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ANÁLISE DAS PRÁTICAS DE RESSOCIALIZAÇÃO NO SISTEMA

CARCERÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ

Márcio Ferreira1
Leandro Machiniski2

RESUMO: Este estudo reflete sobre o sistema penitenciário atual e quais às


possibilidades reais de ressocialização dos apenados. O objetivo é identificar
dentre as diversas penitenciárias brasileiras, um modelo condizente com a
proposta de ressocialização. O problema que se identificou foram os graves
abusos aos Direitos Humanos diante do cenário retratado e os resultados
apresentados nas instituições. Hipoteticamente verifica-se a possibilidade de
redução da população carcerária, de outro lado a falta de recursos e incentivos
assombram essa possibilidade. A metodologia utilizada será a comparativa-
dedutiva, partindo de conceitos gerais sobre o assunto, para só então apresentar
as conclusões particulares sobre o tema. Os resultados encontrados foram a
existência de unidades modelo no Estado do Paraná, que podem ser referência no
Brasil. Sendo assim, visível a necessidade de adequação e multiplicação desses
sistemas prisionais no país.

Palavras chaves: RESSOCIALIZAÇÃO, JUSTIÇA RESTAURATIVA, CÁRCERE,


DIREITOS HUMANOS, REINCIDÊNCIA.

ABSTRACT: This study reflects on the current penitentiary system and the actual
possibilities of resocialization of the inmates. The objective is to identify among the
various Brazilian penitentiaries a model consistent with the proposal of
resocialization. The problem identified were the serious abuses of human rights in
the face of the scenario portrayed and the results presented in the institutions.
Hypothetically, the possibility of reducing the prison population is observed, on the

1Ph.D. Candidate in Criminal Law - Universidade de Salamanca – Espanha

2Pós-graduando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná.


1
other hand, the lack of resources and incentives haunt this possibility. The
methodology used will be the comparative-deductive starting from general
concepts on the subject to only then present the particular conclusions on the
subject. The results found were the existence of model units in the state of Paraná
which can be a reference in Brazil. Thus the need for adequacy and multiplication
of these prison systems in the country is visible.

Key words: RESOCIALIZATION, RESTORATIVE JUSTICE, PRISON, HUMAN


RIGHTS, RECURRENCE.

1) INTRODUÇÃO

Neste estudo analisa-se o poder de ressocialização do cárcere e a


aplicação da justiça restaurativa na execução da pena. Diante dos resultados
negativos com relação ao sistema prisional brasileiro atual, e por consequência o
quase abandono social do tema, busca-se com essa pesquisa tornar ainda mais
pública a discussão dessa problemática para que sejam somadas as forças
estatais e sociais com o fim de tornar mais efetivo o cumprimento da pena, bem
como diminuir a população carcerária de forma gradativa.

Portanto, o texto irá tratar inicialmente sobre o sistema prisional brasileiro,


demonstrando a atuação do Estado nesta seara. Em um segundo momento, o
trabalho trata da situação atual da população carcerária, que por sua vez é
alarmante. Posteriormente é anunciada a participação de unidades modelo no
Brasil, sendo uma a Penitenciária Feminina do Estado do Paraná, e outra os
casos atendidos pela Associação de Proteção e Assistência aos Condenados do
Paraná (APAC), que possuem resultados animadores para o futuro da execução
penal.

Na sequência, é apresentada parte das propostas contra o


encarceramento em massa, medidas legislativas que a comunidade de Advogados

2
tenta pleitear no Brasil para uma melhor condução dos apenados através da lei
penal. Por fim, é alavancada a necessidade de incentivo da justiça restaurativa
nos presídios, com o objetivo de melhorar o cumprimento da pena, e reinserir o
preso ao ambiente social de forma mais efetiva.

2) O SISTEMA PRISIONAL NO BRASIL

No início da colonização e depois império no Brasil, a forma de


cumprimento de pena não era muito diferente das formas de punição ilustradas na
obra clássica de Michel Foucault denominada Vigiar e Punir de 1975. O corpo era
o alvo principal da representação penal. Após a abolição da escravatura em 1888,
mudanças significativas começaram a ocorrer no ordenamento punitivo, como por
exemplo o Código Penal da República de 1890, composto por 411 artigos que
discorriam sobre os crimes e suas penas. Pode-se imaginar que era uma
tendência do século tais mudanças, seguindo o ritmo da Europa como discorre
Foucault:

Desparece, destarte, em princípios do século XIX, o grande espetáculo


da punição física: o corpo suplicitado é escamoteado: exclui-se do castigo
a encenação da dor. Penetramos na época da sobriedade punitiva. 3

O atual Código Penal, surgido em 1940, veio com o objetivo de equilibrar o


poder punitivo do Estado, no entanto, o cárcere nessa época já apresentava
problemas comuns dos dias de hoje, tornando a punição uma segunda escola do
crime.

Em 1984 a lei de execuções penais foi a base da individualização da


pena, com foco não só na sua condução, mas também da assistência do apenado,
no que se refere as suas condições de saúde, educação, social, jurídica, dentre
outras.

3FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir, Nascimento da prisão. Apresentação gráfica


reformulada a partir da 16ª Ed. em 1997. Rio de Janeiro: Editora Vozes Ltda. p.19.
3
Apesar da tentativa do legislador e das autoridades no assistencialismo, a
falta de recursos, os grandes níveis de reincidência são fatores desproporcionais
que não geraram bons frutos.

A crise do sistema teve marcos históricos tais como o famoso caso do


“massacre do Carandiru”, ambiente que gerou o resultado da morte de 111 presos
pela força policial. Muitos consideram a operação como um grande fracasso com
claros sinais de execução de detentos em massa, situação que ficou longe dos
objetivos da lei de execução penal de 1984.

Após o deslinde do tempo, as memórias do Carandiru vieram à tona com


o estado caótico que se formou no Complexo Penitenciário Anísio Jobim
(Compaj), em Manaus:

A rebelião ocorrida no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj),


em Manaus — onde 56 presos foram mortos durante uma briga entre
facções criminosas —, parece ter gerado a mesma sensação em todos:
trata-se de uma tragédia anunciada4.

Com a morte de tantos detentos, comprova-se a tese de que o sistema


conseguiu piorar o que parecia ser impossível, como também será visto a seguir
nos dados colhidos pela Secretaria Nacional de Segurança Pública.

3) SITUAÇÃO ATUAL DA POPULAÇÃO CARCERÁRIA

Segundo os dados do Levantamento Nacional de Informações


Penitenciárias, o Brasil atingiu mais de setecentos mil presos em 2016:

Em Junho de 2016, existiam 726.712 pessoas privadas de liberdade no


Brasil, sendo 689.510 pessoas que estão em estabelecimentos
administrados pelas Secretarias Estaduais de Administração Prisional e
Justiça, o sistema penitenciário estadual; 36.765 pessoas custodiadas em
carceragens de delegacias ou outros espaços de custódia administrados

4Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-jan-05/laurita-vaz-massacre-manaus-


tragedia-anunciada – acesso em 03/12/2018.
4
pelas Secretarias de Segurança Pública; e 437 pessoas que se
encontram nas unidades do Sistema Penitenciário Federal, administradas
pelo Departamento Penitenciário Federal. Em relação ao número de
vagas, observamos um déficit total de 358.663 mil vagas e uma taxa de
ocupação10 média de 197,4% em todo o país, cenário também agravado
em relação ao último levantamento disponível 5.

Eram 726.712 mil presos em 2016, se comparado com 2014 eram


622.000, um salto de quase 100 mil em 3 anos. Com esses dados o Brasil já
possui a terceira maior população carcerária do mundo, perdemos inclusive para
populações maiores como à Índia.

A maior parte dos crimes praticados são os chamados crimes de rua, ou


de “powerless”6, ligados diretamente ao patrimônio ou ao tráfico de drogas,
concentrado predominantemente nas classes mais pobres da população, lideram
as condutas ilícitas o art. 155, logo em sem seguida o art. 157. Apesar do cenário
ser caótico, ainda sim podem ser encontrados milhares de profissionais
preocupados com o futuro do cárcere, bem como associações e penitenciárias
com objetivos positivos no cumprimento da pena.

4) ATUAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO DE PROTEÇÃO E ASSISTÊNCIA AOS


CONDENADOS DO PARANÁ (APAC)

O método da associação de proteção e assistência já foi implantado em


mais de quarenta cidades brasileiras. No Paraná a unidade de Barracão é de

5Fonte: Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias - Infopen, Junho/2016.


Secretaria Nacional de Segurança Pública, Junho/2016; Fórum Brasileiro de Segurança
Pública, dezembro/2015; IBGE, 2016. p.8.
6Para um aprofundamento sobre o tema delitos de powerless e powerfull, Cf.,
RODRÍGUEZ, Javier Llobet. La Corrupción Pública como parte de la Criminalidad de los
Poderosos. Revista Digital de la Maestría en Ciencias Penales. Número 6. RDMCP-UCR.
2012. Segundo Javier, powerfull são delitos que têm regulação legal insuficientemente
assentada ou que a dogmática se encontra em fase de elaboração, de estudo. A seu turno,
delitos de powerless são os crimes do modelo clássico do Direito Penal, daquela dogmática
já assentada, pacífica.
5
grande exemplo para o resto do Brasil, os recuperandos (como são chamados os
apenados), circulam com mais tranquilidade pela unidade, sem a necessidade de
guardas armados nas movimentações diárias.

No Brasil em média 90% dos apenados voltam a reincidir nas práticas


criminosas, com às APAC’s o número é surpreendente, segundo informações do
CNJ:

Em média, nossa não reincidência (no crime) é de 70%. Em algumas


Apacs, chegamos a um índice de 98%. No Brasil, o percentual não chega
a 10%. Tenho certeza de que, se o Estado acordasse, a reincidência
seria menor ainda, disse o gerente de metodologia da FBAC, Roberto
Donizetti7.

Para o CNJ esses dados só são capazes graças ao estilo de cumprimento


de pena, que é bem diferente das unidades prisionais tradicionais, os
recuperandos circulam de forma mais tranquila, trabalham cotidianamente
cuidando da unidade, recebem as visitas de familiares regularmente, em suma, a
lei de execuções penais é cumprida.

Com relação a rotina do apenado:

A rotina que deve ser cumprida diariamente pelos internos de


uma Apac começa às 6 horas da manhã, horário em que todos se
levantam e iniciam uma série de atividades de trabalho e capacitação.
Até as 22 horas, quando todos são obrigados a se recolher, as horas do
dia são divididas entre sala de aula, laborterapia, leitura, informática e
outras obrigações.8

Apesar das condições serem diferenciadas, o regime ainda sim é de


cumprimento de pena, portanto, existem regras a serem seguidas. Nos conflitos
internos de menor gravidade os próprios internos resolvem a situação, conforme
seus conselhos. Outro ponto peculiar é que os apenados se reconhecem entre si
pelos próprios nomes, e não pelos apelidos originários do crime, essa é mais uma
forma simples de desvinculação dos traços criminais.

7Disponível em: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/84625-apac-metodo-de-ressocializacao-


de-preso-reduz-reincidencia-ao-crime - acesso em 05/01/2019
8Idem.
6
Ainda, caso seja diagnosticado o uso de drogas durante a saída
temporária, ou alguma regra violada de caráter grave ocorra, o apenado é
remetido para as unidades convencionais, perdendo a chance de cumprir a pena
dentro da APAC.

Todavia, existem penitenciárias que mesmo não possuindo cem por cento
das características das APAC’s, ainda sim adotam métodos que conduzem os
apenados ao cumprimento de suas condenações de forma mais coerente e eficaz,
como é o caso da penitenciária feminina no Paraná.

5) EXPERIÊNCIA JUNTO À PENITENCIÁRIA FEMININA DO PARANÁ

Em 2013 à Pontifícia Universidade Católica junto com as Tintas Coral


iniciaram alguns trabalhos de revitalização da unidade prisional, conforme a
própria Secretaria da Justiça, Trabalho e Direitos Humanos do Estado do Paraná
divulgou:

O projeto visa a capacitação de 30 apenadas que estarão envolvidas na


execução do trabalho. Na primeira fase, serão pintadas a galeria da
penitenciária onde ficam gestantes e mães com os recém-nascidos, bem
como painéis em locais de trânsito de todas as detentas. Os trabalhos de
pintura serão realizados com base em projetos do curso de Pós-
Graduação em Arquitetura e Design da PUCPR, que tem como
responsável o professor Carlos Nigro. Além disso, a ação da Tintas Coral
proporcionará a formação das prisioneiras como multiplicadoras,
profissionalizando-as na área de pintura para construção Civil. Além de
levar cor para a vida das pessoas, temos o intuito de deixar um legado
para a comunidade e contribuir para a formação profissional. Por isso, é
gratificante saber que, além da cor contribuir para a vida das detentas,
daremos a oportunidade de formá-las e torná-las multiplicadoras lá
dentro, já que a pintura será executada por elas e funcionários da
penitenciária”, ressalta Marcelo Abreu, gerente de marketing da Tintas
Coral.9

Já no ano de 2016 à Pontifícia Universidade Católica do Paraná organizou


uma comitiva de Assistentes Sociais, Advogados, Professores e estudantes de

9Disponível em: http://www.justica.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=845 –


acesso em 23/05/2019
7
Direito para visitar a PFP (Penitenciária Feminina do Paraná) durante determinado
período.

O trabalho desenvolvido naquela oportunidade foi de revisão das penas


das recuperandas. Com as devidas instruções e acompanhamento de Professores
e Assistentes Sociais, foi possível conhecer, entender e vivenciar um pouco da
rotina daquele lugar. Ainda, em alguns casos foram elaborados pedidos de
progressão de regime de detentas que já apresentavam os requisitos do art. 112
da lei de execuções penais, todavia, não elaboraram os pedidos anteriormente por
falta de condições para contratação de Advogados ou pela ausência da
Defensoria Pública, já que o número desses profissionais ainda é tímido no Estado
do Paraná.

Ressalta-se ainda, que naquele ambiente foram observadas situações


peculiares, similares as que já mencionamos com as APAC’s, portanto, a PFP
conseguiu aliar o cumprimento da pena com um local que preza pela qualidade do
ambiente prisional e seu poder de ressocialização.

Sabe-se que segundo a avaliação de Agentes Penitenciários e outros


profissionais de dentro da penitenciária feminina, após a implantação de vários
projetos sociais, dentre eles a atuação de empresas privadas, a participação da
PUCPR com acadêmicos de diversas áreas (Psicologia, Direito, Assistência
Social), a melhoria nas condições de trabalho, a dedicação para manutenção da
figura feminina dentro do ambiente hostil da reclusão, são fatores que contribuíram
muito no andamento da penitenciária.

Neste diapasão, já sabemos que as reeducandas não precisam se


deslocar algemadas nos corredores da penitenciária; o número de rebeliões
diminuiu a quase zero ao ano; os guardas não utilizam armamento quando
circulam entre as apenadas, bem como as torres de vigias não necessitam mais
de guardas armados, ou seja, existe uma mudança de comportamento notável.

8
Entretanto, sabe-se ainda que apesar de existirem estabelecimentos
prisionais como os já citados, também são necessárias alterações na legislação
para potencializar as mudanças que a execução penal necessita.

6) PROPOSTAS CONTRA O ENCARCERAMENTO EM MASSA

Apesar da situação carcerária ser lamentável no Brasil, verificamos que as


forças do Estado buscam a todo momento uma solução plausível. Neste sentido,
foi em abril de 2017 que as propostas contra o encarceramento em massa foram
lançadas, por iniciativa de institutos e em diversas oportunidades nos encontros da
advocacia criminal, em atos públicos para lançar tais medidas de reestruturação
do cumprimento de pena:

Representantes do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM),


da Pastoral Carcerária Nacional, da Associação Juízes para a
Democracia e do Centro de Estudos de Desigualdade e Discriminação
(CEDD/UnB) levarão na quarta-feira, 5, um caderno de propostas para a
Presidência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos
Deputados em Brasília10.

O manual que compõe todas as medidas trás diversos requerimentos para


a mutação do sistema prisional, partindo do princípio do melhoramento do
cumprimento da pena, da responsabilidade econômica que o legislador possui ao
editar as leis punitivas, e valorização da justiça restaurativa.

O bloco VI das propostas atingem certeiramente a execução penal,


conforme segue: a - proposta de um sistema de apuração e punição de faltas
disciplinares na prisão, nesse caso a ideia é de acompanhamento e adequação
das faltas graves, responsáveis pelo atraso na progressão de regimes, livramento
condicional e indulto; b - mais hipóteses de prisão domiciliar, neste caso a
proposta visa atingir os casos de mães que são obrigadas a cumprir pena e zelar

10Disponível em: https://www.ibccrim.org.br/medidas-sistemapenal2017/ - acesso em


23/07/2019
9
pelos filhos recém nascidos, com isso não se perde o contexto familiar, humaniza
a pena e fortalece a não reincidência; eficiência do sistema de progressão,
essa proposta tem o condão de acelerar o processo de progressão de regime, já
que muitos apenados mesmo já possuindo os pré-requisitos para tanto, acabam
demorando além do esperado para fazer jus ao regime semiaberto ou ao aberto;
adequação da execução das medidas de segurança à Lei da Reforma
Psiquiátrica (Lei nº 10.216/01) e à Política Nacional de Atenção à Pessoa com
Sofrimento Mental, por fim, a proposta traz adequação na legislação penal no
que tange as medidas de segurança de pessoas com transtorno psiquiátrico, com
o intuito de tornar a aplicação das medidas em caráter extremamente especial e
breve.

7) AMPLIAÇÃO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA

Não obstante a existência de frentes que buscam impulsionar propostas


legislativas para elevar a qualidade da execução penal, é evidente a carência de
se acrescentar outros institutos que possam amparar esta jornada brasileira.

Sendo assim, surge à tona o instituto da justiça restaurativa, que está


presente no Brasil há cerca de dez anos, com o fim de valorizar a individualização
da pessoa e o diálogo entre os pares, humanizando o sistema penal para que
surta efeitos positivos. Já quando se trata do tema fora do Brasil, a professora
Claudia Cruz de Portugal nos informa que nos anos setenta era possível verificar
pioneirismos sobre o tema em outros países, sendo a justiça restaurativa algo
diferente da justiça penal e que busca a necessidade de satisfação das vítimas 11.

11Para um aprofundamento sobre o tema justiça restaurativa. SANTOS, 2014. p. 812. Segundo
Claudia Cruz, a partir dos anos setenta do século passado foram surgindo referências à justiça
restaurativa como um modelo de resposta ao crime que seria diferente da justiça penal. Afasta-se a
possibilidade de condenação a pena de prisão, afirmam-se as vantagens para a reintegração do
agente e invoca-se a satisfação das necessidades das vítimas. E ainda se apresenta esta solução
como mais pacificadora para a comunidade. As práticas restaurativas acabaram por chegar a
Portugal e torna-se necessário procurar compreender o seu sentido e a forma como podem
coexistir e relacionar-se com a justiça penal na reação ao crime. Pergunta-se, por isso, “Por quê?”,
“Para Quê?” e “Como?”. Consideram-se as críticas à justiça restaurativa, que alguns começam a

10
No entanto, é nessa linha que alguns estudiosos visualizam a justiça
restaurativa como uma espécie de abolicionismo penal, por outro lado, acredita-se
que o instituto pode ser um aliado do direito criminal, preenchendo as lacunas que
falharam ao decorrer das décadas, e incorporando uma visão alternativa.

O ilustre professor Claus Roxin faz a indagação se futuramente será


possível evitar sanções penais por meio da descriminalização e da diversificação
das condutas ilícitas, e complementa:

Nestes dois instrumentos políticos-sociais ocorre não uma eliminação,


mas uma redução de cominações penais ou da pena criminal. Eles se
inter-relacionam, de maneira que só se cogitará de uma diversificação na
hipótese em que não seja possível a descriminalização.12

Nos casos em que não for possível a descriminalização deve-se aplicar a


diversificação, com diferentes alternativas de criminalização. Todavia, para Roxin,
a diversificação só é possível dentro de certos limites e sob a égide da vigilância
do estado.

Para o professor André Ribeiro Giamberardino, em sua obra intitulada


“Crítica da pena e a justiça restaurativa, a censura para além da punição”,
podemos destacar:

Restauração”, “restituição criativa”, mediação: a denominação não deve


importar tanto, já que “nomes” muitas vezes podem trazer consigo vícios
e experiências que não correspondem ao que se pretende. O ponto
central está na participação ativa e criativa de sujeitos criminalizados e
vitimizados, na criação de espaços e oportunidades de diálogo e mútua
compreensão. É natural que prevaleça a utilização de termos relativos às
“práticas restaurativas” porque se trata, efetivamente, do mais consistente
movimento, na atualidade, que caminha nessa direção. De todo modo, o
termo não deve aprisionar e reduzir o potencial da proposta que está na
base.13

apresentar como um “canto de sereia” ou uma “utopia regressiva”. Termina-se aconselhando a


ampliação, com as devidas cautelas, do recurso efetivo a instrumentos restaurativos.
12ROXIN, Claus. Estudos de Direito Penal. 2ª. Ed. Revista. RIO DE JANEIRO. SÃO
PAULO: Editora Renovar, 2012.Tradução Luís Greco. Organização Luís Greco, Fernanda
Gama de Miranda Netto. p. 11 e 12.
13GIAMBERARDINO, André Ribeiro. Crítica da Pena e Justiça Restaurativa: a censura
para além da punição. 1ª. ed. Florianópolis: Empório do Direito Editora, 2015. p. 153.
11
Com relação a justiça restaurativa na persecução penal e na execução
penal no Brasil, a sua utilização precisa seguir a Resolução nº 225, de 31 de maio
de 2016, que dispõe sobre a Política Nacional de Justiça Restaurativa no âmbito
do Poder Judiciário.

Segundo o art. 1º, inciso III:

III – as práticas restaurativas terão como foco a satisfação das


necessidades de todos os envolvidos, a responsabilização ativa daqueles
que contribuíram direta ou indiretamente para a ocorrência do fato
danoso e o empoderamento da comunidade, destacando a necessidade
da reparação do dano e da recomposição do tecido social rompido pelo
conflito e as suas implicações para o futuro.14

Nesta toada, a 2ª Vara Criminal e Execuções Penais da Comarca de


Araguaína realizou importantes avanços no tema. Segundo o Poder Judiciário do
Estado de Tocantins, foram realizados 11 círculos restaurativos em 2016, obtendo
o seguinte resultado em um dos processos:

No dia 13 de setembro foi publicada a sentença com enfoque restaurativo


nos autos de nº 0003131-30.2016.827.2706, envolvendo os sentenciados
Johnny Cristiano dos Santos e Maria Karollyny Campos Ferreira, tendo
sido reconhecida a Justiça Restaurativa para o primeiro e, como
consequência, a diminuição da sua pena e a aplicação do regime mais
brando, o aberto. Eles foram presos preventivamente em 17 de fevereiro
de 2016 pela prática do crime de roubo “qualificado” pelo emprego de
arma de fogo por seis vezes. Após suas prisões os acusados aceitaram
participar do Círculo de Construção da Paz. O primeiro cumpriu diversas
responsabilizações deliberadas em conjunto pelo grupo, o que, segundo
o magistrado, “denota, até a presente data, uma conscientização das
consequências do seu ato criminoso para si, para a vítima, e terceiros
atingidos pelo delito.15

Importante sinalizar que o membro do “parquet” foi favorável a revogação


da prisão preventiva, homologando dessa forma o acordo. Posteriormente o
projeto da 2ª Vara Criminal e Execuções Penais da Comarca de Araguaína foi
indicada ao prêmio Innovare de 2016.
14Disponível em: http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=3127 – acesso em
14/07/2019
15Disponível em: http://www.tjto.jus.br/index.php/listagem-noticias/4345-comarca-de-
araguaina-e-referencia-nacional-na-aplicacao-da-justica-restaurativa - acesso em
26/08/2019
12
Resta vencer uma lacuna, um dos maiores entraves no emprego da justiça
restaurativa é sua eficácia na execução penal, ou seja: poderá a justiça
restaurativa fazer parte do ambiente prisional? Partindo do pressuposto de que
esse instituto visa a necessidade da reparação do dano e da recomposição do
tecido social rompido pelo conflito, entende-se que sua atuação é necessária no
cárcere, porém, tímida.

No que se refere a reparação do dano, podemos elucidar tanto a


reconstituição para à vítima, quanto para a própria sociedade. Nesta seara, pode-
se identificar a justiça restaurativa nas unidades prisionais trazidas a baila
(Unidade de Barracão – APAC e a PFP). Na unidade de Barracão a reparação do
dano está centrada na melhoria do prédio público e do seu cotidiano por parte dos
apenados, e de certa forma acaba atingindo a satisfação do interesse público e de
suas administrações, já que ameniza o investimento financeiro.

No mesmo espírito segue a Penitenciária Feminina do Estado do Paraná,


que reduz o seu efetivo policial e de agentes no controle interno, minimiza a
quantidade de rebeliões e outros fatores que não deixam de ser mais favoráveis
para a Administração Pública, neste contexto, tornar a unidade com melhores
conduções é tornar um sistema mais eficaz e com menos gastos, concentrando as
verbas governamentais em outras frentes que merecem grande atenção, como
educação e saúde pública.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No presente trabalho buscou-se exemplificar a existência de


ressocialização no cárcere, mesmo que tão deteriorado no Brasil, bem como a
título de bom exemplo, realçando duas unidades prisionais modelo no Estado do
Paraná que traçam esperança para amenizar o problema da população carcerária,

13
que trazem resultados efetivos nas baixas de reincidências, e cumprimento
integral da Lei de Execuções Penais.

Como impulso para essas unidades, conferiu-se as propostas contra o


encarceramento em massa que convergem na melhora da execução penal, já que
preveem medidas mais eficazes de progressão de regimes e hipóteses de prisão
domiciliar.

Por fim, confirma-se que a ampliação da justiça restaurativa é medida que


se impõe, mas que esbarra em grandes fatores, pois no Brasil a sua atuação é
tímida ainda na fase de inquérito, e muito mais na fase de execução penal.

Em suma, necessária é a implementação de mais unidades modelos no


país. Políticas públicas de justiça restaurativa devem ser ampliadas, iniciando na
fase de inquérito, passando pela persecução penal, e continuando na execução da
pena.

REFERÊNCIAS

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir, Nascimento da prisão. Apresentação gráfica


reformulada a partir da 16ª Ed. em 1997. Rio de Janeiro: Editora Vozes Ltda. p.
19.
GIAMBERARDINO, André Ribeiro. Crítica da Pena e Justiça Restaurativa: a
censura para além da punição. 1ª. ed. Florianópolis: Empório do Direito Editora,
2015. p. 153.
RODRÍGUEZ, Javier Llobet. La Corrupción Pública como parte de la Criminalidad
de los Poderosos. Revista Digital de la Maestría en Ciencias Penales. Número 6.
RDMCP-UCR. 2012.
ROXIN, Claus. Estudos de Direito Penal. 2ª. Ed. Revista. RIO DE JANEIRO. SÃO
PAULO: Editora Renovar, 2012.Tradução Luís Greco. Organização Luís Greco,
Fernanda Gama de Miranda Netto. p. 11 e 12.
SANTOS, Cláudia Cruz. A justiça restaurativa: um modelo de reacção ao crime
diferente da justiça penal: porquê, para quê e como?. Coimbra: Coimbra Editora,
2014. p. 812, 23 cm. ISBN 978-972-32-2221-0.

14
Fonte: Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias - Infopen,
Junho/2016. Secretaria Nacional de Segurança Pública, Junho/2016; Fórum
Brasileiro de Segurança Pública, dezembro/2015; IBGE, 2016. p.8.

SITES CONSULTADOS
https://www.conjur.com.br/2017-jan-05/laurita-vaz-massacre-manaus-tragedia-
anunciada – acesso em 03/12/2018.
http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/84625-apac-metodo-de-ressocializacao-de-preso-
reduz-reincidencia-ao-crime - acesso em 05/01/2019.
https://www.ibccrim.org.br/medidas-sistemapenal2017/ - acesso em 23/07/2019.
http://www.justica.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=845 – acesso em
23/05/2019.
http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=3127 – acesso em 14/07/2019.
http://www.tjto.jus.br/index.php/listagem-noticias/4345-comarca-de-araguaina-e-
referencia-nacional-na-aplicacao-da-justica-restaurativa - acesso em 26/08/2019.

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