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UNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANE

FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE DOUTORAMENTO

O PLURALISMO JURÍDICO
NA CONSTITUIÇÃ O MOÇAMBICANA

Relató rio do Seminá rio de Teoria do Direito

João André Ubisse Guenha


3

Maputo, 2009
4

ÍNDICE

INTRODUÇÃO...................................................................................................................4
CAPÍTULO I.......................................................................................................................9
O PLURALISMO NA TEORIA GERAL...........................................................................9
1. O pluralismo político...................................................................................................9
2. O pluralismo jurídico no Estado Medieval................................................................12
3. O Estado Moderno: o monismo e o positivismo jurídicos........................................12
4. A crise do paradigma do positivismo jurídico...........................................................16
CAPÍTULO II....................................................................................................................18
O PLURALISMO JURÍDICO NA HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE.............................18
1. O pluralismo jurídico no período colonial.................................................................18
2. O período pós-independência....................................................................................24
2.1. O monismo jurídico na Constituição de 1975....................................................24
2.2. O pluralismo na Constituição de 1990................................................................26
CAPÍTULO III...................................................................................................................28
O PLURALISMO JURÍDICO NA CONSTITUIÇÃO VIGENTE...................................28
1. Considerações gerais.................................................................................................28
2. Objecto e âmbito do princípio pluralismo jurídico....................................................28
3. Os sistemas jurídicos consuetudinários.....................................................................30
CAPÍTULO IV..................................................................................................................33
OS LIMITES AO PRINCÍPIO DO PLURALISMO JURÍDICO......................................33
1. Enunciado geral do problema....................................................................................33
2. Princípios e valores constitucionais...........................................................................34
2.1. Princípios constitucionais...................................................................................34
2.2. Valor, valores do Direito e valores constitucionais............................................36
2.2.1. Noção de valor.............................................................................................36
2.2.2. Os valores do Direito...................................................................................37
2.2.3. Os valores constitucionais...........................................................................39
3. A concretização dos limites ao princípio do pluralismo jurídico..............................41
3.1. O «silêncio dos valores» na Constituição de 2004.............................................41
3.2. Os princípios fundamentais na Constituição de 2004.........................................43
3.3. A interpretação do artigo 4 da Constituição.......................................................50
CONCLUSÃO...................................................................................................................58
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..............................................................................60
5

INTRODUÇÃO

O presente estudo versa sobre o pluralismo jurídico na Constituição de 2004, com


referência específica aos limites que a mesma impõe ao reconhecimento dos sistemas
jurídicos e de resolução de conflitos não oficiais coexistentes na sociedade moçambicana,
em particular os sistemas tradicionais.
O pluralismo jurídico constitui uma das várias manifestações do fenómeno do
pluralismo em geral, e traduz-se na multiplicidade de práticas jurídicas que convivem
num mesmo espaço sociopolítico, práticas que envolvem conflitos ou consensos,
podendo revestir-se de carácter oficial ou não oficial e encontrando a sua razão de ser nas
necessidades existenciais, materiais e culturais.
Neste estudo, a abordagem do pluralismo jurídico em Moçambique parte do
período colonial, que se se caracteriza pela coexistência do Direito colonial e as
instituições jurídicas tradicionais autóctones, situação que se alterou com o quadro
constitucional do Estado moçambicano que emergiu da independência nacional, marcado
por uma certa concepção monista do poder e do Direito.
Com efeito, a Constituição de 1975 instituiu o “Estado de democracia popular”
visando a «...construção de uma nova sociedade, livre de exploração do homem pelo
homem» (artigo 2, § 1º). O significado da expressão “nova sociedade” foi clarificado na
revisão constitucional de 1978, ao se inserir no quadro dos objectivos fundamentais do
Estado «...a construção das bases material e ideológica da sociedade socialista» (artigo 4,
§ 5º). [o bold é nosso]. A referida base ideológica da sociedade socialista consistia,
precisamente, no marxismo-leninismo, sistema filosófico em que assentam os ideais do
socialismo científico e do regime político totalitário conhecido como “ditadura do
proletariado”. O acolhimento deste regime político na Constituição de 1975 manifestava-
se, sobretudo, através da consagração do sistema de partido único, à luz do qual competia
em exclusivo à FRELIMO, na qualidade de «força dirigente do Estado e da sociedade»,
traçar a orientação política do Estado (artigo 3).
Os objectivos do Estado fixados pela Constituição incluíam «a eliminação das
estruturas de opressão e de exploração coloniais e tradicionais e da mentalidade que lhes
está subjacente» (art. 4, § 1º). No fundo, esta disposição identificava, quanto à sua
natureza, as estruturas tradicionais com as estruturas coloniais, ao qualificar ambas como
6

de “opressão e de exploração”, razão que justificava a rejeição das instituições da


sociedade tradicional, incluindo o Direito consuetudinário em que se baseiam.
O Estado de democracia popular, bem como o regime político totalitário que lhe
era subjacente, foi abolido pela Constituição de 1990, que determinou a transição para o
Estado de Direito Democrático e pluralista. A nova Constituição concretizava a ideia do
pluralismo, nomeadamente, através da vinculação do Estado à prossecução do objectivo
fundamental da «afirmação da personalidade moçambicana, das suas tradições e demais
valores socioculturais» (art. 6, al. g); do reforço de garantias das liberdades de expressão
e de associação (arts. 74 e 76), bem como do reconhecimento da liberdade de constituição
de partidos políticos (art. 77).
A Constituição aprovada em 16 de Novembro de 2004, em vigor desde 21 de
Janeiro de 2005, explicita no art. 3 a opção pelo Estado de Direito democrático e
pluralista, concretizando o princípio do pluralismo em várias outras disposições
constitucionais, nomeadamente o art. 4 que consagra o pluralismo jurídico nos seguintes
termos:
«O Estado reconhece os vários sistemas normativos e de resolução de
conflitos que coexistem na sociedade moçambicana, na medida em que
não contrariem os valores e os princípios fundamentais da
Constituição».
É precisamente este o princípio que constitui o objecto do presente estudo, cuja
finalidade consiste em determinar o significado e alcance dos «valores e princípios
fundamentais da Constituição» que devem ser considerados como limites materiais ao
reconhecimento do pluralismo jurídico.
Na génese da pesquisa está o problema de saber o que se deve entender, no
contexto do sistema constitucional moçambicano, por «valores e princípios
fundamentais», e em que medida os mesmos limitam materialmente o âmbito de eficácia
do princípio do pluralismo jurídico.
A delimitação dos conceitos de valores fundamentais e princípios fundamentais é
condição sine qua non da aplicação correcta do princípio do pluralismo jurídico,
conforme vem preconizado no artigo 4 da Constituição de 2004, e essa delimitação
requer uma cuidadosa interpretação desta norma, baseada, sobretudo, nos princípios
hermenêutico constitucionais da força normativa, da máxima efectividade e do efeito
7

integrador da Constituição. A interpretação tem de ser cuidadosa visto que entre os


«vários sistemas jurídicos e de resolução de conflitos», referidos no art. 4 da
Constituição, sobressaem os sistemas tradicionais, que têm a especificidade de
assentarem, na sua generalidade, em padrões de valores essencialmente distintos dos que
inspiram a Constituição, sabido que esta se baseia, principalmente, em concepções
filosóficas e jurídicas do constitucionalismo moderno ocidental.
O confronto de certos valores da tradição africana com os valores e princípios
fundamentais da Constituição pode, quando feito sem a devida ponderação, resultar na
invalidade dos sistemas jurídicos tradicionais, o que se traduziria numa grave restrição do
âmbito de eficácia do próprio princípio constitucional do pluralismo jurídico.
A pesquisa parte da hipótese de que a validade dos «sistemas jurídicos e de
resolução de conflitos», reconhecidos nos termos do art. 4 da Constituição, em particular
dos sistemas jurídicos tradicionais, deve aferir-se não em função da totalidade dos
«valores e princípios fundamentais da Constituição», mas tão-somente à luz dos que
informam o núcleo essencial da Constituição material, sobretudo aqueles que se acham
directa e imediatamente conexos com a dignidade da pessoa humana.
Em termos gerais, pretende-se com a presente pesquisa examinar o pluralismo
jurídico como fenómeno universal e como princípio positivado na Constituição
moçambicana. Este desiderato será alcançado através dos seguintes objectivos
específicos:
a) Definir a noção de pluralismo em geral e na perspectiva jurídica em
particular;
b) Examinar a evolução histórica do fenómeno do pluralismo jurídico em
Moçambique;
c) Delimitar o âmbito material de aplicação do princípio constitucional
do pluralismo jurídico;
d) Discutir os critérios de interpretação e concretização dos limites
constitucionais ao princípio do pluralismo jurídico.
O tema da pesquisa tem relevância porquanto a sua abordagem poderá fornecer
subsídios teóricos e práticos para uma melhor compreensão do fenómeno do pluralismo
jurídico como realidade sociocultural e como princípio positivado no Direito
constitucional moçambicano. A actualidade e oportunidade do tema prendem-se com a
8

recente consagração expressa do princípio do pluralismo jurídico pela Constituição de


2004. A novidade coloca desafios aos intérpretes e aplicadores do Direito constitucional
no, chamados a clarificar dúvidas e ultrapassar incertezas que se prendem com a
concretização dos limites impostos ao mesmo princípio nos termos da Constituição.
Resulta, pois, necessária a busca de critérios que conduzam à resolução de antinomias, no
plano axiológico, entre a ordem constitucional e os sistemas jurídicos nãos estatais, em
especial os tradicionais, no momento da aplicação do princípio do pluralismo jurídico
Razões de ordem objectiva e subjectiva determinaram a escolha do tema. É
notório, na actualidade, o incremento da preocupação de cultores das ciências sociais,
incluindo a ciência jurídica, em explicar o fenómeno do pluralismo jurídico nas
sociedades contemporâneas, face ao enfraquecimento dos pressupostos filosóficos e
teóricos do positivismo jurídico e da inerente concepção monista da exclusividade do
Direito positivo criado e imposto pelo Estado. Esta preocupação não pode ser alheia aos
sociólogos, antropólogos, politólogos e juristas moçambicanos, havendo, localmente,
algumas pesquisas publicadas sobre a matéria, mas que, na sua maioria, tendem para
perspectivas não propriamente da ciência jurídica.
O interesse especial dos juristas moçambicanos sobre o tema em apreço vem-se
revelando com maior notoriedade a partir da consagração expressa do princípio do
pluralismo jurídico pela Constituição de 2004, por conseguinte são ainda escassas em
Moçambique as abordagens do tema na perspectiva do Direito constitucional.
A circunstância de autor exercer a docência universitária nas áreas de Ciência
Política e de Direito Constitucional, há pouco mais de uma década, constitui a motivação
subjectiva desta pesquisa, pois os seus resultados poderão representar um singelo
contributo no processo de formação das novas gerações de juristas moçambicanos,
processo em que tem participado como agente facilitador.
O referencial teórico da pesquisa consiste, principalmente, a obra de ANTÓNIO
CARLOS WOLKMER, publicado em 2001, sob o título Pluralismo Jurídico:
Fundamentos de uma nova cultura no Direito. Neste livro o autor aborda o que considera
como situação de crise e esgotamento do paradigma do monismo jurídico estatal,
decorrente da sua incapacidade de responder de forma satisfatória e eficaz às demandas
político-sociais de segurança e certeza no actual estágio de evolução das sociedades
complexas e conflituais de massas, e revela que face à essa situação se impõe como
9

condição básica a demarcação de um novo fundamento de validade para o mundo


jurídico, um paradigma que incida inexoravelmente no reconhecimento de novas formas
de acções participativas.
O método de pesquisa radica no modelo epistemológico da abordagem qualitativa
e na combinação dos métodos hipotético dedutivo, hermenêutico jurídico, dialéctico e
fenomenológico. O procedimento de pesquisa compreende o método histórico e o método
monográfico. As técnicas e instrumentos de investigação que se usam consistem na
pesquisa bibliográfica e documental (ENGISCH, 1983; HART, 1961; RICHARDSON,
2008 e SEVERINO, 2007).
A estrutura do relatório compreende quatro capítulos dedicados, o primeiro, à
evolução histórica do fenómeno do pluralismo jurídico em Moçambique; o segundo, ao
enquadramento teórico do pluralismo em geral e do pluralismo jurídico em especial, o
terceiro, ao princípio do pluralismo jurídico na Constituição de 2004 e, o quarto, à
discussão do problema dos limites ao princípio do pluralismo jurídico.
A exposição termina com a conclusão, seguida da indicação das referências
bibliográficas.
10

CAPÍTULO I
O PLURALISMO NA TEORIA GERAL

1. O pluralismo político

Sociologicamente, considera-se o pluralismo como um fenómeno presente em


qualquer sociedade, visto que expressa a diversidade de interesses, atitudes, crenças e
culturas, factores de que resultam níveis de identidade e diferenciação, de afinidades e
distanciamentos que se reflectem na formação de agrupamentos de indivíduos, desde os
grupos primários até a divisão do mundo em nações, e ainda em blocos supranacionais 1.
Neste sentido o pluralismo relaciona-se com a ideia de estratificação social, que, segundo
LATAILLADE e RODRIGUEZ2, decorre da diferenciação de situações ou posições
dentro de uma estrutura social determinada.
Na perspectiva histórica, MOREIRA considera a Grécia clássica «como exemplo
de pluralismo político que se manifestou em relação a uma área cultural com
homogeneidade reconhecida», observando que «os critérios que definiam a identidade e
até eventual solidariedade gregas não impediam a multiplicação de interesses que
inspiraram a implantação de uma pluralidade de poderes»3.
Não obstante este entendimento, vários autores consideram a sociedade feudal da
Europa Ocidental como sendo o modelo mais emblemático do pluralismo. Segundo
WOLKMER4, o sistema político feudal caracterizava-se tanto pela descentralização
administrativa como pela fragmentação e pluralismo de centros de decisões. No mesmo
sentido, LATAILLADE e RODRIGUEZ5 mostram que na sociedade feudal o poder
político estava dividido entre diversas entidades, nomeadamente a Igreja, o Imperador, os
Senhores Feudais, as Cidades, e a sociedade estratificava-se conforme um modelo
estamental, ocupando a posição cimeira o Alto Clero e a Nobreza. Entre os Senhores
Feudais e os súbditos e entre aqueles e os Reis estabeleciam-se vínculos jurídicos de

1
TORRES DEL MORAL, António Torres, Estado de Derecho y Democracia de Partidos, 2ª ed., Madrid:
Servicio de Publicaciones de la Facultad de Derecho. Univerversidad Complutense, 2004, p. 91.
2
LATAILLADE, Iñigo Cavero e RODRÍGUEZ, Tomás Zamora, Introdución al Derecho Constitucional
(2ª reimp.), Madrid: Editorial Universitas, 2005, p. 30.
3
MOREIRA, Adriano, Ciência Política, 7ª ed. (reimp.), Coimbra: Almedina, 2003, p. 360.
4
WOLKMER, António Carlos, Pluralismo Jurídico: Fundamentos de uma nova cultura mo Direito, 3ª ed.,
São Paulo: Alfa-Ómefa, 2001, p. 27.
5
LATAILLADE e RODRÍGUEZ, ob cit., p. 67.
11

obediência de tipo pessoal, o que tinha como resultado a ausência de um poder único
definido com capacidade de vincular a universalidade dos habitantes de um território6.
Na teoria política as concepções sobre o pluralismo são variáveis, verifica-se,
porém, um denominador comum entre elas, que consiste na concepção de um modelo de
organização da sociedade em que se reconhecem as diferenças e os particularismos que
identificam os vários grupos que compõem uma comunidade, maxime, o Estado, e que
são portadores de interesses próprios que pretendem fazer vingar reclamando que sejam
devidamente atendidos pelo poder político instituído, numa perspectiva de inclusão social
e política.
O pluralismo no contexto do Estado é considerado como um dos mecanismos de
limitação do poder político, porque, segundo BOBBIO, trata-se da «concepção que
propõe como modelo a sociedade composta de vários grupos ou centros do poder, mesmo
que em conflito entre si, aos quais é atribuída a função de limitar, controlar e contrastar,
até ao ponto de eliminar, o centro do poder dominante, historicamente identificado com o
Estado»7.
O pluralismo é igualmente encarado, de acordo com a perspectiva política, em
conexão com a democracia, visto que esta proporciona a todos os grupos e associações,
que procuram exercer influência política ou social, a oportunidade de se constituírem e
concorrerem uns com os outros para conseguirem o acesso ao poder e à influência 8.
MIRANDA considera que o pluralismo político se traduz «na existência e na livre
formação e comunicação de diferentes ideologias e correntes políticas, ou politicamente
relevantes, bem como na possibilidade de organização dos cidadãos para a crítica dos
governantes e para a sua eventual substituição pacífica». Neste sentido, o pluralismo

6
Cfr. GILISSEN, John, Introdução Histórica ao Direito, 4ª ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
2003, p. 189:- «O feudalismo é caracterizado por um conjunto de instituições das quais as principais são a
vassalagem e o feudo. Nas relações feudo-vassálicas, a vassalagem é o elemento pessoa: o vassalo é um
homem livre comprometido para com o seu senhor por um contrato solene pelo qual se submete ao seu
poder e se obriga a ser-lhe fiel e dar-lhe ajuda e conselho (consiliun auxilim), enquanto o senhor lhe deve
protecção e manutenção». [...] A Europa Ocidental divide-se numa multiplicidade de pequenos senhorios,
na posse de nobres turbulentos, que nenhuma autoridade é capaz de dominar; nenhuma justiça pode
reprimir os seus distúrbios, as suas razias; entre eles a vedetta é a solução normal dos conflitos; a sua força
depende geralmente da dos membros da sua família, do seu clã e da dos seus vassalos”.
7
BOBBIO, Norberto. «Pluralismo», in: Dicionário de Política. Brasília: Editora Universidade de Brasília,
1986, p. 928.
8
ZIPPELIUS, Reinhold, Teoria Geral do Estado, 3ª ed. (portuguesa), Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 1997, p. 297.
12

político «liga-se [...] à liberdade política ou pública [...], é, simultaneamente, resultado da


liberdade e garantia da liberdade política»9.
O sistema pluralista é considerado como antítese do totalitarismo, e «o sistema
totalitário de poder é, ao mesmo tempo, também anticonstitucionalista, por não
reconhecer a separação dos poderes, antiliberal, por não reconhecer nenhuma das formas
tradicionais de liberdade da ingerência do Estado, e antidemocrático, porquanto degrada
o povo à massa inerte e aclamante»10.
Na perspectiva de KUNG CHUAN HSIAO11 o Estado pluralista é aquele em que
«...não existe uma fonte única de autoridade que seja competente em tudo e
absolutamente abrangente, isto é, a soberania, onde não existe um sistema unificado de
direito, nem um órgão central de administração, nem uma vontade política geral. Pelo
contrário, existe aí a multiplicidade na essência e nas manifestações; é um Estado
dividido em partes».
O pluralismo é outrossim encarado como expressão de um movimento de luta
tanto contra a concentração de todo o poder no Estado como contra o atomismo, ou seja,
a concepção que contrapõe o indivíduo singular ao Estado, porquanto considera o
centralismo estatal e o individualismo como duas faces da mesma moeda, na medida em
que os dois fenómenos «...tendem a marginalizar ou até mesmo a eliminar as formações
sociais que ocupam o espaço intermédio entre os dois pólos extremos do indivíduo e do
Estado»12.
Portanto, a luta do movimento pluralista pretende fazer vingar «...a concepção de
uma sociedade articulada em grupos de poder que se situem, ao mesmo tempo, abaixo do
Estado e acima do indivíduo, e, como tais, constituem uma garantia contra o poder
excessivo do Estado, por um lado, e, por outro, uma garantia do Estado contra a
fragmentação individualista»13.

9
MIRANDA, Jorge, Ciência Política: Formas de Governo, Lisboa: Pedro Ferreira-Editor, 1996, p. 83.
10
BOBBIO, ob. cit., p. 928.
11
Apud BOBBIO, ob. cit., p. 928.
12
BOBBIO, ob. cit., p. 928.
13
Idem, p. 928.
13

2. O pluralismo jurídico no Estado Medieval

Ao corporativismo social e à descentralização política no Estado Medieval


correspondia um pluralismo jurídico, isto é, um sistema jurídico múltiplo e
consuetudinário assente na hierarquia de privilégios e nas regalias nobiliárquicas 14. Esta
situação é descrita por LATAILLADE E RODRIGUEZ 15 como «uma profusão de normas
jurídicas dispersas e diversas» que vinculam distintos destinatários, o que implica, por
vezes, «...a existência de diferentes jurisdições». Para DALLARI a multiplicidade de
ordens jurídicas no Estado Medieval compreendia «a ordem imperial, a ordem
eclesiástica, o direito das monarquias inferiores, um direito comunal [...], as ordenações
dos feudos e as regras estabelecidas no fim da idade média pelas corporações de ofício»16.

3. O Estado Moderno: o monismo e o positivismo jurídicos

A desagregação do feudalismo na Europa Ocidental, entre os séculos XVI e XVII,


deu lugar ao processo de formação gradual do Estado Moderno que, na sua primeira fase,
tomou a configuração de Estado Absolutista. Este tipo de Estado baseia-se, teoricamente,
nas concepções de «soberania política», então defendidas por pensadores como JEAN
BODIN e THOMAS HOBBES, os arquitectos filosóficos do «governo absoluto» que se
baseia, conforme sintetiza MORROW17, na suposição de que «...os sistemas de governo
eficazes requerem um árbitro final», isto é, o soberano que tem a responsabilidade
exclusiva de criar e de fazer cumprir corpos legislativos visando manter a ordem.
O Estado Absoluto, enquanto instância única, soberana e centralizada,
monopoliza a criação do Direito, facto que representa a passagem da situação do

14
WOLKMER, ob. cit. p. 28.
15
Ob. cit., p. 67.
16
DALLARI, Dalmo de Abreu, Elementos de Teoria Geral do Estado, 25ª ed., São Paulo: Saraiva, 2005,
p.70. Caracterizando o pluralismo jurídico medieval, Gilissen afirma que o direito ficou restringido às
relações feudo-vassálicas e às relações dos senhores com os servos dos seus domínios, ou seja, a laços de
dependência de homem para homem. Toda a organização estatal desapareceu. Ao mesmo tempo, assiste-se
a uma obediência cultural. O costume é a única fonte do direito laico. Permanece todavia o direito
canónico, o único direito escrito da época, mas rege apenas as relações entre eclesiáticos (privileginum fori)
e alguns domínios, sobretudo o casamento. O costume varia de uma aldeia para a aldeia. Há pois uma
infinidade de costumes locais mais ou menos diferentes uns dos outros. A justiça é feita, a maior parte das
vezes, apelando para Deus, com ajuda de ordáculos ou de duelos judiciários. Em fim, a maior parte das
relações entre os homens, que nascem das convenções próprias das instituições feudo-vassálicas, são
regidas pelo costume que fixam as obrigações de uns e de ouros. (Introdução Histórica ao Direito, ob. cit.,
pp. 190 e 191).
17
MORROW, John, História do Pensamento Político Ocidental, (ed. portuguesa), Mem Martis:
Publicações Europa-América, 2007, p. 270.
14

pluralismo jurídico medieval para o monismo jurídico, doutrinalmente ligado ao


pensamento de Hobbes, considerado como o primeiro a identificar o Direito como o
Direito do soberano e o Direito estatal como o Direito legislado 18. Neste sentido, o
Direito Moderno, para além de ser o produto exclusivo de manifestação da vontade
soberana do Estado, se revela formalmente por via de uma fonte única, a lei, que se
exprime através de regras gerais, abstractas e dotadas de coercibilidade, que constituem o
Direito Positivo.
As premissas doutrinais do positivismo jurídico são, conforme SCREMIN, as
seguintes19:
a) o direito como facto, não como valor;
b) o direito definido em função do elemento coacção;
c) a teoria da legislação como fonte preeminente do direito;
d) a teoria da norma jurídica;
e) a teoria do ordenamento jurídico;
f) a teoria da interpretação mecaniscista;
g) a teoria da obediência.
Estas premissas podem ser melhor compreendidas a partir da análise feita por
BIGOTTE CHORÃO dos aspectos doutrinais básicos do positivismo jurídico, em
confronto com as concepções fundamentais do jusnaturalismo, baseando-se nos seguintes
elementos: o conceito de direito; as fontes de direito; o método e a epistemologia.
No que concerne ao conceito, o jusnaturalimo concebe o Direito em termos
valorativos, ontológicos e éticos, definindo-o, essencialmente, como «uma ordem de
justiça (ius quia iustum), baseada na razão (imperio rationis) sendo a coacção uma
propriedade e garantia de eficácia da ordenação jurídica». O juspositivismo baseia-se
numa «concepção avalorativa, empírica e técnica do direito», considerando-o,
fundamentalmente, como «comando (ius quia iussum) imposto por uma vontade

18
WOLKMER, ob. cit., p. 50. No mesmo sentido, BIGOTTE CHORÃO revela que «um dos mais notáveis
precursores do positivismo inglês é Hobbes (1588-1679). Teórico do Estado absoluto (Estado-Leviatã) e da
omnipotência do legislador, as suas ideias se caracterizam pelo forte acento estatista e legalista (a lei é um
comando do poder soberano, só o Estado pode fazer leis, as leis são justas porque ditadas pelo poder –
autortias non vertias, facit legem – e nada pode considerar-se injusto se não é contrário à lei) e pelo grande
apego à certeza jurídica, maxime no campo penal (nullum crimen, nula poena sine lege)». (Temas
Fundamentais de Direito, Coimbra: Almedina, 1991, p. 154).
19
SCREMIN, Mayra de Sousa, Do Positivismo Jurídico à Teoria Critica do Direito, [em linha], Buscalegis,
Filosofia, http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewArticle/25427,consultado
em 26. 6.08., p. 151.
15

dominante (ratione imperri; ex intimatione superioris) e tem como elemento constitutivo


essencial a coacção (ius quia coactum)» 20.
No que respeita aos modos de formação e revelação do direito, o jusnaturalismo
admite o recurso a fontes supra-positivas, à luz do entendimento de que o ordenamento
estatal deve acolher amplamente todas as fontes possíveis, nomeadamente o costume e a
equidade, o que não implica ignorar a importância da lei, enquanto acto normativo dos
órgãos do Estado. Porém, a lei deve «...ser objecto de uma obediência esclarecida e,
inclusive, desobedecida, se atenta contra o direito natural». Nestes termos, «o direito não
se confunde com a lei e está para além ou acima dela». Contrapondo-se a esta concepção,
o positivismo jurídico limita o ordenamento às fontes positivas, sobrevalorizando, em
muitos casos, o poder legislativo e a lei, preconizando a sua obediência como um «dever
absoluto ou incondicionado», apresentando, em alguns casos, «...o ordenamento jurídico
caracterizado pela unidade, coerência e completude, expressão da racionalidade e
garantia de certeza», sendo a codificação vista, muitas vezes, como instrumento adequado
à realização desses valores21.
Metodologicamente, o jusnaturalismo defende uma «orientação teleológica e
prudencial», considerando como última finalidade da ordenação jurídica «o justo
concreto», para cujo alcance é permitido recorrer-se «a elementos do direito natural na
interpretação e integração de lacunas e na correcção das normas». A despeito das
variações na sua formulação, as opções metodológicas do positivismo jurídico reflectem,
na sua generalidade, o empirismo do positivismo sociológico, mostrando-se
impermeáveis a influências jusnaturalistas. Neste contexto avulta o modelo metodológico
do «formalismo conceptualista» no qual se encara o juiz, essencialmente, como mero
«aplicador da norma (geral e abstracta) ao caso concreto, segundo processos lógico-
dedutivos e substantivos». O papel da jurisdição, actividade que se considera polarizada
no valor da certeza, «centra-se na averiguação da validade formal das normas e na busca
de soluções dotadas de coerência lógica no plano interno do sistema normativo elevado a
dogma»22.
Finalmente, e na perspectiva epistemológica, o jusnaturalismo supõe uma
estrutura de conhecimento jurídico que integra várias formas do saber, nomeadamente, a

20
BIGOTTE CHORÃO, ob. cit., p. 160.
21
Idem, p. 161.
22
Idem, p. 162.
16

filosofia do direito, a ciência do direito, a casuística jurídica e a decisão prudencial, onde


se prioriza hierarquicamente a filosofia «...enquanto conhecimento total e radical da
realidade, único que nos poderá dar uma definição essencial do direito». Contrariamente,
o positivismo jurídico «...afastou-se da concepção estrutural e perdeu o sentido prático e
prudencial do conhecimento jurídico; rejeitou e desvalorizou a filosofia do direito [...],
mutilou o seu objecto e empobreceu o seu conteúdo e separou-a da ciência do direito e
dos outros ramos do saber jurídico [...]»23.
Os pressupostos ideológicos da moderna doutrina do monismo jurídico são,
segundo WOLKMER24, a estaticidade, a unidade, a positivação e a racionalização que,
por sua vez se traduzem em pricípios.
O princípio da estaticidade corresponde à institucionalização do Direito moderno
como «coerção legitimada por um poder soberano nacional, tendo como característica a
centralização, burocratização e secularização».
O princípio da unidade quer dizer que «o Direito da sociedade moderna, além de
encontrar no Estado a sua fonte nuclear, constitui-se num sistema único de normas
jurídicas integradas, produzidas para regular, em determinado espaço e tempo os
interesses de uma comunidade nacionalmente organizada».
O princípio da positividade traduz a ideia do Direito Positivo como
«representação do Direito posto oficialmente, composto por um conjunto de regras
formais e coercivas, destinadas às condições históricas de um espaço público particular e
autónomo. Pressupõe-se, na positividade jurídica, a existência de um ordenamento
sistemático, rigidamente fechado e completo, a organização centralizada do poder e o
funcionamento de órgãos aptos a assegurar o cumprimento das regras pressupostamente
neutras e universais».
O princípio da racionalização baseia-se na racionalidade formal que pressupõe «a
subordinação e o enquadramento dos meios às regras de comportamento legalmente
oficializadas por autoridades competentes. Neste sentido, as normas são identificadas e
qualificadas como jurídicas pela maneira como são decididas e não pelo seu conteúdo».

4. A crise do paradigma do positivismo jurídico

23
Idem, pp. 163 e 164.
24
WOLKMER, ob. cit., p. 62 e ss.
17

O positivismo jurídico constitui, ainda hoje, uma realidade, não só nos países da
Europa Ocidental, onde a sua formação iniciou-se a partir do século XVI com a
desagregação do Feudalismo, como também em muitos outros Estados contemporâneos,
nomeadamente os Estados Africanos que emergiram a partir dos processos
descolonização, e que herdaram das antigas metrópoles as concepções positivistas do
Direito ou seguiram outras vias para a construção dos respectivos ordenamentos
jurídicos, vias que supõem o centralismo estatal e o monismo jurídico positivista.
A evolução do monismo jurídico obedece, de acordo com WOLKMER25, a quatro
grandes fases ou ciclos, designadamente a formação, a sistematização; o apogeu e a crise
do paradigma. No âmbito do objecto deste estudo, o último ciclo mostra-se como de
maior interesse, e, de acordo com o mesmo autor, teve seu início entre os anos sessenta e
setenta do século XX e tem-se prolonga até a actualidade26.
A crise do paradigma do monismo e do positivismo jurídicos resulta do facto de
que a estrutura normativista do moderno Direito positivo estatal revela-se ineficaz e não
pode atender mais ao universo complexo e dinâmico das actuais sociedades de massa,
que passam por novas formas de produção de capital, por profundas contradições sociais
e por instabilidades que reflectem crises de legitimidade e crises na produção e aplicação
da justiça.
Na perspectiva de BIGOTTE CHORÃO, a referida crise manifesta-se,
nomeadamente, através dos seguintes factores:
«...a consolidação do movimento favorável aos direitos humanos; a doutrina da
natureza das coisas; o recurso aos princípios gerais do direito; a afirmação da
dimensão valorativa da ciência jurídica [...]; a revalorização da função do juiz e
do papel da jurisprudência; o repúdio do formalismo jurídico; a aceitação da
função directiva e promotora do direito, em detrimento da puramente coactiva e
repressiva, com a consequente primazia das normas primárias»27.
Daí a obrigatoriedade de se propor a discussão sobre a “crise dos paradigmas”,
delimitando o espaço de entendimento da crise na esfera específica do fenómeno jurídico.
Neste sentido, a crise no âmbito do Direito significa o esgotamento e a contradição do
paradigma teórico-prático liberal-individualista que não consegue mais dar respostas aos

25
WOLKMER, ob. cit., p. 49 e ss.
26
Idem, p. 58.
27
BIGOTTE CHORÃO, ob. cit., p. 165; cfr. WOLKMER, ob. cit., p. 66 e ss.
18

novos problemas emergentes, favorecendo, com isso, formas diferenciadas que ainda
carecem de um conhecimento adequado».
19

CAPÍTULO II
O PLURALISMO JURÍDICO NA HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE

1. O pluralismo jurídico no período colonial

Moçambique passou por um longo período colonial que, linearmente, tem sido
situado entre 1495 e 1975, sendo este último o ano da proclamação da independência
nacional.
HANS KOHN define o” colonialismo” como:
“«A relationship created when one nation establishes and maintains a
political domination over a geographically external political unit
inhabited by people of any race and at any stage of cultural
development»28.
Por sua vez, GEORGE BALANDIER considera o colonialismo como «a
dominação imposta por uma minoria estrangeira, racial e culturalmente diferente,
apelando a uma superioridade racial (ou étnica) e cultural dogmaticamente afirmadas,
sobre uma minoria autóctone materialmente inferior...».
Entre as características que BALANDIER atribui ao colonialismo destaca-se:
«...o antagonismo nas relações estabelecidas entre as duas sociedades que se
justifica pela instrumentação a que é condenada a sociedade dominada; a
necessidade, para manter a dominação, de recorrer não apenas à força mas
também a um conjunto de pseodo-justificações e de comportamentos
estereotipados...»29.
Na óptica de SANTOS a sociedade colonial é a primeira sociedade moderna
reconhecida como dotada de pluralismo jurídico e nela se identificam facilmente as
ordens jurídicas em presença, os seus espaços de actuação e regular as relações entre elas,
sendo, de um lado, o direito colonial europeu, do outro, os direitos consuetudinários dos
povos nativos30.

28
Citado por PEREIRA, Rui Alberto Mateus. «Uma Ideia do Colonialismo», In: Companhia de
Moçambique-Retratos da África Oriental Portuguesa. http://www.
companhiademocambique.blogspost.com/ [em linha]. Consultado em 25.06.09.
29
Ibidem.
30
SANTOS, Boaventura de Sousa. «Estado Heterogéneo e Pluralismo Jurídico», in: Conflito e
Transformação Social: Uma Paisagem da Justiça em Moçambique, Vol. I, Porto: Edições Afrontamento,
2003, p. 49.
20

Para compreender melhor o pluralismo jurídico da sociedade colonial, interessa


rever as teorias sobre a colonização que identificavam dois modelos distintos de
administração dos povos colonizados. Por um lado, o sistema de administração directa,
baseado na política de assimilação, consistindo no não reconhecimento das organizações
sociais e das autoridades tradicionais dos nativos, substituindo-as integralmente por
instituições organizadas e dirigidas por funcionários administrativos do Estado
colonizador. Por outro lado, o sistema de administração indirecta, também conhecido
como the indirect rule, que consistia no reconhecimento e manutenção das organizações
sociais dos povos colonizados com a sua estrutura e as respectivas chefias tradicionais.

É neste contexto que HERNANDEZ31 mostra que as políticas coloniais foram


definidas, grosso modo, como de assimilação ou de diferenciação, apresentando os
caracteres essenciais de cada um dos modelos.

Assim, segundo a autora, o objectivo da política cultural de assimilação consistia na


intenção de converter gradualmente o africano em europeu, significando isto que “a
organização, o direito consuetudinário e as culturas locais deveriam ser transformadas
através do ensino da língua da metrópole, da religião e da moral cristãs, dos costumes,
das tradições e dos modos de vida ligados à prática europeia e não ao passado africano, e
da divisão da sociedade em civilizados, assimilados e indígenas.

Os «civilizados» gozavam de igualdade de direitos políticos com os da metrópole


europeia. Os “assimilados”, na maioria das vezes, tinham representação no órgão colegial
deliberativo da colónia e um representante parlamentar na Assembleia Nacional e, em
geral, conservavam usos e costumes próprios do «estatuto pessoal». Os «indígenas», a
grande maioria da população, eram regidos pelo Estatuto do Indigenato, tendo por eixo o
regulamento geral do trabalho que institucionalizava formas compulsórias como os
trabalhos forçado e obrigatório, além de incluir a fiscalização das condições de vida do
africano e a aplicação de castigos corporais. Teoricamente todos os «indígenas» poderiam
ascender à categoria de «assimilado» o que era regulado por decreto que enumerava os
requisitos necessários.

A política colonial de diferenciação adoptada, em particular, pela Grã-Bretanha,


embora fiel ao projecto civilizatório ocidental da África como periferia, baseava-se num
31
HERNANDEZ, Leila Leite, África na Sala de Aula-Visita à História Contemporânea, 2ª, Selo Negro
Edições, 2008, 104 e ss.
21

conjunto de mecanismos e instrumentos visando viabilizar o «governo indirecto» e


consistia em difundir os valores ocidentais ao mesmo tempo que «mantinha e protegia as
sociedades indígenas».

A ambivalência que definia a própria natureza da política de diferenciação (ou


associação) era resolvida na prática, em primeiro lugar, incorporando-se representantes
das sociedades africanas (as chefias tradicionais ou designadas) na administração
indirecta das colónias. Em segundo lugar introduzindo a educação inglesa com o
objectivo de tornar os africanos aptos a entrar na economia moderna, para a qual seriam
necessariamente cooptados pela força da mudança inerente à sua própria dinâmica. Essa
perspectiva era sustentada pela convicção de que a mudança económica, social e política
deveria ser atrelada às próprias instituições africanas, pois seria mais eficiente construir
partindo das próprias noções tradicionais de justiça e ordem do que arriscar impor
padrões europeus compreensíveis apenas por uma minoria.

A partir da compreensão das características que distinguem o sistema de


administração directa e o sistema de administração indirecta, importa agora anotar
determinar o modelo colonial seguido por Portugal em Moçambique. Antes porém,
convém anotar que estes dois sistemas típicos eram passíveis de combinação, originando
fórmulas híbridas: o sistema de administração indirecta atenuada e o sistema de
administração directa atenuada.

Ao longo da sua presença em Moçambique, Portugal foi adoptando diferentes


estratégias de dominação consoante as circunstâncias e necessidades de cada época. Não
obstante, a política colonial portuguesa adoptada no século XX pode enquadrar-se no
modelo misto de administração directa atenuada, conforme decorre do Estatuto dos
Indígenas Portugueses das Províncias da Guiné, Angola e Moçambique (EIP)32.

Com efeito, no referido Estatuto se proclamava a “manutenção transitória” das


instituições político-tradicionais indígenas, harmonizando-as com as instituições
administrativas do Estado português33. Ora, a essência da administração indirecta
atenuada residia nesta ideia de manutenção e conjugação, mas numa perspectiva
transitória, sendo o objectivo a longo prazo a assimilação gradual de todos os nativos34.
32
Decreto-Lei nº 36. 666, de 20 de Maio de 1954.
33
Art. 7º do EIP.
34
FERREIRA, José Carlos Ney, Estatuto dos Indígenas das Províncias da Guiné, Angola e Moçambique
(Anotado), 2.ª Edição, Lisboa, 1957, p. 30.
22

O EIP designava, genericamente, os agregados políticos dos colonizados por


«regedorias indígenas»35, e, consoante a sua dimensão, podiam dividir-se em povoações e
em grupos de povoações36. A população de cada regedoria, grupo de povoações ou
povoação era constituída por todos os indígenas37 que residiam, com carácter de
permanência, nas respectivas circunscrições territoriais38.

A regedoria era dirigida por um regedor indígena e o grupo de povoações e a


povoação por um chefe de grupo de povoações e um chefe de povoação, respectivamente,
competindo a estas chefias o exercício da autoridade tradicional sobre as populações
indígenas das circunscrições sob sua jurisdição.

O sistema de legitimação das autoridades tradicionais obedecia a critérios variáveis,


em função da hierarquia da autoridade a designar e dos usos e costumes locais. Os
indígenas designavam seus chefes em obediência às tradições locais, mas a designação
devia ser posteriormente sancionada pelas autoridades administrativas coloniais39.

Ainda nos termos do EIP, junto de cada regedor poderia funcionar um órgão colegial
(conselho) composto por membros escolhidos pelo regedor, de entre os indígenas que
gozassem de maior respeito entre as populações da regedoria ou da povoação40.

35
Segundo Carvalho, o regulado tinha origem tribal, sem que isso significasse um tribalismo rácico ou
guerreiro, mas sim um tribalismo orgânico, pois os régulos ou regedores não exprimiam um resquício de
organizações guerreiras tribais, mas prevalecimento das organizações ancestrais dos povos, para fins
pacíficos e para fins sócio-económicos. (ob. cit., p. 55).
36
Na perspectiva sócio-antropológica, a povoação é um agrupamento autónomo, circunscrito normalmente
a uma família; mas na terminologia administrativa considerava-se como povoação um conjunto de algumas
famílias mais ou menos dispersas, sendo o grupo de povoações a expressão da ideia de área maior.
37
A noção legal de indígena era definida no corpo do art. 2.º do EIP. Entendiam-se como tais, «...os
indivíduos de raça negra ou seus descendentes que, tendo nascido ou vivendo habitualmente [...], nas
províncias da Guiné, Angola e Moçambique, não possuam ainda a ilustração e os hábitos individuais e
sociais pressupostos para a integral aplicação do direito público e privado dos cidadãos portugueses». O §
único deste preceito tornava extensiva a qualidade de indígena aos indivíduos que, embora não tivesse
nascido em qualquer das três províncias, fossem, no entanto nascidos de pai e mãe indígenas. (FERREIRA,
ob. cit., p. 15) encontrava neste preceito duas categorias de critérios de definição de indígena. Na primeira
categoria – a dos critérios principais – considerava, por um lado, um critério étnico-cultural ou racial
retirado da expressão legal “indivíduos de raça negra ou seus descendentes” e, por outro, um critério
cultural, resultante da expressão legal “que não possuam ainda ilustração”.Na segunda categoria – a dos
critérios acessórios – considerava o critério do jus sol ou do local de nascimento, segundo o qual a
qualidade de indígena decorria do facto do nascimento numa província de indigenato, salvo a excepção
prevista no § único, em que predominava o critério do jus saguins; o critério do jus domicili ou da
residência, traduzido na exigência do viver habitualmente nas mesmas províncias e o critério do jus saguins
ou da filiação, pressuposto da consideração do § único do mesmo preceito.
38
Arts. 8º e 9º do EIP.
39
Arts. 10º a 12º do EIP.
40
Arrt. 16º, corpo e § 2º, do EIP.
23

Fica claro, do exposto, que a legitimação das autoridades tradicionais não se regia
unicamente pelo Direito consuetudinário, ou seja, «usos e costumes locais»; obedecia
também a critérios impostos pela administração colonial. Para além disso, as autoridades
coloniais exerciam uma espécie de tutela de mérito sobre os actos dos chefes tradicionais
designados, podendo exonerá-los, à revelia das próprias comunidades, caso não
desempenhassem «convenientemente» as suas funções41.

Neste sentido, ABRAHAMSSON e NILSON mostram que a chamada autoridade


tradicional no período colonial constituía una nobreza subordinada ao Estado colonial.
No entanto observam o seguinte:

«...nem todos os detentores do poder tradicional aceitavam esta subordinação. Em


alguns casos eles recusavam a pés juntos. Frequentemente os portugueses nomeavam
outras pessoas para exercer essas funções. Muitas vezes, as pessoas nomeadas não se
encontravam na ordem de sucessão tradicional. Noutros casos, a subordinação era
aceite formalmente, mas os indivíduos procuravam espaço de manobra para
satisfazer somente um mínimo de exigências do Estado colonial»42.

O EIP foi revogado pelo Decreto-Lei nº 43 893, de 6 de Setembro de 1961, e


substituído pelo Decreto-Lei nº 43 896, de 6 de Setembro de 1961 43, que regulou a
organização das regedorias nas Províncias Ultramarinas. O novo diploma abandonou a
linguagem manifestamente discriminatória do EIP, passando, por exemplo, a tratar a
população da regedoria como: «...todos os indivíduos que, tendo domicílio na respectiva
área, devem considerar-se vizinhos segundo o direito tradicional», ao invés de
indígenas44.

Em termos substanciais, o diploma reforçou a subordinação hierárquica das


autoridades tradicionais às autoridades administrativas coloniais, assim como os
mecanismos de controlo45. Neste contexto, as autoridades tradicionais passaram a ser
consideradas como “chefes de milícias” das regedorias e, consequentemente, obrigadas a

41
Art. 11º do EIP.
42
ABRAHAMSSON, Hans e NILSSON, Anders, Moçambique em Transição: Um Estudo da História de
Desenvolvimento Durante o Período 1974-1992, 1ª ed., Trad. De Dulce Leiria, Maputo: Padrigu/CEEI-
IRI/CEGRAF, p. 264.
43
Diário do Governo, I Série, nº 207.
44
Art 2º do Decreto-Lei nº 43 896, de 6 de Setembro de 1961.
45
Arts. 3º, § 1º, 4.º, 5º, § único, do Decreto-Lei nº 43 896.
24

observar e fazer respeitar os regulamentos de disciplina militar 46. As regedorias passaram


a ter representação nos Conselhos Legislativos ou de Governo de cada província 47. Foram
introduzidas as figuras de «regedores administrativos» e de «cabos de ordem», com
funções policiais e de auxiliares da administração48.

Concluindo, pode afirmar-se que o processo de colonização em Moçambique acabou


por corromper as instituições da sociedade tradicional e a sua ordem jurídica, pelas
seguintes razões:

a) a legitimidade das autoridades tradicionais ficou seriamente enfraquecida pela


intervenção autoritária da administração colonial no processo de legitimação e do
exercício do poder tradicional;

b) b) a tutela exercida sobre o mérito da actuação dessas autoridades deu azo a que a
administração colonial substituísse arbitrariamente chefes legitimados
tradicionalmente por pessoas da sua conveniência;

c) as autoridades tradicionais foram colocadas mais ao serviço dos interesses da


administração colonial do que das comunidades que supostamente representavam;

d) na percepção das comunidades, as autoridades tradicionais passaram a confundir-


se com as autoridades administrativas coloniais, o que prejudicou gradualmente o
seu prestígio junto das mesmas comunidades49.

Este quadro explica, em parte, o posicionamento oficial do poder instituído após a


independência nacional perante as autoridades tradicionais, como se verificará no
próximo tópico.

2. O período pós-independência
2.1. O monismo jurídico na Constituição de 1975

46
Idem, § 2.º.
47
Idem, art. 6º. Em conformidade com a al. b) do art. 24.º do Decreto nº 545/72, de 22 de Dezembro
(Estatuto Político-Administrativo da Província de Moçambique), seis dos vogais da Assembleia Legislativa
da Província seriam eleitos pelas autoridades das regedorias de entre os seus próprios membros.
48
Art. 7º do Decreto-Lei nº 43 896.
49
Cf. MONTEIRO, José Óscar, Poder e Democracia, Maputo: Assembleia Popular, 1988.
25

A Constituição da República Popular de Moçambique aprovada em 20 de Junho


de 1975 e que entrou em vigor cinco dias depois, na mesma data em que se proclamou a
independência nacional, consagrou o regime político de “democracia popular”, tendo em
vista a construção de uma “nova sociedade livre de exploração do homem pelo homem”,
ou seja, a sociedade socialista.
O regime político adoptado estava sintetizado no artigo 3 da Constituição com o
seguinte enunciado:
«A República Popular de Moçambique é orientada pela linha política da
FRELIMO, que é a força dirigente do Estado e da sociedade. A FRELIMO traça a
orientação política básica do Estado e dirige e supervisa a acção dos órgãos
estatais a fim de assegurar a conformidade da política do Estado com os interesses
do povo».
O conteúdo desta disposição é reveladora do carácter monolítico e totalitário do
regime político que vigorou em Moçambique depois da independência, sobretudo ao
legitimar a existência de apenas um partido a quem era atribuída a direcção não só do
Estado como também da sociedade.
Além disso, o totalitarismo político manifestava-se através da concepção classista
de democracia popular como poder dos operários e camponeses unidos e dirigidos pela
FRELIMO, conforme o § 2º do artigo 2 da Constituição. Por conseguinte, os demais
estratos sociais que não integrassem as categorias de operários e de camponeses ficavam
formalmente excluídos da titularidade e do exercício do poder popular democrático.
As estruturas da sociedade tradicional, porque conotadas com o regime colonial
opressor e explorador, foram rejeitadas, expressamente como objectivo fundamental do
Estado a sua eliminação, de acordo com o § 1º do artigo 4 da Constituição. Para além da
sua colaboração com o regime colonial, entendeu-se que os poderes tradicionais tinham
“natureza feudal autoritária e retrógrada”, incompatível com a natureza democrática do
poder popular revolucionário50. Daqui decorria a necessidade desmantelar tanto o sistema
de administração colonial, substituindo-o por novas estruturas administrativas, como o
poder das autoridades tradicionais, criando, no seu lugar, novos mecanismos de
enquadramento comunitário das populações51.
50
Decisões..., cit., p. 35.
51
Não obstante Santos refere que a rejeição do conjunto das culturas tradicionais ou comunitárias não foi
tão incondicional como a rejeição da cultura político-jurídica colonial e realça que aquelas culturas foram
consideradas como não autónomas, como instrumentos da cultura colonial (Estado Heterogéneo..., ob. cit.,
26

Nesta perspectiva, a primeira Reunião do Conselho de Ministros da República


Popular de Moçambique decidiu extinguir todas as regedorias e as respectivas
autoridades52, e a decisão teve, posteriormente, expressão legal no Decreto nº 1/75, de 27
de Julho53.

A despeito destas medidas é importante notar que as autoridades tradicionais, então


oficialmente abolidas, não desapareceram de facto. Nas zonas rurais, sobretudo as
caracterizadas pelo défice de presença da administração do Estado, antigos régulos, que
ainda mantinha uma legitimidade tradicional genuína, continuaram a exercer o seu poder
com o consentimento das respectivas comunidades54.

O Partido Frelimo reconheceu este facto mais tarde, conforme revela o Relatório do
Comité Central ao V Congresso (1989), documento onde se avalia a necessidade de, no
âmbito da reforma da administração local do Estado, «...saber acolher a contribuição de
pessoas que estiveram ligadas às estruturas tradicionais, mas que, tendo-se oposto ao
colonialismo ou, por várias formas, demonstrado o seu patriotismo e integração nos
objectivos nacionais, têm sabido granjear respeito pelo seu apego ao bem-estar das
populações»55. Segundo o referido Relatório, tais pessoas seriam integradas, na base do
consenso popular, em tarefas de promoção do bem-estar, nomeadamente na área da
promoção da produção, no desenvolvimento rural em geral e na organização da
autodefesa56.

2.2. O pluralismo na Constituição de 1990

pp. 65 e 66).
52
Decisões..., cit., p. 35.
53
Publicado na brochura «Revolução: transformação profunda das nossas estruturas, transformação
profunda da nossa Vida, Imprensa Nacional de Moçambique, Lourenço Marques, 1975, P. 49 e ss.
54
Este fenómeno não estranho às sociedades contemporâneas, pois, conforme observa Santos, na
perspectiva sociológica, estas sociedades «...são jurídica e judicialmente plurais. Circulem nelas não um
mas vários sistemas jurídicos e judiciais. O facto de só um deles ser reconhecido oficialmente como tal
afecta naturalmente o modo como os outros sistemas operam nas sociedades, mas não impede que tal
operação tenha lugar». (Estado Heterogéneo..., ob. cit., p. 48.
55
FRELIMO, Relatório do Comité Central do Partido Frelimo ao 5.º Congresso, Maputo: CEGRAF, 1989,
p. 79.
56
Idem, p. 80.
27

Com a entrada em vigor da Constituição de 1990 deu-se a transição do regime


político monista e totalitário anteriormente caracterizado, estabelecendo-se o Estado de
Direito e o regime de democracia pluralista.
É pertinente observar que o Estado de Direito não era referenciado de forma
explícita no texto constitucional de 1990. Mesmo assim, ele decorria tanto do preâmbulo
como da leitura sistemática de várias normas constitucionais.
No preâmbulo da Constituição destacam-se as seguintes proclamações que
inserem conteúdos do Estado de Direito.
«...o povo moçambicano, decidido a [...] dignificar o homem moçambicano,
adopta e proclama esta Constituição que é a lei básica de toda a organização
política e social na República de Moçambique».
As liberdades e direitos fundamentais que a Constituição consagra são
conquistas do povo moçambicano na sua luta pela construção duma sociedade de
justiça social, onde a igualdade dos cidadãos e o imperativo da lei são os pilares
da democracia”. [bold do autor].
No articulado podem ser referidos como exemplos da consagração do Estado de
Direito o artigo 1 que fazia alusão à justiça social; a alínea d) do artigo 6 que definia
como objectivo fundamental do Estado a defesa e promoção dos direitos humanos e da
igualdade dos cidadãos perante a lei; as disposições do Título II que consubstanciavam
um vasto catálogo de direitos, deveres e liberdades fundamentais e as disposições do
Título III que regulavam a organização do poder político segundo a concepção de
separação e interdependência de poderes.
Quanto ao pluralismo político, o seu reconhecimento estava explícito no
preâmbulo, conforme se pode verificar na seguinte declaração:
«Nós povo moçambicano, determinados a aprofundar o ordenamento da vida
política do nosso país, dentro de um espírito de responsabilidade e pluralismo de
opinião, decidimos organizar a sociedade de tal forma que a vontade dos
cidadãos seja o valor maior da nossa soberania». [bold do autor].
Na parte articulada da Constituição, esta ideia do pluralismo político encontrava-
se, nomeadamente, através dos artigos 31, nº 1, que se referia aos partidos como
expressão do pluralismo político; 77, nº 1, que reconhecia aos cidadãos a liberdade de
28

constituir ou participar em partidos políticos e 108, nº 1, que atribuía aos partidos


políticos com existência legal o direito de concorrer às eleições.
O reconhecimento do pluralismo no domínio da vida social resultava, antes de
mais, da alínea g) do artigo 6 da Constituição, na qual se definia como objectivo
fundamental do Estado “a afirmação da personalidade moçambicana, das suas tradições e
demais valores sócio-culturais”. Esta disposição era depois complementada pelo nº 1 do
artigo 53, também da Constituição, que incumbia o Estado de promover o
desenvolvimento da cultura e personalidade nacionais e de garantir a livre expressão das
tradições e valores da sociedade moçambicana. [itálico do autor].
É também importante assinalar que a Constituição consagrava no artigo 76 a
liberdade de associação, concedendo às organizações sociais e as associações «o direito
de prosseguir os seus fins, criar instituições destinadas a alcançar os seus objectivos
específicos».
A exposição antecedente permite concluir que a Constituição de 1990 instituiu um
Estado marcadamente pluralista e, embora não consagrasse de forma explícita o princípio
do pluralismo jurídico, este poderia ser deduzido a partir da compreensão do espírito do
sistema constitucional.
Parece também curial entender-se que a Constituição reconhecia implicitamente a
dimensão tradicional do pluralismo jurídico, na medida em que, por um lado, consagrava
na alínea g) do artigo 6 «a afirmação [...] das tradições e demais valores sócio-culturais»
como objectivo fundamental do Estado, e, por outro, encarregava o Estado, nos termos do
nº 1 do artigo 53, a tarefa de «garantir a livre expressão das tradições e valores da
sociedade moçambicana».
Com efeito a coerência do sistema devia recomendar uma interpretação
enunciativa do princípio da liberdade de expressão das tradições e demais valores sócio-
culturais, que era expressamente consagrado na Constituição, por forma contemplar
valores e instituições jurídico-tradicionais que são parte importante da sociedade
moçambicana.

CAPÍTULO III
O PLURALISMO JURÍDICO NA CONSTITUIÇÃO VIGENTE
29

1. Considerações gerais

A Constituição moçambicana de 2004 reafirma o Estado de Direito Democrático,


desenvolvendo, aprofundando e, nalguns casos, explicitando ou clarificando os seus
princípios fundamentais.
O desenvolvimento e clarificação de princípios são particularmente notórios em
relação ao carácter pluralista do Estado, verificando-se, desde logo, a consagração
expressa do princípio do pluralismo em geral no art. 3 da Constituição, onde afirma que o
«pluralismo de expressão» constitui um dos pilares do Estado de Direito.
O princípio do pluralismo é depois desenvolvido ao longo do texto constitucional,
assumindo, nomeadamente, as seguintes dimensões específicas:
a) pluralismo jurídico (art. 4);
b) pluralismo cultural (arts. 9 e 115);
c) pluralismo social (arts. 11, al. g), 52, 85 e 118);
d) pluralismo religioso (arts. 12 e 54);
e) pluralismo político-partidário (arts. 53 e 74);
f) pluralismo económico (arts. 97 e 99).
Respeitando os limites impostos pelo objecto do estudo dispensam-se
considerações relativamente a cada uma das manifestações do pluralismo acima
enunciadas, exceptuando o pluralismo jurídico que a seguir se aborda de forma
desenvolvida.

2. Objecto e âmbito do princípio pluralismo jurídico

O princípio do pluralismo jurídico consiste, conforme o art. 4 da Constituição, no


«reconhecimento dos vários sistemas normativos e de resolução de conflitos que
coexistem na sociedade moçambicana». O enunciado desta disposição mostra que este
princípio abrange a totalidade dos sistemas jurídicos não estatais coexistentes na
sociedade moçambicana, sejam ou não tradicionais.
Na verdade, o «pluralismo de expressão» que a Constituição proclama no seu art.
3 implica a possibilidade de a sociedade moçambicana se organizar sob múltiplas formas
e consequentemente, a existência de diversos modos de regular a disciplina interna de
cada organização social. Neste sentido, Caetano observava que «...todo o grupo social
30

organizado tem a sua disciplina; e a disciplina é mantida por normas jurídicas que
formam o Direito social, institucional e disciplinar desse grupo»57.
Conforme Santos, a sociedade moçambicana é marcada por um pluralismo
jurídico bastante diversificado, existindo nela «múltiplas instâncias de justiça comunitária
[...] quer no meio rural quer no meio urbano». Este fato pode justifica-se tanto por
«proximidade cultural» como por «dificuldades de acesso às instâncias judiciais
oficiais»58. Aqui está patente o pluralismo judiciário existente em Moçambique, o que
demonstra que, a par das normas substantivas, as organizações sociais possuem também,
tal como ocorre na ordem jurídica positiva do Estado, o próprio direito adjectivo ou
processual que fixam os mecanismos de aplicação das regras substantivas à resolução de
conflitos de interesses, estabelecendo, inclusivamente, instituições que, à semelhança dos
tribunais estatais, detêm competência jurisdicional59.
Neste contexto pode compreender-se a previsão, no nº 3 do art. 212 da
Constituição, da possibilidade de o legislador ordinário definir «...mecanismos
institucionais e processuais de articulação entre os tribunais e demais instâncias de
composição de interesses e de resolução de conflitos». A interpretação desta disposição,
em conjugação com art. 4 da Constituição, permite igualmente concluir que o
reconhecimento constitucional dos sistemas normativos e de resolução de conflitos não
oficiais não implica a sua incorporação na ordem jurídica do Estado e, por conseguinte,
eles mantêm a sua independência e identidade, sem prejuízo de se comunicarem com
aquela ordem jurídica, nos termos que a lei definir.
Esse processo comunicativo é passível de gerar influências recíprocas entre o
sistema jurídico oficial e os demais existentes, de acordo com o fenómeno que Santos
designa por «hibridações jurídicas». Aliás, o autor refere, a este propósito, que a primeira
especificidade mais marcante do pluralismo jurídico em Moçambique consiste na sua
«enorme riqueza e complexidade», e estas marcas se traduzem, por um lado, «no facto de
sociologicamente vigorarem [...] várias ordens jurídicas e sistemas de justiças» e, por
outro, «na intensa interpenetração ou contaminação recíproca entre essas diferentes
formas de direito e de justiça»60.
57
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, Tomo I, 6ª ed. (revista e ampliada por Miguel
Galvão Teles), Tomo I (reimp.), Coimbra: Amedida, 1996, p. 4.
58
SANTOS, Estado Heterogéneo..., cit., p. 73.
59
Cfr. Moçambique- O Sector da Justiça e Estado de Direito, Joanesburgo: Open Society Fundation, 2006,
p. 113 e ss.
60
SANTOS, Estado Heterogéneo....cit., p. 61).
31

3. Os sistemas jurídicos consuetudinários

A consagração constitucional do princípio do pluralismo jurídico exprime o


reconhecimento duma realidade característica do Estado em Moçambique, na medida em
que o seu substrato humano é constituído por uma comunidade pluralística por natureza,
nomeadamente do ponto de vista étnico, cultural, linguístico e religioso, e esta
pluralidade corresponde a percepções variáveis sobre o sentido de ordem social e de
justiça.
No presente estudo dedica-se atenção particular aos sistemas jurídicos
tradicionais, sem com isso se pretender reduzir a riqueza e abrangência do princípio
constitucional do pluralismo jurídico. Esta opção justifica-se, por um lado, tendo em
conta que os referidos sistemas constituem a realidade predominante no conjunto das
ordens jurídicas não estatais e, por outro, considerando que é da interacção dos mesmos
com a Constituição que podem surgir os mais complexos problemas de harmonização.
Para corroborar as razões mencionadas recorre-se à seguinte afirmação de
SANTOS relativa ao caso moçambicano:
«Entre todas as instâncias de justiça comunitária têm, de longe, maior relevo as
autoridades tradicionais e o seu direito [...]. O que distingue o pluralismo que elas
protagonizam é a saliência da variável moderno/tradicional. Por outro lado, por
serem tradicionais, o direito e a justiça das autoridades tradicionais envolvem uma
pluralidade de universos culturais e simbólicos, [...] mas todos eles se distinguem
do universo cultural e simbólico eurocêntrico que domina o direito e a justiça
oficiais»61.
Numa perspectiva mais geral, DAVID observa, referindo-se ao período pré-
colonial, que «a África ao sul do Sahara e Madagáscar viveram durante muitos séculos
sob o domínio de um direito essencialmente consuetudinário» 62, ou seja, um direito cuja
fonte é o costume, definido geralmente, segundo GILISSEN, como «...conjunto de usos de
ordem jurídica que adquirem força obrigatória num dado grupo social, pela repetição de

61
Idem, p. 73.
62
DAVID, René (2002). Os Grandes Sistema do Direito Contemporâneo, 4ª ed. (brasileira), São Paulo:
Martins Fontes, 2002, p. 619. Ver também GILISSEN, John, Introdução Histórica ao Direito, 4ª ed.
(portuguesa), Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 25.
32

actos públicos e pacíficos durante um lapso de tempo relativamente longo» 63. Assim,
enquanto fonte de direito, o costume possui as seguintes características essenciais64:
a) é espontâneo, contrariamente ao que acontece com a lei que é obra da
vontade da autoridade legislativa; não se faz o costume, ele faz-se por si
próprio;
b) evolui constantemente; adapta-se sem cessar ao meio social, a cujas
necessidades responde; tal é a consequência de não estar fixado num
texto; é a fonte de direito mais flexível;
c) elabora-se lentamente: é necessário um certo tempo para que seja aceite;
d) é conservador, sem no entanto perder a sua capacidade de adaptação.
Esta qualidade diferencia-o da lei que é má conservadora.
Esta caracterização permite, sem dúvida, captar a essência do costume como
categoria geral. Porém, as concepções de ordem e de justiça associadas ao costume
variam no tempo e de sociedade para sociedade. Importa, por isso, verificar o que haverá
de específico no costume como fonte do direito nas sociedades africanas tradicionais,
sendo útil para o efeito atentar para a seguinte afirmação de DAVID:
«O costume está ligado, no espírito dos africanos, a uma ordem mítica do
universo. Obedecer o costume é um testemunho de respeito à memória dos
antepassados, cujas ossadas se misturam ao solo e cujos espíritos velam pelos
vivos. Quem transgredir o costume arrisca-se a desencadear não se sabe que
reacções desfavoráveis, dos génios da terra, num mundo onde tudo está ligado,
natural e o sobrenatural, o comportamento dos homens e os fenómenos da
natureza»65.
Pode afirmar-se, por um lado, que o costume, enquanto fonte do direito
tradicional em Moçambique, não se distancia da referida «concepção mítica do
universo». Por outro, o modus vivendi tradicional não é exclusivo do meio rural, o habit
da maioria da população moçambicana. A tradição africana encontra-se também presente
no mundo urbano, porquanto nas cidades existem indivíduos que, apesar da sua vivência
urbana, ainda mantém laços estreitos com a sociedade tradicional, regendo-se, nalgumas
situações da vida, pelos costumes dos locais onde ocorreu a sua socialização primária,

63
GILISSEN, ob. cit., p. 250.
64
Idem, pp. 253 e 254.
65
Ob. cit., p. 620.
33

procurando até conservá-los e garantir a sua sobrevivência de geração em geração,


transmitindo-os a seus descendentes por via da educação familiar66.
Com efeito, conforme Santos, a «hibridação jurídica» atrás referida existe não
apenas «ao nível estrutural das relações entre as diferentes ordens jurídicas em presença»,
mas também «ao nível das vivências, experiências e representações jurídicas dos
cidadãos e dos grupos sociais». Neste contexto o autor refere-se à fenomenologia jurídica
a que chama «interlegalidade», para designar «a multiplicidade dos estratos jurídicos e
das combinações entre eles e que caracterizam o mundo da vida», manifestando-se da
seguinte forma:
«Consoante as situações e os contextos, os cidadãos e os grupos sociais
organizam as suas experiências segundo o direito estatal oficial, o direito
consuetudinário, o direito comunitário, local ou o direito global e, na maioria dos
casos, segundo complexas combinações entre estas diferentes ordens jurídicas»67.
A exposição supra mostra não só a relevância dos sistemas jurídicos tradicionais
em Moçambique como também a complexidade das questões que o seu reconhecimento
constitucional suscita, tendo em conta a limitação que se impõe ao princípio do
pluralismo jurídico à luz dos «valores e princípios fundamentais da Constituição».

66
Cfr. ARAÚJO, Manuel, Rulalidades-Urbanidades em Moçambique. Conceitos ou preconceitos, in:
Revista da Faculdade de Letras – Geografia, I Série, Vol. XVII-XVIII, Porto, 2001-2002, pp. 5-11.
67
SANTOS, Estado Heterogêneo..., cit. p. 61.
34

CAPÍTULO IV
OS LIMITES AO PRINCÍPIO DO PLURALISMO JURÍDICO

1. Enunciado geral do problema

A Constituição da República de Moçambique não só reconhece os «vários


sistemas normativos e de resolução de conflitos» mas também condiciona a sua validade
à conformidade com os valores e princípios constitucionais fundamentais (art. 4, in fine),
o que, na prática, significa limitar a eficácia do princípio do pluralismo jurídico.
A condição que se impõe à validade dos sistemas jurídicos reconhecidos pelo art.
4 da Constituição envolve conceitos indeterminados que, segundo definição de
ENGISCH, são aqueles «cujo conteúdo e extensão são em larga medida incertos»68,
havendo, por isso, a necessidade de determinar e delimitar o respectivo conteúdo para o
efeito da sua aplicação.
Assim, a realização do princípio constitucional do pluralismo jurídico passa
necessariamente pela concretização dos limites que se impõem à sua eficácia através do
processo de densificação de normas que, neste caso, consiste em «preencher,
complementar e precisar o espaço normativo» da norma contida na última parte do art. 4
da Constituição para tornar possível a sua aplicação na solução de problemas concretos69.
Mais concretamente, a concretização dos limites ao princípio do pluralismo
jurídico exige que se determine previamente o conteúdo e extensão dos conceitos de
valores fundamentais da Constituição e princípios fundamentais da Constituição.
Neste processo de densificação da norma em apreço importará tomar as cautelas
necessárias por forma a evitar que aos referidos valores e princípios se atribuam
conteúdos e extensões passíveis de restringir inadequadamente a eficácia do próprio
princípio do pluralismo jurídico, particularmente nos casos em que o domínio da sua
aplicação incida sobre sistemas normativos e de resolução de conflitos tradicionais.

2. Princípios e valores constitucionais


2.1. Princípios constitucionais

68
ENGISCH, Karl, Introdução ao Pensamento Jurídico, 9ª ed. (portuguesa), Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 2004, p.208.
69
Cfr. CANOTILHO, Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed. (reimp.), Coimbra:
Almedina, 2003, p. 1200 e ss.
35

A Constituição é um sistema complexo de normas jurídicas cuja estrutura


compreende princípios e regras. Neste sentido, os princípios não se contrapõem às
normas, mas sim aos preceitos, sendo as normas jurídicas que se dividem em normas-
princípios e em normas-regras70.
A distinção entre princípios e regras não é uma operação simples e os critérios de
diferenciação se mostram variáveis conforme os autores. Canotilho, por exemplo, usa
como critérios o grau de abstracção, o grau de determinabilidade, o carácter de
fundamentalidade, a proximidade da ideia de direito e a natureza normogenética71, e com
neles conclui o seguinte:
«Os princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis
com vários graus de concretização, consoante os condicionalismos fácticos e
jurídicos; as regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência
[...] que é ou não é cumprida [...]; a convivência entre os princípios é conflitual
[...]. Consequentemente, os princípios, ao constituírem exigências de optimização,
permitem o balanceamento de valores e interesses [...], consoante o seu peso e a
ponderação de outros princípios eventualmente conflituantes; as regras não
deixam espaço para qualquer outra solução, pois se uma regra vale [...] deve
cumprir-se na exacta medida das suas prescrições, nem mais nem menos»72.
As Constituições hodiernas caracterizam-se pela grande heterogeneidade das
matérias que regulam, o que se reflecte nas suas normas em geral e particularmente nos
princípios constitucionais, facto que leva a doutrina a estabelecer classificações.
Segundo CANOTILHO existem quatro tipos de princípios constitucionais: (i)
princípios jurídicos fundamentais, os princípios historicamente objectivados e
progressivamente introduzidos na consciência jurídica e que encontram uma recepção
expressa ou implícita no texto constitucional; (ii) princípios políticos constitucionalmente
conformadores, que explicitam as valorações políticas fundamentais do legislador
constituinte, configurando o cerne político de uma constituição política; (iii) princípios
constitucionais impositivos, todos os que impõem aos órgãos do Estado, sobretudo ao
legislador a realização de fins e o cumprimento de tarefas; e (iv) princípios-garantia, os
70
MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional; Tomo II, 5ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2003,
p. 250.
71
CANOTILHO, ob. cit., p.1160.
72
Idem, p. 1161; cfr. Miranda, Manual..., Tomo II, cit., pp. 252 e 253; ZORRILLA, David Martínez,
Conflictos Constitucionales: Ponderación e Indeterminación Normativa, Madrid: Marcial Pons, 2007, p. 71
e ss.
36

que visam instituir directa e imediatamente uma garantia dos cidadãos, aos quais se
atribui uma densidade de autêntica norma jurídica e uma força determinante, positiva e
negativa73.
Por sua vez, MIRANDA agrupa os princípios constitucionais em duas categorias
básicas. Por um lado, os princípios constitucionais substantivos, aqueles que são válidos
em si mesmos e que espelham os valores básicos a que adere a Constituição material; por
outro, os princípios constitucionais adjectivos ou instrumentais, aqueles cujo alcance é
sobretudo técnico, sendo complementares dos primeiros. O autor desdobra a primeira
categoria em dois tipos: (i) princípios axiológicos fundamentais, que correspondem aos
limites transcendentes do poder constituinte; e (ii) princípios políticos conformadores,
que correspondem aos limites imanentes do poder constituinte e aos limites específicos
de revisão constitucional, reflectindo as grandes marcas e direcções caracterizadoras de
cada Constituição material diante das demais74.
Eis, segundo o mesmo autor, a exemplificação dos tipos de princípios acima
enunciados:
a) princípios axiológicos fundamentais (proibição de discriminações, a
inviolabilidade da vida humana, a integridade moral e física das pessoas, a não
retroactividade da lei penal incriminadora, o direito de defesa dos acusados, a
liberdade de religião e de convicção, a dignidade social do trabalho);
b) princípios político-constitucionais (princípio democrático, o princípio
representativo, princípio republicano, princípio da constitucionalidade,
princípio da separação dos órgãos do poder, princípio da subordinação do
poder económico ao poder político;

73
CANOTILHO, Direito Constitucional …, cit., p. 1164 e ss. O autor fornece os seguintes exemplos de
cada categoria de princípios: os princípios jurídicos fundamentais abrangem os princípios jurídicos gerais
tais como o princípio da publicidade dos actos jurídicos, o princípio da proibição do excesso, nas suas
vertentes de exigibilidade, adequação e proporcionalidade e o princípio de acesso aos tribunais; Nos
princípios políticos constitucionalmente conformadores incluem-se os princípios definidores da forma de
Estado, designadamente, os princípios da organização económico-social, como o princípio da coexistência
dos diversos sectores de propriedade; os princípios da estrutura do Estado, como o princípio do Estado
unitário; os princípios estruturantes do regime político, tais como o princípio republicano, o princípio do
Estado de Direito, o princípio democrático, o princípio pluralista; os princípios concretizadores da forma
de governo e da organização política em geral, como o princípio da separação e interdependência de
poderes e os princípios eleitorais; os princípios constitucionais impositivos são, por exemplo, o princípio da
independência nacional e o princípio da correcção das desigualdades na distribuição da riqueza e do
rendimento; e nos princípios-garantia encontram-se, como exemplos, o princípio de nullum crimen sine
lege e de nula poena sene lege, o princípio do juiz natural, os princípios do non bis in idem e in dubio pro
réu.
74
Manual..., Tomo II, cit., p. 256.
37

c) princípios constitucionais instrumentais (o princípio da publicidade das


normas jurídicas, o da fixação da competência dos órgãos constitucionais pela
norma constitucional, princípio do paralelismo das formas, princípio da
tipicidade das formas de lei e princípio do pedido na fiscalização jurisdicional
da constitucionalidade.
A comparação das classificações dos princípios constitucionais apresentadas pelos
autores supracitados não revela entre si diferenças de fundo. Com efeito, nota-se uma
tendencial coincidência entre os «princípios-garantia» e os «princípios axiológicos
fundamentais»; entre os «princípios políticos constitucionalmente conformadores» e os
«princípios políticos conformadores»; e entre os «princípios jurídicos fundamentais» e os
«princípios constitucionais instrumentais».

2.2. Valor, valores do Direito e valores constitucionais

A norma da última parte do art. 4 da Constituição suscita também os seguintes


problemas teórico: (i) o que se entente por «valor»? (ii) que valores são próprios do
Direito? (iii) o que são «valores constitucionais»?

2.2.1. Noção de valor

A noção de «valor» tem sido objecto de reflexão nos domínios da filosofia em


geral e da filosofia do Direito em particular, dendo nesta última área em que se situam as
seguintes prelecções de MARTÍNEZ:
«A ideia de valor abrange, muito frequentemente, seres, em sentido restrito,
apreensíveis pelos sentidos. [...] Tudo quanto se orienta num sentido teleológico
considerado benéfico é valioso, contém uma referência valorativa. Tanto seres
materiais [...] que tornam a vida possível ou mais agradável, como seres imateriais
[...] que possam recrear ou esclarecer, que também contribuam para manter, ou
melhorar, um teor de vida, ou uma cultura»75.
«Também por valor se entende um paradigma, um padrão, em referência ao qual
se afere da bondade, da beleza, da justiça, ou da medida, de outros seres. Neste
sentido, o metro, o litro [...], porque padrões, terão funções valorativas. Mas,
geralmente, quando se distinguem juízos existenciais de juízos valorativos, a

75
MARTÍNEZ, Soares, Filosofia do Direito, 2ª ed., Coimbra: Livraria Almedina, 1995, p. 273.
38

referência paradigmática tem conteúdo imaterial. [...] os juízos valorativos não


implicam apenas a referência paradigmática a um padrão qualquer, mas sim a um
valor ideal»76.
A partir da distinção entre juízos existenciais e juízos valorativos, MARTÍNEZ
conclui que a Filosofia do Direito preocupa-se, sobretudo, com os «valores ideais»,
embora se interesse, igualmente, com a «projecção existencial, sensível desses valores – a
lei justa, a decisão equitativa» 77. O autor assinala também que os valores ideais,
diferentemente dos valores existenciais, «...só têm assento no espírito dos homens, ou
num nível transcendente»78.

2.2.2. Os valores do Direito

Apesar do esforço do positivismo jurídico no sentido de apresentar um conceito


do Direito expurgado de quaisquer juízos valorativos79, a relação entre Direito e valores
se mostra inevitável, conforme demonstra o seguinte silogismo de ASCENSÃO: «a
cultura surge-nos como realização de valores. O Direito, realidade cultural, é
necessariamente sensível aos valores80.
Perante esta evidência, a questão que ora se coloca consiste em saber quais são os
valores associados ao Direito. ASCENSÃO responde a esta questão considerando que os
valores jurídicos se descobrem recuperando a doutrina tradicional, que atribuía ao Direito
a função de realizar a justiça81 e a segurança82, e remata afirmando que as ideias de justiça
e de segurança estão implícitas na ordem social, e a ordem é inexistente ou imperfeita na
ausência de segurança, o que «...inquina a possibilidade de realização total dos fins da
sociedade e das pessoas que a compõem»83.
A ideia de justiça como valor jurídico fundamental revela-se também na seguinte
asserção de MARTÍNEZ:
76
Idem, p. 274.
77
Idem, p. 275.
78
Idem, p. 275.
79
Cfr. KELSEN, Hans, Teoria Pura do Direito, 6ª ed. (portuguesa), Coimbra: Arménio Amando Editores,
1984, p. 37 e ss.
80
ASCENSÃO, José de Oliveira, O Direito: Introdução à Teoria Geral, 10ª ed. (revista), Coimbra:
Almedina, 1997, p. 188.
81
Sobre a noção de justiça, ver: RAWLS, John, Uma Teoria da Justiça, ed. portuguesa, Lisboa: Editorial
Presença, 2002; BOBBIO, Norberto, Teoria Geral da Política, ed. brasileira, 15ª tiragem, Rio de Janeiro:
Elsevier, 2000, p. 306 e seguintes; KELSEN, Hans, A Justiça e o Direito Natural, (ed. portuguesa),
Coimbra: Almedina, 2009.
82
ASCENSÃO, ob. cit., p. 188.
83
Idem, p. 191.
39

«Qualquer referência axiológica do direito há-de ver nele um ser vocacionado


para a realização do valor justiça. O direito, se não for concebido como a razão do
mais forte, ou como o interesse dos governantes, [...], há-de ser, ou uma projecção
do justo absoluto na cidade dos homens, ou uma vocação destes para atingir a
justiça»84.
O mesmo Autor considera, outrossim, existir «dependência da Justiça de
exigência de igualdade», porquanto «a Justiça pressupõe, indiscutivelmente, uma
igualdade, ou seja, um tratamento igual em relação a situações iguais. E,
consequentemente, um tratamento diverso, desigual, face a situações diversas
também...»85.
A segurança é geralmente considerada, a par da justiça e do bem-estar, como um
fim do Estado. Segundo CAETANO a segurança terá sido «a primeira necessidade que
levou os homens a instituir um poder político», visto que «o primeiro interesse do homem
no mundo é viver. Para viver, os homens precisaram de se amparar contra os perigos da
Natureza, contra as cobiças dos outros, contra a violência dos mais fortes». Deste modo,
constituiu função do poder político «garantir no seio da sociedade a convivência pacífica
segundo as regras de justiça que define e impõe». A segurança é, para além da
«organização da força posta ao serviço de interesses vitais» [...], por um lado, a garantia
da estabilidade dos bens e, por outro, a duração das normas e da irrevogabilidade das
decisões do poder que importem justos interesses a respeitar, quer dizer a certeza»86.

2.2.3. Os valores constitucionais

O Direito Constitucional é, conforme MIRANDA, a parcela da ordem jurídica


que regula o próprio Estado enquanto comunidade e enquanto poder» 87. As normas de
84
MARTÍNEZ, ob. cit., p. 228.
85
Idem, pp. 290 e 291.
86
CAETANO, Manual..., cit., pp. 144-145.
87
MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, Tomo I, 7ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 11.
40

Direito Constitucional revestem a forma de Constituição que se define como o «estatuto


jurídico fundamental da comunidade» ou «a lei fundamental da sociedade»88.
Enquanto ordem jurídico fundamental do Estado, fundamento e limite de validade
das normas dos demais ramos do Direito estatal, o Direito Constitucional não pode estar
alheio aos valores de justiça e segurança que são apanágio do fenómeno jurídico em
geral. Aliás, a sensibilidade a esses valores tem de se manifestar com maior intensidade
no domínio do Direito Constitucional, tendo em conta o seu carácter fundamental.
Neste sentido, MIRANDA considera que o Direito Constitucional está «...todo ele
envolvido e penetrado pelos valores jurídicos fundamentais dominantes na
comunidade»89; tais valores têm um significado político, por se identificarem com as
concepções dominantes acerca da vida colectiva e, por isso, consubstanciarem uma ideia
de Direito90.
Na mesma óptica, OTTO mostra que «a palavra Constituição, e com ela a
expressão Direito Constitucional [...], encontra-se na sua origem ostensivamente
carregada de significado político, evoca de imediato ideias tais como liberdade e
democracia, garantias dos direitos dos cidadãos, limitação do poder»91.
Na asserção anterior aflorem dimensões que já se podem considerar como valores
próprios do Direito Constitucional, Porém não ficam resolvidas as dificuldades que
surgem quando se pretende determinar os valores constitucionais fundamentais no
contexto de uma ordem jurídica positiva concreta. As dificuldades decorrem, segundo
FERREIRA DA CUNHA, do «silêncio dos valores na letra das Constituições», ou seja,
do facto de, na maioria esmagadora das situações, os grandes valores jurídico-políticos
não se apresentarem sob essa forma, não estarem como tais classificados92.
FERREIRA DA CUNHA considera lícito, perante tais situações «silenciosas»,
averiguar os valores constitucionais em concreto por via de interpretação de princípios
positivados numa determinada Constituição, de forma explícita ou implícita, desde que
não se entre «...numa perspectiva de inflação valorativa» e se observem os valores como

88
CARVALHO, Virgílio de Jesus Miranda, Os Valores Constitucionais Fundamentais: Esboço de uma
Análise Axiológico-Normativa, Coimbra: Coimbra Editora, 1982, p. 9.
89
MIRANDA, Manual..., Tomo II, pp. 250 e 251.
90
MIRANDA, Manual..., Tomo I, cit. p. 14.
91
OTTO, Ignacio, Derecho Constitucional: Sistema de Fuentes, 8ª imp., Barcelona, Ariel, 2001, p. 11.
92
CUNHA, Paulo Ferreira da, Constituição e Valores: Diálogo de Axiologia Constitucional, in: «Revista
de Direito Público», Janeiro e Junho de 2009, Nº 01, Instituto de Direito Público, Coimbra: Almedina,
Maio de 2009, p. 264.
41

«super-conceitos», tais como «Liberdade, Igualdade e Justiça»93. Contudo, o Autor


chama a atenção para o risco que se corre ao solucionar problemas axiológico-
constitucionais mais pelos princípios que pelos valores, observando que nesse
procedimento haverá sempre «empobrecimento hermenêutico», porquanto «os valores
estão acima dos princípios, e poderiam contribuir para os articular e bem compreender»94.
É assim que PABLO VERDÚ95 defende que as Constituições que consagram o
Estado de Direito e a dimensão valorativa dos Direitos Humanos, remetendo para a
dignidade da pessoa humana, oferecem a principal e unificadora raiz valorativa, posição
que Ferreira da Cunha corrobora afirmando que «...se falarmos em Estado de Direito
Democrático, social e cultural, cremos que ele acaba por ser o mediador principal da
tríade valorativa Liberdade, Igualdade e Justiça».
Este debate sobre os valores constitucionais fundamentais pode ser enriquecido
considerando a observação crítica de Carvalho96, reveladora do inconveniente da doutrina
que reafirma a força normativa da Constituição «...no âmbito de uma concepção
“material positiva”, que tende a compreendê-la não só como “o estatuto jurídico do
político”, mas sobretudo como uma unidade de sentido político-ideológico». A crítica
baseia-se no facto de que os valores político-ideológicos, tendencialmente fechados pela
sua natureza, são passíveis, a longo prazo, de dificultar «um consenso normativo
estável», impedindo a realização das tarefas da Constituição consideradas actuais,
designadamente, «a construção da unidade política e a ordenação jurídica da
comunidade». Para além disso, tem-se objectado os valores de tipo político-ideológico
considerando-os «insusceptíveis de fornecerem um fundamento normativo-material às
normas, já que se reclamam sobretudo de uma legitimidade sociológica, isto é, de uma
positividade».
Tendo em conta as observações feitas, o autor defende que os valores culturais e
jurídico-políticos têm de ser considerados, mais amplamente, como «princípios
regulativos, opções ou intenções jurídico-constitucionais fundamentais que formam o
núcleo material da Constituição – entendido este como direito positivo, certamente, mas
de uma forma compreensiva e aberta, e não apenas normativamente...» 97. Referindo-se

93
FERREIRA DA CUNHA, ob. cit., p. 264.
94
Idem, p. 264.
95
Citado por FERREIRA DA CUNHA, ob. cit. p. 265.
96
CARVALHO, ob. cit., p. 7.
97
CARVALHO, ob. cit., pp. 7 e 8.
42

particularmente ao actual ordenamento constitucional português, o autor considera que


são dimensões normativo-materiais da Constituição a dignidade da pessoa humana; a
regulação da vida comunitária pelo direito, a identidade nacional; a democracia; e a
socialidade98.

3. A concretização dos limites ao princípio do pluralismo jurídico


3.1. O «silêncio dos valores» na Constituição de 2004

O fenómeno do «silêncio dos valores na letra das Constituições», atrás referido,


ocorre também na actual Constituição moçambicana, à semelhança das Constituições
anteriores. Com efeito, o texto constitucional de 2004 enuncia um conjunto de princípios
qualificando-os expressamente como fundamentais. Embora referindo-se também no seu
art. 4 a «valores fundamentais», a Constituição não contém qualquer disposição que
consagre explicitamente tais valores.
Como é óbvio, não se pretende com a afirmação anterior negar a existência de
«dimensões normativas, ou intenções jurídico-constitucionais que formam uma específica
unidade de sentido normativo-material»99 no contexto da Constituição moçambicana. O
que se quer é prenunciar as dificuldades que se têm de enfrentar na averiguação dos
valores constitucionais fundamentais, de cujo respeito depende a validade dos sistemas
normativos e de resolução de conflitos reconhecidos nos termos do citado art. 4 da
Constituição.
Como ponto de partida para essa averiguação consideram-se os seguintes
pressupostos: primeiro, não há uma necessária coincidência dos valores constitucionais
fundamentais com os princípios fundamentais como tais declarados no texto da
Constituição; segundo, a natureza fundamental formal destes princípios, sendo condição
necessária, não é contudo suficiente para preencherem o conteúdo dos limites ao
princípio do pluralismo jurídico.
Estes pressupostos têm como suporte, não só as ideias de Ferreira da Cunha atrás
apresentadas, mas também a doutrina expendida por MERCHÁN100 que, por um lado,
considera os valores constitucionais como «conceitos jurídicos indeterminados», que se

98
Idem, p. 10 e ss.
99
Idem, p. 8.
100
MERCHÁN, José Fernando Merino, et al., Lecciones de Derecho Constitucional, 1ª ed. (reimp.),
Madrid: Tecnos, 1997, p. 156 e ss.
43

revelam tanto através de preceitos constitucionais como mediante a interpretação e que,


sendo a sua eficácia menos específica, apoiam-se nos princípios, os quais, ao contar com
uma eficácia mais concreta, permitem a sua aplicação. Por outro lado, estabelece a
diferença entre princípios constitucionais stricto sensu (v.g. Estado de Direito; Estado
democrático; Estado social e soberania popular) e aqueles que embora tenham
igualmente a consideração de constitucionais, por estarem incluídos no texto
fundamental, se caracterizam por incidirem directamente na organização do ordenamento
jurídico (v.g. legalidade; hierarquia normativa; publicidade; irretroactividade das
disposições sancionatórias não favoráveis ou restritivas de direitos; segurança jurídica;
e responsabilidade dos poderes públicos.
Em face do «silêncio dos valores» fundamentais no texto constitucional de 2004,
procurar-se-á, de acordo com os pressupostos e a doutrina enunciados, averiguar tais
valores através do método indutivo, o que significa partir dos princípios para a descoberta
dos valores fundamentais que neles se reflectem. Com efeito, como atrás se viu com
Ferreira da Cunha, os valores têm de ser considerados como «super-conceitos» e situados
hierarquicamente acima dos princípios, ou seja, no topo da pirâmide jurídica.
Nesta perspectiva, antes de discutir a questão específica da concretização dos
limites ao princípio do pluralismo jurídico, convém verificar os princípios fundamentais
positivados na Constituição.
44

3.2. Os princípios fundamentais na Constituição de 2004

A Constituição vigente dedica o seu Primeiro Título, conforme revela a respectiva


epígrafe, aos princípios fundamentais, mas tal não significa que aí se esgotem todos os
princípios que merecem ser qualificados como fundamentais. Com efeito, existem
princípios, também fundamentais, dispersos ao longo do texto constitucional,
nomeadamente nos capítulos introdutórios de algumas das unidades sistemáticas da
Constituição que têm também a designação de «Título».
É pertinente, neste contexto, entender-se que a intenção do legislador
constitucional terá sido a de reunir no Título I da Constituição aqueles princípios
fundamentais que considerou serem basilares da ordem constitucional, para depois os
desenvolver na regulamentação específica das diversas matérias constitucionais. Assim,
para além dos princípios fundamentais que constam do Título I, encontram-se tantos
outros, nomeadamente, nos Títulos III, IV, V, IX, XIII e XIV dedicados,
respectivamente, às seguintes matérias: direitos, deveres e liberdades fundamentais;
organização económica, social, financeira e fiscal; organização do poder político;
Tribunais; administração pública, polícia, Provedor de Justiça e órgãos locais do Estado;
defesa nacional e Conselho Nacional de Defesa e Segurança; e poder local.
As disposições do Título I conjugadas com outras directamente correlacionadas
fornecem, nomeadamente, o seguinte quadro de princípios constitucionais fundamentais:
a) o princípio republicano (arts. 1 e 146, nº 1);
b) o princípio democrático (arts. 2, nºs 1 e 2; 3; 73, 74,75, 135, 136);
c) o princípio do Estado de Direito (art. 3);
d) o princípio pluralista (remissão);
e) o princípio do Estado social [arts. 1 e 11, al. c), 97, 101, nº 1, 112 a 126, 127,
nº 1 e 128, nº 1];
f) o princípio do Estado unitário (art. 8);
g) o princípio da autonomia das autarquias locais (arts. 8, 271 e ss);
h) o princípio da laicidade do Estado (artigos. 12 e 54).
A importância específica de cada um dos princípios enunciados é indiscutível,
mesmo assim é conveniente, no âmbito deste estudo, destacar, entre eles, o princípio do
45

Estado de Direito, o princípio democrático e o princípio do Estado social, tendo em


consideração a sua mais íntima ligação aos valores de Liberdade, Igualdade, Justiça e
Segurança e, consequentemente, à dimensão axiológica fundamental da dignidade da
pessoa humana.
A doutrina é bastante rica em definições do Estado de Direito, não obstante
sufraga-se aqui o conceito de síntese apresentado por Novais, segundo o qual se trata de
«...um Estado limitado e organizado juridicamente com vista à garantia dos direitos
fundamentais dos cidadãos»101.
Conforme o citado autor, na perspectiva do constitucionalismo liberal o ideal do
Estado de Direito propõe-se sempre garantir a segura, liberdade e propriedade dos
cidadãos através dos seguintes meios:
«(i) uma marcada separação entre o Estado e a sociedade que permita à sociedade
constituir-se em espaço auto-regulado onde coexistem e concorrem as esferas de
autonomia económicas e morais dos cidadãos; (ii) uma redução da actividade do
Estado ao mínimo exigido para garantia da paz social e das condições objectivas
que viabilizem o encontro das autonomias individuais e o livre desenvolvimento
da personalidade de cada um; (iii) uma transformação progressiva de toda a
actividade do Estado em actuação fundada, organizada e limitada juridicamente e
uma concepção jurídica, regulada pelo Direito, das relações que o Estado mantém
com os cidadãos»102.
Para cumprir os seus propósitos, o Estado de Direito deve, de acordo com
MIRANDA, satisfazer os seguintes requisitos103:
a) a definição rigorosa e garantia efectiva, no mínimo, dos direitos à vida e à
integridade pessoal, da liberdade física e da segurança individual, da
liberdade de consciência e religião, bem como da regra da igualdade
jurídica entre as pessoas;

101
NOVAIS, Jorge Reis, Os Pricípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa, Coimbra:
Coimbra Editora, 2004, p. 20; cf. VERDÚ, Pablo Lucas, citado por LATAILLADE, Iñigo Cavero e
RODRÍGUEZ, Tomás Zamora, Introducción al Derecho Constitucional, (2ª reimp), Madrid: Universitas,
2006, p. 142.
102
NOVAIS, ob. cit., p. 21.
103
Manual…., cit., Tomo IV, 3ª a ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p 198. V. também MERECHÁN,
et al, ob. cit., p. 157; LATAILLADE, ob cit., p. 140.
46

b) a pluralidade de órgãos governativos, independentes ou interdependentes


quanto à sua subsistência, e com funções distintas, competindo,
nomeadamente, ao parlamento o primado da função legislativa;
c) a reserva da função jurisdicional aos tribunais, independentes e dotados de
garantias de independência dos juízes;
d) o princípio da constitucionalidade, com fiscalização, jurisdicional ou
jurisdicionalizada, de conformidade das leis com a Constituição;
e) o princípio da legalidade de administração, com meios de impugnação
contenciosa dos actos administrativos e dos regulamentos;
f) a responsabilidade civil do Estado pelos danos causados pelos seus órgãos
e agentes.
Foi referido anteriormente que a Constituição de 2004 consagra o Estado de
Direito, de forma expressa, no seu art. 3. Examinando minuciosamente o texto da
Constituição, pode concluir-se que o Estado de Direito em Moçambique preenche, no
plano constitucional, todos os pressupostos acima enunciados.
Assim, os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos, bem como as
respectivas garantias encontram-se amplamente estabelecidos no Título III da
Constituição, onde se concentram dimensões jurídico substantivas pertinentes aos
princípios axiológicos fundamentais, tais como, proibição de discriminações (arts. 35 a
37), inviolabilidade da vida humana e da integridade moral e física das pessoas (arts. 40,
41 e 65, nº 3), irretroactividade da lei penal incriminadora (arts. 57 e 60), direito de
defesa dos acusados (arts. 62 e 63), liberdade de religião e de convicção (art. 54), e
dignidade social do trabalho (art. 84). Nesta matéria, é muito importante ter em conta o
disposto no art. 43 da Constituição que estabelece o princípio da interpretação e
integração dos preceitos constitucionais relativos aos direitos fundamentais de harmonia
com a Declaração Universal dos Direitos do Homem e a Carta Africana dos Direitos do
Homem e dos Povos.
O princípio da separação e interdependência dos poderes vem consagrado no art.
134 da Constituição, e concretiza-se, nas suas dimensões orgânica e funcional, através do
artigo 133, que fixa os órgãos de soberania (o Presidente da República, a Assembleia da
República, o Governo, os Tribunais e o Conselho Constitucional), conjugado com outras
disposições constitucionais que estabelecem as competências de cada um destes órgãos
47

de soberania, incluindo certas formas de colaboração ou interdependência no exercício


dos respectivos poderes.
A função jurisdicional é definida no art. 212 da Constituição, atribuindo-se
primordialmente aos tribunais as tarefas de penalizar as violações da legalidade e de
decidir pleitos de acordo com o estabelecido na lei. A independência dos tribunais está
assegurada através do «estatuto dos juízes», cujo conteúdo inclui garantias de
independência, imparcialidade, irresponsabilidade e inamovibilidade, nos termos do art.
217 e seguintes.
A Constituição consagra o princípio da constitucionalidade, nomeadamente, nos
artigos 2, nºs 3 e 4, e 134, in fine, assim como estabelece um sistema misto de
fiscalização do cumprimento da Constituição que, por um lado, compreende o Conselho
Constitucional, definido nos termos do art. 241 como órgão especializado na
administração da justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional, tendo como
competência principal «apreciar e declarar a inconstitucionalidade das leis e a ilegalidade
dos actos normativos dos órgãos do Estado», conforme a al. a) do nº 1 do artigo 244; e,
por outro lado, envolve os tribunais em geral que, nos termos do artigo 214, detêm o
poder de desaplicar, nos feitos submetidos a julgamento, princípios ou regras que
ofendam a Constituição.
O princípio da legalidade da administração é especialmente consagrado no art.
249, nº 2, estando assegurado aos cidadãos interessados, conforme o nº 3 do artigo 253,
«o direito ao recurso contencioso fundado em ilegalidade de actos administrativos, desde
que prejudiquem os seus interesses». Compete ao Tribunal Administrativo, conforme os
artigos 228 e 230 da Constituição, «o controlo da legalidade dos actos administrativos e
da aplicação das normas regulamentares emitidas pela Administração Pública...»; «julgar
acções que tenham por objecto litígios emergentes das relações jurídico-administrativas»;
e «julgar os recursos interpostos das decisões dos órgãos do Estado, dos respectivos
titulares e agentes».
Finalmente, no art. 58, nº 2, da Constituição, prevê-se a responsabilidade do
Estado por actos ilícitos de seus agentes, garantindo-se a reparação das violações dos
direitos dos cidadãos e outras entidades decorrentes da prática desses actos ilícitos.
A Constituição incorpora no Estado de Direito outras duas dimensões políticas
conformadoras, a socialidade e a democracia. Neste sentido, afigura-se mais exacto
48

considerar a República de Moçambique como um «Estado Social e Democrático de


Direito».
REIS NOVAIS104 explica que o modelo de Estado Social e Democrático de
Direito, surgido a partir do século XX, assume integralmente «o ideal de limitação
jurídica do Poder e da preservação das garantias individuais legado pelo Estado de
Direito liberal num quadro de reavaliação dos fins do Estado e de reconstrução das
relações entre o Estado e a sociedade».
Neste contexto, ao invés de se conceber a sociedade como uma «realidade auto-
suficiente», ela passa «a ser encarada como um objecto que o Estado deve estruturar,
regular e transformar com vista a prossecução da justiça social e do progresso
económico». No quadro dos fins essenciais do Estado passa a inserir-se também a justiça
social e a prossecução da igualdade material, o que vem consubstanciar o Estado social,
cujo ideal está na pretensão de estruturar e regular a vida social «a partir do impulso e da
conformação estaduais, quer através duma política económica intervencionista quer
através da providência das condições de existência vital dos cidadãos, prestação de bens e
serviços e criação de infra-estruturas materiais».
A dimensão democrática do Estado de Direito permite reconhecer e estimular «a
pressão e o controlo da Sociedade sobre o Estado, visando a possibilidade de inflexão e
apropriação social das decisões políticas através da acção permanente e institucionalizada
dos partidos, grupos de interesses e organizações sociais sobre os aparelhos do Estado».
Esta concepção de Estado Social e Democrático de Direito é acolhida pela
Constituição de 2004, ao definir, no seu art. 1, a República de Moçambique como «...um
Estado [...] democrático e de justiça social», desenvolvendo, posteriormente, o princípio
democrático e o princípio da socialidade.
O princípio democrático é reafirmado no art. 3 da Constituição, com epígrafe
«Estado de Direito Democrático», onde se proclama «...um Estado de Direito baseado
[...] na organização política democrática». No art. 2, nºs 1 e 2, consagra-se a soberania
popular e o seu exercício pelo povo moçambicano segundo as formas constitucionais que,
conforme o artigo 73, consistem no sufrágio universal para a escolha de representantes,
no referendo sobre as grandes questões nacionais e na permanente participação
democrática dos cidadãos na vida da Nação. No Capítulo IV do Título III são

104
Os Princípios Estruturantes Fundamentais..., ob. cit., p. 30 e ss.
49

estabelecidos direitos, liberdades e garantias de participação política, destacando-se, para


além das formas de participação democrática enunciadas no art. 73, acima citado, o
reconhecimento expresso, nos termos do art. 74, dos partidos político e do seu papel
fundamental na expressão do «pluralismo político» e na «formação e manifestação da
vontade popular», constituindo-se, ao mesmo tempo, em «instrumento fundamental para
a participação democrática dos cidadãos na governação do país».
O Estado social possui uma grande riqueza de concretizações na Constituição que,
desde logo, fixa, no seu artigo 11, objectivos económicos e sociais tais como «a
edificação de uma sociedade de justiça social e a criação do bem-estar material, espiritual
e de qualidade de vida dos cidadãos (al. c); «a promoção do desenvolvimento
equilibrado, económico, social e regional do país» (al. d) e «o desenvolvimento da
economia e o progresso da ciência e da técnica» (al. h). Os conteúdos materiais que
concretizam especificamente o Estado social encontram-se no Capítulo V do Título III,
onde se consagram direitos e deveres económicos, sociais e culturais, conjugado com o
Título IV dedicado à organização económica, social, financeira e fiscal.
O catálogo constitucional de direitos sociais compreende, nomeadamente, os
direitos dos cidadãos ao trabalho (art. 84), à educação (art. 88), à saúde (art. 89), a viver
num ambiente equilibrado (art. 90), à habitação condigna (art. 91) e à assistência na
incapacidade e na velhice (art. 95), sendo responsabilidade do Estado promover a
realização progressiva desses direitos.
No domínio da organização económica merece destaque, entre outros tantos, o art.
101 da Constituição que incumbe o Estado de promover, coordenar e fiscalizar a
actividade económica «agindo directa ou indirectamente para a solução dos problemas
fundamentais do povo e para a redução das desigualdades sociais e regionais».
O Estado Social e Democrático de Direito, conforme a sua caracterização
doutrinal e a sua concretização na Constituição moçambicana, pretende realizar os
valores já referidos de Liberdade, Igualdade, Justiça e Segurança, os quais estribam na
«dignidade da pessoa humana».
A «dignidade da pessoa humana» não aparece mencionada no rol dos princípios
fundamentais consagrados no Título I da Constituição, porém a mesma é expressamente
referida, por um lado, no nº 6 do art. 48, nos termos do qual as liberdades de expressão e
informação são limitados por lei «com base nos imperativos do respeito [...] pela
50

dignidade da pessoa humana» e, por outro, no nº 3 do art. 119, onde se considera «o


desenvolvimento das relações sociais baseadas no respeito pela dignidade da pessoa
humana» como fundamento do princípio de que «o casamento se baseia no livre
consentimento».
Estas duas referências explícitas à dignidade da pessoa humana devem ser vistas
de forma não isolada, mas sim em conjugação com os artigos 3 e 11, al. d) da
Constituição, que consagram, respectivamente, «Estado de Direito Democrático baseado
[...] no respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais do Homem» e «a defesa
e promoção dos direitos humanos e da igualdade dos cidadãos perante a lei» como
objectivo fundamental do Estado.
A partir desta visão sistemática chega-se à conclusão de que a dignidade da
pessoa humana, na medida em que implica, necessariamente, o respeito e a garantia dos
directos fundamentais do Homem, constitui fundamento do Estado Social e Democrático
de Direito consagrado nos termos da Constituição.
Para uma melhor compreensão do sentido e alcance da dignidade da pessoa
humana enquanto esteio do Estado social e democrático de Direito, é útil recorrer
novamente às prelecções de Reis Novais que, no contexto da Constituição portuguesa de
1976, afirma o seguinte:
«...o princípio da dignidade da pessoa humana desenvolve consequências jurídicas
em várias direcções, designadamente enquanto tarefa ou obrigação jurídica a
cargo Estado e enquanto limite e parâmetro da sua actividade. Por outro lado, na
medida em que é fim do Estado e Direito e princípio fundamental da sua ordem
de valores, constitui-se igualmente em padrão identificador da natureza do
relacionamento entre o Estado e o indivíduo, com enormes consequências, desde
logo, na interpretação da natureza e alcance dos direitos fundamentais»105.
O mesmo autor demarca com clareza a concepção da dignidade da pessoa humana
no quadro do Estado de Direito liberal da concepção da mesma no Estado social e
democrático de Direito, mostrando que neste modelo de Estado essa dignidade
caracteriza-se por ser «circunstancial e temporariamente determinada» na medida em que
«é própria de um indivíduo comunitariamente integrado e condicionado, titular de
direitos fundamentais oponíveis ao Estado e aos concidadãos, mas socialmente vinculado

105
NOVAIS, ob. cit., pp. 51 e 52.
51

ao cumprimento dos deveres e obrigações que a decisão popular soberana lhe impõe
como condição da possibilidade de realização da dignidade e dos direitos de todos»106.
Da exposição feita decorre que a Constituição moçambicana de 2004, na mesma
medida em que consagra o Estado social e democrático de Direito, acolhe os valores
fundamentais da Liberdade, Igualdade, Justiça e Segurança, os quais visam, em última
instância, a realização do valor fundamental da dignidade da pessoa humana através da
defesa e promoção dos direitos e liberdades fundamentais do Homem na sua dupla
dimensão de indivíduo e de ser social.

3.3. A interpretação do artigo 4 da Constituição

A aplicação da norma jurídica pressupõe a sua interpretação, significado este


termo «...a actividade a que nos dedicamos ao tentar encontrar o significado de algo». 107
Na interpretação jurídica o objecto cujo significado se tenta descortinar consiste em
disposições legais que, conforme Machado, se apresentam ao jurista «como um
enunciado linguístico, como um conjunto de palavras que constituem um texto»,
consistindo a interpretação «evidentemente em retirar deste texto um determinado sentido
ou conteúdo de pensamento»108.
As disposições normativas não se confundem com as normas, pois, segundo
ZORRILLA, «enquanto as disposições normativas são textos promulgados pelas
autoridades jurídicas e que constituem o objecto da interpretação, as normas
propriamente ditas são os resultados dessa actividade interpretativa, isto é, os significados
desses textos»109.
Noutra perspectiva, deve ter-se em conta que não existe uma necessária
correspondência biunívoca entre o enunciado da norma e a norma, ocorrendo muitas
vezes o fenómeno de «conjugação de normas», que se traduz em disposições que
exprimem não apenas uma, mas várias normas conjuntamente 110. É o que se verifica no
art. 4 da Constituição, cujo enunciado é passível de desdobramento em pelo menos dois

106
NOVAIS, ob. cit, p. 53. V. MIRANDA, Manual...,Tomo IV, cit., p. 180 e ss.
107
MARMOR, Andrei, Direito e Interpretação: Ensaio de Filosofia do Direito, (ed. brasileira) São Paulo:
Martins Fontes, 2004, p. 5.
108
MACHADO, João Baptista, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra: Almedina,
1997, p. 175.
109
ZORRILLA, David Martínez, Conflitos Constitucionales, Ponderación e Indeterminación, Madrid:
Marcial Pons, 2007, p. 35; cfr. CANOTILHHO, Direito Constitucional, ob. cit., p. 1202.
110
CANOTILHO, Direito Constitucional..., ob. cit., p. 1204; cfr. ZORRILLA, ob. cit., p. 35.
52

«segmentos de normas»: N1 – O Estado reconhece vários os sistemas normativos e de


resolução de conflitos que coexistem na sociedade moçambicana; N2 – O Estado não
reconhece os sistemas normativos e de resolução de conflitos naquilo que contrarie os
valores e os princípios fundamentais da Constituição.
Nota-se que estes dois segmentos de normas revelam-se contraditórios, facto que
traduz o fenómeno que tem a designação de «conflitos constitucionais» ou «antinomias
constitucionais». Os conflitos constitucionais constituem «um problema [...] próprio dos
sistemas que poderiam qualificar-se como (neo) constitucionalistas, caracterizados, entre
outros aspectos, por possuir constituições que vão muito mais além dos clássicos aspectos
institucionais e procedimentais e que contêm um denso conteúdo substantivo, em forma
de direitos fundamentais, princípios, directrizes políticas, bens protegidos, etc.»111.
Miranda classifica essas Constituições como complexas ou compromissórias,
caracterizando-se pela coexistência de princípios prima facie contraditórios até mesmo
antagónicos, mas com a virtualidade de harmonização prática a cargo da hermenêutica
jurídica112.
Os conflitos constitucionais podem apresentar-se sob as seguintes modalidades113:
a) conflitos in abstracto, quando as hipóteses do conflito se podem determinar a
priori, independentemente das circunstâncias empíricas concretas do caso, ou
seja conflitos detectados a priori por obedecerem a razões lógicas ou
estruturais;
b) conflitos in concreto, quando as hipóteses da colisão são estritamente
empíricas, não se devendo a razões lógicas, isto é, aqueles conflitos que
obedecem estritamente a circunstâncias empíricas, impossíveis de catalogar
exaustivamente a prior
Enquanto os conflitos do primeiro tipo ocorrem geralmente entre regras, os do
segundo tipo ocorrem entre princípios constitucionais, porquanto, conforme mostra
Carvalho114, embora as dimensões normativas, valores ou intenções jurídico-
constitucionais formem uma específica unidade de sentido normativo-material, pode

111
ZORRILLA, David Martínez, Conflitos Constitucionales, Ponderación e Indeterminación, Madrid:
Marcial Pons, 2007, p. 31.
112
MIRANDA, Manual..., Tomo II, ob. cit., pp. 24-26.
113
ZORRILLA, p. 60 e ss.
114
Os Valores Constitucionais Fundamentais..., ob. cit., pp. 8 a 10.
53

verificar-se entre eles «concretas tensões dialécticas, designadamente, em termos de uma


polaridade, de uma complementaridade e de uma recíproca qualificação».
Em relação ao artigo 4 da Constituição verifica-se um conflito in concreto entre o
princípio do pluralismo jurídico enquanto expressão do reconhecimento dos sistemas
normativos e de resolução de conflitos não oficiais e o princípio que limita esse
reconhecimento à conformidade dos referidos sistemas com os valores e princípios
fundamentais da Constituição.
Como anteriormente se disse, as hipóteses de conflito entre os mencionados
princípios têm maiores possibilidades de se verificarem nos casos em que a aplicação do
princípio do pluralismo jurídico envolva sistemas jurídicos e de resolução de conflitos
consuetudinários. Neste âmbito, pode considerar-se que a limitação do princípio do
pluralismo jurídico pelos valores e princípios fundamentais da Constituição colide com o
princípio da afirmação da identidade moçambicana e das suas tradições e demais valores
sócio-culturais [art. 11, al. i) da Constituição] e do princípio que impõe o Estado a tarefa
de promover o desenvolvimento da cultura e personalidade nacionais e garantir a livre
expressão das tradições e valores da sociedade moçambicana (art. 115, nº 1 da
Constituição).
Os conflitos constitucionais in concreto no domínio da aplicação do princípio do
pluralismo jurídico envolvendo sistemas normativos e de resolução de conflitos
tradicionais evidenciam-se num caso reportado pela Open Society Foundation, no seu
Relatório, já citado, sob o título Direito costumeiro, autoridades tradicionais e princípios
constitucionais.
Considerando o seu especial interesse para a compreensão da matéria em debate,
transcreve-se a seguir o relato115:
«Bernardo Sacarolha Ngomacha, de 39 anos, casado de acordo com o direito costumeiro,
vivia com as suas 5 mulheres, 15 filhos e filhas na província de Inhambane. Em 1998,
uma das suas mulheres, Cândida, abandonou a casa de modo a escapar dos abusos físicos
de que era frequentemente vítima. Ela levou a sua filha consigo e foi para a cidade da
Beira. Bernardo foi a casa dos pais da Cândida e ameaçou-os de morte se não trouxessem
de volta a sua mulher e filha. O pai da Cândida foi à Beira e encontrou a sua filha, mas a
sua neta tinha contraído malária e tinha morrido. Ao receber as notícias, Bernardo exigiu
uma indemnização para sua substituição na forma de outra criança do sexo feminino. Ele
argumentou que tinha motivos para pedir tal indemnização de forma a garantir o dinheiro
que poderia eventualmente receber pelo lobolo [dote] da sua filha. Bernardo levou o caso
à justiça tradicional, onde as autoridades tradicionais decidiram que o pai da Cândida
tinha que dar a Bernardo uma criança do sexo feminino como compensação pela sua filha
115
Open Society Foundation, Relatório...cit. p. 115.
54

falecida. O pai da Cândida cumpriu o decidido e Quitéria, então com 6 anos e que vivia
com os pais da Cândida, foi dada a Bernardo. Foi decidido que a criança de sexo
feminino ficaria sob autoridade de Bernardo até que ela desse à luz outra criança do sexo
feminino, compensando Bernardo pela totalidade da perda sofrida. Três anos mais tarde,
Bernardo violou [sexualmente] Quitéria duas vezes. Cândida foi informada do que
aconteceu e disse ao seu pai, que informou a polícia. A polícia prendeu Bernardo e
retirou Quitéria da sua casa. O caso foi apresentado ao Tribunal Judicial Provincial de
Inhambane, que condenou Bernardo a 12 anos de prisão e a pagar a Quitéria
10.000.000,00 MT a título de indemnização. Bernardo apelou da decisão do Tribunal
Provincial e o caso chegou até ao Tribunal Supremo. Na sua decisão de Maio de 2004, o
Tribunal Supremo estabeleceu que a decisão original das autoridades tradicionais, ainda
que de acordo com o direito costumeiro, era uma clara violação dos princípios
constitucionais e de padrões internacionalmente aceites de proteção dos direitos das
crianças. A Constituição garante que uma criança não pode ser sujeita a maus tratos nem
sujeita a discriminação devido as origens do seu nascimento (artigo 56 da Constituição).
Relativamente a tratados internacionais, o Tribunal supremo decidiu que as autoridades
tradicionais tinham violado o art. 3 da Declaração dos Direitos da Criança e os arts. 8
(sobre escravatura), 23 e 24 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos».

Os fatos relatados assim como o seu julgamento ocorreram na vigência da


Constituição de 1990 que, como se sabe, não consagrava expressamente o princípio do
pluralismo jurídico, tal como aparece na Constituição de 2004. Não obstante verifica-se
que o Tribunal Supremo aferiu a validade do direito consuetudinário, na sua aplicação ao
caso concreto, apelando a «princípios constitucionais e a padrões internacionalmente
aceites de proteção dos direitos da criança», fato que é bem vincado no seguinte
comentário que se faz no referido Relatório, nos seguintes termos116.
«O Tribunal Supremo claramente afirmou que as decisões relativas às crianças
devem ser sempre tomadas de acordo com os melhores interesses para a criança e
que o direito costumeiro tem que ser aplicado com respeito pelos valores
fundamentais contidos na Constituição e pela promoção dos direitos humanos,
incluindo a igualdade de tratamento perante a lei (Constituição de 1990, art. 6, d).
[...] O processo continha como mensagem subjacente que as decisões dos
tribunais tradicionais, não obstante a aplicação do direito costumeiro, têm que
considerar primeiro os princípios constitucionais e outros padrões de protecção
dos direitos humanos, dos quais não estão isentos».
A jurisprudência do douto Tribunal Supremo neste caso conserva a sua atualidade
face ao do art. 4 da Constituição vigente, na medida em que se orientou pala concepção
básica da limitação da validade e eficácia do direito consuetudinário pelos valores e

116
Cfr. p. 116.
55

princípios fundamentais da Constituição, sobretudo os que têm a ver com os direitos e


liberdades fundamentais do Homem.
Neste sentido pode afirmar-se que os princípios axiológicos fundamentais, que
ancoram profundamente nos direitos, liberdades e garantias fundamentais que protegem
a dignidade da pessoa humana, devem impreterivelmente preencher o conteúdo dos
limites ao princípio do pluralismo jurídico, ou seja, a aplicação desses princípios
determina a invalidade dos direitos não oficiais que os contrariem. O núcleo dos
princípios axiológicos fundamentais inclui, nomeadamente, o direito à vida, à integridade
física e moral, à igualdade, à liberdade (não só física mas também de consciência e de
crença), à justiça e à segurança.
No Estado de Direito a administração da justiça deve caber principalmente ao
próprio Estado através dos tribunais, conforme estabelece o art. 212, nºs 1 e 2 da
Constituição. Por isso, o reconhecimento dos sistemas de resolução de conflitos não
oficiais em nenhuma circunstância deve ser interpretado no sentido de preterir o direito
dos cidadãos de acesso aos tribunais que é garantido nos termos dos artigos 62 e 70 da
Constituição, conjugados com o art. 69 que consagra o direito de impugnação dos actos
que violam os direitos dos cidadãos estabelecidos na Constituição.
Neste sentido conclui-se que todo o cidadão goza plenamente do direito de
impugnar as decisões das autoridades tradicionais perante os tribunais desde que violem
os seus direitos e liberdades fundamentais garantidos pela Constituição.
No caso em análise, verifica-se que o pai da Cândida acatou a decisão das
autoridades tradicionais, entregando a Bernardo uma criança do sexo feminino que estava
sob sua tutela, com objectivo de no futuro ela gerar uma menina que substituiria a
falecida, a título de indemnização. Tudo indica o pai da Cândida, embora ciente da
injustiça da decisão, teve de a cumprir temendo represálias de Bernardo, que já o havia
ameaçado de morte. Porém, ao pai da Cândida assistia desde logo o direito de apelar da
decisão perante os tribunais oficiais, o que só veio a fazer tardiamente quando tomou
conhecimento das violações sexuais cometidas por Bernardo contra a menor. Mas antes
dessas violações foi posta em causa a dignidade da menor ao ser instrumentalizada a fim
de se indemnizar Bernardo pelos alegados prejuízos ou «lucros cessantes» decorrentes da
morte da sua filha. O pai da Cândida, pessoa a quem recaía a responsabilidade de zelar
56

pelos interesses da menor, poderia ter evitado tal situação recorrendo imediatamente da
decisão das autoridades tradicionais juntos do tribunal.
Até aqui procurou-se demonstrar que os valores fundamentais da Liberdade,
Igualdade, Justiça e Segurança inerentes ao Estado de Direito assim como os princípios
axiológicos fundamentais dogmaticamente traduzidos em direitos, liberdades e garantias
fundamentais conexos com a dignidade da pessoa humana devem preencher o conteúdo
dos limites ao princípio do pluralismo jurídico, ou seja, devem servir de critérios da
validade dos sistemas normativos e de resolução de conflitos reconhecidos no art. 4 da
Constituição.
Porém, mantém-se sem resposta a questão de saber em que medida os demais
valores e princípios concretizadores do Estado social e democrático de Direito,
designadamente os princípios políticos conformadores e os princípios constitucionais
instrumentais, podem limitar o princípio do pluralismo jurídico.
Alguns desses princípios prendem-se fundamentalmente a definição da estrutura
do Estado, da organização do poder político e das formas da sua actuação, sendo difícil
determinar até que ponto poderão vincular a sociedade tradicional e suas autoridades.
Por exemplo, parece manifesta a dificuldade de conciliar o princípio da separação
de podres com os modelos tradicionais de organização do poder, o que se pode
demonstrar com s seguinte observação de RADCLIFFE-BROWN117:
«Em África é muitas vezes difícil de separar, mesmo no pensamento, o lugar
político da função ritual ou religiosa. Assim, nalgumas sociedades africanas pode
dizer-se que o rei é o chefe executivo, o legislador, o juiz supremo [...], o
sacerdote-chefe ou chefe supremo do ritual e talvez mesmo o principal capitalista
de toda a comunidade».
Alguns princípios políticos conformadores, além de vincular o Estado, têm
importantes projecções sobre os indivíduos e a sociedade. É o caso do princípio
democrático que, tal como o princípio do Estado de Direito, muita irradiação na ordem
constitucional atingindo tanto o Estado-poder como o Estado-comunidade. A
democratização da sociedade tradicional é um problema muito complexo, sobretudo
quanto ao modo de legitimação do respectivo poder e modos de actuação deste. Com

117
In: Prefácio a FORTES, M e EVANS-PRITCHARD, E. E., Sistemas Políticos Africanos, (ed.
portuguesa), Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1940, p. 21.
57

efeito, as autoridades tradicionais fundam-se geralmente em legitimidade tradicional,


monárquica ou aristocrática.
No entanto o princípio democrático envolve direitos, liberdades e garantias de
participação política dos cidadãos, conforme se pode verificar nos artigos 73 e seguintes
da Constituição. Por isso, mesmo que se reconheça a natureza não democrática (o que
não significa natureza antidemocrática) da legitimidade da autoridade tradicional, não se
pode, contudo, permitir que o exercício dessa autoridade impeça os cidadãos de
exercerem seus direitos de participação na vida política do Estado, nomeadamente, o
direito de sufrágio político em condições de liberdade e igualdade.
Em qualquer dos casos acima referidos, a resolução de conflitos constitucionais in
concreto, no âmbito da aplicação do princípio do pluralismo jurídico, dentro dos limites
impostos pelos valores e princípios fundamentais da Constituição, exige o recurso a um
mecanismo específico denominado ponderação, que não supõe nem a introdução de
excepções nem a declaração de invalidade de qualquer das normas em conflito118.
O termo ponderação é aqui usado num sentido metafórico representando a ideia
de que os elementos em conflito são colocados numa «balança» a fim de determinar qual
deles pesa mais. A metáfora da balança destaca o facto de que a decisão sobre o princípio
a aplicar não é arbitrária, mas obedece a «critérios totalmente objectivos e independentes
das vontade do decisor que se limita a constatar qual dos elementos é o mais importante».
O resultado da ponderação consiste no «estabelecimento de uma preferência a favor de
um dos elementos em conflito, que será finalmente o relevante para solucionar a
controvérsia suscitada». Em princípio não se trata de encontrar um equilíbrio, ou um
modo de compatibilizar os elementos em conflito na situação dada, mas sim de
determinar qual deles vence e resolve a controvérsia119.
Neste sentido, a ponderação não coincide com o «princípio da concordância
prática ou harmonização», na medida em que este «impõe a coordenação e combinação
de bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício (total) de uns em relação aos
outros»120.
Não obstante, este princípio não deve ser desconsiderado, porquanto a sua
aplicação é de grande utilidade na solução de conflitos entre direitos fundamentais ou

118
Cfr. ZORILLA, Conflictos Constitucionales..., ob. cit., p. 69.
119
Idem, p. 155.
120
CANOTILHO, Direito Constituciona..., ob. cit., p. 1225
58

entre estes e bens jurídicos constitucionalmente protegidos. Com efeito, na concretização


dos limites ao princípio do pluralismo jurídico podem emergir conflitos in concreto entre
direitos fundamentais e a «livre expressão das tradições e valores da sociedade
moçambicana» garantida pelo nº 1 do art. 115 da Constituição. Em casos desta natureza
mostrar-se-á útil o recurso ao princípio da concordância prática.
59

CONCLUSÃO

O pluralismo, enquanto expressão da diferença e dos particularismos, é uma


realidade factual que se verifica em qualquer sociedade organizada sob a forma de
Estado, contudo o modo como o poder político encara tal realidade difere em função do
lugar e do tempo, considerando-se como pluralistas os Estados que a reconhecem e
monistas aqueles que a não reconhecem.
O pluralismo jurídico, como aspecto particular do pluralismo das sociedades em
geral, é também, antes de mais, um facto que pode ou não ser reconhecido pela ordem
jurídica estatal. Na era contemporânea nota-se um movimento generalizado de luta pelo
reconhecimento da pluralidade de ordens jurídicas no seio do Estado, como consequência
da crise e do esgotamento do paradigma do monismo e positivismo jurídico, baseado na
concepção de que o Estado é a única entidade legitimada para produzir o Direito que, por
sua vez, tem como única fonte a lei positiva.
Em Moçambique o posicionamento do poder político perante o fenómeno do
pluralismo jurídico tem variado nos diversos períodos históricos. Portugal, enquanto
potência colonizadora, praticou uma política colonial que permitiu a coexistência,
oficialmente reconhecida, do Direito estatal com os Direitos tradicionais das
comunidades autóctones incluindo as autoridades tradicionais pertinentes a essas
comunidades. Porém, a natureza destas autoridades foi sendo gradualmente transformada,
colocando as chefias tradicionais ao serviço dos interesses da administração colonial.
Moçambique tornou-se Estado independente em 1975, adoptando-se na primeira
Constituição um regime político de democracia popular totalitária, que teve a sua
expressão mais emblemática no sistema monopartidário em que a Frente de Libertação de
Moçambique (FRELIMO), posteriormente transformada em Partido, era
constitucionalmente definida como força dirigente do Estado e da sociedade. Neste
contexto, as estruturas da sociedade tradicional incluindo as autoridades tradicionais
foram rejeitadas, situação que propiciou o monismo jurídico.
A Constituição de 1990 determinou a transição para o Estado de Direito
Democrático e pluralista, o qual devia prosseguir, entre outros objectivos fundamentais,
«a afirmação da personalidade moçambicana, das suas tradições e demais valores sócio-
culturais», comprometendo-se igualmente a promover o desenvolvimento da cultura e
60

personalidade nacionais e a garantir a livre expressão das tradições e valores da sociedade


moçambicana. Neste contexto, a Constituição de 1990 reconhecia também o pluralismo
jurídico embora de forma implícita.
A Constituição de 2004 reafirma o Estado de Direito Democrático e desenvolve e,
em alguns casos, explicita os seus princípios fundamentais. Um dos princípios
explicitados é, precisamente o do pluralismo jurídico enunciado no art. 4, no qual se
reconhecem segundo o qual «o Estado reconhece os vários sistemas normativos e de
resolução de conflitos que coexistem na sociedade moçambicana, na medida em que não
contrariem os princípios fundamentais da Constituição».
A aplicação desta disposição constitucional pressupõe a determinação dos valores
e princípios fundamentais da Constituição que devem efectivamente limitar a eficácia do
princípio do pluralismo jurídico. Assim, tendo em conta que a Constituição consagra o
Estado social e democrático de Direito, entende-se que os valores fundamentais que
devem ser considerados no âmbito dos limites ao princípio do pluralismo jurídico são a
Liberdade, a Igualdade, a Justiça e a Segurança, os quais fundamentam os princípios
axiológicos fundamentais traduzidos dogmaticamente em direitos, liberdades e garantias
conexas com a defesa e promoção da dignidade da pessoa humana.
Na interpretação do art. 4 da Constituição deve desdobrar-se o respectivo
enunciado em dois princípios, sendo o primeiro, o do pluralismo jurídico enquanto
expressão do reconhecimento dos sistemas jurídicos não estatais e o segundo, o da
limitação daquele pelos valores e princípios fundamentais da Constituição. A aplicação
destes princípios pode dar lugar a conflitos constitucionais, sobretudo nas hipóteses em
que se envolvem sistemas jurídicos tradicionais.
Perante esses conflitos deve apelar-se ao mecanismo de ponderação com vista a
determinar qual dos princípios dos dois princípios deve ser preferido para resolver o caso
concreto em presença. O princípio hermenêutico da concordância prática deve também
ser aplicado, particularmente nas situações em que o conteúdo do limite seja um direito
fundamental em colisão com a livre expressão das tradições e dos valores da sociedade
moçambicana.
61

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