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A ATUAÇÃO DO SISTEMA INTERAMERICANO DE PROTEÇÃO DOS

DIREITOS HUMANOS NO CONTROLE DA SUPERPOPULAÇÃO


CARCERÁRIA

THE PERFORMANCE OF THE INTER-AMERICAN SYSTEM FOR THE


PROTECTION OF HUMAN RIGHTS IN THE CONTROL OF THE PRISON
SUPERPOPULATION

Laís Reis Teixeira1

RESUMO
O presente artigo tem como objetivo analisar a falência do modelo punitivo brasileiro,
principalmente quanto a aplicação da pena privativa de liberdade a partir da análise de
denúncias feitas perante o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, envolvendo
questões como a superlotação dos presídios e casos de violações de direitos fundamentais
dos presos pelo Estado brasileiro, discutindo-se, em especial, como a Corte
Interamericana, tem agido para contribuir para o controle da população carcerária por
meio de medidas provisórias.

Palavras-Chaves: Superlotação. Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Corte


Interamericana de Direitos Humanos. Medidas provisórias.

ABSTRACT

This article aims to analyze the failure of the Brazilian punitive model, mainly regarding
the application of the custodial sentence based on the analysis of complaints made before
the Inter-American System of Human Rights, involving issues such as overcrowding of
prisons and cases of violations of fundamental rights of prisoners by the Brazilian State,
discussing, in particular, as the Inter-American Court has acted to contribute to the control
of the prison population through provisional measures.

Keywords: Overcrowding. Inter-American System of Human Rights. Inter-American


Court of Human Rights. Provisional Measures.

1
Mestranda em Direito Penal pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ.
1. INTRODUÇÃO

A questão carcerária no Brasil e na América Latina apresenta diversos problemas


que se reiteram no tempo e, um deles, sem dúvida alguma é a superlotação carcerária.
Conforme pesquisa desenvolvida pela Sociedade de Criminologia Latino-Americana2,
três em cada quatro sistemas prisionais na América Latina estão superlotados, dentre eles,
o Brasil, que é o país com a terceira maior população carcerária do mundo3, registrando,
no ano de 2021 conforme dados coletados junto ao DEPEN4 e observados no gráfico
abaixo, um total de 679.687 pessoas privadas de liberdade, com 490.024 vagas
disponíveis, resultando, assim, um déficit de 189.663 vagas, observando que o STF,
apreciando a ADPF 3475, por conta das mazelas identificadas, declarou Estado de Coisas
Inconstitucional no sistema penitenciário brasileiro.

Conforme Dias (2017), a superlotação leva à precarização dos estabelecimentos


prisionais, inclusive dos serviços prestados e dos produtos de primeira necessidade que o

2
Disponível em https://drive.google.com/file/d/1n8Y9R7KhRit2D7xqoj46KiS46hR1-Q__/view
3
segundos dados coletados junto ao World Prision Brief. Disponível em
https://www.prisonstudies.org/highest-to-lowest/prison-population-total?field_region_taxonomy_tid=All
Acesso em 23/02/2022
4
De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), com dados até julho de 2021. Disponível
em
https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiYWIxYjI3MTktNDZiZi00YjVhLWFjN2EtMDM2NDdhZDM5
NjE2IiwidCI6ImViMDkwNDIwLTQ0NGMtNDNmNy05MWYyLTRiOGRhNmJmZThlMSJ9
5
STF. ADPF 347. Processo 0003027-77.2015.1.00.00000. Rel. Min. Marco Aurélio.
Estado tem o dever de garantir aos custodiados. Com ela, desenvolve-se um ciclo perverso
dentro das cadeias, pois, com celas superlotadas, presos ficam amontoados e passam a
lutar por espaços, o que gera conflito permanente, em um círculo vicioso. Com isso, a
própria relação entre presos e agentes penitenciários torna-se ainda mais precária e, assim,
a simples retirada de um interno transforma-se em missão perigosa, posto que os agentes
penitenciários ficam mais expostos à ira dos prisioneiros. Isso implica, invariavelmente,
na redução de diversos direitos do apenado, como exemplo a redução de banho de sol, de
saídas para estudo e trabalho, diminuindo também o tempo destinado à visitação de
familiares. Assim, pode-se dizer que a superlotação carcerária é a mãe de quase todos os
problemas que afligem o sistema carcerário, em especial brasileiro (Nesse sentido, ver:
TEIXEIRA, 2008)

Como bem demonstram Japiassú e Ferreira (2020)6, além de se configurar um


quadro grave de violação de direitos fundamentais, as taxas de ocupação elevadas e a
precariedade das condições de detenção impossibilitam, portanto, que o Estado garanta a
segurança no ambiente prisional. A falta de segurança no cárcere resulta, por sua vez, na
lesão aos bens jurídicos cuja proteção justifica e legitima o próprio direito penal e, mais
especificamente, implica na frustração das finalidades da pena.

Diante dessa situação precária nos estabelecimentos penitenciários, o Brasil foi


alvo de várias denúncias perante a Comissão e a Corte Interamericana de Direitos
Humanos, que integram o Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos, e
que resultaram em mais de 40 medidas provisórias as quais determinaram a redução das
graves violações de direitos humanos nas diversas unidades prisionais brasileiras.

Ressalta-se que a Corte Interamericana reuniu em 2017, de forma inédita, quatro


casos relacionados à superlotação e violência carcerária, chamado “supercaso”
envolvendo: 1) complexo de Curado/PE; 2) Complexo de Pedrinhas/MA; 3) Instituto
Penal Plácido de Sá Carvalho/RJ; e 4) Unidade de Internação Socioeducativa/ES, que
apresentam circunstâncias de detenção que tornam impraticáveis a adequação aos padrões
mínimos estabelecidos pela comunidade internacional para o tratamento de pessoas

6
JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; FERREIRA, Ana Lúcia Tavares. Superpopulação carcerária e
Sistemas Internacionais de Direitos Humanos. Revista Brasileira de Ciências Criminais. vol. 164. ano 28.
p. 159-197. São Paulo: Ed. RT, fevereiro 2020.
privadas de liberdade, bem como configuram pressupostos de penas cruéis, degradantes
e desumanas, em violação à Convenção Americana de Direitos Humanos.

Registra-se, também, que desde 2005 as penitenciárias Urso Branco, em


Rondônia, e Dr. Sebastião Martins Silveira, em São Paulo, bem como o Complexo do
Tatuapé da Fundação CASA, também em São Paulo, foram alvos de medidas provisionais
da Corte.

Nesse cenário, considerando a relevância do assunto e as inúmeras vezes que a


Corte ordenou medidas provisórias aos presídios brasileiros, este artigo tem como
objetivo discutir a precariedade do sistema prisional do Brasil a partir do histórico dos
casos de violações de direitos humanos contra pessoas privadas de liberdade denunciadas
no Sistema Interamericano de Direitos Humanos e a capacidade deste de controlar e
proteger os direitos das pessoas presas.

Para tanto, o trabalho será dividido em três seções: na primeira, destacaremos os


sistemas internacionais de proteção dos direitos dos homens, a partir do processo de
internacionalização dos direitos humanos, destacando os documentos internacionais e
regionais de proteção às pessoas privadas de liberdade, bem como as regras que dispõem
sobre execução penal e os parâmetros mínimos a serem respeitados pelos países.

Na segunda, será feita uma uma análise sobre o sistema interamericano de


proteção de direitos humanos, composto, de acordo com o art. 33 da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), de dois
órgãos: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (com sede em Washington) e a
Corte Interamericana de Direitos Humanos (com sede em San José da Costa Rica),
ambos regidos também por regulamentos internos, que foram modificados e estão
vigentes desde outubro de 2006 (Comissão) e janeiro de 2009 (Corte).

Na terceira, por fim, abordaremos a atuação da Corte Interamericana de Direitos


Humanos no controle da superpopulação carcerária por meio das medidas provisórias
expedidas para as unidades prisionais brasileiras violadoras dos direitos humanos.

2. SISTEMAS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS


HUMANOS
Os mecanismos internacionais de proteção dos Direitos Humanos encontravam
obstáculos ao seu desenvolvimento devido ao conceito rígido e absoluto de soberania.
Porém, após as atrocidades da Segunda Guerra Mundial, a comunidade internacional viu
a necessidade de preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra7 e, para isso,
valeram-se de um sistema coletivo de segurança através da Organização das Nações
Unidas. Desse modo, todos os Estados Membros teriam a obrigação de promover o
respeito universal e a observância dos direitos humanos e das liberdades fundamentais
para todos, sem distinção de raça, sexo, idioma ou religião, conforme definido no art. 55
da Carta das Nações Unidas. 8 De acordo com Japiassú (2004, p. 5), naquele momento
havia a necessidade de ações internacionais mais eficazes para coibir violações de
Direitos Humanos.”

Os anos seguintes ao ano de 1945 formaram o clima propício para a produção de


um grande número de diplomas internacionais cujo objetivo era assegurar e proteger os
direitos do homem, como a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948 que
é formada pelo preâmbulo e trinta artigos, com forte carga valorativa, que consagra a
dignidade humana como princípio essencial e fundamento dos Direitos Humanos,
definindo liberdades e direitos de titularidade de todos os homens, sem distinção. De
acordo com PIOVESAN, “para a Declaração Universal, a condição de pessoa é o requisito
único e exclusivo para a titularidade de direitos.”9

Esse processo de universalização dos Direitos Humanos redefiniu o conceito


tradicional de soberania dos Estados, até então considerado absoluto e ilimitado, com base
no reconhecimento de que o indivíduo também é objeto de direito internacional, que antes
limitava-se ao Estado.

Nesse cenário, é possível perceber que a Declaração constitui-se, naquele


momento, o mais completo e importante instrumento internacionalmente proclamado,
ampliando, sobremaneira, os direitos havidos em outros diplomas internacionais como
imprescindíveis à pessoa humana.10 Com ela, surge uma nova concepção dos Direitos

7
Carta das Nações Unidas. Junho de 1945. Disponível em https://brasil.un.org/sites/default/files/2021-
08/A-Carta-das-Nacoes-Unidas.pdf
8
Artigo 55 - Com o fim de criar condições de estabilidade e bem-estar, necessárias às relações pacíficas e
amistosas entre as Nações, baseadas no respeito ao princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação
dos povos, as Nações Unidas favorecerão: (...) c. o respeito universal e a observância dos direitos humanos
e das liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, idioma ou religião.
9
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e direito constitucional. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 118
10
NEVES, Eduardo Viana Portela. Direito Penal Internacional como garantia dos Direitos Humanos. 2010.
259 f. Dissertação (Mestrado em Direito Civil Constitucional; Direito da Cidade; Direito Internacional e
Integração Econômica; Direi) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.
Humanos, transformando os valores nela proclamados em normas cogentes internacionais
e regionais.

E a partir dessa necessidade de assegurar ao indivíduo sua dignidade humana


surge o novo ramo do Direito Internacional: Direitos Humanos, que pode ser protegido
tanto por um sistema global quanto por sistemas regionais. Nesse sentido, foram
concebidos, por exemplo, o sistema europeu de proteção aos Direitos Humanos por
intermédio da Convenção Européia de Direitos Humanos de 1950, estabelecendo a Corte
Europeia de Direitos Humanos; o sistema africano de proteção, cujo principal documento
é a Carta Africana de Direitos Humanos de 1981, instituindo a Comissão Africana de
Direitos Humanos; e a Convenção Americana dos Direitos do Homem, em 1969,
fundando a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Neste artigo, vamos nos
concentrar na Corte Interamericana de Direito Humanos, que será analisada no momento
oportuno.

Em relação à proteção dos direitos das pessoas privadas de liberdades, foco deste
estudo, pontua-se que a maior parte dos tratados internacionais e regionais de direitos
humanos contém dispositivos relacionados à esses direitos, tanto de forma direta quanto
indireta, proibindo a tortura e os tratamentos desumanos, degradentes e cruéis, dentre eles,
podemos destacar: a) Declaração Universal dos Direitos Humanos; b) Pacto Internacional
sobre Direitos Civis e Políticos; Convenção Americana sobre Direitos Humanos. c)
Declaração sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra a Tortura e Outras Penas ou
Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes d) Regras Mínimas para o Tratamento
dos Presos, também conhecidas como Regras de Mandela.

Inspirando os demais tratados internacionais, a Declaração Universal dos Direitos


Humanos de 1948 prevê em seu artigo V que ninguém será submetido à tortura nem a
tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante. Ainda nesse sentido, o Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos dispõe em seus artigos 7 e 10,
respectivamente, que “ninguém poderá ser submetido à tortura, nem a penas ou
tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Será proibido, sobretudo, submeter uma
pessoa, sem seu livre consentimento a experiências médicas ou científicas" e “toda pessoa
privada de sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito à dignidade
inerente à pessoa humana”.
O nº 2 do artigo 5º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos prevê que
“ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou
degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à
dignidade inerente ao ser humano.”

Em decorrência da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, a Assembleia


Geral das Nações Unidas, aprovou em 1975, por meio da Resolução 3452, a Declaração
sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas
Cruéis, Desumanos ou Degrantes, cabendo aos Estados examinar periodicamente os
métodos de interrogatório e as disposições para a custódia e tratamento das pessoas
privadas de sua liberdade em seu território, a fim de prevenir todo caso de tortura ou
outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes (artigo 6°).11

Em 1955, no âmbito da ONU, foram instituídas as Regras Mínimas para o


Tratamento dos Presos, que consiste em duas partes: 1ª) regulamenta questões relativas
a Acomodação, Higiene Pessoal, Vestuário e Roupa de Cama, Alimentação, Exercício
Esportivo, Serviços Médicos e Disciplina e Sanções; 2ª) traz especificações relativas aos
Princípios Gerais, Tratamento, Classificação e Individualização, Privilégios, Trabalho,
Educação e Recreação, Relações Sociais e Assistência Pós-Prisão, Presos Alienados e
Doentes Mentais, Presos Detidos ou em Prisão Preventiva, Presos do Fórum Civil e
pessoas detidas ou detidas sem acusação.

Tais regras consideram a variedade de condições jurídicas, sociais, econômicas e


geográficas de cada país, dessa forma, pretendem servir de estímulo para superar as
dificuldades e aplicar as condições mínimas aceitáveis na execução das penas,
estabelecendo princípios e práticas no tratamento dos reclusos e para a gestão prisional
(ONU, Regras de Mandela).

Apesar da multiplicidade de regulamentos, agências e instrumentos existentes, os


direitos dos presos não estão plenamente garantidos. Há uma disparidade entre
regulamentos e realidade. A situação nas prisões, principalmente na região latino-
americana, está longe do que se estabelece nos regulamentos. Isso se refletiu nas
conclusões da Conferência dos Ministros da Justiça dos Países Ibero-Americanos, em

11
GOUVEA, Carolina Carraro. O controle Regional dos presídios brasileiros: sistema interamericano de
Direitos Humanos - Criminologias e Política Criminal II, CONPEDI, 2021, Florianópolis, p. 6 a 23.
Disponível em site.conpedi.org.br/publicacoes/276gsltp/az77w8u9
2008, mostrando a grande preocupação por parte dos governos em relação aos sistemas
prisionais: "as condições de superlotação, aumento da prisão e a ausência de programas
dentro das prisões muitas vezes os transformaram em depósitos humanos".12

Mas antes de procedermos à análise das demandas envolvendo a crise dos direitos
humanos nos presídios brasileiros perante a Comissão e a Corte Interamericana de
Direitos Humanos, faz-se necessário um breve resumo sobre as atribuições do Sistema
Interamericano de Direitos Humanos - SIDH.

3. O SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS

O Sistema Interamericano de Direitos Humanos é um mecanismo da Organização


dos Estados Americanos (OEA) criado para acompanhar e supervisionar o cumprimento
do Direito Internacional dos Direitos Humanos na região, sendo formado pelas Comissão
e Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Desde sua criação, esse sistema regional adotou uma série de instrumentos
internacionais de promoção e proteção dos direitos humanos, que se tornaram sua base
normativa. A Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida também como
Pacto de São José da Costa Rica e a Declaração Americana de Direitos e Deveres do
Homem deram início a este processo. Em seguida, vieram convenções e protocolos sobre
temas de tortura, pena de morte, violência contra a mulher, desaparecimentos forçados,
discriminação contra pessoas portadoras de deficiência e direitos econômicos, sociais e
culturais. Estas normativas internacionais evoluíram para a construção de um arcabouço
legislativo que reconheceu e definiu direitos, criando obrigações internacionais para os
Estados e estabelecendo órgãos de monitoramento do cumprimento destas obrigações.13
De acordo com Henry Steiner, apud Flávia Piovesan (2019, p. 120):

A respeito da criação do sistema regional de proteção, explica Henry


Steiner: “Embora o Capítulo VIII da Carta da ONU faça expressa menção
aos acordos regionais com vistas à paz e segurança internacionais, ele é
silente quanto à cooperação no que tange aos direitos humanos. Todavia, o

12
BENITO DURA, M., Análise da situação da prisão e sentenças alternativas na Ibero-América,
Conferências de Ministros da Justiça dos Países Ibero-Americanos, 2008, p.181
13
Disponível em
https://midia.mpf.mp.br/pfdc/hotsites/sistema_protecao_direitos_humanos/interamericano.htm
Conselho da Europa, já em 1950, adotava a Convenção Europeia de
Direitos Humanos. Em 1969, a Convenção Americana era adotada. (...) Em
1977, as Nações Unidas formalmente endossaram uma nova concepção,
encorajando ‘os Estados, em áreas em que acordos regionais de direitos
humanos ainda não existissem, a considerar a possibilidade de firmar tais
acordos, com vista a estabelecer em sua respectiva região um sólido aparato
regional para a promoção e proteção dos direitos humanos (Assembleia
Geral, resolução 32/127, 1977)’”14

É importante ressaltar que o Sistema Interamericano de Direito Humanos é o


sistema regional aplicável ao Estado brasileiro por força do Decreto n. 678, de 6 de
novembro de 1992.

A tabela a seguir mostra os Tratados gerais e temáticos em matéria de direitos


humanos adotados no âmbito da Organização dos Estados Americanos, pontuando quais
estão em vigor no Brasil.15 Veja:

Tratado Decreto

Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969 Decreto n.


678/1992

Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Decreto n.


Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e 3.321/1999
Culturais (Protocolo de San Salvador), de 1988

Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Decreto n.


Humanos Referente à Abolição da Pena de Morte, de 1990 2.754/1998

Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, Decreto n.


de 1985 98.386/1989

14
Henry Steiner, Regional arrangements: general introduction, material do Curso International Law and
Human Rights, Harvard Law School, 1994. Sobre o contexto no qual se delineia o sistema regional,
comenta Henry Steiner: “A Carta das Nações Unidas inclui obrigações legais concernentes aos direitos
humanos e quase todos os Estados hoje são partes da Carta. A Declaração Universal alcançou
reconhecimento universal e seus dois principais Pactos Internacionais, um de direitos civis e políticos e
outro de direitos sociais, econômicos e culturais, entraram em vigor. Há outras Convenções que consagram
direitos particulares, que receberam grande adesão. (...) Iniciativas semelhantes têm internacionalizado os
direitos humanos em uma base regional na Europa e na América Latina”.
15
Dados analisados em 25/03/2022
Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Decreto n.
Forçado de Pessoas, de 1994 8.766/2016

Convenção Americana para Prevenir, Punir e Erradicar a Decreto n.


Violência contra a Mulher (Convenção of Belém do Pará), 1.973/1996
de 1994

Convenção Interamericana sobre a Concessão dos Direitos Decreto n.


Civis às mulheres de 1948 31.643/52

Convenção Interamericana sobre a Concessão dos Direitos Decreto n.


Políticos à Mulher de 1948 28.011/50

Convenção Americana para a Eliminação de Todas as Decreto n.


Formas de Discriminação contra Pessoas com Deficiência, 3.956/2001
de 1999

Convenção Interamericana contra o Racismo, Discriminação Decreto n.


Racial e Formas Conexas de Intolerância, de 2013 10.932/2022

Convenção Interamericana contra Toda Forma de Assinada, mas não ratificada


Discriminação e Intolerância, de 2013 pelo Brasil

Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Assinada, mas não ratificada
Humanos das Pessoas Idosas, de 2015 pelo Brasil

Este é, portanto, o atual quadro do sistema protetivo dos direitos humanos nas
Américas. Agora, analisaremos a estrutura e as normas regulamentadoras da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos e a da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos - CIDH é um dos dois órgãos


de monitoramento do Sistema Interamericano de proteção e promoção dos direitos
humanos. Ela é o principal órgão da OEA e tem sede em Washington, D.C. É integrada
por sete membros independentes que atuam a título individual, os quais não representam
nenhum país em particular, sendo eleitos pela Assembleia Geral da OEA. A Comissão se
reúne em períodos ordinários e extraordinários durante o ano. A Secretaria Executiva
cumpre as instruções da CIDH e serve de apoio para a preparação administrativa e legal
de suas atribuições.

Os artigos 18, 19 e 20 do Estatuto da Comissão16 preveem suas atribuições, as


quais destacamos: receber, analisar e investigar petições, realizar visitas in loco, fazer
recomendações aos Estados membros, solicitar opiniões consultivas e apresentar casos à
jurisdição da Corte Interamericana, realizar e publicar estudos sobre diferentes temas,
dentre outros.

Através dos Informes, a CIDH começou a utilizar estratégias de naming e


shaming, nomeando o Estado violador dos direitos ao informar a comunidade
internacional sobre os atos cometidos, gerando uma reputação negativa e uma coerção

16
Artigo 18 A Comissão tem as seguintes atribuições com relação aos Estados membros da Organização:
a. estimular a consciência dos direitos humanos nos povos da América; b. formular recomendações aos
Governos dos Estados no sentido de que adotem medidas progressivas em prol dos direitos humanos, no
âmbito de sua legislação, de seus preceitos constitucionais e de seus compromissos internacionais, bem
como disposições apropriadas para promover o respeito a esses direitos; c. preparar os estudos ou relatórios
que considerar convenientes para o desempenho de suas funções; d. solicitar aos Governos dos Estados que
lhe proporcionem informações sobre as medidas que adotarem em matéria de direitos humanos; e. atender
às consultas que, por meio da Secretaria‐Geral da Organização, lhe formularem os Estados membros sobre
questões relacionadas com os direitos humanos e, dentro de suas possibilidades, prestar assessoramento que
eles lhe solicitarem; f. apresentar um relatório anual à Assembléia Geral da Organização no qual se levará
na devida conta o regime jurídico aplicável aos Estados Partes da Convenção Americana sobre Direitos
Humanos e aos Estados que não o são; g. fazer observações in loco em um Estado, com a anuência ou a
convite do Governo respectivo; e h. apresentar ao Secretário‐Geral o orçamento‐programa da Comissão,
para que o submeta à Assembléia Geral.
Artigo 19 Com relação aos Estados Partes da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, a Comissão
exercerá suas funções de conformidade com as atribuições previstas na Convenção e neste Estatuto e, além
das atribuições estipuladas no artigo 18, terá as seguintes: a. atuar com respeito às petições e outras
comunicações de conformidade com os artigos 44 a 51 da Convenção; b. comparecer perante a Corte
Interamericana de Direitos Humanos nos casos previstos na Convenção; c. solicitar à Corte Interamericana
de Direitos Humanos que tome as medidas provisórias que considerar pertinente sobre assuntos graves e
urgentes que ainda não tenham sido submetidos a seu conhecimento, quando se tornar necessário a fim de
evitar danos irreparáveis às pessoas; d. consultar a Corte a respeito da interpretação da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos ou de outros tratados concernentes à proteção dos direitos humanos
dos Estados americanos; e. submeter à Assembléia Geral projetos de protocolos adicionais à Convenção
Americana sobre Direitos Humanos, com a finalidade de incluir progressivamente no regime de proteção
da referida Convenção outros direitos e liberdades; e f. submeter à Assembléia Geral para o que considerar
conveniente, por intermédio do Secretário‐Geral, propostas de emenda à Convenção Americana sobre
Direitos Humanos
Artigo 20 Com relação aos Estados membros da Organização que não são Partes da Convenção Americana
sobre Direitos Humanos, a Comissão terá, além das atribuições assinaladas no artigo 18, as seguintes: a.
dispensar especial atenção à tarefa da observância dos direitos humanos mencionados nos artigos I, II, III,
IV, XVIII, XXV e XXVI da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem; b. examinar as
comunicações que lhe forem dirigidas e qualquer informação disponível; dirigir‐se ao Governo de qualquer
dos Estados membros não Partes da Convenção a fim de obter as informações que considerar pertinentes;
e formular‐lhes recomendações, quando julgar apropriado, a fim de tornar mais efetiva a observância dos
direitos humanos fundamentais; e c. verificar, como medida prévia ao exercício da atribuição da alínea b,
anterior, se os processos e recursos internos de cada Estado membro não Parte da Convenção foram
devidamente aplicados e esgotados
moral que o envergonha publicamente, exercendo, assim, o poder de constranger (power
to embarass).

Mais tarde foram criados os Informes Temáticos que tratam sobre assuntos de
alcance regional e são utilizados para estabelecer padrões e princípios em prol da proteção
dos direitos humanos (MORA, 2013; ABRAMOVICH, 2009).

É importante destacar o papel das Relatorias. Elas foram criadas pela CIDH a
partir de 1990, para atender a determinados grupos, comunidades e povos que estão
especialmente expostos a violações de direitos humanos em razão da situação vulnerável
e discriminação história de que têm sido alvo. Atualmente, as Relatorias estão divididas
em 13, a saber: Relatoria sobre os Direitos dos Povos Indígenas (1990); Relatoria sobre
Direitos da Mulher (1994); Relatoria sobre os Direitos das Pessoas Migrantes (1996);
Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão (1997); Relatoria Sobre os Direitos da
Criança e Adolescentes (1998); Relatoria sobre Defensores de Direitos Humanos (2001);
Relatoria sobre os Direitos das Pessoas Privadas de Liberdade (2004); Relatoria sobre os
Direitos dos Afrodescentes e contra a Discriminação Racial (2005); Relatoria sobre os
Direitos das Pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersex (2014); Relatoria
Especial para Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (2017); Relatoria
sobre Memória, Verdade e Justiça (2019); Relatoria sobre os Direitos do Idoso (2019);
Relatoria sobre as Pessoas com Deficiência (2019). Sobre o tema, MAZZUOLI17 explica:

Dentre as atribuições da Comissão, está a de “preparar estudos ou relatórios


que considerar convenientes para o desempenho de suas funções.” Para
tanto, pode ela, inclusive, designar relatores temáticos. Esses estudos e
relatórios podem ser de variada índole, indo desde um simples relatório até
a elaboração de um projeto de tratado. Os temas também são dos mais
distintos, podendo dizer respeito a temas específicos (como a proteção dos
povos indígenas ou dos direitos da mulher etc.) ou mais genéricos (como
as deficiências na administração da Justiça de diversos países, a questão da
liberdade de expressão etc.).

Quanto à Relatoria sobre os Direitos das Pessoas Privadas de Liberdade, ela foi
formalmente estabelecida durante a 119ª sessão ordinária da CIDH, em março de 2004.

17
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos: Pacto
de San José da Costa Rica.2.ed. rev. atual.amp. Coord. Luiz Flávio Gomes e Rogério Sanches Cunha. São
Paulo: RT, 2009, p. 234.
Desde então, esse Gabinete do Relator vem monitorando a situação das pessoas
submetidas a qualquer forma de privação de liberdade nos Estados membros da OEA.

Nesse cenário, é importante destacar que referida Relatoria adotou os Princípios


e Boas Práticas para a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas, por
meio da Resolução 1/08 em 13 de março de 200818.

Tal documento apresenta princípios gerais, princípios relativos às condições de


privação de liberdade e princípios relativos aos sistemas de privação de liberdade, dentre
os quais se destacam: tratamento humano, igualdade e não discriminação, imparcialidade,
liberdade pessoal, legalidade e devido processo legal. Apresenta também uma série de
direitos e garantias fundamentais reconhecidos nos tratados internacionais sobre direitos
humanos e na jurisprudência do sistema interamericano. Abrange, ademais, diversas boas
práticas, medidas preventivas e de proteção para as pessoas privadas de liberdade em
variadas circunstâncias.

Os Princípios e Boas Práticas para a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade


nas Américas não é um documento vinculativo, todavia, tanto a Corte, quanto a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos recorrem a ele para interpretar os tratados quando
decidem sobre uma situação de possível violação dos direitos humanos das pessoas
privadas de liberdade.

O princípio XII do referido documento dispõe sobre a estrutura da unidade


penitenciária, que deve ter espaço suficiente, com exposição diária à luz natural,
ventilação e calefação apropriadas, segundo as condições climáticas do local de privação
de liberdade. Devem receber cama individual, roupa de cama adequada e as demais
condições indispensáveis para o descanso noturno. As instalações devem levar em conta,
entre outras, as necessidades especiais de quem precisa. Além do que, prevê que terão
acesso às instalações sanitárias higiênicas e em número suficiente, que assegurem
privacidade e dignidade, além de produtos básicos de higiene e água.

O princípio VXII estabelece medidas contra a superlotação e proíbe a ocupação


do estabelecimento acima do número de vagas disponíveis. Estabelece que quando tal
fato ocorrer, os Estados deverão investigar as razões que a motivaram e determinar as

18
Princípios e Boas Práticas na Proteção de Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas Latim..
Disponível em: https://cidh.oas.org/pdf%20files/PRINCIPIOS%20PORT.pdf.
respectivas responsabilidades individuais dos funcionários que tenham autorizado, bem
como deverão adotar medidas para que isso não se repita.

É importante ressaltar que pessoas, grupos de pessoas ou organizações podem


enviar petições individuais à Comissão Interamericana de Direitos Humanos em casos de
violações de direitos humanos em um país, desde que a petição cumpra alguns requisitos,
tais como o fato ter violado um dos direitos da Convenção, o esgotamento dos recursos
internos e a existência de outros processos de âmbito internacional acerca dos fatos
denunciados, entre outros. Em caso de admissibilidade pela Comissão, as petições
apresentadas serão enviadas ao Estado para que apresente suas observações.

Inclusive, em qualquer etapa do processo, antes da admissibilidade, as partes


podem optar por uma solução amistosa. Sendo possível um acordo e observados os
requisitos, a CIDH verificará se a vítima ou seus beneficiários consentiram no acordo de
solução amistosa e se esse acordo se fundamenta no respeito aos direitos humanos
reconhecidos na Convenção Americana, na Declaração Americana e em outros
documentos pertinentes. Caso seja confirmada essa hipótese, a Comissão aprovará um
relatório com uma exposição dos fatos e a solução obtida, o encaminhará às partes e o
publicará.

Caso envolva situações de gravidade ou urgência, poderá a Comissão, por


iniciativa própria ou a pedido da parte, requerer que o Estado adote medidas cautelares
para prevenir danos irreparáveis às pessoas ou ao objeto do processo com base em uma
petição ou caso pendente. Em caso de não cumprimento ou ineficácia das medidas
cautelares, a CIDH pode solicitar à Corte medidas provisionais.

A Comissão, sobretudo, estimula a consciência dos direitos humanos nos povos


da América. Ela lida com todas as pessoas que habitam qualquer território do Continente
americano. É ela o canal de comunicação e atuação que permite a consolidação de um elo
de inestimável valor humanitário entre a Declaração Universal dos Direitos do Homem,
Declaração Interamericana dos Deveres e Direitos do Homem, a ONU e a OEA como
organizações internacionais, e a vida prática em que a salvaguarda dos direitos humanos
é violada. 19

19
MENDONÇA, Henrique Guelber de. O iter processual perante a corte interamenricana de direitos
humanos. 2009. 259 f. Dissertação (Mestrado em Direito Civil Constitucional; Direito da Cidade; Direito
Assim, conclui-se que a Comissão interage de duas formas com os sistemas
protetivos: submete o caso de violação à Corte IDH ou confecciona um Segundo Informe,
relatório endereçado à OEA, que será publicado e encaminhado a todos os Estados Partes,
ressaltando que a dimensão conciliadora de sua atuação não pode ser renegada

Conforme nota-se do gráfico20 abaixo, a Comissão Interamericana, entre os anos


de 2006 a 2020, recebeu mais de 1.671 petições em face do Brasil, sendo 10 casos
enviados à Corte Interamericana:

Quanto à Corte Interamericana de Direitos Humanos, esta possui sede em São


José, na Costa Rica, é um órgão judicial autônomo que tem como objetivo aplicar e
interpretar a Convenção Americana de Direitos Humanos e outros tratados de proteção
aos direitos humanos. Foi criada em 1979, sendo composta de juristas de reputação ilibada
e reconhecida competência no campo dos direitos humanos, eleito à título pessoal. Ela é
o segundo tribunal especializado na tutela dos direitos humanos em seu formato que se
tem notícia na História, sendo o Tribunal Europeu de Direitos Humanos o primeiro.

A Corte possui competência contenciosa e consultiva, seja, no primeiro caso,


basicamente para interpretar cláusulas presentes na Convenção, excluindo determinada

Internacional e Integração Econômica; Direi) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2009.
20
Estatísticas da Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre petições, casos e medidas cautelares.
disponivel em https://www.oas.org/es/cidh/multimedia/estadisticas/estadisticas.html
dúvida que possa existir, ou para o enfrentamento, no segundo caso, de fatos vinculados
à violação dos direitos humanos.

Em sua competência jurisdicional, a Corte pode apreciar casos com denúncias de


violação dos direitos protegidos por qualquer um dos tratados do Sistema Interamericano,
desde que apresentados pela Comissão Interamericana ou por um Estado Parte.
Diferentemente do procedimento ante a Comissão, as decisões emitidas pela Corte têm
força vinculante, ao ser sentença. Outra diferença é que somente podem apresentar casos
ou ser denunciados na Corte aqueles Estados que reconheceram a sua competência.

A Convenção Americana de Direitos Humanos - CADH, estabelece em seu art.


63.2 que em casos de extrema gravidade e urgência , a Corte IDH possui a faculdade de
expedir medidas provisórias para evitar danos irreparáveis às pessoas. Caso o assunto
ainda não esteja submetido ao seu conhecimento, poderá atuar a pedido da Comissão.

Desse modo, quanto às medidas provisórias, percebe-se que existem duas


possibilidades para sua concessão: a primeira delas, a Corte pode agir de ofício e
determiná-la nos casos que estiverem sendo processadas em seu seio e, segundo, ficam
condicionadas ao requerimento da Comissão, órgão perante o qual estará sendo
desenvolvido o procedimento eventualmente preparatório à atividade da Corte.

Apesar da semelhança entre as medidas cautelares e as provisórias, elas têm


competências diferentes. Enquanto estas são de competência da Corte, aquelas são da
Comissão. Esta, pode propor medidas cautelares para qualquer Estado, já a Corte só pode
aplicar para os Estados membros da Convenção. Outra diferença diz respeito ao
instrumento onde estão previstas: as cautelares estão dispostas na Convenção Americana
e as provisórias estão no Regulamento da Convenção. Além disso, as cautelares podem
ser adotadas em qualquer situação em que sejam relevantes, porém, as provisórias só
podem ser tomadas nos casos apreciados pela Corte ou a pedido da Comissão.

Esclarecidas as diferenças, passemos a citar os casos com medidas provisórias


processadas perante a Corte envolvendo o Brasil: Caso Gomes Lund e outros (Guerrilha
do Araguaia), Complexos do Tatuapé, Complexo Penitenciária de Pedrinhas, Complexo
Penitenciário de Curado, Penitenciária Dr. Sebastião Martins Silveira, Penitenciária Urso
Branco e Unidade de Internação Socioeducativa no Espírito Santo, que veremos com mais
detalhes a seguir.
É possível notar que a maioria das medidas provisórias expedidas contra o Brasil
trata sobre os direitos das pessoas privadas de liberdade. Assim sendo, grande parte da
jurisprudência da Corte IDH envolve a violação a esses direitos.

Quanto à jurisprudência, de acordo com Japiassú e Ferreira (2020), inicialmente,


a Corte reconhecia a violação da integridade pessoal da pessoa presa em razão da
conjugação da superpopulação com outras circunstâncias, como, por exemplo falta de
higiene, iluminação natural, ventilação21, tratamento médico inadequado, ausência de
cama para repouso22, isolamento ou restrições à comunicação23, isolamento em cela
reduzida24, restrições indevidas ao regime de visitas25, indisponibilidade de água.26

Apesar da Corte não fornecer uma definição de superlotação, ela constatou essa
situação em casos concretos, como no Caso Montero Aranguren e outros (Retén de Cátia)
vs. Venezuela27, onde considerou configurada a superlotação com base no conceito do
Comitê de Prevenção à Tortura e Tratamento ou Punição Desumano ou Degrante (CPT)
e na jurisprudência da Corte Européia de Direitos Humanos, o qual preconiza que o
espaço habitado coletivamente seria de quatro metros quadrados, e no caso, cada preso
dispunha de espaço individual equivalente a 30 centímetros quadrados. Entretanto, ao
determinar que o Estado tomasse providências para adequar os cárceres aos padrões
internacionais, não fixou qual seria o espaço individual mínimo para cada pessoa presa.

No caso Boyce e outros vs. Barbados, reconheceu-se a superpopulação mesmo


para os presos mantidos em celas individuais, pois os serviços devidos pelo Estado podem
ser prejudicados pela alta taxa de ocupação do estabelecimento penitenciário, como por
exemplo, a redução das atividades que se realizam fora da cela, sobrecarga dos serviços

21
Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Hilaire, Constantine e Benjamin e otros vs.Trinidad y
Tobago, 2002. Caso Caesar vs. Trinidad e Tobago, 2005. Caso Montero Aranguren e outros (Retén de
Catia) vs. Venezuela, 2006.
22
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Lópes Álvares vs. Honduras, 2006
23
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Fermin Ramirez vs. Guatemala,
2005. Caso Tibi vs. Ecuador, 2004.
24
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Lori Berenson Mejia vs. Perú, 2004.
25
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Raxcacó Reyes vs. Guatemala, 2005.
Caso del Penal Miguel Castro Castro vs. Perú, 2006. Yvon Neptune vs. Haiti, 2008. Caso Fleury e otros vs.
Haití, 2011.
26
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Pacheco Teruel e outros vs.
Honduras, 2012.
27
. CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Montero Aranguren e outros
(Retén de Catia) vs. Venezuela, 2006.
de saúde; problemas de higiene, acessibilidade reduzida às instalações de lavatório e
sanitário, etc. 28

O caso Pacheco Teruel e outros vs. Honduras29 representou um avanço


significativo na jurisprudência da Corte, ao reconhecer que a superlotação, por si só,
caracteriza uma violação da integridade pessoal, além de ser um obstáculo ao efetivo
desempenho das funções essenciais dos centros penitenciários. Ressaltou, também, a
importância da separação dos presos por categorias, reconheceu que a indisponibilidade
do acesso à água potável implica uma grave violação por parte do Estado de seus deveres
e garantias com as pessoas sob sua custódia. Também determinou que os alimentos
fornecidos às pessoas privadas de liberdade devem ser de boa qualidade e suficientemente
nutritivos e o atendimento médico deve ser periódico, feito por uma equipe médica
qualificada.

Questiona–se, então, quais sanções podem ser impostas aos Estados que não
cumprirem as decisões emanadas pela Corte?

Quando a Corte emite um acórdão no qual declara a responsabilidade


internacional de um Estado por violação de um ou mais direitos da Convenção
Americana, ela procede uma série de medidas de reparação, levando em conta as
necessidades de reparação das vítimas e os aspectos estruturais ou normativos causadores
da violação e exigem uma modificação por parte do Estado para evitar que se repita.
Assim, ao decidir a questão, a Corte pode exigir o restabelecimento do direito ou
liberdade violados, a reparação das consequências do ilícito e o pagamento de uma justa
indenização ao lesado. O controle da execução das sentenças cabe à Assembleia Geral da
OEA, que recebe anualmente um relatório dos casos julgados pela Corte.

A fiscalização do cumprimento das sentenças é um dos elementos que compõem


a função jurisdicional da Corte. A efetividade dos acórdãos depende de sua execução e,
para isso, o próprio Tribunal monitora diariamente se os Estados estão cumprindo as
reparações ordenadas por meio de diversos formulários (processo escrito, audiências,
visitas e notas do Cartório do Tribunal). O processo de fiscalização deve visar a

28
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Boyce e outros vs. Barbados, 2007.
29
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. CASO PACHECO TERUEL E OUTROS
VS. HONDURAS, parágrago 67. Disponível em:
https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_241_esp.pdf
materialização da proteção do direito reconhecido no Acórdão através da adequada
aplicação do referido pronunciamento judicial.

A efetiva implementação das decisões da Corte é a chave para a verdadeira


validade e eficácia do Sistema Interamericano de Direitos Humanos e é parte integrante
do direito de acesso à justiça.

Sobre o tema, COELHO (2008) sinaliza que caso o Estado infrator não cumpra as
determinações contidas na sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, a
instância política deverá ser acionada. Revela, então, poder-se dizer que a instância
política é a última instância de proteção dos direitos humanos no sistema
interamericano.30

Concluída a enunciação dos órgãos compostos pelo Sistema Interamericano,


vamos às discussões a respeito dos graves casos de violação aos direitos humanos dentro
dos presídios e outras unidades prisionais no território brasileiro.

4. AS MEDIDAS PROVISÓRIAS REFERENTES AO SISTEMA


PRISIONAL BRASILEIRO

Por meio do Decreto n. 4.463/2002, o Brasil reconheceu a competência


obrigatória da Corte Interamericana de Direitos humanos em todos os casos relativos à
interpretação ou aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São
José) de 1969, de acordo com o art. 62 da citada Convenção, sob reserva de reciprocidade
e para fatos posteriores a 10 de dezembro de 1998 (data do depósito da Declaração de
aceitação junto à Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos).31 Ou seja,
os fatos anteriores a dezembro de 1998 não podem ser julgados pela Corte IDH quanto
ao Brasil, salvo se as violações se protraírem no tempo.

No entanto, mesmo diante da existência de normas protetivas, tanto a nível


nacional, como internacional, o dever de preservar os direitos humanos no âmbito do
sistema prisional brasileiro não tem sido cumprido pelo Estado. E esse fato resta

30
COELHO, Rodrigo Meirelles Gaspar. Proteção Internacional dos Direitos Humanos: a Corte
Interamericana e a implementação de suas Sentenças no Brasil. Curitiba: Juruá, 2008.p.85.
31
Decreto nº 4.463/02. Art. 1º É reconhecida como obrigatória, de pleno direito e por prazo indeterminado,
a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos em todos os casos relativos à interpretação ou
aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José), de 22 de novembro de 1969,
de acordo com art. 62 da citada Convenção, sob reserva de reciprocidade e para fatos posteriores a 10 de
dezembro de 1998.
evidenciado, na seara internacional, pela atuação da Corte Interamericana de Direitos
Humanos, em decorrência das conhecidas e tão noticiadas violações a esses direitos.

Rebeliões constantes; motins frequentes com destruição de unidades prisionais;


violência entre encarcerados, com corpos mutilados e cenas exibidas pela mídia; óbitos
não explicados no interior dos estabelecimentos; denúncias de tortura e maus-tratos;
presas vítimas de abuso sexuais; crianças encarceradas; corrupção de agentes públicos;
superlotação; reincidência elevada; organizações criminosas controlando a massa
carcerária; custos elevados de manutenção de presos; falta de assistência jurídica e
descumprimento da Lei de Execução Penal são uma triste realidade encontrada nas
prisões brasileiras.

Tal cenário, inclusive, motivou a Câmara dos Deputados a instalar, no ano de


2009, a Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar a real situação das prisões
brasileiras32, concluindo, à época, que:

a superlotação é talvez a mãe de todos os demais problemas do sistema


carcerário. Celas superlotadas ocasionam insalubridade, doenças, motins,
rebeliões, mortes, degradação da pessoa humana. A CPI encontrou homens
amontoados como lixo humano em celas cheias, se revezando para dormir,
ou dormindo em cima do vaso sanitário.(CPI, 2009)

Nesse sentido, em seu relatório sobre a Situação dos Direitos Humanos no


Brasil33, a CIDH observa que o aumento da população carcerária e os altos níveis de
superlotação decorrem principalmente de uma política criminal que tenta solucionar
problemas de segurança privilegiando o encarceramento.

Durante uma visita ao Brasil, a CIDH também pôde observar condições


preocupantes nos centros de detenção visitados, como a superlotação. Assim, segundo
informações prestadas pelas respectivas autoridades carcerárias, a Penitenciária Agrícola
de Monte Cristo - com capacidade de alojamento de 650 pessoas - contava com quase o
dobro da ocupação, somando um total de 1.248 pessoas detidas. Igualmente, o Instituto

32
Brasil. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema
Carcerário. CPI sistema carcerário. – Brasília : Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2009. 620 p. –
(Série ação parlamentar ; n. 384)
33
CIDH, Informe sobre medidas dirigidas a reducir el uso de la prisión preventiva en las Américas, OEA/
Ser.L/V/II.163. Doc. 105, 3 de julho de 2017, parágrafo 86, e CIDH, Informe sobre el uso de la prisión
preventiva en las Américas, OEA/Ser.L/V/II., Doc. 46/13, 30 dezembro 2013, parágrafo. 100.
Penal Plácido de Sá Carvalho, com capacidade para 1.699 homens, abrigava 4.093. Já na
Cadeia Pública Jorge Santana, das 750 vagas, tinha uma ocupação de 1.833 pessoas
detidas no dia da visita34. A este respeito, a Comissão enfatiza o recente pronunciamento
da Corte Interamericana no sentido de que, quando as condições do estabelecimento se
deterioram como resultado da superlotação e outras violações daí decorrentes, “o
conteúdo aflitivo da penalidade ou privação de liberdade preventiva é aumentado a ponto
de que se torna ilegal ou antijurídica”.35

Diante do grave quadro de violação dos direitos humanos dentro do sistema


prisional brasileiro, a Corte Interamericana já expediu 44 medidas provisórias para
diversas unidades prisionais do Brasil36, assim distribuídas:

Unidades Prisionais no Brasil Nº de Medidas Provisórias

Caso Penitenciária Urso Branco37 10

Caso do Complexo Penitenciário Curado38 6

Caso Complexo Penitenciário de Pedrinhas39 3

Questão de Determinados Centros Penitenciários40 2

Caso Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho41 3

Caso Crianças e Adolescentes privados de liberdade no 6

34
Os dados relacionados à atual acomodação desses centros foram obtidos durante as visitas in loco da
CIDH entre 9 e 10 de novembro de 2018.
35
Corte IDH. Asunto del Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho respecto de Brasil. Medidas Provisionales.
Resolución de la Corte Interamericana de Derechos Humanos, 22 de novembro de 2018, parágrafo 92.
36
Análise de jurisprudência feita até 22/03/2022 no portal da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
37
Resolução da Corte de 25 de agosto de 2011; Resolução do Presidente da Corte de 26 de julho de 2011;
Resolução da Corte de 25 de novembro de 2009; Resolução da Presidenta da Corte de 17 de agosto de 2009;
Resolução da Corte de 2 de maio de 2008; Resolução da Corte de 21 de setembro de 2005; Resolução da
Corte de 7 de julho de 2004 ;Resolução da Corte de 22 de abril de 2004; Resolução da Corte de 29 de agosto
de 2002; Resolução da Corte de 18 de junho de 2002
38
Resolução da Corte de 28 de novembro de 2018; Resolução da Corte de 15 de novembro de 2017;
Resolução da Corte de 23 de novembro de 2016; Resolução da Corte de 18 de novembro de 2015; Resolução
da Corte de 7 de outubro de 2015; Resolução da Corte de 22 de maio de 2014
39
Resolução da Corte de 14 de outubro de 2019; Resolução da Corte de 14 de março de 2018; Resolução
da Corte de 14 de novembro de 2014
40
Resolução da Corte de 13 de fevereiro de 2017; Resolução da Presidenta da Corte de 20 de abril de 2021
41
Resolução da Corte de 22 de novembro de 2018; Resolução da Corte de 31 de agosto de 2017; Resolução
da Corte de 13 de fevereiro de 2017
“Complexo do Tatuapé” da FEBEM42

Penitenciária “Dr. Sebastião Martins Silveira” em 4


Araraquara, São Paulo43

Caso da Unidade de Internação Socioeducativa44 10

Nas decisões da Corte IDH consta, em seu primeiro item, que o Estado deve adotar
imediatamente todas as medidas que sejam necessárias à eficaz proteção à vida e à
integridade pessoal de todas as pessoas privadas de liberdade, bem como de qualquer
pessoa que se encontre nos estabelecimentos prisionais, inclusive os agentes
penitenciários, os funcionários e os visitantes.

O primeiro caso recebido pela Comissão e encaminhado para a Corte


Interamericana de Direitos Humanos foi o da violência na Casa de Detenção Dr. José
Mário Alves da Silva, conhecida como “Urso Branco” em Porto Velho, Rondônia, que
foi cenário de massacre cometido entre os próprios detentos. Estes, para que a
comunidade tomasse conhecimento da situação que estavam vivendo, cometeram um
homicídio sistemático cujos alvos eram outros detentos, resultando assim, na morte de 27
presos, com mais de 60 mortes até a data da apresentação da petição à Comissão.

O caso é, por tal motivo, considerado um parâmetro de análise e estudo tanto dos
mecanismos de processamento do Estado brasileiro perante o Sistema Interamericano de
Direitos Humanos, quanto um retrato da precária situação carcerária brasileira e suas
implicações no plano interno.45

42
Resolução da Corte de 25 de novembro de 2008; Resolução da Presidenta da Corte de 10 de junho de
2008; Resolução da Corte de 3 de julho de 2007; Resolução da Corte de 4 de julho de 2006; Resolução da
Corte de 30 de novembro de 2005; Resolução da Corte de 17 de novembro de 2005
43
Resolução da Corte de 25 de novembro de 2008; Resolução da Presidenta da Corte de 10 de junho de
2008; Resolução da Corte de 30 de setembro de 2006; Resolução da Corte de 28 de julho de 2006
44
Resolução da Corte de 15 de novembro de 2017; Resolução da Corte de 23 de junho de 2015; Resolução
do Presidente da Corte de 26 de setembro de 2014; Resolução da Corte de 29 de janeiro de 2014; Resolução
da Corte de 21 de agosto de 2013; Resolução da Corte de 20 de novembro de 2012; Resolução da Corte de
26 de abril de 2012; Resolução da Corte de 1 de setembro de 2011; Resolução do Presidente da Corte de
26 de julho de 2011 e Resolução da Corte de 25 de fevereiro de 2011.
45
BARBOSA, Márcio Coutinho. As medidas provisórias da Corte Interamericana de Direitos Humanos
no Caso
da Prisão Urso Branco. Disponível em: <http://www.webartigos.com/artigos/as-medidas-provisorias-da-
corteinteramericana-de-direitos-humanos-no-caso-da-prisao-urso-branco/23829/
A reiteração desses episódios de violência no Urso Branco culminou em 10
resoluções de supervisão de cumprimento de sentença, o ajuizamento de uma Ação Civil
Pública46 e um pedido de intervenção federal no Estado de Rondônia. Dentre as principais
medidas provisórias solicitadas pela Corte ao Estado brasileiro nesse caso, podemos citar:
a) a adoção de todas as medidas necessárias para proteger a vida e a integridade física dos
internos; b) Investigar as causas e os principais agressores do ocorrido, dando sanções
penais cabíveis a ele; c) que o Estado continue informando à Corte, a cada 02 meses,
sobre as medidas provisórias adotadas e que apresenta listas atualizadas de todos os
detentos que ingressaram na penitenciária e todos os que foram postos em liberdade;
ademais, que a Comissão, informe suas observações a respeito de tais relatórios.

Em agosto de 2011 o Estado brasileiro firmou um pacto que gerou um acordo


entre as partes para o levantamento das medidas protetivas47. Depois de 09 anos,
considerando a existência da investigação e algumas condenações penais pelos fatos
ensejadores das medidas provisórias, a Corte resolveu arquivar o procedimento, em 25 de
agosto de 2011, por considerar que as medidas foram satisfeitas.

O segundo caso, envolvendo o sistema penitenciário brasileiro, em que os órgãos


interamericanos de proteção foram provocados a atuar diz respeito às crianças e
adolescentes privados de liberdade no Complexo do Tatuapé, principal instalação da
Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor - FEBEM, em São Paulo.

A Corte acolheu o pedido da CIDH que fundamentava a urgência em razão da


morte de quatro internos e pelos ferimentos de dezenas deles sob a vigência das medidas
cautelares; apontaram a falta de separação por categoria dos jovens internados;
precariedade das condições sanitárias, física e de segurança, a carência de pessoal
treinado para cuidar das crianças e adolescentes.

Tais violações ocorreram num contexto de superlotação e insalubridade a que


estavam inseridos os reclusos, sem divisão por idade ou gravidade do ato praticado. Os
menores dormiam no chão e/ou dividiam o mesmo colchão. Eles eram obrigados a ficar

46
Ação Civil Pública n. 001.2000.012739-7, ajuizada pelo Ministério Público, cuja sentença ordenou, entre
outras disposições, reformas em Urso Branco e a contratação de agentes penitenciários por meio de
concurso público e em prazo determinado. Cf. parágrafo 27 da Resolução de Supervisão de Cumprimento
de Sentença de 25 de novembro de 2009.
47
“Pacto para Melhoria do Sistema Prisional do Estado de Rondônia e Levantamento das Medidas
Provisórias Outorgadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos”. ‹http://www.sejus.ro.gov.br›
(2.9.2012).
sentados nas celas sem poderem levantar-se ou movimentar-se. Além do que, não
possuíam atendimento médico, pedagógico, psicológico ou de lazer. As ameaças entre os
internos, brigas, alegações de torturas e motins eram produzidos com frequência, sem que
as autoridades remediassem a situação.

Neste caso, as medidas provisórias decididas pela Corte IDH foram: a) reduzir
substancialmente a aglomeração no Complexo do Tatuapé; b) confiscar as armas que se
encontrassem em poder dos jovens; c) separar os internos, conforme os padrões
internacionais sobre a matéria e tomando em conta o interesse superior da criança; e d)
brindar a atenção médica necessária às crianças internadas, de tal forma que se garanta
seu direito à integridade pessoal.

Tais medidas foram renovadas até o ano de 2008, quando, após uma audiência
pública, a Corte observou que desde a Resolução de 17 de novembro de 2005 foram
produzidos avanços, constatando assim, que houve o cumprimento das medidas impostas,
ante a desativação completa do Complexo do Tatuapé e a transferência dos jovens que ali
se encontravam para unidades de internação mais próximas do domicílio de suas famílias.

A Comissão Interamericana também submeteu à Corte o caso da penitenciária


“Dr. Sebastião Martins Silveira” em Araraquara/SP, pelo fato dos detidos estarem à céu
aberto, sem colchões, sem vestimentas adequadas ao inverno, sem eletricidade e luz
artificial e por receberem alimentos jogados por cima dos muros durante o dia, em razão
de uma série de ataques e rebeliões que culminaram na destruição total de um pavilhão
da unidade. A situação ainda se tornava mais grave pois as portas de acesso da
Penitenciária estavam soldadas, ficando os detidos à mercê da própria sorte, uma vez que
não havia médicos ou carcerários na prisão.

Nesse cenário, a Corte estabeleceu a necessidade do Estado recuperar o controle


da penitenciária permitindo o acesso de equipe médica; possibilitando alimentos aos
internos, roupas e produtos de higiene; reduzindo a superpopulação carcerária, que
chegou a 1000%48; dividindo por categoria os detidos; investigando os responsáveis pelas
violações, dentre outras.

48
Em uma área destinada a 160 detentos, estavam 160.
Dois anos depois, após a edição de mais algumas Resoluções, a Corte reconheceu
o cumprimento das imposições pelo governo brasileiro e determinou o levantamento das
medidas, pois a Penitenciária de Araraquara foi totalmente reformada e passou a
funcionar dentro de sua capacidade.

Em fevereiro de 2017, a Corte Interamericana expediu uma Resolução unificando


quatro medidas provisionais que corriam em seu âmbito, relacionadas às seguintes
instituições penitenciárias49: 1) Unidade de Internação Socioeducativa (no Estado do
Espírito Santo); 2) Complexo Penitenciário de Curado (no Estado de Pernambuco); 3)
Complexo Penitenciário de Pedrinhas (no Maranhão); e 4) Instituto Penal Plácido de Sá
Carvalho (no Rio de Janeiro), chamado, “supercaso” dos presídios brasileiros. Tais casos
apresentam circunstâncias de detenção que tornam impraticáveis a adequação aos padrões
mínimos estabelecidos pela comunidade internacional para o tratamento dos presos, bem
como configuram pressupostos de penas cruéis, desumanas e degradantes.

Na referida Resolução, a Corte ressaltou que a distância geográfica entre os quatro


estabelecimentos indicaria que se trata de um fenômeno de maior extensão, podendo ser
um indício de generalização, isto é, um problema de caráter estrutural em nível nacional
do sistema penitenciário. Assim, a Corte IDH solicitou que o Brasil respondesse 52
questões com dados específicos, dentre elas: número de detentos; índice de mortalidade;
situação de garantias legais como mandado de prisão, atendimento médico, visita íntima,
acesso a recursos judiciais, alimentação sadia, etc; valor do orçamento destinado a
melhorias; número de denúncias e de agentes condenados/suspensos por maus tratos e
tortura, entre outros.

Além disso, também solicitou ao referido país que indicasse as medidas concretas
adotadas para: 1) Limitar ou reduzir o número de presos em detenção preventiva; 2)
Reduzir a superpopulação carcerária; 3) Melhorar o serviço de atenção de saúde; 4)
Melhorar a investigação e sanção de faltas ou delitos por parte de pessoal penitenciário;
5) Ampliar o percentual de população penal que trabalha ou estuda; 6) Melhorar as
condições de alimentação, higiene e fornecimento de água; 7) Prevenir a introdução de
drogas nos estabelecimentos penais; 8) Prevenir a introdução de armas nos
estabelecimentos penais; 9) Prevenir ou evitar o enfrentamento de facções criminosas nos

49
Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 13 de fevereiro de 2017. Disponível em
https://www.conectas.org/wp-content/uploads/2017/02/Resolucion_Carceles_Brasil.pdf
institutos penais; 10) Treinar o pessoal no controle não violento de motins e rebeliões nas
prisões; e 11) Regulamentar racionalmente o uso da violência e o emprego de armas.

Como citado anteriormente, os presídios inseridos no supercaso possuem o


histórico de medidas provisórias emitidas pela Corte IDH. Abordaremos, de forma breve,
alguns aspectos de cada um.

A Unidade de Internação Socioeducativa - UNIS, de Cariacica, no Espírito Santo,


apresentava, no ano de 2009, um cenário de superlotação, pois num espaço que
comportava 110 adolescentes, abrigava aproximadamente 290 àquela época. Nesse
contexto, houve mortes violentas de adolescentes praticadas pelos próprios internos e que
muitos deles se tornaram alvo de espancamento, agressões e torturas, supostamente por
parte dos agentes do Estado e de outros adolescentes internados. A Comissão
Interamericana solicitou a adoção de medidas necessárias para garantir a vida e a
integridade física dos adolescentes internados na UNIS, porém, não produziram os efeitos
almejados, motivo pelo qual, a Comissão submeteu o caso à Corte Interamericana, que
foi acolhido em fevereiro de 2011.

Destaca-se entre as medidas estabelecidas pela Corte ao Estado brasileiro: que


adote as medidas necessárias para proteger a vida e a integridade pessoal dos adolescentes
privados de liberdade na UNIS, como de qualquer pessoa no recinto; garanta um regime
disciplinar compatível com as normas internacionais e realize gestões para que as medidas
de proteção à vida e integridade pessoal sejam planejadas e implementadas com a
participação dos representantes dos beneficiários; e, ainda que apresente informações
sobre as providências.

O Complexo Penitenciário de Curado em Pernambuco, também conhecido como


Presídio Professor Aníbal Bruno, foi alvo de medidas provisórias, as quais solicitavam
que o Brasil tomasse as providências necessárias para proteger de maneira eficaz a vida
e a integridade das pessoas presas, pois o estabelecimento teve denúncias de morte e
violência contra as pessoas privadas de liberdade, como espancamento, ameaças de
morte, choques elétricos, uso de cães para morder e/ou provocar feridas, tentativas de
homicídio, uso indiscriminado de balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo pelos
agentes penitenciários, violência sexual contra internos, de maneira individual e coletiva.
Dentre as principais medidas, destacam-se: a) elaborar e implementar um plano
de emergência em relação à atenção médica, em particular, aos reclusos portadores de
doenças contagiosas e tomar medidas para evitar a propagação destas doenças; b) elaborar
e implementar um plano de urgência para reduzir a situação de superlotação no Complexo
de Curado; c) eliminar a presença de armas de qualquer tipo dentro do referido Complexo;
d) que o Estado forneça informações sobre as medidas adotadas50.

Outro envolvido no supercaso, o Complexo Penitenciário de Pedrinhas, localizado


em São Luís, no Maranhão, num contexto de superlotação extrema (1.350 presos para
108 vagas na Penitenciária de São Luiz II), ausência de atendimento médico, escassez de
água e alimentos, registrou entre os anos de 2013 e 2014 a morte de 62 pessoas, sendo 22
delas em rebeliões ocorridas no presídio, com algumas decapitações. O caso, então, foi
levado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos e após mais cinco mortes na
unidade e a prisão de um dos diretores por envolvimento em caso de corrupção, o caso
foi transferido à Corte IDH.

Como medidas, a Corte requereu: a) A adoção de todas as medidas necessárias


para proteger a vida e a integridade física dos internos, funcionários e visitantes; b) Que
mantenha os representantes dos beneficiários informados sobre as medidas adotadas para
implementar a presente medida provisória; c.) Que informe à Corte a cada três meses,
contados a partir da notificação, sobre o andamento e o atendimento das medidas
provisórias solicitadas; d) Solicitou aos representantes dos beneficiários, que
apresentassem as observações que considerassem pertinentes ao relatório requerido no
ponto resolutivo anterior, dentro de um prazo de quatro semanas, contado a partir do
recebimento; e) Solicitou à Comissão que apresentasse as observações que considerasse
pertinentes ao relatório estatal e às correspondentes observações dos representantes dos
beneficiários dentro de um prazo de duas semanas, contado a partir da transmissão; f) E
ainda, dispôs que a Secretaria da Corte notificará a presente Resolução ao Estado, à
Comissão Interamericana e aos representantes dos beneficiários.

Por fim, o Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho - IPPSC, localizado no


Complexo Penitenciário de Gericinó, no município do Rio de Janeiro foi alvo de medidas
provisórias pela Corte IDH por solicitação da Comissão IDH que expôs o quadro de

50
Cf. Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 07 de outubro de 2015.
superlotação dentro da unidade, onde os detentos permaneciam mais de 14 horas do dia
em suas celas, sendo que mais da metade dormia no chão ou amontoados. Tais celas
possuíam infiltração, não tinham ventilação, nem luz natural e estavam infestadas de
pragas em razão dos problemas de higiene. Também havia sérias deficiências de
assistência à saúde e alimentação, tensões internas entre agentes e detentos, entre outros.
Além disso, houve notícia de mortes no IPPSC que, de acordo com a denúncia, à época,
respondia por 7.37% da população carcerária do estado do Rio de Janeiro, mas
concentrava 12.66% das mortes. Em ao menos 7 casos, os detidos faleceram no mesmo
dia em que foram transferidos aos centros assistenciais ou logo em seguida, com um ou
dois dias de diferença.

Desse modo, a Corte requereu que o Brasil adotasse todas as medidas necessárias
para proteger eficazmente a vida e integridade pessoal de todas as pessoas privadas de
liberdade no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, bem como que prestasse as
informações necessárias sobre as medidas adotadas e dispôs, entre outros, que uma
delegação da Corte IDH realizasse com a maior brevidade possível, uma visita ao referido
Instituto, com o fim de obter de forma direta informação pertinente das partes para
supervisionar o cumprimento das medidas provisórias, prévio consentimento e
coordenação com a República Federativa do Brasil. (Resolução de 13 de fevereiro de
2017)

É importante destacar que por meio da Resolução de 22 de novembro de 2018, a


Corte Interamericana proibiu o ingresso de novos presos no Instituto Penal Plácido de Sá
Carvalho e determinou o cômputo em dobro de cada dia de privação da liberdade
cumprido no local, salvo nos casos de crime contra a vida ou a integridade física e de
crimes sexuais, em que a diminuição da pena depende da avaliação em perícia
criminológica. Vejamos:

2. O Estado deve tomar as medidas necessárias para que, em atenção ao


disposto na Súmula Vinculante No. 56, do Supremo Tribunal Federal do
Brasil, a partir da notificação da presente resolução, novos presos não
ingressem no IPPSC e tampouco se façam traslados dos ali alojados a
outros estabelecimentos penais, por disposição administrativa. Quando, por
ordem judicial, se deva trasladar um preso a outro estabelecimento, o
disposto a seguir, a respeito do cômputo duplo, valerá para os dias em que
tenha permanecido privado de liberdade no IPPSC, em atenção ao disposto
nos Considerandos 115 a 130 da presente resolução.

3. O Estado deve adotar as medidas necessárias para que o mesmo cômputo


se aplique, conforme o disposto a seguir, para aqueles que tenham
egressado do IPPSC, em tudo que se refere ao cálculo do tempo em que
tenham permanecido neste, de acordo com os Considerandos 115 a 130 da
presente resolução.

4. O Estado deverá arbitrar os meios para que, no prazo de seis meses a


contar da presente decisão, se compute em dobro cada dia de privação de
liberdade cumprido no IPPSC, para todas as pessoas ali alojadas, que não
sejam acusadas de crimes contra a vida ou a integridade física, ou de crimes
sexuais, ou não tenham sido por eles condenadas, nos termos dos
Considerandos 115 a 130 da presente resolução.

5. O Estado deverá organizar, no prazo de quatro meses a partir da presente


decisão, uma equipe criminológica de profissionais, em especial psicólogos
e assistentes sociais, sem prejuízo de outros, que, em pareceres assinados
por pelo menos três deles, avalie o prognóstico de conduta com base em
indicadores de agressividade dos presos alojados no IPPSC, acusados de
crimes contra a vida e a integridade física, ou de crimes sexuais, ou por eles
condenados. Segundo o resultado verificado em cada caso, a equipe
criminológica, ou pelo menos três de seus profissionais, conforme o
prognóstico de conduta a que tenha chegado, aconselhará a conveniência
ou inconveniêcia do cômputo em dobro do tempo de privação de liberdade,
ou, então, sua redução em menor medida. (...)

Ao analisar a questão da superlotação no referido presídio, a Corte Interamericana,


levou em conta as sentenças mais significativas que, em situações semelhantes, foram
proferidas pela Corte Constitucional da Colômbia, pela Suprema Corte dos Estados
Unidos, pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos, bem como pelo Supremo Tribunal
Federal brasileiro (RE 641.320/RS e Súmula Vinculante nº 5651) e inovou, criando uma
alternativa para a redução populacional da unidade prisional brasileira.

Após quase três anos de monitoramento das medidas provisórias concedidas pela
Corte Interamericana no assunto do Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, o STJ, em

51
Súmula Vinculante n. 56 - A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do
condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados
no RE 641.320/RS.
decisão colegiada, mandou contar em dobro todo o período de pena cumprido em situação
degradante52, apoiando-se em compreensões de convergência em relação ao direito
internacional, aplicando o princípio pro personae, não fazendo distinção entre sentença
internacional e resolução de medidas provisórias, expressando que, ao sujeitar-se à
jurisdição da Corte Interamericana, o país alargaria o “espaço de diálogo com a
comunidade internacional”. (Nesse sentido, Costa e Lima53).

Desse modo, está clara a contribuição das medidas provisórias expedidas pela
Corte Interamericana para o controle de políticas públicas no Estado, a partir de uma
intervenção contemporânea pelo tribunal internacional em relação às situações jurídicas
controvertidas.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme evidenciado, a situação nos presídios brasileiros é caótica, destacando


a superlotação como a principal violação dos direitos humanos da pessoa privada de
liberdade, que, aliada à falta de políticas públicas capazes de garantir uma infraestrutura
mínima aos presídios, fazem com que a pena não cumpra as suas finalidades.
A superlotação, a falta de segurança interna, a má qualidade dos serviços, a
corrupção interna, rebeliões, violências, falta de atendimento das necessidades
fundamentais, dentre outros problemas, são incompatíveis com o direito de toda pessoa a
um tratamento humano e digno. Nesse ponto, é preciso lembrar que uma pessoa privada
de sua liberdade, deveria ter apenas esse direito suprimido, mantendo-se o respeito aos
demais quando da execução de sua pena, como a dignidade, a vida, a saúde e a integridade
física.
Considerando a perspectiva dos direitos humanos no contexto pós 2ª Guerra
Mundial, a omissão estatal na devida proteção dos direitos essenciais ao homem, gera,
subsidiariamente, controle e fiscalização por parte do sistema internacional, via, no caso
do Brasil, pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos e pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos.

52
Superior Tribunal de Justiça (STJ). Quinta Turma. AgRg no RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº
136.961, rel. min. REYNALDO SOARES DA FONSECA, julgado em 15 de junho de 2021.
53
COSTA, Taiz Marrão Batista da; LIMA, Tonny Teixeira de. Cômputo em dobro da pena cumprida em
situação degradante. Disponível em https://www.jota.info/opiniao-e-
analise/colunas/internacionalidades/computo-em-dobro-da-pena-cumprida-em-situacao-degradante-
13092021 - Acesso em 23/03/22.
Assim, no Brasil, após o Pacto de São José da Costa Rica e a criação da Comissão
e da Corte Interamericana de Direitos Humanos, impõe-se um sistema com importantes
ferramentas na concretização dos direitos protegidos pela Convenção Americana e pela
Organização das Nações Unidas, tidos como fundamentais em nossa sociedade. Dentre
essas ferramentas, estão, por exemplo, as observações in loco, os sistemas de petições e
relatorias, opiniões consultivas e medidas cautelares, que atuam, assim, de forma mais
contundente na promoção e proteção dos direitos humanos no continente.

Lamentavelmente, apesar do país demonstrar internacionalmente seu interesse em


preservar e legitimar os direitos humanos, a alta taxa de medidas provisórias determinadas
pela Corte aos presídios brasileiros demonstram a existência de um litígio estrutural que
envolve várias instituições estatais, bem como uma omissão persistente do Brasil para
evitar a violação massiva e sistemática dos direitos das pessoas privadas de liberdade.

Todavia, há de se ressaltar que a atuação da Corte por meio de medidas


provisionais têm contribuído para superação das omissões e insuficiências dos serviços
de proteção dos direitos humanos, no sentido de evitar danos irreparáveis aos indivíduos.
Porém, apontam a necessidade de se estabelecer um monitoramento contínuo das
situações de extrema gravidade e urgência, principalmente, quando se trata de pessoas
vulneráveis, como é o caso das pessoas privadas de liberdade.

Conclui-se, que, apesar de todos os mecanismos disponíveis, o Sistema


Interamericano de Direitos Humanos não tem condições de, sozinho, resolver ou
adjudicar todas as violações que ocorrem continuamente nos Estados que fazem parte da
Carta da Organização dos Estados Americanos e da Convenção Americana de Direitos
Humanos. Sendo assim, é necessário que as instituições estatais, sobretudo os órgãos do
sistema de justiça, velem pelo respeito aos direitos humanos em seus países, mediante a
aplicação do direito interno, mas sempre tendo em conta o marco normativo regional e os
precedentes da Corte e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

6. REFERÊNCIAS

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de Direitos Humanos no Caso da Prisão Urso Branco. Disponível em:
<http://www.webartigos.com/artigos/as-medidas-provisorias-da-corteinteramericana-de-
direitos-humanos-no-caso-da-prisao-urso-branco/23829/. Acesso em 02/03/2022
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da pena cumprida em situação degradante. Disponível em https://www.jota.info/opiniao-
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