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Zero

A mercê das garras de um tigre, sob os olhos de coruja, devorar-te. A mente


és a morada do medo, janela para o frágil coração.

O céu aos prantos derramava suas lágrimas, envolto do aspecto acinzentado e


carregado pelas nuvens. A chuva caia, passos ínfimos de gotas formavam a doce e
calma sonoridade de sua queda. O frio era seu aliado, acompanhando as gotas da
chuva com o ruir da ventania gélida. Acometia a província como uma capa, regando
suas plantações com carícia, escorrendo pelas telhas das casas e edifícios. Ainda que
o choro do céu fosse de bom grado, em calmo semblante, muitos optaram pelo
abrigo, deixando as pequenas ruas e becos vazios.

A tarde já começava a se render à noite, ocultada pelo sol devorado pelas


nuvens. Nada além da chuva cotidiana, tratada com banalidade pelos residentes de
Obake. Apesar da extensão, simplicidade cobriam os cidadãos. As escolas
prosseguiam normalmente, enquanto alunos se preparavam para voltar para suas
casas. As lojas se arrumavam e se recolhiam enquanto os vendedores faziam as
contas do dia. Um bar ao centro já começava a receber os clientes de um happy hour
na medida que as garçonetes iam limpando. Os que não escolhiam o peso do álcool
escolheram um simples e quente café, em uma cafeteria pouco movimentada.

Os pouquíssimos ao lado externo portavam suas proteções, e de longe podia-


se ver o grupo de pessoas se formando em um amontoado de guarda-chuvas. As
vozes e cochichos pareciam um coro decorado de curiosidade na medida que se
sobrepunham. Madames, senhoras, senhores e crianças se juntavam ao tom do
mistério, e do choque que os acompanhava. O improvisado grupo se manteve atrás
dos cones e fitas de listras vermelhas e amarelas.

O motivo não poderia ser mais claro. Corpos. Cadáveres cobertos pelo frio e
solitário saco preto fechado por um mero e enfadonho nó de corda. Alinhados como
um time fúnebre, sem vida e expressão, formavam um grupo de quatorze mortos.
Logo, o resto do time chegaria, sendo carregados pelos homens da perícia. Os fiscais
da morte, trajados do inverso tom branco e capas de chuva sob as vestes policiais e
siglas estampando o ombro e costas. O tom azul e vermelho das luzes que emanavam
dos carros da polícia era visto de longe, e os oficiais apenas se mantiveram ao lado
de suas viaturas dando carta branca ao trabalho da perícia. Alguns empunhavam seus
rádios, atualizando a situação. Outros apenas trocavam comentários entre si
especulando o ocorrido, sem ideias concretas.

O cerco policial se formava em frente a um casarão. Uma estrutura larga, mas


sem aspectos magnânimos ou requinte, tomando a forma de uma casa residencial ou
pequeno hotel. Com extrema atenção era possível enxergar a mancha vermelha na
grande cortina da varanda. A grande porta da frente, dupla, escancarada e mantida
sob guarda de dois policiais armados, ainda que de postura relaxada, baixando o
armamento. Aguardavam a prossecução do próximo corpo pelos peritos, que não
tardou. Questão de poucos minutos, outro saco preto era carregado por uma dupla.
O porte do cadáver era maior, demandando maior esforço dos peritos. Em passos
exaustivos, eles despejam o obeso corpo da vitima ao lado do grupo, alinhando a
formação morta.

Um carro estaciona ao lado das viaturas. Diferenciado, o veículo era de cor


preta, desprezando quaisquer traços policiais, mantendo disfarce. Chama a atenção
dos oficiais ao escutarem o derrapar das rodas sob a estrada molhada, porém não
sentem estranhamento ao se depararem com o carro. A porta esquerda se abre,
revelando um homem. O cabelo em corte quadrado foi rapidamente afetado pela
chuva, junto do olhar fechado. Semblante de trinta anos, cavanhaque mal feito
acompanhado de olheiras tímidas. Trajado social e formal cinza, decorado com o
coldre ao redor da cintura e o distintivo como um colar.

Localizou-se rapidamente em meio a cena, para ele nada era uma surpresa.
Um suspiro pesado toma conta ao pensar nos próximos e exaustivos passos.
Ignorando a chuva ele dirige os passos até o local, saltando pelas fitas e bloqueios.
Policiais olham desconfiados por um instante, porém o distintivo sob o pescoço mata
a suspeita. Seu caminhar o leva próximo à entrada principal ao lado dos cadáveres.
Outro homem estava a sua espera.

Seu aspecto era mais juvenil, casa dos vinte e cinco anos. Apesar do semblante
novato o tempo de experiência era contrário. Passava as mãos no cabelo curto e liso,
ajeitou os óculos fundo de garrafa, e limpou os dedos sob o traje social, de coloração
preta. O mesmo coldre e distintivo faziam parte de seu trajar. Segurando o guarda-
chuva, distraído, envolto dos próprios pensamentos, interrompidos pela voz grave
do companheiro.

- Incomodado com uma chuvinha dessa, Takeda? – Pergunta o homem enquanto se


aproxima. Seu companheiro vira os olhos como se despertasse de um sono.

- Ah, Koji. – Ele suspira. – Acredite, ela incomoda mais do que esse bando de
cadáveres.

- Por qual razão?

- A primeira eu diria que é falta de uma boa tragada.

- Não por isso.


O maço de cigarros surge do bolso de Koji como mágica. Abrindo o pacote
Takeda puxa um com rapidez, o levando a boca como se estivesse faminto pela
fumaça. O isqueiro também aparece tal como a carta na manga à medida que Takeda
também traz um ao bico. Em gesto aliado, acende o do amigo primeiro, o seu veio
em seguida. Uma boa tragada, os problemas foram embora em curto instante, quase
esqueceram que estavam diante de uma chacina.

- Obrigado meu amigo. – Takeda agradece.

- Disponha. – Bate a ponta do cigarro com os dedos. – Podemos ir ao que interessa?

- Eu adoraria estragar sua surpresa, mas o problema é que ela não existe.

- Quantos foram dessa vez? Além do mais, por que já estão jogando esses pobres
diabos aqui fora? Não deviam nem mexer neles.

- Ordem daquele cabeça de vento do Tatsuo, a cadelinha acata tudo que ele fala sem
questionar. Eu disse pra ele não mexer em nada, mas entra por um ouvido e sai pelo
outro.

- Ele quer impressionar o chefe, se achando o fodão, ou só quer fazer cena pra comer
a assistente Akemi. – Ambos dão mais uma tragada longa e relaxada, e Koji retorna
após expelir a fumaça. – E faltou me dizer quantos foram.

- Talvez tenha uma surpresa. Seu canalha preferido bateu o recorde hoje.

- Ah é? – Koji vira o olhar para o amigo. – Que foi?

- Trinta e sete mortos. De maioria, armados.

- Puta que pariu! – Exclama.

- Que nos pariu. Estou quase engolindo a história que o Yoshiaki nos contou semana
passada.

- Trinta e sete. – Koji repete, incrédulo. – Deixa eu matar, cultistas?


- E quem mais seriam? Pareceu bem imbecil você falando isso.

- Quero quebrar o gelo, colega. É foda, não é qualquer dia que você encontra a porra
de um psicopata fazendo trinta e sete vitimas em um dia. – Uma última tragada mata
o cigarro de Koji, Takeda opta por reservar a última. – Já identificaram os corpos? –
Pergunta enquanto arremessa o cigarro ao chão.

- Esses coitados do seu lado? Sim.

- E o resto?

- Como eu posso dizer? – Takeda dá a última tragada e arremessa o cigarro. – Esses


foram o que encontraram “inteiros”, disseram. Os restantes agora não passam de
uma salada de torsos, cabeças, membros e intestinos.

- Que delícia. – Koji brinca. – Pelo menos ainda não almocei.

- E quando foi a última vez que teve um almoço tranquilo depois desse emprego?

- Nunca. – Ele suspira. – Tô com uma fome miserável, mas não quero jogar tudo pra
fora de cara. Vamos logo com isso, o que acha?

- Estava só esperando você chegar. O que estamos esperando?

Os dois seguem direção a entrada. Apresentam os distintivos aos guardas, que


assentem a entrada de ambos com um aceno de cabeça enquanto puxa um rádio para
comunicar o processo.

À medida que passam por um corredor pouco iluminado o odor já começava


a rondar o ambiente. O cheiro pútrido de cadáveres incomoda os dois detetives, o
que leva Takeda a cobrir o nariz com a mão. Mesmo acostumados, era insuportável.
Chegam a uma escadaria e sobem, em passos calmos. De baixo, eles já enxergavam
as manchas de sangue pela escada. A luz do cômodo a frente da escadaria estava
acessa, poucos diálogos podiam ser ouvidos, provavelmente dos peritos e policiais.
Ao chegaram no local, o choque sequestra a visão dos detetives diante do cenário
hediondo que se depararam.

Uma grande sala de estar, uma espécie de lounge improvisado. Grandes sofás
e colchões rasgados por todos os lados, estantes e mobília rachadas e quebrada,
mesas partidas ao meio, vidros estilhaçados pelo chão. A grande janela ao fundo
estava completamente aos cacos e o cabo da cortina arrancado. Várias velas
estranhas ao redor apagadas, ao lado do ínfimo odor de incenso, sequestrado pelo
cheiro de morte e podridão. Círculos, de giz surrado, davam vida a formas e
simbologias estranhas, animais deformados e imagens humanas. As caricaturas
bizarras cobriam teto, paredes e piso.

O trunfo do cenário era seu fúnebre ateliê de corpos mutilados e


desmembrados. Homens e mulheres, seminus ou despidos, reduzidos a partes como
meros bonecos de madeira. O corpo de uma mulher na entrada do cômodo, repartida
ao meio por um corte profundo na barriga, expondo os intestinos e estômago dava
as boas vindas ao cenário. Um homem empalado na parede por uma das estacas de
cortina, com um candelabro cravado em seu olho. Outro, apenas sua cabeça, ainda
ligada à sua coluna vertebral exposta podia ser vista sob uma mesa. Outra pobre
mulher, deitada de costas para a parede, com seu crânio partido ao meio,
perfeitamente expondo o cérebro que escorria da cabeça como uma massa
amolecida. Pernas, braços, órgãos e olhos, arremessados. Sangue em cada parte do
cômodo, tomando forma de uma pintura mal acabada, retocada com tons de
brutalidade.

Acostumados, os detetives pensavam que estavam. Mas novamente, o cenário


os surpreende. Mesmo vazios sentem o estômago embrulhar e revirar, se
concentrando para não se renderem a náusea. Os peritos registravam a brutalidade
com suas câmeras, das quais os flashs atrapalhavam parcialmente a visão dos
detetives. Takeda mal percebeu quando ficou boquiaberto com a cena, quando Koji
percebeu, tentou apaziguar o choque do amigo. E o seu, na mesma medida.

- Eu disse. Nunca almoce antes do trabalho. – Ele cochicha ao amigo.

- Olha o estrago que esse filho da puta fez. – Takeda não esconde o choque, mas
responde no mesmo volume.

- Pensei que você já tivesse subido aqui. Qual era piada? Não teríamos surpresas, e
agora você parece uma criança.

- Sabe outra piada Koji? Dá última vez falamos a mesma coisa e deu na mesma.

- Foda. – Engole em seco. – Com trinta e sete eles querem dizer corpos ou partes de
corpos? Eu tô confuso.

- Quarenta e dois, senhor. – Uma outra voz interrompe os dois.

Um perito se aproxima. Sua vestimenta é levemente diferente, poucos


volumes de colete e um distintivo diferenciado lhe entregam outra posição de
perícia. Ajeitando suas luvas brancas, manchadas de sangue, se aproxima dos
homens. Sua máscara e boné escondem seu semblante, mas o olhar calmo, mesmo
em tom de lamento, se vira para os detetives.

- Oficial Yashiro Hamada, chefe de perícia. – Ele se apresenta. – Suponho que sejam
os detetives que Tatsuo tenha se referido.

- Precisamente. Detetive Koji Shimada e Takeda Miyamoto. – Ambos apresentam


uma carteira de identificação com seus documentos ao perito.

- Perfeito. Imagino que já estejam anestesiados com tamanho “capricho”, por assim
dizer, do suspeito de vocês.

- Ele tem um charme e jeito único, nós conhecemos. Mas assumo que ele supera as
expectativas. Aliás, não acredito que tenha quarenta e duas pessoas dentro dessa
casa, os outros corpos, ou restos, foram encontrados do lado de fora? – Pergunta
Takeda.

- Negativo. Atualizamos mais cinco encontrados aqui dentro do perímetro. Três no


sótão, mutilados. Um foi encontrado dentro de um dos armários da cozinha,
compactado e com ossos amassados. A outra foi encontrada em um quarto jogada
na cama, estava grávida.

- Caralho. – Koji deixa escapar em tom baixo.

- Tsuchi é uma área bem residencial, geralmente casarões assim são alugáveis para
festas e eventos de tal porte. – Completa o perito. – Mas nunca pensei ter atividade
dos plenilunistas por aqui. Descobriram algo sobre a proprietária? Ouvi dizer que
era uma senhora.

- Morta. – Koji responde em seco. – Senhora Fumiko e seu marido Kenji foram
encontrados mortos em sua caminhonete duas semanas atrás na fronteira com Noroi.
Executados, dois tiros de nove milímetros na cabeça, cada.

- Isso explica essa apropriação repentina. – Assente o perito. – O Tigre também não
demorou para descobrir.

- Espera. – Os detetives se fitam, com olhar desconfiado um para o outro. – Achou


algo dele? Como sabe disso?

- Senhores, por favor. – O perito retira seu boné, revelando os cabelos grisalhos e
rugas na testa. – Um casarão em uma região pacata, a proprietária e marido
assassinados e milhares de corpos de cultistas mortos brutalmente. As histórias
circulam, vocês sabem disso. Mas, por gentileza, não tomem isso como uma ofensa.
Minha afirmação vem na pura intenção de reconhecer o caso e ajuda-los.
Conhecimento prévio auxilia ao extremo, ainda mais se tratando de um serial killer
como o Tigre.
- Ah – Takeda e Koji, mesmo no cenário catastrófico, deixam uma risada escapar. –
Não ofendeu, senhor. Sabemos desse tipo de situação e agradecemos todos os dias
por cada ajuda nesse caso.

- Imagino, cada mão conta. Estamos falando de um bastardo de marca maior, mas
ele é esperto, tendo em vista que até agora não temos nenhum traço diferente das
vítimas. Esqueci de ressaltar, a maioria deles estavam armados. Em suma, armas
brancas improvisadas, canos, facas de cozinha, agulhas. De resto, poucas de fogo,
um par de escopetas, três pistolas nove milímetros e alguns cartuchos ao chão.

- Certo, obrigado, senhor Yashiro. – Eles agradecem.

- Por nada. Por mais estranho que seja, fiquem à vontade, mesmo nesse bando de
órgãos e membros. Preciso ir, com licença.

- Obrigado. – Koji agradece.

- Agradecemos – Reforça Takeda.

- Ah só mais uma coisa, senhores. Boa sorte quando subirem ao quarto da mulher
grávida. Eu não desprezaria. – Sem dizer mais nada, o perito se ausenta.

As palavras de Yashiro causam peso. O clima tenso volta a dominar, agora


que o diálogo descontraído havia acabado. Ambos olham em volta, observando a
carnificina novamente. Não poderiam ceder ao mental desequilibrado, deveriam
manter o brio perante o ambiente. Takeda tenta puxar uma pergunta para manter a
linha calma.

- Lembra da história do Yoshiaki? – Pergunta.

- Você diz a teoria dele?

- Para mim, agora, faz todo o sentido.


- Gostaria de dizer o contrário. – Suspira de leve. – Mas parece plausível agora,
mesmo que um pouco.

- Olhando por cima esses corpos, igual das outras vezes, os cortes profundos e
certeiros. Ele não deve portar uma mera espada ilegal, duvido que um criminoso
amador performaria golpes tão precisos e letais. Ele deve ser no mínimo…

- Um veterano treinado. – Interrompendo, ele completa. – Ou uma espécie de


psicopata prodígio, inteligente e doentio. – Koji ainda faz esforço para não acreditar
na teoria.

- Porra cara, pensa. Mesmo um psicopata ou qualquer maluco da cabeça não ia ser
capaz de matar quarenta e duas pessoas, de maioria armada, em um espaço fechado.

- Talvez não seja só ele. Deve ser mais de um, ele recebe ajuda.

- Qual é Koji? Eu sei que o Yoshiaki é um merda corrupto, mas o palpite dele é bom,
acredite. Digo mais, ele não deve ser só veterano, como devia ser de forças especiais.

- Você tá comendo o Yoshiaki é? Confiando em palpite de policial corrupto. – Koji


se irrita.

- Calma cara. Vamos manter o profissional. – Ele sussurra. – Tô quase vomitando


nessa merda e brigar agora não vai ajudar.

- Que seja. Retornemos ao trabalho, não quero ouvir mais nenhum pio do seu
namoradinho.

- Tá bom, bonitão. Começamos por onde? Escolha um cadáver, ou o que sobrou de


um.

- A grávida. – Certeiro e curto.

- Nossa, bela escolha Koji. Tá puto comigo de verdade é?


- Sim, vamos ver o que nosso “Tigre de forças especiais” fez com uma pobre donzela
grávida.

- Caralho… - Takeda desabafa em tom baixo.

Ambos atravessam os cadáveres. Olham a brutalidade de relance, não


entregando toda a atenção aos corpos. Ao lado da grande janela quebrada, mais uma
escada, de porte menor. Takeda pisa em alguns cacos, suprimidos pelos sapatos. Koji
toma toda a atenção para não pisar em nenhuma parte ou membro decepado. Mais
com cautela enojada do que por preocupação em manter a cena original. Ignorando
o peso da morte, eles chegam à escada.

Sobem lentamente, um ao lado do outro. À medida que sobem, um estranho


silêncio parece tomar conta do local, até mesmo o som dos flashs e poucas conversas
dos peritos somem. O barulho dos cacos amassados nas botas de Takeda parece mais
alto, e não causam uma boa sensação em ambos. Não há sangue ou corpos mutilados,
o que estranhamente impressiona os dois.

Chegando ao topo alcançam um corredor pequeno. Duas portas, uma ao lado


da outra. Uma ao começo do corredor se encontra entreaberta e a última
completamente fechada. A luz baixa do final da tarde emana da pequena janela ao
fim do local. Com o olhar os dois assentem em verificar a primeira porta, já se
preparando para a cena devastadora. Koji vai na frente e segura a maçaneta com
cautela e cuidado, rangendo a porta pacientemente. Takeda se contém atrás do
amigo. Abrindo a porta com cuidado, ele se depara com a cena.

- Ufa – Takeda deixa escapar um suspiro aliviado.

- Tá com medinho é? – Koji até brinca com o companheiro.

Nada, apenas um quarto pintado de rosa e completamente vazio. Mesmo assim


Koji acha estranho o detalhe da cama estar completamente vazia e sem cobertas ou
forros. Além da simples mobília do quarto. Sem tempo para pensar, ele só fecha a
porta do cômodo. Mas isso não significava paz ou término, pois o pior aguardava no
outro quarto. Ao se tocarem de tal fato, o nervosismo voltou.

Eles seguem até a próxima porta. Seus passos são quase trêmulos e
desequilibrados. Koji toma a frente mais um vez, e com a mão suada, agarra a
maçaneta com o fervor, em falso gesto de valentia. Takeda se mantém atrás, agora
explicitamente abalado e assustado, com os olhos arregalados. Eles respiram fundo,
e em uma contagem, Koji conforta seu amigo. No um. No dois. No três.
Escancarando a porta. A cena não era o que eles imaginavam. Era muito pior.

O cadáver da mulher grávida. Jogado na cama, como um anjo morto, com os


dois braços estendidos, em crucifixo. Os símbolos e velas cobriam todo o cômodo.
A parca luz através da cortina só piorava o semblante. Os desenhos entorno da cama
e do cadáver era de aspecto infantil, como se uma criança os tivesse feito. As
caricaturas de uma mulher, levando a criança para escola. Brincando com a filha.
Decepando a cabeça da mãe. Acima do cadáver, na cabeceira da cama, a
representação de uma mariposa, estranhamente bem detalhada e desenhada, dando
ênfase a seus pelos e asas. Seu rosto estava dilacerado, com a mandíbula aberta e
expondo os dentes, formando um largo sorriso repartido na carne aliado dos olhos
arregalados e mortos. Sua barriga ainda estava grande, mais do que o normal, cuja
as veias de cor preta podiam ser vistas pulsando na barriga da mulher.

Eles se recusam a entrar. Vendo a cena, seus corpos tremem. A estranheza e a


crueldade sequestram suas almas, e o medo agora os assolava com voracidade. No
instinto Takeda da um passo para trás. Koji, estranhamente, não recua, mesmo
amedrontado.

- Ouviu isso? – Pergunta Koji, sussurrando.


- O que? – Ele pergunta, mas seu companheiro dá de ombros. – O que foi, cara?
Espera! Não entra aí, porra!

- Não está ouvindo? – Ele pergunta de novo e adentra o quarto em passos cautelosos.

Seu amigo, mesmo desesperado, o segue. Tamanho medo o faz segurar o


ombro de Koji, na falha tentativa de fazê-lo desistir, o puxando de volta. Sem
sucesso, ele o segue involuntariamente, ainda tentando fazer o amigo ceder. Koji se
aproxima do cadáver, trêmulo e nauseante. O odor invade suas narinas, e sente o
vômito subir. Por algum milagre, o controla e se concentra na audição. Takeda não
entende, e pergunta mais uma vez em desespero.

- Sai dai cara! Que diabo de som é esse que você tá ouvindo? Ela…ela tá morta,
imbecil.

- Cala a boca e escuta! – Sussurra furioso.

Takeda leva o foco aos ouvidos, relutando-se a acreditar no aliado. Como uma
voz pequena em sua mente, ele escuta o som que Koji alegou ouvir. Parecia um ruido
de vento, bem pequeno e tímido. Aos poucos tomando forma. A sonoridade se
formou, e logo um som aterrador e cruel veio a seus ouvidos.

- Isso é…

- Um choro. Um choro de um bebê.

Os dois arregalam os olhos, e tornam a visão até a barriga do cadáver da


mulher grávida.

- O bebê…está vivo.

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