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ARACAJU
2023
THIAGO MOTA PEREIRA
BANCA EXAMINADORA
Professor Orientador
Professor Examinador
Professor Examinador
RESUMO
The present work has as its main theme the Brazilian legal system and the
jurisdiction of the Inter-American Court of Human Rights, as well as analyzing the
case Márcia Barbosa x Brasil. With the central objective of analyzing the trajectory
of human rights and raising cases like this that bring a practical picture for a better
understanding of the universal ideal of human rights, based on inter-American
regional conceptions. Through bibliographical research and literature review, an
attempt was made to outline the whole concept of human rights in its historical
development, fundamental to understanding the institutions and documents created
above all in the post-war context. Through the qualitative and quantitative technique,
the international human rights protection system was described, being more specific
in relation to women, as exemplified by the 'case' under study. The work
demonstrated the relevance both with regard to human rights and also with regard
to regional systems of protection, with emphasis on the inter-American system,
which was deeply analyzed. Finally, it concludes that the presence of the inter-
American regional system as a second-level guarantee of human rights is extremely
important, especially in the Brazilian position within the inter-American system,
despite the fact that the State still has significant gaps for not effectively adhering to
all the norms of the system.
1 INTRODUÇÃO
3 DIREITOS HUMANOS
3.1 Conceito de Pessoa Humana
6. CONCLUSÃO
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. INTRODUÇÃO
Os direitos humanos possui uma longa trajetória até que fosse assim
denominado e aplicado como é nos dias de hoje. Logo, com o intuito de destrinchar
esse percurso e enriquecer ainda mais este estudo, a partir deste momento será
discorrido sobre a historicidade dos direitos humanos e como este tornou-se a
principal proteção do ser humano.
Em confirmação com os dizeres mencionado, inicia-se a pauta com a afirma
do autor Rene Zamlutti (2011), o qual relata que:
Embora não sendo uma declaração de direitos humanos, nos moldes das
que viriam a ser aprovadas cem anos depois nos Estados Unidos e na
França, o Bill of Rights criava, com a divisão de poderes, aquilo que a
doutrina constitucionalista alemã do século XX viria denominar,
sugestivamente, uma garantia institucional, isto é, uma forma de
organização do Estado cuja função, em última análise, é proteger os direitos
fundamentais da pessoa humana. (...) ao limitar os poderes governamentais
e garantir as liberdades individuais, essa lei fundamental suprimiu a maior
parte das peias jurídicas, que embaraçavam a atividade profissional dos
burgueses.(Ob.cit., p.90 e 92).
A adoção dos dois pactos inaugura um novo momento na defesa dos direitos
humanos, mormente no que tange à sua juridicidade, pois, como afirma
Comparato, completava-se, assim, a segunda etapa do processo de
institucionalização dos direitos do homem em âmbito universal e dava-se
início à terceira etapa, relativa à criação de mecanismos de sanção às
violações de direitos humanos. (PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o
direito constitucional internacional, p.275)
Ademais, na Idade Média com a influência dos escritos de Boécio tendo seus
conceitos agrupados ao de Santo Tomás de Aquino, ao início do século VI, ocorreu
a segunda etapa. Nesse ponto, Comparato esclarece que:
No reino dos fins tudo tem ou bem um preço ou bem uma dignidade. O que
tem preço, em seu lugar também se pode pôr outra coisa, enquanto
equivalente; mas o que se eleva acima de todo preço, não permitindo, por
conseguinte, qualquer equivalente, tem uma dignidade. O que se relaciona
com as inclinações e as necessidades humanas em geral tem um preço de
mercado; o que, mesmo sem pressupor uma necessidade, é conforme a um
certo gosto, isto é, um comprazimento com o mero jogo sem visar fins das
forças de nosso ânimo, um preço afetivo; mas o que constitui a condição
sob a qual apenas algo pode ser um fim em si não tem meramente um valor
relativo, isto é, um preço, mas um valor intrínseco, isto é, dignidade.(KANT,
Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes, p. 265.)
A corte tem jurisdição para examinar casos que envolvam a denúncia de que
um Estado - parte violou direito protegido pela Convenção. Se reconhecer
que efetivamente ocorreu a violação à Convenção, determinará a adoção de
medidas que se façam necessárias à restauração do direito então violado. A
corte pode ainda condenar o Estado a pagar uma justa compensação à
vítima. A decisão da corte tem força jurídica vinculante e obrigatória. Se a
corte fixar uma compensação à vítima, a decisão valerá como título executivo,
em conformidade com os procedimentos internos relativos à execução de
sentença desfavorável ao Estado.
Cabe observar, contudo, dois pontos: que o caso somente poderá ser
encaminhado e analisado pela Corte, na hipótese de o Estado - parte reconhecer
mediante declaração expressa e específica, a competência da Corte no tocante à
interpretação e aplicação da Convenção, e que, antes de encaminhar o caso à Corte
Interamericana, se o caso for de gravidade ou urgência, a Comissão poderá por
iniciativa própria ou mediante solicitação da parte impor ao Estado adoção de medidas
que façam cessar a violação, ou que impeçam a ocorrência de danos irreparáveis
(PIOVESAN, 2004).
Além disso, a Comissão pode solicitar à Corte medidas de urgência, no sentido
de preservar algum direito lesado, ou algum dano irreparável à pessoa, em matéria
ainda não discutida pela Corte (PIOVESAN, 2004)
Vale à pena ressaltar que a Corte não está adstrita à decisão da Comissão. Ela
poderá formular sua decisão com base no seu julgamento. Da mesma forma que é
importante mencionar o modo que a Comissão, a Corte também pode adotar medidas
provisórias, sendo para isso necessários três requisitos: a gravidade da ameaça, a
necessidade de evitar danos irreparáveis às pessoas, e a urgência na medida
requerida. Elas podem ser suspensas ou retiradas por terem deixado de ser
necessárias. (GOMES, 2000).
Desta forma, o a atuação da Corte Interamericana, pode-se afirmar que,
embora seja recente a sua jurisprudência, o sistema interamericano como um todo
está se consolidando como importante e eficaz na estratégia de proteção aos direitos
humanos, quando as instituições nacionais se mostram falhas, o que está a formar
um espaço fértil para futuros avanços. (PIOVESAN, 2004).
Dessa maneira é que se faz mister mencionar mais uma vez que caso um
Estado não cumpra com as recomendações dos relatórios realizados pela Comissão
naquele prazo estipulado, o mesmo poderá ser encaminhado para ser julgado na
Corte.
Até hoje o Brasil foi julgado em cinco processos perante a Corte, os quais serão
apresentados a seguir. São eles: caso Ximenes de 2004, caso Gilson Nogueira de
Carvalho de 2005, caso Escher e outros de 2007, caso Sétimo Garibaldi de 2004 e
caso Lund e outros de 2009. (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS,
2011a).
O primeiro caso brasileiro encaminhado da Comissão à Corte foi o Caso
Damião Ximenes de 2004, onde o Brasil foi acusado de colocar Damião, portador de
deficiência mental em situação degradante e desumana em sua hospitalização no
sistema único de saúde (SUS), as quais resultaram em sua morte. O Brasil foi
responsabilizado e condenado a pagar indenização à família da vítima.
(ORGANIZAÇÃO DOS ESTAODS AMERICANOS, 2011a)
O segundo caso encaminhado à Corte foi vítima Francisco Gilson Nogueira de
Carvalho, onde o Brasil foi acusado por suas ações e omissões nas investigações do
seu assassinato. A sentença neste caso foi favorável ao Brasil, levando ao
arquivamento do caso. (ORGANIZAÇÃO DOS ESTAODS AMERICANOS, 2011a).
O terceiro caso, denominado caso Escher, a violação dos Direitos Humanos
ocorreu perante membros de organizações ligadas ao Movimento dos Trabalhados
Rurais Sem Terra (MST), que tiveram suas linhas telefônicas interceptadas e
monitoradas ilegalmente. O Brasil foi declarado responsável pelas violações de
direitos assegurados pelo sistema. (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOSAMERICANOS,
2011a).
O quarto caso foi encaminhado à Corte em 2007, ele responsabilizava o Brasil
por descumprir a obrigação de investigar e punir o responsável pelo homicídio de
Sétimo Garibaldi. Neste caso, o Brasil foi condenado a pagar indenização à família da
vítima e a conduzir um inquérito para julgar os autores do homicídio de Garibaldi.
(ORGANIZAÇÃO DOS ESTAODS AMERICANOS, 2011a).
No quinto caso brasileiro apresentado a Corte, o Brasil foi acusado de detenção
arbitrária, tortura e desaparecimento de 70 pessoas, eles eram membros do partido
comunista ou camponês. Neste caso, o Brasil foi novamente condenado por uma série
de violações aos direitos humanos. (ORGANIZAÇÃO DOS ESTAODSAMERICANOS,
2011a).
Está exposto no Artigo 68 da Convenção Americana de Direitos Humanos que
“Os Estados Parte na Convenção se comprometem a cumprir a decisão da corte
emtodo o caso em que forem partes”. (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS
AMERICANOS, 1969).
Assim, tem-se que a implementação das sentenças proferidas pela Corte no
âmbito interno é obrigatória, a qual não só decorre da ratificação da Convenção, mas
também do reconhecimento do Estado perante a Corte, como já visto no capítulo
anterior. (COELHO, 2015).
Caso um Estado não cumpra com as decisões da sentença prolatada pela
Corte, esta deverá informar no seu relatório encaminhado à OEA anualmente.
Exercendo assim, uma pressão política no Estado condenado, devido à falta de meios
coercitivos existentes para fazer com que os países efetivamente cumpram com as
disposições da sentença estabelecida pela Corte. (LEITE, 2008).
As sentenças da Corte Interamericana possuem em geral o caráter obrigatório,
mas não executório, pois apesar de não existir um mecanismo internacional que force
os Estados a cumprirem coercitivamente a decisão, eles são responsabilizados
internacionalmente pelo fato de terem se comprometido a executar as decisões
quando ratificaram a Convenção Americana (LEITE, 2008).
Mazzuoli (2013), ao citar o exemplo do caso Damião Ximenes, quando diz que
o grande problema do cumprimento das decisões da Corte não está na parte
indenizatória (onde o Brasil teve que indenizar a família da vítima) e sim em executar
os deveres de investigar e punir os responsáveis pelo seu homicídio.
Fica evidente que a maior facilidade está em cumprir a parte da sentença que
possui caráter vinculante e executório, da mesma forma que existem dificuldades em
cumprir a parte que possui caráter obrigatório.
Com isso, observa-se que a apesar do Brasil já ter sido alvo de muitas
reclamações, mesmo assim não se configura um país que mais viola os direitos da
Convenção, entretanto se há uma grande dificuldade na execução das sentenças
proferidas pela Corte no que se diz respeito ao não cumprimento do Brasil com as
medidas expostas por este.
Enfim, o intuito é esclarecer e demonstrar a relevância do sistema
interamericano e como ele contribui para a consolidação da proteção dos direitos
humanos na região americana onde as vítimas são asseguradas das constantes
violações no objetivo de obter a ordem e justiça em âmbito interno.
5. ANÁLISE DO CASO MÁRCIA BARBOSA X BRASIL
A luta das mulheres por direitos humanos tem percorrido um longo caminho por
reconhecimento e efetivação. Parte desta jornada se deteve à promoção de
descolamentos no sentido mesmo do que são e para quem são os direitos humanos.
Críticas contumazes foram feitas à premissa do direito natural, na qual a definição dos
direitos humanos esteve circunscrita, e à sua insuficiente apreensão das diferenças
que, constituídas por meio das relações sociais, configuram o status de sujeito de
direito. As contradições entre os direitos individuais e coletivos, bem como a noção de
gerações de direitos, que implicava na garantia e na expansão dos direitos por etapas,
também foram severamente debatidas e questionadas (Jelin, 1994; Prá e Epping,
2012).
O discurso dos direitos humanos na esfera internacional, como já citado,
ganhou grande força a partir do século XX e do final da 2ª Guerra Mundial. Quando
se trata das lutas em prol dos direitos humanos das mulheres no cenário internacional,
alguns marcos são inegáveis (CRUZ e GARCÍA-HORTA, 2016).
Em 1967 surge a Declaração para a Eliminação da Discriminação contra as
Mulheres, compreendida por diversas autoras (dentre elas: TOMAZONI; GOMES,
2015 e AZAMBUJA; NOGUEIRA, 2008) como a gênese para o posterior surgimento
da CEDAW. Possivelmente, a principal limitação desse documento é seu caráter
recomendatório e, portanto, não vinculativo, que se justifica pelo fato de tratar-se de
uma Declaração.
É em 1975 que a ONU declara o Ano Internacional da Mulher. Essa declaração
ocorre na Cidade do México na Conferência Mundial do Ano Internacional da Mulher,
a primeira Conferência da ONU para tratar sobre os direitos das mulheres. Sendo,
portanto, um marco inegável no cenário dos direitos humanos das mulheres. Além
disso, a Conferência foi um relevante instrumento de mobilização política para
mulheres de diversas partes do mundo e ajudou a fortalecer o relacionamento da ONU
com a sociedade civil e os movimentos feministas, por meio da participação efetiva
na Convenção, de organizações não estatais (GUARNIERI, 2010).
Foi a partir dessa Conferência que três temas ganharam destaque quando se
trata dos trabalhos da ONU em prol dos direitos das mulheres, sendo eles: igualdade,
desenvolvimento e paz. Resultou da Conferência o surgimento da Declaração do
México, que abordava os três temas escolhidos pela Conferência, ou seja, a
igualdade entre homens e mulheres, as contribuições para o desenvolvimento e
a paz (TOMAZONI; GOMES, 2015).
A partir desse momento histórico ocorre uma relevante mudança na
compreensão sobre a importância dos direitos das mulheres, já que não se
compreende mais o desenvolvimento como algo útil ao progresso das mulheres, mas
sim compreende-se que “[...] o desenvolvimento não era possível sem a
participação das mulheres.” (GUARNIERI, 2010)
A CEDAW surgiu em 1979, adotada pela Assembleia Geral da ONU. Pela
doutrina é considerada como uma “[...] verdadeira carta internacional dos direitos das
mulheres (GUARNIERI, 2010) ou ainda como “[...] a Declaração Universal dos Direitos
da mulher” (TOMAZONI; GOMES, 2015).
A CEDAW tornou-se um marco na história dos direitos humanos pois é, até o
presente momento, o mais importante texto internacional que versa sobre os direitos
humanos das mulheres. Essa compreensão sobre a Convenção decorre do fato de
que há nela um agrupamento de diversos princípios que já haviam se tornado aceitos
no cenário internacional acerca os direitos humanos das mulheres, além do fato de
que o texto inclui temas concernentes a diferentes áreas da vida como saúde, família,
trabalho e educação (TOMAZONI; GOMES, 2015)
Devido a isso entende-se que a CEDAW é a principal carta de direito
internacional sobre os direitos das mulheres e sua capacidade de abarcar e compilar
em um só texto questões concernentes a diversas esferas da vida das mulheres.
No que se diz respeito a legislação brasileira na década de 1980 não
assegurava direitos iguais entre mulheres e homens quando de relações matrimoniais,
o país realizou a reserva. Mas que foi retirada em 1994 e o país assumiu o
compromisso de assegurar tal condição igualitária.
Então em 2022, o Brasil, ratificou o Protocolo Facultativo à Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher conhecido como
Protocolo Adicional e, tal texto descreveu sobre o Comitê CEDAW e a sua
competência para receber relatórios dos Estados-Partes.
As conferências sobre direitos das mulheres como a do México, a de
Copenhague e a de Nairobi, bem como a que viria a ocorrer em 1995 em Beijing,
ocorrem paralelamente às conferências mundiais sobre temas globais, também
promovidas pela ONU. Uma delas foi a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos
que ocorreu em Viena em 1993. Foi somente nessa Conferência com a publicação da
Declaração e Programa de Ação de Viena que a ONU expressa tacitamente que “Os
Direitos Humanos das mulheres e das crianças do sexo feminino constituem uma
parte inalienável, integral e indivisível dos Direitos Humanos universais.” (Artigo 18 –
Declaração de Viena).
Assim sendo, é possível perceber como ao longo da segunda metade do século
XX a compreensão sobre os direitos humanos das mulheres no cenário internacional
foi se modificando.
Dessa maneira, as questões de gênero foram, portanto, incluídas
paulatinamente na agenda global de direitos humanos, segundo determinado regime
de visibilidade, a partir dos contextos e da configuração de linhas de forças entre os
diferentes atores políticos que dele fizeram parte e, especialmente, as próprias
mulheres.
Superada essa questão histórica de lutas das mulheres na busca pelo
reconhecimento dos direitos humanos das mulheres e passando a adentrar no
contexto do caso Márcia Barbosa X Brasil, o qual se refere a um dos objetivos desta
pesquisa.
Na intenção de verificar a real eficácia das sentenças proferidas pela Corte,
será realizada uma análise do caso Márcia Barbosa, com a intenção de apontar o
impacto positivo desta no plano interno brasileiro e verificar a existência de obstáculos
no seu cumprimento.
Primeiramente é preciso compreender o caso de Márcia Barbosa que era uma
jovem a qual vivia com seus pais e a irmã mais nova de 17 anos à época, onde
encontrava-se na capital em busca de emprego com o objetivo de ajudar a família.
Nesse contexto, a jovem Márcia de 20 anos, negra, paraibana, estudante,
mudou-se para João Pessoa (PB) com o intuito de continuar os estudos e trabalhar,
por isso aceitou o convite de emprego em uma fábrica de sapatos oferecida pelo
deputado estadual Aércio Pereira.
Na noite do dia 17 de junho de 1998, por volta das 19h, Márcia recebeu um
telefonema e teve um encontro amoroso com o então deputado Aércio Pereira Lima
por volta de 21h daquele mesmo dia no Motel Trevo e nunca mais voltou para casa.
Conforme relatório final da Delegacia de Delitos contra Pessoa, citado na sentença,
às 21h, a vítima fez uma ligação a partir do telefone celular utilizado pelo homem para
um número de telefone residencial na cidade de Cajazeiras. Na ligação, ela contou
para conhecidos que estava naquele momento na companhia do mesmo.
Na manhã do dia 18 de junho, uma pessoa observou que alguém estava
retirando o corpo de uma pessoa, posteriormente identificada como Márcia Barbosa
de Souza, de um veículo em um terreno baldio no bairro Altiplano, em João Pessoa.
A causa da morte foi asfixia.
Em 19 de junho de 1998, a investigação sobre a morte de Márcia Barbosa teve
início formal nos autos do Inquérito Policial nº 18/1998, com a coleta de depoimentos
e provas periciais. Aos 21 de julho de 1998, o delegado de Polícia que presidiu a
investigação concluiu que todos os elementos de informação coletados apontavam
para a autoria dos crimes pelo deputado Aércio Pereira de Lima, com a participação
de outras quatro pessoas. Todos foram indiciados.
Ocorre que Aércio era deputado estadual em exercício, gozando nessa
condição de imunidade parlamentar formal, conforme previsão inserta no artigo 27,
§1º, da Constituição Federal. Esse dispositivo previa, em cotejo com o disposto no
artigo 53, §1º, da Constituição (na redação da época dos fatos), que desde a
expedição do diploma os parlamentares estaduais não poderiam ser processados
criminalmente sem prévia licença de sua casa legislativa.
Em 2001, com a edição da Emenda Constitucional nº 35, o artigo 53 da
Constituição da República teve sua redação alterada. Após a entrada em vigor, no dia
21 de dezembro de 2001, o processamento de ações penais contra parlamentares por
crimes praticados após a diplomação não mais dependeria de autorização prévia da
casa legislativa.
No dia 14 de março de 2003, teve início formalmente o processo-crime em
desfavor de Aércio Pereira de Lima, junto ao 1º Tribunal do Júri da Paraíba, sob o
número 200.2003.800.562-1.
Aos 26 dias do mês de setembro de 2007, o deputado, que sempre negou os
fatos, foi condenado a 16 anos de reclusão pela prática dos crimes tipificados no artigo
121, §2º, incisos II e III (quarta figura) e no artigo 211, ambos do Código Penal pelo
1º Tribunal do Júri Popular da Comarca de João Pessoa, somente após a perda da
imunidade parlamentar, 9 anos depois do crime.
Em 12 de fevereiro de 2008, o então, ex-deputado morreu, aos 64 anos de
infarto do miocárdio e embira Aércio não fosse mais parlamentar do estado da
Paraíba, seu corpo foi velado no Salão Nobre da Assembleia Legislativa onde foi
decretado luto oficial por 3 dias.
O caso havia sido levado ao conhecimento do Sistema Interamericano de
Direitos Humanos desde 28 de março de 2000, quando a Comissão Interamericana
de Direitos Humanos recebeu uma petição assinada pelas organizações não
governamentais Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil), Movimento
Nacional de Direitos Humanos (MNDH), pela sua Regional Nordeste, e Gabinete de
Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop). As entidades apontavam a
responsabilidade internacional da República Federativa do Brasil por diversas
violações de direitos humanos.
Diante dos fatos ocorridos o Movimento Nacional de Direitos Humanos,
regional nordeste, gabinete de assessoria jurídica às organizações e o centro de
justiça e o direito internacional apresentaram denúncia contra o Estado brasileiro à
Comissão Interamericana destacando a falta de diligência do Estado brasileiro em
investigar, processar e julgar o crime.
A jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos tem reforçado
um compromisso que há no sistema interamericano de direitos humanos com o
princípio da proteção integral.
Dessa maneira, mais do que condenar um Estado, importa dissolver as razões
estruturais que provocam as violações continuadas, enfatizando a sua obrigação
internacional em reparar e reprimir as violências, como ato de responsabilidade
internacional.
A comissão aprovou relatório de admissibilidade da petição em 26 de julho de
2007 e notificou as partes para apresentarem informações sobre o caso. em 12 de
fevereiro de 2019, considerando o Brasil responsável por violações a direitos previstos
na Convenção Americana de Direitos Humanos e na Convenção Interamericana para
Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (conhecida como Convenção
de Belém do Pará), sendo o Estado signatário de ambos os diplomas internacionais.
Além disso, foram formuladas diversas recomendações ao país, dentre reparações
devidas às vítimas e garantias de não-repetição.
O Brasil foi notificado pela comissão, recebendo prazo de dois meses para
informar sobre o estado do cumprimento das recomendações estabelecidas.
Apresentou apenas um relatório expressando sua intenção de cumpri-las, sem
apresentar proposta concreta nesse sentido ou solicitação de dilação de prazo.
Em 11 de julho de 2019, o caso foi submetido pela comissão à jurisdição da
Corte Interamericana de Direitos Humanos. Após a tramitação regulamentar do
procedimento, com apresentação de razões pelos representantes das partes
envolvidas, realização de audiências públicas e apresentação de escritos por seis
amici curiae (entre pesquisadoras, universidades e centros de ensino brasileiros), foi
proferida sentença pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 7 de setembro
de 2021.
A petição inicial do caso foi apresentada à Comissão Interamericana de Direitos
Humanos (CIDH) pelo Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional (CEJIL) e pelo
Movimento Nacional dos Direitos Humanos (MNDH)/Regional Nordeste, em março de
2000.A denúncia do Ministério Público perante a justiça brasileira o havia imputado
como autor dos delitos de “homicídio duplamente qualificado” e ocultação de cadáver
(CIDH, 2021b).
Dessa maneira, após os trâmites legais, nos dias 6 e 7 de setembro de 2021,
a Corte deliberou a presente sentença que segue para conhecimento da sociedade
paraibana:
§176: 176. A Corte dispõe, como o fez em outros casos, que o Estado
publique, no prazo de seis meses, contado a partir da notificação da presente
Sentença: a) o resumo oficial da Sentença elaborado pela Corte, por uma
única vez, no Diário Oficial, bem como nas páginas web da Assembleia
Legislativa do Estado da Paraíba e do Poder Judiciário da Paraíba, e em outro
jornal de ampla circulação nacional, com um tamanho de letra legível e
adequado, e b) a presente Sentença na íntegra, disponível por um período
de pelo menos um ano, em um sítio web oficial do Estado da Paraíba e do
Governo Federal, de forma acessível ao público e acessível a partir da página
de início do referido sítio eletrônico. O Estado deverá informar de forma
imediata a este Tribunal uma vez que proceda a realizar cada uma das
publicações dispostas, independente do prazo de um ano para apresentar
seu primeiro relatório disposto na parte resolutiva da Sentença. (IDH, 2021,
p. 51).
Ele ainda vai adiante, apontando que quando envolvem questões pecuniárias,
isso não ocorre, pois, a sentença possuirá efeito vinculante e executório. Fato
confirmado também por Mazzuoli (2013), quando cita a responsabilidade da União no
pagamento de verbas indenizatórias.
Esse conceito também é exposto por Mazzuoli (2013), ao citar o exemplo do
caso Damião Ximenes, quando diz que o grande problema do cumprimento das
decisões da Corte não está na parte indenizatória (onde o Brasil teve que indenizar a
família da vítima) e sim em executar os deveres de investigar e punir os responsáveis
pelo seu homicídio.
Portanto, observa-se justamente uma maior facilidade em cumprir a parte da
sentença que possui caráter vinculante e executório e dificuldades em cumprir a parte
que só possui caráter obrigatório, mas não executório.
6. CONCLUSÃO
FALCÃO, Bruna Cavalcanti. Caso Márcia Barbosa de Souza e outros vs. Brasil:
análise da sentença da CIDH. Conjur, 2022. Disponível
em:< <https://www.conjur.com.br/2022-jan-03/falcao-marcia-barbosa-
souza-outros-vs- brasil#_ft 6 & gt;>. Acesso em: 25 de abril de 2023.
GALLI, Maria Beatriz; DULITZKY, E. Ariel. A comissão Interamericana de Direitos
Humanos e o Seu Papel Central no Sistema Interamericano de Proteção dos
Direitos Humanos. In: GOMES, Luiz Flávio; PIOVESAN, Flávia (Coord). O Sistema
interamericano de Proteção dos Direitos Humanos e o Direito Brasileiro. São Paulo:
Revista dos tribunais, 2000.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 10. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2009.