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LEI MARIA DA PENHA (LEI 11.

340/2006)
APRESENTAÇÃO................................................................................................................................ 4
1. FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL E CONVENCIONAL ......................................................... 5
2. ORIGEM DA LEI MARIA DA PENHA .......................................................................................... 5
3. FINALIDADES DA LEI MARIA DA PENHA ................................................................................. 6
4. INAPLICABILIDADE DA LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS ÀS INFRAÇÕES
PENAIS PRATICADAS COM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER ......... 7
5. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA .............................................................................................. 7
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA X PRINCÍPIO DA BAGATELA IMPRÓPRIA ............... 8
6. INTERPRETAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA .......................................................................... 9
7. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER .................................................. 9
PRESSUPOSTOS PARA APLICAÇÃO DA LEI ................................................................... 9
7.1.1. Vítima mulher ............................................................................................................... 10
7.1.2. Presença alternativa de um dos incisos do art. 5º ...................................................... 10
7.1.3. Prática da violência ...................................................................................................... 10
SUJEITO PASSIVO ............................................................................................................ 11
7.2.1. Mulher exclusivamente ................................................................................................ 11
7.2.2. Aplicação ao homem ................................................................................................... 11
7.2.3. Aplicação ao transexual ............................................................................................... 12
7.2.4. Violência de gênero ..................................................................................................... 12
SUJEITO ATIVO ................................................................................................................. 15
ELEMENTO SUBJETIVO ................................................................................................... 15
ÂMBITO DA UNIDADE DOMÉSTICA ................................................................................ 15
ÂMBITO FAMILIAR ............................................................................................................. 16
QUALQUER RELAÇÃO ÍNTIMA DE AFETO ..................................................................... 16
FORMAS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER .............................................................. 17
7.8.1. Violência física ............................................................................................................. 18
7.8.2. Violência psicológica.................................................................................................... 18
7.8.3. Violência sexual ........................................................................................................... 19
7.8.4. Violência patrimonial .................................................................................................... 19
7.8.5. Violência moral............................................................................................................. 19
8. MEDIDAS DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA DURANTE A PANDEMIA DA
COVID-19 ........................................................................................................................................... 19
SERVIÇOS DE ATENDIMENTO A ESSAS PESSOAS SÃO CONSIDERADOS
ESSENCIAIS .................................................................................................................................. 20
PODER PÚBLICO DEVERÁ ADOTAR MEDIDAS PARA GARANTIR O ATENDIMENTO
PRESENCIAL ................................................................................................................................. 21
REALIZAÇÃO PRIORITÁRIA DO EXAME DE CORPO DE DELITO ................................ 22
DISPONIBILIZAÇÃO DE CANAIS DE COMUNICAÇÃO ................................................... 22
CONCESSÃO DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA DE FORMA ELETRÔNICA
23
PRORROGAÇÃO AUTOMÁTICA DAS MEDIDAS PROTETIVAS .................................... 23
DENÚNCIAS RECEBIDAS DEVERÃO SER REPASSADAS PARA OS ÓRGÃOS
COMPETENTES ............................................................................................................................ 23
AUTORIDADE DE SEGURANÇA PÚBLICA DEVERÁ ASSEGURAR ATENDIMENTO
ÁGIL 24
REALIZAÇÃO DE CAMPANHAS INFORMATIVAS ........................................................... 24
9. ATENDIMENTO PELA AUTORIDADE POLICIAL ..................................................................... 24

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10. JUIZADOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER ................... 25
CUMULAÇÃO DA COMPETÊNCIA POR VARAS CRIMINAIS ......................................... 26
ESTUPRO DE VULNERÁVEL PRATICADO POR PAI CONTRA FILHA .......................... 27
CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA PRATICADOS NO CONTEXTO DA VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER ........................................................................ 28
DEPOIMENTO ESPECIAL DE MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E
FAMILIAR OU DE TESTEMUNHA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, QUANDO SE TRATAR DE
CRIME CONTRA A MULHER ........................................................................................................ 28
11. AÇÃO PENAL NOS CRIMES DE LESÃO CORPORAL LEVE E LESÃO CORPORAL
CULPOSA PRATICADOS NO CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA
A MULHER ......................................................................................................................................... 29
RETRATAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO NOS CRIMES PRATICADOS NO CONTEXTO
DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER .............................................. 31
12. VEDAÇÃO À APLICAÇÃO DE CESTA BÁSICA OU OUTRAS DE PRESTAÇÃO
PECUNIÁRIA ..................................................................................................................................... 32
13. (IM)POSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR
RESTRITIVA DE DIREITOS.............................................................................................................. 32
14. MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA ............................................................................. 32
APLICAÇÃO A PESSOAS DO SEXO MASCULINO ......................................................... 34
APLICAÇÃO DAS MEDIDAS SEM TIPIFICAÇÃO ............................................................. 34
(IN)APLICABILIDADE DO ART. 308 DO CPC ÀS MEDIDAS PROTETIVAS DE
URGÊNCIA ..................................................................................................................................... 34
APLICAÇÃO DE MEDIDAS PROTETIVAS PELA AUTORIDADE POLICIAL ................... 35
REGISTRO DA MEDIDA PROTETIVA ............................................................................... 37
ESPÉCIES ........................................................................................................................... 37
14.6.1. Medidas que obrigam o agressor ................................................................................ 38
14.6.2. Medidas destinadas à vítima ....................................................................................... 41
PRISÃO PREVENTIVA ....................................................................................................... 44
14.7.1. (In)constitucionalidade da decretação da prisão preventiva ex officio durante as
investigações .............................................................................................................................. 44
14.7.2. Descumprimento injustificado das medidas protetivas e tipificação do crime de
desobediência ............................................................................................................................. 45
15. CRIME DE DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA ................ 46
CONSIDERAÇÕES INICIAIS.............................................................................................. 46
SUJEITO ATIVO ................................................................................................................. 47
15.2.1. Homem ou mulher........................................................................................................ 47
15.2.2. Partícipes ..................................................................................................................... 48
SUJEITO PASSIVO ............................................................................................................ 48
TIPO OBJETIVO ................................................................................................................. 48
TIPO SUBJETIVO ............................................................................................................... 48
INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA .................................................................... 48
CONSUMAÇÃO .................................................................................................................. 49
TENTATIVA ......................................................................................................................... 49
AÇÃO PENAL...................................................................................................................... 49
HABEAS CORPUS ............................................................................................................. 49
COMPETÊNCIA .................................................................................................................. 49
FIANÇA................................................................................................................................ 51
DEMAIS SANÇÕES ............................................................................................................ 52
APLICAÇÃO DA LEI 9.099/95 ............................................................................................ 52

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NOVATIO LEGIS IN PEJUS ............................................................................................... 54
16. JURISPRUDÊNCIA EM TESE ............................................................................................... 54

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APRESENTAÇÃO

Olá!

Inicialmente gostaríamos de agradecer a confiança em nosso material. Esperamos que seja


útil na sua preparação, em todas as fases. Quanto mais contato temos com uma mesma fonte de
estudo, mais familiarizados ficamos, o que ajuda na memorização e na compreensão da matéria.

O Caderno Legislação Penal Especial possui como base as aulas do professor Renato
Brasileiro.

Dois livros foram utilizados para complementar nosso CS de Legislação Penal Especial: a)
Legislação Criminal para Concursos (Fábio Roque, Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar),
ano 2021 e b) Legislação Criminal Comentada (Renato Brasileiro), ano 2022, ambos da Editora
Juspodivm.

Na parte jurisprudencial, utilizamos os informativos do site Dizer o Direito


(www.dizerodireito.com.br), os livros: Principais Julgados STF e STJ Comentados, Vade Mecum de
Jurisprudência Dizer o Direito, Súmulas do STF e STJ anotadas por assunto (Dizer o Direito).
Destacamos: é importante você se manter atualizado com os informativos, reserve um dia da
semana para ler no site do Dizer o Direito.

Ademais, no Caderno constam os principais artigos da lei, mas, ressaltamos, que é


necessária leitura conjunta do seu Vade Mecum, muitas questões são retiradas da legislação.

Como você pode perceber, reunimos em um único material diversas fontes (aulas + doutrina
+ informativos + súmulas + lei seca + questões) tudo para otimizar o seu tempo e garantir que você
faça uma boa prova.

Por fim, como forma de complementar o seu estudo, não esqueça de fazer questões. É muito
importante! As bancas costumam repetir certos temas.

Vamos juntos! Bons estudos!

Equipe Cadernos Sistematizados.

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1. FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL E CONVENCIONAL

A ideia de coibir a violência contra a mulher pode ser extraída da própria Constituição
Federal, nos termos do seu art. 226, § 8º, o qual garante a criação de mecanismos com o intuito de
coibir a violência no âmbito familiar:

Art. 226, § 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada


um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no
âmbito de suas relações.

Igualmente, vários tratados internacionais foram criados de modo a dar uma maior proteção
a mulher:

1) 1975: I Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada na cidade do México, a qual deu
origem à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra
as Mulheres, que foi promulgada pelo Brasil através do Decreto 4.377/2002;

2) 1980: II Conferência Mundial Sobre a Mulher, realizada na Dinamarca;

3) 1985: III Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada no Quênia;

4) 1994: Convenção de Belém do Pará, também chamada de Convenção Interamericana


para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Doméstica, incorporada pelo Decreto
1.973/96. A questão é tratada como um problema de saúde pública.

Obs.: a doutrina chama de processo de especificação do sujeito do


direito quando há um sistema geral, voltado à proteção de direitos
humanos de toda a coletividade, mas com o passar dos anos chega-
se à conclusão de que há necessidade de uma maior proteção a
grupos discriminados, a exemplo de crianças, idosos, mulheres,
portadores de necessidades especiais.

2. ORIGEM DA LEI MARIA DA PENHA

A Lei Maria da Penha entrou em vigor apenas em 22 de setembro de 2006, apesar das
diversas Convenções Internacionais que tratavam de violência doméstica.

Recebeu este nome em razão da vítima Maria da Penha Maia Fernandes que, em 29 de
maio de 1983, enquanto dormia, foi atingida com um disparo de arma de fogo, desferido pelo seu
então marido, ficando paraplégica. Contudo, a violência não cessou, uma semana após o fato,
sofreu nova violência (descarga elétrica enquanto tomava banho). Em 28 de setembro de 1984, o
agressor foi denunciado, mas sua prisão somente aconteceu em 2002, dezenove anos após as
duas tentativas de homicídio.

Diante da inércia do Estado Brasileiro, o caso foi levado à Comissão Interamericana de


Direitos Humanos, que proferiu o seguinte:

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Relatório 54/2001: A ineficácia judicial, a impunidade e a impossibilidade de
a vítima obter uma reparação mostra a falta de cumprimento do compromisso
assumido pelo Brasil de reagir adequadamente ante a violência doméstica.

Assim, 5 anos após o relatório, foi editada a Lei Maria da Penha.

3. FINALIDADES DA LEI MARIA DA PENHA

Inicialmente, destaca-se que a Lei 11.340/2006 possui inúmeras finalidades. Não se trata de
uma Lei estritamente penal, pois possui dispositivos relacionados à segurança pública, cria
mecanismos de proteção à mulher, traz elementos de natureza cível, por isso se diz que é uma Lei
multidisciplinar.

A simples leitura do seu art. 1º consagra o entendimento acima:

Art. 1o Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência


doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da
Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas
de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir,
Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados
internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a
criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher;
e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em
situação de violência doméstica e familiar.

Assim, pode-se concluir que as finalidades da Lei Maria da Penha são:

1) Criação de mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a


mulher;

2) Criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher;

3) Estabelecer medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência


doméstica e familiar.

Obs.: no presente CS serão estudados apenas os aspectos penais da


Lei Maria da Penha. Destaca-se que a Lei traz, ainda, aspectos cíveis
(fixação de alimentos provisórios), bem como trabalhistas
(manutenção do vínculo trabalhista).

Como o tema foi cobrado em concurso?


(PC-BA - Delegado - IBFC - 2022): A Lei Maria da Penha cria mecanismos
para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos
termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e
de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do
Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar

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contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres
em situação de violência doméstica e familiar. Correto.

4. INAPLICABILIDADE DA LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS ÀS INFRAÇÕES


PENAIS PRATICADAS COM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

O art. 41 da Lei Maria da Penha afirma que a Lei 9.099/95 não é aplicada:

Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a
mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099,
de 26 de setembro de 1995.

O STF entende que abrange crimes e contravenções penais.

Em relação à inconstitucionalidade do art. 41, há 2 correntes:

1) 1ª corrente (superada): o art. 41 é inconstitucional, pois estabelece tratamento desigual.

2) 2ª corrente (entendimento atual do STF): o art. 41 é constitucional, considerando-se


as desigualdades que as mulheres enfrentam.

Entende-se que a promoção da igualdade entre os sexos passa não apenas pelo combate
à discriminação contra a mulher, mas também pela adoção de políticas compensatórias capazes
de acelerar a igualdade de gênero.

5. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Não se aplica o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais praticadas


contra a mulher no âmbito das relações domésticas, nos termos da Súmula 589 do STJ.

Os delitos praticados com violência contra a mulher, devido à expressiva ofensividade,


periculosidade social, reprovabilidade do comportamento e lesão jurídica causada, perdem a
característica da bagatela e devem submeter-se ao direito penal.

Assim, o STJ e o STF não admitem a aplicação dos princípios da insignificância aos crimes
e contravenções praticados com violência ou grave ameaça contra a mulher, no âmbito das relações
domésticas, dada a relevância penal da conduta.

Surgiu uma tese defensiva afirmando que se o casal se reconciliasse durante o curso do
processo criminal, o juiz poderia absolver o réu com base no chamado “princípio da bagatela
imprópria”. Essa tese é aceita pelos Tribunais Superiores?

NÃO. Assim como ocorre com o princípio da insignificância, também não se admite a
aplicação do princípio da bagatela imprópria para os crimes ou contravenções penais praticadas
contra mulher no âmbito das relações domésticas, tendo em vista a relevância do bem jurídico
tutelado (STJ. 6ª Turma. AgInt no HC 369.673/MS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em
14/02/2017).

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O fato de o casal ter se reconciliado ou de a vítima ter perdoado não importará na absolvição
do réu. Nesse sentido:

O princípio da bagatela imprópria não tem aplicação aos delitos praticados


com violência à pessoa, no âmbito das relações domésticas, dada a
relevância penal da conduta, não implicando a reconciliação do casal em
desnecessidade da pena. STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1463975/MS, Rel.
Min. Nefi Cordeiro, julgado em 09/08/2016.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(PC-PR - Delegado - NC-UFPR - 2021): Não é possível a aplicação do
princípio da insignificância nos delitos praticados com violência ou grave
ameaça no âmbito das relações domésticas e familiares contra a mulher.
Correto.

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA X PRINCÍPIO DA BAGATELA IMPRÓPRIA 1

Não se pode confundir o princípio da insignificância com a chamada “infração bagatelar


imprópria”.

Segundo o doutrinador Luiz Flávio Gomes, infração bagatelar imprópria é aquela que nasce
relevante para o Direito penal, mas depois se verifica que a aplicação de qualquer pena no caso
concreto apresenta-se totalmente desnecessária.

Em outras palavras, o fato é típico, tanto do ponto de vista formal como material. No entanto,
em um momento posterior à sua prática, percebe-se que não é necessária a aplicação da pena.
Logo, a reprimenda não deve ser imposta, deve ser relevada (assim como ocorre nos casos de
perdão judicial).

Ainda consoante o doutrinador, a infração bagatelar imprópria possui um fundamento legal


no direito brasileiro. Trata-se do art. 59 do CP, que prevê que o juiz deverá aplicar a pena “conforme
seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime”.

Dessa forma, se a pena não for mais necessária, ela não deverá ser imposta (princípio da
desnecessidade da pena conjugado com o princípio da irrelevância penal do fato).

Nesse liame, já existem vários exemplos de infração bagatelar imprópria:

1) No crime de peculato culposo, a reparação dos danos antes da sentença irrecorrível


extingue a punibilidade. Assim, havendo a reparação, a infração torna-se bagatelar (em
sentido impróprio) e a pena desnecessária. No princípio havia desvalor da ação e do
resultado. Mas depois, em razão da reparação dos danos (circunstância post-factum),
torna-se desnecessária a pena;

2) Pagamento do tributo nos crimes tributários;

1 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Não se aplica o princípio da insignificância. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em:
<https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/edb947f2bbceb132245fdde9c59d3f59>. Acesso em: 28/12/2022.

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3) Colaboradores da justiça (delator etc.) quando o juiz deixa de aplicar a pena.

Para melhor visualização das diferenças entre os princípios, elaborou-se o quadro


comparativo abaixo:

INFRAÇÃO BAGATELAR IMPRÓPRIA =


INFRAÇÃO BAGATELAR PRÓPRIA =
PRINCÍPIO DA IRRELEVÂNCIA PENAL DO
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
FATO
A situação nasce penalmente relevante.

A situação já nasce atípica. O fato é típico do ponto vista formal e material.

O fato é atípico por atipicidade material. Em virtude de circunstâncias envolvendo o fato


e o seu autor, constata-se que a pena se tornou
desnecessária.
O agente tem que ser processado (a ação
penal deve ser iniciada) e somente após a
O agente não deveria nem mesmo ser
análise das peculiaridades do caso concreto, o
processado já que o fato é atípico.
juiz poderia reconhecer a desnecessidade da
pena.
Não tem previsão legal no direito brasileiro. Está previsto no art. 59 do CP.

Portanto, nem o princípio da insignificância nem o princípio da bagatela imprópria são


aplicados aos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações
domésticas.

6. INTERPRETAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA

A Lei 11.340/2006 foi pensada para proteger a mulher em um cenário de violência doméstica
e familiar. Assim, obviamente, deve ser interpretada levando em consideração as condições
peculiares da mulher e os fins sociais a que se destina, nos termos do art. 4º:

Art. 4o Na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que


ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em
situação de violência doméstica e familiar.

7. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

A Lei 11.340/2006 regulamentou o tratamento que deve ser dado quando ocorrer violência
doméstica e familiar contra a mulher. Contudo, não é toda violência que poderá ser caracterizada
como doméstica e familiar contra mulher.

PRESSUPOSTOS PARA APLICAÇÃO DA LEI

Há, ao menos, 3 pressupostos cumulativos que podem ser elencados para que seja possível
aplicar a Lei Maria da Penha, sendo eles:

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7.1.1. Vítima mulher

A vítima (sujeito passivo) deve ser necessariamente mulher. Trata-se de violência de gênero.

7.1.2. Presença alternativa de um dos incisos do art. 5º

A violência deve ser praticada em um dos contextos do art. 5º da Lei Maria da Penha:

Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e (OU) familiar
contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause
morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou
patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de


convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as
esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por


indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais,
por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou


tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem


de orientação sexual.

Obs.: a violência pode ser doméstica (inciso I) OU familiar. Não é


cumulativo. Os incisos do art. 5º são alternativos.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(PC-SE - Delegado - CESPE - 2020): A violência doméstica e familiar pode
ser caracterizada tanto por ação quanto por omissão. Correto.

7.1.3. Prática da violência

O art. 7º da Lei Maria da Penha lista, pelo menos, 5 formas de violência:

1) Física;

2) Patrimonial;

3) Sexual;

4) Moral;

5) Psicológica.

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Como o tema foi cobrado em concurso?
(DPE-MT - Defensor - FCC - 2022): De acordo com a Lei Maria da Penha,
configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou
omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico,
sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, no âmbito da família,
compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se
consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por
vontade expressa. Correto.

SUJEITO PASSIVO

7.2.1. Mulher exclusivamente

Trata-se, exclusivamente, da mulher (esposa, amante, namorada, mãe, avó, sogra, irmã)
que se encontra em situação de vulnerabilidade.

Destaca-se que o STJ reconheceu que uma figura pública também pode ser vítima de
violência doméstica e familiar, consoante o Info 539:

O fato de a vítima ser figura pública renomada não afasta a competência do


Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher para processar e
julgar o delito. Isso porque a situação de vulnerabilidade e de hipossuficiência
da mulher, envolvida em relacionamento íntimo de afeto, revela-se ipso facto,
sendo irrelevante a sua condição pessoal para a aplicação da Lei Maria da
Penha. Trata-se de uma presunção da Lei. STJ. 5ª Turma. REsp 1.416.580-
RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 01/04/2014.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(PC-MG - Delegado - FUMARC - 2021): Sob a perspectiva de uma
interpretação conforme a Constituição, sem redução de texto, a Lei Maria da
Penha pode ser considerada adequada ao modelo constitucional, se a
proteção por ela trazida destinar-se, igualmente, aos homens do núcleo
familiar. Errado.

7.2.2. Aplicação ao homem

Sustentava-se, inicialmente, a inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha, eis que confere


um tratamento diferenciado entre homens e mulheres.

Conforme visto acima, a aplicação da lei é constitucional e é exclusiva às mulheres. Assim,


havendo violência doméstica e familiar contra o homem deve ser aplicado o Código Penal (art. 129,
§ 9º):

Art. 129, § 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão,


cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda,
prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de
hospitalidade:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

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Como o tema foi cobrado em concurso?
(PC-MG - Delegado - FUMARC - 2021): É considerado constitucional o
tratamento diferenciado entre os gêneros – mulher e homem –, no que diz
respeito à necessária proteção ante as peculiaridades física e moral da
mulher e a cultura brasileira. Correto.

7.2.3. Aplicação ao transexual

Conforme posicionamento do STJ no Info 732, a Lei 11.340/2006 (Maria da Penha) é


aplicável às mulheres trans em situação de violência doméstica:

Uma mulher trans é uma pessoa que nasceu com o sexo físico masculino,
mas que se identifica como uma pessoa do gênero feminino. O conceito de
sexo está relacionado aos aspectos biológicos que servem como base para
a classificação de indivíduos entre machos, fêmeas e intersexuais. Utilizamos
a palavra gênero quando queremos tratar do conjunto de características
socialmente atribuídas aos diferentes sexos. Muitas vezes, uma pessoa pode
se identificar com um conjunto de características não alinhado ao seu sexo
designado. Ou seja, é possível nascer do sexo masculino, mas se identificar
com características tradicionalmente associadas ao que culturalmente se
atribuiu ao sexo feminino e vice-versa, ou então, não se identificar com
gênero algum. STJ. 6ª Turma. REsp 1977124/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti
Cruz, julgado em 5/4/2022 (Info 732).

Para o STJ, o alcance do art. 5º da Lei 11.340/2006 passa necessariamente pelo


entendimento do conceito de gênero, que não se confunde com o conceito de sexo biológico.

O elemento diferenciador da abrangência da Lei 11.340/2006 é o gênero feminino. Acontece


que o sexo biológico e a identidade subjetiva nem sempre coincidem. Nesta ótica, a Lei deve ser
dilatada para abranger esses casos, como a situação dos transgêneros, os quais tenham identidade
com o gênero feminino.

Outrossim, importante consignar que o STF, no julgamento da ADI 4275 e do RE 670.422,


reconheceu aos transgêneros e aos transexuais, independentemente da cirurgia de
transgenitalização, ou da realização de tratamentos hormonais ou patologizantes, o direito à
alteração de prenome e gênero diretamente no registro civil.

Diante disso, parte da doutrina sustenta que na eventualidade de um transgênero (ou


transexual) proceder à alteração de seu gênero diretamente no registro civil, identificando-se, a
partir de então, como mulher, poderá ser sujeito passivo da violência doméstica e familiar prevista
na Lei Maria da Penha.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(DPE-AP - Defensor - FCC - 2022): Elis, mulher transexual, sofreu violência
física e psicológica praticada por seu pai. Em razão disso, ela procurou a
Defensoria Pública para adoção das medidas cabíveis. De acordo com o
Superior Tribunal de Justiça, aplica-se a Lei Maria da Penha inclusive para
postular as medidas protetivas de urgência em favor da vítima. Correto.

7.2.4. Violência de gênero

LEI MARIA DA PENHA 2023.1 12

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Não é toda e qualquer violência contra a mulher que irá gerar a aplicação da Lei Maria da
Penha, apenas a violência perpetrada em razão do gênero.

Segundo Renato Brasileiro, o objetivo da Lei Maria da Penha não foi o de conferir uma
proteção indiscriminada a toda e qualquer mulher, mas apenas àquelas que efetivamente se
encontrarem em uma situação de vulnerabilidade. É indispensável, portanto, que a vítima esteja em
uma situação de hipossuficiência física ou econômica e que a infração tenha como motivação a
opressão à mulher. Ausente esta violência de gênero, não se aplica a Lei Maria da Penha.

Nesse sentido:

HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO


PREVISTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO. 1. NÃO CABIMENTO.
MODIFICAÇÃO DE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. RESTRIÇÃO
DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. EXAME EXCEPCIONAL QUE VISA
PRIVILEGIAR A AMPLA DEFESA E O DEVIDO PROCESSO LEGAL. 2.
AMEAÇA. SOGRA E NORA. 3. COMPETÊNCIA. INAPLICABILIDADE. LEI
MARIA DA PENHA. ABRANGÊNCIA DO CONCEITO DE VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA E FAMILIAR. DIVERGÊNCIA DOUTRINÁRIA.
INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. VIOLÊNCIA DE GÊNERO. RELAÇÃO DE
INTIMIDADE AFETIVA. 4. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL
CRIMINAL 5. ORDEM NÃO CONHECIDA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO
DE OFÍCIO. (...) 2. A incidência da Lei n.º 11.340/2006 reclama situação
de violência praticada contra a mulher, em contexto caracterizado por
relação de poder e submissão, praticada por homem ou mulher sobre
mulher em situação de vulnerabilidade. Precedentes. 3. No caso não se
revela a presença dos requisitos cumulativos para a incidência da Lei n.º
11.340/06, a relação íntima de afeto, a motivação de gênero e a situação de
vulnerabilidade. Concessão da ordem. 4. Ordem não conhecida. Habeas
corpus concedido de ofício, para declarar competente para processar e julgar
o feito o Juizado Especial Criminal da Comarca de Santa Maria/RS.
(HC 175.816/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA
TURMA, julgado em 20/06/2013, DJe 28/06/2013).

Como o tema foi cobrado em concurso?


(DPE-MS - Defensor - FGV - 2022): Em relação ao sistema protetivo da Lei
Maria da Penha, é desnecessária a demonstração específica da subjugação
feminina para sua aplicação. Correto.

A fim de complementar o CS, colaciona-se, a seguir, quadro-resumo com algumas situações


que têm incidência da Lei Maria da Penha2:

VIOLÊNCIA PRATICADA POR... É POSSÍVEL?

FILHO CONTRA A MÃE SIM


A Lei Maria da Penha aplica-se também nas relações de parentesco. HC 290.650/MS
FILHA CONTRA A MÃE SIM
Relembre-se que o agressor pode ser também mulher. HC 277.561/AL

2 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Constatada situação de vulnerabilidade, aplica-se a Lei Maria da Penha no caso de violência do
neto praticada contra a avó. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em:
<https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/dce4eef05fb6a56fa54b1a36e6b1fce7>. Acesso em: 28/12/2022.

LEI MARIA DA PENHA 2023.1 13

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SIM
PAI CONTRA A FILHA HC 178.751/RS
SIM
NETO CONTRA A AVÓ AgRg no AREsp
1.626.825/GO
IRMÃO CONTRA IRMÃ SIM
Obs.: ainda que não morem sob o mesmo teto. HC 175.816/RS
SIM
GENRO CONTRA SOGRA
RHC 50.847/BA
NORA CONTRA A SOGRA
Desde que estejam presentes os requisitos de relação íntima de afeto, SIM
HC 175.816/RS
motivação de gênero e situação de vulnerabilidade. Ausentes, não se aplica.
COMPANHEIRO DA MÃE (“PADRASTO”) CONTRA A ENTEADA
Obs.: a agressão foi motivada por discussão envolvendo o relacionamento SIM
amoroso que o agressor possuía com a mãe da vítima (relação íntima de RHC 42.092/RJ
afeto).
TIA CONTRA SOBRINHA
A tia possuía, inclusive, a guarda da criança (do sexo feminino), que tinha 4 SIM
HC 250.435/RJ
anos.
EX-NAMORADO CONTRA A EX-NAMORADA
Vale ressaltar, porém, que não é qualquer namoro que se enquadra na Lei SIM
Maria da Penha. Se o vínculo é eventual, efêmero, não incide a Lei 11.340/06 HC 182.411/RS
(CC 91.979-MG).
FILHO CONTRA PAI IDOSO NÃO
O sujeito passivo (vítima) não pode ser do sexo masculino. RHC 51.481/SC

Por fim, destaca-se o seguinte entendimento do STJ:

Apesar de haver decisões em sentido contrário, prevalece o entendimento


de que a hipossuficiência e a vulnerabilidade, necessárias à
caracterização da violência doméstica e familiar contra a mulher, são
presumidas pela Lei nº 11.340/2006. A mulher possui na Lei Maria da Penha
uma proteção decorrente de direito convencional de proteção ao gênero
(tratados internacionais), que o Brasil incorporou em seu ordenamento,
proteção essa que não depende da demonstração de concreta fragilidade,
física, emocional ou financeira. Ex: agressão feita por um homem contra a
sua namorada, uma Procuradora da AGU, que possuía autonomia financeira
e ganhava mais que ele. STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 620.058/DF, Rel.
Min. Jorge Mussi, julgado em 14/03/2017.STJ. 6ª Turma. AgRg no RHC
74.107/SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 15/09/2016.

LEI MARIA DA PENHA 2023.1 14

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Como o tema foi cobrado em concurso?
(PC-GO - Delegado - Instituto AOCP - 2022): A violência cometida por ex-
namorado, quando evidenciado ter havido relacionamento afetivo com a
vítima, não necessariamente atrai a aplicação da Lei Maria da Penha, pela
ausência de contemporaneidade. Errado.

(MPE-AC - Promotor - CESPE - 2022): Considerando a jurisprudência do


STJ acerca da Lei n.º 11.340/2006, é possível a aplicação dos dispositivos da
Lei Maria da Penha à violência praticada por irmão contra irmã, ainda que
eles não residam mais sob o mesmo teto. Correto.

(PC-RJ - Delegado - CESPE - 2022): No dia 16 de janeiro de 2021, por volta


das 03:45 h, no interior de uma boate situada na Zona Sul do Rio de Janeiro,
João ofendeu a integridade física de Simone, tendo-lhe desferido um soco no
rosto, o que causou lesões corporais nela. A vítima e o agressor haviam
mantido um relacionamento amoroso no passado, cerca de dois anos antes
da data da agressão, a qual fora motivada por questões ligadas ao término
do relacionamento. Com relação a essa situação hipotética, a agressão
citada, por ter ocorrido em decorrência do relacionamento entre vítima e
agressor, apesar de tal vínculo ter cessado, caracteriza violência doméstica,
conforme hipótese prevista no inciso III do art. 5.º da Lei n.º 11.340/2006.
Correto.

(MPDFT - Promotor - MPDFT- 2021): Não é possível a aplicação da Lei


Maria da Penha nas relações entre mãe e filha, desde que esteja presente o
estado de vulnerabilidade caracterizado por uma relação de poder e
submissão. Errado.

SUJEITO ATIVO

O agressor pode ser tanto um homem quanto uma mulher, nos termos do art. 5º, parágrafo
único, da Lei 11.340/2006:

Art. 5º, Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo


independem de orientação sexual.

ELEMENTO SUBJETIVO

Para fins de incidência da Lei Maria da Penha, a conduta desenvolvida pelo agente deve ser
movida pelo dolo exclusivamente. Assim, eventuais condutas culposas não caracterizam violência
doméstica e familiar contra a mulher.

ÂMBITO DA UNIDADE DOMÉSTICA

O inciso I da Lei Maria da Penha traz o conceito de violência no âmbito da unidade


doméstica, vejamos:

Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar


contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause

LEI MARIA DA PENHA 2023.1 15

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morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou
patrimonial:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de
convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as
esporadicamente agregadas.

Nota-se que a Lei faz referência a qualquer ação ou omissão. Assim, a violência poderá
ocorrer mesmo que não haja crime ou contravenção penal.

Ademais, não é necessária a caracterização do vínculo familiar. Por isso, por exemplo, a Lei
será aplicada aos casos em que a empregada doméstica for vítima de violência. Leva-se em
consideração o aspecto espacial, ou seja, o local em que a violência é perpetrada.

Exige-se convívio permanente entre as pessoas. Desse modo, por exemplo, a agressão de
uma decoradora ou diarista não iria incidir a Lei Maria da Penha, pois não há um espaço de convívio
permanente.

ÂMBITO FAMILIAR

Art. 5º, II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada


por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços
naturais, por afinidade ou por vontade expressa.

O inciso II traz um conceito legal de família, segundo Maria Berenice Dias.

Destaca-se que a violência praticada em âmbito familiar independe do local, ou seja, não
precisa ser praticada no âmbito da unidade doméstica. Ademais, não exige coabitação.

Em relação à expressão “aparentados”, tem-se como exemplo: o pai e a filha; o marido e a


esposa; o genro e a sogra.

Obs.: não se pode acreditar que todo e qualquer crime envolvendo


relação entre parentes dê ensejo à aplicação da Lei Maria da Penha.
Nesse sentido, o Info 524 do STJ:

É do juizado especial criminal – e não do juizado de violência doméstica e


familiar contra a mulher – a competência para processar e julgar ação penal
referente a suposto crime de ameaça (art. 147 do CP) praticado por nora
contra sua sogra na hipótese em que não estejam presentes os requisitos
cumulativos de relação íntima de afeto, motivação de gênero e situação
de vulnerabilidade. STJ. 5ª Turma. HC 175.816-RS, Rel. Min. Marco Aurélio
Bellizze, julgado em 20/6/2013.

QUALQUER RELAÇÃO ÍNTIMA DE AFETO

Art. 5º, III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva
ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Há doutrinadores que interpretam o inciso III de forma abrangente, incluindo relações de


amizades, de camaradagem. O professor Renato Brasileiro, por sua vez, possui posicionamento

LEI MARIA DA PENHA 2023.1 16

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divergente, tendo em vista que o inciso traz a expressão “íntima”, o que caracterizaria uma relação
de cunho sexual ou amorosa.

Nesse liame, tanto a amante quanto a namorada (ou ex-namorada) podem ser vítimas da
Lei Maria da Penha, a depender do caso concreto, de acordo com o entendimento atual do STJ.

Obs.: Convencionalidade do inciso III. Quando se estuda a violência


doméstica e familiar nas Convenções Internacionais, percebe-se que
há apenas 2 contextos de violência: âmbito da unidade doméstica e
âmbito da unidade familiar. O inciso III vai além, tendo em vista que
amplia para qualquer relação íntima de afeto. Por conta disso, alguns
doutrinadores afirmam que este inciso não passaria pelo controle de
convencionalidade. Tal entendimento, contudo, não prevalece, pois à
luz do princípio pro homine, quando houver um aparente conflito entre
o texto internacional e a lei interna do país, SEMPRE deve prevalecer
a norma que for mais favorável. No caso, o inciso III garante uma maior
proteção à mulher vítima de violência, razão pela qual prevalece no
ordenamento jurídico.

Novamente, destaca-se que não se exige coabitação:

Súmula 600 - Para a configuração da violência doméstica e familiar prevista


no artigo 5º da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) não se exige a
coabitação entre autor e vítima.

Além disso, entende o STJ (HC 542.828/AP), que nos casos em que a conduta delitiva está
vinculada à relação íntima de afeto mantida entre as partes, é irrelevante o lapso temporal da
dissolução do vínculo conjugal para se firmar a competência do Juizados Especiais de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher.

FORMAS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

As formas de violência contra a mulher encontram-se previstas no art. 7º da Lei Maria da


Penha:

Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre


outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua
integridade ou saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause
dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe
o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações,
comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento,
humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição
contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização,
exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe
cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja
a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada,
mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a

LEI MARIA DA PENHA 2023.1 17

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comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a
impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio,
à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem,
suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos
sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure
retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos
de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos
econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure
calúnia, difamação ou injúria.

As formas de violência devem ser praticadas a título de dolo. Além disso, não
necessariamente precisam tipificar infração penal.

Na Lei Maria da Penha, a palavra “violência” é utilizada em sentido amplo, não apenas como
violência física do CP. Nesse sentido, questiona-se: as formas de violência do art. 7º estão
previstas em um rol taxativo ou exemplificativo? Há 2 correntes:

1) 1ª corrente (minoritária): entende que as formas de violência do art. 7º estão previstas


em um rol taxativo, não se admitindo interpretação ampliativa.

2) 2ª corrente (majoritária): afirma que se trata de um rol exemplificativo, eis que visa uma
maior proteção à mulher.

Passa-se, então, a analisar cada um dos tipos de violência.

7.8.1. Violência física

Abrange qualquer conduta, desde vias de fato até o feminicídio, que ofenda a integridade ou
saúde corporal.

Ressalta-se que não é crime, mas sim uma forma de violência. Assim, não poderá ser
oferecida denúncia com base no art. 7º, I da Lei Maria da Penha. O juízo de tipicidade deve ser feito
com base no CP.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(MPE-CE - Promotor - CESPE - 2021): Conforme a Lei Maria da Penha,
caracteriza forma específica de violência doméstica e familiar contra a mulher
a destruição de seus objetos e instrumentos de trabalho, o que constitui
violência física. Errado.

7.8.2. Violência psicológica

É aquela entendida como qualquer conduta que cause danos emocionais, diminuição da
autoestima, ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou
controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça (é crime),
constrangimento (é crime), humilhação (em si, não é crime. É exemplo o adultério) , manipulação,
isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua
intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que
lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.

LEI MARIA DA PENHA 2023.1 18

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A violação da intimidade, a partir do advento da Lei 13.772/2018, passou a ser considerada
uma forma de violência contra a mulher. Cita-se, como exemplo, a divulgação de vídeos, fotos
íntimas da mulher.

7.8.3. Violência sexual

É aquela entendida como qualquer conduta que constranja a mulher a presenciar, a manter
ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da
força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça
de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à
prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o
exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos.

7.8.4. Violência patrimonial

É aquela entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição
parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e
direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades.

Indaga-se: é possível aplicar as imunidades absolutas e relativas (arts. 181 e 182 do CP)
aos crimes patrimoniais praticados no contexto da violência doméstica e familiar contra a mulher
sem o emprego de violência ou grave ameaça à pessoa? Há 2 correntes:

1) 1ª corrente (minoritária): segundo Maria Berenice Dias, não é possível aplicar.

2) 2ª corrente (majoritária): é possível, eis que não há proibição na Lei (uma vez que o
art. 181 do CP não proíbe).

Como o tema foi cobrado em concurso?


(MPE-CE - Promotor - CESPE - 2021): Conforme a Lei Maria da Penha,
caracteriza forma específica de violência doméstica e familiar contra a mulher
a retenção de seus documentos pessoais, o que constitui violência
patrimonial. Correto.

7.8.5. Violência moral

É aquela entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(MPE-SC - Promotor - MPE-SC - 2021): Os casos conhecidos como
revanche pornô – divulgação de fotos íntimas como forma de vingança – são
contemplados como violência moral na Lei Maria da Penha. Errado.

8. MEDIDAS DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA DURANTE A PANDEMIA


DA COVID-19

LEI MARIA DA PENHA 2023.1 19

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Em razão da brilhante didática, colaciona-se a explicação do Professor Márcio Cavalcante3.

No período de pandemia decorrente do novo coronavírus, foram impostas várias restrições,


dentre elas o chamado “isolamento social”. Por razões sociológicas que ainda precisam ser
estudadas, verificou-se que esse confinamento social gerou um aumento no número de casos de
violência doméstica e familiar contra as mulheres, crianças, adolescentes, idosos e pessoas com
deficiência.

Pensando nisso, foi editada a Lei 14.022/2020, que prevê medidas para enfrentamento da
violência doméstica e familiar contra essas pessoas durante a pandemia da Covid-19.

SERVIÇOS DE ATENDIMENTO A ESSAS PESSOAS SÃO CONSIDERADOS


ESSENCIAIS

O art. 3º da Lei 13.979/2020 prevê, em seus incisos, 9 medidas para enfrentamento do


coronavírus. Ex.: isolamento, quarentena, restrição excepcional e temporária da locomoção
interestadual ou intermunicipal, requisição de bens e serviços, entre outros.

O § 8º do art. 3º faz, contudo, uma ressalva e afirma que essas medidas previstas nos
incisos, quando adotadas, deverão resguardar o exercício e o funcionamento de serviços públicos
e atividades essenciais.

Os serviços públicos e atividades essenciais foram listados pelo Decreto 10.282/2020.

A Lei 14.022/2020 acrescentou um novo parágrafo ao art. 3º da Lei 13.979/2020, afirmando


que são essenciais os serviços e atividades voltados ao atendimento de:

1) Mulheres em situação de violência doméstica e familiar;

2) Crianças e adolescentes vítimas de crimes previstos no ECA ou no CP;

3) Pessoas idosas vítimas de crimes previstos no Estatuto do Idoso ou no CP;

4) Pessoas com deficiência vítimas de crimes previstos no Estatuto da Pessoa com


Deficiência ou no CP.

Verifica-se o dispositivo inserido:

Art. 3º, § 7º-C Os serviços públicos e atividades essenciais, cujo


funcionamento deverá ser resguardado quando adotadas as medidas
previstas neste artigo, incluem os relacionados ao atendimento a mulheres
em situação de violência doméstica e familiar, nos termos da Lei nº 11.340,
de 7 de agosto de 2006, a crianças, a adolescentes, a pessoas idosas e a
pessoas com deficiência vítimas de crimes tipificados na Lei nº 8.069, de 13
de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), na Lei nº 10.741,
de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), na Lei nº 13.146, de 6 de julho
de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), e no Decreto-Lei nº 2.848, de
7 de dezembro de 1940 (Código Penal).

3 Disponível em: https://www.dizerodireito.com.br/2020/07/lei-140222020-medidas-de-enfrentamento.html.

LEI MARIA DA PENHA 2023.1 20

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Para garantir que esse serviço essencial fosse mantido, foi acrescentado o art. 5º-A à Lei
13.979/2020 prevendo que:

1) Os prazos processuais, a apreciação de matérias, o atendimento às partes e a


concessão de medidas protetivas devem continuar normalmente;

2) O registro de ocorrências relacionadas com essas infrações penais poderá ser feito por
telefone ou meio eletrônico.

Art. 5º-A Enquanto perdurar o estado de emergência de saúde internacional


decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019:
I - os prazos processuais, a apreciação de matérias, o atendimento às partes
e a concessão de medidas protetivas que tenham relação com atos de
violência doméstica e familiar cometidos contra mulheres, crianças,
adolescentes, pessoas idosas e pessoas com deficiência serão mantidos,
sem suspensão;
II - o registro da ocorrência de violência doméstica e familiar contra a mulher
e de crimes cometidos contra criança, adolescente, pessoa idosa ou pessoa
com deficiência poderá ser realizado por meio eletrônico ou por meio de
número de telefone de emergência designado para tal fim pelos órgãos de
segurança pública;
Parágrafo único. Os processos de que trata o inciso I do caput deste artigo
serão considerados de natureza urgente.

PODER PÚBLICO DEVERÁ ADOTAR MEDIDAS PARA GARANTIR O


ATENDIMENTO PRESENCIAL

A Lei 14.022/2020 prevê que o poder público deverá adotar as medidas necessárias para
que, mesmo durante a pandemia, seja mantido o atendimento presencial de mulheres, idosos,
crianças ou adolescentes em situação de violência.

Se for necessário, poderá haver a adaptação dos procedimentos estabelecidos na Lei Maria
da Penha às circunstâncias emergenciais do período de pandemia.

A adaptação dos procedimentos deverá assegurar a continuidade do funcionamento habitual


dos órgãos do poder público descritos na Lei 11.340/2006, no âmbito de sua competência, com o
objetivo de garantir a manutenção dos mecanismos de prevenção e repressão à violência doméstica
e familiar contra a mulher e à violência contra idosos, crianças ou adolescentes.

Se, por razões de segurança sanitária, não for possível manter o atendimento presencial a
todas as demandas relacionadas à violência doméstica e familiar contra a mulher e à violência
contra idosos, crianças ou adolescentes, o poder público deverá, obrigatoriamente, garantir o
atendimento presencial para situações que possam envolver, efetiva ou potencialmente, os ilícitos
previstos:

1) No Código Penal, na modalidade consumada ou tentada:

a) Feminicídio (art. 121, § 2º, VI);

b) Lesão corporal de natureza grave (art. 129, § 1º);

c) Lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (art. 129, § 2º);

LEI MARIA DA PENHA 2023.1 21

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d) Lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3º);

e) Ameaça praticada com uso de arma de fogo (art. 147);

f) Estupro (art. 213);

g) Estupro de vulnerável (art. 217-A);

h) Corrupção de menores (art. 218);

i) Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente (art. 218-A);

2) Na Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha): o crime de descumprimento de medidas


protetivas de urgência (art. 24-A);

3) No ECA;

4) No Estatuto do Idoso.

REALIZAÇÃO PRIORITÁRIA DO EXAME DE CORPO DE DELITO

Mesmo durante a vigência da Lei 13.979/2020, ou mesmo durante o estado de emergência


de caráter humanitário e sanitário em território nacional, deverá ser garantida a realização prioritária
do exame de corpo de delito quando se tratar de crime que envolva:

1) Violência doméstica e familiar contra a mulher;

2) Violência contra criança, adolescente, idoso ou pessoa com deficiência.

Nos casos de crimes de natureza sexual, se houver a adoção de medidas pelo poder público
que restrinjam a circulação de pessoas, os órgãos de segurança deverão estabelecer equipes
móveis para realização do exame de corpo de delito no local em que se encontrar a vítima.

DISPONIBILIZAÇÃO DE CANAIS DE COMUNICAÇÃO

Os órgãos de segurança pública deverão disponibilizar canais de comunicação que


garantam interação simultânea, inclusive com possibilidade de compartilhamento de documentos,
desde que gratuitos e passíveis de utilização em dispositivos eletrônicos, como celulares e
computadores, para atendimento virtual de situações que envolvam violência contra a mulher, o
idoso, a criança ou o adolescente, facultado aos órgãos integrantes do Sistema de Justiça - Poder
Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública, e aos demais órgãos do Poder Executivo, a
adoção dessa medida.

Vale ressaltar que a disponibilização de canais de atendimento virtuais não exclui a


obrigação do poder público de manter o atendimento presencial de mulheres em situação de
violência doméstica e familiar e de casos de suspeita ou confirmação de violência praticada contra
idosos, crianças ou adolescentes.

Nos casos de violência doméstica e familiar, a ofendida poderá solicitar quaisquer medidas
protetivas de urgência à autoridade competente por meio dos dispositivos de comunicação de
atendimento on-line.

LEI MARIA DA PENHA 2023.1 22

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CONCESSÃO DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA DE FORMA
ELETRÔNICA

A Lei prevê que, se as circunstâncias do fato justificarem, a autoridade competente poderá


conceder qualquer uma das medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha, de
forma eletrônica.

A autoridade poderá considerar provas coletadas eletronicamente ou por audiovisual, em


momento anterior à lavratura do boletim de ocorrência e a colheita de provas que exijam a presença
física da ofendida.

É possível ainda que o Poder Judiciário faça a intimação da ofendida e do ofensor da decisão
judicial por meio eletrônico.

Após a concessão da medida de urgência de forma eletrônica, a autoridade competente,


independentemente da autorização da ofendida, deverá:

1) Se for autoridade judicial, comunicar à unidade de polícia judiciária competente para que
proceda à abertura de investigação criminal para apuração dos fatos;

2) Se for delegado de polícia, comunicar imediatamente ao Ministério Público e ao Poder


Judiciário da medida concedida e instaurar imediatamente inquérito policial,
determinando todas as diligências cabíveis para a averiguação dos fatos;

3) Se for policial, comunicar imediatamente ao Ministério Público, ao Poder Judiciário e à


unidade de polícia judiciária competente da medida concedida, realizar o registro de
boletim de ocorrência e encaminhar os autos imediatamente à autoridade policial
competente para a adoção das medidas cabíveis.

PRORROGAÇÃO AUTOMÁTICA DAS MEDIDAS PROTETIVAS

As medidas protetivas deferidas em favor da mulher serão automaticamente prorrogadas e


vigorarão durante a vigência da Lei 13.979/2020, ou durante a declaração de estado de emergência.

O juiz competente providenciará a intimação do ofensor, que poderá ser realizada por meios
eletrônicos, cientificando-o da prorrogação da medida protetiva.

Obviamente, essas medidas poderão ser revistas ou cessadas pelo Poder Judiciário caso
se entenda necessário.

DENÚNCIAS RECEBIDAS DEVERÃO SER REPASSADAS PARA OS ÓRGÃOS


COMPETENTES

As denúncias de violência recebidas na esfera federal pela Central de Atendimento à Mulher


– Ligue 180 e pelo serviço de proteção de crianças e adolescentes com foco em violência sexual –
Disque 100 devem ser repassadas, com as informações de urgência, para os órgãos competentes.

O prazo máximo para o envio dessas informações é de 48 horas, salvo impedimento técnico.

LEI MARIA DA PENHA 2023.1 23

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AUTORIDADE DE SEGURANÇA PÚBLICA DEVERÁ ASSEGURAR ATENDIMENTO
ÁGIL

Em todos os casos, a autoridade de segurança pública deve assegurar o atendimento ágil a


todas as demandas apresentadas e que signifiquem risco de vida e a integridade da mulher, do
idoso, da criança e do adolescente, com atuação focada na proteção integral.

REALIZAÇÃO DE CAMPANHAS INFORMATIVAS

O poder público promoverá campanha informativa sobre prevenção à violência e acesso a


mecanismos de denúncia durante a vigência da Lei 13.979/2020, ou durante a vigência do estado
de emergência decorrente da Covid-19.

9. ATENDIMENTO PELA AUTORIDADE POLICIAL

Verifica-se a excelente explicação do Prof. Márcio Cavalcante4.

A mulher que esteja em situação de violência doméstica e familiar tem o direito de receber
atendimento policial e pericial especializado, ininterrupto e prestado por servidores previamente
capacitados. Os servidores responsáveis por esse atendimento deverão ser preferencialmente do
sexo feminino.

Assim, existem algumas diretrizes e cuidados que deverão ser adotados para a inquirição
da vítima e das testemunhas de crimes de violência doméstica contra a mulher:

1) Deverá ser garantia da salvaguarda (proteção) da integridade física, psíquica e


emocional da depoente, considerada a sua condição peculiar de pessoa em situação de
violência doméstica e familiar;

2) Em nenhuma hipótese deverá ser permitido o contato direto da vítima (mulher), de seus
familiares e das testemunhas com os investigados/suspeitos ou com as pessoas que
tenham relação com eles;

3) Não se deve permitir a “revitimização” da depoente. Para isso, deve-se evitar que a
vítima seja sucessivas vezes ouvida sobre o mesmo fato nos âmbitos criminal, cível e
administrativo. Também se deve evitar questionamentos sobre a sua vida privada.

Em que consiste a chamada “revitimização”?

A vítima de um crime, especialmente em delitos sexuais ou violentos, todas as vezes em


que for inquirida sobre os fatos, ela é, de alguma forma, submetida a um novo trauma, um novo
sofrimento ao ter que relatar um episódio triste e difícil de sua vida para pessoas estranhas,
normalmente em um ambiente formal e frio. Desse modo, a cada depoimento, a vítima sofre uma
violência psíquica.

4 Disponível em: https://www.dizerodireito.com.br/2017/11/breves-comentarios-lei-135052017-que.html.

LEI MARIA DA PENHA 2023.1 24

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Assim, a revitimização consiste nesse sofrimento continuado ou repetido da vítima ao ter
que relembrar esses fatos.

Para evitar a revitimização, o Poder Público deverá adotar providências a fim de que a vítima
não seja ouvida repetidas vezes sobre o mesmo tema. Além disso, deve-se fazer com que o
ambiente em que os depoimentos são prestados seja acolhedor. Por fim, deve-se evitar perguntas
que invadam a vida privada da vítima ou que induzam à ideia de que ela teve “culpa” pelo fato,
transformando a investigação ou o processo em um “julgamento” sobre o comportamento da vítima.

Alguns autores afirmam que a revitimização é uma forma de “violência institucional” cometida
pelo Estado contra a vítima.

A revitimização no atendimento às mulheres em situação de violência, por vezes, tem sido


associada à repetição do relato de violência para profissionais em diferentes contextos o que pode
gerar um processo de traumatização secundária na medida em que, a cada relato, a vivência da
violência é reeditada.

Assim, na inquirição de mulher em situação de violência doméstica ou das testemunhas


deverá ser adotado, preferencialmente, o seguinte procedimento:

1) A inquirição será feita em recinto especialmente projetado para esse fim, o qual conterá
os equipamentos próprios e adequados à idade da mulher em situação de violência
doméstica e familiar ou testemunha e ao tipo e à gravidade da violência sofrida;

2) Quando for o caso, a inquirição será intermediada por profissional especializado em


violência doméstica e familiar designado pela autoridade judiciária ou policial;

3) O depoimento será registrado em meio eletrônico ou magnético, devendo a degravação


e a mídia integrar o inquérito.

Por fim, os Estados e o Distrito Federal, na formulação de suas políticas e planos de


atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, darão prioridade, no âmbito da
Polícia Civil, à criação de Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs), de Núcleos
Investigativos de Feminicídio e de equipes especializadas para o atendimento e a investigação das
violências graves contra a mulher.

10. JUIZADOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

Encontra-se previsto no art. 14 da Lei 11.340/11:

Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher,


órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser
criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para
o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de
violência doméstica e familiar contra a mulher.
Parágrafo único. Os atos processuais poderão realizar-se em horário
noturno, conforme dispuserem as normas de organização judiciária.

LEI MARIA DA PENHA 2023.1 25

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A Lei usou a palavra “Juizado”, mas se trata de varas especializadas para o julgamento dos
processos que envolvam violência doméstica e familiar contra a mulher.

Destaca-se que a vara especializada irá concentrar competências penais e cíveis, a exemplo
do divórcio. Ademais, terão competência para o processo e julgamento de crimes e contravenções
penais no contexto da violência doméstica e familiar contra a mulher.

Importante consignar que a Lei 13.894/2019 acrescentou o art. 14-A à Lei Maria da Penha
possibilitando a propositura da ação de divórcio ou de dissolução de união estável no Juizado de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher:

Art. 14-A. A ofendida tem a opção de propor ação de divórcio ou de dissolução


de união estável no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a
Mulher.
§ 1º Exclui-se da competência dos Juizados de Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher a pretensão relacionada à partilha de bens.
§ 2º Iniciada a situação de violência doméstica e familiar após o ajuizamento
da ação de divórcio ou de dissolução de união estável, a ação terá preferência
no juízo onde estiver.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(DPE-PB - Defensor - FCC - 2022): De acordo com a Lei Maria da Penha, a
ação de divórcio ou dissolução de união estável de mulher vítima de violência
doméstica e familiar poderá ser ajuizada perante o Juizado de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher, excluindo-se a pretensão relacionada
à partilha de bens. Correto.

(MPE-CE - Promotor - CESPE - 2021): Com base nas disposições da Lei


Maria da Penha, é correto afirmar que os juizados de violência doméstica e
familiar não têm competência para processar pretensão relacionada à partilha
de bens. Correto.

CUMULAÇÃO DA COMPETÊNCIA POR VARAS CRIMINAIS

Em um cenário ideal, haveria:

COMARCA X

JUIZADO DE
VIOLÊNCIA
1ª VARA CRIMINAL 2ª VARA CRIMINAL 3ª VARA CRIMINAL
DOMÉSTICA E
FAMILIAR

Contudo, o próprio legislador sabe que não é possível a criação dos juizados em todas as
comarcas, seja por falta de estrutura física seja por falta de pessoal. Assim, a Lei Maria da Penha
determina que uma vara criminal poderá cumular a competência dos juizados, nos termos do art.
33 da referida Lei:

LEI MARIA DA PENHA 2023.1 26

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Art. 33. Enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularão as competências
cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de
violência doméstica e familiar contra a mulher, observadas as previsões do
Título IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual pertinente.
Parágrafo único. Será garantido o direito de preferência, nas varas criminais,
para o processo e o julgamento das causas referidas no caput.

ESTUPRO DE VULNERÁVEL PRATICADO POR PAI CONTRA FILHA5

Os Tribunais Superiores há muito estão lidando com o seguinte questionamento: quem julga
o crime de estupro de vulnerável praticado por pai contra filha de 4 anos: vara criminal “comum” ou
vara de violência doméstica e familiar contra a mulher?

Para tanto, existiam 2 posicionamentos:

Se o fator determinante que ensejou a prática do crime foi a tenra idade da vítima fica
afastada a vara de violência doméstica e familiar? Ex.: estupro de vulnerável praticado
por pai contra a filha, de 4 anos

SIM NÃO

Se o fato de a vítima ser do sexo feminino não


foi determinante para a caracterização do crime
A idade da vítima é irrelevante para afastar a
de estupro de vulnerável, mas sim a tenra idade
competência da vara especializada em
da ofendida, que residia sobre o mesmo teto do
violência doméstica e familiar contra a mulher
réu, que com ela manteve relações sexuais, não
e as normas protetivas da Lei Maria da Penha.
há que se falar em competência do Juizado
Especial de Violência Doméstica e Familiar STJ. 6ª Turma. RHC 121.813-RJ, Rel. Min.
contra a Mulher. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 20/10/2020
(Info 682).
STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 1020280/DF,
Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 23/08/2018.

A divergência acima explicitada foi resolvida em julgado publicado no dia 30/11/2022. A 3ª


Seção do STJ decidiu que:

Após o advento do art. 23 da Lei nº 13.431/2017, nas comarcas em que não


houver vara especializada em crimes contra a criança e o adolescente,
compete à vara especializada em violência doméstica, onde houver,
processar e julgar os casos envolvendo estupro de vulnerável cometido pelo
pai (bem como pelo padrasto, companheiro, namorado ou similar) contra a
filha (ou criança ou adolescente) no ambiente doméstico ou familiar. STJ. 3ª
Seção. EAREsp 2.099.532/RJ, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em
26/10/2022 (Info 755).

5 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Quem julga o crime de estupro de vulnerável praticado por pai contra filha de 4 anos: vara criminal
“comum” ou vara de violência doméstica e familiar contra a mulher?. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em:
<https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/2fe2a9d4c06124698de449b12aeb6249>. Acesso em: 28/12/2022.

LEI MARIA DA PENHA 2023.1 27

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Assim, nos termos do art. 927, § 3º, do Código de Processo Civil, tendo em vista a alteração
da jurisprudência dominante do STJ em relação às ações penais que tenham tramitado ou que
estejam atualmente em trâmite nas varas criminais comuns, a fim de assegurar a segurança jurídica,
notadamente por se tratar de competência de natureza absoluta, a tese ora firmada terá sua
aplicação modulada nos seguintes termos:

1) Nas comarcas em que não houver juizado ou vara especializada nos moldes do art. 23
da Lei 13.431/2017 (Lei que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do
adolescente vítima ou testemunha de violência), as ações penais que tratam de crimes
praticados com violência contra a criança e o adolescente, distribuídas até a data de
publicação do acórdão do julgamento (inclusive), tramitarão nas varas às quais foram
distribuídas originalmente ou após determinação definitiva do Tribunal local ou superior,
sejam elas juizados/varas de violência doméstica, sejam varas criminais comuns;

2) Nas comarcas em que não houver juizado ou vara especializada nos moldes do art. 23
da Lei 13.431/2017, as ações penais que tratam de crimes praticados com violência
contra a criança e o adolescente, distribuídas após a data de publicação do acórdão do
julgamento, deverão ser obrigatoriamente processadas nos juizados/varas de violência
doméstica e, somente na ausência destas, nas varas criminais comuns.

CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA PRATICADOS NO CONTEXTO DA VIOLÊNCIA


DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

Como se sabe, o Tribunal do Júri é composto por um procedimento bifásico. Tem-se a


primeira fase, conhecida como iudicium accusationis, cuja competência é do juiz sumariante; e a
segunda fase, conhecida como iudicium causae, cuja competência é do Conselho de Sentença
(jurados).

Tanto o STJ quanto o STF, na análise de casos oriundos de SC, entendem que a primeira
fase, no caso de crimes dolosos contra a vida, pode tramitar nas varas especializadas de violência
doméstica, caso a lei de organização judiciária assim preveja, conforme julgados abaixo
colacionados:

STJ – HC 73.161/SC: (...) Ressalvada a competência do Júri para o


julgamento do crime doloso contra a vida, seu processamento, até a fase de
pronúncia, poderá ser pelo Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra
a Mulher, em atenção à Lei 11.340/06 (...).

Info 748 do STF: Competência para o processamento de crimes dolosos


contra a vida praticados no contexto de violência doméstica. A Lei de
Organização Judiciária poderá prever que a 1ª fase do procedimento do júri
seja realizada na Vara de Violência Doméstica em caso de crimes dolosos
contra a vida praticados no contexto de violência doméstica. Não haverá
usurpação da competência constitucional do júri. Apenas o julgamento
propriamente dito é que, obrigatoriamente, deverá ser feito no Tribunal do
Júri.

DEPOIMENTO ESPECIAL DE MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA


E FAMILIAR OU DE TESTEMUNHA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, QUANDO SE
TRATAR DE CRIME CONTRA A MULHER

LEI MARIA DA PENHA 2023.1 28

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Inicialmente, utilizado para crianças e vítimas de violência sexual, conhecido como
depoimento sem danos.

O depoimento especial foi introduzido na Lei Maria da Penha pela Lei 13.505/2017. Observe:

Art. 10-A. É direito da mulher em situação de violência doméstica e familiar o


atendimento policial e pericial especializado, ininterrupto e prestado por
servidores - preferencialmente do sexo feminino - previamente
capacitados.
§ 1º A inquirição de mulher em situação de violência doméstica e familiar ou
de testemunha de violência doméstica, quando se tratar de crime contra a
mulher, obedecerá às seguintes diretrizes:
I - salvaguarda da integridade física, psíquica e emocional da depoente,
considerada a sua condição peculiar de pessoa em situação de violência
doméstica e familiar;
II - garantia de que, em nenhuma hipótese, a mulher em situação de violência
doméstica e familiar, familiares e testemunhas terão contato direto com
investigados ou suspeitos e pessoas a eles relacionadas;
III - não revitimização da depoente, evitando sucessivas inquirições sobre o
mesmo fato nos âmbitos criminal, cível e administrativo, bem como
questionamentos sobre a vida privada.
§ 2º Na inquirição de mulher em situação de violência doméstica e familiar ou
de testemunha de delitos de que trata esta Lei, adotar-se-á,
preferencialmente, o seguinte procedimento:
I - a inquirição será feita em recinto especialmente projetado para esse fim, o
qual conterá os equipamentos próprios e adequados à idade da mulher em
situação de violência doméstica e familiar ou testemunha e ao tipo e à
gravidade da violência sofrida;
II - quando for o caso, a inquirição será intermediada por profissional
especializado em violência doméstica e familiar designado pela autoridade
judiciária ou policial;
III - o depoimento será registrado em meio eletrônico ou magnético, devendo
a degravação e a mídia integrar o inquérito.

11. AÇÃO PENAL NOS CRIMES DE LESÃO CORPORAL LEVE E LESÃO CORPORAL
CULPOSA PRATICADOS NO CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
CONTRA A MULHER

Nos crimes de lesão leve e lesão culposa, a ação penal é pública condicionada à
representação, nos termos do art. 88 da Lei 9.099/95:

Art. 88. Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial,


dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões
corporais leves e lesões culposas.

Antes da Lei 9.099/95, tanto a lesão leve quanto a lesão culposa eram crimes de ação penal
pública incondicionada.

Contudo, o art. 41 da Lei Maria da Penha é claro ao afirmar que a Lei dos Juizados Especiais
não é aplicada para os crimes praticados no contexto da Lei Maria da Penha. Assim, segundo o

LEI MARIA DA PENHA 2023.1 29

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prof. Márcio Cavalcante, qualquer lesão corporal, mesmo que leve ou culposa, praticada contra
mulher no âmbito das relações domésticas é crime de ação penal INCONDICIONADA, ou seja, o
Ministério Público pode dar início à ação penal sem necessidade de representação da vítima.

Nesse sentido, segue entendimento adotado pelo STJ:

Súmula 542 do STJ: A ação penal relativa ao crime de lesão corporal


resultante de violência doméstica contra a mulher é pública incondicionada.

A ação penal nos crimes de lesão corporal leve cometidos em detrimento da


mulher, no âmbito doméstico e familiar, é pública incondicionada. STJ. 3ª
Seção. Pet 11.805-DF, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 10/5/2017
(recurso repetitivo) (Info 604).

Importante verificar, por fim, algumas observações feitas pelo prof. Márcio Cavalcante, do
Dizer o Direito6:

1) Se uma mulher sofrer lesões corporais no âmbito das relações domésticas, ainda que
leves, e procurar a delegacia relatando o ocorrido, o delegado não precisa fazer com que
ela assine uma representação, uma vez que a lei não exige representação para tais
casos. Bastará que a autoridade policial colha o depoimento da mulher e, com base
nisso, havendo elementos indiciários, instaure o inquérito policial;

2) Em caso de lesões corporais leves ou culposas que a mulher for vítima, em violência
doméstica, o procedimento de apuração na fase pré-processual é o inquérito policial e
não o termo circunstanciado. Isso porque não se aplica a Lei 9.099/95, que é onde se
prevê o termo circunstanciado;

3) Se a mulher que sofreu lesões corporais leves de seu marido, arrependida e reconciliada
com o cônjuge, procura o Delegado, o Promotor ou o Juiz dizendo que gostaria que o
inquérito ou o processo não tivesse prosseguimento, esta manifestação não terá nenhum
efeito jurídico, devendo a tramitação continuar normalmente;

4) Se um vizinho, por exemplo, presencia a mulher apanhando do seu marido e comunica


ao delegado de polícia, este é obrigado a instaurar um inquérito policial para apurar o
fato, ainda que contra a vontade da mulher. A vontade da mulher ofendida passa a ser
absolutamente irrelevante para o início do procedimento;

5) É errado dizer que todos os crimes praticados contra a mulher, em sede de violência
doméstica, serão de ação penal incondicionada. Continuam existindo crimes praticados
contra a mulher (em violência doméstica) que são de ação penal condicionada, desde
que a exigência de representação esteja prevista no Código Penal ou em outras leis, que
não a Lei 9.099/95. Assim, por exemplo, a ameaça praticada pelo marido contra a mulher
continua sendo de ação pública condicionada porque tal exigência consta do parágrafo
único do art. 147 do CP. O que a Súmula 542 do STJ afirma é que o delito de LESÃO
CORPORAL praticado com violência doméstica contra a mulher, é sempre de ação penal

6 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é crime de ação pública
incondicionada. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em:
<https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/a714ec6796f638ba4d5792f78dccd134>. Acesso em: 28/12/2022.

LEI MARIA DA PENHA 2023.1 30

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incondicionada porque o art. 88 da Lei 9.099/95 não pode ser aplicado aos casos da Lei
Maria da Penha.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(PC-GO - Delegado - Instituto AOCP - 2022): Em se tratando de lesões
corporais, mesmo que consideradas de natureza leve, praticadas contra a
mulher em âmbito doméstico, atua-se mediante ação penal pública
condicionada. Errado.

(DPE-PI - Defensor - CESPE - 2022): Consoante a jurisprudência do


Supremo Tribunal Federal e a do Superior Tribunal de Justiça, em regra, no
caso de crime de lesão corporal resultante de violência doméstica contra a
mulher, a ação penal será pública incondicionada. Correto.

RETRATAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO NOS CRIMES PRATICADOS NO CONTEXTO


DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

Alguns crimes, como ameaça, mesmo que praticados no contexto da Lei Maria da Penha
são condicionados à representação, aplicando-se o art. 16 da Lei:

Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da


ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação
perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade,
antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

Salienta-se que não se trata de renúncia, como diz o artigo, mas sim de uma retratação da
representação, que só pode ser feita até o recebimento da denúncia (no CPP é até o oferecimento).

Contudo, de acordo com o STJ, não se deve designar a audiência de que trata o art. 16 da
LMP se a mulher manifesta interesse de desistir da representação somente após o recebimento da
denúncia:

A realização da audiência prevista no art. 16 da Lei nº 11.340/2006 somente


se faz necessária se a vítima houver manifestado, de alguma forma, em
momento anterior ao recebimento da denúncia, ânimo de desistir da
representação. STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1946824-SP, Rel. Min. Joel
Ilan Paciornik, julgado em 14/06/2022 (Info 743).

Como o tema foi cobrado em concurso?


(PC-GO - Delegado - Instituto AOCP - 2022): A audiência designada para a
vítima expressar o seu desejo de renunciar à representação deve ser
realizada em momento posterior ao recebimento da denúncia. Errado.

(PC-RN - Delegado - FGV - 2021): Noeli compareceu à delegacia de polícia


para registrar boletim de ocorrência contra seu companheiro Erson pelo crime
de ameaça. Após chegar em casa, Noeli ouve pedido de desculpa de seu
companheiro e apelos para que desista da representação. Considerando o
disposto na legislação aplicável, quanto à possibilidade de retratação da
representação apresentada, Noeli poderá se retratar perante o juiz, em
audiência especial, até o recebimento da denúncia. Correto.

LEI MARIA DA PENHA 2023.1 31

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12. VEDAÇÃO À APLICAÇÃO DE CESTA BÁSICA OU OUTRAS DE PRESTAÇÃO
PECUNIÁRIA

Antes da Lei 11.340/2006 a violência doméstica e familiar contra a mulher era julgada pelo
JECrim e, com isso, aplicava-se muito a pena de cesta básica e de prestações pecuniárias.

Contudo, após o advento da Lei Maria da Penha é expressamente vedada a aplicação de


tais penalidades, nos termos do art. 17:

Art. 17. É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar


contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária,
bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de
multa.

13. (IM)POSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR


RESTRITIVA DE DIREITOS

Conforme art. 44 do CP, é vedada a substituição de pena privativa de liberdade quando o


crime for praticado com violência ou grave ameaça:

Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as


privativas de liberdade, quando:
I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime
não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer
que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;
II – o réu não for reincidente em crime doloso;
III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do
condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa
substituição seja suficiente.

Portanto, no âmbito da Lei Maria da Penha, poderá haver a substituição quando o crime não
for praticado com violência (física) ou grave ameaça a pessoa, a exemplo de um crime de calúnia
ou difamação, conforme posicionamento adotado pelo STJ:

Súmula 588 do STJ: A prática de crime ou contravenção penal contra a


mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico
impossibilita a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de
direitos.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(MPE-RS - Promotor - MPE-RS - 2021): Conforme o entendimento sumulado
no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a prática de qualquer infração
penal com violência ou grave ameaça contra a mulher no ambiente
doméstico, inclusive contravenção penal, impossibilita a substituição da pena
privativa de liberdade por penas restritivas de direitos. Correto.

14. MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA

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Possuem natureza de medidas cautelares e estão, assim, sujeitas à cláusula de reserva de
jurisdição. Significa dizer que apenas a autoridade judiciária competente pode aplicar,
demonstrando a existência do fumus comissi delicti e do periculum libertatis.

O art. 19 da Lei regula a aplicação, que se dá nos seguintes termos:

Art. 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz,
a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida.
§ 1o As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato,
independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério
Público, devendo este ser prontamente comunicado.
§ 2o As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou
cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de
maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem
ameaçados ou violados.
§ 3o Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da
ofendida, conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já
concedidas, se entender necessário à proteção da ofendida, de seus
familiares e de seu patrimônio, ouvido o Ministério Público.

O procedimento para aplicar as medidas segue o art. 282 do CPP.

Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas
observando-se a:
I - necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução
criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de
infrações penais;
II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e
condições pessoais do indiciado ou acusado.
§ 1o As medidas cautelares poderão ser aplicadas isolada ou
cumulativamente.
§ 2º As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz a requerimento das
partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da
autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público.
§ 3º Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida,
o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da
parte contrária, para se manifestar no prazo de 5 (cinco) dias, acompanhada
de cópia do requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos
em juízo, e os casos de urgência ou de perigo deverão ser justificados e
fundamentados em decisão que contenha elementos do caso concreto que
justifiquem essa medida excepcional.
§ 4º No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o
juiz, mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do
querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em
último caso, decretar a prisão preventiva, nos termos do parágrafo único do
art. 312 deste Código.
§ 5º O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a medida
cautelar ou substituí-la quando verificar a falta de motivo para que
subsista, bem como voltar a decretá-la, se sobrevierem razões que a
justifiquem.
§ 6º A prisão preventiva somente será determinada quando não for
cabível a sua substituição por outra medida cautelar, observado o art. 319

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deste Código, e o não cabimento da substituição por outra medida cautelar
deverá ser justificado de forma fundamentada nos elementos presentes do
caso concreto, de forma individualizada.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(TJ-MG - Juiz - FGV - 2022): A prisão preventiva do agressor, no contexto da
Lei nº 11.340/2006, é medida subsidiária, que pode ser decretada após serem
frustradas outras medidas cautelares menos gravosas, mesmo que o réu seja
primário e o crime cometido tenha pena inferior a 4 (quatro) anos de reclusão.
Correto.

APLICAÇÃO A PESSOAS DO SEXO MASCULINO

Quando a Lei Maria da Penha entrou em vigor, as medidas protetivas só eram aplicadas às
mulheres.

Com o advento da Lei 12.403/11 (Lei das Cautelares), por uma questão de analogia e por
se tratar de medida cautelar (poder geral de cautela), as medidas protetivas passaram a ser usadas
para as pessoas do sexo masculino, nos termos do art. 313, III do CPP:

Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação
da prisão preventiva:
III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher,
criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para
garantir a execução das medidas protetivas de urgência.

APLICAÇÃO DAS MEDIDAS SEM TIPIFICAÇÃO

A aplicação das medidas protetivas de urgência pressupõe a existência de violência


doméstica e familiar contra a mulher, mas não necessariamente a prática de crime no contexto dos
arts. 5º e 7º da Lei Maria da Penha.

(IN)APLICABILIDADE DO ART. 308 DO CPC ÀS MEDIDAS PROTETIVAS DE


URGÊNCIA

Verifica-se a redação do art. 308 do CPC:

Art. 308. Efetivada a tutela cautelar, o pedido principal terá de ser formulado
pelo autor no prazo de 30 (trinta) dias, caso em que será apresentado nos
mesmos autos em que deduzido o pedido de tutela cautelar, não dependendo
do adiantamento de novas custas processuais.
§ 1º O pedido principal pode ser formulado conjuntamente com o pedido de
tutela cautelar.
§ 2º A causa de pedir poderá ser aditada no momento de formulação do
pedido principal.
§ 3º Apresentado o pedido principal, as partes serão intimadas para a
audiência de conciliação ou de mediação, na forma do art. 334, por seus
advogados ou pessoalmente, sem necessidade de nova citação do réu.

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§ 4º Não havendo autocomposição, o prazo para contestação será contado
na forma do art. 335.

Há 2 correntes acerca da sua aplicabilidade às medidas de urgência previstas na Lei Maria


da Penha:

1) 1ª corrente: deve ser observado o art. 308 do CPC. Portanto, a demanda deve ser
ajuizada em até 30 dias, sob pena de eficácia da medida.

2) 2ª corrente: o STJ entende que não é necessária a observância do art. 308 do CPC,
conforme julgado abaixo:

STJ: Para a 3ª Turma do STJ, a decisão proferida em processo penal que


fixa alimentos provisórios ou provisionais em favor da companheira e da filha,
em razão da prática de violência doméstica, constitui título hábil para imediata
cobrança e, em caso de inadimplemento, passível de decretação de prisão
civil. De início, relevante assentar que o art. 14 da Lei n. 11.340/2006
estabelece a competência híbrida (criminal e civil) da Vara Especializada da
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, para o julgamento e
execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar
contra a mulher. A amplitude da competência conferida pela Lei n.
11.340/2006 à Vara Especializada tem por propósito justamente permitir ao
mesmo magistrado o conhecimento da situação de violência doméstica e
familiar contra a mulher, permitindo-lhe bem sopesar as repercussões
jurídicas nas diversas ações civis e criminais advindas direta e indiretamente
desse fato. Providência que, a um só tempo, facilita o acesso da mulher,
vítima de violência doméstica, ao Poder Judiciário, e confere-lhe real
proteção. Assim, se afigura absolutamente consonante com a abrangência
das matérias outorgadas à competência da Vara Especializada da Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher o deferimento de medida protetiva de
alimentos, de natureza cível, no âmbito de ação criminal destinada a apurar
crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher. É de se reconhecer,
portanto, que a medida protetiva de alimentos, fixada por Juízo materialmente
competente é, por si, válida e eficaz, não se encontrando, para esses efeitos,
condicionada à ratificação de qualquer outro Juízo, no bojo de outra ação, do
que decorre sua natureza satisfativa, e não cautelar. Tal decisão
consubstancia, em si, título judicial idôneo a autorizar a credora de alimentos
a levar a efeito, imediatamente, as providências judiciais para a sua cobrança,
com os correspondentes meios coercitivos que a lei dispõe (perante o próprio
Juízo), não sendo necessário o ajuizamento, no prazo de 30 (trinta) dias, de
ação principal de alimentos (propriamente dita), sob pena de decadência do
direito. Compreensão diversa tornaria inofensivo o propósito de se conferir
efetiva proteção à mulher, em situação de hipervulnerabilidade. (STJ, 3ª
Turma, RHC 100.446/MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 27/11/2018,
DJe 05/12/2018).

APLICAÇÃO DE MEDIDAS PROTETIVAS PELA AUTORIDADE POLICIAL

A Lei 13.505/2017 previa que os Delegados de Polícia poderiam aplicar, provisoriamente,


até deliberação judicial, medidas protetivas de urgência em favor da mulher, como a determinação

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para que o suposto agressor ficasse distante da vítima. Isso estava previsto no art. 12-B, que seria
inserido na Lei Maria da Penha:

Art. 12-B. Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à


integridade física e psicológica da mulher em situação de violência doméstica
e familiar ou de seus dependentes, a autoridade policial, preferencialmente
da delegacia de proteção à mulher, poderá aplicar provisoriamente, até
deliberação judicial, as medidas protetivas de urgência previstas no inciso III
do art. 22 e nos incisos I e II do art. 23 desta Lei, intimando desde logo o
agressor.
§ 1º O juiz deverá ser comunicado no prazo de 24 (vinte e quatro) horas e
poderá manter ou rever as medidas protetivas aplicadas, ouvido o Ministério
Público no mesmo prazo.
§ 2º Não sendo suficientes ou adequadas as medidas protetivas previstas no
caput, a autoridade policial representará ao juiz pela aplicação de outras
medidas protetivas ou pela decretação da prisão do agressor.

Tal previsão foi, contudo, vetada pelo Presidente da República sob o argumento de que a
prerrogativa de impor medidas protetivas de urgência é privativa do Poder Judiciário, não podendo
ser estendida à Polícia.

Dessa forma, com o veto, a competência para impor medidas protetivas de urgência
continuava sendo privativa da autoridade judicial, cabendo ao delegado de polícia apenas remeter
ao juiz pedido da ofendida para a concessão de medidas protetivas de urgência (art. 12, III, da Lei
11.340/2006).

Ocorre que em 2019, a Lei 13.827/2019 incluiu o art. 12-C à Lei Maria da Penha, prevendo
que o agressor poderá ser imediatamente afastado do domicílio pelo delegado de polícia e pelo
policial. Em 2021, a Lei 14.188/2021 alterou a redação do caput do art. 12-C para dizer que não
apenas o risco à integridade física enseja a medida, de modo que se houver risco à integridade
psicológica, também acarretará o afastamento do agressor:

Art. 12-C. Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à


integridade física ou psicológica da mulher em situação de violência
doméstica e familiar, ou de seus dependentes, o agressor será
imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a
ofendida:
I - pela autoridade judicial;
II - pelo delegado de polícia, quando o Município não for sede de comarca;
ou
III - pelo policial, quando o Município não for sede de comarca e não
houver delegado disponível no momento da denúncia.
§ 1º Nas hipóteses dos incisos II e III do caput deste artigo, o juiz será
comunicado no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas e decidirá, em igual
prazo, sobre a manutenção ou a revogação da medida aplicada, devendo dar
ciência ao Ministério Público concomitantemente.
§ 2º Nos casos de risco à integridade física da ofendida ou à efetividade da
medida protetiva de urgência, não será concedida liberdade provisória ao
preso.

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Nesse liame, frisa-se que o STF decidiu que é constitucional o art. 12-C da Lei Maria da
Penha que autoriza, em algumas hipóteses, a aplicação, pela autoridade policial, de medida
protetiva de urgência em favor da mulher:

É válida a atuação supletiva e excepcional de delegados de polícia e de


policiais a fim de afastar o agressor do lar, domicílio ou local de convivência
com a ofendida, quando constatado risco atual ou iminente à vida ou à
integridade da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de
seus dependentes, conforme o art. 12-C inserido na Lei nº 11.340/2006 (Lei
Maria da Penha). STF. Plenário. ADI 6138/DF, Rel. Min. Alexandre de
Moraes, julgado em 23/3/2022 (Info 1048).

Por fim, importante evidenciar que a Lei 14.188/2021 também acrescentou um novo crime
no art. 147-B do Código Penal, o delito de violência psicológica contra a mulher:

Art. 147-B. Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu
pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações,
comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento,
humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação
do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde
psicológica e autodeterminação:
Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não
constitui crime mais grave.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(MPE-AC - Promotor - CESPE - 2022): Havendo risco de violência
doméstica, o indivíduo agressor será afastado do lar pelo policial, quando o
município não for sede de comarca e não houver delegado disponível.
Correto.

REGISTRO DA MEDIDA PROTETIVA

As medidas protetivas devem ser registradas em um banco de dados, garantindo-se maior


efetividade, conforme prevê o art. 38-A:

Art. 38-A. O juiz competente providenciará o registro da medida protetiva de


urgência.
Parágrafo único. As medidas protetivas de urgência serão, após sua
concessão, imediatamente registradas em banco de dados mantido e
regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça, garantido o acesso
instantâneo do Ministério Público, da Defensoria Pública e dos órgãos de
segurança pública e de assistência social, com vistas à fiscalização e à
efetividade das medidas protetivas. (Redação dada Lei nº 14.310, de
2022).

ESPÉCIES

As medidas protetivas de urgência são de 2 espécies: destinadas ao agressor e destinadas


à vítima.

LEI MARIA DA PENHA 2023.1 37

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14.6.1. Medidas que obrigam o agressor

Estão previstas no art. 22 da Lei Maria da Penha:

Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a


mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor,
em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de
urgência, entre outras:
I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação
ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de
2003;
II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando
o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio
de comunicação;
c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade
física e psicológica da ofendida;
IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida
a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios;
VI – comparecimento do agressor a programas de recuperação e
reeducação; e
VII – acompanhamento psicossocial do agressor, por meio de
atendimento individual e/ou em grupo de apoio.
§ 1º As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras
previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as
circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao
Ministério Público.
§ 2º Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas
condições mencionadas no caput e incisos do art. 6º da Lei nº 10.826, de 22
de dezembro de 2003, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou
instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e determinará a
restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do agressor
responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer
nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso.
§ 3º Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o
juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.
§ 4º Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto
no caput e nos §§ 5º e 6º do art. 461 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de
1973 (Código de Processo Civil).

Como o tema foi cobrado em concurso?


(MPE-MG - Promotor - FUNDEP - 2021): A restrição ao porte de armas,
previsto no art. 22, I, da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), não pode incidir
nos casos de porte funcional. Correto.

(TJ-MS - Juiz - FCC - 2020): Quanto às medidas protetivas de urgência,


correto afirmar que podem consistir na suspensão da posse ou restrição do
porte de armas, com comunicação ao órgão competente. Correto.

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A respeito do tema, importante evidenciar alguns entendimentos jurisprudenciais adotados
pelo STJ:

1) Não cabe o arbitramento de aluguel em desfavor da coproprietária vítima de


violência doméstica, que, em razão de medida protetiva de urgência decretada
judicialmente, detém o uso e gozo exclusivo do imóvel de cotitularidade do
agressor

Em regra, a utilização ou a fruição da coisa comum indivisa com exclusividade por um dos
coproprietários, impedindo o exercício de quaisquer dos atributos da propriedade pelos demais
consortes, enseja o pagamento de indenização àqueles que foram privados do regular domínio
sobre o bem, tal como o percebimento de aluguéis. É o que prevê o art. 1.319 do Código Civil.

Contudo, impor à vítima de violência doméstica e familiar obrigação pecuniária consistente


em locativo pelo uso exclusivo e integral do bem comum constituiria proteção insuficiente aos
direitos constitucionais da dignidade humana e da igualdade, além de ir contra um dos objetivos
fundamentais do Estado brasileiro de promoção do bem de todos sem preconceito de sexo,
sobretudo porque serviria de desestímulo a que a mulher buscasse o amparo do Estado para
rechaçar a violência contra ela praticada, como assegura a Constituição Federal em seu art. 226, §
8º, a revelar a desproporcionalidade da pretensão indenizatória em tais casos.

A imposição judicial de uma medida protetiva de urgência - que procure cessar a prática de
violência doméstica e familiar contra a mulher e implique o afastamento do agressor do seu lar -
constitui motivo legítimo a que se limite o domínio deste sobre o imóvel utilizado como moradia
conjuntamente com a vítima, não se evidenciando, assim, eventual enriquecimento sem causa, que
legitime o arbitramento de aluguel como forma de indenização pela privação do direito de
propriedade do agressor.

Isto posto, o STJ fixou a seguinte tese:

Incabível o arbitramento de aluguel em desfavor da coproprietária vítima de


violência doméstica, que, em razão de medida protetiva de urgência
decretada judicialmente, detém o uso e gozo exclusivo do imóvel de
cotitularidade do agressor. STJ. 3ª Turma. REsp 1.966.556-SP, Rel. Min.
Marco Aurélio Bellizze, julgado em 08/02/2022 (Info 724).

2) É indevida a manutenção de medidas protetivas na hipótese de conclusão do


inquérito policial sem indiciamento do acusado

No caso que chegou ao STJ, foram deferidas medidas protetivas pelo prazo de 6 meses. Ao
término desse prazo, as medidas foram prorrogadas por mais 6 meses. Todavia, apesar de as
medidas protetivas terem sido devidamente fundamentadas, ocorreu a conclusão do inquérito
policial sem indiciamento do investigado.

Diante disso, não fazia mais sentido a manutenção dessas medidas.

Para o STJ, as medidas de urgência, protetivas da mulher, do patrimônio e da relação


familiar, somente podem ser entendidas por seu caráter de cautelaridade, vigentes de imediato,
mas apenas enquanto necessárias ao processo e a seus fins, razão pela qual adotou o seguinte
posicionamento:

LEI MARIA DA PENHA 2023.1 39

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É indevida a manutenção de medidas protetivas na hipótese de conclusão do
inquérito policial sem indiciamento do acusado. STJ. 6ª Turma. RHC
159.303/RS, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 20/09/2022
(Info 750).

3) O requerido (autor da violência) não será citado para contestar o pedido de


medidas cautelares dos incisos I, II e III do art. 22 da Lei Maria da Penha

Segundo o STJ, não há previsão de procedimento específico para concessão das medidas
protetivas de urgência, restringindo-se a Lei Maria da Penha a determinar, em seu art. 18, que
caberá ao juiz, a requerimento do Ministério Público ou da ofendida, no prazo de 48 horas, decidir
sobre as medidas protetivas, entre outras providências. Dessa feita, não cabe a instauração de um
processo, com citação do requerido para ciência e contestação, sob pena de decretação de sua
revelia, nos moldes do estabelecido na lei processual civil.

Além disso, é aplicável o regramento do Código Processual Penal que, em caso de risco à
efetividade da medida, determina a intimação do suposto agressor após a decretação da cautelar,
facultando-lhe a possibilidade de manifestar-se nos autos a qualquer tempo, sem a aplicação dos
efeitos da revelia.

O parágrafo único do art. 21 também reforça a não adoção do regramento previsto no CPC,
porquanto determina que “a ofendida não poderá entregar intimação ou notificação ao agressor”,
nada mencionando sobre citação.

Portanto, deve-se aplicar às medidas protetivas de urgência o regramento previsto pelo


Código de Processo Penal no que tange às medidas cautelares. Dessa forma, não cabe falar em
instauração de processo próprio, com citação do requerido, tampouco com a possibilidade de
decretação de sua revelia em caso de não apresentação de contestação no prazo de 5 dias.
Aplicada a cautelar inaudita altera pars, para garantia de sua eficácia, o acusado será intimado de
sua decretação, facultando-lhe, a qualquer tempo, a apresentação de razões contrárias à
manutenção da medida.

Ante o exposto, STJ ficou a seguinte tese:

As medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I, II e III do art. 22 da


Lei Maria da Penha têm natureza de cautelares penais, não cabendo falar em
citação do requerido para apresentar contestação, tampouco a possibilidade
de decretação da revelia, nos moldes da lei processual civil. STJ. 5ª Turma.
REsp 2.009.402-GO, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Rel. Acd. Min. Joel Ilan
Paciornik, julgado em 08/11/2022 (Info 756).

4) É ilegal a fixação ad eternum de medida protetiva, devendo o magistrado avaliar


periodicamente a pertinência da manutenção da cautela imposta

No caso concreto que deu origem ao julgado, o companheiro ameaçou a vítima e o juiz
decretou, como medida protetiva de urgência, a proibição de contato e de aproximação com a
ofendida. Ao final da instrução, o magistrado condenou o réu pelo crime de ameaça a 1 mês de
detenção. Além disso, na parte final da sentença, o magistrado afirmou: “torno definitiva a medida
protetiva deferida em favor da ofendida”.

LEI MARIA DA PENHA 2023.1 40

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O STJ afirmou que o juiz desnaturou a natureza e a razão de ser das medidas protetivas
que, por serem “de urgência”, tal como o próprio nome diz, equivalem a uma tutela de defesa
emergencial, a qual deve perdurar até que cessada a causa que motivou a sua imposição.

Diante disso, o STJ concedeu parcialmente a ordem no habeas corpus para revogar a
definitividade da medida protetiva, dizendo que ela tem prazo indeterminado e que o Juízo de
primeiro grau deverá avaliar, a cada 90 dias e mediante a prévia oitiva das partes, a necessidade
da manutenção da cautela, aplicando-se, por analogia, o parágrafo único do art. 316 do CPP.

Formulou-se, portanto, a seguinte tese:

É ilegal a fixação ad eternum de medida protetiva, devendo o magistrado


avaliar periodicamente a pertinência da manutenção da cautela imposta. STJ.
6ª Turma. HC 605.113-SC, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em
08/11/2022 (Info 756).

14.6.2. Medidas destinadas à vítima

Estão dispostas nos arts. 23 e 24 da Lei Maria da Penha:

Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:
I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou
comunitário de proteção ou de atendimento;
II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao
respectivo domicílio, após afastamento do agressor;
III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos
relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;
IV - determinar a separação de corpos;
V - determinar a matrícula dos dependentes da ofendida em instituição
de educação básica mais próxima do seu domicílio, ou a transferência
deles para essa instituição, independentemente da existência de vaga.
Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou
daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar,
liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:
I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;
II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra,
venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização
judicial;
III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;
IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas
e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar
contra a ofendida.
Parágrafo único. Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins
previstos nos incisos II e III deste artigo.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(DPE-RR - Defensor - FCC - 2021): Ana Lúcia é casada com Mário sob o
regime de comunhão parcial de bens. Após Ana Lúcia manifestar a intenção
de se divorciar, Mário passou a esconder de Ana Lúcia informações sobre o
orçamento familiar e tentou realizar vendas e doações dos bens comuns
como forma de frustrar eventual partilha na ação judicial. Sem acesso ao

LEI MARIA DA PENHA 2023.1 41

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orçamento e à documentação dos imóveis, Ana Lúcia não sabia quais bens
eram comuns, os eventuais valores recebidos por Mário a título de aluguéis
dos bens, bem como acreditava que a maior parte dos bens estava em nome
apenas de Mário, embora adquiridos na constância da união. Considerando
a situação narrada, é cabível postular medida protetiva de urgência em favor
de Ana Lúcia com pedido de proibição temporária de celebração de atos e
contratos de compra e venda dos bens comuns. Correto.

Além das medidas acima expostas, o art. 9º da Lei Maria da Penha garante o afastamento
do local de trabalho, por até 6 meses, quando necessário, mantendo-se o vínculo trabalhista, dentre
outras medidas de assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar:

Art. 9º A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar


será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes
previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde,
no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas
públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso.
§ 1º O juiz determinará, por prazo certo, a inclusão da mulher em situação
de violência doméstica e familiar no cadastro de programas
assistenciais do governo federal, estadual e municipal.
§ 2º O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar,
para preservar sua integridade física e psicológica:
I - acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da
administração direta ou indireta;
II - manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o
afastamento do local de trabalho, por até seis meses.
3º A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar
compreenderá o acesso aos benefícios decorrentes do desenvolvimento
científico e tecnológico, incluindo os serviços de contracepção de
emergência, a profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e
da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e outros procedimentos
médicos necessários e cabíveis nos casos de violência sexual.
§ 4º Aquele que, por ação ou omissão, causar lesão, violência física, sexual
ou psicológica e dano moral ou patrimonial a mulher fica obrigado a
ressarcir todos os danos causados, inclusive ressarcir ao Sistema
Único de Saúde (SUS), de acordo com a tabela SUS, os custos relativos
aos serviços de saúde prestados para o total tratamento das vítimas em
situação de violência doméstica e familiar, recolhidos os recursos assim
arrecadados ao Fundo de Saúde do ente federado responsável pelas
unidades de saúde que prestarem os serviços.
§ 5º Os dispositivos de segurança destinados ao uso em caso de perigo
iminente e disponibilizados para o monitoramento das vítimas de violência
doméstica ou familiar amparadas por medidas protetivas terão seus custos
ressarcidos pelo agressor.
§ 6º O ressarcimento de que tratam os §§ 4º e 5º deste artigo não poderá
importar ônus de qualquer natureza ao patrimônio da mulher e dos seus
dependentes, nem configurar atenuante ou ensejar possibilidade de
substituição da pena aplicada.
§ 7º A mulher em situação de violência doméstica e familiar tem prioridade
para matricular seus dependentes em instituição de educação básica mais
próxima de seu domicílio, ou transferi-los para essa instituição, mediante a

LEI MARIA DA PENHA 2023.1 42

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apresentação dos documentos comprobatórios do registro da ocorrência
policial ou do processo de violência doméstica e familiar em curso.
§ 8º Serão sigilosos os dados da ofendida e de seus dependentes
matriculados ou transferidos conforme o disposto no § 7º deste artigo, e o
acesso às informações será reservado ao juiz, ao Ministério Público e aos
órgãos competentes do poder público.

A respeito do tema, o STJ entendeu que a medida de afastamento do local de trabalho,


prevista no art. 9º, § 2º, da Lei Maria da Penha é de competência do Juiz da Vara de Violência
Doméstica, sendo caso de interrupção do contrato de trabalho, devendo a empresa arcar com os
15 primeiros dias e o INSS com o restante, conforme resumo abaixo elaborado pelo prof. Márcio
Cavalcante:

O art. 9º, § 2º da Lei Maria da Penha prevê que: O juiz assegurará à mulher
em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade
física e psicológica, manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o
afastamento do local de trabalho, por até seis meses. A competência para
determinar essa medida é do Juiz da Vara de Violência Doméstica ou do Juiz
do Trabalho? Juiz da Vara de Violência Doméstica. O juiz da vara
especializada em Violência Doméstica (ou, caso não haja na localidade,
o juízo criminal) tem competência para apreciar pedido de imposição de
medida protetiva de manutenção de vínculo trabalhista, por até seis
meses, em razão de afastamento do trabalho de ofendida decorrente de
violência doméstica e familiar. Isso porque o motivo do afastamento não
advém da relação de trabalho, mas sim da situação emergencial que
visa garantir a integridade física, psicológica e patrimonial da mulher.
Qual é a natureza jurídica desse afastamento? Sobre quem recai o ônus do
pagamento? A natureza jurídica do afastamento por até seis meses em
razão de violência doméstica e familiar é de interrupção do contrato de
trabalho, incidindo, analogicamente, o auxílio-doença, devendo a
empresa se responsabilizar pelo pagamento dos quinze primeiros dias,
ficando o restante do período a cargo do INSS. STJ. 6ª Turma. REsp
1757775-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 20/08/2019 (Info
655).

Como o tema foi cobrado em concurso?


(MPE-AC - Promotor - CESPE - 2022): Havendo risco de violência
doméstica, o indivíduo agressor será afastado do lar pelo policial, quando o
município não for sede de comarca e não houver delegado disponível.
Correto.

(DPE-PI - Defensor - CESPE - 2022): Com relação às medidas de assistência


à mulher em situação de violência doméstica e familiar previstas pela Lei
Maria da Penha, é correto afirmar que nessa situação, a mulher tem
prioridade para matricular seus dependentes em instituição de educação
básica mais próxima de seu domicílio, ou transferi-los para essa instituição,
desde que constatada a existência de vaga, mediante a apresentação dos
documentos comprobatórios do registro da ocorrência policial ou do processo
de violência doméstica e familiar em curso. Errado.

(MPE-CE - Promotor - CESPE - 2021): No que diz respeito à assistência à


mulher em situação de violência doméstica e familiar, a Lei Maria da Penha

LEI MARIA DA PENHA 2023.1 43

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prevê a manutenção do vínculo trabalhista por até seis meses quando
necessário o afastamento da vítima do seu local de trabalho. Correto.

(MPE-SC - Promotor - MPE-SC - 2021): O ressarcimento de custos pelo


agressor, conforme previsto na Lei Maria da Penha, não pode resultar em
ônus ao patrimônio da mulher e dos seus dependentes. Correto.

(MPE-CE - Promotor - CESPE - 2021): No que diz respeito à assistência à


mulher em situação de violência doméstica e familiar, a Lei Maria da Penha
prevê a obrigação do agressor de ressarcir custos de tratamento de saúde da
vítima, inclusive ao Sistema Único de Saúde (SUS), hipótese em que fará jus
à circunstância atenuante. Errado.

PRISÃO PREVENTIVA

A própria Lei Maria da Penha prevê a possibilidade de prisão preventiva no caso de


descumprimento das medidas protetivas de urgência:

Art. 20. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal,


caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a
requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade
policial.
Parágrafo único. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do
processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo
decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.

14.7.1. (In)constitucionalidade da decretação da prisão preventiva ex officio durante as


investigações

LEI 11.340/06 CPP

Possibilidade de decretação de prisão ex officio Com o Pacote Anticrime, não é mais possível
tanto na fase investigatória quanto durante o que o juiz decrete a prisão ex officio, durante o
processo. processo.

Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal,


caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério
Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da
autoridade policial.

De acordo com Renato Brasileiro, não se trata de princípio da especialidade, mas sim que
não é possível o juiz decretar qualquer cautelar de ofício durante a fase investigatória e nem
judicial/processual (após o Pacote Anticrime), pois se revela incompatível com a imparcialidade do
juiz, desdobramento da reserva legal e com o próprio sistema acusatório.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(PC-SP - Delegado - VUNESP - 2022): Nos termos da Lei n° 11.340/2006
(Lei “Maria da Penha”), é correto afirmar que em qualquer fase do inquérito
policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor,

LEI MARIA DA PENHA 2023.1 44

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decretada pelo juiz, somente mediante requerimento do Ministério Público.
Errado.

14.7.2. Descumprimento injustificado das medidas protetivas e tipificação do crime de


desobediência

O entendimento dos Tribunais Superiores era de que o descumprimento das medidas


protetivas não tipificaria o crime de desobediência:

1. O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que para a


caracterização do crime de desobediência não é suficiente o simples
descumprimento de decisão judicial, sendo necessário que não exista
previsão de sanção específica. 2. A Lei n. 11.340/06 determina que, havendo
descumprimento das medidas protetivas de urgência, é possível a requisição
de força policial, a imposição de multas, entre outras sanções, não havendo
ressalva expressa no sentido da aplicação cumulativa do art. 330 do Código
Penal. 3. Ademais, há previsão no art. 313, III, do Código de Processo Penal,
quanto à admissão da prisão preventiva para garantir a execução de medidas
protetivas de urgência nas hipóteses em que o delito envolver violência
doméstica. 4. Em respeito ao princípio da intervenção mínima, não há que se
falar em tipicidade da conduta atribuída ao recorrido, na linha dos
precedentes deste Sodalício. (...) STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1528271/DF,
Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 13/10/2015.

Para o STJ, não há crime de desobediência quando a pessoa desatende a ordem e existe
alguma lei prevendo uma sanção civil, administrativa ou processual penal para esse
descumprimento, sem ressalvar que poderá haver também a sanção criminal.

Assim, conforme explicação do prof. Márcio Cavalcante7, tem-se que:

1) Regra: se uma ordem é dada e na Lei existe a previsão de uma sanção civil ou
administrativa para o caso de descumprimento dessa ordem, não se configura o crime
de desobediência.

2) Exceção: haverá delito de desobediência se na Lei, além da sanção civil ou


administrativa, expressamente constar uma ressalva de que não se exclui a sanção
penal.

Para melhor visualização, seguem os exemplos abaixo:

Ex. 1: Marcelo foi parado em uma blitz. O agente de trânsito determinou que ele
apresentasse a habilitação e o documento do veículo, tendo Marcelo se recusado a fazê-lo.
Marcelo não cometeu crime de desobediência porque o art. 238 do Código de Trânsito já prevê
punições administrativas para essa conduta (infração gravíssima, multa e apreensão do veículo),
sem ressalvar a possibilidade de aplicação de sanção penal.

Ex. 2: Gutemberg foi intimado para testemunhar em uma ação penal, tendo, no entanto, sem
justificativa, deixado de comparecer ao ato processual. Gutemberg cometeu o crime de
desobediência. O CPP determina que o juiz poderá aplicar multa e condená-lo a pagar as custas
da diligência, sem prejuízo do processo penal por crime de desobediência (art. 219). Assim, a Lei

7 Disponível em: https://www.dizerodireito.com.br/2022/05/e-constitucional-o-art-12-c-da-lei.html.

LEI MARIA DA PENHA 2023.1 45

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(no caso, o CPP) prevê punições civis, ressalvando, no entanto, que elas poderão ser aplicadas
juntamente com a condenação criminal.

Ex. 3: Leôncio foi intimado para testemunhar em uma ação de indenização por danos morais,
tendo, no entanto, sem justificativa, deixado de comparecer ao ato processual.
Leôncio não cometeu o crime de desobediência. O CPC prevê que a testemunha faltosa será
conduzida coercitivamente e condenada a pagar as despesas do adiamento do ato (art. 455, § 5º).
Contudo, a Lei (no caso, o CPC) não prevê a possibilidade de tais sanções cíveis serem aplicadas
juntamente com a punição pelo crime de desobediência.

Apesar do exposto, a Lei 13.641/2018 incluiu na Lei Maria da Penha um tipo penal específico
para essa conduta:

Art. 24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de


urgência previstas nesta Lei:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos.

15. CRIME DE DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA

Salienta-se, a priori, que este item foi elaborado com base na excelente explicação do prof.
Márcio Cavalcante8.

A Lei 13.641/2018, publicada em 04 de abril de 2018, alterou a Lei Maria da Penha e tornou
crime a conduta do autor da violência que descumpre as medidas protetivas de urgência impostas
pelo juiz.

Ao contrário do que muitos pensam, a Lei Maria da Penha não previa crimes. Este diploma
traz uma série de disposições processuais e também de direito civil. Assim sendo, o art. 24-A, agora
inserido, é o único delito tipificado na Lei 11.340/2006.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Colaciona-se, a seguir, o exemplo trazido pelo prof. Márcio Cavalcante, a fim de que o tema
seja compreendido.

Maria decidiu se separar de João. Este, contudo, continuou a procurá-la insistentemente e


a fazer ameaças caso ela não reatasse o relacionamento. Diante disso, Maria procurou a Delegacia
pedindo que fossem tomadas providências.

A autoridade policial lavrou o boletim de ocorrência e enviou um expediente ao juiz com o


pedido de Maria para que João não se aproximasse mais dela (art. 12, III, da Lei 11.340/2006). O
juiz deferiu o pedido da ofendida e determinou, como medidas protetivas de urgência, que João
mantivesse distância mínima de 500 metros de Maria e não tentasse nenhum contato com ela por
qualquer meio de comunicação (art. 22, III, “a” e “b”).

8 Disponível em: https://www.dizerodireito.com.br/2018/04/comentarios-ao-novo-tipo-penal-do-art.html.

LEI MARIA DA PENHA 2023.1 46

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Na decisão, o magistrado consignou ainda que, em caso de descumprimento de quaisquer
das medidas impostas, seria aplicada ao requerido multa diária de R$ 100,00, conforme previsto no
§ 4º, do art. 22 da Lei 11.340/2006.

João foi regularmente intimado. Apesar disso, uma semana depois procurou Maria em seu
local de trabalho, fazendo novas ameaças.

Isto posto, questiona-se: quais consequências poderão ser impostas a João pelo
descumprimento da medida protetiva?

1) A execução da multa imposta;

2) A decretação de sua prisão preventiva (art. 313, III, do CPP).

Outrossim, João também poderia ser processado criminalmente? A conduta de descumprir


medida protetiva de urgência configura crime?

A questão tem que ser analisada antes e depois da Lei nº 13.641/2018. Assim, tem-se o
seguinte cenário:

A conduta de descumprir medida protetiva de urgência


prevista na Lei Maria da Penha configura crime?
Antes da Lei nº 13.641/2018: Depois da Lei nº 13.641/2018
NÃO (atualmente): SIM
Foi inserido novo tipo penal na Lei Maria
Antes da alteração, o STJ entendia que o da Penha prevendo como crime essa
descumprimento de medida protetiva de urgência conduta:
prevista na Lei Maria da Penha (art. 22 da Lei Art. 24-A. Descumprir decisão judicial que
11.340/2006) não configurava infração penal. defere medidas protetivas de urgência
previstas nesta Lei:
O agente não respondia nem mesmo por crime de Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2
desobediência (art. 330 do CP). (dois) anos.

SUJEITO ATIVO

Comete este delito a pessoa que descumpre a medida protetiva de urgência imposta com
base na Lei Maria da Penha.

15.2.1. Homem ou mulher

Ao contrário do que muitos imaginam, o autor da violência doméstica não precisa ser
necessariamente um homem. Assim, existem casos de violência doméstica praticados por
mulheres. Ex.: filha contra mãe (STJ HC 277.561/AL).

A exigência é de que a vítima seja mulher, mas o agressor pode ser homem ou mulher.

Isso significa que o sujeito ativo do crime do art. 24-A da Lei Maria da Penha pode ser homem
ou mulher. É o caso, por exemplo, da nora que agride a sogra. Se o juiz impuser que a nora não se
aproxime da sogra e a nora descumprir essa ordem, responderá pelo crime do art. 24-A.

LEI MARIA DA PENHA 2023.1 47

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15.2.2. Partícipes

O indivíduo poderá responder por este delito, na qualidade de partícipe, mesmo sem ser o
autor da violência doméstica.

Ex.: o juiz determina que João mantenha distância mínima de 500 metros de Maria (sua ex-
esposa) e não tente nenhum contato com ela por qualquer meio de comunicação (art. 22, III, “a” e
“b”). O irmão de João, mesmo sabendo dessa proibição, envia para Maria, pelo seu número do
WhatsApp, um áudio do agressor no qual ele tenta a reconciliação com a vítima.

SUJEITO PASSIVO

O sujeito passivo é o Estado. A vítima mediata ou secundária é o juiz que expediu a ordem.

É preciso ter muita atenção porque a vítima do crime do art. 24-A não é a vítima da violência
doméstica.

TIPO OBJETIVO

1) Descumprir: consiste em desobedecer, ou seja, não atender, não cumprir a decisão


judicial.

2) Ação ou omissão: vale ressaltar que esse crime poderá ser praticado mediante conduta
comissiva (ex.: aproximar-se da vítima mesmo havendo uma proibição) ou omissiva (ex.:
não pagar os alimentos provisórios fixados pelo juiz como medida protetiva).

3) Decisão judicial: deve-se entender em sentido amplo, abrangendo tanto decisões


interlocutórias como eventualmente uma sentença ou acórdão no qual seja fixada a
medida protetiva. A decisão pode ser de 1ª instância ou de Tribunal (colegiada ou
monocrática).

TIPO SUBJETIVO

O crime é punido a título de dolo.

O dolo, no caso, consiste na vontade livre e consciente de descumprir decisão judicial que
defere medida protetiva de urgência baseada na Lei Maria da Penha.

Obviamente, para que haja o crime, é indispensável que o agente saiba da existência da
decisão judicial deferindo a medida protetiva.

Não há crime se o sujeito age com culpa. Ex.: vai a uma festa de aniversário de amigos em
comum e ali encontra a ex-mulher sendo que havia uma ordem de não aproximação.

INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA

Uma das medidas protetivas de urgência previstas na Lei é a “prestação de alimentos


provisionais ou provisórios” à mulher (art. 22, V).

LEI MARIA DA PENHA 2023.1 48

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Se o agente não cumpre essa medida em virtude de impossibilidade econômica, não poderá
ser punido pelo crime do art. 24-A, considerando que se trata de hipótese de inexigibilidade de
conduta diversa, que consiste em causa excludente de culpabilidade.

CONSUMAÇÃO

A medida protetiva pode consistir em uma ordem para que o agente faça alguma coisa ou
para que não faça (não adote determinado comportamento).

Desse modo, o crime se consuma no momento em que o agente faz a conduta proibida na
decisão judicial (ex.: entra em contato com a ex-mulher, mesmo isso tendo sido proibido) ou, então,
no instante em que termina o prazo que havia sido fixado para que o sujeito adotasse determinado
comportamento (ex.: juiz fixou o prazo de 24h para que o agressor deixasse a casa; após isso, sem
cumprimento, o crime já terá se consumado).

O crime do art. 24-A pode se consumar mesmo que o sujeito ativo não tenha agido com
violência ou grave ameaça. Ex.: o juiz determinou que João, acusado de violência doméstica, não
se aproxime menos que 500m da ex-mulher. O autor do fato, arrependido, procura a vítima
chorando e com um buquê de rosas. Ele terá cometido o crime do art. 24-A.

Se houver violência ou grave ameaça, o agente poderá responder pelo delito do art. 24-A
em concurso com outros delitos. Ex.: se, o agente, que estava proibido de se aproximar da ex-
mulher, procura-a e a ameaça de morte, ele responderá pelo delito do art. 24-A da Lei nº
11.340/2006 em concurso com o art. 147 do Código Penal.

TENTATIVA

Em tese, é possível na modalidade comissiva. Ex.: o ex-marido, mesmo estando proibido de


entrar em contato com a ex-mulher, envia-lhe uma carta, que é interceptada pela sogra.

AÇÃO PENAL

A ação penal é pública incondicionada.

HABEAS CORPUS

Cabe habeas corpus para apurar eventual ilegalidade na fixação de medida protetiva de
urgência (STJ. 5ª Turma. HC 298.499-AL, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em
1º/12/2015). Esse entendimento ganha força agora com a inclusão do art. 24-A à Lei Maria da
Penha.

COMPETÊNCIA

Dispõe o § 1º do art. 24-A que:

Art. 24-A, § 1º A configuração do crime independe da competência civil ou


criminal do juiz que deferiu as medidas.

LEI MARIA DA PENHA 2023.1 49

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As medidas protetivas de urgência da Lei 11.340/2006 não são exclusivas do processo
penal. Isso significa que podem ser aplicadas em processos cíveis, independentemente da
existência de inquérito policial ou processo criminal contra o suposto agressor.

A Lei Maria da Penha foi editada com o objetivo de ampliar os mecanismos jurídicos e
estatais de proteção da mulher vítima de violência doméstica.

A referida Lei não se preocupa apenas com o viés da punição penal do agressor, sendo
voltada também para a prevenção da violência, fornecendo, para tanto, instrumentos de natureza
civil e administrativa.

Desse modo, para que a Lei consiga atender seus propósitos de prevenção, é possível que
sejam determinadas medidas judiciais de natureza não criminal, mesmo porque a resposta penal
estatal só é desencadeada depois que, concretamente, o ilícito penal é cometido, muitas vezes com
consequências irreversíveis, como no caso de homicídio ou de lesões corporais graves ou
gravíssimas.

Vale ressaltar que a definição de violência doméstica presente na Lei engloba situações que
nem constituem crime, como o caso de “sofrimento psicológico”, “dano moral”, “diminuição da
autoestima”, “manipulação” etc. Assim, fica ainda mais claro que a Lei não tem objetivos
exclusivamente penais.

Foi isso que decidiu o STJ:

(...) 1. As medidas protetivas previstas na Lei n. 11.340/2006, observados os


requisitos específicos para a concessão de cada uma, podem ser pleiteadas
de forma autônoma para fins de cessação ou de acautelamento de violência
doméstica contra a mulher, independentemente da existência, presente ou
potencial, de processo-crime ou ação principal contra o suposto agressor.
2. Nessa hipótese, as medidas de urgência pleiteadas terão natureza de
cautelar cível satisfativa, não se exigindo instrumentalidade a outro processo
cível ou criminal, haja vista que não se busca necessariamente garantir a
eficácia prática da tutela principal. "O fim das medidas protetivas é proteger
direitos fundamentais, evitando a continuidade da violência e das situações
que a favorecem. Não são, necessariamente, preparatórias de qualquer ação
judicial. Não visam processos, mas pessoas" (DIAS. Maria Berenice. A Lei
Maria da Penha na justiça. 3 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2012). (...) STJ. 4ª Turma. REsp 1419421/GO, Rel. Min. Luís Felipe Salomão,
julgado em 11/02/2014.

Confirmando essa natureza e a fim de que não houvesse dúvidas quanto à tipificação, o
legislador previu expressamente que também haverá o crime do art. 24-A se o sujeito descumprir
medida protetiva imposta em processo cível.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(MPE-RJ - Promotor - MPE-RJ - 2022): No que concerne ao crime de
descumprimento das medidas protetivas do art. 24-A da Lei Maria da Penha,
é correto afirmar que a configuração do crime independe da competência civil
ou criminal do juiz que deferiu as medidas. Correto.

LEI MARIA DA PENHA 2023.1 50

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FIANÇA

O § 2º do art. 24-A dispõe que:

Art. 24-A, § 2º Na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade


judicial poderá conceder fiança.

Fiança é uma caução em dinheiro ou outros bens (garantia real), prestada em favor do
indiciado ou réu para que ele possa responder ao inquérito ou o processo em liberdade, devendo
cumprir determinadas obrigações processuais sob pena de a fiança ser considerada quebrada e ele
ser preso cautelarmente.

A fiança pode ser fixada isoladamente ou em conjunto com outras medidas cautelares
previstas no art. 319 do CPP, a fim de que seja evitada a prisão preventiva.

Além disso, a fiança pode ser concedida durante o inquérito policial ou no curso do processo
criminal, enquanto não tiver transitado em julgado a sentença condenatória (art. 334).

Nesse liame, a fiança poderá ser concedida pelo(a):

Delegado de Polícia Autoridade judiciária


A qualquer momento (durante o IP ou no curso
Em até 24 horas após a prisão em flagrante e
do processo), mesmo que não se trate de
desde que a pena máxima prevista seja de até
prisão em flagrante, não importando a pena
4 anos.
prevista.

Assim, em regra, se a pessoa for presa em flagrante e o crime tiver pena máxima de 4 anos,
o próprio Delegado poderá arbitrar fiança e o flagranteado será solto. Vale mencionar que não
importa se o crime é punido com detenção ou reclusão. Tanto faz. Sendo a pena de até 4 anos, a
autoridade policial tem legitimidade para arbitrar a fiança.

Por outro lado, se o crime tiver pena superior a 4 anos, o flagranteado deverá requerer a
concessão da fiança ao juiz, que decidirá o pedido em até 48 horas.

Essa regra encontra-se prevista no art. 322 do CPP:

Art. 322. A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de
infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4
(quatro) anos.
Parágrafo único. Nos demais casos, a fiança será requerida ao juiz, que
decidirá em 48 (quarenta e oito) horas.

Há, contudo, uma exceção. A Lei 13.641/2018, ao incluir o § 2º, criou exceção à regra do
art. 322 do CPP. Isso porque o § 2º proíbe que o Delegado de Polícia conceda fiança para o crime
do art. 24-A a despeito desse delito ter pena máxima de 2 anos.

Ante o exposto, tem-se que o delegado de polícia pode conceder fiança, desde que para
crimes cuja pena máxima prevista seja de até 4 anos. Todavia, há a exceção do crime do art. 24-A
da Lei Maria da Penha que tem pena máxima de 2 anos, mas não admite fiança concedida pela
autoridade policial.

LEI MARIA DA PENHA 2023.1 51

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Como o tema foi cobrado em concurso?
(PC-SP - Delegado - VUNESP - 2022): Nos termos da Lei n° 11.340/2006
(Lei “Maria da Penha”), é correto afirmar que na hipótese de prisão em
flagrante por descumprimento de decisão judicial que deferiu medidas
protetivas de urgência, apenas a autoridade judicial poderá conceder fiança.
Correto.

(MPE-AC - Promotor - CESPE - 2022): W., enquadrado na lei de violência


doméstica contra sua ex-companheira, descumpriu as medidas protetivas de
urgências deferidas judicialmente em seu desfavor. Nessa situação
hipotética, caso ocorra a prisão em flagrante de W., apenas a autoridade
judicial poderá arbitrar a fiança. Correto.

(DPE-PR - Defensor - Instituto AOCP - 2022): Em caso de prisão em


flagrante por descumprimento de medida protetiva de urgência, crime com
pena cominada de 3 meses a 2 anos de detenção, somente o Juiz poderá
conceder fiança ao autuado. Correto.

(DPE-AM - Defensor - FCC - 2021): Acerca do aspecto processual da Lei


Maria da Penha, é correto afirmar que na hipótese de prisão em flagrante por
descumprimento de decisão judicial que defere medidas protetivas de
urgência, somente a autoridade judicial poderá arbitrar fiança, sendo defeso
ao Delegado fazê-lo. Correto.

(MPE-CE - Promotor - CESPE - 2021): No que diz respeito à assistência à


mulher em situação de violência doméstica e familiar, a Lei Maria da Penha
prevê o não cabimento de fiança ao agressor preso em flagrante
descumprindo medidas protetivas de urgência. Errado.

DEMAIS SANÇÕES

Preleciona o § 3º do art. 24-A que:

Art. 24-A, § 3º O disposto neste artigo não exclui a aplicação de outras


sanções cabíveis.

Conforme mencionado, o descumprimento de medida protetiva pode ensejar:

1) A execução da multa eventualmente imposta;

2) A decretação da prisão preventiva do autor.

O que este § 3º explicita é que tais consequências continuam acontecendo mesmo agora
com a existência de um tipo penal específico para essa conduta.

APLICAÇÃO DA LEI 9.099/95

A pena máxima do art. 24-A não ultrapassa 2 anos, razão pela qual se trata de infração de
menor potencial ofensivo (art. 61 da Lei 9.099/95). Diante disso, indaga-se: é possível a da
transação penal, da suspensão condicional do processo e dos demais benefícios da Lei 9.099/95
para o autor do crime do art. 24-A da Lei 11.340/2006?

LEI MARIA DA PENHA 2023.1 52

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Há doutrina que entende ser possível a aplicação das medidas despenalizadoras para o
sujeito que praticar o crime do art. 24-A.

Deve-se relembrar que o réu que pratica violência doméstica ou familiar contra mulher não
pode ser beneficiado com transação penal ou com suspensão condicional do processo. Isso porque
a suspensão condicional do processo e a transação penal estão previstas na Lei 9.099/95 e a Lei
Maria da Penha expressamente proíbe que se aplique a Lei 9.099/95 para os crimes praticados
com violência doméstica e familiar contra a mulher:

Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a
mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei 9.099, de
26 de setembro de 1995.

Ocorre que o art. 24-A pode ser praticado sem violência contra a mulher. Desse modo, para
o prof. Márcio Cavalcante, não há óbice à aplicação da Lei 9.099/95 para os autores deste delito.

Apesar disso, tal posição não prevalece. A jurisprudência é extremamente refratária à


aplicação de qualquer medida despenalizadora em se tratando de delitos que envolvam violência
doméstica. Nesse sentido, destaca-se as Súmulas 536, 542 e 588, todas do STJ:

Súmula 536 do STJ: A suspensão condicional do processo e a transação


penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da
Penha.

Súmula 588 do STJ: A prática de crime ou contravenção penal contra a


mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico impossibilita
a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

A exegese relativa ao art. 24-A deve seguir a mesma linha.

Vale ressaltar, ainda, que a intenção do legislador, ainda que não expressa, parece ter sido
a de não considerar o crime do art. 24-A como sendo infração de menor potencial ofensivo e de
excluí-la do âmbito de incidência da Lei 9.099/95, em razão do § 2º do art. 24-A, que preconiza o
seguinte:

Art. 24-A, § 2º Na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade


judicial poderá conceder fiança.

Desse modo, implicitamente o legislador afirmou que é possível a prisão em flagrante no


caso do crime do art. 24-A. Além disso, esse mesmo permitiu que o juiz exija fiança do sujeito que
praticou o novo delito da Lei Maria da Penha. Assim, o § 2º do art. 24-A claramente determina que
não se aplica o art. 69, parágrafo único, da Lei 9.099/95, que diz:

Art. 69, Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for
imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele
comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em
caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de
cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a
vítima.

LEI MARIA DA PENHA 2023.1 53

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Em suma, entende-se que a interpretação que irá ser acolhida pelos Tribunais é no sentido
de que o delito do art. 24-A da Lei Maria da Penha não se sujeita às disposições da Lei 9.099/95 e,
portanto, pode-se extrair algumas eventuais conclusões:

1) Admite-se a prisão em flagrante pela prática do crime do art. 24-A da Lei 11.340/2006;

2) Deverá ser instaurado inquérito policial para apurar essa infração (não sendo suficiente
termo circunstanciado);

3) É possível que seja exigida fiança para a liberdade do flagranteado.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(PC-GO - Delegado - Instituto AOCP - 2022): A suspensão condicional do
processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos
ao rito da Lei Maria da Penha. Correto.

NOVATIO LEGIS IN PEJUS

É mister ressaltar que a Lei 13.641/2018 é uma lei posterior mais gravosa. Isso porque, antes
da sua edição, entendia-se que a conduta de descumprir medida protetiva de urgência não era
considerada crime.

Assim, se o agente descumpriu a medida protetiva até o dia 03/04/2018, ele não cometeu
delito. No entanto, se esse descumprimento ocorreu no dia 04/04/2018 ou em data posterior, o
sujeito incide no crime tipificado no art. 24-A da Lei Maria da Penha.

16. JURISPRUDÊNCIA EM TESE

A fim de complementar o material, colaciona-se abaixo a Edição 205 da Jurisprudência em


Teses do STJ acerca das medidas protetivas na Lei Maria da Penha, publicada em 09 de dezembro
de 2022:

1) As medidas protetivas previstas na Lei 11.340/2006 são aplicáveis às minorias, como


transexuais, transgêneros, cisgêneros e travestis em situação de violência doméstica,
afastado o aspecto meramente biológico.

2) As medidas protetivas impostas pela prática de violência doméstica e familiar contra a


mulher possuem natureza satisfativa, motivo pelo qual podem ser pleiteadas de forma
autônoma, independentemente da existência de outras ações judiciais.

3) Não se aplica o art. 308 do CPC/2015, que exige o ajuizamento de ação principal no
prazo de trinta dias, à medida protetiva de alimentos deferida com fundamento na Lei
11.340/2006, que possui natureza satisfativa, e não cautelar.

4) A medida protetiva de alimentos deferida com fundamento na Lei 11.340/2006 subsiste


enquanto perdurar a situação de vulnerabilidade desencadeada pela prática de violência
doméstica e familiar, e não apenas durante a situação de violência.

LEI MARIA DA PENHA 2023.1 54

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5) O Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher é competente para executar
os alimentos fixados como medida protetiva de urgência em decorrência de aplicação da
Lei Maria da Penha pela Vara especializada.

6) A decisão proferida em processo penal que fixa alimentos em razão de prática de


violência doméstica constitui título hábil para imediata cobrança e, em caso de
inadimplemento, é possível a decretação de prisão civil.

7) Não é possível decretar a prisão do paciente por descumprimento de cautelar de


prestação de alimentos sem a indicação concreta de prejuízo efetivo à vítima quando há
contra ele a imputação de ataques físicos e morais à vítima e foram fixadas diversas
medidas protetivas que preservam a segurança dela.

8) O Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher é competente para


conhecer e julgar ação de divórcio ou de reconhecimento e dissolução de união estável
na hipótese em que houve anterior promoção de medida protetiva, ainda que tenha sido
extinta por homologação de acordo entre as partes.

9) O Juízo da Vara Especializada em Violência Doméstica e Familiar ou, na ausência deste,


o Juízo Criminal é competente para apreciar o pedido de imposição de medida protetiva
de manutenção de vínculo trabalhista da ofendida em razão de afastamento do trabalho
decorrente de violência doméstica e familiar.

10) Compete à Justiça Federal apreciar pedido de medida protetiva de urgência decorrente
de crime de ameaça contra mulher, iniciado no estrangeiro com resultado no Brasil e
cometido por meio de rede social de grande alcance.

11) A posterior reconciliação entre a vítima e o agressor não é fundamento suficiente para
afastar a necessidade de fixação do valor mínimo previsto no art. 387, inciso IV, do CPP,
seja porque não há previsão legal nesse sentido, seja porque compete à própria vítima
decidir se irá promover a execução ou não do título executivo, sendo vedado ao Poder
Judiciário omitir-se na aplicação da legislação processual penal que determina a fixação
do valor mínimo em favor da ofendida.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(PC-PB - Delegado - CESPE - 2022): A posterior reconciliação entre vítima
e agressor é fundamento suficiente para afastar a necessidade de fixação do
valor mínimo previsto no art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal,
pois não se pode exigir da vítima que tome a iniciativa de cobrar tal valor após
o restabelecimento da relação afetiva. Errado.

LEI MARIA DA PENHA 2023.1 55

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