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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.481.546 - GO (2014/0238065-2)

RELATOR : MINISTRO GURGEL DE FARIA


RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS
RECORRIDO : TLR
ADVOGADO : GÉVERSON DE FARIA ALVES E OUTRO(S)
EMENTA

PENAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. ELEMENTOS DO TIPO


PENAL. ATO LIBIDINOSO. MENOR DE 14 ANOS.
DESCLASSIFICAÇÃO. INADEQUAÇÃO. CONSTRANGIMENTO
ILEGAL. CRIME SUBSIDIÁRIO. ADEQUAÇÃO TÍPICA.
1. A definição da correta adequação típica das ações delituosas não
representa reexame de provas, mas revaloração dos critérios jurídicos
empregados para a tipificação penal do delito.
2. O bem juridicamente tutelado pelo tipo descrito no art. 146 do Código
Penal é a liberdade individual da pessoa, tanto física quanto psíquica. Se
o constrangimento causado à vítima visa à satisfação de intenção outra,
específica, que não a de "não fazer o que a lei permite ou a fazer o que
ela não manda", a hipótese é de configuração desse delito diverso.
3. O crime em tela (art. 146, CP) possui natureza subsidiária e somente
será considerado se o constrangimento não for elemento típico de outra
infração penal.
4. Se a intenção do agente é a satisfação de seu desejo sexual, estando
presentes os elementos constantes no tipo descrito no art. 217-A do
Código Penal, trata-se de hipótese de configuração do delito de estupro
de vulnerável, objetivando a reprimenda ali contida a proteção da
liberdade, da dignidade e do desenvolvimento sexual.
5. Na expressão "ato libidinoso" estão contidos todos os atos de natureza
sexual, que não a conjunção carnal, que tenham a finalidade de
satisfazer a libido do agente.
6. Hipótese em que "a conduta do réu não pode ser confundida com uma
simples importunação ofensiva ao pudor, tratando-se, na verdade, de
efetivo contato lascivo, voluptuoso e corpóreo, de libidinagem, com o
propósito único de satisfação de sua lascívia".
7. Recurso provido.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima


indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, conhecer do recurso e lhe dar provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro
Relator. Os Srs. Ministros Newton Trisotto (Desembargador convocado do TJ/SC), Walter de
Almeida Guilherme (Desembargador convocado do TJ/SP), Felix Fischer e Jorge Mussi votaram
com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 20 de novembro de 2014 (Data do julgamento).

MINISTRO GURGEL DE FARIA

Relator

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.481.546 - GO (2014/0238065-2)

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO GURGEL DE FARIA (Relator):

Trata-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado


de Goiás, com fulcro na alínea "a" do permissivo constitucional, em face de acórdão proferido
pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, que deu parcial provimento à apelação da defesa.

Consta nos autos que o recorrente foi denunciado como incurso nas
sanções do art. 217-A (várias vezes) c/c o art. 71, e art. 217-A (quatro vezes) c/c o art. 69, todos
do Código Penal, porque no mês de novembro de 2012 teria praticado atos libidinosos contra o
menor G M dos S (à época com 7 anos) e, na mesma data e local e também em anos anteriores,
em continuidade delitiva, teria praticado atos libidinosos contra o menor W M R de M (à época
com 8 anos).

E ainda, em outra ocasião, também em novembro de 2012, o denunciado


teria praticado atos libidinosos contra o adolescente V da S R (à época com 13 anos), e no mês
de julho do mesmo ano, contra o adolescente M F da S (à época também com 13 anos). Por fim,
constatou-se que, no ano de 2009, o denunciado teria praticado atos libidinosos contra a criança P
L da S, à época com 11 (onze) anos.

Após regular trâmite, sobreveio sentença que o condenou, nos termos da


inicial acusatória, à pena de 44 anos e 6 meses de reclusão, em regime inicialmente fechado.

Em sede de apelação, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás deu


parcial provimento ao recurso da defesa para desclassificar as condutas do apenado com relação
às vítimas V da S R, M F da S e P L da S para a prevista no art. 146, do Código Penal, nos
termos da seguinte ementa:

APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. ABSOLVIÇÃO.


IMPOSSIBILIDADE. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS
PARA DUAS VÍTIMAS. DESCLASSIFICAÇÃO CONTRAVENÇÃO DO
ARTIGO 61 DA LCP. INCOMPORTABILIDADE. AUSÊNCIA DE
OFENSA AO PUDOR PARA AS DEMAIS VÍTIMAS.
DESCLASSIFICAÇÃO PARA CONSTRANGIMENTO ILEGAL.
CONCURSO MATERIAL. PENA. FIXAÇÃO. REGIME. COMPETÊNCIA
DO JUIZADO ESPECIAL AFASTADA. ADEQUAÇÃO DE OFÍCIO DA
PENA DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL. CONCURSO MATERIAL.
AFASTAMENTO. CONTINUIDADE DELITIVA ESPECÍFICA.
INDENIZAÇÃO. ADEQUAÇÃO DE OFÍCIO.
1) Comprovadas a materialidade e a autoria do crime de estupro de
vulnerável, especialmente pela prova pericial e as declarações de duas das
vítimas, que se encontra em consonância com os demais elementos
probatórios coligidos aos autos, fica inviabilizado o pleito absolutório ou
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desclassifica tório almejado pelo recorrente.
2) O ato do processado tocar algumas vítimas em partes íntimas,
além de forçá-los a tocá-lo em seus órgãos genitais, embora satisfaça
sua lascívia, não se constitui em estupro, pois não é capaz de ofender
o pudor do homem médio, devendo a conduta ser desclassificada para
o delito de constrangimento ilegal (GP, art. 146).
3) Apesar de desclassificada para algumas vítimas para crime de menor
potencial ofensivo, como houve concurso material de crimes, praticados
contra três vítimas em lapso temporal superior a 30 dias, necessário afastar
a competência do Juizado Especial Criminal para processo e julgamento do
feito, pois o resultado da soma de suas penas máximas será,
inevitavelmente, superior a dois anos.
4) Evidenciado que o sentenciante na análise das circunstâncias judiciais
referente às condenações se equivocou em algumas das circunstâncias, a
pena- base pelo estupro de vulnerável deve ser adequada para o mínimo do
tipo se todas são favoráveis.
5) Afasta-se o concurso material por estar configurada a continuidade
delitiva específica, eis que se tratam de vítimas diferentes, cujos crimes
foram praticados em tempo, lugar e modo de execução iguais, sob pena de
incorrer em bis in idem, mantendo-se o patamar mínimo de 1/6 (um sexto)
na aplicação da continuidade delitiva estabelecido na sentença, diante da
impossibilidade de se precisar de forma exata o número de vezes que as
infrações foram cometidas.
7) Conforme precedentes do STJ, as penas de reclusão e de detenção não
se somam para fins de fixação de regime prisional, razão pela qual
necessária a fixação do regime inicial fechado pelo estupro de vulnerável e
no aberto pelo constrangimento ilegal.
8) O valor mínimo a título de reparação pelos danos morais ca usados às
vítimas,A deve ser estipulado observando a capacflidade econômica do réu,
e, consequentemente, reduzido, de ofício, se exacerbado.
9) APELO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO, PARA
MANTER A CONDENAÇÃO EM RELAÇÃO ÀS VÍTIMAS W.M.R.M. E
G.M.S., DECLASSIFICADA AS CONDUTAS EM RELAÇÃO ÀS
VÍTIMAS V.S.R., M.F.S. E P.L.S., PARA O ARTIGO 146 DO MESMO
CODEX, COM FIXAÇÃO DA PENA E DO REGIME ABERTO PARA
SEU CUMPRIMENTO, E REDIMENSIONADA, DE OFÍCIO, A PENA
CORPÓREA E O VALOR A SER INDENIZADO. (Grifo acrescido)

No presente recurso especial, aponta o Ministério Público do Estado de


Goiás violação ao art. 217-A, caput, do Código Penal, alegando incorreção na desclassificação
do crime de estupro de vulnerável para o crime de constrangimento ilegal previsto no art. 146 do
Código Penal.

Afirma que pretende uma revisão dos elementos transcritos no acórdão


que teriam sido incorretamente qualificados.

Sustenta que, apesar de constar a descrição exata da conduta típica


contida no art. 217-A do Código Penal, o Tribunal entendeu pela configuração de
constrangimento ilegal, valorando os fatos de forma juridicamente indevida.
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Explica que, com a edição da Lei 12.015/2009, foram fundidas as figuras


de estupro e atentado violento ao pudor em um único tipo penal, denominado estupro, tendo sido
criado, em apartado, o crime de estupro de vulnerável, que descreve a a conduta de "ter
conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos"."

Pugna pelo provimento do presente recurso para que seja restabelecida


a sentença de primeiro grau em sua totalidade.

Foram apresentadas contrarrazões (fls. 603/613).

Admitido o recurso (fls. 615/619), a Subprocuradoria-Geral da República


opinou pelo seu provimento (fls. 631/638).

É o relatório.

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VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO GURGEL DE FARIA (Relator):

A questão apresentada no presente apelo nobre cinge-se a definir a


correta adequação típica das ações delituosas perpetradas pelo recorrido contra as vítimas
V.S.R., M.F.S. e P.L.S., definidas pelo Juízo de origem como estupro de vulnerável e
desclassificadas pela Corte de origem para constrangimento ilegal previsto no art. 146 do Código
Penal.

Inicialmente, cumpre considerar que o deslinde da questão aqui


apresentada não implica reexame de fatos e provas. Como bem ressalvou o membro do Parquet,
em seu parecer opinativo, "a questão ora debatida – que afeta matéria eminentemente de direito
– versa sobre o enquadramento jurídico adequado das ações criminosas praticadas pelo
Recorrido", cuja "avaliação não representa reexame de provas, mas sim revaloração dos critérios
jurídicos empregados para a tipificação penal do delito" (fl. 632).

O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás afastou a imputação do delito


de estupro de vulnerável relativamente às vítimas suprareferidas, sob a seguinte fundamentação
(fls. 563/566):
Outrossim, a partir da narrativa das vítimas V.S.R., M.F.S. e P.L.S.,
vislumbro que a capitulação que mais se adapta aos fatos é a de
constrangimento ilegal (CP, art. 146), verbis:

"Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça,


ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a
capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer
o que ela não manda"

(...)Observa-se que, no momento do aludido comportamento, as vítimas


estavam de roupa, P.L.S. foi apalpada por sobre as vestes, em ambiente
familiar, de fácil acesso e visibilidade, demonstrado, pois, atos reprováveis
e impertinentes com baixo potencial de libidinagem, que, tão somente,
molestam a ofendida. No mesmo sentido em relação às vítimas V.S.R., ao
passar a mão em sua bunda e colocando a sua mão sobre o seu pênis por
cima da calça, e M.F.S. no momento que T. L. R. forçou a passar a mão
no seu órgão sexual e depois tentou colocá-lo na sua boca dentro de casa,
mas conseguindo se desvencilhar.
Diante disso, entendo que as condutas praticadas pelo apelante em relação
às vítimas V.S.R., M.F.S. e P.L.S. se amolda ao tipo penal do artigo 146
do Código Penal, (...).
(...) Nesses meandros, como não restaram demonstradas as elementares do
tipo penal do artigo 217-A do Código Penal, consubstanciadas nas
expressões "conjunção carnal" ou "ato libidinoso" uma vez que se
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depreende a ocorrência de singelo contato corporal, razão pela qual
impõe-se concluir pelo cometimento do injusto penal descrito no artigo 146
do Código Penal.

Na sentença condenatória, por seu turno, consta o inteiro teor das


declarações prestadas pelas 3 vítimas menores, abaixo transcrito, na parte que interessa:

A vitima V.S.R. corroborou as declarações que prestou na Delegacia de


Policia, acrescentando alguns detalhes do abuso que sofreu.
Em seu relato, esse menor disse que no culto religioso que aconteceu em
uma fazenda localizada em outro municipio, quando estava voltando de um
córrego que fica próximo da sede, foi abordado por T, que ficou passando
a mão em sua bunda por fora da calça e colocando a sua mão (do
adolescente) nas "partes íntimas" dele (réu) por fora e por dentro da
calça (...).
Segundo V.S.R., T. o puxava e segurava a sua mão forçando-o a
acariciá-lo no pênis e somente parou quando outra pessoa se
aproximou.
Respondendo às perguntas da defesa, o menor disse que não está mentindo
e que o réu não passou a mão em sua bunda em tom de brincadeira (...)
pois sentiu que ele queria algo mais.
Por sua vez, o menor M.F.S. também confirmou a acusação ministerial e o
que dissera na instrução do Inquérito Policial, acrescentando alguns outros
fatos.
Salientou que, antes dos fatos narrados na denúncia, quando contava com
nove anos. T., na casa dele, passou a mão em sua bunda e o fez
colocar a mão no pênis dele, por fora da calça e somente parou
quando a mãe da vítima o chamou para irem embora.
Com relação aos fatos descritos pelo Ministério Público na exordial
acusatória, o adolescente relatou que morava em uma fazenda perto da
cidade de São Luiz de Montes Belos e que T. e a esposa dele foram para lá.
Nesse local, a mãe do menor pediu que fosse até o chiqueiro para
mostrar os porcos para T. e, ao chegarem no local, ele ficou pegando
no pênis dele e jogando indireta para sua pessoa.
Disse ainda que, nesse mesmo dia, à noite, o réu chegou a pegar em
sua bunda no quarto. Também falou que quando todos estavam
dormindo, ficou assistindo TV, e o réu, com desculpa para se levantar,
disse para a esposa dele que iria fechar a porta do carro, que havia
ficado aberta. Frisou o menor que após fechar a porta do carro, T.
voltou para dentro da casa com o pênis ereto e para fora da calça,
além de ficar passando a mão no seu órgão sexual e depois na sua
boca (da vitima), momento em que pedia para ele parar com aquilo,
tentando se desvencilhar do agressor.
Obtemperou que, após entrar na casa, nesse mesmo momento, T.
sentou ao seu lado para assistirem TV e novamente tirou o pénis para
fora e forçou a sua cabeça (da vítima) em direção ao órgão sexual
dele. Destacou a vítima que conseguiu se desvencilhar, mas o acusado
novamente forçou a sua cabeça em direção ao pênis dele,
conseguindo-se safar mais uma vez. Disse o menor que o réu
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somente cessou com o abuso após a chegada de um irmão seu na sala.
Por fim, contou que também foi abusado por T. em Sanclerlândia, na
casa de A., onde o réu, mediante força física, pôs o pênis dele na boca
da vítima, que conseguiu se desvencilhar, empurrando-o.
P.L.S., em seu relato na instrução do feito, confirmou os termos de
sua declaração na Polícia Civil. Disse que no dia em que faria 11
(onze) anos de idade o réu chegou em sua casa e foi até o quarto onde
estava deitada e começou a passar a mão em suas partes íntimas, isto
é, em sua vagina por dentro da calcinha e somente parou quando a
pessoa de V., tia da menor, chegou no quarto.
Sustentou que somente foi abusada nesse dia e que não contou nada
antes porque ficou com medo de "dar problema".
Nos termos do que restou consignado acima, entendo que o
enquadramento das referidas condutas no tipo descrito no art. 146 do Código Penal é, de fato,
indevida. Ora, embora o bem juridicamente tutelado pelo referido dispositivo seja a liberdade
individual da pessoa, tanto física quanto psíquica, se tal constrangimento causado à vítima visa à
satisfação de intenção outra, específica, que não a de "não fazer o que a lei permite ou a fazer o
que ela não manda", a hipótese é de configuração desse delito diverso.

Isso porque o delito de constrangimento ilegal possui natureza


subsidiária, isto é, somente será considerado se o constrangimento não for elemento típico de
outra infração penal.

Sendo assim, se a intenção do recorrente é a de satisfazer seu desejo


sexual, a hipótese é, de fato, de configuração do delito de estupro de vulnerável, tal como
entendeu a sentença condenatória.

A reprimenda contida no art. 217-A, do Código Penal, com efeito, visa à


proteção da liberdade, da dignidade e do desenvolvimento sexual. A lei, portanto, tutela o direito
de liberdade que a pessoa tem de dispor do próprio corpo.

Os elementos constantes no tipo descrito no art. 217-A do Código Penal


são: 1) a conduta de ter conjunção carnal; 2) ou praticar qualquer outro ato libidinoso; 3) com
pessoa menor de 14 anos.

Afastada a ocorrência efetiva de conjunção carnal relativamente às 3


vítimas em destaque, resta esclarecer o que a lei considera como ato libidinoso apto a configurar
o tipo descrito no art. 217-A do Código Penal.

Segundo Rogério Greco, in Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.3,


p. 467, na expressão "ato libidinoso" estão contidos todos os atos de natureza sexual, que não a
conjunção carnal, que tenham a finalidade de satisfazer a libido do agente.

Luiz Regis Prado, por sua vez, arrola alguns atos que podem ser
considerados libidinosos, relacionando como tais "os toques e apalpadelas com significação sexual
no corpo ou diretamente na região pudica (genitália, seios ou membros inferiores, etc.) da vítima;
a contemplação lasciva; os contatos voluptuosos, uso de objetos ou instrumentos corporais (dedo,
mão), mecânicos ou artificiais, por via vaginal, anal ou bucal, entre outros" (PRADO, Luiz Regis.
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Curso de Direito Penal Brasileiro, v. 2, p. 601.).

As condutas criminosas relatadas nos autos não podem ser consideradas


como "singelo contato corporal" como entendeu o Tribunal de origem. O Juízo sentenciante
descreveu as condutas do recorrente de forma detalhada e entendeu, com base em todo o
contexto fático dos autos, que "a conduta do réu não pode ser confundida com uma simples
importunação ofensiva ao pudor, tratando-se, na verdade, de efetivo contato lascivo, voluptuoso e
corpóreo, de libidinagem, com o propósito único de satisfação de sua lascívia" (fl. 372).

Destaco, a propósito, as considerações do Ministério Público Federal:


O caso em exame requer o restabelecimento da convicção prolatada pelo
Juízo de origem, uma vez que a moldura fático-probatória reconhecida
pelas instâncias ordinárias subsume-se ao crime descrito no artigo 217-A
do CP (estupro de vulnerável), e não ao estipulado no artigo 146 do CP
(constrangimento ilegal).
A capitulação do delito de constrangimento ilegal depende da demonstração
do dolo do agente de impelir alguém, com violência ou grave ameaça, a não
fazer o que a lei permite ou a fazer o que ela não manda.
Diferentemente, o enquadramento do crime de estupro depende da
comprovação de que o agressor agiu com o intuito de satisfazer sua própria
lascívia.
Portanto, na hipótese dos autos, os limites da conduta tipificada no artigo
146 do CP foram superados drasticamente, uma vez que o intento do
Recorrido não foi de constranger as vítimas, mas sim de submetê-las a atos
libidinosos para satisfazer seu próprio desejo sexual.
Ademais, as condutas praticadas pelo Recorrido configuram essencialmente
atos lascivos, conforme se pode extrair de trechos da sentença e do
acórdão condenatórios.
(...)
Por todo o exposto, não há dúvidas de que as condutas criminosas
reconhecidas como incontroversas pelas instâncias ordinárias amoldam-se
ao crime de estupro de vulnerável (artigo 217-A do CP), o que requer a
readequação típica da ação delituosa perante essa Corte Especial.
É inconcebível a conclusão benevolente do Tribunal de origem que
classificou a conduta criminosa como “singelo contato corporal” a ensejar
o enquadramento de constrangimento ilegal.
É sabido que o ato libidinoso diverso da conjunção carnal é configurado de
várias maneiras e graduações (por exemplo: toque concupiscente, beijo
lascivo, coito anal, dentre outros). Dito isso, cabe ressaltar que a tipificação
do delito disposto no artigo 217-A do CP independe do modo ou da
intensidade do ato libidinoso, mas sim da demonstração de que a ação
criminosa atentatória ao pudor tenha sido praticada com propósito lascivo.
Em outras palavras, a modalidade ou intensidade do ato libidinoso influirá
nas fases de dosimetria da pena, e não no enquadramento típico da conduta
criminosa.
(...)
Portanto, resta notório que a Corte de origem incorreu em erro in judicando
ao desclassificar a ação criminosa do Recorrido de estupro de vulnerável
para constrangimento ilegal. Revela-se, então, a negativa de vigência ao
artigo 217-A do CP.

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Diante do exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso para restabelecer


a sentença de primeiro grau.

É como voto.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUINTA TURMA

Número Registro: 2014/0238065-2 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.481.546 / GO


MATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 1104844 110484420138090140 201390110486 5197738 72013

PAUTA: 20/11/2014 JULGADO: 20/11/2014


SEGREDO DE JUSTIÇA
Relator
Exmo. Sr. Ministro GURGEL DE FARIA
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro JORGE MUSSI
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. BRASILINO PEREIRA DOS SANTOS
Secretário
Bel. MARCELO PEREIRA CRUVINEL

AUTUAÇÃO
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS
RECORRIDO : T LR
ADVOGADO : GÉVERSON DE FARIA ALVES E OUTRO(S)

ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes contra a Dignidade Sexual - Estupro de vulnerável

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUINTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso e lhe deu provimento, nos termos do
voto do Sr. Ministro Relator."
Os Srs. Ministros Newton Trisotto (Desembargador convocado do TJ/SC), Walter de
Almeida Guilherme (Desembargador convocado do TJ/SP), Felix Fischer e Jorge Mussi votaram
com o Sr. Ministro Relator.

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