Você está na página 1de 78

A CRIMINOLOGIA

RADICAL
Juarez Cirino dos Santos
Prof. Dr. Juarez Cirino dos Santos
Doutor em Direito Penal (UFRJ)
Copyright© 2018 by RJuarez Cirino dos Santos Mestre em Ciências Jurídicas (PUCRJ)
Editor Responsável: Aline Gostinski Pós-doutorado no Institut für Rechts- und Sozialphilosophie
Capa e Diagramação: Carla Botto de Barros (Universidade do Saarland, Alemanha)

CONSELHO EDITORIAL CIENTÍFICO:


Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot
Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Investigador do Instituto de Investigações
Jurídicas da UNAM - México
Juarez Tavares
Catedrático de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Brasil
Luis López Guerra
Magistrado do Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Catedrático de Direito Constitucional da Uni-
versidade Carlos III de Madrid - Espanha
Owen M. Fiss
Catedrático Emérito de Teoria de Direito da Universidade de Yale - EUA
Tomás S. Vives Antón
Catedrático de Direito Penal da Universidade de Valência - Espanha

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ A CRIMINOLOGIA
RADICAL
S235c
4. ed.

Santos, Juarez Cirino dos


A criminologia radical [recurso eletrônico] / Juarez Cirino dos Santos. - 4. ed. -
Florianópolis [SC] : Tirant Lo Blanch, 2018.
recurso digital

Formato: epdf
Requisitos do sistema: adobe acrobat reader
Modo de acesso: world wide web
Inclui bibliografia e índice
ISBN 978-85-9477-214-5 (recurso eletrônico)

1. Criminologia - Brasil. 2. Direito penal - Brasil. 3. Livros eletrônicos. I. Título.

18-51815
CDU: 343.2(81)
4ª Edição
Vanessa Mafra Xavier Salgado - Bibliotecária - CRB-7/6644

15/08/2018 17/08/2018
É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, inclusive quanto às características gráficas e/ou
editoriais.
A violação de direitos autorais constitui crime (Código Penal, art.184 e §§, Lei n° 10.695, de 01/07/2003), sujeitando-se à busca
e apreensão e indenizações diversas (Lei n°9.610/98).
Todos os direitos desta edição reservados à Tirant Empório do Direito Editoral Ltda. 2018
Todos os direitos desta edição reservados à Tirant lo Blanch.
Av. Embaixador Abelardo Bueno, 1 - Barra da Tijuca
Dimension Office & Park, Ed. Lagoa 1, Salas 510D, 511D, 512D, 513D
Rio de Janeiro - RJ CEP: 22775-040
www.tirant.com.br - editora@tirant.com.br

Impresso no Brasil / Printed in Brazil


Dedico este trabalho
aos professores

João Mestieri

e Heleno Fragoso (in


memoriam)
Nota do Autor para a 4ª edição
Este pequeno livro – talvez um clássico da criminologia
brasileira – mantém plena atualidade científica e utilidade
pedagógica. Entre outras coisas, parece cumprir a tarefa didática
de apresentar aos estudantes e profissionais da Justiça Criminal
as premissas ideológicas, os objetivos políticos e os fundamentos
científicos da moderna Criminologia crítica. Esse papel é a
explicação mais razoável para o rápido esgotamento de sucessivas
edições do livro.
Como sempre, nenhuma alteração de conteúdo ou
de forma do texto, preservando a originalidade teórica e
metodológica de um trabalho acadêmico que parece estar na
origem de uma revolução do pensamento científico sobre crime e
controle social na sociedade brasileira. Mas é indispensável fazer
uma observação histórica para evitar equívocos de interpretação
atuais, como recente debate brasileiro sobre criminalização
demonstrou. Na época de elaboração do livro, a política criminal
da criminologia radical ou crítica propunha uma inversão
instrumental do sistema punitivo: reduzir a repressão penal
das classes subalternas e ampliar a repressão penal das classes
hegemônicas da formação social capitalista. Contudo, a reflexão
sobre a experiência histórica mais geral mostrou o equívoco
da proposta. A verificação de que o sistema penal não cumpre
funções instrumentais ou declaradas de controle da criminalidade
e de defesa social, mas cumpre funções reais e simbólicas de
reprodução material e ideológica das relações de propriedade e
de poder da formação social capitalista, determinou o abandono
da proposta criminalizadora e de seu inevitável inconveniente
político de legitimar a ideologia punitivista do sistema de justiça
criminal. Hoje, apenas segmentos do neorealismo de esquerda

vii
mantêm a ilusória proposta de utilizar o sistema penal para Prefácio para a 2a edição
resolver problemas sociais ou, mesmo, para reprimir as elites
de poder econômico e político da sociedade.
Após curta experiência do Estado Democrático Este livro foi escrito na época da ditadura militar no
de Direito instituído pela Constituição de 88, o assalto Brasil – entre 1979 e 1981 –, apresentado como tese para
à Presidência da República por um golpe parlamentar- obtenção do título de doutor em Direito Penal na Faculdade
midiático-judicial das forças conservadoras, produzido no de Direito da UFRJ, defendido e aprovado com a nota
bojo da conexão lava-jato/meios de comunicação de massa - o máxima por uma banca examinadora constituída pelos
novo cenário da luta de classes no Brasil -, reativou a força professores Heleno Fragoso, Roberto Lyra Filho, Celso de
original das ideias do livro, como bandeiras de luta contra Albuquerque Mello, Celso César Papaléo e João Mestieri
o punitivismo brutal das políticas penais da globalização (orientador) – mestres que dignificaram a vida acadêmica,
contemporânea, a reposta obsessiva do capital financeiro científica e intelectual do País naqueles tempos sombrios.
para manter a hegemonia política nas sociedades desiguais da
periferia do sistema neoliberal ocidental. Na época, os partidos políticos estavam amordaçados,
Curitiba, julho de 2018 os sindicatos reprimidos, a imprensa censurada, a
universidade e os intelectuais acuados – mas a resistência
Prof. Dr. Juarez Cirino dos Santos
democrática crescia em todos os segmentos da sociedade
civil e política brasileira. Os centros de produção científica
e cultural do País foram invadidos pela ideologia de
lei e ordem do AI-5, mas na maioria das universidades
brasileiras apareceram núcleos de resistência: na PUC/RJ, o
movimento docente da ADPUC e dos estudantes nos Centros
Acadêmicos era vigoroso; na Cândido Mendes/Ipanema
nunca houve censura política de professores; na Faculdade
de Direito da UFRJ, a luta histórica do CACO abria espaço
para defesa de teses marxistas como A Criminologia
Radical, por exemplo.

A idéia do livro surgiu ao escrever a dissertação de


mestrado na PUC/RJ, publicada como A Criminologia da
Repressão (Forense, 1979), que descrevia a criminologia

viii ix
positivista dominante na academia e no sistema de controle Elisabeth Sussekind e outros mais; o ensino de Direito Penal
social. O estudo crítico dessa criminologia conservadora e Criminologia na graduação em Direito da PUC/RJ e da
permitiu descobrir textos e autores pouco conhecidos no Cândido Mendes-Ipanema, de 1976 a 1981; e a romântica
meio universitário brasileiro, com conceitos revolucionários militância política no MR8 (Movimento Revolucionário 8
sobre crime e controle social, como Punishment and social de Outubro) de Lamarca e Marighela, então já assassinados
structure de Rusche e Kirchheimer (1939), The New pela ditadura militar.
Criminology de Taylor, Walton e Young (1973) e Vigiar
e Punir de Foucault (1977), espécie de linha de frente de Escrever A Criminologia Radical foi uma experiência
um movimento universal de criminologia crítica composto pessoal emocionante, espécie de êxtase psíquico renovado
por cientistas, filósofos e militantes políticos de vanguarda, a cada descoberta intelectual. E a reação do público foi
como Alessandro Baratta na Alemanha e Itália, Dario espetacular: profissionais conservadores estigmatizaram o
Melossi e Massimo Pavarini na Itália, Tony Platt, William livro, mas criminólogos progressistas encontraram nele a
Chambliss e os Schwendingers nos Estados Unidos, Lola verdadeira criminologia; alguns professores diziam ensinar
Aniyar de Castro e Rosa del Olmo na América Latina, para criminologia radical – e não simplesmente criminologia
citar apenas alguns. Então, porque não apresentar ao público –, entregando aos alunos fotocópias do livro, esgotado nas
brasileiro os fundamentos científicos e os objetivos políticos livrarias; o livro foi objeto de seminários organizados por
dessa criminologia de raízes que pretendia “se constituir, professores e de grupos de estudo formados por estudantes
não como outra ‘criminologia da repressão’, mas como a de Direito. Ainda hoje – mais de vinte anos depois da 1a
única Criminologia da Libertação” – e precisamente nesses edição –, em conferências e debates pelo País, encontro
tempos de caça às bruxas ? profissionais do Direito e estudantes com um velho
exemplar do livro na mão, para um autógrafo. Em suma,
O percurso intelectual de elaboração do livro aconteceu com o livro o que acontece com a ciência social
teve momentos inesquecíveis: a tradução (com Sérgio erigida sobre a luta de classes: ou é aceita ou é rejeitada,
Tancredo) de Critical Criminology, de Taylor, Walton e não há meio-termo.
Young (Criminologia Crítica, Graal, 1980); as discussões
jurídicas e políticas no Instituto de Ciências Penais do Rio O livro não foi republicado por causa de um projeto
de Janeiro, sob a presidência de Heleno Fragoso, a liderança – aliás, sempre adiado – de fundir A Criminologia Radical
de Nilo Batista e um time de encher os olhos: João Mestieri, com A Criminologia da Repressão e As Raízes do Crime, em
Augusto Thompson, Heitor Costa Júnior, Cláudio Ramos, um Curso de Criminologia para os estudantes brasileiros.
Juarez Tavares, Sérgio Verani, Técio Lins e Silva, Arthur Mas o argumento de que A Criminologia Radical seria um
Lavigne, Luiz Fernando Freitas Santos, Yolanda Catão, clássico na literatura criminológica brasileira, devendo ser

x xi
republicado sem mudanças – independente daquele projeto Sumário
–, foi convincente. E aí está a 2a edição do livro, com algumas
alterações de forma para facilitar a leitura, mas sem nenhuma
mudança de conteúdo para preservar a originalidade – até
para mostrar que certas teorias pretensamente novas já
completaram a maioridade no Brasil.
I. Introdução .......................................................................1
Hoje, com o Estado Democrático de Direito e o
novo quadro político-institucional do País, as teses do livro II. A Criminologia Radical ..................................................35
continuam atuais - e podem contribuir para a formulação de
políticas criminais democráticas e humanistas, opostas ao III. A Criminologia Radical e o Conceito de Crime ...........49
boom repressivo e intolerante das políticas penais próprias
do período de globalização da economia capitalista, ainda IV. A Criminologia Radical e a Política do Controle
e sempre sob a égide do capital financeiro internacional. Social ..................................................................................61

Curitiba, janeiro de 2006. V. A Criminologia Radical e a Forma Legal do Controle


Social .................................................................................87
Prof. Dr. Juarez Cirino dos Santos
Professor Adjunto da Faculdade de Direito da UFPR VI. A Criminologia Radical e Alternativas do Controle
Social ................................................................................109

VII. Conclusões ...............................................................123

xii xiii
I. Introdução

O desenvolvimento de teorias radicais sobre


crime, desvio e controle social está ligado às lutas
ideológicas e políticas das sociedades ocidentais, na era
da reorganização monopolista de suas economias. Esse
movimento teórico pode ser explicado, nas suas formas
básicas, pelas transformações econômicas e políticas,
nacionais e internacionais, do período da planetarização
das relações de produção e de comercialização de bens,
da divisão internacional do trabalho e da polarização
universal entre países desenvolvidos e hegemônicos e povos
subdesenvolvidos e dependentes.

O estudo das teorias radicais sobre crime e controle


social deve, portanto, fixar as linhas teóricas e metodológicas
comuns aos movimentos e tendências críticas em Criminologia
e indicar os vínculos desses movimentos e tendências com
as estruturas econômicas e políticas e as relações de poder
e de dominação das sociedades capitalistas. A construção
intelectual das coordenadas científicas das teorias radicais
exige, além do exame de produções teóricas particulares
representativas desse movimento e tendências, o uso de
categorias capazes de captar as transformações históricas e
as lutas sociais, políticas e ideológicas que, simultaneamente,
produzem e explicam a Criminologia Radical.

A Criminologia Radical surge como crítica radical da


teoria criminológica tradicional, assim como – guardadas
as devidas proporções – o marxismo surgiu de uma crítica

1
Introdução Introdução

radical da economia política clássica: ambas as construções culturais). A punição, como medida anticriminal oficial,
assumem na prática e desenvolvem na teoria um ponto justificava-se naturalmente como correção ressocializadora e
de vista de classe (a classe trabalhadora), em cujo centro oportunidade para arrependimento (Taylor, Walton e Young,
se encontra o proletariado. Mas enquanto o marxismo é a 1980, p. 10-11). A posição de compromisso do enfoque
estruturação de conceitos radicalmente novos sobre as forças representa uma composição entre tendências conservadoras
e a direção do movimento histórico, a Criminologia Radical (teorias clássicas e positivistas biológicas) e liberais (teorias
se edifica com base no método e nas categorias científicas positivistas sociológicas e as fenomenologias do crime) da
do marxismo, desenvolvendo e especializando conceitos criminologia dominante.
na área do crime e do controle social, mediante a crítica
da ideologia dominante, como exposta e reproduzida pelas As teorias conservadoras caracterizam-se pela
teorias tradicionais do controle social: as teorias clássicas e descrição da organização social: a ordem estabelecida
positivistas, e algumas variantes da fenomenologia moderna. (status quo) é o parâmetro para o estudo do comportamento
criminoso ou desviante e, por isso, a base das medidas de
repressão e correção do crime e desvio. A ideologia das
teorias conservadoras é essencialmente repressiva: fundada
na hierarquia e na dominação, como bases da lei e da ordem,
tem um significado prático de legitimação da ordem social
1. As Teorias Tradicionais desigual (Taylor et alii, 1980, p. 22-23).

Após a Segunda Guerra, nos países industrializados As teorias liberais se caracterizam pela prescrição
do Ocidente se desenvolve uma criminologia concentrada de reformas, concentrando-se em pesquisas sociológicas
no estudo de causas ambientais, preocupada com privações para sugerir mudanças institucionais (descriminalização,
materiais, lares desfeitos, áreas desorganizadas e pobres etc., tratamento penitenciário etc.) e sociais (habitação, assistência
abandonando as teorias genéticas e psicológicas, e outras etc.) como meios de prevenção do comportamento anti-
teorias conservadoras sobre a “perversidade humana” na social. A ideologia liberal separa a atividade teórica do
explicação da etiologia do crime. Essa orientação teórica, cientista, limitado a sugerir ou aconselhar, e a prática
conhecida como criminologia fabiana por causa de sua política do administrador, o homem de decisão atento às
tendência ao compromisso, trabalhava com dois grupos de necessidades concretas: o assessoramento do administrador
fatores básicos: a subsocialização (insuficiente assimilação por cientistas e técnicos, incumbidos do trabalho abstrato,
de valores culturais por deficiências de educação) e a exprimiria a subordinação da ciência aos imperativos
corrupção individual (assimilação deformada dos valores políticos. A maioria da criminologia atual, especialmente

2 3
Introdução Introdução

em instituições ligadas à realidade oficial, concentrada psicológicas, psiquiátricas etc.) e sociológicas (patologia
em pesquisas sobre reincidência, métodos de prevenção, social, desorganização social e comportamento desviante).
regimes penitenciários etc., segue o esquema liberal (Taylor
et alii, 1980, p. 23-25). 2. A Formação das Teorias Radicais em
Criminologia
Mas a conexão ideológica entre conservadores e
liberais para formação de uma criminologia correcionalista Sem desmerecer contribuições anteriores, geralmente
está na noção comum de que a maioria do comportamento incompletas e limitadas, ou com distorções reformistas
social é convencional, ou seja, ajustado aos parâmetros ou formalistas, um dos primeiros estudos sistemáticos do
normativos, enquanto o comportamento não-convencional, desenvolvimento da teoria criminológica sob um método
constituído pelo crime e desvio, seria a minoria do dialético, aplicando categorias do materialismo histórico,
comportamento social. O enfoque comum de conservadores é o trabalho coletivo The New Criminology (Taylor,
e liberais não questiona a estrutura social, ou suas instituições Walton e Young, 1973). O texto apresenta uma crítica
jurídicas e políticas (expressivas de consenso geral), mas interna das teorias do crime, desvio e controle social,
se dirige para o estudo da minoria criminosa, elaborando desde as concepções clássicas, passando pelos positivismos
etiologias do crime fundadas em patologia individual, em biológicos e sociológicos, as contribuições fenomenológicas
traumas e privações da vida passada, em condicionamentos e interacionistas e, finalmente, as teorias conflituais,
deformadores do sistema nervoso autônomo, em anomalias destacando, nas conclusões, os estágios analíticos da
na estrutura genética ou cromossômica individual etc., em criação e da aplicação da norma criminal: as origens
relação com as circunstâncias presentes, cuja recorrência do comportamento desviante (estruturais e imediatas), o
produz tendências fixadas, psicológicas, fisiológicas ou comportamento desviante concreto e as origens da reação
outras. No estudo dessa etiologia (e suas relações), o social (imediatas e estruturais). Esse texto acelerou a
criminólogo realizaria uma tarefa neutra, independente de formação da Criminologia Radical, ao exprimir a revolta
interesses pessoais e do sistema de reação contra o crime, de teóricos críticos (Laurie Taylor, Stan Cohen, Mary
com seus condicionamentos políticos e ideológicos (Young, McIntosh, Ian Taylor, Paul Walton, Jock Young etc.) contra
1980, p. 75). Mas não se trata de estudar em detalhes, neste o pragmatismo puritano e correcionalista da criminologia
texto, as teorias conservadoras e liberais, objeto específico convencional, em Cambridge, 1968, formando a própria
de estudo em A Criminologia da Repressão (Cirino, conferência, a National Deviancy Conference (Mintz,
1979), com ampla análise de seus postulados ideológicos e 1974, p. 33). Esse encontro, realizado em York, no ano de
estruturas teóricas, dentro do seguinte esquema: a) teorias 1968, com mais de 400 participantes, marca uma ruptura
clássicas; b) teorias positivistas biológicas (genéticas, coletiva e coordenada com a criminologia tradicional,

4 5
Introdução Introdução

conservadora e liberal, com a superação de suas elaborações (reeditado em 1974), denunciando os modos dominantes de
mais sofisticadas, como a teoria da rotulação, por exemplo, análise do crime – produto de defeitos psicológicos ou de
definida como “criminologia cética”. personalidades anormais – e do controle social, avaliado em
termos de efetividade e eficiência e, portanto, como variantes
O livro de Taylor, Walton e Young, com o título irônico do positivismo, concentrados em estatísticas criminais.
de “A nova criminologia”, trata de uma velha criminologia: A importância do evento residiu no estabelecimento de
sua crítica pretende, remotamente, o desenvolvimento de uma base ideológica e científica para um trabalho teórico
uma criminologia marxista, colocando as questões do crime coletivo e organizado, cuja proposta geral compreendia a
e do controle social em perspectiva histórica e reconhecendo crítica radical da teoria criminológica e social dominante,
a urgência de uma economia política do crime, alternativa à a participação em movimentos políticos de libertação de
criminologia micro-sociológica, conflitual ou interacionista minorias oprimidas e no trabalho de massa, a organização
(Mintz, 1974, p. 33-39). Criminólogos radicais criticaram e coordenação das lutas de presos etc. – em suma, um
o estilo tradicional do trabalho, definindo-o como “história programa teórico e prático no contexto das relações entre
das idéias criminológicas” não situadas nas condições reais os sistemas de controle social e a estrutura de classes do
de seu desenvolvimento, espécie de “crítica da crítica” etc. modo de produção capitalista (Manifesto, 1974). A tarefa de
(del Olmo, 1976, p.64). Em autocrítica posterior os autores esclarecer a relação crime/formação econômico-social leva à
reformularam as tendências formalistas e o estilo idealista inserção do fenômeno criminoso na esfera de produção (e não
do livro (Taylor et alii, 1980), afirmando a necessidade apenas na esfera de circulação): as relações de produção e as
de redefinir a problemática do crime e do controle social questões de poder econômico e político passam a constituir
como fenômenos inteiramente inseridos no processo social, os conceitos fundamentais da Criminologia Radical (del
ligados à base material e à estrutura legal do capitalismo Olmo, 1976, p. 64). Reuniões sucessivas definem alguns
contemporâneo: a economia política – ou melhor, a estrutura postulados teóricos e metodológicos do questionamento
econômica em que se articulam as relações sociais no radical: a crítica da ideologia conservadora e liberal
capitalismo – surge como o determinante primário da (conceito de delinqüente como anormal ou patológico,
formação social, formalizado nas superestruturas jurídicas necessitado de tratamento ou de reabilitação), se baseia na
e políticas do Estado. concepção materialista da história, que estuda o crime e os
sistemas de controle do crime como fenômenos enraizados
Mas o acontecimento crucial da formação da nas contradições de classe de formações econômico-
Criminologia Radical é a criação do Grupo Europeu para sociais particulares, estruturadas pelo modo de produção
o Estudo do Desvio e do Controle Social, em Florença, dominante. A ligação da teoria criminológica com a teoria
Itália, em 1972, com a publicação de um Manifesto do Estado, através da ciência da história, permite identificar

6 7
Introdução Introdução

o desenvolvimento das instituições de controle social com controlada diretamente pela prisão, nas suas conexões com
a história superestrutural da dominação do capital, bem a polícia e a justiça criminal, parece sem sentido considerar
como relacionar os fenômenos do crime com a história o preso como lumpenproletariado, sem consciência ou
da sobrevivência do trabalho assalariado, em condições organização política e sem papel na luta de classes: a
de exploração e de miséria, na contextura de classes das população carcerária é extraída da classe trabalhadora,
sociedades capitalistas (del Olmo, 1976, p. 66-67). engajada nas lutas sindicais por direitos trabalhistas e leva
para a prisão a experiência na organização de movimentos de
A hipótese de que desigualdades econômicas e reivindicações (a luta pela observância das regras mínimas,
políticas entre as classes sociais são determinantes primários pela preservação dos direitos não afetados pela privação da
do crime revigora teses radicais sobre sociedades livres liberdade etc.) e de protestos contra violências na prisão,
de crimes – ou livres da necessidade de criminalizar para contra a exploração do trabalho do preso etc., elevando
sobreviver – e orienta o esforço coletivo para a elaboração de o nível de consciência e de organização da população
uma teoria criminológica comprometida com a construção reprimida (Mintz, 1974, p. 50-53).
do socialismo: a libertação do potencial de desenvolvimento
humano pela libertação da luta de sobrevivência material Na Europa e nos EUA, a partir da década de 60,
de comer, consumir etc. Na linha dessa proposição, teoria as teorias radicais germinam nas lutas políticas por
e pesquisa criminológica constituem uma praxis social, em direitos civis, no caso dos ativistas negros americanos,
que uma precisa concepção da utilidade do conhecimento nos movimentos contra a guerra, generalizados durante
como instrumento de libertação encoraja e promove as o genocídio do Vietnã, no movimento estudantil, em
transformações indicadas por seus preceitos. Admitindo 1968, nas revoltas em prisões e nas lutas de libertação
a centralidade da classe trabalhadora como força política anti-imperialistas dos povos e nações do Terceiro Mundo.
capaz de edificar o socialismo, a Criminologia Radical Esse vínculo prático de criminólogos radicais com as lutas
reavalia o significado e destaca a importância crescente das políticas e movimentos sociais da segunda metade do século
minorias oprimidas pela condição de classe (a população das desenvolve-se, progressivamente, em uma crítica vertical
prisões), de raça (negros, índios etc.), de sexo ou de idade à criminologia convencional-liberal que hegemoniza a
para a execução daquele projeto político (Taylor et alii, p. teoria e a pesquisa sobre crime, desvio e controle social,
25-32). Na época do capitalismo monopolista, em que menos com a literatura mais influente, técnicos e consultores
de um terço da força de trabalho potencial está integrada governamentais, o predomínio em comissões para o estudo
nos processos produtivos, e mais de dois terços dessa força do comportamento anti-social e a elaboração de programas
de trabalho se encontra em situação de marginalização de prevenção, geral e especial (Platt, 1980, p. 113-14).
forçada do mercado de trabalho, como mão-de-obra ociosa

8 9
Introdução Introdução

A hegemonia conservadora e liberal em teoria e criminologia (Lyra Filho, 1980, p. 10). Crime é o que a lei,
pesquisa criminológica não se explica por convergências ou a justiça criminal, determina como crime, excluindo
teóricas ou metodológicas, pois são muitas as divergências comportamentos não definidos legalmente como crimes, por
internas entre sociólogos positivistas, teóricos do conflito ou mais danosos que sejam (o imperialismo, a exploração do
do labeling approach etc., mas pelo significado ideológico trabalho, o racismo, o genocídio etc.), ou comportamentos
comum de seus postulados fundamentais (Platt, 1980). que, apesar de definidos como crimes, não são processados
O processo de formação e estruturação da Criminologia nem reprimidos pela justiça criminal, como a criminalidade
Radical é inseparável da crítica aos componentes ideológicos de “colarinho branco” (fixação monopolista de preços,
fundamentais da criminologia dominante, na medida em evasão de impostos, corrupção governamental, poluição do
que constitui seu próprio perfil ideológico e científico meio ambiente, fraudes ao consumidor, e todas as formas
por diferenciação e oposição àquela. A gênese crítica da de abuso de poder econômico e político, que não aparecem
Criminologia Radical começa nas questões conexas do nas estatísticas criminais). A questão aparentemente neutra
conceito de crime e das estatísticas criminais, deslindando e incontroversa da definição legal de crime – ou da atuação
as implicações políticas e as premissas ideológicas que da justiça criminal, indicada nas estatísticas criminais –,
fundamentam as teorias criminológicas tradicionais e como base do trabalho teórico da criminologia tradicional,
informam as ciências sociais, em geral, nas sociedades manifesta um conteúdo ideológico nítido, que condiciona
de classes, e prossegue nos aspectos superestruturais e deforma toda a teoria e pesquisa, reduzida à descoberta
fetichizados das relações de produção, sob a teoria da das causas do comportamento criminoso (Chambliss, 1980;
inseparabilidade das lutas sociais contra a exploração Lyra Filho, 1980).
econômica, no contexto das relações de produção, e contra
a dominação política, no contexto das relações de poder, em A distorção ideológica da criminologia tradicional
que a prisão se caracteriza como a forma específica do poder não se reduz ao que está excluído da definição legal, ou da
burguês, “diretamente determinada pelo modo de produção sanção da justiça criminal, mas resulta diretamente do que
capitalista” (Fine, 1980, p. 26). está incluído nas definições legais ou nas sanções da justiça
criminal, como indicado nas estatísticas e registros oficiais
3. A Crítica às Teorias Tradicionais sobre o comportamento criminoso, a base permanente
daquela criminologia. Um simples exame empírico
O ponto de partida da criminologia dominante é o (Fragoso, Catão e Sussekind, 1980) mostra a natureza
conceito de crime: comportamentos definidos legalmente classista da definição legal de crime e da atividade dos
como crimes e/ou sancionados pelo sistema de justiça aparelhos de controle e repressão social, como a polícia,
criminal como criminosos são a base epistemológica dessa a justiça e a prisão, concentradas sobre os pobres, os

10 11
Introdução Introdução

membros das classes e categorias sociais marginalizadas e o crime varia conforme o tipo de sociedade e o estágio
miserabilizadas pelo capitalismo. A situação geral dos países de desenvolvimento tecnológico, o que significa ausência
capitalistas pode ser exemplificada por seu modelo mais de crimes naturais e identidade entre criminosos e não-
representativo, a sociedade americana (Taylor et alii, 1980, criminosos, exceto pela condenação criminal; a cifra negra
p. 39), cuja população contém 20% de pessoas do Terceiro representa a diferença entre a aparência (conhecimento
Mundo, como negros, mexicanos e porto-riquenhos, que oficial) e a realidade (volume total) da criminalidade
constituem 50% da população carcerária; existem mais convencional, constituída por fatos criminosos não
negros nas prisões do que nas universidades e, enquanto identificados, não denunciados ou não investigados (por
categoriais da população trabalhadora (operários, artífices, desinteresse da polícia, nos crimes sem vítima, ou por
operadores etc.) representam 59% da força de trabalho da interesse da polícia, sob pressão do poder econômico
sociedade, constituem 87,4% da população das prisões. e político), além de limitações técnicas e materiais dos
Nas sociedades capitalistas, a indicação das estatísticas é órgãos de controle social. Na verdade, a cifra negra afeta
no sentido de que a imensa maioria dos crimes é contra o toda a criminalidade, desde os crimes sexuais, cujos
patrimônio, de que mesmo a violência pessoal está ligada registros não excedem a taxa de 1% da incidência real,
à busca de recursos materiais e o próprio crime patrimonial até o homicídio, freqüentemente disfarçado sob rubricas
constitui tentativa normal e consciente dos deserdados de “desaparecimentos”, “suicídios”, “acidentes” etc.
sociais para suprir carências econômicas. (Aniyar, 1977, p. 80-83); por outro lado, a cifra dourada
representa a criminalidade do “colarinho branco”, definida
A insistência de teóricos liberais e conservadores como práticas anti-sociais impunes do poder político e
sobre estatísticas, como indicação da extensão do crime na econômico (a nível nacional e internacional), em prejuízo
sociedade, ou de que criminosos condenados são a maior da coletividade e dos cidadãos e em proveito das oligarquias
aproximação possível da quantidade real de violadores econômico-financeiras (Versele, 1980, p. 10 e ss.): os
da lei, decorre da explicação da criminalidade por fatores caracteres sociais do sujeito ativo (portador de alto status
pessoais (biológicos, genéticos, psicológicos etc.) ou sociais sócio-econômico) e a modalidade de execução do crime
(ambiente, família, educação etc.), que seriam responsáveis (no exercício de atividades econômico-empresariais ou
pela super-representação das classes dominadas e pela político-administrativas), conjugados às complexidades
sub-representação das classes dominantes nas estatísticas legais, às cumplicidades oficiais e à atuação de tribunais
criminais. Mas a confiabilidade das “evidências” (no caso, especiais, explicam a imunidade processual e a inexistência
o dado estatístico) e a validade das teorias da criminologia de estigmatização dos autores (Aniyar, 1977, p. 92-93).
tradicional são destruídas pela relatividade do crime e
pelas chamadas cifras negra e dourada da criminalidade: A Criminologia Radical define as estatísticas

12 13
Introdução Introdução

criminais como produtos da luta de classes nas sociedades capitalista, e o lugar de classe dos autores, em posição
capitalistas: a) os crimes da classe trabalhadora de poder econômico e político, explicam essa exclusão
desorganizada (lumpenproletariado, desempregados (Young, 1979, p.16 e ss.; Cirino, 1980, p. 38-52).
crônicos e marginalizados sociais, em geral), integrantes da
chamada criminalidade-de-rua, de natureza essencialmente Esse quadro geral explicativo da distribuição social
econômica e violenta, são super-representados nas da criminalização de condutas, elaborado segundo a
estatísticas criminais, porque apresentam os seguintes posição social do autor, orienta a pesquisa da Criminologia
caracteres: constituem ameaça generalizada ao conjunto Radical para a base econômica e para as relações de poder
da população, são produzidos pelas camadas mais da sociedade, excluídas da pesquisa da criminologia
vulneráveis da sociedade e possuem a maior transparência tradicional: as relações de classes nos processos produtivos
ou visibilidade, com repercussões e conseqüências mais da estrutura econômica da sociedade e nas superestruturas de
poderosas na imprensa, na ação da polícia e na atividade do poder político e jurídico do Estado. Assim, a Criminologia
judiciário; b) os crimes da classe trabalhadora organizada, Radical descobre o sistema de justiça criminal como prática
integrada no mercado formal de trabalho (a chamada organizada de classe, mostrando a disjunção concreta entre
criminalidade de fábrica, como pequenas apropriações uma ordem social imaginária, difundida pela ideologia
indébitas, furtos e danos), não aparecem nas estatísticas dominante através das noções de igualdade legal e de
criminais por força da inevitável obstrução dos processos proteção geral, e uma ordem social real, caracterizada pela
criminais sobre os processos produtivos; c) a criminalidade desigualdade e pela opressão de classe. Essa revelação está
da pequena burguesia (profissionais liberais, burocratas, na base das formulações teóricas e da prática transformadora
administradores etc.), geralmente danosa ao conjunto da Criminologia Radical, em direção a uma sociedade
da sociedade por constituir a dimensão inferior da capaz de superar as desigualdades sociais que produzem o
criminalidade do “colarinho branco”, raramente aparece fenômeno criminoso (Taylor et alii, 1980, 44-45).
nas estatísticas criminais; d) a grande criminalidade das
classes dominantes (burguesia financeira, industrial e Nesse contexto, o significado ideológico da
comercial), definida como abuso de poder econômico criminologia tradicional aparece na sua proposta de reforma:
e político, a típica criminalidade de “colarinho branco” do criminoso, do sistema de justiça criminal e, mesmo, da
(especialmente das corporações transnacionais), produtora sociedade – neste caso, em formulações dentro do modelo
do mais intenso dano à vida e à saúde da coletividade, de capitalismo corporativo, sob a égide de “administradores
bem como ao patrimônio social e estatal, está excluída esclarecidos” e como ajustamentos funcionais para as
das estatísticas criminais: a origem estrutural dessa condições econômicas e políticas existentes. O resultado
criminalidade, característica do modo de produção histórico alcançado pela criminologia correcionalista é o

14 15
Introdução Introdução

constante aumento do poder do Estado (capitalista) sobre voluntariamente subserviente, a serviço do controle em
os trabalhadores, os setores marginalizados do mercado qualquer ordem – de grande importância em períodos
de trabalho e as minorias, com ampliação da rede de de rebelião política, de incremento das reivindicações
controles, como o “sursis”, o livramento condicional, a operárias sobre salários, condições de trabalho, direitos
justiça juvenil, os reformatórios, as prisões abertas etc., democráticos e o mais (Platt, 1980, p. 117- 119).
cujos manifestos e inegáveis benefícios pessoais abrigam
um aspecto contraditório, que significa controle mais A distorção ideológica da criminologia correcionalista
geral e dominação mais intensa (Platt, 1980, p. 116). pode ser destacada no contexto das alternativas do
Esse pragmatismo reformista, fundado em técnicas de trabalhador na sociedade capitalista, indicadas por Engels:
comportamentalismo e de engenharia social, nos limites ou conformar-se à brutalização, transformando-se num
da organização política e jurídica do Estado, resolve- homem sem vontade, destruído pela rotina, a monotonia
se em repressão pura e simples: volta as costas para os e a exaustão física e mental dos processos produtivos; ou
movimentos de massas, não coloca as alternativas de aceitar a ideologia dominante, aderindo aos valores da
cooperação/competição, ou de valores humanos/valores competição para encontrar uma “saída pessoal”; ou furtar
da propriedade, nem considera a perspectiva histórica a propriedade do rico para satisfazer necessidades básicas,
de eliminar a exploração do trabalho, a opressão política com os riscos da criminalização; ou, finalmente, fazer a
de classes, de raças e de outras minorias. Na verdade, a revolução, incorporando-se à atividade política e à ação
posição básica da ideologia correcionalista manifesta-se coletiva como alternativa para superar a opressão social e
como um paternalismo despótico: homens iluminados a exploração pessoal, restaurando a humanidade perdida
(políticos, administradores e cientistas) são as forças e a esperança de liberdade real (Young, 1980, p. 94-94).
motoras da história, e o povo ignorante é, apenas, objeto Esse quadro real é encoberto pela “indignação moral”
e massa de manobra, sem poder nem consciência (Platt, promovida pela ação oficial e os meios de comunicação
1980, p. 117-22). Por outro lado, a própria tradição de massa contra o criminoso convencional, o “bode
acadêmica em teoria política, econômica e social descreve expiatório” útil para esconder (e justificar) problemas
a história dos grupos dominantes como registrada por sociais reais – ao contrário do criminoso de “colarinho
líderes políticos, empresários etc. e, na área do sistema de branco”, protegido pelas instituições de privacidade
justiça criminal, como registrada por juízes, diretores de da sociedade burguesa –, produzidos (como o próprio
prisão e delegados de polícia. A pesquisa criminológica, criminoso) pelas desigualdades intrínsecas do sistema de
dependente de financiamentos e vinculada a interesses relações sociais (Young, 1980, p. 101).
institucionais, transforma o criminólogo, freqüentemente,
em técnico neutro e pronto-para-aluguel, um instrumento

16 17
Introdução Introdução

4. Tendências Críticas e Radicais (Rubington & Weinberg, 1977, p. 191 e ss.). O objeto de
estudo da teoria da rotulação compreende a constituição das
Na década de 60, especialmente nos EUA, regras sociais e as práticas de aplicação dessas regras (por
desenvolve-se uma criminologia de percepções e atitudes, quem, contra quem, quais as conseqüências etc), dentro da
com estudos sobre o criminoso, a vítima, a polícia, o juiz, concepção fenomenológica de Mead sobre a personalidade
o público, as testemunhas etc., uma multiplicidade de como “construção social”: o modo como pensamos e agimos
pesquisas centradas teoricamente nos trabalhos de David é o produto parcial do modo como os outros pensam e
Matza (1969), Edwin Lemert (1964), Howard Becker agem em relação a nós. Nessa perspectiva, a explicação da
(1963), Edwin Schur (1965) e outros, cujos fundamentos ordem social é baseada em tipificações, uma transmutação
mais distantes se encontram em Georges Mead (1934) do esquema fenomenológico de Schutz: a) qual a essência
e Alfred Schultz (1962), ligando-se, enfim, a Edmund de um fenômeno particular? – qual a essência do desvio?
Husserl e a Max Weber, as matrizes originais. b) como as pessoas fazem tipificações? – como as pessoas
aplicam o rótulo de desviante? c) como as tipificações são
A mais elaborada construção criminológica da compartilhadas? – como as pessoas reagem ao rótulo de
fenomenologia é a teoria da rotulação (também conhecida desviante? (Rubington & Weinberg, 1977, p. 195).
como teoria interacionista, ou teoria da reação social),
erigida sobre os trabalhos de Edwin Lemert e de Howard A teoria da rotulação se fundamenta em duas ordens
Becker, com os acréscimos vigorosos (na área da psiquiatria de conceitos principais: 1) a existência do crime depende
e da psicologia social), de Ronald Laing (1959), Erwing da natureza do ato (violação da norma) e da reação social
Goffman (1970), Thomas Szasz (1975) e outros. contra o ato (rotulação): o crime “não é uma qualidade do
ato, mas um ato qualificado como criminoso por agências
Assumindo que, em sociedades pluralistas, todos de controle social” (Becker, 1963, p. 8); 2) não é o crime que
experimentam impulsos desviantes e realizam condutas produz o controle social, mas (freqüentemente) o controle
exorbitantes dos parâmetros normativos, a teoria da social que produz o crime: a) comportamento desviante é
rotulação constrói uma “concepção do mundo” numa comportamento rotulado como desviante; b) um homem
dupla perspectiva: das pessoas definidas (por outras) como pode se tornar desviante porque uma infração inicial foi
desviantes e das pessoas que definem (os outros) como rotulada como desviante; c) os índices de crime (e desvio)
desviantes. A mudança de enfoque, em relação à criminologia são afetados pela atuação do controle social (Lemert, 1964).
positivista dominante, está na orientação para a subjetividade, A teoria da rotulação distingue entre desvio primário, um
enfatizando questões de valor e de interesse e abandonando processo de natureza “poligenética” excluído do esquema
os estudos etiológicos e as explicações causais do crime explicativo da teoria e (b) desvio secundário, uma resposta

18 19
Introdução Introdução

seqüencial à criminalização pelo desvio primário, que marca Esse esquema analítico, aplicado a todas as modalidades
o comprometimento do criminalizado em uma “carreira de desvio (criminal, sexual, psicológico, político etc.), se
desviante”, como impacto pessoal da reação oficial – na erige como exercício inter-disciplinar nas áreas da sociologia
verdade, o ponto de incidência das análises da teoria. do desvio e da psiquiatria, com o objetivo de constituir a
base teórica de uma política e psicologia humanista, uma
A concepção de crime como produto de normas espécie de frente popular da fenomenologia e do marxismo,
(criação do crime) e de poder (aplicação de normas) define a conhecida como “sociologia do desajuste” (Pearson, 1980,
lei e o processo de criminalização como “causas” do crime, p. 178). A preocupação principal dessa orientação, que
rompendo o esquema teórico do positivismo e dirigindo se transforma no enfoque mais popular da criminologia
o foco para a relação entre estigmatização criminal e americana dos anos 70, está no chamado “crime expressivo”,
formação de carreiras criminosas: a criminalização ligado à produção de prazer: a maconha, e não o roubo; a
inicial produz estigmatização que, por sua vez, produz prostituição, e não o homicídio; o crime sem-vítima, e não
criminalizações posteriores (reincidências). O rótulo o crime utilitário (Young, 1980, p. 80). A proposta prática
criminal, principal elemento de identificação do criminoso, dessa orientação está na base das tendências modernas
produz as seguintes conseqüências: assimilação das na área do crime e do controle social: descriminalização,
características do rótulo pelo rotulado, expectativa social despenalização, desinstitucionalização, substituição de
de comportamento do rotulado conforme as características sanções estigmatizantes por não-estigmatizantes etc.
do rótulo, perpetuação do comportamento criminoso (Aniyar, 1977, p. 146).
mediante formação de carreiras criminosas e criação de
subculturas criminais através de aproximação recíproca O radicalismo da sociologia do desajuste estaria
de indivíduos estigmatizados (Aniyar, 1977, p. 111-14). em sua tendência para “quebrar as cadeias pré-fabricadas”
De certa forma, a estigmatização penal é a única diferença da imaginação reificada – que mostra a ação humana
entre comportamentos objetivamente idênticos, porque a como coisa “lá fora” – e da metodologia positivista,
condenação criminal depende, além das distorções sociais com suas causalidades mecânicas e taxas “dadas” de
de classe, de circunstâncias de sorte/azar relacionadas crime. A orientação “desreificante” surge como desafio
a estereótipos criminais, que cumprem funções sociais aos profissionais do controle, representados por teóricos
definidas: o criminoso estereotipado é o “bode expiatório” positivistas: à sua competência técnica e à sua autoridade
da sociedade, objeto de agressão das classes e categorias moral (Pearson, 1980, p. 179 e s.). Distinguindo, na ordem
sociais inferiorizadas, que substitui e desloca sua revolta social, a existência de regras técnicas – com validade
contra a opressão e exploração das classes dominantes demonstrada em proposições testáveis e corretas, cuja
(Chapman, 1968, p. 197). violação reflete “incompetência” e cuja conseqüência é a

20 21
Introdução Introdução

“falha da realidade” – e regras da personalidade – dotadas certas “táticas pessoais” para salvar a própria identidade: a
de validade na área das relações sociais, cuja violação jovem bonita, com dois cachimbos na boca; outra, com um
é o crime ou desvio, punido pelo sistema de controle –, monóculo de papel no olho, ou equilibrando sabonetes na
conforme um esquema de Habermas (1971, p. 91-94), cabeça raspada; ou outros, ainda, sentando-se relaxados, mas
a sociologia do desajuste mostra que o desvio é tratado mantendo o braço, ou um dedo, rígido, para mostrar que não
como “incompetência técnica” pelos aparelhos de controle estão relaxados – ou seja, o paciente age “marcadamente
social, reduzindo a correção a uma questão de “intervenções como louco para provar que é, claramente, são” (Pearson,
técnicas” na personalidade do desviante. Desmistificando 1980, p. 187-89).
essa metodologia, a sociologia do desajuste redescobre
os dilemas morais na aplicação de “padrões de estigma” Assim, enquanto o positivismo nega vontade própria
(criminoso, louco, desajustado etc.), inventados pelos ao desviante, a sociologia do desajuste se dirige para o interior
profissionais do controle e aplicados aos rotulados – que dele, em atitude de defesa e de compreensão, rejeitando a
se conformam ao rótulo (“auto-realização”), mostrando o noção de que “pode ser como nós”, vendo-o não como
desvio como “negociação” entre o público (autoridade) e o homem cujos “mecanismos de cópia falharam”, mas como
cliente (criminoso, louco etc.) (Pearson, 1980, p. 180-82). ser dotado de racionalidade, com método em sua loucura. O
positivismo destaca a ordem e as regras, sua respeitabilidade
Finalmente, verificando que a ideologia do controle e violação, mas a sociologia do desajuste indica que o “outro
determina, em parte, o desvio (formas, imagens e taxas) e lado da ordem” é liberdade – e não caos –, envolvendo o
definindo o controle do crime como política, a sociologia desviante em uma aura romântica: é o homem “duro”, que
do desajuste pretende se constituir como teoria política não treme, que prova seus nervos e habilidades ao extremo,
contra a política do controle. A política de sua teoria enfatiza cuja “natureza está saturada de risco”, experimentando sua
a violência sutil da vida diária, o crime como forma de liberdade contra “as sensibilidades submetidas à camisa-
“rebelião política primitiva”, ou “expressão de liberdade” de-força” (Pearson, 1980, p. 191-200).
nos moldes da esquerda idealista (Pearson, 1980, p. 184
e s.). Goffman, por exemplo, pesquisando as relações de Mas essa posição de simpatia da sociologia do
poder das instituições totais (prisões, hospitais etc.), mostra desajuste é repudiada como “máscara de liberalismo”, que
os internos reduzidos a um “remanescente de identidade” não assume compromissos: a psicologia social de Goffman
pessoal, desde a cerimônia de “degradação inicial”, com é uma “acomodação à organização de poder existente” e
a invasão da fala, das vestes e maneiras, a colonização sua dramaturgia “uma impostura” que permite “suportar
dos hábitos, sob a opressão dos doutores, enfermeiros e derrotas” sob o pretexto de que “não são para valer”; a
guardas – os técnicos do comportamento –, mas capazes de sociologia de Becker é um “novo tipo de carreirismo”, que

22 23
Introdução Introdução

aponta as deficiências do controle social mas se limita aos terapêuticos do cárcere ou do manicômio, sob a aparência
funcionários inferiores (Gouldner, 1973) – ou, então, como de resolver “contradições naturais’ da vida social, ocultam a
expressão de um radicalismo aparente, que exclui as relações finalidade real de preservar a divisão de classes da estrutura
de poder (e de classes) da sociedade e, de qualquer forma, social, mediante ameaça permanente de violência contra a
não esclarece o desvio inicial, origem da rotulação (Walton, força de trabalho ativa, integrada no mercado de trabalho
1972). A novidade da teoria foi colocar a problemática do (Basaglia, F. e Basaglia, F., 1976, p. 85). Destacando o
etiquetamento, da estigmatização e da estereotipia criminal crime e o desvio, em geral, como tentativas individuais
em relação com a atividade dos aparelhos de controle social, fragmentárias para resolver problemas existenciais, a
mas com uma crítica reduzida ao nível descritivo, como “a antipsiquiatria aponta para a necessidade da luta política
outra cara da criminologia liberal” (del Olmo, 1976, p. 68), coletiva como alternativa adequada aos interesses dos
que completa o quadro explicativo desta (Baratta, 1975). grupos sociais subalternos, cujos membros são qualificados
como “anormais naturais”, com uma história pessoal feita
A teoria da sociologia do desajuste é politicamente de “antecedentes penais” – ao contrário da burguesia e
limitada e historicamente confusa: não compreende outras categorias sociais dominantes, que dispõem da
a estrutura de classes da sociedade, não identifica as psicanálise e das psicoterapias em clínicas particulares, com
relações de poder político e de exploração econômica (e os recursos materiais e o espaço social para explicar seus
sua interdependência) do modo de produção capitalista e, distúrbios pessoais por categorias científicas neutras, como
definitivamente, não toma posição nas lutas fundamentais neuroses, desritmias, fobias, complexos ou simplesmente
da sociedade moderna. Enfim, a estrutura teórica e stress, assegurando sua “reinserção social” sem traumas ou
metodológica e a política subjetivista e romântica da teoria, dificuldades (Basaglia e Basaglia, 1976, p.90-1).
embora de utilidade – e relativamente crítica – nos limites
inter-subjetivos de seu marco teórico (Bustamente, 1977, O movimento teórico que começa nas teorias
p. 213-26), não define uma posição radical, no sentido do conservadoras, clássicas e positivistas, continua pelas teorias
radicalismo da Criminologia Radical. liberais até a construção mais crítica da teoria da rotulação,
nos anos 60, e evolui, na década de 70, para as posições
Entretanto, é preciso reconhecer que os setores mais do chamado “idealismo de esquerda”, conhece variantes
avançados da antipsiquiatria fundamentam as instituições de revolta impotente, com amplo impacto popular, como,
de controle, como o cárcere e o manicômio, na divisão por exemplo, a criminologia da denúncia. O enfoque da
da sociedade em classes antagônicas, cuja clientela são criminologia da denúncia se concentra no comportamento
os segmentos marginalizados, sem poder nem utilidade dos poderosos, denunciando os defeitos das elites de poder
econômica na produção: os objetivos corretivos ou econômico e político da sociedade, para mostrar que os que

24 25
Introdução Introdução

fazem as leis são, também, os maiores violadores dessas leis classe na formação social capitalista e, por exemplo, sobre
(Taylor et alii, 1980, p. 33 e ss.). A utilidade da denúncia a base da posição de classe, explicar por que a apropriação
social dos abusos do poder econômico e político, em de riqueza, pelo método de expropriação de mais-valia, na
estreita relação com um jornalismo “exposé”, alimentando relação capital/trabalho assalariado do modo de produção
as pesquisas sobre criminalidade do “colarinho branco”, capitalista, é legal e estimulada, mas se essa apropriação de
é prejudicada pela ausência de definição clara de seus riqueza ocorre por outras vias fraudulentas ou violentas, é
objetivos políticos e compromissos ideológicos, no quadro criminosa e punida.
das lutas sociais do capitalismo monopolista transnacional: o
enfoque carece de uma estrutura conceitual e metodológica A multiplicação de estudos críticos e radicais sobre
capaz de extrair todas as conseqüências teóricas e práticas crime e controle social, nem sempre coincidentes nas
do seu objeto de estudo. O resultado é sua agonia resignada, bases ideológicas, compromissos políticos e orientações
em espasmos de indignação moral diante das desigualdades científicas, desde a crítica de esquerda, passando pela
sociais nos processos políticos de definição de crimes e “nova criminologia”, até as construções mais elaboradas
nas práticas judiciais de gestão diferencial do processo de criminólogos marxistas, em uma convergência
penal e de aplicação da pena criminal, escandalizado com de preocupações interdisciplinares e internacionais
os duplos padrões de moralidade das classes dominantes. de sociólogos e historiadores, advogados, juristas e
A origem pequeno-burguesa dessa linha criminológica criminólogos, parece justificar o esforço de definir
explica sua desorientação estratégica e a perplexidade tendências dentro dessa perspectiva, em um esquema que
inconseqüente de sua teoria: as questões levantadas facilite a compreensão das limitações e desvios existentes.
podem chocar a classe média urbana e seus intelectuais
refinados – mas não comovem o poderoso impune, nem Um estudo recente (Young, 1979, p. 11 e ss.) define
sensibilizam o sem-poder reprimido, que conhecem bem duas tendências principais nos aportes criminológicos
tais distorções, cada qual de sua perspectiva. Além disso, a ligados à teoria marxista, representando desvios
criminologia da denúncia parece supor que os poderosos voluntaristas e economicistas nas questões do crime e do
dominam por uma espécie de “direito moral” – e não controle social: o idealismo de esquerda e o reformismo. O
pelo poder material, que os capacita a converter força em chamado idealismo de esquerda se constitui, historicamente,
“autoridade”, pelos procedimentos estabelecidos (Taylor como a ideologia radical de grupos sociais marginalizados,
et alii, 1980). Uma criminologia conseqüente deveria como os militantes do “poder negro”, nos Estados Unidos:
mostrar que a criminalidade do poder econômico e político George Jackson (1971, p. 156 e ss.), Angela Davis (1971, p.
não é um fenômeno irregular ou acidental, mas fenômeno 27-47), Bobby Seale (1971, p. 121-2), Huey Newton (1971,
regular e institucionalizado, ligado à posição estrutural de p. 60-64), Stockely Carmychael (1968, p. 46-68) etc., cuja

26 27
Introdução Introdução

oposição à violência e à coercitividade da ordem social reais que estão no poder (Young, 1979, p. 14-15). O controle
assume um caráter voluntarista: homens livres devem social de classe tem na prisão sua instituição central – e
rejeitar uma sociedade desigual e opressiva. Na experiência na polícia, seu agente principal –, ambos caracterizados
histórica desses grupos (negros, presos e outras minorias), por uma eficiente ineficiência no controle do crime: o
a ordem significa coerção sistemática, o “consenso social” objetivo oculto seria constituir uma ameaça permanente
do capitalismo monopolista é uma aparência ilusória contra as classes sociais objeto de exploração econômica
reproduzida pela escola, a imprensa, o Parlamento etc., e de dominação política. Esse objetivo é disfarçado pelas
que oculta um controle totalitário e mistificador: a lei se “mistificações positivistas” do tratamento penitenciário, da
destina à proteção dos interesses dos poderosos, enquanto reabilitação pessoal ou da ressocialização, pseudo-cientismo
a polícia e a prisão são garantias violentas de uma ordem que esconde o rigor punitivo e, de fato, aumenta o castigo,
social injusta. A escola, a fábrica e a prisão são instituições mediante técnicas de isolamento, privação sensorial ou
ideológica e politicamente similares: a educação não administração de drogas psicotrópicas – sem falar nas penas
passa de um “processo de lavagem cerebral”, a disciplina indeterminadas do sistema prisional americano, que colocam
da fábrica é a base da disciplina da prisão e o aparelho o preso à mercê dos administradores e guardas da prisão.
penal (polícia, justiça e prisão) funciona como mecanismo
central de controle das classes e grupos sociais submetidos A estratégia do radicalismo da esquerda idealista
(Young, 1979, p. 12-13). objetiva a abolição do controle social burguês, com a
extinção da prisão, da polícia, da escola, dos meios de
A tese da lei como “expressão direta” dos interesses comunicação de massa, da família nuclear etc., definidos
das classes dominantes, que controlam os meios de produção como “instituições inimigas da classe trabalhadora”, mas
material e de reprodução ideológica da sociedade, permite inteiramente “funcionais” para o capitalismo: não se trata
definir o comportamento da classe trabalhadora e dos de reformar, mas de destruir essas instituições e promover
marginalizados sociais normalmente como crime, porque sua substituição por instituições proletárias. Finalmente, o
se opõe aos interesses das classes dominantes e à lei que idealismo de esquerda proclama a contradição irredutível
expressa esses interesses. O crime é, simultaneamente, do direito burguês, caracterizado por um discurso de justiça
produto das estruturas econômicas e políticas do capitalismo igualitária e uma prática real opressiva e discriminatória,
e evento proto-revolucionário, como desafio às relações justificando a tática política de exposição sistemática da
de propriedade existentes, ou forma de manifestação da realidade desigual promovida pela retórica da igualdade
violência pessoal dos marginalizados sociais contra o poder e, assim, desmascarar a aparência ilusória da ideologia
organizado das classes dominantes, representadas pelo jurídica. O crime, fenômeno social ligado ao capitalismo,
Estado, que legaliza a violência de classe dos criminosos em geral – cujas instituições são denunciadas como

28 29
Introdução Introdução

essencialmente criminosas e criminógenas –, e a repressão “crime voluntário” (relacionado ao individualismo egoísta


criminal, fenômeno institucional concentrado nos segmentos da competição capitalista). O comportamento humano
sociais subalternos e marginalizados, colocam a necessidade é classificado nas categorias de normal, próprio da
política de aliança dos grupos sociais explorados, reprimidos maioria “livre” (nos limites de liberdade da economia de
e miserabilizados objeto dos processos de criminalização, mercado) e de determinado, característico da minoria “sem
como meio de auto-proteção e de realização final de sua liberdade”, por condicionamentos biológicos, psicológicos
estratégia (Young , 1979, p.16). e sociais. Enfim, o reformismo trabalha com uma etiologia
criminal que aponta na direção de uma dupla origem do
O reformismo, um desvio economicista da crítica comportamento criminoso, explicado ou por constituições
criminológica, desenvolve-se como espécie de “marxismo” biológicas atípicas, origem de disposições anti-sociais
bem-educado, absorvido pelo sistema, assimilado pelos de indivíduos deformados, ou pelo ambiente social de
currículos universitários, sem a origem rebelde, o competição individual pela existência material, acentuando
aguerrimento combativo, a tradição militante e a importância traços personalistas e agressivos (Young, 1979, p.16 e ss.).
política do idealismo de esquerda. A característica básica
da ideologia reformista, em relação ao Direito e ao Estado, De modo geral, a perspectiva reformista do
por exemplo, é a crença passiva no “processo de dissolução economicismo “marxista” não se distancia da monotonia
do capitalismo no socialismo” – portanto, uma projeção positivista e suas causalidades mecânicas, trabalhando
histórica da II Internacional – e, por outro lado, a crença com hipóteses deterministas similares, com a diferença
ativa no Estado intervencionista, capaz de realizar a correção da crença – de resto, também positivista-marxista – na
progressiva de desigualdades sociais por reformas jurídicas. inevitabilidade histórica da evolução do capitalismo para o
O reformismo afirma ser contrário aos interesses das classes socialismo, na seqüência de um processo linear e fatalista
trabalhadoras o conteúdo das instituições (e não a sua que ignora a influência da ideologia e da política na gênese
forma), o controle da polícia (e não o aparelho policial), a da capacidade de sobrevivência do capitalismo, como modo
ilegalidade da prisão (e não a própria prisão), a limitação de de produção de classes sociais antagônicas. A influência
oportunidades de acesso à escola (e não o sistema escolar), desse desvio reformista na estruturação da Criminologia
o conteúdo da lei (e não a forma legal) etc. O crime é Radical é insignificante, funcionando mais como modelo
definido como fenômeno “natural”, existente em qualquer de reformulação ou discurso de legitimação da ideologia
sociedade – embora em maior quantidade no capitalismo –, do controle social, esgrimido por teóricos “marxistas”
redutível por mudanças sociais que eliminem os fatores da engajados no “carreirismo” em instituições oficiais.
“criminalidade determinada” (ligada à patologia individual,
como carências, subnutrição, defeitos mentais etc.) e do As limitações mais importantes, comuns às tendências

30 31
Introdução Introdução

da esquerda idealista e do reformismo, são a ausência de b) no nível material, a rejeição da posição reformista
explicações estruturais da criminalização dos grupos sociais da luta formal como fim-em-si, omitindo-se das questões
subjugados e marginalidados – esclarecendo a posição do políticas e ideológicas do capitalismo contemporâneo.
pobre como “bode expiatório” da violência institucional –, Paralelamente, a construção de uma concepção de crime
a falta de aprofundamento nas contradições do capitalismo fundada na posição de classe do autor e orientada para a
na era da transnacionalização do capital monopolista e a definição de responsabilidades coletivas, capaz de superar
carência de adequada compreensão da natureza contraditória os critérios individualistas e pessoais da moderna teoria
da aparência dos fenômenos sociais e institucionais da do crime e da pena, como alternativas para o trabalho
sociedade capitalista, que vinculam problemas de conteúdo criminológico radical (Young, 1979, p. 26-28; Cirino, 1980).
com questões de forma, como mostra a mais autorizada
teoria marxista sobre crime, controle social, Direito e Estado
(Young, 1979, p.21 e ss.).

Criminólogos radicais proclamam que as contradições


da teoria não podem ser resolvidas sem mudanças da base
estrutural da sociedade – cujas contradições concretas
produzem e explicam as contradições da teoria – e propõem
uma luta em dois níveis:

a) no nível formal, a rejeição da ideologia da esquerda


idealista, expressa em slogans como “o direito burguês é
uma vergonha”, ou “a legalidade é uma forma de cooptação”
etc., argumentando que a conquista formal da igualdade
nas áreas da proteção individual, do direito criminal e da
prisão, por exemplo, pode determinar uma redução da
população das prisões, a reconstituição de sua “clientela” e
a progressiva transformação da prisão, de instituição sem lei
para instituição legalizada – o que coincide com o interesse
das classes trabalhadoras e de todos os marginalizados
sociais e oprimidos, em geral, no capitalismo;

32 33
II. A Criminologia Radical
A crítica sistemática dos conceitos, do método e
da ideologia da criminologia tradicional possibilitou a
redefinição do objeto, dos compromissos e dos objetivos
da Criminologia Radical, desde a orientação para o estudo
dos criminosos reais, em posições de influência e de poder
nos quadros da ordem econômica e política da sociedade
capitalista, até a inserção dos grandes temas da criminologia
no contexto histórico das questões políticas gerais: quem
controla a ordem social, como é distribuído o poder e a
riqueza, como pode ocorrer a transformação social etc.
(Taylor et alii, p. 55-57).

Entre outras coisas, é preciso mostrar que a


definição legal de crime, base do trabalho da criminologia
tradicional, está ligada à ideologia de neutralidade do
Direito (apresentado como instrumento de justiça social e
de proteção de interesses gerais) e atua como instrumento
de controle das vítimas da exploração e da opressão
social – os trabalhadores integrados no mercado de
trabalho e os marginalizados sociais –, cujos protestos,
reivindicações e revoltas são reprimidos pelas forças da
ordem e, freqüentemente, canalizados para o sistema de
justiça criminal. As deformações ideológicas da definição
legal de crime, atreladas à concepção burguesa da ordem
social, induziram criminólogos radicais a formular uma
definição proletária de crime, tomando como base a
violação de Direitos Humanos definidos em perspectiva
socialista, sintetizados nos conceitos de igualdade social
e de segurança pessoal – mas incluindo outros direitos

35
A Criminologia Radical A Criminologia Radical

politicamente protegidos, assim como a possibilidade de a categoria central da luta de classes de todas as teorias
examinar práticas e relações sociais criminosas excluídas sociais (Young, 1980, p. 105 e ss.). O estudo da tipologia
da definição legal, como o imperialismo, a exploração dos crimes como concretas rupturas da norma criminal, ou
econômica, o racismo e outras distorções do capitalismo do estereótipo do criminoso construído pela distribuição
contemporâneo (Schwendingers, 1980, p. 135-75; Platt, social da criminalização, ou do funcionamento do sistema de
1980, p. 124-25). justiça criminal, pressupõe o contexto concreto de formações
sociais históricas, com estruturas econômicas determinadas
O compromisso primário da Criminologia Radical é e superestruturas políticas e jurídicas correspondentes,
com a abolição das desigualdades sociais em riqueza e poder articuladas nas relações contraditórias do modo de produção
(Taylor et alii, 1980, p. 55), afirmando que a solução para da vida material (Taylor et alii, 1980, p. 55). As teses iniciais
o problema do crime depende da eliminação da exploração do idealismo de esquerda, da lei como “instrumento” das
econômica e da opressão política de classe – e sua condição é classes dominantes para manutenção de seus privilégios,
a transformação socialista (Platt, 1980, p. 125). Essa posição ou as demonstrações complementares de que os detentores
política evita a degeneração da Criminologia Radical em do poder de fazer leis são, também, os imunes violadores
mera “moralização”, ou no correcionalismo repressivo da dessas leis, evoluem para teorias materialistas do Direito
“reabilitação pessoal”, que identifica crime com patologia burguês e do Estado capitalista, construídas com base nas
e, nas posições mais liberais, propõe reformas de superfície, transformações históricas do capitalismo competitivo para
ou mais serviços sociais, modificando alguma coisa para o capitalismo monopolista, e as conseqüentes alterações
deixar tudo como está – ou seja, preservando o sistema de das formas de luta de classes e dos mecanismos políticos
dominação e de exploração do homem pelo homem. de controle social.
Esse compromisso compreende as tarefas A desmistificação do sistema de controle social
complementares de produzir teoria e de criar procedimentos penal revela sua natureza classista, incluindo as medidas
capazes de ajudar a classe trabalhadora – e o conjunto dos “liberalizantes”, como as políticas de substitutivos penais,
setores sociais subalternos e marginalizados –, no projeto as prisões abertas, a descriminalização, a despenalização
político de construção e de controle de uma sociedade etc., explicáveis menos como atitude humanista do
democrática. A formação da Criminologia Radical, com legislador e mais como estratégias burocráticas do poder
base nas contradições de classe das relações econômicas público determinadas pelo excesso de presos: o “coração”
estruturais e das relações superestruturais de poder do dos interesses garantidos pelo sistema penal é, na verdade,
Estado, corrige as deformações da criminologia positivista “o programa real de cada sistema de produção” (Aniyar,
dominante, que separa a teoria criminológica da teoria 1980, p. 23).
política, a teoria política da teoria econômica e exclui

36 37
A Criminologia Radical A Criminologia Radical

Em um esquema didático pode-se dizer que, enquanto O programa de uma ciência do crime e do controle
as orientações positivistas se exaurem na explicação do social para as condições de desenvolvimento econômico
crime como produto etiológico de “causas” determinantes, e político da sociedade capitalista, compreende a crítica
privando o sujeito criminalizado de racionalidade e poder de do Direito como lei do modo de produção dominante, e
escolha, como assinala a teoria da rotulação, e as orientações do Estado como organização política do poder de classe,
clássicas explicam o crime como produto de uma “razão além da elaboração simultânea de uma “economia política
pervertida”, uma “forma pura” somente controlada pela do crime” capaz de demonstrar que as transformações do
força do Estado, a Criminologia Radical se empenha na capitalismo contemporâneo não alteraram suas prioridades
tarefa de uma análise materialista do crime e do sistema básicas de propriedade privada e lucro, nem sua dinâmica
de controle social, subordinada à estratégia geral que liga social de reprodução das desigualdades e de marginalização.
a teoria científica à prática política no objetivo final de Como socialistas, a luta principal dos criminólogos radicais
construção do socialismo (Young, 1980, p. 110- 11). é contra o imperialismo dos países centrais, a exploração
de classe, o racismo etc. e, como teóricos, o esforço pela
O projeto científico da Criminologia Radical tem construção de explicações materialistas da lei penal e
por objetivo a produção de uma teoria materialista do do crime, nas condições criminógenas do capitalismo
Direito e do Estado nas sociedades capitalistas, em que monopolista contemporâneo, está vinculada à teoria geral
a produção crescentemente social requer uma regulação do desenvolvimento histórico que informa sua estratégia
crescentemente jurídica das relações sociais, procurando política: a instituição de uma sociedade sem classes, através
identificar as forças sociais subjacentes às formas legais da socialização dos meios de produção (Marzotto, Platt,
e mecanismos institucionais de controle da sociedade. A Snare, 1975, p. 43-45).
questão da persistência, da modificação ou da abolição das
normas jurídicas é examinada em relação aos interesses A Criminologia Radical estuda o papel do Direito
que garantem, à função realizada na organização material como matriz de controle social dos processos de trabalho
da produção e à contradição fundamental entre capital e e das práticas criminosas, empregando as categorias
trabalho assalariado, no processo histórico de socialização fundamentais da teoria marxista, que o definem como
da produção e apropriação privada do produto (que instituição superestrutural de reprodução das relações de
criminaliza com rigor os que se recusam a esse tipo de produção, promovendo ou embaraçando o desenvolvimento
socialização), desde o tratamento legal de trabalhadores das forças produtivas (Marx, 1973, p. 28-29). A teoria
desempregados e inutilizados, de pessoas abandonadas marxista, como instrumento de análise sincrônica e
e doentes, até a organização das prisões, da polícia e da diacrônica da sociedade, é essencialmente radical, no
justiça (Taylor et alii, 1980, 61.). sentido de tomar as coisas pela raiz – e, em sociedade, a

38 39
A Criminologia Radical A Criminologia Radical

raiz humana é inseparável da posição de classe que, por sua para o crime, recorrendo a meios ilegítimos para compensar
vez, é determinada pelo lugar nos processos produtivos, a falta de meios legítimos de sobrevivência. O sistema
fundados na separação trabalhador/meios de produção, de controle social atua com todo rigor na repressão da
ou seja, na relação capital/trabalho assalariado. O estudo força de trabalho excedente marginalizada do mercado (o
do crime e do controle social no capitalismo se baseia na discurso de proteção do cidadão “honesto”, ou de combate
divisão da sociedade em classes (estrutura econômica) e ao “crime nas ruas”, legitima a coação do Estado), mas
na reprodução das condições de produção, fundadas na o objetivo real é a disciplina da força de trabalho ativa,
separação capital/trabalho assalariado, pelas instituições integrada no mercado de trabalho. Essa inversão ideológica
jurídicas e políticas do Estado, que proscrevem práticas reaparece em outras áreas: a estrutura econômica desigual
contrárias às relações de produção e de reprodução social. e opressiva produz os problemas sociais do capitalismo,
Assim, o estudo do crime e do controle social não se reduz como o desemprego, a miséria e o crime, mas a organização
aos tipos legais de crimes, mas compreende o tipo social política do poder do Estado apresenta esses fenômenos
de autor (posição de classe), o tipo de sociedade (formação – especialmente o crime – como causas dos problemas
econômico-social), seu estágio de desenvolvimento (nível sociais do capitalismo; por outro lado, os métodos de
tecnológico), o papel da formação econômico-social “prevenção” do crime e de “tratamento” do delinqüente
no mercado mundial (posição na relação imperialismo/ estigmatizam, danificam e incapacitam a população
dependência), as funções na divisão internacional do criminalizada para o exercício da cidadania, mas o temor
trabalho (fornecedor de meteria-prima e de mão-de-obra da prisão controla a força de trabalho ativa, garantindo a
ou exportador de capitais) etc. (Cirino, 1979, p. 19-32) produção material e a reprodução da ordem social – e isso
parece ser tudo o que importa (Young, 1979, p. 21).
Na verdade, as contradições do capitalismo explicam
que o mesmo processo que vincula o trabalhador no A ligação oculta entre controle do crime e relações
trabalho, aceitando a brutalização de sua “canga pessoal”, de produção é o foco de pesquisa da Criminologia Radical:
dirige o desempregado/marginalizado para o crime, o controle do crime pela ação da polícia, da justiça e da
aceitando os riscos da criminalização: a necessidade prisão assegura a continuidade (reprodução) do sistema
de sobrevivência em condições de privação material. A social de produção capitalista. A articulação específica
força de trabalho integrada nos processos de produção entre a estrutura econômica da sociedade, definida como
e circulação material conhece a disparidade social da o “conjunto das relações de produção”, e as formas
relação esforço/recompensa, enquanto a força de trabalho ideológicas superestruturais jurídicas e políticas do Estado,
excedente, excluída do mercado de trabalho e, portanto, que instituem e reproduzem aquelas relações de produção,
do papel de consumidor, desenvolve uma “potencialidade” é a base explicativa da contradição entre a aparência

40 41
A Criminologia Radical A Criminologia Radical

e a realidade dos fenômenos sociais: a forma jurídica os contingentes marginalizados do mercado de trabalho
das relações de produção é, simultaneamente, forma de e de consumo no capitalismo (desempregados ou presos,
reprodução das relações de produção e de mistificação por exemplo). Entretanto, essa análise estrutural mostra a
dessas mesmas relações, como representação ilusória ou inseparabilidade entre disciplina do trabalho (o lado positivo
invertida da realidade. A forma aparente da liberdade, da da equação esforço/recompensa) e controle social (o lado
igualdade e da justiça oculta uma realidade de coerção, de negativo da equação esforço/recompensa) e fundamenta a
desigualdade e de injustiça: a ideologia é, ao mesmo tempo, tese radical de que justiça econômica e justiça penal são
realidade e ilusão (Young, 1979, p. 22). aspectos de um mesmo e único fenômeno.

A explicação desse fenômeno parece residir na relação Em forma sumária, o contraste da Criminologia
entre a esfera da circulação (formas jurídicas) e a esfera da Radical com a criminologia tradicional pode ser assim
produção (estrutura econômica): o trabalhador, disponível indicado: a) o objeto da Criminologia Radical é o conjunto
no mercado – a esfera da circulação, regida pelo Direito, de relações sociais, compreendendo a estrutura econômica
em que domina a aparência – vende livremente sua força de e as superestruturas jurídicas e políticas de controle
trabalho pelo equivalente salarial: é um igual perante a lei, social; o objeto da criminologia tradicional é limitado
não é logrado pelo capitalista individual. Mas na esfera da pelo comportamento criminoso e pelo sistema de justiça
produção, em que existe a realidade produtora da aparência, criminal; b) o compromisso da Criminologia Radical é
em lugar do salário equivalente encontra a exploração do com a transformação da estrutura social e a construção do
trabalho, pela expropriação de mais-valia; em lugar da socialismo, mostrando a insuficiência das reformas penais,
igualdade formal do direito, a desigualdade substantiva; denunciando o oportunismo pragmatista das políticas penais
em lugar da liberdade do contrato de trabalho, a coerção alternativas – mas apoiando as medidas liberalizantes – e
das necessidades econômicas. A relação entre a aparência afirmando a impossibilidade de resolver o problema do crime
da esfera de circulação e a realidade da esfera de produção no capitalismo; o compromisso da criminologia tradicional
explica porque o trabalhador, para sobreviver, deve vender a refere-se ao aprimoramento funcional-tecnocrático do
única mercadoria que possui, ao preço do mercado: a força aparelho penal, conforme critérios de efetividade (redução
de trabalho (Marx, 1971, p. 196-97). de crimes) e de eficiência (maior efetividade, com menores
custos); c) a base social da Criminologia Radical são
A Criminologia Radical, colocando esse quadro no as classes trabalhadoras e o conjunto das categorias
centro da sua teoria, não nega a maior liberdade e igualdade sociais subalternas e massas marginalizadas da sociedade
do trabalhador produtivo na sociedade capitalista, em capitalista: objetiva elevar seu nível de consciência e de
comparação com o servo da sociedade feudal, ou com organização e explicar sua criminalidade como tentativa

42 43
A Criminologia Radical A Criminologia Radical

individual de resolver problemas estruturais que exigem tipos legais e de indivíduos estigmatizáveis: a estrutura de
ação coletiva consciente e organizada; a base social da interesses protegidos (elites de poder econômico e político)
criminologia tradicional são as elites econômicas e políticas e as condutas ofensivas desses interesses pré-selecionam os
(e seus intelectuais orgânicos, os agentes do controle social): sujeitos estigmatizáveis. Assim, o caráter “fragmentário”
o conhecimento tecnocrático da “criminologia aplicada” no do direito penal, definido pela idoneidade técnica de certas
sistema de justiça criminal opera como técnica de controle matérias (e não outras) para a incriminação, oculta a
(Habermas), ou como conhecimento de “contra-insurgência” proteção de interesses das classes e grupos sociais de poder
(Quinney), reforçando o monopólio do poder econômico econômico e político (e a imunização processual de sujeitos
e político (Gouldner), que especifica os fins e as áreas de dessas classes, ou ligados, funcionalmente, à acumulação
aplicação da ciência (Garofalo, 1978, p. 18-22). do capital) e a criminalização de comportamentos típicos
das classes e grupos sociais subalternos, especialmente os
A crítica à criminologia tradicional, que explica o marginalizados do mercado de trabalho. Esse mecanismo
crime como “anomalia” do sujeito, ou como “realidade não se limita à seleção de tipos legais de comportamentos
ontológica” pré-constituída ao sistema de justiça criminal, proibidos, mas inclui variações na natureza e intensidade da
originou a transposição da abordagem teórica do autor para punição: máximo rigor para comportamentos característicos
as condições objetivas estruturais do fenômeno criminoso, das massas marginalizadas do mercado de trabalho e de
assim como a mudança do interesse científico sobre causas consumo (especialmente em ações contrárias às relações
do crime para o interesse científico sobre mecanismos de produção) e ausência de rigor para comportamentos
de controle social, que constroem, pelos processos de característicos das elites de poder econômico e político
criminalização constituídos pela criação e aplicação da (especialmente em ações ligadas funcionalmente à estrutura
lei penal, o fenômeno do crime como “realidade social das relações de produção), como a criminalidade econômica
construída” (Baratta, 1978, p. 8). ou financeira, por exemplo (Baratta, 1978, p. 9-11).
O salto qualitativo da Criminologia Radical é A pesquisa histórica mostra que a aplicação das normas
representado pela superação do paradigma etiológico criminais depende da posição de classe do sujeito, uma
tradicional e pelo estudo do sistema punitivo como sistema variável independente que minimiza ou cancela princípios
dinâmico de funções do modo capitalista de produção, de hermenêutica ou de dogmática jurídica, instituindo um
negando o mito do direito penal igualitário: a crítica ao autêntico direito penal do autor: indivíduos pertencentes aos
sistema punitivo concentra-se no processo de criminalização, grupos marginalizados do mercado de trabalho reúnem as
destacando os mecanismos de produção e de aplicação de maiores probabilidades de criminalização; por outro lado,
normas penais e de execução das penas criminais. A produção a posição precária no mercado de trabalho (subocupação,
de normas penais promove uma simultânea seleção de mão-de-obra desqualificada etc.) ou defeitos de socialização
44 45
A Criminologia Radical A Criminologia Radical

ou de escolarização, constituem variáveis intervenientes no dependem da posição social do autor, e independem da


processo de criminalização (Baratta, 1978, p. 11-12). gravidade do crime ou do dano social (Baratta, 1978, p. 10).

Enfim, o sistema carcerário é o centro da crítica Um dos grandes avanços científicos da Criminologia
radical ao sistema de justiça criminal, na sua função de Radical teria sido demonstrar a relação funcional entre os
dupla reprodução: reprodução das desigualdades das mecanismos seletivos do processo de criminalização e a
relações sociais capitalistas (pela garantia da separação lei do desenvolvimento histórico da formação econômico-
trabalhador/meios de produção) e reprodução de um setor social capitalista: a relação entre o cárcere, como
de estigmatizados sociais, recrutado do exército industrial instituição central de controle social, e a fábrica, como
de reserva, qualificado negativamente em dois sentidos: instituição central da economia, é a matriz histórica da
pela posição estrutural de marginalizado social (fora do sociedade capitalista, desde a transformação do camponês
mercado de trabalho) e pela imposição superestrutural (separado do campo e de seus meios de produção) em
de sanções estigmatizantes (dentro do sistema penal). A trabalhador livre (sem meios de produção) adaptado
reprodução das desigualdades é realizada pela reprodução à fábrica, até a reprodução das condições em que se
da disciplina necessária ao regime de trabalho (relações fundamenta o modo de produção capitalista, a separação
de produção) e pelo controle político da força de trabalho trabalhador/meios de produção.
(separação trabalhador/meios de produção). A reprodução
de estigmatizados sociais favorece a superexploração do
trabalho de condenados e de ex-condenados, o emprego do
egresso na circulação ilegal do capital (como o tráfico de
drogas, por exemplo) e, ainda mais grave, sua utilização
em esquadrões fascistas de repressão operária e sindical
(Baratta, 1978, p. 12-13).

A conseqüência política da crítica da Criminologia


Radical é a negação do mito do direito penal igualitário, na
sua dupla dimensão ideológica: a proteção geral de bens
e interesses existe, realmente, como proteção parcial, que
privilegia os interesses estruturais das classes dominantes; a
igualdade legal, no sentido de igual posição em face da lei,
ou de iguais chances de criminalização, existe, realmente,
como desigualdade penal: os processos de criminalização

46 47
III. A Criminologia Radical e o Con-
ceito de Crime

A criminologia tradicional produziu três modelos


operacionais do conceito positivista de crime: a definição
legal (positivismo jurídico), a definição naturalista
(positivismo sociológico) e a definição ética (positivismo
jurídico-sociológico). Essas definições, construídas nos
limites internos da ideologia dominante, representam o
conceito burguês de crime, que exclui o aspecto subordinado
da contradição histórica, a classe trabalhadora e a ideologia
que fundamenta um conceito socialista de crime. A
burguesia e classe trabalhadora são as forças históricas que
definem os pólos dialéticos da controvérsia teórica sobre o
conceito de crime, uma questão científica decidida nas lutas
sociais pela hegemonia ideológica e política da formação
sócio-econômica capitalista.

A hegemonia do capital depende, especialmente,


da definição legal do conceito burguês de crime, que
descreve ações contrárias à estrutura das relações sociais
em que assenta seu poder de classe. Para a Criminologia
Radical, comprometida com sua base social (a classe
trabalhadora) e com a construção do socialismo, como
formação econômico-social hegemonizada pela classe
trabalhadora, parece relevante evitar a cooptação pela
definição legal do conceito burguês de crime: é útil
definir, em forma operacional, um conceito proletário de
crime como parâmetro de trabalho teórico, enquanto a
classe trabalhadora – aspecto secundário da contradição,

49
A Criminologia Radical e o Conceito de Crime A Criminologia Radical e o Conceito de Crime

na sociedade capitalista – não possui poder político para tradicionais, que se satisfazem com a existência formal de lei
definir, em forma legal, um conceito socialista de crime. incriminadora, sem questionar o conteúdo da incriminação:
quem é prejudicado ou quem é beneficiado pela incriminação
Um conceito proletário de crime, no período da (Aniyar, 1980; Lyra Filho, 1972, p. 75-78).
sociedade capitalista, deve ser definido com base em uma
concepção socialista de direitos humanos, como proposto A Criminologia Radical – ao contrário da criminologia
pelos Schwendingers: o direito à segurança pessoal em tradicional, limitada à definição, julgamento e punição
relação à vida, à integridade, à saúde, à liberdade etc., e do criminoso isolado, explicando o crime por relações
o direito à igualdade real, econômica, racial e sexual, são psicológicas como vontade, intenções, motivação etc.
direitos básicos, porque a violação desses direitos elimina – vincula o fenômeno criminoso à estrutura de relações
ou limita as possibilidades concretas de realização pessoal sociais, mediante conexões diacrônicas entre criminalidade
das vítimas, em qualquer esfera da vida. A violação desses e condições sociais necessárias e suficientes para sua
direitos por indivíduos, empresas, instituições, relações existência. Como se vê, muda o objeto de análise
sociais capitalistas ou imperialistas constitui crime, porque para o conjunto das relações sociais, mostrando que,
nega o direito à vida, à saúde, à liberdade e à dignidade de primariamente, são criminosos (e criminógenos) os sistemas
centenas de milhões de seres humanos; porque submete a sociais que produzem, através de suas estruturas econômicas
maioria da humanidade por sua condição de classe, de raça e instituições jurídicas e políticas do Estado, as condições
ou de sexo; porque explora o trabalho do povo, produz necessárias e suficientes para a existência do comportamento
subnutrição, carências, deformações físicas e psíquicas criminoso – com a cumplicidade histórica de criminólogos
e, especialmente, crimes (Schwendingers, 1980, p. 172). e juristas tradicionais, que não questionam essas estruturas
Nenhuma dessas conseqüências pode ser autorizada pela e seus mecanismos de instituição e de reprodução social
garantia legal do direito de propriedade, ou pela falta de (Schwendingers, 1980, p. 171-72).
definição legal de crime: a forma legal burguesa de crime
exclui a criminalidade estrutural absoluta das classes O conceito proletário de crime fundado em direitos
dominantes – os chamados “crimes sistêmicos”, em especial, humanos, esboçado e, depois, melhorado pelos próprios
a superexploração dos povos e das riquezas naturais das autores (Schwendingers, 1975, p. 113-46; 1977, p. 4-13),
áreas subdesenvolvidas e dependentes –, enquanto define provocou restrições (Mintz, 1974, p. 49) e críticas (Hartjen,
e pune a criminalidade individual, violenta e fraudulenta, 1972): a mudança de foco da forma legal para relações
das classes e camadas sociais subalternas. O duplo padrão sociais conteria ambigüidades abstratas e indeterminações
do sistema de justiça criminal fundado no conceito burguês históricas, indiretamente ligadas ao direito natural. Seja
de crime é promovido pela “cegueira ideológica” de juristas como for, o defeito do conceito socialista de crime,

50 51
A Criminologia Radical e o Conceito de Crime A Criminologia Radical e o Conceito de Crime

consistente na ausência de definição legal, não é sanável as tendências históricas do modo de produção capitalista
no capitalismo e, por essa razão, a definição operacional (Lyra Filho, 1972, p. 110-11).
de um conceito de crime fundado em direitos humanos
parece ser a alternativa radical à definição legal do conceito As contradições históricas das relações de classes
burguês de crime. Historicamente, o conceito de crime é são o fundamento objetivo das contradições ideológicas,
determinado pelas contradições de classe no contexto das jurídicas e políticas, da formação social – logo, assim como a
relações de produção capitalistas: a ideologia burguesa é posição de classe da burguesia é a base objetiva do conceito
institucionalizada nas formas jurídicas e políticas do Estado burguês de crime, a posição de classe do proletariado é a base
– que reproduzem as relações sociais –, mas a ideologia da objetiva de um conceito socialista de crime (Schwendingers,
classe trabalhadora, desenvolvida sob a ideologia burguesa, 1977, p. 10-11). Assim, a antiga equação definição legal de
somente pode adquirir formalização jurídica e política no crime/dano social, da criminologia tradicional, criminaliza
socialismo. Entretanto, essa mediação histórica não exclui condutas socialmente não-danosas – como greves,
– ao contrário, pressupõe – a definição operacional (assim dissidência política etc. – e não criminaliza condutas e
como as definições analítica e real) dos conceitos de crime, relações socialmente danosas – como o imperialismo, a
de Direito, de Estado etc., no projeto político da classe exploração etc. (Lyra Filho, 1972, p. 75-78; 1980, p. 10). A
trabalhadora, ainda sob o capitalismo: os parâmetros desse Criminologia Radical inverte a equação: relações sociais
projeto político são mais adequados para definir relações danosas/crime, compreendendo a exploração imperialista,
sociais danosas (crimes) e interesses gerais da humanidade a violação da autodeterminação dos povos, o direito dos
(Direito, Política etc.), transcendendo o próprio subjetivismo trabalhadores ao controle e à administração da mais-valia
de classe, que exprime oposições maniqueístas de bem/mal, produzida, os abusos de poder econômico e político e todos
direito/crime, certo/errado etc. os danos sociais definidos como “crimes sistêmicos”.

O projeto político da classe trabalhadora é definido A definição de um conceito socialista de crime


por uma teoria geral das tendências do desenvolvimento – assim como de um conceito socialista de Direito e de
histórico, que identifica os interesses objetivos da Estado – com base na posição de classe do proletariado
humanidade com a socialização dos meios de produção, é um avanço qualitativo da teoria radical sobre política,
assegurando a hegemonia dos trabalhadores no controle da direito e crime, como categorias históricas construídas para
natureza, da tecnologia (forças produtivas) e do conjunto a crítica científica das superestruturas de controle social
das relações sociais econômicas, políticas e jurídicas do da sociedade capitalista, uma tarefa necessária dentro de
Estado, promovida no socialismo e excluída no capitalismo um quadro político de transição demorada, em que a luta
pelas contradições objetivas entre o humanismo burguês e pela hegemonia ideológica e política da formação social

52 53
A Criminologia Radical e o Conceito de Crime A Criminologia Radical e o Conceito de Crime

é condicionada pelos limites do conceito gramsciano de transcende os limites da ideologia dominante.


“guerra de posição” (Gramsci, 1972, p. 67-75).
A definição legal de crime (em geral, ligada a Paul
As variantes positivistas do conceito burguês de Tappan) se desdobra em um critério legal-procedimental:
crime, sob as definições legal, sociológica, ética etc., da crime é definido pela lei criminal editada pelo Estado;
criminologia tradicional, pressupõem o mesmo esquema criminoso é o indivíduo condenado pela justiça criminal
funcional da ordem social: estados “naturais” (ou em processo regular. As estatísticas criminais constituem
“normais”), como “relações ótimas” para a vida associada, amostras representativas da população total de criminosos
fundamentam normas de conduta instituídas como critérios – a “maior aproximação possível” da taxa de “criminalidade
de “normalidade”, ou “pré-requisitos funcionais” para a real” – e réus “condenados” constituem os únicos indivíduos
existência da sociedade. A conduta ajustada aos parâmetros que podem ser considerados criminosos: nessa ótica, são
formalizados é “normal” (ou “natural”) e a conduta desviante criminosos réus condenados indevidamente, e não são
dos parâmetros formalizados – que definem a “expectativa criminosos réus não julgados e autores de crimes não
normativa” – é “anormal” ou “antinatural”, desencadeando identificados, ignorados etc. (Lyra Filho, 1972, p. 75-78 e
o sistema de recompensa/punição, como mecanismo de 94-98; Schwendingers, 1980, p. 140.)
controle das tendências “egoístas e anárquicas” da “natureza
humana”. Nesse esquema, o controle social promovido pela Definições sociológicas, desde Garófalo a Thorsten
tecnocracia estatal realiza uma tarefa “neutra”, mediante Sellin, criticam a natureza “não científica” da definição
normas institucionalizadas como critérios do “normal” e legal de crime, que pretende distinguir crime de outros
do “patológico”, legitimadas pelo “consenso normativo”, comportamentos e criminoso de outras pessoas, mas não
maximizando aspectos positivos pela recompensa e indica “propriedades naturais” constitutivas da “natureza
minimizando aspectos negativos pela punição. A ordem intrínseca” da matéria. Essas propriedades “intrínsecas”
social é uma situação de “equilíbrio” dentro da qual o ou “naturais” são indicadas pelo conceito de “normas de
crime indica “conflito” e “desorganização”: ao nível conduta”, que definem “relações universais”: transcendem
social, “conflito cultural/desorganização social”; ao nível grupos sociais, não são limitadas pelo Estado, não estão
da personalidade, “conflito pessoal/desorganização da (necessariamente) incorporadas no Direito e fundamentam
personalidade” (Schwendingers, 1980, p. 156-62). um enfoque “livre-de-valor” comprometido, exclusivamente,
com “metas científicas”, mediante “critérios científicos”
Na verdade, a querela positivista sobre conceito de (Schwendingers, 1980, p. 136-37; Taylor et alii, 1973, p.
crime é uma disputa doméstica em torno da efetividade, da 14-19). Contudo, a fobia do método sociológico às “questões
amplitude e da precisão do controle social, porque não de valor”, pela impossibilidade de medição objetiva de suas

54 55
A Criminologia Radical e o Conceito de Crime A Criminologia Radical e o Conceito de Crime

determinações, confunde objetos históricos com objetos 1980, p. 144-46).


naturais, reduz fenômenos políticos e ideológicos a meras
“coisas” (como na física) e, enfim, destrói o objeto para O conceito de crime não foge desse esquema: a
adaptá-lo ao método. definição legal é uma modalidade de definição nominal,
como descrição das ações socialmente danosas e cominação
Definições éticas propostas por Sutherland conjugam de sanções; a definição analítica é constituída pelas
critérios de “injúria social” (violação de interesses sociais categorias jurídicas da tipicidade (adequação da conduta ao
gerais) e de “sanção legal” (compreensiva das sanções modelo legal), da antijuridicidade (realização injustificada
criminal e civil) para abranger práticas anti-sociais de do tipo de proibição geral) e da culpabilidade (reprovação do
homens-de-negócio, administradores de corporações, autor pela realização não permitida da conduta proibida, com
profissionais liberais etc., que configuram a criminalidade o poder concreto de agir de outro modo) – essas categorias da
“white-collar”. Entretanto, as boas intenções da proposta definição analítica funcionam como definição operacional
não transpõem os limites da política oficial que define para o sistema de justiça criminal (conhecimento e punição
“injúria social” e impõe “sanções legais”: ao contrário, das ações socialmente danosas); a definição real do conceito
parecem úteis para legitimar a ideologia do controle social de crime é o objeto específico da criminologia tradicional:
(Schwendingers, 1980, p. 137-39). “crime é um sintoma de desorganização social” (Sutherland
& Cressey, 1960, p. 23), ou “delinqüência é uma expressão
A metodologia científica contemporânea distingue de agressão não-socializada” (Jenkins & Hewitt, 1944,
várias definições de um conceito: a definição real compreende p. 84-94). Finalmente, as definições sociológicas são
as determinações históricas de um fenômeno, nas suas uma mistura de definição real (relações universais) com
relações diacrônicas e sincrônicas; a definição nominal definição operacional (propriedades intrínsecas), enquanto
constitui simplificação formal da definição real; a definição as definições éticas são uma composição de definição real
analítica apreende os elementos internos da definição real; e (injúria social) com definição nominal (sanção legal).
a definição operacional indica os caracteres de identificação
concreta da definição real, como formalizada nominalmente Essas definições refinaram o instrumental teórico de
e decomposta analiticamente: tipos, situações, registros conhecimento do crime, mas sua aplicação é limitada pelos
etc. A definição real é a base de todas as definições de um compromissos de classe da criminologia tradicional, atrelada
conceito: as definições nominal e analítica são redefinições ao pólo dialético dominante da burguesia, na contradição
da definição real, porque exprimem relações já construídas, estrutural da sociedade capitalista. Por exemplo, definições
e a definição operacional alinha “indicadores” identificáveis reais identificam relações contrárias ao sistema de produção
da definição real (Cirino, 1979, p. 17-19; Schwendingers, e reprodução social, definições nominais formalizam essas

56 57
A Criminologia Radical e o Conceito de Crime A Criminologia Radical e o Conceito de Crime

relações na superestrutura jurídica de controle, definições b) a criminalidade estrutural – em certas condições,


analíticas decompõem seus elementos internos em um estímulo suficiente para as classes dominantes – é
categorias científicas e definições operacionais selecionam explicada pela articulação funcional entre a esfera de
caracteres visíveis para medir o crime e informar políticas produção e os sistemas jurídico-políticos de reprodução
criminais – mas todas correspondem ao conceito burguês social: situações de garantia de impunidade, pelo controle
de crime, que garante a hegemonia do capital no controle dos processos de criminalização, são condições suficientes
das relações sociais. para práticas anti-sociais (predatórias e fraudulentas)
lucrativas, fundadas no controle dos processos de produção/
Esse conceito exclui a criminalidade estrutural – a circulação da riqueza. Como se pode ver, as determinações
definição ética se limita aos abusos de classe, mas não estruturais do conceito proletário de crime (definição real)
compreende a estrutura do sistema de classes, por exemplo podem ser indicadas (a) por situações de marginalização,
– e inclui os fundamentos da ordem social burguesa: exploração, miséria, fome, doenças etc., ou (b) por
criminaliza as ações contrárias à estrutura econômica, situações de controle da produção/circulação da riqueza e
fundada na propriedade privada dos meios de produção de garantia de impunidade – ambas explicações ligadas à
e do produto do trabalho social, e as ações contrárias às divisão da sociedade em classes produzida pela separação
superestruturas jurídicas e políticas do Estado, representadas trabalhador/meios de produção (definição analítica), que
pela criminalidade política. violam direitos humanos socialistas (definição nominal).

O conceito socialista de crime, fundado na posição A distinção entre conceito proletário e conceito
de classe do proletariado – o pólo dialético subordinado da burguês de crime não significa separação irredutível entre
contradição estrutural –, situa a origem da criminalidade concepções diametralmente opostas: o conceito proletário
nas condições estruturais do capitalismo, mas apresenta incorpora, critica e supera o conceito burguês de crime, como
explicações diferentes para a criminalidade individual as formas políticas e jurídicas do socialismo incorporam as
e para a criminalidade estrutural: a) a criminalidade conquistas democráticas do capitalismo e ampliam os limites
individual – em certas condições, uma resposta necessária de liberdade real do povo (Lyra Filho, 1972, p. 110-11).
das classes e camadas sociais subalternas – é definida
como resposta pessoal (portanto, não política) de A seqüência deste estudo pretende indicar como a
sujeitos em condições sociais adversas: em situação de Criminologia Radical coloca os problemas do crime e do
desorganização política e de ausência de consciência de controle social no contexto das relações de classes e das lutas
classe, a criminalidade individual das classes dominadas é políticas pela constituição e reprodução do poder social,
resposta inevitável às condições estruturais da sociedade; no período histórico da sociedade capitalista. Alguns dos

58 59
A Criminologia Radical e o Conceito de Crime

avanços teóricos mais importantes dessa perspectiva são os IV. A Criminologia Radical e a Polí-
trabalhos de Georg Rusche e Otto Kirchheimer, Punisment
and social structure (1968), de Michel Foucault, Surveiller tica do Controle Social
et punir (1975), de Evgeny B. Pasukanis, A teoria geral do
direito e o marxismo (1972), o texto coletivo de Maurice
Bourjol e outros, Pour une critique du droit (1978) e a
coletânea de Bob Fine e outros, Capitalism and the rule of O estudo de Rusche e Kirchheimer em Punishment
law (1979). and social structure (1968) objetiva romper a relação
abstrata da criminologia tradicional entre crime e punição
– interna à superestrutura –, propondo uma relação
histórica concreta entre mercado de trabalho e punição,
vinculando a base econômica à superestrutura de controle
da formação social. A punição, definida normalmente como
“epifenômeno” do crime – o fenômeno que determina as
formas e intensidade daquela –, ou como reação oficial
de retribuição e de prevenção do crime, é colocada em
perspectiva nova: todo sistema de produção descobre
e utiliza a punição que corresponde às suas relações
produtivas (Jankovic, 1977, p. 17).

A teoria do projeto (Rusche, 1931) afirma que o


mercado de trabalho é o determinante fundamental do
sistema de justiça criminal e, portanto, a categoria principal
para explicar o sistema penal. Esse conceito se desdobra
em duas hipóteses antagônicas: a) se a força de trabalho
é insuficiente para as necessidades do mercado, a punição
assume a forma de trabalho forçado, com finalidades
produtivas e preservativas da mão-de-obra; b) se a força
de trabalho é excedente das necessidades de mercado, a
punição assume a forma de penas corporais, com destruição
ou extermínio da mão-de-obra: a abundância torna

60 61
A Criminologia Radical e a Política do Controle Social A Criminologia Radical e a Política do Controle Social

desnecessária a preservação (Rusche, 1977, p. 4). A teoria Rusche e Kirchheimer, representa um avanço real da teoria
mostra como as relações de classes, na esfera do mercado, criminológica radical: são as relações entre as classes sociais
explicam as mudanças superestruturais do sistema penal: no mercado de trabalho que explicam a generalização da
introduz a questão do crime e do controle social no contexto prisão como método de controle e disciplina das relações de
das relações econômicas, que funcionam como base produção (fábrica) e de distribuição (mercado) da sociedade
explicativa da política penal e, inversamente, como objeto capitalista, com o objetivo de formar um novo tipo humano,
de esclarecimento pela política penal. Assim, o defeito a força de trabalho necessária e adequada ao aparelho
das teorias psicológicas e psicanalíticas da criminologia produtivo (Melossi, 1978, p. 75).
dominante sobre a origem individual do crime, ou as funções
sócio-psicológicas da punição etc., resultaria da ausência de Em outra perspectiva, a contribuição radical de
uma teoria social geral que situasse o fenômeno punitivo na Foucault em Surveiller et punir (1975) foi esboçar uma
estrutura das relações econômicas, evitando as abstrações teoria materialista da ideologia da época capitalista, como
idealistas que absolutizam e petrificam as condições disciplina da força de trabalho (Melossi, 1979, p. 92-
históricas vigentes (Rusche, 1977, p. 3). 93) – na verdade, um resultado inesperado de um teórico
idealista. O objetivo de reconstruir a história do poder
A verificação de que a criminalidade se concentra nas de punir através da história da prisão subordina-se às
camadas sociais inferiores da sociedade (a posição de classe seguintes coordenadas, segundo Foucault: a) os sistemas
inferior impede a satisfação de necessidades elementares), punitivos devem ser estudados em seus efeitos positivos,
que monopolizam os processos de criminalização, permite que realizam uma função social complexa – e não em seus
a formulação do célebre princípio de eficácia do sistema efeitos negativos de sanção/repressão; b) a função social
penal: a eficácia da prisão pressupõe condições de vida dos mecanismos punitivos não é explicável pelas regras
carcerária inferiores às da classe trabalhadora mais do Direito, mas como técnicas específicas relacionadas
aniquilada. O princípio mostra a existência de limites aos processos de produção material: a tecnologia punitiva,
objetivos às reformas “humanistas” da prisão, cuja base como “tática política dos castigos”, constituiria um
reside nas condições estruturais da sociedade: as prisões “investimento do corpo” por relações de poder, cujas
estarão cheias ou vazias conforme sua posição em relação transformações estariam ligadas às mudanças nas relações
a esse limiar mínimo (Rusche, 1977, p. 3-4). de produção (Foucault, 1977, p. 26-27).

A história das transformações do sistema penal, O conceito de sistema punitivo como fenômeno
na perspectiva da relação entre base econômica e social ligado aos sistemas de produção, nos quais realiza
mecanismos superestruturais de controle proposta por efeitos positivos, é extraído expressamente das investigações

62 63
A Criminologia Radical e a Política do Controle Social A Criminologia Radical e a Política do Controle Social

de Rusche e Kirchheimer sobre a relação sistema penal/ sua contribuição teórica –, residiria na incapacidade de
mercado de trabalho. O mérito de Foucault é mostrar a ligar o conceito de disciplina às necessidades materiais
mediação política do sistema punitivo, como domínio da administração capitalista do trabalho – a disciplina dos
das forças corporais para realizar objetivos econômicos processos produtivos no âmbito das relações de produção
específicos, consistentes na extração de utilidade das forças –, deixando, assim, a disciplina como um princípio político
dominadas, sob a fórmula de produção de “corpos dóceis carente de determinações históricas (Melossi, 1977, p. 75).
e úteis”. As práticas punitivas, como relações de poder
vinculadas às relações de produção, representam um sistema
de dominação para constituir um poder sobre o poder do
corpo: uma “anatomia política” que articula conhecimento e 1. As Determinações Estruturais do Controle
técnicas de controle para dominar as capacidades produtivas Social
do corpo. O sistema penal representa uma estratégia de
poder, definida nas instituições jurídico-políticas do Estado, As investigações de Rusche e Kirchheimer
explicável como política das classes dominantes para contribuíram para esclarecer as relações históricas do
produção permanente de uma “ideologia de submissão” sistema punitivo, como fenômeno jurídico e político
em todos os vigiados, corrigidos e utilizados na produção superestrutural correspondente à estrutura econômica da
material. O poder político e o saber científico aparecem sociedade – ou seja, ao conjunto das relações de produção
como fenômenos interligados: o poder produz o saber –, na perspectiva da tese fundamental de que “o modo de
adequado ao seu domínio (ideologia) e o saber reproduz produção da vida material condiciona o desenvolvimento
o poder que o produz, nas relações entre classes e grupos da vida social, política e intelectual em geral” (Marx,
sociais (Foucault, 1977, p. 27-31). 1973, p. 28).

No trabalho de Foucault, o estudo das transformações Na baixa Idade Média, a população dispersa
do poder de punir objetiva caracterizar a disciplina como em terras desocupadas, com uma economia agrária de
modalidade específica de controle social do capitalismo, subsistência auto-suficiente, em que todos produzem seus
incorporada na estrutura panótica das relações sociais meios de consumo, a criminalidade se limita a violências
e, desse modo, explicar a instituição carcerária pela pessoais e sexuais: o sistema penal de multas e penitências
necessidade de produção e reprodução de uma ‘ilegalidade da ideologia religiosa, complementado pela vingança
fechada, separada e útil”, que garante e reproduz as privada – na verdade, o principal desestimulante do crime
relações de poder e a estrutura de classes da sociedade. A –, corresponde ao nível de desenvolvimento das relações
falha idealista do esquema de Foucault – que não invalida sociais de produção. Na alta Idade Média, a economia

64 65
A Criminologia Radical e a Política do Controle Social A Criminologia Radical e a Política do Controle Social

agrária feudal separa ricos (senhores feudais, clero etc.) o “trabalho inútil” – em condições de força de trabalho
e pobres (camponeses e artesãos), conhece os fenômenos excedente os custos de custódia são superiores ao valor
das guerras camponesas, dos bandos de desocupados sem produzido pelo trabalho do preso e, por isso, o trabalho
meios de subsistência e da criminalidade generalizada, forçado deixa de ser lucrativo (Rusche, 1977, p. 5-7).
em especial patrimonial: o sistema penal desse estágio de
desenvolvimento das relações de produção adota punições O estudo da prisão como modalidade punitiva
corporais atrozes (descritas com riqueza de detalhes por baseada na privação de liberdade leva à discussão
Foucault) e extingue as inúteis penas de multa, porque do conceito burguês de tempo, como medida geral e
os condenados não têm como pagar. No mercantilismo abstrata do valor da mercadoria, e à questão correlata da
do século XVII, a produção manufatureira, baseada em formalização prática desse critério de valor na medida da
funções especializadas, encontra escassa força de trabalho, pena de prisão, proporcional ao crime praticado. A relação
em geral dizimada por pestes, guerras e punições, o que entre prisão (troca jurídica do crime medida pelo tempo) e
determina alterações nas relações de mercado, com a mercadoria (valor de uso dotado de valor de troca medido
elevação dos salários e do nível de vida dos trabalhadores: pelo tempo) foi formulada originalmente por Pasukanis em
a política do sistema penal, para ajustar-se às mudanças 1924 – cujas análises, aliás, não são referidas por Rusche e
estruturais, adota o trabalho forçado, extingue as penas Kirchheimer –, demonstrando que o pressuposto histórico-
corporais destruidoras da força de trabalho e introduz a concreto da “predeterminação abstrata” da pena criminal
prisão como principal modalidade punitiva. A revolução em tempo de privação de liberdade reside na redução das
industrial do capitalismo no século XVIII produz nova formas concretas da riqueza social ao trabalho humano
inversão na situação do mercado de trabalho: a introdução abstrato – a medida geral do valor – e conclui que são
da máquina reduz a necessidade de mão-de-obra e produz o fenômenos da mesma época: o capitalismo industrial e a
trabalhador abstrato – o assalariado permutável, disponível economia política de Ricardo, a declaração universal dos
no mercado –, formando um excedente de mão-de-obra direitos do homem e o sistema de penas de prisão, medidas
em condições de absoluta miserabilidade, mais tarde pelo tempo (Pasukanis, 1972, p. 202-03).
conhecido como exército industrial de reserva. E a prisão,
institucionalizada como principal modalidade punitiva, Os capítulos finais de Punishment and social
perde seu caráter intimidante porque as condições de structure (escritos por Kirchheimer), sobre as mudanças
vida na prisão são superiores às do limiar inferior do na estrutura social do capitalismo monopolista – por
desemprego e, para ajustar-se às necessidades do mercado, exemplo, o movimento organizado da classe trabalhadora,
transforma-se em instrumento de terror: a prisão aplica a a intervenção do Estado nas relações econômicas, a
tortura, inventa o confinamento solitário e castiga com concentração dos capitais produtivo, comercial e financeiro

66 67
A Criminologia Radical e a Política do Controle Social A Criminologia Radical e a Política do Controle Social

etc. –, o declínio das taxas de prisão (de 1890 a 1940) e a A ditadura terrorista do capital monopolista existe como
política dos substitutivos penais, não parecem inteiramente repressão massificada da força de trabalho social: pela
satisfatórios (Melossi, 1978,p. 73-85). Mas é rigorosamente disciplina, pela força e pelo extermínio.
característico das transformações superestruturais desse
período histórico o fenômeno da “fragmentação” do Direito, Projetos contemporâneos (Jankovic, 1977; Melossi e
definido em duas linhas principais: a) a substituição das Pavarini, 1977) procuram validar e ampliar a hipótese geral
leis gerais e abstratas do capitalismo competitivo (as de Rusche e Kirchheimer, esclarecendo a relação específica
codificações) por regras administrativas e específicas do entre sistema penal e estrutura social no capitalismo
capitalismo monopolista (a troca da “generalidade” pela monopolista, destacando a prisão como um capítulo
“especificidade”); b) a introdução do método judicial particular da história mais geral de produção e reprodução
da “intuição” – uma inovação política do direito penal da classe trabalhadora (Melossi, 1978, p. 81).
fascista, fundada no “Volksgeist” e no “Führerprinzip” –,
promovendo a dependência administrativa do judiciário A produção de força de trabalho excedente não é
e o domínio do poder econômico sobre o sistema legal. fenômeno novo no capitalismo: o desenvolvimento da
O autoritarismo do sistema penal fascista é um efeito tecnologia, com aumento da produtividade e redução
particular da “racionalização” inconstitucional que adequou dos custos de produção, altera a composição orgânica do
as superestruturas de controle às exigências do capital capital, como relação entre capital constante (meios de
monopolista – na verdade, “racional” para as classes produção ou elementos objetivos) e capital variável (força
dominantes, um “taylorismo” de Estado, para “imediata de trabalho ou elemento subjetivo) do processo de produção
eficácia da vontade do líder” (Melossi, 1978,p. 78-79). (Marx, 1971, p. 234-35), eleva os níveis de valorização do
capital e produz excedentes de força de trabalho, em ciclos
A predominância da especificidade sobre a sucessivos reiterados (desenvolvimento de tecnologia, força
generalidade da forma legal, por leis emergenciais, de trabalho excedente, acumulação do capital, reinversão
casuísticas e autoritárias, é parte essencial do processo do capital acumulado em novas áreas, emprego de mão-de-
de unificação dos objetivos do capital monopolista com obra, novo desenvolvimento de tecnologia, nova força de
a política do Estado fascista, para o domínio totalitário trabalho excedente etc.).
do poder econômico sobre as classes trabalhadoras –
reduzidas à escravidão social –, mediante um controle Na teoria de Rusche e Kirchheimer, a permanente
social terrorista: os campos de concentração são a forma produção de força de trabalho excedente não é compatível
massificada da prisão e o genocídio (judeus, negros, e com a persistência da prisão no capitalismo monopolista,
outras “raças inferiores”) é a forma coletiva do extermínio. porque a força de trabalho não precisa ser obrigada a trabalhar,

68 69
A Criminologia Radical e a Política do Controle Social A Criminologia Radical e a Política do Controle Social

nem preservada de destruição e, conseqüentemente, a prisão, mercado (Jankovic, 1977, p. 20-21).


como principal modalidade punitiva, parece “irracional”.
A segunda hipótese supõe co-variação inversa entre
Fundado na teoria de correspondência da punição com prisão (variável independente) e desemprego (variável
as relações produtivas do sistema sócio-econômico, Ivan dependente), para testar a utilidade da prisão no controle
Jankovic (1977, p. 17-31) estuda a prisão, simultaneamente, do mercado de trabalho – hipótese utilitária, já enunciada,
como variável dependente e como variável independente ironicamente, por Marx (1980, p. 383). O objetivo da
em relação ao mercado de trabalho, desenvolvendo duas hipótese é estabelecer o efeito da política penal sobre a
hipóteses implícitas na teoria original: a) existe relação economia, independente da motivação pessoal dos juízes
inversa entre condições do mercado e prisão: se as condições (Jankovic, 1977, p. 21).
do mercado deterioram, a prisão aumenta; se as condições
do mercado melhoram, a prisão diminui; b) existe relação de A amostra da pesquisa foi delimitada por índices
convergência entre forma de punição e situação do mercado: estatísticos nacionais (de 1926 a 1974) e locais (Sunshine,
se a força de trabalho é insuficiente, a economia e a punição de 1969 a 1976), nas dimensões de nível de desemprego e
a preservam; se a força de trabalho é abundante, a economia de nível de prisões, nos EUA. Os resultados da pesquisa
e a punição a destroem (Jankovic, 1977, p.19). confirmaram a primeira hipótese: o crescimento do
desemprego determinou crescimento do volume de presos
A primeira hipótese supõe co-variação direta entre (e da freqüência das prisões), independente do volume
desemprego e prisão: o desemprego é a variável independente de crimes, com a refutação complementar da tese da
(índice de situação na economia), determinando a freqüência redução das penas de prisão no capitalismo monopolista.
de encarceramentos e, portanto, a população da prisão, A segunda hipótese, sobre a utilidade da prisão no controle
enquanto a prisão é a variável dependente (índice de do mercado de trabalho, não foi confirmada, nem excluída
rigor punitivo). A expectativa é de que situações de crise (Jankovic, 1977, p. 21-22).
econômica produzem maior desemprego, donde maior
criminalidade e, por conseqüência, maior freqüência (e
rigor) da prisão; mas o projeto refina a hipótese, controlando
a variável intermediária (maior criminalidade) para testar 2. A Ideologia do Controle Social
a relação direta desemprego/prisão, quebrando a relação
abstrata crime/punição: supõe que a prisão pode aumentar A transformação da prisão de instituição marginal ao
(com redução de crimes) ou diminuir (com aumento de sistema penal – ad continendos homines, non ad puniendos,
crimes), dependendo, exclusivamente, da situação do ligada a ilegalidades e abusos políticos, insuscetível de

70 71
A Criminologia Radical e a Política do Controle Social A Criminologia Radical e a Política do Controle Social

controle e nociva à sociedade (custos elevados e ociosidade positivista, que considera o crime revelação da alma do
programada) – em forma principal de castigo na sociedade criminoso, apresenta novas questões, como a natureza
capitalista, estabelecendo o tempo como modulação do do sujeito, as causas determinantes, o método corretivo
crime, em lugar do cadafalso do sistema medieval e do teatro adequado, com desdobramentos subjetivos (paixões,
punitivo do projeto da reforma penal, começa nos modelos instintos, anomalias, hereditariedade, ambiente etc.) e
clássicos de prisão: o modelo de Gand (Holanda), em que objetivos (circunstâncias de agravação e de atenuação
o objetivo de correção pelo trabalho justifica a duração da da pena). Assim, as penas criminais, como retribuição
pena; o modelo de Gloucester (Inglaterra), de correção aflitiva de sujeitos livres, e as medidas de segurança,
pelo trabalho, complementada pelo isolamento; e o modelo como controle e readaptação de sujeitos determinados,
de Filadélfia (EUA), da prisão como aparelho de saber, constituem os sistemas de reação anticriminal (cumulativos
com formação de conhecimento individualizado sobre o ou alternativos) da sociedade moderna. A complicação
condenado e correção pelo trabalho sob rígida distribuição do julgamento exige conhecimentos especializados,
do tempo – todos originários do modelo de Rasphuis com a divisão do trabalho de julgar: o concurso de
(Amsterdam), fundado em 1596 (Foucault, 1977, p. 102-12). “juízes paralelos”, como psiquiatras, psicólogos e
outros funcionários da “ortopedia moral”, converte o
No trabalho de Foucault, a transformação histórica julgamento em “prescrição técnica” para “normalizar” o
do poder de punir, explicável pelos processos subjacentes à sujeito, legitimada pelo discurso científico predominante
“microfísica do poder”, evolui do “suplício do corpo”, como (Foucault, 1977, p. 21-25). Uma evolução não linear,
ritual de poder na sociedade medieval, para o “arquipélago com mediações e contradições ligadas às lutas históricas
carcerário”, a rede de controles da “economia do poder” entre classes e grupos sociais, alterando ou deslocando as
nas “cidades carcerárias” do capitalismo moderno. A relações de poder, reacomodadas, transitoriamente, em
transição do castigo do corpo, no pelourinho, na fogueira novos esquemas de dominação.
etc., para a supressão do tempo livre, nos mecanismos
administrativos da moderna burocracia penal, coloca O sistema penal medieval é um ritual de poder: o
o corpo do condenado como intermediário da “alma”, objeto da vingança do soberano é o corpo do condenado, mas
construída como “prisão do corpo”. Essa metamorfose, o objetivo do ritual é produzir um efeito social de terror. A
em meados do século XIX, modificou o objeto do juízo execução penal quantifica o sofrimento do criminoso para
penal: o homem substitui o crime como objeto principal reproduzir a atrocidade do crime: o desafio ao soberano,
de julgamento (Foucault, 1977, p. 13-20) e, desse modo, representado pelo crime, deve ser aniquilado pelo castigo,
as questões clássicas da prova do fato, da determinação do expressão da vitória absoluta do soberano sobre o criminoso,
autor e do conhecimento da lei são insuficientes. A lógica numa política de terror para intimidação do povo, em que o

72 73
A Criminologia Radical e a Política do Controle Social A Criminologia Radical e a Política do Controle Social

poder se reproduz pela produção do medo (Foucault, 1977, p. burguesia: a eficácia do controle requer codificação das
33-61). As transformações econômicas da sociedade feudal, infrações e certeza da punição.
primeiro pela divisão do trabalho e especialização de funções
na produção manufatureira, depois pela industrialização Na formação do capitalismo, a criminalidade é
e formação da burguesia e do proletariado na produção reestruturada a nível de prática criminal, de definição legal
capitalista, promovem o abandono da “liturgia dos castigos”, e de repressão penal, pela posição de classe do autor: a) as
a forma punitiva correspondente às relações de produção massas populares, especialmente lumpens, circunscritas
da sociedade feudal. Enfim, a reforma penal humanista de à criminalidade patrimonial, são submetidas a tribunais
Montesquieu, Rousseau, Beccaria etc. reproduz, em teoria ordinários e castigos rigorosos; b) a burguesia, circulando
do controle social, a ideologia da nova classe hegemônica: nos espaços da lei, permeados de silêncios, omissões e
exige respeito à humanidade do criminoso, castigo sem tolerâncias, move-se no mundo protegido da “ilegalidade
suplício e coloca o homem como “medida do poder”, ou dos direitos”, composto de fraudes, evasões fiscais, comércio
seja, como limite ao despotismo. irregular etc. – na gênese histórica da futura criminalidade
de “colarinho branco” –, com os privilégios de tribunais
As transformações sócio-econômicas do capitalismo especiais, multas e transações que transformam essa
repercutem nas práticas ilegais: reduzem a criminalidade de criminalidade em investimento lucrativo. O sistema penal
sangue, representada pelo “ataque aos corpos”, e aumentam é erigido para “gerir diferencialmente” a criminalidade
a criminalidade patrimonial, constituída pela “ilegalidade conforme a origem social do autor, mas sem suprimi-la. A
dos bens”. A conseqüência é o desequilíbrio na economia do nova “tecnologia do poder” da sociedade capitalista desloca
poder punitivo, agravado pela multiplicidade de justiças (dos o direito de punir, da vingança do soberano para a “defesa
senhores, do rei e do clero) e pelo poder excessivo: o poder social” – obviamente entendida como defesa das condições
da acusação, com todos os recursos contra a impotência dos materiais e ideológicas da sociedade capitalista –, com base
acusados; o poder dos juízes, livres para escolher a pena; e o na teoria do contrato social, segundo a qual a condição
poder do rei, capaz de substituir juízes e decisões. A reforma de membro do corpo social implica aceitação das normas
humanista objetiva mais eficácia, maior regularidade e sociais, e a violação dessas normas, a aceitação da punição
menores custos da política penal, adequada às mudanças (Foucault, 1977, p. 69-76).
“de uma sociedade de apropriação jurídico-política para
Na concepção de Foucault, a reorganização da
uma sociedade de apropriação dos meios e produtos do
“economia do castigo” e a generalização da função punitiva
trabalho” (Foucault, 1977, p. 80). Com o desenvolvimento
assentam em duas variáveis: o crime como fato a estabelecer
dos portos, armazéns, oficinas de trabalho e de mercadorias
e o criminoso como indivíduo a conhecer, conforme critérios
a criminalidade patrimonial torna-se intolerável para a
científicos. A “tecnologia” do poder de punir compreende

74 75
A Criminologia Radical e a Política do Controle Social A Criminologia Radical e a Política do Controle Social

algumas regras gerais: a) a regra da quantidade mínima, idealiza a “cidade punitiva”, um conjunto de teatros de
fundada no princípio hedonista: se o crime, representado castigo nos jardins e praças, oficinas e encruzilhadas, com
como vantagem, explica o comportamento criminoso, placas, cartazes e textos: a eloqüência “visível” da pena
então a pena, representada como desvantagem maior, reproduz a lição do castigo na fala do povo, promovendo a
produz a renúncia ao crime; b) a regra da idealidade “recodificação individual” dos criminosos potenciais, além
suficiente, baseada na identificação do sofrimento com a de sua “requalificação pessoal” como sujeitos de direito
sua representação: a pena é igual à idéia da pena, como (Foucault, 1977, p. 94-102).
temor de uma desvantagem maior representada; c) a regra
da certeza perfeita, em que a preponderância da idéia da Entretanto, prevalece o aparelho carcerário, com suas
pena em relação à idéia do crime depende da eficácia do técnicas de coerção e seu poder exclusivo de gestão da pena
sistema punitivo, subordinada à definição dos crimes e das – e não o projeto da “cidade punitiva”, com seus teatros de
penas (codificação), à publicidade das leis (conhecimento castigo: não é a requalificação do indivíduo como “sujeito
das proibições) e dos processos criminais (conhecimento das de direitos”, mas a reconstituição do “sujeito obediente”
razões da punição); d) a regra da verdade comum do modelo (às ordens, às regras, à autoridade) da instituição carcerária,
acusatório, demonstrada pelo método científico: a verdade que se institucionaliza na moderna sociedade capitalista. A
do crime é “verdade completa” – e a presunção de inocência transição da força do soberano, com a cerimônia do castigo
é a sua resultante; e) a regra da especificidade ideal, pela e o inimigo vencido, não é para o corpo social, com a
qual a individualização das penas, como modulação crime- representação e o sujeito requalificado, mas para o aparelho
punição, regula-se pela personalidade do agente e por administrativo, com a disciplina do corpo e a submissão total
particularidades do fato (Foucault, 1977, p. 76-93). no sistema carcerário (Foucault, 1977, p. 112-16).

A dinâmica da “representação” funciona como Na verdade, é a necessidade de disciplina da força


mecanismo de poder: a pena, como “sinal transparente do de trabalho, sua formação e adequação aos processos
crime”, reduz a atração do crime; a modulação temporal da produtivos, promovida pela especificidade do panótico,
pena (o tempo como “operador” da pena), ajusta o castigo como dispositivo de disciplina e princípio da nova política
ao crime; enfim, a circulação social da pena influi sobre do poder, que explica a evolução da prisão, de aparelho
todos os “culpados potenciais”. Em síntese, a publicidade marginal ao sistema penal para a posição de instituição
da pena promove a aprendizagem social, agindo como central do controle social na sociedade capitalista. Os
elemento de instrução capaz de inverter a narrativa popular fundamentos materialistas da contribuição de Foucault, que
do criminoso herói para o criminoso inimigo social. A apresenta a disciplina como ideologia do controle social,
pesquisa de Foucault mostra como o projeto de reforma são desenvolvidos por Melossi (1979, p. 90-99), Melossi
& Pavarini (1977, p. 67-76), Lea (1979, p. 76-89) e outros

76 77
A Criminologia Radical e a Política do Controle Social A Criminologia Radical e a Política do Controle Social

teóricos radicais, com base nas necessidades de organização e na sensualidade (indecência), visando reduzir os desvios
dos processos produtivos e de controle e reprodução da mediante um sistema duplo: de punição (degradação) e
força de trabalho. de recompensa (promoção). O exame conjuga técnicas de
vigilância com técnicas de sanção em um ritual de controle
Na teoria de Foucault, o panótico é a base física do ou tecnologia de dominação, em que relações de poder
poder disciplinar, como sistema arquitetural constituído constituem um tipo de saber adequado à sua existência e
de uma torre central (para controle visual) e de um anel reprodução (Foucault, 1977, p. 153-71).
periférico (em condições de visibilidade e separação), que
atua como dispositivo do poder disciplinar, caracterizado A política desses procedimentos disciplinares se apóia
pelo “funcionamento automático do poder”: a consciência em táticas que dissociam a utilidade do corpo do poder
de vigilância gera a desnecessidade objetiva da vigilância, pessoal que o dirige: a alienação da vontade individual é
com efeitos sobre o comportamento do preso, o trabalho condição de produção do indivíduo “dócil e útil”, como poder
do operário, os movimentos de contra-poder (agitações, tomado para o poder e, assim, “normalizado”. As táticas
revoltas etc.), a economia, a instrução, a ordenação das dessa política de dominação compreendem a distribuição
multiplicidades humanas, a redução da força política e o e controle da atividade, a organização das gêneses e a
aumento da força útil da população controlada. Produto da composição das forças. A arte das distribuições consiste
disciplina exigida pelas relações de produção econômica e de no quadriculamento, com cada indivíduo em seu lugar e
reprodução política da sociedade, o panótico produz efeitos em cada lugar um indivíduo, e na localização funcional,
negativos de exclusão e de repressão, mas especialmente mediante articulação das funções em aparelhos coordenados,
efeitos positivos de fiscalização e de controle, com o objetivo formando quadros vivos. O controle da atividade visa
de formar corpos “dóceis e úteis”, através da vigilância, da à construção de um “novo corpo”, agora portador de
sanção e do exame (Foucault, 1977, p. 173-99). “forças dirigidas”, mediante a programação temporal da
atividade em ritmos estabelecidos (horário): o objetivo é
A vigilância opera por dispositivos que obrigam produzir a máxima adequação na correlação gesto/corpo e
pelo olhar, com a completa visibilidade dos submetidos: a maior eficácia nas articulações corpo-objeto-máquina. A
nas fábricas ou prisões, controla o processo de trabalho e organização das gêneses refere-se ao controle útil do tempo,
o comportamento dos homens, verifica o conhecimento, dividindo a atividade em seqüências de complexidade
o esforço etc., através de fiscais, fiscalizados por outros crescente, finalizadas com provas. A composição das
fiscais. A sanção pressupõe uma ordem artificial (leis, forças é a articulação dos corpos em aparelhos eficientes,
programas e regulamentos) com uma “micropenalidade” obedientes a um sistema de comando, com ordens claras e
fundada no tempo (atrasos, ausências etc.), na atividade breves (Foucault, 1977, p. 125-52).
(desatenção), na maneira de ser (desobediência ou grosseria)

78 79
A Criminologia Radical e a Política do Controle Social A Criminologia Radical e a Política do Controle Social

Essa é a “disciplina tática”, segundo Foucault, a e submissão total; o trabalho é mecanismo de disciplina
técnica de construir aparelhos de eficácia ampliada, com para a produção de indivíduos adequados às condições
corpos localizados, atividades codificadas e aptidões estruturais da sociedade capitalista; e a modulação da
formadas, agindo como a engrenagem subordinada de uma pena, pelo livramento condicional, privilégios pessoais, a
máquina: a coerção permanente e o treinamento progressivo redução da pena nos sistemas de penas indeterminadas etc.,
produzem a docilidade e a utilidade das forças individuais. pressupõe a autonomia carcerária, sob controle (relativo)
A disciplina das forças, pela coerção individual e coletiva do juiz das execuções: os “direitos da prisão” representam
dos corpos, é o reverso técnico do pacto social: constitui o um desdobramento do julgamento, com o poder judiciário
poder disciplinar como “contra-direito”, oposto à teoria do produzindo a retirada jurídica da liberdade e o “poder
contrato, que explica as relações de domínio/subordinação penitenciário”, indivíduos dóceis e úteis (Foucault, 1977,
da sociedade capitalista (Foucault, 1977, p. 194-99). p. 207-23).

A crítica científica à ineficácia dos princípios


da ideologia punitiva (correção, trabalho, educação
penitenciária, modulação da pena, controle técnico
3. Os Objetivos do Aparelho Penal
da correção etc.) costuma indicar que a prisão não
reduz a criminalidade, provoca a reincidência, fabrica
A função explícita da prisão é o exercício do delinqüentes, favorece a organização de criminosos e,
poder de punir, quantificando o valor de troca do tempo finalmente, não corrige (com suas técnicas rudimentares),
individual, a “forma salário” da privação de liberdade: o nem pune (com suas penas sem rigor). De fato, a história
tempo, equivalente geral de troca do crime, é “mercadoria” do projeto “técnico-corretivo” do sistema carcerário é a
de propriedade geral (bem jurídico comum) e, portanto, história simultânea de seu fracasso: o “poder penitenciário”
critério “ideal” de quantificação da pena. A prisão realiza, se caracteriza por uma “eficácia invertida”, através da
como aparelho jurídico, a “contabilidade econômico- produção da reincidência criminal, e pelo “isomorfismo
moral” do condenado, deduzindo a dívida do crime na reformista”, com a reproposição do mesmo projeto
moeda do tempo, e como aparelho disciplinar, reproduz os fracassado em cada constatação histórica de seu fracasso
mecanismos do corpo social para a transformação coativa do (Foucault, 1977, p. 228-39).
condenado. O método geral de coação física é completado
pelas técnicas do isolamento, do trabalho e da modulação Dois séculos de fracasso do aparelho penal, indicado
da pena: o isolamento rompe as relações horizontais do pela manutenção da delinqüência, a indução da reincidência
condenado, substituídas por relações verticais de controle e a transformação do infrator ocasional em delinqüente

80 81
A Criminologia Radical e a Política do Controle Social A Criminologia Radical e a Política do Controle Social

habitual, coexistem com dois séculos de manutenção do desenvolvimento da tecnologia, a redução dos salários e
mesmo projeto fracassado. Neste ponto, a teoria de Foucault a aceleração do ritmo de trabalho, até os movimentos pela
reencontra as grandes linhas da Criminologia Radical, limitação da jornada de trabalho, melhoria das condições
porque a explicação desse fenômeno está na distinção entre de trabalho, aumentos salariais, direitos de organização,
objetivos ideológicos (aparentes) e objetivos reais (ocultos) protestos contra a repressão policial etc. – ampliados com
da prisão. Os objetivos ideológicos do aparelho penal se a expansão da produção e a concentração do controle
resumem nas metas de repressão da criminalidade e de privado da economia, multiplicando as oportunidades e
controle/redução do crime. Os objetivos reais do aparelho as modalidades de crimes.
penal consistem numa dupla reprodução: reprodução da
criminalidade pelo recorte de formas de criminalidade das A “gestão diferencial” da criminalidade decorre de
classes e grupos sociais inferiorizados (com exclusão da uma “dissociação política” da criminalidade: o recorte
criminalidade das classes e grupos sociais dominantes) jurídico das ilegalidades proibidas (tipicidade) produz
e reprodução das relações sociais, porque a repressão a delinqüência convencional – e o delinqüente comum,
daquela criminalidade funciona como “tática de submissão como sujeito “patologizado” –, abrindo espaço para as
ao poder” empregada pelas classes dominantes. Assim, ilegalidades permitidas do poder econômico e político,
a explicação da justiça penal não reside nos objetivos excluídas da estratégia de controle social. Essa perspectiva
aparentes, de repressão da criminalidade e controle do inverte a avaliação do resultado histórico da prisão: o
crime, mas nos objetivos ocultos do sistema carcerário, aparente fracasso do projeto ‘técnico-corretivo” da prisão é
de reprodução da criminalidade e reprodução das relações a própria história de um êxito político real, como aparelho
sociais, através do controle diferencial do crime. de poder que garante e reproduz as relações sociais
(Foucault, 1975, 241-44).
Na construção de Foucault, as práticas punitivas
se inserem em um contexto político: a lei funciona como A prisão constitui a delinqüência como “ilegalidade
“instrumento de classe”, produzida por uma classe para fechada, separada e útil”, reproduzida em um “circuito
ser aplicada contra outra, e o sistema de justiça criminal de delinqüência” em que a reincidência aparece como
atua como mecanismo de dominação de classe, pela gestão efeito da gerência das ilegalidades: a prisão produz
diferencial da criminalidade. As práticas criminais e a e reproduz os fenômenos que, segundo o discurso
administração diferencial da criminalidade se articulam ideológico, objetiva controlar ou reduzir. A constituição e
em um quadro histórico de lutas sociais estruturadas reciclagem de uma massa criminalizada apresenta várias
no regime de propriedade privada e de exploração legal utilidades: controla a população não-criminalizada – a
do trabalho, desde a multiplicação das máquinas e o força de trabalho integrada nos processos produtivos;

82 83
A Criminologia Radical e a Política do Controle Social A Criminologia Radical e a Política do Controle Social

funciona como camuflagem da ilegalidade dos grupos controle – os “ortopedistas do indivíduo” –, que recruta o
dominantes; concentra a ilegalidade das classes delinqüente dos setores marginalizados da sociedade e o
dominadas em áreas sem conseqüências econômicas, incorpora nos processos de criminogênese institucional: a
como o lumpenproletariado e desempregados crônicos; fabricação do criminoso ocorre dentro da lei, em instituições
possibilita controle social mais geral, pela infiltração de menores, cadeias, prisões e colônias penitenciárias, por
em grupos, a organização da delação, a constituição de inserções mais rigorosas, vigilâncias mais insistentes e
uma massa-de-manobra do poder, a polícia clandestina acúmulo de coerções disciplinares da “sociedade panótica”
etc.; finalmente, atua como centro controlador, porque – e não nas margens exteriores da sociedade, que marca o
a delinqüência é, ao mesmo tempo, efeito do sistema criminoso como “fora-da-lei”. Nas “cidades carcerárias”
e instrumento de controle social: a polícia fornece do capitalismo moderno, a prisão é o dispositivo central
infratores, a prisão reproduz a delinqüência e a massa da estratégia do poder social, enquanto a rede de controles
criminalizada (objeto de controle) atua como instrumento do arquipélago carcerário é a forma política do poder,
auxiliar de controle social (Foucault, 1975, p. 244-77). cujas relações de saber são constituídas para dominar (ou
“docificar”) e explorar (ou “utilizar”) a força de trabalho
O objetivo real mais geral do sistema de justiça (o “corpo”) nos processos produtivos do capitalismo
criminal – além da aparência ideológica e da consciência (Foucault, 1975, p. 257-65).
honesta de seus agentes – é a moralização da classe
trabalhadora, através da inculcação de uma “legalidade de Finalmente, o idealismo de Foucault aparece na
base”: o aprendizado das regras da propriedade, a disciplina questão das alternativas de restrição, modificação ou
no trabalho produtivo, a estabilidade no emprego, na abolição da prisão – e por extensão, do controle social
família etc. A utilidade complementar da constituição centrado na prisão: indiferente à natureza punitiva ou
de uma “criminalidade de repressão”, localizada nas corretiva da prisão, ou ao exercício do controle por juízes,
camadas oprimidas da sociedade e objeto de reprodução psiquiatras ou administradores, limita-se a constatar a
institucional, é camuflar a criminalidade dos opressores, de necessidade de “constituir algo diferente”, sem indicar uma
abuso do poder político e econômico, com a tolerância das estratégia ou táticas de luta viáveis, apesar de reconhecer
leis, a indulgência dos tribunais e a discrição da imprensa que a política do poder é decidida no “ronco surdo da
(Foucault, 1975, p. 251-53). batalha” (Foucault, 1975, p. 268-69).

A “rede de instituições carcerárias” da sociedade A Criminologia Radical deve incorporar as


moderna forma, na representação de Foucault, um significativas contribuições de Foucault sobre a ideologia
‘arquipélago carcerário”, com seus profissionais do do controle social – apesar do viés idealista – e completar

84 85
A Criminologia Radical e a Política do Controle Social

seu quadro científico com as teorias materialistas sobre a V. A Criminologia Radical e a Forma
forma legal do controle social nas sociedades capitalistas,
concluindo com um programa de política criminal Legal do Controle Social
alternativa.

A distinção entre objetivos ideológicos e objetivos reais do sistema


punitivo é aquisição da teoria radical anterior sobre Direito e crime: em
1924, Pasukanis define a ideologia penal da “proteção da sociedade”
como “alegoria jurídica” que, na verdade, significa proteção das
condições fundamentais da “sociedade de produtores de mercadorias”.
A “alegoria jurídica” da proteção geral corresponde aos objetivos
ideológicos do aparelho punitivo, que escondem os objetivos reais de
proteção de privilégios fundados na propriedade privada dos meios
de produção, de luta contra as classes exploradas e oprimidas – os
assalariados, na sociedade capitalista –, de garantia do domínio de
classe pela repressão política legitimada sob a aparência de “correção
pessoal” (Pasukanis, 1972, p. 185 e ss.).

A definição da pena como “forma salário” da privação


de liberdade, baseada no “valor de troca” do tempo, formulada
por Foucault - e, antes dele, por Rusche e Kirchheimer –,
aparece ainda mais claramente em Pasukanis, ao indicar a
“medida de tempo” como critério comum para determinar
o valor do trabalho na economia e a privação de liberdade
no Direito (1972, p. 202). A forma de equivalente penal, ou
seja, da pena como retribuição proporcional do crime, está
ligada ao critério geral de medida do valor da mercadoria,
determinado pela quantidade de trabalho social necessário
para sua produção: o “tempo médio” de dispêndio de energia
produtiva (Marx, 1971, p. 79 e ss.). Esse critério geral de
medida, adequado objetivamente às relações privadas entre
proprietários de mercadorias na sociedade capitalista, é

86 87
A Criminologia Radical e a Forma Legal do Controle Social A Criminologia Radical e a Forma Legal do Controle Social

aplicado em outras áreas das relações sociais, medidas Direito e o Estado, não tomou as formas jurídicas e políticas
como troca de mercadorias: no direito criminal, lesões de como objeto específico de estudo, que aparecem dispersos
valores individuais ou sociais são medidas como violações no conjunto da obra, sem constituir uma teoria do Direito ou
da propriedade (Fine, 1979, p. 45). do Estado. Razões históricas e metodológicas contribuíram
para isso: os problemas políticos do tempo de Marx eram
No trabalho de Pasukanis, essas questões são estudadas abordados em forma filosófica, as instituições jurídicas e
no contexto da transição histórica do “sujeito zoológico” – políticas do Estado explicavam-se “por si mesmas”, ou pelo
luta pela existência protegida pela responsabilidade coletiva “desenvolvimento da idéia” (Marx, 1973, p. 28) e, por isso,
do gene ou da família, que responde por atos dos membros, a crítica à economia política, desenvolvida em O Capital e
com a ofensa determinando a vingança de sangue, que outros trabalhos, colocava-se como pressuposto do estudo
produz a vingança da vingança de sangue etc. – para o posterior das formas jurídicas e políticas do Estado. Por
“sujeito jurídico” da reparação equivalente: a troca “igual” exemplo, o conceito de mais-valia, descoberto na crítica à
exclui a vingança de sangue, primeiro pelo talião, mais tarde economia política, caracteriza o capitalismo como modo de
pela composição (reparação em dinheiro) e, finalmente, produção de classes e fundamenta o desenvolvimento de
pela pena proporcional ou equivalente ao crime, medida uma ciência social sobre a divisão da sociedade em classes
pelo tempo, o critério geral de medida do valor. A origem antagônicas, estruturadas na unidade contraditória do modo
da transição é identificada na forma mercantil de mediação de produção: a infra-estrutura (ou base material), constituída
das relações sociais: o fato do crime se configura como pelo conjunto das relações de produção, e a superestrutura
modalidade de circulação social e a instituição jurídica da (ou sistema ideológico), constituída especialmente pelas
pena como “equivalente geral” de troca do crime – assim formas jurídicas e políticas do Estado, são fundamentos
como o dinheiro, equivalente geral de troca de mercadorias gnosiológicos que permitem definir os conceitos de poder,
–, proporcionável com a mesma justeza da divisibilidade dominação, exploração, opressão e outros, em perspectivas
da moeda: o tempo (Pasukanis, 1972, p. 107-39 e 183 e ss). teórica e prática radicalmente novas (Bourjol et alii, 1978,
p. 13-17; Lyra Filho, 1980 a, p. 13 e ss.).
Mas as contribuições mais significativas de Pasukanis
sobre a ideologia do controle social estão na área da teoria A crítica marxista do Direito, em que estão empenhados
geral do Direito: define categorias e linhas de pesquisa que teóricos radicais para elaborar uma teoria materialista da
absorvem, atualmente, o mais criativo esforço de teóricos forma jurídica de disciplina das relações sociais, é necessária
radicais para construir uma teoria materialista do Direito. para explicar, entre outras coisas: a) por que, em certas
É útil lembrar que Marx, cuja teoria é fundamental para condições históricas, a disciplina das relações sociais reveste
compreender a natureza de formas superestruturais como o forma jurídica? – uma questão básica da moderna teoria

88 89
A Criminologia Radical e a Forma Legal do Controle Social A Criminologia Radical e a Forma Legal do Controle Social

geral do Direito; b) por que o sistema de controle social, “poder público” da sociedade e o crime representa violação
cuja instituição central é a prisão, e agentes principais são da consciência coletiva, associada ao egoísmo e à anomia,
a polícia e a justiça criminal, esconde os objetivos reais de como ausência de controle social normativo. Ao contrário,
repressão política das classes dominadas, sob a aparência as teorias sociológicas dirigem o foco para o conteúdo
ideológica de proteção geral, correção pessoal, prevenção e do Direito: um conceito não-contraditório de lei permite
repressão de crimes? Na verdade, a “gestão diferencial” da definir o Direito como “instrumento” da classe dominante,
criminalidade, que promove o recorte jurídico e a repressão racionalmente ajustado à produção e reprodução das
concreta de uma “ilegalidade fechada, separada e útil”, relações sociais, em qualquer tipo de sociedade e, assim,
inculca uma “legalidade de base” nas classes trabalhadoras ignorar os problemas da forma legal, em um dogmatismo
e, assim, assegura as condições materiais e político- invertido. As teorias sociológicas sobre o conteúdo da lei
jurídicas da sociedade capitalista, permitindo ou tolerando a negligenciam a origem social da forma legal, os limites
criminalidade econômica e política das classes dominantes. formais ao desenvolvimento do conteúdo e a lei como
forma concreta e historicamente específica de poder
Esse é o terreno de edificação da Criminologia político: na base dessas teorias encontra-se a mesma atitude
Radical: o presente trabalho se dirige para essas questões, conservadora, que idealiza a lei como forma supra-histórica
com o propósito de indicar as bases e as linhas gerais da e “fetichizada” do Direito, simultaneamente instrumento
Criminologia Radical, sem pretender resolver ou esgotar a de dominação e conteúdo do poder, independente do tipo
problemática implicada no tema. de dominação e da forma do poder.

Assim, em um esquema sumário sobre a relação Por outro lado, do ponto de vista da relação entre
forma/conteúdo do Direito, as teorias jurídicas podem ser forma jurídica e estrutura social é possível distinguir as
classificadas em formalistas e sociológicas (Fine, 1979, teorias da autonomia (absoluta e relativa) e da dependência
p. 34-37). As teorias formalistas privilegiam a forma legal da forma legal (Picciotto, 1979, 166-70). As teorias da
da norma jurídica: definem o Direito como expressão/ autonomia absoluta da forma jurídica se fundamentam
condição de qualquer ordem social e, portanto, a forma na separação entre a ordem jurídico-política da igualdade
jurídica como categoria supra-histórica, independente e da liberdade, por um lado, e a estrutura econômica da
do conteúdo dessa forma jurídica (dogmatismo). O mais sociedade, por outro, como ocorre com a Sociologia do
autorizado representante dessa posição é Durkheim Direito, que separa relações sociais (ordem jurídico-política)
(1964), que concebe lei e punição como expressões da e relações de produção (relação homens/natureza, através da
“consciência coletiva” da sociedade – ou pré-requisitos tecnologia), como faz R. M. Unger (1976), por exemplo. As
funcionais da ordem social: o Direito é idealizado como teorias da autonomia relativa da forma jurídica concebem

90 91
A Criminologia Radical e a Forma Legal do Controle Social A Criminologia Radical e a Forma Legal do Controle Social

as relações de produção como simples relações técnicas, do Estado, no período histórico de construção do socialismo,
determinantes somente “em última instância”: as relações caracterizado por um conteúdo expressivo do poder
de distribuição constituem e reproduzem a sociedade civil proletário – como a experiência da Comuna de Paris indicara
(esfera entre o “econômico” e o “Estado”) e as relações e a história posterior parece confirmar. A revolução socialista
legais, abstração externa às relações de produção – segundo coloca como objetivos imediatos destruir os aparelhos de
a teoria regional do Estado do marxismo estruturalista de poder burocrático-militar e parlamentar do Estado burguês
Poulantzas (1978). Enfim, a teoria da dependência da forma (Marx, “Carta a Kugelman” de 12.04.1871) e socializar os
legal define a lei como “instrumento de classe” (ligada, em meios de produção, centralizados no Estado do proletariado
geral, à origem social do legislador, do juiz etc.) ou como organizado, em seu primeiro ato como representante de
“mera máscara” do poder de classe: ignora as contradições toda a sociedade e último ato como poder independente
da forma legal como fenômeno social capaz de portar dela (Marx, 1977; Engels, 1974; Lênin, 1975). Os objetivos
conteúdos contrários aos interesses das classes dominantes mediatos da segunda fase da revolução socialista seriam a
– e, assim, exclui táticas políticas centradas na questão legal, superação do Estado político e da democracia formal da
além de confundir formas distintas do poder burguês, como burguesia, pelo desenvolvimento da sociedade comunista,
a democracia liberal, o bonapartismo e o fascismo. caracterizada pela plena expansão das forças produtivas, o
desaparecimento da divisão social do trabalho (convertido
Na teoria de Marx e Engels, a perspectiva da revolução em primeira necessidade vital – e não um simples meio de
socialista define a questão do poder político e legal como vida) e a criação de um direito novo, regido pelo princípio
uma questão de mudança da forma e do conteúdo do poder jurídico “de cada um segundo sua capacidade, a cada um
social. O Estado, produto do antagonismo irreconciliável segundo suas necessidades”, romperia os estreitos limites da
de classes, representa uma força especial de repressão, ou a igualdade burguesa (Marx, 1975, p. 277-43; Lênin, 1975, p.
organização sistemática da violência, para a opressão de uma 372). A superação da forma do poder burguês ocorreria em
classe sobre outra: as classes economicamente dominantes um processo de transição de uma forma de poder alienado
utilizam o poder concentrado dos aparelhos coercitivos do da sociedade para uma forma de poder exercido diretamente
Estado (polícia, prisão e forças armadas) para garantir a pelo povo – ou seja, de um poder baseado em burocratas,
dominação política e a exploração econômica das classes forças armadas, polícia profissional, judiciário independente
dominadas e, portanto, para controlar os antagonismos de e debates parlamentares da democracia liberal para um
classe nos limites da ordem social burguesa (Lênin, 1975, poder no qual o povo (armado) é o poder repressivo geral,
p. 300-5). O projeto político geral que informa a teoria todos os funcionários são eleitos, demissíveis a qualquer
marxista afirma a impossibilidade de sobrevivência da forma momento e com salário igual ao dos trabalhadores (Fine,
do poder burguês, expressa no sistema legal e nos aparelhos 1979, p. 37-38).

92 93
A Criminologia Radical e a Forma Legal do Controle Social A Criminologia Radical e a Forma Legal do Controle Social

(Fine, 1979, p. 39-40 e 44).


Na análise da relação entre conteúdo e forma do
Direito (1975, p. 232 e ss.), Marx demonstra que o conteúdo A base social objetiva do Direito é o fundamento
do Direito é desigual (como todo direito), porque critério histórico das lutas políticas da classe trabalhadora, que
igual supõe homens iguais, mas em face de homens o tomam como objeto de reivindicações específicas sobre
desiguais, somente um Direito desigual seria Direito duração, intensidade e remuneração do trabalho, defesa
igual: a forma igual significa, de fato, direito desigual para de direitos adquiridos (reunião, associação, liberdade de
trabalho (duração e intensidade) e homens (capacidades e imprensa etc.), garantias legais, processuais ou outras.
necessidades) desiguais, que somente podem ser iguais com O método adequado de estudo do fenômeno jurídico
um direito desigual. A forma igual do Direito nas sociedades deve compreender a forma legal – do mesmo modo que
de produção de mercadorias é inseparável de seu conteúdo a forma “mercadoria” – como “relação social objetiva”,
desigual: regula relações entre sujeitos desiguais. Essa é esclarecendo de que modo a norma (forma legal) se realiza
a forma de sobrevivência do Direito na fase de transição na vida social (conteúdo da lei). Desse ponto de vista, os
socialista, em que a distribuição se fundamenta (ainda) fundamentos objetivos do Direito como disciplina das
no princípio de troca da produção de mercadorias: cada relações sociais são esclarecidos pela análise da origem
indivíduo recebe o equivalente do que produz, menos os histórica da forma jurídica.
custos de reprodução. A explicação da forma do Direito
igual pela produção de mercadorias indica que a forma Definindo os conceitos fundamentais da teoria do
jurídica possui uma base social objetiva, como medida Direito em categorias como relação jurídica, norma jurídica
geral da troca de equivalentes: não é “mera máscara” ou e sujeito jurídico, os mais abstratos (independência de
“ilusão ideológica”, o que significa que a extinção das conteúdos concretos) e os mais simples (aplicáveis a todo
formas jurídicas e políticas superestruturais pressupõe o o Direito), Pasukanis (1972, p. 25 e ss.) destaca a relação
desaparecimento das relações objetivas da produção de jurídica como a “célula do tecido jurídico” – ao contrário da
mercadorias, origem e fundamento da forma legal. Mas a teoria jurídica tradicional que hipostasia a norma jurídica,
forma jurídica de disciplina social do capitalismo – uma definindo o Direito como “conjunto de normas” válidas.
sociedade fundada na troca geral de mercadorias, em que a Admitindo que as normas jurídicas valem pelo significado
força de trabalho, como mercadoria fundamental, somente concreto de disciplina das relações sociais, conclui que a
é trocada sob condição de produzir mais-valia – não é teoria jurídica deveria privilegiar a “eficácia prática” do
idêntica à forma jurídica de disciplina social do socialismo, Direito: as relações jurídicas ligam sujeitos de direito,
em que as únicas mercadorias trocadas são trabalho e meios existentes como átomos isolados, realizando normas
de consumo, sem acréscimo ou decréscimo de mais-valia jurídicas como medidas de troca ou equação de relações

94 95
A Criminologia Radical e a Forma Legal do Controle Social A Criminologia Radical e a Forma Legal do Controle Social

(Pasukanis, 1972, p. 75 e ss.). A eficácia do Direito aparece vincula-se às condições históricas do aparecimento do
como “cadeia de relações jurídicas” entre sujeitos isolados, sujeito jurídico como “proprietário de mercadorias”, ou seja,
formando um “encadeamento de pretensões recíprocas” as condições de formação da sociedade capitalista. Nessa
representadas em mercadorias, trocadas na proporção formação social, a forma subjetiva do Direito, consistente na
ou medida da norma jurídica, na “unidade do momento apropriação privada de mercadorias, outrora dependente do
jurídico-econômico” (Bourjol et alii, 1978, p. 13-17). poder “pessoal” de proteção dos bens, é garantida pela forma
objetiva do Direito, definida pela ordem jurídica do Estado,
Se o Direito – assim como o capital – deve ser o poder da organização social de classe que substituiu a
compreendido como relação social, a questão consiste em violência pessoal do sujeito “zoológico”: a proteção jurídica
descobrir por que, nas condições históricas da sociedade da apropriação privada de mercadorias é explicada pela
capitalista, as relações sociais assumem forma jurídica, necessidade de circulação social, que transforma o sujeito
ocorrendo a circulação (troca) de mercadorias (coisas) zoológico em sujeito jurídico e substitui o indivíduo armado
entre proprietários (sujeitos) em determinada medida pelos tribunais, na luta (litígio) pela apropriação (Pasukanis,
(norma) (Pasukanis, 1972, p. 59-74). Como as relações 1972, p. 107-39).
sociais, para serem relações jurídicas, devem ser relações
entre proprietários de mercadorias trocadas na medida da Mas a categoria sujeito jurídico, base da forma
norma, o sujeito jurídico seria a base explicativa da forma jurídica, não é compreensível independente da forma
jurídica, e o Direito, como disciplina das relações sociais, mercadoria, que explica não só o sujeito jurídico como
seria a medida geral de circulação social. Considerando a proprietário de mercadorias, mas a forma jurídica como
norma jurídica (forma legal) como “medida de proporção” medida de troca e a relação jurídica como cadeia de sujeitos
da troca nas relações jurídicas entre sujeitos/proprietários, com pretensões materiais, ou relação social objetiva. A
o conjunto de normas do Direito é a medida geral de forma mercadoria, valor de uso com “valor de troca” medido
circulação social, que realiza a comunicação entre sujeitos pelo tempo (a quantidade de trabalho social necessário para
jurídicos “dissociados”: a unidade dos momentos jurídico sua produção) realiza, no mercado social, a comunicação
e econômico existe como “comunicação” econômica (troca entre sujeitos proprietários iguais (mesma medida de
de mercadorias) e jurídica (relação contratual) simultânea troca) e livres (podem dispor de sua propriedade): a troca
(Pasukanis, 1972, p. 141-62). equivalente é o critério de “medida” provida pela norma
jurídica, enquanto a forma sujeito jurídico é a categoria
O sujeito jurídico – e não a relação jurídica ou a norma intermediária entre a forma mercadoria e a forma jurídica.
jurídica – é a categoria explicativa da forma jurídica como Todavia, a base histórica explicativa da forma jurídica só
disciplina das relações sociais: a explicação da forma jurídica aparece quando o sujeito jurídico se funde com a forma

96 97
A Criminologia Radical e a Forma Legal do Controle Social A Criminologia Radical e a Forma Legal do Controle Social

mercadoria – a categoria elementar da sociedade capitalista entre as classes sociais, é a categoria histórica explicativa
–, constituindo a força de trabalho: consumida por seu valor geral que permite compreender como a forma jurídica das
de troca (salário) nos processos capitalistas de produção de relações de circulação, ao ligar sujeitos livres e mercadorias
mais-valia, a força de trabalho determina o valor de todas as iguais, escamoteia as relações de classes na forma “sujeito”
mercadorias e funciona como medida social geral de valor. e oculta a exploração de classe e a desigualdade social na
forma “livre” e “igual” do contrato (Bourjol et alii, 1978,
A contribuição de Pasukanis foi definir a categoria p. 21-29). A acumulação do capital ocorre no processo de
sujeito jurídico como fundamento da forma jurídica e produção, estruturado pelas relações de produção, mas sob
relacionar Direito e circulação. A teoria marxista posterior a mediação do Direito, como lei do modo de produção,
retoma a categoria sujeito jurídico, mas desloca a explicação que coloca o trabalhador “livre” na esfera de circulação
do Direito das relações de circulação – que são as relações (mercado), onde ocorre a troca de “equivalentes”, ou seja,
sociais sob a forma de relações jurídicas – para as relações de salário por força de trabalho, entre sujeitos livres e iguais.
de produção, que constituem o Direito e se reproduzem O Direito – ou a circulação – é intermediário necessário
pelo Direito – e pela circulação (Fine, 1979, p. 42 e ss.). O da produção capitalista, no qual nada ocorre, mas pelo
Direito, como “medida jurídica” da circulação social, é o qual tudo ocorre: a ideologia jurídica da proteção geral
reverso da relação de troca, ou a forma social da circulação de sujeitos livres e iguais, vigente na esfera do Direito-
de mercadorias, na unidade dos momentos econômico e circulação-mercado, oculta a desigualdade das relações
jurídico das relações sociais objetivas: Direito e circulação coletivas de produção (relações de classes), a coação das
constituem fenômenos idênticos, explicáveis pelos relações econômicas sobre o trabalhador e a exploração
mesmos vínculos com as relações de produção – mediadas do trabalho pela apropriação de mais-valia, como trabalho
e reproduzidas por relações legais, ou por relações de não-remunerado. Essa relação entre aparência (liberdade
circulação (Bourjol et alii, 1978, p. 21-29). e igualdade da esfera do Direito-circulação) e realidade
(coação e exploração das relações de produção) explica as
As relações de circulação – ou seja, relações
funções de mistificação (ou de representação ilusória) e de
legais –, como mediação da troca de equivalentes, não
reprodução das relações sociais realizada pela ideologia: a
são “explicáveis por si mesmas”, mas pelas relações de
aparência de igualdade e de liberdade do Direito-circulação
produção, em que o capital produz mercadorias (valor de
reproduz a realidade da coação e exploração das relações
troca) e se reproduz de forma ampliada pela apropriação de
de produção, que produzem aquela aparência (Bourjol et
mais-valia, consumindo a força de trabalho, que produz a
alii, 1978, p. 28).
mais-valia como excedente salarial. O modo de produção,
unidade contraditória de forças produtivas – constituídas O Direito, em forma legal e centralizada, realiza
de sujeitos e de tecnologia – e de relações de produção

98 99
A Criminologia Radical e a Forma Legal do Controle Social A Criminologia Radical e a Forma Legal do Controle Social

o processo ideológico de reprodução das relações de de mercadorias (mediação das relações sociais) oculta uma
produção e de mistificação das relações sociais, porque relação de classes (fetichismo da mercadoria); o lucro legal
redefine as relações políticas, legitima o poder de classe e esconde a apropriação de produto excedente (trabalho não
promove a união abstrata de contradições sociais concretas remunerado); a igualdade de troca e a liberdade de contrato
(Bourjol et alii, p. 17-21). Assim, a mediação do Direito- existem como “modalidade fetichizadas” (aparência) da
circulação no processo total do capital existe como “ação produção de mais-valia (realidade) (Picciotto, 1979, p.
de recobrimento”, impondo as relações de produção e 168-70). A base dessa fetichização da realidade (aparência
disciplinando a sua reprodução: o Direito, como lei do ilusória) é a separação entre as relações de produção
modo de produção, reproduz as condições de produção pela (estrutura econômica) e as formas jurídicas e políticas
imposição das relações de produção e do tipo de dominação (superestrutura ideológica), autonomizando o Direito e o
política – a democracia liberal – necessária à reprodução Estado, como fazem as teorias idealistas.
dessas relações (Bourjol et alii, 1978, p. 30-32).
A origem histórica das formas jurídicas e políticas
Observando o método de Marx, que liga a análise situa-se no período da “acumulação primitiva” do capital
da forma mercadoria e da fórmula geral do capital mercantil (exploração não-capitalista), com as relações
(D-M-D) aos seus conteúdos, ou seja, à força de trabalho sociais ainda dominadas pela coação direta, privilégios e
e à produção/reprodução do capital, Picciotto (1979, p. extorsão: o Estado é constituído como proteção da mediação
170) descobre na relação de emprego um “microcosmo” entre produtor e consumidor, e a forma jurídica funciona
das relações sociais: o conteúdo da relação de emprego como medida das relações sociais, ligada à transformação
é o trabalho assalariado (relações de produção), mas a do sujeito econômico em sujeito legal, portador de direitos e
forma da relação de emprego é o contrato de trabalho deveres (Holloway & Picciotto, 1977). O desenvolvimento
(relações de circulação), explicando a natureza da relação da forma jurídica ocorre no contexto de lutas históricas
de emprego (conteúdo e forma) pelas condições materiais progressivas e democratizantes: o Direito encapsulado na
da vida social (capitalismo) e pela lei (formalização de uma forma burguesa é melhor que nenhum direito, assim como
ordem social de dominação). O método marxista, como a delimitação pessoal da responsabilidade penal é superior
indica Pasukanis, “considera as formas da vida social (e à punição arbitrária. De fato, o Direito não é “mera ilusão”
as condições materiais produtoras das categorias formais) na sociedade capitalista, mas a forma em que as relações
como produtos históricos” – por exemplo, o Direito como sociais são realmente reproduzidas: o sujeito legal é o
a forma social do capitalismo, sociedade de produção indivíduo portador de direitos e deveres, pessoalmente
de mercadorias. Desse ponto de vista, as formas da vida responsável pela conduta; o contraditório processual do
humana são explicadas por sua natureza de classe: a troca modelo acusatório é forma superior ao procedimento

100 101
A Criminologia Radical e a Forma Legal do Controle Social A Criminologia Radical e a Forma Legal do Controle Social

inquisitorial etc. (Picciotto, 1979, p. 172-73). introduz uma mudança qualitativa: produz o trabalhador
abstrato – o trabalhador permutável, à disposição no
A superioridade do capitalismo em relação às formas mercado –, determina o nível de intensidade do trabalho
de disciplina social anteriores reside no primado do direito e reduz a necessidade de mão-de-obra. O despotismo da
abstrato, com sujeitos legais e processo judicial formal, mas fábrica determina a criação da “massa de trabalhadores”,
a substância do liberalismo político que informa a ideologia a constituição do trabalho abstrato, a transformação da
jurídica – a aparência de “liberdade” e de “igualdade” – força de trabalho em mercadoria (trocada por seu preço de
deve ser examinada no contexto da relação capital/trabalho mercado) e a substituição da coação física (ainda necessária
assalariado: a troca de equivalentes (salário por força de na manufatura) pela fome como instrumento de controle, que
trabalho), na esfera de circulação, exclui a coação física na pacifica o animal mais feroz, ensina hábitos de decência,
esfera de produção, substituída pela “coação das relações civilidade e obediência, exercendo a pressão mais silenciosa
econômicas”. Assim, as relações de produção condicionam e mais eficaz. Em poucas palavras, o controle do trabalho é
as relações de circulação, sob a forma do Direito “livre” e produzido pela lei, que garante a propriedade, generaliza
“igual”, produzindo, de modo crescente, desigualdades e o contrato de trabalho e disciplina o mercado, onde circula
crises sociais (Picciotto, 1979, p. 173-74). o trabalhador abstrato, esse sujeito “livre” e “igual” da
sociedade capitalista (Kinsey, 1979, p. 54-57).
Em um esquema que compreende o processo de
produção capitalista nas dimensões de organização do No capitalismo monopolista, caracterizado pela
trabalho (coordenação) e de controle da classe trabalhadora alta composição orgânica do capital, a ênfase é sobre
(subordinação), com o objetivo de produzir mais-valia produtividade, desenvolvendo a tecnologia (capital
relativa – ou seja, maior produtividade pelo emprego de constante) e multiplicando a eficiência do trabalhador
técnicas mais sofisticadas –, passando pelos períodos (capital variável). O problema específico de controle do
da manufatura, do advento da máquina e da formação capitalismo monopolista consiste em produzir mecanismos
do proletariado industrial (trabalhador abstrato), Richard de “autocontrole” no trabalhador, capazes de transformar o
Kinsey (1979, p. 46-54) reconstituiu o despotismo da processo de trabalho em um sistema “auto-regulado” e de
fábrica, descrito por Marx, para demonstrar o despotismo dotar o “trabalhador coletivo” do mesmo automatismo da
da legalidade do capitalismo monopolista, com sua máquina. O contrato de trabalho, a forma legal dominante
“administração científica” do homem. na ordem capitalista, que regula as condições de compra e
venda e as modalidades de aplicação da força de trabalho,
Na manufatura o trabalho especializado do artesão
é o instrumento dessa transformação: seus pressupostos
impõe limitações ao poder do capital: normalmente,
são a liberdade (obrigações consentidas) e a igualdade
não pode ser substituído; mas na indústria a máquina

102 103
A Criminologia Radical e a Forma Legal do Controle Social A Criminologia Radical e a Forma Legal do Controle Social

(formal) entre capital e trabalho assalariado. Esse transformação do aparelho estatal inflacionou a ordem
fenômeno, definido como “despotismo da legalidade” por legal com leis de emergência e seus complementos
Kinsey, é marcado pelas seguintes situações: a) remoção burocráticos – o fenômeno descrito como mudança da
da aparência de coerção do trabalhador, substituída pela generalidade para especificidade –, especialmente pela
adesão querida, o “comprometimento voluntário”, o “instrumentalização política” do Direito em “planos de
trabalho “como direito” do trabalhador; b) administração desenvolvimento” e estratégias de “segurança nacional”.
científica do homem, com detalhamento do tempo e do A posição do Estado, árbitro “imparcial e autônomo”,
movimento, para formação do “gorila treinado”, dócil e subordinado aos representantes do povo e ao Judiciário,
eficiente, movido pelo sistema de “estímulo-recompensa” no capitalismo liberal, transforma-se na era do capitalismo
da psicologia behaviorista; c) o trabalhador, como força monopolista: o Executivo subordinado aos monopólios, o
de trabalho à disposição integral do capital, no mercado e Legislativo submetido ao Executivo e a crise nas “funções
na fábrica, em pensamentos e desejos, capaz de “produzir ideológicas” do Direito, com a abolição da separação dos
47 toneladas de aço por dia... e sentir-se feliz!” – como poderes e a descrença no “poder do Direito” como disciplina
pretendia F.W. Taylor (Kinsey, 1979, p. 58-59). social (Bourjol et alii, 1978, p. 61-65). O desequilíbrio da
economia do poder e a ineficácia da “tecnologia” do controle
A condição primária desse desenvolvimento – e social explicam a psicose social da “violência criminal”: o
do capitalismo como modo de produção de classes – é a aumento da repressão e das restrições à liberdade, o reforço
separação trabalhador/meios de produção, a base da liberdade da ideologia de “lei e ordem”, a ampliação do poder de
de disposição da força de trabalho pelo capitalista e do seu polícia, o maior rigor do judiciário etc. – especialmente
emprego para expandir o capital. Não obstante, subsiste úteis nos períodos de crise econômica, com crescimento das
o problema da subjetividade: a máquina mais sofisticada desigualdades sociais, e de crise política, com o aumento
não trabalha sozinha, necessitando do “homem certo para o de reivindicações operárias, de greves etc. (Bourjol, et alii,
trabalho certo”, capaz de realizar a “maior produtividade” 1978, p. 63; Cirino, 1980, p. 38-52).
com o “maior prazer” (Kinsey, 1979, p. 58-60).
Neste ponto é importante dizer o seguinte: a concepção
A queda tendencial da taxa de lucros nas economias do Direito como fenômeno verdadeiramente “trabalhado”
industrializadas (a partir de 1890), com a elevação da pela luta de classes – e não “mero instrumento” das classes
composição orgânica e a concentração do capital – e o dominantes, ou “reflexo” das relações econômicas, ou
fenômeno conseqüente da socialização do trabalho –, forçou “simples máscara” do poder classista –, ligado a funções
a reestruturação do Estado, de liberal para intervencionista, essenciais de instituição, de mediação e de reprodução
com o objetivo de restabelecer o “equilíbrio” do mercado das relações sociais de produção, com um papel ideológico
e retomar o ritmo de valorização do capital. Essa

104 105
A Criminologia Radical e a Forma Legal do Controle Social A Criminologia Radical e a Forma Legal do Controle Social

aparente relacionado às questões da “neutralidade”, da incapazes de evitar a “onda de crimes” e de agitação social
“proteção geral”, da “igualdade legal” etc., e um papel características das fases de transformações revolucionárias
prático complexo de legitimação da exploração, de garantia da sociedade, definidas erroneamente como épocas de “crise
da propriedade privada dos meios de produção e do produto do Direito” (Bourjol, 1978, p. 48-50).
do trabalho social etc., indica que a “crise” do capitalismo
monopolista pode estar relacionada às funções tradicionais A Criminologia Radical trabalha com a hipótese de
do Direito e do Estado, mas não é determinada pelos que a crise do Direito é determinada pela crise do capitalismo,
sistemas jurídicos e políticos formalizados. Na verdade, como modo de produção de classes: as contradições internas
são as contradições da estrutura econômica das relações de do modo de produção rompem os limites das formas
produção e de circulação da riqueza material que explicam ideológicas da vida social, de modo que o Direito esgota a
as contradições da superestrutura jurídica e política do capacidade de “fragmentação” da solidariedade da classe
Estado, manifestadas na separação dos objetivos ideológicos trabalhadora e o Estado exaure o potencial de domínio
(difusão de representações ilusórias da realidade) e dos político pelos aparelhos tradicionais de controle social.
objetivos práticos do Direito (instituição e reprodução das Nessa fase, a estratégia das classes trabalhadoras consiste
relações sociais de produção): a proteção do trabalhador pela em mobilizar lutas dentro da lei, em torno da lei e, mesmo,
legislação trabalhista representa limitação da exploração da a despeito da lei (Picciotto, 1979, p. 172-77) e, nessas
força de trabalho (objetivo declarado), mas, primariamente, condições, a questão das formas de poder que mediatizam
constitui legitimação da expropriação/apropriação capitalista o domínio do capital assume a maior relevância: para as
de mais-valia (objetivo oculto). Não é difícil identificar os classes trabalhadoras são muito diferentes as condições da
componentes concretos da crise: no âmbito das classes e “democracia liberal” (garantia das liberdades democráticas),
camadas sociais subalternas, a expansão da organização do “bonapartismo” (destruição da legalidade, hipertrofia do
política e do papel econômico da classe trabalhadora, por executivo, parlamento desnaturado e judiciário intimidado)
um lado, e a formação crescente de contingentes de força e do “fascismo” (governo da força bruta e do terror policial
de trabalho excedente, em situação de marginalização do capital monopolista).
econômica, política e social, por outro; no âmbito das classes
As mudanças de conteúdo e forma do poder na
e grupos sociais hegemônicos, a concentração crescente
sociedade capitalista estão ligadas ao desenvolvimento
do poder econômico e político, com a adoção paranóica
da luta de classes: o conteúdo exprime a relação concreta
de métodos tecnocráticos e repressivos de controle social,
entre as classes nos processos produtivos (exploração
capazes de prevenir temporariamente mudanças sociais
ou superexploração do trabalho) e a forma expressa a
democratizadoras – ou seja, de adequar as relações de
correlação de poder no conjunto da sociedade (liberdades
produção ao desenvolvimento das forças produtivas –, mas
formais, repressão “legalizada” ou ditadura terrorista). A

106 107
A Criminologia Radical e a Forma Legal do Controle Social

democracia liberal é condição necessária para o projeto VI. A Criminologia Radical e Alter-
político das classes trabalhadoras (garantia de organização
autônoma, de direitos políticos, etc.), ao contrário da nativas do Controle Social
burguesia monopolista, nacional e transnacional, para a qual
a democracia parece “supérflua” e, às vezes, francamente
incômoda (Young, 1979, p. 26 e ss.). É fundamental A Criminologia Radical define as instituições de
distinguir a regulação das relações sociais pela força bruta controle social como instituições acessórias da formação
(fascismo), por aparelhos burocrático-administrativos social, situadas na esfera de circulação, o “éden dos direitos
(bonapartismo) ou por poderes independentes (democracia humanos, da liberdade, da igualdade, da propriedade e de
liberal) – e qualquer negligência nessas questões desarma Bentham” (Marx, 1972, p. 196). A instituição principal da
os setores populares e democráticos diante do fascismo, formação social situa-se na esfera de produção: a fábrica,
excluindo a tática da “frente popular”, a forma histórica de onde o trabalho se subordina à valorização do capital e
luta política contra a consolidação da ditadura terrorista dos a troca de equivalentes se transforma em exploração de
setores mais reacionários e retrógrados do capital financeiro classe, com o capitalista trocando dinheiro por trabalho
(Fine, 1979, p. 32 e ss.; Dimitrov. 1978, p. 11 e ss.) vivo, e o trabalhador, força de trabalho por salário. A lei da
apropriação privada se transforma no seu oposto: sua forma
Finalmente, a teoria radical do Direito admite que a é a constante compra e venda da força de trabalho (contrato)
ruptura das relações de produção capitalistas, um fenômeno e seu conteúdo, a constante apropriação de mais-valia
de luta de classes liberador de elementos já existentes na (exploração) (Marx, 1972, 196-97; Fine, 1979, p. 41 e ss.).
sociedade, é condição necessária, mas insuficiente para Este é o ponto de incidência do controle social, a origem e
superar as formas legais do controle social: a sobrevivência o centro de convergência da disciplina jurídica, o objetivo
da forma jurídica no socialismo vincula-se à subsistência real dos mecanismos de dominação e a base concreta do
da produção de mercadorias e à correspondente medida de poder político, na moderna sociedade capitalista.
retribuição do trabalho (equivalente por equivalente), com
as diferenças indicadas. A contradição entre liberdade política (esfera de
circulação) e escravidão social (esfera de produção) é
controlada e reproduzida pelas instituições acessórias
da formação social: a instituição penitenciária, principal
instituição acessória, garante a extração de mais-valia
na estrutura econômica e a reprodução das condições de
produção capitalistas, baseadas na separação trabalhador/

108 109
A Criminologia Radical e Alternativas do Controle Social A Criminologia Radical e Alternativas do Controle Social

meios de produção; as outras instituições de controle de trabalho; a competição no mercado de trabalho mantém o
social, como escola, família, meios de comunicação etc., valor do salário no mínimo indispensável para a reprodução
reproduzem a força de trabalho adequada às necessidades da força de trabalho – e, portanto, no máximo possível para
da produção. De um modo geral, a custódia, a coação, a valorização do capital: o exército de reserva – e sua pressão
instrução etc., nas instituições de controle social, objetivam, sobre o exército ativo do trabalho, como uma barreira contra
primariamente, a formação da massa de trabalhadores e, suas pretensões salariais – é um aspecto essencial dessa
secundariamente, sua adequação e disciplina como força competição (Lea, 1979, p. 78).
de trabalho, com as condições de docilidade e utilidade
necessárias: essa a ligação oculta entre fábrica, nas relações As instituições de controle social são explicáveis
de produção, e prisão, escola, família etc., nas relações de como estruturas de autoridade e de disciplina: a religião,
circulação (Melossi, 1979, p. 90-92). na sociedade medieval; o mercado – cujos fios invisíveis
ligam o trabalhador à classe capitalista –, a prisão, a escola, a
A adequação do indivíduo à organização capitalista família etc., no capitalismo. Entre as funções das instituições
do trabalho requer a sua “redefinição” como trabalhador. acessórias da fábrica está a “organização do consenso”,
As técnicas dessa redefinição são as “táticas disciplinares” aquela aparência “natural” assumida pela ideologia na
reproduzidas pela ideologia dominante e aplicadas pelas consciência do trabalhador, enquanto o reproduz como
instituições de controle social, produzindo e reproduzindo força de trabalho. A família, por exemplo, uma das bases
força de trabalho, o “capital variável” das relações de sociais de organização do consenso, canaliza os “instintos
produção (Melossi, 1979, p. 92-93). O controle social conforme as necessidades sociais”: a socialização primária
da força de trabalho começa no mercado, onde a classe na família está ligada à organização capitalista do trabalho,
trabalhadora existe como apêndice do capital, subordinada através da reprodução e adequação da força de trabalho,
pelos “fios invisíveis” da aparência de liberdade: a liberdade com o desenvolvimento de habilidades, a aprendizagem de
de trocar de empregador individual (aparência) é desfeita técnicas de trabalho, a “constituição física da personalidade”
pela vinculação da força de trabalho ao conjunto da classe etc., a base de reforço posterior da socialização secundária
capitalista (realidade). O mais importante “fio invisível” da escola, da prisão etc. (Melossi, 1979, p. 93-94).
de subordinação da classe trabalhadora é a separação
trabalhador/meios de produção, base das relações de A concentração do capital (aumento do capital
produção capitalistas, seguido pela dependência do salário constante e formação de monopólios) e a socialização
e pela competição no mercado de trabalho: a dependência do trabalho (generalização da dependência econômica)
do salário decorre da necessidade de consumo individual, produziram a “crise do controle social” do capitalismo
cuja constante renovação requer a constante venda da força monopolista (Melossi, 1979, p. 94; Lea, 1979, p. 84 e ss.),

110 111
A Criminologia Radical e Alternativas do Controle Social A Criminologia Radical e Alternativas do Controle Social

indicada por alguns fenômenos: na esfera de produção, a entre política do controle social e organização capitalista
“racionalidade técnica” dos processos produtivos fundiu do trabalho, produziram efeitos de ruptura do papel
a autoridade do capitalista com a tecnologia, enquanto a tradicional da escola (reprodução da ideologia do controle)
“organização científica” do trabalho subjugou instintos e estimularam a coordenação do movimento de presos com
naturais, criando hábitos de ordem e exatidão; na esfera de as lutas das classes trabalhadoras (Melossi, 1979, p. 95-99).
circulação, as decisões sobre preços, mercado, ideologia do
consenso etc., subordinaram-se às exigências da esfera de No quadro geral das lutas políticas e ideológicas
produção, com a revitalização das instituições tradicionais da segunda metade do século XX, a estratégia do capital
de controle (prisão, polícia, família, escola, justiça etc.), parece definível em duas linhas principais: defesa do nível
a criação de novos instrumentos de controle (meios de de exploração do trabalho e de lucro; procura de formas
comunicação de massa, sistemas sofisticados de vigilância, “alternativas” de subordinação da classe trabalhadora –
polícias particulares etc.) e a reconstrução da cidade como ou seja, de novas modalidades de controle social. Em
fábrica, transformada em local de controle sob hegemonia face disso, as linhas de pesquisa da Criminologia Radical
da fábrica (Melossi, 1979, p. 94-95). se inserem nas relações entre as esferas de produção
(fábrica) e de circulação (instituições de controle), com o
As transformações mais importantes do sistema objetivo de desenvolver estratégias capazes de conjugar
punitivo no capitalismo monopolista foram as seguintes: a militância dos trabalhadores com outros movimentos
a) a política penal introduziu os substitutivos penais, como de massas (presos, estudantes, libertação da mulher etc.)
o sursis, o livramento condicional, as prisões abertas etc. – e de coordenar a luta contra o uso capitalista do Estado
reduzindo a prisão mas ampliando o controle da população e a luta contra a organização capitalista do trabalho,
criminalizada, ou seja, a redução da prisão estendeu o incorporando e instruindo as teses centrais dos partidos
controle para a comunidade; b) a instituição carcerária, operários (Melossi, 1979, p. 96-99).
enredada em contradições internas insolúveis, evoluiu para
alternativas excludentes: ou aparelho produtivo modelado A discussão tradicional sobre alternativas à prisão –
pela fábrica, com a perda do poder intimidante da pena, normalmente, sobre custos relativos entre formas tradicionais
ou puro instrumento de terror, abandonando a ideologia e novas formas de controle – proclama a necessidade de
da ressocialização – aliás, a tendência dominante, pela métodos mais adequados que o encarceramento, com as
exclusão do tratamento compulsório (Fragoso et alii, 1980, exceções costumeiras de criminosos violentos, psicopatas
p. 37-38). Por outro lado, o abalo das “instituições totais” etc. A redefinição de estratégias de controle social passa
com as revoltas nas prisões, o movimento da antipsiquiatria pelas medidas de descriminalização e despenalização para
e a percepção (pelas massas populares) da convergência se consumar em políticas de substitutivos penais, como
suspensão condicional da pena, livramento condicional,

112 113
A Criminologia Radical e Alternativas do Controle Social A Criminologia Radical e Alternativas do Controle Social

formas não institucionalizadas de sanção etc., em um etc., negligenciando completamente o revigoramento do


movimento da prisão para a comunidade, definido na sistema punitivo, a partir de 1970, com sentenças mais
relação “desencarceramento/tratamento comunitário” longas, aumento da população das prisões, recrudescimento
(Mathews, 1979, p. 100-15). Argumentos humanitários das campanhas pela restauração da pena de morte etc.
(crítica científica aos inconvenientes da prisão), técnicos (Speiglman, 1979, p. 70.)
(uso de drogas psicoativas) e economicistas (crise fiscal)
dos anos 70 explicam o fenômeno como política do A aparência liberalizante da estratégia de
Estado de fechamento de prisões, reformatórios e asilos, desinstitucionalização esconde (e não por acaso) uma
em um processo de desinstitucionalização caracterizado política de reforço da prisão, legitimada como último
pela “expulsão física dos internos”, com a redução recurso, necessária para os “casos mais duros” e na qual
geral da população carcerária por cortes orçamentários, podem ser convertidas todas as medidas alternativas, cuja
reclassificação de detentos, descriminalização, ampliação eficácia pressupõe a possibilidade e a legitimidade de sua
do poder discricionário do juiz, da polícia etc. (Scull, 1979) conversibilidade em prisão. O controle se diversifica e se
– cujo pressuposto material é a existência de uma infra- amplia, em uma gradação da forma menos rigorosa para a mais
estrutura de assistência capaz de permitir a implementação rigorosa, compondo o “arquipélago carcerário” de Foucault,
de programas alternativos de controle comunitário. com mais pessoas controladas. Conseqüentemente, questões
políticas como o “recorte jurídico” dos tipos criminais,
A tese de Scull, por exemplo, procura relacionar ou distorções classistas do sistema penal, que incrimina,
transformações do controle social com mudanças da seletiva e desnecessariamente, indivíduos marginalizados,
economia política, mostrando a contradição entre as são deslocadas ou obscurecidas pela aparência “liberal”
funções de acumulação do capital, com proteção da das novas formas de controle (Mathews, 1979, P. 112-13).
riqueza por medidas repressivas, e de legitimação do
capital monopolista, pela necessidade de apoio político As transformações contemporâneas da política de
das classes trabalhadoras (Speiglman, 1979, p. 67-68). A controle social parecem seguir três direções básicas: a) de
preocupação de desmistificar explicações tradicionais do expansão para maior número de pessoas em relação com
processo de desinstitucionalização (humanismo, progressos ou contidas no sistema formal de controle, especialmente
técnicos etc.) conduz ao exagero oposto da “crise fiscal”. A jovens e primários; b) de aceleração na “passagem” pelo
reversão da expansão da prisão, na década de 60, residiria sistema, com as técnicas de controle social imitando as
em mudanças no mercado de trabalho, resultantes de técnicas de produção em série da indústria, processando
aumento dos “encargos sociais” do capital, da melhoria maior quantidade de pessoas na mesma unidade de tempo;
salarial, da política de pacificação da classe trabalhadora c) de bifurcação do sistema: controle não-segregado de

114 115
A Criminologia Radical e Alternativas do Controle Social A Criminologia Radical e Alternativas do Controle Social

autores de crimes leves, de um lado, e controle segregado período da sociedade capitalista, fundada na explicação da
mais rigoroso de autores de crimes graves – que ocupam criminalidade pela posição social do autor: a) a criminalidade
imediatamente as vagas daqueles –, com problemas das classes dominadas, caracterizada pela violência pessoal,
adicionais de controle, segurança e disciplina (Mathews, patrimonial e sexual, constituiria resposta individual
1979, p. 107-9). inadequada de sujeitos em posição social desvantajosa; b)
a criminalidade das classes dominantes, caracterizada pela
A evolução da prisão, de instituição principal de fraude econômico-financeira e pela corrupção político-
controle no capitalismo competitivo para último recurso administrativa, seria explicada pela articulação funcional
no capitalismo monopolista, assim como a transformação da estrutura econômica (acumulação legal e ilegal do
de suas relações com as outras instituições acessórias capital) com as superestruturas jurídicas e políticas do
da fábrica – escola, família, meios de comunicação de Estado, mediante controle dos processos de incriminação
massa etc. –, completa o circuito de integração “fábrica/ legal e de criminalização processual (Baratta, 1978, p.
sociedade”, a base da nova ordem de controle social, que 14-15; Cirino, 1979, p. 29-31). A separação estrutural da
reforça e amplia o poder do capital (Melossi, 1979, p. 98). criminalidade pela posição de classe do autor explica a
A crise geral do capitalismo, ligada às necessidades de divergência programática da política penal do Estado, como
acumulação do capital e aos problemas de novas ofensivas estratégia das classes dominantes, e da política criminal
contra a organização da classe trabalhadora, produziu uma alternativa da Criminologia Radical, como estratégia das
ampliação do controle social, através de seu deslocamento classes dominadas: a) política penal oficial, circunscrita às
de setores não-produtivos – a prisão, área de circulação relações de distribuição, é delimitada pelos processos de
– para setores produtivos – o mercado de trabalho, área criminalização e de estigmatização penal, em que a definição
do tratamento comunitário. O movimento de deslocação de crimes, a aplicação da lei penal e a execução das penas
da estratégia de controle, da prisão (principal instituição e medidas de segurança objetiva o controle das classes
acessória da fábrica) para a cidade (área de reprodução da dominadas e a disciplina da força de trabalho – revigorada
força de trabalho saudável, disciplinada e educada), trouxe e ampliada pelas formas alternativas de controle social,
consigo um controle mais generalizado e mais intenso, como os substitutivos penais; b) a política criminal radical,
com maior vigilância e maior rigor punitivo (Mathews, fundada nas relações de produção, objetiva transformar a
1979, p. 105-15). estrutura econômica e as superestruturas jurídicas e políticas
do capitalismo, mediatizada pela redução das desigualdades
A Criminologia Radical, erigindo sua teoria com sociais na área do sistema de justiça criminal, a ampliação da
base no modo de produção da vida social, apresenta democracia nas relações de poder político e a promoção do
uma alternativa democrática para o controle social no contrapoder proletário, pelo desenvolvimento da consciência

116 117
A Criminologia Radical e Alternativas do Controle Social A Criminologia Radical e Alternativas do Controle Social

de classe e da organização política da classe trabalhadora: A estratégia da Criminologia Radical para o sistema
a política de substitutivos penais seria um desdobramento carcerário é, de fato, radical: abolição da prisão. As funções
tático imediato de uma estratégia geral radical (construção reais do aparelho penal, de reprodução das condições de
do socialismo), com um sentido humanista e liberalizante, produção (separação trabalhador/meios de produção), de
por um lado, e o restabelecimento da funcionalidade precária garantia da exploração capitalista (relações de produção),
das relações de dominação, por outro lado, que marcam o com as conseqüências de marginalização social e de
reformismo penal (Baratta, 1978, p. 15-16; Lyra Filho, 1980, desarticulação política da força de trabalho excedente,
p. 6-8; Cirino, 1979, p. 29). somado ao fracasso da ideologia penitenciária (controle
da criminalidade e correção do criminoso), justificam o
A política criminal alternativa da Criminologia objetivo estratégico: a preservação da instituição carcerária
Radical, como desenvolvimento prático de sua crítica só interessa às classes dominantes. Entretanto – além
teórica e ideológica, tem por objeto o sistema de justiça da descriminalização e da despenalização –, o objetivo
criminal (processo de criminalização e sistema carcerário) e estratégico de abolição da prisão requer mediações políticas
a opinião pública, fonte de legitimação ideológica da política táticas, como a extensão das medidas alternativas da
penal oficial. A proposta para o processo de criminalização, pena e a abertura do cárcere para a sociedade. As formas
comprometida com a redução das desigualdades de classe alternativas da suspensão condicional da pena, do livramento
(variável determinante da criminalização), segue duas condicional, dos regimes de liberdade e de semiliberdade
direções: a) uma política de criminalização e de penalização da etc., são plenamente justificadas como etapas de aproximação
criminalidade das classes dominantes, como a criminalidade do objetivo estratégico final. A abertura do cárcere para a
econômico-financeira, o abuso de poder político, a corrupção sociedade limita as conseqüências de marginalização e
administrativa, as práticas anti-sociais em áreas da segurança desarticulação política promovidas pelo sistema carcerário,
do trabalho, da saúde pública, da ecologia, da economia possibilitando a reintegração do condenado em sua classe – e,
popular e do patrimônio social e estatal; b) uma política de portanto, na sociedade de classes –, pela ação coordenada de
descriminalização e despenalização da criminalidade das associações de presos e de organizações dos trabalhadores,
classes dominadas, mediante a contração do sistema punitivo como partidos políticos, sindicatos, comitês de fábrica,
em crimes de bagatela, crimes punidos com detenção ou de associações de bairros etc., transferindo o processo de
ação penal privada, crimes políticos e de opinião, drogas ressocialização da prisão (Estado) para a comunidade.
etc., com substituição de sanções estigmatizantes por não- Esse desdobramento é a alternativa radical ao “mito” da
estigmatizantes nos demais casos (Baratta, 1978, p. 15-16; reeducação penal: se o crime é uma resposta pessoal (não
Cirino, 12979, p. 31). política) às condições estruturais adversas, então a correção
do criminoso pressupõe o desenvolvimento da consciência

118 119
A Criminologia Radical e Alternativas do Controle Social A Criminologia Radical e Alternativas do Controle Social

de classe e sua (re)integração nas lutas coletivas econômicas garantias legais do processo de criminalização, como os
e políticas da classe trabalhadora e do conjunto das camadas princípios da legalidade, da culpabilidade, do contraditório
sociais inferiores (Baratta, 1978, p. 17). processual e da presunção de inocência, a garantia de
sentença fundamentada, de hipóteses estritas de prisão etc. e
A legitimação da política penal oficial perante outras conquistas democráticas incorporadas ao patrimônio
a opinião pública compreende processos psicológicos histórico da humanidade. A política criminal radical
representados pelas teorias vulgares da criminalidade, assimila e amplia essas garantias formais na direção geral
pelo estereótipo do criminoso etc. e processos ideológicos da democratização do sistema de justiça criminal: respeito à
representados pela ideologia de “lei e ordem”, pelos “mitos” integridade física e psíquica do preso, garantia dos direitos
da igualdade legal e da proteção geral, pelos sentimentos subsistentes do condenado (todos, exceto a liberdade), como
de “unidade” na luta contra o “inimigo interno” (crime) trabalho, educação, alimentação, recreação, vida sexual
etc. Os processos psicológicos e ideológicos da opinião regular, comunicação etc. (Fragoso et alii, 1980, p. 31-42).
pública, reproduzindo representações da criminalidade
subordinadas à ideologia da classe dominante, condicionam Essas parecem ser, em linhas gerais, as bases atuais
a tarefa da Criminologia Radical, nessa área: inverter as do questionamento teórico e do posicionamento prático
relações de hegemonia ideológica, no sentido gramsciano da Criminologia Radial. Sobre essas bases a Criminologia
de dominação e direção, mediante a crítica sistemática das Radical pretende se constituir, não como outra “criminologia
superestruturas de controle, a intensificação da produção da repressão”, mas como a única Criminologia da Libertação.
científica na perspectiva teórica e ideológica radical e a
difusão de informações acessíveis ao consumo público, É na direção das teses centrais da Criminologia
provendo bases para “discussões de massa” da questão Radical, com maior ou menor adequação científica e
criminal e a superação definitiva do teoricismo criticista ideológica, que se desenvolve a mais criativa produção
de intelectuais progressistas através de uma prática social científica contemporânea, na área do crime e do controle
transformadora (Baratta, 1978, p. 18-19). social. Hoje, a produção teórica radical não está limitada
às regiões desenvolvidas e industrializadas, com um
A ampliação do sistema punitivo na direção da proletariado forte e organizado, mas cresce, rapidamente,
criminalidade das elites de poder econômico e político nos países subdesenvolvidos e dependentes do Terceiro
não se confunde com “reformismo pan-penalista” Mundo, à medida em que se desenvolvem as contradições
(supervalorização do direito penal), assim como a contração com o imperialismo internacional e (no âmbito interno)
do sistema punitivo em face da criminalidade das classes entre capital e trabalho assalariado: por exemplo, Rosa del
e camadas sociais subalternas não significa abandono das Olmo, Argenis Riera, Lola Aniyar, Emiro Sandoval, Roberto

120 121
A Criminologia Radical e Alternativas do Controle Social

Bergalli e Roberto Lyra Filho são algumas das figuras mais VII. Conclusões
representativas da proposta alternativa na América Latina.
As conclusões deste trabalho encontram-se dispersas no
O presente trabalho teve o propósito de contribuir texto, em geral como arremate das discussões dos temas
para uma compreensão mais adequada das bases científicas, estudados, mas podem ser assim resumidas:
dos compromissos ideológicos e do programa político geral 1
da Criminologia Radical, relativamente desconhecidos no Criminologia Radical se distingue de outras criminologias
Brasil. Paralelamente, pode ser entendido como um acerto pela natureza do objeto de estudo, pelo método dialético de
de contas com a ideologia da criminologia tradicional, o estudo desse objeto, pelas teorias gerais sobre sua existência
pressuposto crítico da formação de um quadro teórico capaz e desenvolvimento, pela base social de seus compromissos
de orientar uma prática social transformadora nos países ideológicos, por seus objetivos políticos estratégicos e
subdesenvolvidos e dependentes da América Latina. táticos e por seu programa alternativo de política criminal.
A Criminologia Radical tem por objeto geral as relações
sociais de produção (estrutura de classes) e de reprodução
político-jurídica (superestruturas de controle) da formação
social, que produzem e reproduzem seu objeto específico de
conhecimento científico: o crime e o controle social.

As contradições de classes na formação social


vinculam o controle do crime às relações de produção na
estrutura econômica, determinando a ligação da criminologia
com a economia, e de ambas com a política, corrigindo a
distorção positivista que separa a estrutura econômica das
superestruturas jurídicas e políticas do Estado, mistificando
o conjunto das relações sociais.

O processo de criminalização, nos componentes


de produção e de aplicação de normas penais, protege
seletivamente os interesses das classes dominantes, pré-
seleciona os indivíduos estigmatizáveis distribuídos
pelas classes e categorias sociais subalternas e, portanto,

122 123
Conclusões Conclusões

administra a punição pela posição de classe do autor, a primários do comportamento criminoso, a posição de classe
variável independente que determina a imunidade das como variável decisiva do processo de criminalização
elites de poder econômico e político e a repressão das e a necessidade de sobrevivência animal em condições
massas miserabilizadas e sem poder das periferias urbanas, de privação material como a origem da vinculação do
especialmente as camadas marginalizadas do mercado de trabalhador no trabalho assalariado e do desempregado no
trabalho, complementada pelas variáveis intervenientes da crime.
posição precária no mercado de trabalho e da subsocialização
– fenômeno definido como administração diferencial da 2. A base social da Criminologia Radical é constituída
criminalidade. pelas classes trabalhadoras, o que explica (a) o compromisso
de luta contra o imperialismo, a exploração capitalista, o
O processo de execução penal representado pelo racismo e todas as formas de discriminação e de opressão
sistema carcerário garante a matriz das desigualdades social, (b) o objetivo estratégico de construção do
sociais – a separação trabalhador/meios de produção – socialismo e (c) a tarefa científica de elaboração de uma
e reproduz a marginalização social, como qualificação teoria materialista do Direito e do crime, na sociedade
negativa pela posição estrutural fora do mercado de trabalho capitalista.
e pela imposição superestrutural de sanções dentro do
aparelho punitivo. O objetivo estratégico da Criminologia Radical
postula a socialização dos meios de produção como pré-
1. A abordagem teórica do autor (sujeito livre condição da abolição das desigualdades econômicas e
na criminologia clássica, ou sujeito determinado no políticas e do controle, redução e eliminação gradativa da
positivismo biológico), do ambiente do autor (limitações criminalidade estrutural e individual.
e condicionamentos familiares, econômicos, culturais etc.,
do positivismo sociológico) e das percepções e atitudes O trabalho científico da Criminologia Radical tem por
do autor (interações, reações e rotulações sociais, das base (a) o conceito de Direito como lei do modo de produção
fenomenologias do crime) é transposta pela Criminologia da vida material, que institui e reproduz as relações sociais
Radical para as relações de classes na estrutura econômica de classes e (b) o conceito de Estado como organização
e nas superestruturas jurídicas e políticas de poder da política do poder das classes hegemônicas, que controla as
formação social: o método dialético adotado estuda o relações sociais nos limites do modo de produção dominante
crime e o controle social no contexto da base material e na formação social – fenômenos jurídico-políticos
das superestruturas ideológicas do capitalismo, indicando superestruturais condicionados pelas relações de produção
as desigualdades econômicas como determinantes e hegemonizados pelas classes que dominam essas relações,

124 125
Conclusões Conclusões

como o aspecto principal da contradição social. todo sistema de produção adota o sistema de punição que
corresponde às suas relações produtivas, ou inversamente,
A Criminologia Radical, com base nas contradições todo sistema punitivo se enraíza no sistema de produção
de classes da sociedade, distingue (a) um conceito burguês da estrutura econômica da sociedade; b) o mercado de
de crime, correspondente à posição de classe da burguesia na trabalho é a principal categoria explicativa do sistema
formação social capitalista, representado pela definição legal punitivo, mostrando que em situação de força de trabalho
de crime, em que predominam ações contrárias às relações insuficiente os sistemas econômico e punitivo a preservam;
de produção capitalistas e (b) um conceito proletário de ao contrário, em situação de força de trabalho excedente os
crime, correspondente à posição de classe dos trabalhadores sistemas econômico e punitivo a destroem.
assalariados na formação social capitalista, representado
por definições reais de relações sociais danosas, em que 6. A Criminologia Radical estuda a forma legal de
predominam ações contrárias à segurança pessoal e à disciplina social a partir de sua base histórica objetiva:
igualdade social, econômica e política das camadas sociais a forma igual do Direito se fundamenta na troca de
inferiorizadas, mudando o foco da forma legal para as equivalentes da sociedade de produção de mercadorias e
condições estruturais, necessárias e suficientes, do crime. a forma livre do sujeito tem origem no consumo produtivo
da força de trabalho, que funde a forma sujeito, definido
5. A Criminologia Radical distingue objetivos como livre e igual na esfera de circulação, com a forma
ideológicos aparentes do sistema punitivo (repressão da mercadoria, expressão de coação e desigualdade na esfera
criminalidade, controle e redução do crime e ressocialização de produção.
do criminoso) e objetivos reais ocultos do sistema
punitivo (reprodução das relações de produção e da massa A categoria geral explicativa do Direito, capaz de
criminalizada), demonstrando que o fracasso histórico esclarecer as relações entre a aparência e a realidade de
do sistema penal limita-se aos objetivos ideológicos suas funções, é o conceito de modo de produção da vida
aparentes, porque os objetivos reais ocultos do sistema material: a proteção da liberdade e da igualdade na esfera
punitivo representam o êxito histórico absoluto desse de circulação esconde a dominação política e a exploração
aparelho de reprodução do poder econômico e político da econômica de classe na esfera de produção. O Direito,
sociedade capitalista. como relação social objetiva, realiza funções ideológicas
aparentes de proteção da igualdade e da liberdade e
A inserção metodológica da política de controle do funções reais ocultas de instituição e reprodução das
crime nas relações estruturais da formação social permite relações sociais de produção: a desigualdade das relações
erigir as seguintes hipóteses radicais de trabalho teórico: a) de classes (exploração) e a coação das relações econômicas

126 127
Conclusões Conclusões

(dominação) é o conteúdo instituído e reproduzido pela O sistema punitivo constituído pela polícia, justiça
forma livre e igual do Direito. e prisão, como o mais importante aparelho de controle
social, garante os fundamentos e reproduz as condições de
A Criminologia Radical explica as crises do Direito no produção da fábrica, baseadas na separação trabalhador/
capitalismo monopolista como expressão de desajustes entre meios de produção – enquanto a família, a escola, os meios
sistema normativo e relações sociais históricas concretas, de comunicação e outras instituições complementares
determinadas pela concentração do poder econômico e de controle social cuidam da formação da massa de
político do capital financeiro, reproduzido por leis opressivas trabalhadores e de sua adequação às necessidades materiais
e métodos repressivos, e pela expansão da organização e intelectuais dos processos produtivos.
política e do papel econômico da classe trabalhadora, com
a formação paralela de excedentes progressivos de mão- As transformações contemporâneas do sistema de
de-obra excluídos do mercado de trabalho e da sociedade controle social são o resultado de contradições internas entre
de consumo, rompendo os limites das formas jurídicas e o sistema punitivo e a estrutura de classes da sociedade:
políticas de controle social. por um lado, a prisão parece abandonar a ideologia
do tratamento, constituindo-se menos como aparelho
7. A concepção de sociedade como formação econômico- produtivo e mais como instrumento de terror; por outro
social erigida sobre uma base estrutural constituída pelas lado, a convergência entre a ideologia do controle social e a
relações de classes nos processos produtivos e regida organização capitalista do trabalho engendrou a política dos
por sistemas ideológicos superestruturais jurídicos e substitutivos penais: o “arquipélago carcerário” se ampliou
políticos do Estado é o fundamento da definição da fábrica de setores não-produtivos (a prisão, instrumento de terror)
como instituição principal da sociedade capitalista, e da para setores produtivos da sociedade (o mercado de trabalho,
definição dos sistemas de controle social como instituições área dos substitutivos penais).
acessórias da fábrica.
8. A política criminal alternativa da Criminologia
A fábrica, instituição das relações de produção, realiza Radical, como meio de reduzir as desigualdades de classes
um conteúdo de permanente expropriação de mais-valia no processo de criminalização e de limitar as conseqüências
(exploração), sob a forma de constante compra e venda de marginalização social do processo de execução penal,
da força de trabalho (contrato): as relações de classes nos distingue a criminalidade das classes dominantes, entendida
processos produtivos são o ponto de incidência, o centro de como articulação funcional da estrutura econômica com as
convergência e o objetivo real das instituições e mecanismos superestruturas jurídico-políticas da sociedade, de um lado,
de controle social. e a criminalidade das classes dominadas, definida como

128 129
Conclusões

resposta individual inadequada de sujeitos em posição social BIBLIOGRAFIA


desvantajosa, de outro lado, propondo o seguinte:
- Aniyar de C., L. - Criminologia de la reacción social.
a) no processo de criminalização, (1) a penalização da Maracaibo: Universidad del Zulia, 1977.
criminalidade econômica e política das classes dominantes, - ______________ - Sistema penal e sistema social:
com ampliação do sistema punitivo e (2) a despenalização criminalização e descriminalização como funções do
da criminalidade típica das classes e categorias sociais mesmo processo. Revista de Direito Penal, 1981, 30.
subalternas, com contração do sistema punitivo e substituição - Baratta, A. - Criminologia crítica e política criminal
de sanções estigmatizantes por não-estigmatizantes; alternativa. Revista de Direito Penal. 1978, 23, p.
7-21.
b) no processo de execução penal, mediatizada pela - ________ - Crimilogia liberale e ideologia della
mais ampla extensão das medidas alternativas da pena e pela difesa sociale. La Questione Criminale, 1975, 1.
abertura do cárcere para a sociedade, a abolição da prisão: - Basaglia, F. e Basaglia, F. - Violência en la marginalidad
se o crime é resposta pessoal de sujeitos em condições (el hombre en la picota). In Los rostros de la violência.
sociais adversas, a correção do criminoso – e a prevenção Maracaibo: Universidad del Zulia, 1976.
do crime – depende do desenvolvimento da consciência de - Becker, H. - Outsiders: studies in the sociology of
classe e da reintegração do condenado nas lutas econômicas deviance. New York: Free Press, 1963.
e políticas de classe. - Bourjol, M.; Dujardin, Ph.; Gleizal, J.J.; Jeammaud,
A.; Jeantin, M.; Mialle, M. e Michel, J. - Pour une
São tarefas complementares da política criminal critique dudroit.Grenoble: François Maspero, 1978.
alternativa da Criminologia Radical (a) conjugar os - Bustamante, J. A. - The wetback as deviant: an
movimentos de presos com as lutas dos trabalhadores, (b) application of labeling theory. In E. Rubington e M.
inverter a direção ideológica dos processos de formação da S. Weinberg (Ed.) The study of social problems. New
opinião pública pela intensificação da produção científica York: Oxford University Press, 1977.
radical e a difusão de informações sobre a ideologia do - Chambliss, W. J. - A economia política do crime: um
controle social, (c) coordenar as lutas contra o uso capitalista estudo comparativo da Nigéria e dos Estados Unidos.
do Estado e a organização capitalista do trabalho e (d) In I Taylor, P. Walton e J. Young (Ed), Criminologia
desenvolver o contrapoder proletário. Crítica. Rio: Graal, 1980.
- Chapman, D. - Sociology and the stereotype of the
criminal. Londres: Tavistock Publications, 1968.
- Cirino dos Santos, J. - A Criminologia da repressão.

130 131
A Criminologia Radical Bibliografia

Rio: Forense, 1979. - Goffman, E. - Asylums. New York: Penguin Books,


- ________________ - Defesa social e desenvolvimento. 1970.
Revista de Direito Penal, 1979, 26, p. 19-32. - Gouldner. A. - The coming crisis of western sociology.
- ________________­- Violência institucional. Revista Londres: Heinemann, 1971.
de Direito Penal, 1980, 28, p. 38-52. - Gramsci, A. - Maquiavel, a política e o estado
- Davis, A. - Political prisoners, prisons and black moderno. Rio: Civilização Brasileira, 1972.
liberation. In A.Y. Davis (Ed.) If they come in the - European Group for the Study of Deviance and Social
morning. New York: The New American Library, Control. - Manifesto. Crime and social Justice, 1972,
Inc., 1971. 7, p. 59-60.
- Dimitrov, G. - A unidade operária contra o fascismo. - Herbermas, J. - Towards a racional society. Londres:
Contagem (MG): Editora História, 1978. Heinemann, 1971.
- Durkheim, E. - The division of labour in society. New - Hartjen, C. - Legalism and humanism: a reply to the
York: Free Press, 1964. Schwendingers. Issues in Criminology, 1977, 2, p.
- Engels, F. - A origem da família, da propriedade 76-101.
privada e do estado. São Paulo: Civilização - Holloway, J. e Picciotto, S. - Capital, crisis and the
Brasileira, 1974. state. Capital and Class, 1977, 2, p. 76-101.
- Fine, B.; Kinsey, R.; Lea, J.; Picciotto, S. e Young, - Jackson, G. - Towards the united front. In A. Y. Davis
J. (Ed.) - Capitalism and the rule of law. Londres: (Ed.) If they come in the morning. New York: The
Hutchinson, 1979. New American Library, Inc., 1971.
- Fine, B. – Law and class. In B. Fine et alii (Ed.), - Jankovic, I. - Labor market and imprisonment. Crime
Capitalism and the rule of law. Londres: Hutchinson, and Social Justice, 1977, 8, p. 17-31.
1979. - Jenkins, R. L. e Hewitth, L. - Types of personality
- _____________. The birth of burgeois punishment. structure encountered in child guidance clinics.
Crime and social Justice, 1980, 13, p. 19-26. American Journal of Orthopsychiatry, de 14-01-44.
- Foucault, M. - Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, - Kinsey, R. - Despotism and legality. In B. Fine et
1977. alli Ed.) Capitalism and the rule of law. Londres:
- Fragoso, H.; Catão, Y. e Sussekind, E. - Direitos dos Hutchinson, 1979.
presos. Rio: Foresne, 1980. - Laing, R. - The divided self. Londres: Tavistock
- Garofalo, J. - Radical criminology and criminal Publications, 1959.
justice: points of divergence and contact. Crime and - Lea, J. - Discipline and capitalist development. In
Social Justice, 1978, 10, p. 18-22. B. Fine et alii (Ed.) , Capitalism and the rule of law.

132 133
A Criminologia Radical Bibliografia

Londres: Hutchinson, 1979. Capitalism and the rule of law. Londres: Hutchinson.
- Lemert, E. - Human deviance, social problems and 1979.
social control. New York: Free Press, 1964. - Mintz, R. - Interview with Ian Taylor, Paul Walton and
- Lenin, V. I. - El etado y la revolucion. In Obras Jock Young. Issues in Criminology, 1974, 9, p. 33-53.
escogidas. Madrid: Akal Editor, 1975. - Newton, H. - Prison, where is thy victory? In A. Y.
- Lyra Filho, R. - Criminologia dialética. Rio: Borsoi, Davis (Ed.) If they come in the morning. New York :
1972. The New American Library. Inc, 1971.
- ___________. - Carta aberta a um jovem crimilólogo: - (del) Olmo, R. - El grupo europeu para el estudio
teoria, práxis e táticas atuais. Revista de Direito Penal, de la desviación y el control social. Relación
1980, 28, p. 5-25. Criminológica, 1976, 16, p. 51-73.
- ___________. O direito que se ensina errado. Brasília: - Pasukanis, E. - A teoria geral do direito e o marxismo.
Centro acadêmico de Direito da UNB, 1980. Lisboa: Perspectiva Jurídica, 1972.
- Marx, K. - O Capital. Rio: Civilização Brasileira. - Pearson, G. - A sociologia do desajuste e a política da
1971. socialização. In I. Taylos, P. Walton e J.Young. (Ed.),
- ___________. - Contribuição para a crítica da Criminologia crítica. Rio: Graal, 1980.
economia política (Prefácio). Lisboa: Editorial - Picciotto, S. - The theory of the state, class struggle
Estampa, 1973. and the rule of law. In B. Fine et alii (Ed.) Capitalism
- ___________. - Teorias da mais-valia. Rio: and the rule of law. Londres: Hutchinson, 1979.
Civilização Brasileira, 1980. - Platt, T. - Perspectivas para uma criminologia radical
- ___________. - O 18 de brumário de Luís Bonaparte. nos EUA. In I. Taylor et alii (Ed.), Criminologia
In textos, I. São Paulo: Edições Sociais, 1975. crítica. Rio: Graal. 1980.
- ___________. - Crítica ao programa de Gotha. In - Poulantzas, N. - State, power and socialism. Londres:
Textos. I. São Paulo: Edições Sociais, 1975. New Left Brooks, 1978.
- Marzotto, M.; Platt, T. e Snare, A. - A reply to Turk. - Rubingon E. e Weinberg, M. S. - The study of social
Crime and Social Justice, 1975, 4, p. 43-45. problems. New York: Oxford University Press, 1977.
- Matza, D. - Becoming deviant. New York: Prentice- - Rusche, G. - Labor market and penal sanction:
Hall, 1969. thoughts on the sociology of criminal justice. Crime
- Mead, G. - Mind, self and society. Chicago: University and social Justice, 1978, 10, p. 2-8.
Press, 1934. - Rusche, G. e Kirchheimer, O. - Punishment and social
- Melossi, D. - Institutions of social control and structure. New York: Russel and Russel, 1968.
capitalist organization of work. In B. Fine et alii (Ed.), - Schur, E. - Crimes without victims: deviant behavior

134 135
A Criminologia Radical Bibliografia

and public policy. New Jersey: Prentice-Hall Inc. - Young, J. - Left idealism, reformism and beyond:
1965, from new criminology to marxism. I B. Fine et
- Schutz, A. - Colllected papers I: the problem of social alii (Ed.), Capitalism and the rule of law. Londres:
reality, In M. Natanson (Ed.) The Hague: Martinus Hutchinson, 1979.
Nijhoff, 1962, - ______________. - A criminologia da classe
- Schwendinger, H. e J. - Defensores da ordem ou trabalhadora. In I. Taylor et alii (Ed.) Criminologia
guardiães dos direitos humanos? In I. Taylor et alii crítica. Rio: Graal, 1980.
(Ed), Criminologia crítica. Rio: Grall, 1980.
- ______________. - Social class and the definition
of crime. Crime and social Justice, 1977, 7, p. 4-13.
- Scull, A. - Decarceration. New Jersey: Prentice-Hall
Inc., 1977.
- Seale, B. (e Huggins, E.). - A message from Prison.
In A.Y. Davis (Ed.), If they come in the morning.
New York: The New American Library, Inc., 1971.
- Speiglman, R. - Andrew Scull: Decarcation. Crime
and Social Justice, 1979, 11, p. 67-70.
- Sutherland, E. e Cressey, D. - Principles of
criminology. New York: Lippincott, 1960.
- Szasz. T. - The myth of mental illness. St. Albans:
Paladin, 1975.
- Taylor, I.; Walton, P. e Young, J. - A criminologia
crítica na Inglaterra: retrospecto e perspectiva. In I.
Taylor et alli (Ed.), Criminologia crítica. Rio: Graal,
1980.
- ______________. - The new criminology. Londres:
Routledge & Kengan Paul, 1973.
- Unger, R. M. - Law in modern society. New York:
Free Press, 1976.
- Versele, S. C. - A cifra dourada da delinqüência.
Revista de Direito Penal, 1980, 27, p. 5-20.

136 137
Índice da Matéria

Sumário...... ..................................................................xiii

I. Introdução ...................................................................1
1. As Teorias Tradicionais .............................................................2
2. A Formação das Teorias Radicais em Criminologia .......................5
3. A Crítica às Teorias Tradicionais ..............................................10
4. Tendências Críticas e Radicais .................................................18

II. A Criminologia Radical .............................................35

III. A Criminologia Radical e o Conceito de Crime .........49

IV. A Criminologia Radical e a Política do Controle


Social .............................................................................61
1. As Determinações Estruturais do Controle Social ........................65
2. A Ideologia do Controle Social ................................................71
3. Os Objetivos do Aparelho Penal ..............................................80

V. A Criminologia Radical e a Forma Legal do Controle


Social .............................................................................87

VI. A Criminologia Radical e Alternativas do Controle


Social ...........................................................................109

VII. Conclusões ............................................................123

139
“Este pequeno livro – talvez um clássico da criminologia
brasileira – mantém plena atualidade científica e ampla
utilidade pedagógica. Entre outras coisas, parece cumprir
a tarefa didática de apresentar aos estudantes e profissio-
nais da Justiça Criminal as premissas ideológicas, os obje-
tivos políticos e os fundamentos científicos da moderna
Criminologia Crítica. Esse papel é a explicação mais razoá-
vel para o rápido esgotamento de sucessivas edições do
livro. Como sempre, A Criminologia Radical é republicada
sem alterações de conteúdo ou de forma: a idéia é preser-
var a originalidade teórica e metodológica de um trabalho
acadêmico produzido no nascedouro de uma revolução do
pensamento científico sobre crime e controle social na so-
ciedade brasileira.”

Juarez Cirino dos Santos


(Nota do Autor para a 4ª edição)

Você também pode gostar