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AUDIENCIA DE CUSTODIA:

TENTATIVA DO DESENCARCERAMENTO NO SISTEMA PRISIONAL

Nome do Aluno

RESUMO

Palavras-chave

ABSTRACT

Keywords
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INTRODUÇÃO

O presente trabalho apresenta a intencionalidade de analisar a


Audiência De Custodia como tentativa do desencarceramento no Sistema
Prisional. Por certo há necessidade premente de suplantar uma premente
cultura de encarceramento instituída secularmente no Brasil.

A mídia se retroalimenta da violência e não raras vezes estimula um


cenário de dor e sofrimento - a quem pratica a violência e a quem recebe a
mesma. Esta mesma mídia veicula diariamente imagens de assaltos,
homicídios e consequentemente de prisões. Subsequentemente, imagens de
detentos que vivem em péssimas condições de vida pois os presídios se
encontram superlotados.

A sociedade como um todo precisa pensar na realidade que circunda o


encarceramento em massa e procurar compreender como em pleno século XXI
tantas omissões permitem este status quo. Em que momento Estado, familia e
sociedade conjuntamente corroboram para a permanência desse cenário.

As medidas cautelares necessitam solucionar parte do encarceramento


porém muitas vezes o resultado final é infrutífero em consequência das
distorções que circundam a prisão preventiva no papel de medida excepcional.
Dessa forma, torna-se primordial a eficácia das audiências de custodia como
meio de redução do encarceramento a partir dos problemas que são
reportados no cotidiano do Judiciário e as adversidades a serem encarados na
procura por uma implantação ideal, ou proxima do ideal, que cumpra com os
fins a que se destina.

O SISTEMA PENAL BRASILEIRO

A superlotação nos presídios se constitui em um vitupério aos direitos


fundamentais do indivíduo. Direitos estes conquistados com muita luta e que
aos poucos se perde. Esquece-se que o artigo 5º inciso XLIX da Carta Magna
afiança aos presos o respeito integral à integridade física e moral assim como a
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Carta Maior do Brasil dispõe que a dignidade da pessoa humana é um dos


princípios basilares da Constituição (art. 1º).

Ainda cabe ressaltar que a Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1984 – Lei de


Execução Penal (LEP), em seu art. 85 prevê a previsão de compatibilidade
entre a estrutura física do presídio e sua capacidade de lotação. Já no artigo 88
se estabelece que o cumprimento da pena deva ocorrer em cela individual,
com área mínima de seis metros quadrados. Infelizmente são direitos estes do
apenado que não são respeitados.

O ser humano não nasceu para ficar preso. A liberdade é característica


basilar da pessoa humana. Entretanto, Greco (2013, p.125) afirma que “por
cometer certos atos ilícitos torna-se necessário a sua privação de liberdade.
Pode-se observar tal punição desde os tempos primórdios”. Punição que
conduz a penalização.

A palavra pena deriva do latim poena e do grego poine, e de acordo


com Silva (2003, p.13) “tem o significado de castigo, penitência, sofrimento,
fadigo que se impõe ao transgressor de uma lei”. Conforme explica Pessina
(apud Greco, 2003 p.126) “a pena é um sofrimento que recai, por obra da
sociedade humana, sobre aquele que foi declarado autor de delito”.

A pena, na concepção de Kant (apud Mirabete, 2002, p.244) “é uma


consequência natural do delito, uma retribuição, já que diante do mal do crime
deve-se impor o mal da pena, do que resulta a igualdade e só esta igualdade
traz justiça A pena compensa o mal”.

A penalização é tão antiga quanto à história da humanidade. Conforme


apontamento histórico, cada povo dedicou-se à sua aplicação levando em
conta sua cultura. “A execução da pena constituía-se num espetáculo de terror,
pois o condenado era submetido a sofrimentos corporais, com requintes de
crueldades que poderia levá-lo até a morte, assumindo a pena um caráter
retributivo”. (SILVA, 2003, p.13).

A pena de morte foi substituída pela pena de prisão. Até os fins do


século XVIII e início XIX a prisão era utilizada somente com a finalidade de
contenção e guarda dos presos. Neste período a privação de liberdade não
tinha por finalidade recuperar o infrator do delito, somente de lhe retribuir o mal
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cometido.

Conforme pesquisas de Barros (2017, p. 7) a partir de dados gerados


pelo ICPR (Institute for Criminal Policy Research), “na universidade inglesa
Birkbeck, o Brasil ostenta, atualmente, a terceira posição no ranking de países
com maior população carcerária mundial, abaixo apenas dos Estados Unidos e
da China”, conforme elucida o quadro abaixo.

Quadro 1 - ranking de países com maior população carcerária mundial

Fonte: ICPR (Institute for Criminal Policy Research)

Hodiernamente, a situação carcerária brasileira preocupa em


decorrência do amplo numero de presos provisórios. De acordo com dados do
Depen/Infopen (2019, p. 158) “considerando somente a população do sistema
prisional, em junho de 2019, os presos ainda sem uma condenação criminal
representavam 33,4% do total”.

A despeito de leve redução em 2018 e 2019, o aumento do número de


presos provisórios se manteve em equilíbrio na última década, até mesmo
posteriormente a entrada em vigor da Lei 12.403/11, que possibilitou ao
Judiciário a certeza “do andamento do processo penal sem a necessidade da
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prisão do acusado, entre as quais o monitoramento eletrônico, medida pouco


utilizada, seja por resistência dos juízes, seja pela falta de estrutura nos
estados”. (Instituto Sou da Paz, 2014, p. 269).

Gráfico 1. Taxa de encarceramento por 100 mil habitantes Brasil, 1990 – 2020

Fonte: Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – Infopen (Depen, 2019)

Um dos grandes precursores da reforma do sistema penitenciário foi


John Howard que lutou ardentemente por penalidades mais justas e para que o
tratamento se humanizasse para os presos que fossem privados da liberdade.

Com John Howard (1726-1790) registrou-se, na Inglaterra, um


movimento revolucionário para humanizar o regime prisional da
época, através do recolhimento celular, trabalho diário, reforma moral
pela religião, condições de higiene e de alimentação. Seu esforço não
foi inútil. Em 1775 e 1781, foram construídos dois estabelecimentos
penitenciários, nos moldes por ele preconizados. Posteriormente,
mais outro foi edificado também na Inglaterra (LIMA 2015, p.20).
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Historicamente, graças às ideias de John Howard, quanto à execução


da pena de prisão, surgiram, no final do século XVIII e durante o século XIX, os
primeiros sistemas penitenciários com a finalidade não só de punir o
condenado, mas, de fazer sua devida ressocialização.

as prisões brasileiras tornaram-se um verdadeiro “mar de horrores”, no


qual os indivíduos ali presentes, guardados em latíbulos escuros e esquecidos
da consciência coletiva, ficam sem esperança de justiça e/ou de qualquer
expectativa de ressocialização.

Conforme expõe Hungria: Os estabelecimentos da atualidade não


passam de monumentos de estupidez. Para reajustar homens à vida social
invertem os processos lógicos de socialização; impõem silêncio ao único
animal que fala; obrigam a regras que eliminam qualquer esforço de
reconstrução moral para a vida livre do amanhã, induzem a um passivismo
hipócrita pelo medo do castigo disciplinar, ao invés de remodelar caracteres ao
influxo de nobres e elevados motivos; aviltam e desfibram, ao invés de
incutirem o espírito de hombridade, o sentimento de amor-próprio; pretendem,
paradoxalmente, preparar para a liberdade mediante um sistema de cativeiro.

Desse modo, submetidos a situações que ferem a dignidade humana,


vê-se, nesse sistema, uma verdadeira escola superior do crime para os
presidiários, que, dada a superlotação e à situação degradante do ambiente em
que são recolhidos, ficam propensos à revolta e à reincidência, em total
contradição às finalidades punitiva e ressocializadora sob as quais se fundaram
esses institutos.

Para Moraes (2006), sabendo-se que o desrespeito é o principal


causador de violência, podemos então combater a violência diminuindo os
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diferentes tipos de desrespeito: seja o desrespeito econômico, o desrespeito


social, o desrespeito conjugal, o desrespeito familiar e o desrespeito entre as
pessoas (a “má educação”).

Ao ser "admitido" no presídio, após passar pelo seletivo processo de


recrutamento do sistema penal, entre as pessoas mais pobres, minorias,
humildes e sem instrução, o indivíduo é despido de sua aparência usual, ele é
identificado, "recebe um número", é tirada a sua fotografia, impressões digitais,
distribuídas roupas da instituição, resumindo, um verdadeiro processo de
‘despersonalização".

Um indivíduo não é mais um indivíduo, ele passa a ser uma


engrenagem no sistema da instituição, e que deverá obedecer todas as regras
da mesma, e caso não o faça, será "reeducado" pelos próprios companheiros
ou pela equipe de supervisão. A máquina da instituição total não pode nunca é
parar.

No lócus carcerário, o ser humano é "desprogramado" por um processo


desumano, que começa com sua recepção, por meios de rituais, conhecidos,
como "boas vindas", onde a equipe de supervisão, o grupo de internados, ou
ambos, procuram deixar de forma bem clara a sua situação inferior no grupo
em que estão adentrando.

Esse processo de "desprogramação do indivíduo" é tão violento, que


muitas vezes, chegada à época de saída do presídio, com o cumprimento final
de sua pena, são relatados casos de ansiedade, angústia e medo de uma nova
convivência social, haja vista que estão perfeitamente adaptados às regras de
sua instituição total (9).

São conhecidos casos de indivíduos na literatura criminal, que não se


adaptando novamente à sociedade, cometem crimes a fim de retornarem ao
presídio, onde já estão adaptados

As prisões geram traumas e o governo deve mudar o sistema prisional


Brasileiro. Todos os estabelecimentos sociais possuem um grau de "abertura"
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maior ou menor de suas instituições. Alguns institutos estão abertos para quem
quer que se comporte de maneira adequada, e aí, outros exigem um grau
maior de comprometimento de seus membros, restringindo um pouco mais o
fluxo social existente internamente e o resto da sociedade.

No Brasil, a tendência é dessa readaptação do preso se agravar, haja


vista que a Lei 8.072/90 – Lei dos Crimes Hediondos proibiu terminantemente a
progressão de regime dos presos condenados por esses crimes, e determinou
que os mesmos cumpram pena tal em regime fechado, sem nenhuma
esperança de um retorno abreviado à sociedade pelo seu próprio mérito.

Agravando as penas, retirando essa esperança de progressão dos


presos e aumentando seu tempo de contato com a instituição total do presídio,
a lei dificulta uma melhor readaptação do preso, que cedo ou tarde ( in casu )
será devolvido à sociedade, e agora, com chances menores de readaptação.
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AUDIENCIA DE CUSTODIA

A Audiência de Custódia funda-se no direito da pessoa presa em


flagrante delito de estar frente a um “juiz competente ou autoridade com 3
funções judiciais para uma análise acerca da legalidade da privação de
liberdade, verificação de eventual ocorrência de tortura ou maus-tratos”
ocasionalmente perpetrados pelas autoridades responsáveis no ato da prisão
ou prontamente após e, a carência de manutenção dessa privação. Todo um
movimento que deve ocorrer com a máxima brevidade.

Conforme Matos e Queiroz (s/d, p. 3) “serão ouvidos também um


membro do Ministério Público e um Defensor Público ou Advogado do
custodiado”. O Conselho Nacional de Justiça refere ser imprescindível para se
determinar uma audiência de custodia que haja uma prisão em flagrante delito
de uma conduta tipificada em lei.

No entendimento de Matos e Queiroz (s/d, p. 3) o “flagrante delito de


acordo com o código de Processo Penal Brasileiro, é o lapso temporal entre o
cometimento do delito e a apreensão do indivíduo, quando presente o requisito
do ‘logo após’ o crime”.

A referenciada garantia foi abordada na Convenção Americana sobre


Direitos Humanos na qual o Brasil é signatário, conhecida como Pacto de São
José da Costa Rica. É o Tratado Internacional determinante da instituição da
audiência de custódia no Brasil, e em seu art. 7º, item 5, regulamenta:

[...] Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à
presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer
funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo
razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o
processo [...] (CIDH, 1969).
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E ainda, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, adotado


pela XXI Sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro
de 1966, cujo art. 9º, item 3, dispõe da seguinte forma:

[...] Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração


penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de
outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o
4 direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em
liberdade [...] (PIDCP. DEC. Nº 592, 1992)

Conjuntamente versa sobre a Audiência de Custódia a Convenção


Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas (1994), Decreto
nº. 8.766/2016, promulgada no Brasil recentemente, que aponta em seu artigo
XI: “Toda pessoa privada de liberdade deve ser mantida em lugares de
detenção oficialmente reconhecidos e apresentada, sem demora e de acordo
com a legislação interna respectiva, à autoridade judiciária competente [...]”. E
também dispõe a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH),
alterada em 1971, no artigo 5, item 3, que:

Qualquer pessoa presa ou detida nas condições previstas no


parágrafo 1, alínea c), do presente artigo deve ser apresentada
imediatamente a um juiz ou outro magistrado habilitado pela lei para
exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada num prazo
razoável, ou posta em liberdade durante o processo. A colocação em
liberdade pode estar condicionada a uma garantia que assegure a
comparência do interessado em juízo [...]

Deve ser enfatizada a análise da Audiência de Custódia percebendo sua


consonância com as normas constitucionais. Ressalta o art.5º em seus incisos:

[...] III- ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano


ou degradante. [...] XXXV- a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a Direito. [...] XLIXé assegurado aos
presos o respeito à integridade física e moral. [...] LXII- a prisão de
qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados
imediatamente ao juiz competente e a família do preso ou a pessoa
por ele indicada. [...] LXIII- o preso será informado de seus direitos,
ente os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a
assistência da família e do advogado. [...] LXV- a prisão ilegal será
imediatamente relaxada pela autoridade judiciária. [...] LXVI- ninguém
será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade
provisória, com ou sem fiança.
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Sendo assim, a Audiência de Custódia torna-se um mecanismo de


prevenção contra qualquer indício de violação desses direitos reconhecidos
constitucionalmente. Além disso, o inciso LVII do mesmo artigo da nossa Carta
Constitucional determina que ninguém possa ser considerado culpado antes de
sentença penal condenatória transitada em julgada, que dá “vida” ao princípio
da “Presunção de Inocência”, principal princípio que fundamenta a Audiência
de Custódia. Outro princípio que fundamenta a aplicação desse instituto
processual penal é o princípio da verdade real, que é a busca dos fatos e de
todas as fontes de provas necessárias para o processo, averiguando
minuciosamente o ocorrido, assegurando um julgamento mais acertado para as
partes.

Segundo Brião (2014, p.2) “A busca da verdade real, como princípio,


antes de estar implícita na lei infraconstitucional (CPC e CPP), está
inegavelmente implícita na Constituição Federal de 1988, mais especificamente
no inciso LIV do art. 5°, da CF”.

A garantia da ampla defesa é outro princípio fundamental da Audiência


de Custódia, positivado no art.5º, inciso LV da Constituição Federal, direito no
qual qualquer cidadão tem de apresentar provas colidentes às da acusação,
oferecendo argumentos em seu favor. A respeito do assunto dilucida Capez
(2008, p.19) ao afirmar: “Implica em dever de o Estado proporcionar a todo
acusado a mais completa defesa seja pessoal (autodefesa), seja técnica
(efetuada por defensor) (CF, art. 5º, LV) e o de prestar assistência jurídica
integral aos necessitados (CF, art. 5°, LXXIV)”. O princípio da dignidade da
pessoa humana também está intrinsicamente relacionado à Audiência de
Custódia, por esse instituto destinar-se a observância dos direitos
fundamentais do cidadão preso, de modo igual, o princípio da dignidade da
pessoa humana se refere às circunstâncias essenciais que o Estado deve
promover para que uma pessoa tenha seus direitos respeitados, ao colocar
limites em suas ações em prol do bem-estar dos cidadãos.

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