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A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO SISTEMA CARCERÁRIO

BRASILEIRO COMO FATOR DETERMINANTE PARA O ÍNDICE DE


REINCIDÊNCIA CRIMINAL

THE VIOLATION OF HUMAN RIGHTS IN THE BRAZILIAN PRISON SYSTEM AS


A DETERMINING FACTOR FOR THE CRIMINAL RECURRENCE INDEX

Jayne Laiza Andrade Almeida1


Nícolas Itapuã Linhares Cavalcante2
Vicente Celeste de Oliveira Júnior3

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo abordar a reincidência criminal como resultado
da violação dos direitos humanos no sistema prisional brasileiro. A metodologia utilizada para
alcançar este objetivo foi a de pesquisa qualitativa com a utilização bibliográfica e documental,
bem como da análise de legislações presentes no ordenamento jurídico brasileiro. O referido
estudo constata a precariedade vivenciada no sistema penitenciário brasileiro que não vem
cumprindo com os seus reais objetivos e os direitos assegurados aos apenados acabam sendo
desrespeitados, havendo assim a violação dos direitos humanos juntamente com a dignidade da
pessoa humana assegurada pela Constituição Federal de 1988, bem como os direitos dos presos
regulamentados pela Lei de Execução Penal. Efeito disso são os elevados índices de
reincidência criminal no Brasil, assim como a dificuldade de reintegração desses indivíduos no
meio social.

Palavras-chave: Direitos humanos. Sistema prisional. Reincidência criminal.

Abstract: The present work aims to address criminal recidivism as a result of human rights
violations in the Brazilian prison system. The methodology used to achieve this objective was
qualitative research with the use of literature and documents, as well as the analysis of
legislation present in the Brazilian legal system. This study finds the precariousness

1
Acadêmica do curso Direito da Instituição de Ensino Superior (IES) da rede Ânima Educação. E-mail:
jayne.laiza@hotmail.com. Artigo apresentado como requisito parcial para a conclusão do curso de Graduação em
Direito da Instituição de Ensino Superior (IES) da rede Ânima Educação. 2022.
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Acadêmico do curso Direito da Instituição de Ensino Superior (IES) da rede Ânima Educação. E-mail:
nicolasitapua@gmail.com. Artigo apresentado como requisito parcial para a conclusão do curso de Graduação em
Direito da Instituição de Ensino Superior (IES) da rede Ânima Educação. 2022.
3
Orientador: Prof. Vicente Celeste de Oliveira Júnior. Curso de Extensão Universitária (UnB/UERN/UnP).
Graduado em Direito (UnB/UnP). Especialista em Direito Civil e Processo Civil (UFRN). Especialista em
Educação (UERN). Mestrado em Ambiente Tecnologia e Sociedade (Meio Ambiente - UFERSA - dissertação:
Direito e Inclusão). Mestrado em Educação (dissertação: Sistema Prisional Federal - UERN). Cursa o Doutorado
em Arquitetura e Urbanismo (tese: História da Arquitetura e o Poder - UFRN). Autor de livro (Brasília/DF) e autor
de capítulo de livro pelo Doutorado em Educação (UERJ). É citado em 452 artigos científicos no Brasil e exterior,
segundo o site: ACADEMIA (trabalhos acadêmicos e pesquisas). Currículo Lattes:
http://lattes.cnpq.br/8755911560333981
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experienced in the Brazilian penitentiary system that has not been fulfilling its real objectives
and the rights guaranteed to the convicts end up being disrespected, thus having the violation
of human rights together with the dignity of the human person guaranteed by the Federal
Constitution of 1988 , as well as the rights of prisoners regulated by the Penal Execution Law.
The effect of this is the high rates of criminal recidivism in Brazil, as well as the difficulty of
reintegrating these individuals into the social environment.

Keywords: Human rights. Prison System. Criminal Recidivism.

1. INTRODUÇÃO

A reincidência criminal é um dos problemas mais frequentes no âmbito do sistema


carcerário brasileiro. É visível que há um percentual elevado de apenados que após o
cumprimento da pena retornam para o convívio social e acabam cometendo novos crimes em
um curto período de tempo. Entretanto, apesar da série de delitos cometidos por reincidentes,
muitas vezes não se é analisada a perspectiva de que o próprio sistema prisional acaba por
impulsionar esse problema diante da ausência de condições dignas para o efetivo cumprimento
da pena no cárcere.
Cumpre salientar, contudo, que apesar dos delitos praticados por apenados devam
culminar em sanções que sejam capazes de puni-los por violações à lei, é inaceitável a violação
dos direitos humanos durante a fase de execução penal, tendo em vista que a Constituição
Federal de 1988 claramente não estabelece distinções quanto a estes e qualquer outro cidadão,
sendo todos sujeitos de dignidade, onde devem ser asseguradas às garantias fundamentais e os
direitos humanos.
Ademais, é importante ressaltar ainda que, a própria sociedade embora indiretamente
acaba contribuindo para o aumento do índice de reincidentes, de modo que visualiza a privação
de liberdade apenas como uma forma de castigo para o preso, e quaisquer benefícios que
busquem melhorar as condições dos apenados de modo que sejam reinseridos no convívio
social como sendo uma afronta a sociedade.
Paralelamente a isto, encontra-se a figura do Estado, que além da falta de investimentos
e do descaso ao longo dos anos perante a estrutura dos estabelecimentos prisionais, não
consegue promover a principal função da pena privativa de liberdade, qual seja, a de
ressocialização. Quanto a esses problemas, encontra-se a superlotação carcerária, assistência
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médica deficitária, maus tratos, ambientes insalubres, e o principal deles: a reincidência


criminal.
Desse modo, é indubitável que diante da situação caótica que os estabelecimentos
prisionais do Brasil se encontram, se faz necessário um sistema penal que respeite a estrutura
jurídica e que principalmente reconheça os direitos humanos.
Nesse ínterim, diante desse cenário de abrangente desigualdades, o presente trabalho irá
acordar acerca da violação dos direitos humanos dentro dos sistemas prisionais brasileiros, e de
que forma essa violação abrange todos os problemas citados e contribuem para o aumento do
número de reincidentes. Assim como, acerca do quanto a assistência precária aos detentos afeta
a aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana.
Quanto à abordagem, diz respeito a uma pesquisa científica majoritariamente
qualitativa, com foco na análise documental, através de dados obtidos por meio de relatórios de
pesquisa fornecidos pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), estabelecendo um cruzamento
dos dados com todas as pesquisas bibliográficas anteriores, como forma de embasar os objetivos
da pesquisa, objetivando reunir informações que servirão de fundamento teórico sobre o tema.
Assim, a metodologia utilizada na elaboração do presente artigo científico foi a
descritiva e exploratória, tendo em vista que utilizou-se dados bibliográficos que abordam a
temática em questão, tais como livros, artigos científicos e revistas científicas, bem como a
Constituição Federal de 1988, o Código Penal e a Lei de Execução Penal, como fontes
norteadoras do ordenamento jurídico brasileiro.

2. O SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO

2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO SISTEMA PRISIONAL

Inicialmente, conforme Santis e Engbruch (2016), em decorrência da colonização


portuguesa, o Brasil não possuía um Código Penal próprio até 1830, onde restou submetido às
Ordenações Filipinas. Não existia privação de liberdade e previsão de restrição, tendo em vista
que os movimentos penitenciários reformistas começaram apenas no final do século posterior,
posto isto as prisões serviram apenas como locais de custódia.
Ainda segundo Santis e Engbruch (2016), com a adoção de uma nova Constituição em
1824, o Brasil começa a modificar seu próprio sistema penal. Com isso, foram abolidas as penas
de tortura, açoite e demais castigos cruéis, com a exigência de que as cadeias sejam seguras,
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bem protegidas e bem endereçadas, com inúmeras casas para a separação dos réus, dependendo
das circunstâncias e natureza dos crimes cometidos. No entanto, devido ao fato de os escravos
ainda estarem sujeitos às penas cruéis, na época elas ainda não haviam sido completamente
abolidas.
De acordo com Taquary (2008), o Código Criminal do Império surgiu em 1830,
caracterizando a primeira sistematização do direito penal no Brasil, e sua estrutura perdurou até
a promulgação do atual Código Penal. Assim, acrescenta-se Santis e Engbruch (2016) que o
referido Código não introduziu nenhum sistema penitenciário especificamente, ficando à
responsabilidade para os governos provinciais com autoridade para selecionar e regular o tipo
apropriado de detenção.
Para Machado et al (2013), foi a partir do século XIX que começou o surgimento dos
presídios no Brasil, com oficinas de trabalho e celas individuais, além da arquitetura específica
para o sistema prisional. O Código Penal de 1890 permitiu a criação de novos tipos de prisão,
reconhecendo que não haveria mais penas perpétuas ou coletivas, restringindo-se às penas
caracterizadas pela privação de liberdade, com pena máxima de trinta anos. No que diz respeito
às penas privativas de liberdade, existem três sistemas penitenciários: o sistema Filadélfia (ou
celular), o Auburn (silent system) e, finalmente, o sistema Progressivo (inglês ou irlandês).
Segundo Leite (2019 apud ARRUDA, 2011), a primeira instalação prisional no Brasil
foi determinada pela Carta Régia de 1769 por meio da construção da Casa de Correção no Rio
de Janeiro. No que se refere ao sistema penitenciário adotado pelo Brasil, o Código Penal
assegura que:

Art. 33 [...]

§ 2º - “As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva,


segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as
hipóteses de transferência a regime mais rigoroso” (Redação dada pela Lei nº 7.209,
de 11.7.1984). (BRASIL, 1940)

Assim, conforme Binotto e Prado (2020), com a modificação do Código Penal em 1940,
e como pode-se vislumbrar o sistema que se manteve foi o Sistema Progressivo. Machado et al
(2013) ressalta ainda que, foi por meio da reforma do Código Penal trazida pela Lei 7.209/84,
que foi abolida a distinção entre penas principais e acessórias. Desse modo, através do atual
Código Penal existem somente as penas comuns (privativas de liberdade), as alternativas
(restritivas de direitos) e a multa.
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2.2 DIREITOS ASSEGURADOS AOS PRESOS

A Constituição Federal de 1988 assegura direitos que são garantidos às pessoas que
encontram-se privadas de sua liberdade, ou seja, assegura a preservação da humanidade dos
encarcerados. Assim, por meio da previsão constitucional do artigo 5°, inciso XLIX, “é
assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral''. (BRASIL, 1988)
Sendo assim, o respeito à integridade física significa não utilizar da violência, bem como
do abuso de autoridade que venha a causar lesões físicas ao apenado. No que concerne à
observância da integridade moral, são proibidas as chantagens, ameaças, pressões familiares,
assim como outras formas de violação à dignidade da pessoa humana.
Ademais, outro direito constitucionalmente garantido é o direito à assistência religiosa,
conforme redação dada pelo artigo 5°, inciso VII: “é assegurada, nos termos da lei, a prestação
de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva.” (BRASIL, 1988).
Desse modo, compreende-se que, embora seja possível privar o preso de sua liberdade a fim
de reabilitá-lo, não é possível privá-lo de assistência material, religiosa ou cultural. O direito à
assistência religiosa não conflita com a essência do Estado Laico, que expressa antes de tudo o
pluralismo e a cidadania.
No que diz respeito ao direito de defesa dos detentos, direito este que também possui
eficácia constitucional, possui fundamento jurídico na Lei de Execução Penal (LEP), a qual
prevê em seu artigo 41, inciso XIV, que constituem direitos dos presos “representação e petição
a qualquer autoridade, em defesa de direito.” (BRASIL, LEP, 1984)
Assim, é por meio do direito de petição que os presos denunciam casos de tortura ou
abuso cometidos dentro dos limites da prisão. Como resultado, as autoridades a quem a petição
é dirigida estarão obrigadas a receber, examinar e responder à petição e, se não o fizerem,
estarão infringindo um direito líquido e certo do apenado.
Nos casos em que o preso não possui condições financeiras suficientes para arcar com
os gastos advindos de advogado a fim de que este elabore a sua defesa criminal, a Constituição
Federal de 1988 garante em seu artigo 5°, inciso LXXIV, que: “o Estado prestará assistência
jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.” (BRASIL, 1988).
Desse modo, cabe ao Estado fornecer defensor público para que venha a prestar informações
ao preso, bem como prestar auxílio no que concerne em relação a sua defesa, realizando o
acompanhamento em todo o trâmite processual.
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Outro direito constitucional garantido é o expresso no artigo 5º, inciso LXXV da Carta
Magna, que versa: “o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que
ficar preso além do tempo fixado na sentença.”Por meio desse direito é assegurado aos
apenados a indenização correspondente no caso de erro na aplicação da pena, bem como no
caso do tempo de prisão ultrapassar o previsto na pena.
Além da Constituição Federal de 1988, que garante os direitos básicos dos detentos e
visa a reinserção desses indivíduos na sociedade, estão presentes também as legislações
ordinárias que asseguram outras garantias e benefícios estabelecidos aqueles que estão em
cumprimento de pena, sendo de suma importância mencionar a Lei de Execução Penal, em seu
artigo 41, que versa sobre:

Art. 41 - Constituem direitos do preso:

I - alimentação suficiente e vestuário;


II - atribuição de trabalho e sua remuneração;
III - Previdência Social;
IV - constituição de pecúlio;
V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a
recreação;
VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas
anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena;
VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa;
VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo;
IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado;
X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados;
XI - chamamento nominal;
XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena;
XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento;
XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito;
XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e
de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes;
XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade
da autoridade judiciária competente. (Incluído pela Lei nº 10.713, de 2003) (BRASIL,
1984)

Portanto, conclui-se que, a execução da pena deve estar de acordo com os objetivos que
lhe são atribuídos pelo ordenamento jurídico. Os direitos dos presos são invioláveis,
imprescritíveis e irrevogáveis, como qualquer outro direito humano. Dessa forma, os presos
devem ter os mesmos direitos que os cidadãos livres, com exceção do direito de ir e vir após o
trânsito em julgado da sentença penal condenatória, assim como outras restrições impostas
como resultado de sua privação de liberdade.
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3. GENERALIDADES SOBRE OS DIREITOS HUMANOS

3.1 BREVE HISTÓRICO E CONCEITO DOS DIREITOS HUMANOS

Segundo Comparato (2016), a história acerca do surgimento dos direitos humanos não
surgiu com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, apesar de possuir grande
relevância, a matéria abordada não tem uma origem específica. Isso ocorre pois todas as
sociedades possuem uma ética e/ou moral em comum, sendo exteriorizada em forma de direitos,
ou seja, os direitos humanos podem ser relacionados a um consenso religioso-cultural, sendo
fruto da evolução histórica.
Ademais, de acordo com Souza (2018), no que diz respeito à primeira forma de
declaração dos direitos humanos na história, pode-se afirmar que é atribuída ao Cilindro de
Ciro, uma peça de argila que contém os princípios de Ciro, rei da antiga Pérsia. Acrescenta-se
que, ao conquistar a cidade da Babilônia, em 539 a.C. Ciro libertou todos os escravos da cidade,
decretou que as pessoas teriam liberdade religiosa, assim como determinou a igualdade racial.
Souza (2018) acrescenta ainda que, os relevantes eventos da Revolução Francesa
repercutiram na constituição de um documento memorioso denominado Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão. No documento supracitado, foi garantido aos cidadãos
franceses o direito à liberdade, propriedade, segurança e resistência à opressão. Portanto, esses
documentos são apontados importantes precursores escritos para muitos documentos referentes
aos direitos humanos atuais, entre eles está a Declaração Universal de 1948.
Por conseguinte, conforme Bellinho (2014), a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, foi aprovada por unanimidade pela Assembléia Geral das Nações Unidas no dia 10
de dezembro de 1948, sendo a originária dentre as organizações internacionais que incluiu a
maioria dos povos da Terra, ao afirmar que “todos os homens nascem livres e iguais em
dignidade e direitos”. Assim sendo, reúne a declaração todos os aspectos dessa longa elaboração
teórica, ao declarar, no seu artigo VI, que todo homem tem direito de ser, em todos os lugares,
reconhecido como pessoa.
No que concerne ao conceito de direitos humanos, Pinheiro (2008) declara que pode ser
definido sob dois aspectos, sendo o primeiro referente a análise dos fundamentos desses
direitos, como um tema de elevada importância para a filosofia, sociologia e ciência política
contemporânea. Já o segundo aspecto diz respeito à abordagem jurídica dessa categoria de
direitos que está associada diretamente ao conjunto de tratados, convenções e legislações que
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possuem como objeto a definição e regulamentação dos mecanismos internacionais e nacionais,


garantidores dos direitos fundamentais da pessoa humana.
Dessa forma, segundo Pinheiro (2008), os direitos humanos são os direitos fundamentais
que o homem possui somente pelo fato de ser humano, sendo então resultante de sua natureza
e pela dignidade que a ela é inerente. Assim, conforme Farias (2015), os direitos humanos estão
relacionados diretamente ao princípio da dignidade da pessoa humana, tendo em vista que assim
como os direitos humanos, o mencionado princípio detém a ideia de que deve ser assegurada a
todas as pessoas o mínimo ideal de modo que se possa viver dignamente.

3.2 A IMPORTÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA


FRENTE A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

É inegável que o conceito de direitos humanos está intimamente relacionado ao


princípio da dignidade da pessoa humana, visto que esses direitos são expressões da dignidade
humana. Assim, no que diz respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, princípio no
qual todos os demais princípios constitucionais previstos encontram-se ancorados, tem-se que:

O princípio da dignidade da pessoa humana é consagrado pela Constituição da


República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 1º, inciso III, como sendo um
dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, o que denota a importância que
o princípio em questão possui em nosso ordenamento jurídico atual. (JUNIOR;
BRUGNARA, 2017, p. 02)

Dessa forma, de acordo com a citação, tem-se que o respeito à dignidade humana é
uma prerrogativa garantida a todos os cidadãos, deve ser aplicada sempre a proteção aos direitos
humanos sem qualquer tipo de limitação, ou seja, deve ser sempre compatível o Estado
Democrático de direito, sendo então uma garantia irrenunciável e imprescritível à condição
humana. Ademais, segundo Nucci (2020):

Para que o ser humano tenha a sua dignidade preservada torna-se essencial o fiel
respeito aos direitos e garantias individuais. Por isso, esse princípio é a base e a meta
do Estado Democrático de Direito, não podendo ser contrariado, nem alijado de
qualquer cenário, em particular, do contexto penal e processual penal. (NUCCI, 2020,
p. 130)
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Assim, com base no entendimento do doutrinador supracitado, destaca-se a abrangente


proteção e aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana, ou seja, é necessário que os
direitos humanos sejam assegurados a toda e qualquer pessoa humana, sem exclusão daqueles
que cometem crimes, pois a dignidade é tida como condição da própria existência humana e
por isso não pode ser retirada. Entretanto, em se tratando de pessoas privadas de liberdade nota-
se que há um total descaso por parte das autoridades públicas. De acordo com Fernandes e
Oliveira (2017):

A dignidade da pessoa humana ocupa um patamar superior ao princípio, pois todos os


direitos fundamentais a tem como base. Desse modo, os direitos fundamentais
garantidos ao homem, sejam aqueles positivados na CRFB, sejam aqueles
assegurados mediante Tratados e Convenções, possuem um valor e um centro de
interpretação comum, qual seja, o indivíduo deve ser tratado como um fim em
si mesmo, sendo respeitada, sob qualquer situação e em qualquer hipótese, a sua
dignidade. (FERNANDES; OLIVEIRA, 2017, p. 08)

Com base nos entendimentos dos mencionados autores, a dignidade da pessoa humana
serve como alicerce a todos os valores fundamentais garantidos pela Constituição Federal de
1988, de tal forma que deve ser assegurada sob qualquer hipótese, tendo vista que deve haver
a garantia do mínimo existencial a todos os indivíduos enquanto seres humanos, sempre
havendo a assistência às suas necessidades básicas existenciais. Nesse ínterim, Nucci (2014)
assevera que:

Há dois prismas para o princípio constitucional regente da dignidade da pessoa


humana: objetivo e subjetivo. Sob o aspecto objetivo, significa a garantia de um
mínimo existencial ao ser humano, atendendo as suas necessidades básicas, como
moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e
previdência social, nos moldes fixados pelo art. 7.º, IV, da CF. Sob o aspecto
subjetivo, trata-se do sentimento de respeitabilidade e autoestima, inerentes ao ser
humano, desde o nascimento, em relação aos quais não cabe qualquer espécie de
renúncia ou desistência. (NUCCI, 2014, p. 62)

Observa-se que segundo o autor, o princípio da dignidade da pessoa humana possui duas
perspectivas, sendo a primeira pautada na proteção das garantias mínimas da vida humana,
conforme estabelecido constitucionalmente, e a segunda caracterizando-se pela necessidade de
empatia com a coletividade, de modo que o respeito a todos os seres humanos deve-se iniciar a
partir do seu próprio nascimento.
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De acordo com Fernandes e Oliveira (2017), consolidando o caráter humanitário frente


ao princípio da dignidade da pessoa humana e sua execução no sistema prisional, o artigo 1° da
Lei de Execução Penal (LEP) preconiza que a finalidade da execução penal não se limita
somente a proceder a aplicação da penalidade imposta ao apenado, e sim a garantir ao preso
condições dignas durante o período em que se manter encarcerado, sendo um aspecto
imprescindível à sua reinserção na sociedade. Vale ressaltar ainda o disposto no artigo 85 da
LEP, que versa: “o estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com a sua estrutura e
finalidade”. Assim como, o artigo 88 da referida Lei, que assevera que:

Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho
sanitário e lavatório.
Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular:
a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e
condicionamento térmico adequado à existência humana;
b) área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados). (BRASIL, LEP, 1984)

Posto isto, a Lei de Execução Penal (LEP) garante aos detentos que sua repreensão
criminal seja realizada de forma digna e humana, estabelecendo condições básicas na estrutura
dos presídios de forma que os mesmos possam ter uma fase de cumprimento de pena harmônica
com os direitos fundamentais estabelecidos na Constituição Federal de 1988, e
consequentemente com a dignidade da pessoa humana.

3.3 A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO SISTEMA CARCERÁRIO


BRASILEIRO

Inicialmente, é importante definir o conceito de direitos humanos como sendo um


conjunto de normas que protegem e reconhecem as condições mínimas de existência de todos
os seres humanos. Posto isto, os direitos humanos regulam o modo como os cidadãos
individualmente convivem no meio social e em suas relações privadas, assim como seu vínculo
com o Estado e as obrigações que o Estado tem para com os indivíduos.
De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU): “Os direitos humanos
incluem o direito à vida e à liberdade, à liberdade de opinião e de expressão, o direito ao trabalho
e à educação, entre e muitos outros. Todos merecem estes direitos, sem discriminação.”
(UNRIC, 2019)
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Sendo assim, conforme a citação anterior, é indubitável que os direitos humanos


pertencem a todas as pessoas, sem qualquer distinção, ou seja, são direitos que detém a
característica da universalidade e que direcionam-se tanto aos que tiverem submetidos ao
encarceramento, independentemente do crime a qual cometeram, como aos que encontram-se
em liberdade.
Por conseguinte, apesar dos direitos humanos deter a função de resguardar a integridade
física e moral dos seres humanos diante das ações e omissões estatais, diversas vezes
observamos que estes direitos são negados para as pessoas que se encontram sob a custódia
estatal. A seguir, é possível verificar que a Carta Magna Brasileira de 1988 assegura a
inviolabilidade e a indivisibilidade dos direitos concernentes à vida:

Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-
se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
[...]
XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral; (BRASIL,
1988)

Desse modo, diante do teor do mencionado artigo, conclui-se que o Estado se mantém
incapaz de cumprir com a garantia dos direitos aos detentos, que frequentemente sofrem
violações, sendo o principal fator a falta de assistência às necessidades básicas dos presos,
desrespeitando diretamente a integridade física e moral dos mesmos. De acordo com Castro e
Wermuth (2021):

A infringência aos direitos humanos do contingente segregado no Brasil pode ser


considerada uma constante. A não observância das condições básicas à vida digna
transforma o sistema prisional nacional em espaço geograficamente delimitado de
afronta às diretrizes da Constituição Federal de 1988 e da Lei de Execução Penal.
(CASTRO; WERMUTH, 2021, p. 30)

Por meio dessa citação pode-se afirmar que o sistema prisional durante a fase de
cumprimento de pena deveria cumprir com suas atribuições em consonância com os direitos
humanos, consagrado na Constituição Federal de 1988 e na Lei de Execução Penal, por meio
da garantia de um ambiente em que a integridade física e moral dos apenados seja inteiramente
assegurada.
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Segundo a Lei de Execução Penal em seus artigos 12 e 14 o preso ou internado, terá


assistência material, em se tratando de higiene, a instalações higiênicas e acesso a
atendimento médico, farmacêutico e odontológico. No entanto, a realidade atual não
é bem assim, pois muitos dos presos estão submetidos a péssimas condições de
higiene. Ressaltando-se que as condições higiênicas em muitos estabelecimentos
prisionais são precárias e deficientes, além do acompanhamento médico inexistir em
alguns presídios. (MACHADO; GUIMARÃES, 2014, p. 08)

Portanto, conforme ressaltado pelos autores, o atual sistema prisional brasileiro


encontra-se em um estado caótico, vivenciando situações de precariedade e desestruturação,
tudo em consequência do descaso do Estado, da superlotação, e da falta de estrutura adequada,
o que dificulta assim a recuperação do detento e acaba por não promover a sua ressocialização.

4. A REINCIDÊNCIA CRIMINAL NO CONTEXTO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO


DO BRASIL

4.1 A REINCIDÊNCIA NO BRASIL

Preambularmente, é necessário definir o conceito de reincidência criminal, que significa


voltar a praticar um delito, após sofrer condenação, sob a condição de que não tenha
transcorrido o prazo de cinco anos entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a prática
do novo crime. Ressalta-se que o mencionado conceito jurídico está expressamente disciplinado
nos artigos 63 e 64 do Código Penal:

Art. 63 - Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de


transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por
crime anterior. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) (BRASIL, 1940)

Art. 64 - Para efeito de reincidência:


I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção
da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco)
anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se
não ocorrer revogação; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

II - não se consideram os crimes militares próprios e políticos. (BRASIL, 1940)

Dessa forma, os artigos supramencionados regulam a reincidência estabelecendo


requisitos necessários para que se justifique a incidência da agravante da reincidência, sendo o
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marco inicial da contagem do período delimitador da reincidência, o cumprimento ou extinção


da pena imposta pela sentença condenatória, e não o seu trânsito em julgado.
Entretanto, somente depois do trânsito em julgado, que a condenação se torna definitiva
é que, caso o acusado cometa nova infração penal, poderá ser considerado reincidente, contando
que não tenha ultrapassado o período depurador. Assim, se antes do trânsito em julgado da
condenação pela primeira infração, o réu voltar a cometer nova infração penal, não será
considerado reincidente, tendo em vista que para que se caracterize a reincidência é necessário
que a nova infração penal seja posterior ao trânsito em julgado da primeira condenação.
Posto isto, a redação dada pela Lei n° 7.209/1984, indubitavelmente, constitui critério
indispensável para uma série de análises referentes à dosimetria das penas e consequentemente
às sanções impostas pelo Código Penal. Ademais, no que diz respeito ao índice de reincidência
legal, tem-se um levantamento realizado pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias do
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que expõe:

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) indicou ser senso comum a


informação de que o fenômeno no país tivesse uma taxa em torno de 70%, isto é, a
cada dez pessoas liberadas do sistema prisional, sete voltariam a cometer novos crimes
e, portanto, seriam detectadas e processadas por órgãos do sistema de justiça criminal.
(BRASIL, CNJ, 2019)

Acerca da citação mencionada, verifica-se que o Brasil detém uma alta taxa de
reincidência criminal, ou seja, após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória a
grande maioria dos condenados voltam a cometer novo crime, o que acaba por caracterizar um
sistema carcerário falho que não cumpre com a sua função ressocializadora e nem promove a
garantia dos direitos intrínsecos dos apenados.

A Lei de Execução Penal tem muitos instrumentos para contribuir na problemática da


reincidência, possuindo recursos necessários para alterar o panorama em que hoje se
encontra o sistema prisional. Se fosse literalmente aplicada, alcançaria benefícios não
só para os detentos, mas para a sociedade de uma forma geral. (ABBADIE;
ARÃO; MATTOS, 2021)

Nesse contexto, de acordo com os autores, a questão da reincidência também está ligada
a aplicação omissa do próprio texto legal, apesar da Lei de Execução Penal (LEP)
expressamente dispor acerca de inúmeras garantias aos que se encontram em cumprimento de
14

pena privativa de liberdade, não é integralmente aplicada, ocasionando o insucesso na


recuperação do indivíduo.
Assim, no que se refere a Lei de Execução Penal (LEP), menciona-se o artigo 1°, que
versa: “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão
criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do
internado.” (BRASIL, LEP, 1984). Assim como o artigo 10°, também da referida Lei:
“Assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar
o retorno à convivência em sociedade”. (BRASIL, LEP, 1984)
Em suma, ao Estado é devido o direito de punir, como meio de resposta a conduta
delitiva, bem como de coibir a prática de novos crimes através da readaptação do condenado
socialmente. Porém, apesar da Lei de Execução Penal (LEP) oferecer inúmeros meios para que
esses objetivos sejam alcançados, o Estado não oferece estrutura alguma para o seu
cumprimento, não cumprindo efetivamente o que dispõe os referidos dispositivos. De acordo
com os entendimentos do doutrinador Bitencourt (2011):

Um dos fatores que podem ser analisados para constatar o fracasso das prisões, é o
elevado índice de reincidência, apesar de presumir que exista um trabalho de
reabilitação do preso, já que a principal função do sistema prisional é ressocializar, a
prática vem mostrando diferente. O que de fato ocorre nas prisões não só no Brasil,
como também em grande parte do mundo é que a realidade violenta e opressiva só
serve para reforçar os valores negativos do condenado.(BITENCOURT, 2011, p. 164)

Assim, a partir da citação do autor, entendemos que o Estado ao punir o indivíduo


infrator por meio da privação de liberdade sem a observância dos princípios básicos para o
cumprimento de pena, acaba falhando na ressocialização e consequentemente afetando seu
retorno à sociedade, pois o indivíduo acaba cometendo novos crimes.

4.2 A REINCIDÊNCIA CRIMINAL COMO CONSEQUÊNCIA DA VIOLAÇÃO


DOS DIREITOS HUMANOS NAS PENITENCIÁRIAS BRASILEIRAS

Os elevados índices de reincidência no Brasil vislumbram a ineficácia do sistema


carcerário brasileiro, que não cumpre com a sua função ressocializadora, devido às más
condições a que os apenados são submetidos durante o encarceramento. Os estabelecimentos
penais tornam-se verdadeiras escolas criminais, fora da prisão surge a desconfiança, desprezo
15

e a apatia por parte da sociedade e até mesmo do Estado. Ademais, a ausência de políticas
públicas que impulsionam a reintegração dos egressos ao mercado de trabalho provocam
automaticamente a sua segregação no ambiente social.

O reflexo da falência do sistema penal brasileiro é a situação degradante da vida nos


cárceres. Prova disso são os problemas de superlotação, consumo de drogas, maus
tratos, violência sexual, doenças, motins, rebeliões e tantas outras afrontas aos direitos
humanos. O que se observa são os fenômenos da invisibilidade pública e da
humilhação social, que negam o reconhecimento da dignidade humana e excluem um
grupo da sociedade. (DALBONI; OBREGON, 2017)

Nesse ínterim, com base nos referidos autores, observa-se que os direitos humanos são
nitidamente violados pelo Estado, de modo que suprimem condições básicas da vida humana,
desde a sua estrutura, aos maus tratos por parte dos agentes e da precariedade às condições de
saúde e higiene dos detentos. Assim, há demasiadamente a inobservância aos direitos subjetivos
dos presos, onde a sua integridade física e moral é amplamente fragilizada.

O preso, que geralmente integra a classe menos favorecida, já possui


diminuída suas expectativas de vida, e ao passar por tratamento desumano e
condições precárias dentro do sistema prisional terá aumentado ainda mais seu
sentimento de revolta. Com isso, são comuns as rebeliões com brigas de facc
ões rivais que deixam muitos mortos, com presos decapitados, queimados e
esquartejados. Toda essa situação diminui as chances de recuperação do indivíduo,
podendo levar a altos índices de reincidência, uma vez que nossas prisões são
ambientes degradantes e violadores dos direitos humanos. (RODRIGUES;
DELGADO; MIRANDA; FRIEDE, 2020)

De acordo com os autores, o tratamento oferecido aos que se encontram encarcerados é


extremamente degradante, tendo em vista que os mesmos sobrevivem em condições desumanas
que acabam ensejando sentimentos de revolta que propiciam o cometimento de novos delitos,
caracterizando assim a visível negligência por parte do poder público.

Observa-se que os direitos previstos tanto na Constituição quanto na Lei de Execução


Penal precisam ser mantidos, pois embora o sistema prisional se encontra em uma
situação lamentável o poder público dispõe de recursos suficientes para reconstituir o
sistema prisional brasileiro proporcionando aos presos a sua ressocialização,
entretanto a única coisa que falta é a iniciativa do Estado. (MACHADO e
GUIMARÃES, 2014, p. 13)
16

Com base na citação, percebemos a necessidade de criação de políticas públicas que


incentivem a reinserção dos egressos na sociedade, de modo que haja a efetiva observância dos
seus direitos como apenados, por meio de garantia de um ambiente digno e seguro aos
presidiários, assim como a ausência de necessidade de praticar novas condutas delitivas como
forma de subsistência. No que diz respeito ao contexto da reincidência criminal, tem-se os
entendimentos do doutrinador Bitencourt (2011):

Um dos fatores que podem ser analisados para constatar o fracasso das prisões, é o
elevado índice de reincidência, apesar de presumir que exista um trabalho de
reabilitação do preso, já que a principal função do sistema prisional é ressocializar, a
prática vem mostrando diferente. O que de fato ocorre nas prisões não só no Brasil,
como também em grande parte do mundo é que a realidade violenta e opressiva só
serve para reforçar os valores negativos do condenado.(BITENCOURT, 2011, p. 164)

Assim, a partir da citação do autor, entendemos que o Estado ao punir o indivíduo


infrator por meio da privação de liberdade sem a observância dos princípios básicos para o
cumprimento de pena, acaba falhando na ressocialização e consequentemente afetando seu
retorno à sociedade, pois o indivíduo acaba cometendo novos crimes.

Logo, a reincidência tem ligação direta com a forma de ressocialização oferecida aos
reclusos. Acreditamos que se dentro do sistema estes tivessem oportunidade de voltar
a sociedade com uma ajuda para ser inserido no mercado de trabalho, com educação
e principalmente com formação moral, os números de reincidentes seriam menores.
(FEITOZA; SILVA, 2018, p. 10)

Tendo isto, torna-se cada vez mais evidente que enquanto o sistema carcerário brasileiro
mantiver a postura inadequada que oferece condições insalubres aos presos ao invés de buscar
medidas que garantam aos mesmos ambientes propícios que satisfaçam as suas necessidades
vitais e ao mesmo tempo estimulem a sua reintegração ao mercado de trabalho, o índice de
reincidentes só tende a aumentar.

5. CONCLUSÃO

De acordo com toda a abordagem exposta na pesquisa científica, a violação dos direitos
humanos no âmbito do sistema carcerário brasileiro está diretamente relacionada à reincidência
17

criminal, uma vez que o tratamento oferecido aos apenados é totalmente indigno, não sendo
compatível com o disposto no artigo 5° da Constituição Federal de 1988.
Por essa razão, conclui-se que apesar da Constituição Federal de 1988 assegurar o
princípio da dignidade da pessoa humana como sendo um princípio basilar e supremo do Estado
Democrático de Direito, visto que é garantido a todos seres humanos indistintamente, essa
garantia vem sendo suprimida pelo Estado em decorrência da inobservância das condições
mínimas de existência humana nos presídios brasileiros. Assim, é possível afirmar que é
inconstitucional qualquer violação à dignidade da pessoa humana.
Ademais, conforme disposto na Lei de Execução Penal (LEP) compreende-se que o
Estado deve respeitar a integridade física e moral dos presos, no entanto o mesmo não vem
logrando êxito com o previsto em lei, tendo em vista que nem ao menos ocorre o cumprimento
legal dos direitos garantidos aos presos. Na verdade, o que se observa é a precariedade dos
estabelecimentos prisionais, sendo claramente uma realidade bem distante da disposta no
ordenamento jurídico.
Desse modo, os elevados índices de reincidência criminal no Brasil são principalmente
uma consequência das condições que são oferecidas àqueles que se encontram privados de sua
liberdade, mostrando-se um sistema carcerário ineficaz que falha imoderadamente na sua
função ressocializadora. Além disso, devido aos altos índices de superlotação, ambientes
insalubres, déficit de higiene, bem como a ausência de segurança que acaba facilitando a
ocorrência de inúmeras situações de violência, tais como físicas, sexuais e psicológicas.
Portanto, resta demonstrado que as prisões acabam se tornando um ambiente favorável à
reincidência criminal, de modo que torna-se um local de aprendizado para mais crimes.
Com base nessa perspectiva, corrobora a ausência de políticas públicas que
impulsionem a reinserção dos apenados no convívio social, caracterizando-se dessa forma um
total desamparo por parte das autoridades para com esses indivíduos que juntamente com o
descaso e a indiferença da sociedade acaba levando o indivíduo a cometer novos crimes. Nesse
ínterim, observa-se que os direitos resguardados na Constituição Federal de 1988 e na Lei de
Execução Penal (LEP) precisam ser mantidos, tendo em vista que apesar do poder público
valer-se de recursos suficientes para restaurar o sistema carcerário brasileiro, o que falta é a
iniciativa por parte do Estado de viabilizar aos detentos que a execução da pena esteja em
conformidade com os direitos humanos.
18

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