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CRISE DO SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO E A MANIPULAÇÃO FÁTICA

PELAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS1

CRISIS OF THE BRAZILIAN PRISON SYSTEM AND FACTUAL MANIPULATION


BY CRIMINAL ORGANIZATIONS

Maria Rosilene de Lima Costa2


Vicente Celeste de Oliveira Júnior3

Resumo: O presente artigo tem como fito a abordagem da crise do sistema carcerário dentro
dos presídios brasileiros, uma vez que, atualmente os ambientes criminais descumprem o
princípio da dignidade da pessoa humana disposto na Constituição da República Federal de
1988, no que se refere a superlotação carcerária, ambientes degradantes e ausência de higiene
básica. Neste, é explanado inicialmente sobre o surgimento da pena privativa de liberdade, as
diferentes sanções aplicadas durante os períodos, e as principais mudanças que ocorreram
com a aplicação dos direitos fundamentais e quais fatores ainda precisam mudar para ocorrer
a efetivação da ressocialização do preso. Ainda, sequencialmente, trata-se sobre a utópica
proposta de ressocialização do apenado, bem como, os motivos que os levam a reincidir e as
políticas públicas já criadas para reverter a crise e cumprir o objetivo de reinserção do
encarcerado na sociedade. Por fim, apresentará a falha do Estado em manter os cárceres em
situação de precariedade, contribuindo assim, para o surgimento do controle por parte das
facções criminosas. Destarte, o trabalho disserta sobre uma das piores crises enfrentadas
pelo Brasil, e é de fundamental importância desenvolver e fundamentar acerca do problema,
visto que, a população carcerária ocupa uma parte significativa da população brasileira, e o
deleito de ter uma vida digna é direito de todos e um dever do Estado.

Palavras-chave: Sistema carcerário. Crise. Facções criminosas.

Abstract: This article aims to address the crisis of the prison system within the Brazilian
prisons, since, currently, the criminal environments do not comply with the principle of human
dignity provided in the Constitution of the Federal Republic of 1988, with regard to prison
overcrowding, degrading environments and lack of basic hygiene. In this article, it is explained
initially about the emergence of the custodial penalty, the different sanctions applied during the
periods, and the main changes that occurred with the application of fundamental rights and what

1
Artigo apresentado como requisito parcial para conclusão do curso de Graduação em Direito da Universidade
Potiguar - UnP, Campus Mossoró/RN, da rede Ânima Educação no ano de 2022. Professor Vicente Celeste de
Oliveira Júnior.
2
Acadêmica no curso de Direito na Instituição de Ensino Superior Universidade Potiguar – UNP, Campus
Mossoró/RN, da rede Ânima Educação no ano de 2022. E-mail: mariarosilenelima123@gmail.com.
3
Orientador: Prof. Vicente Celeste de Oliveira Júnior. Curso de Extensão Universitária (UnB/UERN/UnP).
Graduado em Direito (UnB/UnP). Especialista em Direito Civil e Processo Civil (UFRN). Especialista em
Educação (UERN). Mestrado em Ambiente Tecnologia e Sociedade (Meio Ambiente - UFERSA - dissertação:
Direito e Inclusão). Mestrado em Educação (dissertação: Sistema Prisional Federal - UERN). Cursa o Doutorado
em Arquitetura e Urbanismo (tese: História da Arquitetura e o Poder - UFRN). Autor de livro (Brasília/DF) e
autor de capítulo de livro pelo Doutorado em Educação (UERJ). É citado em 452 artigos científicos no Brasil e
exterior, segundo o site: ACADEMIA (trabalhos acadêmicos e pesquisas). Currículo Lattes:
http://lattes.cnpq.br/8755911560333981.
2

factors still need to change to occur the effectiveness of the re-socialization of the prisoner. The
utopian proposal of re-socialization of the convicted, the reasons that lead them to recidivism
and the public policies already created to reverse the crisis and meet the objective of
reintegration of the convicted into society are also addressed. Finally, it presents the failure of
the state to maintain prisons in precarious conditions, thus contributing to the emergence of
criminal faction control. The work dissects on one of the worst crises faced by Brazil, and is of
fundamental importance to develop and substantiate about the problem, since the prison
population occupies a significant part of the Brazilian population, and the right to have a
dignified life is a right for all and a duty of the state.

Keywords: Prison system. Crisis. Criminal factions.

1. INTRODUÇÃO

O Departamento Penitenciário Nacional (Depen), divulgou em seus dados até julho de


2021, o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), no qual traz
informações de todas as unidades prisionais existentes no Brasil, e que também inclui dados de
infraestrutura, vagas, população prisional, dentre outros. Desse modo, em 2021 o Infopen
apontou que a população criminal brasileira permaneceu estável, porém, com um leve aumento
de 1,1%, passando a ser um total de 820.689 presos em regime de privação de liberdade. Desses
citados, apenas 673.614 estão em celas físicas e 141.002 cumprem pena em regime domiciliar.
Ademais, mesmo com o acréscimo dos presos, houve um aumento de 7,4% na disponibilidade
de vagas para custeados, ocasionando assim uma melhora significativa no déficit de
superlotação, refletido no esforço dos órgãos públicos do Ministério da Justiça e Segurança
Pública, com o investimento do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen, 2021) criado pela lei
complementar n° 70 de 7 de janeiro de 1994, com o fito de proporcionar recursos e amparar
financeiramente investimentos realizados no sistema prisional nacional.
Sendo assim, apesar das políticas públicas já existentes, é possível analisar que a
superlotação é um dos principais problemas enfrentados pelos presos no sistema carcerário
brasileiro, bem como, a precariedade na higiene, alimentação, infraestrutura, assistência médica
e a corrupção que ferem os princípios da dignidade da pessoa humana previsto na Constituição
Federal de 1988, pois esses problemas acarretam um ambiente desumano para quem vive
nessa situação. Sob esse viés, iremos analisar no decorrer do artigo a questão da reincidência
dos egressos, que é bastante recorrente no atual cenário devido aos problemas citados acima.
Ademais, a Lei de Execução Penal n° 7.210/1984, no qual garante assistência e amparos
legais aos presos, também é bastante negligenciada, uma vez que ao contrário do que é
3

estabelecido na lei, é bastante complexa, pois a reeducação e ressocialização do preso na


sociedade brasileira parece algo ficcional e fora da realidade. Diante disso, se abrem espaço
para as facções criminosas controlar um sistema desamparado e abandonado, determinando
uma série de problemas e vícios difíceis de serem reparados.
Portanto, esse artigo científico visa não apenas informar sobre as falhas existentes nesse
sistema, como também mostrar de forma simples e clara a importância em buscar soluções
eficazes para a crise do sistema penitenciário brasileiro e frisar a importância da Constituição
Federal de 1988 nessa temática.
O atual sistema prisional brasileiro tem como finalidade a ressocialização do egresso
e a punição da criminalidade, ou seja, o criminoso é privado da sua liberdade, através da
prisão. Desse modo, o Estado tem como principal dever ressocializar esse preso para ser
inserido novamente na sociedade. Entretanto, a superlotação nas cadeias, a falta de estrutura
para acomodar esses detentos, a ausência de higiene e assistência acaba por trazer sérios
problemas, bem como, a dificuldade na ressocialização do egresso, que é a principal finalidade
da pena restritiva de liberdade.
Para a elaboração do presente trabalho, foi utilizado livros referentes ao assunto,
materiais extraídos da internet, como o site do Depen, a legislação brasileira e as doutrinas. A
abordagem é a quali-quantativa, visto que, tanto foram citados dados numéricos referente ao
crescente número de apenados, quanto foram abordados pontos acerca dos conceitos,
legislação, doutrina e ideias abordados pelos autores listados no referencial teórico e mapa de
leitura.
Nesse sentido, no que diz respeito ao método e procedimento que será utilizado na
conclusão do trabalho, é necessário destacar que será elaborado uma síntese após a análise
doutrinaria e legislativa brasileira pertencente ao tema, bem como o estudo aprofundado de
materiais superiores como o método de pesquisa bibliográfica, documental e dialética.
Destarte, o presente artigo científico tem como fito o aprofundamento do conhecimento
científico acerca da crise em que o sistema carcerário se encontra, de modo a colaborar para a
comunidade acadêmica e operadores do direito na formação e construção de seus
entendimentos. Além disso, essa problemática é de extrema relevância política e social, visto
que, a população carcerária brasileira necessita de amparos que permitam o cumprimento legal
dos seus direitos.
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2. UM RESUMO SOBRE O SURGIMENTO DA PENA PRIVATIVA DE


LIBERDADE NO BRASIL E OS PRINCIPAIS PROBLEMAS DO SISTEMA
PRISIONAL BRASILEIRO

2.1 PERÍODO COLONIAL

No Brasil, o período colonial se estendeu de 1500 a 1822, no início, assim que o país
foi descoberto, e devido à grande influência de Portugal, a legislação que passou a vigorar
naquela época foi as Ordenações Afonsinas, que consistia no compilado de leis que visavam
um melhor entendimento das normas vigentes, e que serviam para a atribuições de cargos
públicos, assim como, bens e privilégios da igreja e direitos do rei. Entretanto, essa coleção
de leis não durou muito, tendo em vista que só serviu de base para a elaboração das
Ordenações Manuelinas.
Segundo Bueno (2003, p. 145), as Ordenações Manuelinas foram elaboradas de forma
definitiva apenas em 1521, com o fito principal de apenas satisfazer as vontades do rei D.
Manuel, tendo em vista que esse novo diploma era a cópia do anterior, acrescido apenas pelas
leis extravagantes. Desse modo, assim como no código anterior, as Ordenações Manuelinas não
tiveram sua aplicação, visto que, em 1603 foram revogadas e deram lugar para o código
Filipino, ordenado pelo rei D. Felipe III, e que comparados as duas coleções de leis anteriores,
ficou conhecido pelas leis e penas severas.
Esse diploma, não reconhecia a garantia dos direitos fundamentais e nem a dignidade
da pessoa humana, tendo em vista que continha diversas condutas que eram proibidas e
punições bastante severas e brutais. Ademais, ainda conforme Bueno (2003, p. 144), a classe
social e o sexo tinham grade relevância para determinar o grau de punição do réu, uma vez que
pessoas mais pobres ficavam à mercê de punições mais severas, já por outro lado, a nobreza
detinha certos privilégios.
A principal característica desse código foi a desproporção entre o delito praticado e a
pena, uma vez que não existia um objetivo de ressocialização ou restruturação moral para o
apenado. Sob esse viés, Edgard Magalhães Noronha (2001, p. 55), expõe algumas modalidades
praticadas na época:

O “morra por ello” se encontrava a cada passo. Aliás a pena de morte comportava
várias modalidades. Havia a morte simplesmente dada na forca (morte natural); a
precedida de torturas (morte natural cruelmente); a morte para sempre, em que o corpo
do condenado ficava suspenso e, putrefazendo-se, vinha ao solo, assim ficando, até
que a ossamenta fosse recolhida pela confraria da misericórdia, o que se dava uma vez
por ano; a morte pelo fogo, até o corpo ser feito pó. (NORONHA, 2001, p. 55).
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Além dos castigos corporais, outra forma de penalidade era a exposição do réu a
situações vexatórias, uma vez que o principal intuito dessa prática era acabar com a moral e
boa fama do acusado. Vale ressaltar que o princípio da pessoalidade da pena, que garante que
apenas a pessoa que foi sentenciada seja responsável pelo seu delito, não era aplicado na
época, tendo em vista que as gerações futuras continuavam sendo humilhadas devido o delito
cometido pelo seu antepassado.
Somando-se a isso, um caso prático a ser mencionado que ocorreu nesse período, foi
de José da Silva Xavier (Tiradentes) em mártir da inconfidência mineira. René Ariel Dotti
(2003, p. 27), traz um trecho de como ocorreu a sentença que condenou Tiradentes:

Portanto condenam ao Réu Joaquim José da Silva Xavier por alcunha o Tiradentes
Alferes que foi da tropa paga da Capitania de Minas a que com baraço e pregão seja
conduzido pelas ruas publicas ao lugar da forca e nella morra morte natural para
sempre, e que depois de morto lhe seja cortada a cabeça e levada a Villa Rica aonde
em lugar mais público della será pregada, em um poste alto até que o tempo a
consuma, e o seu corpo será dividido em quatro quartos, e pregados em postes pelo
caminho de Minas no sitio da Varginha e das Sebolas aonde o Réu teve as suas
infames práticas e os mais nos sitios (sic) de maiores povoações até que o tempo
também os consuma; declaram o Réu infame, e seus filhos e netos tendo-os, e os seus
bens applicam para o Fisco e Câmara Real, e a casa em que vivia em Villa Rica será
arrasada e salgada, para que nunca mais no chão se edifique e não sendo própria será
avaliada e paga a seu dono pelos bens confiscados e no mesmo chão se levantará um
padrão pelo qual se conserve em memória a infamia deste abominável Réu. (DOTTI,
2003, p. 27).

2.2 PERÍODO IMPERIAL

O período imperial teve início em 1822, marcada pela época em que o Brasil deixou
de ser uma província de Portugal, conquistando assim sua independência. Todavia, código
Filipino não foi abolido de imediato, visto que, era necessário aguardar um novo código.
Essa nova fase do Brasil permitiu uma nova reestruturação nos valores políticos,
humanos e sociais, uma vez que estava sob grande influência do movimento iluminista
europeu que ocorreu na França e que expandiu seu manto de liberdade, igualdade e
fraternidade pelo mundo todo. Sob esse viés, em 1824 foi promulgada a primeira
Constituição, que previa a garantia da liberdade e dos direitos individuais. Ademais, em 1830
foi sancionado o Código Criminal pelo imperador D. Pedro I, que além de prevê a extinção
dos delitos corporais severos, garantiu a redução dos delitos que previa a pena de morte. Desse
modo, as penas corporais foram substituídas pela pena privativa de liberdade (DOTTI, 1998,
p. 50-53).
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Sendo assim, diferente dos compilados de leis anteriores, objetivo principal da pena
privativa de liberdade era a ementa e restruturação moral do apenado. Destarte, conforme
Bueno (2003, p. 149), a pena de morte foi extinta tempo depois, após um equívoco judicial,
uma vez que um fazendeiro chamado Manoel da Mota Coqueiro teria sido condenado à forca,
entretanto, logo após sua morte, foi comprovado o erro.

2.3 PERÍODO REPUBLICANO

Em 1889, o Brasil se tornou república após o golpe militar de Marechal Deodoro da


Fonseca. Conforme alguns avanços sociais, como a lei Áurea, o código Criminal do Império
passou a necessitar urgentemente de substituição. Ademais, como descreve Schecaira e Corrêa
Junior (2002, p. 41), o decreto n° 847 de outubro de 1890 promulgou o novo projeto no código
Penal dos Estados Unidos do Brasil que possuía penas mais leve e com caráter de correção.
Apesar de diversas modificações devido a promulgação da Constituição um ano após, a pena
privativa de liberdade ainda preservava seu caráter “instrumental tanto de prevenção quanto de
repressão e dominação social (SCHECAIRA e CORRÊA JUNIOR, 2002, p. 41) ”.
Em 1934 a Constituição Republicana é promulgada, extinguindo em sua redação a pena
de morte, confisco de bens, banimento e pena de caráter perpetuo, salvo guerra declarada.
Já em 1937 com o surgimento do Estado Novo, as mudanças radicais nas áreas políticas
influenciaram a lei penal, uma vez que a promulgação da Constituição Federal por Getúlio
Vargas é realizada com base no caráter militar e autoritário. Esse contexto, o Congresso
Nacional é fechado, surgindo assim, os crimes políticos e a pena de morte são reinseridos na
redação da Carta Magna. Somando-se a isso, os direitos e garantias individuais são limitados
devido a justificativa de ser pelo bem público e do Estado (SHECAIRA e CORRÊA JUNIOR,
2002, p. 42).
Ainda com o Congresso fechado, em 31 de dezembro de 1940 é publicado o novo
Código Penal, esse diploma tem caráter, segundo Shecaira e Corrêa Junior (2002, p. 43),
“tecnicismo jurídico e pelo desprezo à criminologia”. Após o segundo golpe militar em 1964,
o Código Penal de 1969 foi promulgado, prevendo novamente em sua redação, a pena de morte,
prisão perpétua e a pena de 30 anos de reclusão para crimes políticos.
No Código Penal de 1969, foi promulgada uma emenda à constituição de 1967, no qual
previa no seu artigo 37, que a pena privativa de liberdade tinha o fito de exercer sob o apenado
uma individual ação educativa e promover sua ressocialização perante a sociedade (DOTTI,
1998, p. 79). Ademais, o Código Penal de 1969 foi revogado pela Lei n. 6.578/78
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(BITENCOURT, 2009, p. 49), e a Emenda Constitucional 11, de 13 de outubro de 1978, retirou


da sua redação a prisão perpétua, pena de morte e banimento.

2.4 A LEI 9.714/98

Com a publicação da Constituição Federal de 1988, fazia-se necessário algumas


atualizações, uma vez que na redação da Carta Magna foram trazidas novas modalidades de
sanções penais, bem como, a atualização do rol de crimes constitucionais de penas. Conforme,
Shecaira e Corrêa Junior (2002, p. 47), esta nova lei trouxe um novo sistema de penas na
legislação nacional, tendo em vista que houve alterações da lei para que ocorresse a substituição
da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direito.

2.5 OS PRINCIPAIS PROBLEMAS DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

A situação carcerária brasileira é caótica. As prisões superlotadas enfrentadas pelos


apenados violam garantias fundamentais previstas na atual Constituição da República de 1988.
Segundo o Ministério da Justiça (2009), são mais de 574 mil pessoas reclusas nos cárceres do
Brasil, e os problemas enfrentados por essa população são desumanos, bem como da péssima
estrutura para manter o alojamento dos presos e ausência de higiene básica. Portanto, é
necessário assegurar os direitos desses presos, e visar puni-los conforme a Lei de Execuções
Penais (LEP) com o intuito de ressocializá-los de forma correta e eficaz, de acordo com a lei.
Entretanto, é notório que a ordem alcançada pela Legislação não é cumprida como realmente
está escrita, de forma a se observar a atual crise do sistema penitenciário brasileiro. Sobre essa
situação Mirabete (2008, p.89) dispõe:

A falência de nosso sistema carcerário tem sido apontada, acertadamente, como uma
das maiores mazelas do modelo repressivo brasileiro, que, hipocritamente, envia
condenados para penitenciárias, com a apregoada finalidade de reabilitá-lo ao
convívio social, mas já sabendo que, ao retornar à sociedade, esse indivíduo estará
mais despreparado, desambientado, insensível e, provavelmente, com maior
desenvoltura para a prática de outros crimes, até mais violentos em relação ao que o
conduziu ao cárcere. (MIRABETE, 2008, p.89).

Destarte, tendo em vista a influência da crise do sistema penitenciário brasileiro, é


importante frisar a relevância da manipulação do sistema carcerário pelas facções criminosas,
pois segundo Dias (2008, p.10) essa situação está diretamente relacionada a ausência do Estado
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perante o problema, a falta de instância que regulamenta o cotidiano prisional, bem como o
controle de conflitos entre os presos. Desse modo, o domínio das facções criminosas, ainda de
acordo com Dias (2008, p.11) “prevaleceu, desde sempre, o arbitrário como regra”, ou seja, os
direitos dos presos sempre foram tratados como desleixo e no decorrer dos anos foi se tornando
um padrão difícil de ser rompido. Sob esse viés, fica a cargo de controlar essa lacuna mal
administrada e esquecida um grupo, que atualmente, são conhecidos como organizações
criminosas. Ademais Amorim pontua que as facções;

São os mais perigosos dentro do presídio, mantêm entre si uma certa solidariedade
uma relação de autodefesa, um sentimento de gangue. E impõem o terror a bordo
dessa ilha. Cobram pedágio para qualquer outro preso que queira se deslocar pela
galeria. Roubam, estupram, fazem acertos com a administração para funcionar como
"polícia" das celas. São odiados e - principalmente - temidos pela massa carcerária.
(AMORIM, 1993, p. 17).

Dessa maneira é imperioso analisarmos cuidadosamente a problematização do sistema


prisional brasileiro, bem como o controle pelas facções criminosas, ao contrário do que é
estabelecido no princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º, III, da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF88), os presídios são ambientes
degradantes e desumanos, e que necessitam da atenção governamental e mais políticas
públicas urgentes para a solução do problema.
De acordo com Zaffaroni (2015, p. 20) afirma que “colocar uma pessoa numa prisão e
esperar que ela aprenda a viver em sociedade, é como ensinar alguém a jogar futebol dentro de
um elevador”. Nesse sentido, a citação do autor tem evidenciado a crise do sistema carcerário,
uma vez que existe uma crítica sobre a falta de estrutura para os apenados e a precariedade em
que eles se encontram, adiante do estudo da ressocialização e reinserção do preso na sociedade.
Somado a isso, em se tratando de problemas sociais, a desigualdade social é um grande
fator para o aumento da criminalidade no Brasil, uma vez que com a ausência de oportunidade,
ocorre a incidência de indivíduos no mundo do crime. Nesse sentido, os autores Andrade e
Ferreira (2015, p. 116) ressalvam:

Apesar de ser um país rico em recursos naturais e com um PIB (Produto Interno Bruto)
figurando sempre entre os 10 maiores do mundo, o Brasil é um país extremamente
injusto no que diz respeito à distribuição de seus recursos entre a população. Um país
rico; porém, com muitas pessoas pobres, devido ao fenômeno da desigualdade social
que é elevado. Pesquisadores da área social e econômica atribuem essa elevada
desigualdade social no Brasil a um contexto histórico, que culminou numa crescente
evolução do quadro no país. Mesmo sendo uma nação de dimensões continentais e
riquíssima em recursos naturais, o Brasil desponta uma triste contradição, de estar
sempre entre os dez países do mundo com o PIB mais alto e, por outro lado, estar
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sempre entre os 10 países com maiores índices de disparidade social (ANDRADE E


FERREIRA, 2015, p. 116).

Seguindo esse pensamento, é notório destacar que os órgãos responsáveis pelo sistema
penitenciário servem como depósitos com amontoado de pessoas que foram esquecidas pelo
Estado e pela sociedade. Ademais, a pessoa que se encontra nessa situação não tem o mínimo
direito assegurado pela CF 88, e muito menos chances de uma ressocialização adequada,
problema esse que de acordo com Andrade e Ferreira (2015, p 116) citam, não deveria acontecer
no Brasil, uma vez que essa crise já deveria ter sido solucionada.
Outrossim, outro fator que influencia a superlotação dos presídios, é a reincidência dos
apenados, que é provocada em sua grande maioria pela falta de ocupação dos presos durante o
regime de privação da liberdade. Dessa forma, 75% dos brasileiros encarcerados não trabalham
e nem estudam, e quando são libertados, não lhe é dada nenhuma qualificação profissional,
além do atestado de ex-detento, e por consequência a isso, ele volta para o mundo da
criminalidade. Ademais, é importante salientar que é através da educação e profissionalização
do preso que se tornará possível condições de reingresso no mercado de trabalho e no convívio
social.
De acordo com as pesquisas do Ministério da Justiça (2014) “o sujeito que é isolado da
sociedade já está vulnerável muitas vezes antes mesmo de ser preso, pesquisas mostram que
65% deles são, sobretudo, jovens, negros e de baixa renda”. Ou seja, os indivíduos que fazem
parte dessa porcentagem são vistos pela sociedade como uma subclasse inferior, pela cor, e
quando cometem algum crime são tachados de bandidos, justamente pela classe social que
assola a maioria das cidades do país.
Sendo assim, vale ressaltar que a criminalidade e a violência são fatores relacionado a
desigualdade social, visto que pessoas que não possuem estrutura familiar e educacional, acaba
por encontrar nesses problemas sociais, meios para a sobrevivência. Além disso, países como
o Brasil que a taxa de desigualdade é bastante elevada, são propícios a terem altos indicies de
violência, homicídios e delitos diversos, pois são praticadas por indivíduos mais carentes de
recursos. Todavia conforme dispõe o Ministério da Justiça (2014), nem sempre a desigualdade
de recursos leva pessoas mais pobres a cometer tais delitos, isto é, esses fenômenos não são
regras, e sim, depende também, dos traços de personalidade individual.
São muitos os casos que aumentam a criminalidade no Brasil e que lotam os sistemas
carcerários, causando assim um aumento desproporcional em relação ao número de cadeiras
disponíveis para os indivíduos. A realidade das prisões no Brasil apresenta situações bastantes
degradantes, uma vez que os detentos não possuem condições de higiene básica para a
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sobrevivência, além dos maus tratos, estão a ausência de iluminação e ventilação adequada. A
lei de execuções penais (LEP), assegura a integridade física, mental e humana do preso, todavia,
é possível destacar que não é cumprido o que é previsto na lei, visto que o número de apenados
só aumentam em todo o Brasil. Na visão de Machado (2013. p. 7) disserta que:

É inegável que o alto número de condenados, às vezes maior que o dobro da


capacidade do presídio, se traduz como o pior problema existente no sistema
penitenciário – em especial o brasileiro –, eis que acarreta ainda outros problemas a
ele intimamente ligados, tais como a falta de higiene, a alimentação precária e a
violência física e sexual. Todos esses problemas, além da frágil estrutura física dos
espaços carcerários e da disseminação das drogas e dos aparelhos celulares, são
realidades facilmente perceptíveis nos presídios das grandes cidades brasileiras, sem
mencionar a caótica situação das Delegacias de Polícia (MACHADO, 2013, p. 7).

Segundo levantamento realizado pelo Conselho Nacional do Ministério Público


(CNMP), (2014) destaca que “entre março de 2012 e fevereiro de 2013 dão conta que de 1.598
prisões inspecionadas no Brasil nesse período, houve 121 rebeliões, 729 mortes e 20.310 fugas.
Em menos de 20 anos, enquanto a população cresceu 36% o número de pessoas presas
aumentou 403,5%”. Destarte, esses índices apontados na pesquisa só frisam que o sistema
carcerário brasileiro está passando por uma crise e não é de hoje que necessita urgentemente de
reparo do Estado e da sociedade.

3. A ÚTOPICA PROPOSTA DE RESSOCIALIZAÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE


LIBERDADE

Na legislação a pena privativa de liberdade tem como finalidade a retirada do apenado


e isolamento da sociedade para só assim inseri-lo novamente no convívio social. Todavia, esse
objetivo principal da pena se torna inviável, uma vez que os detentos sofrem com a superlotação
e péssimas condições de higiene, que ocasiona o descumprimento da LEP, além de ferir a
dignidade da pessoa humana, tornando assim, impossível a reinserção adequada do preso na
sociedade.
Argumenta Bitencourt (1993, p. 154), que quando a prisão foi criada como principal
forma de punição, no século XIX, nela existia a possibilidade de ser aplicadas todas as
finalidades de penas e, diante disso, conseguir reabilitar o apenado. Todavia Foucault (2011, p.
55), aponta que a pena restritiva de liberdade nunca será suficiente como punição, assegurando
que “a prática punitiva do século XIX procurará pôr o máximo de distância possível entre a
pesquisa 'serena' da verdade e a violência que não se pode eliminar inteiramente da punição”.
Nesse sentido, hoje vivemos uma crise da pena privativa de liberdade e seu objetivo de
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ressocialização do preso, visto que, é analisado quase que reativo ou total a sua ineficácia em
torná-la positiva.
De acordo com Boschi (2004, p. 112), a legislação da ressocialização se deu pela
reforma de 1984, com a lei de execuções penais. Todavia, destaca-se que em quase dois séculos
de pena privativa de liberdade, os índices de reincidência criminal de egressos no sistema
carcerário só aumentam, e que nem com todo esse tempo de vigor não se dispõe de condições
e meios eficazes.
O primeiro ponto que deve ser analisada como impossibilidade da ressocialização do
egresso é a precariedade do sistema prisional brasileiro, uma vez que uma estrutura precária e
superlotação impõe ao preso condições desumanas para o cumprimento da pena. Sob esse viés,
dispõe Beccaria (1999, p. 82), que mesmo prevista e legitimada na legislação brasileira, a
finalidade da ressocialização do preso se mostra utópica, uma vez que não são fornecidas
situações melhores para sua evolução.
O 1° artigo da Lei de Execução penal dispõe: “A execução penal tem por objetivo
efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a
harmônica integração social do condenado e do internado”(Lei nº 7.210, de 11 de julho de
1984). Considerando o artigo 1° é possível afirmar que a lei de execução penal tem como
finalidade a reinserção do preso na sociedade, além do cumprimento legal da pena. Todavia,
quando a primeira não produz o resultado esperado, o resto dos objetivos da lei se tornam
irrelevantes.
Conforme explana Rogério Greco (2011, p.443), “Parece-nos que a sociedade não
concorda, infelizmente, pelo menos à primeira vista, com a ressocialização do condenado. O
estigma da condenação, carregado pelo egresso, o impede de retornar ao normal convívio em
sociedade”. Além dos problemas de superlotação e infraestrutura, o preso sofre com obstáculos
depois do cumprimento da pena, uma vez que se torna alvo de preconceito por já ter sido preso
e pela falta de oportunidade no mercado de trabalho, muita das vezes volta a cometer os mesmos
crimes.
Ademais, é imperioso ressaltar que a ressocialização do egresso na sociedade brasileira
se tornou, indiscutivelmente, utópica, visto que segundo dispõe o professor Julio Fabrine
Mirabete (2002, p. 24):

A ressocialização não pode ser conseguida numa instituição como a prisão. Os centros
de execução penal, as penitenciárias, tendem a converte-se num microcosmo no qual
se produzem e se agravam as contradições que existem no sistema social exterior (…).
A pena privativa de liberdade não ressocializa, ao contrário, estigmatiza o recluso,
impedindo sua plena reincorporarão ao meio social. A prisão não cumpre uma função
12

ressocializadora. Serve como instrumento para a manutenção de estrutura social de


dominação.” (MIRABETE, 2002, p.24.)

Portanto, o que de fato se refere a isso, é que o Estado não tem dever de ressocializar o
preso, mas de fornecer condições para que o apenado seja ressocializado, o que, infelizmente,
é impossível no atual sistema prisional brasileiro. Sendo assim, a ressocialização do egresso na
sociedade fica definido somente na lei, pois na prática a ressocialização ocorre de modo
contrário e a única reinserção que é realizada é a no mundo do crime.

4. POLÍTICAS PÚBLICAS CRIADAS PARA A REINSERÇÃO DO PRESO NA


SOCIEDADE

Em 2021, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), investiu cerca de 150


milhões do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) para a ação em 2021 e 2022 de
construções e reformas das unidades prisionais de todo o Brasil. Esse projeto, pode ser
acompanhado diretamente através do Painel de Monitoramento de Obras do Depen, no qual
permite não só auxiliar os gestores da Depen e das unidades Federais, como também, o acesso
externo a qualquer cidadão para verificar o andamento das obras, construções e recursos
estatais. Ademais, conforme o departamento, houve um aumento de 54,15% na quantidade
total de presos em atividades educacionais nas Unidades Prisionais, e um acréscimo de 21,5%
na quantidade de apenados exercendo a atividade de trabalho.
Ademais, o Depen, em 2021, investiu nos Planos Estaduais de Educação para pessoas
privadas de liberdade e egressos do sistema prisional, apoiando assim os órgãos de
administração prisional e secretarias estaduais de educação, conforme projeto, o
departamento doou equipamentos e cerca de 20 mil livros às unidades prisionais do país, no
qual investiu aproximadamente 4.5 milhões, permitindo o aumento de presos com acesso à
educação.
Desse modo, referente ao incentivo do trabalho durante o cumprimento da sentença
do apenado, o Depen monitora 45 convênios ativos do Programa de Capacitação Profissional
e Implementação de Oficinas Permanentes (Procap), no qual é voltado para a implementação
de oficinas permanentes de trabalho e que permitem que o preso possa fazer cursos de
capacitação para a inserção dele no mercado de trabalho, somando cerca de 58 milhões de
investimentos.
Outrossim, outro dado apontado pelo departamento é o aumento no investimento de
equipamentos para monitoramentos eletrônicos, ou seja, as tornozeleiras eletrônicas, no qual
13

houve um aumento de 89.497 em 2020 para 97.878 até junho de 2021. O Depen investiu mais
de 75 milhões em equipamento de monitoramento eletrônico e implantação para as Unidades
Federias. Sobre tal fato, Ana Maria de Barros (2011, p.12) dispõe:

Falar de cidadania no sistema Penitenciário significa nadar contra a maré que insiste
no endurecimento no tratamento com os presidiários do país. Construir mais prisões
pode melhorar o problema da superlotação, mas manter o modelo de administração
inalterado não irá resolver a crise de gerenciamento das unidades. É preciso alterar
nosso sistema de justiça criminal, enfrentar a questão carcerária como um problema
de vontade política (BARROS, 2011, p.12).

Ante o exposto, é possível notar que apesar das políticas públicas criadas para a
resolução do problema, é notório identificar que não são suficientes, uma vez que a omissão
estatal, o desinteresse político e a visão discriminatória da sociedade aos presos, são permitidas
concluir que há uma verdadeira exclusão desse grupo de pessoas da sociedade.

4.1 O TRABALHO E A EDUCAÇÃO COMO FORMA DE RESSOCIALIZAÇÃO

A crise do sistema carcerário brasileiro está relacionada, em grande parte, a superlotação


e a grave dificuldade em reinserção do apenado na sociedade, tendo em vista que a carência e
a ausência de estrutura e assistência aqueles já estão incluídos dentro desse sistema é o principal
agravante. O debate teórico sobre essa problemática já vem sendo levantado há alguns anos e é
importante a discussão sobre o tema para buscar soluções para redefinir as metas de
ressocialização do preso e definir alguma alterativa para a superlotação (BUSS, 2008).
A Lei de Execuções Penais (LEP), lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, em seu artigo
28 dispõe que;

Art. 28. O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana,
terá finalidade educativa e produtiva.
§ 1º Aplicam-se à organização e aos métodos de trabalho as precauções relativas à
segurança e à higiene.
§ 2º O trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do
Trabalho (BRASIL, 1984).

Diante do disposto artigo, é notório destacar que o trabalho pode impactar de forma
positiva o cumprimento legal e eficaz da pena privativa de liberdade, uma vez que pode
proporcionar ao egresso experiencia para a reinserção na sociedade e no mercado de trabalho.
Sob esse viés destaca Maurício Kuehne (2013, p. 32):
14

O trabalho, sem dúvida, além de outros tantos fatores apresenta um instrumento de


relevante importância para o objetivo maior da Lei de Execução Penal, que é devolver
a Sociedade uma pessoa em condições de ser útil. É lamentável ver e saber que
estamos no campo eminentemente pragmático, haja vista que as unidades da
federação não têm aproveitado o potencial da mão de obra que os cárceres
disponibilizam (KUEHNE, 2013, p.32).

O trabalho, além de está previsto na Carta Magna como direito fundamental, pode ser
uma forma de reverter o dano causado para a sociedade, uma vez que o detendo percebe que
existem meios lícitos para seguir a vida em sociedade, além do crime. Ademais, o trabalho
prisional constrói personalidade e caráter, além de custear os gastos dos presos e, segundo artigo
37 da LEP, reaver a porcentagem da pena pelo trabalho prestado.
Da Assistência Educacional, a Lei de Execução Penal dispõe:

Art. 17. A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação


profissional do preso e do internado.
Art. 18. O ensino de 1º grau será obrigatório, integrando-se no sistema escolar da
Unidade Federativa.
Art. 19. O ensino profissional será ministrado em nível de iniciação ou de
aperfeiçoamento técnico (BRASIL, 1984).

Ante o exposto, fica evidente que a educação também é muito importante para a
reinserção do preso na sociedade, uma vez que ele adquire experiência profissional, pessoal e
ainda cumpre um direito fundamental disposto da Carta Magna. De acordo o item 77 das Regras
Mínimas da ONU para o Tratamento de Reclusos:

“Devem ser tomadas medidas no sentido de melhorar a educação de todos os reclusos


que daí tirem proveito, incluindo instrução religiosa […] A educação de analfabetos
e jovens reclusos será obrigatória […] Tanto quanto for possível, a educação de
reclusos deve ser integrada no sistema educacional do país, para que depois de sua
libertação possam continuar, sem dificuldades, a sua educação.” (ONU, 1955, p. 18).

Portanto, é imperioso o empenho Governamental no cumprimento desses direitos


fundamentais para que os presos sejam inseridos na sociedade de forma eficaz, evitando colocá-
lo novamente no mundo do crime.

5. FACÇÕES CRIMINOSAS NOS PRESÍDIOS BRASILEIROS

A questão da infiltração das facções criminosas nos presídios brasileiros, é um dos


maiores problemas atuais enfrentados pelo Brasil, uma vez que coloca em risco o sistema de
15

segurança pública do apenado e da sociedade. Entre suas causas podemos citar a ausência de
condições de higiene básica, superlotação e falta de investimento. Dessa forma, explana
Boschi (2004, P. 115):

Como todos sabem, a vida na prisão desenvolve-se informada por uma cultura própria:
a da sociedade carcerária, cujas leis, são distintas das que regulam o mundo livre, de
modo que os presos vivem debaixo de seu próprio Código e eles próprios impõem
sanções a quem o descumpre. (BOSCHI, 2004, p. 115)

Sendo assim, segundo o autor, a vida no cárcere possui suas próprias regras e leis, e que
com a ausência do Estado para impor a ordem dentro das celas, as facções impõem seu próprio
código e governam com mãos de ferro.
Segundo Sidinei Brzuska (in AJURIS, 2013, p. 16), o Estado possui o controle somente
nos corredores e salas administrativas do Presídio Central de Porto Alegre, visto que, diante do
caos que é a superlotação, houve a liberação dos presos para as alas internas dos presídios, e
com a retida dos agentes penitenciais e dos policiais para monitoramento, isso acarretou uma
espécie de “controle compartilhado”, e os presos passaram a se organizarem em facções e
comandar os presídios.
Diante da evolução do controle violento das prisões, Dias (2008, p. 11) afirma que a
pouco tempo atrás existia o privilégio individual de alguns apenados, grande parte por
demonstração de força e opressão, no qual possuíam o controle sobre o restante dos apenados,
uma vez que os denegriam de forma física e moral. Ademais, como eram opressões feitas de
formas individuais, se tratava de um domínio instável e frágil, pois logo aparecia um apenado
mais forte e violento para extinguir essa liderança.
Sob esse viés, um fator que também contribuiu para a formação das facções dentro das
prisões foi a livre negociação com os funcionários despreparados, a corrupção que ocorrida
dentro desses estabelecimentos, nitidamente descumpriam inúmeros regulamentos. Sob esse
viés, dispõe Greco (2015, p. 230):

O que vemos é uma junção perigosa entre os condenados e os funcionários, criando


uma rede de corrupção, onde tudo passa a ser permitido no sistema. O ingresso de
drogas, armas, a venda de lugares privilegiados, o acesso a telefones celulares e, até
mesmo, a saída indevida de presos fazem parte desse despreparo dos funcionários,
que se aproveitam da sua situação de superioridade para obterem alguma vantagem
com os detentos (GRECO, 2015, p. 230).

Com o surgimento das facções o sistema que antes era instável e frágil, tornou-se
bastante forte e organizado, uma vez que a superlotação contribui significativamente para
16

proliferação da violência e o agrupamento dos presos para manter o poder dentro desse convívio
social. Sendo assim, dentre as mudanças que ocorreram dentro do sistema carcerário e o
domínio das facções criminosas, segundo Dias destaca (2008, p. 9), está a elaboração de normas
e códigos criados pelos próprios presos e o poder de punir conforme suas leis. Ademais, não
são mais lideranças isoladas, que era baseada na força física, mas sim em indivíduos que
lideram de forma numérica e organizada.
Desse modo, a falta de vagas nas penitenciais vem crescendo cada vez mais, em 2005
de acordo com o Depen, existia a ausência de 135 mil vagas, no recente relatório apresentado
pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) em junho de 2008 houve um aumento superior
a 30%. O relator da CPI deputado Domingos Dutra “estima que seriam necessárias, hoje, 180
mil vagas para que não houvesse superlotação nos presídios brasileiros, o sistema que tem
capacidade para 260 mil detentos, abriga mais de 440 mil. ” (CÂMARA DOS DEPUTADOS,
2014).
Somando-se a isso, a inércia e o descaso estatal são evidentes, uma vez que o Estado,
em relação ao domínio das facções dentro dos presídios, é omisso. O domínio pelas facções se
deu por causa da superlotação, condições mínimas de higiene para os presos, ausência de
agentes penitenciários capacitados para exercer sua função e falta de estruturação para
acomodar todos os presos.
Ademais, é possível afirmar que esse domínio se constitui um fator criminógeno, uma
vez que está interligado com a reincidência do apenado. Ou seja, quando um preso reincide na
cadeira, ele é obrigado a escolher uma facção a qual servir para garantir sua sobrevivência
dentro do cárcere, mas, também será a facção que o proporcionará tal proteção.
Portanto, o sistema prisional, além de fator criminógeno, se mostra como uma barreira
que irá impedir o cumprimento do dever legal da pena privativa de liberdade, visto que ao invés
de inserir novamente o preso na sociedade como cidadão que goza de direitos e deveres, na
verdade só serve para afastá-lo ainda mais do convívio da sociedade e inseri-lo mais uma vez
no mundo da criminalidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O sistema prisional brasileiro está longe de se tornar daquele previsto na Lei de


Execuções Penais, uma vez que, as condições em que os presos se encontram colabora na
ineficácia da reinserção do apenado na sociedade. Essa crise está associada a fatores ligados a
violência presente nos presídios brasileiros que estão relacionados a guerra dentre as facções
17

criminosas em consonância a soma dos apenados ser maior que o número de celas disponíveis nos
presídios, contribuindo para uma superlotação, no qual colabora para o surgimento de ambientes
insalubres e desumanos.
Dessa forma, o empenho do Estado permanece em estágio inerte, visto que é necessárioa
dedicação Governamental para a criação e desenvolvimento de políticas públicas que amparem
esses presos e faça com que a lei seja cumprida. Todavia, a falha desse órgão ocasiona na piora da
crise do sistema carcerário, dificultando tanto entidades empenhadas em reverter a situação,
como o descumprimento da ressocialização do apenado.
Sob esse viés, fica evidente o descaso do princípio da dignidade da pessoa humana e
direitos iguais para os apenados, visto que, não gera reação do Governo e nem da sociedade porse
tratar de criminosos e bandidos, pois, a dignidade está relacionada ao comportamento e ações do
indivíduo e não ao direito assegurado pela Carta Magna.
Nesse sentido, os ambientes prisionais infringem diretamente a Carta Magna no que diz
respeito a dignidade da pessoa humana, pois incide diretamente nos ambientes sombrios,
escassos e degradantes que abrange uma população maior do que o espaço permite, e mesmo
que essa crise seja recorrente no país inteiro, nada se tem feito para reverter a situação.
Somando-se a isso, é possível afirmar que o Estado não cumpri com o que é previsto na
Lei de Execuções Penais (LEP) de 1984, e nem assegura direitos presentes na Constituição da
República Federal de 1988, uma vez que, as celas superlotadas e a precariedade nas condiçõesde
vida dos apenados, corroboram apenas para a criação de criminosos dentro de suas celas, e
consequentemente, deixam seres humanos a mercê das facções criminosas que dominam de
forma interna e externa o sistema prisional. De acordo com Andrade e Ferreira (2015, p. 118)
“acontece que há ainda uma ampla despreocupação e intolerância, tanto do Estado como da
sociedade em âmbito global, quanto ao problema carcerário e à incumbência de fazer valer a
reintegração social do preso como função da pena”.
Destarte, é imperioso o empenho Governamental para o incentivo e desenvolvimentos de
políticas públicas voltadas para a educação e profissionalização do apenado, em virtude de que,
a união do Estado e da sociedade busque resultados positivos para ações sociais, principalmente
voltadas para a ressocialização do preso, com o fito de que seja, permanentemente, cumprido o
que é proposto na lei e garantido os direitos constitucionais.
18

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