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RESUMO
O presente artigo tem como objetivo analisar a falência do modelo punitivo brasileiro,
principalmente quanto a aplicação da pena privativa de liberdade a partir da análise de
denúncias feitas perante o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, envolvendo
questões como a superlotação dos presídios e casos de violações de direitos fundamentais
dos presos pelo Estado brasileiro, discutindo-se, em especial, como a Corte
Interamericana, tem agido para contribuir para o controle da população carcerária por
meio de medidas provisórias.
ABSTRACT
This article aims to analyze the failure of the Brazilian punitive model, mainly regarding
the application of the custodial sentence based on the analysis of complaints made before
the Inter-American System of Human Rights, involving issues such as overcrowding of
prisons and cases of violations of fundamental rights of prisoners by the Brazilian State,
discussing, in particular, as the Inter-American Court has acted to contribute to the control
of the prison population through provisional measures.
1
Mestranda em Direito Penal pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ.
1. INTRODUÇÃO
2
Disponível em https://drive.google.com/file/d/1n8Y9R7KhRit2D7xqoj46KiS46hR1-Q__/view
3
segundos dados coletados junto ao World Prision Brief. Disponível em
https://www.prisonstudies.org/highest-to-lowest/prison-population-total?field_region_taxonomy_tid=All
Acesso em 23/02/2022
4
De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), com dados até julho de 2021. Disponível
em
https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiYWIxYjI3MTktNDZiZi00YjVhLWFjN2EtMDM2NDdhZDM5
NjE2IiwidCI6ImViMDkwNDIwLTQ0NGMtNDNmNy05MWYyLTRiOGRhNmJmZThlMSJ9
5
STF. ADPF 347. Processo 0003027-77.2015.1.00.00000. Rel. Min. Marco Aurélio.
Estado tem o dever de garantir aos custodiados. Com ela, desenvolve-se um ciclo perverso
dentro das cadeias, pois, com celas superlotadas, presos ficam amontoados e passam a
lutar por espaços, o que gera conflito permanente, em um círculo vicioso. Com isso, a
própria relação entre presos e agentes penitenciários torna-se ainda mais precária e, assim,
a simples retirada de um interno transforma-se em missão perigosa, posto que os agentes
penitenciários ficam mais expostos à ira dos prisioneiros. Isso implica, invariavelmente,
na redução de diversos direitos do apenado, como exemplo a redução de banho de sol, de
saídas para estudo e trabalho, diminuindo também o tempo destinado à visitação de
familiares. Assim, pode-se dizer que a superlotação carcerária é a mãe de quase todos os
problemas que afligem o sistema carcerário, em especial brasileiro (Nesse sentido, ver:
TEIXEIRA, 2008)
6
JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; FERREIRA, Ana Lúcia Tavares. Superpopulação carcerária e
Sistemas Internacionais de Direitos Humanos. Revista Brasileira de Ciências Criminais. vol. 164. ano 28.
p. 159-197. São Paulo: Ed. RT, fevereiro 2020.
privadas de liberdade, bem como configuram pressupostos de penas cruéis, degradantes
e desumanas, em violação à Convenção Americana de Direitos Humanos.
7
Carta das Nações Unidas. Junho de 1945. Disponível em https://brasil.un.org/sites/default/files/2021-
08/A-Carta-das-Nacoes-Unidas.pdf
8
Artigo 55 - Com o fim de criar condições de estabilidade e bem-estar, necessárias às relações pacíficas e
amistosas entre as Nações, baseadas no respeito ao princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação
dos povos, as Nações Unidas favorecerão: (...) c. o respeito universal e a observância dos direitos humanos
e das liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, idioma ou religião.
9
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e direito constitucional. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 118
10
NEVES, Eduardo Viana Portela. Direito Penal Internacional como garantia dos Direitos Humanos. 2010.
259 f. Dissertação (Mestrado em Direito Civil Constitucional; Direito da Cidade; Direito Internacional e
Integração Econômica; Direi) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.
Humanos, transformando os valores nela proclamados em normas cogentes internacionais
e regionais.
Em relação à proteção dos direitos das pessoas privadas de liberdades, foco deste
estudo, pontua-se que a maior parte dos tratados internacionais e regionais de direitos
humanos contém dispositivos relacionados à esses direitos, tanto de forma direta quanto
indireta, proibindo a tortura e os tratamentos desumanos, degradentes e cruéis, dentre eles,
podemos destacar: a) Declaração Universal dos Direitos Humanos; b) Pacto Internacional
sobre Direitos Civis e Políticos; Convenção Americana sobre Direitos Humanos. c)
Declaração sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra a Tortura e Outras Penas ou
Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes d) Regras Mínimas para o Tratamento
dos Presos, também conhecidas como Regras de Mandela.
11
GOUVEA, Carolina Carraro. O controle Regional dos presídios brasileiros: sistema interamericano de
Direitos Humanos - Criminologias e Política Criminal II, CONPEDI, 2021, Florianópolis, p. 6 a 23.
Disponível em site.conpedi.org.br/publicacoes/276gsltp/az77w8u9
2008, mostrando a grande preocupação por parte dos governos em relação aos sistemas
prisionais: "as condições de superlotação, aumento da prisão e a ausência de programas
dentro das prisões muitas vezes os transformaram em depósitos humanos".12
Mas antes de procedermos à análise das demandas envolvendo a crise dos direitos
humanos nos presídios brasileiros perante a Comissão e a Corte Interamericana de
Direitos Humanos, faz-se necessário um breve resumo sobre as atribuições do Sistema
Interamericano de Direitos Humanos - SIDH.
Desde sua criação, esse sistema regional adotou uma série de instrumentos
internacionais de promoção e proteção dos direitos humanos, que se tornaram sua base
normativa. A Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida também como
Pacto de São José da Costa Rica e a Declaração Americana de Direitos e Deveres do
Homem deram início a este processo. Em seguida, vieram convenções e protocolos sobre
temas de tortura, pena de morte, violência contra a mulher, desaparecimentos forçados,
discriminação contra pessoas portadoras de deficiência e direitos econômicos, sociais e
culturais. Estas normativas internacionais evoluíram para a construção de um arcabouço
legislativo que reconheceu e definiu direitos, criando obrigações internacionais para os
Estados e estabelecendo órgãos de monitoramento do cumprimento destas obrigações.13
De acordo com Henry Steiner, apud Flávia Piovesan (2019, p. 120):
12
BENITO DURA, M., Análise da situação da prisão e sentenças alternativas na Ibero-América,
Conferências de Ministros da Justiça dos Países Ibero-Americanos, 2008, p.181
13
Disponível em
https://midia.mpf.mp.br/pfdc/hotsites/sistema_protecao_direitos_humanos/interamericano.htm
Conselho da Europa, já em 1950, adotava a Convenção Europeia de
Direitos Humanos. Em 1969, a Convenção Americana era adotada. (...) Em
1977, as Nações Unidas formalmente endossaram uma nova concepção,
encorajando ‘os Estados, em áreas em que acordos regionais de direitos
humanos ainda não existissem, a considerar a possibilidade de firmar tais
acordos, com vista a estabelecer em sua respectiva região um sólido aparato
regional para a promoção e proteção dos direitos humanos (Assembleia
Geral, resolução 32/127, 1977)’”14
Tratado Decreto
14
Henry Steiner, Regional arrangements: general introduction, material do Curso International Law and
Human Rights, Harvard Law School, 1994. Sobre o contexto no qual se delineia o sistema regional,
comenta Henry Steiner: “A Carta das Nações Unidas inclui obrigações legais concernentes aos direitos
humanos e quase todos os Estados hoje são partes da Carta. A Declaração Universal alcançou
reconhecimento universal e seus dois principais Pactos Internacionais, um de direitos civis e políticos e
outro de direitos sociais, econômicos e culturais, entraram em vigor. Há outras Convenções que consagram
direitos particulares, que receberam grande adesão. (...) Iniciativas semelhantes têm internacionalizado os
direitos humanos em uma base regional na Europa e na América Latina”.
15
Dados analisados em 25/03/2022
Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Decreto n.
Forçado de Pessoas, de 1994 8.766/2016
Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Assinada, mas não ratificada
Humanos das Pessoas Idosas, de 2015 pelo Brasil
Este é, portanto, o atual quadro do sistema protetivo dos direitos humanos nas
Américas. Agora, analisaremos a estrutura e as normas regulamentadoras da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos e a da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
16
Artigo 18 A Comissão tem as seguintes atribuições com relação aos Estados membros da Organização:
a. estimular a consciência dos direitos humanos nos povos da América; b. formular recomendações aos
Governos dos Estados no sentido de que adotem medidas progressivas em prol dos direitos humanos, no
âmbito de sua legislação, de seus preceitos constitucionais e de seus compromissos internacionais, bem
como disposições apropriadas para promover o respeito a esses direitos; c. preparar os estudos ou relatórios
que considerar convenientes para o desempenho de suas funções; d. solicitar aos Governos dos Estados que
lhe proporcionem informações sobre as medidas que adotarem em matéria de direitos humanos; e. atender
às consultas que, por meio da Secretaria‐Geral da Organização, lhe formularem os Estados membros sobre
questões relacionadas com os direitos humanos e, dentro de suas possibilidades, prestar assessoramento que
eles lhe solicitarem; f. apresentar um relatório anual à Assembléia Geral da Organização no qual se levará
na devida conta o regime jurídico aplicável aos Estados Partes da Convenção Americana sobre Direitos
Humanos e aos Estados que não o são; g. fazer observações in loco em um Estado, com a anuência ou a
convite do Governo respectivo; e h. apresentar ao Secretário‐Geral o orçamento‐programa da Comissão,
para que o submeta à Assembléia Geral.
Artigo 19 Com relação aos Estados Partes da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, a Comissão
exercerá suas funções de conformidade com as atribuições previstas na Convenção e neste Estatuto e, além
das atribuições estipuladas no artigo 18, terá as seguintes: a. atuar com respeito às petições e outras
comunicações de conformidade com os artigos 44 a 51 da Convenção; b. comparecer perante a Corte
Interamericana de Direitos Humanos nos casos previstos na Convenção; c. solicitar à Corte Interamericana
de Direitos Humanos que tome as medidas provisórias que considerar pertinente sobre assuntos graves e
urgentes que ainda não tenham sido submetidos a seu conhecimento, quando se tornar necessário a fim de
evitar danos irreparáveis às pessoas; d. consultar a Corte a respeito da interpretação da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos ou de outros tratados concernentes à proteção dos direitos humanos
dos Estados americanos; e. submeter à Assembléia Geral projetos de protocolos adicionais à Convenção
Americana sobre Direitos Humanos, com a finalidade de incluir progressivamente no regime de proteção
da referida Convenção outros direitos e liberdades; e f. submeter à Assembléia Geral para o que considerar
conveniente, por intermédio do Secretário‐Geral, propostas de emenda à Convenção Americana sobre
Direitos Humanos
Artigo 20 Com relação aos Estados membros da Organização que não são Partes da Convenção Americana
sobre Direitos Humanos, a Comissão terá, além das atribuições assinaladas no artigo 18, as seguintes: a.
dispensar especial atenção à tarefa da observância dos direitos humanos mencionados nos artigos I, II, III,
IV, XVIII, XXV e XXVI da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem; b. examinar as
comunicações que lhe forem dirigidas e qualquer informação disponível; dirigir‐se ao Governo de qualquer
dos Estados membros não Partes da Convenção a fim de obter as informações que considerar pertinentes;
e formular‐lhes recomendações, quando julgar apropriado, a fim de tornar mais efetiva a observância dos
direitos humanos fundamentais; e c. verificar, como medida prévia ao exercício da atribuição da alínea b,
anterior, se os processos e recursos internos de cada Estado membro não Parte da Convenção foram
devidamente aplicados e esgotados
moral que o envergonha publicamente, exercendo, assim, o poder de constranger (power
to embarass).
Mais tarde foram criados os Informes Temáticos que tratam sobre assuntos de
alcance regional e são utilizados para estabelecer padrões e princípios em prol da proteção
dos direitos humanos (MORA, 2013; ABRAMOVICH, 2009).
É importante destacar o papel das Relatorias. Elas foram criadas pela CIDH a
partir de 1990, para atender a determinados grupos, comunidades e povos que estão
especialmente expostos a violações de direitos humanos em razão da situação vulnerável
e discriminação história de que têm sido alvo. Atualmente, as Relatorias estão divididas
em 13, a saber: Relatoria sobre os Direitos dos Povos Indígenas (1990); Relatoria sobre
Direitos da Mulher (1994); Relatoria sobre os Direitos das Pessoas Migrantes (1996);
Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão (1997); Relatoria Sobre os Direitos da
Criança e Adolescentes (1998); Relatoria sobre Defensores de Direitos Humanos (2001);
Relatoria sobre os Direitos das Pessoas Privadas de Liberdade (2004); Relatoria sobre os
Direitos dos Afrodescentes e contra a Discriminação Racial (2005); Relatoria sobre os
Direitos das Pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersex (2014); Relatoria
Especial para Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (2017); Relatoria
sobre Memória, Verdade e Justiça (2019); Relatoria sobre os Direitos do Idoso (2019);
Relatoria sobre as Pessoas com Deficiência (2019). Sobre o tema, MAZZUOLI17 explica:
Quanto à Relatoria sobre os Direitos das Pessoas Privadas de Liberdade, ela foi
formalmente estabelecida durante a 119ª sessão ordinária da CIDH, em março de 2004.
17
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos: Pacto
de San José da Costa Rica.2.ed. rev. atual.amp. Coord. Luiz Flávio Gomes e Rogério Sanches Cunha. São
Paulo: RT, 2009, p. 234.
Desde então, esse Gabinete do Relator vem monitorando a situação das pessoas
submetidas a qualquer forma de privação de liberdade nos Estados membros da OEA.
18
Princípios e Boas Práticas na Proteção de Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas Latim..
Disponível em: https://cidh.oas.org/pdf%20files/PRINCIPIOS%20PORT.pdf.
respectivas responsabilidades individuais dos funcionários que tenham autorizado, bem
como deverão adotar medidas para que isso não se repita.
19
MENDONÇA, Henrique Guelber de. O iter processual perante a corte interamenricana de direitos
humanos. 2009. 259 f. Dissertação (Mestrado em Direito Civil Constitucional; Direito da Cidade; Direito
Assim, conclui-se que a Comissão interage de duas formas com os sistemas
protetivos: submete o caso de violação à Corte IDH ou confecciona um Segundo Informe,
relatório endereçado à OEA, que será publicado e encaminhado a todos os Estados Partes,
ressaltando que a dimensão conciliadora de sua atuação não pode ser renegada
Internacional e Integração Econômica; Direi) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2009.
20
Estatísticas da Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre petições, casos e medidas cautelares.
disponivel em https://www.oas.org/es/cidh/multimedia/estadisticas/estadisticas.html
dúvida que possa existir, ou para o enfrentamento, no segundo caso, de fatos vinculados
à violação dos direitos humanos.
Apesar da Corte não fornecer uma definição de superlotação, ela constatou essa
situação em casos concretos, como no Caso Montero Aranguren e outros (Retén de Cátia)
vs. Venezuela27, onde considerou configurada a superlotação com base no conceito do
Comitê de Prevenção à Tortura e Tratamento ou Punição Desumano ou Degrante (CPT)
e na jurisprudência da Corte Européia de Direitos Humanos, o qual preconiza que o
espaço habitado coletivamente seria de quatro metros quadrados, e no caso, cada preso
dispunha de espaço individual equivalente a 30 centímetros quadrados. Entretanto, ao
determinar que o Estado tomasse providências para adequar os cárceres aos padrões
internacionais, não fixou qual seria o espaço individual mínimo para cada pessoa presa.
21
Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Hilaire, Constantine e Benjamin e otros vs.Trinidad y
Tobago, 2002. Caso Caesar vs. Trinidad e Tobago, 2005. Caso Montero Aranguren e outros (Retén de
Catia) vs. Venezuela, 2006.
22
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Lópes Álvares vs. Honduras, 2006
23
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Fermin Ramirez vs. Guatemala,
2005. Caso Tibi vs. Ecuador, 2004.
24
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Lori Berenson Mejia vs. Perú, 2004.
25
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Raxcacó Reyes vs. Guatemala, 2005.
Caso del Penal Miguel Castro Castro vs. Perú, 2006. Yvon Neptune vs. Haiti, 2008. Caso Fleury e otros vs.
Haití, 2011.
26
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Pacheco Teruel e outros vs.
Honduras, 2012.
27
. CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Montero Aranguren e outros
(Retén de Catia) vs. Venezuela, 2006.
de saúde; problemas de higiene, acessibilidade reduzida às instalações de lavatório e
sanitário, etc. 28
Questiona–se, então, quais sanções podem ser impostas aos Estados que não
cumprirem as decisões emanadas pela Corte?
28
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Boyce e outros vs. Barbados, 2007.
29
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. CASO PACHECO TERUEL E OUTROS
VS. HONDURAS, parágrago 67. Disponível em:
https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_241_esp.pdf
materialização da proteção do direito reconhecido no Acórdão através da adequada
aplicação do referido pronunciamento judicial.
Sobre o tema, COELHO (2008) sinaliza que caso o Estado infrator não cumpra as
determinações contidas na sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, a
instância política deverá ser acionada. Revela, então, poder-se dizer que a instância
política é a última instância de proteção dos direitos humanos no sistema
interamericano.30
30
COELHO, Rodrigo Meirelles Gaspar. Proteção Internacional dos Direitos Humanos: a Corte
Interamericana e a implementação de suas Sentenças no Brasil. Curitiba: Juruá, 2008.p.85.
31
Decreto nº 4.463/02. Art. 1º É reconhecida como obrigatória, de pleno direito e por prazo indeterminado,
a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos em todos os casos relativos à interpretação ou
aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José), de 22 de novembro de 1969,
de acordo com art. 62 da citada Convenção, sob reserva de reciprocidade e para fatos posteriores a 10 de
dezembro de 1998.
evidenciado, na seara internacional, pela atuação da Corte Interamericana de Direitos
Humanos, em decorrência das conhecidas e tão noticiadas violações a esses direitos.
32
Brasil. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema
Carcerário. CPI sistema carcerário. – Brasília : Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2009. 620 p. –
(Série ação parlamentar ; n. 384)
33
CIDH, Informe sobre medidas dirigidas a reducir el uso de la prisión preventiva en las Américas, OEA/
Ser.L/V/II.163. Doc. 105, 3 de julho de 2017, parágrafo 86, e CIDH, Informe sobre el uso de la prisión
preventiva en las Américas, OEA/Ser.L/V/II., Doc. 46/13, 30 dezembro 2013, parágrafo. 100.
Penal Plácido de Sá Carvalho, com capacidade para 1.699 homens, abrigava 4.093. Já na
Cadeia Pública Jorge Santana, das 750 vagas, tinha uma ocupação de 1.833 pessoas
detidas no dia da visita34. A este respeito, a Comissão enfatiza o recente pronunciamento
da Corte Interamericana no sentido de que, quando as condições do estabelecimento se
deterioram como resultado da superlotação e outras violações daí decorrentes, “o
conteúdo aflitivo da penalidade ou privação de liberdade preventiva é aumentado a ponto
de que se torna ilegal ou antijurídica”.35
34
Os dados relacionados à atual acomodação desses centros foram obtidos durante as visitas in loco da
CIDH entre 9 e 10 de novembro de 2018.
35
Corte IDH. Asunto del Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho respecto de Brasil. Medidas Provisionales.
Resolución de la Corte Interamericana de Derechos Humanos, 22 de novembro de 2018, parágrafo 92.
36
Análise de jurisprudência feita até 22/03/2022 no portal da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
37
Resolução da Corte de 25 de agosto de 2011; Resolução do Presidente da Corte de 26 de julho de 2011;
Resolução da Corte de 25 de novembro de 2009; Resolução da Presidenta da Corte de 17 de agosto de 2009;
Resolução da Corte de 2 de maio de 2008; Resolução da Corte de 21 de setembro de 2005; Resolução da
Corte de 7 de julho de 2004 ;Resolução da Corte de 22 de abril de 2004; Resolução da Corte de 29 de agosto
de 2002; Resolução da Corte de 18 de junho de 2002
38
Resolução da Corte de 28 de novembro de 2018; Resolução da Corte de 15 de novembro de 2017;
Resolução da Corte de 23 de novembro de 2016; Resolução da Corte de 18 de novembro de 2015; Resolução
da Corte de 7 de outubro de 2015; Resolução da Corte de 22 de maio de 2014
39
Resolução da Corte de 14 de outubro de 2019; Resolução da Corte de 14 de março de 2018; Resolução
da Corte de 14 de novembro de 2014
40
Resolução da Corte de 13 de fevereiro de 2017; Resolução da Presidenta da Corte de 20 de abril de 2021
41
Resolução da Corte de 22 de novembro de 2018; Resolução da Corte de 31 de agosto de 2017; Resolução
da Corte de 13 de fevereiro de 2017
“Complexo do Tatuapé” da FEBEM42
Nas decisões da Corte IDH consta, em seu primeiro item, que o Estado deve adotar
imediatamente todas as medidas que sejam necessárias à eficaz proteção à vida e à
integridade pessoal de todas as pessoas privadas de liberdade, bem como de qualquer
pessoa que se encontre nos estabelecimentos prisionais, inclusive os agentes
penitenciários, os funcionários e os visitantes.
O caso é, por tal motivo, considerado um parâmetro de análise e estudo tanto dos
mecanismos de processamento do Estado brasileiro perante o Sistema Interamericano de
Direitos Humanos, quanto um retrato da precária situação carcerária brasileira e suas
implicações no plano interno.45
42
Resolução da Corte de 25 de novembro de 2008; Resolução da Presidenta da Corte de 10 de junho de
2008; Resolução da Corte de 3 de julho de 2007; Resolução da Corte de 4 de julho de 2006; Resolução da
Corte de 30 de novembro de 2005; Resolução da Corte de 17 de novembro de 2005
43
Resolução da Corte de 25 de novembro de 2008; Resolução da Presidenta da Corte de 10 de junho de
2008; Resolução da Corte de 30 de setembro de 2006; Resolução da Corte de 28 de julho de 2006
44
Resolução da Corte de 15 de novembro de 2017; Resolução da Corte de 23 de junho de 2015; Resolução
do Presidente da Corte de 26 de setembro de 2014; Resolução da Corte de 29 de janeiro de 2014; Resolução
da Corte de 21 de agosto de 2013; Resolução da Corte de 20 de novembro de 2012; Resolução da Corte de
26 de abril de 2012; Resolução da Corte de 1 de setembro de 2011; Resolução do Presidente da Corte de
26 de julho de 2011 e Resolução da Corte de 25 de fevereiro de 2011.
45
BARBOSA, Márcio Coutinho. As medidas provisórias da Corte Interamericana de Direitos Humanos
no Caso
da Prisão Urso Branco. Disponível em: <http://www.webartigos.com/artigos/as-medidas-provisorias-da-
corteinteramericana-de-direitos-humanos-no-caso-da-prisao-urso-branco/23829/
A reiteração desses episódios de violência no Urso Branco culminou em 10
resoluções de supervisão de cumprimento de sentença, o ajuizamento de uma Ação Civil
Pública46 e um pedido de intervenção federal no Estado de Rondônia. Dentre as principais
medidas provisórias solicitadas pela Corte ao Estado brasileiro nesse caso, podemos citar:
a) a adoção de todas as medidas necessárias para proteger a vida e a integridade física dos
internos; b) Investigar as causas e os principais agressores do ocorrido, dando sanções
penais cabíveis a ele; c) que o Estado continue informando à Corte, a cada 02 meses,
sobre as medidas provisórias adotadas e que apresenta listas atualizadas de todos os
detentos que ingressaram na penitenciária e todos os que foram postos em liberdade;
ademais, que a Comissão, informe suas observações a respeito de tais relatórios.
46
Ação Civil Pública n. 001.2000.012739-7, ajuizada pelo Ministério Público, cuja sentença ordenou, entre
outras disposições, reformas em Urso Branco e a contratação de agentes penitenciários por meio de
concurso público e em prazo determinado. Cf. parágrafo 27 da Resolução de Supervisão de Cumprimento
de Sentença de 25 de novembro de 2009.
47
“Pacto para Melhoria do Sistema Prisional do Estado de Rondônia e Levantamento das Medidas
Provisórias Outorgadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos”. ‹http://www.sejus.ro.gov.br›
(2.9.2012).
sentados nas celas sem poderem levantar-se ou movimentar-se. Além do que, não
possuíam atendimento médico, pedagógico, psicológico ou de lazer. As ameaças entre os
internos, brigas, alegações de torturas e motins eram produzidos com frequência, sem que
as autoridades remediassem a situação.
Neste caso, as medidas provisórias decididas pela Corte IDH foram: a) reduzir
substancialmente a aglomeração no Complexo do Tatuapé; b) confiscar as armas que se
encontrassem em poder dos jovens; c) separar os internos, conforme os padrões
internacionais sobre a matéria e tomando em conta o interesse superior da criança; e d)
brindar a atenção médica necessária às crianças internadas, de tal forma que se garanta
seu direito à integridade pessoal.
Tais medidas foram renovadas até o ano de 2008, quando, após uma audiência
pública, a Corte observou que desde a Resolução de 17 de novembro de 2005 foram
produzidos avanços, constatando assim, que houve o cumprimento das medidas impostas,
ante a desativação completa do Complexo do Tatuapé e a transferência dos jovens que ali
se encontravam para unidades de internação mais próximas do domicílio de suas famílias.
48
Em uma área destinada a 160 detentos, estavam 160.
Dois anos depois, após a edição de mais algumas Resoluções, a Corte reconheceu
o cumprimento das imposições pelo governo brasileiro e determinou o levantamento das
medidas, pois a Penitenciária de Araraquara foi totalmente reformada e passou a
funcionar dentro de sua capacidade.
Além disso, também solicitou ao referido país que indicasse as medidas concretas
adotadas para: 1) Limitar ou reduzir o número de presos em detenção preventiva; 2)
Reduzir a superpopulação carcerária; 3) Melhorar o serviço de atenção de saúde; 4)
Melhorar a investigação e sanção de faltas ou delitos por parte de pessoal penitenciário;
5) Ampliar o percentual de população penal que trabalha ou estuda; 6) Melhorar as
condições de alimentação, higiene e fornecimento de água; 7) Prevenir a introdução de
drogas nos estabelecimentos penais; 8) Prevenir a introdução de armas nos
estabelecimentos penais; 9) Prevenir ou evitar o enfrentamento de facções criminosas nos
49
Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 13 de fevereiro de 2017. Disponível em
https://www.conectas.org/wp-content/uploads/2017/02/Resolucion_Carceles_Brasil.pdf
institutos penais; 10) Treinar o pessoal no controle não violento de motins e rebeliões nas
prisões; e 11) Regulamentar racionalmente o uso da violência e o emprego de armas.
50
Cf. Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 07 de outubro de 2015.
superlotação dentro da unidade, onde os detentos permaneciam mais de 14 horas do dia
em suas celas, sendo que mais da metade dormia no chão ou amontoados. Tais celas
possuíam infiltração, não tinham ventilação, nem luz natural e estavam infestadas de
pragas em razão dos problemas de higiene. Também havia sérias deficiências de
assistência à saúde e alimentação, tensões internas entre agentes e detentos, entre outros.
Além disso, houve notícia de mortes no IPPSC que, de acordo com a denúncia, à época,
respondia por 7.37% da população carcerária do estado do Rio de Janeiro, mas
concentrava 12.66% das mortes. Em ao menos 7 casos, os detidos faleceram no mesmo
dia em que foram transferidos aos centros assistenciais ou logo em seguida, com um ou
dois dias de diferença.
Desse modo, a Corte requereu que o Brasil adotasse todas as medidas necessárias
para proteger eficazmente a vida e integridade pessoal de todas as pessoas privadas de
liberdade no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, bem como que prestasse as
informações necessárias sobre as medidas adotadas e dispôs, entre outros, que uma
delegação da Corte IDH realizasse com a maior brevidade possível, uma visita ao referido
Instituto, com o fim de obter de forma direta informação pertinente das partes para
supervisionar o cumprimento das medidas provisórias, prévio consentimento e
coordenação com a República Federativa do Brasil. (Resolução de 13 de fevereiro de
2017)
Após quase três anos de monitoramento das medidas provisórias concedidas pela
Corte Interamericana no assunto do Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, o STJ, em
51
Súmula Vinculante n. 56 - A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do
condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados
no RE 641.320/RS.
decisão colegiada, mandou contar em dobro todo o período de pena cumprido em situação
degradante52, apoiando-se em compreensões de convergência em relação ao direito
internacional, aplicando o princípio pro personae, não fazendo distinção entre sentença
internacional e resolução de medidas provisórias, expressando que, ao sujeitar-se à
jurisdição da Corte Interamericana, o país alargaria o “espaço de diálogo com a
comunidade internacional”. (Nesse sentido, Costa e Lima53).
Desse modo, está clara a contribuição das medidas provisórias expedidas pela
Corte Interamericana para o controle de políticas públicas no Estado, a partir de uma
intervenção contemporânea pelo tribunal internacional em relação às situações jurídicas
controvertidas.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
52
Superior Tribunal de Justiça (STJ). Quinta Turma. AgRg no RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº
136.961, rel. min. REYNALDO SOARES DA FONSECA, julgado em 15 de junho de 2021.
53
COSTA, Taiz Marrão Batista da; LIMA, Tonny Teixeira de. Cômputo em dobro da pena cumprida em
situação degradante. Disponível em https://www.jota.info/opiniao-e-
analise/colunas/internacionalidades/computo-em-dobro-da-pena-cumprida-em-situacao-degradante-
13092021 - Acesso em 23/03/22.
Assim, no Brasil, após o Pacto de São José da Costa Rica e a criação da Comissão
e da Corte Interamericana de Direitos Humanos, impõe-se um sistema com importantes
ferramentas na concretização dos direitos protegidos pela Convenção Americana e pela
Organização das Nações Unidas, tidos como fundamentais em nossa sociedade. Dentre
essas ferramentas, estão, por exemplo, as observações in loco, os sistemas de petições e
relatorias, opiniões consultivas e medidas cautelares, que atuam, assim, de forma mais
contundente na promoção e proteção dos direitos humanos no continente.
6. REFERÊNCIAS