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Segurança do Trabalho

Definição de responsabilidades civil e criminal


aplicadas à saúde e à segurança do trabalho

Responsabilidade civil na segurança do trabalho

Para existir responsabilidade, antes é necessária uma conduta.


Sendo assim,
primeiramente, cabe definir o que é responsabilidade civil.
Conceitualmente, ela está
prevista no Código Civil brasileiro, nos artigos 186 e
187 combinados com o artigo 927:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou


imprudência,
violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral,
comete ato
ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo,
excede
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela
boa-fé ou
pelos bons costumes.

[...]

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica
obrigado a repará-lo.
Como tradução da terminologia dos artigos mencionados, ato ilícito é a infração,
o
descumprimento, a prática contrária que um agente comete ou deixa de fazer. Ainda,
o ato
ilícito pode ser dividido em:

(#modal-1)

(#modal-2)

(#modal-3)

Negligência

É quando não são tomados os devidos cuidados para realizar determinada


atividade (por
exemplo, deixar um produto químico em local acessível a crianças).

Imprudência

É quando determinada ação não é planejada, mas, mesmo assim, é


praticada,
independentemente dos riscos que a envolvam (por exemplo,
ultrapassar, mesmo que em
local permitido, sem avaliar o número de veículos a
serem ultrapassados).
Imperícia

É quando determinada função exige habilidade específica para desempenhar


uma
atividade técnica ou científica, mas não é cobrada (por exemplo, não exigir
certificado em curso técnico para exercer a atividade de técnico em segurança do
trabalho).
Agora, para chegar à consequência (no caso, a responsabilidade que decorre
das práticas
cometidas que causam dano a outro), cabe mencionar que a
responsabilidade civil, por ocorrer
entre as partes envolvidas, determina o causador do
dano e aquele que deve ser indenizado.

O conceito mencionado refere apenas à reparação do dano, independentemente


da responsabilidade
penal.

Para haver reparação do dano, são necessários conduta e ato ilícito. Inclusive, o
ato ilícito
precisa estar relacionado à conduta, chegando-se então ao terceiro requisito
essencial para
buscar o dever de indenizar: o nexo de causalidade, ou nexo entre
causa e
efeito.

Portanto, pode-se entender que a consequência nem sempre estará diretamente


relacionada à
conduta. Por exemplo, imagine uma criança de dez anos que, ao
arremessar uma pedra em
direção a uma residência, quebra uma vidraça. Os pais, na
qualidade de representantes dela,
terão o dever de indenizar os custos da vidraça,
mesmo que não tenham praticado o ato.
Para entender melhor a responsabilidade civil e a sua aplicação no acidente de
trabalho, você
precisa conhecer duas teorias de responsabilidade civil: a
responsabilidade civil
objetiva e a responsabilidade civil subjetiva.

A responsabilidade civil subjetiva é um pouco mais complexa. A regra geral


adotada nessa
modalidade depende de prova de culpa para que o causador do dano
seja obrigado a reparar
(culpa aqui compreendida como prova de que aquele dano
decorreu por negligência, imprudência
ou imperícia, para que haja condenação e
obrigação de reparar).

Há ainda situações que não constituem ato ilícito, conforme artigo 188 do Código
Civil:

Art. 188. Não constituem atos ilícitos:

I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito


reconhecido;

II – a deterioração ou a destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de


remover perigo iminente.
Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as
circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do
indispensável para a remoção do perigo.
Por outro lado, a responsabilidade objetiva é mais restritiva, não havendo a
necessidade de
comprovação de culpa, conforme parágrafo único do artigo 927 do
Código Civil:

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de


culpa, nos
casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo
autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de
outrem.

Enquanto na responsabilidade subjetiva é preciso provar a culpa, ou seja,


demonstrar o risco
da atividade ou a previsão legal, na responsabilidade objetiva a
questão de prova é mais
objetiva, dispensando, muitas vezes, provas testemunhais e
outros meios mais complexos no
direito.

Para exemplificar, é mais fácil juntar o contrato social de uma empresa que
trabalha com
fabricação de explosivos para pedir a reparação de danos da residência
que incendiou após
ter ocorrido o incêndio na fábrica ao lado (responsabilidade civil
objetiva devido ao fato
de a empresa desenvolver atividade que, por sua natureza,
implica risco para os direitos de
outrem) do que provar que a casa incendiou por culpa
de uma empresa de fabricação de móveis,
tendo que ser provado que a empresa foi
negligente ou imprudente (responsabilidade
subjetiva).
Nesse sentido, há posicionamento do Poder Judiciário aplicando ambas as
teorias de
responsabilidade civil (objetiva e subjetiva) para o acidente de trabalho,
sendo
predominante a subjetiva, uma vez que esta depende da prova de culpa do
empregador. Veja o
artigo 932, inciso III, do Código Civil:

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

[...]

III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no


exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

Em 2018, o Tribunal Superior do Trabalho fundamentou seu posicionamento na


responsabilidade
civil objetiva, quando da causa de acidente de um empregado de
uma empresa de vigilância e
segurança. O tribunal estipulou o pagamento de
indenização aos herdeiros, devido ao óbito do
funcionário, o qual foi atingido por um
tiro após um acidente de veículo em que um dos
envolvidos, por desespero, acabou
disparando contra o vigilante. Além disso, o fato de a
empresa exercer atividade de
risco dispensava culpa, chegando-se ao valor condenatório de
210 mil reais.

Em outra decisão também de 2018, o mesmo tribunal afastou a aplicação da


responsabilidade
civil objetiva na condenação por acidente de trabalho sofrido por um
empregado de uma
empresa petroleira, devendo retornar para novo julgamento para
ser comprovada a negligência,
a imprudência ou a imperícia (portanto,
responsabilidade subjetiva). No caso, o empregado
caiu de uma torre, na qual ele
subiu para prender uma mangueira. O empregado deveria conter
treinamento para
desempenhar a atividade, bem como equipamentos necessários e condições de
avaliar os riscos.

Conclui-se assim que, na responsabilidade civil, deve-se indenizar em valores


quem faz ou deixa
de fazer algo quando comprovada a existência de nexo de
causalidade entre o ato ilícito e a
conduta do agente causador do dano.
Responsabilidade criminal na segurança do
trabalho
A responsabilidade penal independe da responsabilidade civil, ou seja, a
condenação em uma
delas não significa necessariamente a condenação na outra.

O artigo 935 do Código Civil disciplina a independência entre a responsabilidade


civil e a responsabilidade penal:

Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo


questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando
estas questões se acharem decididas no juízo criminal.

Na responsabilidade criminal, é dever do Estado aplicar uma penalidade pelo


cometimento de
uma infração penal, e, nesse caso, o autor da ação não é, na maior
parte das ações, um
indivíduo, mas a Justiça pública.

Para haver responsabilidade criminal ou penal, é preciso existir infração


criminal,
conforme artigo 1.º da Lei de Introdução ao Código Penal:

Art. 1º Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou
de
detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de
multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de
prisão
simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.

Portanto, o Código Penal é claro: não há crime sem lei anterior que o defina
e
não
há pena sem prévia cominação legal. As hipóteses de responsabilização são
restritivas, e
todas elas devem estar previstas em lei.

As penas são, na maioria das vezes, privativas de liberdade ou restritivas de


direitos e
substitutivas ou cumulativamente indenizatórias, o que também as diferencia
da
responsabilidade civil.
Então, se a responsabilidade criminal cabe ao Estado e os crimes estão previstos
no
Código Penal (homicídio, lesão corporal e exposição da vida e da saúde – artigos
121, 129 e 132), de que forma tal código se relaciona com o acidente de trabalho?

O empregador e o técnico em segurança podem ser responsabilizados


criminalmente por crimes de
homicídio, lesão corporal e exposição da vida e da saúde
do trabalhador quando ocorrer
acidente com vítimas no exercício da atividade ou
decorrente dela.

O descumprimento das regras de segurança, higiene e medicina do trabalho que


levar a
acidentes de trabalho e, por consequência, estiver enquadrado nas condutas
criminais, por
conduta dolosa ou culposa do empregador ou dos responsáveis pela
segurança dos
trabalhadores, gera responsabilidade penal, que é pessoal do
empregador, do tomador de
serviços, do preposto, do membro da CIPA (Comissão
Interna de Prevenção de Acidentes), do
engenheiro de segurança, do técnico em
segurança ou de outros responsáveis.
No Direito Penal, a responsabilidade recai sobre a cadeia de responsabilidade,
sendo
corresponsáveis o empregador e o responsável técnico em caso de não adoção
das normas de
saúde e segurança do trabalhador e consequente exposição da vida do
funcionário.

Veja um case real de uma sentença sobre um acidente fatal:

O acidente no âmbito de trabalho, decorrente de descarga elétrica, quer


pelo manuseio
inapropriado (falta de treinamento), quer pela ausência de
equipamento de segurança, é fato
típico, e responde por ele o responsável pela
empresa. Trata-se de homicídio decorrente de
descarga elétrica em face da
locomoção descuidada de equipamento elétrico (esteira para
transporte de cebolas).
Por outro lado, a instrução revelou que a vítima não foi instruída,
de forma alguma,
sobre o uso da máquina, tampouco sobre eventuais equipamentos de proteção.
Além
disso, o fato ocorreu sem que houvesse supervisão no momento. Revelou-se, ainda,
segundo o próprio apelado, a falta de manutenção do equipamento, sendo suficiente
para
caracterizar o fato típico. É devida a causa de aumento de pena, prevista no
artigo 121,
parágrafo 4.º, do Código Penal, pelo fato de o apelante ser o proprietário da
empresa e o
responsável pelo trabalho dos funcionários, merecendo, dessa forma,
maior censurabilidade
acerca de seu comportamento negligente.
Na responsabilidade criminal, assim como na responsabilidade civil, há crimes
dolosos e culposos, sendo fundamental saber a diferença entre eles.

O dolo é uma conduta voluntária, na qual o sujeito tem intenção de atingir um


objetivo ilícito, por ação ou omissão (por exemplo, provocar um acidente de trânsito
com vítima e não prestar socorro).

A culpa decorre da negligência, da imprudência ou da imperícia (por exemplo,


entregar o equipamento de segurança e não treinar o trabalhador para utilizar a
máquina, caracterizando o empregador negligente e, dessa falta de treinamento,
resultando lesão corporal ao trabalhador).

A responsabilidade criminal depende de uma infração penal, cometida por dolo


ou culpa do empregador em relação ao seu empregado, resultando em uma pena
preponderantemente privativa de liberdade (reclusão – cumprida em regime fechado;
ou detenção – cumprida em regime semiaberto ou aberto, salvo necessidade de
transferência a regime fechado) e restritiva de direitos (indenizações mensais, perda
de bens e valores, limitação de fim de semana e prestação de serviços à comunidade).

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