Você está na página 1de 49

26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça


Processo: 45/13.0JASTB.L1.S1
Nº Convencional: 3 ª SECÇÃO
Relator: SOUSA FONTE
Descritores: ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CONCURSO DE INFRAÇÕES
CÚMULO JURÍDICO
ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
CRIME DE TRATO SUCESSIVO
REFORMATIO IN PEJUS
PENA ÚNICA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
CULPA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO
Data do Acordão: 22-04-2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática:
DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / ESCOLHA E
MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES - CRIMES CONTRA AS
PESSOAS / CRIMES CONTRA A AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - SENTENÇA ( NULIDADES ) RECURSOS.
Doutrina:
- Eduardo Correia, Direito Criminal, I (1968), 309.
- Figueiredo Dias, … As Consequências Jurídicas do Crime, (1993), pp. 232, 291; Direito
Penal – Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, pp. 81, 84, 313, 518.
- Júlio Machado Vaz, em entrevista à “Visão”, de 20.11.03, p. 17 e segs..
- Taipa de Carvalho, Direito Penal, Parte Geral – Questões Fundamentais, pp. 83 e 84.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE EXECUÇÃO DAS PENAS E MEDIDAS PRIVATIVAS DA LIBERDADE,
APROVADO PELA LEI 115/2009, DE 15 DE OUTUBRO: - ARTIGO 2.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 635.º, N.ºS 2 E 4.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 379.º, N.º1, AL. A), 409.º, N.º1, 412.º,
N.º1.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 40.º, N.º1, 71.º, N.º1, 77.º, N.º1, 171.º, N.ºS 1 E 2, 176.º,
N.º4.
Legislação Comunitária:
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 23.01.2008, PROC. Nº 4830/07-3ª SECÇÃO.


-DE 29.03.2012, Pº Nº 316/07.5GBSTS.S1-3ª; DE 26.04.2012, Pº Nº 70/08.3ELSB.L1.S1-5ª; DE
21.06.2012, Pº Nº 778/06.8GAMAI.S1-5ª; DE 05.07.2012, PºS NºS 246/11.6SAGRD.S1 E
145/06.SPBBRG.S1; DE 15.11.2012, Pº Nº 178/09.8PQPRT-A.P1.S1,DE 14.03.2013, Pº Nº
287/12.6TCLSB, DE 30.04.2013, Pº Nº 11/09.0GASTS.S1, DE 13.05.2013, Pº Nº
392/10.3PCCBR.C2.S1, DE 06.03.2014, Pº Nº 352/10.4PGOER.S1 E DE 10.09.2014, Pº Nº
232/10.4SMPRT.P1.S1, TODOS DA 3ª SECÇÃO.
-DE 12.07.2012, Pº Nº 1718/02.9.JOLSB.
-DE 29.11.2012, Pº Nº 862/11.6TAPFR.S1, E VOTO DE VENCIDO.
-DE 12.06.2013, Pº Nº 1291/10.4JDLSB.
-DE 26.02.2014 E DE 10.09.2014, PºS NºS 732/11.8GBSSB.L1.S1 E 232/10.4SMPRT.P1.S1,
RESPECTIVAMENTE.
-DE 17.09.2014, Pº Nº 595/12.6TASLV.E1.S1.
Sumário :

I - O arguido foi condenado pela 1.ª instância, em cúmulo jurídico, na pena conjunta de 15 anos de
prisão, respeitante à prática, em autoria material e em concurso real, de 46 crimes de abuso sexual
www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 1/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

de criança, p. e p. pelo art. 171.º, n.ºs 1 e 2, do CP, e de um crime de pornografia de menores, p. e


p. pelo art. 176.º, n.º 4, do mesmo Código. A mais elevada das penas parcelares é de 5 anos de
prisão. A soma das penas parcelares atinge os 175 anos de prisão.
II - O Tribunal da Relação, todavia, nos casos em que os ofendidos foram objecto de repetidos
abusos, afastou o concurso de crimes por ter entendido que «a solução do trato sucessivo é a mais
ajustada a situações como a presente». Só assim não procedeu relativamente a um ofendido, em
que autonomizou dois conjuntos de factos por, entre a prática daqueles e destes, terem decorrido
cerca de 5 anos. Por via dessa qualificação e correspondente punição de cada um dos crimes em
trato sucessivo e da atenuação das penas parcelares aplicadas por cada um dos crimes singulares, a
mais elevada das penas parcelares passou para os 8 anos de prisão, enquanto a sua soma desceu
para os 54 anos e 2 meses. A pena conjunta foi então fixada em 13 anos e 6 meses de prisão.
III -Não se afigura como correcta a qualificação dos plúrimos abusos sexuais sobre o mesmo
ofendido como constitutivos de um crime de trato sucessivo, pelo que se considera que o arguido
cometeu, em concurso real, os crimes especificadas na decisão da 1.ª instância.
IV - Todavia, a alteração da qualificação no sentido que entendemos ser o correcto reclamaria
penas parcelares, pelo menos em bem maior número do que as consideradas pelo Tribunal da
Relação, como se viu, e, por via do agravamento do correspondente somatório, uma pena conjunta
mais elevada do que a cominada no acórdão recorrido, o que, traduzindo-se em reformatio in pejus,
nos estaria vedado pela proibição estabelecida no art. 409.º, n.º 1, do CPP. Por isso, no julgamento
do recurso, não podemos senão atender às penas parcelares (não impugnadas) e conjunta
cominadas no acórdão recorrido em função das quais será julgado o mérito do recurso.
V - Ao nível da determinação da medida concreta da pena, há que ponderar que se o «pedófilo»
sofre de uma «parafilia», uma perversão, no sentido de que se sente eroticamente atraído de forma
compulsiva e exclusiva por crianças, o que, sem lhe retirar lucidez, poderá atenuar a sua
responsabilidade, são justamente os delinquentes onerados por qualquer tendência para o crime os
mais perigosos, os mais necessitados de socialização e aqueles de que a sociedade tem de se
defender mais fortemente.
VI -Assim, face aos factos provados, designadamente a tendência do arguido para este tipo de
crimes, o elevado grau de culpa que, aliás, não contesta, as exigências de prevenção geral, muito
elevadas, as fortes exigências de prevenção especial, tanto de socialização como de dissuasão, a
pena aplicada é a adequada e proporcional à sua repetida conduta criminosa, insistentemente
executada ao longo dos anos de 2011/2012, mas com episódios em 2007 (quando um dos ofendidos
tinha 6 anos de idade), em 2009 e início de 2013, e exercida sobre 13 ofendidos. Por isso,
confirmamos a pena cominada no acórdão recorrido.
Decisão Texto Integral:          Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:
            1. Relatório
            1.1. O arguido AA, nascido no ..., em ..., filho de ... e de ..., ...,
residente na ..., respondeu no processo em epígrafe, perante o Tribunal
Colectivo do 2º Juízo de Competência Criminal do Tribunal de
Comarca e de Família e Menores de Almada, onde foi condenado, pela
prática, em autoria material e em concurso real, de:
            - um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelos arts. 171º,
nº 1 e 179º, ambos do CPenal [a que pertencem todas as normas que a
seguir forem invocadas, sem indicação do respectivo diploma legal], na
pessoa do menor BB, na pena de três anos de prisão;
            - três crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelas mesmas
disposições legais, na pessoa do menor CC, na pena de três anos de
prisão, por cada um desses crimes;
- sete crimes de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelos arts.
171º, nº 2 e 179º, na pessoa do menor CC, na pena de cinco anos de
prisão, por cada um dos crimes;
- três crimes de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelas
disposições legais anteriores, na pessoa do menor DD, na pena de
quatro anos de prisão, por cada um dos crimes;
www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 2/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

- dois crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelos arts. 171º, nº1 e


179º, na pessoa do menor DD, na pena de três anos de prisão, por cada
um deles;
- dois crimes de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelos arts.
171º, nº 2 e 179º, na pessoa do mesmo menor EE, na pena de quatro
anos de prisão, por cada um dos crimes;
- um crime de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelos arts. 171º,
nº 2 e 179º, ainda na pessoa do menor EE, na pena de quatro anos e seis
meses de prisão;
- dois crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelos arts. 171º, nº 2 e
179º, na pessoa do menor FF, na pena de três anos de prisão, por cada
um dos crimes;
- cinco crimes de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelos arts.
171º, nº 2 e 179º, na pessoa do menor GG, na pena de quatro anos de
prisão, por cada um dos crimes;
- um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelos  arts. 171º, nº 1 e
179º, na pessoa do menor HH, na pena de três anos de prisão;
- dois crimes de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelos arts.
171º, nº 2 e 179º, na pessoa do menor HH, na pena de quatro anos de
prisão, por cada um dos crimes;
- dois crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelos arts. 171º, nº 1 e
179º, na pessoa do menor II, na pena de três anos de prisão, por cada
um dos crimes;
- seis crimes de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelos  arts.
171º, nº 2 e 179º, na pessoa do mesmo menor II, na pena de quatro anos
de prisão, por cada um dos crimes;
- um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelos arts. 171º, nº1 e
179º, na pessoa do menor JJ, na pena de três anos de prisão;
- dois crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelos arts. 171º, nº 1 e
179º, na pessoa do menor LL, na pena de três anos de prisão, por cada
um dos crimes;
- dois crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelos arts. 171º, nº 1 e
179º, na pessoa do menor MM, na pena de três anos de prisão, por cada
um dos crimes;
- três crimes de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelos arts
171º, nº 2, 177º, nº 1, al. b) e 179º, na pessoa do menor NN, na pena de
quatro anos de prisão, por cada um dos crimes;
- um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelos  arts. 171º, nº 1 e
179º, na pessoa do menor OO, na pena de três anos de prisão;
- um crime de pornografia de menores, p. e p. pelo artº 176,º nº 4, na
pena de seis meses de prisão.
www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 3/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Em cúmulo jurídico, foi condenado pena conjunta de quinze (15)


anos de prisão.
Foi ainda condenado «na sanção acessória de proibição de exercício de
qualquer profissão, função ou actividade remunerada ou gratuita
directamente relacionada com menores de dezasseis anos de idade pelo
período de dez anos», nos termos do artigo 179º;
            e
«a pagar a GG a quantia de trinta mil euros (€30.000,00) a título de
indemnização por danos não patrimoniais e noventa e oito euros e
quarenta cêntimos (€98,40) a título de danos patrimoniais, acrescidos
de juros de mora, desde a notificação para contestar sobre a quantia de
98,40 e sobre a presente data sobre a quantia de trinta mil euros e
vincendos até efectivo e integral pagamento, bem como condenado a
pagar os montantes que o menor GG vier a despender com a assistência
médica e medicamentosa, concretamente, a assistência por psicólogo
e/ou pedopsiquiatra, a liquidar em execução de sentença».
1.2. Inconformados, o Arguido e a assistente PP (na qualidade de
representante legal do menor QQ) interpuseram recurso para o Tribunal
da Relação de Lisboa que, pelo acórdão de 26.11.2014, fls. 5243 e
segs., decidiu (segue-se a transcrição do dispositivo do acórdão):
«I – No parcial provimento do recurso do arguido…:
i) – alterar a decisão proferida sobre matéria de facto, conforme ponto
A). 3.1.4.1 deste acórdão
[Isto é,
Quanto ao nº 28 dos “Factos Provados” que «em duas dessas
ocasiões…» e não, como constava do acórdão da 1ª Instância, «em
todas essas ocasiões…»;
Quanto ao nº 38º dos “Factos Provados”, que a última das vezes em que
se repetiram os factos aí descritos ocorreu «no final do ano de 2012» e
não «no início de 2013», como a 1ª Instância também havia julgado
provado];
ii) – alterar a qualificação jurídica dos factos provados no que
concerne aos ofendidos CC; DD; EE; FF; GG; HH; II; LL; MM e NN,
conforme ponto C) 5
[Isto é (fls. 5293 e segs.):
«…
E assim sendo, nesta parte, entende-se ter o arguido cometido em
relação aos referidos ofendidos – considerando que nos casos em que
houve realização plural dos dois tipos de crime que fundamentalmente
protegem o mesmo bem jurídico, o crime de trato sucessivo é punido
pelo facto mais grave - os seguintes crimes:
www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 4/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

- Um crime de Abuso Sexual de Criança Agravado, em trato sucessivo,


p. e p. art. 171 n.º 1 e 2 do Código Penal, na pessoa do menor ofendido
CC;
- Um crime de Abuso Sexual de Criança Agravado, em trato sucessivo,
p. e. p. pelos artigos 171.º n.º 2 º do Código Penal na pessoa do menor
ofendido DD; 
- Um crime de Abuso Sexual de Criança Agravado, em trato sucessivo,
p. e. p. pelos artigos 171.º n.º 1 e 2  do Código Penal na pessoa do
menor ofendido EE;
- Um crime de Abuso Sexual de Criança simples, em trato sucessivo, p.
e. p. pelos artigos 171.º n.º 1 do Código Penal na pessoa do menor
ofendido FF;
- Um crime de Abuso Sexual de Criança Agravado, em trato sucessivo,
p. e. p. pelos artigos 171.º n.º 2 do Código Penal na pessoa do menor
ofendido GG;
- Um crime de Abuso Sexual de Criança agravado, p. e. p. pelos artigos
171.º n.º 1 e 2 do Código Penal na pessoa do menor ofendido HH;
- Um crime de Abuso Sexual de Criança simples p. e. p. pelos artigos
171.º n.º 1 do Código Penal, em concurso real, com um crime de Abuso
Sexual de Criança Agravado p. e. p. pelos artigos 171.º n.º 1 e 2 do
Código Penal, na pessoa do menor ofendido II;
- Um crime de Abuso Sexual de Criança simples, em trato sucessivo, p.
e. p. pelos artigos 171.º n.º 1 do Código Penal na pessoa do menor
ofendido LL;
- Um crime de Abuso Sexual de Criança simples, em trato sucessivo, p.
e. p. pelos artigos 171.º n.º 1 do Código Penal na pessoa do menor
ofendido MM;
- Um crime de Abuso Sexual de Criança Agravado, em trato sucessivo,
p. e. p. pelos artigos 171.º n.º 1 e 2, do Código Penal na pessoa do
menor ofendido NN];
iii) – condenar o arguido pelos crimes e penas parcelares mencionadas
no ponto C) 6.1., deste acórdão
[Isto é (fls. 5295vº):
«a) - 1 ano e 6 meses de prisão para o crime de Abuso Sexual de
Criança simples p. e. p. pelos artigos 171.º n.º 1 do Código Penal na
pessoa do ofendido BB;
b) - 8 anos de prisão para o crime de Abuso Sexual de Criança
Agravado, em trato sucessivo, p. e p. art. 171 n.º1 e 2 do Código Penal,
na pessoa do menor ofendido CC;
c) - 5 anos de prisão para o crime de Abuso Sexual de Criança
Agravado, em trato sucessivo,  p. e. p. pelos artigos 171.º n.º 2 º do
www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 5/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Código Penal, na pessoa do menor ofendido DD;


d) 6 anos de prisão para o crime de Abuso Sexual de Criança
Agravado, em trato sucessivo, p. e. p. pelos artigos 171.º n.º 1 e 2  do
Código Penal, na pessoa do menor ofendido EE;
e) - 2 anos e 4 meses para o crime de Abuso Sexual de Criança
simples, em trato sucessivo, p. e. p. pelos artigos 171.º n.º 1 do Código
Penal na pessoa do menor ofendido FF;
f) - 5 anos e 8 meses de prisão para o crime de Abuso Sexual de
Criança Agravado, em trato sucessivo, p. e. p. pelos artigos 171.º n.º 2
do Código Penal na pessoa do menor ofendido  - GG;
g) - 4 anos e 8 meses de prisão para o crime de Abuso Sexual de
Criança agravado, em trato sucessivo, p. e. p. pelos artigos 171.º n.º 1 e
2 do Código Penal na pessoa do menor ofendido HH;
h) - 1 ano e 6 meses de prisão para o crime de Abuso Sexual de
Criança simples p. e. p. pelos artigos 171.º n.º 1 do Código Penal e 7
anos de prisão para o crime de Abuso Sexual de Criança Agravado, em
trato sucessivo, p. e. p. pelos artigos 171.º n.º 1 e 2 do Código Penal, na
pessoa do menor ofendido II;
i) - 1 ano e 6 meses de prisão para o crime de abuso sexual simples, p
e p, pelo art. 171º nº 1 do Código penal na pessoa do ofendido JJ;
j)- 2 anos de prisão para o crime de Abuso Sexual de Criança simples,
em trato sucessivo, p. e. p. pelos artigos 171.º n.º 1 do Código Penal na
pessoa do menor ofendido LL;
l) - 2 anos de prisão para o crime de Abuso Sexual de Criança simples,
em trato sucessivo, p. e. p. pelos artigos 171.º n.º 1 do Código Penal na
pessoa do menor ofendido  MM;
m) - 5 anos de prisão para o crime de Abuso Sexual de Criança
Agravado, em trato sucessivo, p. e. p. pelos artigos 171.º n.º 1 e 2, do
Código Penal na pessoa do menor ofendido NN;
n) - 1 ano e 6 meses de prisão para o crime de Abuso Sexual de
Criança simples p. e. p. pelos artigos 171.º n.º 1 do Código Penal na
pessoa do ofendido OO;
o) - 6 meses de prisão pelo crime de pornografia de menores»]
            e na pena única de 13 (treze) anos e 6 (seis) meses de prisão –
ponto C)7, deste acórdão.
II – No parcial provimento do recurso da assistente,
i. [condenar] o arguido/demando a pagar a GG a quantia de quarenta
mil euros (€40.000,00) a título de indemnização por danos não
patrimoniais;
III. No mais, confirm[ar] o douto acórdão recorrido».
www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 6/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

1.3. Ainda inconformado, o Arguido interpôs recurso para o Supremo


Tribunal de Justiça (fls.5330), de cuja motivação extraiu as seguintes
conclusões:
            «1. No que diz respeito às necessidades de prevenção especial,
o Tribunal a quo não valorizou devidamente a ausência de
antecedentes criminais do recorrente, encontrando-se este facto omisso
na matéria de facto dada como provada.
Ademais,
                2. Os factos dados como provados relativos à personalidade
do recorrente sustentam um juízo de prognose favorável do recorrente e
da sua ressocialização.
                3. O êxito da ressocialização do arguido configura uma das
finalidades da pena, conforme preceitua o n.º1 do artigo 40.º do C.P..
                4. O supra referido impõe uma diferente apreciação das
necessidades de prevenção especial com correlativa repercussão na
medida concreta da pena.
                5. A determinação da medida concreta da pena aplicada ao
Recorrente, operada nos moldes em que o Tribunal a quo o fez viola o
princípio da unidade do sistema jurídico, por via da aplicação do
artigo 8.ºn.º3 do Código Civil.
                6. Porquanto a pena aplicada se reputa de excessiva quando
confrontada com a Jurisprudência relativa a factos semelhantes.
                7. A título de exemplo elege-se o douto Acórdão do Tribunal
da Relação de Coimbra de 09-04-2014, referente ao processo n.º
2/11.16DCNT.C1.
                8. Em cúmulo jurídico, foi o arguido ali condenado na pena
única de 9 anos por factos constitutivos de 104 crimes de violação
agravada, p.p pelo artigo 164.º, n.º1, al. a) e 177.º, n.º6 do Código
Pena, 12 crimes de violação agravada, p.p. pelo art. 164.º n.º1 a) e
177.º n.º 5, do Código Penal, um crime de sequestro p.p pelo artigo
158.º n.º1 do Código Penal.
                9. Da comparação dos dois doutos arestos resulta uma
significativa discrepância da medida concreta das penas ali aplicadas,
em prejuízo do aqui Recorrente.
                10. A alteração da qualificação jurídica operada pelo Tribunal
a quo, impunha a determinação da pena em medida inferior porquanto
o limite máximo sofreu uma redução significativa.
                11. Ao determinar a medida concreta da pena nos moldes
prefigurados no douto Acórdão ora em crise, o Tribunal a quo violou
os artigos 40.º, 71.º do Código Penal, 8.º do Código Civil, bem como o
Princípio da Proporcionalidade consagrado no artigo 18.º n.º2 da
Constituição da República Portuguesa».
www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 7/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

            1.3.1. Responderam o Ministério Público e a Assistente.


            1.3.1.1. A Senhora Procuradora-geral Adjunta pronunciou-se
pela «improcedência global» do recurso», considerando
designadamente que,
            «… Nos termos previstos no art. 77º nº2 do CP, procedendo o
Tribunal da Relação à ponderação e "avaliação global do facto"
materializada no conjunto de crimes cometidos pelo arguido, todos da
mesma natureza, no lapso de tempo em que a conduta do arguido
perdurou, no elevado número de ofendidos - 13 menores com idades
entre os 11 e os 13 anos, na personalidade do arguido reveladora de
“uma tendência criminosa", considerou por equitativa a pena única de
13 anos e 6 meses de prisão, a qual se nos afigura plenamente adequada
e ajustada ao grau de culpa com que o arguido/recorrente actuou,
apreciadas que foram as necessidades de prevenção especial e geral que
o tipo de crime de abuso sexual de criança demanda.
                Por fim, sempre se dirá que, ao contrário do alegado pelo
recorrente, o tribunal ponderou a circunstância de o arguido não ter
antecedentes criminais, (fls.5294 verso do acórdão), circunstância que
valorou, a nosso ver com acerto, "sem grande peso, já que tal mais não
traduz do que a conduta exigível a qualquer cidadão".
                E dir-se-á também que o princípio da proporcionalidade, cuja
violação o recorrente alega, por invocação da medida da pena aplicada
noutro processo crime, só é equacionável perante situações fácticas
idênticas, decorrendo da leitura do acórdão que cita não existir tal
similitude de situações, desde logo, quanto ao número de vítimas
visado em cada uma das decisões».
            1.3.1.2. Por sua vez a assistente PP, concluiu a sua resposta do
modo seguinte:
            «A) O Acórdão recorrido valorizou todas as circunstâncias
inerentes à personalidade do arguido e outras que concorreram a favor
do mesmo, sendo a punição aplicada adequada à sua culpa e às
exigências de prevenção especial e geral.
                B) O Acórdão recorrido não violou qualquer norma ou
princípio jurídico, mormente os princípios da unidade do sistema
jurídico e da proporcionalidade.
                C) A alteração da qualificação Jurídica e o consequente
reajustamento das sanções penais aplicadas foram feitos de forma
adequada e de acordo com as normas aplicáveis, não se reputando a
pena aplicada de excessiva.
                D) O Acórdão recorrido não merece qualquer censura,
improcedendo em toda a linha os argumentos invocados pelo
Recorrente».

www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 8/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

            1.4. Recebido o processo no Supremo Tribunal de Justiça, a


Senhora Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer em que:
            a) suscitou, como “questão prévia”, a nulidade do acórdão
recorrido por não obedecer à «forma» estabelecida na alínea b) do artº
374º do CPP;
                b) expressou o entendimento de que «na condenação do
arguido AA não deverá/poderá constar que os crimes de abuso sexual
de crianças p. e p. pelos arts. 171.º, nºs 1 e/ou 2 sejam agravados mas
apenas serem de trato sucessivo»;
                c) concluiu, quanto às penas parcelares, que «o grau de
ilicitude, o dolo directo e intenso as necessidades de prevenção geral
relativas às exigências comunitárias e da prevenção especial,
conjugadas com a ausência de antecedentes criminais, a necessidade de
tratamento de uma certa disfunção em termos de comportamento
sexual, o apoio da mãe e irmão, parece-nos poder levar a que pelo
menos as penas de 8 anos e 7 anos de prisão, sejam alteradas devendo
ficar próximas dos 6 e 5 anos e ainda as penas próximas dos 5 anos de
prisão  diminuídas pelo menos de 6 e 8 meses de prisão»;
                d) quanto à «medida da pena única» que, «… como resulta da
lei, não se determina com a soma dos crimes cometidos e das penas
respectivas, mas da dimensão e gravidade global do comportamento
delituoso do arguido», pareceu-lhe «…ser possível alterar a medida da
pena única aplicada para mais próxima dos 10 anos de prisão».
                Em suma, o seu parecer é o de que «o recurso interposto pelo
arguido AA poderá obter provimento quanto às penas parcelares e pena
única ainda que sejam alteradas ou não as primeiras (artºs 432º, nº 1, c),
do CPP e 71º nºs 1e 2 e 77º do CP)».
            1.5. Cumprido o disposto no artº 417º, nº 2, do CPP, a Assistente
respondeu sustentando, em síntese, que «salvo melhor entendimento,
não merece acolhimento uma eventual procedência do recurso
interposto pelo arguido quanto à alteração das penas parcelares e da
medida da pena única, devendo manter-se a decisão proferida pelo
Tribunal da Relação de Lisboa nos seus precisos termos».
            2. Tudo visto, cumpre decidir.
           
            2.1. É do seguinte teor a decisão sobre a matéria de facto tal
como fixada pelo Tribunal da Relação:
«1. O arguido exerceu a actividade profissional de treinador do Clube
de Futebol do “...” entre Abril de 2011 e Março de 2013.
2. Em anos anteriores o arguido foi treinador no “...” e no Clube
Recreativo do ....

www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 9/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

3. Na equipa “...” o arguido foi treinador de futsal dos infantis


compreendendo menores dos 10 aos 12 anos e dos iniciados
compreendendo menores dos 12 aos 14 anos.
4. No exercício de tal actividade o arguido conheceu os ofendidos:
a. CC, nascido em 1999.05.12;
b. DD, nascido em 2001. 07.03;
c. EE, nascido em 2000.11.30;
d. FF, nascido em 2000.02.10;
e. GG, nascido em 2001.02.10;
f. HH, nascido em 2001.07.09;
g. II, nascido em 2001.12.17;
h. JJ, nascido em 2000.05.06;
i. LL nascido em 1998.10.03;
j. RR, nascido em 1999.10.31;
k. MM, nascido em 2000.01.25;
l. NN, nascido em 2000.08.29;
m. OO, nascido em 1999.02.03; e
n. SS nascido em 1999.10.30.
5. O arguido aproveitando-se da relação de proximidade que mantinha
com os menores decorrente da sua posição de treinador passou sob o
pretexto de dar uma massagem a tocar no corpo dos menores, mais
precisamente no pénis e no rabo dos mesmos e a introduzir o dedo no
ânus de alguns deles.
6. Acresce ainda que o arguido já em anos anteriores havia
empreendido semelhantes condutas pelo menos com BB, nascido em
1995.11.08.
7. O arguido por diversas ocasiões contactava com os menores
ofendidos através da rede social “facebook” usando a conta e email do
“...” e usando esse nome no contacto com os mesmos.
8. Nessas ocasiões o arguido interpelava os menores ofendidos para
irem a sua casa sujeitarem-se a massagens.
Factos relativos a BB
9. O menor BB nasceu em 08 de Novembro de 1995 conheceu o
arguido quando tinha cerca de 12 ou 13 anos de idade, ou seja cerca do
Verão do ano de 2008 ou 2009 no Parque de Campismo CCCA da
Costa de Caparica no âmbito de um torneio de Futsal (interparques).

www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 10/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

10. Nessa ocasião, em data não concretamente apurada do Verão de


2009 o arguido abordou o BB sugerindo-lhe que fosse á tenda do
mesmo para lhe realizar uma massagem que melhoraria a sua agilidade.
11. BB aceitou e foram ambos bem como um terceiro amigo de nome
TT à tenda do arguido.
12. Lá chegados e após terem estado a conversar o arguido disse ao TT
para ir embora, ficando a sós com o BB.
13. Nessa altura o arguido disse ao BBofendido para se deitar na cama
de barriga para baixo, tendo nessa altura começado a massajá-lo
inicialmente nas costas.
14. Após o arguido começou a massajar-lhe os abdominais e desceu até
ao pénis altura em que massajou-o colocando a mão e fazendo
movimentos para cima e para baixo.
Factos relativos ao menor CC
15. O menor CC nasceu em 05 de Dezembro de 1999 e conheceu o
arguido quando tinha cerca de seis anos e frequentava o Clube
Recreativo do ..., sendo o mesmo nessa altura seu treinador de futsal,
vindo novamente a ser seu treinador quando o menor passou a
frequentar o ... e ... tendo CC na altura cerca de 9 ou 10 anos de idade.
16. CC passou a treinar futsal no “...” quando tinha cerca de 10 anos
tendo novamente como treinador o arguido.
17. CC foi mudando de clube consoante o arguido igualmente mudava.
18. Em data não concretamente apurada do ano de 2012, cerca das 20
horas e quando CC encontrava-se a treinar no Pavilhão Manuel
Cargaleiro o arguido chamou-o aos balneários.
19. Lá chegados o arguido fechou a porta e conversou um pouco com
CC.
20. Após o arguido disse-lhe para se deitar no banco de barriga para
cima e tirou-lhe as calças, os ténis e boxers.
21. Em seguida, o arguido apalpou as pernas de CC e massajou o pénis
do menor fazendo movimentos para frente e para trás com a mão,
durante cerca de cinco minutos.
22. Nessa ocasião o arguido beijou CC na boca colocando a sua língua
na boca deste.
23. Quando terminou o arguido vestiu CC e foram treinar.
24. Numa segunda vez, em data não concretamente apurada, do ano de
2012, no Pavilhão Manuel Cargaleiro, cerca das 18.00 horas o arguido
voltou a chamar o CC aos balneários, onde o voltou a despir e a
massajar o pénis deste com movimentos para a frente e para trás, bem

www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 11/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

como lhe apalpou o rabo e beijou-o na boca colocando a sua língua na


boca de CC.
25. De seguida o arguido colocou a sua boca no pénis de CC e após
vestiu-o e foram treinar.
26. Em datas não concretamente apuradas, do ano de 2012, o arguido
levou CC, pelo menos por três ocasiões à tenda que o mesmo tinha no
Parque de Campismo do Clube de Campismo do Concelho de Almada
(doravante CCCA) sito na Costa de Caparica, tendo para o efeito ido
buscar o ofendido de carro – Fiat Punto cor preta – de matrícula ...-
CA-...
27. Nessas ocasiões o arguido e ofendido jogavam playstation.
28. Em duas dessas ocasiões [e não «em todas essas ocasiões», como
julgou a 1ª Instância], durante os jogos o arguido carregava na pausa e
dizia a CC para o mesmo se deitar na cama, umas vezes de barriga para
baixo e outras de barriga para cima.
29. De seguida o arguido retirava a roupa de CC começando a
massajar-lhe o pénis com movimentos para a frente a para trás, assim se
mantendo durante cerca de cinco minutos.
30. Em pelo menos uma dessas ocasiões, o arguido para além de
massajar o pénis de CC nos termos supra descritos, disse a CC para que
este colocasse a sua boca no pénis do arguido o que o mesmo fez,
chupando-o.
31. Decorridos alguns minutos o arguido e o ofendido vestiram-se e
continuaram o jogo de playstation, tendo após ambos ido para a praia
até ao final do dia e de seguida o arguido levou o ofendido para casa.
32. Acresce ainda que o arguido, no ano de 2012, em datas não
concretamente apuradas levou o ofendido a sua casa, tendo ido buscá-lo
no seu carro a fim de jogarem playstation.
33. Lá chegados o arguido e o ofendido jogaram playstation tendo o
arguido, num intervalo do jogo, dito ao ofendido para se deitar na
cama, tendo-o despido e dito para o mesmo se colocar de lado
34. Nessa altura o arguido colocou o seu dedo no ânus do ofendido e
após o colocou o seu pénis no ânus do ofendido e fez movimentos para
a frente e para trás, tendo o arguido de seguida se deitado na cama.
35. Nessa altura o arguido disse ao ofendido para o colocar a sua boca
no pénis do arguido e chupá-lo o que o mesmo fez, tendo de seguida
colocado o pénis do ofendido na sua boca, chupando-o.
36. Nessa ocasião o arguido beijou o ofendido na boca colocando a sua
língua na boca do ofendido e massajou-lhe o pénis com movimentos
para a frente e para trás.

www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 12/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

37. Após terminaram o jogo de playstation o arguido levou o ofendido


a sua casa.
38. Os factos supra descritos ocorridos na casa do arguido, repetiram-se
nos mesmos termos pelo menos mais quatro vezes, em datas não
concretamente apuradas, mas sendo a última no fim do ano de 2012 [e
não «no início do ano de 2013», como julgou a 1ª Instância], estando
sempre o arguido e CC sozinhos em casa.
39. Nalgumas dessas ocasiões após a prática dos actos descritos o
arguido levava o CC ao “MacDonalds” para comer.
40. O arguido dizia a CC para não contar a ninguém, bem como lhe
prometeu dar uma T- Shirt e colocá-lo a jogar na equipa.
41. Em algumas das ocasiões em que o arguido colocou o seu pénis no
ânus de CC, este sentiu dor.
42. Tais actos ocorreram sem que o arguido usasse preservativo.
43. No dia 05 de Abril de 2013 CC foi submetido a perícia de natureza
sexual onde se apurou para além do mais que na região anal e peri-anal
o mesmo apresentava “área planada, radiaria às 11h, não nacarada”
bem como foi submetido a exame pericial psicológico no Instituto de
Medicina Legal ali se constatando que este “manifestava medos (...)
nomeadamente o medo de estigmatização e de poder vivenciar
consequências negativas associadas a algo que fez ou de que foi
vitima”.
Factos relativos ao menor ofendido DD
44. DD nasceu em 03 de Julho de 2001 e treina futsal no clube “...”
desde os seus 10 anos de idade (cerca do ano de 2011), tendo como
treinador o arguido.
45. No Verão de 2012 em data não concretamente apurada o arguido
disse ao DD para ir consigo a sua casa para lhe fazer uma massagem o
que este acedeu, tendo o arguido ido buscar o mesmo no seu carro –
Fiat Punto – matrícula ...-CA-....
46. Lá chegado o arguido e DD dirigiram-se ao quarto onde estava a
playstation e lá o arguido disse ao ofendido para tirar as calças e os
boxers e se deitar na cama, o que este fez.
47. Após o arguido massajou o rabo e o pénis de DD, com movimentos
para a frente e para trás enquanto este jogava playstation.
48. Nessa ocasião o arguido introduziu o seu dedo no ânus de DD.
49. Após o sucedido o arguido pediu a DD para não contar a ninguém e
guardar segredo, indo de seguida almoçar ao “MacDonald’s” por conta
do arguido, tendo este lhe dito que lhe iria oferecer um ténis e disse-lhe
para o mesmo escolher o número da camisola com que queria jogar.

www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 13/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

50. O arguido levou o DD a sua casa e repetiu tais actos por mais duas
ocasiões, em datas não concretamente apuradas do ano de 2012.
51. O arguido conversava com DD através do “facebook” a fim de o
convidar a ir a sua casa para fazer massagens, assim veja-se fls. 76 e
seguintes dos autos:
... (nome do facebook usado pelo arguido) – o treino eu e tu na minha
casa; volto a repetir DD, confira em mim na parte das massagens, só
isso; e vais fazer a tua camisola; se calhar fazes a camisa enquanto te
faço massagens se não apanhas seca; pro ano que número queres ser
(…) a outra coisa que te quero avisar, nas massagens atenção que n vais
tar de calças, aviso te já…só se preferires as massagens do sr ... (…)
então terás de fazer sem calças comigo…confia em mim”
Factos relativos ao menor EE
52. EE nasceu em 30 de Novembro de 2000 e conhece o arguido desde
cerca dos seus 8 anos de idade (2008), uma vez que o arguido treinava
no ..., no ... e no “...”, onde EE treinou, sendo que apenas neste último é
que o arguido foi seu treinador.
53. EE encontra-se a treinar futsal no “...” há cerca de dois anos.
54. Em Agosto de 2012, em data não concretamente apurada EE foi
com o arguido a casa deste último para jogarem playstation.
55. Lá chegados dirigiram-se ao quarto, o arguido despiu totalmente o
EE, mas mantendo-se ele vestido.
56. Nessa ocasião o arguido disse ao ofendido para se deitar de barriga
para baixo na cama o que este fez.
57. Então, o arguido massajou as costas e o rabo de EE, tendo
introduzido o dedo no ânus do menor fazendo movimentos para dentro
e para fora.
58. Posteriormente, em data não concretamente apurada, o arguido
levou novamente EE para sua casa a fim de lhe fazer uma massagem e
jogar playstation.
59. Lá chegados o arguido despiu o ofendido e disse-lhe para se deitar
na cama de barriga para baixo, momento em que o arguido lhe
massajou as costas, o rabo e o pénis com movimentos para a frente a
para trás, tendo de seguida introduzido o dedo no ânus do menor.
60. Numa terceira ocasião, em finais de Setembro de 2012 em data não
concretamente apurada o arguido levou novamente o EE a sua casa,
mais precisamente para o quarto local onde despiu o ofendido, disse-lhe
para se deitar de barriga para baixo, massajou-lhe as costas, o rabo e o
pénis com movimentos para a frente e para trás, tendo o arguido
igualmente se despido.

www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 14/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

61. Numa quarta ocasião o arguido levou o EE para a sua tenda sita no
parque de campismo CCCA da Costa de Caparica, tendo-o despido,
mandando deitar-se de barriga para baixo e tendo massajado as costas,
o rabo e o pénis do EE com movimentos para a frente e para trás.
62. Nessa ocasião o arguido despiu-se e introduziu o seu pénis no ânus
do menor ofendido, mas por pouco tempo porquanto o mesmo disse-lhe
que lhe doía muito.
63. Nessa ocasião o arguido masturbou-se ejaculando para a cama.
64. Nesse dia o arguido disse ao EE que iriam repetir a introdução do
seu pénis do ânus do ofendido, tendo este remetido uma mensagem
escrita do seu telemóvel para o telemóvel do arguido dizendo-lhe que
“caso o fizessem teria de ser muito devagar pois doí-lha o rabo”.
65. Em data não concretamente apurada o arguido levou o EE para a
sua tenda no Parque de Campismo do CCCA na Costa de Caparica
onde manteve a mesma conduta, despindo o EE, massajando-lhe o rabo
e o pénis do ofendido com movimentos para a cima e para baixo.
66. Nessa altura o arguido igualmente se despiu e se masturbou.
67. Após perpetrar os factos, o arguido jogava playstation com o
ofendido.
68. Tais actos ocorreram sem que o arguido usasse preservativo.
69. Em algumas ocasiões o arguido levou o EE a almoçar no
“Macdonald’s”, pagando-lhe o almoço.
70. O arguido pediu ao EE para apagar todas as mensagens escritas que
tivesse enviado e recebido do arguido e que se alguma vez a policia o
questionasse do motivo dos contactos com o mesmo dissesse que
contactava com o arguido para desabafar com o mesmo sobre o facto de
gostar de uma rapariga.
71. No dia 16 de Abril de 2013 o EE foi submetido a exame pericial de
natureza sexual onde a nível anal e peri-anal se apurou – área nacarada
a nível da área pectíneal (transição entre a região cutânea propriamente
dita e a mucosa anorectal) arciforme, ligeiramente deprimida localizada
entre as 1h e as 2h.
72. O menor ofendido foi igualmente submetido a exame pericial
psicológico no Instituto Nacional de Medicina Legal onde se conclui
para além do mais que “O examinando percepciona os factos por um
lado procurando negar e minimizar ao máximo o impacto negativo das
emoções que o reviver dos alegados abuso claramente lhe suscita. Por
outro lado esta atitude origina uma elevada desorganização e
conflitualidade psíquica a qual o examinando não dispõe de recursos
internos suficientes para gerir o que fomenta o desenvolvimento de
intensa descargas emocionais, sem a devida contenção e mediação
cognitiva.”

www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 15/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Factos relativos ao menor ofendido FF


73. O menor FF nasceu em 10 de Fevereiro de 2000 e conheceu o
arguido há cerca de 4 (quatro) anos (2008) altura em que o mesmo foi
seu treinador de futsal no Clube Recreativo do ..., sendo novamente
quando o ofendido passou a frequentar o ... e após quando foi para o ...,
onde se encontra desde a época de 2012/2013, entrando em
Agosto/Setembro de 2012.
74. FF mudou de clube, além do mais por sugestão do arguido que
também o fazia.
75. Em data não concretamente apurada do mês de Outubro ou
Novembro de 2012, cerca das 19horas e no início de um treino que
decorria no pavilhão da Escola Manuel Gargaleiro na Cruz de
Pau/Fogueteiro o arguido chamou o FF ao balneário para uma conversa
em privado.
76. Lá chegados o arguido fechou a porta á chave e propôs ao menor
ofendido a realização de treinos privados a fim de melhorar a sua
técnica e poder jogar mais ao que o mesmo respondeu que iria pensar.
77. Após o arguido disse ao FF para se deitar de barriga para baixo num
banco e para tirar os calções, porque lhe iria fazer umas massagens, o
que menor fez.
78. Após o arguido apalpou-lhe as nádegas e o pénis, local onde o
mesmo começou a fazer uma massagem com as mãos fazendo
movimentos para a frente e para trás.
79. Após o arguido disse ao FF para se vestir e ir treinar.
80. No mês de Dezembro de 2012 em data não concretamente apurada,
cerca das 14 ou 15 horas de uma sexta feira o arguido deslocou-se no
seu carro – Fiat Punto preto com a matrícula ...-CA-... - com o FF ao
parque campismo do CCCA da Costa da Caparica com vista a que o
menor tivesse um treino privado no campo de jogos do referido parque.
81. Lá chegados o arguido e o FF dirigiram-se a uma tenda na qual o
arguido disse ao ofendido para tirar os calções e as cuecas e colocar-se
barriga para baixo.
82. Nessa ocasião o arguido massajou o pénis do FF para a frente e para
atrás até o mesmo ficar erecto, bem como lhe apalpou as nádegas.
83. O arguido enquanto tocava no FF disse-lhe para preencher o papel
escolhendo os números com o que o menor queira jogar na próxima
época, tendo o mesmo escolhido os números.
84. Em seguida o arguido disse ao FF para se vestir, fizeram uns treinos
com pesos ainda na tenda e após foram treinar para o campo de futebol,
tendo de seguida conduzido o mesmo até sua casa.
85. Em todas as ocasiões o arguido mantinha-se vestido.
www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 16/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Factos relativos ao menor ofendido GG


86. O menor ofendido GG nasceu em 10 de Fevereiro de 2001 e
conheceu o arguido quando ingressou na classe de Benjamins (sub 11
anos) do clube ..., sendo o mesmo seu treinador quando o ofendido em
2012 passou a jogar com os iniciados e tendo assim frequentado o
clube entre o verão de 2011 e Junho/Julho de 2013. O arguido sempre
manifestou ao menor ofendido gostar muito dele, pedindo-lhe abraços.
87. No verão do ano de 2012 em data não concretamente apurada, GG
deslocou-se ao Algarve na companhia do arguido e dos menores
ofendidos: HH, UU, VV, XX, todos titulares da equipa de Benjamins
para um jogo.
88. No regresso o arguido deixou os todos os menores nas respectivas
casas, tendo o GG sido o último.
89. Em datas não concretamente apuradas no ano de 2012, mas em pelo
menos quatro ocasiões, arguido levou o GG para a sua casa.
90. Em todas essas quatro ocasiões o arguido conduziu o GG para o
quarto dos pais do arguido, após o que o mandava despir-se e se deitar
na cama, massajando-lhe o pénis do GG, com, movimentos para a
frente e para trás e em todas estas ocasiões, introduzindo o dedo no
ânus do GG, fazendo movimentos para a frente e para trás.
91. Em algumas dessas ocasiões, o arguido ao introduzir o dedo no
ânus do GG, causou-lhe dores.
92. O arguido pediu ao GG para não contar nada do sucedido entre
ambos a ninguém.
93. Entre as férias escolares do Natal e o inicio do mês de Janeiro de
2013 em data não concretamente apurada no Pavilhão Manuel
Cargaleiro o GG magoou-se num pé durante um treino.
94. Motivo pelo qual o ofendido dirigiu-se ao balneário sendo seguido
pelo arguido que após entrar trancou a porta do mesmo e começou a
massajar o pé do ofendido.
95. Após massajou o pénis do GG, com movimentos para a frente e
para trás, bem como colocou o seu dedo no ânus do GG e abraçou-o.
96. O GG deslocou-se a casa do arguido combinando tais idas através
do “facebook” onde o arguido o convidava para jogarem playstation e
fazerem treinos privados.
97. No dia 17 de Abril de 2013 o GG foi submetido a exame pericial de
natureza sexual registando na região anal e peri-anal – “apresenta
ectasia do plexo hemorroidário externo, localizada às 11h, sendo que na
sua porção periférica encontra-se uma área nacarada, arciforme, que
interrompe a normal estriação radiaria nessa zona com cerca de 2mm
de comprimento.

www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 17/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

98. GG foi submetido a exame pericial psicológico no Instituto de


Medicina Legal onde se conclui, para além do mais que “Os factos são
percepcionados pelo examinado com um nível de activação emocional
significativa, expressando sentimentos negativos de tristeza e revolta
face aos acontecimentos que relatou, sendo que estes são
percepcionados como factores intensificadores das dificuldades
relacionais e das vivências depressivas de perda que são o foco
principal do seu processamento emocional actual.”
Factos relativos ao menor HH
99. O menor ofendido HH nasceu em 09 de Julho de 2001 e conhece o
arguido desde há cerca de três anos (ano de 2009) altura em que
começou a jogar futsal no Clube Recreativo do HHH, tendo o arguido
após treinado no HHH e no Clube HHH, tendo o arguido sido seu
treinador neste último clube, mas em escalões diferentes do ofendido.
100. No ano 2009 ou 2010, em data não concretamente apurada,
quando HH ainda treinava no Clube Recreativo do HHH, o arguido, na
sequência de um treino levou-o para um balneário e começou a fazer-
lhe massagens nas pernas, em virtude do mesmo ter nódoas negras.
101. De seguida o arguido retirou pelo menos os calções do HH e
continuou a fazer-lhe massagens nas pernas e nas virilhas, tendo após
dito para o ofendido continuar treino.
102. Em Junho de 2012 em data não concretamente apurada e após o
arguido ter ido com o HH e com pai deste ver um jogo, tendo o arguido
pedido ao pai deste para que o HH fosse almoçar com ele, o que o pai
do HH acedeu convencido que o almoço também seria com outros
atletas.
103. O arguido e HH foram para a casa do arguido.
104. Ali chegados o arguido conduziu o HH para o quarto dos pais,
despiu-o e disse-lhe para se deitar na cama de barriga para baixo, tendo
após se virado de barriga para cima.
105. Nessa ocasião o arguido massajou o pénis do HH em movimentos
para frente e para trás masturbando-o e de seguida introduziu um dedo
no ânus do ..., causando-lhe dor.
106. Após foram almoçar e nesse mesmo dia e após o almoço o arguido
levou o HH ao Parque de Campismo do CCCA da Costa da Caparica
indo na sua companhia para a tenda do arguido.
107. No interior da tenda o arguido repetiu os mesmos actos que fez ao
ofendido na casa daquele, nomeadamente, massajando-lhe o pénis com
movimentos para a frente e para trás e introduzindo-lhe o dedo no ânus
do HH.
108. No mês de Novembro ou Dezembro de 2012 em data não
concretamente apurada o HH encontrava-se num treino no Pavilhão
Manuel Cargaleiro quando se magoou num pé indo para os balneários.
www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 18/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

109. Nessa ocasião o arguido dirigiu-se ao balneário, fechou a porta à


chave, despiu o ofendido da cintura para baixo e massajou as virilhas e
o pénis do ofendido, com movimentos para a frente a para trás.
110. No dia 09 de Abril de 2013 o HH foi submetido a exame pericial
de natureza sexual no qual o mesmo não apresentava lesões a nível anal
e peri- anal, nem genital ou peri-genital.
111. O HH foi submetido a exame pericial psicológico no Instituto
Nacional de Medicina Legal onde se concluiu para além do mais que:
“Os factos são percepcionados pelo examinado com incompreensão,
mágoa e revolta por terem sido alegadamente praticados por uma
pessoa na qual depositava a sua confiança, uma vez que conhecia o
arguido desde os seus 8 anos de idade, dado que este foi o seu treinado
em diversos clubes de futsal. Contudo, após os alegados factos o
examinado desenvolveu uma atitude de não silenciamento face aos
alegados abusos, revelando uma adequada capacidade de análise e
comunicação, que teve um carácter preventivo para si e para terceiros.”
Factos relativos ao menor ofendido II
112. O menor II nasceu em 17 de Dezembro de 2001 e conhece o
arguido desde os seus seis anos de idade (2007) altura em que o mesmo
treinava futsal no Clube Recreativo do ....
113. II começou por treinar futsal no Clube Recreativo do II onde o
arguido era seu treinador, tendo mudado depois para o “III”, nas
Barrocas e acabando após quando tinha cerca de 10 ou 11 anos por ir
para o Clube “III”, a convite do arguido e em que este passou
novamente a ser seu treinador.
114. Quando o menor ofendido tinha cerca de seis anos de idade e
treinava no Clube Recreativo do ..., num treino que decorria entre as
19horas e as 20horas, na Escola Romeu Correia, em data não
concretamente apurada, mas no Verão, o II magoou-se na perna.
115. Nessas circunstâncias o arguido chamou o II ao balneário, fechou
a porta à chave e pediu-lhe para se deitar de barriga para baixo,
momento em que o mesmo começou por massajar-lhe a perna, mas
acabou por subir a sua mão na direcção das virilhas do ofendido
acabando por massajar o pénis do mesmo com movimentos para frente
e para trás.
116. Posteriormente, quando o II já treinava futsal no “II”, mais
precisamente entre o final do ano de 2012 e o inicio do ano de 2013 o
arguido repetiu as mesmas condutas para com o II fazendo-o quer no
balneário do Pavilhão Manuel Cargaleiro quer em casa do arguido,
tendo para além do mais introduzido o seu dedo no ânus do ofendido,
fazendo movimentos para dentro e para fora do mesmo.
117. Assim no balneário do Pavilhão Manuel Cargaleiro o arguido, em
pelo menos três ocasiões durante os treinos, ou seja entre as 19h e as
20horas, em datas não concretamente apuradas, chamou o II para lhe
www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 19/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

dar uma massagem dizendo-lhe que a mesma iria permitir melhorar a


sua condição física, chegando a prometer-lhe dar-lhe uns ténis, o que
não fez.
118. Em todas essas ocasiões o arguido ficou a sós no balneário com o
II, pediu- lhe para se deitar de barriga para baixo no banco e mexeu-lhe
na virilha e no pénis, fazendo movimentos para cima e para baixo, bem
como lhe introduziu o dedo no ânus, em pelo menos duas dessas
ocasiões.
119. Em algumas dessas ocasiões e porque causava dor ao Ivo quando
lhe introduzia o dedo no ânus, o II pedia-lhe para parar, o que arguido
não fez, executando os movimentos mais devagar.
120. Após o arguido pedia ao ofendido para colocar a mão no pénis
daquele, com movimentos para cima e para baixo, o que o mesmo fez.
121. Nessas ocasiões o arguido dizia sempre ao ofendido que o que
fazia era para que o mesmo se tornasse num melhor jogador.
122. Acresce ainda que o arguido, na mesma altura entre o final de
2012 e o inicio de 2013 levou o II à sua casa, em pelo menos quatro
ocasiões em que os mesmos se encontravam sozinhos.
123. O arguido dizia ao II que iam jogar “playstation” e treinar futsal
num “ringue” perto de sua casa e ia buscar o ofendido a sua casa no seu
carro Fiat Punto de matrícula ..-CA-....
124. Em todas essas ocasiões o arguido pediu ao ofendido para ir para o
seu quarto onde uma vezes despia-o outras pedia-lhe para despir as
calças enquanto ele lhe tirava as cuecas.
125. Após o ofendido deitava-se na cama e o arguido introduzia o seu
dedo no ânus do ofendido, beijava-o na boca colocando-lhe a língua na
boca do ofendido.
126. O arguido em algumas ocasiões pagou o almoço do ofendido no
“Mac Donald” e comida do restaurante chinês.
127. O arguido enquanto praticava os descritos actos dizia ao ofendido
para escolher o número da camisola com que queria jogar.
128. E no fim pedia ao ofendido para não contar nada aos pais,
dizendo-lhe que o mesmo haveria de ser um grande jogador e como tal
deveria ser capaz de guardar segredo do sucedido.
129. O arguido durante o período de tempo em que o ofendido treinava
no “...” contactava-o por facebook usando o nome “...”, combinando
com o menor os treinos privados, a esse propósito veja conversação a
fls. 579:
“...” – “n te esqueças do nosso treino, eu e tu”
“II” – “no sábado vou treinar contigo ne”

www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 20/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

“...- antes vamos ver um jogo que tu vais gostar, depois almoçamos,
queres chinês ou Mac? ou telepizza?
“II” – Mac
“...- ok .. lá vou eu comer o Big Mac depois á PES 2012”.
130. No dia 9 de Abril de 2013 o II foi submetido a exame pericial de
natureza sexual onde não se observaram lesões ou sequelas sugestivas
de traumatismo.
Factos relativos ao menor ofendido JJ .
131. O menor ofendido JJ nasceu em 06 de Maio de 2000 e conheceu o
arguido quando tinha cerca de nove ou dez anos e treinava futsal no
Clube ....
132. No verão de 2012 o JJ passou a treinar no Clube ... sendo o
arguido seu treinador.
133. Nessa altura, no ano de 2012 e logo após o início do ano escolar
em data não concretamente apurada o JJ durante um treino entre as
18h30 e as 20h30 que decorria no Pavilhão Manuel Cargaleiro
lesionou-se numa virilha
134. Motivo pelo qual o JJ foi para o balneário seguido pelo arguido
que lhe disse para se deitar de barriga para cima.
135. Nessa altura o arguido colocou-lhe um spray nas virilhas e após
massajou o pénis do ofendido com movimentos para a frente e para
trás, durante cerca de cinco minutos.
136. Após tal situação o arguido convidou o ofendido para ir ao parque
de campismo do CCCA da Costa da Caparica, mas o mesmo recusou,
tendo se deslocado numa ocasião a casa do arguido.
137. Em algumas ocasiões o arguido pagou almoços no “Mac
Donald’s” ao ofendido.
138. O arguido mantinha conversações com o ofendido através da conta
de “facebook” do Clube ... nas quais dizia ao ofendido que o colocaria
a jogar nos iniciados (escalão acima do seu) caso o mesmo aceitasse as
suas massagens, conforme fls. 73 a 157 dos autos que aqui se dão por
integralmente reproduzidas.
139. Assim a esse propósito, numa dessas conversas o arguido disse ao
ofendido o seguinte (fls. 197):
... – Olha quero te propor uma coisa…mas para isso terás que fazer
sacrifícios e pensares para ver se aceitas. Quero em apenas numa tarde,
ou em 2horas numa tarde terinar te, eu e tu apenas, para começares a vir
treinar com os iniciados, mas para se evitar lesões terá que se fazer uma
coisa que n gosta, por isso me referi aos sacrifícios, massagens mais ou
menos idênticas à da outra vez.

www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 21/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

JJ – Eu nem gosto de massagens


... – pois por isso disse…” terá que se fazer uma coisa que não gostas”.
Queres ou não queres? O “pode ser” n serve para mim
JJ – sim quero mas masagens não sfff
... – és chamado então aos iniciados quando for o caso…treinar comigo
esquece…depois comunicarei quando la fores.
JJ – então porque não quer que treine consigo so porque não deixei
fazer massagens.
... – sinal de falta de confiança, n gostei, na boa n existe problema,
depois mais uma semana ou outra eu chamo te para os iniciados.
...- Bay fogo so pk não deixei fazer massagens mas yha na boa ate
sábado.
140. Em 11 de Abril de 2013 o ofendido foi submetido a exame pericial
de natureza sexual não se tendo observado a nível anal e peri- anal
qualquer lesão sugestiva de traumatismo o que não permite excluir a
sua ocorrência considerando hiato de tempo decorrido.
141. O arguido foi submetido a exame pericial psicológico no Instituto
Nacional de Medicina Legal onde se conclui para além do mais que “
Os factos são percepcionados pelo examinado com imaturidade e sem
um activação emocional significativa, típico do seu funcionamento
psíquico, no qual os conflitos emocionais são evitados e afastados do
seu espaço mental para tentar reduzir a ansiedade e neutralizar o
impacto negativo da situação em si.”
Factos relativos ao menor ofendido LL
142. O ofendido LL nasceu em 03 de Outubro de 1998 e conhece o
arguido desde há dois anos altura em que aquele passou a treinar futsal
no ... na Cova da Piedade (onde esteve entre os 11 e os 12 anos de
idade) e após desde o Verão de 2012 (quando tinha cerca de 13 anos de
idade) no Clube ..., tendo o arguido sido sempre o seu treinador.
143. O arguido em algumas ocasiões convidou o LL para almoçar no
“MacDonalds” pagando-lhe o almoço.
144. No verão de 2012, após um treino de futsal e em data não
concretamente apurada o arguido convidou o ofendido para ir a sua
casa joga playstation.
145. Após chegarem e jogarem playstation o arguido indagou o
ofendido se pretendia uma massagem o que mesmo concordou julgando
que a mesma seria nas suas costas.
146. Ao chegarem ao quarto o arguido disse ao ofendido para despir a
camisola, as calças e os boxers e deitar-se de barriga para cima na
cama, o que o ofendido fez.

www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 22/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

147. Nessa ocasião o arguido massajou as pernas, as virilhas e após o


pénis do ofendido dizendo-lhe que era para seu bem e fazendo
movimentos para a frente a para trás.
148. Todavia o ofendido pediu para o arguido parar o que este acedeu e
levou-o a casa.
149. Durante algumas semanas o arguido propôs ao ofendido que o
mesmo fosse a sua casa para lhe dar as massagens tendo este sempre
recusado.
150. Sendo que o arguido propunha ao ofendido fazer-lhe tais
massagens quer quando o levava a casa quer depois dos treinos quer em
conversas mantidas através do “facebook”.
151. O ofendido acabou por ir numa segunda ocasião, em data não
concretamente apurada, a casa do arguido quando este lhe disse que só
iriam jogar playstation e sem massagens.
152. Ao chegar a casa, o arguido e o ofendido jogaram playstation e
após aquele disse ao ofendido para se despir, tendo o mesmo recusado.
153. Todavia o arguido, contra a vontade o ofendido despiu-o da cintura
para baixo (calças e boxers) e começou a apalpa-lo nas pernas e no
pénis.
154. O ofendido por sua vez pedia-lhe para parar e o arguido só parou
quando se apercebeu de que o ofendido estava assustado.
155. Nessa altura o ofendido pediu-lhe para o levar para casa, como o
arguido recusou o ofendido disse-lhe que iria ligar e contar tudo aos
seus pais.
156. O arguido disse ao ofendido para não contar o sucedido a ninguém
se não deixava de ser seu amigo e nunca mais o deixava jogar.
157. Após e na sequência do sucedido o ofendido deixou de treinar no
“Clube ...”.
158. O arguido ainda abordou o ofendido através da conta de
“facebook” do Clube ... para massagens e para regressar ao clube tendo
este sempre recusado.
Factos relativos ao menor ofendido RR.
159. O menor ofendido RR nasceu em 31 de Outubro de 1999 e
conhece o arguido desde cerca do ano de 2011, mais precisamente
quando o ofendido passou a treinar no Clube ... sendo o mesmo seu
treinador.
160. Numa ocasião em data não concretamente apurada durante um
treino o ofendido magoou-se numa perna indo para os balneários sendo
seguido pelo arguido que lhe deu uma massagem com uma pomada na
zona da perna e do rabo do ofendido.

www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 23/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

161. Todavia o ofendido disse ao arguido que a dor se localizava mais a


abaixo da zona do rabo e este desceu para essa zona.
162. Após o sucedido o arguido interpelou o ofendido para o mesmo ir
com ele de férias para a Madeira, ir a casa dele jogar playstation, mas o
mesmo sempre recusou.
163. Assim o arguido conversava com o ofendido através do
“facebook” interpelando-o para ir a sua casa para lhe fazer massagens,
veja-se a esse propósito fls. 227 a 230, 237 e 238 dos autos que aqui se
reproduzem: “...” – precisava que tu me fizesses de coabaia, loool, não
a sério tenho estado a reparar numa coisa em alguns jogadores e se tu
deixares claro gostaria qye ba sexta no treino me deixasses eu fazer te
massagens, mas pronto já sei que tu não deves ser a pessoa mais
indicada para pedir.”
RR: não percebi patavina
“...” – tava te a perguntar se te posso fazer umas massagens durantes
dois minutos na sexta, depois eu explico te pk.
RR – Naaaaoooooo.
... – ok
RR – T u és orrivek a fazelas.
... – mas tou a falar a sério…n tou a brincar, preferes ser o sr ....
RR – nnnnnnnnnnnn, n kero massagens de ninguém
... – ok, então pronto afasta te de mim a serio, tou farto, até amanha.
Mas a sério, faz me um favor a partir de jogo acabou se as brincadeiras
comigo, sou teu treinador, nda mais, xauu.(…)
... – AINDA BEM, não ires ao treino é castigo por n m deixares fazer
massagens loooolll
RR – tbm, se eu for ao treino tu fazesme massagens…
... – Sabes qual é o teu mal, é que se eu te fizesse massagens n irias
querer outra coisa, porque elas são de outro mundo, por isso é que eu
me recuo a faze las a todos, lol.
164. No dia 24 de Abril de 2013 o menor ofendido foi submetido a
exame pericial de natureza sexual onde não se apuraram lesões ou
alterações na estriação radiaria.
“Factos relativos ao menor ofendido MM
165. O ofendido MM nasceu em 25 de Janeiro de 2000 e conheceu o
arguido como seu treinador de futsal no Clube Recreativo do MMM,
tendo ofendido na altura cerca de seis ou sete anos de idade, sendo que
após o ofendido mudou para o ... onde esteve só alguns dias, indo após

www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 24/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

para o ... e após para o Clube Águias de ..., conforme o arguido mudava
e sugeria ao ofendido igualmente para mudar.
166. Durante a altura em que o arguido foi treinador do ofendido no
Clube ..., ano de 2011/2012, em duas ocasiões, em datas não
concretamente apuradas o arguido convidou o MM para jogar
playstation em sua casa, o que o ofendido concordou indo com o
arguido no seu carro – Fiat Punto matrícula ...-CA-...
167. Lá chegados o arguido foi com o MM para o seu quarto e disse-lhe
que lhe iria fazer umas massagens para lhe descontrair os músculos.
168. Nessas duas ocasiões o arguido despiu o MM, deixando-o em
cuecas e disse-lhe para se deitar de barriga para baixo na cama,
começando a massajar-lhe todo o corpo e inclusivamente o pénis do
menor, tendo para o efeito colocado a sua mão no interior das cuecas do
mesmo e fazendo movimento para cima e para baixo.
169. O arguido prometeu ao MM jogar com o número 7 na sua
camisola e numa das ocasiões pagou-lhe o jantar num restaurante
chinês.
170. No dia 17 de Abril de 2013 o menor ofendido foi submetido a
exame pericial de natureza sexual apurando-se – não apresenta lesões
ou sequelas de traumatismos.
171. O menor ofendido foi submetido a exame pericial psicológico no
Instituto Nacional de Medicina Legal onde se concluiu para além do
mais que “Os factos são percepcionados pelo examinado com revolta e
tristeza por terem sido alegadamente praticados por uma pessoa na qual
depositava confiança (…)”
Factos relativos ao menor ofendido NN
172. O menor NN nasceu em 19 de Agosto de 2000 e treina futsal no
Clube ... desde Setembro de 2012 tendo o arguido como seu treinador.
173. No final do ano de 2012 o arguido convidou o NN a ir a sua casa
para lhe dar umas massagens que lhe iriam fazer bem e ter treinos
privados consigo.
174. O NN concordou e assim em data não concretamente apurada, o
arguido levou o NN a sua casa, no seu carro e lá chegados foram ambos
para o quarto daquele.
175. Nessa altura o arguido despiu totalmente o ofendido e disse-lhe
para se deitar na cama de barriga para baixo.
176. De seguida o arguido massajou o corpo do ofendido e após
massajou o pénis do ofendido com movimentos para trás e para a
frente, tendo em acto contínuo introduzido um dedo no ânus do
ofendido, fazendo igualmente movimentos para dentro e para fora,
causando-lhe dor.

www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 25/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

177. Tal situação repetiu-se em Fevereiro de 2013 em data não


concretamente apurada, em casa do arguido e exactamente os mesmos
actos de massajar o pénis do ofendido com movimentos para frente e
para trás e introduziu-lhe o dedo no ânus.
178. Ainda no mês de Fevereiro de 2013 em data não concretamente
apurada o arguido levou o ofendido ao parque de campismo do CCCA
da Costa da Caparica onde na sua tenda voltou a praticar todos os actos
supra descritos e exactamente da mesma forma.
179. Ou seja massajou o pénis do ofendido com movimentos para cima
e para baixo e colocou o dedo no ânus.
180. Em todas as ocasiões e previamente o arguido dizia ao ofendido
que se aceitasse as massagens podia escolher o número da camisola
com que iria jogar, tendo o ofendido escolhido o número cinco.
181. Sendo que após decorrerem as situações o arguido pedia sempre
ao ofendido para não contar o sucedido a ninguém.
182. O arguido manteve algumas conversações com o ofendido através
do “facebook” onde lhe dizia que as massagens seriam o sacrifício que
o mesmo teria que fazer para ser titular e jogar na equipa e para
pensasse nele como se fosse uma mulher.
183. Assim, veja-se designadamente fls. 817, 819, 839, 848 dos autos e
que se transcreve:
- ... – até que ponto tas disposto para treinar fora do dia de treinos
comigo(…) ok…depois falo contigo sobre os detalhes e de
determinados sacrifícios que tens de fazer.(…) não te esqueças
sacrifícios nos treinos…eu tenho a sensação que vais desistir mas
enfim…
- NN – que tipo de sacrifícios?
- ... – Antes do treino massagens em minha casa, depois vamos para o
ringue aqui ao pé da minha casa…
- NN- Ok-
... – Bem vou andando, depois falamos, alguma coisa móvel e faz me
um favor vai pagando as conversas aqui no face e as mensagens no
telemóvel, é melhor lol; não tinhas apagado ainda?
- NN – sim no móvel sim
- ... – ok mas é aqui que falo contido sobre massagens lol, tou mesmo
ansioso de te fazer
- ... – olha eu tenho medo é de uma coisa, epa que tu por alhum motivo
penses que as massagens é algo “gay” ou assim porque n é, n tem nada
a ver
- NN – eu sei que os jogadores profissionais também as fazem
www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 26/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

- ... – e nuns e são mexidos nos sexos deles…é verdade, para não terem
lesões…portanto se te fizer so tens de pensar que é uma mulher loll.
184. No dia 16 de Abril de 2013 o menor ofendido foi submetido a
exame pericial de natureza sexual onde se apurou a nível anal e peri-
anal – Cicatriz vestigial arciforme de convexidade para a esquerda que
interrompe normal estriação radiaria às 7h.
Factos relativos ao menor ofendido OO
185. O ofendido OO nasceu em 02 de Março de 1999 e conhece o
arguido desde há dois anos, ou seja desde que treina futsal no Clube ...
sendo o mesmo seu treinador.
186. No ano de 2012 em data não concretamente apurada o arguido
através de uma conversação com o ofendido no “facebook” propôs-lhe
ser submetido a umas massagens especiais que seriam dadas pelo
arguido na sua casa.
187. Assim conforme fls. 1324 dos autos de que se transcreve: ... –
amanha ainda não…mas daqui a 1 semana irei ter o PES 2013 e queria
que viesses ca a casa experimenta-o …e queria fazer um treino
individual contigo com obviamente massagens por causa das lesões…
queria que confiasses em mim sff.
188. O ofendido concordou e foi com o arguido a casa deste, em data
não concretamente apurada, mas situado no 2º período da época
escolar.
189. Ao chegar a casa o arguido e ofendido foram para o quarto onde
aquele lhe pediu para despir as calças e os boxers e deitar-se na cama.
190. Após o arguido começou a massajar o corpo do ofendido,
inicialmente nas virilhas e após massajou o pénis do ofendido para
cima e para e baixo, enquanto este escrevia o numero da camisola com
que queria jogar.
191. Depois o arguido e o ofendido foram jogar playstation e aquele
pagou o almoço no “MacDonald’s” a este.
192. No dia 19 de Abril de 2013 o menor ofendido foi submetido a
exame pericial de natureza sexual onde não se apuraram lesões ou
sequelas sugestivas de traumatismo.
Factos relativos ao menor ofendido SS
193. O ofendido SS nasceu em 30 de Outubro de 1999 e conheceu o
arguido como o seu treinador de futsal desde o Clube “... do Feijó”,
passando pelo ... e no Clube ..., onde joga desde há cerca de um ano, ou
seja desde o final do ano de 2012.
194. O ofendido mudou de clube por convite do próprio arguido.
195. Quando o ofendido já se encontrava no Clube “...”, em data não
concretamente apurada o mesmo magoou-se na zona femoral durante
www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 27/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

um treino que decorria no Pavilhão Manuel Cargaleiro.


196. Nessa altura o arguido chamou-o ao balneário e estando fechado
sozinho com o ofendido fez-lhe uma massagem nas pernas com uma
pomada tendo subido com as suas mãos até à zona das virilhas que
massajou igualmente.
*
197. O arguido residia à data da prática dos factos e até ser detido na
Rua Dom João III nº 1, R/C Direito, Almada com os seus pais, que
nunca se encontravam em casa quando o arguido levava os menores
ofendidos a casa.
198. O arguido manteve todas as conversações na rede social
“facebook” com os menores ofendidos usando a conta do “...”, nome
que usava nas mencionadas conversações.
*
199. No dia 18 de Abril de 2013 na sequência de realização de busca
domiciliária a casa do arguido foi apreendido, para além do mais um
computador portátil “Asus” modelo Z53S com inscrição
ID:2A7AN0AS456775.
200. No computador portátil do arguido supra identificado
encontravam-se imagens e vídeos que se passam a descrever.
201. Assim no computador do arguido encontrava-se um ficheiro com
extensão “JPEG EXXIF” consistente numa foto de um indivíduo de
sexo masculino cuja identidade não foi possível apurar, com três
bonecos representativos de bebés, estando um posicionado na zona
genital do arguido.
202. Acresce ainda que se encontravam no computador três vídeos
sendo que os dois primeiros resultam de downloads efectuados pelo
arguido da internet, de site não concretamente apurados, mas ocorridos
em 04 de Fevereiro de 2011 e 30 de Janeiro de 2010 e o terceiro de uma
filmagem efectuada.
203. O primeiro filme consiste num ficheiro com extensão MPEG 1.0,
com um vídeo digital com duração de 04 minutos de 53 segundos no
qual se visiona dois menores, seguramente com menos de 18 anos de
idade, nús em cima de uma cama, em que um praticado coito oral no
outro, introduzindo simultaneamente o dedo no ânus, sendo que no
final do vídeo ambos os menores exibem em cima da cama o seu ânus.
204. O segundo filme consiste num ficheiro com extensão MPEG.2:0
com um vídeo digital com duração de 27 segundos onde se visiona dois
menores de dezoito anos de idade nus, em cima de uma cama em que
reciprocamente seguram o pénis um do outros e massajam fazendo
movimentos para cima e para baixo e acariciando-se.

www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 28/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

205. O terceiro filme consiste num ficheiro com extensão RIFF Avi no
qual consta um filme realizado dos balneários de um dos clubes
treinado pelo arguido em que aparecem vários menores nus e a tomar
banho.
206. O arguido detinha no seu computador dois softwares “CCleaner” e
“GlarY Utilites” cujo o objectivo é manter o disco rígido limpo
permitindo assim elimina cookies, histórico de internet, conversas de
MSN, analisar/corrigir ou eliminar chaves de registo e desinstalar
softwares.
207. Com a detenção de tais softwares visava assim o arguido ocultar
provas destruindo intencionalmente os ficheiros que fez download.
*
208. Os menores ofendidos apresentavam as características físicas
correspondentes às suas idades, as quais o arguido conhecia
considerando a relação de proximidade que mantinha com os mesmos
na qualidade de seu treinador e considerando as equipas em que os
mesmos se encontravam inseridos no âmbito dos treinos de futsal.
209. O arguido sabia que os factos descritos iriam perturbar, como
perturbaram, o desenvolvimento afectivo, físico e emocional dos
menores e que afectavam, de forma grave, a evolução e a construção
das suas personalidades, conhecendo e não podendo ignorar a sua tenra
idade.
210. De facto, as idades dos ofendidos, não lhes permitem aperceber-se
da gravidade das condutas perpetradas pelo arguido, que, para impedir
que estas viessem a narrar os factos de que foram vítimas, lhes pedia
para não dizerem nada aos pais e os aliciava designadamente com
refeições no “MacDonald”, subida de escalão de treino, assunção de
posição de titular numa equipa, escolha de numero da camisola com
que jogariam.
211. Ao proceder como procedeu o arguido sabia e queria satisfazer os
seus instintos sexuais e libidinosos, conhecendo a idade dos menores e
sabendo que as levava a sofrer actos que ofendiam a sua honra,
dignidade moral e sexual.
212. Sabia ainda o arguido que ao praticar os descritos actos o fazia
pondo em causa a sua autodeterminação sexual e desenvolvimento,
resultado que quis com vista a dar satisfação ao seu instinto lascivo.
213. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, com a
intenção de constranger as menores a suportar os seus comportamentos
e de satisfazer os seus instintos sexuais e a sua lascívia, não obstante
saber as idades das mesmas, ciente da reprovabilidade das suas
condutas e do carácter sexual das mesmas, bem sabendo que ofendia a
liberdade de autodeterminação sexual do mesmo.

www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 29/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

214. O arguido aproveitou-se das suas funções de treinador de crianças


para através das mesmas ganhar a confiança dos ofendidos e convence-
los às práticas sexuais que sobre os mesmos empreendeu para
satisfação da sua vontade lasciva.
215. O arguido sabia que por ser treinador dos menores ofendidos tinha
uma relação de supra-ordenação para com os mesmos, aproveitando-se
de tal circunstância para perpetrar as condutas delituosas contra os
menores ofendidos.
216. O arguido detinha na sua posse uma imagem do próprio com
bonecos colocados, na zona genital e bem assim três filmes, sendo os
dois primeiros o resultado de um download feito na internet e o terceiro
um vídeo obtido através de uma gravação de câmara de filmar realizada
nos balneários em que os menores estavam o tomar banho e nus.
217. O arguido sabia e queria ao deter tais vídeos satisfazer o seu
instinto lascivo e a sua libido sabendo que a detenção de tais ficheiros é
proibida e punida por lei.
218. Mais sabia e queria o arguido que ao deter tais vídeos induz à
exploração de criança para a realização dos vídeos em causa e à
promoção dos abusos sexuais de que as mesmas foram vítimas.
219. O arguido conhecia a ilicitude das suas condutas, bem sabendo
que as mesmas eram proibidas e puníveis por lei, não se tendo coibido
de as praticar.
220. O arguido demonstrou valoração crítica das suas condutas.
*
Factos inerentes à condição pessoal e personalidade do arguido
221. O arguido é o mais novo de dois irmãos, tendo crescido no seio de
uma família estruturada.
222. O arguido mantinha um grupo de amigos estável, inseridos no
mercado de trabalho, com os quais era usual conviver, tendo por hábito
jantarem e conversarem em bares.
223. O arguido revela dificuldades no relacionamento com o sexo
oposto, reportando padecer de ejaculação precoce e percepciona que o
seu “pénis é pequeno” o que não satisfaz sexualmente as mulheres.
224. O arguido revela ser egocêntrico e impulsivo na tomada de
decisões e revela, apesar de possuir as adequadas competências de
comunicação e no relacionamento interpessoal, ser reservado no que se
refere à sua intimidade, não partilhando com a família e amigos os seus
assuntos/preocupações, mantendo mesmo algum distanciamento face à
família no sentido de não interferirem na sua vida.
225. Apresenta ainda uma baixa autoestima, imaturidade e dificuldades
na expressão emocional, que parecem comprometer a capacidade de
www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 30/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

manutenção de relações íntimas de igualdade/adultas.


226. À data da sua detenção trabalhava desde o dia 11.02.2013, como
administrativo na PT/Comunicações auferindo entre 700 a 800 euros
mensais.
227. Anteriormente estivera desempregado desde meados de Setembro
de 2012, após a cessação do seu contrato de trabalho como
administrativo no Banco ....
228. O arguido vivia com os pais.
229. Possui o 12º ano de escolaridade.
230. Após a sua prisão o arguido solicitou acompanhamento
psicológico, o qual ainda mantém.
231. O arguido recebe no EP visitas dos pais e irmão, que mantêm
disponibilidade para lhe prestar apoio.
*
Factos inerentes ao pedido de indemnização civil deduzido por ... e
GG:
232. GG encontra-se a vivenciar elevados níveis de aflição e
sofrimento, sentindo-se bombardeado por disparadores internos de
tensão aos quais não consegue organizar, nem dirigir comportamentos
com o objectivo de recuperar o seu equilíbrio.
233. Os estados de necessidade do GG não estão a ser experienciados
de forma adequada, apresentando risco de sofrer episódios de
desorganização, pois o desequilíbrio interno que experimenta é muito
forte, podendo ser potencialmente disruptivo para a sua estrutura
psíquica.
234. GG apresenta um nível de tensão interna muito elevado, devido a
uma incapacidade de exteriorizar os seus comportamentos hostis,
aumentando consequentemente o seu mal-estar e irritação internos.
235. GG evidencia diversos medos que são experienciados com elevada
intensidade, nomeadamente: medo de se despir, medo de fazer coisas
más, medo de que o possam separar dos seus pais e de que alguém
fique bêbado ao pé de si, medo de dizer não a um adulto, medo de lhe
dizerem para fazer uma coisa que não está certa, medo de pessoas
despidas, entre outros.
236. O pai e a avó materna de GG haviam falecido anteriormente o que
o arguido bem sabia, bem sabendo que o mesmo devida à perda do pai
e da avó se encontrava numa situação de fragilidade emocional,
aproveitando-se dessa fragilidade.
237. GG registou perda de rendimento escolar, passando mesmo a ter
notas negativas.

www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 31/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

238. GG em virtude dos factos supra descritos que tem tido


acompanhamento médico nomeadamente de psicologia e
pedopsiquiatria.
239. ..., mãe de GG sofreu um enorme desgosto e caiu numa tristeza
profunda, o que também se reflectiu no estado do GG.
240. ... vive numa constante inquietação e preocupação com o filho.
241. No dia em que GG foi prestar declarações em Tribunal, ... sentiu-
se mal e viu-se forçada a recorrer à urgência psiquiátrica do Hospital
Garcia de Orta.
242. ... em virtude da situação do filho GG está a ter acompanhamento
psiquiátrico e psicológico.
243. ... tem receio do impacto negativo que os acontecimentos a nível
social e da comunicação social tenham sobre o filho.
244. ... despendeu com o GG as seguintes quantias:
a. Deslocação ao tribunal para inquirição do menor - € 3,96;
b. Deslocação para realização da perícia sexual - € 10,96;
c. Deslocação para a realização da perícia psicológica - € 38,96;
d. Consultas de Pedopsiquiatria - € 21,60;
e. Deslocação a consulta de pedopsiquiatria - € 18,96;
f. Deslocação do Hospital Garcia de Orta para realização de análises –
3,96.
245. GG tem igualmente gastos com medicamentos.
Relativamente ao não provado, foi consignado o seguinte:
1. O arguido pediu a BB para que este se despisse.
2. O arguido levou CC numa quarta ocasião à sua tenda onde lhe
massajou o pénis e colocou o seu pénis na boca de CC.
3. O arguido, na terceira ocasião que levou o EE para a sua residência
se despiu e masturbou-se.
4. O arguido quando pela segunda vez levou o EE para a sua tenda no
Parque de Campismo do CCCA na Costa da Caparica, introduziu o
dedo no ânus do EE.
5. O arguido após chegar do Algarve com o GG, conduziu à sua
residência, levando-o para o quarto onde lhe disse para se despir e se
deitar de barriga para baixo na cama, o que ofendido fez ficando de
boxers.
6. Após o arguido retirou os boxers do ofendido e massajou-lhe o pénis
fazendo movimentos para a frente e para trás, enquanto passava a boca
www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 32/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

pela cara do ofendido e mordiscava-lhe a orelha.


7. Após o arguido introduziu o dedo no ânus do ofendido, fazendo
movimentos para a frente e para trás, o que lhe causou dor e em seguida
o arguido lambeu o dedo.
8. O ofendido questionou o arguido sobre o que o mesmo estava a fazer
tendo este respondido que era só uma massagem.
9. De seguida o arguido transportou o ofendido para casa, parando
antes no “MacDonalds” de Corroios para jantar, mas o ofendido não
comeu nada.
10. No caminho para casa do ofendido o arguido disse-lhe que o que
acontecera entre os dois não era para contar a ninguém.
11. O arguido quando se encontrou com o HH no balneário enquanto
este ainda era jogador no ... pediu ao HH que despisse toda a roupa,
ficando a nu da cintura para baixo.
12. O arguido levou o II numa quarta ocasião para o balneário onde
massajou o pénis do menor e introduziu o dedo no ânus do menor.
13. O arguido introduziu o dedo no ânus do II, enquanto este se
encontrava no balneário do Pavilhão Manuel Cargaleiro, mais do que
em duas ocasiões.
14. O arguido conduziu o II à sua residência numa quinta ocasião e
nessa altura lhe introduziu o dedo no ânus e beijou-o na boca.
15. Os menores visualizados nos ficheiros de vídeo que o arguido
detinha no seu computador e supra referidos, eram menores de catorze
anos.
            2.2. Antes de definirmos e de nos debruçarmos sobre o objecto
do presente recurso, vamos apreciar a questão da nulidade do
acórdão suscitada pela Senhora Procuradora-geral Adjunta do Supremo
Tribunal de Justiça no seu parecer.
            A este propósito alegou o seguinte:
            «O acórdão do Tribunal da Relação na decisão condenatória do
arguido AA que profere, uma vez que procedeu a alterações da matéria
de facto e alterou a qualificação jurídica relativamente a 10 dos
“ofendidos”, limita-se não só a fazer estas referências sem indicar
disposições legais e quais os crimes concretos e medida das penas mas
também a indicar os pontos onde terá fundamentado a decisão e alguma
das alterações.
                Não nos parece que esta “forma” de apresentar a decisão
condenatória obedeça ao disposto na alínea b) do art. 374.º do CPP,
pelo que suscitamos a nulidade da decisão que poderá ser conhecida e
declarada oficiosamente nos termos do disposto no art. 379.º, n.º 1 al. a)
do CPP».
www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 33/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

            Vejamos:
            O apelo à «decisão condenatória do arguido» e às normas
convocadas, designadamente à alínea a) do nº 1 do artº 379º do CPP,
remete-nos inevitavelmente para arguição da nulidade do dispositivo do
acórdão por não conter «a decisão condenatória».
            A crítica, no entanto, enquanto dirigida a esse segmento do
acórdão não é, salvo o devido respeito, procedente.
            Como se vê do dispositivo, que transcrevemos em 1.2., não
podem suscitar-se dúvidas sobre o exacto alcance da decisão final, quer
quanto à alteração da decisão sobre a matéria de facto – que é, sem
dúvida, a operada nos termos do «ponto A) 3.1.4.1, deste acórdão»,
incidente sobre o nº 28 dos factos provados (cfr. fls. 5280vº) –, quer
quanto ao alcance da alteração da qualificação jurídica dos factos a que
procedeu – que é, sem dúvida, a operada no ponto C)5 do acórdão (fls.
5292vº), ou seja, em síntese, a convolação dos casos que a 1ª Instância
considerou constituírem um concurso efectivo de crimes para um crime
«em trato sucessivo», p. e p. pelo nº 1 e/ou nº 2 do artº 171º do CPenal,
como especifica em relação a cada um dos Ofendidos – quer quanto à
medida concreta de cada uma das penas parcelares aplicadas em função
da qualificação operada, como foi ponderado no ponto C)6 e
concretizado no subsequente ponto C)6.1. (fls. 5295vº).  
            Contendo o dispositivo do acórdão uma decisão, no caso uma
decisão inequivocamente condenatória, embora com remissão para
itens da fundamentação cujos exactos termos também não permitem
dúvidas, não vemos razão para decretar a sua nulidade.
            Improcede, assim, a arguição da invocada nulidade.
            2.3. O objecto do recurso
            São as conclusões que definem, em princípio, o objecto do
recurso.
            Mas se é esse o espaço da motivação em que o recorrente tem
de resumir as razões do pedido, como prescreve a parte final do nº 1 do
artº 412º e se, nele, pode restringir o objecto inicial do recurso, já não
pode aí ampliá-lo, como decorre dos nºs 2 e 4 do artº 635ºdo CPC.
            Posto isto, vejamos quais as razões do recurso que nos revelam
as conclusões que deixámos transcritas.
            O Recorrente impugna por excessiva «a medida da pena
aplicada» (conclusão 6); assinala a discrepância significativa «da
medida concreta das penas» aplicadas no acórdão recorrido e num
outro do Tribunal da Relação de Coimbra (conclusão 9); alega que a
alteração da qualificação jurídica operada no acórdão recorrido
impunha a «determinação da pena» em medida inferior (conclusão 10);
conclui que o acórdão recorrido, «ao determinar a medida concreta da
pena», violou as normas jurídicas que indica (conclusão 11).
www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 34/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

            Invoca sempre «a pena», a «medida concreta da pena» (no


singular) – o que, numa interpretação literal, significa que apenas visou
a pena conjunta e que deixou de fora do objecto do recurso cada uma
das penas parcelares, de medidas variáveis.
            Aliás, esta conclusão sai especialmente reforçada pela invocada
discrepância com a decisão do Tribunal da Relação de Coimbra de que
apenas invoca a «pena única» que cominou. E ainda, e não com menor
força argumentativa, a alegação de que se impunha a fixação da pena
em medida inferior, porque «o [seu] limite máximo» sofreu uma
redução significativa, “limite máximo” esse que, no contexto, só pode
referir-se à soma das penas parcelares. Por outro lado, a referência às
normas dos arts. 40º e 71º do CPenal em nada prejudica esta conclusão
já que a pena conjunta é também determinada em função dos critérios
gerais fornecidos por esses preceitos (para além do critério especial
fornecido pelo 77º, nº 1, do mesmo Código).
            Foi de resto este o sentido captado tanto pela Senhora
Procuradora-geral Adjunta do Tribunal da Relação – o Arguido pugna,
«em síntese, pela redução da medida da pena única em que foi
condenado», como refere logo no 1º parágrafo da resposta, fls. 5363 –
como pela assistente PP – «o Recorrente vem alegar que a pena única
aplicada … se afigura excessiva», como escreveu no início das «contra-
alegações, fls. 5371.
                É, pois, a medida da pena conjunta a única questão a
decidir.
           
            2.3.1. Como vimos, o Arguido foi condenado pela 1ª Instância,
em cúmulo jurídico, na pena conjunta de 15 anos de prisão, respeitante
à prática, «em autoria material e em concurso real» de 46 crimes de
abuso sexual de criança, p. e p. pelo artº 171º, nºs 1 e 2, do CPenal, e de
um crime de pornografia de menores, p. e p. pelo artº 176º, nº 4, do
mesmo Código. 
            A mais elevada das penas parcelares é de 5 anos de prisão (por
que o Arguido foi condenado por cada um dos 7 crimes de que foi
vítima CC).
            A soma das penas parcelares atinge os 175 anos de prisão.
            O Tribunal da Relação, todavia, nos casos em que os Ofendidos
foram objecto de repetidos abusos, afastou o concurso de crimes por,
acolhendo a tese do Arguido, também aí recorrente, ter entendido que
«a solução do trato sucessivo…é a… mais ajustada a situações como a
presente». Só assim não procedeu relativamente ao ofendido II e a
propósito dos factos dos nºs 114 e 115 que autonomizou em relação aos
posteriores de que voltou a ser vítima (os dos nºs 116 a 130) por, entre a
prática daqueles e destes, terem decorrido cerca de 5 anos.

www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 35/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

            Por via dessa qualificação e correspondente punição de cada um


dos crimes em trato sucessivo e da atenuação das penas parcelares
aplicadas por cada um dos crimes «singulares», a mais elevada das
penas parcelares passou para os 8 anos de prisão, aplicada à conduta de
que foi vítima CC, enquanto a sua soma desceu para os 54 anos e 2
meses.
            A pena conjunta foi então fixada em 13 anos e 6 meses de
prisão.
            Discordamos da qualificação dos plúrimos abusos sexuais sobre
o mesmo ofendido como constitutivos de um crime de trato sucessivo.
                Não desconhecemos que o Acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça de 29.11.2012, Pº nº 862/11.6TAPFR.S1, citado no acórdão
recorrido, tirado com o voto de vencido do primitivo Relator, num caso
em que o aí Arguido foi condenado, na 1ª Instância, pela autoria, em
concurso real, de diversos crimes de natureza sexual, decidiu que se
estava aí perante crimes de trato sucessivo.
                Como aí se disse, «…quando os crimes sexuais envolvem
uma repetitiva atividade prolongada no tempo, torna-se difícil e quase
arbitrária qualquer contagem…
                «A doutrina e a jurisprudência têm resolvido este problema,
de contagem do número de crimes, que de outro modo seria quase
insolúvel, falando em crimes prolongados, protelados, protraídos,
exauridos ou de trato sucessivo, em que se convenciona que há só um
crime – apesar de se desdobrar em várias condutas que, se isoladas,
constituiriam um crime - tanto mais grave [no quadro da sua moldura
penal] quanto mais repetido…
                «O que, eventualmente, se exigirá para existir um crime
prolongado ou de trato sucessivo será como que uma «unidade
resolutiva», realidade que se não deve confundir com «uma única
resolução», pois que, «para afirmar a existência de uma unidade
resolutiva é necessária uma conexão temporal que, em regra e de
harmonia com os dados da experiência psicológica, leva a aceitar que o
agente executou toda a sua atividade sem ter de renovar o respetivo
processo de motivação» (Eduardo Correia, 1968: 201 e 202, citado no
“Código Penal anotado” de P. P. Albuquerque).
                «Para além disso, deverá haver uma homogeneidade na
conduta do agente que se prolonga no tempo, em que os tipos de ilícito,
individualmente considerados são os mesmos, ou, se diferentes,
protegem essencialmente um bem jurídico semelhante, sendo que, no
caso dos crimes contra as pessoas, a vítima tem de ser a mesma…».
                E citou, a propósito, o Acórdão, também do Supremo
Tribunal de Justiça, de 23-01-2008, Proc. nº 4830/07-3ª que,
repudiando a qualificação de três condutas criminosas do aí Arguido
como constituindo um crime continuado, entendeu deverem as mesmas

www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 36/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

ser unificadas como crime de trato sucessivo, caracterizado «pela


repetição de condutas essencialmente homogéneas unificadas por uma
mesma resolução criminosa, sendo que qualquer das condutas é
suficiente para preencher o tipo legal de crime».
                Todavia, já antes, no Acórdão de 12.07.2012, Pº nº
1718/02.9.JOLSB, ainda do Supremo Tribunal de Justiça, foi mantida a
condenação do Arguido pelo concurso de vários crimes de natureza
sexual se praticados com o mesmo ofendido.
                Aí se disse, além do mais, depois de exaustivo levantamento
doutrinal, que o comportamento do Arguido evidenciava «uma
persistente, e renovada, vontade de violar a lei e aviltar as vítimas e
que, «em cada um dos actos sexuais praticados, e em relação a cada
uma das vítimas, consumou-se uma decisão, uma opção de vontade,
perfeitamente delimitada na sua autonomia em relação a todas as
outras».
                E o acórdão de 12.06.2013, Pº nº 1291/10.4JDLSB, também
citado em nota de rodapé no acórdão recorrido (nota 6, fls. 5292vº),
embora tivesse mantido a subsunção das condutas a crimes de trato
sucessivo, pois a questão não integrava o objecto do recurso, não
deixou de anotar  que a decisão era, nesse ponto, «passível de gerar
controvérsia» (sublinhamos), porquanto, (citando Paulo Pinto de
Albuquerque em “Comentário do Código Penal”, 2ª edição, anotação
32 ao artº 30º, pág. 162) «sustenta-se … que se o resultado prático
pretendido pelo legislador foi a supressão da benesse do crime
continuado em caso de condutas contra bens eminentemente pessoais,
também é inadmissível a punição dos crimes contra bens
eminentemente pessoais como um único crime de trato sucessivo,
ficcionando o julgador um dolo inicial que engloba todas as acções. Tal
ficção constituiria uma fraude ao propósito do legislador». De facto,
refere o Acórdão, depois de uma inconsequente tentativa de alterar a
figura do crime continuado, com a introdução de um nº 3 ao artigo 30º
do CPenal pela Lei nº 52/2007, de 4 de Setembro que admitiu o crime
continuado relativamente a crimes praticados contra bens
eminentemente pessoais, desde que que estivesse em causa a mesma
vítima, com a Lei nº 20/2010, de 3 de Setembro, o legislador, ao
suprimir o segmento então acrescentado, ditou a sentença de morte do
crime continuado nos crimes praticados contra bens eminentemente
pessoais. O crime continuado foi, então, excluído desse tipo de crimes,
sem qualquer excepção, ficando restringido à violação plúrima de bens
jurídicos não eminentemente pessoais».
                Por sua vez, o voto de vencido exarado no citado Acórdão de
29.11.2012 vem fundamentado nos seguintes termos:
«A categoria de crime de trato sucessivo, a que a posição maioritária
faz apelo, não vem, com essa designação, contemplada na lei…
O crime de trato sucessivo será reconduzível à figura do crime habitual,
como refere Lobo Moutinho (Da unidade à pluralidade dos crimes no
www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 37/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

direito penal português, página 620, nota 1854).


Este autor, depois de definir o crime contínuo como o «crime cuja
consumação se protrai mediante a prática de uma pluralidade de actos
sucessivos (no sentido de praticados em imediata sequência temporal)»,
correspondendo «basicamente àquilo que Eduardo Correia chamou o
crime único com pluralidade de actos», caracteriza assim o crime
habitual:
«O crime habitual, no sentido que à expressão confere a actual
legislação, é um crime em que a consumação se protrai no tempo (dura)
por força da prática de uma multiplicidade de actos “reiterados”.
Que a persistência temporal na consumação se não dá mediante a
prática de um só acto, mas de uma multiplicidade deles – eis o que
distingue o crime habitual do crime permanente; que os actos que vão
consumando o crime são, não sucessivos, mas reiterados – eis o que
distingue o crime habitual do crime contínuo.
O ponto central da definição do crime habitual é, por isso, o que deve
entender-se por “actos reiterados”.
É seguro que, por “actos reiterados”, se deve entender, pelo menos, a
pluralidade de actos homogéneos. Actos diversos não são reiterados.
(…) apenas se pode admitir a “consumação por actos reiterados” (um
crime habitual) em casos especiais – o mesmo é dizer, nos casos e
termos em que isso é expressamente possibilitado pelo tipo de crime.
Na verdade, embora a caracterização legal não se esgote nisso, os
“actos reiterados” são opostos, pela própria lei, aos “actos sucessivos”
no sentido de praticados em acto seguido. Isso indica um certo
distanciamento temporal – pelo menos suficiente para se não admitir a
existência de um crime contínuo – o que faz o crime perder o cariz
episódico, para passar a estruturar-se numa actividade que se vai
verificando, multi-episodicamente, ao longo do tempo.
Mas se em relação a todos os crimes fosse de admitir esta forma
habitual de perpetração, as restantes figuras a que nos referimos
ficariam em crise, se é que lhes sobraria qualquer espaço de aplicação.
Assim se compreende que, como a doutrina indica, os crimes
“habituais” (seja qual for o entendimento a dar à “habitualidade” do
crime, o mesmo é dizer, à “reiteração” dos actos de que se compõe)
correspondem a casos especiais em que a estrutura do facto criminoso
se apresenta ou, pelo menos, pode apresentar mais complexa do que
habitualmente sucede e se desdobra numa multiplicidade de actos
semelhantes que se vão praticando ao longo do tempo, mediante
intervalos entre eles. Exemplos apontados são o crime de maus-tratos e
infracção às regras de segurança (art. 152º), o crime de lenocínio (art.
170º)».

www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 38/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Admite o autor outros casos, como o crime de tráfico de


estupefacientes, que considera desdobrar-se ou poder desdobrar-se
numa multiplicidade de actos semelhantes, «como claramente resulta
da previsão da agravação por diversas circunstâncias, a começar pela da
destinação ou entrega a “menores” ou da distribuição “por um grande
número de pessoas” (art. 24º, nº 1, als. a) e b), do Dec.-Lei nº 15/93, de
22 de Janeiro)» (ob. cit., páginas 604-620).
Mais incisivo, Figueiredo Dias define crimes habituais como sendo
«aqueles em que a realização do tipo incriminador supõe que o agente
pratique determinado comportamento de uma forma reiterada», dando
como exemplo os crimes de lenocínio e de aborto agravado do artº
141º, nº 2, do CP (Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, página
314).
Não é, pois, a unidade de resolução que pode conferir a uma reiteração
de actos homogéneos o cariz de crime de trato sucessivo, que se
identifica com a categoria legal do crime habitual, mas somente a
estrutura do respectivo tipo incriminador, que há-de supor a reiteração.
Parece claro que tanto os tipos de crime de abuso sexual de crianças e
de abuso sexual de menores dependentes como o de violação não
contemplam aquela «multiplicidade de actos semelhantes» que está
implicada no crime habitual nem, por isso, a sua realização supõe um
comportamento reiterado.
Cada um dos vários actos do arguido foi levado a cabo num diverso
contexto situacional, necessariamente comandado por uma diversa
resolução e traduziu-se numa autónoma lesão do bem jurídico
protegido. Cada um desses actos não constituiu um momento ou
parcela de um todo projectado nem um acto em que se tenha
desdobrado uma actividade suposta no tipo, mas um “todo”, em si
mesmo, um autónomo facto punível. Deve por isso entender-se que,
referentemente a cada grupo de actos, existe, usando palavras de
Figueiredo Dias, «pluralidade de sentidos de ilicitude típica» e,
portanto, de crimes (ob. cit., página 989)».
                E o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-09-2014,
Pº nº 595/12.6TASLV.E1.S1., num caso em que o Arguido ia
condenado pelo concurso de vários crimes de abuso sexual de criança e
de actos sexuais com adolescente e reivindicava a sua condenação pela
prática de um crime de trato sucessivo de abuso sexual, considerando
que «o crime de trato sucessivo, embora englobe a realização plúrima
do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que
fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico executado por
forma essencialmente homogénea, é unificado pela mesma resolução
criminosa, bastando a prática de qualquer das condutas para que fique
preenchido o tipo legal de crime» concluiu que, no caso, havia uma
pluralidade de resolução criminosa na produção do resultado que
desencadeia e que se autonomiza como tal, pelo que inexistia crime de
trato sucessivo.   
www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 39/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

                Pela nossa parte aderimos a esta argumentação e à solução a


que conduz.
                O Arguido cometeu, pois, em concurso real, os crimes
especificados no dispositivo da decisão da 1ª Instância.
             
            Todavia, a alteração da qualificação no sentido que entendemos
ser o correcto – isto é, repetindo, que o Arguido cometeu o concurso de
crimes considerado pelo Tribunal da1ª Instância – reclamaria penas
parcelares, pelo menos em bem maior número do que as consideradas
pelo Tribunal da Relação, como se viu, e, por via do agravamento do
correspondente somatório, uma pena conjunta mais elevada do que a
cominada no acórdão recorrido – o que, traduzindo-se em reformatio in
pejus, nos estaria vedado pela proibição estabelecida no artº 409º, nº 1
do CPP.
            Por isso, no julgamento do recurso, não podemos senão atender
às penas parcelares (não impugnadas) e conjunta cominadas no acórdão
recorrido em função das quais será julgado o mérito do recurso.
            2.3.2. Feito este esclarecimento, prossigamos no julgamento da
única questão suscitada pelo Recorrente – a medida da pena conjunta.
            2.3.2.1. O acórdão recorrido justificou a pena aplicada nos
seguintes termos:                 «7. E procedendo ao cúmulo jurídico das
penas parcelares, entre um mínimo de 8 anos e um máximo de 25 anos
de prisão (artº 77º, nº 2 do CP), o lapso de tempo em que perdurou a
conduta do arguido, o [e]levado número de ofendidos, a personalidade
do arguido que revela como se observa no douto acórdão «uma
tendência criminosa e precisamente para crimes desta natureza»,
entendemos por equitativa a pena única de 13 anos e 6 meses de
prisão».
            Invocou o disposto nos arts. 40º e 71º, CPenal e, por adesão às
considerações tecidas no acórdão da 1ª Instância:
            - considerou ser «elevadíssima» a culpa do Arguido («o arguido
agiu sempre com dolo directo, aproveitando-se do ascendente sobre
estes menores e da especial relação de proximidade e confiança dos
menores e bem assim dos pais destes, não deixando de se anotar da
fragilidade que algumas destas vitimas tinham, quer económica quer
emocional como sucedia nomeadamente com o André Santos, facto que
o próprio arguido reconheceu. Para além da confiança dos menores o
arguido aproveitou-se também da confiança que os pais dos menores
depositavam nele, confiando-lhes os filhos e permitissem que estes
fossem a casa do arguido, por vezes a pedido do próprio arguido, para
desse modo ficar a sós com os menores e levar a cabo os actos sexuais.
Acresce que o arguido enquanto treinador não podia deixar de saber
que para estes menores constituía um exemplo, e ao invés de ser

www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 40/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

constituir um bom exemplo, afectou de forma grave o correcto


desenvolvimento afectivo, psicológico e sexual destas crianças»;
                - discriminou o grau de ilicitude dos abusos sexuais de que
foram vítimas os diversos Ofendidos, manifestamente agravada pela
circunstância de «nas ocasiões em que manteve coito oral e anal o
arguido nunca usou preservativo o que manifestamente agrava a
ilicitude dos seus actos pois manifesta indiferença à possibilidade de os
menores poderem contrair alguma doença, já para não falar na
interiorização para estes menores de uma conduta sexual totalmente
desprotegida;
                - consignou que, «a favor do arguido, apenas milita a
circunstância de o mesmo não ter antecedentes criminais, mas sem
grande peso, já que tal mais não traduz do que a conduta exigível a
qualquer cidadão» (sublinhado nosso);
            - reputou de elevadas as exigências de prevenção especial («A
pedofilia é uma psicopatologia, uma perversão sexual com carácter
compulsivo e obsessivo, na qual adultos, geralmente do sexo
masculino, apresentam uma atracção sexual, exclusiva ou não, por
crianças e adolescentes impúberes. Alguns autores consideram a
pedofilia uma síndrome (conjunto de sinais e sintomas) que ocorre em
diversas psicopatologias.
(…) O pedófilo é um indivíduo aparentemente normal, inserido na
sociedade. Costuma ser “uma pessoa acima de qualquer suspeita” aos
olhos da sociedade, o que facilita a sua actuação. Geralmente age sem
violência, actuado de forma sedutora, conquistando a confiança da
criança, seduzindo-a muitas vezes com ofertas de bjectos ou dinheiro, e
ameaçando-a veladamente a fim de garantir o seu silêncio”…
 “Nesta categoria inserem-se indíviduos com uma orientação sexual
dirigida primariamente para crianças, sem interesse por adultos e com
condutas compulsivas não despoletadas por situações de stress….
Recorrem a diversas estratégias de atração, tais como a simpatia
pessoal, comportamentos infantis, sintonia com os interesses dos
menores, prendas entre outros […]”.
Ora vista esta definição e descrição da personalidade do “pedófilo”,
ela encaixa na personalidade demonstrada pelo arguido. Não lhe são
conhecidas relações afectivas estáveis, não se relacionando afectiva e
sexualmente com adultos, segundo justificou por “complexos com o seu
órgão sexual e achar que o mesmo não satisfaz sexualmente uma
mulher”. Mas o que verdadeiramente resulta da apurada actuação do
arguido é que o mesmo não procurou adultos para com os mesmos
satisfazer os seus desejos sexuais, procurando sim, crianças… As
crianças, ao não exigirem condições completas de virilidade e de
potência na relação, permitem que o pedófilo realize um ato sexual
pobre e incompleto.

www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 41/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

No que ao arguido respeita e ante a sua apurada conduta e


personalidade, estamos perante a adopção de um comportamento
típico de um abusador sexual de crianças, cujos comportamentos e
linguagem aparentemente infantis, mais não são do que o modo de o
mesmo atrair as suas vitimas, estabelecendo empatia com estas,
ganhando a sua confiança, para por fim os seduzir sexualmente,
aproveitando o seu privilegiado contacto com as crianças no âmbito da
sua actividade de treinador de futsal, circunstância (o exercer uma
actividade junto de crianças e merecedor da confiança dos pais),
também ela comum nos abusadores sexuais de crianças…
Ante a personalidade demonstrada pelo arguido, mostram-se elevadas
as exigências de prevenção especial e conhecidos os elevados índices
de reincidência neste tipo de criminalidade, riscos que não se mostram
para já diminuídos ante o facto de o arguido se mostrar disponível
para se submeter a acompanhamento psicológico, nem bem assim
perante o facto de o arguido ter demonstrado valoração critica da sua
conduta» (sublinhado nosso).
            - qualificou também como elevadas as exigências de prevenção
geral, «em ilícitos desta índole, máxime pela reprovação e repulsa
social que provocam (Quando, como hoje, se assiste com uma
frequência preocupante à violação dos mais sagrados sentimentos e
direito à autodeterminação sexual e formação da personalidade de
crianças indefesas, tantas vezes transformadas sem escrúpulo em
meros instrumentos de satisfação libidinosa, não raro por actuação
perversa e cobarde de quem, acobertado de uma estreita relação de
confiança até com os pais dos menores e em regra, por isso, portador
da sua inocente confiança, não hesita em violar essa inocente
confiança, para satisfazer os seus desejos sexuais e de modo
particularmente censurável, como sucedeu no caso concreto.
Por outro lado, ninguém dúvida que os actos em apreço constituíram
um forte abalo no desenvolvimento afectivo e sexual de todos estes
menores, cujas reais consequências provavelmente apenas se revelarão
no futuro. “Todas as situações de abuso sexual deixam a sua marca,
embora conscientemente isso seja mais provável depois dos 3 a 5 anos
de idade, porque até essa idade é difícil manter uma memória viva da
cena (...).
A marca que deixa varia na sua intensidade com vários factores: idade,
sexo da criança, vulnerabilidades e competências psíquicas prévias,
tipo de abuso, número de vezes, tempo decorrido entre o abuso, a sua
revelação e início do acompanhamento psíquico.
Dessa forma, os sinais ou sintomas que provocam, são igualmente
variáveis e podem ir desde as alterações de comportamento e de
humor, queixas de sono ou alimentares, quebra de rendimento escolar,
sintomas psicossomáticos como dores de cabeça ou abdominais,
imitação de comportamentos com outras crianças (mais comuns nos
mais novos) dificuldades de relação e de vida afectivo-sexual ( nos
www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 42/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

mais velhos), que também inclui a possibilidade de tornarem


adolescentes abusadores (...).
Nenhuma situação de abuso pode ser literalmente esquecida ou varrida
do funcionamento mental(...)”
E a prova do que se acaba de referir, mostra-se plasmado nos
relatórios das perícias psicológicas em relação à maioria dos menores.
Não pode, pois, o sistema jurídico-penal dar outra resposta que não
seja um inequívoco sinal de segurança e de reposição de confiança na
norma jurídica violada, em particular aqueles que mais precisam dessa
protecção: as crianças».
            2.3.2.2. Em defesa da sua pretensão o Recorrente alega, em
síntese,
            a) que se impõe «uma diferente apreciação das necessidades de
prevenção especial com correlativa repercussão na medida concertada
pena», com fundamento
            a1) na omissão na decisão sobre a matéria de facto da ausência
de antecedentes criminais e
            a2) nos factos dados como provados relativos à sua
personalidade que, afirma, «sustentam um juízo de prognose favorável
do recorrente e da sua ressocialização»;
            b) que a pena que lhe foi aplicada discrepa significativamente
da pena conjunta decretada pelo Tribunal da Relação de Coimbra  no
acórdão que identificou, com a consequente violação do «princípio da
unidade do sistema jurídico» e do princípio da proporcionalidade,
consagrados, respectivamente, nos arts. 8º, nº 3, do CCivil e 18º, nº 2,
da CRP.
            Reclama, por isso, uma pena de medida inferior.
            2.3.2.3. Vejamos, para já, o quadro legal que rege sobre a
matéria para, depois, confrontando estas críticas com a fundamentação
do acórdão recorrido, podermos ajuizar do seu mérito.
            Nos termos do artº 77º, nº 1, do CPenal, a medida da pena
conjunta é fixada em função dos critérios gerais da culpa e das
exigências de prevenção estabelecidos nos arts. 40º, nº 1 e 71º, nº 1, do
CPenal, a que acresce a necessidade de consideração do critério
especial da 2ª parte do referido preceito. Ou seja, na medida da pena do
concurso são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do
agente.

            Como ensina Figueiredo Dias[1], no que vem sendo seguido,


sem divergências, pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
(Cfr., dos mais recentes, os Acórdãos de 29.03.2012, Pº nº
316/07.5GBSTS.S1-3ª; de 26.04.2012, Pº nº 70/08.3ELSB.L1.S1-5ª; de
21.06.2012, Pº nº 778/06.8GAMAI.S1-5ª; de 05.07.2012, Pºs nºs
www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 43/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

246/11.6SAGRD.S1 e 145/06.SPBBRG.S1; de 15.11.2012, Pº Nº


178/09.8PQPRT-A.P1.S1,de 14.03.2013, Pº nº 287/12.6TCLSB, de
30.04.2013, Pº nº 11/09.0GASTS.S1, de 13.05.2013, Pº nº
392/10.3PCCBR.C2.S1, de 06.03.2014, Pº nº 352/10.4PGOER.S1 e de
10.09.2014, Pº nº 232/10.4SMPRT.P1.S1, todos da 3ª Secção), o
conjunto dos factos praticados indica-nos a gravidade do ilícito global
perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de
conexão que entre os factos concorrentes se verifique; por sua vez, na
avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo,
a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma
tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou
tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, só
no primeiro caso se justificando atribuir à pluralidade de crimes um
efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. Relevo especial na
operação terá ainda o juízo sobre o efeito previsível da pena no
comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de
socialização).
            Ensina o mesmo Autor que os factores que intervieram na
determinação de cada uma das penas parcelares não devem, por regra,
ser de novo valorados na medida da pena conjunta, sob pena de
violação do princípio da proibição da dupla valoração, salvo,
naturalmente, quando esse factor seja referido, não a um dos crimes
singulares, mas ao conjunto deles, porque, então, «não haverá razão
para invocar a proibição da dupla valoração».           
            Ora, nos termos do artº 40º, nº 1, do CPenal, a aplicação das
penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na
sociedade.
            À culpa está reservado o papel de limite intransponível da
medida da pena. Com efeito, como aí se diz, a pena em caso algum
pode ultrapassar a medida da culpa.
            Por sua vez, dispõe o nº 1 do artº 71º que a determinação da
medida concreta da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em
função da culpa do agente e das exigências de prevenção. E o número
seguinte manda atender, para o efeito, a todas as circunstâncias – que
enumera de forma exemplificativa nas suas diversas alíneas – que, não
fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra
ele: os “factores de medida da pena”, como lhes chama Figueiredo
Dias[2], os quais hão-de relevar naturalmente para efeitos da culpa e/ou
da prevenção.
            Em síntese, continuando a seguir os ensinamentos do Mestre de
quem a doutrina daqueles preceitos legais é tributária[3], «(1) Toda a
pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial; (2) A
pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida
da culpa; (3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior
de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior
é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite
www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 44/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do


ordenamento jurídico; (4) Dentro desta moldura de prevenção geral de
integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de
prevenção especial, em regra positiva ou de socialização,
excepcionalmente negativa, de intimidação ou de segurança
individuais», sendo estas que vão determinar, em última instância, a
medida da pena.
            A medida da pena é, assim, à luz do direito vigente, função da
medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, traduzida na tutela
das expectativas comunitárias na manutenção e reforço da validade da
norma violada, a determinar em consonância com as circunstâncias do
caso concreto, em face do modo de execução do crime, da motivação
do agente, das consequências da sua conduta, etc.
            Por outro lado, do mesmo modo que o Estado usa do seu ius
puniendi, também tem o dever de oferecer ao condenado o mínimo de
condições para prevenir a reincidência, como desde logo impõe o artº
2º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da
Liberdade, aprovado pela Lei 115/2009, de 15 de Outubro, nisso se
traduzindo essencialmente as razões de prevenção especial (de
socialização). Como nota Taipa de Carvalho[4], «a função da
ressocialização não significa uma espécie de “lavagem ao cérebro”, …
mas, sim e apenas, uma tentativa de interpelação e consequente auto-
adesão do delinquente à indispensabilidade social dos valores
essenciais (…) para a possibilitação da realização pessoal de todos e
cada um dos membros da sociedade. Em síntese, significa uma
prevenção da reincidência».
            Não pode, no entanto, escamotear-se, dentro das razões de
prevenção especial, a função de dissuasão ou intimidação do
delinquente (prevenção especial negativa) que, segundo o mesmo
Autor, em nada é incompatível com a função de ressocialização, porque
se trata, não de intimidar por intimidar, mas antes de uma dissuasão,
através do sofrimento inerente à pena, «humanamente necessária para
reforçar no delinquente o sentimento de necessidade de se auto-
ressocializar, ou seja de não reincidir» (cfr., entre outros, os Acórdãos
de 26.02 e de 10.09.2014, Pºs nºs 732/11.8GBSSB.L1.S1 e
232/10.4SMPRT.P1.S1, por nós subscritos).
            Pois bem.
            2.3.2.4. O Recorrente começa por alegar, como vimos, que o
Tribunal a quo não valorizou devidamente a ausência de antecedentes
criminais».
            De facto a ausência de antecedentes criminais não vem arrolada
no elenco dos factos julgados provados pelo Tribunal da 1ª Instância,
decisão que, como atrás dissemos, o Tribunal da Relação corroborou
com excepção dos pontos que assinalámos.

www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 45/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

            Mas consta da Motivação da mesma decisão, também transcrita


a fls. 5276vº/5277 do acórdão recorrido, que, para prova dos factos
relativos à condição pessoal e personalidade do arguido, relevou
também o «c.r.c. para prova da ausência de antecedentes criminais».
            E, na verdade, o facto foi efectivamente considerado pelas
instâncias no momento da determinação da medida da pena quando
julgaram que «a favor do arguido apenas milita a circunstância de o
mesmo não ter antecedentes criminais, mas sem grande peso, já que tal
mais não traduz do que a conduta exigível a qualquer cidadão» (cfr. fls.
5294vº do acórdão recorrido).
            Julgamento esse – o da pouca relevância atenuativa do facto –
que sufragamos por inteiro.
            Por outro lado, os factos que invoca relativos à sua
personalidade – os arrolados sob os nºs 220 (O arguido demonstrou
valoração critica das suas condutas), 222 (O arguido mantinha um
grupo de amigos estável, inseridos no mercado de trabalho, com os
quais era usual conviver, tendo por hábito jantarem e conversarem em
bares), 226 (À data da sua detenção trabalhava desde o dia 11.02.2013,
como administrativo na PT/Comunicações auferindo entre 700 a 800
euros mensais), 228 (O arguido vivia com os pais), 229 (Possui o 12º
ano de escolaridade), 230 (Após a sua prisão o arguido solicitou
acompanhamento psicológico, o qual ainda mantém) e 231 (arguido
recebe no EP visitas dos pais e irmão, que mantêm disponibilidade para
lhe prestar apoio) – não são, de facto, despiciendos. Mas foram
ponderados no momento em que foi caracterizada a personalidade do
pedófilo («o pedófilo é um indivíduo aparentemente normal, inserido
na sociedade…) e com ela cotejada a sua própria personalidade, tal
como é evidenciada pela sua conduta, e concluído, como vimos, que
«ante a personalidade demonstrada pelo arguido, mostram-se elevadas
as exigências de prevenção especial e conhecidos os elevados índices
de reincidência  neste tipo de criminalidade, riscos que não se mostram
para já diminuídos ante o facto de o arguido se mostrar disponível
para se submeter a acompanhamento psicológico, nem bem assim
perante o facto de o arguido ter demonstrado valoração crítica da sua
conduta» (fls. 5295).
            De resto, o valor atenuativo das exigências de prevenção
especial que esses factos têm sai como que anulado pelo teor dos
também provados factos dos nºs 224 (O arguido revela ser egocêntrico
e impulsivo na tomada de decisões e revela, apesar de possuir as
adequadas competências de comunicação e no relacionamento
interpessoal, ser reservado no que se refere à sua intimidade, não
partilhando com a família e amigos os seus assuntos/preocupações,
mantendo mesmo algum distanciamento face à família no sentido de
não interferirem na sua vida) e 225 (Apresenta ainda uma baixa
autoestima, imaturidade e dificuldades na expressão emocional, que
parecem comprometer a capacidade de manutenção de relações íntimas
de igualdade/adultas).
www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 46/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

                E se «pedófilo» sofre de uma «parafilia», uma perversão, no


sentido de que se sente eroticamente atraído de forma compulsiva e
exclusiva por crianças, o que, sem lhe retirar lucidez, poderá atenuar a
sua responsabilidade[5], são justamente os delinquentes onerados por
qualquer tendência para o crime os mais perigosos, os mais
necessitados de socialização e aqueles de que a sociedade tem de se
defender mais fortemente[6].
            Por outro lado, relevando novamente em desfavor do Arguido,
realçamos a dissintonia entre o seu alegado relacionamento familiar e
social e o carácter sórdido do conjunto de factos que praticou, durante
um período de tempo considerável – o que reclama um juízo de censura
bem severo sobre os factos, por parte da sociedade em geral,
identificada que continua a estar com a valoração que subjaz aos
preceitos punitivos.
            Quanto à pretendida discrepância entre as penas cominadas no
acórdão recorrido e num acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra,
basta-nos dizer, como disse a Senhora Procuradora-geral Adjunta do
Tribunal recorrido que a questão só pode ser considerada «perante
situações fácticas idênticas». Aliás, estando agora em causa uma
decisão do Supremo Tribunal de Justiça, é a este que cabe a
uniformização da jurisprudência e não aos tribunais da relação.   
            A alegação do Recorrente improcede, pois.
            Independentemente desta conclusão, consideramos que, face
aos factos provados – designadamente a tendência do Arguido para este
tipo de crimes, o elevado grau de culpa que, aliás, não contesta, as
exigências de prevenção geral, muito elevadas, as fortes exigências de
prevenção especial, tando de socialização como de dissuasão, pois não
encontramos nos factos provados indicadores da pretendida «prognose
favorável de regeneração do recorrente e da sua ressocialização» – e no
quadro da qualificação jurídica feita pelo Tribunal da Relação, a pena
aplicada é a adequada e proporcional à sua repetida conduta
criminosa, insistentemente executada ao longo dos anos de 2011/2012,
mas com episódios em 2007 (quando o Ivo tinha 6 anos de idade), em
2009 e início de 2013, e exercida sobre 13 Ofendidos.
            Por isso, confirmamos a pena cominada no acórdão
recorrido.
***
            2.4. Duas notas finais, todavia sem qualquer reflexo na decisão
acabada de tomar:
            2.4.1. Vimos atrás que a ausência de antecedentes criminais não
foi arrolada no elenco dos factos julgados.
            O certificado do registo criminal, porém, é o documento que faz
prova plena sobre os antecedentes criminais de qualquer cidadão.
www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 47/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

            Ora, considerando as circunstâncias que referimos atrás, em


2.3.2.4., concluímos que a omissão da ausência de antecedentes
criminais do Arguido no rol dos factos provados só pode ter ficado a
dever-se a mero lapso.
            Como tal, é, agora, corrigido ao abrigo do disposto nos nºs 1,
alínea b), e 2, do artº 379º do CPP»
            Consequentemente, aditamos ao elenco dos factos provados,
sob o nº 231-A, que o Arguido não tem antecedentes criminais.
            2.4.2. Por outro lado, a Senhora Procuradora-geral Adjunta
disse, no seu parecer, «não…perceber porque nas diversas condenações
pelo crime de abuso sexual de criança p. e p. pelo artº 171º, nº 1 e/ou 2
é sempre acrescentado ser crime agravado, parecendo-[lhe]  que é
confundido agravação com qualificação, pois não é fundamentada
nenhuma agravação».
            O crime do nº 1 do artº 171º do CPenal refere-se a actos sexuais
de relevo; o nº 2 agravou a punição aí prevista em função dos
específicos «actos sexuais de relevo» que descreve. Quando assim
acontece, quando, partindo de um crime simples, fundamental, o
legislador lhe acrescenta elementos, respeitantes à ilicitude (como no
caso) que agravam a pena estamos perante um crime dito
qualificado[7].
            Não vemos, por isso, razão, para qualquer correcção neste
domínio.
            3. Dispositivo
            Em conformidade com o exposto, acordam na Secção Criminal
do Supremo Tribunal de Justiça em:
            3.1. julgar improcedente a arguição da nulidade do acórdão
tal como suscitada pela Senhora Procuradora-geral Adjunta;
            3.2. alterar a qualificação dos factos no sentido definido pelo
Tribunal da 1ª Instância;  
3.2. julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA;
3.3. aditar ao rol do factos provados um novo facto, sob o nº 231-A,
com o seguinte conteúdo: «o Arguido não tem antecedentes
criminais»;
3.4. não alterar, no mais, o acórdão recorrido.               
            Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 (seis)
UC’s.
***
            Proceda ao ordenado aditamento.

www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 48/49
26/05/23, 10:24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

***
                                                                                                       
Lisboa,
            Processado e revisto pelo Relator
-----------------

[1]
  Cfr. “… As Consequências Jurídicas do Crime”, (1993), 291

[2] ob. cit. 232


[3]
Cfr. o seu “Direito Penal – Parte Geral”, Tomo I, 2ª edição, 81 e 84.
[4]
Cfr “Direito Penal, Parte Geral – Questões Fundamentais”, 83 e 84.
[5] cfr. Júlio Machado Vaz em entrevista à “Visão”, de 20.11.03, 17 e segs.
[6]
Cfr. Figueiredo Dias, ob cit. na nota 4, 518.
[7]
cfr. Eduardo Correia, “Direito Criminal”, I (1968), 309 e Figueiredo Dias, ob. cit. na nota 4,
313.

www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/594456BF3125E18F80257E3000345FA0 49/49

Você também pode gostar