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Vitória da Conquista
2020
1
ANDRÉIA MEIRA GONÇALVES
Vitória da Conquista
2020
2
O Direito à Audiência de Custódia e a Cultura Punivista: Reflexos no Sistema
Penitenciário de Salvador
Andréia Meira Gonçalves1
Este trabalho tem como objetivo refletir sobre a audiência de custódia no sistema penal
brasileiro, especificamente no sistema penitenciário de Salvador, sob uma perspectiva
crítica, de modo a proporcionar o diálogo entre o instituto, o Direito Processual Penal, a
Criminologia e a cultura jurídica. O interesse pelo tema surgiu diante da recente
regulamentação das audiências de custódia no Brasil pelo CNJ. Diante de tal fato torna-se
necessário uma reflexão crítica sobre a implementação da audiência de custódia na prática
forense, bem como os reflexos no sistema penitenciário, enfatizando, sobretudo, a
importância das garantias democráticas. Sendo assim, o texto que segue menciona
considerações relevantes sobre o instituto, ao passo que apresenta diversas nuances do tema,
as quais poderão ser de grande importância no enfrentamento da problemática da cultura
jurídica punitivista.
Abstract: This work aims to reflect on the custody hearing in the Brazilian penal system,
specifically in the penitentiary system of Salvador, from a critical perspective, in order
to provide a dialogue between the institute, Criminal Procedural Law, Criminology and
legal culture. Interest in the topic arose in light of the recent regulation of custody
hearings in Brazil by the CNJ. Given this fact, it is necessary to critically reflect on the
implementation of the custody hearing in forensic practice, as well as the reflections in
the prison system, emphasizing, above all, the importance of democratic guarantees.
Therefore, the text that follows mentions relevant considerations about the institute,
while presenting several nuances of the theme, which may be of great importance in
facing the problem of punitive legal culture.
Keywords: Custody hearing. Human rights. Criminal system. Legal culture. Mass
Encarceration.
1. INTRODUÇÃO
1
Graduada em Direito (2018) e Letras Vernáculas (2008) pela Universidade do Estado da Bahia. É aluna
da Especialização em Direitos Humanos e Contemporaneidade da UFBA
3
Assim, urge questionar o papel da audiência de custódia, qual seja, possibilitar o
contato imediato do cidadão preso em flagrante com a autoridade judicial, avaliando
acerca da necessidade e adequação da prisão, para que haja maior coerência na
aplicação de medidas cautelares, o que por sua vez, pode significar um combate contra a
cultura do encarceramento no Brasil.
Este trabalho tem como problemática a análise da implementação da audiência
de custódia e a possível contenção do poder punitivo estatal como forma de atenuar o
encarceramento provisório, fortalecendo o sistema processual penal brasileiro; como
instrumento de proteção de direitos humanos; bem como, os seus reflexos no sistema
penitenciário na cidade de Salvador, Bahia.
Muito embora a audiência de custódia seja um tema alvo de muitos debates no
meio jurídico, o diálogo torna-se ainda mais importante, para que esse instituto não
venha a se tornar mais uma fase pré-processual sem efetividade prática, já que é prevista
em Tratados Internacionais de Direitos Humanos, os quais o Brasil é signatário e sua
inobservância acarretaria grave violação ao sistema internacional de direitos humanos.
Nessa toada, será abordado, ainda, a questão da audiência de custódia no
contexto internacional à luz dos direitos humanos e a possível influência da sua
implementação para o contexto carcerário. Serão feitas considerações sobre a prisão e
os direitos humanos na realidade brasileira, a fim de se construir um processo penal
democrático, tão importante em tempos de fúria punitivista como os que vivemos.
Ao final dessa pesquisa, espera-se produzir um diálogo crítico sobre a audiência
de custódia e seus reflexos no sistema penitenciário de Salvador, demonstrando a
importância da pesquisa e sua relação com a tutela das garantias democráticas para
efetivação da dignidade da pessoa humana, além de apresentar pontos de relevantes para
contenção do poder punitivo estatal.
4
respaldo em diversos tratados internacionais, como a Convenção Europeia de Direitos
Humanos, adotada pelo Conselho Europeu em 4 de novembro de 1950, o Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos, adotado pela Assembleia Geral das Nações
Unidas, em 16 dezembro de 1966, a Convenção Americana dos Direitos Humanos,
assinada durante a Conferência Interamericana de direitos humanos, em 22 de
novembro de 1969, na cidade de San José da Costa Rica.
Neste cenário, os direitos humanos são afirmados em um espaço de luta para
buscar a realização de sua concretude formal. Deste modo, o processo de
universalização dos direitos humanos culmina com a positivação dos direitos humanos:
―os direitos do homem nascem como direitos naturais universais, desenvolvem-se como
direitos positivos particulares, para finalmente encontrarem sua plena realização como
direitos positivos universais2‖.
Os precedentes históricos do processo de internacionalização dos direitos
humanos se deu com o Direito Humanitário, a Liga das Nações e a Organização
Internacional do Trabalho. O Direito Humanitário foi à expressão utilizada no âmbito
internacional para demonstrar que, mesmo com as atrocidades e abusos cometidos pelo
Estado, há limitações à sua liberdade3.
Posteriormente, com o surgimento da Liga das Nações Unidas, criada após a
Primeira Guerra Mundial, que se estendeu de 1914 a 1918, foi reforçado o entendimento
do Direito Humanitário, para relativizar a soberania estatal e, logo após, a Organização
Internacional do Trabalho, criada em 1919, da mesma forma colaborou com o processo
de universalização dos direitos humanos, viabilizando critérios de condições de
trabalho, no âmbito internacional.
Entretanto, o ápice da consolidação do direito internacional dos direitos humanos
ocorreu em meados do século XX, com fim da Segunda Guerra Mundial, quando os
direitos humanos atingem uma projeção internacional, devido a desmedida violação de
direitos e inúmeras barbáries vividas na Europa. Nesse cenário, o Estado foi o grande
responsável pela violação aos direitos humanos, marcado pelo extermínio e destruição
do ser humano.
2
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Nova ed. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2004, p.19
3
PIOVESAN, F. Direitos humanos e o direito constitucional. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
5
Segundo entende Flávia Piovesan4
Com a Declaração de 1948, tem início uma terceira e última fase, na qual a
afirmação dos direitos é, ao mesmo tempo, universal e positiva: universal no
sentido de que os destinatários dos princípios nela contidos não são mais
apenas os cidadãos deste ou daquele Estado, mas todos os homens; positiva
no sentido de que põe em movimento um processo em cujo final os direitos
do homem deverão ser não mais apenas proclamados ou apenas idealmente
reconhecidos, porém efetivamente protegidos até mesmo contra o próprio
Estado que os tenha violado.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi o primeiro passo para uma
nova fase histórica no reconhecimento e a internacionalização de direitos inerentes ao
ser humano. Entretanto, a luta pela construção histórica dos direitos humanos passou a
mostrar maior consolidação com a elaboração do Pacto Internacional dos Direitos Civis
e Políticos, de 1966 o qual incorporou vários dispositivos da Declaração Universal dos
Direitos Humanos e estendeu o conjunto de direitos humanos e deveres para o Estado,
inclusive, o direito à audiência de Custódia, vista como medida essencial para tutela do
direito à liberdade, à vida e a integridade física e psíquica do cidadão do preso.
Neste contexto foi elaborado o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos,
adotado pela Assembleia das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966, por meio da
Resolução nº 2.200-A (XXI), que expandiu e reafirmou o rol de direitos humanos
previstos na Declaração Universal de Direitos Humanos. Logo nas disposições iniciais,
o PIDCP preza pelo dever dos Estados, os quais aderiram em proporcionar a todos os
4
PIOVESAN, F. Direitos humanos e o direito constitucional. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p.193
5
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Nova ed. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2004. p.19.
6
indivíduos os direitos nele elencados, desenvolvendo medidas necessárias para sua
concretização.
Contudo, a tutela de direitos internacionais não se restringe somente ao PIDCP.
Outros instrumentos de proteção foram surgindo no decorrer dos tempos, alguns
voltados ao plano regional de proteção, principalmente no continente europeu e
americano, como Convenção Europeia de Direitos Humanos e a Convenção Americana
de Direitos Humanos em 1969.
Semelhante instrumento de proteção de direitos humanos, com abrangência aos
Estados da América, a Convenção Americana de Direitos Humanos, aprovada em São
José, Costa Rica, em 1969. A convenção além de aprofundar na tutela dos direitos
humanos, enuncia que os Estados devem adotar medidas que garantam a efetividade dos
direitos humanos reconhecendo que estes, não descendem apenas da nacionalidade, mas
da própria condição humana6.
Com efeito, o sistema internacional dos direitos humanos foi incorporado pelo
Estado Brasileiro a partir da Carta Magna de 1988, que reconheceu a indispensabilidade
em aderir às transformações referentes a internacionalização dos direitos humanos.
Porém, quando se trata de adequar os Tratados Internacionais de Direitos Humanos,
surge o questionamento de que a cultura jurídica do Brasil pouco avança no que diz
respeito à sua observância, devido a formação cultural conservadora.
Em termos históricos, é válido salientar que a formação cultural conservadora
dos atores do sistema penal é reflexo de uma mentalidade inquisitória que perdura desde
os primórdios do Brasil Colônia, representando um óbice a democratização da política
criminal7. Por conseguinte, a cultura punitivista desempenha modo de expansão da
criminalização, principalmente com relação ao encarceramento, quando deveria agir
como filtro de contenção à política punitiva.
Sem dúvidas, o legado lusitano pautado no pensamento inquisitório norteia uma
considerável parcela da estrutura jurídica autoritária contemporânea. Ainda que a lógica
da estrutura do processo seja acusatória, à guisa de efetivar absolutamente as garantias
6
RAMOS, André Carvalho. Curso de Direito Humanos. São Paulo: Saraiva, 2014.
7
FARIA, José Eduardo. O sistema brasileiro de Justiça: experiência recente e futuros desafios. Revista de
sociologia da usp, São Paulo, v. 18, n. 51, p. 103-125, jun. 2004. Disponível em: Acesso em: 10 jan.
2020.
7
constitucionais, predomina no sistema processual penal brasileiro técnicas de busca e
produção da verdade profundamente inquisitórias8.
Nesse sentido, é importante esclarecer que essa cultura punitivista também
decorre de uma política criminal seletiva e desigual desenvolvida nos processos de
criminalização primária e secundária. A criminalização primária é o ―ato e efeito de
sancionar uma lei penal material que incrimina ou permite a punição de certas pessoas‖,
exercida pelas agências políticas, quais sejam, o legislativo e executivo e a
criminalização secundária, que decorre da ―ação punitiva exercida sobre pessoas
concretas‖ praticados pelos atores do sistema penal9.
Tendo em vista o caráter humanitário da audiência de custódia, que tem o
escopo de garantir a dignidade do cidadão preso, objetivando a construção de um espaço
democrático para apreciação acerca da legalidade e necessidade da prisão, e,
consequentemente, reduzir o encarceramento em massa, é necessário questionar em que
medida os atores do sistema penal e demais agentes de criminalização secundária são
influenciados e agem sob a égide de uma cultura seletiva e inquisitória.
2.1. Conceito
8
autoridade competente pela concessão da liberdade provisória (com ou sem medidas
acautelatórias) ou pela conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva.
Com previsão em Tratados Internacionais de Direito Humanos, tais como a
Convenção Americana de Direito Humanos (Pacto San José da Costa Rica) que dispõe
em seu art. 7º, item 5 que:
Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de
um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e
tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em
liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser
condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.
Na mesma direção informa o art. 9º, item 3 do Pacto Internacional dos Direitos
Civis e Políticos, que:
11
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 10 jan. 2020
9
que o texto constitucional tutela os direitos provenientes de Tratados Internacionais de
Direitos Humanos do qual o Brasil venha a ser signatário.
12
PAIVA, Caio. Audiência de Custódia e o Processo Penal Brasileiro. 3ª. ed. Belo Horizonte: CEI, 2018,
p.121.
10
Auto de Prisão em Flagrante, o qual, sem a oportunidade de ouvir o cidadão preso,
decidirá sobre a legalidade e necessidade da prisão.
Art.306 A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão
comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou a
pessoa por ele indicada.
§ 1º Dentro em 24h (vinte e quatro horas) depois da prisão, será encaminhado
ao juiz competente o auto de prisão em flagrante acompanhado de todas as
oitivas colhidas e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado,
cópia integral para a Defensoria Pública.
Dessa forma, o contato direto do juiz com o cidadão preso somente acontece no
interrogatório por meio da audiência de instrução e julgamento, o que, em regra,
acontece em meses, ou até anos depois da prisão, evidenciando um caráter violador das
garantias fundamentais do ser humano, por sua vez, contribuindo para o aumento dos
números de presos provisórios no país.
Ademais a normativa dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos é
explícita ao trazer que o cidadão preso deve ser conduzido à presença da autoridade
judicial, a inobservância desse regramento, da dispensabilidade do contato direto com o
preso, é que distanciaria da finalidade que é atribuída à audiência de custódia, reduzindo
o caráter humanitário do mencionado instituto.
Com efeito, ainda à propósito deste objetivo da audiência de custódia,
vislumbra-se a possibilidade de atenuar a superlotação carcerária do país, pois a pessoa
presa demora muito tempo para ter a primeira audiência com juiz. Assim, à audiência de
custódia, além de propiciar o contato direto da autoridade judicial com o preso,
analisará os aspectos acerca da necessidade da prisão, decidindo a autoridade pela
concessão da liberdade provisória, com ou sem medidas cautelares, e não somente pela
simples análise impressa do Auto de Prisão em Flagrante.
Outro objetivo da audiência de custódia é garantir que seja preservada a
integridade física e psíquica do cidadão preso, garantindo a efetivação dos direitos
inerentes ao ser humano. A necessidade do comparecimento da pessoa presa perante a
autoridade judicial tem como finalidade precípua averiguar eventuais práticas de
torturas ou maus tratos, por meio de marcas físicas visíveis no cidadão preso, embora
existam outras modalidades de torturas que não sejam especificamente físicas.
Logo, a audiência de custódia seria um importante instrumento para a prevenção
da violência policial no ato da prisão, que seria relatado pelo preso ao juiz, e este,
conforme orientações previstas no protocolo de procedimentos da resolução nº 213 e na
11
Convenção das Nações Unidas contra tortura e outras penas ou tratamentos cruéis,
desumanos ou degradantes, providenciará as medidas cabíveis.
Neste sentido, caso seus objetivos possam ser alcançados, a audiência de
custódia demonstra ser instrumento capaz de humanizar o funcionamento do sistema
penal e, quiçá reduzir o caráter seletivo, fruto de uma cultura jurídica conservadora
impregnado sistema penal.
13
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Audiência de custódia. Brasília: CNJ, 2016. Disponível em:<
http://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario-e-execucao-penal/audiencia-decustodia>. 09 jan. de 2020.
14
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Audiência de custódia. Brasília: CNJ, 2016. Disponível em:<
http://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario-e-execucao-penal/audiencia-decustodia>. 09 jan. de 2020.
12
Penitenciário de Pedrinhas, assim como de qualquer pessoa que se encontre neste
estabelecimento, incluindo agentes penitenciários, funcionários e visitantes15‖.
Em anexo à Resolução nº 213/2015 foram criados dois protocolos de
procedimentos distintos, o primeiro chama-se ―Procedimentos para a aplicação e o
acompanhamento de medidas cautelares diversas da prisão para custodiados
apresentados nas audiências de custódia‖ que apresenta orientações e diretrizes a
autoridade judicial para aplicação de medidas cautelares. O segundo protocolo,
―Procedimentos para oitiva, registro e encaminhamento de denúncias de tortura e outros
tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes‖ orienta os tribunais sobre
procedimentos relativos a eventuais práticas de tortura e outros tratamentos cruéis,
desumanos ou degradantes.
Com a criação dos protocolos, percebe-se uma preocupação quanto ao
acompanhamento das medidas cautelares, pois mesmo com as alterações promovidas
pela Lei nº 12.403/11, que por lógica, proporcionaria diminuição no número de presos
provisórios, entretanto ocorreu efeito oposto. De igual relevância, o segundo protocolo
também afirma a necessidade de um acompanhamento da atuação judicial referente às
denúncias de eventuais práticas de tortura.
Conforme dados do Conselho Nacional de Justiça foram realizadas nesses quatro
anos depois da implantação, cerca de mais de 550 mil audiências de custódia. As
prisões provisórias representam a maioria dos casos (331,2 mil, ou 60,04% do total),
com um aumento de 2,3% entre o primeiro ano (outubro de 2015 a setembro 2016) e o
ano mais recente, de outubro de 2018 a setembro de 201916.
Depreende-se que as audiências de custódia resultaram em muito mais
decretações de prisões que o inicialmente pensando para paliar a crise carcerária sob um
ideal garantista, tornando-se, a prima facie mais uma fase pré-processual da persecução
penal com finalidade utilitarista de desentumecer o sistema prisional. Mas é pueril
afirmar que o instituto é um fracasso, pois todos os resultados devem ser analisados à
luz da nossa cultura jurídica e seus influxos.
15
PAIVA, Caio. Audiência de Custódia e o Processo Penal Brasileiro. 3ª. ed. Belo Horizonte: CEI, 2018,
p.99.
16
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Audiência de custódia. Brasília: CNJ, 2019. Disponível
em:<https://www.cnj.jus.br/audiencias-de-custodia-chegam-a-550-mil-registros-em-todo-o-pais/>. 09 jan.
de 2020.
13
3.1 Críticas à regulamentação da Audiência de Custódia
17
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Audiência de custódia. Brasília: CNJ, 2016. Disponível em:<
https://www.cnj.jus.br/wpcontent/uploads/conteudo/arquivo/2016/09/0a99a0ab0eb26b96fdeaf529f0dec09
b.pdf>23 de dez. de 2019.
18
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 213/2015, 15 dez. 2015. Disponível em:
<http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=3059 >. Acesso em: 20 dez. de 2019.
19
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Mandado de Segurança nº 2031658-
86.2015.8.26.0000. Desembargador Luiz Antônio de Godoy.2015. Disponível em:<
https://www.conjur.com.br/dl/ms-audiencia-custodia- em: 20 dez. de 2019.
20
ADEPOL/BRASIL. Ação Direta de Inconstitucionalidade, 12 fev. 2015. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=3707334>. Acesso em: 18 dez. de
2019.
21
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.240, 20 ago. 2015.
Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10167333>>.
Acesso em: 23 de dez. de 2019.
14
alegando vício na iniciativa, visto que somente a União possui competência para legislar
sobre matéria de direito processual, por meio do Congresso Nacional, e, além disso,
TJSP não teria competência para instituir obrigações sobre atribuições da autoridade
policial.
Todavia, o plenário do STF, ao apreciar a mencionada ADI, julgou improcedente
o pedido, por maioria de votos, pois o provimento em conjunto do TJSP, não auferia
direito novo, mas visava regulamentar e assegurar a audiência de custódia prevista na
Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificado pelo Brasil, posto que ostenta
caráter supralegal no ordenamento jurídico pátrio, conforme assentado pelo STF, no
julgamento do RE 349.703/RS22.
A Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (ANAMAGES) também
ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI nº 544823, contra a Resolução nº
213/2015 que regulamenta as audiências de custódia. A ANAMAGES alega a
inconstitucionalidade formal e violação do artigo 22, inciso, I da CF/88, que dispõe da
competência privativa da União para legislar sobre direito processual, haja vista que o
CNJ não tem legitimidade para legislar sobre a matéria, evidenciando uma usurpação de
competência.
Corroborando com os demais julgados, o STF julgou improcedente no sentido de
que a ANAMAGES não tem legitimidade ativa para propositura da ação que representa
apenas uma parcela da categoria profissional, tendo adotado esse posicionamento em
diversas ações de controle concentrado propostas pela referida associação.
No caso o ora em apreciação, a ANAMAGES – cuja finalidade precípua é
―defender os direitos, garantias, prerrogativas, autonomia, interesses e reivindicações
dos magistrados que integram a Justiça dos estados da Federação e do Distrito Federal e
Territórios‖ (art. 2º, a, do estatuto) – representa apenas parcela da categoria atingida
pela norma impugnada, a qual abrange magistrados de outras justiças especializadas,
restando evidente a sua ilegitimidade ativa ad causam24.
22
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 349703 RS, Relator: Min. Carlos Britto,
Brasília, 04 jun. 2009. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=595406>. Acesso em: 6 jan. de
2020.
23
ANAMAGES. Ação Direita de Inconstitucionalidade, 06 jan. 2016. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10066547&ad=s#2%20-
%20Peti%E7%E3o%20inicial%20-%20Peti%E7%E3o%20inicial%201>. Acesso em: 06 jan. de 2020.
24
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.448, DF, Relator
Ministro Dias Toffoli, 09 dez. 2016. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=12498633#19%20-
%20Inteiro%20teor%20do%20ac%F3rd%E3o>. Acesso em: 02 jan. de 2020.
15
Ainda à lume dessa discussão, o doutrinador e desembargador 16ª Câmara de
Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, Guilherme de Souza Nucci
corrobora do mesmo entendimento, ao afirmar que autoridade policial é competente
para presidir a audiência de custódia, posto que é a primeira autoridade a ter contato
direto com o cidadão preso, estando apto para sanar qualquer ilegalidade. Ainda no seu
posicionamento, assevera a dispensabilidade da audiência de custódia, por se tratar de
mero modismo, tendo em vista que as eventuais ilegalidades poderão ser sanadas pela
simples leitura do Auto de Prisão em Flagrante, sendo completamente desnecessário o
contato com o juiz.
16
Carta Magna de 1988. Outras demais entidades como Colégio Nacional dos Defensores
Públicos Gerais – CONDEGE, Instituto de Defesa do Direito de Defesa26 – IDDD,
Instituto Terra Trabalho e Cidadania – ITTC, Conectas entres outras, reforçaram o
debate em torno da importância da implementação da audiência de custódia.
Nesse sentido, alguns doutrinadores como, Aury Lopes e Caio Paiva27,
defendem a implementação do referido instituto com o escopo de assegurar a tutela dos
direitos fundamentais ao cidadão preso em flagrante, bem como, garantir a observância
dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos e atenuar a população carcerária
brasileira.
São inúmeras as vantagens da implementação da audiência de custódia no
Brasil, a começar pela mais básica: ajustar o processo penal brasileiro aos
Tratados Internacionais de Direitos Humanos. Confia-se, também, à
audiência de custódia a importante missão de reduzir o encarceramento em
massa no país, porquanto através dela se promove um encontro do juiz com o
preso, superando-se, desta forma, a ―fronteira do papel‖ estabelecida no art.
306, § 1º, do CPP, que se satisfaz com o mero envio do auto de prisão em
flagrante para o magistrado.
26
INSTITUTO DE DEFESA DO DIREITO DE DEFESA. Monitoramento das Audiências De Custódia
em São Paulo, 2016. Disponível em: <http://www.iddd.org.br/index.php/2016/05/31/monitoramento-das-
audiencias-de-custodia-em-sao-paulo/ Acesso em: 5 de jan. de 2020.
27
LOPES JR, A.; PAIVA, C. Audiência de Custódia e a imediata apresentação do preso ao juiz: rumo à
evolução civilizatória do processo penal. http://www.revistaliberdades.org.br, 2014. Disponível em:
<http://www.revistaliberdades.org.br/site/outrasEdicoes/outrasEdicoesExibir.php?rcon_id=209>. Acesso
em: 21 dez 2019.
17
brasileiro o Delegado de Polícia não se adequa a situação exigida, conforme aduz
Cleopas Isaias Santos28
o objetivo maior da audiência de garantia, como já ficou dito acima, é
garantir os direitos fundamentais do preso, o que se dá através do exercício
do contraditório prévio, a fim de que sejam avaliadas todas aquelas
possibilidades acima referidas, a exemplo do relaxamento da prisão ilegal, da
concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança, aplicação de outras
medidas cautelares alternativas ao cárcere, conversão da prisão em flagrante
em preventiva e até a substituição desta por prisão domiciliar. E nenhuma
dessas medidas pode ser aplicada pelo Delegado de Polícia.
Bom seria que o delegado tivesse este poder, vez que quanto mais agentes
públicos pudessem tutelar a liberdade melhor. Mas no quadro atual, o
delegado não tem poder de tutelar a liberdade para além das hipóteses de
crimes punidos com pena de até 04 anos (e até mesmo nesses, quando o
agente não prestar a fiança arbitrada). Na verdade, antes do ato jurídico do
delegado que lavra o flagrante não temos verdadeiramente prisão, temos
apenas captura. A custódia só existe a partir da lavratura do APF. Neste
sentido, a exigência é de que o custodiado seja apresentado e não o
capturado. Até porque não é da tradição ―prender‖ (capturar) e não levar ao
delegado para tornar jurídico o ato. Do contrário o que haveria era sequestro,
desaparecimento forçado, etc. Assim, não há dúvidas de que o Delegado de
Polícia nos termos da atual legislação não atende aos fins colimados nos
tratados quando exigem a audiência de custódia. O que o acórdão pretende é
dar uma interpretação que cria um garantidor para inglês ver, pois o preso é
apresentado para alguém que não tem o pleno poder de soltar.
28
SANTOS, Cleopas Isaías. Audiência de garantia ou sobre o óbvio ululante. Disponível em
http://emporiododireito.com.br/audiencia-de-garantia-ou-sobre-o-obvio-ululante-por-cleopas-isaias-
santos-2/. Acesso em: 6 jan. de 2020.
29
NICOLITT, André. MELO, Bruno Clueder de.; RODRIGUES, Gustavo Análise Crítica do Voto Do
Des. Guilherme De Souza Nucci – Tjsp: O Delegado De Polícia Não Faz Audiência De Custódia. Ano:
2015. Disponível em: http://emporiododireito.com.br/leitura/analise-critica-do-voto-do-des-guilherme-de-
souza-nucci-tjsp-o-delegado-de-policia-nao-faz-audiencia-de-custodia. Acesso em: 6 jan. de 2020.
30
MAZZOULI, Valério de Oliveira. Teoria geral do controle de convencionalidade no direito brasileiro.
Revista de Informação Legislativa, Brasília, n.181, jan. /mar. 2009 Disponível em:
http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/194897. Acesso em 10 de jan. 2020.
18
não ter sido expressamente revogada por outro diploma congênere de direito
interno).
31
BRASIL. Ministério da Justiça. Departamento Penitenciário Nacional. Levantamento Nacional de
informações penitenciárias. INFOPEN, 2016. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/noticias/mj-
divulgara-novo-relatorio-do-infopen-nesta-terca-feira/relatorio-depen-versao-web.pdf>. Acesso em: 10 de
jan. de 2020.
19
Nesta conjuntura, é importante destacar a influência do neoliberalismo,
sobretudo para compreensão do populismo punitivo e os seus efeitos na política
criminal brasileira. O advento dessa política neoliberal iniciou-se com a crise do Estado
de Bem-Estar Social, em meados da década de 1980, período em que surgiu um novo
conceito de Estado calcado em uma política de investimento mínimo na área social,
incentivo a privatizações, e suspensão dos investimentos na área de proteção social,
notando-se também uma ampliação do direito incriminador32.
A partir desse novo cenário político-econômico e social se desenvolveu o
populismo punitivo, instigando movimentos políticos-criminais encarceradores,
abandonando a ideia de ressocialização, e emergindo a ideia de punitivista que
compromete a essência de um Estado Democrático de Direito.
Entende -se por populismo punitivo, a vontade de punir, reforçada pela lógica de
tolerância zero, o que por sua vez mitiga o sentido de democracia, possibilitando a
insurgência ou surgimento das macropolíticas punivistas. Assim, de acordo com
Larruari apud Garland33:
o populismo punitivo se refere a quando o uso do direito penal pelos
governantes parece guiado por três pressupostos: que as sanções mais
elevadas podem reduzir o crime; que as sanções ajudará reforçar o consenso
moral existente na sociedade; e que há ganhos eleitorais deste uso.
Dessa forma, há no populismo uma aliança entre movimentos políticos que visa a
supressão das garantias fundamentais, juntamente com populismo penal midiático, que
tende a criar uma dimensão exacerbada do crime, o que por sua vez densifica o
punitivismo contemporâneo.
Em linhas gerais o populismo penal decorre do clamor da sociedade pelo
recrudescimento das penas, com enfoque retribucionista, repressivo e desigual, como
solução imediata para prevenção do delito. Nesse sentido, esclarece Gomes 34
O populismo penal tem origem no clamor público, gerando novas leis penais
ou novas medidas penais, que inicialmente chegam a acalmar a ira da
população, mas depois se mostram ineficientes, porque não passam de
providências simbólicas (além de seletivas e contrárias ao Estado de Direito
vigente)
32
CARVALHO, Salo. O Papel dos Atores do Sistema Penal na Era do Punitivismo (O Exemplo
Privilegiado da Aplicação da Pena. Rio de Janeiro: Lumens, 2010.
33
LARRAURI, Helena. Populismo punitivo. 2016. Disponível em:
<https://www.academia.edu/9812655/Populismo_Punitivo> Acesso em: 25 de janeiro de 2020.
34
GOMES, Luiz Flávio. Para onde vamos com o populismo penal? Jusbrasil, [S.l.], 2011. Disponível em:
<https://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/121927228/para-onde-vamos-com-o-populismo-penal>.
Acesso em: 25 de janeiro de 2020
20
Assim, os meios de comunicação assumem um papel decisivo em relação a opinião
pública, sobretudo as informações relacionadas à violência, e podem ser considerados um
vetor para o punitivismo. Por meio deles é realizado um processo de criminalização e
estigmatização a um público e condutas específicas, com a formação de estereótipos da
pessoa considerada criminosa.
Logo, o Estado atrelado a essa vontade de punir tão difundida pela mídia, mitiga
sua postura democrática e intensifica a criação de macropolíticas punitivistas e
movimentos tendenciosos ao encarceramento, acarretando um alto índice nas taxas de
encarceramento respaldado na legitimidade da supremacia estatal em detrimento dos
direitos fundamentais do cidadão.35
Lado outro, não se pode olvidar que, apesar do legislativo iniciar a política
punitiva e seletiva pelo processo de elaboração das leis, direcionado a um grupo
socialmente marginalizado, esta se efetiva concretamente com a criminalização
secundária, praticado pelos atores do sistema jurídico-penal.
Naturalmente, a política punitivista não se dá apenas com atuação do Poder
Legislativo, que produz a criminalização primária, é o ―ato e efeito de sancionar uma lei
penal material que incrimina ou permite a punição de certas pessoas‖36, como também é
imputada aos demais atores do sistema penal, que produzem a criminalização
secundária, que decorre da ―ação punitiva exercida sobre pessoas concretas‖37 praticados
pelos atores do sistema penal como: Poder Executivo, Polícia, Ministério Público,
Administração Carcerária e o Poder Judiciário, que por meio da sentença e da execução
penal integram a mesma lógica punitivista, corroborando para o encarceramento em
massa.
Conforme aponta Salo de Carvalho38:
35
ZAFFARONI, E. R.; PIERANGELI, J. H. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. 9. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais Ltda., 2011.
36
ZAFFARONI, E. R.; BATISTA, Nilo. ALAGIA, Alejandro. SLOKAR, Alejandro. Direito Penal
Brasileiro:Teoria Geral do Direito Penal. 4ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011. p. 43.
37
ZAFFARONI, E. R.; BATISTA, Nilo. ALAGIA, Alejandro. SLOKAR, Alejandro. Direito Penal
Brasileiro:Teoria Geral do Direito Penal. 4ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011. p. 43.
38
CARVALHO, Salo. O Papel dos Atores do Sistema Penal na Era do Punitivismo (O Exemplo
Privilegiado da Aplicação da Pena. Rio de Janeiro: Lumens, 2010.
21
Assim, os atores do sistema penal concretizam o impulso punitivista iniciado na
esfera legislativa, por meio da criminalização secundária, acentuando o caráter seletivo
do sistema penal. Deste modo, no que concerne aos atores incumbidos da judicância, o
populismo punitivista é condicionado pela formação cultural que impulsiona a cultura
punitiva.
Nesse sentido, considerando a audiência de custódia como instituto de caráter
humanitário, é de suma relevância para uma evolução do sistema processual penal
pátrio, que busca adequação aos tratados internacionais dos direitos humanos, assegurar
garantias processuais ao cidadão preso e seu possível impacto na atenuação da
população carcerária, visto que o processo democrático muito depende da postura dos
atores que nele estão inseridos.
Ademais, a implementação da audiência de custódia, conforme averbado
alhures, visa humanizar o contato do cidadão preso com a autoridade judicial,
oportunizando aferir a real necessidade da prisão e a contenção de possíveis ataques
punitivistas.
Nessa perspectiva, é imperioso ressaltar que a postura dos atores do sistema
penal pode representar um entrave para o acesso à justiça e para efetivação das garantias
fundamentais, sobretudo, com prisões cautelares desnecessárias, ficando evidente o
desacerto do rumo atual do processo penal brasileiro, propiciando um espaço de punição
em caso de dúvida, como forma de justiça.
4.1 Análise crítica da audiência de custódia com base no Relatório Defensoria Pública
do Estado da Bahia.
39
TJBA. Plantão de Primeiro Grau da Comarca de Salvador Começa a Realizar Audiências de Custódia a
Partir de Sábado. Disponível: em:<http://www5.tjba.jus.br/portal/plantao-de-primeiro-grau-da-comarca-
22
A realização da audiência de custódia representa uma evolução no processo
penal brasileiro, pois possibilita o contato direito e pessoal do juiz com o cidadão
flagranteado para uma análise acerca da legalidade e necessidade, bem como, da
adequação das medidas cautelares diversas da prisão, elencadas no artigo 319 do CPP.
Na comarca de Salvador as audiências de custódia são realizadas diariamente na
Central de Flagrantes do Iguatemi (também aos finais de semana e feriados). Ao todo
são quatro órgãos de execução com atribuição ―Urgências Criminais Relacionadas a
Presos Provisórios de Salvador‖, sendo que, durante a semana, atua um defensor
público por dia e nos finais de semana e feriados atua um defensor público plantonista
designado por sorteio, através de portaria publicada no Diário Oficial. As informações
são registradas na planilha por quatro servidores vinculados à Especializada Criminal e
de Execução Penal da Defensoria Pública do Estado da Bahia40.
Nesse sentido, considerando a atual crise carcerária que instalou no país, diante
das elevadas taxas de encarceramento de presos provisórios, das graves violações de
direitos humanos, bem como, do desrespeito aos Tratados Internacionais de Direitos
Humanos, busca-se também por meio da audiência de custódia uma solução para as
carências do sistema de justiça criminal.
A Defensoria Pública Estado da Bahia, consoante relatório realizado no período
de 2015 a 2018, analisou todas as prisões em flagrantes no período mencionado, sendo
um total de 17.793 flagranteados, a partir da coleta de dados, o que possibilitou um
monitoramento contínuo das audiências de custódia e dos resultados por elas
alcançados.
A audiência de custódia inicia-se após a prisão em flagrante, no prazo de 24h,
com a condução da pessoa presa, à presença da autoridade judicial, e esta, juntamente
com Ministério Público e a defesa (defensor público ou advogado) apreciarão acerca da
legalidade e necessidade da prisão, bem como, avaliar questões relativas a maus tratos
ou torturas.
Cumpre salientar que os dados coletados, foram objeto do relatório das
audiências de custódias na comarca de Salvador/BA, anos de 2015-2018, elaborado pela
Defensoria Pública Estado da Bahia, com recortes nos anos de 2017 e 2018.
23
Da análise das audiências de custódias, no ano de 2017, do total de 6.135
flagrantes realizados, inicialmente é perceptível que a maioria dos flagrantes, cerca de
44,2% são de crimes contra o patrimônio de forma isolada ou em concurso, tais como
furtos e roubos, seguido dos casos da Lei nº 11.343/06 (lei de drogas ou de tóxicos)
sendo 37% do total de flagrantes realizados no decorrer do ano41.
Nesse período é importante consignar que, com relação a análise das decisões,
há um impacto positivo, no que tange a concessão de liberdade provisória, sendo 3.040
de um universo de 6.135 flagrantes. Por outro lado, em relação a decretação de prisão
preventiva ainda apresenta um número considerável de 2.663, o que consequentemente,
proporciona o aumento de presos provisórios no país. Assim como, a liberdade plena
sem imposição de qualquer modalidade de restrição, seja por prisão e/ou medidas
cautelares, revela-se um número ínfimo de 248 do total de flagrantes, enquanto 5.587
das decisões correspondem a prisões ou imposição de medida cautelar.
Nesse contexto, embora o número de concessão de liberdade provisória
demonstra a redução do ingresso de pessoas no sistema carcerário, é notável que as
medidas cautelares diversas à prisão sofreram uma banalização, sendo utilizada de
forma arbitrária sem atingir a finalidade especifica cautelar do processo, e sim, sendo
uma ferramenta de punição antecipada.
No ano de 2018, foi possível analisar dados de 5.588 flagranteados, desse total
também averiguou-se que o número de concessão de liberdade provisória foi superior ao
número de decretação de prisões preventivas sendo 3.003 e 2.092 respectivamente. Em
sentido oposto, apenas 311 das decisões concederam liberdade plena sem imposição de
prisão ou alguma medida cautelar e 5.277 decisões com imposição de prisão e/ou
medidas cautelares42.
Assim, em relação às decisões compreendidas no período de 2017 e 2018, apenas 4,8%
a liberdade ocorreu de forma plena, sem imposição de prisão ou medida cautelar
diversa, logo 95,2% houve imposição de algum tipo de restrição à liberdade do
flagranteado.
4.2. A cultura jurídica e a resistência em decretar liberdade plena
41
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DA BAHIA. Relatório das audiências de custódias na
comarca de Salvador/BA: anos de 2015-2018. 1ª. ed. - Salvador: ESDEP, 2019.
42
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DA BAHIA. Relatório das audiências de custódias na
comarca de Salvador/BA: anos de 2015-2018. 1ª. ed. - Salvador: ESDEP, 2019.
24
Diante desse cenário, constata-se que, apesar do percentual de prisão preventiva
compreendido no período de 2017 e 2018 apresentar um número inferior com relação a
concessão de liberdade provisória, convém pontuar o número elevado da imposição de
prisão e/ou medidas cautelares e a resistência na decretação da liberdade plena.
Outrossim, as medidas cautelares diversas da prisão, não podem ser confundidas com
penas antecipadas, simbolizando um instrumento de controle social de uma lógica
punivista e inquisitória.
No bojo dessa discussão, dados do sistema prisional em 2019, realizado pelo
Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo e o Fórum Brasileiro de
Segurança Pública demonstram que do total de números de presos no Estado da Bahia,
sendo, 15.660 com liberdade cerceada, 50,4% são de presos provisórios43.
Dessa forma, observa-se adesão de uma política criminal com premissas
punitivistas, apesar do texto constitucional de 1988 apresentar uma roupagem democrática e
social, há uma significativa inclinação para uma política punivista.
Para, além disso, é importante esclarecer que, mesmo com as alterações promovidas
pela Lei nº 12.403/11, com a finalidade de tornar o encarceramento medida excepcional a
ser decretada pelo juiz, que por lógica, proporcionaria diminuição no número de presos
provisórios, entretanto ocorreu efeito oposto.
Nesse sentido, percebe-se que os atores do sistema penal, com intuito de reduzir a
criminalidade e atender os anseios da sociedade, de uma política punitivista, impulsionada
pela mídia contribuem para a incorporação do punitivismo no sistema processual penal
brasileiro. Nas palavras de Salo de Carvalho44.
43
RAIO X DO SISTEMA PRISIONAL EM 2019.Disponível em< http://especiais.g1.globo.com/monitor-
da-violencia/2019/raio-x-do-sistemaprisional/?_ga=2.78409558.39695150.1581342067-
420929552.1571058347>. Acesso em 31 de janeiro de 2020.
44
CARVALHO, Salo. O Papel dos Atores do Sistema Penal na Era do Punitivismo (O Exemplo
Privilegiado da Aplicação da Pena. Rio de Janeiro: Lumens, 2010.
25
atores jurídicos em relação à prisão, destacando assim, a banalização das medidas cautelares
e o desrespeito ao princípio da presunção de inocência.
Os dados citados dão indícios de que apesar da importância da regulamentação das
garantias democráticas, elas podem não ser suficientes para mudar situação carcerária
quando não se dá importância devida as conquistas de direitos humanos, porém o debate
permite expor os pontos candentes do sistema penal e apontar o caminho necessário para se
percorrer em busca de um processo penal humanitário.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
26
justiça. Certamente tal visão destoa da civilização, os dados que mostram a
desumanidade da prisão afirmam isso.
Destarte, o presente trabalho buscou explanar pontos para reflexão sobre a
importância da implementação da audiência de custódia no nosso ordenamento jurídico,
confrontando com as disfunções que o sistema penal, a cultura jurídica punitivista e o
controle social em sentido amplo oferecem para a efetivação da dignidade da pessoa
humana aplicada ao processo penal.
Por derradeiro, é importante lembrar que, apenas o respeito aos direitos humanos
pode reconduzir o processo penal ao seu espaço originário, qual seja, instrumento limitador
do exercício do jus puniendi do Estado.
6. REFERÊNCIAS
27
______. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.240,
20 ago. 2015. Disponível em: <
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10167333>>.
Acesso em: 23 de dez. de 2019.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Nova ed.
Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
GOMES, Luiz Flávio. Para onde vamos com o populismo penal? Jusbrasil, [S.l.],
2011. Disponível em: <https://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/121927228/para-
onde-vamos-com-o-populismo-penal>. Acesso em: 25 de janeiro de 2020
28
INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS. Nota Técnica complementar
às anteriormente apresentadas pelo IBCCRIM, 2016, p. 11-12. Disponível em:
<http://www.ibccrim.org.br/docs/12122015_notatecnicacomplementar.pdf>. Acesso
em: 03 de jan. de 2020.
NICOLITT, André. MELO, Bruno Clueder de.; RODRIGUES, Gustavo Análise Crítica
do Voto Do Des. Guilherme De Souza Nucci – Tjsp: O Delegado De Polícia Não Faz
Audiência De Custódia. Ano: 2015. Disponível em:
http://emporiododireito.com.br/leitura/analise-critica-do-voto-do-des-guilherme-de-
souza-nucci-tjsp-o-delegado-de-policia-nao-faz-audiencia-de-custodia. Acesso em: 6
jan. de 2020.
PAIVA, Caio. Audiência de Custódia e o Processo Penal Brasileiro. 3ª. ed. Belo
Horizonte: CEI, 2018.
29
sistemaprisional/?_ga=2.78409558.39695150.1581342067-420929552.1571058347>.
Acesso em 31 de janeiro de 2020.
RAMOS, André Carvalho. Curso de Direito Humanos. São Paulo: Saraiva, 2014.
30