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O conceito, classificação e as

características da norma penal


brasileira

Apresentação
A sociedade dos tempos atuais é considerada punitiva. A consolidação desse pensamento se deu
nos séculos XVI e XVII, no continente europeu. Naquele período, a pobreza se alastrava
demasiadamente, levando ao aumento da delinquência, porque os excluídos viviam à margem da
sociedade, sobrevivendo por meio de esmolas e pequenos roubos. Com tal proliferação, o Estado
se viu obrigado a desenvolver meios de contenção. Daí o surgimento do Direito Penal.

Não se pode perder de vista que as normas têm diversas fontes e uma delas são os costumes. Por
isso, é possível observar que as mudanças ocorridas no Direito Penal decorreram em grande parte
da modificação dos comportamentos das pessoas no âmbito social. Assim, a forma de punição dos
crimes que, no início, se dava por meio de castigos corporais, confisco de bens e até mesmo
ceifando a vida, evoluiu conforme a sociedade passou a considerar esse tipo de punição exagerada.
Hoje, na maior parte dos países, não se tem mais a possibilidade desse tipo de punição,
prevalecendo como principal punição a privação da liberdade.

Nesta Unidade de Aprendizagem, você vai estudar o Direito Penal de uma perspectiva histórica. Vai
ver quais são os princípios mais relevantes na aplicação do Direito Penal, compreendendo seu
conceito e a aplicabilidade frente às normas penais brasileiras. E, para melhor valia desse conteúdo,
vai conhecer as fontes das normas penais.

Bons estudos.

Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

• Reconhecer a evolução histórica do Direito Penal.


• Analisar os princípios gerais do Direito Penal.
• Explorar a classificação, as características e as fontes do Direito Penal.
Desafio
A Constituição brasileira é repleta de princípios, inclusive aplicáveis ao Direito Penal e Processual
Penal. O fato de tais princípios estarem descritos na norma que ocupa o topo da pirâmide
normativa traz mais segurança à população, bem como todo o restante do ordenamento. Assim, tais
princípios irradiam por toda a legislação infraconstitucional, obrigando que tais normas sigam as
determinações constitucionais, já que se trata de normas ocupantes do topo do ordenamento
jurídico. Há, inclusive, princípios constitucionais que são reproduzidos nas leis, tendo, portanto,
dupla normatividade.

Analise a seguinte situação, que demanda a aplicação de um importante princípio penal


constitucional:
Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar.
Nesse contexto, Leandro é citado para apresentar resposta prévia à acusação e procura você,
renomado criminalista da cidade, para realizar a sua defesa. Dessa forma, o que você, como
advogado de Leandro, alegaria?
Infográfico
A aplicação das penas, no Brasil, visa a atender necessariamente ao postulado máximo da dignidade
da pessoa humana, vedando as penas de caráter humilhante ou que não cessam seus efeitos.
Entretanto, nem sempre foi assim. Tais limites são uma grande conquista evolutiva do Direito Penal
constitucional contemporâneo. É possível dizer, inclusive, que a história do Direito Penal se
confunde com a história da aplicação das penas, já que, antigamente, tal ramo do direito não era
codificado.

Neste Infográfico, você vai ver um comparativo das fases do Direito Penal e das penas aplicadas em
cada uma delas.
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Conteúdo do livro
Os objetivos do Direito Penal são defender a coletividade e promover uma sociedade mais pacífica,
o que deve ser alcançado por meio do uso da punição como apaziguador e desincentivo às
condutas criminosas. Isso é constatado apenas a partir da evolução histórica desse ramo do direito.
Isso porque, como é sabido, a reprimenda penal já foi utilizada como forma de vingança — privada e
pública. Dessa forma, é primordial conhecer as correntes doutrinárias que tentam explicar essa
evolução e o impacto na legislação.

Hoje, não se fala mais de vingança a partir do Direito Penal, que tem uma rede de princípios cuja
finalidade é assegurar direitos fundamentais dos acusados e delinear os contornos desse ramo do
direito. Muitos desses princípios são de sede constitucional, havendo, inclusive, aqueles que se
caracterizam como cláusulas pétreas.

No capítulo Conceito, classificação e características da norma penal brasileira, base teórica desta
Unidade de Aprendizagem, você vai conhecer os períodos em que se divide a evolução do Direito
Penal e as escolas que tentam explicar o fenômeno do crime, além dos princípios gerais do Direito
Penal, as fontes desse ramo e uma tentativa de conceituação.

Boa leitura.
LEGISLAÇÃO
PENAL
APLICADA

Mariana Gloria de Assis


O conceito, a classificação
e as características da
norma penal brasileira
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Reconhecer a evolução histórica do direito penal.


 Analisar os princípios gerais do direito penal.
 Explorar a classificação, as características e as fontes do direito penal.

Introdução
A sociedade contemporânea é considerada punitiva. A consolidação
desse pensamento ocorreu nos séculos XVI e XVII na Europa, momento
em que a pobreza se alastrava pelo continente, e a delinquência cres-
cia. Os excluídos da sociedade sobreviviam por meio de esmolas e
pequenos roubos.
A necessidade de desenvolver meios de contenção levou ao surgi-
mento do direito penal. Nesse sentido, você não deve perder de vista
que as normas possuem diversas fontes e uma delas são os costumes.
Assim, as mudanças ocorridas no direito penal decorreram em grande
parte da modificação do comportamento das pessoas no âmbito social.
Em resumo, o objetivo do direito penal é defender a coletividade e
promover uma sociedade mais pacífica. A evolução histórica dessa área
não se resume aos períodos de modificação das penas, por isso você
também vai estudar aqui as correntes doutrinárias existentes e o impacto
delas na legislação.
2 O conceito, a classificação e as características da norma penal brasileira

Evolução histórica do direito penal


Você vai estudar a evolução do direito penal por meio de quatro grandes eixos:
o direito penal antigo, o direito penal medieval, o direito penal do século XVIII
e o direito penal contemporâneo. Essa divisão metodológica foi sugerida pelos
juristas Eugênio Raul Zaffaroni e José Henrique Pierangeli (2006).

Todas as instituições pretéritas do direito penal e do direito processual penal,


mesmo as mais remotas que Ladislau Thot qualificou como “arqueologia
criminal”, têm sempre uma finalidade “consciente que se pode considerar
com todo o direito de origem político-criminal”. Do estudo de todas estas
instituições pretéritas se chega à conclusão de que a arqueologia criminal é
uma parte complementar da política criminal, especialmente daquela por
nós chamada política criminal histórica, cujo conhecimento é indispensável
para uma exata e cabal compreensão da política criminal propriamente dita
(ZAFFARONI; PIERANGELI, 2006, p. 156).

O direito penal não possui uma continuidade histórica linear, mas cami-
nha ao lado da formação da concepção do homem como pessoa (enquanto
dotado de autonomia moral), conforme ensinamentos de Zaffaroni e Pierangeli
(2006). Esse entendimento é confirmado pelo fato que boa parte dos princípios
constitucionais penais aplicáveis atualmente no direito brasileiro deriva da
Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão.

O antropólogo Malinowsky (2003) — com a publicação da obra Crime e Costume na


Sociedade Selvagem — iniciou a discussão da evolução das penas e do sistema carce-
rário, partes fundamentais do sistema penal. A doutrina tem trabalhado com a ideia
de uma evolução progressiva do direito penal, atrelada aos tipos de penas aplicadas.

O que hoje se conhece como princípio da culpabilidade passou a existir


somente no século VII d.C., na China. Para que você organize melhor seus
estudos, verá aqui os códigos históricos em conjunto com as sanções por
eles aplicadas.
A ideia de vingança existe desde os primórdios da humanidade, tanto que até
o momento não há fundamentos mais concretos sobre o tema. Compreende-se
O conceito, a classificação e as características da norma penal brasileira 3

apenas que se tratava de um comportamento muito simplista da vida em comu-


nidade (MALINOWSKI , 2003).
Na era medieval, adotava-se a pena de morte, executada de formas cruéis,
com o objetivo de intimidar a população usando os apenados como exemplos.
A ideia, portanto, era evitar a repetição dos atos negativos. Por isso, as sanções
penais eram realizadas em público. Considerando a condição social e política
do réu, poderiam ser possibilitadas alternativas, como o confisco, a mutilação,
os açoites, as torturas e as penas infamantes.
A vingança vigorou até meados do século XVIII, podendo distinguir-se
em três grandes momentos: vingança privada, vingança divina e vingança
pública. Todas acabaram por existir simultaneamente em alguns períodos,
até que uma ou outra eventualmente fosse predominante. Portanto, a sepa-
ração é feita por ideia, sendo a divisão cronológica apenas um norte para
a identificação temporal.
Na vingança privada, como a ocorrida, por exemplo, no direito germânico,
a punição era aplicada pela comunidade em si para a retomada da paz. Quem
ofendia a segurança do todo poderia ser punido pela vítima, por seus fami-
liares ou por qualquer outro membro da comunidade que estivesse disposto a
fazê-lo. O direito penal era simplesmente uma forma de defesa da sociedade
contra o ato delituoso.
Porém, a falta de limites (e de proporcionalidade) imperava no revide,
criando a ideia de uma vingança de sangue, como foi adotada pelos povos
primitivos. Era uma reação natural e instintiva. Um exemplo comumente citado
são as leis dispostas no Código de Hamurabi ou Lei do Talião, baseadas no
preceito “olho por olho, dente por dente”.
A possibilidade de o ofensor comprar sua liberdade — com dinheiro,
gado, armas, etc. — foi adotada pelo Código de Hamurabi (Babilônia), pelo
pentateuco (hebreus) e pelo Código de Manu (Índia), sendo largamente aceita
pelo direito germânico, em que pese sua origem desconhecida.
A vingança divina surgiu de um sentimento religioso, da intervenção
da Igreja na sociedade. Nesse sentido, era a Igreja que determinava o tipo de
punição ao agente de acordo com o quanto o ato ofendia Deus. Nesse período,
a religiosidade era muito importante para a civilização. A repressão aos atos
de delinquência deveria aplacar a “ira” das divindades com o crime. Desse
modo, a sanção penal ficava a cargo dos sacerdotes, que (como representantes
dos deuses) faziam justiça.
No Oriente Antigo, a religião confundia-se com as leis, transformando os
preceitos em muitas delas. O Código de Manu é um exemplo do que ocorreu
4 O conceito, a classificação e as características da norma penal brasileira

na Babilônia, bem como no Egito (Cinco Livros), na China (Livro das Cinco
Penas), na Pérsia (Avesta) e com o povo de Israel.
A Igreja contribuiu para uma tentativa de humanização do direito penal,
embora fosse com o intuito de defender os interesses religiosos. As penas
passaram a ter como fim não só a expiação, mas também a regeneração do
criminoso pelo arrependimento e pela purgação da culpa. Porém, punições
rudes e severas eram toleradas, isso porque tinham como fim superior a
salvação da alma do condenado.
Com a influência de filósofos e pensadores, obteve-se uma nova concepção
de crime e pena, operando-se a vingança pública. A pena deixa de ter viés
sacro para o Estado tornar-se o titular da ordem jurídica, impondo-se sobre
a vontade individual.
O direito de punir se manifesta pela união de parcelas de poderes que
foram atribuídos a um só homem, o governante. Assim, ele é resultado de
um contrato: o legitimado a usar esse poder deve fazê-lo em nome de todos
(GARLAND, 2002), aplicando penas que representem a comunidade em geral.
Você não pode perder de vista que nessas sociedades a atuação do soberano
também ocorria em nome de Deus, levando-o a cometer muitas arbitrariedades.
As penas de morte, mutilação e confisco de bens não ficavam restritas ao
apenado e eram difundidas. Por isso, os historiadores consideram que ocorreu
um grande avanço ao se restringir a aplicabilidade das penas ao Estado.
Diante de algumas penas consideradas extremamente cruéis é que surgiram
as correntes iluministas e humanitárias, as quais tiveram como representantes,
entre outros, Beccaria, Voltaire, Montesquieu e Rousseau. Teve início aí um
movimento de reforma do sistema punitivo, atingindo seu apogeu na Revolução
Francesa: era a chamada Escola Clássica.
Beccaria e Romagnosi expuseram suas teorias afirmando que o direito
penal é natural, imutável e anterior ao estabelecimento de convenções huma-
nas. Além disso, apontaram que ele é exercido mediante a punição dos delitos
para impedir novos crimes (COSTA JÚNIOR, 2000). Por sua vez, Jeremias
Bentham dizia que a pena se justificava por sua utilidade — impedir o réu de
cometer novos delitos, emendá-lo, intimidá-lo, protegendo a sociedade (LISZT,
2005). Francesco Carrara (2002) define o crime como “[...] a infração da lei
do Estado, promulgada para proteger a segurança dos cidadãos, resultante
de um ato externo do homem positivo ou negativo, moralmente imputável e
politicamente danoso”.
O período humanitário — como foi chamado o século XVIII — ocorre
no intervalo entre 1750 e 1850, concomitantemente ao movimento humanista
(daí a origem do nome), marcado pela atuação de filósofos e pensadores que
O conceito, a classificação e as características da norma penal brasileira 5

contestavam os ideais absolutistas. Filósofos como Montesquieu, Voltaire,


Rosseau e D’Alembert construíram o alicerce do período humanitário. Entre
as bandeiras defendidas estavam a reforma das leis e da administração da
justiça penal. Por isso, o movimento surgiu como uma reação popular às
arbitrariedades praticadas pelo Estado.
Não coincidentemente, nesse período ocorreu a revolução burguesa, com
expansão da classe social que fez despontar o capitalismo. Esse movimento
deu origem ao liberalismo burguês, influenciado pelo movimento cultural
conhecido como Iluminismo — criado por John Locke.

John Locke era um filósofo inglês que foi considerado o pai do Iluminismo. Ele
escreveu a obra Ensaio sobre o Entendimento Humano. Já Montesquieu era um jurista
francês, autor de O Espírito das Leis, no qual defendia a separação dos três poderes
do Estado. Voltaire ficou reconhecido por suas ferozes críticas ao clero católico, à
intolerância religiosa e à prepotência dos poderosos. Rousseau, assim como Mon-
tesquieu e Voltaire, era francês, foi defensor da pequena burguesia, inspirando os
ideais da Revolução Francesa por meio dos livros O Contrato Social e Discurso sobre
a Origem da Desigualdade entre os Homens.
Em 1764, Cesar Bonesana — Marquês de Beccaria — publicou a obra Dos delitos
e das penas, tornando-se o símbolo da reação liberal ao desumano panorama penal
vigente. Os princípios pregados pelo jovem aristocrata de Milão são o alicerce do direito
penal atual, sendo adotados pela Declaração Universal dos Direitos do Homem e do
Cidadão, publicada durante a Revolução Francesa. A lei passa a ser obra exclusiva do
legislador ordinário, que representa toda a sociedade ligada por um contrato social.

Mas a história do direito penal não pode se resumir aos períodos em que
foi modificada a sua aplicabilidade. Você também deve conhecer as correntes
doutrinárias existentes, assim como a Escola Clássica.
A Escola Naturalista ou Escola do Direito Natural, de Hugo Grócio, Ho-
bbes, Spinoza, Puffendorf, Wolf, Rousseau e Kant, apontava para a natureza
humana como fundamento do direito e da sociedade. Apesar de ter durado
curto período, deixou como legado a corrente jusnaturalista, referência até
hoje. O jusnaturalismo e seus princípios influenciaram de forma conside-
rável o período humanitário, no qual tornavam-se individuais a valorização
dos direitos intocáveis dos delinquentes e a consequente dulcificação das
sanções criminais.
6 O conceito, a classificação e as características da norma penal brasileira

O jusnaturalismo constitui um conjunto de princípios amplos, a partir dos quais o


legislador deverá deduzir e compor a ordem jurídica. Os princípios mais citados
referem-se ao direito à vida, à liberdade, à participação na vida social, à segurança,
etc. É nítido o elo existente entre direito natural e direito penal, pois os princípios
abordados pelo jusnaturalismo, especialmente os correspondentes aos direitos
naturais inativos, estão devidamente enquadrados no rol dos bens jurídicos asse-
gurados pelo direito penal.

O período científico ou criminológico iniciou-se no século XIX — por volta


de 1850 —, persistindo até o momento. Nele, está em jogo compreender o
crime como ciência: a análise do homem delinquente e a razão pela qual ele
comete delinquências. Nesse período, Cesare Lombroso trouxe o estudo da
fisionomia do delinquente. Lombroso deu início à Escola Positiva com a obra
O homem delinquente, estudando o delinquente e explicando a causa do delito.

A principal inovação de Lombroso foi admitir o delito como fenômeno biológico,


utilizando um método experimental para estudá-lo e dando origem à antropologia
criminal. No seu principal estudo, afirmava a existência de um criminoso nato, mediante
estigmas somatopsíquicos que o levavam a delinquir sempre que determinadas
condições ambientais se apresentassem. Henrique Ferri, discípulo de Lombroso,
ressaltou a importância do trinômio causal do delito: os fatores antropológicos, físicos
e sociais (MIRABETE; FABBRINI, 2016)

No Brasil colonial, vigorou a Ordenação Manuelina em 1569, substituída


pelo código de Dom Sebastião, em 1603. Mais tarde, surgiram as Ordenações
Filipinas, que refletiam os tempos medievais e são consideradas o primeiro
código penal do Brasil. Na época, as leis fundamentavam-se nos preceitos
religiosos, e os crimes tinham relação com o pecado e a ofensa moral, no
mesmo teor da vingança divina.
Na chegada dos portugueses ao Brasil, os povos indígenas já aplicavam
uma espécie de direito penal intimamente ligado ao direito costumeiro, sendo
O conceito, a classificação e as características da norma penal brasileira 7

comum a prática da justiça por meio da vingança privada, da vingança coletiva


e do talião.
Com a proclamação da independência, tentou-se elaborar uma Assembleia
Nacional Constituinte, que teve seus estudos substituídos por uma constituição
outorgada diretamente por Dom Pedro I, com traços extremamente liberais,
retratando ideias como as de Jeremias Bentham (os sistemas legislativos devem
orientar-se pela utilidade pública). Esse texto foi denominado Código Penal do
Império e tinha elementos de vanguarda, como a fixação da individualização
da pena, situações atenuantes e agravantes, além de um julgamento especial
para os menores de 14 anos.
Em 1890, foi editado o Código Criminal da República, com a abolição da
pena de morte, a de galés e a de banimento judicial, mantendo-se a prisão, o
banimento, a interdição e a suspensão. Foi considerado muito avançado por
abolir a pena de morte e instaurar o regime penitenciário de caráter correcional.
Apesar desse cunho inovador, haviam inúmeras inconsistências no texto
legal, de modo que foi promulgada a Consolidação das Leis Penais de Pira-
gibe. Essa consolidação foi a união de todas as leis penais aplicáveis na época
realizada pelo desembargador Piragibe, por meio do Decreto nº 22.213, de 14
de dezembro de 1932, que vigorou até 1940 (LYRA, 1946).
A atual legislação penal — o Código de 1940 — é originária do projeto
de Alcântara Machado, tendo como integrantes da comissão revisora, entre
outros, os doutrinadores Nelson Hungria, Vieira Braga, Marcélio de Queiroz e
Roberto Lira. A norma não se vinculou diretamente a uma escola ou corrente
de direito penal. Ela contém traços das Escolas Clássica e Positiva, aproveitando
o que foi considerado mais adequado nas legislações liberais, especialmente
nos códigos italiano e suíço (COSTA JÚNIOR, 2010).
Houve inúmeras tentativas de mudança da legislação penal. O professor e
ministro Nelson Hungria (1958-1959) elaborou um anteprojeto que foi convertido
no Decreto-Lei nº 1.004, de 21 de outubro de 1969 (que marcava o reestabeleci-
mento da democracia após o período da Ditadura Militar). Esse decreto teve sua
vigência adiada por diversas críticas exacerbadas, levando-o a ser modificado
substancialmente pela Lei nº 6.016, de 31 de dezembro de 1973, acabando por
ser revogado em sua totalidade pela Lei nº 6.578, de 11 de outubro de 1978
(PIERANGELI, 1980). As alterações necessárias só ocorreram por meio da Lei
nº 7.209, de 11 de julho de 1984, a qual alterou a parte geral do Código Penal,
em especial quanto à adoção de pena ou medida de segurança. Isso levou à
promulgação da Lei de Execuções Penais vigente até o momento (em que pesem
algumas alterações de cunho prático, como a inclusão da prestação pecuniária).
8 O conceito, a classificação e as características da norma penal brasileira

Para compreender o contexto evolutivo do direito penal brasileiro, você pode acessar o
Código Criminal do Império do Brasil, disponível no site do Palácio do Planalto. Confira:

https://goo.gl/I4X0bH

Princípios gerais do direito penal


Alguns dos princípios aplicáveis ao direito penal são derivados das cláusulas
pétreas de direitos fundamentais fixadas pela Constituição Federal de 1988
(CF). Outros, por sua vez, têm origem diretamente no Código Penal Brasileiro.
Agora, você vai conhecer estes últimos.

Princípio da reserva legal


É mencionado expressamente na Constituição Federal, porém o art. 1º do CP
também o prevê (BRASIL, 1988):

Art. 1º – Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia
cominação legal. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

“Somente a lei, em seu sentido mais estrito, pode definir crimes e cominar penalidades”
(CAPEZ; PRADO, 2012, p. 11).

 Princípio da reserva legal e normas penais em branco: ocorre


quando a descrição do tipo é incompleta, exigindo outro dispositivo
para sua aplicabilidade. Exemplo: Lei de Drogas, onde o rol do que
é considerado psicotrópico será definido pelo Ministério da Saúde
por meio de portaria.
O conceito, a classificação e as características da norma penal brasileira 9

 Princípio da reserva legal e costumes: é a máxima de que o costume


contra legem não é capaz de revogar a lei.
 Subprincípio da taxatividade: o tipo penal deve ser claro, preciso e
determinado, vedada a descrição generalista e a analogia. A lei deve
descrever a conduta delituosa com todos os seus elementos e circuns-
tâncias. Entretanto, a analogia poderá ser aplicada quando se tratar de
norma permissiva, como é o caso do aborto em caso de estupro (art.
128, inciso II, do CP), o qual poderá ser extensivo a casos de atentado
violento ao pudor, ainda que hoje estejam ambos classificados no mesmo
tipo penal.

Princípio da retroatividade da lei penal


A lei penal poderá retroagir sempre que for para benefício do réu: novatio legis
in mellius. Assim, será aplicada a lex mitior (lei menor) independentemente
de ser anterior ou posterior ao fato. Isso também serve para casos de abolitio
criminis (abolição do tipo penal).

Subprincípio da anterioridade

A lei deve estar vigente no momento do ato lesivo para que possa ser utilizada.
Conforme o Código Penal (BRASIL, 1940):

Art. 2º – Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar
crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença
condenatória. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Parágrafo único – A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente,
aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória
transitada em julgado. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Art. 3º – A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua
duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato
praticado durante sua vigência. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984)

Você ainda deve saber que a medida de segurança também está sujeita a
esse subprincípio, não são só as penas.
10 O conceito, a classificação e as características da norma penal brasileira

Princípio da proporcionalidade
Não consta expressamente na Constituição Federal (BRASIL, 1988), mas
deriva da limitação das penas consideradas desumanas (art. 5º, XLVIII, da
CF). A pena aplicada deverá ser proporcional ao bem lesado, à sua repro-
vabilidade perante a sociedade, bem como às condições do agente, de modo
que seja suficiente e necessária em face da culpabilidade (vide ADI–MC nº
2.290/DF, STF).

Princípio da continuidade normativa típica


O tipo é revogado, porém seus elementos caracterizadores migram para outro
já existente ou um novo. Esse fato ocorreu com o crime de atentado violento
ao pudor, que foi revogado, passando a fazer parte do tipo estupro. Não é
hipótese de abolitio criminis (quando o ato deixa de ser crime).

Princípio da alteridade, transcendentalidade


ou lesividade
Desenvolvido por Claus Roxin (1972), proíbe a incriminação de conduta me-
ramente interna, subjetiva e que, por isso, não lesa o bem jurídico. A autolesão
não é crime, exceto se tiver por fim prejudicar a terceiros CAPEZ; PRADO,
2012, p. 15). Exemplo: é o caso do suicídio, mas a sua incitação ou estímulo é
considerada crime contra a vida alheia (art. 122 da CP) (BRASIL, 1940). Da
mesma forma, o uso de drogas não é punível, ainda que o seu porte para uso
pessoal esteja tipificado. Isso ocorre em razão do perigo social da facilitação
da circulação da substância na sociedade. Esse princípio possui três funções:

1. proibir incriminação de atitudes internas;


2. proibir incriminação de condutas que não excedam o âmbito do autor;
3. proibir incriminação de estados ou condições existenciais, bem como
de condutas desviadas que não afetem qualquer bem jurídico.

Princípio da confiança
É requisito para existência do fato típico, estando associado à teoria da
imputação objetiva. Os indivíduos esperam que os demais ajam de acordo
com as normas da sociedade. “Por esta razão não realiza conduta típica
O conceito, a classificação e as características da norma penal brasileira 11

aquele que, agindo de acordo com o direito, acaba por envolver-se em


situação em que um terceiro descumpre seu dever de lealdade e cuidado”
(CAPEZ; PRADO, 2012, p. 16). Esse princípio é muito aplicado nos delitos
de trânsito (FRAGOSO, 2003).

Princípio da insignificância
Também introduzido por Claus Roxin (1972), fixa que o direito penal deve se
preocupar com condutas que não lesem o bem jurídico ou que tenham baixo
grau de reprovabilidade social (comumente aplicado na Lei de Drogas, em
crimes de roubo ou furto, peculato, contrabando, etc.).

Princípio da ofensividade
Considera inconstitucionais os crimes de “perigo abstrato” (CAPEZ;
PRADO, 2012, p. 23), porque o tipo penal exige a lesão a um bem juridi-
camente tutelado.

Entendemos que subsiste a possibilidade de tipificação dos crimes de pe-


rigo abstrato em nosso ordenamento legal, como legítima estratégia de
defesa do bem jurídico contra agressões em seu estágio ainda embrionário,
reprimindo-se a conduta antes que ela venha a produzir um perigo concreto
ou um dano efetivo (GOMES, 2002, p. 41).

Um exemplo de exceção ao princípio da ofensividade são os crimes de porte


e posse previstos no Estatuto do Desarmamento e na Lei de Tóxicos.

Princípio da culpabilidade
Não está dentro do rol de princípios expressos na Constituição Federal (BRA-
SIL, 1988), mas pode ser extraído a partir do texto normativo constitucional,
quando se fala do princípio da dignidade da pessoa humana.
O julgador, para exasperação da pena, deve deter-se nos atos que qua-
lificam a culpabilidade para efetivamente aplicar a pena que condiz com
os atos praticados. A pena nunca poderá ultrapassar os valores previstos
de culpabilidade daquela conduta; é um princípio que funciona como
limitador da pena.
12 O conceito, a classificação e as características da norma penal brasileira

Classificação, características e fontes


do direito penal
Veja, na Figura 1, a classificação e as características e fontes do direito penal.

Figura 1. Direito penal: classificação, características e fontes.

Fonte imediata
Conforme os princípios do direito penal, a lei é a sua fonte imediata. Afinal,
não há crime nem pena sem prévia cominação legal (art. 1º do CP) (BRASIL,
1940). A lei, enquanto fonte do direito penal, pode ser promulgada nas seguin-
tes formas: Constituição Federal; lei ordinária; lei complementar; tratados e
convenções internacionais incorporados ao direito brasileiro.
Você pode achar estranho pensar que a Constituição Federal tem normas
penais, mas isso fica evidente na leitura de alguns dispositivos, como o art.
5º, incisos XLV e XLVII (BRASIL, 1988). Assim, é possível dizer que toda
O conceito, a classificação e as características da norma penal brasileira 13

emenda constitucional que trate de assuntos penais será equivalente à norma


penal e, consequentemente, fonte imediata do direito penal.
Só o Estado detém competência para produzir a legislação penal. Parti-
cularmente no Brasil, essa competência é exclusiva da União, nos termos do
art. 22, I, da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988). O atual Código
Penal Brasileiro foi instituído por um decreto-lei (espécie normativa que não
existente na atual ordem constitucional), sendo recepcionado pela Constituição
Federal como se fosse lei ordinária.
Portanto, leis ordinárias e leis complementares (dentro dos temas aos
quais são limitadas) poderão fixar normas penais. Isso também ocorre com
os tratados e convenções internacionais, que necessitam ser incorporados à
legislação brasileira mediante recepção do Congresso Nacional, momento em
que passam a ter o status de lei.

Os costumes são regras não legisladas — não escritas — consideradas


obrigatórias em determinada sociedade. Constituem-se mediante a conduta
reiterada e costumeira (elemento objetivo) e a convicção de obrigatoriedade
pelos cidadãos (elemento subjetivo). Você deve notar que costume é diferente
de hábito: este último não tem um status de obrigação. Observe o Quadro 1
para conhecer as classificações dos costumes.
14 O conceito, a classificação e as características da norma penal brasileira

Quadro 1. Classificação dos costumes.

Costume que auxilia na interpretação da lei, sem


contrariar ou preencher a lacuna existente. Exemplo:
ato obsceno, conceito dos costumes, auxiliando a
Secundum legem interpretação do crime tipificado no art. 233 do CP
(costume (BRASIL, 1940). Veja: “Art. 233. Praticar ato obsceno em
interpretativo) lugar público, ou aberto ou exposto ao público: Pena
– detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa”.
O conceito de ato obsceno depende dos costumes
do local onde ocorre o fato delituoso.

Confronta-se com a lei.


O costume contra legem não tem o
condão de tornar sem efeitos a lei.
Contra legem
Mesmo em descompasso com a realidade histórico-
(costume
cultural, não há como cogitar a sua revogação.
contrário à lei)
Uma lei só pode ser outra lei (princípio da
continuidade das leis — art. 2º da Lei de Introdução
às Normas do Direito Brasileiro) (BRASIL, 1942).

Serve para suprir lacunas da lei.


Praeter legem
Só pode ser usado em benefício do agente.
(costume supletivo
Não pode suprir lacunas legais com costumes
ou integrativo)
para incriminar condutas ou agravar penas.

Fonte: Lewis (1997).

O art. 22, parágrafo único, da CF (BRASIL, 1988) prevê a possibilidade de a União


delegar aos estados membros competência para legislar de forma complementar
sobre as matérias previstas no inciso I do citado artigo, e entre elas se encontra-se
o direito penal.
Sobre o item, ensina Nucci (2012, p. 57): “[...] visando à regionalização de determinadas
questões penais, seria admissível que a União autorizasse o Estado a construir um
tipo penal incriminador, prevendo delito peculiar a certa parte do País”. Porém, até o
momento não há qualquer autorização da União nesse sentido. Você deve considerar,
assim, que normas penais não poderão ser veiculadas por legislação estadual, ainda
que possuam abrangência apenas local (no âmbito do estado criador).
O conceito, a classificação e as características da norma penal brasileira 15

Os princípios, enquanto fontes do direito penal, mantêm seu caráter de


auxílio na interpretação das leis, não podendo criar crimes ou agravar penas.
É inegável que os princípios inerentes ao direito penal, sejam eles implícitos
ou explícitos, têm força impositiva quando exercem o papel de normas não
incriminadoras.
A doutrina nada mais é do que o exercício filosófico dos autores, resul-
tando em produção científica técnica específica. Há quem diga que nos dias
atuais a doutrina não é mais capaz de ser fonte da norma penal, uma vez que
não a cria, somente a interpreta. Entretanto, há quem ressalte que interpretar
também é uma forma de criar.
Já a jurisprudência é o resultado da aplicação das leis e dos princípios aos
casos apresentados perante os tribunais reiteradamente. Mirabete e Fabbrini
(2016) dizem que a jurisprudência, assim como a doutrina, não é fonte de
direito, limitando-se a uma forma de interpretação da norma.
Por sua vez, Luiz Flávio e Antônio García-Pablos de Molina (apud GOMES,
2007) defendem ser a jurisprudência fonte do direito penal. Argumentam que:

A decisão reiterada dos juízes e tribunais num determinado sentido forma


a jurisprudência, que muitas vezes não só é fonte formal do Direito como
inclusive “criadora” dele [...]. É lógico que não é uma posição ortodoxa
afirmar que o juiz “cria” o Direito, porém, na prática, é isso o que ocorre
(muitas vezes) e inclusive é legítima essa função do juiz, desde que ele
atue no âmbito do vazio legislativo (para suprir suas lacunas) (FLÁVIO;
MOLINA, 2007).

Conceito de direito penal


Você sabe se o correto é direito penal ou direito criminal? Zaffaroni e Pie-
rangeli (2006) afi rmam que o direito penal trata, de um lado, do conjunto
de leis penais e, de outro, da interpretação dessa legislação. Já para Welzel,
direito penal é a fração do ordenamento jurídico que fi xa características
de uma ação criminosa, aplicando ao agente do fato penas ou medidas de
segurança. Conforme Masson (2014), trata-se do “[...] conjunto de princípios
e leis destinados a combater o crime e a contravenção penal, mediante a
imposição de sanção penal”. Nucci (2008) assevera ser um “[..] conjunto de
normas jurídicas voltado à fi xação dos limites do poder punitivo do Estado,
instituindo infrações penais e sanções correspondentes, bem como regras
atinentes a sua aplicação”.
16 O conceito, a classificação e as características da norma penal brasileira

Em suma, os entendimentos sobre o conceito do direito penal são seme-


lhantes, como você pode ver na Figura 3.

Figura 3. Conceitos de direito penal.

Porém, o direito penal não se resume à descrição mostrada na Figura 3.


Ele possui diversas nuances de acordo com as suas ramificações de intenções,
como você pode ver a seguir.

 Formal ou estático: normas que classificam atos humanos indesejados


como infração penal, delimitando os agentes e estabelecendo sanções.
 Material: comportamentos de alta reprovabilidade, que atentam contra
o desenvolvimento e a manutenção social.
 Sociológico ou dinâmico: instrumento de controle social para garantir
a disciplina que torna possível a manutenção do convívio social.

Doutrinariamente, é consenso a necessidade de regras que estipulam di-


retrizes comportamentais para a conservação da convivência em sociedade.
Desrespeitadas essas normativas de conduta é que surge para o Estado o dever
de impor sanções, enquanto guardião do pacta sunt servanda. Assim, o direito
penal é um meio de controle social, assim como os demais ramos do direito.
A função basilar do direito penal é identificar condutas humanas inde-
sejadas. O direito penal analisa as condutas humanas indesejadas, seleciona
aquelas que devem constituir crimes ou contravenções e comina as respectivas
sanções, ocupando-se da infração penal enquanto norma (exemplo: reputa como
crime a prática de estupro). Assim, ele tem por objetivo a proteção dos bens
jurídicos identificados como importantes para a continuidade da sociedade.
Ou seja, a sanção não é a finalidade do direito penal, ela é o meio para alcançar
a proteção das tutelas pelo Estado (MASSON, 2014).
Mirabete (1991) diz que o direito penal, enquanto ciência jurídica, tem
caráter dogmático — já que se fundamenta pelo direito positivo —, exigindo
O conceito, a classificação e as características da norma penal brasileira 17

o cumprimento das normas. É preciso evitar, contudo, o excesso de dogma-


tismo, já que a lei e a sua aplicação, pelo íntimo contato com o indivíduo e
a sociedade, exigem observação da realidade, de suas manifestações e das
exigências sociais, bem como da evolução dos costumes (MIRABETE,
1991). As fontes formais do direito penal são divididas como você pode
observar na Figura 4.

Figura 4. Fontes formais do direito penal.

Para além disso, a doutrina apresenta inúmeras classificações do direito


penal. As classificações das velocidades do direito penal, por exemplo, foram
elaboradas por Silva Sánchez (2002). Veja algumas delas no Quadro 2.

Quadro 2. Classificações do direito penal.

Comum Subdivide-se em fundamental e complementar.

De legislação especialmente direcionada (Lei


Especial
de Tóxicos, Estatuto do Desarmamento).

Corresponde ao direito penal material.


Substantivo
Trata do crime em si e de sua pena.

Objetivo É o conjunto de leis penais em vigor.

(Continua)
18 O conceito, a classificação e as características da norma penal brasileira

(Continuação)

Quadro 2. Classificações do direito penal.

É o direito de punir do Estado.

Direito penal subjetivo positivo: capacidade


de criar e executar normas penais.
Subjetivo
Direito penal subjetivo negativo: poder de
restringir o alcance das normas penais (controle
concentrado de constitucionalidade).

Corresponde ao direito processual


penal (classificação que existia quando
Adjetivo
o direito processual era apenas
acessório de direito material.

Para atender às demandas de criminalização,


Direito penal de criam-se normas de opressão a fim de devolver
emergência (cultural) o sentimento de tranquilidade para sociedade
(exemplo: Lei dos Crimes Hediondos).

Execução penal — Lei nº 7.210,


Processo penal
de 11 de julho de 1994.

Lei das Contravenções Penais — Decreto-


Direito contravencional
-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941.

Crimes graves penalizados com pena


Direito penal de privativa de liberdade, com processo
primeira velocidade complexo em razão dos direitos e garantias
processuais não flexibilizados.

Infrações menos graves, que não geram


Direito penal de penas privativas de liberdade.
segunda velocidade Permite a flexibilização dos direitos
e garantias processuais.

Mescla as duas primeiras: nos crimes com


Direito penal de
pena privativa de liberdade, as garantias
terceira velocidade
processuais podem ser flexibilizadas.

Fonte: Adaptado de Silva Sánchez (2002).


O conceito, a classificação e as características da norma penal brasileira 19

No link a seguir, leia o texto A criminologia no Brasil ou como tratar desigualmente os


desiguais, sobre a estruturação da política criminal brasileira:

https://goo.gl/URddeM

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.


Brasília, DF, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/
constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 14 dez. 2016.
BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Brasília, DF, 1940.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.
htm>. Acesso em: 08 abr. 2018.
BRASIL. Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às normas
do Direito Brasileiro. Brasília, DF, 1942. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/decreto-lei/Del4657compilado.htm>. Acesso em: 08 abr. 2018.
BRASIL. Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito Brasileiro.
Brasília, DF, 1997. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/leis/L9503.
htm>. Acesso em: 08 abr. 2018.
CAPEZ, F.; PRADO, S. Código penal comentado. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
CARRARA, F. Programa do curso de direito criminal: parte geral. Campinas: LZN, 2002. v. 1.
COSTA JÚNIOR, P. J. Curso de direito penal. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
FRAGOSO, H. C. Lições de direito penal: parte geral. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.
GARLAND, D. As contribuições da “sociedade punitiva”: o caso britânico. Discursos
Sediciosos, Rio de Janeiro, ano 7, n. 11, jun. 2002.
GOMES, L. F. Princípio da ofensividade no direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002.
GOMES, L. F.; MOLINA, A. G.-P. Direito penal: fundamentos e limites. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2007. v. 1.
HUNGRIA, N. Comentários ao código penal: decreto-lei nº 2.848, de 07 de dezembro
de 1940. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958-1959.
20 O conceito, a classificação e as características da norma penal brasileira

LYRA, R. Introdução ao estudo do direito criminal. Rio de Janeiro: Nacional de Direito, 1946.
MALINOWSKI, B. Crime e costume na sociedade selvagem. Brasília, DF: UnB, 2003.
MASSON, C. Código penal comentado. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
MIRABETE, J. F. Processo penal. São Paulo: Atlas, 1991.
MIRABETE, J. F.; FABBRINI, R. N. Manual de direito penal. São Paulo: Atlas, 2016.
NUCCI, G. S. Manual de direito penal e execução penal. 4. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2008.
NUCCI, G. S. Princípios constitucionais penais e processuais penais. 2. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2012.
PIERANGELI, J. H. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. Bauru: Javoli, 1980.
ROXIN, C. Política criminal y sistema del derecho penal. Barcelona: Bosch, 1972.
SILVA SÁNCHEZ, J. M. A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas
sociedades pós-industriais. Trad. Luíz Otávio de Oliveira Rocha. São Paulo: RT, 2002.
ZAFFARONI, E. R.; PIERANGELI, J. H. Manual de direito penal brasileiro: volume 1: parte
geral. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

Leituras recomendadas
ALVAREZ, M. C. A criminologia no Brasil ou como tratar desigualmente os desiguais.
Dados, v. 45, p. 677-704, 2002. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=
S001152582002000400005&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: 10 abr. 2018.
BRASIL. Código Criminal do Imperio do Brasil. Rio de Janeiro, 1831. Disponível em:
<http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_obrasraras/bndigital0297/
bndigital0297.pdf>. Acesso em: 13 abr. 2018.
DINAMARCO, C. R. A instrumentalidade do processo. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1999.
NEGREIROS, T. P. A. T. Fundamentos para uma interpretação constitucional do princípio
da boa-fé. Rio de Janeiro: Renovar, 1998.
ROSENVALD, N. Dignidade humana e boa-fé no código civil. São Paulo: Saraiva, 2005.
SILVA, J. A. Curso de direito constitucional positivo. 35. ed. São Paulo: Malheiros, 2012.
Dica do professor
Não é segredo para ninguém que o direito de um país sempre encontra algum paralelo no direito de
outros. O estudo comparado é, inclusive, uma das formas de se desenvolver a pesquisa científica
em direito. Assim, não à toa, estuda-se a evolução de determinado ramo do direito em outros
países para observar as similaridades e as diferenças entre aquele e o direito brasileiro. É o que
ocorre com o Direito Penal. Alguns fatos sobre a história do Direito Penal mundial são de grande
importância para a compreensão do surgimento e da consolidação do Direito Penal brasileiro.

Afinal, a ideia de punição por atos considerados contrários à vida em sociedade remonta à própria
origem da sociedade, tendo caminhado junto com a evolução da vida em comum. Ademais, o
direito pátrio bebe da fonte de diversos outros países, especialmente dos europeus, o que torna
ainda mais relevante o conhecimento comparado.

Nesta Dica do Professor, você vai conhecer um pouco mais da história do Direito Penal em alguns
países europeus.

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Exercícios

1) Fonte significa nascedouro, origem, lugar de procedência do qual se origina algo. Todo ramo
do direito tem as suas fontes, o que não seria diferente com o Direito Penal. Via de regra, há
as fontes formais e as fontes materiais ou imediatas e mediatas, respectivamente.

Assinale a alternativa que apresenta apenas fontes imediatas do Direito Penal.

A) Lei, costumes, Constituição Federal e jurisprudência.

B) Lei complementar, jurisprudência e portarias ministeriais.

C) Decreto, costume e jurisprudência.

D) Lei, lei complementar, Constituição Federal e lei ordinária.

E) Jurisprudência, costumes e doutrina.

2) Leia o trecho a seguir, extraído do Código de Trânsito Brasileiro (Lei n.o 9.503/1997):

“Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que
determine dependência: Infração — gravíssima; Penalidade — multa (dez vezes) e suspensão
do direito de dirigir por 12 (doze) meses. Medida administrativa — recolhimento do
documento de habilitação e retenção do veículo, observado o disposto no § 4o do art. 270
da Lei n.o 9.503, de 23 de setembro de 1997 — do Código de Trânsito Brasileiro” (BRASIL,
1997, on-line).

Trata-se de tipo penal diretamente influenciado por um princípio comumente associado aos
delitos de trânsito. Qual é esse princípio?

A) Princípio da ofensividade.

B) Princípio da culpabilidade.

C) Princípio da confiança.

D) Princípio da reserva legal.

E) Princípio da proporcionalidade.
3) Sobre as fontes do Direito Penal, leia o excerto a seguir:

“Fonte, no seu sentido mais amplo, quer dizer lugar de procedência, de onde se origina
alguma coisa. O Direito Penal, como não poderia deixar de ser, também tem suas fontes”
(GRECO, 2022, p. 82).

Dessa forma, por fontes do Direito Penal é possível entender o seu nascedouro, tal como as
fontes das águas, sendo o local de onde se originam as normas penais. São fontes do Direito
Penal:

I. Doutrina
II. Lei
III. Jurisprudência
IV. Atos administrativos

Estão corretos os itens:

A) I, II e III.

B) I, II e IV.

C) II, III e IV.

D) I, III e IV.

E) I, II, III e IV.

4) O Direito Penal, em se tratando do ramo do direito responsável pelas reprimendas mais


graves, tem uma grande missão. Afinal, a privação da liberdade de outrem de forma legítima
deve encontrar uma justificativa à altura. Sobre o tema, leia o trecho a seguir:

“A missão do Direito Penal é proteger os valores fundamentais para a subsistência do corpo


social, tais como a vida, a saúde, a liberdade, a propriedade etc.” (CAPEZ, 2022, p. 24).

A partir da leitura do excerto, é possível apontar como missão imediata do Direito Penal:

A) tutela dos bens jurídicos essenciais para o convívio em sociedade

B) manutenção da sociedade.

C) limitação do direito de punir do Estado.

D) limitação do controle do Estado.


E) criação de leis.

5) Leia o trecho a seguir, em que Rogério Greco conceitua uma característica de um princípio
de Direito Penal:

“Ninguém pode ser punido por aquilo que pensa ou mesmo por seus sentimentos pessoais.
Não há como, por exemplo, punir a ira do agente ou mesmo a sua piedade. Se tais
sentimentos não forem exteriorizados e não produzirem lesão a bens de terceiros, jamais o
homem poderá ser punido por aquilo que traz no íntimo do seu ser. Seria a maior de todas as
punições” (GRECO, 2022, p. 119).

O doutrinador está conceituando um princípio penal cuja finalidade é proibir que se puna o
pensamento/sentimento humano. É dizer que, para ser punível, a conduta precisa ser
exteriorizada, aparecendo efetivamente no mundo real.

O princípio conceituado pelo doutrinador é:

A) princípio da confiança.

B) princípio da reserva legal.

C) princípio da lesividade.

D) princípio da insignificância.

E) princípio da ofensividade.
Na prática
Ao estudar os princípios do Direito Penal, percebe-se certa abstração na aplicabilidade deles no
mundo jurídico. Entretanto, à jurisprudência — como fonte mediata penal — cabe interpretar e
aplicar a lei penal ao caso concreto. O princípio da ofensividade exige que a conduta tenha algum
tipo de impacto na manutenção da vida em sociedade e o princípio da insignificância trata das
exceções à aplicação da norma penal.

Confira, Na Prática, um julgamento em que é possível ver a funcionalidade de dois princípios, o da


ofensividade e o da insignificância.
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Saiba +
Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor:

Os impactos das escolas penais na metodologia da pesquisa


jurídica do fenômeno criminal
Será que as pesquisas jurídicas levaram à criação das escolas do Direito Penal ou foi o contrário?
Como as escolas do Direito Penal influenciam as pesquisas jurídicas? Já parou para pensar nessa
relação? É extremamente necessário lançar um olhar crítico sobre ela, haja vista que as escolas
inevitavelmente influenciarão a criação das normas de Direito Penal. Neste artigo, você vai conferir
um debate sobre o assunto.

Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar.

A nova faceta do direito à intimidade no meio ambiente digital:


a tipificação do revenge porn
No decorrer do tempo, com as mudanças da sociedade, surgiu a necessidade de modificar as
normas penais. Esse é um movimento contínuo que nunca cessará, já que a sociedade segue em
constante modificação. Na atualidade, isso fica totalmente evidente com a revolução tecnológica, o
que gera a necessidade de o Direito Penal olhar para esse novo campo de interação social, que, por
conseguinte, é um novo ambiente para a prática de crimes. Neste artigo, você vai ver uma das
novas condutas praticadas pela internet que merecem a tutela penal.

Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar.

A aplicação do princípio da ofensividade no ordenamento


jurídico brasileiro
Há parte da doutrina que não faz distinção entre os princípios da lesividade e o da ofensividade. De
toda forma, princípio da ofensividade é extremamente importante para o Direito Penal, pois
funciona como um limitador do poder punitivo do Estado. Neste artigo, você vai aprender um
pouco mais sobre esse assunto.

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