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POLÍTICAS PÚBLICAS DE PREVENÇÃO

À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER


Coleção Direito, Transdisciplinaridade & Pesquisas Sociojurídicas POLÍTICAS PÚBLICAS DE PREVENÇÃO
Coordenador: Bruno Amaral Machado À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Adilson Abreu Dallari (PUC-SP)


Fabio Roberto D’Ávila (PUC-RS)
Gabriel Ignacio Anitua (Universidade de Buenos Aires)
Iñaki Rivera Beiras (Universidade de Barcelona)
Ingo Wolfgang Sarlet (PUC-RS)
Jefferson Carús Guedes (Uniceub)
Julio Zino Torrazza (Universidade de Barcelona)
Luis Manuel Fonseca Pires (PUC-SP)
Márcio Pugliesi (PUC-SP)
Máximo Sozzo (Universidade Del Litoral)
Miguel Etinger de Araújo Júnior (UEL)
Paulo Gustavo Branco Gonet (IDP/FESMPDFT)
Roberto Bergalli (Universidade de Barcelona)
POLÍTICAS PÚBLICAS DE PREVENÇÃO
À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

WÂNIA PASINATO
BRUNO AMARAL MACHADO
THIAGO PIEROBOM DE ÁVILA
Coordenadores

Autores

Adriano Beiras Ana Paula Portella Bruno Amaral Machado


Caio Henrique de Mendonça Chaves Incrocci Ingrid Viana Leão
Ivonete Pinheiro Jacqueline Pitanguy José Raimundo Carvalho
Leila Linhares Barsted Luanna Tomaz de Souza Marcos Nascimento
Marlene Inês Spaniol Marlene Neves Strey Milene Maria Xavier Veloso
Patrícia Krieger Grossi Paula Martins Renata Teixeira Jardim Suelaine Carneiro
Suely Ferreira Deslandes Thiago Pierobom de Ávila Tiago Ferreira de Assis
Valeska Zanello Victor Hugo de Oliveira Wânia Pasinato

BRASÍLIA-DF MADRI | BARCELONA | BUENOS AIRES | SÃO PAULO


Coleção Direito, Transdisciplinaridade & Pesquisas Sociojurídicas – vol. 6

Coordenadores
Wânia Pasinato / Bruno Amaral Machado / Thiago Pierobom de Ávila

Adriano Beiras / Ana Paula Portella / Bruno Amaral Machado / Caio Henrique de Mendonça
Chaves Incrocci / Ingrid Viana Leão / Ivonete Pinheiro / Jacqueline Pitanguy / José Raimundo
Carvalho / Leila Linhares Barsted / Luanna Tomaz de Souza / Marcos Nascimento / Marlene Inês
Spaniol / Marlene Neves Strey / Milene Maria Xavier Veloso / Patrícia Krieger Grossi / Paula
Martins / Renata Teixeira Jardim / Suelaine Carneiro / Suely Ferreira Deslandes / Thiago Pierobom
de Ávila / Tiago Ferreira de Assis / Valeska Zanello / Victor Hugo de Oliveira / Wânia Pasinato SUMÁRIO

Ida Gouveia / HBLYZ ®

1. As políticas públicas de prevenção à violência contra a mulher ...... 13


Obra de Luiz Costa, “O pintor dos Candangos”, Brasília/DF – , acrílico sobre tela, WÂNIA PASINATO
60x90 cm, 2015 (detalhes).
BRUNO AMARAL MACHADO
Todos os direitos reservados.
Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo – Lei 9.610/1998. THIAGO PIEROBOM DE ÁVILA

CIP-Brasil. Catalogação na Publicação. 1


Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ
Eixo Prevenção Primária
A512c
Políticas públicas de prevenção à violência contra a mulher / Adriano Beiras... [et alii];
coordenadores Wânia Pasinato, Bruno Amaral Machado, Thiago Pierobom de Ávila. – 1. 2. O direito de acesso a informações sobre violência contra a mulher
ed. – São Paulo: Marcial Pons ; Brasília [DF}: Fundação Escola, 2019.
(Direito, Transdisciplinaridade & Pesquisas Sociojurídicas – vol. 6) no Brasil ........................................................................................... 27
ISBN 978-85-45572-01-5 PAULA MARTINS
1. Direitos das mulheres - Brasil. 2. Violência contra as mulheres. 3. Violência - Prevenção -
Política governamental. I. Pasinato, Wânia. II. Machado, Bruno Amaral. III. Ávila, Thiago
Pierobom de. IV. Título.
19-54897 CDU: 347.156(81)
Maria da Penha até a Judicialização da política educacional ........... 47
© Wânia Pasinato / Bruno Amaral Machado / Thiago Pierobom de Ávila, Coords., 2019. INGRID VIANA LEÃO
FESMPDFT – Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e
Territórios.
ALPEC – Associação Latino-Americana de Direito Penal e Criminologia, Grupo de
Pesquisa Política Criminal (Uniceub-UnB), Programas de Pós-Graduação em Direito do Uniceub e 4. Violência doméstica, mercado de trabalho feminino e o papel do
da UnB.
© EDIÇÕES DA FUNDAÇÃO ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO setor privado no enfrentamento à violência contra a mulher ........... 73
FEDERAL E TERRITÓRIOS
SCRS Quadra 502, Bloco A, Loja 55, Asa Sul, CEP 70330-510 Brasília-DF JOSÉ RAIMUNDO CARVALHO
55+ (61) 3226.4643 www.escolamp.org.br – escolamp@escolamp.org.br
VICTOR HUGO DE OLIVEIRA
: Procuradora de Justiça Eunice Pereira
Amorim Carvalhido / : Promotor de Justiça Sérgio Eduardo
Correia Costa Gomide / : Promotor de Justiça Roberto Carlos Silva /
: Promotora de Justiça Ana Luíza Lobo Leão Osório / : Promotor de 5. Para além da violência doméstica: o reconhecimento das situações de
Justiça Rodolfo Cunha Salles.

© MARCIAL PONS BRASIL


Av. Brigadeiro Faria Lima, 1461 Torre Sul, 17/8, Jardim Paulistano CEP 01452-002 São Paulo-SP prevenção.......................................................................................... 109
55+ (11) 3192.3733 www.marcialpons.com.br – contato@marcialpons.com.br
ANA PAULA PORTELLA
Impresso no Brasil
10 POLÍTICAS PÚBLICAS DE PREVENÇÃO À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER SUMÁRIO 11

2 11. Violência contra as mulheres e homens autores de violência: os


Eixo Prevenção Secundária serviços de responsabilização .......................................................... 253
JACQUELINE PITANGUY
6. Violência de gênero contra as mulheres e saúde mental: psiquiatri- LEILA LINHARES BARSTED
zação, silenciamento e invisibilidades.............................................. 135
VALESKA ZANELLO
responsabilização, redução de violência e efetividade de programas
7. A percepção dos agentes institucionais sobre a rede especializada para homens autores de violência contra as mulheres ...................... 275
de atendimento às mulheres que sofrem violência por parceiro ADRIANO BEIRAS
íntimo................................................................................................ 159 MARCOS NASCIMENTO
TIAGO FERREIRA DE ASSIS CAIO HENRIQUE DE MENDONÇA CHAVES INCROCCI
SUELY FERREIRA DESLANDES
13. Patrulhas Maria da Penha no Estado do Rio Grande do Sul: análise
8. Avaliação e gestão de risco para mulheres em situação de violência
doméstica e familiar: a experiência da rede de enfrentamento a desta política pública de prevenção à violência de gênero ............... 298
violência de Canoas/RS .................................................................... 181 PATRÍCIA KRIEGER GROSSI
MARLENE NEVES STREY MARLENE INÊS SPANIOL
RENATA TEIXEIRA JARDIM

205
SUELAINE CARNEIRO
3
Eixo Prevenção Terciária

potencialidades dos centros integrados ............................................ 227


LUANNA TOMAZ DE SOUZA
MILENE MARIA XAVIER VELOSO
IVONETE PINHEIRO
1

POLÍTICAS PÚBLICAS DE PREVENÇÃO À


VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
CONTRA AS MULHERES

WÂNIA PASINATO1
BRUNO AMARAL MACHADO2
THIAGO PIEROBOM DE ÁVILA3

1. Doutora em Sociologia pela Universidade de São Paulo, com Pós-doutorado no Núcleo


de Estudos de Gênero – PAGU/UNICAMP. Consultora especializada em políticas públicas
de enfrentamento à violência contra as mulheres e gênero com experiência em projetos para
governos, ONGs e Agências Internacionais.
2. Doutor em Direito (Especialidade Sociologia Jurídico-penal) pela Universidade
de Barcelona, com estágio pós-doutoral em Sociologia (UnB e John Jay-Nova Iorque).
Pesquisador Associado do NEVIS (Núcleo de Estudos sobre a Violência) da UnB. Professor
da FESMPDFT. Professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito e Políticas
Públicas (Uniceub). Promotor de Justiça do MPDFT.
3. Doutor em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Lisboa, com estágio
de Pós-Doutorado em Criminologia pela Universidade Monash da Austrália. Professor do
programa de pós-graduação da FESMPDFT, Professor do Programa de Mestrado
e Doutorado em Direito e Políticas Públicas (Uniceub), Pesquisador associado ao Instituto
de Direito Penal e Ciências Criminais da Universidade de Lisboa, do
programa de pesquisa da
Universidade Monash. Promotor de Justiça do MPDFT.
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As políticas públicas para as mulheres: um campo de pesquisa previdenciária, bem como no âmbito dos sistemas policial e de justiça. Ainda
que se reconheça avanço na institucionalização das políticas públicas de
A violência contra as mulheres é uma grave violação de direitos humanos, enfrentamento à violência contra as mulheres no Brasil após o advento da Lei
com consequências de longo prazo para o bem-estar, saúde, segurança, Maria da Penha (MARTINS et alii, 2014), diversos problemas foram detectados,
independência econômica e formação educacional das mulheres, bem como como a “fragmentação das políticas e programas, a dispersão ou a sobreposição
no desenvolvimento de sociedades e países (ONU, 2006a). No Brasil, pesquisa de projetos e ações” (PASINATO, 2015, p. 541). A transversalidade de gênero
do DATASENADO (2018) sobre a opinião e percepção sobre violência doméstica nas políticas, a intersetorialidade dos programas e o objetivo de integralidade e
documentou que, em 2017, 29% das mulheres entrevistadas declararam já universalidade são metas ainda longe de estarem cumpridas.
ter sofrido algum tipo de violência doméstica ou familiar provocada por um
homem. No mesmo sentido, pesquisa realizada com 10.000 mulheres na região Se o avanço já era penoso, nos últimos anos, tais programas têm sofrido
Nordeste documentou que 27% das entrevistadas já sofreram ao menos um ato com a falta de investimentos e o próprio desmantelamento da política a partir
de violência psicológica, física ou sexual ao longo da vida, sendo que 11,9% do da desestruturação da Secretaria de Políticas para as Mulheres no nível federal.
total teriam sofrido um ato de violência doméstica no último ano (CARVALHO O atual contexto é especialmente preocupante quando se constata que, apesar
e OLIVEIRA, 2016). de haver um aumento do conhecimento sobre a Lei Maria da Penha e da
consciência do que é a violência doméstica e familiar contra mulheres, cresceu
Diplomas internacionais de direitos humanos têm reconhecido a
centralidade do desenvolvimento de políticas públicas de prevenção à que “não fez nada” ao ser indagada sobre “qual foi sua atitude em relação à
violência contra as mulheres como uma responsabilidade estatal. Partindo última agressão” (DATASENADO, 2018, p. 13). A frustração de expectativas das
da Recomendação n. 19 do Comitê CEDAW (ONU, 1992) e passando pela mulheres quanto às suas necessidades e o que elas efetivamente obtêm a partir
Declaração e Plataforma de Ação de Pequim (ONU, 1995), as diretrizes das políticas públicas oferecidas pode explicar tais números.
internacionais destacam a preocupação com o estudo das causas e consequências
Há poucos estudos sobre a efetividade de tais políticas. Relatórios
da violência contra as mulheres, bem como a avaliação da efetividade das
elaborados pelos próprios executores das políticas usualmente se limitam
medidas de prevenção. Tais diretrizes têm apontado para a absoluta prioridade
a exaltar seus aspectos positivos, sem incorporar críticas independentes
de que “o Estado deve construir e sustentar estratégias sólidas e multi-setoriais,
destinadas à sua monitoração e ao seu aperfeiçoamento. É necessário avaliar
coordenadas em nível nacional e local”, “Estados devem alocar recursos e
se as políticas projetadas estão sendo efetivamente implementadas e, quando
orçamento para programas destinados a enfrentar e reparar a violência contra
efetivamente implementadas, a efetividade de tais intervenções. Para isso, as
as mulheres” e “deve-se fortalecer a base de conhecimentos relacionada a todas
metodologias de avaliação de impacto permitem mensurar resultados e propor
as formas de violências contra as mulheres, para que informem as políticas
aperfeiçoamento das políticas, projetos e ações.
públicas e as estratégias de desenvolvimento” (ONU, 2006b, p. 3-4).
A presente coletânea visa fornecer visão panorâmica sobre as políticas
No Brasil, a Lei Maria da Penha é reconhecida como marco político na públicas de prevenção à violência doméstica e familiar contra as mulheres
luta pelos direitos humanos das mulheres no Brasil. Fruto de intensa atividade no Brasil, indicando algumas das experiências em curso. Para contornar as
de de movimentos feministas, esta legislação vai além da perspectiva lacunas de pesquisas independentes sobre a efetividade das políticas públicas
punitiva, incorporando relevantes aspectos relacionados às políticas públicas
de prevenção à violência doméstica e familiar contra a mulher. A concretização por pesquisadores e pesquisadoras na área de violência e gênero atuantes em
destes aspectos preventivos na lei exige a intervenção articulada dos três poderes universidades situadas em diferentes estados brasileiros.
(Executivo, Legislativo e Judiciário), nos três níveis de governo (federal,
estadual e municipal), numa abordagem integral da violência doméstica e Políticas públicas de prevenção para a violência doméstica e familiar
familiar contra as mulheres (PASINATO, 2015).
contra as mulheres
A partir das diretrizes constantes da Convenção de Belém do Pará (OEA,
1994), do artigo 8º da Lei Maria da Penha e dos Planos Nacionais de Políticas para Estudos internacionais dividem a atividade de prevenção da violência em
as Mulheres, relacionadas à transversalidade, universalidade e integralidade das três níveis: prevenção primária, secundária e terciária (OMS, 2002; HEISE,
políticas públicas de atenção às mulheres, diversas experiências de prevenção 2011; OUR WACHT et alii, 2015). Atividades de prevenção primária, ou
à violência doméstica e familiar contra as mulheres passaram a ser realizadas de em sentido estrito, são destinadas à população como um todo,
no Brasil, nas áreas de educação, saúde, assistência social, trabalho, habitação, tendo como foco as causas primárias (ou subjacentes) da violência doméstica,
16 POLÍTICAS PÚBLICAS DE PREVENÇÃO À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER APRESENTAÇÃO 17

relacionadas à visão estereotipada de papéis sociais entre homens e mulheres, gênero”. A autora conclui que a discussão sobre as relações de gênero na escola
que normalizam a violência como aceitável ou tolerável (v. ÁVILA, 2017a). é um aspecto central do cumprimento de tratados internacionais subscritos pelo
A prevenção secundária, também denominada de , Brasil, e da própria Lei Maria da Penha, analisando o impacto de legislações
visa alcançar indivíduos que estão numa situação de risco acima da média estaduais restritivas no âmbito das impugnações perante o Poder Judiciário.
de sofrerem ou praticarem a violência doméstica, ou ainda se relaciona a
O cap. 4, por José Raimundo Carvalho e Victor Hugo de Oliveira,
intervenções imediatas após a violência, usualmente pelos serviços de saúde,
analisa a contribuição do setor privado na prevenção da violência doméstica,
a partir das evidências trazidas pela Pesquisa de Condições Socioeconômicas
chamada de , envolve intervenções de longo prazo para mitigar os
e Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (PCSVDF-Mulher). O
impactos negativos da violência, como os programas de apoio à vítima e de
trabalho argumenta que o mercado de trabalho possui um papel central na
responsabilização do agressor, bem como as respostas pelo sistema de justiça,
prevenção desta violência, não apenas em como a autonomia econômica
das mulheres atua como um fator de proteção, ou como a igualdade salarial
violência, ante seu caráter usualmente cíclico.
e a maior representação de mulheres nos espaços de decisão contribui para
a alteração dos estereótipos de gênero, mas especialmente correlacionando o
fácil. A presente coleção é dividida em três partes, relacionadas ao tipo da quanto a violência doméstica e familiar impacta na redução da produtividade,
atividade de prevenção. A primeira seção é dedicada à prevenção primária e correspondendo, portanto, a um prejuízo para a empresa e o mercado. Ao analisar
se inicia com o tema do acesso à informação pública sobre a violência contra o custo econômico da violência doméstica contra a mulher, os autores abordam
a mulher (cap. 2), por se referir a todas as formas de prevenção, enquanto a prevenção da violência como fenômeno social e não apenas problema que
mecanismo de monitoramento e pressuposto de eventual revisão das políticas;
este tema foi incluído neste primeiro tópico por ser uma preocupação comum nesse campo a partir da experiência de três empresas nacionais (Amêndoas do
aos demais estudos. Seguem os artigos relacionados à promoção da igualdade de Brasil, Avon do Brasil e Magazine Luiza) na promoção de programas de apoio
gênero no âmbito escolar (cap. 3), no mercado de trabalho (cap. 4) e o fomento à às empregadas e empregados em situação de violência doméstica.
maior efetividade das políticas públicas de segurança em geral (cap. 5).
O cap. 5, por Ana Paula Portella, analisa os cenários de homicídios de
Na segunda seção, sobre prevenção secundária, foram incluídos estudos homens e mulheres no estado de Pernambuco, e suas decorrências para as
sobre o diagnóstico precoce da violência doméstica contra a mulher no políticas de segurança pública. A autora conclui que a violência interpessoal
âmbito dos serviços de saúde (cap. 6), a articulação da rede especializada de
atinge homens, a violência decorrente da criminalidade atinge homens e
atendimento (cap. 7), o uso de instrumentais de avaliação e gestão do risco pela
mulheres (em contextos relativamente distintos), enquanto a violência familiar
rede de atendimento (cap. 8) e o reconhecimento das mulheres negras como um
e a violência cometida por parceiro íntimo atingem apenas mulheres. O
especial grupo de risco no âmbito das políticas públicas (cap. 9).
trabalho analisa a intersecção existente entre injustiça social, desigualdades
Finalmente, na seção sobre prevenção terciária, foram incluídos estudos de gênero e a expansão do crime e da violência na sociedade brasileira,
sobre a experiência de atendimento integrado e intersetorial (cap. 10), sobre os concluindo pela necessidade de consideração de tais mortes de mulheres como
um fenômeno complexo que não admite um único modelo de ação, exigindo
da polícia militar na prevenção da violência doméstica e familiar (cap. 13).
Assim, o cap. 2, por Paula Martins, analisa o direito ao acesso a sinaliza a necessária correlação das políticas públicas em geral, e em especial
informações públicas sobre violência contra as mulheres no Brasil e seu caráter as políticas de segurança pública, com a prevenção das mortes de mulheres, e a
instrumental em relação à construção das políticas públicas. A autora analisa relevância da incorporação da perspectiva de gênero para outros cenários além
diretrizes internacionais e nacionais sobre a transparência estatal e o dever de da violência doméstica e familiar, já que diversos homicídios de mulheres em
produzir informações, propondo recomendações para o aprimoramento no contexto de criminalidade em geral ocorrem por colateralidade, pelo simples
tema da violência contra a mulher. fato de tais mulheres terem uma relação afetiva com um homem envolvido na
criminalidade.
O cap. 3, por Ingrid Viana Leão, analisa a promoção da igualdade de
gênero no âmbito da política educacional, especialmente no âmbito do currículo O cap. 6, por Tiago Ferreira de Assis e Suely Deslandes, analisa a
escolar, após a votação do Plano Nacional de Educação em 2014. Ela analisa o
embate entre o grupo “escola sem partido” e sua crítica à suposta “ideologia de em situação de violência doméstica no município do Rio de Janeiro. A
18 POLÍTICAS PÚBLICAS DE PREVENÇÃO À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER APRESENTAÇÃO 19

partir de um histórico da implementação das ações do Pacto Nacional de No cap. 10, Luanna Tomaz de Souza, Milene Maria Xavier Veloso
Enfrentamento à Violência contra as Mulheres no município do Rio de Janeiro, e Ivonete Pinheiro discutem o quanto o modelo do Pro Paz Mulher, criado
e do fortalecimento das políticas públicas para enfrentamento da violência no Pará em 2014, se aproxima ou distancia dos marcos legais relacionados
doméstica e familiar contra as mulheres através da criação de equipamentos aos centros de referência de atendimento à mulher em situação de violência
doméstica. Trata-se de uma política pública estadual que busca articular os
mostra o impacto da redução dos investimentos públicos nas esferas federal, serviços relacionados à polícia, perícia, atendimento psicossocial e outros
estadual e municipal e descrevem com base em entrevistas realizadas com serviços às mulheres em situação de violência doméstica e familiar, como

política que se pretende integrada, como a eventual frustração das mulheres, a


os seus diversos integrantes, portanto distanciando-se do ideal de atuação ausência de monitoramento dos casos, e os dilemas da integração dos setores
intersetorial e integrada. psicossociais deste serviço com as expectativas probatórias do sistema de
justiça. Destacam ainda a falta de abertura democrática para a participação dos
movimentos de mulheres na gestão desta política pública, a necessária visão
de saúde mental no atendimento a mulheres em situação de violência interseccional de raça que deveria estar presente, bem como as limitações deste
doméstica. A autora problematiza os impactos desta violência na saúde espaço enquanto polo de articulação intersetorial das políticas públicas.
Jacqueliny Pitanguy e Leila Linhares Barsted apresentam, no cap. 11,
os resultados de uma pesquisa realizada pela CEPIA sobre os serviços de
que passam a apenas tratar os sintomas e não investigar a verdadeira causa do responsabilização de homens autores de violência. Para tanto realizaram
problema. Para enfrentar esta psiquiatrização da violência doméstica, a autora o mapeamento de tais serviços em todas as capitais brasileiras, bem como
aprofundaram a análise mediante estudo de caso em cinco cidades. Após
de saúde, bem como de estratégias de prevenção nos territórios. Dentre tais analisarem as diretrizes internacionais e nacionais quanto à promoção da
estratégias estão o protocolo de triagem, o treinamento continuado para “responsabilização” dos autores de violência, as autoras apontam o potencial de
tais intervenções com homens fomentarem a prevenção da violência para além
das intervenções, bem como a criação de grupos de intervenções com mulheres. das respostas tradicionais da justiça. Todavia, reconheceram uma disparidade de
O cap. 8 expõe estudo realizado por Marlene Neves Strey e Renata
Teixeira Jardim sobre a experiência da rede de atendimento especializado
para mulheres em situação de violência doméstica e familiar de Canoas/RS na nacional sobre o tema, com diferentes metodologias de intervenção, bem como
a ausência de instrumentos de monitoramento e avaliação sobre a efetividade
construção de um modelo de avaliação e gestão de risco. As autoras reconstroem
das intervenções.
o processo de articulação local da rede de enfrentamento à violência doméstica
No cap. 12, Adriano Beiras, Marcos Nascimento e Caio Incrocci
como a construção de um protocolo de avaliação e gestão de risco colaborou
positivamente para a rearticulação da rede local, para a partilha de informações da responsabilização e fomento da redução da violência doméstica e familiar
e para fomentar uma resposta mais individualizada pelo Estado para se evitar contra as mulheres. Os autores analisam a literatura especializada e apresentam
as “mortes anunciadas” de mulheres. caminhos para a ampliação da efetividade de tais intervenções, no sentido
de diminuir a reincidência e elevar a conscientização e responsabilização
No cap. 9, Suelaine Carneiro discute a interseccionalidade entre gênero e dos participantes. Discutem especialmente os referenciais teóricos de tais
raça, a partir de uma revisão das pesquisas que documentam uma elevação da
violência doméstica em relação às mulheres negras, em contraposição à uma árduo tema da metodologia de intervenção com os grupos, indicando pontos
diminuição com as mulheres brancas, bem como através de entrevistas com mínimos que devem ser incluídos no programa para se fomentar sua maior
efetividade. Defendem a relevância de processos de monitoramento e avaliação
autora analisa como a intersecção entre gênero e raça deve ser tratada como continuada e a produção de informações para subsidiar o aperfeiçoamento da
um fator de risco, cuja análise deve ser incorporada às políticas públicas de equipe e das políticas públicas, da integração destes serviços numa perspectiva
enfrentamento à violência doméstica contra a mulher. de rede, bem como apontam a relevância da criação de uma rede nacional de
20 POLÍTICAS PÚBLICAS DE PREVENÇÃO À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER APRESENTAÇÃO 21

programas, que deveria ser estruturada a partir de uma política nacional de violência pela vítima (PASINATO et alii, 2016), cumpre avaliar as novas
intervenção com homens autores de violência. metodologias de monitoramento das medidas protetivas de urgência, como o
Finalmente, no cap. 13, Patrícia Krieger Grossi e Marlene Inês Spaniol monitoramento eletrônico para agressores e vítimas. Embora existam trabalhos
analisam a experiência da Patrulha Maria da Penha no Estado do Rio Grande sobre as tornozeleiras eletrônicas (MACIEL, 2014) e o “botão do pânico”, é
do Sul. Segundo as autoras, esta experiência pioneira de política de segurança importante que outros estudos sejam realizados considerando a variação das
pública envolvendo a Brigada Militar no enfrentamento à violência doméstica experiências em diferentes estados brasileiros. Mesmo no âmbito das rondas
de monitoramento pela polícia militar, há que se avançar nas pesquisas sobre
do cumprimento das medidas protetivas de urgência e na prevenção da a efetividade dos planos de segurança às mulheres e as melhores estratégias de
reiteração de novas violências. Todavia, sinalizam pontos que exigem o seu acompanhamento dos casos. A Casa da Mulher Brasileira, enquanto espaço de
aperfeiçoamento, como a transparência de dados, o fortalecimento e integração articulação da intersetorialidade do sistema de proteção e responsabilização,
desta política com a rede de prevenção intersetorial, a falta de protocolos de necessita de mais tempo para sua consolidação e, em seguida, as pesquisas
atendimento que independam das volatilidades dos governos, a necessidade de sobre a efetividade de sua implementação hão de ser realizadas.
acompanhamento também dos autores da violência, bem como a capacitação
No âmbito da atuação criminal, cumpre avançar em pesquisas que
esclareçam as práticas mais ajustadas à intervenção adequada, tanto preventivas
Uma pauta de pesquisa adiante quanto repressivas (MACHADO, 2014; VILLA e MACHADO, 2018a). Em
especial, deve-se repensar em experiências comparadas que permitam avaliar
As iniciativas abordadas na presente coleção não exaurem o tema das a atuação dos atores envolvidos (VILLA e MACHADO, 2018b), mediante
políticas de prevenção à violência doméstica e familiar contra a mulher. uma política de segurança pública com perspectiva de gênero (ÁVILA,
No Brasil, apesar de haver várias campanhas sobre a não aceitabilidade da
violência contra as mulheres, pouco se tem investido no âmbito da prevenção protetivas com os supostos autores da agressão (ÁVILA, 2014), bem como
primária em campanhas sociais destinadas à alteração de papeis sociais incluir disposições de proteção à mulher no âmbito da sentença penal
tradicionais entre homens e mulheres, a causa mais profunda da violência de condenatória (TOLMIE, 2018). Cumpre avançar em pesquisas centradas nas
mulheres, para esclarecer as suas necessidades e expectativas ao pedirem ajuda
longo prazo destinados a alterar tais visões sociais (ÁVILA, 2017a). através das distintas portas de acesso à rede de atendimento especializado e para
avaliar o quanto tais necessidades e expectativas são efetivamente atingidas, de
compulsória de casos de violência doméstica (CERQUEIRA et alii, 2017, p. forma a se viabilizar um debate mais sólido quanto aos rumos das políticas
públicas de proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar
e assistência social para reconhecerem os sinais da violência doméstica e (PASINATO, 2012; AMARAL, 2018).
familiar contra as mulheres em estágios precoces, bem como sua articulação
em protocolos de intervenção claros que permitam a intervenção na situação de Esta apresentação apenas anuncia a diversidade dos temas abordados e os
violência em seus estágios menos agravados, para evitar sua posterior escalada. distintos percursos e enfoques dos(as) autores(as). A obra foi viabilizada graças
Ainda que existam pesquisas sobre a percepção dos atores da rede quanto a à parceria entre a editora Marcial Pons e a Fundação Escola Superior do MPDFT,
quais seriam os fatores de risco (MEDEIROS, 2015), há poucas experiências de integra a Coleção Direito, Transdisciplinaridade e Pesquisas Sociojurídicas e,
utilização de instrumentos de avaliação de risco pela rede de atendimento e que particularmente este volume, insere-se na linha de pesquisa “Políticas públicas
e prevenção à violência”, do grupo Política Criminal, vinculado ao Programa
2003). Também faltam pesquisas que apontem rumos para suprir a necessidade de pós-graduação em Direito e Políticas Públicas do UniCeub. Este projeto
de maior institucionalidade das redes de enfrentamento e de atendimento às editorial contou com o envolvimento de pesquisadores de diferentes instituições
mulheres (PASINATO, 2015). de ensino superior e de distintos programas de pós-graduação em Direito e
No âmbito da prevenção terciária, há elevada quantidade de temas a Ciências Sociais. Agradecemos ao conselho editorial da editora Marcial Pons e
descoberto nas pesquisas. Além dos estudos que monitoram a (ausência aos colaboradores que participaram do presente volume.
de) efetividade do sistema de justiça em conceder as medidas protetivas
de urgência e em se articular no trabalho em rede após a comunicação da
22 POLÍTICAS PÚBLICAS DE PREVENÇÃO À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER APRESENTAÇÃO 23

MARTINS, Ana Paula Antunes; CERQUEIRA, Daniel; MATOS, Mariana Vieira


Martins. A institucionalização das políticas públicas de enfrentamento à
AMARAL, Alberto Carvalho. : violência contra as mulheres no Brasil (versão preliminar). Brasília: IPEA,
2015.
2017.
MEDEIROS, Marcela Novais.
ÁVILA, Thiago André Pierobom de (Org.) . 2015. 235 f. Tese (Doutorado em
: experiências e representações sociais. Brasília: ESMPU, Psicologia Clínica e Cultura) – Universidade de Brasília (UnB), Brasília, 2015.
2014. OMS. . Genebra: OMS, 2002. Disponível em:
ÁVILA, Thiago André Pierobom de. Políticas públicas de prevenção primária à <http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/42495/1/9241545615_eng.pdf>.
violência contra a mulher: lições da experiência australiana. , Acesso em 01 maio 2017.
Niterói, v. 17, n. 2, p. 95-125, 2017a. ONU. Comitê CEDAW, Recomendação Geral n. 19 (sobre a violência contra
ÁVILA, Thiago André Pierobom de. Violência contra a mulher: consequências as mulheres, 1992. Disponível em: <https://www.ohchr.org/EN/HRBodies/
da perspectiva de gênero para as políticas de segurança pública. CEDAW/Pages/Recommendations.aspx>. Acesso em 29 jun. 2018.
, Curitiba, v. 62, n. 3, p. 103-132, 2017b. ONU. . 1995. Disponível em: <http://
CAMPBELL, Jacquelyn et alii Risk factors for femicide in abuse relationships: beijing20.unwomen.org/~/media/headquarters/attachments/sections/csw/
Results of a multisite case control study. ,
n. v. 93, n. 7, p. 1.089-1.097, 2003. ONU. : Study of the
Secretary-General: Executive summary. 2006b. Disponível em: <http://www.
CARVALHO, José Raimundo; OLIVEIRA, Victor Hugo de.
un.org/womenwatch/daw/vaw/launch/english/v.a.w-exeE-use.pdf>. Acesso
: prevalência
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PARTE 1

Eixo Prevenção Primária

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