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Edição 2022

Crimes de Preconceito
Lei 7.716/1989

Edição 2023.1
Revisada
Atualizada
Ampliada

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CRIMES RESULTANTES DE PRECONCEITO E DISCRIMINAÇÃO
APRESENTAÇÃO................................................................................................................................ 3
1. INTRODUÇÃO .............................................................................................................................. 4
2. TUTELA CONSTITUCIONAL ....................................................................................................... 4
PREÂMBULO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL ................................................................... 4
DISPOSITIVOS DA CF/88 .................................................................................................... 5
RACISMO X INJÚRIA RACIAL ............................................................................................. 7
3. TUTELA DA IGUALDADE NA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DOS HOMENS
11
4. ÂMBITO DE INCIDÊNCIA DA LEI 7.716/89 .............................................................................. 12
APLICAÇÃO DA LEI 7.716/89 PARA PUNIR CONDUTAS HOMOFÓBICAS E
TRANSFÓBICAS ........................................................................................................................... 14
5. CONCEITOS............................................................................................................................... 17
RAÇA ................................................................................................................................... 17
COR ..................................................................................................................................... 18
ETNIA .................................................................................................................................. 18
RELIGIÃO............................................................................................................................ 18
PROCEDÊNCIA NACIONAL .............................................................................................. 18
6. OUTRAS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO ................................................................................ 19
7. CRIMES DA LEI 7.716/89 .......................................................................................................... 22
IMPEDIR ACESSO CARGO PÚBLICO .............................................................................. 22
7.1.1. Previsão legal e considerações ................................................................................... 22
7.1.2. Conflito aparente de normas ....................................................................................... 23
IMPEDIR PROMOÇÃO NA CARREIRA ............................................................................. 24
7.2.1. Consumação ................................................................................................................ 24
7.2.2. Sujeito ativo.................................................................................................................. 24
RACISMO NA INICIATIVA PRIVADA (ANTES DA CONTRATAÇÃO) .............................. 24
7.3.1. Sujeito ativo.................................................................................................................. 25
7.3.2. Sujeito passivo ............................................................................................................. 25
RACISMO NA INICIATIVA PRIVADA (APÓS A CONTRATAÇÃO) .................................. 25
7.4.1. DEIXAR DE CONCEDER OS EQUIPAMENTOS NECESSÁRIOS AO EMPREGADO
EM IGUALDADE DE CONDIÇÕES COM OS DEMAIS TRABALHADORES ........................... 25
7.4.1.1. Sujeito ativo.................................................................................................................. 26
7.4.1.2. Sujeito passivo ............................................................................................................. 26
7.4.1.3. Consumação ................................................................................................................ 26
7.4.1.4. Tentativa....................................................................................................................... 26
7.4.2. IMPEDIR A ASCENSÃO FUNCIONAL DO EMPREGADO OU OBSTAR OUTRA
FORMA DE BENEFÍCIO PROFISSIONAL ................................................................................ 26
7.4.2.1. Sujeito ativo.................................................................................................................. 26
7.4.2.2. Sujeito passivo ............................................................................................................. 26
7.4.2.3. Consumação ................................................................................................................ 27
7.4.3. PROPORCIONAR AO EMPREGADO TRATAMENTO DIFERENCIADO NO
AMBIENTE DE TRABALHO, ESPECIALMENTE QUANTO AO SALÁRIO .............................. 27
RACISMO NA COLOCAÇÃO DE ANÚNCIOS DE EMPREGOS ...................................... 27
DISCRIMINAÇÃO NOS ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS ....................................... 28
7.6.1. Artigo 5º da Lei 7.716/89 ............................................................................................. 28
7.6.1.1. Sujeito ativo.................................................................................................................. 28

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7.6.1.2. Sujeito passivo ............................................................................................................. 28
7.6.1.3. Consumação ................................................................................................................ 28
7.6.2. Artigo 7º da Lei 7.716/89 ............................................................................................. 28
7.6.2.1. Sujeito ativo.................................................................................................................. 29
7.6.2.2. Sujeito Passivo............................................................................................................. 29
7.6.2.3. Consumação ................................................................................................................ 29
7.6.3. Artigo 8º da Lei 7.716/89 ............................................................................................. 29
7.6.3.1. Sujeito ativo.................................................................................................................. 29
7.6.3.2. Sujeito Passivo............................................................................................................. 29
7.6.3.3. Consumação ................................................................................................................ 30
7.6.4. Artigo 9º da Lei 7.716/89 ............................................................................................. 30
7.6.4.1. Sujeito ativo.................................................................................................................. 30
7.6.4.2. Sujeito passivo ............................................................................................................. 30
7.6.4.3. Consumação ................................................................................................................ 30
7.6.5. Artigo 10 da Lei 7.716/89 ............................................................................................. 31
7.6.5.1. Sujeito ativo.................................................................................................................. 31
7.6.6. Sujeito passivo ............................................................................................................. 31
7.6.7. Consumação ................................................................................................................ 31
DISCRIMINAÇÃO NA EDUCAÇÃO.................................................................................... 31
7.7.1. Sujeito ativo.................................................................................................................. 32
7.7.2. Sujeito passivo ............................................................................................................. 32
7.7.3. Consumação ................................................................................................................ 32
ARTIGO 11 DA LEI 7.716/89 .............................................................................................. 32
ARTIGO 12 DA LEI 7.716/89 .............................................................................................. 33
7.9.1. Sujeito ativo.................................................................................................................. 33
7.9.2. Sujeito passivo ............................................................................................................. 33
7.9.3. Conflito aparente de normas (princípio da especialidade).......................................... 33
ART. 13 DA LEI 7.716/89.................................................................................................... 34
7.10.1. Sujeito ativo.................................................................................................................. 34
7.10.2. Sujeito passivo ............................................................................................................. 34
7.10.3. Consumação ................................................................................................................ 34
7.10.4. Tentativa....................................................................................................................... 35
ARTIGO 14 DA LEI 7.716/89 .............................................................................................. 35
7.11.1. Sujeito ativo.................................................................................................................. 35
7.11.2. Sujeito passivo ............................................................................................................. 35
7.11.3. Consumação ................................................................................................................ 35
ARTIGO 20 DA LEI 7.716/89 .............................................................................................. 36
7.12.1. Hipóteses em que a jurisprudência entendeu pela configuração (ou não) do delito . 36
7.12.2. Qualificadora ................................................................................................................ 40
7.12.3. Racismo do art. 20 praticado em atividades esportivas, religiosas, artísticas ou
culturais 41
7.12.4. Obstar, impedir ou empregar violência contra manifestações ou práticas religiosas
(racismo religioso) ...................................................................................................................... 42
ARTIGO 20, § 1º, DA LEI 7.716/89 .................................................................................... 42
7.13.1. Sujeito ativo.................................................................................................................. 43
7.13.2. Sujeito passivo ............................................................................................................. 43
7.13.3. Consumação ................................................................................................................ 43
7.13.4. Elemento subjetivo ....................................................................................................... 43

CS – CRIME DE PRECONCEITO 2023.1 1

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8. CAUSA DE AUMENTO DE PENA PARA TODAS AS CONDUTAS RACISTAS DA LEI
7.716/89 PRATICADAS EM CONTEXTO DE DESCONTRAÇÃO, DIVERSÃO OU RECREAÇÃO43
9. EFEITOS EXTRAPENAIS DA CONDENAÇÃO......................................................................... 44
10. AÇÃO PENAL ......................................................................................................................... 45
11. NECESSIDADE DE QUE A VÍTIMA DO CRIME DE RACISMO SEJA ACOMPANHADA DE
ADVOGADO OU DEFENSOR PÚBLICO ......................................................................................... 45
12. BREVES NOTAS SOBRE A COMPETÊNCIA ....................................................................... 45
CRIME PRATICADO PELA REDE MUNDIAL DE COMPUTADORES ............................. 46

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APRESENTAÇÃO

Olá!

Inicialmente gostaríamos de agradecer a confiança em nosso material. Esperamos que seja


útil na sua preparação, em todas as fases. Quanto mais contato temos com uma mesma fonte de
estudo, mais familiarizados ficamos, o que ajuda na memorização e na compreensão da matéria.

O Caderno Legislação Penal Especial – Crimes de Preconceito possui como base as aulas
do professor Vinícius Marçal, do Curso G7 Jurídico.

Três livros foram utilizados para complementar nosso CS de Legislação Penal Especial –
Crimes de Preconceito: a) Legislação Criminal para Concursos (Fábio Roque, Nestor Távora e
Rosmar Rodrigues Alencar), ano 2017, b) Legislação Criminal Comentada (Renato Brasileiro), ano
2018, ambos da Editora Juspodivm e c) Esquematizado - Legislação Penal Especial (Victor Eduardo
Rios Gonçalves), ano 2022, da Editora Saraiva.

Na parte jurisprudencial, utilizamos os informativos do site Dizer o Direito


(www.dizerodireito.com.br), os livros: Principais Julgados STF e STJ Comentados, Vade Mecum de
Jurisprudência Dizer o Direito, Súmulas do STF e STJ anotadas por assunto (Dizer o Direito).
Destacamos: é importante você se manter atualizado com os informativos, reserve um dia da
semana para ler no site do Dizer o Direito.

Ademais, no Caderno constam os principais artigos da lei, mas, ressaltamos, que é


necessária leitura conjunta do seu Vade Mecum, muitas questões são retiradas da legislação.

Como você pode perceber, reunimos em um único material diversas fontes (aulas + doutrina
+ informativos + súmulas + lei seca + questões) tudo para otimizar o seu tempo e garantir que você
faça uma boa prova.

Por fim, como forma de complementar o seu estudo, não esqueça de fazer questões. É muito
importante! As bancas costumam repetir certos temas.

Vamos juntos! Bons estudos!

Equipe Cadernos Sistematizados.

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1. INTRODUÇÃO

O antigo preâmbulo da Lei 7.716/89 definia os crimes de preconceito como aqueles


praticados em detrimento de raça e de cor, de acordo com sua antiga redação:

Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de


preconceitos de raça ou de cor.

Em 1997, com a edição da Lei 9.459/97, esse dispositivo sofreu alteração:

Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de


discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência
nacional. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

À vista disso, fundamental memorizar a sigla/mnemônico RCERPN:

Obs.: algumas provas abordam o tema e incluem outros tipos de


preconceitos além dos citados no art. 1º da Lei 7.716/89. Portanto, é
imprescindível o conhecimento do dispositivo legal.

2. TUTELA CONSTITUCIONAL

PREÂMBULO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

O preâmbulo, apesar de não ser lei, possui relevante caráter político-ideológico, uma vez
que possui a seguinte redação legal:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional


Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-
estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de
uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na
harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a

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solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a
seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Esses foram os valores que fomentaram a Carta Magna.

DISPOSITIVOS DA CF/88

Inicialmente, destaca-se o art. 1º, III, da CF/88:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos


Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III - a dignidade da pessoa humana.

É de extrema importância a referida previsão, porque o bem jurídico tutelado pela Lei nº
7.716/89 é a “dignidade da pessoa humana”.

No mesmo sentido, tem-se o objetivo fundamental elencado no art. 3º, IV, da CF/88:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,


idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Sexo, idade e outras formas de discriminação (cláusula aberta) não estão contempladas
pela Lei 7.716/89.

Além disso, preveem os arts. 4º, II e VIII; art. 5º, VI; art. 7º, XXXI, todos da CF/88 que:

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações


internacionais pelos seguintes princípios:

II - prevalência dos direitos humanos;

VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;

Art. 5º, VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo


assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei,
a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que
visem à melhoria de sua condição social:

XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de


admissão do trabalhador portador de deficiência.

Ressalta-se que o art. 7º, XXXI, é tão importante que se tornou crime na Lei 7.716/89, em
seu art. 4º, § 1º, III:

Art. 4º Negar ou obstar emprego em empresa privada.

Pena: reclusão de dois a cinco anos.

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§ 1º Incorre na mesma pena quem, por motivo de discriminação de raça ou
de cor ou práticas resultantes do preconceito de descendência ou origem
nacional ou étnica:

III - proporcionar ao empregado tratamento diferenciado no ambiente de


trabalho, especialmente quanto ao salário.

Por conseguinte, dispõe o art. 5º, XLI, da CF/88:

Art. 5º, XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e
liberdades fundamentais.

Há, portanto, mandado constitucional de criminalização. A lei manda que o legislador


ordinário venha a punir QUALQUER (de lege ferenda) discriminação, não havendo, entretanto, o
tratamento generalizado.

Ademais, os incisos XLII, XLIV, XLIII do art. 5º, da CF/88 afirmam que:

Art. 5º, XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível,


sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;

XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou


anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o
terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os
mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;

XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados,


civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.

Considerando os incisos acima, destaca-se que existem 3 hipóteses de inafiançabilidade e


2 hipóteses de imprescritibilidade.

Doutrinadores de peso – tais como Sergio Salomão Shecaira e Guilherme de Souza Nucci
– são radicalmente contra a imprescritibilidade, pois entendem que, no caso do racismo, trata-se de
algo desproporcional, marcado por indícios autoritários.

Por outro lado, a CF/88 tratou das 3 hipóteses de inafiançabilidade e 2 de imprescritibilidade,


não podendo a doutrina relegá-las. Ademais, não existem normas constitucionais originárias
inconstitucionais, razão pela qual devem ser aplicadas.

Nesse liame, frisa-se que o STF reconheceu a validade da imprescritibilidade constitucional


afirmando que:

STF HC 82424 - jamais podem se apagar da memória dos povos que se


pretendam justos os atos repulsivos do passado que permitiram e
incentivaram o ódio entre os iguais por motivos raciais de torpeza
inominável. A ausência de prescrição nos crimes de racismo justifica-se
como alerta grave para as gerações de hoje e de amanhã, para que se
impeça a restauração de velhos e ultrapassados conceitos que a consciência
jurídica e histórica não mais admite.

Ante o exposto, questiona-se: a discriminação em razão de cor, etnia, religião e procedência


nacional também são imprescritíveis, já que a CF/88 engloba, literalmente, o racismo por raça?
Existem 2 entendimentos.

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Gabriel Habib defende a literalidade da CF/88, em razão da analogia in malam partem.
Segundo ele, a Carta Magna apenas fez menção expressa ao racismo, como sendo imprescritível
e inafiançável, nada dispondo em relação às demais formas de discriminação previstas na lei (cor,
etnia, religião ou procedência nacional). Dessa forma, conclui-se que a imprescritibilidade e a
inafiançabilidade se referem tão somente à discriminação em razão de raça, não podendo o preceito
constitucional ser aplicado às demais formas de discriminação, sob pena de incidência em analogia
in malam partem.

Diversamente, STF e STJ têm entendimento radicalmente oposto. Dizem os tribunais:

Não procede a preliminar de prescrição da pretensa punitiva estatal, uma vez


que o paciente foi denunciado como incurso no artigo 20 da Lei 7.716/1989
(‘praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia,
religião ou procedência nacional.’). Tratando-se de crime de racismo, incide
sobre o tipo penal e a cláusula de imprescritibilidade prevista no art. 5º, XLII,
da Constituição Federal. A jurisprudência do STF e do STJ é firme no
sentido de que o crime de racismo não se restringe aos atos
preconceituosos em função de cor ou etnia, mas abrangem todo ato
discriminatório praticado em função de raça, cor, etnia, religião ou
procedência, conforme previsão literal do art. 20 da Lei nº 7.716/1989.

Esse deve ser o posicionamento adotado em provas, uma vez que representa o
entendimento consolidado nas cortes superiores.

Como o tema foi cobrado em concurso?

(MPE-SP - Promotor - MPE-SP - 2022): Em relação às disposições contidas


Lei 7.716/89, que define os crimes resultantes de preconceitos de raça ou de
cor, é correto afirmar que são considerados crimes hediondos por
equiparação e, em razão de comando constitucional, são inafiançáveis e
imprescritíveis. Errado.

(DPE-TO - Defensor - CESPE - 2022): Em relação aos crimes resultantes de


preconceito de raça ou de cor, é correto afirmar que tais crimes são
inafiançáveis, mas sujeitos aos prazos prescricionais estabelecidos no
Código Penal brasileiro. Errado.

(PC-PB - Delegado - CESPE - 2022): No que concerne às disposições


estabelecidas na Lei 7.716/1989 e decisões do STF acerca dos crimes nela
previstos, é correto afirmar que o crime de racismo é imprescritível e punido
com reclusão, devendo as condenações decorrentes de sua prática ser
cumpridas em regime inicialmente fechado. Errado.

RACISMO X INJÚRIA RACIAL

Importante salientar, a priori, que no dia 1º de janeiro de 2023 foi publicada a Lei
14.532/2023, que alterou a Lei 7.716/89 e o Código Penal, para tipificar como crime de racismo a
injúria racial, prever pena de suspensão de direito em caso de racismo praticado no contexto de
atividade esportiva ou artística e prever pena para o racismo religioso e recreativo e para o praticado
por funcionário público.

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Antes da Lei 14.532/2023, havia uma conduta criminosa que, apesar de envolver elementos
de raça, não era punida pela Lei 7.716/89, mas sim pelo Código Penal, a ofensa na qual o agente
utilizava elementos de raça:

Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

§ 3º - Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor,


etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de
deficiência:

Pena - reclusão de 1 a 3 anos e multa.

Depois da Lei 14.532/2023, essa conduta passou a ser um crime autônomo tipificado no art.
2º-A da Lei 7.716/89:

Art. 2º-A Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, em razão


de raça, cor, etnia ou procedência nacional.

Pena: reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. A pena é aumentada de metade se o crime for cometido


mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas.

Para melhor visualização, segue o quadro comparativo abaixo:

INJÚRIA EM RAZÃO DE RAÇA, COR, ETNIA OU PROCEDÊNCIA NACIONAL

Antes da Lei 14.532/2023 Depois da Lei 14.532/2023

Era conduta punida no art. 140, § 3º do CP. Passou a ser punida pelo art. 2º-A da Lei 7.716/89.

Art. 140, § 3º Se a injúria consiste na Art. 2º-A Injuriar alguém, ofendendo-lhe a


utilização de elementos referentes a raça, dignidade ou o decoro, em razão de raça, cor,
cor, etnia, religião, origem ou a condição etnia ou procedência nacional.
de pessoa idosa ou portadora de
deficiência: Pena: reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e
multa.
Pena - reclusão de um a três anos e multa.
Parágrafo único. A pena é aumentada de metade
se o crime for cometido mediante concurso de 2
(duas) ou mais pessoas.

De acordo com o prof. Márcio Cavalcante, a substituição da palavra “origem” pela expressão
“procedência nacional” não tem relevância jurídica, tendo sido feita apenas para manter a coerência
com a terminologia que já era empregada no art. 20 da Lei 7.716/89.

Procedência nacional é o lugar de onde a pessoa veio, o lugar onde ela nasceu ou morava.
Em outras palavras, é a sua origem.

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Segundo a doutrina e a jurisprudência, este conceito abrange tanto os estrangeiros (ex.:
venezuelanos, haitianos) como também os nacionais que se deslocam dentro do país (ex.: nortistas,
nordestinos, sulistas, etc).

Vale ressaltar, ainda, que o § 3º do art. 140 do CP não foi inteiramente revogado. Ele
continua punindo a injúria envolvendo elementos referentes:

1) À religião;

2) À condição de pessoa idosa;

3) À condição de pessoa com deficiência.

INJÚRIA - CÓDIGO PENAL

Antes da Lei 14.532/2023 Depois da Lei 14.532/2023

Art. 140, § 3º Se a injúria consiste na utilização Art. 140, § 3º Se a injúria consiste na utilização
de elementos referentes a raça, cor, etnia, de elementos referentes a religião ou à
religião, origem ou a condição de pessoa idosa condição de pessoa idosa ou com deficiência:
ou portadora de deficiência:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e
Pena - reclusão de um a três anos e multa. multa.

Ante o comparativo, é importante visualizar os impactos da mudança:

1) Houve um aumento da pena, que passou a ser de 2 a 5 anos (antes era de 1 a 3 anos);

2) Há agora uma causa de aumento de metade (1/2) se o crime for cometido em concurso
de pessoas;

3) Antes da Lei 14.532/2023, a injúria racial era um crime de ação penal pública
condicionada à representação da vítima (art. 145, parágrafo único, do CP). Agora, trata-
se de crime de ação penal pública incondicionada;

4) A injúria racial está formalmente inserida dentro da Lei do Crime Racial, sendo
considerada uma espécie de racismo.

Em continuidade, salienta-se que é muito comum haver a confusão entre o crime de injúria
racial com o delito de racismo. Verifica-se, para tanto, as diferenças que, tradicionalmente, a
doutrina faz entre as 2 infrações:

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DELITO INJÚRIA RACIAL OU RACISMO
RACISMO IMPRÓPRIO
PREVISÃO Art. 2º-A da Lei 7.716/89 Art. 20 da Lei 7.716/89

Art. 2º-A Injuriar alguém, ofendendo- Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a
lhe a dignidade ou o decoro, em discriminação ou preconceito de raça,
razão de raça, cor, etnia ou cor, etnia, religião ou procedência
procedência nacional. nacional.

Pena: reclusão, de 2 a 5 anos, e Pena: reclusão de 1 a 3 anos e multa.


multa.

Parágrafo único. A pena é


aumentada de metade se o crime for
cometido mediante concurso de 2 ou
mais pessoas.

TIPO O agente ofende, insulta, ou seja, O agente pratica algum ato


xinga alguém utilizando elementos discriminatório que faz com que a
relacionados com a sua raça, cor, vítima fique privada de algum direito
etnia ou procedência nacional. em virtude de sua raça, cor, etnia,
religião ou procedência nacional. Há
A ofensa é praticada contra uma um ato de segregação.
pessoa determinada ou um grupo
determinado de indivíduos (ex.: 5 Também pode ser caracterizado
amigos negros, árabes etc.). mediante uma ofensa verbal (sem um
ato de segregação), desde que a
ofensa seja dirigida a todos os
integrantes de certa raça, cor, etnia,
religião etc.
ANIMUS A intenção do agente é atacar a A intenção é segregar a pessoa ou um
honra subjetiva de uma pessoa ou de grupo de pessoas por conta de um dos
um grupo determinado de pessoas, elementos já mencionados.
utilizando os elementos já
mencionados.
VÍTIMA Individualizada, pois o agente visa a Humanidade, pois o agente visa a
atingir uma pessoa determinada ou atingir um número indeterminado de
determinável ou um grupo pessoas (todos que compõem aquela
determinado de indivíduos. coletividade).
BEM JURÍDICO Honra subjetiva. Dignidade da pessoa humana e
igualdade.
EXEMPLO “Seu macaco” e “vocês 5 (árabes) “Nesta festa não pode entrar negros” e
são um bando de terroristas”. “todos os judeus são ladrões”.

AÇÃO PENAL Pública incondicionada. Pública incondicionada.


PRESCRIÇÃO Imprescritível. Imprescritível.
SUSPENSÃO Não admite a suspensão condicional Admite a suspensão condicional do
PROCESSUAL do processo. processo.

CS – CRIME DE PRECONCEITO 2023.1 10

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À vista das diferenças entre os delitos, é possível inferir que a prática de injuria racial traz em
seu bojo o emprego de elementos associados aos que se definem como raça, cor, etnia ou
procedência nacional para se ofender ou insultar alguém.

Consistindo o racismo em processo sistemático de discriminação que elege a raça como


critério distintivo para estabelecer desvantagens valorativas e materiais, a injúria racial consuma os
objetivos concretos da circulação de estereótipos e estigmas raciais.

Salienta-se, por fim, que a Lei 14.532/2023 passou a prever causa de aumento de pena para
condutas racistas do art. 2º-A praticadas por funcionário público:

Art. 20-B. Os crimes previstos nos arts. 2º-A e 20 desta Lei terão as penas
aumentadas de 1/3 (um terço) até a metade, quando praticados por
funcionário público, conforme definição prevista no Decreto-Lei nº 2.848, de
7 de dezembro de 1940 (Código Penal), no exercício de suas funções ou a
pretexto de exercê-las.

Como o tema foi cobrado em concurso?

(MPE-PA - Promotor - CESPE - 2023): Apesar do reconhecimento do


princípio da igualdade pela Constituição Federal de 1988 e da previsão legal
de crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, no Poder Judiciário
criou-se uma cultura de separar o racismo da injúria racial, o que culminou,
na prática, em um incentivo e atenuante a esse tipo de conduta. Correto.

3. TUTELA DA IGUALDADE NA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DOS


HOMENS

Dispõe o art. 2º da Declaração Universal dos Direitos do Homem que:

Artigo 2° Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades


proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente
de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra,
de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer
outra situação. Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no
estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território da
naturalidade da pessoa, seja esse país ou território independente, sob tutela,
autônomo ou sujeito a alguma limitação de soberania.

As expressões destacadas em amarelo NÃO são tuteladas pela Lei 7.716/89.

Em continuidade, evidencia-se o artigo IV, alínea “a” da Convenção Internacional sobre a


Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial (Decreto 65.810/1969):

ARTIGO IV Os Estados Partes condenam toda propaganda e todas as


organizações que se inspiram em ideias ou teorias cujo fundamento seja a
superioridade de uma raça ou de um grupo de pessoas de uma certa cor
ou de uma certa origem étnica, ou que pretendam justificar ou encorajar
qualquer forma de ódio e de discriminação raciais, comprometendo-se a
adotar imediatamente medidas positivas destinadas a eliminar qualquer

CS – CRIME DE PRECONCEITO 2023.1 11

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incitação a tal discriminação e, para esse fim, tendo em vista os princípios
formulados na Declaração Universal dos Direitos Humanos e os direitos
expressamente enunciados no artigo V da presente Convenção,
comprometem-se, nomeadamente:

a) a declarar como delitos puníveis por lei qualquer difusão de ideias que
estejam fundamentadas na superioridade ou ódio raciais, quaisquer
incitamentos à discriminação racial, bem como atos de violência ou
provocação destes atos, dirigidos contra qualquer raça ou grupo de
pessoas de outra cor ou de outra origem étnica, como também a
assistência prestada a atividades racistas, incluindo seu financiamento.

Há, ainda, o artigo I, 4, da Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas


de Discriminação Racial (Decreto 65.810/1969):

Art. I, 4. Não serão consideradas discriminação racial as medidas especiais


tomadas com o objetivo precípuo de assegurar, de forma conveniente, o
progresso de certos grupos sociais ou étnicos ou de indivíduos que
necessitem de proteção para poderem gozar e exercitar os direitos humanos
e as liberdades fundamentais em igualdade de condições, não serão
consideradas medidas de discriminação racial, desde que não conduzam à
manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não
prossigam após terem sido atingidos os seus objetivos.

Tratam-se de ações afirmativas com prazo, justamente para não gerar discriminação reversa
ou inversa. Ex.: cotas raciais para negros em universidades públicas.

O ordenamento jurídico brasileiro fomenta a espécie de discriminação benigna, visualizada


nas ações afirmativas. Por outro lado, não sustenta espécie de discriminação negativa, que é objeto
da Lei 7.716/89.

Destacam-se, por fim, os arts. 1º e 6º, ambos da Lei 12.990/2014:

Art. 1º Ficam reservadas aos negros 20% (vinte por cento) das vagas
oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e
empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das
autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades
de economia mista controladas pela União, na forma desta Lei.

Art. 6º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação e terá vigência pelo
prazo de 10 (dez) anos.

4. ÂMBITO DE INCIDÊNCIA DA LEI 7.716/89

Narra o art. 1º da Lei 7.716/89:

Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de


discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência
nacional.

CS – CRIME DE PRECONCEITO 2023.1 12

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Atenção: Guilherme Nucci afirma que qualquer tipo de discriminação
de seres humanos é racismo, de modo que segregar pessoas em
razão do sexo (homem ou mulher) e do estado civil (casado, solteiro,
divorciado, separado judicialmente) constitui manifestação racista,
sujeita aos tipos previstos na Lei 7.716/89. Assim, homossexuais
discriminados podem ser, para os fins de aplicação desta Lei,
considerados como grupo racial.

O disposto no art. 20 da Lei 7.716/89 tipifica o crime de discriminação ou preconceito


considerada a raça, a cor, a etnia, a religião ou a procedência nacional, in verbis:

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça,


cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Pena: reclusão de um a três anos e multa.

Segundo Leon Fredja Szklarowski, racismo é a teoria segundo a qual certos povos ou
nações são dotados de qualidades psíquicas e biológicas que os tornam superiores a outros seres
humanos.

Preconceito é o conceito ou opinião formados antecipadamente, sem levar em conta o fato


que os conteste, e, por extensão, suspeita, intolerância, ódio irracional ou aversão a outras raças,
credos, religiões etc. Mais especificamente, pode ser tido como sentimento em relação a uma raça
ou um povo, decorrente da adoção de crenças racistas. Em síntese, é o pensamento que existe em
determinados indivíduos no sentido de que certas pessoas ou grupos sociais são inferiores, nocivos,
prejudiciais.

A discriminação, ao contrário do preconceito, que é estático, consiste em uma atitude


dinâmica de separação, apartação ou segregação, traduzindo a manifestação fática ou a
concretização, materialização ou exteriorização do preconceito por meio da prática de atos
materiais.

Nesse sentido, a Lei 14.532/2023 inseriu o art. 20-C na Lei 7.716/89 prevendo o que deverá
ser considerado como discriminação:

Art. 20-C. Na interpretação desta Lei, o juiz deve considerar como


discriminatória qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou a grupos
minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo
ou exposição indevida, e que usualmente não se dispensaria a outros
grupos em razão da cor, etnia, religião ou procedência.

Como o tema foi cobrado em concurso?

(MPE-MG - Promotor - FUNDEP - 2021): As medidas especiais adotadas


com a finalidade de assegurar o gozo ou exercício, em condições de
igualdade, de um ou mais direitos humanos e liberdades fundamentais de
grupos que requeiram essa proteção caracterizam a prática de discriminação
racial. Errado.

(MPE-MG - Promotor - FUNDEP - 2021): Racismo consiste em qualquer


teoria, doutrina, ideologia ou conjunto de ideias que enunciam um vínculo

CS – CRIME DE PRECONCEITO 2023.1 13

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causal entre as características fenotípicas ou genotípicas de indivíduos ou
grupos e seus traços intelectuais, culturais e de personalidade, inclusive o
falso conceito de superioridade racial. Correto.

(MPE-MG - Promotor - FUNDEP - 2021): Intolerância é um ato ou conjunto


de atos ou manifestações que denotam desrespeito, rejeição ou desprezo à
dignidade, características, convicções ou opiniões de pessoas por serem
diferentes ou contrárias. Pode manifestar-se como a marginalização e a
exclusão de grupos em condições de vulnerabilidade da participação em
qualquer esfera da vida pública ou privada ou como violência contra esses
grupos. Correto.

APLICAÇÃO DA LEI 7.716/89 PARA PUNIR CONDUTAS HOMOFÓBICAS E


TRANSFÓBICAS

Importante destacar, a priori, que a Lei 7.716/89 não traz, expressamente, previsão para
punição de condutas homofóbicas e transfóbicas.

A doutrina e a jurisprudência, por sua vez, afirmavam que o rol de elementos de preconceito
e discriminação do art. 20 era taxativo. Nesse sentido, segue entendimento superado do STF:

Proferir manifestação de natureza discriminatória em relação aos


homossexuais NÃO configura o crime do art. 20 da Lei n.° 7.716/86, sendo
conduta atípica. STF. 1ª Turma. Inq 3590/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado
em 12/8/2014 (Info 754).

Como o tema foi cobrado em concurso?

(DPE-TO - Defensor - CESPE - 2022): Em relação aos crimes resultantes de


preconceito de raça ou de cor, é correto afirmar que o rol das condutas
tipificadas pela lei que define tais crimes é exaustivo. Errado.

Tramitavam no Congresso Nacional alguns projetos de lei buscando incluir, expressamente,


na Lei 7.716/89, como crime, as condutas homofóbicas e tansfóbicas. Contudo, sempre se observou
uma resistência muito grande de certos setores da sociedade com a punição de tais condutas e,
em razão disso, esses projetos nunca foram aprovados.

Diante do cenário acima descrito, em 2012, a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e


Transgêneros (ABGLT) impetrou mandado de injunção no STF no qual pediu o reconhecimento de
que a homofobia e a transfobia se enquadrassem no conceito de racismo ou, subsidiariamente, que
fossem entendidas como discriminações atentatórias a direitos e liberdades fundamentais.

Cerca de um ano depois, em 2013, o Partido Popular Socialista (PPS) ajuizou ação direta
de inconstitucionalidade por omissão (ADO), na qual pediu que o STF declarasse a omissão do
Congresso Nacional por não ter votado projeto de lei que criminaliza atos de homofobia.

Depois de muitas sessões de discussão, o STF concordou com as ações propostas.

CS – CRIME DE PRECONCEITO 2023.1 14

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Segue, para tanto, um resumo dos argumentos apresentados pelos Ministros do STF,
elaborado pelo professor Márcio André Lopes Cavalcante1:

1) Devido à ausência de adequada proteção estatal, especialmente em razão da


controvérsia gerada pela denominada “ideologia de gênero”, os integrantes da
comunidade LGBT acham-se expostos a ações de caráter segregacionista, com caráter
homofóbico, que têm por objetivo limitar ou suprimir prerrogativas essenciais de gays,
lésbicas, bissexuais, travestis, transgêneros e intersexuais, entre outros, restando
evidenciada a ausência de proteção estatal a condutas homofóbicas e transfóbicas;

2) Existe um dever imposto pelo art. 5º, incisos XLI e XLII da CF/88 ao Congresso Nacional
para que se crie normas de punição das condutas discriminatórias;

3) Há descumprimento, por inércia estatal, de norma impositiva de comportamento


atribuído ao Parlamento;

4) A ação direta de inconstitucionalidade por omissão deve ser vista como instrumento de
concretização das cláusulas constitucionais frustradas pela inaceitável omissão do poder
público;

5) Racismo é um conceito aberto que abrange preconceitos contra pessoas em razão de


sua orientação sexual ou identidade de gênero;

6) Atos homofóbicos e transfóbicos são formas contemporâneas de racismo;

7) A aplicação da Lei 7.716/89 para condutas homofóbicas e transfóbicas resulta da


aplicação do método da interpretação conforme a Constituição e não se trata de analogia
in malam partem;

8) A adoção pelo Estado de meios destinados a impedir condutas homofóbicas e


transfóbicas em hipótese alguma poderá restringir ou suprimir a liberdade de consciência
e de crença, nem autorizar qualquer medida que interfira nas celebrações litúrgicas ou
que importe em cerceamento à liberdade de palavra, seja como instrumento de pregação
da mensagem religiosa, seja, ainda, como forma de exercer o proselitismo em matéria
confessional em espaços públicos ou privados;

9) Por outro lado, pronunciamentos de índole religiosa que extravasem (extrapolem) os


limites da livre manifestação de ideias, constituindo-se em insultos, ofensas ou em
estímulo à intolerância e ao ódio público contra os integrantes da comunidade LGBT,
não merecem proteção constitucional e não podem ser considerados liberdade de
expressão, havendo, em tais situações, crime;

10) Para o Min. Celso de Mello, o julgamento reflete a função contramajoritária que o STF
possui de, no Estado Democrático de Direito, conferir efetiva proteção às minorias.

Ante todos os fundamentos acima expostos, o STF fixou a seguinte tese:

1 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. A Lei nº 7.716/89 pode ser aplicada para punir as condutas homofóbicas e
transfóbicas. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em:
<https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/ae581798565c3b1c587905bff731b86a>. Acesso em:
31/03/2023.

CS – CRIME DE PRECONCEITO 2023.1 15

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1. Até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional destinada a
implementar os mandados de criminalização definidos nos incisos XLI e XLII
do art. 5º da Constituição da República, as condutas homofóbicas e
transfóbicas, reais ou supostas, que envolvem aversão odiosa à orientação
sexual ou à identidade de gênero de alguém, por traduzirem expressões de
racismo, compreendido este em sua dimensão social, ajustam-se, por
identidade de razão e mediante adequação típica, aos preceitos primários
de incriminação definidos na Lei nº 7.716, de 08.01.1989, constituindo,
também, na hipótese de homicídio doloso, circunstância que o qualifica, por
configurar motivo torpe (Código Penal, art. 121, § 2º, I, “in fine”);

2. A repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe


ou limita o exercício da liberdade religiosa, qualquer que seja a denominação
confessional professada, a cujos fiéis e ministros (sacerdotes, pastores,
rabinos, mulás ou clérigos muçulmanos e líderes ou celebrantes das religiões
afro-brasileiras, entre outros) é assegurado o direito de pregar e de divulgar,
livremente, pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, o seu
pensamento e de externar suas convicções de acordo com o que se contiver
em seus livros e códigos sagrados, bem assim o de ensinar segundo sua
orientação doutrinária e/ou teológica, podendo buscar e conquistar prosélitos
e praticar os atos de culto e respectiva liturgia, independentemente do
espaço, público ou privado, de sua atuação individual ou coletiva, desde que
tais manifestações não configurem discurso de ódio, assim entendidas
aquelas exteriorizações que incitem a discriminação, a hostilidade ou a
violência contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua
identidade de gênero;

3. O conceito de racismo, compreendido em sua dimensão social,


projeta-se para além de aspectos estritamente biológicos ou
fenotípicos, pois resulta, enquanto manifestação de poder, de uma
construção de índole histórico-cultural motivada pelo objetivo de
justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico, à
dominação política, à subjugação social e à negação da alteridade, da
dignidade e da humanidade daqueles que, por integrarem grupo
vulnerável (LGBTI+) e por não pertencerem ao estamento que detém
posição de hegemonia em uma dada estrutura social, são considerados
estranhos e diferentes, degradados à condição de marginais do
ordenamento jurídico, expostos, em consequência de odiosa inferiorização e
de perversa estigmatização, a uma injusta e lesiva situação de exclusão do
sistema geral de proteção do direito.

STF. Plenário. ADO 26/DF, Rel. Min. Celso de Mello; MI 4733/DF, Rel. Min.
Edson Fachin, julgados em em 13/6/2019 (Info 944).

É de extrema importância conhecer o julgado, eis que se trata de tema altamente cobrado
em provas.

Como o tema foi cobrado em concurso?

(DPE-PB - Defensor - FCC - 2022): O Supremo Tribunal Federal, ao decidir


pela criminalização da homofobia e da transfobia, considerou que se
dessume da leitura do texto constitucional um mandado constitucional de
criminalização relativo à discriminação por orientação sexual ou identidade
de gênero, à luz dos tratados internacionais de que o Estado brasileiro é
parte. Correto.

(DPE-PB - Defensor - FCC - 2022): O Supremo Tribunal Federal, ao decidir


pela criminalização da homofobia e da transfobia, considerou que o texto

CS – CRIME DE PRECONCEITO 2023.1 16

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constitucional carece de mandado de criminalização contra a discriminação
homofóbica e transfóbica, razão pela qual se deu uma interpretação extensiva
à Lei nº 7.716/1989 (Lei que define os crimes resultantes de preconceito de
raça ou de cor) para abarcar os crimes resultantes de homofobia e da
transfobia. Errado.

(DPE-TO - Defensor - CESPE - 2022): Em relação aos crimes resultantes de


preconceito de raça ou de cor, é correto afirmar que esses crimes não
alcançam as situações de discriminação relacionadas a identidade de gênero
e orientação sexual. Errado.

(PC-PB - Delegado - CESPE - 2022): No que concerne às disposições


estabelecidas na Lei 7.716/1989 e decisões do STF acerca dos crimes nela
previstos, é correto afirmar que o conceito de racismo, segundo os tribunais
superiores, não engloba condutas homofóbicas, dada a inexistência de
previsão legal nesse sentido. Errado.

(PC-PR - Delegado - NC-UFPR - 2021): Até que o Congresso Nacional edite


lei específica, as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, se
enquadram nos crimes previstos na Lei nº 7.716/1989. Correto.

(PC-PR - Delegado - NC-UFPR - 2021): O exercício da liberdade religiosa


pode caracterizar a prática de homotransfobia caso venha a configurar
discurso de ódio. Correto.

(PC-PR - Delegado - NC-UFPR - 2021): O conceito de racismo ultrapassa


aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos e alcança comportamentos
de negação da dignidade e da humanidade daqueles que integram os grupos
vulneráveis vítimas da homotransfobia. Correto.

5. CONCEITOS

RAÇA

A raça pode ser explicada sob o viés tradicional e sob o viés atual.

Historicamente, raça é o conceito atrelado às características físicas e biológicas


(conformação do crânio, tipo de cabelo, cor da pele etc.) que identificam um povo. É produto da
hereditariedade. Ex.: pensamento nacional-socialista, como Judeus x Arianos.

Esse conceito está superado. O STF entendeu que a diferenciação de raça em nada diz, por
existir uma única: a raça humana.

Raça Humana. Subdivisão. Inexistência. Com a definição e o mapeamento


do genoma humano, cientificamente não existem distinções entre os homens,
seja pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura, pêlos ou por
quaisquer outras características físicas, visto que todos se qualificam como
espécie humana. Não há diferenças biológicas entre os seres humanos. Na
essência são todos iguais. (...) A divisão dos seres humanos em raças
resulta de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse

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pressuposto origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação
e o preconceito segregacionista. (STF, HC 82424, DJ 19.03.2004).

Em se tratando de crimes de preconceito e discriminação racial, a jurisprudência pátria


passou a utilizar a expressão “etnia” como sinônimo de “raça”. Tal revaloração se deu,
precipuamente, ao entendimento firmado pelo STF quando do julgamento do caso acima
colacionado, do HC 82.424.

COR

É a cor que a pessoa possui. É tonalidade, a pigmentação da pele.

Isto posto, a cor evidencia a discriminação/preconceito fundados na cor da pele. Ex.: negros,
brancos, amarelos (asiáticos) etc.

ETNIA

Grupo social que apresenta homogeneidade cultural e linguística.

São os grupos humanos que apresentam aspectos comuns, tais como língua, religião e
maneiras de agir. Trata-se do conceito mais adotado e recomendado pela sociologia hodiernamente
para designar o que antes era entendido por “raça”, conforme apontado previamente. Ex.: índios,
árabes, judeus, quilombolas.

RELIGIÃO

Religião pode ser conceituada como conjunto de crenças relacionadas ao divino e sagrado,
permeada por uma série de rituais e códigos morais derivados de tais convicções. Ex.: católica,
espírita, protestante etc.

Não se inclui, portanto, o ateísmo (ausência de crença religiosa), prevalecendo o


entendimento de que este é justamente a negação da crença na existência de uma divindade
superior, motivo pelo qual não poderia ser equiparado à religião, constituindo-se em espécie de
doutrina filosófica. A discriminação por ateísmo seria, assim, fato atípico.

Como o tema foi cobrado em concurso?

(DPE-PI - Defensor - CESPE - 2022): A Lei nº 7.716/1989 prevê que serão


punidos os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de religião.
Correto.

PROCEDÊNCIA NACIONAL

É o lugar de onde a pessoa veio, ou seja, o lugar onde ela nasceu ou morava.

Interessante ressaltar que, segundo a doutrina, este conceito abrange tanto os estrangeiros
como também os nacionais que se deslocam dentro do país.

Isto posto, exprime a discriminação e o preconceito:

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1) Contra nacionais de Estado-membro diverso, reconhecíveis pelo modo de falar, pela
aparência física (ex.: cariocas, paulistas, goianos, gaúchos, nordestinos);

2) Contra pessoas de região diversa dentro do mesmo estado ou cidade, ainda que de
mesma naturalidade (dono do badalado restaurante no Leblon x cliente morador da
cidade de Deus);

3) Em razão de nacionalidade (ex.: brasileiro, estadunidense, paraguaio, argentino).

Destaca-se, para melhor visualização, um caso emblemático acerca da procedência


nacional.

Em um voo Nova York para o Rio de Janeiro, houve um desentendimento entre um


passageiro e 2 comissários em razão do assento. Já no Brasil, o passageiro solicitou os nomes dos
comissários (que não portavam crachá) e um dos comissários respondeu a vítima com as seguintes
palavras: “Amanhã vou acordar jovem, bonito, orgulhoso, rico e sendo um poderoso americano, e
você vai acordar como safado, depravado, canalha e miserável brasileiro.” O outro incitou a ofensa
e partiu para a agressão física, mas foi contido por terceiros.

Nesse sentido, o STJ entendeu pela aplicação do art. 20 da Lei 7.716/89:

A intenção dos réus, em princípio, não era precisamente depreciar o


passageiro (a vítima), mas salientar sua humilhante condição em virtude de
ser brasileiro, i.e., a ideia foi exalar a superioridade do povo americano em
contraposição à posição inferior do povo brasileiro, atentando-se, dessa
maneira, contra a coletividade brasileira. Assim, suas condutas, em tese,
subsumam-se ao tipo legal do artigo 20, da Lei 7.716/89. (STJ: RCH 19.166,
5ª T., DJ 20/11/2006).

6. OUTRAS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO

Dispõe o art. 96, § 1º do Estatuto do Idoso:

Art. 96. Discriminar pessoa idosa, impedindo ou dificultando seu acesso a


operações bancárias, aos meios de transporte, ao direito de contratar ou por
qualquer outro meio ou instrumento necessário ao exercício da cidadania, por
motivo de idade:

Pena – reclusão de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e multa.

§ 1o Na mesma pena incorre quem desdenhar, humilhar, menosprezar ou


discriminar pessoa idosa, por qualquer motivo.

Ao contrário da Lei 7.716/89, aqui a cláusula é aberta.

No mesmo sentido, destaca-se o art. 2º da Lei 9.029/95:

Art. 2º Constituem crime as seguintes práticas discriminatórias:

I - a exigência de teste, exame, perícia, laudo, atestado, declaração ou


qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou a estado de gravidez;

CS – CRIME DE PRECONCEITO 2023.1 19

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II - a adoção de quaisquer medidas, de iniciativa do empregador, que
configurem;

a) indução ou instigamento à esterilização genética;

b) promoção do controle de natalidade, assim não considerado o


oferecimento de serviços e de aconselhamento ou planejamento familiar,
realizados através de instituições públicas ou privadas, submetidas às
normas do Sistema Único de Saúde (SUS).

Pena: detenção de um a dois anos e multa.

Trata-se de lei específica.

Ademais, tem-se o art. 88 da Lei 13.146/15 (Estatuto da Pessoa com Deficiência):

Art. 88. Praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua


deficiência:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

Aqui, há lei própria também.

Em continuidade, evidencia-se o art. 8º, inciso III da Lei 7.853/89:

Art. 8o Constitui crime punível com reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e


multa:

III - negar ou obstar emprego, trabalho ou promoção à pessoa em razão de


sua deficiência.

Há, ainda, o art. 1º, inciso I, alínea “c” da Lei 9.455/97:

Art. 1º Constitui crime de tortura:

I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça,


causando-lhe sofrimento físico ou mental:

c) em razão de discriminação racial ou religiosa;

Pena - reclusão, de dois a oito anos.

Salienta-se que no dispositivo supramencionado o crime é de tortura que é motivado pela


discriminação racial ou religiosa.

Em sequência, importante verificar que existe um tipo específico na Lei 12.984/2014, que
define o crime de discriminação dos portadores do vírus da imunodeficiência humana (HIV) e
doentes de AIDS:

Art. 1º Constitui crime punível com reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e


multa, as seguintes condutas discriminatórias contra o portador do HIV e o
doente de aids, em razão da sua condição de portador ou de doente:

CS – CRIME DE PRECONCEITO 2023.1 20

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I - recusar, procrastinar, cancelar ou segregar a inscrição ou impedir que
permaneça como aluno em creche ou estabelecimento de ensino de qualquer
curso ou grau, público ou privado;

II - negar emprego ou trabalho;

III - exonerar ou demitir de seu cargo ou emprego;

IV - segregar no ambiente de trabalho ou escolar;

V - divulgar a condição do portador do HIV ou de doente de aids, com intuito


de ofender-lhe a dignidade;

VI - recusar ou retardar atendimento de saúde.

Vislumbra-se, por fim, os arts. 1º, 3º e 5º, todos da Lei 7.437/85:

Art. 1º. Constitui contravenção, punida nos termos desta lei, a prática de atos
resultantes de preconceito de raça, de cor, de sexo ou de estado civil.

Art. 3º. Recusar hospedagem em hotel, pensão, estalagem ou


estabelecimento de mesma finalidade, por preconceito de raça, de cor, de
sexo ou de estado civil.

Pena - prisão simples, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa de 3 (três) a


10 (dez) vezes o maior valor de referência (MVR).

Art. 5º. Recusar a entrada de alguém em estabelecimento público, de


diversões ou de esporte, por preconceito de raça, de cor, de sexo ou de
estado civil.

Pena - Prisão simples, de 15 (quinze dias a 3 (três) meses, e multa de 1 (uma)


a 3 (três) vezes o maior valor de referência (MVR).

A Lei 7.437/85 intitula todas as condutas presentes na Lei 7.716/89, até então, crimes, como
contravenções. Ante essa divergência, existem 2 entendimentos.

O primeiro entendimento advoga que, com relação à raça e cor, a Lei 7.437/85 está
derrogada porque é de 1985, enquanto a Lei 7.716 é de 1989. Portanto, está derrogada pelo critério
cronológico. Entretanto, continua em vigor no que concerne a “sexo” e “estado civil”. Tal tese é
defendida pelo doutrinador Gabriel Habib e, aparentemente, não é o melhor entendimento.

Por outro lado, Guilherme de Souza Nucci e Vinícius Marçal, fundados na ideia de que a Lei
7.437/85 está ab-rogada, conforme a previsão do artigo 5º, inciso XLII, da CF/88, no sentido de que
“a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos
termos da lei”, fomentam que qualquer lei que diga respeito a racismo, deve necessariamente
prever crimes, sem a possibilidade de concessão de liberdade provisória com fiança,
imprescritíveis e, muito importante, sujeitos à pena de reclusão.

Assim, para eles, não há qualquer possibilidade, por força de mandamento constitucional,
de se tolerar leis penais voltadas à punição de atos de discriminação racial com figuras típicas de

CS – CRIME DE PRECONCEITO 2023.1 21

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contravenção penal ou com delitos apenas, tão somente, com detenção. Em razão disso, sustentam
a inaplicabilidade da Lei 7.437/85, entendendo que não foi recepcionada.

Obs.: os tipos penais previstos na Lei 7.716/89 devem ser lidos na


perspectiva do art. 1º, inclusive o art. 4º, § 2º (que somente menciona
“raça ou etnia”), pois todos ofendem o mesmo bem jurídico imediato
(dignidade da pessoa humana e igualdade).

Quanto à necessidade da finalidade de agir, surgem 2 correntes:

1) 1ª corrente (minoritária): Fábio Medina Osório entende que não é preciso especial fim
de agir. Para ele, a consciência e a vontade de produzir atos discriminatórios e
preconceituosos não são incompatíveis com o formato das “brincadeiras”. Inadmissível,
assim, a publicidade de manifestações jocosas, em qualquer de suas formas, versando
discriminações e preconceitos vedados na lei penal. Ressalta que as manifestações
jocosas penetram mais sutilmente no inconsciente coletivo, perfectibilizando o suporte
fático da norma proibitiva.

2) 2ª corrente (majoritária): Guilherme de Souza Nucci e Gabriel Habib argumentam que


há necessidade do fim de agir (ofensa em razão de raça, cor, etnia, religião ou
procedência nacional), consistente na vontade de segregar, mostrar-se superior a outro
ser humano. O animus jocandi, portanto, afasta o delito.

7. CRIMES DA LEI 7.716/89

IMPEDIR ACESSO CARGO PÚBLICO

7.1.1. Previsão legal e considerações

Está previsto no art. 3º Lei 7.716/89:

Art. 3º Impedir ou obstar o acesso de alguém, devidamente habilitado, a


qualquer cargo da Administração Direta ou Indireta, bem como das
concessionárias de serviços públicos.

Pena: reclusão de dois a cinco anos.

A lei fala em pessoa “devidamente habilitada”, ou seja, esse é um elemento normativo. Além
disso, “alguém” é pessoa determinada, não havendo crime no impedimento coletivo ou dirigido a
grupo indeterminado.

Questiona-se se seria possível a criminalização da conduta se a pessoa não atende aos


requisitos previstos para acesso ao cargo, de modo que é uníssono o entendimento de que não é
criminoso o impedimento se a pessoa não atende aos requisitos para o exercício do cargo.

Outrossim, se a conduta tiver por objeto emprego público ou função pública, perfazem 2
entendimentos:

CS – CRIME DE PRECONCEITO 2023.1 22

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1) 1ª corrente: Gabriel Habib, Victor Eduardo Rios Gonçalves e José Paulo Baltazar Júnior
advogam que há analogia in malam partem considerar a conduta também criminosa,
portanto, se a lei só fala em cargo, se dá por excluído o “emprego público” ou “função
pública”.

2) 2ª corrente: Guilherme de Souza Nucci e Vinícius Marçal defendem que o emprego


público está abrangido pelo artigo 3º da referida lei, através de uma interpretação
extensiva.

7.1.2. Conflito aparente de normas

Os arts. 8º e 9º da Lei 7.437/85 dispõem que:

Art. 8º. Obstar o acesso de alguém a qualquer cargo público civil ou militar,
por preconceito de raça, de cor, de sexo ou de estado civil.

Pena - perda do cargo, depois de apurada a responsabilidade em inquérito


regular, para o funcionário dirigente da repartição de que dependa a inscrição
no concurso de habilitação dos candidatos.

Art. 9º. Negar emprego ou trabalho a alguém em autarquia, sociedade de


economia mista, empresa concessionária de serviço público ou empresa
privada, por preconceito de raça, de cor, de sexo ou de estado civil.

Pena - prisão simples, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa de 1 (uma) a


3 (três) vezes o maior valor de referência (MVR), no caso de empresa privada;
perda do cargo para o responsável pela recusa, no caso de autarquia,
sociedade de economia mista e empresa concessionária de serviço público.

Conforme Gabriel Habib, a Lei 7.716/89 prevalece perante a Lei 7.437/85 pelo critério da
sucessividade.

Mais adiante, dispõe o art. 100, I, do Estatuto do Idoso:

Art. 100. Constitui crime punível com reclusão de 6 (seis) meses a 1 (um) ano
e multa:

I – obstar o acesso de alguém a qualquer cargo público por motivo de idade.

Se a discriminação se der por motivo de idade, pelo critério da especialidade, prevalecerá o


Estatuto do Idoso.

A mesma lógica é aplicada no tocante à deficiência, oportunidade em que será utilizado o


Estatuto da Pessoa com Deficiência. Observe-se, para tanto, o art. 8º da Lei 7.853/89:

Art. 8o Constitui crime punível com reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e


multa

II - obstar inscrição em concurso público ou acesso de alguém a qualquer


cargo ou emprego público, em razão de sua deficiência.

CS – CRIME DE PRECONCEITO 2023.1 23

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Atenção: é necessário verificar o princípio da especialidade diante dos
confrontos das leis gerais e leis especiais.

IMPEDIR PROMOÇÃO NA CARREIRA

Prevê o art. 3º, parágrafo único, da Lei 7.716/89 que:

Art. 3º Impedir ou obstar o acesso de alguém, devidamente habilitado, a


qualquer cargo da Administração Direta ou Indireta, bem como das
concessionárias de serviços públicos.

Pena: reclusão de dois a cinco anos.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, por motivo de discriminação


de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, obstar a promoção
funcional.

Aqui, obsta-se a promoção de carreira.

Apesar de a Lei não escrever, obviamente, a vítima deve estar habilitada para a promoção.

7.2.1. Consumação

O crime é formal, ou seja, independe de elemento material.

7.2.2. Sujeito ativo

Trata-se de crime próprio, porque somente quem pode figurar como sujeito ativo é o superior
hierárquico da vítima.

RACISMO NA INICIATIVA PRIVADA (ANTES DA CONTRATAÇÃO)

Dispõe o art. 4º da Lei 7.716/89 que:

Art. 4º Negar ou obstar emprego em empresa privada.

Pena: reclusão de dois a cinco anos.

Destaca-se que em relação à abrangência do elemento normativo emprego, há 2 correntes:

1) 1ª corrente (minoritária): apenas as relações de emprego previstas na CLT. Portanto,


prestações de serviço e empregos eventuais não estariam abarcados. Se obstados,
enquadrar-se-iam na previsão do art. 20 da Lei 7.716/89.

2) 2ª corrente (majoritária): considera o posto de trabalho com finalidade remuneratória,


inclusive nos casos de estágio.

Atenção: o termo “empresa privada” não deve ser entendido de


maneira ampla, de modo que não configura esse tipo penal a prática
da conduta por empregador doméstico, por profissionais liberais, ou

CS – CRIME DE PRECONCEITO 2023.1 24

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no âmbito de sociedades não empresárias, entidades sem fins
lucrativos, como condomínios de apartamentos, sindicatos,
cooperativas, associações e fundações. Eventual discriminação nesse
sentido deverá ser incluída na previsão do art. 20 da Lei 7.716/89.

7.3.1. Sujeito ativo

É crime próprio. Portanto, somente o proprietário ou encarregado pela área de contratação


de pessoal será o sujeito ativo.

Atenção: o sujeito ativo não retira a responsabilização penal do dono


da empresa.

7.3.2. Sujeito passivo

Sujeito passivo é a humanidade e a pessoa discriminada.

RACISMO NA INICIATIVA PRIVADA (APÓS A CONTRATAÇÃO)

O art. 4º, § 1º da Lei 7.716/89 preleciona que:

Art. 4º Negar ou obstar emprego em empresa privada.

Pena: reclusão de dois a cinco anos.

§ 1o Incorre na mesma pena quem, por motivo de discriminação de raça ou


de cor ou práticas resultantes do preconceito de descendência ou origem
nacional ou étnica:

I - deixar de conceder os equipamentos necessários ao empregado em


igualdade de condições com os demais trabalhadores;

II - impedir a ascensão funcional do empregado ou obstar outra forma de


benefício profissional;

III - proporcionar ao empregado tratamento diferenciado no ambiente de


trabalho, especialmente quanto ao salário.

São previstas 3 hipóteses específicas de discriminação após a contratação.

O núcleo do tipo do § 1º, art. 4º da referida Lei, engloba: raça, cor, descendência ou origem
nacional ou étnica. Quanto à “religião”, é amplamente majoritário que esse crime também tem que
ser lido como todos os demais da Lei, em consonância com o art. 1º da Lei 7.716/89.

Passa-se, então, à análise individual de cada um dos incisos.

7.4.1. DEIXAR DE CONCEDER OS EQUIPAMENTOS NECESSÁRIOS AO EMPREGADO EM


IGUALDADE DE CONDIÇÕES COM OS DEMAIS TRABALHADORES

CS – CRIME DE PRECONCEITO 2023.1 25

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Cuida-se de crime omissivo, em que o empregado é prejudicado por não receber
equipamentos, sejam eles para o exercício do trabalho em si ou para a segurança do trabalhador,
nas mesmas condições dos demais trabalhadores.

Atenção: não se configura o crime da Lei 7.716/89 se o empregador


deixar de fornecer equipamento necessário a todos os seus
empregados. A predita Lei não trata propriamente da proteção do
trabalhador em si. Criminaliza-se a conduta omissiva atinente à
discriminação em igualdade de condições

7.4.1.1. Sujeito ativo

Trata-se de crime próprio. Somente a pessoa encarregada do fornecimento dos


equipamentos indispensáveis os dispensará por critérios racistas.

Também cometerá o delito o encarregado negro que eventualmente deixe de fornecer


equipamentos ao empregado branco, em razão de critérios de raça, cor, etnia, religião ou
procedência nacional.

7.4.1.2. Sujeito passivo

Humanidade e pessoa discriminada.

7.4.1.3. Consumação

Crime formal (independe de prejuízo material).

7.4.1.4. Tentativa

Não é punível, porque é crime omissivo próprio. Assim, crimes omissivos não são
compatíveis com o conatus (tentativa).

7.4.2. IMPEDIR A ASCENSÃO FUNCIONAL DO EMPREGADO OU OBSTAR OUTRA


FORMA DE BENEFÍCIO PROFISSIONAL

Consiste no impedimento da ascensão funcional, ou seja, do progresso do trabalhador


dentro do plano de carreira da empresa. Ainda, é vedada a concessão de outra forma de benefício
profissional, como cursos de aprimoramento, participação nos lucros, assistência médica,
transporte etc.

7.4.2.1. Sujeito ativo

Crime próprio.

7.4.2.2. Sujeito passivo

Humanidade e pessoa discriminada,

CS – CRIME DE PRECONCEITO 2023.1 26

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7.4.2.3. Consumação

Crime formal, independe de prejuízo material.

7.4.3. PROPORCIONAR AO EMPREGADO TRATAMENTO DIFERENCIADO NO AMBIENTE


DE TRABALHO, ESPECIALMENTE QUANTO AO SALÁRIO

Não alcança apenas o aspecto salarial, abrangendo, portanto, qualquer diferenciação


desarrazoada não prevista nos casos anteriores.

Para haver crime é necessária a discriminação fundada por motivação preconceituosa.

Ressalta-se que não há crime na distinção salarial fundada na ausência de equivalência


entre os postos de trabalho.

Como o tema foi cobrado em concurso?

(PC-BA - Delegado - IBFC - 2022): Em face do crime de “negar ou obstar


emprego em empresa privada”, haverá de incorrer na mesma pena aquele
que, por motivo de discriminação de raça ou de cor ou práticas resultantes do
preconceito de descendência ou origem nacional ou étnica, proporcionar ao
empregado tratamento diferenciado no ambiente de trabalho, especialmente
quanto ao salário. Correto.

RACISMO NA COLOCAÇÃO DE ANÚNCIOS DE EMPREGOS

Determina o art. 4º, § 2º da Lei 7.716/89 que:

Art. 4º Negar ou obstar emprego em empresa privada.

Pena: reclusão de dois a cinco anos.

§ 2o Ficará sujeito às penas de multa e de prestação de serviços à


comunidade, incluindo atividades de promoção da igualdade racial, quem, em
anúncios ou qualquer outra forma de recrutamento de trabalhadores, exigir
aspectos de aparência próprios de raça ou etnia para emprego cujas
atividades não justifiquem essas exigências.

Fugindo à sistemática tradicional da legislação penal brasileira, a Pena Restritiva de Direitos


(PRD) é cominada originariamente, e não em caráter substitutivo, como previsto no art. 44 do CP.
Não há possibilidade de aplicação de Pena Privativa de Liberdade (PPL) nem mesmo em caso de
descumprimento no cumprimento da prestação de serviços à comunidade, o que pode gerar
dificuldades na execução da pena.

Somente haverá crime quando as atividades não justificarem as exigências de raça ou etnia.
Exemplo de exigência justificada seria a contratação de ator ou figurante para interpretar o papel
de um personagem que tenha determinadas características raciais.

O § 2º não estabelece o tempo de duração da Prestação de Serviços à Comunidade (PSC),


mas, estando o dispositivo subordinado ao caput, conclui-se que a pena se subordina aos limites
abstratos ali previstos, ou seja, de 2 a 5 anos.

CS – CRIME DE PRECONCEITO 2023.1 27

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Como o tema foi cobrado em concurso?

(PC-BA - Delegado - IBFC - 2022): Ficará sujeito às penas de detenção e


multa, quem, em anúncios ou qualquer outra forma de recrutamento de
trabalhadores, exigir aspectos de aparência próprios de raça ou etnia para
emprego cujas atividades não justifiquem essas exigências. Errado.

DISCRIMINAÇÃO NOS ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS

7.6.1. Artigo 5º da Lei 7.716/89

Art. 5º Recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se


a servir, atender ou receber cliente ou comprador.

Pena: reclusão de um a três anos.

Estabelecimento comercial, aqui, significa o local físico onde se dá a exploração da atividade


empresarial, ou seja, a loja, oficina ou fábrica.

Da redação do dispositivo, conclui-se que o tipo é alternativo, de modo que o crime será
reconhecido não só na negativa ou impedimento do acesso, mas também na negativa do serviço,
atendimento ou recebimento, ou seja, quando permitido o acesso, mas o cliente for discriminado
em função do preconceito.

7.6.1.1. Sujeito ativo

Crime próprio. Somente pratica o crime quem detém poder suficiente para recusar ou impedir
o acesso. Ex.: proprietário, gerente etc.

7.6.1.2. Sujeito passivo

Humanidade e a pessoa discriminada (cliente ou comprador em potencial).

7.6.1.3. Consumação

Crime formal.

A mera recusa ou impedimento de acesso de alguém ao estabelecimento comercial – por


uma dessas formas: negativa de servir, atender ou receber – já configura o tipo.

Como o tema foi cobrado em concurso?

(PC-PR - Delegado - NC-UFPR - 2021): É típica a conduta de quem, por


homofobia ou transfobia, recusa ou impede acesso a estabelecimento
comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador.
Correto.

7.6.2. Artigo 7º da Lei 7.716/89

Possui a seguinte redação legal:

CS – CRIME DE PRECONCEITO 2023.1 28

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Art. 7º Impedir o acesso ou recusar hospedagem em hotel, pensão,
estalagem, ou qualquer estabelecimento similar.

Pena: reclusão de três a cinco anos.

Trata-se de incriminar a recusa no acesso ou hospedagem em locais de habitação coletiva,


sendo criticada a utilização do termo “estalagem”. Há possibilidade de interpretação analógica em
relação a qualquer estabelecimento similar, de modo que estão incluídos, também, pensões,
pousadas, pensionatos, albergues, motéis e até mesmo residências que ofereçam quartos para
aluguel ou imóveis oferecidos para aluguel por temporada. O essencial é que se trate de local aberto
ao público.

Não haverá crime na negativa quando baseada em outro critério, como, por exemplo, caso
o local seja destinado a pouso de empregados de uma determinada empresa, membros de uma
associação ou servidores públicos, como se dá em relação aos hotéis de trânsito mantidos pelas
Forças Armadas.

Atenção: desses crimes, somente o art. 7º tem pena de 3 a 5 anos.

7.6.2.1. Sujeito ativo

Crime próprio (quem detém poder suficiente para impedir o acesso ou recusar a
hospedagem. Ex.: proprietário, gerente etc).

7.6.2.2. Sujeito Passivo

Humanidade e pessoa discriminada.

7.6.2.3. Consumação

Crime formal.

7.6.3. Artigo 8º da Lei 7.716/89

Art. 8º Impedir o acesso ou recusar atendimento em restaurantes, bares,


confeitarias, ou locais semelhantes abertos ao público.

Pena: reclusão de um a três anos.

Aqui a incriminação se refere a locais públicos destinados à alimentação, sendo que, uma
vez mais, há possibilidade de interpretação analógica, pela menção a locais semelhantes abertos
ao público. Assim, se a recusa acontecer em sorveteria, cafeteria, o tipo também incidirá.

7.6.3.1. Sujeito ativo

Crime próprio.

7.6.3.2. Sujeito Passivo

CS – CRIME DE PRECONCEITO 2023.1 29

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Humanidade e pessoa discriminada.

7.6.3.3. Consumação

Crime formal. O mero impedimento de acesso ou a recusa de atendimento já configura o


tipo.

7.6.4. Artigo 9º da Lei 7.716/89

Art. 9º Impedir o acesso ou recusar atendimento em estabelecimentos


esportivos, casas de diversões, ou clubes sociais abertos ao público.

Pena: reclusão de um a três anos.

Clube social aberto ao público são os estabelecimentos abertos a qualquer pessoa,


conforme regras pré-estabelecidas.

Impedir o acesso não significa apenas proibir a entrada, como também impedir que seja
comprada cota/ação social. Esse entendimento é consagrado na doutrina de Cristiano Jorge Santos
e pelo STJ:

Vide caso em que R.S.T foi condenado, em segunda instância, a prestação


de serviços à comunidade e prestação pecuniária, por ter impedido o acesso
de pessoa negra à agremiação da qual é presidente e cofundador, negando-
lhe a possibilidade de aquisição de uma cota do clube (artigo 9º da Lei
7.716/89) – HC 137.248/MG, 6ª T.STJ, DJe 18/10/2010.

Frisa-se, contudo, que não haverá crime quando aquele que pretende o ingresso não atende
à política do estabelecimento em relação a vestimenta ou mesmo em casos de embriaguez
evidente.

7.6.4.1. Sujeito ativo

Crime próprio (quem detém poder suficiente para impedir o acesso ou recusar o
atendimento. Ex.: sócio-diretor do estabelecimento).

7.6.4.2. Sujeito passivo

Humanidade e pessoa discriminada.

7.6.4.3. Consumação

Crime formal. Independe de resultado naturalístico.

Cita-se, como exemplo, o caso emblemático do Presidente do Uirapuru Iate Clube da cidade
de Uberaba, que foi denunciado pelo crime do artigo 9º, pois o casal Luiza e Marcos teria sido
impedido de adquirir cotas do clube e, consequentemente, de compor o seu quadro social, por ser
ela negra.

A defesa alegou a atipicidade da conduta, defendendo que o Uirapuru não é um clube social
aberto ao público, mas sim uma entidade fechada, que somente pode ser frequentada por seus

CS – CRIME DE PRECONCEITO 2023.1 30

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associados, e segundo os estatutos do clube, o ingresso no quadro social é feito mediante a
apresentação de proposta pelos interessados, de modo que a Diretoria pode aceitar ou recusar as
propostas sem declinar motivos. Ademais, não há na lei norma que obrigue a um clube fechado
admitir como sócio uma pessoa mediante a simples manifestação de interesse por parte desta.

Nesse sentido, o STJ adotou o seguinte posicionamento:

A recusa de admissão no quadro associativo do clube social, em razão de


preconceito de raça ou de cor, caracteriza o inserto no artigo 9º da Lei
7.716/89, enquanto modo da conduta impedir, que lhe integra o núcleo. A
faculdade, estatutariamente atribuída à diretoria, de recusar propostas
de admissão em clubes sociais, sem declinação dos motivos, não lhe
atribui a natureza especial de fechado, de maneira a subtraí-lo da
incidência da lei. (6ª T, STJ, RHC 12.809/MG, Rel. Min. Hamilton Carvalhido,
DJ 11/04/2005).

Como o tema foi cobrado em concurso?

(DPE-PI - Defensor - CESPE - 2022): Quanto às disposições da Lei nº


7.716/1989, que trata dos crimes resultantes de discriminação ou preconceito
de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, tem-se que constitui
crime o acesso ou recusa atendimento de alguém em estabelecimentos
esportivos, casas de diversões ou clubes sociais, ainda que não abertos ao
público. Errado.

7.6.5. Artigo 10 da Lei 7.716/89

Art. 10. Impedir o acesso ou recusar atendimento em salões de cabeleireiros,


barbearias, termas ou casas de massagem ou estabelecimento com as
mesmas finalidades.

Pena: reclusão de um a três anos.

7.6.5.1. Sujeito ativo

Crime próprio (quem detém poder suficiente para impedir o acesso ou recusar o
atendimento. Ex.: proprietário, administrador do estabelecimento etc.).

7.6.6. Sujeito passivo

Humanidade e pessoa discriminada.

7.6.7. Consumação

Crime formal.

DISCRIMINAÇÃO NA EDUCAÇÃO

Está prevista no art. 6º, parágrafo único, da Lei 7.716/89:

CS – CRIME DE PRECONCEITO 2023.1 31

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Art. 6º Recusar, negar ou impedir a inscrição ou ingresso de aluno em
estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau.

Pena: reclusão de três a cinco anos.

Parágrafo único. Se o crime for praticado contra menor de dezoito anos a


pena é agravada de 1/3 (um terço).

No parágrafo único, o legislador diz que a pena é agravada. Entretanto, não se trata de
agravante e sim de causa de aumento de pena, que incide na terceira etapa de fixação/dosimetria
da pena.

O termo “grau” está desatualizado, pois o artigo 21 da Lei 9.394/96 não agasalha mais essa
terminologia:

Art. 21. A educação escolar compõe-se de:

I - educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e


ensino médio;

II - educação superior.

Assim, a expressão de qualquer grau abrange somente estabelecimento de ensino regular


e não cursos livres (preparatórios para concursos e cursinhos para vestibular, pois se ocorrer nesse
âmbito redundará no artigo 20 da Lei 7.716/89).

Encontra-se, ainda, previsto como contravenção no artigo 7º da Lei 7.437/85.

7.7.1. Sujeito ativo

Crime próprio (quem detém poder suficiente para recusar, negar ou impedir a inscrição ou
ingresso de aluno).

7.7.2. Sujeito passivo

Humanidade e pessoa discriminada.

7.7.3. Consumação

Crime formal (dispensa o resultado naturalístico).

Como o tema foi cobrado em concurso?

(MPE-SP - Promotor - MPE-SP - 2022): Em relação às disposições contidas


Lei 7.716/89, que define os crimes resultantes de preconceitos de raça ou de
cor, é correto afirmar que para a configuração do crime de recusar a inscrição
ou ingresso de aluno em estabelecimento de ensino público ou privado, a
vítima tem que ser menor de 18 anos. Errado.

ARTIGO 11 DA LEI 7.716/89

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Art. 11. Impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou
residenciais e elevadores ou escada de acesso aos mesmos:

Pena: reclusão de um a três anos.

Ocorrerá se o impedimento e acesso operar por raça, cor, etnia, religião ou procedência
nacional.

Note que o crime não ocorrerá se houver uma placa num determinado edifício contendo
“empregadas domésticas, apenas no elevador de serviço”. Isso porque inexiste na Lei 7.716/89
amparo a discriminação de classe social ou discriminação profissional. Diferente seria se a placa
contivesse “negros, apenas no elevador de serviço”, caso em que incidiria no art.11 da predita Lei.

São permitidas restrições de acesso com base em critérios como mudanças, carrinhos de
compras, animais, trajes de banho.

Em relação aos edifícios comerciais, ainda que a discriminação ocorra com base em critérios
racistas, não será o caso abarcado pelo art. 11 da Lei 7.716/89, pois deverá ser aplicado o art. 20
da mesma Lei.

ARTIGO 12 DA LEI 7.716/89

Art. 12. Impedir o acesso ou uso de transportes públicos, como aviões, navios
barcas, barcos, ônibus, trens, metrô ou qualquer outro meio de transporte
concedido.

Pena: reclusão de um a três anos.

Se for impedido o uso de táxi e mototáxi, será enquadrado nesse artigo, porque a previsão
diz “qualquer outro meio de transporte concedido”.

Obs.: os transportes privados e vans clandestinas não estão


amparados pelo art. 12 da Lei 7.716/89.

Não haverá crime se a pessoa impedir o acesso do serviço de transporte público baseado
em critérios como lotação ou ausência de dinheiro para pagar a passagem.

7.9.1. Sujeito ativo

Crime próprio (quem detém poder suficiente para controlar o acesso ao transporte público.
Ex.: funcionário do balcão do check in).

7.9.2. Sujeito passivo

Humanidade e pessoa discriminada.

7.9.3. Conflito aparente de normas (princípio da especialidade)

Prevê o art. 96 do Estatuto do Idoso que:

CS – CRIME DE PRECONCEITO 2023.1 33

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Art. 96. Discriminar pessoa idosa, impedindo ou dificultando seu acesso a
operações bancárias, aos meios de transporte, ao direito de contratar ou por
qualquer outro meio ou instrumento necessário ao exercício da cidadania, por
motivo de idade:

Pena – reclusão de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e multa.

Se a discriminação ocorrer em razão do critério da idade, incidirá o Estatuto do Idoso.

ART. 13 DA LEI 7.716/89

O art. 13 da Lei 7.716/89 preleciona que:

Art. 13. Impedir ou obstar o acesso de alguém ao serviço em qualquer ramo


das Forças Armadas.

Pena: reclusão de dois a quatro anos.

A dúvida que circunde o referido dispositivo é se as carreiras militares (polícia militar e


bombeiros) estaduais estariam abarcados pela legislação. Para tanto, há 2 correntes:

1) 1ª corrente (minoritária): entende que sim, calcada no art. 144, § 6º da CF/88 (“as
polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do
Exército...”).

2) 2ª corrente (majoritária): contrariamente, baseia-se na previsão do art. 142 da CF/88,


que entende que “as forças armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela
Aeronáutica...”. Portanto, policiais militares e bombeiros, se obstados do acesso ao
serviço, seriam protegidos pelos dispositivos do art. 13 ou 20 da Lei 7.716/89.

O serviço mencionado no tipo penal não se trata especificamente do serviço militar


obrigatório. O tipo alcança tanto esse serviço, como também o acesso à carreira das forças armadas
(Marinha, Exército e Aeronáutica), de forma ampla.

7.10.1. Sujeito ativo

Sujeito ativo é aquele que possui a incumbência de admitir o ingresso de alguém ao serviço
militar.

Pode ser tanto um funcionário subalterno, encarregado da seleção, como um alto dirigente
das Forças Armadas.

Trata-se, portanto, de crime próprio.

7.10.2. Sujeito passivo

Sujeito passivo é a humanidade e a pessoa discriminada.

7.10.3. Consumação

CS – CRIME DE PRECONCEITO 2023.1 34

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É crime formal. Mesmo que o pretendente consiga seu lugar nas Forças Armadas por força
de Mandado de Segurança, por exemplo, o delito estará consumado.

7.10.4. Tentativa

Tentativa será possível, pois o iter criminis é cindível.

Como o tema foi cobrado em concurso?

(PC-BA - Delegado - IBFC - 2022): Ficará sujeito à pena de reclusão aquele


que impedir ou obstar o acesso de alguém ao serviço em qualquer ramo das
Forças Armadas. Correto.

ARTIGO 14 DA LEI 7.716/89

Art. 14. Impedir ou obstar, por qualquer meio ou forma, o casamento ou


convivência familiar e social.

Pena: reclusão de dois a quatro anos.

Meio é o expediente ou recurso utilizado para atingir um fim ou objetivo, tais como a
separação física, o impedimento de frequência a casa ou a imposição de condições que impeçam
o casamento ou convívio.

Já a forma é o modo, jeito ou maneira, admitindo-se, então, que o delito poderá ocorrer
mediante violência ou ameaça, coação física ou moral, engodo ou fraude e, mesmo, remoção física,
como no caso em que a vítima é levada por familiares a outro país, de modo a impedir o casamento
ou o convívio com pessoa de etnia diversa.

O crime abrange, portanto:

1) O casamento;

2) A convivência familiar (relações de parentesco em geral, namoro, união estável e


homoafetiva, salientando que a motivação continuará sendo raça, cor, etnia, religião ou
procedência nacional);

3) Convivência social (qualquer forma de contato mais próximo, fora do âmbito familiar,
como a amizade).

7.11.1. Sujeito ativo

Crime comum.

7.11.2. Sujeito passivo

Humanidade e pessoa discriminada.

7.11.3. Consumação

CS – CRIME DE PRECONCEITO 2023.1 35

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Crime formal. O mero impedimento ou óbice já configura o tipo.

ARTIGO 20 DA LEI 7.716/89

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor,


etnia, religião ou procedência nacional.

Pena: reclusão de um a três anos e multa.

Contempla a maioria das situações. Nesse liame, o bem jurídico tutelado é a pretensão ao
respeito inerente à personalidade humana, a própria dignidade da pessoa, considerada não só
individualmente, como coletivamente.

Em razão disso, o STJ, no REsp 1569850, julgado em 24/04/2018, entendeu que NÃO é
aplicável o princípio da insignificância.

O art. 20 sofre uma crítica da doutrina em virtude da violação ao princípio da taxatividade.


Segundo a doutrina, “a tipificação não quer dizer absolutamente nada e pode dizer respeito a
absolutamente tudo”.

Na prática, o art. 20 da referida lei representa conduta que se confunde, em muitos casos,
com as práticas já descritas nos demais tipos penais, de modo que somente restará caracterizado
o crime do art. 20 em caso de prática de preconceito ou discriminação que não esteja prevista nos
demais tipos da lei, aplicando-se, então, de forma subsidiária.

Atenção: induzir e incitar (instigar) ensejarão a ocorrência de crime


autônomo. Trata-se de exceção pluralista à teoria monista. Ex.: “A”
induz “B” a impedir o acesso de “C” a ônibus público, em virtude da cor
de sua pele (art. 12). “A” será autor do delito do art. 20, em vez de
partícipe no crime de “B”.

Como o tema foi cobrado em concurso?

(PC-BA - Delegado - IBFC - 2022): Ficará sujeito à pena de reclusão aquele


que praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor,
etnia, religião ou procedência nacional. Correto.

É mister evidenciar, ademais, que assim como no art. 2º-A, o delito do art. 20 possui uma
causa de aumento de pena caso seja praticado por funcionário público:

Art. 20-B. Os crimes previstos nos arts. 2º-A e 20 desta Lei terão as penas
aumentadas de 1/3 (um terço) até a metade, quando praticados por
funcionário público, conforme definição prevista no Decreto-Lei nº 2.848, de
7 de dezembro de 1940 (Código Penal), no exercício de suas funções ou a
pretexto de exercê-las.

7.12.1. Hipóteses em que a jurisprudência entendeu pela configuração (ou não) do delito

1) Pastor de uma determinada igreja evangélica, publicou, em seu blog, vídeos e posts de
conteúdo religioso nos quais ofendeu líderes e seguidores de outras crenças religiosas

CS – CRIME DE PRECONCEITO 2023.1 36

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diversas da sua (católica, judaica, espírita, islâmica, umbandista etc.), pregando inclusive
o fim de algumas delas e imputando fatos ofensivos aos seus devotos e sacerdotes.

O pastor afirmou, por exemplo, que os seguidores dessas outras crenças “sofrem” e
“padecem”, sendo “estuprados”, “violentados” e “destruídos” por seguirem “caminhos de podridão”.

Utilizou expressões como “religião assassina”, “líderes assassinos”, “prostituta católica”,


“prostituta espiritual” e “pilantragem” e, ainda, vinculou de forma pejorativa tais religiões à adoração
ao diabo.

A defesa do pastor interpôs uma série de recursos até que o caso chegou ao STF. No
Supremo, alegou a atipicidade da conduta. Segundo a defesa, a condenação ideológica de outras
crenças é inerente à prática religiosa, e se trataria de exercício de uma garantia constitucionalmente
assegurada.

Todavia, a tese não foi acolhida pelo STF, que manteve a condenação e afirmou que:

A incitação ao ódio público contra quaisquer denominações religiosas


e seus seguidores não está protegida pela cláusula constitucional que
assegura a liberdade de expressão. STF. 2ª Turma. RHC 146303/RJ, rel.
Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Dias Toffoli, julgado em 6/3/2018 (Info
893).

2) Em 2003, o STF manteve a condenação imposta ao escritor gaúcho Siegfried Ellwanger


por crime de racismo contra os judeus.

No conhecido julgamento do “caso Ellwanger”, o STF entendeu que as liberdades públicas


não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites
definidos na própria Constituição Federal. O preceito fundamental de liberdade de expressão não
consagra o "direito à incitação ao racismo", dado que um direito individual não pode constituir-se
em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra, havendo, portanto,
prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica.

Verifica-se, assim, trechos da ementa:

1. Escrever, editar, divulgar e comerciar livros "fazendo apologia de


ideias preconceituosas e discriminatórias" contra a comunidade judaica
(Lei 7716/89, artigo 20, na redação dada pela Lei 8081/90) constitui crime
de racismo sujeito às cláusulas de inafiançabilidade e
imprescritibilidade (CF, artigo 5º, XLII). (...) 6. Adesão do Brasil a tratados
e acordos multilaterais, que energicamente repudiam quaisquer
discriminações raciais, aí compreendidas as distinções entre os homens por
restrições ou preferências oriundas de raça, cor, credo, descendência ou
origem nacional ou étnica, inspiradas na pretensa superioridade de um povo
sobre outro, de que são exemplos a xenofobia, "negrofobia", "islamafobia" e
o anti-semitismo. (...) 13. Liberdade de expressão. Garantia constitucional
que não se tem como absoluta. Limites morais e jurídicos. O direito à livre
expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de
conteúdo imoral que implicam ilicitude penal. (...). STF. Plenário. HC 82424,
Relator p/ Acórdão Min. Maurício Corrêa, julgado em 17/09/2003.

Atenção: é mister salientar que o tema acima exposto está ligado ao


que a doutrina chama de hate speech (discurso de ódio), que são
manifestações de pensamento que ofendam, ameacem ou insultem
determinado grupo de pessoas com base na raça, cor, religião,

CS – CRIME DE PRECONCEITO 2023.1 37

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nacionalidade, orientação sexual, ancestralidade, deficiência ou
outras características próprias.

No direito norte-americano, prevalece o entendimento de que até o


discurso de ódio (hate speech) inclui-se no âmbito de proteção da
liberdade de expressão.

No Brasil, ao contrário dos EUA, prevalece o entendimento de que o


hate speech não é protegido pela ordem constitucional. Isso porque o
direito à liberdade de expressão não é absoluto, podendo a pessoa
que proferiu o discurso de ódio ser punida, inclusive criminalmente, em
caso de abuso.

Por outro lado, entendeu-se NÃO configurado o delito nos seguintes casos:

1) Determinado padre escreveu um livro, voltado ao público da Igreja Católica, no qual ele
faz críticas ao espiritismo e a religiões de matriz africana, como a umbanda e o
candomblé.

No caso concreto, o STF entendeu que não houve o crime.

A CF/88 garante o direito à liberdade religiosa. Um dos aspectos da liberdade religiosa é o


direito que o indivíduo possui de não apenas escolher qual religião irá seguir, mas também o de
fazer proselitismo religioso.

Proselitismo religioso significa empreender esforços para convencer outras pessoas a


também se converterem à sua religião. Desse modo, a prática do proselitismo, ainda que feita por
meio de comparações entre as religiões (dizendo que uma é melhor que a outra) não configura, por
si só, crime de racismo.

Assim, o STF entendeu que o réu apenas fez comparações entre as religiões, procurando
demonstrar que a sua deveria prevalecer e que não houve tentativa de subjugar os adeptos do
espiritismo, não configurando, portanto, o crime de racismo, conforme julgado abaixo:

(...) 4. No que toca especificamente à liberdade de expressão religiosa,


cumpre reconhecer, nas hipóteses de religiões que se alçam a universais,
que o discurso proselitista é da essência de seu integral exercício. De tal
modo, a finalidade de alcançar o outro, mediante persuasão, configura
comportamento intrínseco a religiões de tal natureza. Para a consecução
de tal objetivo, não se revela ilícito, por si só, a comparação entre diversas
religiões, inclusive com explicitação de certa hierarquização ou animosidade
entre elas.

5. O discurso discriminatório criminoso/somente se materializa após


ultrapassadas três etapas indispensáveis. Uma de caráter cognitivo, em que
atestada a desigualdade entre grupos e/ou indivíduos; outra de viés
valorativo, em que se assenta suposta relação de superioridade entre eles e,
por fim; uma terceira, em que o agente, a partir das fases anteriores, supõe
legítima a dominação, exploração, escravização, eliminação, supressão ou
redução de direitos fundamentais do diferente que compreende inferior.

6. A discriminação não libera consequências jurídicas negativas,


especialmente no âmbito penal, na hipótese em que as etapas iniciais de
desigualação desembocam na suposta prestação de auxílio ao grupo ou

CS – CRIME DE PRECONCEITO 2023.1 38

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indivíduo que, na percepção do agente, encontrar-se-ia em situação
desfavorável.

7. Hipótese concreta em que o paciente, por meio de publicação em livro,


incita a comunidade católica a empreender resgate religioso direcionado à
salvação de adeptos do espiritismo, em atitude que, a despeito de
considerar inferiores os praticantes de fé distinta, o faz sem sinalização
de violência, dominação, exploração, escravização, eliminação,
supressão ou redução de direitos fundamentais.

8. Conduta que, embora intolerante, pedante e prepotente, se insere no


cenário do embate entre religiões e decorrente da liberdade de
proselitismo, essencial ao exercício, em sua inteireza, da liberdade de
expressão religiosa. Impossibilidade, sob o ângulo da tipicidade
conglobante, que conduza autorizada pelo ordenamento jurídico legitime a
intervenção do Direito Penal.

9. Ante a atipicidade da conduta, dá-se provimento ao recurso para o fim de


determinar o trancamento da ação penal pendente.

STF. 1ª Turma. RHC 134682/BA, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em


29/11/2016 (Info 849).

2) No dia 03 de abril de 2017, em palestra realizada no Clube Hebraica do Rio de Janeiro,


o então Deputado Federal Jair Bolsonaro teria se manifestado de modo negativo e
discriminatório sobre quilombolas, indígenas, refugiados, mulheres e LGBTs.

Contudo, o STF entendeu que não ficou configurado o conteúdo discriminatório das
declarações do acusado. Afirmou que as palavras por ele proferidas estão dentro da liberdade de
expressão prevista no art. 5º, IV, da CF/88, além de também estarem cobertas pela imunidade
parlamentar (art. 53 da CF/88), nos seguintes termos:

A Primeira Turma, por maioria, rejeitou denúncia apresentada contra


deputado federal, por suposta prática do delito tipificado no art. 20, caput, da
Lei 7.716/1989, por duas vezes, na forma do art. 70 do Código Penal (CP).
(...)

Considerou que os pronunciamentos do parlamentar contidos na peça


acusatória estão vinculados ao contexto de demarcação e proveito
econômico das terras e configuram manifestação política que não
extrapola os limites da liberdade de expressão. Não se pode confundir o
interesse na extinção ou diminuição de reservas indígenas ou quilombolas
com a supressão e eliminação dessas minorias. Ademais, o emprego, no
discurso, do termo arroba não consiste em ato de desumanização dos
quilombolas, no sentido de comparação a animais, mas forma de expressão
– de toda infeliz –, evocada a fim de enfatizar estar um cidadão específico do
grupo acima do peso considerado normal.

Quanto à incitação a comportamento xenofóbico, reputou


insubsistentes as premissas apresentadas pela acusação. O delito é de
perigo abstrato, cuja tipicidade há de ser materializada teleologicamente.
Embora não se exija que do discurso dito incitador sobrevenha a efetiva
prática de atos discriminatórios, é imprescindível a aptidão material do teor
das falas a desencadeá-los.

No caso, as afirmações do denunciado se situam no âmbito da crítica à


política de imigração adotada pelo Governo e não revelam conteúdo
discriminatório ou passível de incitar pensamentos e condutas

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xenofóbicas pelo público ouvinte. O próprio acusado diz não fazer
distinção quanto à origem estrangeira do imigrante. A crítica também se
insere na liberdade de manifestação de pensamento, insuscetível, portanto,
de configurar crime.

Observou, por fim, que o convite referente à palestra se deu em razão do


exercício do cargo de deputado federal ocupado pelo acusado, a fim de
proceder à exposição de visão geopolítica e econômica do País.

A Turma reconheceu a vinculação das manifestações apresentadas na


palestra com pronunciamentos do parlamentar na Câmara dos Deputados.
Concluiu que, comprovado o nexo de causalidade entre o que veiculado
e o mandato, tem-se a imunidade parlamentar. As declarações, ainda que
dadas fora das dependências do Congresso Nacional e, eventualmente,
sujeitas a censura moral, quando retratam o exercício do cargo eletivo, a
atuação do congressista, estão cobertas pela imunidade parlamentar e
implicam na exclusão da tipicidade.

STF. 1ª Turma. Inq 4694/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 11/9/2018
(Info 915).

Ante os casos acima expostos, é importante ressaltar que a condenação com base no art.
20 da Lei 7.716/89 dependerá especificamente de cada caso concreto e, sobretudo, das
palavras que foram proferidas e da intenção do agente.

7.12.2. Qualificadora

Conforme apontado, a pena do art. 20 é de reclusão de 1 a 3 anos e multa.

No entanto, há modalidade qualificada, alterada pela Lei 14.532/2023, disposta no § 2º do


art. 20 da Lei 7.716/89 e que também se aplica para publicações em redes sociais:

Art. 20, § 2º Se qualquer dos crimes previstos neste artigo for cometido por
intermédio dos meios de comunicação social, de publicação em redes
sociais, da rede mundial de computadores ou de publicação de qualquer
natureza:

Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.

Além disso, os §§ 3º e 4º do art. 20 trazem as seguintes disposições:

Art. 20, § 3º No caso do § 2º deste artigo, o juiz poderá determinar, ouvido o


Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob
pena de desobediência:

I - o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do


material respectivo;

II - a cessação das respectivas transmissões radiofônicas, televisivas,


eletrônicas ou da publicação por qualquer meio;

III - a interdição das respectivas mensagens ou páginas de informação


na rede mundial de computadores.

CS – CRIME DE PRECONCEITO 2023.1 40

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§ 4º Na hipótese do § 2º, constitui efeito da condenação, após o trânsito em
julgado da decisão, a destruição do material apreendido.

Como o tema foi cobrado em concurso?

(MPE-SP - Promotor - MPE-SP - 2022): Em relação às disposições contidas


Lei 7.716/89, que define os crimes resultantes de preconceitos de raça ou de
cor, é correto afirmar que aplica-se a causa de aumento de pena de 1/6 a 2/3,
quando o crime de incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia,
religião ou procedência nacional é cometido por intermédio dos meios de
comunicação social ou publicação de qualquer natureza. Errado.

(DPE-PA - Defensor - CESPE - 2022): Na situação em que o agente pratica


discriminação racial em meio de comunicação social, tem-se um exemplo de
qualificadora. Correto.

(MPE-SP - Promotor - MPE-SP - 2022): Em relação às disposições contidas


Lei 7.716/89, que define os crimes resultantes de preconceitos de raça ou de
cor, é correto afirmar que é efeito automático da condenação, ainda antes do
trânsito em julgado da decisão, a destruição do material apreendido quando
o crime de incitação à discriminação racial é cometido mediante publicação
de qualquer natureza. Errado.

7.12.3. Racismo do art. 20 praticado em atividades esportivas, religiosas, artísticas ou


culturais

A Lei 14.532/2023 acrescentou o § 2º-A no art. 20 prevendo nova qualificadora nos seguintes
termos:

Art. 20, § 2º-A Se qualquer dos crimes previstos neste artigo for cometido no
contexto de atividades esportivas, religiosas, artísticas ou culturais
destinadas ao público:

Pena: reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e proibição de frequência, por


3 (três) anos, a locais destinados a práticas esportivas, artísticas ou culturais
destinadas ao público, conforme o caso.

Este dispositivo pune, por exemplo, os torcedores que, em um estádio, pratiquem, induzam
ou incitem a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Neste caso, além de pena de 2 a 5 anos, os torcedores que forem condenados por essa conduta
ficarão proibidos, por 3 anos, de frequentar locais destinados a práticas esportivas. Verifica-se,
portanto, que existe a cumulação da pena privativa de liberdade com uma pena restritiva de direitos.

Esse mesmo exemplo vale para pessoas em um culto ou cerimônia religiosa, em um evento
artístico ou cultural.

É importante esclarecer que esse § 2º-A somente se aplica para as condutas do art. 20 da
Lei 7.716/89. Assim, se um torcedor praticar injúria racial (art. 2º-A da Lei 7.716/89) dentro de um
estádio, ele não sofrerá as penas deste § 2º-A do art. 20.

CS – CRIME DE PRECONCEITO 2023.1 41

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7.12.4. Obstar, impedir ou empregar violência contra manifestações ou práticas religiosas
(racismo religioso)

A Lei 14.532/2023 também inseriu o § 2º-B no art. 20 prevendo uma forma equiparada de
racismo:

Art. 20, § 2º-B Sem prejuízo da pena correspondente à violência, incorre nas
mesmas penas previstas no caput deste artigo quem obstar, impedir ou
empregar violência contra quaisquer manifestações ou práticas
religiosas.

Trata-se do chamado racismo religioso.

Essa figura equiparada tem por objetivo principal punir as manifestações de intolerância
religiosa contra determinadas religiões, em especial as de matriz africana, que sofrem preconceito
histórico em no país.

Vale ressaltar que essa violência de que trata o novo § 2º-B do art. 20 não se restringe à
violência física, podendo ser também violência psicológica, como no caso de ameaça.

Destaca-se, por fim, que não se pode confundir o racismo religioso com a injúria religiosa:

RACISMO RELIGIOSO INJÚRIA RELIGIOSA

Art. 20, § 2º-B, da Lei 7.716/89 Art. 140, § 3º, do CP

Obstar, impedir ou empregar violência contra Ofender a vítima com a utilização de elementos
quaisquer manifestações ou práticas religiosas. referentes a religião.

Pena de 1 a 3 anos e multa. Pena de 1 a 3 anos e multa.

Além disso, se tiver havido violência, aplica-se


também a pena da violência.

ARTIGO 20, § 1º, DA LEI 7.716/89

Art. 20, § 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos,


emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz
suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo.

Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.

Segundo Victor Eduardo Rios Gonçalves, a existência de um delito específico relacionado


ao nazismo – ditadura implementada pelo Partido Nacional Socialista alemão em meados do século
passado, que culminou com a deflagração da Segunda Guerra Mundial e o holocausto – justifica-
se pela dimensão das atrocidades cometidas naquele período histórico, especialmente contra os
judeus.

Trata-se de delito legitimamente construído, uma vez que não pune a pessoa por ser nazista
(poia seria direito penal do autor), mas sim a conduta de fabricar, comercializar, distribuir ou veicular
símbolos nazistas (representando, portanto, direito penal do fato).

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7.13.1. Sujeito ativo

Crime comum.

7.13.2. Sujeito passivo

Humanidade.

7.13.3. Consumação

Crime formal.

7.13.4. Elemento subjetivo

Dolo + “especialíssimo fim de agir” (ou “dois especiais fins de agir”) = Para fins de divulgação
(disseminação) do nazismo (que possui acentuado caráter racista).

Obs.: elementos gráficos para fins de narrativa histórica ou artístico


NÃO compõem o espectro do tipo penal.

Como o tema foi cobrado em concurso?

(PC-BA - Delegado - IBFC - 2022): Ficará sujeito à pena de reclusão aquele


que fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas,
ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou
gamada, para fins de divulgação do nazismo. Correto.

(DPE-TO - Defensor - CESPE - 2022): Em relação aos crimes resultantes de


preconceito de raça ou de cor, é correto afirmar que a utilização da cruz
suástica em camisetas ou bonés caracteriza, em qualquer situação, crime de
divulgação do nazismo. Errado.

8. CAUSA DE AUMENTO DE PENA PARA TODAS AS CONDUTAS RACISTAS DA LEI


7.716/89 PRATICADAS EM CONTEXTO DE DESCONTRAÇÃO, DIVERSÃO OU
RECREAÇÃO

A Lei 14.532/2023 inseriu a previsão de que haverá crime mesmo que a conduta racista seja
praticada “em contexto ou com intuito de descontração, diversão ou recreação”. Aliás, não apenas
será considerada crime como também haverá uma causa de aumento de pena:

Art. 20-A. Os crimes previstos nesta Lei terão as penas aumentadas de 1/3
(um terço) até a metade, quando ocorrerem em contexto ou com intuito de
descontração, diversão ou recreação.

Assim, em tese, uma piada de cunho homofóbico ou envolvendo negros, judeus, argentinos,
portugueses etc. pode, a depender do caso concreto, enquadrar-se como manifestação racista
gerando a punição pelos crimes do art. 2º-A ou do art. 20 com a causa de aumento de pena do art.
20-A da Lei 7.716/89.

CS – CRIME DE PRECONCEITO 2023.1 43

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9. EFEITOS EXTRAPENAIS DA CONDENAÇÃO

Dispõe o art. 16 da Lei 7.716/89 que:

Art. 16. Constitui efeito da condenação a perda do cargo ou função pública,


para o servidor público, e a suspensão do funcionamento do
estabelecimento particular por prazo não superior a três meses.

O efeito do art. 16 NÃO é automático, vide o art. 18 da Lei 7.716/89:

Art. 18. Os efeitos de que tratam os arts. 16 e 17 desta Lei não são
automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença.

Aqui, a perda do cargo ocorre independentemente do quantum da pena imposta,


diferentemente do previsto no Código Penal, em que o quantum da pena influenciará na perda do
cargo:

Art. 92 - São também efeitos da condenação:

I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:

a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a


um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para
com a Administração Pública;

b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4


(quatro) anos nos demais casos.

Parágrafo único - Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos,
devendo ser motivadamente declarados na sentença.

Como o tema foi cobrado em concurso?

(MPE-SP - Promotor - MPE-SP - 2022): Em relação às disposições contidas


Lei 7.716/89, que define os crimes resultantes de preconceitos de raça ou de
cor, é correto afirmar que a Lei prevê como um dos efeitos extrapenais
específicos da condenação a perda do cargo ou função pública para o sujeito
ativo do crime que for servidor público, devendo ser motivadamente
declarado na sentença. Correto.

(PC-PB - Delegado - CESPE - 2022): No que concerne às disposições


estabelecidas na Lei 7.716/1989 e decisões do STF acerca dos crimes nela
previstos, é correto afirmar que se os crimes previstos nesse dispositivo legal
forem praticados por servidor público no exercício de suas funções, a perda
do cargo é efeito automático da condenação. Errado.

(DPE-PI - Defensor - CESPE - 2022): Quanto às disposições da Lei nº


7.716/1989, que trata dos crimes resultantes de discriminação ou preconceito
de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, tem-se que a suspensão
do funcionamento do estabelecimento particular pelo prazo de três meses
constitui efeito automático da condenação por crime resultante de preconceito
de raça ou de cor praticado por seu responsável. Errado.

CS – CRIME DE PRECONCEITO 2023.1 44

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(DPE-PI - Defensor - CESPE - 2022): Dada a relevância do bem jurídico
tutelado, constitui efeito da condenação a perda automática do cargo ou
função pública, para o servidor público que tenha praticado, no exercício de
sua função, algum dos delitos previstos na Lei nº 7.716/1989. Errado.

10. AÇÃO PENAL

É pública e incondicionada, para todos os delitos.

Admite-se a liberdade provisória.

Como o tema foi cobrado em concurso?

(PC-PB - Delegado - CESPE - 2022): No que concerne às disposições


estabelecidas na Lei 7.716/1989 e decisões do STF acerca dos crimes nela
previstos, é correto afirmar que em decorrência de vedação constitucional,
não será concedida liberdade provisória aos presos em flagrante por prática
de racismo, com ou sem fiança. Errado.

(DPE-PI - Defensor - CESPE - 2022): Embora a Constituição Federal tenha


previsto que o crime de racismo seja inafiançável, é possível a concessão de
liberdade provisória sem fiança, em caso de prisão em flagrante. Correto.

(DPE-PI - Defensor - CESPE - 2022): Quanto às disposições da Lei nº


7.716/1989, que trata dos crimes resultantes de discriminação ou preconceito
de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, tem-se que os crimes
definidos na referida lei admitem também a forma culposa. Errado.

11. NECESSIDADE DE QUE A VÍTIMA DO CRIME DE RACISMO SEJA ACOMPANHADA DE


ADVOGADO OU DEFENSOR PÚBLICO

A Lei 14.532/2023 inseriu o art. 20-D na Lei 7.716/89 exigindo que a vítima dos crimes de
racismo esteja acompanhada de advogado ou defensor público:

Art. 20-D. Em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a vítima dos


crimes de racismo deverá estar acompanhada de advogado ou defensor
público.

12. BREVES NOTAS SOBRE A COMPETÊNCIA

Será da Justiça Estadual nos casos dos delitos dos arts. 4º, 5º, 7º a 12 e 14, que se dão,
necessariamente, no âmbito de relações privadas.

A competência será da Justiça Federal nos casos adiante mencionados:

CS – CRIME DE PRECONCEITO 2023.1 45

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1) No caso do art. 3º (acesso a cargo público), quando o delito ocorrer em órgão federal da
administração direta, bem como em autarquia ou empresa pública federal;

2) No caso do art. 6º (acesso a estabelecimento de ensino), se a instituição de ensino for


federal;

3) Nos casos do art. 13, que envolvem as Forças Armadas;

4) No caso do art. 20, quando praticado contra indígenas em razão de disputas sobre
direitos indígenas (CF/88, art. 109, XI) reconhecidos no art. 231 da CF/88;

5) No caso de internacionalidade do delito (CF/88, art. 109, V), uma vez que se trata de
crime que o Brasil se obrigou a reprimir, nos termos do art. IV, “a”, da Convenção
Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial,
veiculada pelo Decreto 65.810/69.

Sobre a internacionalidade do delito, importante verificar que recentemente o STJ definiu


que compete à Justiça Federal julgar falas de cunho homofóbico divulgadas em perfis abertos do
Facebook e do Youtube, conforme o julgado abaixo:

Compete à Justiça Federal processar e julgar o conteúdo de falas de suposto


cunho homofóbico divulgadas na internet, em perfis abertos da rede social
Facebook e na plataforma de compartilhamento de vídeos Youtube, ambos
de abrangência internacional. STJ. 3ª Seção. CC 191.970-RS, Rel. Ministra
Laurita Vaz, julgado em 14/12/2022 (Info 761).

Salienta-se, por fim, que para que o delito seja de competência da Justiça Federal com base
no inciso V do art. 109 da CF/88, são necessários 3 requisitos:

1) Que o fato seja previsto como crime em tratado ou convenção;

2) Que o brasil tenha assinado tratado/convenção internacional se comprometendo a


combater essa espécie de delito;

3) Que exista uma relação de internacionalidade entre a conduta criminosa praticada e o


resultado que foi produzido ou que deveria ter sido produzido.

A relação de internacionalidade, por sua vez, ocorre quando:

1) Iniciada a execução do crime no Brasil, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no


estrangeiro;

2) Iniciada a execução do crime no estrangeiro, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido


no Brasil.

Desse modo, não basta que o crime esteja previsto em tratado ou convenção internacional
para ser julgado pela Justiça Federal.

CRIME PRATICADO PELA REDE MUNDIAL DE COMPUTADORES

Em caso de crime cometido pela rede mundial de computadores, há 2 posições.

CS – CRIME DE PRECONCEITO 2023.1 46

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Para a primeira, o requisito da transnacionalidade do delito infere-se da própria
potencialidade de abrangência de sítios virtuais de amplo acesso, segundo posicionamento do STF
no RHC 157.320, julgado 13/03/2020, independentemente da comprovação de acesso em outro
país ou de estar a página hospedada em provedor estrangeiro.

Para a segunda, exige-se demonstração concreta de que tenha havido acesso no exterior
do conteúdo veiculado no Brasil, ou vice-versa, não sendo suficiente a mera utilização de
provedores ou redes sociais mantidas no estrangeiro, conforme definiu o STF no CC 145.935,
julgado em 27/04/2016.

A competência será da Justiça Estadual, porém, no caso de mera troca de mensagens em


grupo de aplicativo de mensagens integrado por residentes no Brasil, assim como determinou o STJ
no CC 175.525, julgado em 09/12/2020.

No que se refere à competência territorial, consoante o STJ, tem-se que:

A competência para processar e julgar os crimes praticados pela internet,


dentre os quais se incluem aqueles provenientes de publicação de textos de
cunho racista em sites de relacionamento, é do local de onde são enviadas
as mensagens discriminatórias. (CC 107.938, Mussi, 3ª S., u., 27/10/2010).

Em caso de várias mensagens remetidas por agentes diversos, de locais também diversos,
a competência será determinada pelos critérios apontados pelo CPP, arts. 76, III, e 78, II, de acordo
posicionamento do STJ no CC 102.454, julgado em 25/03/2009.

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