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Edição 2022

Lei 10.826/2003
Estatuto do Desarmamento

Edição 2023.1
Revisada
Atualizada
Ampliada

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ESTATUTO DO DESARMAMENTO – LEI 10.826/2003
APRESENTAÇÃO................................................................................................................................ 4
PARTE GERAL .................................................................................................................................... 5
1. EVOLUÇÃO LEGISLATIVA.......................................................................................................... 5
2. NOÇÕES PRELIMINARES .......................................................................................................... 6
3. COMPETÊNCIA PARA O JULGAMENTO .................................................................................. 6
4. NATUREZA DOS CRIMES .......................................................................................................... 7
5. BENS JURÍDICOS PROTEGIDOS .............................................................................................. 7
6. CLASSIFICAÇÃO DAS ARMAS DE FOGO ................................................................................ 7
ARMAS DE FOGO DE USO PERMITIDO............................................................................ 7
ARMAS DE FOGO DE USO RESTRITO ............................................................................. 8
ARMAS DE FOGO DE USO PROIBIDO .............................................................................. 8
7. REGISTRO E PORTE DE ARMA DE FOGO .............................................................................. 8
1ª ETAPA: AQUISIÇÃO DA ARMA DE FOGO..................................................................... 9
2ª ETAPA: REGISTRO ....................................................................................................... 10
3ª ETAPA: AUTORIZAÇÃO PARA O PORTE.................................................................... 11
AUSÊNCIA DO REGISTRO OU DE AUTORIZAÇÃO PARA O PORTE E ADEQUAÇÃO
TÍPICA ............................................................................................................................................ 13
REGISTRO DE ARMA DE FOGO E LEI MARIA DA PENHA ............................................ 14
8. POSSE X PORTE....................................................................................................................... 14
9. POSSE DE ARMA DE FOGO EM ZONA RURAL ..................................................................... 15
DOS CRIMES E DAS PENAS ........................................................................................................... 17
1. POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO ......................................... 17
PREVISÃO LEGAL E CONSIDERAÇÕES INICIAIS ......................................................... 17
OBJETIVIDADE JURÍDICA................................................................................................. 17
CONDUTA ........................................................................................................................... 17
OBJETO MATERIAL ........................................................................................................... 18
ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO.................................................................................. 19
SUJEITOS DO DELITO ...................................................................................................... 21
1.6.1. Sujeito ativo.................................................................................................................. 21
1.6.2. Sujeito passivo ............................................................................................................. 21
CONSUMAÇÃO E TENTATIVA .......................................................................................... 21
GUARDA DE ARMA DE FOGO COM REGISTRO VENCIDO .......................................... 22
AÇÃO PENAL...................................................................................................................... 24
ABOLITIO CRIMINIS TEMPORÁRIA ................................................................................. 24
PENA ................................................................................................................................... 25
2. OMISSÃO DE CAUTELA ........................................................................................................... 25
PREVISÃO LEGAL ............................................................................................................. 26
OBJETIVIDADE JURÍDICA................................................................................................. 26
SUJEITOS DO DELITO ...................................................................................................... 26
2.3.1. Sujeito ativo.................................................................................................................. 26
2.3.2. Sujeito passivo ............................................................................................................. 26
ELEMENTO SUBJETIVO ................................................................................................... 26
CONSUMAÇÃO E TENTATIVA .......................................................................................... 27
FIGURA EQUIPARADA À OMISSÃO DE CAUTELA ........................................................ 27
2.6.1. Objetividade jurídica .................................................................................................... 27
2.6.2. Sujeitos do delito .......................................................................................................... 27

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2.6.3. Observações importantes ............................................................................................ 27
2.6.4. Consumação e tentativa .............................................................................................. 28
3. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO .................................................. 28
PREVISÃO LEGAL E CONSIDERAÇÕES ......................................................................... 28
OBJETIVIDADE JURÍDICA................................................................................................. 28
SUJEITOS DO DELITO ...................................................................................................... 28
3.3.1. Sujeito ativo.................................................................................................................. 28
3.3.2. Sujeito passivo ............................................................................................................. 29
ELEMENTO NORMATIVO.................................................................................................. 29
CONSUMAÇÃO E TENTATIVA .......................................................................................... 30
OBSERVAÇÕES IMPORTANTES ..................................................................................... 30
3.6.1. Crime de perigo abstrato ............................................................................................. 30
3.6.2. Porte de arma de brinquedo e réplicas ....................................................................... 32
3.6.3. Porte ilegal de arma de fogo desmuniciada ................................................................ 32
3.6.4. Uso de munição como pingente e atipicidade ............................................................ 32
3.6.5. Porte e homicídio ......................................................................................................... 33
3.6.6. Porte ilegal e legítima defesa ...................................................................................... 33
4. DISPARO DE ARMA DE FOGO ................................................................................................ 33
PREVISÃO LEGAL E CONSIDERAÇÕES ......................................................................... 33
OBJETIVIDADE JURÍDICA................................................................................................. 34
OBJETO MATERIAL ........................................................................................................... 34
SUJEITOS DO DELITO ...................................................................................................... 34
4.4.1. Sujeito ativo.................................................................................................................. 34
4.4.2. Sujeito passivo ............................................................................................................. 34
ELEMENTO ESPACIAL DO TIPO ...................................................................................... 34
CONSUMAÇÃO E TENTATIVA .......................................................................................... 34
OBSERVAÇÕES IMPORTANTES ..................................................................................... 35
4.7.1. Pluralidade de disparos ............................................................................................... 35
4.7.2. Veracidade do projétil .................................................................................................. 35
4.7.3. Crime mais grave e absorção ...................................................................................... 35
4.7.4. Porte ilegal e disparo de arma de fogo ....................................................................... 35
PENA ................................................................................................................................... 36
5. POSSE OU PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO E PROIBIDO ......... 37
PREVISÃO LEGAL E CONSIDERAÇÕES ......................................................................... 37
OBJETIVIDADE JURÍDICA................................................................................................. 38
SUJEITOS DO DELITO ...................................................................................................... 38
5.3.1. Sujeito ativo.................................................................................................................. 38
5.3.2. Sujeito passivo ............................................................................................................. 38
ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO.................................................................................. 38
CONSUMAÇÃO E TENTATIVA .......................................................................................... 39
FIGURAS EQUIPARADAS ................................................................................................. 39
5.6.1. Suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de indicação de arma de
fogo ou artefato ........................................................................................................................... 39
5.6.2. Modificar as características de arma de fogo, de forma a torná-la equivalente a arma
de fogo de uso proibido ou restrito ou para fins de dificultar ou de qualquer modo induzir a
erro autoridade policial, perito ou juiz ........................................................................................ 39
5.6.3. Possuir, detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou incendiário, sem
autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar ................................ 40

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5.6.4. Portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração,
marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado .................. 41
5.6.5. Vender, entregar ou fornecer, ainda que gratuitamente, arma de fogo, acessório,
munição ou explosivo a criança ou adolescente ....................................................................... 41
5.6.6. Produzir, recarregar ou reciclar, sem autorização legal, ou adulterar, de qualquer
forma, munição ou explosivo ...................................................................................................... 42
NATUREZA HEDIONDA ..................................................................................................... 42
PENA ................................................................................................................................... 43
6. COMÉRCIO ILEGAL DE ARMA DE FOGO ............................................................................... 44
PREVISÃO LEGAL E CONSIDERAÇÕES ......................................................................... 44
OBJETIVIDADE JURÍDICA................................................................................................. 45
SUJEITOS DO DELITO ...................................................................................................... 45
6.3.1. Sujeito ativo.................................................................................................................. 45
6.3.2. Sujeito passivo ............................................................................................................. 45
OBJETO MATERIAL ........................................................................................................... 45
ELEMENTO NORMATIVO.................................................................................................. 45
CONSUMAÇÃO E TENTATIVA .......................................................................................... 46
ROL DOS CRIMES HEDIONDOS ...................................................................................... 46
PENA ................................................................................................................................... 46
7. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ARMA DE FOGO .................................................................. 46
PREVISÃO LEGAL E CONSIDERAÇÕES ......................................................................... 46
OBJETIVIDADE JURÍDICA................................................................................................. 47
OBJETO MATERIAL ........................................................................................................... 47
SUJEITOS DO DELITO ...................................................................................................... 47
7.4.1. Sujeito ativo.................................................................................................................. 47
7.4.2. Sujeito passivo ............................................................................................................. 47
CONSUMAÇÃO E TENTATIVA .......................................................................................... 47
ROL DOS CRIMES HEDIONDOS ...................................................................................... 47
PENA ................................................................................................................................... 48
TRÁFICO INTERNACIONAL DE MUNIÇÃO E PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA ......... 48
8. FIANÇA E LIBERDADE PROVISÓRIA ...................................................................................... 48
9. PERFIL BALÍSTICO ................................................................................................................... 48
10. JURISPRUDÊNCIA EM TESE ............................................................................................... 49

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APRESENTAÇÃO

Olá!

Inicialmente gostaríamos de agradecer a confiança em nosso material. Esperamos que seja


útil na sua preparação, em todas as fases. Quanto mais contato temos com uma mesma fonte de
estudo, mais familiarizados ficamos, o que ajuda na memorização e na compreensão da matéria.

O Caderno Legislação Penal Especial – Estatuto do Desarmamento possui como base as


aulas do professor Cleber Masson, do Curso G7 Jurídico. Posteriormente, complementada com a
aula do Professor Sílvio Maciel.

Três livros foram utilizados para complementar nosso CS de Legislação Penal Especial: a)
Legislação Criminal para Concursos (Fábio Roque, Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar), b)
Legislação Criminal Comentada (Renato Brasileiro), ambos da Editora Juspodivm e c)
Esquematizado - Legislação Penal Especial (Victor Eduardo Rios Gonçalves), ano 2022, da Editora
Saraiva.

Na parte jurisprudencial, utilizamos os informativos do site Dizer o Direito


(www.dizerodireito.com.br), os livros: Principais Julgados STF e STJ Comentados, Vade Mecum de
Jurisprudência Dizer o Direito, Súmulas do STF e STJ anotadas por assunto (Dizer o Direito), bem
como a Jurisprudência em Tese do STJ.

Destacamos: é importante você se manter atualizado com os informativos, reserve um dia


da semana para ler no site do Dizer o Direito.

Ademais, no Caderno constam os principais artigos da lei, mas, ressaltamos, que é


necessária leitura conjunta do seu Vade Mecum, muitas questões são retiradas da legislação.

Como você pode perceber, reunimos em um único material diversas fontes (aulas + doutrina
+ informativos + súmulas + lei seca + questões) tudo para otimizar o seu tempo e garantir que você
faça uma boa prova.

Por fim, como forma de complementar o seu estudo, não esqueça de fazer muitas questões.
É muito importante! As bancas costumam repetir certos temas.

Vamos juntos! Bons estudos!

Equipe Cadernos Sistematizados.

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PARTE GERAL

1. EVOLUÇÃO LEGISLATIVA

O primeiro diploma legislativo a tratar sobre armas de fogo foi a Lei de Contravenções
Penais, em seu art. 19, que foi parcialmente revogado (em relação às armas de fogo), mas continua
válido no que se refere às armas brancas (dotada de ponta ou gume):

Art. 19 - Art. 19. Trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta,
sem licença da autoridade:
Pena – prisão simples, de quinze dias a seis meses, ou multa, de duzentos
mil réis a três contos de réis, ou ambas cumulativamente.

Em 1997, editou-se a Lei 9.437 que tratava sobre armas de fogo. Assim, o porte ilegal de
arma de fogo e a posse ilegal de arma de fogo, antes meras contravenções, a partir de 1997,
passaram a ser considerados como crime.

Ressalta-se que todos os crimes estavam previstos no art. 10 da Lei (posse, porte, comércio,
disparo etc.), sujeitos a uma mesma pena. Assim, existiam condutas de gravidades totalmente
diferentes submetidas a uma mesma pena. Claramente, havia uma violação ao princípio da
proporcionalidade e da individualização da pena (que também se dirige ao Poder Legislativo).

Verifica-se, portanto, a redação do art. 10 da Lei 9.437/97, revogado pela Lei 10.826/03:

Art. 10. Possuir, deter, portar, fabricar, adquirir, vender, alugar, expor à venda
ou fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que
gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda e ocultar
arma de fogo, de uso permitido, sem a autorização e em desacordo com
determinação legal ou regulamentar.
Pena - detenção de um a dois anos e multa.

Em 2003 foi editada a Lei 10.826, conhecida como Estatuto do Desarmamento, fruto de um
processo de conscientização da retirada das armas de fogo de circulação, que revogou
integralmente a Lei 9.437/97.

Com o Estatuto, passou-se a punir a posse (art. 12), porte (art. 14), posse/porte de uso
proibido (art. 16), disparo (art. 15), comércio (art. 17), tráfico internacional (art. 18), atendendo à
proporcionalidade e à individualização da pena.

Em janeiro de 2019, editou-se o Decreto 9.685/2019 que regulamentava o registro, posse e


comercialização de armas de fogo. Em maio, foi editado o Decreto 9.785/2019 (revogou o decreto
de janeiro) que, por sua vez, foi revogado pelo Decreto 9.847/2019 de junho. Então, atualmente, o
registro, posse e comercialização de arma de fogo é regulamentado pelo Decreto 9.847/2019, que
passou por diversas alterações com a publicação do Decreto 10.630, de 12 de fevereiro de 2021.

Em 2019, ainda, o Estatuto do Desarmamento foi alterado pela Lei 13.870/2019 (autorização
para a posse de arma de fogo abrange toda a extensão da propriedade rural, não apenas a sede),
pela Lei 13.886/2019 (destinação das armas de fogo apreendidas) e pela Lei 13.964/2019 (Pacote
Anticrime).

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2. NOÇÕES PRELIMINARES

O Capítulo I do Estatuto do Desarmamento regulamenta o SINARM - Sistema Nacional de


Armas, órgão instituído no Ministério da Justiça, no âmbito da Polícia Federal, com circunscrição
em todo o território nacional.

Antes, o controle de armas era exercido por cada estado através da Polícia Civil.

O art. 2º, parágrafo único é claro ao ressalvar que o Estatuto do Desarmamento não é
aplicado às Forças Armadas e Auxiliares, observe:

Art. 2º, Parágrafo único. As disposições deste artigo não alcançam as armas
de fogo das Forças Armadas e Auxiliares, bem como as demais que constem
dos seus registros próprios.

Salienta-se que, atualmente, o Decreto 9.847/2019 regulamenta o SINARM e o Sistema de


Gerenciamento Militar de Armas. Assim, tem-se que o legislador optou por uma regulamentação da
Lei, conforme é possível de se observar, por exemplo, no art. 3º, parágrafo único, no art. 4º, III, §
8º, dentre outros.

Art. 3º É obrigatório o registro de arma de fogo no órgão competente.


Parágrafo único. As armas de fogo de uso restrito serão registradas no
Comando do Exército, na forma do regulamento desta Lei.

Todas as armas de fogo deverão ser cadastradas no SINARM (Sistema Nacional de Armas
de Fogo) ou no SIGMA (Sistema de Gerenciamento Militar de Armas), sendo o Decreto 9.847/2019
que determina em qual sistema a arma será cadastrada.

Obs.: algumas provas (polícia, técnico, analista) costumam cobrar


quais armas serão cadastradas no SINARM ou no SIGMA, razão pela
qual recomenda-se a leitura atenta do Decreto, a depender do
concurso escolhido.

3. COMPETÊNCIA PARA O JULGAMENTO

Conforme visto, o controle de armas é feito pelo SINARM, órgão federal. Entretanto, a
competência para julgar crimes relacionados ao Estatuto do Desarmamento, em regra, não é da
Justiça Federal, mas da Justiça Estadual. Nesse sentido:

O objeto jurídico protegido pela Lei nº 10.826/03 é a incolumidade de toda a


sociedade, vítima em potencial do uso irregular das armas de fogo, não
havendo qualquer violação direta aos interesses da União, a despeito de ser
o SINARM um ente federal. (STJ, HC 57348/RJ, 5ª Turma, rel. Min. Gilson
Dipp, j. 12/06/2006).

O crime atingirá interesse federal, atraindo a competência da Justiça Federal quando, por
exemplo, um oficial da Polícia Federal for flagrado em serviço portando arma raspada ou quando
se tratar de tráfico internacional de armas, cuja competência originária é da Justiça Federal, por ser
crime à distância, envolver dois países, previsto em tratado ou convenção internacional. Ainda

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assim, no último caso, o simples fato de se tratar de arma estrangeira não é capaz de configurar o
crime de tráfico internacional de armas. É preciso comprovar que a pessoa que estiver portando
tenha sido a responsável pela importação da arma (cujo mesmo raciocínio é aplicado ao tráfico
transnacional de drogas).

Salienta-se que o crime praticado por militar poderá ser julgado pela Justiça Militar,
considerando-se a ampliação do conceito de crime militar do art. 9º do Código Penal Militar, alterado
pela Lei 13.491/2017.

4. NATUREZA DOS CRIMES

De acordo com o entendimento do STF e do STJ, todos os crimes do Estatuto do


Desarmamento são crimes de perigo abstrato ou presumido, ou seja, haverá crime mesmo diante
da ausência de perigo concreto/real. Presume-se abstratamente o perigo no tipo penal.

Cita-se, como exemplo, o porte de uma caixa de munição que não causa perigo concreto,
pois desacompanhada da suposta arma de fogo.

Salienta-se que há doutrina – como a discussão trazida por Luiz Flávio Gomes – sustentando
a inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato. No entanto, desde que estejam tipificando
comportamentos comprovadamente perigosos, de acordo com as regras de experiência, não há
qualquer inconstitucionalidade.

Ressalta-se, por fim, que o Estatuto do Desarmamento prevê tipos penais preventivos, que
criam uma espécie de obstáculos, de modo o legislador antecipa a tutela penal. Assim, o legislador
incrimina de forma autônoma um ato preparatório de determinado crime. Por exemplo, o porte ilegal
de arma de fogo, isoladamente considerado, é um ato preparatório para o roubo ou para o homicídio.

5. BENS JURÍDICOS PROTEGIDOS

Tanto o STF quanto o STJ dividiram os bens jurídicos protegidos pelo Estatuto do
Desarmamento em 2 grupos, quais sejam:

1) Bem jurídico imediato ou principal: trata-se da incolumidade pública.

2) Bem jurídico mediato ou secundário: patrimônio, liberdade, vida, integridade física etc.

6. CLASSIFICAÇÃO DAS ARMAS DE FOGO

O Estatuto separa as armas de fogo em 3 grandes grupos. Passa-se, então, a visualizar


cada um deles.

ARMAS DE FOGO DE USO PERMITIDO

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São aquelas cuja utilização pode ser autorizada tanto a pessoas físicas quanto a pessoas
jurídicas.

A relação das armas de fogo de uso permitido encontra-se no art. 3º, parágrafo único, inciso
I do Anexo I do Decreto 10.030/2019 (alterado recentemente pelo Decreto 10.627/21).

Por exemplo, revólveres de calibre 38 são de uso permitido.

ARMAS DE FOGO DE USO RESTRITO

Nos termos do art. 3º, parágrafo único, inciso II do Anexo I do Decreto 10.030/2019, as armas
de fogo de uso restrito são as armas de fogo automáticas, de qualquer tipo ou calibre,
semiautomáticas ou de repetição que sejam:

a) Não portáteis;

b) De porte, cujo calibre nominal, com a utilização de munição comum, atinja, na saída do
cano de prova, energia cinética superior a mil e duzentas libras-pé ou mil seiscentos e
vinte joules; ou

c) Portáteis de alma raiada, cujo calibre nominal, com a utilização de munição comum,
atinja, na saída do cano de prova, energia cinética superior a mil e duzentas libras-pé ou
mil seiscentos e vinte joules.

A K47, por exemplo, é um tipo de arma automática.

ARMAS DE FOGO DE USO PROIBIDO

São aquelas em que há total vedação ao uso e estão elencadas no art. 3º, parágrafo único,
inciso III do Anexo I do Decreto 10.030/2019:

Art. 3º, Parágrafo único, III - arma de fogo de uso proibido:

a) as armas de fogo classificadas como de uso proibido em acordos ou


tratados internacionais dos quais a República Federativa do Brasil seja
signatária; e

b) as armas de fogo dissimuladas, com aparência de objetos inofensivos.

Cita-se, como exemplo, armas nucleares.

7. REGISTRO E PORTE DE ARMA DE FOGO

São necessárias 3 etapas:

1) Compra da arma de fogo;

2) Registro da arma de fogo;

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3) Autorização para o porte.

1ª ETAPA: AQUISIÇÃO DA ARMA DE FOGO

A pessoa interessada na aquisição da arma de fogo, conforme disposto no art. 28 do


Estatuto, deve ter mais de 25 anos, salvo quando for:

1) Integrante das Forças Armadas;

2) Integrante dos órgãos definidos no art. 144 da CF (polícia federal, polícia rodoviária
federal, polícia ferroviária federal, polícias civis, polícias militares e corpos de bombeiros
militares, polícias penais federal, estaduais e distrital);

3) Integrante das guardas municipais dos Municípios com mais de 50.000 e menos de
500.000 habitantes;

4) Agentes operacionais da Agência Brasileira de Inteligência e os agentes do


Departamento de Segurança do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da
República;

5) Integrante dos órgãos policiais da Câmara dos Deputados e do Senado Federal,


referidos no art. 51, IV, e no art. 52, XIII, da Constituição Federal;

6) Integrante do quadro efetivo dos agentes e guardas prisionais, das escoltas de presos e
as guardas portuárias;

7) Integrante das carreiras de Auditoria da Receita Federal e da Auditoria-Fiscal do


Trabalho, cargos de Auditor-Fiscal e Analista Tributário.

Art. 28. É vedado ao menor de 25 (vinte e cinco) anos adquirir arma de fogo,
ressalvados os integrantes das entidades constantes dos incisos I, II, III, V,
VI, VII e X do caput do art. 6º desta Lei.

No que se refere às guardas municipais, é importante evidenciar que o STF decidiu que
todos os integrantes das guardas municipais possuem direito a porte de arma de fogo, em
serviço ou mesmo fora de serviço, independentemente do número de habitantes do
Município, conforme decisão abaixo colacionada:

O art. 6º, III e IV, da Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento) somente


previa porte de arma de fogo para os guardas municipais das capitais e dos
Municípios com maior número de habitantes. Assim, os integrantes das
guardas municipais dos pequenos Municípios (em termos populacionais) não
tinham direito ao porte de arma de fogo. O STF considerou que esse critério
escolhido pela lei é inconstitucional porque os índices de criminalidade não
estão necessariamente relacionados com o número de habitantes. Assim, é
inconstitucional a restrição do porte de arma de fogo aos integrantes de
guardas municipais das capitais dos estados e dos municípios com mais de
500.000 (quinhentos mil) habitantes e de guardas municipais dos municípios
com mais de 50.000 (cinquenta mil) e menos de 500.000 (quinhentos mil)
habitantes, quando em serviço. Com a decisão do STF todos os integrantes
das guardas municipais possuem direito a porte de arma de fogo, em serviço
ou mesmo fora de serviço. Não interessa o número de habitantes do

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Município. STF. Plenário. ADC 38/DF, ADI 5538/DF e ADI 5948/DF, Rel. Min.
Alexandre de Moraes, julgados em 27/2/2021 (Info 1007).1

Além da idade de 25 anos, é necessário atender determinados requisitos, são eles:

1) Comprovação de idoneidade, com a apresentação de certidões negativas de


antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral e de
não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal, que poderão ser
fornecidas por meios eletrônicos;

2) Apresentação de documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa;

3) Comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica para o manuseio de arma


de fogo.

Quando os requisitos legais estiverem presentes, o SINARM emitirá autorização para a


compra da arma de fogo. Trata-se de uma autorização específica para a pessoa e para a arma.

Igualmente, a compra de munição é específica para a arma de fogo autorizada, conforme os


parágrafos 2º e 3º do art. 4º do Estatuto do Desarmamento:

Art. 4º,
§ 1o O Sinarm expedirá autorização de compra de arma de fogo após
atendidos os requisitos anteriormente estabelecidos, em nome do requerente
e para a arma indicada, sendo intransferível esta autorização.
§ 2o A aquisição de munição somente poderá ser feita no calibre
correspondente à arma registrada e na quantidade estabelecida no
regulamento desta Lei.

2ª ETAPA: REGISTRO

Após a aquisição da arma de fogo, o interessado deverá registrá-la perante o órgão


competente.

A definição do órgão competente está relacionada com a classificação da arma de fogo.


Assim:

1) Arma de fogo de uso permitido: compete à Polícia Federal, após a anuência do


SINARM, com validade em todo o território nacional (art. 10 do Estatuto).

2) Arma de fogo de uso restrito: compete ao Comando do Exército (parágrafo único do


art. 3º do Estatuto).

A finalidade do registro é autorizar o proprietário a manter a arma de fogo no interior de sua


residência, ou ainda em seu local de trabalho, desde que ele seja o titular ou responsável legal do
estabelecimento ou empresa.

1 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Todos os integrantes das guardas municipais possuem direito a porte de arma de fogo, em serviço
ou mesmo fora de serviço, independentemente do número de habitantes do Município. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em:
<https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/36dcd524971019336af02550264b8a08>. Acesso em: 19/12/2022.

CS – ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2023.1 10

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3ª ETAPA: AUTORIZAÇÃO PARA O PORTE

Para que a arma de fogo seja levada consigo em via pública ou em local distinto, será
necessária a autorização para o porte, nos termos do art. 6º e seguintes do Estatuto do
Desarmamento.

Em regra, o porte é vedado em todo o território nacional, conforme se depreende do art. 6º,
in verbis:

Art. 6o É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo


para os casos previstos em legislação própria e para:

Contudo, a autorização para o porte poderá ser concedida em algumas hipóteses, seja em
caso de função do sujeito, seja em decorrência da obtenção de autorização junto à Polícia Federal,
após a anuência do SINARM, desde que preenchidos os requisitos legais previstos no art. 10 do
Estatuto:

Art. 10. A autorização para o porte de arma de fogo de uso permitido, em todo
o território nacional, é de competência da Polícia Federal e somente será
concedida após autorização do Sinarm.
§ 1º A autorização prevista neste artigo poderá ser concedida com eficácia
temporária e territorial limitada, nos termos de atos regulamentares, e
dependerá de o requerente:
I – demonstrar a sua efetiva necessidade por exercício de atividade
profissional de risco ou de ameaça à sua integridade física;
II – atender às exigências previstas no art. 4o desta Lei;
III – apresentar documentação de propriedade de arma de fogo, bem como o
seu devido registro no órgão competente.
§ 2º A autorização de porte de arma de fogo, prevista neste artigo, perderá
automaticamente sua eficácia caso o portador dela seja detido ou abordado
em estado de embriaguez ou sob efeito de substâncias químicas ou
alucinógenas.

Obs.: mesmo no caso de porte funcional, é necessário o cumprimento


da 1ª e da 2ª etapa.

Isto posto, questiona-se: o porte funcional se estende aos aposentados que não mais
exercem a função pública?

Em 2014, o STJ decidiu o seguinte:

O porte de arma de fogo a que têm direito os policiais civis não se


estendem aos policiais aposentados. Isto porque, de acordo com o art. 33
do Decreto 5.123/2004, que regulamentou o art. 6º da Lei 10.826/2003, o
porte de arma de fogo está condicionado ao efetivo exercício das funções
institucionais por parte dos policiais, motivo pelo qual não se estende aos
aposentados (STJ. 5ª Turma. HC 267.058/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado
em 4/12/2014.

Contudo, com a edição do Decreto 9.847/2019, passou-se a permitir que alguns dos
indivíduos previstos no rol do art. 6º do Estatuto do Desarmamento continuem a ter o porte de arma
mesmo depois de aposentados, conforme dispõe o art. 30:

CS – ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2023.1 11

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Art. 30. Os integrantes das Forças Armadas e os servidores dos órgãos,
instituições e corporações mencionados nos incisos II, V, VI e VII do caput
do art. 6º da Lei nº 10.826, de 2003, transferidos para a reserva remunerada
ou aposentados, para conservarem a autorização de porte de arma de
fogo de sua propriedade deverão submeter-se, a cada dez anos, aos
testes de avaliação psicológica a que faz menção o inciso III do caput do
art. 4º da Lei nº 10.826, de 2003.
§ 1º O cumprimento dos requisitos a que se refere o caput será atestado pelos
órgãos, instituições e corporações de vinculação.
§ 2º Não se aplicam aos integrantes da reserva não remunerada das Forças
Armadas e Auxiliares as prerrogativas mencionadas no caput.

Salienta-se que o policial, quando se aposenta, perde direito ao porte de arma que tinha
quando era da ativa. Isso porque o porte como policial da ativa está condicionado ao efetivo
exercício das funções institucionais. Logo, a se aposentar ele perde automaticamente o porte e terá
que devolver a arma da corporação.

Assim, conforme redação legal visualizada acima, o art. 30 do Decreto 9.847/2019 permite
que o aposentado conserve a autorização de porte de arma de fogo de sua propriedade (apenas a
arma de fogo particular, pois a funcional deve ser devolvida), desde que cumpridos alguns
requisitos, como se submeter a testes de avaliação psicológica, realizados de 10 em 10 anos.

É importante evidenciar que consoante o art. 10 do Estatuto, a autorização para o porte pode
ser concedida com eficácia temporária e territorial, e perderá automaticamente sua eficácia se o
portador for detido ou abordado em estado de embriaguez ou sob o efeito de substâncias químicas
ou alucinógenas.

Outrossim, a autorização para o porte não permite o porte ostensivo da arma de fogo, ou de
entrar ou com ela permanecer em locais públicos ou com aglomeração de pessoas, conforme
dispõe o art. 20 do Decreto 9.847/2019, ressaltando-se, ainda, que quando se violar tal regra,
haverá a cassação da autorização e apreensão da arma de fogo:

Art. 20. O titular de porte de arma de fogo para defesa pessoal concedido
nos termos do disposto no art. 10 da Lei nº 10.826, de 2003, não poderá
conduzi-la ostensivamente ou com ela adentrar ou permanecer em locais
públicos, tais como igrejas, escolas, estádios desportivos, clubes, agências
bancárias ou outros locais onde haja aglomeração de pessoas em
decorrência de eventos de qualquer natureza.
§ 1º A inobservância ao disposto neste artigo implicará na cassação do porte
de arma de fogo e na apreensão da arma, pela autoridade competente, que
adotará as medidas legais pertinentes.
§ 2º Aplica-se o disposto no § 1º na hipótese de o titular do porte de arma de
fogo portar o armamento em estado de embriaguez ou sob o efeito de drogas
ou medicamentos que provoquem alteração do desempenho intelectual ou
motor.

Há, ainda, o porte de trânsito para desportistas, colecionadores e caçadores, o qual é


concedido pelo Comando do Exército, nos termos do art. 9º do Estatuto.

Por fim, o porte na categoria “caçador de subsistência” poderá ser concedido pela Polícia
Federal aos residentes em áreas rurais que comprovem depender do emprego de arma de fogo
para prover a subsistência alimentar familiar, desde que se trate de arma portátil, de uso permitido,

CS – ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2023.1 12

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de tiro simples, com 1 ou 2 canos, de alma lisa e de calibre igual ou inferior a 16, com base no
disposto no § 5º do art. 6º do Estatuto.

AUSÊNCIA DO REGISTRO OU DE AUTORIZAÇÃO PARA O PORTE E ADEQUAÇÃO


TÍPICA

Para melhor compreensão do tema, colaciona-se abaixo o quadro elaborado pelo


doutrinador Cleber Masson:

ESPÉCIE DE ARMA TIPIFICAÇÃO

Arma permitida: ausência de registro Posse ilegal de arma de fogo (art. 12)

Arma permitida: ausência de autorização Porte ilegal de arma de fogo (art. 14)
para o porte

Arma de uso restrito: ausência de registro ou Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso
ausência de autorização para o porte restrito (art. 16)

Nesse liame, importante trazer à tona um julgado do STJ que entendeu que o Delegado de
Polícia que mantém arma em sua casa sem registro no órgão competente pratica crime de posse
irregular de arma de fogo:

2. É típica e antijurídica a conduta de policial civil que, mesmo


autorizado a portar ou possui arma de fogo, não observa as imposições
legais previstas no estatuto do Desarmamento, que impõem registro das
armas no órgão competente. 3. É incabível a aplicação do princípio da
adequação social, segundo o qual, dada a natureza subsidiária e
fragmentária do direito penal, não se pode reputar como criminosa uma ação
ou uma omissão aceita e tolerada pela sociedade, ainda que formalmente
subsumida a um tipo legal incriminador. Possuir armas de fogo e munições,
de uso permitido, sem certificados federais e que só vieram a ser
apreendidas pelo Estado após cumprimento de mandado de busca e
apreensão, não é uma conduta adequada no plano normativo. 4. Por fim, sob
a ótica do princípio da lesividade, o recorrente não preenche os vetores já
assinalados pelo Supremo Tribunal Federal para o reconhecimento do
princípio da insignificância, tais como a mínima ofensividade da conduta,
nenhuma periculosidade social da ação, reduzidíssimo grau de
reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica
provocada, ante os armamentos apreendidos (dois revólveres calibre 38 e 48
munições). (...) STJ. 6ª Turma. RHC 70.141/RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti
Cruz, julgado em 07/02/2017.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(TJ-RS - Juiz - FAURGS - 2022): Sobre os crimes de posse e porte ilegais
de armas de fogo, considerando a jurisprudência dos Tribunais Superiores, é
correto afirmar que a condição de Policial Civil afasta a tipicidade da conduta
daquele que, autorizado a portar ou possuir arma de fogo, não observa as
imposições legais previstas no Estatuto do Desarmamento que impõem
registro das armas no órgão competente. Errado.

CS – ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2023.1 13

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(MPDFT - Promotor - MPDFT - 2021): Não pratica crime policial civil que
porta arma de fogo sem registro no órgão competente. Errado.

É importante destacar um outro julgado do STJ que possui entendimento distinto do adotado
acima, no sentido de que o Magistrado que mantém sob sua guarda arma ou munição de uso
restrito não comete crime:

O Conselheiro do Tribunal de Contas Estadual que mantém sob sua


guarda arma ou munição de uso restrito não comete o crime do art. 16
da Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento). Os Conselheiros dos
Tribunais de Contas são equiparados a magistrados e o art. 33, V, da LC
35/79 (LOMAN) garante aos magistrados o direito ao porte de arma de fogo.
O direito ao porte consta no art. 33, V, da Lei Complementar n. 35/1979
(LOMAN). Há uma restrição específica nesse direito de que a arma seja
destinada à defesa pessoal. E a melhor interpretação aqui é de que defesa
pessoal está no animus do porte, e não no calibre da arma. Fora isso, as
restrições infralegais são indevidas ou no mínimo discutíveis no âmbito da
magistratura. STJ. Corte Especial. APn 657-PB, Rel. Min. João Otávio de
Noronha, julgado em 21/10/2015 (Info 572).2

REGISTRO DE ARMA DE FOGO E LEI MARIA DA PENHA

Observa-se o disposto no art. 22 da Lei Maria da Penha:

Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a


mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor,
em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de
urgência, entre outras:

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao


órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003.

Caso o agressor continue com a arma, praticará o crime de posse ilegal de arma de fogo.

Por fim, salienta-se que a Lei 13.880/2019 incluiu como uma medida protetiva de urgência a
apreensão imediata de arma de fogo sob posse do agressor (art. 18, inciso IV, da Lei Maria da
Penha).

8. POSSE X PORTE

Verifica-se o quadro comparativo entre posse e porte de arma de fogo elaborado pelo
Professor Márcio Cavalcante:

2 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Magistrado que mantém sob sua guarda arma ou munição de uso restrito não comete crime.
Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em:
<https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/596f713f9a7376fe90a62abaaedecc2d>. Acesso em: 20/12/2022.

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POSSE PORTE
Se o indivíduo tem direito à posse, significa que Se o indivíduo tem direito ao porte, significa
ele está autorizado a manter a arma de fogo que ele está autorizado a carregar consigo a
exclusivamente no interior de sua residência ou arma de fogo mesmo em outros ambientes
domicílio ou no seu local de trabalho (desde que que não sejam a sua residência ou trabalho.
seja ele o titular ou o responsável legal pelo
estabelecimento ou empresa).
A autorização para posse é concedida por meio A autorização para o porte de arma de fogo de
de certificado expedido pela Polícia Federal, uso permitido é de competência da Polícia
precedido de cadastro no SINARM. Federal e somente será concedida após
autorização do SINARM.
É necessário que o interessado cumpra os É necessário que o interessado cumpra os
requisitos previstos no art. 4º da Lei 10.826/2003. requisitos previstos no art. 10, § 1º, da Lei
10.826/2003.
O titular deste direito recebe um documento O titular deste direito recebe um documento
chamado “certificado de registro de arma de chamado “porte de arma de fogo”.
fogo”.
O indivíduo que possui ou mantém arma de fogo, O indivíduo que é encontrado com arma de
acessório ou munição (de uso permitido) em sua fogo, acessório ou munição (de uso permitido)
residência ou trabalho, sem que tivesse fora de sua residência ou local de trabalho
autorização para isso (sem que tivesse sem que tivesse autorização para isso (sem
certificado da Polícia Federal), comete o crime de que tivesse porte de arma), comete o crime de
posse irregular de arma de fogo (art. 12 da Lei porte ilegal de arma de fogo (art. 14 da Lei
10.826/2003). 10.826/2003).

9. POSSE DE ARMA DE FOGO EM ZONA RURAL

Segundo o Professor Márcio Cavalcante, é comum que a Polícia Federal conceda certificado
de registro de arma de fogo para pessoas que moram em zona rural, considerando que geralmente
atendem aos requisitos do art. 4º da Lei 10.826/2003. Assim, essas pessoas ficam autorizadas a
possuir armas de fogo em suas residências ou locais de trabalho.

Ocorre que a estrutura do imóvel rural é diferente dos imóveis urbanos. Isso porque no
imóvel rural é comum haver um local onde a família efetivamente mora, ou seja, onde dorme, faz
as refeições, onde é o banheiro etc. Esse local é a casa, que é conhecida como “sede da
propriedade” ou “sede da fazenda”. No entanto, essa casa (sede da propriedade) é o menor local
do terreno, existindo uma vasta área ao redor, onde os ocupantes do imóvel desenvolvem as
atividades rurais, como plantações, criação de gado, de porcos, aves etc.

Assim, a estrutura do imóvel rural é composta pela sede da fazenda e pelo terreno, sendo
este último a maior extensão territorial.

O art. 5º da Lei 10.826/2003 afirma que o titular do certificado de Registro de Arma de Fogo
tem o direito de manter a sua arma de fogo “exclusivamente no interior de sua residência ou
domicílio, ou dependência desses, ou, ainda, no seu local de trabalho, desde que seja ele o titular
ou o responsável legal pelo estabelecimento ou empresa.”

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Não havia dúvidas de que uma interpretação teleológica permitia que concluíssemos que a
autorização conferida pelo art. 5º abrangia tanto a sede da fazenda como o restante do terreno. No
entanto, o legislador entendeu que seria mais adequado e seguro de que essa interpretação ficasse
expressamente consignada na Lei e, portanto, inseriu um parágrafo ao art. 5º com essa informação:

Art. 5º, § 5º Aos residentes em área rural, para os fins do disposto no caput
deste artigo, considera-se residência ou domicílio toda a extensão do
respectivo imóvel rural. (Incluído pela Lei nº 13.870/2019)

Tem-se como exemplo a seguinte situação hipotética: João possui uma fazenda de 2 mil
hectares onde cria 10 mil cabeças de gado. Ele possui um certificado de registro de arma de fogo.
Isso significa que ele pode ficar com sua espingarda dentro da casa onde mora com a família (sede
da fazenda) e pode andar com ela por toda a extensão dos 2 mil hectares de sua fazenda.

CS – ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2023.1 16

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DOS CRIMES E DAS PENAS

1. POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO

PREVISÃO LEGAL E CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O art. 12 do Estatuto do Desarmamento dispõe sobre o crime de posse irregular de arma de


fogo de uso permitido, vejamos o dispositivo legal:

Art. 12. Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou
munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou
regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda
no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do
estabelecimento ou empresa:
Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

Destaca-se que a conduta descrita no art. 12 está relacionada à ausência de registro da


arma de fogo, não há que se falar em porte, uma vez que a arma está na residência ou no local de
trabalho.

OBJETIVIDADE JURÍDICA

Protege-se a incolumidade pública, mais especificamente a segurança pública. Além disso,


tutela-se o controle sobre a propriedade de armas de fogo.

Segundo o entendimento do STF e do STJ, protege-se reflexamente a vida, a integridade


física, o patrimônio, a honra e a liberdade.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(PC-PR - Delegado - NC-UFPR - 2021): O crime de posse irregular de arma
de fogo, acessório ou munição de uso permitido é crime de perigo concreto,
e o bem jurídico tutelado é a incolumidade física. Errado.

CONDUTA

O tipo penal descreve duas condutas: possuir e manter sob a guarda.

Indaga-se: as condutas possuir e manter sob a guarda possuem o mesmo significado?


Existem 2 correntes:

1) 1ª corrente: para Nucci, possuir e manter sob a guarda possuem o mesmo significado.
O legislador apenas utilizou palavras sinônimas para descrever a mesma conduta.

2) 2ª corrente: segundo Capez, são expressões distintas, assim:

a) Possuir significa estar na posse da própria arma;

b) Manter sob guarda significa guardar armas de terceiros.

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Salienta-se que não é necessário contato físico entre o infrator e a arma para configuração
do crime de posse ilegal de arma de fogo.

OBJETO MATERIAL

Considera-se objeto material a arma de fogo, a munição e acessórios.

Munição é tudo quanto dê capacidade de funcionamento à arma, para carga ou disparo


(projéteis, cartuchos, chumbo etc.). Para a configuração do delito, basta a apreensão da munição,
sendo desnecessária a concomitante apreensão da arma de fogo.

Acessório é o artefato que, acoplado a uma arma, possibilita a melhoria do desempenho


do atirador, a modificação de um efeito secundário do tiro ou a modificação do aspecto visual da
arma.

Importante salientar que o STF e o STJ adotaram entendimento no sentido de que a


apreensão de ínfima quantidade de munição desacompanhada da arma de fogo NÃO implica,
por si só, a atipicidade da conduta. Nesse sentido:

O simples fato de os cartuchos apreendidos estarem desacompanhados


da respectiva arma de fogo não implica, por si só, a atipicidade da
conduta, de maneira que as peculiaridades do caso concreto devem ser
analisadas a fim de se aferir: a) a mínima ofensividade da conduta do agente;
b) a ausência de periculosidade social da ação; c) o reduzido grau de
reprovabilidade do comportamento; e d) a inexpressividade da lesão jurídica
provocada. No caso concreto, embora o réu tenha sido preso com apenas
uma munição de uso restrito, desacompanhada de arma de fogo, ele foi
também condenado pela prática dos crimes descritos nos arts. 33 e 35, da
Lei nº 11.343/2006 (tráfico de drogas e associação para o tráfico), o que
afasta o reconhecimento da atipicidade da conduta, por não estarem
demonstradas a mínima ofensividade da ação e a ausência de periculosidade
social exigidas para tal finalidade. STJ. 3ª Seção. EREsp 1856980-SC, Rel.
Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 22/09/2021 (Info 710).3

Não se reconhece a incidência excepcional do princípio da


insignificância ao crime de posse ou porte ilegal de munição, quando
acompanhado de outros delitos, tais como o tráfico de drogas. STF. 1ª
Turma. HC 206977 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 18/12/2021.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(PC-PB - Delegado - CESPE - 2022): Não se admite a incidência do princípio
da insignificância aos crimes previstos na referida lei, ainda que seja
apreensão de pouca munição desacompanhada de arma de fogo, por se
tratar de infrações penais de perigo abstrato. Errado.

(TJ-MG - Juiz - FGV - 2022): A apreensão de ínfima quantidade de munição,


desacompanhada de arma de fogo implica, por si só, a atipicidade da
conduta. Errado.

3 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. A apreensão de ínfima quantidade de munição desacompanhada da arma de fogo não implica,
por si só, a atipicidade da conduta. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em:
<https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/a9cf46a38a9b05e959f33215e5cdc38a>. Acesso em: 21/12/2022.

CS – ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2023.1 18

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(TJ-RS - Juiz - FAURGS - 2022): Sobre os crimes de posse e porte ilegais
de armas de fogo, considerando a jurisprudência dos Tribunais Superiores, é
correto afirmar que o porte de pequena quantidade de munição
desacompanhada da arma de fogo pode afastar excepcionalmente a
configuração típica em razão da ausência de potencial lesivo (princípio da
insignificância). Correto.

(DPE-RJ - Defensor - FGV - 2021): Aplica-se o princípio da insignificância e


se reconhece a atipicidade material do crime de posse de ínfima quantidade
de munição de uso permitido, ainda que a moldura fática do caso revele a
apreensão de arma de fogo e drogas com o agente. Errado.

(DPE-RJ - Defensor - FGV - 2021): Deve ser reconhecida a atipicidade


material da conduta em situações específicas de ínfima quantidade de
munição apreendida na posse do agente, de uso permitido ou restrito, aliada
à ausência de artefato capaz de disparar o projétil. Correto.

ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO

Também chamado de elemento espacial do tipo, é o que o diferencia do porte. Observe a


tabela.

POSSE PORTE

Ocorre na residência ou na dependência da


residência do infrator (intramuros).
Em qualquer outro local.
Local do trabalho do infrator, desde que seja
proprietário ou responsável legal.

Imagine que João é gerente de um posto de gasolina. Durante o dia, Flávio faz a segurança
armada do estabelecimento. Indaga-se: há crime? João e Flávio praticaram quais condutas?

João responderá por posse ilegal de arma de fogo, tendo em vista que é o responsável legal
pelo posto de gasolina. Flávio, por sua vez, responderá por porte ilegal de arma de fogo, já que está
portando em qualquer outro lugar (fora de sua residência e não é nem proprietário e nem
responsável legal pelo posto de gasolina).

Obs.: importante lembrar que em áreas rurais, toda a propriedade


rural, será considerada como residência para efeitos do Estatuto do
Desarmamento.

Ressalta-se que, de acordo com o entendimento do STJ, o motorista de caminhão ou de táxi


que traz consigo arma de fogo comete o crime de porte ilegal do art. 14. O caminhão não pode ser
considerado extensão de sua residência ou local de trabalho. Nesse sentido:

Caracteriza-se o delito de posse irregular de arma de fogo quando ela estiver


guardada no interior da residência (ou dependência desta) ou no trabalho do
acusado, evidenciado o porte ilegal se a apreensão ocorrer em local diverso.

CS – ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2023.1 19

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O caminhão, ainda que seja instrumento de trabalho do motorista, não
pode ser considerado extensão de sua residência, nem local de seu
trabalho, mas apenas instrumento de trabalho. 3. No caso concreto, o
recorrente foi surpreendido com a arma na cabine do caminhão, no interior
de uma bolsa de viagem. Assim sendo, fica evidente que ele portava,
efetivamente, a arma de fogo, que estava ao seu alcance, possibilitando a
utilização imediata. 4. Ante a impossibilidade de desclassificação do crime de
porte de arma para o delito de posse, está superada a irresignação no tocante
à incidência da abolitio criminis temporária. 5. Recurso ordinário a que se
nega provimento. (STJ - RHC 31.492/SP, Rel. Min. Campos Marques
(Desembargador Convocado do TJ/PR), 5ª Turma, julgado em 13/08/2013,
DJe 19/08/2013).

A conduta prevista no art. 12 da Lei n. 10.826/2003 exige que o agente


possua arma de fogo no interior de sua residência ou dependência desta, ou,
ainda, no seu local de trabalho. A jurisprudência desta Corte Superior possui
o entendimento de que o caminhão não pode ser considerado extensão
de sua residência, ainda que seja instrumento de trabalho. (STJ - AgRg
no REsp 1.408.940/SC, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 6ª Turma, julgado em
04/08/2015, DJe 18/08/2015).

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de


que veículos automotores não podem ser considerados como local de
trabalho para fins da Lei n. 10.826/2003. Precedentes desta Corte Superior.
(STJ - AgRg no AREsp 980.455/PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª
Turma, julgado em 17/11/2016, DJe 01/12/2016).

Como o tema foi cobrado em concurso?


(PC-PB - Delegado - CESPE - 2022): Configura o delito de porte de arma, e
não de posse de arma de fogo, a conduta do caminhoneiro que seja
surpreendido transportando em seu caminhão revólver de uso permitido, sem
autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
Correto.

(PC-MS - Delegado - FAPEC - 2021): Se a arma de fogo é encontrada no


interior do caminhão dirigido por motorista profissional, trata-se de crime de
posse de arma de fogo (art. 12 do Estatuto do Desarmamento), em virtude do
veículo, nesse caso, ser considerado “local de trabalho”. Errado.

Há, ainda, outro elemento normativo do tipo, consagrado na expressão “em desacordo com
determinação legal ou regulamentar”:

POSSE LEGAL POSSE ILEGAL

Trata-se de fato atípico, tendo em vista que o


É o crime tipificado no art. 12 do Estatuto do
agente obteve o registro, seguindo as
Desarmamento.
disposições legais.

Por fim, destaca-se que a entrega espontânea da arma extingue a punibilidade por posse
ilegal de arma de fogo, nos termos do art. 32 do Estatuto do Desarmamento:

CS – ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2023.1 20

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Art. 32. Os possuidores e proprietários de arma de fogo poderão entregá-la,
espontaneamente, mediante recibo, e, presumindo-se de boa-fé, serão
indenizados, na forma do regulamento, ficando extinta a punibilidade de
eventual posse irregular da referida arma.

Obs.: de acordo com o entendimento do STJ, o que extingue a


punibilidade é a entrega espontânea. Assim, quando a polícia encontra
a arma, cumprindo mandado de busca e apreensão, haverá o crime.

SUJEITOS DO DELITO

1.6.1. Sujeito ativo

Qualquer pessoa poderá ser sujeito ativo. Trata-se de crime comum ou geral.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(TJ-SP - Juiz - VUNESP - 2021): Durante a abordagem a três pessoas que
se encontravam em um ponto de ônibus, mediante grave ameaça verbal de
morte, Caio, que completara 18 anos naquela data e Tácio, que iria completar
18 anos no dia seguinte, subtraíram, para proveito comum, um aparelho de
telefone celular da vítima A e a carteira da vítima B. Em razão de reação da
vítima C, ambos a agrediram e, em seguida, dali se evadiram, sem nada
subtrair de C. A dupla foi localizada e identificada um mês após os fatos,
sendo apreendido em poder de Caio um revólver, calibre 38, com numeração
visível, desmuniciado, que trazia em sua cintura. O revólver foi periciado,
constatando-se que a arma estava apta para efetuar disparos. Nessa
hipotética situação, é correto afirmar que Caio será processado criminalmente
pelo delito de roubo com incidência da causa de aumento de pena pelo
concurso de agentes, cometido contra três vítimas, observada a regra do
cúmulo formal de infrações e pelo crime de porte irregular de arma de fogo
de uso permitido. Correto.

1.6.2. Sujeito passivo

É a coletividade. Portanto, tem-se um crime vago, ou seja, o sujeito passivo é um ente


destituído de personalidade jurídica.

CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

No momento em que a arma dá entrada na residência ou estabelecimento comercial.

Obs.: por conta da permanência, importante evidenciar que:

a) Será possível a prisão em flagrante, enquanto não cessada a


permanência;

b) O curso do prazo prescricional somente se inicia com a cessação


da permanência;

CS – ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2023.1 21

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c) Sobrevindo lei penal mais gravosa, enquanto não cessada a
permanência, poderá ser aplicada ao caso.

Nesse sentido, destaca-se o Informativo 506 do STJ:

Não é ilegal a prisão realizada por agentes públicos que não tenham
competência para a realização do ato quando o preso foi encontrado em
estado de flagrância. Os tipos penais previstos nos arts. 12 e 16 da Lei n.
10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento) são crimes permanentes e, de
acordo com o art. 303 do CPP, o estado de flagrância nesse tipo de crime
persiste enquanto não cessada a permanência. Segundo o art. 301 do
CPP, qualquer do povo pode prender quem quer que seja encontrado em
situação de flagrante, razão pela qual a alegação de ilegalidade da prisão -
pois realizada por agentes que não tinham competência para tanto - não se
sustenta. HC 244.016-ES, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 16/10/2012.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(TJ-RS - Juiz - FAURGS - 2022): Sobre os crimes de posse e porte ilegais
de armas de fogo, considerando a jurisprudência dos Tribunais Superiores, é
correto afirmar que o crime de posse ilegal de arma de fogo de uso restrito é
permanente. Correto.

Assim como outros crimes previstos no Estatuto do Desarmamento, a posse irregular de


arma de fogo de uso permitido é crime de perigo abstrato/perigo presumido. Ou seja, o crime se
consuma com a mera exposição do bem jurídico a uma probabilidade de dano, não se reclama o
dano efetivo. Como a lei presume de forma absoluta o perigo ao bem jurídico, não cabe prova em
contrário.

Além disso, é um crime de mera conduta ou de simples atividade, eis que o tipo penal se
limita a descrever uma conduta, não há resultado naturalístico. O crime se consuma com a mera
posse irregular, não importa a finalidade. Nesse liame, evidencia-se julgado do STJ:

A posse irregular de arma de fogo de uso permitido, ainda que


desmuniciada, configura o delito do art. 12 da Lei n. 10.826/2003, de
perigo abstrato, que presume a ocorrência de risco à segurança pública
e prescinde de resultado naturalístico à integridade de outrem para ficar
caracterizado. Precedentes. (STJ - AgRg no HC 650.615/PE, Rel. Min.
Rogerio Schietti Cruz, 6ª Turma, julgado em 01/06/2021, DJe 10/06/2021).

É perfeitamente possível a tentativa, em tese.

De acordo com Renato Brasileiro, parte da doutrina prefere dizer que não é possível a
tentativa. Isso porque na eventualidade de o agente ser surpreendido, enquanto tentava, por
exemplo, adquirir ilegalmente uma arma de fogo de uso permitido para guardar em sua residência,
o crime será o do art. 14, na forma tentada, e não o do art. 12 do Estatuto do Desarmamento.

GUARDA DE ARMA DE FOGO COM REGISTRO VENCIDO

A cada 3 anos, o titular da arma de fogo deve renovar o seu registro, nos termos do art. 5º,
§ 2º do Estatuto do Desarmamento, in verbis:

CS – ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2023.1 22

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Art. 5º, § 2º Os requisitos de que tratam os incisos I, II e III do art. 4º deverão
ser comprovados periodicamente, em período não inferior a 3 (três) anos, na
conformidade do estabelecido no regulamento desta Lei, para a renovação
do Certificado de Registro de Arma de Fogo.

Nos casos em que o agente mantém a arma de fogo, sem renovar o registro, o STJ entende
que não há o crime do art. 12, mas mera infração administrativa. Nesse sentido, verifica-se a
excelente explicação do Prof. Márcio Cavalcante (Dizer o Direito) sobre o tema, no Info 572 do STJ:

Não configura o crime de posse ilegal de arma de fogo (art. 12 da Lei nº


10.826/2003) a conduta do agente que mantém sob guarda, no interior de
sua residência, arma de fogo de uso permitido com registro vencido.
Se o agente já procedeu ao registro da arma, a expiração do prazo é mera
irregularidade administrativa que autoriza a apreensão do artefato e aplicação
de multa. A conduta, no entanto, não caracteriza ilícito penal.
Ex.: a Polícia, ao realizar busca e apreensão na casa de João, lá encontrou
um revólver, de uso permitido. João apresentou o registro da arma de fogo
localizada, porém ele estava vencido há mais de um ano. João não praticou
crime de posse ilegal de arma de fogo (art. 12 da Lei nº 10.826/2003).
STJ. Corte Especial. APn 686-AP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado
em 21/10/2015 (Info 572). STJ. 5ª Turma. HC 294.078/SP, Rel. Min. Marco
Aurélio Bellizze, julgado em 26/08/2014.

Os argumentos utilizados pelo STJ foram os seguintes:

1) Não há dolo do agente que procede ao registro e, depois de expirado o prazo, é


apanhado com a arma nessa circunstância.

2) Trata-se de uma irregularidade administrativa. Isso porque se a pessoa possui o registro


da arma de fogo de uso permitido, significa que o Poder Público possui um completo
conhecimento de que ele possui o artefato em questão, podendo rastreá-lo, se
necessário. Logo, inexiste ofensividade na conduta.

3) A mera inobservância da exigência de recadastramento periódico não pode conduzir à


incriminação penal. Cabe ao Estado apreender a arma e aplicar a punição administrativa
pertinente, não estando em consonância com o Direito Penal moderno deflagrar uma
ação penal para a imposição de pena tão somente porque o indivíduo – devidamente
autorizado a possuir a arma pelo Poder Público, diga-se de passagem – deixou de ir de
tempos em tempos efetuar o recadastramento do artefato. Portanto, até mesmo por
questões de política criminal, não há como submeter o paciente às agruras de uma
condenação penal por uma conduta que não apresentou nenhuma lesividade relevante
aos bens jurídicos tutelados pela Lei nº 10.826/2003, não incrementou o risco e pode ser
resolvida na via administrativa.

4) O Direito Penal possui caráter subsidiário e de ultima ratio.

Contudo, o entendimento acima é restrito aos casos de delito de posse ilegal de arma de
fogo de uso permitido (art. 12), não se aplicando ao crime de porte ilegal de arma de fogo (art. 14),
muito menos ao delito de porte ilegal de arma de fogo de uso restrito (art. 16), cujas elementares
são diversas e a reprovabilidade mais intensa.

CS – ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2023.1 23

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Como o tema foi cobrado em concurso?
(PC-AM - Delegado - FGV - 2022): Foi noticiado a uma guarnição policial
militar que, durante a realização de festa em uma casa em bairro residencial,
o vizinho, insatisfeito com o barulho, teria discutido, sendo visto com arma de
fogo no jardim da sua residência. Os militares procederam ao local e pediram
para fazer uma busca na residência, o que foi autorizado de forma consciente
pelo seu único morador. Os policiais encontraram uma pistola 380,
devidamente municiada. Indagado sobre a propriedade da arma e sobre o
fato de estar circulando com a pistola na cintura em seu jardim, o morador
admitiu ter se enervado com a festa do vizinho, apresentando, na sequência,
um certificado de registro de arma de fogo, vencido há dois anos, bem como
o registro de atirador desportivo. Diante da situação, é correto afirmar que o
sujeito deve ter a arma de fogo apreendida, com aplicação de multa, sem
responder por crime. Correto.

(MPE-SC - Promotor - CESPE - 2021): O porte de arma de fogo com registro


vencido é mera irregularidade administrativa, sendo tal conduta atípica em
qualquer circunstância. Errado.

(MPDFT - Promotor - MPDFT - 2021): A posse em residência de arma de


fogo com registro vencido é conduta atípica. Errado.

(Polícia Federal - Delegado - CESPE - 2021): É conduta atípica o porte ilegal


de arma de fogo de uso permitido com registro de cautela vencido. Errado.

AÇÃO PENAL

É crime de ação penal pública incondicionada.

ABOLITIO CRIMINIS TEMPORÁRIA

O Estatuto do Desarmamento estabeleceu, em seu art. 30, um prazo de 180 dias para que
os possuidores e proprietários de armas de fogo de uso permitido fizessem a solicitação de registro.
Após sucessivas prorrogações, o prazo limite foi estipulado em 31 de dezembro de 2009, nos
termos do art. 20 da Lei 11.922/20.

Com base neste dispositivo, passou-se a entender que houve uma abolitio criminis
temporária para o crime de posse irregular de arma de fogo de uso permitido. De fato, se o cidadão
foi flagrado com uma arma dessa espécie em sua residência, por exemplo, entre a entrada em vigor
do Estatuto do Desarmamento e o dia 31 de dezembro de 2009, não poderia ser punido, pois ainda
possuía prazo para efetuar a solicitação do registro da arma.

Em sua redação originária, o Estatuto do Desarmamento autorizava essa abolitio criminis


temporária também para as condutas relacionadas às armas de uso restrito e àquelas que lhes são
equiparadas por Lei, como as armas de numeração raspada, suprimida ou adulterada. Em relação
a este tipo de arma, porém, a abolitio criminis temporária cessou no dia 23 de outubro de 2005.

Nesse sentido, a Súmula 513 do STJ:

CS – ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2023.1 24

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Súmula 513 do STJ: A abolitio criminis temporária prevista na Lei n.
10.826/2003 aplica-se ao crime de posse de arma de fogo de uso permitido
com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado,
suprimido ou adulterado, praticado somente até 23/10/2005.

Em suma:

a) De 23 de dezembro de 2003 a 23 de outubro de 2005 a posse ilegal de arma permitida


ou proibida não configurou crime;

b) De 24 de outubro de 2005 a 31 de dezembro de 2009 a posse ilegal de arma permitida


continuou a não configurar crime, mas a posse ilegal de arma proibida ou restrita
(incluindo a arma permitida adulterada) passou a configurar crime;

c) A partir de 1º de janeiro de 2010 a posse ilegal de arma permitida passou a configurar


crime, mas a entrega espontânea à Polícia Federal constitui causa extintiva de
punibilidade;

d) O porte ilegal de qualquer arma sempre configurou crime, desde a entrada em vigor do
Estatuto do Desarmamento.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(PC-PR - Delegado - NC-UFPR - 2021): A abolitio criminis temporária,
prevista nos artigos 5º, § 3º, e 30, durante a sua vigência temporal, abrangeu
todos os crimes previstos na Lei nº 10.826/2003. Errado.

PENA

A pena será de 1 a 3 anos e multa.

Trata-se de crime de médio potencial ofensivo, admitindo-se a suspensão condicional do


processo, prevista no art. 89 da Lei 9.099/95:

Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a
um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a
denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos,
desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido
condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam
a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).

Salienta-se que, como a pena não ultrapassa 4 anos, o próprio Delegado de Polícia poderá
arbitrar a fiança.

Por fim, estando presentes os requisitos do art. 44 do CP, é perfeitamente possível que a
pena seja convertida em restritiva de direitos, pois cabe a conversão quando é aplicada pena
privativa de liberdade não superior a 4 anos e o crime não for cometido com violência ou grave
ameaça à pessoa.

2. OMISSÃO DE CAUTELA

CS – ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2023.1 25

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PREVISÃO LEGAL

O crime de omissão de cautela está previsto no art. 13 do Estatuto do Desarmamento,


observe:

Art. 13. Deixar de observar as cautelas necessárias para impedir que menor
de 18 (dezoito) anos ou pessoa portadora de deficiência mental se apodere
de arma de fogo que esteja sob sua posse ou que seja de sua propriedade:
Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa.

OBJETIVIDADE JURÍDICA

Tutela-se a incolumidade pública em face do perigo decorrente do apoderamento da arma


de fogo por pessoa despreparada, e ainda a própria integridade física do menor de idade ou
deficiente mental, que também fica exposta a risco em tal situação.

SUJEITOS DO DELITO

2.3.1. Sujeito ativo

Pode ser qualquer pessoa, trata-se de crime comum ou geral. Se o agente não possui o
registro da arma de fogo, incorre também no delito do art. 12.

Frisa-se que a omissão de cautela em relação à munição ou acessório não está prevista no
tipo penal.

2.3.2. Sujeito passivo

São sujeitos passivos:

1) A coletividade;

2) O menor de 18 anos;

3) O portador de doença mental.

ELEMENTO SUBJETIVO

Os crimes do Estatuto do Desarmamento, em geral, são dolosos. Contudo, o crime de


omissão de cautela é culposo, eis que é um típico caso de negligência.

O proprietário da arma deixa de adotar as cautelas necessárias. Cita-se, como exemplo


recente, o caso do adolescente de Goiânia que teve acesso à arma da mãe e atirou contra seus
colegas de escola.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(PC-SP - Delegado - VUNESP - 2022): Nos termos da Lei n° 10.826/2003
(Estatuto do Desarmamento), é correto afirmar que o crime de Omissão de
Cautela é considerado doloso e apenado com detenção. Errado.

CS – ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2023.1 26

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CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

É crime material, o qual depende da produção do resultado naturalístico. Assim, não basta
que o agente seja negligente, é necessário que o menor ou que o portador de transtorno mental se
apodere da arma.

É crime de perigo abstrato e também um delito omissivo impróprio.

Por fim, não admite tentativa, já que se trata de crime culposo.

FIGURA EQUIPARADA À OMISSÃO DE CAUTELA

O parágrafo único traz um crime diferente em que é aplicado a mesma pena do art. 13, a
omissão de comunicação de perda ou subtração de arma de fogo:

Art. 13, Parágrafo único. Nas mesmas penas incorrem o proprietário ou diretor
responsável de empresa de segurança e transporte de valores que deixarem
de registrar ocorrência policial e de comunicar à Polícia Federal perda, furto,
roubo ou outras formas de extravio de arma de fogo, acessório ou munição
que estejam sob sua guarda, nas primeiras 24 (vinte quatro) horas depois de
ocorrido o fato.

Nos casos em que ocorre a perda, furto, roubo ou outra forma de extravio de arma de fogo,
a empresa de segurança tem a obrigação de comunicar à autoridade competente em 24h, sob pena
de responder pelo delito do art. 13, parágrafo único.

2.6.1. Objetividade jurídica

Protege-se a veracidade dos cadastros de arma de fogo perante o SINARM e o registro


perante os órgãos competentes.

2.6.2. Sujeitos do delito

1) Sujeito ativo: trata-se de crime próprio ou especial, uma vez que somente pode ser
praticado pelo proprietário da empresa ou pelo diretor responsável por empresa de
segurança ou de transporte de valores.

2) Sujeito passivo: a coletividade, já que a veracidade dos cadastros é de interesse


coletivo, e não apenas dos órgãos responsáveis.

2.6.3. Observações importantes

1) As armas de fogo utilizadas pelas empresas de segurança e de transporte de valores


deverão pertencer a elas, ficando também sob sua guarda e responsabilidade.

2) O registro e autorização para o porte, expedido pela Polícia Federal, deverão ser
elaborados em nome da empresa.

3) A empresa deve apresentar ao SINARM, semestralmente, relação dos empregados


habilitados a portar as armas, restrita ao serviço.

CS – ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2023.1 27

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4) Caso o funcionário da empresa seja surpreendido com a arma de fogo, fora do horário
de trabalho, responderá por porte ilegal de arma de fogo.

2.6.4. Consumação e tentativa

É um crime a prazo, em que o tipo penal condiciona a consumação do delito ao transcurso


de determinado tempo. Assim, a consumação ocorrerá após o transcurso das 24h sem que haja a
comunicação.

Não admite tentativa, pois se trata de um crime omissivo próprio.

3. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO

PREVISÃO LEGAL E CONSIDERAÇÕES

O delito de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido está previsto no art. 14 do Estatuto
do Desarmamento:

Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar,
ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob
guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem
autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável, salvo quando a
arma de fogo estiver registrada em nome do agente.

Trata-se de crime de elevado potencial ofensivo, incompatível com os benefícios da Lei


9.099/95.

Ressalta-se que o STF, na ADI 3.112-1, considerou o parágrafo único inconstitucional, pois,
atualmente, apenas a CF/88 pode dizer, de forma genérica e abstrata, que um crime é inafiançável.

OBJETIVIDADE JURÍDICA

Tutela-se a incolumidade pública, mais especificamente a segurança pública, no sentido de


evitar que pessoas armadas coloquem em risco a vida, a incolumidade física ou o patrimônio dos
cidadãos.

SUJEITOS DO DELITO

3.3.1. Sujeito ativo

É crime comum ou geral, podendo ser praticado por qualquer pessoa.

É preciso ter atenção com o disposto no art. 20 do Estatuto do Desarmamento, que traz uma
causa de aumento de pena, quando o crime é praticado por um dos integrantes dos órgãos e
empresas constantes nos arts. 6º, 7º e 8º da Lei:

CS – ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2023.1 28

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Art. 20. Nos crimes previstos nos arts. 14, 15, 16, 17 e 18, a pena é
aumentada da metade se:
I - forem praticados por integrante dos órgãos e empresas referidas nos arts.
6º, 7º e 8º desta Lei; ou
II - o agente for reincidente específico em crimes dessa natureza.

3.3.2. Sujeito passivo

É a coletividade, tratando-se, pois, de crime vago.

ELEMENTO NORMATIVO

Embora a denominação legal do delito seja “porte ilegal de arma de fogo de uso permitido”,
é fácil notar que o texto legal possui abrangência maior, já que existem inúmeras outras condutas
típicas. Com efeito, as ações nucleares são portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em
depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob
sua guarda ou ocultar.

Trata-se, porém, de crime de ação múltipla – também chamado de crime de conteúdo


variado ou de tipo misto alternativo – em que a realização de mais de uma conduta típica, em relação
ao mesmo objeto material, constitui crime único, na medida em que as diversas ações descritas
na lei estão separadas pela conjunção alternativa “ou”. Assim, se o agente adquire e, em seguida,
porta a mesma arma de fogo, comete apenas um crime.

Destaca-se, nesse liame, que o STJ adotou o seguinte posicionamento quanto à modalidade
“transportar”:

O crime de porte de arma de fogo, seja de uso permitido ou restrito, na


modalidade transportar, admite participação. STJ. 6ª Turma. REsp
1887992-PR, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 07/12/2021 (Info 721).

Em continuidade, os objetos materiais do crime são as armas de fogo, munições ou


acessórios de uso permitido.

O elemento normativo do tipo encontra-se na expressão “sem autorização e em desacordo


com determinação legal ou regulamentar”. Com efeito, só comete o crime quem porta arma de fogo
e não possui autorização para tanto, ou o faz em desacordo com as normas que disciplinam o tema.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(PC-AM - Delegado - FGV - 2022): No dia 22 de fevereiro de 2022, José foi
abordado por guarnição policial militar, enquanto conduzia veículo automotor
em via pública, em blitz regularmente realizada. No interior da mala do veículo
foram encontradas vinte e cinco munições de fuzil calibre 7.65, de marcas
variadas. Conduzido à unidade de polícia judiciária, durante a lavratura do
seu auto de prisão em flagrante, confessou estar trabalhando para Carlos e
Eduardo, tendo pleno conhecimento do material que transportava, mas que a
contratação e o destino final teriam sido determinados pelos dois. Analisando
a hipótese, sobre o crime de porte de arma de fogo, na modalidade
transportar, é correto afirmar que admite coautoria ou participação. Correto.

CS – ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2023.1 29

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(PC-PB - Delegado - CESPE - 2022): O indivíduo que carrega consigo
silenciador, desacompanhado de qualquer arma de fogo ou munição, não
pratica crime, pois a essa lei não prevê punição para a posse ou porte de
acessórios. Errado.

(PC-RN - Delegado - FGV - 2021): Vanda, funcionária de uma empresa de


segurança particular, recebe de seu chefe, Eric, ordem para levar uma arma
de fogo a um dos seguranças que estava em serviço e havia esquecido o seu
equipamento na empresa. Temendo ser demitida, apesar da inexistência de
ameaça neste sentido, Vanda cumpre a ordem recebida, ciente da conduta
criminosa que estaria perpetrando, mas no caminho é parada por policiais
militares. Considerando os fatos acima narrados, Vanda e Eric praticaram
crime de transporte ilegal de arma de fogo, em concurso de pessoas. Correto.

CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

Tratando-se de crime de mera conduta, a consumação ocorre no momento da ação,


independentemente de qualquer resultado.

É possível a tentativa quando, por exemplo, o agente inicia os atos de execução, mas não
logra êxito em adquirir a arma de fogo de uso permitido.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(DPE-PR - Defensor - Instituto AOCP - 2022): João portava arma de fogo
de uso permitido em via pública quando, ao amarrar seu calçado, ela
disparou, sem, no entanto, atingir ninguém. Devido ao barulho provocado, a
polícia foi acionada e abordou João, localizando o armamento e constatando
que o seu registro de cautela estava vencido. Nessa situação hipotética, João
deverá responder unicamente pelo crime de porte ilegal de arma de fogo de
uso permitido. Correto.

OBSERVAÇÕES IMPORTANTES

3.6.1. Crime de perigo abstrato

O crime em análise é de perigo abstrato, em que a Lei presume, de forma absoluta, a


existência do risco causado à coletividade por parte de quem, sem autorização, porta arma de fogo,
acessório ou munição. É, portanto, totalmente desnecessária prova de que o agente tenha causado
perigo a pessoa determinada. Por isso, pode-se também dizer que se trata de crime de mera
conduta, que se aperfeiçoa com a ação típica, independentemente de qualquer resultado.

Tratando-se de crime de perigo, a jurisprudência fixou entendimento de que o porte


concomitante de mais de uma arma de fogo caracteriza situação única de risco à coletividade e,
assim, o agente só responde por um delito, não se aplicando a regra do concurso formal. O juiz,
todavia, pode levar em conta a quantidade de armas na fixação da pena-base, em face da maior
gravidade do fato (art. 59 do CP). Se uma das armas for de uso proibido e a outra, de uso permitido,
configura-se o crime mais grave, previsto no art. 16, § 2º, da Lei.

Quando se diz que o crime é de perigo presumido ou abstrato, conclui-se apenas que é
desnecessária prova de situação de risco a pessoa determinada. Exige-se, porém, que a arma

CS – ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2023.1 30

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possa causar dano, pois, do contrário, não se diria que o crime é de perigo. Por isso, a própria Lei
(art. 25) menciona a elaboração de perícia nas armas de fogo, acessórios ou munições que tenham
sido apreendidos, bem como a sua juntada aos autos, com o intuito de demonstrar a potencialidade
lesiva da arma. Assim, pode-se afirmar que não há crime quando a perícia constata tratar-se de
arma obsoleta ou quebrada (inoperante).

À vista disso, o STJ entendeu que é atípica a conduta de portar arma de fogo ineficaz:

Para que haja condenação pelo crime de posse ou porte NÃO é


necessário que a arma de fogo tenha sido apreendida e periciada. Assim,
é irrelevante a realização de exame pericial para a comprovação da
potencialidade lesiva do artefato. Isso porque os crimes previstos no arts. 12,
14 e 16 da Lei 10.826/2003 são de mera conduta ou de perigo abstrato, cujo
objeto jurídico imediato é a segurança coletiva. No entanto, se a perícia for
realizada na arma e o laudo constatar que a arma não tem nenhuma condição
de efetuar disparos não haverá crime. Para o STJ, não está caracterizado o
crime de porte ilegal de arma de fogo quando o instrumento apreendido
sequer pode ser enquadrado no conceito técnico de arma de fogo, por estar
quebrado e, de acordo com laudo pericial, totalmente inapto para realizar
disparos. Assim, demonstrada por laudo pericial a total ineficácia da arma
de fogo e das munições apreendidas, deve ser reconhecida a atipicidade
da conduta do agente que detinha a posse do referido artefato e das
aludidas munições de uso proibido, sem autorização e em desacordo
com a determinação legal/regulamentar. STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp
397473/DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 19/08/2014 (Info
544). STJ. 6ª Turma. REsp 1451397-MG, Rel. Min. Maria Thereza de Assis
Moura, julgado em 15/9/2015 (Info 570).4

Como o tema foi cobrado em concurso?


(TRF - 4ª Região - Juiz Federal - TRF - 4ª Região - 2022): Segundo
entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça, nos crimes dos artigos
12 (posse irregular de arma de fogo de uso permitido), 14 (porte ilegal de
arma de fogo de uso permitido) e 16 (posse ou porte ilegal de arma de fogo
de uso restrito) da Lei nº 10.826/2003, cuidando-se de crimes que atingem a
incolumidade pública, é imprescindível a realização de perícia sobre as armas
de fogo para aferição da potencialidade lesiva. Errado.

(PC-PB - Delegado - CESPE - 2022): Não afasta a tipicidade da conduta


criminosa o fato de a arma de fogo apreendida ter sido declarada
absolutamente ineficaz por meio de perícia realizada no curso da ação penal.
Errado.

(PC-PR - Delegado - NC-UFPR - 2021): A atipicidade de conduta do agente


que detém posse de arma de fogo sem autorização e em desacordo com a
determinação legal/regulamentar deve ser reconhecida quando a total
ineficácia dessa arma for demonstrada por laudo pericial. Correto.

(MPDFT - Promotor - MPDFT - 2021): Para o Supremo Tribunal Federal


(STF), a arma de fogo incapaz de efetuar disparos pode configurar elementar

4 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Atipicidade da conduta de posse/porte ilegal de arma de fogo ineficaz. Buscador Dizer o Direito,
Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/92af93f73faf3cefc129b6bc55a748a9>.
Acesso em: 19/12/2022.

CS – ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2023.1 31

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dos crimes de Porte ou Posse Ilegal dos arts. 12, 14 e 16 da Lei nº
10.826/2003. Correto.

3.6.2. Porte de arma de brinquedo e réplicas

As armas de brinquedo, simulacros ou réplicas não constituem armas de fogo, de modo que
o seu porte não está abrangido na figura penal.

O Estatuto do Desarmamento se limita a proibir (sem prever sanção penal) a fabricação, a


venda, a comercialização e a importação de brinquedos, réplicas e simulacros de armas de fogo,
que possam com estas se confundir, exceto para instrução, adestramento ou coleção, desde que
autorizados pelo Comando do Exército, nos termos do art. 26:

Art. 26. São vedadas a fabricação, a venda, a comercialização e a importação


de brinquedos, réplicas e simulacros de armas de fogo, que com estas se
possam confundir.

Parágrafo único. Excetuam-se da proibição as réplicas e os simulacros


destinados à instrução, ao adestramento, ou à coleção de usuário autorizado,
nas condições fixadas pelo Comando do Exército.

As armas de brinquedo que estejam sendo comercializadas ou fabricadas devem ser


apreendidas pela fiscalização, na medida em que são proibidas.

3.6.3. Porte ilegal de arma de fogo desmuniciada

Entende-se que, por ser um crime de mera conduta, haverá crime.

Nesse sentido, segue o posicionamento do STF e STJ:

O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que é de perigo


abstrato o crime de porte ilegal de arma de fogo, sendo, portanto, irrelevante
para sua configuração encontrar-se a arma desmontada ou desmuniciada.
(STF - HC 95861, Rel. Min. Cezar Peluso, Rel. p/ Acórdão: Min. Dias Toffoli,
2ª Turma, julgado em 02/06/2015, Acórdão eletrônico DJe-128 divulg
30/06/2015 public 01/07/2015).

O entendimento deste Superior Tribunal de Justiça, firmado no julgamento do


AgRg no EAREsp n. 260.556/SC, em 26/03/2014, tendo como relator o
eminente Ministro Sebastião Reis Júnior, é no sentido de que o crime previsto
no art. 14 da Lei n. 10.826/2003 é de perigo abstrato, sendo irrelevante o fato
de a arma estar desmuniciada ou, até mesmo, desmontada ou estragada,
porquanto o objeto jurídico tutelado não é a incolumidade física, e sim a
segurança pública e a paz social, colocados em risco com o porte de arma
de fogo sem autorização ou em desacordo com determinação legal,
revelando-se despicienda até mesmo a comprovação do potencial ofensivo
do artefato através de laudo pericial. (STJ - AgRg no AgRg no AREsp
1437702/RJ, Rel. Min. Ribeiro Dantas, 5ª Turma, julgado em 20/08/2019, DJe
23/08/2019).

3.6.4. Uso de munição como pingente e atipicidade

CS – ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2023.1 32

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O STF e o STJ consideram atípica a conduta do agente que portava uma munição como
pingente, sem possuir arma de fogo:

É atípica a conduta daquele que porta, na forma de pingente, munição


desacompanhada de arma. STF. 2ª Turma. HC 133984/MG, Rel. Min.
Cármen Lúcia, julgado em 17/5/2016 (Info 826).

A atipicidade material da conduta não pode ser reconhecida, porquanto a


munição apreendida com o paciente estava intacta e poderia ser utilizada em
arma de fogo, diferentemente daquelas hipóteses em que a natureza do
projétil é descaracterizada mediante utilização em obra de arte ou para
confecção de chaveiro, colar etc. (STJ - AgRg no HC 391.282/MS, Rel.
Min. Rogerio Schietti Cruz, 6ª Turma, julgado em 16/05/2017, DJe
24/05/2017).

Obs.: vale reiterar que, em regra, a jurisprudência não aplica o


princípio da insignificância aos crimes de posse ou porte de armas ou
munições.

3.6.5. Porte e homicídio

Se o agente, utilizando arma de fogo, atira e mata alguém, haverá homicídio e porte de arma
de fogo ou apenas homicídio? Se uma pessoa pratica homicídio com arma de fogo, a acusação por
porte deverá ser absorvida? Aplica-se o princípio da consunção? Depende da situação.

O crime de porte não será absorvido (haverá concurso material de crimes) se ficar provado
nos autos que o agente portava ilegalmente a arma de fogo em outras oportunidades antes ou
depois do homicídio e que ele não se utilizou da arma tão somente para praticar o assassinato. Ex.:
a instrução demonstrou que João adquiriu a arma de fogo 3 meses antes de matar Pedro e não a
comprou com a exclusiva finalidade de ceifar a vida da vítima.

Contudo, crime de porte será absorvido se não houver provas de que o réu já portava a arma
antes do homicídio ou se ficar provado que ele a utilizou somente para matar a vítima. Ex.: o agente
compra a arma de fogo e, em seguida, dirige-se até a casa da vítima, e contra ela desfere dois tiros,
matando-a.

3.6.6. Porte ilegal e legítima defesa

Em regra, o agente que age em legítima defesa utilizando arma de fogo sem registro poderá
responder pelo crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo. Contudo, o crime poderá ser
absorvido quando a conduta foi exclusiva para o ato de legítima defesa.

4. DISPARO DE ARMA DE FOGO

PREVISÃO LEGAL E CONSIDERAÇÕES

O art. 15 do Estatuto do Desarmamento consagra o delito de disparo de arma de fogo,


vejamos:

CS – ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2023.1 33

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Art. 15. Disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou em
suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que essa
conduta não tenha como finalidade a prática de outro crime:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

O crime se aperfeiçoa com o disparo de arma de fogo ou, simplesmente, com o acionamento
da munição (engatilhar a arma).

Importante destacar a expressão “desde que essa conduta não tenha como finalidade a
prática de outro crime”, a qual configura um crime expressamente subsidiário. Trata-se do princípio
da subsidiariedade expressa na solução do conflito aparente de normas. Assim, tem-se as seguintes
hipóteses:

1) Se o agente dispara arma de fogo sem nenhum intuito, responderá pelo art. 15 do
Estatuto do Desarmamento;

2) Se o agente dispara arma de fogo para matar outra pessoa, responderá por homicídio
(art. 121 do CP), pois o disparo será absorvido pelo homicídio.

OBJETIVIDADE JURÍDICA

Protege-se a incolumidade pública, mais especificamente a segurança pública.

OBJETO MATERIAL

Apenas a munição, permitida ou proibida.

SUJEITOS DO DELITO

4.4.1. Sujeito ativo

É crime comum ou geral, tendo em vista que pode ser praticado por qualquer pessoa.

Importante não esquecer da supramencionada causa de aumento prevista no art. 20.

4.4.2. Sujeito passivo

É a coletividade, mas também serão vítimas as pessoas que suportaram o perigo.

ELEMENTO ESPACIAL DO TIPO

O disparo deve ocorrer em via pública ou em direção a ela, bem como em lugar habitado ou
em suas adjacências. Portanto, o disparo de arma de fogo em lugar ermo é conduta atípica.

CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

CS – ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2023.1 34

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É crime de mera conduta. Assim, será consumado com o disparo da arma de fogo ou com
o acionamento da munição.

Igualmente, é um crime de perigo abstrato.

É, perfeitamente, cabível a tentativa. Ex.: o agente aperta o gatilho do revólver, mas o


disparo não ocorre porque outra pessoa, repentinamente, segura o tambor da arma, impedindo que
gire (o que inviabiliza o disparo).

Como o tema foi cobrado em concurso?


(PC-PR - Delegado - NC-UFPR - 2021): A comprovação da lesividade da
conduta é indispensável para a caracterização típica do crime de “disparar
arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou em suas adjacências,
em via pública ou em direção a ela”. Errado.

OBSERVAÇÕES IMPORTANTES

4.7.1. Pluralidade de disparos

Havendo pluralidade de disparos, no mesmo contexto fático, configura crime único. O


número de disparos será utilizado para a dosimetria da pena.

4.7.2. Veracidade do projétil

É preciso que realmente ocorra o disparo de uma arma de fogo. Assim, disparo de arma de
borracha não configura este crime.

4.7.3. Crime mais grave e absorção

O agente irá responder apenas pelo crime mais grave. O disparo fica absorvido.

4.7.4. Porte ilegal e disparo de arma de fogo

Para determinar os crimes que o agente irá responder, é necessário analisar o contexto
fático, a fim de determinar se há ou não ligação entre as condutas. Observe-se, então, as seguintes
hipóteses:

1) João está em sua residência, assistindo ao jogo de seu time de futebol. Após o gol,
dirige-se até a rua e efetua um disparo para o alto. Em seguida, retorna para sua casa.
Perceba que João portou ilegalmente a arma de fogo apenas com a finalidade de efetuar
o disparo. Assim, o disparo irá absorver o porte ilegal.

2) João saiu de sua residência, com a arma de fogo, atravessou a cidade inteira para chegar
ao estádio de futebol, após o jogo, novamente, atravessou a cidade para voltar para
casa. Ocasião em que efetuou um disparo para o alto. Nesta hipótese, temos dois
contextos distintos, por isso João irá responder pelos dois delitos (porte e disparo) em
concurso material de crimes.

Nesse liame, destaca-se o posicionamento do STJ:

CS – ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2023.1 35

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Aplica-se o princípio da consunção aos crimes de porte ilegal e de disparo de
arma de fogo ocorridos no mesmo contexto fático, quando presente nexo de
dependência entre as condutas, considerando-se o porte crime-meio para a
execução do disparo de arma de fogo. (STJ - AgRg no AREsp 1.211.409/MS,
Rel. Min. Nefi Cordeiro, 6ª Turma, julgado em 08/05/2018, DJe 21/05/2018).

Esta Corte Superior entende que a absorção do delito de porte de arma pelo
de disparo não é automática, pois depende do contexto fático do caso
concreto em que se deram as condutas. Não ficou caracterizada a hipótese
de aplicação do princípio da consunção, na espécie, porque os momentos
consumativos dos delitos ocorreram em situações diversas, em contextos
destacados. (AgRg no REsp 1.347.003/SC, Rel. Min. Moura Ribeiro, 5ª
Turma, julgado em 17/12/2013, DJe 03/02/2014).

Como o tema foi cobrado em concurso?


(PC-RN - Delegado - FGV - 2021): Após discutir com alguns vizinhos, Lúcio
efetuou disparos de arma de fogo para o alto na via pública, atingindo o
telhado de uma das casas, o que fez com que os moradores da localidade,
dois dias depois, registrassem o fato na delegacia de polícia. A autoridade
policial representou pela busca e apreensão de eventual prova de crime na
residência de Lúcio, o que foi deferido pelo juízo competente. No
cumprimento do mandado, foi apreendida na residência uma arma de fogo
sem registro, sendo certo que Lúcio não tinha autorização legal para portar
ou possuir qualquer tipo de arma. Restando comprovados os fatos por prova
oral e pericial, Lúcio responderá pelos crimes de posse de arma de fogo e de
disparo de arma de fogo, em concurso material. Correto.

PENA

A pena é de 2 a 4 anos. Portanto, trata-se de um crime de elevado potencial ofensivo.

Assim, pode-se concluir que:

1) Não é possível a transação penal, pois a pena máxima supera os 2 anos;

2) Não é possível a suspensão condicional do processo, pois a pena mínima prevista para
o crime ultrapassa 1 ano;

3) É muito provável que a pena seja convertida em restritiva de direitos, desde que
cumpridos os requisitos legais;

4) Tendo em vista que a pena máxima não ultrapassa o patamar de 4 anos, o próprio
Delegado poderá arbitrar a fiança.

Obs.: conforme já apontado, o parágrafo único foi declarado


inconstitucional pelo STF. Portanto, cabe sim fiança.

CS – ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2023.1 36

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Como o tema foi cobrado em concurso?
(PC-SP - Delegado - VUNESP - 2022): Nos termos da Lei n° 10.826/2003
(Estatuto do Desarmamento), é correto afirmar que o crime de disparo de
arma de fogo é apenado com detenção. Errado.

5. POSSE OU PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO E PROIBIDO

PREVISÃO LEGAL E CONSIDERAÇÕES

A posse e porte ilegal de arma de fogo de uso restrito estão previstas no art. 16 do Estatuto
do Desarmamento. Há nos incisos do parágrafo primeiro uma série de figuras equiparadas. Verifica-
se, portanto, o dispositivo legal:

Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito,
transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar,
manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso
restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou
regulamentar:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:
I – suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de identificação
de arma de fogo ou artefato;
II – modificar as características de arma de fogo, de forma a torná-la
equivalente a arma de fogo de uso proibido ou restrito ou para fins de dificultar
ou de qualquer modo induzir a erro autoridade policial, perito ou juiz;
III – possuir, detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou incendiário,
sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar
IV – portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com
numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado,
suprimido ou adulterado;
V – vender, entregar ou fornecer, ainda que gratuitamente, arma de fogo,
acessório, munição ou explosivo a criança ou adolescente; e
VI – produzir, recarregar ou reciclar, sem autorização legal, ou adulterar, de
qualquer forma, munição ou explosivo.
§ 2º Se as condutas descritas no caput e no § 1º deste artigo envolverem
arma de fogo de uso proibido, a pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze)
anos.

Quando a arma de fogo é de uso restrito, o crime será o mesmo tanto para a posse ilegal
quanto para o porte ilegal. De outra banda, quando se trata de arma de fogo de uso permitido, os
crimes serão distintos: posse ilegal (art. 12) e porte ilegal (art. 14)

Nota-se que a Lei 13.964/2019 modificou o art. 16 do Estatuto do para diferenciar arma de
fogo de uso restrito de arma de fogo de uso proibido:

CS – ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2023.1 37

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ESTATUTO DO DESARMAMENTO
Antes da Lei 13.964/2019 ATUALMENTE
Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso
restrito restrito
Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir,
receber, ter em depósito, transportar, ceder, fornecer, receber, ter em depósito, transportar,
ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar,
empregar, manter sob sua guarda ou ocultar remeter, empregar, manter sob sua guarda ou
arma de fogo, acessório ou munição de uso ocultar arma de fogo, acessório ou munição
proibido ou restrito, sem autorização e em de uso restrito, sem autorização e em
desacordo com determinação legal ou desacordo com determinação legal ou
regulamentar: regulamentar:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e
multa. multa.
Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre § 1º Nas mesmas penas incorre quem:
quem:
Não havia § 2º no art. 16. § 2º Se as condutas descritas no caput e no §
1º deste artigo envolverem arma de fogo de
uso proibido, a pena é de reclusão, de 4
(quatro) a 12 (doze) anos.

OBJETIVIDADE JURÍDICA

Assim como nos demais crimes do Estatuto, protege-se a incolumidade pública, mais
especificamente a segurança pública.

SUJEITOS DO DELITO

5.3.1. Sujeito ativo

Qualquer pessoa poderá praticar o delito do art. 16, pois se trata de crime comum ou geral.

Aqui, novamente, aplica-se a regra do art. 20 do Estatuto, segundo a qual a pena será
aumentada quando o crime for praticado por integrantes dos órgãos e empresas referidas nos arts.
6º, 7º e 8º.

5.3.2. Sujeito passivo

É crime vago. Assim, o sujeito passivo será a coletividade.

ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO

O elemento normativo do tipo está contido na expressão “sem autorização e em desacordo


com determinação legal ou regulamentar”. No que diz respeito ao registro, por exemplo, temos
várias regras. O art. 27 da Lei 10.826/2003 diz que a aquisição de arma de uso restrito poderá ser
autorizada, excepcionalmente, pelo Comando do Exército, e seu art. 3º, parágrafo único, estabelece

CS – ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2023.1 38

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que o registro também será feito em tal Comando. As armas de uso permitido, conforme já estudado,
são registradas na Polícia Federal.

O delito em análise é uma espécie de figura qualificada dos crimes de posse e porte de
arma, previsto, porém, em um tipo penal autônomo. A pena maior se justifica em virtude da maior
potencialidade lesiva das armas de fogo de uso proibido ou restrito, que, por tal razão, elevam o
risco à coletividade.

CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

É crime de perigo abstrato, a Lei presume o perigo com a prática de qualquer uma das
condutas descritas no art. 16.

Igualmente, é um crime de mera conduta, ou seja, basta a prática da conduta para que se
presuma o perigo.

O tipo penal limita-se a descrever a conduta, sem prever o resultado naturalístico.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(TJ-RS - Juiz - FAURGS - 2022): Sobre os crimes de posse e porte ilegais
de armas de fogo, considerando a jurisprudência dos Tribunais Superiores, é
correto afirmar que são crimes de perigo abstrato. Correto.

FIGURAS EQUIPARADAS

Estão descritas nos incisos do § 1º do art. 16.

Trata-se de crimes autônomos com condutas e objetos materiais próprios, para os quais se
aproveitou a pena do caput do art. 16.

Obs.: as condutas não precisam ser relacionadas a arma de fogo de


uso restrito ou proibido.

5.6.1. Suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de indicação de arma de


fogo ou artefato

O tipo penal pune o responsável pela supressão (eliminação completa) ou alteração


(mudança) da marca ou numeração. Assim, quando existir prova de que o réu foi o autor da
supressão, responderá por tal delito. Todavia, se não tiver sido ele o autor da adulteração, a posse
ou o porte da arma com numeração suprimida ou alterada tipificará a conduta do art. 16, § 1º, IV,
do Estatuto.

O bem jurídico tutelado é a veracidade do cadastro das armas no SINARM.

O crime pode ser cometido por qualquer pessoa.

5.6.2. Modificar as características de arma de fogo, de forma a torná-la equivalente a arma


de fogo de uso proibido ou restrito ou para fins de dificultar ou de qualquer modo
induzir a erro autoridade policial, perito ou juiz

CS – ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2023.1 39

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Nota-se que há 2 condutas distintas:

1) Modificar as características de arma de fogo, de forma a torná-la equivalente a arma de


fogo de uso proibido ou restrito. Cita-se, como exemplo, a conduta do agente que serra
o cano de uma arma calibre 12.

Pune-se apenas o responsável pela modificação. Qualquer outra pessoa que a porte ou
possua irá responder pelo caput do art. 16.

2) Modificar as características de arma de fogo para fins de dificultar ou de qualquer modo


induzir a erro autoridade policial, perito ou juiz.

Aqui, tem-se um crime formal. Não incide o art. 347 do CP, que pune o crime de fraude
processual.

5.6.3. Possuir, detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou incendiário, sem


autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar

Em relação aos artefatos explosivos, este dispositivo prevalece sobre o art. 253 do CP.

Art. 253 - Fabricar, fornecer, adquirir, possuir ou transportar, sem licença da


autoridade, substância ou engenho explosivo, gás tóxico ou asfixiante, ou
material destinado à sua fabricação:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

O art. 253 do CP continua em vigor em relação a gases tóxicos ou asfixiantes, bem como
em relação a substâncias explosivas (ex.: tolueno), já que o inciso III só se refere a artefato
explosivo pronto (ex.: dinamite).

No tocante ao artefato incendiário, a exemplo do coquetel molotov, não é punível a mera


posse de seus componentes, conforme posicionamento do STJ:

A conduta de portar granada de gás lacrimogênio ou granada de gás de


pimenta não se subsome (amolda) ao delito previsto no art. 16,
parágrafo único, III, da Lei nº 10.826/2003. Isso porque elas não se
enquadram no conceito de artefatos explosivos. STJ. 6ª Turma. REsp
1627028/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 21/02/2017
(Info 599).

Ademais, segundo o STJ, explosivo é, em sentido amplo, um material extremamente


instável, que pode se decompor rapidamente, formando produtos estáveis. Esse processo é
denominado de explosão e é acompanhado por uma intensa liberação de energia, que pode ser
feita sob diversas formas e gera uma considerável destruição decorrente da liberação dessa
energia.

Não será considerado explosivo o artefato que, embora ativado por explosivo, não projete
nem disperse fragmentos perigosos, como metal, vidro ou plástico quebradiço, não possuindo,
portanto, considerável potencial de destruição. Assim, para ser considerado artefato explosivo, é
necessário que ele seja capaz de gerar alguma destruição.

Desse modo, a título de exemplificação, 2 granadas, quando acionadas, liberam apenas


densa fumaça e gás de pimenta, ou, quando muito, alguns fragmentos de borracha. Assim, a

CS – ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2023.1 40

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explosão decorrente da sua decomposição não é capaz de gerar destruição resultante da liberação
de energia, apenas o incômodo gerado pelo gás tóxico.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(MPDFT - Promotor - MPDFT - 2021): O porte de granada de gás
lacrimogêneo se enquadra no tipo penal do art. 16, § 1º, III, que assemelha o
porte ilegal de arma de uso restrito ao porte de artefato explosivo ou
incendiário, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar. Errado.

5.6.4. Portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração,
marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado

Quem suprime ou modifica responde pelo inciso I. Já quem porta, possui, adquire, transporta
ou fornece responde pelo inciso IV.

Ressalta-se que pode ser qualquer tipo de arma de fogo, isto é, de uso restrito ou permitido.
Não há vinculação ao caput. Nesse sentido, o HC 99.582/RS, noticiado no Informativo 558 do STF:

Info 558 do STF: Para a caracterização do crime previsto no art. 16, parágrafo
único, IV, da Lei 10.826/2003, é irrelevante se a arma de fogo é de uso
permitido ou restrito, bastando que o identificador esteja suprimido.

Firmou-se entendimento no sentido de que haverá concurso formal de crimes quando o


agente portar uma arma com numeração raspada e outra com a respectiva numeração, com o
argumento de que os bens jurídicos tutelados não são exatamente os mesmos. Veja-se:

Condenação pelos crimes dos arts. 12 e 16 da Lei n. 10.826/03.


Reconhecimento de crime único em sede de apelação. Restabelecimento do
concurso formal. Precedentes. Embora as condutas de possuir arma com
numeração raspada e munições e acessórios de uso permitido tenham sido
praticadas em um mesmo contexto fático, houve lesão a bens jurídicos
diversos, pois o art. 16 do Estatuto do Desarmamento, além da paz e
segurança públicas, também protege a seriedade dos cadastros do Sistema
Nacional de Armas, sendo inviável o reconhecimento de crime único. (STJ -
AgRg no REsp 1732505/MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª
Turma, julgado em 15/5/2018, DJe 25/5/2018).

5.6.5. Vender, entregar ou fornecer, ainda que gratuitamente, arma de fogo, acessório,
munição ou explosivo a criança ou adolescente

De acordo com Victor Eduardo Rios Gonçalves, pela comparação desse tipo penal com
outros da Lei 10.826/2003, pode-se concluir que:

1) Quem vende, entrega ou fornece qualquer espécie de arma de fogo, acessório ou


munição, intencionalmente (dolosamente) a menor de idade, comete o crime do art. 16,
§ 1º, V. O dispositivo se aplica qualquer que seja a arma de fogo.

O art. 242 do Estatuto da Criança e do Adolescente pune com reclusão de 3 a 6 anos a


venda ou fornecimento de arma, munição ou explosivo a criança ou adolescente. Embora esse
crime tenha tido sua pena alterada pela Lei 10.764, de 12 de novembro de 2003, acabou sendo

CS – ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2023.1 41

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derrogado pelo dispositivo em análise do Estatuto do Desarmamento, que entrou em vigor em 22
de dezembro de 2003, e que pune as mesmas condutas. O art. 242 só continua aplicável a armas
de outra natureza (que não sejam armas de fogo).

2) Quem deixa de observar as cautelas necessárias para impedir que menor de idade ou
deficiente mental se apodere de arma de fogo, que esteja sob sua posse ou que seja de
sua propriedade, responde pelo crime do art. 13. Trata-se de conduta culposa. Se quem
se apodera da arma é pessoa maior de idade, o fato é atípico, porque a modalidade
culposa não mencionou tal hipótese.

3) O sujeito que fornece, empresta ou cede dolosamente arma de fogo de uso permitido a
pessoa maior de idade pratica o crime do art. 14.

4) Quem fornece, empresta ou cede dolosamente arma de fogo de uso proibido ou restrito
a pessoa maior de idade incide no crime do art. 16, caput, ou § 2º.

5) Aquele que fornece explosivo a pessoa menor de 18 anos comete o crime do art. 16, §
1º, V, mas, se o destinatário for pessoa maior de idade, o crime será o do art. 253 do CP.

5.6.6. Produzir, recarregar ou reciclar, sem autorização legal, ou adulterar, de qualquer


forma, munição ou explosivo

A finalidade desse dispositivo é a de abranger algumas condutas não elencadas nos arts.
14 e 16 do Estatuto do Desarmamento, em relação a munições e explosivos.

NATUREZA HEDIONDA

A Lei 13.497, de 26 de outubro de 2017, introduziu no rol dos crimes hediondos o crime de
porte e de posse ilegal de arma de fogo de uso restrito ou proibido. Posteriormente, contudo, a Lei
13.964/2019 modificou o art. 1º, parágrafo único, II, da Lei 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos) e
passou a prever que somente as condutas relacionadas a armas de fogo de uso proibido é
que configuram crime hediondo:

Art. 1º, Parágrafo único. Consideram-se também hediondos, tentados ou


consumados:
II - o crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido,
previsto no art. 16 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003.

Por se tratar de norma benéfica em relação às armas de uso restrito, tal Lei retroage para
afastar a natureza hedionda daqueles que foram flagrados em poder de arma de fogo de uso restrito.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(PC-SP - Delegado - VUNESP - 2022): Nos termos da Lei n° 10.826/2003
(Estatuto do Desarmamento), é correto afirmar que o crime de posse ou porte
ilegal de arma de fogo de uso proibido é considerado hediondo. Correto.

(PC-MS - Delegado - FAPEC - 2021): O crime de posse ou porte de arma de


fogo de uso restrito (art. 16, caput, da Lei nº 10.826/03) deixou de ser
considerado hediondo após o advento da Lei nº 13.964/19 (“Pacote
Anticrime”). Correto.

CS – ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2023.1 42

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(MPDFT - Promotor - MPDFT - 2021): A previsão legal de que o porte ilegal
de arma de fogo de uso restrito é crime hediondo foi declarada pelo Supremo
Tribunal Federal como inconstitucional. Errado.

PENA

A pena será de 3 a 6 anos e multa. Novamente, trata-se de crime de elevado potencial


ofensivo.

Reitera-se que o Pacote Anticrime acrescentou o § 2º ao art. 16 do Estatuto do


Desarmamento, prevendo pena de 4 a 12 anos para as condutas descritas no § 1º que envolverem
arma de fogo de uso proibido:

Art. 16, § 2º Se as condutas descritas no caput e no § 1º deste artigo


envolverem arma de fogo de uso proibido, a pena é de reclusão, de 4 (quatro)
a 12 (doze) anos.

Por fim, para melhor fixação dos temas abordados, colaciona-se os seguintes quadros
sinóticos da posse irregular e do porte ilegal de armas de fogo:

CS – ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2023.1 43

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6. COMÉRCIO ILEGAL DE ARMA DE FOGO

PREVISÃO LEGAL E CONSIDERAÇÕES

Encontra-se previsto no art. 17 do Estatuto do Desarmamento:

Art. 17. Adquirir, alugar, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em


depósito, desmontar, montar, remontar, adulterar, vender, expor à venda, ou
de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de
atividade comercial ou industrial, arma de fogo, acessório ou munição, sem
autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze) anos, e multa.
§ 1º Equipara-se à atividade comercial ou industrial, para efeito deste artigo,
qualquer forma de prestação de serviços, fabricação ou comércio irregular ou
clandestino, inclusive o exercido em residência.

CS – ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2023.1 44

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§ 2º Incorre na mesma pena quem vende ou entrega arma de fogo, acessório
ou munição, sem autorização ou em desacordo com a determinação legal ou
regulamentar, a agente policial disfarçado, quando presentes elementos
probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente.

O parágrafo § 1º possui uma norma explicativa, o dispositivo deixa claro que a atividade não
precisa ser formal, mas deve ser habitual.

OBJETIVIDADE JURÍDICA

Tutela-se, mais uma vez, incolumidade pública, no sentido de evitar que armas ilegais,
acessórios ou munições entrem em circulação. A pena do delito foi aumentada com a aprovação
da Lei 13.964/2019, que também inseriu o delito no rol dos crimes hediondos.

SUJEITOS DO DELITO

6.3.1. Sujeito ativo

É crime próprio, ou seja, exige-se qualidade especial do agente, que deve exercer atividade
comercial ou industrial. Ressalta-se que o dispositivo é de grande abrangência, na medida em que
o seu parágrafo único equiparou à atividade comercial ou industrial qualquer forma de prestação de
serviços, fabricação ou comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercido em residência.

Importante relembrar da causa de aumento disposta no art. 20 do Estatuto do


Desarmamento.

6.3.2. Sujeito passivo

É a coletividade (crime vago).

OBJETO MATERIAL

O tipo penal do art. 17 não faz distinção entre arma de fogo de uso permitido e arma de fogo
de uso restrito. Assim, o crime será o mesmo.

Contudo, o art. 19 da Lei traz uma causa de aumento quando for de uso restrito ou proibido:

Art. 19. Nos crimes previstos nos arts. 17 e 18, a pena é aumentada da
metade se a arma de fogo, acessório ou munição forem de uso proibido ou
restrito.

ELEMENTO NORMATIVO

O elemento normativo do tipo está contido na expressão “sem autorização ou em desacordo


com determinação legal ou regulamentar”. Assim, comete o crime o agente que não tem autorização
para vender arma, ou aquele que descumpre determinação legal, como, por exemplo, não
mantendo a arma registrada em nome da empresa antes da venda (art. 4º, § 4º, da Lei 10.826/2003).

CS – ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2023.1 45

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Também como o delito aquele que vende munição de calibre diverso (art. 4º, § 2º) ou
descumpre determinação regulamentar, como no caso do industrial que não fornece à Polícia
Federal a relação de saída de armas do estoque e os dados dos adquirentes e as características e
dados do armamento (art. 5º, § 1º, do Decreto 9.847/2019), ou do comerciante que não encaminha
à Polícia Federal ou ao Comando do Exército, em 48h, a contar da venda, os dados identificadores
da arma, da munição ou acessório e de seu comprador (art. 5º, § 2º, do Decreto 9.847/2019).

Igualmente haverá crime na venda de munição sem a apresentação do registro da arma, ou


em quantidade superior à permitida etc.

CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

É crime de perigo abstrato e de mera conduta.

Isto posto, pode-se concluir que se consuma com a prática de qualquer uma das condutas
previstas em lei, presumindo-se, de forma absoluta, o perigo ao bem jurídico.

É possível a tentativa, por exemplo, tentar adquirir arma de fogo.

ROL DOS CRIMES HEDIONDOS

O Pacote Anticrime incluiu o crime de comércio ilegal de arma de fogo ao rol de crimes
hediondos:

Art. 2°, Parágrafo único. Consideram-se também hediondos, tentados ou


consumados:

III - o crime de comércio ilegal de armas de fogo, previsto no art. 17 da Lei


nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003.

PENA

O Pacote Anticrime aumentou a pena para 6 a 12 anos (era de 4 a 8 anos) e multa. Por isso,
não é possível aplicação dos institutos despenalizadores, como a transação penal e a suspensão
condicional do processo.

7. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ARMA DE FOGO

PREVISÃO LEGAL E CONSIDERAÇÕES

Por fim, o último crime previsto no Estatuto do Desarmamento está previsto no art. 18 e trata-
se do tráfico internacional de arma de fogo:

Art. 18. Importar, exportar, favorecer a entrada ou saída do território nacional,


a qualquer título, de arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização
da autoridade competente:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 16 (dezesseis) anos, e multa.

CS – ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2023.1 46

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Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem vende ou entrega arma de
fogo, acessório ou munição, em operação de importação, sem autorização da
autoridade competente, a agente policial disfarçado, quando presentes
elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente.

Destaca-se que o tipo penal prevê o tráfico internacional de armas de fogo. Não existe,
aqui, o tráfico interestadual, que entrará em outra conduta.

OBJETIVIDADE JURÍDICA

A incolumidade pública, no sentido de evitar o comércio internacional de armas de fogo,


acessórios ou munições. A pena deste crime foi aumentada pela Lei n. 13.964/2019, que também
inseriu o delito no rol dos crimes hediondos.

OBJETO MATERIAL

Pode ser qualquer arma de fogo, acessório ou munição, tanto de uso restrito ou permitido.

Quando for de uso restrito ou proibido, incide o art. 19, aumentando-se a pena de metade.

SUJEITOS DO DELITO

7.4.1. Sujeito ativo

É crime comum ou geral, portanto, qualquer pessoa pode praticá-lo.

Incide, aqui, o art. 20 (aumento de pena).

7.4.2. Sujeito passivo

É a coletividade.

CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

É crime de perigo abstrato e de mera conduta.

A lei presume de forma absoluta o perigo à segurança pública com a entrada de uma arma
clandestina.

É, perfeitamente, possível tentativa.

ROL DOS CRIMES HEDIONDOS

O Pacote Anticrime incluiu o crime de tráfico ilegal de arma de fogo ao rol de crimes
hediondos:

Art. 2°, Parágrafo único. Consideram-se também hediondos, tentados ou


consumados:

CS – ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2023.1 47

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IV - o crime de tráfico internacional de arma de fogo, acessório ou munição,
previsto no art. 18 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003.

PENA

O Pacote Anticrime aumentou a pena para 8 a 16 anos (era de 4 a 8 anos) e multa. Por isso,
não é possível aplicação dos institutos despenalizadores, como a transação penal e a suspensão
condicional do processo.

TRÁFICO INTERNACIONAL DE MUNIÇÃO E PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Não se aplica o princípio da insignificância para o tráfico internacional de munição, segundo


o entendimento do STF:

O tráfico internacional de armas e munições tem como maior clientela o crime


organizado transnacional, que, via de regra, abastece o seu arsenal por meio
do mercado ilegal, nacional ou internacional, de armas. Mostra-se irrelevante,
no caso, cogitar-se da mínima ofensividade da conduta (em face da
quantidade apreendida), ou, também, da ausência de periculosidade da ação,
porque a hipótese é de crime de perigo abstrato, para o qual não importa o
resultado concreto da ação, o que também afasta a possibilidade de
aplicação do princípio da insignificância. STF. 1ª Turma. HC 97777, Rel. Min.
Ricardo Lewandowski, julgado em 26/10/2010.

8. FIANÇA E LIBERDADE PROVISÓRIA

O parágrafo único do art. 14 veda a fiança, salvo se a arma estiver registrada no nome do
infrator:

Art. 14, Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável, salvo
quando a arma de fogo estiver registrada em nome do agente.

Igualmente, o parágrafo único do art. 15 também veda a fiança:

Art. 15, Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável.

Já o parágrafo único do art. 21 veda a liberdade provisória, com ou sem fiança, para os
crimes dos arts. 16, 17 e 18 do Estatuto do Desarmamento:

Art. 21. Os crimes previstos nos arts. 16, 17 e 18 são insuscetíveis de


liberdade provisória.

Todos os dispositivos mencionados acima foram declarados inconstitucionais na ADIN


3.112-1. Portanto, admite-se liberdade provisória, com ou sem fiança, em todos os crimes do
Estatuto do Desarmamento.

9. PERFIL BALÍSTICO

CS – ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2023.1 48

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O Pacote Anticrime acrescentou o art. 34-A ao Estatuto do Desarmamento, criando o Banco
Nacional de Perfil Balístico:

Art. 34-A. Os dados relacionados à coleta de registros balísticos serão


armazenados no Banco Nacional de Perfis Balísticos.
§ 1º O Banco Nacional de Perfis Balísticos tem como objetivo cadastrar armas
de fogo e armazenar características de classe e individualizadoras de
projéteis e de estojos de munição deflagrados por arma de fogo.
§ 2º O Banco Nacional de Perfis Balísticos será constituído pelos registros de
elementos de munição deflagrados por armas de fogo relacionados a crimes,
para subsidiar ações destinadas às apurações criminais federais, estaduais
e distritais.
§ 3º O Banco Nacional de Perfis Balísticos será gerido pela unidade oficial de
perícia criminal.
§ 4º Os dados constantes do Banco Nacional de Perfis Balísticos terão caráter
sigiloso, e aquele que permitir ou promover sua utilização para fins diversos
dos previstos nesta Lei ou em decisão judicial responderá civil, penal e
administrativamente.
§ 5º É vedada a comercialização, total ou parcial, da base de dados do Banco
Nacional de Perfis Balísticos.
§ 6º A formação, a gestão e o acesso ao Banco Nacional de Perfis Balísticos
serão regulamentados em ato do Poder Executivo federal.

10. JURISPRUDÊNCIA EM TESE

Com o intuito de deixar o material mais completo, colaciona-se os principais julgados do STJ
acerca do tema:

1) O crime de posse irregular de arma de fogo, acessório ou munição de uso permitido (art.
12 da Lei 10.826/2003) é de perigo abstrato, prescindindo de demonstração de efetiva
situação de perigo, porquanto o objeto jurídico tutelado não é a incolumidade física e sim
a segurança pública e a paz social.

2) O crime de porte ilegal de arma de fogo, acessório ou munição de uso permitido (art. 14
da Lei 10.826/2003) é de perigo abstrato e de mera conduta, bastando para sua
caracterização a prática de um dos núcleos do tipo penal, sendo desnecessária a
realização de perícia.

3) O art. 14 da Lei 10.826/2003 é norma penal em branco, que exige complementação por
meio de ato regulador, com vistas a fornecer parâmetros e critérios legais para a
penalização das condutas ali descritas.

4) O crime de disparo de arma de fogo (art. 15 da Lei 10.826/2003) é crime de perigo


abstrato, que presume a ocorrência de dano à segurança pública e prescinde, para sua
caracterização, de comprovação da lesividade ao bem jurídico tutelado.

5) O crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo, acessório ou munição de uso restrito
(art. 16, caput, da Lei 10.826/2003) é crime de perigo abstrato, que presume a ocorrência
de dano à segurança pública e prescinde, para sua caracterização, de resultado
naturalístico à incolumidade física de outrem.

CS – ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2023.1 49

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6) A abolitio criminis temporária prevista na Lei 10.826/2003 aplica-se ao crime de posse
de arma de fogo de uso permitido com numeração, marca ou qualquer outro sinal de
identificação raspado, suprimido ou adulterado, praticado somente até 23/10/2005.

7) São atípicas as condutas descritas nos arts. 12 e 16 da Lei 10.826/2003, praticadas entre
23/12/2003 e 23/10/2005, mas, a partir desta data, até 31/12/2009, somente é atípica a
conduta do art. 12, desde que a arma de fogo seja apta a ser registrada (numeração
íntegra).

8) A regra dos arts. 30 e 32 da Lei 10.826/2003 alcança, também, os crimes de posse ilegal
de arma de fogo praticados sob a vigência da Lei 9.437/1997, em respeito ao princípio
da retroatividade da lei penal mais benéfica.

9) A forma qualificada do art. 10, § 3º, IV, da Lei 9.437/1997, que foi suprimida do
ordenamento jurídico com o advento da Lei 10.826/03, não tem o condão de tornar
atípica a conduta, mas apenas de desclassificar o delito para a forma simples, prevista
no caput do dispositivo legal mencionado.

10) Não se aplica o princípio da consunção quando os delitos de posse ilegal de arma de
fogo e disparo de arma em via pública são praticados em momentos diversos e em
contextos distintos.

11) A simples conduta de possuir ou de portar arma, acessório ou munição é suficiente para
a configuração dos delitos previstos nos arts. 12, 14 e 16 da Lei 10.826/2003, sendo
inaplicável o princípio da insignificância.

12) Independentemente da quantidade de arma de fogo, de acessórios ou de munição, não


é possível a desclassificação do crime de tráfico internacional de arma de fogo (art. 18
da Lei de Armas) para o delito de contrabando (art. 334-A do Código Penal), em respeito
ao princípio da especialidade.

13) O simples fato de possuir ou portar munição caracteriza os delitos previstos nos arts. 12,
14 e 16 da Lei 10.826/2003, por se tratar de crime de perigo abstrato e de mera conduta,
sendo prescindível a demonstração de lesão ou de perigo concreto ao bem jurídico
tutelado, que é a incolumidade pública.

14) A apreensão de ínfima quantidade de munição desacompanhada de arma de fogo,


excepcionalmente, a depender da análise do caso concreto, pode levar ao
reconhecimento de atipicidade da conduta, diante da ausência de exposição de risco ao
bem jurídico tutelado pela norma.

15) Demonstrada por laudo pericial a inaptidão da arma de fogo para o disparo, é atípica a
conduta de portar ou de possuir arma de fogo, diante da ausência de afetação do bem
jurídico incolumidade pública, tratando-se de crime impossível pela ineficácia absoluta
do meio.

16) A conduta de possuir, portar, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo, seja de uso
permitido, restrito ou proibido, com numeração, marca ou qualquer outro sinal de
identificação raspado, suprimido ou adulterado, implica a condenação pelo crime
estabelecido no art. 16, parágrafo único, IV, do Estatuto do Desarmamento.

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17) O crime de comércio ilegal de arma de fogo, acessório ou munição (art. 17 da Lei
10.826/2003) é delito de tipo misto alternativo e de perigo abstrato, bastando para sua
caracterização a prática de um dos núcleos do tipo penal, sendo prescindível a
demonstração de lesão ou de perigo concreto ao bem jurídico tutelado, que é a
incolumidade pública.

18) O delito de comércio ilegal de arma de fogo, acessório ou munição, tipificado no art. 17,
caput e parágrafo único, da Lei de Armas, nunca foi abrangido pela abolitio criminis
temporária prevista nos arts. 5º, § 3º, e 30 da Lei de Armas ou nos diplomas legais que
prorrogaram os prazos previstos nos referidos dispositivos.

19) Compete à Justiça Federal o julgamento do crime de tráfico internacional de arma de


fogo, acessório ou munição, em razão do que dispõe o art. 109, inciso V, da Constituição
Federal, haja vista que este crime está inserido em tratado internacional de que o Brasil
é signatário.

20) O crime de tráfico internacional de arma de fogo, acessório ou munição, tipificado no art.
18 da Lei 10.826/03, é de perigo abstrato ou de mera conduta e visa a proteger a
segurança pública e a paz social.

21) Para a configuração do tráfico internacional de arma de fogo, acessório ou munição não
basta apenas a procedência estrangeira do artefato, sendo necessário que se comprove
a internacionalidade da ação.

22) É típica a conduta de importar arma de fogo, acessório ou munição sem autorização da
autoridade competente, nos termos do art. 18 da Lei 10.826/2003, mesmo que o réu
detenha o porte legal da arma, em razão do alto grau de reprovabilidade da conduta.

23) É atípica a conduta de colecionador, com registro para a prática desportiva e guia de
tráfego, que se dirigia ao clube de tiros sem portar consigo a guia de trânsito da arma de
fogo. STJ. 5ª Turma. AgRg no AgRg no RHC 148.516-SC, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik,
julgado em 09/08/2022 (Info 753).

Como o tema foi cobrado em concurso?


(TJ-RS - Juiz - FAURGS - 2022): Sobre os crimes de posse e porte ilegais
de armas de fogo, considerando a jurisprudência dos Tribunais Superiores, é
correto afirmar que são leis ou normas penais em branco. Correto.

(PC-PR - Delegado - NC-UFPR - 2021): A comprovação da


internacionalidade da ação é dispensável para a configuração do tráfico
internacional de arma de fogo, acessório ou munição, bastando que se
comprove a procedência estrangeira do artefato. Errado.

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