980. Esses autores
buscam explicar essa mudança e fazem isso através da ideia
de “acumulação flexível” ou “acumulação integral” (HARVEY,

158
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

1998; VIANA, 2009). Nesse contexto, o “modelo fordista” per-


deria espaço para o “modelo toyotista” de trabalho (ANJOS,
2014).
O chamado “modelo Toyota” traz novidades em relação
ao processo de trabalho anterior. No modelo fordista, vigente
e dominante até os anos 1970, o foco era na produção e con-
sumo em massa, e isso gerava a necessidade de uso amplo
de trabalhadores como produtores coletivos realizando tarefas
iguais e repetitivas numa organizada divisão social do traba-
lho.
O sistema Toyota já traz mudanças e se beneficia da
informatização, cria a diminuição de estoques que eram co-
muns no modelo fordista e passa a buscar atender o mercado
e a demanda (ANJOS, 2014). Outras mudanças são a valori-
zação do trabalho em grupo, gestão por estímulos, flexibili-
dade do trabalho que passa a seguir a dinâmica da demanda
do mercado, a subcontratação, a gestão participativa (ANJOS,
2014).
Nesse contexto, “ocorre um enfraquecimento dos direi-
tos sociais” e na “fiscalização das condições de trabalho” (AL-
MEIDA, 2015, p. 14). Esse é um elemento importante para en-
tender as mudanças do trabalho e a inserção do trabalho por
aplicativo no seu interior.

159
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Para além dessa perca de direitos sociais e do


relaxamento na fiscalização das condições de
trabalho, houve uma mudança no que se refere
às condições de contratação e de geração de
novos empregos. Em decorrência disso, temos
um aumento da precarização, da intensificação e
da exploração do trabalhador em busca de mão
de obra mais barata que seja capaz de aumentar
a extração de mais-valor, o que,
consequentemente, trará mais lucro para os
capitalistas (ALMEIDA, 2015)

Nesse contexto, ocorre um intenso processo de preca-


rização do trabalho, especialmente nos setores mais frágeis
dos trabalhadores. O desenvolvimento tecnológico, a genera-
lização do uso de computadores e internet, por sua vez, per-
mitiu uma ampliação da informatização da sociedade.
Esse processo de informatização se desenvolveu ao
ponto de possibilitar o surgimento dos chamados “aplicativos”
ou “plataformas digitais” e, por conseguinte, o “trabalho por
aplicativos”. Esse tipo de trabalho ocorre “sob demanda por
meio de aplicativos, prestado dentro de determinadas platafor-
mas digitais” (ROSA, 2021, p. 11). Nesse contexto surgem as
chamadas “empresas-aplicativos” (LUNA; OLIVEIRA, 2021).
Entre essas empresas-aplicativos se destacam a Uber,
Ifood, Rappi, entre outras. Nessas empresas, “as entregas são
realizadas utilizando veículo próprio do trabalhador como,
carro, moto ou bicicleta convencional e, ainda, é preciso ter
um smartphone. É válido destacar que além desses, no Ifood,

160
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

pode ser utilizado bicicleta e patinete elétrico como meio de


transporte, e no Uber Eats, podem ser entregues pedidos a
pé” (LUNA, OLIVEIRA, 2021, p. 76). Esse processo vem
sendo chamado por alguns autores de “uberização” ou “plata-
formização”:

Assim, uberização ou plataformização do


trabalho se dá em um setor que está em pleno
desenvolvimento e que pode ser intitulado como
oriundo da economia do compartilhamento10
(sharing economy). Segundo Tom Slee (2017,
p.34), essa economia é um fenômeno advindo do
Vale do Silício e “promete ajudar prioritariamente
indivíduos vulneráveis a tomar controle de suas
vidas tornando-os microempresários”.
Diferentemente das promessas do capital com a
chamada economia do compartilhamento, o que
está em andamento é mais um movimento de
desregulação dos mercados, em que as
empresas-aplicativo utilizam as plataformas para
se descomprometer com os custos das
regulações da força de trabalho. Esse cenário no
qual acomete os trabalhadores, só se torna
possível porque o Estado – com a contrarreforma
trabalhista – preparou uma antessala com a
figura do trabalhador intermitente e, também,
promove cotidianamente o discurso da ideologia
empreendedora, que nada mais é do que uma
forma oculta de trabalho assalariado,
apresentada como trabalho autônomo (LUNA,
OLIVEIRA, 2021, p. 77).

O que as autoras demonstram é o vínculo entre a pla-


taformização e o empreendedorismo, enquanto discurso que
supostamente desenvolve o empreendimento individual, apro-
ximando essa forma de trabalho com a ação empresarial,

161
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

sendo que, no fundo, apenas oculta uma outra forma de tra-


balho assalariado, dando-lhe uma autonomia que, na verdade,
não existe.
Com a plataformização, as plataformas ou empresas-
aplicativo realizam um processo de organização da oferta e
demandas de serviços, que cumpre a função de possibilitar o
consumo através do trabalho de plataforma.
A conclusão que se tira desse processo é que a plata-
formização é uma forma de precarização. A precarização, por
sua vez, se vincula ao novo regime de acumulação, intima-
mente relacionado ao “neoliberalismo” e o que se convencio-
nou chamar de “globalização”.

A proeminência dos países centrais no debate


acerca da precarização do trabalho decorre, em
grande medida, das políticas neoliberais
adotadas, especialmente, pela Inglaterra, sob
Margareth Thatcher, e pelos Estados Unidos, sob
Ronald Reagan, em parte, por conta das crises
do petróleo e financeira, com seu impacto
negativo sobre o emprego e as finanças públicas,
vividas na década precedente a seus governos,
bem como pelo advento do fenômeno da
globalização, especialmente, pelo acirramento
da competição internacional, pelas
transformações tecnológicas das empresas, pela
busca de equilíbrio das contas públicas, levando
ao emprego do receituário neoliberal: corte de
gastos públicos, privatizações e
desregulamentação dos mercados, inclusive, do
trabalho. A esse processo, soma-se o
enfraquecimento das organizações protetivas do
trabalho (sindicatos, associação de

162
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

trabalhadores, entre outras) e a necessidade de


diversos membros da família começarem a
participar da composição da renda familiar
(MORAES, 2021)

A precarização significa que as relações de trabalho se


tornam precárias para os trabalhadores. As condições de tra-
balho, os direitos trabalhistas, a jornada de trabalho, a remu-
neração se torna degradantes (VIANA, 2009). Esse processo
se inicia com as mudanças legais que permitiram a subcontra-
tação e a terceirização (VIANA, 2009) e hoje se torna mais
cristalino com a plataformização. Os trabalhadores subordina-
dos às empresas-aplicativo possuem condições de trabalho
desfavoráveis, jornadas de trabalho extensas, ausência de di-
reitos trabalhistas e remuneração baixa.
Assim, é importante compreender as empresas-aplica-
tivo. Tendo em vista que o Brasil, segundo a Agência Brasil, é
o 5º colocado mundial em uso de celulares (MALDONADO,
2021), bem como alto uso de computadores e outros apare-
lhos tecnológicos que permitem a interação e o comércio ele-
trônico, é compreensível a expansão das empresas-aplicativo
nesse contexto. Através do uso dessas empresas, é possível
realizar uma compra e receber em casa, com um custo relati-
vamente baixo.
Com a ascensão das startups, proporcionado pelo
avanço das TIC ‘s, plataformas como Uber, Uber Eats, iFood,

163
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

99Pop, Rappi, James Delivery, Loggi entre outras, são cons-


tantes no cotidiano dos brasileiros. O acesso a estes aplicati-
vos é disponibilizado em lojas virtuais, onde o usuário faz o
download dentro do smartphone, como Google Play (sistema
Android) e Apple Store (sistema iOS). Segundo dados do App
Annie, disponibilizados pela reportagem “Tudo num clique: a
vida na era dos apps” do G1, no Brasil, o Uber foi o 5º aplica-
tivo mais baixado em 2018 e o 99Pop o 10º (p. 29).
A Uber foi criada em 2010 e iniciou suas atividades no
Brasil em 2014, sendo que no ano seguinte, nos Estados Uni-
dos, passou a oferecer um outro tipo de serviço além do trans-
porte de passageiros, que foi Uber Eats. Estima-se que ela
atua em 69 países e possui cerca de 5 milhões de entregado-
res/motoristas em todo o mundo. Porém, ela não contrata e
não contratou nenhum motorista, bem como não é proprietária
de nenhum carro.
Ela, na verdade, se apresenta como uma plataforma
tecnológica que permite motoristas e clientes se relacionem,
oferecendo para os primeiros aqueles que pagarão pelo trans-
porte e oferecendo para os segundos um serviço de viagens
semelhante ao antigo serviço de táxi. Outra empresa-aplica-
tivo famosa é o Ifood. Porém, esta é uma empresa brasileira:

Foi fundada no formato de site em 2011 pelos


brasileiros Felipe Fioravante e Patrick Sigrist; no

164
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ano seguinte, juntamente com Eduardo Baer e


Guilherme Bonifácio, o iFood foi transformado
em um aplicativo de smartphone para delivery de
comida. No Brasil, está presente em mais de 500
cidades, ademais, se expandiu para outros
países como México, Argentina e Colômbia
(MALDONADO, 2021, p. 29-30).

Além dessas empresas-aplicativo pode-se citar a 99


(que é brasileira e concorrente, no Brasil, da Uber); a Rappi
(colombiana e concorrente da brasileira Ifood); a James Deli-
very, que, apesar do nome, também é brasileira, atuando no
ramo de entregas, entre diversas outras. É com o surgimento
dessas empresas que ocorre a plataformização e precariza-
ção do trabalho dos entregadores de aplicativos.
O tipo de relação que existe entre empresas-aplicativos
e trabalhadores de plataforma é diferente da que ocorre entre
os trabalhadores assalariados tradicionais. No trabalho assa-
lariado tradicional, o trabalhador assina um contrato de traba-
lho, regido pela legislação vigente, no qual ele assume a res-
ponsabilidade de executar uma determinada jornada de traba-
lho em troca da empresa lhe assegurar o salário, que não pode
ser, de acordo com a lei, menor do que o salário-mínimo insti-
tuído nacionalmente.
Portanto, um contrato de trabalho, que segue (ou deve
seguir, pois existem infrações da lei, que são objeto de fiscali-
zação, julgamento e penalização caso não siga a legislação)

165
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

o direito do trabalho e que garante direitos e deveres de ambos


os lados. Nesse contexto, o que ocorre é que o trabalhador
tem algumas garantias além do salário, como férias, 13º salá-
rio, adicional noturno, entre outras.
No caso dos trabalhadores de empresas-aplicativo, a
situação é bem diferente. Não há exatamente um contrato de
trabalho. O que há é prestação de serviços, que não gera vín-
culo empregatício. Nesse contexto, não se aplica a mesma le-
gislação e, portanto, o trabalhador de aplicativo não possui os
mesmos direitos do trabalhador assalariado tradicional. Ele
não tem férias, 13º salário, entre outras vantagens. A sua re-
muneração é através do seu trabalho efetivo. Assim, um mo-
torista de Uber não tem nenhum contrato de trabalho com essa
empresa, não pode pedir férias nem 13º salário. Ele recebe
pelas viagens que efetivamente realiza, ou seja, quanto mais
viagens (e mais longas), maior será o seu retorno financeiro,
e, por outro lado, quanto menor, menos ganhará.
Os entregadores de Ifood seguem a mesma lógica.
Quanto mais tempo eles trabalharem, o que significa quanto
mais entregas realizar, mais ganhará. Quanto menos tempo
realizar entregas, menos receberá.
Isso significa que há uma precarização das condições
de trabalho. Pois para garantir uma renda mínima, é preciso
trabalhar demasiadamente e isso compromete a qualidade de

166
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

vida, pois o horário de almoço, fins de semana, descanso, vida


social, acabam sendo reduzidas para se garantir a sobrevivên-
cia e, para aqueles que conseguem isso mais querem efetivar
um consumo mais elevado, isso é ainda mais grave, pois de-
manda ainda mais tempo dedicado ao trabalho em detrimento
dos outros elementos da vida, como descanso, sono, relações
familiares, lazer, etc.
Isso tudo quer dizer que o trabalho foi se transformando
em nossa sociedade e mais recentemente gerou o fenômeno
da precarização. Essa, por sua vez, assume uma forma espe-
cífica na contemporaneidade, indo além da subcontratação e
da terceirização, atingindo uma nova camada de trabalhado-
res, os trabalhadores de aplicativo.
Esses elementos possuem impacto sobre a questão da
jornada de trabalho e tem relação direta com a questão do di-
reito trabalhista, elemento que serão discutidos no próximo
item.

5.2 JORNADA DE TRABALHO DEGRADANTE E DIREITO


TRABALHISTA

A jornada de trabalho é um elemento inseparável das


origens e da história do trabalho assalariado. Uma escrava,

167
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

seja na Grécia ou na Roma antigas, ou mesmo no Brasil colô-


nia, não tinha “jornada de trabalho”. Na condição de escravo,
o seu tempo não lhe pertencia e sim ao seu “dono”.
Ele estava submetido a qualquer horário e momento.
Sem dúvida, para sobreviver e conseguir trabalhar, lhe era
concedido momentos de descanso e sono, bem como tempo
necessário para satisfazer suas necessidades. O servo, na so-
ciedade feudal, também não tinha “jornada de trabalho”.
Ele produzia na labuta cotidiana em suas terras durante
parte da semana, sem tempo delimitado (seja por ele próprio
ou por outros, embora existisse um tempo médio que era de-
terminado pelo costume e pelas necessidades, sendo que es-
tas últimas podiam fazer ultrapassar o tempo médio quando
as condições climáticas e outras dificultavam a produção), e
uma parte da semana nas terras de usufruto do seu senhor.
Esse tempo de trabalho nas terras de usufruto do se-
nhor feudal (pois as próprias terras que o servo trabalhava
para seu próprio usufruto pertenciam ao dono do feudo) não
era exatamente uma “jornada de trabalho”, pois não tinha um
tempo diário delimitado e sim através dos costumes e neces-
sidades. Isso quer dizer que a jornada de trabalho surgiu com
a sociedade moderna.

A sociedade moderna erigiu o trabalho, na forma


do assalariamento, como sua atividade central.

168
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Em consequência, a jornada de trabalho ganhou


espaço incomum tanto no terreno de estudo e
pesquisa, em que floresceram as áreas da
economia, da sociologia, da psicologia, da
epidemiologia, do direito e da administração,
quanto nas relações sociais em que se
enfrentam classes sociais, governos e
movimentos sociais com vistas a controlar as
formas da regulação social. A jornada de trabalho
se expressa primeiramente pelo componente de
duração, que compreende a quantidade de
tempo que o trabalho consome das vidas das
pessoas. A questão tem diversas implicações,
três das quais são aqui destacadas: afeta a
qualidade de vida, pois interfere na possibilidade
de usufruir ou não de mais tempo livre; define a
quantidade de tempo durante o qual as pessoas
se dedicam a atividades econômicas; estabelece
relações diretas entre as condições de saúde, o
tipo e o tempo de trabalho executado. Essas
razões, muito além da curiosidade histórica, são
suficientes para explicar porque os estudos de
tempo de trabalho que se dedicam à análise da
duração se tornaram socialmente tão relevantes
(DAL ROSSO, 2006, p. 31).

A jornada de trabalho, no entanto, aparece, inicial-


mente, como o tempo de trabalho dos trabalhadores industri-
ais no contexto da chamada “Revolução Industrial”. As chama-
das “longas jornadas de trabalho” que, segundo alguns, che-
gavam a 12, 14 e alguns falam até 16 horas diárias, foi uma
realidade durante um bom tempo para os trabalhadores fabris,
incluindo crianças e mulheres. Essa condição degradante de
trabalho durou um bom tempo, mas convivia com a resistência
e luta dos trabalhadores.

169
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Em 1802, na Inglaterra, surge a primeira lei a respeito


da jornada de trabalho, que ficou conhecida como Factory Act.
Essa lei proibia o trabalho de aprendizes para além de doze
horas por dia, bem como o trabalho noturno. Robert Owen,
empresário e considerado um “socialista utópico”, propõe, em
1818, uma limitação para a jornada infantil. Um ano depois
essa proposta foi aprovada por uma nova lei, a Cotton Mills
Act. Essa lei fixa 12 horas para pessoas de 09 a 19 anos, bem
como proibia o trabalho para menores de nove anos (MESCO-
LOTI; BATISTUZO, 2020).
Os trabalhadores foram ampliando suas reinvindica-
ções, sua organização e suas lutas. A luta dos trabalhadores,
que já eram fortes e impactaram nas mudanças anteriores, se
ampliam e novas reivindicações sobre várias demandas apa-
recem, bem como, após uma conquista, se busca uma ampli-
ação delas. Após essas primeiras conquistas, surge a luta pela
regularização da jornada de trabalho e sua fixação em oito ho-
ras diárias. A palavra de ordem utilizada foi eight hours labour,
eight hours rest, eight hours recreation (Oito horas de trabalho,
oito horas de descanso, oito horas de recreação).
Essas e outras lutas foram efetivadas visando a redu-
ção da jornada de trabalho diária. Em 1933, a lei Labour of
Children in Factories Act; regularizando o trabalho infantil, em
1841, na França, há a fixação da jornada de trabalho em oito

170
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

horas para crianças. Em 1847, na Inglaterra, surge um movi-


mento por uma jornada de dez horas. O movimento conseguiu
o atendimento de sua reivindicação nesse mesmo ano.
A França, um ano após isto, aprova a mesma limitação.
No caso dos Estados Unidos, isso ocorre em 1867. Leis se-
melhante que regularizam a jornada de trabalho em 11,10 e
em certos casos até 08 horas vão sendo aprovadas em vários
países após isso.
Uma narrativa sobre a luta histórica dos trabalhadores
pela redução da jornada de trabalho é expressa por Karl Marx:

O estabelecimento de uma jornada normal de


trabalho é o resultado de uma luta multissecular
entre capitalista e trabalhador. Entretanto, a
história dessa luta mostra duas tendências
opostas. Compare-se, por exemplo, a legislação
fabril inglesa de nosso tempo com os estatutos
ingleses do trabalho do século XIV até bem na
metade do século XVIII. Enquanto a moderna lei
fabril reduz compulsoriamente a jornada de
trabalho, aqueles estatutos procuravam
compulsoriamente prolongá-la. Sem dúvida, as
pretensões do capital, em seu estado
embrionário, quando ele ainda virá a ser,
portanto, em que ainda não assegura mediante a
simples força das condições econômicas, mas
também mediantes a ajuda do poder do Estado,
seu direito de absorver um quantum suficiente de
mais-trabalho parecem até modestas, se as
comparam com as concessões que ele tem de
fazer rosnando e resistindo, em sua idade adulta.
Custou séculos para que o trabalhador ‘livre’,
como resultado do modo de produção capitalista
desenvolvido, consentisse voluntariamente, isto
é, socialmente coagido, em vender todo o seu

171
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

tempo ativo de sua vida, até sua própria


capacidade de trabalho, pelo preço de seus
meios de subsistência habituais, e seu direito à
primogenitura por um prato de lentilhas. É
natural, portanto, que a prolongação da jornada
de trabalho, que o capital procura impor aos
trabalhadores adultos por meio da força do
Estado, da metade do século XIV ao fim do
século XVIII, coincida aproximadamente com a
limitação do tempo de trabalho que, na segunda
metade do século XIX, é imposta pelo Estado,
aqui e acolá, à transformação de sangue infantil
em capital” (MARX, apud. TORO, 1988, p. 206).

No caso brasileiro, a regularização da jornada de traba-


lho foi diferente e tardia. Somente em 1934 ocorre a limitação
da jornada de trabalho a 08 horas, através da Constituição Fe-
deral. Na Constituição de 1937 manteve-se as 08 horas, em-
bora com uma certa flexibilização que permitia, em casos es-
pecíficos, ser mais ou menos do que isso.
A criação da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho),
em 1943, durante o Governo Getúlio Vargas há um avanço no
sentido de tratar da regularização da jornada de trabalho e
questões correlatas. Nas constituições seguintes (1946 e
1947) não houve alterações significativas. “A mudança mais
expressiva ocorreu na Constituição Federal de 1988 em seu
artigo 7° XIII. Momento em que surgiu a duração semanal do
trabalho limitado a quarenta e quatro horas semanais, e a fa-
culdade de redução mediante acordo coletivo ou convenção
coletiva de trabalho” (MESCOLOTI; BATISTUZO, 2020, p. 11).

172
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Esse breve histórico ajuda a entender o processo de


mudanças no que se refere à jornada de trabalho. Resta apro-
fundar o significado de “jornada de trabalho”. Pelo que foi tra-
balhado até aqui é possível ter uma noção do seu significado.
A palavra “jornada” tem vários significados.
Ela pode significar “caminho que se anda num dia” (em
idioma francês, jour significa dia e journeé significa jornada);
viagem (esse é o sentido, por exemplo, quando se pensa na
série de TV Jornada nas Estrelas); expedição, empresa militar
(sendo, assim, equivalente a uma campanha militar); batalha
(assumindo um significado semelhante ao anterior, mas ga-
nhando conotação civil, tal como luta e assim as manifesta-
ções populares de 2013 no Brasil foram chamadas por alguns
como “jornadas de junho”); e, por último, encontro, colóquio,
congresso (e nesse significado é possível ver eventos científi-
cos e acadêmicos, como as Jornada de Direitos Humanos, re-
alizada em 2022 pelo Instituto Europeu de Pós-Graduação e
Pesquisa).
O termo surge na Inglaterra, na qual se usava working
day, dia de trabalho. Assim, Jornada de trabalho, original-
mente, se referia ao dia de trabalho, ou tempo de trabalho di-
ário. Posteriormente, passou-se a pensar em jornadas de tra-
balho semanais, e, derivado disso, em outros períodos.

173
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

No mais a jornada de trabalho se define como: a


quantidade de labor realizado pelo empregado
diariamente, esse conceito precisa ser analisado
por três prismas: o tempo efetivamente
trabalhado, o tempo à disposição do empregador
e o tempo in itinere. A primeira que diz sobre o
tempo efetivamente trabalhado não considera as
paralisações realizadas durante o horário de
trabalho para computar como jornada, ou seja, o
fato do empregado estar na empresa em horário
de serviço, mas não estar produzindo é motivo
para que não compute as horas na sua jornada
de trabalho. Por esta idéia a jornada só se
aplicaria ao tempo em que o empregado
efetivamente estivesse prestando serviço, essa
idéia não prevalece na nossa legislação. A
segunda idéia determina que jornada de trabalho
seja o tempo em que o funcionário está à
disposição do empregador, então por essa idéia
a jornada começa no momento em que os
funcionários chegam à empresa até o momento
que eles se retiram dela. O artigo 4° da CLT
estabelece como regra geral que o tempo a
disposição do empregador é o período em que o
funcionário está aguardando ou executando
ordens. Já a terceira idéia o tempo in itinere, é o
tempo em que o empregado sai de sua
residência até quando ele regressa a sua casa, é
considerado como jornada de trabalho. Neste
posicionamento o computo é restrito tendo que
preencher os requisitos do artigo 58 da CLT O
direito do trabalho então usa a segunda e terceira
idéia para computar sua jornada de trabalho, é
um sistema híbrido das duas teorias.
(MESCOLOTI; BATISTUZO, 2020 p. 1-2).

Essa evolução histórica aponta para um processo que


é de redução da jornada de trabalho. Porém, isso nunca foi
homogêneo. Além de avanços na redução da jornada de tra-

174
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

balho ocorrer em épocas diferentes em países diferentes, tam-


bém retrocessos ocorrem, bem como ele é variável depen-
dendo de qual forma de trabalho se trata.
Assim, se observa que a regularização da jornada de
trabalho nos países denominados “periféricos” ou “em desen-
volvimento” é bem posterior ao que ocorre na Europa. Em cer-
tos contextos, como de guerra, a jornada pode aumentar.
Existe também diferenças entre as profissões e categorias
profissionais.
Por outro lado, existem mecanismos para se aumentar
voluntariamente, e eles são previstos em lei em grande parte
dos casos, a jornada de trabalho. É o caso das “horas-extras”
ou das profissões nas quais o indivíduo recebe por produção
e por isso, para receber mais, acaba ampliando sua própria
jornada de trabalho.
Porém, em que pese isso, há uma tendência histórica
mais geral sobre a jornada de trabalho. Essa tendência histó-
rica mais geral apontava para uma crescente diminuição da
jornada de trabalho. Porém, uma reversão nesse processo
vem ocorrendo.

O início da reversão teria acontecido nos


Estados Unidos, Inglaterra e Suécia ainda na
década de 1980 [...]. A mudança projeta-se para
a década de 1990, exceto na Inglaterra,
envolvendo também a Espanha. Noutros países,
como o Canadá, Austrália, Finlândia, Nova

175
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Zelândia, os indícios da reversão do processo de


redução da jornada média anual de trabalho são
muito tênues [...]. Evidência consistente, durante
duas décadas, de reversão da redução da
jornada média de trabalho provém basicamente
dos Estados Unidos, onde o aumento das horas
extras é apontado como o fator básico
responsável pela mudança da tendência. Na
década 1980, os Estados Unidos, sob a
presidência de Ronald Reagan, e a Inglaterra,
sob o governo da primeira-ministra Margareth
Thatcher, promoveram a ortodoxia neoliberal e
implementaram as políticas de reestruturação
econômica, com a redução do espaço do Estado
na economia, privatização de empresas e
serviços governamentais, junto com um arsenal
de outras medidas liberalizantes. Ambos os
governos enfrentaram o forte movimento sindical
que resistia às mudanças e tentava preservar
postos de trabalho ou ainda o estado de bem
estar social construído anteriormente. Tornou-se
emblemática na história do movimento sindical a
resistência dos mineiros ao governo de Thatcher
e dos controladores do tráfego aéreo ao governo
de Reagan (DAL ROSSO, 2006)

Contudo, este mesmo autor destaca que em alguns pa-


íses ocorre uma tendência contrária, tal como na França, Ja-
pão e Coréia. Desta forma, em alguns países, os europeus e
asiáticos de capitalismo avançado, caminham no sentido de
reduzir a jornada de trabalho, por outro, nos Estados Unidos e
outros países, há a tendência para o alongamento da jornada
de trabalho. Muitos colocam que a tendência que será vitori-
osa é a norte-americana, devido a importância desse país a
nível mundial (DAL ROSSO, 2006).

176
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

O direto do trabalho acompanha essa história, pois ele


surge com a sociedade moderna e a partir da revolução indus-
trial (SIMÕES, 1979; VITORINO, 2022; BARBOSA, NETO,
SILVA, 2020; VIANA, 2006). É nesse processo de luta dos tra-
balhadores, conquistas de leis, regularização jurídica, que o
processo de nascimento do direito do trabalho acontece. A le-
gislação trabalhista é condição para a existência do direito do
trabalho e são, ao mesmo tempo, coisas distintas (VIANA,
2006). A legislação trabalhista é o conjunto de leis que existem
para regularizar as relações de trabalho na sociedade mo-
derna.

O direito do trabalho passa a ser o espaço


reservado para aqueles que irão se especializar
(pois com a crescente complexificação e
abrangência do direito se torna difícil para um
indivíduo dominar todas as divisões do direito,
com sua legislação específica, suas relações
sociais abrangidas, suas ideologias etc.) na
interpretação, julgamento e organização
(inclusive institucional) do direito do trabalho.
Desta forma surge uma esfera especializada na
área do direito, o direito do trabalho, que surge
graças ao conflito capital-trabalho e das leis
derivadas de tal conflito (VIANA, 2006, p. 69).

Nesse sentido, a evolução do direito do trabalho acom-


panha a evolução da legislação trabalhista e ambas se com-
plexificam. A legislação trabalhista se complexifica porque a

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

realidade das relações de trabalho se torna mais ampla e com-


plexa. O direito do trabalho se complexifica porque a legisla-
ção trabalhista se amplia e complexifica e por criar sua própria
tradição e história enquanto área do direito.
Um dos elementos que são trabalhados pela legislação
trabalhista – e que não está separada das demais – é a ques-
tão da jornada de trabalho. Anteriormente se observou a evo-
lução das leis sobre a jornada de trabalho. Junto com essas
leis, outras iam nascendo e se desenvolvendo, formando a le-
gislação trabalhista como um todo. Para o direito do trabalho,
a questão da jornada de trabalho também aparece como ob-
jeto de estudo e análise, bem como de ação e intervenção
quando solicitada.
A questão da jornada de trabalho se complexifica. Isso
ocorre pelo fato de que novas mudanças sociais e históricas
acontecem e junto com elas, alterações nas relações de tra-
balho e sua regularização jurídica. Certos setores nas relações
de trabalho possuem especificidades e por isso podem ser
abordados sob formas diferentes.
Aqui aparece a questão da jornada de trabalho dos en-
tregadores de aplicativos. Nesse caso específico, a legislação
formal adequada aos trabalhadores assalariados regular-
mente contratados não funciona da mesma forma. Por outro,
como foi visto anteriormente, há um processo de precarização

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

com a plataformização. Esse processo de precarização atinge


não apenas a remuneração, mas também a jornada de traba-
lho. Uma pesquisa com trabalhadores de aplicativos em Santa
Catarina captou os seguintes dados:

Com respeito à quantidade de dias trabalhados


na semana: 40,7% (quarenta vírgula sete por
cento), diariamente; 44% (quarenta e quatro por
cento) responderam de 5 (cinco) a 6 (seis) dias
por semana; 12,1% (doze vírgula um por cento)
três a quatro dias e 3,3% (três vírgula três por
cento) dois dias ou menos por semana. Sobre a
quantidade de horas trabalhadas em média por
dia 11% (onze por cento) até 4 horas; 22% (vinte
e dois por cento) respondeu até oito horas;
47,2% (quarenta e sete vírgula três por cento)
respondeu que trabalha até doze horas e 19,8%
(dezenove vírgula oito por cento) de doze a
dezesseis horas (VITORINO, 2022, p. 41).

Esses dados mostram o problema da jornada de traba-


lho no caso dos trabalhadores por aplicativo. Quase a metade
deles trabalham até doze horas diárias. E o mais provável é
que estes também estão entre aqueles que trabalham mais
dias da semana, já que assim conseguem um rendimento
maior, ou seja, é provável que a maioria que trabalha até doze
horas esteja entre os 44% que trabalham 5 a 6 dias da se-
mana.

179
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Se multiplicarmos isso, o resultado será, para os que


trabalham 5 dias, 60 horas semanais. Um trabalhador assala-
riado formal tem uma jornada semana de 40 ou 44 horas se-
manais. Além disso, seria necessário recordar a remuneração
inferior e os riscos da profissão (o trânsito, especialmente nas
grandes metrópoles).
Esse processo precisa ser compreendido à luz do di-
reito do trabalho. O direito do trabalho acompanha as muta-
ções nas relações de trabalho e na legislação trabalhista. E
um dos elementos importantes nesse processo é a expansão
da informalidade, que permite uma maior precarização do tra-
balho.
A tendência mundial, desde a mudanças sociais e a
emergência do chamado “neoliberalismo”, é a de corrosão dos
direitos trabalhistas, afetando, assim, sobremaneira, a legisla-
ção trabalhista e, por conseguinte, limitando o direito do traba-
lho.
As políticas neoliberais não apenas corroem o direito
trabalhista, mas também, ao propor o estado mínimo e a redu-
ção dos gastos estatais, especialmente com políticas sociais,
tornam a vida da população mais carente ainda mais precária.
A chamada “reestruturação produtiva”, que lhe acom-
panha e junto com a mudanças nas relações internacionais

180
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

formam a base da acumulação integral, promovem índices


crescentes de pobreza e empobrecimento.
Esse processo não é unilinear e nem se manifesta da
mesma forma em todos os países e no mesmo momento, mas
é uma forte tendência geral que se verificou no mundo inteiro,
tendo altos e baixos (nos anos 1980, no início desse processo
foi mais intenso nos países chamados “desenvolvidos”.
Mas nas duas décadas seguintes houve uma ameniza-
ção, que se perdeu a partir da crise de 2008, com graves con-
sequências para os países intermediários, como Grécia, Por-
tugal e Espanha; enquanto que nos demais países houve um
processo semelhante, mas em períodos posteriores, já que
esse processo se iniciou no caso dos países “em vias de de-
senvolvimento”, a partir de 1990).
Isso explica a precarização do trabalho, pois, de um
lado, aumenta a pobreza e o desemprego, o que força os indi-
víduos a aceitarem condições desfavoráveis de trabalho, e,
por outro, permite a alteração nas relações de trabalho e le-
gislação trabalhista que precariza as condições de trabalho, a
remuneração e a jornada de trabalho.
Nesse contexto, a corrosão dos direitos trabalhistas e a
chamada “flexibilização da legislação trabalhistas” afetam di-
retamente os setores mais frágeis das classes trabalhadoras.
E esse processo se amplificou com o passar do tempo. Um

181
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

exemplo dessa ampliação é a reforma trabalhista de 2017.


Essa reforma tinha como uma de suas justificativas a redução
do desemprego.
Porém, “após a sua aprovação, não ocasionou ne-
nhuma mudança drástica no número do desemprego do brasil
que segundo dados do IBGE, oscilou entre 11 bilhões e 13
bilhões de desocupados entre 2017 e o segundo semestre de
2020” (BARBOSA, NETO, SILVA, 2020, p. 23).
Assim, as mudanças na legislação trabalhista, a infor-
malidade, entre outros processos, que refletem as novas con-
dições de vida e trabalho no mundo contemporâneo a partir de
1980, ao lado de outros fenômenos, como os culturais (en-
trando, nesse contexto, a ideia de “empreendedorismo” e se-
melhantes, passando a ideia de que os indivíduos já são autô-
nomos e decidem o seu destino).
Diante das crises econômicas e sociais a flexibilização
das leis trabalhistas fora vista como uma forma de aumentar o
número de emprego e a diminuição dos encargos nas empre-
sas, com isso para amenizar as crises econômicas que atin-
gem tanto o estado quanto as instituições privadas aliadas a
uma necessidade de acolher as práticas trabalhistas das mul-
tinacionais visando a expansão da economia e maximizar os
lucros, a flexibilização torna ainda mais comum, como forma

182
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

de acelerar a produção e entrar na concorrência da internali-


zação da economia.
A flexibilização da Jornada de Trabalho surgiu com o
propósito de reduzir custos com a mão-de-obra, sendo visto
como uma grande alternativa para enfrentar crises econômi-
cas, com a redução de gastos sem que seja necessário um
número grande de demissões e geram esse processo de pre-
carização do trabalho para grande parte da população.
As crises econômicas e sociais, por sua vez, reforçam
sobremaneira esse processo, pois ampliam o desemprego e o
número de trabalhadores dispostos a trabalhar muito, em con-
dições desfavoráveis, e não que seja um ponto negativo pois,
o trabalho deve ser reconhecido como uma forma honesta e
democrática de sobrevivência.
Mas sim, o fato de ganhar pouco diante da mitigação de
alguns direitos laborais e seus efeitos nefastos, diante a miti-
gação de alguns direitos laborais e seus efeitos nefastos pode-
se perceber o uso desenfreado da exploração do trabalho hu-
mano visando uma conquista exorbitante do capital camuflado
de “flexibilização”.
Deve-se visar por um processo de mudança de normas
ou costumes a constatação e reconhecimento da plena desi-
gualdade em relação ao empregado e empregador e quando

183
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

falamos nessa desigualdade não deve ser referente a hierar-


quia, mas sim a nas políticas salariais e reconhecimento da
exposição dos trabalhadores e condições vulneráveis de tra-
balho.
Nessa fase que o mundo está vivendo a transição re-
sultante da nova evolução tecnológica consigo trouxe a nova
revolução tecnológica e a plataformização encaminhando para
essa flexibilização do mercado de trabalho dos entregadores
de aplicativos devendo ser aplicada pelos entes coletivos de
forma cuidadosa e vigente a lei com o incentivo a autonomia
coletiva privada, sempre observando os padrões primordiais e
mínimos de proteção ao trabalhador.
Tentando elevar a adequação desse sistema de flexibi-
lização aos princípios protetores compatibilizados com a ne-
cessidade, respeitando os direitos trabalhistas de forma cau-
telosa por meio das negociações coletivas de trabalho que en-
seja que o trabalhador tenha garantia de que o Estado e as
empresas cumpram com a condição imposta, condição está
que visa ao trabalhador o direito de reivindicar os seus direitos
previstos nas normas.
Contudo, visando sempre que o bem-estar é um alto
poder assegurado das populações, principalmente nesse sen-
tido dos trabalhadores submetidos as situações degradantes
de trabalho no século XXI, e cabe ao estado no âmbito jurídico

184
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

e social visar por um processo de mudança sem a devastação


do direito e normas, enxergando que acima de tudo deve-se
existir sempre o respeito aos princípios da justiça social e a
valorização do Trabalho humano.
Os trabalhadores não podem continuar sendo vítimas
da exploração desenfreada por parte dos possessores de
grandes capitais que alimentam uma falsa ideia e tentam dri-
blar as normas jurídicas para que a autonomia seja confundida
com a desregulamentação e ausência da intervenção do Es-
tado para fazer ser efetivo o sistema protecionista do trabalha-
dor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho visou fazer uma análise sobre os


trabalhadores de aplicativos e sua jornada de trabalho degra-
dante. Para tanto, realizou-se uma análise das mudanças so-
ciais ocorridas na sociedade moderna a partir dos anos 1980,
ao lado de uma reflexão sobre a jornada de trabalho e o direito
do trabalho no contexto atual. Duas questões foram postas no
início: como explicar a precarização e expansão da jornada de
trabalho para os trabalhadores de aplicativos em pleno século
21? E por que o direito do trabalho e a legislação trabalhista
não coíbem esse retrocesso?

185
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Esse retrocesso, como foi verificado, se deve a um con-


junto de mudanças sociais e suas consequências nas relações
de trabalho e jornada de trabalho. A outra questão remete para
o papel da legislação trabalhista e direito do trabalho e sua
relação com tais mutações.
A legislação trabalhista, como foi visto, é produto de lu-
tas e resultado dos confrontos entre forças e interesses. As
reivindicações dos trabalhadores são consolidadas na legisla-
ção, outros setores da sociedade podem ter interesses dife-
rentes ou até contrários. É no embate entre essas forças que
se promove, ou não, mudanças na legislação trabalhista.
Assim, o direito do trabalho pode intervir juridicamente
em contextos favoráveis. Porém, mudanças na legislação tra-
balhista seriam fundamentais para uma maior força e efetivi-
dade nesse processo. Disso se conclui que o direito do traba-
lho não pode abolir esse processo, mas pode limitar e minimi-
zar seus efeitos. Ele depende da legislação trabalhista.
Ao que tudo indica, essa situação de precarização
tende a gerar uma resistência e uma luta em favor dos direitos
dos trabalhadores precarizados. Um sinal nesse sentido pode
ser visto no caso da paralisação nacional dos entregadores
por aplicativos que ocorreu em 2020 (OLIVEIRA, 2022), du-
rante a pandemia, mostrando um potencial de mobilização que

186
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

pode servir de pressão para alteração na legislação trabalhista


num sentido positivo para os trabalhadores de aplicativos.
Em síntese, as respostas explicitam que a realidade é
complexa e depende de todos os agentes envolvidos e suas
ações. O direito do trabalho pode contribuir, mas a decisão
mais profunda e final está nas mãos da população, da socie-
dade civil, dos agentes e envolvidos nesse processo.

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gadores: o caso Ifood. Tese (doutorado). Florianópolis: Uni-
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188
Este livro reúne cinco artigos, na
área de Ciências Jurídicas,
redigidos por concludentes do
Curso de Direito da UNINORTE –
Ac, sob a supervisão do Profa. Esp.
Williane Tibúrcio Facundes
EAC
Editor .

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