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HABEAS CORPUS Nº 755282 - AM (2022/0212637-1)

RELATOR : MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA


IMPETRANTE : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO AMAZONAS
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO AMAZONAS
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO AMAZONAS
PACIENTE : E DOS S M (PRESO)
INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO AMAZONAS

DECISÃO

Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de E. DOS S. M. apontando


como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas (Apelação
Criminal n. 0663490-58.2020.8.04.0001).

Consta dos autos que o paciente foi condenado como incurso no art. 217-A,
caput, c/c os arts. 226 e 14, inciso II, todos do Código Penal, à pena de 5 anos e 4 meses
de reclusão, em regime fechado. Irresignados, o assistente de acusação e a defesa
interpuseram recurso de apelação, sendo provido apenas o recurso do assistente, para
reconhecer o crime na forma consumada, resultando uma pena de 16 anos de reclusão.

A propósito, transcrevo a ementa (e-STJ fl. 10/12):


PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. ESTUPRO DE
VULNERÁVEL, NA FORMA TENTADA. ART. 217-A, CAPU'T, C/C ART. 14,
INCISO II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. PRELIMINAR.
INTEMPESTIVIDADE DO RECURSO INTERPOSTO PELA ASSISTENTE
DE ACUSAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. PEDIDO DO RÉU, VISANDO À SUA
ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. AUTORIA E MATERIALIDADE
COMPROVADAS. RELEVÂNCIA PROBATÓRIA DA PALAVRA DA VÍTIMA.
PEDIDO DA ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO PARA O RECONHECIMENTO
DA FORMA CONSUMADA DO ESTUPRO DE VULNERÁVEL.
NECESSIDADE. COMPROVAÇÃO DA PRÁTICA DE ATO LIBIDINOSO.
DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE IMPORTUNAÇÃO SEXUAL.
INVIABILIDADE. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DA
CIRCUNSTÂNCIA AGRAVANTE DE REINCIDÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE.
CONDENAÇÃO ANTERIOR QUE SE CONFIGURA COMO MAUS
ANTECEDENTES. READEQUAÇÃO DA DOSIMETRIA. SENTENÇA
PARCIALMENTE REFORMADA. APELAÇÃO CRIMINAL INTERPOSTA
PELO RÉU CONHECIDA E DESPROVIDA. APELAÇÃO CRIMINAL
INTERPOSTA PELA ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO CONHECIDA E,
PARCIALMENTE, PROVIDA. 1. Prima facie, constata-se a tempestividade do

Edição nº 0 - Brasília, Publicação: segunda-feira, 16 de janeiro de 2023


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Recurso interposto pela Ofendida, após a sua habilitação como Assistente de
Acusação e reabertura do prazo recursal nesta Instância ad quem. Ad
argumentandum tantum, a Vítima manifestou interesse em apelar, dentro do
prazo compreendido entre 25 de agosto de 2021 e 08 de setembro de 2021,
nos termos do art. 598, parágrafo único, do Código de Processo Penal. 2.
Adentrando-se ao exame de mérito da demanda, infere-se que a autoria e a
materialidade foram comprovadas por meio das elucidativas declarações
extrajudiciais da Vítima, do seu genitor e da tia da Ofendida, e do Sumário
Psicossocial, os quais foram corroborados, posteriormente, perante o insigne
Juízo de primeira instância, pelo depoimento especial da Vítima e dos
depoimentos das Testemunhas de Acusação, sob o crivo do contraditório e da
ampla defesa, confirmando-se a versão apresentada pelo Parquet. 3. Nos
crimes contra a liberdade sexual, a palavra da Vítima goza de especial
relevância probatória, quando em consonância com as demais provas dos
Autos, como se verifica no episódio vertente, tendo em vista que esses delitos,
geralmente, ocorrem à distância de quaisquer testemunhas e, comumente, não
deixam vestígios. Precedentes. 4. In casu, a Defesa pugna pela absolvição do
Recorrente, consoante o disposto no art. 386, inciso VII, do Código de
Processo Penal, em razão de que a palavra da Vítima encontra-se isolada,
além de apresentar contradições, devendo-se aplicar o princípio do in dubio
pro reo. Contudo, o Apelante não apresentou quaisquer provas, capazes de
respaldar a negativa de autoria, restando as suas declarações extrajudiciais e
o seu depoimento judicial a respeito do fato delitivo isoladas dos demais
elementos probatórios. Com efeito, as provas são contundentes em confirmar
a prática do crime, e as pequenas divergências e contradições entre os
depoimentos não são capazes de macular a versão apresentada pela
Acusação. 5. É sabido que, a despeito da não comprovação de conjunção
anal ou coito anal, a prática de ato libidinoso com menor de 14 (quatorze)
anos, tal como, o contato físico com propósito lascivo, é, decerto, conduta
apta a configurar um dos núcleos da referida norma jurídica, já que
expressamente prevista na lei penal. Precedentes. 6. No caso concreto,
depreende-se que a conduta imputada ao Acusado e, regularmente,
comprovada no episódio vertente, amolda-se à forma consumada do delito,
nos termos do art. 14, inciso I, do Código Penal, haja vista que, aproveitando
que a Vítima estava sozinha em casa, da confiança da menor e prevalecendo-
se da hospitalidade, o Réu pediu para entrar em sua residência, e, lá estando,
tocou as partes íntimas da menor sobre as vestimentas, o que, de per si, já
demonstra a consumação de crime. Precedentes. 7. Nesse ínterim, demonstra-
se inadmissível a desclassificação para a forma tentada do crime, diante da
menor gravidade da conduta, com base nos princípios da razoabilidade e
proporcionalidade, por mostrar-se manifestamente contrária ao ordenamento
jurídico. Precedentes. 8. Acerca da impossibilidade de desclassificação da
conduta para o delito previsto no art. 215-A do Código Penal, a
jurisprudência pátria caminha no sentido da "impossibilidade de
desclassificação da figura do estupro de vulnerável para o crime de
importunação sexual, na medida em que o tipo penal previsto no art. 215-A
do Código Penal, é praticado sem violência ou grave ameaça, ao passo que o
delito imputado ao recorrente (art. 217-A do Código Penal) inclui a
presunção absoluta de violência ou grave ameaça, por se tratar de vitima
menor de 14 anos de idade, devendo ser observado o principio da
especialidade." (STJ, AgRg nos Edcl no AREsp 1.923.215/AM, Relator:
Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, Julgado
em 26/04/2022, Publicado no Dje do dia 29/04/2022). 9. Dessarte, à luz dos
elementos informativos e probatórios contidos no presente caderno
processual, especialmente, a palavra da Vítima, em harmonia por outras
provas, deve ser, regularmente, mantida a condenação do Réu, porém, pela
forma consumada do crime insculpido no art. 217-A, caput, da Lei

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Substantiva Penal. 10. Com relação à dosimetria, vê-se que a condenação
definitiva do Acusado se perfaz, decerto, maus antecedentes, tendo em vista
que o trânsito em julgado ocorreu em data posterior aos fatos sob análise e,
não, reincidência, tendo em consideração que, consoante o disposto no art.
63 do Código Penal, a reincidência se configura quando o agente comete
novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no
estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior. 11. Em arremate, em
razão do reconhecimento da forma consumada do delito, nos exatos termos
do art. 14, inciso I, da Lei Substantiva Penal, por esta Instância ad quem, e
das balizas definidas pelo douto Juízo de primeira instância, fixa-se a pena de
16 (dezesseis) anos de reclusão, pela prática do crime de Estupro de
Vulnerável. 10. APELAÇÃO CRIMINAL INTERPOSTA PELO RÉU
CONHECIDA E DESPROVIDA. APELAÇÃO CRIMINAL INTERPOSTA
PELA ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO CONHECIDA E, PARCIALMENTE,
PROVIDA.

No presente mandamus, a defesa aduz, em síntese, que o paciente deveria ter


sido absolvido, em observância ao princípio do in dubio pro reo, uma vez que a palavra
da vítima é controversa e que a imputação se trata de uma vingança do pai da vítima, em
razão de o paciente ter tido um caso extraconjugal com a madrasta.

Pugna, assim, pela absolvição do paciente.

As informações foram prestadas às e-STJ fls. 97/106 e o Ministério Público


Federal se manifestou, às e-STJ fls. 110/120, pelo não conhecimento do mandamus, nos
seguintes termos:
Habeas corpus impetrado como sucedâneo de recurso próprio. Estupro de
vulnerável. – Pleito de absolvição. Condenação devidamente embasada nas
provas dos autos. Conclusão diversa que reclama revolvimento fático-
probatório, inviável na via mandamental. – Promoção pelo não conhecimento
do writ, ou, caso conhecido, pela denegação da ordem.

É o relatório. Decido.
Diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, o Superior
Tribunal de Justiça passou a acompanhar a orientação do Supremo Tribunal Federal, no
sentido de ser inadmissível o emprego do writ como sucedâneo de recurso ou revisão
criminal, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, sem
olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante
ilegalidade.

Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e a eficácia do mandamus,


garantindo a celeridade que o seu julgamento requer. Assim, em princípio, incabível o
presente habeas corpus substitutivo do recurso próprio. Todavia, em homenagem ao
princípio da ampla defesa, tem se admitido o exame da insurgência, para verificar a

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existência de eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da
ordem, de ofício.

Na hipótese, a defesa se insurge, em síntese, contra a condenação pelo delito


de estupro de vulnerável por considerar serem insuficientes as provas carreadas aos autos.
Contudo, a alegação de precariedade das provas não encontra espaço de análise na via
estreita do habeas corpus, porquanto demanda aprofundado reexame do contexto fático-
probatório, inviável na via eleita.

Com efeito, "o exame aprofundado de todo conjunto fático-probatório dos


autos de origem, de forma a desconstituir as conclusões das instâncias ordinárias,
soberanas na análise dos fatos e provas, consiste em providência que se mostra, a toda
evidência, inviável de ser realizada dentro dos estreitos limites do habeas corpus, que não
admite dilação probatória. Precedentes" (AgRg no HC n. 661.137/SC, Relator Ministro
Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Quinta Turma, julgado em
28/9/2021, DJe de 5/10/2021).

Assim, revisar as provas para concluir pela injustiça ou pela ausência de


provas para a condenação do paciente pelo crime de estupro de vulnerável é providência
sabidamente inviável no âmbito do habeas corpus, cuja finalidade é sanar ilegalidade
flagrante concernente à matéria de direito, visível sem a necessidade de esmiuçar o
contexto probatório soberanamente apreciado pelas instâncias ordinárias.

Ademais, compulsando os autos, constata-se que as instâncias ordinárias,


soberanas na análise do contexto fático probatório, concluíram pelo reconhecimento da
autoria e da materialidade do delito apontando elementos idôneos para tal conclusão,
sobretudo, o depoimento da vítima, o qual, ao contrário do que aduz a defesa, foi
corroborado por outros elementos de prova, como a avaliação psicossocial, o que se
mostra suficiente no caso.

Diante disso, tem-se que o entendimento exarado pelo juízo de primeiro grau e
reiterado pela Corte estadual está em harmonia com a jurisprudência desta Corte no
sentido de que nos crimes contra a dignidade sexual, a palavra da vítima é de suma
importância para o esclarecimento dos fatos, considerando a maneira como tais delitos
são cometidos, ou seja, na clandestinidade.

Por oportuno:
PENAL E P ROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM
RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. VIOLAÇÃO AO ART.
155 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - CPP. NÃO OCORRÊNCIA.

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CONDENAÇÃO LASTREADA EM PROVAS COLHIDAS NO INQUÉRITO E
EM JUÍZO. ABSOLVIÇÃO QUE ESBARRA NO ÓBICE DA SÚMULA N. 7
DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. AGRAVO REGIMENTAL
DESPROVIDO. 1. In casu, verifica-se que a condenação encontra-se
lastreada em elementos de prova colhidos no inquérito policial e em juízo, sob
o crivo do contraditório e da ampla defesa, notadamente no depoimento de
uma das vítimas, das mães e avó das vítimas e no relatório psicossocial
realizado com uma das crianças. Assim, não há que se falar em violação ao
art. 155 do CPP. Precedentes. 1.1. Consoante a jurisprudência desta Corte,
em crimes de natureza sexual, a palavra da vítima possui relevante valor
probatório, uma vez que nem sempre deixam vestígios e geralmente são
praticados sem a presença de testemunhas. Precedentes. 1.2. Pleito
absolutório que esbarra no óbice da Súmula n. 7 do STJ. 2. Agravo
regimental desprovido. (AgRg no AREsp n. 2.030.511/SP, relator Ministro
Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 26/4/2022, DJe de 3/5/2022.)

Nada obstante, verifico que a hipótese apresenta particularidades, referentes à


dosimetria da pena, que merecem ser analisadas, ainda que de ofício, pelo Superior
Tribunal de Justiça. Com efeito, compulsando os autos, verifica-se que o Magistrado de
origem fixou a pena do paciente em 5 anos e 4 meses de reclusão, e que esta foi triplicada
pela Corte local, resultando em 16 anos de reclusão.

A elevação tão expressiva da pena levou-me a perquirir a razão do referido


aumento, tendo constatado que a conduta fática sob análise se manteve inalterada e que as
circunstâncias judiciais, as agravantes e as atenuantes, bem como as causas de aumento
foram concretamente valoradas. A única circunstância que se alterou foi o
reconhecimento da tentativa pelo Juízo a quo e da consumação pelo Tribunal de origem.

Para gerar ainda mais perplexidade, registro que, de fato, se trata de crime
considerado consumado, motivo pelo qual não seria possível mera readequação típica ou
simples refazimento da dosimetria. Contudo, a situação dos autos demanda inevitável
filtragem constitucional, em especial em atenção ao princípio da proporcionalidade,
para que a aplicação da lei não se revele mais injusta que sua não aplicação.

A conduta imputada foi relatada pela vítima, que afirmou que "confiava no
pastor e por isso abriu o portão de sua casa autorizando a entrada dele; que estava de
short e o autor passou a mão dele em sua vagina, por cima do short; que o autor
passou poucos minutos no local e logo foi embora, não esperando a chegada da madrasta
da vítima" (e-STJ fl. 60).

Não há dúvidas, portanto, de que está configurado o crime do art. 217-A do


Código Penal, na modalidade consumada, uma vez que a conduta imputada já preenche a
tipicidade penal. Contudo, o Ministério Público, em alegações finais, requereu o

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reconhecimento da tentativa, tendo o Juízo de origem, registrado que, "considerando
que os toques libidinosos foram rápidos e não houve sequer a retirada de alguma
peça de roupa, a pena deve ser reduzida em 2/3 (CP, art. 14, p. único)" (e-STJ fl. 71).
O Magistrado consignou, outrossim, que (e-STJ fls. 70/71):
(...) Não há proporcionalidade no excesso e na deficiência, no muito e no
pouco, na rigidez e na brandura.
In casu, uma pena justa, ou, na dicção do art. 59 do Código, necessária e
suficiente para a reprovação e prevenção do delito, pode ser alcançada
diante da visualização de tentativa, que conta com a diminuição do art. 14,
p. único, do Código Penal. De fato, consoante apurado, o agente não
prosseguiu na execução do crime diante do dissenso da vítima, que
empurrou aquele, o qual logo saiu do local.
Não é solução estranha na jurisprudência do próprio Egrégio Superior
Tribunal de Justiça. No AgRg no AREsp 1265103/MS, j. 26.6.2018, por
exemplo, deparou-se com tentativa de estupro de vulnerável num cenário em
que "[...] o réu entrou no quarto de sua sobrinha, deitou na cama onde a
menor estava dormindo, e então passou a mão em suas nádegas, após isso, a
vítima mudou de posição, e o embargante insistiu na prática delitiva ao
passar a mão na 'parte íntima' dela[...]".
No REsp 1710157/RO, j. 27.2.2018, analisou "[...] a condenação de professor
de escola pública ao cumprimento de pena de 4 anos de reclusão em razão da
prática do delito de estupro de vulnerável, em sua forma tentada, contra
aluna de dez anos de idade [...]".
O Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu tentativa de estupro
de vulnerável no seguinte cenário: “Prática de ato libidinoso com menina de
dez anos de idade. Conduta de passar a mão pelo corpo da vítima. Toque na
vagina e nas nádegas por cima da roupa durante pescaria. [...] Crime não
consumado. Atos de execução que não atingiram a consumação do crime por
resistência da própria ofendida. Aplicação do redutor máximo em razão do
iter criminis percorrido. Pena concretizada em 2 anos e 8 meses de reclusão.
Fixação do regime semiaberto. Consideração da gravidade relativa e das
circunstâncias judiciais favoráveis. Precedentes do STJ. Apelo parcialmente
provido para esse fim” (Apelação0020053-37.2010.8.26.0071, 16.ª Câmara
Criminal, rel. Otávio de Almeida Toledo, 29.04.2014, v. u.).
Por sua vez, o Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul fala em
tentativa de estupro de vulnerável por força do princípio da
proporcionalidade, sob a feição da proibição de excesso, "se os atos
libidinosos diversos da conjunção carnal se restringiram a passadas de mãos
pelas nádegas de uma das vítimas, ainda que esta seja criança de 10 (dez)
anos de idade" (Ap. 70050844448/RS, 7.ª C. C., rel. José Conrado Kurtz de
Souza, 18.12.2012).

Conforme já tive oportunidade de me manifestar em outros casos, o legislador


não consegue prever todas as variáveis possíveis da condutas incriminadas. Assim, cabe
ao aplicador da lei, aferir se a conduta merece a mesma resposta penal dada, por exemplo,
àquele que que se utiliza de violência ou grave ameaça para manter conjunção carnal.

De acordo com os ensinamentos do autor inglês Herbert Hart, que trabalhou o


conceito de derrotabilidade, "em razão da impossibilidade de as normas preverem as

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diversas situações fáticas, ainda que presentes seus requisitos, elas contém, de forma
implícita, uma cláusula de exceção (tipo: a menos que), de modo a ensejar, diante do caso
concreto, a derrota/superação da norma" (Cunha Jr., Dirley. O que é derrotabilidade das
normas jurídicas? <https://dirleydacunhajunior.jusbrasil.com.br/artigos/207200076/o-
que-e-derrotabilidade-das-normas-juridicas>. Acessado em 12/1/2023).

De fato, "nas palavras de Uadi Lammêgo Bulos, a "Derrotabilidade é o ato


pelo qual uma norma jurídica deixa de ser aplicada, mesmo presentes todas as condições
de sua aplicabilidade, de modo a prevalecer a justiça material no caso concreto"
(BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional, 13ª ed. São Paulo: Saraiva,
2020, p. 133)". (REsp n. 1.953.607/SC, relator Ministro Ribeiro Dantas, Terceira Seção,
julgado em 14/9/2022, DJe de 20/9/2022.)

Ora, as situações precisam ser sopesadas de acordo com sua gravidade


concreta e com sua relevância social, e não apenas pela mera subsunção ao tipo penal. A
condenação do paciente, ao dobro do mínimo legal, por ter passado a mão na vagina da
vítima por cima do short, não revela proporcionalidade, mostrando-se mais gravoso que a
pena mínima do crime de homicídio qualificado (12 anos de reclusão).

A propósito, transcrevo lição do livro clássico, Dos Delitos e Das Penas, no


qual o autor, Cesare Beccaria, enfatiza que, "se uma pena igual é destinada a dois delitos
que ofendem desigualmente a sociedade, os homens não encontrarão um obstáculo forte o
suficiente para não cometer um delito maior, se dele resultar uma vantagem maior".
(Beccaria, Cesare. Dos Delitos e Das Penas. São Paulo, Martins Fontes, 1997. p. 52).

Relevante destacar que não se está diminuindo a gravidade da conduta


imputada, mas apenas ajustando a resposta penal, para que não se revele exacerbada. A
título de curiosidade, registro que o anteprojeto do novo Código Penal entregue ao
Presidente do Senado Federal, em 27/6/2012, ao listar os crimes sexuais contra
vulneráveis, tipificou o crime de "molestamento sexual de vulnerável", nos seguintes
termos:
Art. 188. Constranger alguém que tenha até doze anos à prática de ato
libidinoso diverso de estupro vaginal, anal ou oral:
Pena - prisão, de quatro a oito anos.

Os renomados juristas que atuaram no referido projeto tiveram a preocupação


de distinguir as inúmeras condutas que atualmente tipificam o crime de estupro e de
estupro de vulnerável, atribuindo-lhes a adequada resposta penal. De fato, "não é

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recomendável que as condutas de conjunção carnal, sexo oral e sexo anal possuam o
mesmo tratamento jurídico-penal que se dá ao beijo lascivo, sob pena de verdadeira
afronta ao princípio da proporcionalidade". (AgRg na PET no REsp n. 1.684.167/SC,
relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 18/6/2019, DJe
de 1/7/2019.)
No mesmo diapasão: AgRg no HC n. 742.479/SP, relator Ministro Ribeiro
Dantas, Quinta Turma, julgado em 21/6/2022, DJe de 29/6/2022 e AgRg no REsp n.
1.963.901/RS, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT),
Quinta Turma, julgado em 22/2/2022, DJe de 3/3/2022.
Importante registrar, por fim, que, embora haja resistência, a perspectiva
fraterna deve permear também a esfera penal, sem descuidar, por óbvio, das regras
jurídicas. Assim, "não é possível mais entender a pena apenas na visão retribucionista
tradicional (reduzida), como se fosse um fim em si mesmo, como vingança, castigo,
compensação ou reparação do mal provocado pelo crime". (FONSECA, Reynaldo Soares
da. O Princípio Constitucional da Fraternidade: Seu Resgate no Sistema de Justiça. Belo
Horizonte: Editora D'Plácido, 2019. p. 133).

Feitas essas considerações, constata-se que a particularidade do caso concreto


o distingue dos demais precedentes desta corte Superior, sendo mister, portanto, o
restabelecimento da pena aplicada pelo Magistrado de origem, em homenagem à leitura
constitucional da aplicação da pena e em atenção não apenas ao princípio da
proporcionalidade, mas também ao princípio da fraternidade, aplicando-se a pena de
acordo com a violação do bem jurídico tutelado.

Pelo exposto, não conheço do mandamus. Porém, concedo a ordem de ofício,


apenas para restabelecer a pena aplicada pelo Magistrado de origem.

Publique-se.

Brasília, 13 de janeiro de 2023.

Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA


Relator

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