Você está na página 1de 78

Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

INTRODUÇÃO

1. Noção e objecto do DIP

O DIP é um ramo da ciência jurídica que visa solucionar os problemas emergentes das relações privadas de
caráter internacional, i.e., aquelas que contactam com diferentes ordenamentos jurídicos - relações plurilocalizadas.

Devemos partir da ideia de que existem limites à aplicação das normas. Estas não podem ter a pretensão de
regular os factos que se passaram antes da sua entrada em vigor, nem os factos que se passaram ou passam sem
qualquer contacto com o Estado que as emite. Por outro lado, em nome das exigências de segurança e previsibilidade
dos indivíduos, há que respeitar os direitos adquiridos, ou seja, as situações jurídicas constituídas à sombra da lei eficaz.

Devemos ter presente a ideia de que uma norma jurídica só deve ser aplicada quando houver uma qualquer
ligação espacial ou temporal com a situação em causa - PRINCÍPIO DA NÃO TRANSCONEXÃO. Esta ideia está na base
do Direito dos Conflitos que abrange o DIP e o Direito Transitório.


Há uma certa analogia de princípios

➔ O Direito Transitório trata do problema de sucessão de leis no tempo e tem na sua base o PRINCÍPIO DA
NÃO RETROACTIVIDADE DAS LEIS, bem como o PRINCÍPIO DO RECONHECIMENTO DAS SITUAÇÕES
JURÍDICAS CRIADAS AO ABRIGO DA LEI ANTERIOR.

➔ O DIP tem na sua base o PRINCÍPIO DA NÃO TRANSACTIVIDADE, i.e., não pode aplicar-se uma norma a
uma situação com a qual ela não tenha qualquer ligação especial. Aplica-se também o PRINCÍPIO DO
RECONHECIMENTO DAS SITUAÇÕES CRIADAS AO ABRIGO DA LEI ESTRANGEIRA.

Uma situação jurídica pode classificar-se de 3 formas:


• Situação puramente interna: contacta apenas com o sistema jurídico português



Ex.: um contrato de compra e venda celebrado em Portugal, entre dois portugueses, para ser executado em Portugal.

Não coloca qualquer problema ao DIP.


• Situação relativamente internacional: contacta apenas com um determinado sistema jurídico estrangeiro. É uma
situação puramente interna relativamente a esse Estado estrangeiro.

Ex.: um contrato de compra e venda celebrado no Japão, entre dois japoneses sobre coisa situada no Japão. Não se
coloca problema de escola de lei aplicável.


1
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

• Situação absolutamente internacional: situação que contacta com várias sistemas jurídicos.

Ex.: um comerciante português, estabelecido no Porto, conclui em Inglaterra um contrato de venda de vinho do
Porto com um comerciante inglês, estabelecido em Londres.

Coloca-se um problema de determinação de lei aplicável. Existem duas ou mais leis em contacto com a situação, e
como tal interessadas na sua regulação. Estabelece-se um concurso que importa dirimir. Precisamos, pois, de uma
regra de conflitos que resolve este conflito, determinando a lei aplicável.

No que respeita a estas situações, não basta o recurso ao princípio da não transactividade, importa, num
segundo momento intervir uma regra de conflitos capaz de dirimir o concurso entre as leis potencialmente
aplicáveis.


São as trocas internacionais (comércio internacional) e as correntes migratórias entre os Estado (deslocações de
pessoas) que estão na origem de todos ou quase todos os problemas de DIP.
➞ O DIP tem, pois, por objecto as situações da vida privada que sejam plurilocalizadas.


DENOMINAÇÃO DO DIP:


Apesar de se designar esta disciplina por DIPrivado, não se confunda que estamos a estudar um direito de
origem internacional, pois não é assim. As normas de DIP são de origem interna, tanto que alguns autores preferiam
usar a expressão Direito Privado Internacional.
Este ramo do direito, tem recebido a designação de conflitos de leis, que ainda é muito frequente nos autores
anglo-americanos. Porém, na maior parte dos países da Europa continental e América Latina, prevalece a designação
Direito Internacional Privado. Outras designações foram também utilizadas, tais como Direito Interespacial, Direito
Intersistemático, etc., nenhuma delas com êxito.

O processo mais geral de resolução dos problemas de DIP é o processo próprio do Direito de Conflitos: em
vez de resolver directamente tais problemas mediante disposições legislativas próprias, de carácter material, trata-se de
designar a lei interna por aplicação da qual eles hão-de ser resolvidos.


➞ [Qual é a lei competente para regular a situação jurídica internacional, de entre todas as leis envolvidas?
É um problema de escolha de lei.]


As disposições de Direito de conflitos são, pois, constituídas por regras de carácter formal, regras de remissão, e
não por regras de regulamentação material. Um outro modo conceptível de regular essas relações seria o de um direito
material especial - concepção de Ago (visão errónea do DIP!).

2
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

ESTRUTURA DA REGRA DE CONFLITOS:


➔ Conceito-quadro: define o domínio ou mataria jurídica em questão. Ex.: art. 49º - o conceito-quadro é a capacidade
para contrair casamento;
➔ Elemento de conexão: leva à designação da lei aplicável. Ex.: art. 49º - lei pessoal (nacionalidade);
➔ Consequência jurídica: consiste na designação da lei competente. Ex.: art. 49º é a lei portuguesa.

A LEX FORI COMO LEI DO PROCESSO: 


O processo seguido perante os tribunais portugueses é regulado pela lei portuguesa, ainda que ao fundo da
causa de aplique uma lei estrangeira.
Porém, há normas sobre a prova que integram um direito probatório material (decidem sobre a admissibilidade
deste ou daquele meio de prova, sobre o ónus da prova e sobre as presunções) e não o direito probatório formal (que se
refere propriamente à actividade do juiz, dos peritos ou das partes no recurso do processo). Às questões reguladas por
esses normas de direito probatório material já não se aplica a lex fori quanto lei reguladora do processo mas sim a lei
competente para regular o fundo da causa.

2. O âmbito do DIP

Até ao momento referimos o DIP unicamente ao problema do conflito de leis. Porém, será que todo o objecto
desta disciplina reside em tal questão? Há varias orientações relativamente ao âmbito do DIP:

• Doutrina alemã, adoptada também em Itália: restringe o âmbito ao problema do conflito de leis. Para os alemães, o
DIP é tão só um Kollisions recht, embora estudem também a questão do reconhecimento de sentenças estrangeiras.
➞ orientação restritiva.

• Escola Anglo-Saxónicas (ingleses e americanos): o âmbito do inclui 3 questões: jurisdição competente (competência
internacional), lei competente (conflitos de leis) e reconhecimento de sentenças estrangeiras.

• Escola Francesa: o âmbito compreende as 6 matérias: competência internacional, conflitos de leis, reconhecimento
de sentenças estrangeiros, o direito da nacionalidade, a condição jurídica dos estrangeiros e o problema dos direitos
adquiridos. Certos representantes desta Escola, à frente dos quais PILLET, apontavam o problema dos direitos
adquiridos como autónomo em face do conflito de leis. Foi também esta a orientação de MACHADO VILLELA.

• Portugal, há divergências:


I. FERRER CORREIA:

3
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

Considera que integram o âmbito os conflitos de


jurisdição (problema de competência internacional e o ÂMBITO DO DIP:


reconhecimento de sentenças) e conflitos de normas. O direito da • CONFLITOS DE JURISDIÇÃO:


nacionalidade e a condição jurídica dos estrangeiros seriam - competência internacional;
- reconhecimento de sentenças;
domínio afins do DIP, uma vez que são relevantes para alguns dos
problemas que aquele visa solucionar. Por ex., o art. 25º CC diz-nos • CONFLITOS DE NORMAS;
que o estado dos indivíduos, a capacidade das pessoas, as relações
de família e as sucessões por morte são reguladas pela lei pessoal ❊ direito de nacionalidade;
❊ condição jurídica das estrangeiras;
dos respectivos sujeitos. Ora, será o direito da nacionalidade a
dizer-nos qual a nacionalidade do indivíduo (que é nos termos do
Domínios afins do DIP
art. 31º/1 a sua lei pessoal).
Quer o direito de nacionalidade, quer a condição jurídica
dos estrangeiros são compostos por normas materiais, e nessa
medida distintas das regras de conflitos, pelo que seria desfavorável
à unidade metodológica englobá-las no DIP.
Por outro lado, o fundamento que subjaz às normas de
conflitos e ao direito da nacionalidade e condição jurídica dos
estrangeiros é distinto, pois as primeiras visam essencialmente a
estabilidade das relações jurídicas e a certeza e segurança jurídicas.
Já entre os conflitos de leis e conflito de jurisdições há
uma similitude relevante, pois ambos são compostos por normas de
2º grau, embora as normas de conflito de leis sejam bilaterais
(dizem, em abstracto, qual a lei aplicável), enquanto as normas de
conflito de jurisdições são unilaterais (dizem apenas se os tribunais
portugueses são ou não competentes).

ii. ANTUNES VARELA: o âmbito restringe-se aos conflitos de leis.


iii. MARQUES DOS SANTOS: devem incluir-se no DIP todas as normas que constituem um pressuposto ou limite à
aplicação das regras de conflitos sobre questões privadas internacionais (inclui o direito da nacionalidade e a
condição jurídica dos estrangeiros).


BREVE CARACTERIZAÇÃO DE CADA UM DESTES DOMÍNIOS:


1. Conflitos de leis;
2. Normas relativas à condição jurídica dos
estrangeiros;
3. Direito na nacionalidade;
4. Competência internacional;
5. Reconhecimento de sentenças estrangeiras;
6. Problemas dos direitos adquiridos.
4
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

1. Conflitos de leis:


Trata-se do cerne do DIP. Esta questão é normalmente resolvida na perspectiva tradicional, através das regras
de conflitos. Podemos ter outras formas, que veremos adiante, tais como as normas de aplicação necessária e imediata,
DIP material (normas materiais especiais para as situações internacionais). Ora daqui resulta um pluralismo
metodológico. 


2. Normas relativas à condição jurídica dos estrangeiros:


Trata-se de um complexo de normas materiais que esclarecem qual a condição jurídica que os estrangeiros têm
no território nacional. Estas normas actuam num momento anterior à regra de conflitos e funciona como limite à lei
competente.

Ex.: A e B são franceses casados e querem adoptar uma criança em Portugal. Temos uma situação internacional e como
tal vamos ter um problema de escolha de lei, feita através da regra de conflitos.

Porém, antes desse problema, pode haver outro que é o da condição jurídica dos estrangeiros em Portugal, dado
que podia haver uma norma que dissesse que os estrangeiros não podem adoptar em Portugal e, assim, mesmo que a lei
competente diga que o casal preenche os requisitos, pode haver um impedimento anterior.

Em regra, os estrangeiros são equiparados aos nacionais quanto ao gozo de direitos privados (art. 14º/1 CC) -
PRINCÍPIO DA EQUIPARAÇÃO.

Porém, não são reconhecidos aos estrangeiros os direitos que, sendo atribuídos pelo respectivo Estado aos seus
nacionais, o não sejam aos portugueses em igualdade de circunstâncias (art. 14º/2) - PRINCÍPIO DA RECIPROCIDADE.


Só assim não será quando exista disposição legal em contrário (disposição que constituirá uma norma de
direito dos estrangeiros). Tais disposições legais em contrários correspondem às regras materiais de direito interno que
constituem o direito dos estrangeiros e lhes atribuem um tratamento diferente do que é reservado aos nacionais.

Ex.: embarcares estrangeiras não podem exercer pesca nas águas territoriais portuguesas; estrangeiros não podem ser
proprietários de navios portugueses; não podem adquirir bens classificados com monumentos artísticos, históricos e
naturais, etc.


Quanto aos direitos políticos, vigora o princípio da sua recusa aos estrangeiros (art. 15º/2 CRP).


3. Direito da Nacionalidade:


5
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

É composto por normas materiais que estabelecem as condições de atribuição da qualidade de nacional ou de
estrangeiro. Têm uma feição unilateral (PRINCÍPIO DA UNILATERALIDADE), na medida em que cada Estado
estabelece os seus pressupostos de uma nacionalidade alheia.


Porém, podemos ter concurso de nacionalidades, que pode ser positivo ou negativo:


• positivo: pessoa com mais que uma nacionalidade.



Nos termos da nossa nacionalidade (DL n.º 37/81, 3 Outubro), se alguém tiver 2 nacionalidades e uma delas for
portuguesa, só esta releva face à lei portuguesa (art. 27º). Se se tratarem de duas nacionalidades estrangeiras,
releva apenas a nacionalidade do Estado em cujo território o indivíduo tenha tido residência habitual (art. 28º).
• negativo: pessoa apátrida, que não tem nacionalidade (art. 32º CC).

Quando procuramos relacionar a nacionalidade com a efectividade, concluímos que a nacionalidade é sempre
efectiva, porque pressupõe sempre a existência de um vínculo efectivo. Porém, cada Estado estabelece qual a ligação
mais efectiva. Para certos casos, o critério é o critério de sangue (ius sanguins), noutros é o critério do nascimento.

A propósito do concurso de nacionalidades estrangeiras, o art. 28º da Lei n.º37/81 oferece um bom critério
(prevalência da nacionalidade do Estado de residência). Porém, foi limitado por acção de exigências europeias -
Acórdão Micheletti: estabeleceu que quando há concurso de nacionalidades estrangeiras a lei que deve prevalecer é a da
nacionalidade do Estado da UE (07/07/92).


4. Competência internacional:


As regras de competência internacional resolvem conflitos de jurisdições estabelecendo quando é que o


tribunal de cada Estado tem competência para julgar determinado litígio dotado de elementos de internacionalidade.
Encontram-se nos arts. 65º e ss. do CPC e são naturalmente unilaterais: cada Estado apenas estabelece os
casos em que os seus tribunais são competentes. Porém, pode acontecer que elas sejam bilateralizadas, como acontece
no art. 1096º/c) CPC.

Existem vários sistemas:


1. Sistema da bilateralidade: controlo da competência do tribunal estrangeiro, de acordo com as nossas regras;
2. Sistema da unilateralidade: a competência do tribunal estrangeiro deve ser apreciada à luz das regras do
tribunal estrangeiro;
3. Sistema da unilateralidade mitigada: a competência dos tribunais estrangeiros é apreciada de acordo com as
regras de competência estrangeira e eles serão competentes se respeitarem estas normas, mas não podem invadir
as competências exclusivas dos tribunais portugueses (art. 65º-A CPC). Com a introdução deste preceito em
1978, a doutrina veio dizer que o sistema que vigora em Portugal é o sistema da unilateralidade mitigada.


6
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

4. Reconhecimento de sentenças estrangeiras:


Reconhecer uma sentença estrangeira é permitir que esta, proferida no estrangeiro, produza efeitos
extraterritoriais (efeitos jurisdicionais típicos: efeito caso julgado e efeito executivo). A matéria do reconhecimento das
sentenças deve fazer parte do DIP.

Podemos ter vários sistemas de reconhecimento:


• Não reconhecimento: uma sentença estrangeira não poderia produzir entre nós qualquer efeito;
• Sistema da coisa julgada: é um sistema de reconhecimento indirecto. Apenas pegamos no conteúdo da sentença
estrangeira e fazemos entre nós uma sentença igual;
• Sistema do reconhecimento automático: um acto jurisdicional pode produzir internamente os seus efeitos sem ser
necessário um qualquer acto de reconhecimento - art. 33º do Regulamento 44/2001 - Bruxelas I (tem que haver
declaração prévia de executoriedade para a sentença ter efeito executivo);
• Sistema do controlo prévio: uma sentença estrangeira só pode produzir efeitos se for previamente revista e
confirmada pelo Tribunal do Estado de reconhecimento. A revisão pode ser uma revisão de mérito (não admitida
pelos regulamentos comunitários) ou uma revisão meramente formal. É este o sistema que vigora no nosso sistema
(excepto em matéria de DUE) - art. 1094º CPC).

5. Problema dos direitos adquiridos:


Alguns autores franceses (em especial PILLET), bem como MACHADO VILELA, entre nós, defenderam a
autonomia do problema dos direitos adquiridos. Este problema seria, segundo eles, um problema cientificamente
autónomo em face do problema dos conflitos de leis. Em princípio, devemos ser favoráveis ao reconhecimento dos
direitos adquiridos.
Porém, defendemos que não deve ser uma questão autonomizada. Para se saber se existe um direito adquirido
há que determinar primeiro a lei competente para atribuir tal direito, o que supõe a prévia intervenção de uma regra de
conflitos (logo, não pode ser um problema autonomizado).

Resulta do exposto que existe uma grande divergência em face de uma posição mais ou menos ampla sobre o
âmbito do DIP. De qualquer forma, todos os problemas que vimos até agora têm um aspecto em comum que é o facto
de todos nascerem na internacionalidade das relações jurídicas.
Em 2º lugar, há que atender a uma certa relação que se vai estabelecer entre os diferentes níveis de
regulamentação, em função de um objectivo de alcançar determinados resultados. Por ex., num país de emigração, ao
Estado interessa manter o comando sobre as pessoas, logo terá que promover um critério de atribuição de
nacionalidade adequado, e adoptar nos conflitos de lei o critério da nacionalidade.

Critério de sangue: independentemente do país do nascimento, vão manter a nacionalidade do seu país.

7
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

Deve-se impedir que haja um aproveitamento da internacionalização e manipulação do direito, através de um


fenómeno maléfico do DIP, designado por Fórum Shopping, i.e., em função do direito aplicado em cada Estado, as
pessoas vão propor a acção no Estado onde sabem que lhes é mais favorável. Para impedir este fenómeno era necessário
uniformizar as regras de conflitos, surgindo assim a Convenção de Roma, substituída pelos Regulamentos Roma I e
Roma II.


Mas ainda há um fenómeno que deve ser realçado que é o da interdependência entre as regras de conflitos de
leis e as regras de direito processual. Há casos em que, uma vez sabido o tribunal competente, ele determinará a lei do
foro como aplicável (coincidência forum/ius). Por outro lado, há casos em que a determinação da lei competente
determina a competência do Tribunal (se é aplicável à lei do Estado X, então é competente o tribunal desse Estado).

3. Fundamentos e natureza jurídica do DIP



Confronto com outras disciplinas

• Será o DIP um direito de natureza supra-estadual ou um direito de natureza estadual?


• Assentará em princípio próprios do DIPúblico ou será um direito de natureza e fonte nacional?

Quando a estas questões existem 2 orientações distintas:

a) Corrente nacionalista


Entende que as normas do DIP têm origem interna e um fundamento estadual. Têm em vista exigências de
tutela dos particulares e não o estabelecimento de um bom relacionamento entre os Estados (ou seja, não se
fundamenta neste objectivo de âmbito internacional). Não significa, porém, que os autores não aceitem a existência de
alguns princípios que acabam por limitar o espaço de liberdade de cada Estado. Esta é a orientação predominante.

b) Corrente internacionalista


Para esta concepção, o DIP tem um fundamento supra-estadual: tem em vista problemas de relacionamento
entre Estados que não deviam ser unilateralmente regulados.
Porém, esta concepção revela-se inconciliável com a realidade dos Estados, na medida em que cada um cria o
seu próprio DIP. ZITTELMAN dizia que há um conjunto de princípios de DIPúblico que fornecem a base para a
construção dos sistemas estaduais.

8
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

Outros autores procuraram justificar como é que temos os Estados a resolver uma questão internacional,
sustentando tal justificação numa ideia de delegação (o direito internacional delegaria nos diferentes ordenamentos
estaduais a competência para regular as relações internacionais de carácter privado); ou, por outro lado, numa ideia de
desdobramento funcional (no futuro, todas as funções internacionais passarão a ser desempenhadas por órgãos da
comunidade internacional; dado o atraso evolutivo, actualmente, muitas dessas funções são desempenhadas
transitoriamente e a título precário pelos Estados, é o que acontece com a regulamentação das questões internacionais
de natureza privada).

Normalmente muitas doutrinas internacionalistas andam associadas a uma perspectiva de conflitos de leis
enquanto conflitos de soberania. O DIP teria como função repartir a competência legislativa entre Estados soberanos e
nesse medida há que assumir uma concepção de regra de conflitos unilateral, pois nenhum Estado pode exercer a
soberania de outro país, determinando a aplicação da sua lei. O internacionalismo anda associado ao unilateralismo.
Esta ideia é errónea; não podemos confundir os conflitos de leis com conflitos de soberania.

Finalmente, e independentemente do debate entre nacionalismo e internacionalismo, há que ter presente que o
fundamento do DIP está relacionado com o reconhecimento dos limites de aplicação no espaço das normas jurídicas,
na medida em que a uma situação se devem aplicar normas que com ela tenham alguma conexão.

• Que natureza revestem as normas de DIP?


• Como se caracterizam estas normas em face das outras normas do sistema jurídico?
• Que lugar ocupam elas no sistema?

Costuma-se dizer que as normas de DIP são normas sobre normas, ou seja, são normas de 2º grau: tratam da
aplicação de outras normas; mas não só, temos também normas sobre interpretação e integração. São:

- desde logo, normas de direito interno e têm um carácter privado (se o DIP trata de normas de direito privado, por
convocação do princípio do acessório, as normas que resolvem os seus conflitos terão que ter essa natureza). Por
outro lado, os interesses em causa são interesses da vida privada dos particulares.
- normas indirectas / secundárias / remissivas por oposição a normas materiais directas / primárias (BAPTISTA
MACHADO não descreve com esta terminologia).
- normas de conexão, na medida em que tomam a localização dos factos como ponto de partida para determinar a lei
que lhes é aplicável. O seu quid operativo é a conexão com este ou aquele sistema jurídico.

1. DIPÚBLICO VS. DIPRIVADO

9
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

São duas disciplinas que nasceram de mãos dadas e viveram juntas até ao século XIX. Eram duas variantes da
mesma disciplina, havendo para elas o mesmo fundamento: a liberdade de circulação. Entendia-se que tutelavam
interesses semelhantes.

No séc. XIX, ambos divorciaram-se, sendo que, apesar da existência de algumas semelhanças, há diferenças
evidentes:
1. fonte: o DIPrivado tem origem interna; DIPúblico tem fontes supra-estaduais;
2. regulamentação jurídica: o DIPrivado tem em vista relações entre particulares; DIPúblico regula relações entre
Estados.

Contudo, existem pontos de contacto:


- existem normas de DIPrivado que têm origem em convenções internacionais, que são fontes de DIPúblico (são as
normas de DIPrivado de uniformização);
- há autores que quiseram construir o DIPrivado com fundamento em princípios de DIPúblico;
- algumas regras de DIPrivado decorrem de obrigações de DIPúblico (é neste linha que encontramos a orientação de
FERRER CORREIA);
- O DIPúblico pode funcionar como limite autónomo à aplicação da lei estrangeira, sendo o exemplo clássico a
excepção de ordem pública internacional.

3. DIREITO PRIVADO UNIFORME

O DPU traduz-se em tentativas de resolução dos conflitos de leis, tornando as normas materiais iguais nos
diferentes Estados. Esta unificação é conseguida através de várias formas - MOVIMENTO DE UNIFICAÇÃO DO
DIREITO MATERIAL.

Modalidades desta unificação:


• Uniformização: criação de um direito uniforme por fonte supra-estadual (convenção ou regulamento). É o caso das
letras, livranças e cheques. Porém, levanta-se o problema de nem todos os Estados ratificarem as convenções, logo as
normas não vão valer em todos os Estados;

• Unificação stricto sensu: normas materiais especiais para as situações internacionais. Traduz-se nas convenções de
unificação, que criam direito material unificado, muito vulgar na compra e venda internacional, propriedade
intelectual, direito marítimo. A sua aplicação depende de uma regra de conflitos especial que a convenção contém;

• Técnicas de harmonização: já não estamos a criar normas iguais, mas apenas a promover a aproximação dos
ordenamentos jurídicos. Ex.: directivas comunitárias ou leis-modelo.

10
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

4. DIREITO TRANSITÓRIO / INTERTEMPORAL

É inegável o parentesco existente entre DIP e o DT. Ambos constituem um “direito sobre direito” e têm por
objecto conflitos de leis, mas será que existe uma verdadeira analogia intrínseca susceptível de fornecer a base para uma
teoria unitária do Direito de conflitos? O DIP trata de conflitos de leis no espaço e o DT de conflitos de leis no tempo.
Em que se baseia a referia analogia?

- valores ou exigências idênticos que os fundamentam: segurança e certeza jurídica, bem como a garantia da
continuidade das situações jurídicas;


- fundamento último comum: qualquer lei só deve aplicar-se aos factos que com ela estejam em contacto. Ambas são
disciplinas localizadoras;


- correspondência de princípios:


Ao PRINCÍPIO DA NÃO RETROACTIVIDADE (a um facto só se aplica uma lei que vigora ao tempo da sua
verificação) corresponde o PRINCÍPIO DA NÃO TRANSACTIVIDADE (a um facto só se aplica uma lei com ele esteja em
contacto). 


Por outro lado, de acordo com o DT há um PRINCÍPIO DE RECONHECIMENTO, segundo o qual devemos
reconhecer as situações jurídicas criadas ao abrigo da lei anterior. A este princípio corresponde no DIP, o PRINCÍPIO
DO RECONHECIMENTO DAS SITUAÇÕES JURÍDICAS CRIADAS AO ABRIGO DE LEI ESTRANGEIRA.

Parece ser de sustentar um completo paralelismo e nestes termos parece viável uma teoria geral do Direito dos
conflitos. Porém, apesar de todas as semelhanças, há que atender à particularidade do DIP, derivada do problema
do concurso de leis aplicáveis, que as especificas regras de conflitos visam resolver. Este problema é específico do
DIP, não havendo no DT normas correspondentes às regras de conflitos.

Chegados aqui, vamos ver situações em que o tempo e o espaço se entrecruzam:

1) Conflitos móveis ou sucessão de estatutos


[traço de união mais marcante entre o DIP e o DT]

As regras de conflitos podem ter conexões fixas/rígidas, não admitindo estas variação ou conexões móveis/
oscilantes/flutuantes, cuja composição pode ser alterada. 


11
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

Um exemplo de conexões fixas é o lugar da situação das coisas imóveis ou o lugar da celebração do contrato,
uma vez escolhido deixa de ser variável (conexão dotada de instantaneidade).

Por outro lado, temos as conexões móveis, que são, por ex., a nacionalidade ou o lugar da residência (podem ser
alteradas).
Ora, é neste tipo de conexões que se levanta o problema de conflito móvel ou sucessão de estatutos. Imagine-se
a regra de conflitos designa a lei da nacionalidade do indivíduo e este, entretanto, muda de nacionalidade. Com efeito,
há que determinar qual é o momento relevante para fixar a conexão. Por exemplo, no art. 53º CC o legislador petrifica
o momento da conexão, estabelecendo a aplicação da lei nacional dos nubentes ao tempo da celebração do casamento.
Noutros casos, o legislador tenta impedir os efeitos nocivos de uma aplicação sucessiva de leis de outra forma,
como se verifica no art. 29º CC, que estabelece que a “mudança de lei pessoal não prejudica a maioridade adquirida
segundo a lei pessoal anterior”. Ex.: A, português, tem 19 anos e é maior. Se mudar de nacionalidade, não perde o seu
estatuto só porque o novo país tem outra idade de emancipação. 

Nos casos em que o legislador não estabelece uma solução especial, a regra é a da interpretação da regra de
conflitos, mas com uma limitação. A aplicação do novo estatuto não pode pôr em causa situações jurídicas criadas ao

abrigo da lei anteriormente competente. ⚠ CONFLITO MÓVEL

2) Sucessão de normas materiais na lei competente

Tratam-se aqui de casos em que a regra de conflitos designa uma lei e no ordenamento jurídico competente
ocorreram alterações legislativas. A posição dominante entende que devem ser as disposições de direito transitório
dessa ordem jurídica que vão determinar as normas a ser aplicadas. Devemos, assim, recorrer ao DT do ordenamento
competente.

Porém, este entendimento não é aceite em absoluto. Desde logo, BAPTISTA MACHADO entende que ao
respeitar o DT da lei competente podemos violar o princípio da protecção das expectativas (o próprio espírito do
sistema), na medida em que a regra de conflitos designa apenas as normas materiais daquele Estado, não designa o seu
direito transitório.

FERRER CORREIA segue o entendimento dominante mas introduz 2 limitações:



1) não se deve aplicar o DT do Estado competente se essa aplicação violar concepções do nosso ordenamento
jurídico (excepção da ordem pública internacional);

2) não se deve aplicar quando ponha em causa o sentido da referência á lei competente.

3) Sucessão de regras de conflitos no tempo

12
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

Aqui o problema que se coloca é o da alteração da própria regra de conflitos. O legislador decide alterar a
conexão relevante. Entre nós, aconteceu em 1966, com o novo CC e em 1977, com as alterações legislativas, que
aboliram as conexões discriminatórias (lei da nacionalidade do marido, por ex.).
Historicamente este problema colocou-se quando entrou em vigor o BGB, tendo surgido 2 orientações:

• A regra de conflitos está sujeita às mesmas regras que estão sujeitas as normas materiais no âmbito do DT, ou seja,
as regras de conflitos estão submetidas ás regras de DT.


Posição defendida na Escola de Lisboa (e em particular MAGALHÃES COLAÇO);


• As regras de conflitos devem ser de aplicação imediata, ou seja, as novas regras de conflitos entram em vigor e a
partir daí são aplicadas imediatamente a todas as situações jurídicas, inclusivamente àquelas que já existiam
antes da sua entrada em vigor.
O argumento era o de que se se tratam de normas que apenas resolvem concursos de leis, não funcionando
como orientação de conduta, nada justifica que tenham limites da aplicação no tempo e no espaço.


Posição de FERRER CORREIA e de BAPTISTA MACHADO, porém, introduzem um limite: aplica-se a regra de
conflitos antiga às situações jurídicas criadas anteriormente que no momento da sua constituição tiveram
uma qualquer ligação com a nossa ordem jurídica.

Exemplo prático que engloba o 1), 2) e 3):

A (inglês) <——-> B (sueca)


→ Casamento na Suíça em 1959 (casaram sem convenção antenupcial);

→ Fixaram o domicílio conjugal em Portugal;

A entretanto mudou de nacionalidade para turca;



Pretendem divorciar-se e têm de proceder à partilha de bens.

1. Temos aqui um conflito móvel, pois A mudou de nacionalidade.


2. Temos uma sucessão de normas materiais do ordenamento competente (Portugal - lei da residência habitual, pois
os nubentes não têm a mesma nacionalidade): até 1966 o regime supletivo era o de comunhão geral e daí em
adiante passou a ser o de comunhão de adquiridos.
3. Sucessão de regras de conflitos no tempo: a regra de conflitos que vigorava em 1959 não é a mesma que vigora hoje
- antes a conexão relevante era a nacionalidade do marido; actualmente é a lei da nacionalidade comum, ou da
residência habitual comum.

Segundo o entendimento de FERRER CORREIA e BAPTISTA MACHADO a nova regra de conflitos deve ser
aplicada imediatamente, a não ser que no momento da constituição do casamento este tivesse uma conexão com a
13
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

ordem jurídica portuguesa (é o caso). 



E então? Aplica-se a lei da nacionalidade do marido?

4. DIREITO INTERLOCAL E DIREITO INTERPESSOAL

O Direito Interlocal regula conflitos de leis internos. Foi assim que nasceu o DIP, a propósito de conflitos de
estatutos das cidades e das províncias francesas e holandesas. Actualmente, temos o exemplo dos Estados Federais, pois
cada Estado federal tem o seu direito civil como é o caso dos EUA, onde o direito dos Estados é diferente, desta forma,
também diferentes as regras de conflitos. Noutros casos, a diversidade existe só a propósito da legislação civil, sendo as
regras de conflitos as mesmas - é o que acontece em Espanha (ordenamentos plurilegislativos ou complexos). Os
critérios de escolha de lei são idênticos aos do DIP, com algumas particularidades:

- a conexão da nacionalidade não pode ser usada nos conflitos interlocais como elemento de conexão. Assim, o
elemento de conexão será a residência;


- tendencialmente, diz-se que nos conflitos interlocais não é invocada a excepção de ordem pública. Esta diferença é
meramente tendencial, pois nos EUA é possível invocá-la nos conflitos interlocais;


- normalmente, nos Estados plurilegislativos há um direito interlocal unitário (não é o caso dos EUA);


- nas relações entre Estados federados ou entre regiões, as sentenças são exequíveis, sendo o reconhecimento
automático, não sendo necessário acto de confirmação. Não é o que acontece entre Estados, pois, em regra, para uma
sentença estrangeira ter efeitos é necessário ser revista e confirmada.

O art. 20º CC trata da questão dos ordenamentos plurilegislativos. É o direito interno desse Estado que fixa
em cada caso o sistema aplicável. Na falta de normas de direito interlocal, recorre-se ao DIPrivado do mesmo Estado e
se não bastar considera-se como lei pessoal do interessado a lei da sua residência habitual (art. 20º/2).

O Direito Interpessoal regula conflitos de leis internos, em virtude de dentro do mesmo Estado existirem leis
de conteúdo diferente a regularem distintas categorias de pessoas. Era o que acontecia historicamente nas províncias
coloniais, onde o sistema jurídica local se aplicava aos nativos e a lei do país de origem aos colonos. Acontece, ainda
hoje, por exemplo, nos países muçulmanos e na Índia. Há um direito islâmico e um direito diferente para outras
categorias religiosas.

5. DIP VS. DIREITO CONSTITUCIONAL

14
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

• Saber se as regras de conflitos são ou não susceptíveis de entrar em colisão com os preceitos constitucionais / Podem
ser regras de conflitos serem inconstitucionais?

Formam-se 2 correntes de opinião:


Para uma, o DIP move-se num espaço exterior à CRP, num espaço livre relativamente aos princípios e normas
constitucionais. Mas este modo de perspectivar o DIP é profundamente erróneo. As normas de conflitos não são regras
axiologicamente neutrais. A própria nacionalidade acabou por demonstrar que algumas normas de conflitos,
contraditórias com valores constitucionais foram afastadas dos sistemas conflituais. O problema pôs-se a propósito das
conexões consideradas discriminatórias por porem em causa o princípio da igualdade entre os cônjuges e entre as
filiações. Houve modificações no CC português tendentes a modificar essas regras de conflitos, de forma a conformá-
las com a CRP.
Conclui-se, assim, que as regras de conflitos são susceptíveis de colidir com os princípios constitucionais e de
serem assim objecto de um juízo de inconstitucionalidade.

(acrescentar doutrinas) ?

• Podem os tribunais portugueses recusar-se a aplicar o direito estrangeiro competente, com fundamento na sua
inconstitucionalidade perante a constituição do país de origem?

Verdadeiramente, trata-se de um problema de aplicação da lei estrangeira que se revela incompatível com a
própria constituição desse Estado. O art. 23º CC estabelece que na aplicação da lei estrangeira, o julgador deve mover-
se no quadro dessa lei e orientar-se pelos princípios nela fixados. Assim, se no sistema estrangeiro aquele preceito não
for aplicado por colidir com as normas da respectiva constituição, cabe ao juiz português dar valor a essa circunstância e
abster-se de o aplicar. Podemos, assim, afirmar que os poderes que o juiz do foro deve ter no que toca à declaração de
inconstitucionalidade de norma estrangeira devem depender dos poderes conferidos ao juiz estrangeiro. Um juiz só
pode afastar a aplicação da norma estrangeira com fundamento na sua inconstitucionalidade, desde logo, se nesse
Estado houver um sistema difuso de fiscalização da constitucionalidade, isto para não permitir mais poderes ao juiz do
que aqueles que são admitidos pelo próprio sistema.

• Devem os tribunais portugueses recusar a aplicação de um preceito estrangeiro (aplicável segundo as normas de
DIP da lex fori) com fundamento na violação da CRP?

Há que separar vários tipos de situações:

- Casos em que, as normas da CRP têm uma aplicação universal. Nestes casos, qualquer lei estrangeira que ponha em
causa esses princípios deve ser afastada - é o caso dos direitos fundamentais;


15
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

- Casos em que há regras de conflitos especiais: normas de aplicação necessária e imediata. São normas que se aplicam
mesmo que a lei portuguesa nao seja a competente, desde que se verifiquem certos contactos com a nossa ordem
jurídica.

Ex.: a proibição do despedimento sem justa causa é uma norma da CRP que tem aplicação necessária e imediata;


- Situação residual: excepção de ordem pública internacional (art. 22º CC). Afastamento da aplicação da lei
estrangeira se esta colocar em causa valores fundamentais da nossa ordem jurídica.


(aprofundar com doutrinas) (?)

6. DIP VS. DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA

O DUE constitui uma ordem jurídica autónoma. Há que entender 5 fenómenos de relacionamento:

a) Existe DIP de origem comunitária:


O ponto de partida foi o art. 220º do Tratado de Roma de 1957, que estabelecia que os Estados devem celebrar
convenções internacionais entre si. Ora, em 1968, os Estados celebraram a convenção de Bruxelas, que foi alargada aos
Estados não comunitários. Em 1980, nasceu a Convenção de Roma. Em 1999, entrou em vigor o Tratado de
Amsterdão que introduziu um preceito (art. 65º) que veio atribuir uma competência genérica à comunidade em
matéria de DIP. Com efeito, a convenção de Bruxelas foi transformada num regulamento; em matéria processual foram
criados uma série de regulamentos; e a comunidade alargou o seu trabalho relativamente à uniformização das regras de
conflitos. Em 1º lugar, a convenção de Roma foi transformada num Regulamento (Roma I) e, por outro lado, foi
aprovado o Roma II (Regulamento n.º 864/2007), relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais.

b) E alguns casos, os sistemas internos de DIP podem colidir com os princípios comunitários.
c) Ha casos em que o direito comunitário funciona como limite à aplicação da lei competente.
d) Há casos em que o direito comunitário pode funcionar como direito material uniforme.
e) Referência à actuação do TJUE.

4. Fontes do DIP

• Fontes internas: a nossa regulamentação dos conflitos de leis é primordialmente legislativa, constituindo o CC o seu
cerne. Porém, não devemos esquecer que houve uma intervenção fundamental da doutrina. Além disto, há que ter
presente que actualmente a simples análise do CC já não nos dá uma imagem completa das soluções que vigoram
entre nós.


16
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

• Fontes internacionais:

a) Direito internacional geral ou comum: de acordo com algumas correntes, procurou-se estruturar o DIP com
fundamento em princípio de DIPúblico - ZIETELMAN. Mesmo que assim não seja há algumas regras de
DIPrivado, que são vistas como tendo origem no DIPúblico.

Lex Mercatori - Direito autónomo de comércio internacional: trata-se de um conjunto de normas de origem
consuetudinária.


b) Jurisprudência internacional: onde é mais notória esta influência é no âmbito da arbitragem internacional, bem
como nas decisões do TJ.


c) Direito internacional convencional e direito comunitário: a partir de finais do século XIX, os Estados começaram
a criar regimes uniformes de DIP através de convenções internacionais. Mais tarde, a UE passou a ter competência
genérica em matéria de DIP. A multiplicação de textos internacionais de DIP trouxe alguns problemas:


- compatibilização entre os vários textos internacionais: em todas as convenções internacionais, há, em princípio,
normas reguladoras da sua relação com as outras convenções. Porém, apesar disso, podem gerar-se conflitos entre
convenções;
- articulação dos textos internacionais com as codificações internas. Há várias técnicas de articulação:
1. sistema da referência genérica: o legislador faz uma menção genérica à provável existência naquela matéria
de regimes internacionais (ex.: art. 65º CPC);
2. sistema da sinalização ou referência específica: o legislador a propósito de cada matéria indica o instrumento
internacional que vigora nesse domínio;
3. sistema da incorporação: o legislador incorpora as soluções internacionais no sistema interno.

Ex.: no CT, o legislador incorporou a regra de conflitos que estava na convenção de Roma.


Este sistema, apesar de promover a transparência, tem, desde logo, um inconveniente que é o de estar a
desvirtuar as soluções internacionais ao retirá-las do seu contexto.

5. Génese e desenvolvimento histórico do DIP (matéria facultativa)

6. Vias de regulamentação das situações privadas internacionais: o pluralismo metodológico

6.1. A PERSPECTIVA CLÁSSICA EUROPEIA:

1. Esta concepção assenta na construção de SAVIGNY, que estabelece a ideia de que cada relação jurídica teria uma
sede natural e caberia ao DIP a determinação dessa sede, através das regras de conflitos. Ou seja: o método é o
método conflitual.
17
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

2. Não compete ao DIP fornecer por si próprio a norma material aplicável ao caso, mas apenas designar a lei
aplicável. Assim, o problema do DIP define-se como um problema de escolha de lei.
3. Este problema de escolha da lei aplicável resolve-se por recurso a um critério de proximidade, em função da
localização espacial.
4. Podemos, assim, afirmar que se trata de uma justiça eminentemente formal, que tutela valores como a segurança e
a certeza jurídicas. O problema do DIP não era, pois, um problema de justiça material.
5. A regra de conflitos era rígida, geral, abstracta (predominavam elementos de conexão muito abrangentes) e é uma
regra neutra (a escolha da lei não atendia ao resultado material da sua aplicação).

6.2. A CRÍTICA DOS AUTORES NORTE-AMERICANOS:

É nos EUA que surgem os ataques mais violentos contra a concepção tradicional do DIP. A crítica norte-
americana surge associada a 3 vertentes:
- análise dos interesses dos Estados subjacente à escolha da lei aplicável;
- aplicação da lei do foro como regra clássica (primado da lei do foro);
- necessidade de formular um DIP material.

No momento em que surgiram as críticas, vigorava uma concepção conflitual Teoria dos Vested
idêntica à europeia nos EUA. Havia uma compilação de regras de conflitos que continha Rights: os tribunais
não aplicam direito
regras rígidas que eram a consagração dos Vested Rights - a norma que se aplica é a norma
estrangeiro, nem
do foro, mas esta reconhecia os direitos adquiridos à luz de lei estrangeira. Esta reconhecem as suas
compilação de regras de conflitos era a “choice-of-law rules”, que constavam do primeiro sentenças; limitam-se
a reconhecer direitos
Restatement. adquiridos.
Porém, existia uma descrença generalizada nestas regras de conflitos, usando já os
tribunais uma certa liberdade e flexibilidade na sua aplicação, corrigindo de alguma forma
os resultados menos satisfatórios a que se levassem, ou mesmo lançando mão de soluções
diferentes da decorrente da regra de conflitos.

Neste contexto, tem lugar a denominada Revolução Americana, que se analise em 3 níveis:


• NÍVEL DOUTRINÁRIO (posições de 3 autores):

1) DAVID CAVERS e a justiça material - da rejeição das regras de conflitos de leis à elaboração dos “principles of
preference"):

Este autor trouxe a materialização do DIP, fundamentando que a escolha da lei se deve fundar em critérios de
justiça material, e não apenas por um critério localizador.
18
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

Começou por contestar, em 1933, o carácter mecânico e desinteressado da aplicação das regras de conflitos.
Afirmou que o problema do DIP não é um problema de escolha entre sistemas de direito mas sim um problema de
escolha entre regras materiais, tendo o juiz que comparar o conteúdo e finalidade das normas em confronto e escolher a
melhor lei, segundo a justiça devida às partes e os objectivos de política legislativa prosseguidos pelas normas.
Porém, esta proposta de CAVERS foi criticada, pois conduziria ao puro casuísmo, potenciando soluções ad hoc,
gerando imprevisibilidade das decisões judiciais e incerteza do direito. Esta foi a 1ª fase de CAVERS.

Nos anos 60, CAVERS veio apresentar uma nova proposta, falando-se, por isso, de uma contra-revolução ou
ainda de uma 2ª fase de CAVERS.
Nesta fase, sugeriu a elaboração de princípios de preferência que iriam
orientar o juiz na escolha da lei, embora só tenha formulado estes princípios em 

matéria contratual e extracontratual. Por exemplo, em matéria de responsabilidade Adopta o“Better Law
Approach” (método da
extracontratual, o princípio de preferencia estabelecido como critério de escolha, pesquisa da melhor lei)

assentava num objectivo de protecção do lesado. Na verdade, estes princípios de 

CAVERS: a RC é cega!
preferencia correspondem a verdadeiras regras de conflitos. Simplesmente, distingue-
se da regra tradicional, pois não se limita a utilizar um critério de conexão espacial.
Trata-se de uma regra de conflitos flexível e materializada.

Fragilidades da proposta:
O autor apenas formulou princípios de preferencia no âmbito da responsabilidade contratual e extracontratual
e, na verdade, não seria possível criar para todas as matérias princípios universais (incluídos num direito comum a todas
as nações).
Efectivamente, pode aceitar-se que todos os Estados estão de acordo que se deve facilitar a validade de um
negócio, bem como a protecção do lesado, ou ainda, facilitar a filiação. Porém, há outras matérias que são susceptíveis
de gerar acolhimento em todos os Estados do mesmo princípio. Pense-se, por ex., no problema da admissibilidade do
divórcio, na medida em que há países mais ou menos atentos ao divórcio.
São razões como esta que nos levam a concluir que o método de CAVERS não poderá ser adoptado como via
principal para a resolução dos problemas de DIP (é um método não susceptível de materialização).


2) BRAINERD CURRIE e o “governamental interest analysis” (1963) - politização:

Este autor mostra-se absolutamente hostil à técnica da regra de conflitos, preconizando a sua abolição.

O conflito existente é um conflito entre normas materiais! Têm uma razão de ser (ratio legis) e a isto CURRIE
chama de política legislativa que lhe é inerente.

19
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

A metodologia proposta por CURRIE assenta na análise do interesse governamental subjacente às normas em
conflito. O domínio de aplicação de cada norma seria assim determinado em função do interesse estadual a que a
mesma responde. Perante uma situação internacional, os tribunais deveriam começar por analisar as políticas implícitas
nas várias leis em concurso e as circunstâncias que possam tornar desejável a sua promoção no caso concreto.

CURRIE, um primeiro passo, determina quais as leis em contacto; e, num segundo passo, determina qual a
policy por trás de cada regra, qual a política legislativa por de trás de cada uma das regras de conflito. Por este motivo
chamamos a este método government interest analysis (no caso do Canadá, a política é desincentivar as boleias, daí não
haver indemnização; e, no caso da lei de NY, a sua política pretende proteger os lesados). Num terceiro passo, este diz
que, pesando os interesses legislativos entre os Estados, o juiz escolhe aplicar a lei cujo governo tiver maior interesse em
aplicar-se àquele caso concreto.


 “True conflict”: quando existem duas normas em confronto e cada uma delas se pretende aplicar, em função do

 interesse governamental, havendo aqui um conflito.

Assim:

- se apenas um Estado tiver interesse na aplicação da sua lei, aplica-se a lei desse Estado;
- se houver dois Estados interessados na aplicação da sua lei, sendo um deles o Estado do foro, aplica-se a lex fori;
- se houver dois Estados estrangeiros interessados na aplicação da sua lei, deveria recorrer-se também à lex fori.

Ou seja, segundo CURRIE uma lei estrangeira só se aplicaria se a lei do foro não tivesse interesse em se aplicar
e houvesse uma e apenas uma lei estrangeira interessada em se aplicar.


Críticas à doutrina:


1) ao ver os conflitos de leis como conflitos intergovernamentais, remete-nos para uma influência da visão estatutária
holandesa, que vê os conflitos de leis como conflitos de soberania. Sendo assim, para CURRIE o problema do DIP
era um problema fundamentalmente político;


2) além disto, nem sempre é possível delimitar a aplicação territorial da norma através da análise dos interesses
governamentais que lhe estão subjacentes. Ou seja, podemos pensar no interesse subjacente à norma, mas não
conseguimos através dele saber se o legislador quer que as normas se apliquem a cidadãos portugueses, por ex., ou
se quer que se apliquem a cidadãos residentes em Portugal, mesmo que estrangeiros;


3) FERRER CORREIA entende que esta concepção pode levar a resultados injustos - injustiça conflitual. Por exemplo,
uma norma que estabeleça que a venda de bens imóveis deve ser reduzida a escritura pública. O objectivo do
legislador com esta exigência consubstancia-se num objectivo de protecção pessoal (garantir que as partes reflictam

20
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

acerca do negócio, de forma a não contratarem levianamente), logo, deve aplicar-se tal preceito a todos os cidadãos
do Estado (nacionais e residentes), estendendo-se a todos os contratos. Teríamos assim, uma dificuldade acrescida
na contratação, o que levaria à tal injustiça contratual;


4) esta concepção viola o princípio da paridade do tratamento das ordens jurídicas, pois privilegia a aplicação da lei do
foro. Havendo conflito entre a lei do foro e a lei estrangeira, CURRIE manda aplicar a lei do foro. Potencia, assim, o
fórum shopping (se determinado Estado favorece a aplicação da sua lei, então instaura-se aí a acção, se se tratar da
lei mais favorável).

O método de CURRIE não conduz, portanto, à harmonia jurídica internacional, antes dela se desinteresse por
completo.

Diz-se que CURRIE é um autor unilateralista, tal como QUADRI. Efectivamente, defende que a aplicação de
uma lei depende da sua vontade de se aplicar e não da vontade de outro ordenamento. Porém, há uma diferença
fundamental: CURRIE é um unilateralista ad intrinsecum, pois a vontade de aplicação das normas materiais deriva dos
interesses governamentais subjacentes à própria norma (a vontade estará na própria norma); já QUADRI vê a vontade de
aplicação da lei na escolha efectuada pela regra de conflitos.

Além disto, diz-se que CURRIE é uma unilateralista ab intrinsecum selvagem, isto porque, ao contrário de
QUADRI, não pensava na boa coordenação das ordens jurídicas. Era indiferente à harmonia jurídica.

3) ALBERT EHRENZWEIG - a aceitação das regras de conflitos e o alargamento do domínio de aplicação da lex
materialis fori (jurisdicionalização):

Em certos aspectos, a doutrina deste autor situa-se na mesma linha de CURRIE.


Na verdade, tanto um como o outro procedem à determinação da lei aplicável recorrendo a uma análise política
legislativa em que se fundamenta a norma de direito material. Porém, CURRIE é inimigo inegável da técnica tradicional
da conexão e da regra de conflitos, de que ele preconiza a abolição; já EHRENZWEIG aceita expressamente a regra de
conflitos.

Este autor parte da ideia de que há um conjunto de situações em que se aplica a lei do foro sem que se faça
funcionar qualquer regra de conflitos (sem haver escolha) - Forum Rule by non choice. [é o caso das questões processuais
(o que interessa é a lei do foro uma vez que põe em causa certos valores)]
Noutros casos há necessidade de mobilizar as regras de conflitos.
Na falta de regras de conflitos, EHRENZWEIG utilizava o método da análise dos interesses governamentais
subjacentes às normas de direito material em conflito. Porém, há aqui uma particularidade: a aplicação de uma lei
estrangeira resulta da interpretação da norma da lex fori segundo os seus interesses governamentais. Ou seja, aplica-se a

21
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

lei estrangeira se ela promover melhor os interesses do foro do que a própria lex fori. - Lex Fori Theory: faz depender a
aplicação do preceito material estrangeiro da política a que obedeça a lei homóloga do foro.

Exemplo: acidente em que intervêm várias pessoas de vários Estados. A responsabilidade civil preocupa-se com a situação do
lesado. Aplica-se a lei estrangeira sempre que ela prossiga melhor o resultado do que a própria lei do foro. Ver pág. 26 - aulas
teóricas

Críticas à concepção (insegurança, casuísmo e incerteza do direito):


1) nos casos em falta regra de conflitos, EHRENZWEIG aproxima-se da concepção de CURRIE e por isso, é susceptível
das críticas já referidas a propósito desse autor;
2) é metodologicamente incongruente a aplicação de uma norma à luz de interesses governamentais subjacentes a
outra norma (regra nacional homóloga). Isto é totalmente inaceitável, pois nenhum preceito é separável da razão
que o inspira.

Este autor teve a noção dos riscos da aplicação da sua teoria, e por isso, apontou a necessidade de reformular as
regras de competência internacional. Fez assim, apelo à Teoria do Forum Non Convenient - a lei não será adequada
quando o foro não seja conveniente para solucionar a questão. Desloca assim, o centro da gravidade da regra de
conflitos (escolha da lei) para o momento da determinação da regra de competência territorial - jurisdicionalização do
DIP.

• NÍVEL JURISPRUDENCIAL (caso Babock vs. Jackson - 1963)

Num quadro em que já se preparava a revisão do Restatement, surgiu o caso Babock vs. Jackson. Tratou-se de
uma questão de responsabilidade de um condutor proprietário do veículo, que teve um acidente em Ontário,
transportando um passageiro gratuitamente. Ambos residiam em NY.

Segundo a regra de conflitos, a questão que aí se levantava era resolvida de acordo com a lei do lugar da
verificação do dano (the law of the place of injury). Esta lei era, no caso, a lei de Ontário, segundo a qual o proprietário
ou condutor de um veículo motorizado, que não seja utilizado no transporte remunerado de passageiros, não responde
pelos prejuízos sofridos pela pessoa transportada.

Porém, não foi essa a decisão dada ao caso. O tribunal de NY (Court of Appeals) decidiu não aplicar a lei de
Ontário mas sim, a de NY que conferia indemnização ao passageiro transportado, responsabilizando, assim, o condutor.
Entenderam que NY era o Estado da conexão mais significativa (ambos residiam em NY; o passeio teve início
e iria terminar em NY; e NY era o Estado da matrícula do carro) e também o mais fortemente interessado na situação
- tinha interesse na protecção do lesado, enquanto que o interesse de Ontário na solução oposta seria o mínimo.
Podemos justificar esta solução mediante a construção inerente as normas materiais espacialmente auto-limitadas em
sentido estrito (estas não se aplicam a todos os casos para os quais o ordenamento onde se inserem é o competente;

22
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

aplicam-se em função das finalidades que visam realizar). Neste caso, a norma de Ontário em razão das suas
finalidades, não se justificava aplicar.

Este caso teve lugar em 1963 e na verdade não podemos afirmar que tenha constituído uma crítica feroz à
concepção clássica. De qualquer forma, um aspecto torna-se evidente - houve um retorno da descrença nas regras de
conflitos clássicas ou tradicionais.

Esta posição seria uma solução à qual o Tribunal Português podia ter chegado por aplicação do CC, designadamente pelo art. 45º/
3. Imagine-se que A e B vão passear a Espanha e têm aí um acidente. À partida seria aplicável a lei espanhola (art. 45º/1 CC e 4º/1
do Roma II). Porém, o art. 45º/3 admite que seja aplicável a lei da nacionalidade ou residência comum (lei portuguesa) —> trata-se
de uma cláusula de excepção fechada (solução idêntica no art. 4º/2 do Roma II)


• NÍVEL LEGISLATIVO (adopção em 1969 de um segundo Restatement):

Não assumiu uma posição nítida e firme, antes veio prolongar a indefinição e ambiguidade do caso Babcock vs.
Jackson. Nele, encontramos regras de conflitos mas já não rígidas. Este modelo legislativo limita-se a consagrar no seu
parágrafo 6º, o sistema da indicação dos factores-chave ou critérios guias para os casos em que não exista regras de
conflitos. Porém, lá se encontram também algumas normas de conflitos de tipo clássico.

Regras do 1º Restatement: fixing rules (regras fechadas) ≠ regras no 2º Restatement: open ended rules (regras
abertas) —> abertas à modelação judiciária (o papel do juiz é fundamental).

Qual o grande mérito da Revolução Americana?


Nenhum método é melhor que o tradicional, mas estes métodos americanos apontaram os problemas do
método clássico. A grande diferença é que os métodos dos autores americanos têm uma grande preocupação com o que
vai acontecer, ou seja, preocupam-se com o resultado concreto e o método clássico preocupa-se com a justiça formal,
pois, é a lei que tem a conexão mais próxima. Qual foi o mérito de terem aparecido estes métodos? Operaram como
efeito que o método clássico se aproximasse dos métodos americanos, i.e., na Europa houve um movimento de
aproximação do DIP europeu e os métodos americanos.

6.3. A APROXIMAÇÃO ENTRE A DOUTRINA EUROPEIA E A PERSPECTIVA ESTADUNIDENSE:

A atenuação do radicalismo norte-americano e a sensibilização do DIP europeu continental às críticas norte-


americanas.

VECTORES DE APROXIMAÇÃO
23
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

(primeiras propostas americanas fizeram com que o método clássico se aproximasse do direito americano):

1) Flexibilização do DIP: apuramento da justiça conflitual:


Trata-se de uma resposta à generalidade, abstracção e rigidez da regra de conflitos clássica.
Este apuramento concretizou-se em 3 dimensões:

A - Especialização da regra de conflitos: passagem de sistemas sintéticos e sistemas conflituais analíticos, i.e., marcados
pela existência de mais regras de conflitos e cada uma delas tem um conceito-quadro mais restrito - ao contrário do
conceito-quadro da regra tradicional, que se referia a um domínio alargado.

Factores que contribuíram para esta especialização:


- movimento de codificação internacional: para tal, quanto mais restrito seja o âmbito das normas mais facilmente se
obterá o acordo dos Estados. Passamos, assim, a criar regras de conflitos de âmbito restrito, facilitando a
harmonização;
- materialização: quando o legislador se mostra preocupado em promover a justiça material, tende a fazê-lo em
matérias circunscritas, o que exige restringir o âmbito da regra de conflitos;
- o legislador, por ocasião de reformas parciais no direito material, aproveitou também para reformular as regras de
conflitos.


Porém, ressalve-se que esta especialização acarreta um problema, que é o de dificultar a qualificação e o próprio
âmbito de aplicação das normas.

B - Cláusulas de excepção: forma de relativizar a força das RC, atenuando a sua rigidez e carácter mecânico da sua
aplicação. Trata-se de uma correcção a posteriori do sistema.


Podemos ter várias classificações:


• Cláusulas de excepção gerais ≠ cláusulas de excepção especiais:

- gerais: valem para a generalidade das matérias jurídicas.



Ex.: art. 15º da lei suíça de DIP que estabelece que o direito designado pela lei não será aplicável se, tendo em vista
o conjunto das circunstâncias, for evidente que a causa tem uma ligação mais estreita com outro ordenamento.

Ou seja: excepcionalmente o interprete pode não aplicar a lei designada por achar que a causa tem uma ligação mais
estreita com outro ordenamento;


- especiais: valem para matérias determinadas.



Ex.: art. 4º/3 do Regulamento Roma I: “caso resulte claramente do conjunto das circunstâncias do caso que o
contrato apresenta uma conexão manifestamente mais estreita com um país diferente do indicado dos n.ºs 1 e 2, é

24
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

aplicável a lei desse outro país”.


• Cláusulas de excepção conflituais/formais ≠ cláusulas de excepção materiais:

- formais: o afastamento da lei primariamente competente é feito em função de razões localizadoras.



Ex.: art. 4º/3 do Regulamento Roma II: “se resultar claramente do conjunto das circunstâncias que a
responsabilidade tem uma conexão manifestamente mais estreia com um país diferente do indicado dos n.ºs 1 e 2, é
aplicável a lei desse outro país”;


- materiais: o afastamento da lei primariamente competente fundamenta-se em razões de justiça material. Ou seja,
aplica-se outra lei em função do melhor resultado material. Ou seja, aplica-se outra lei em função do melhor
resultado material.

Ex.: art. 45º/2 CC: “se a lei do Estado onde se produziu o efeito lesivo considerar responsável o agente, mas não o
considerar como tal a lei do país onde decorreu a sua actividade, é aplicável a primeira lei”. —> a aplicação à outra lei
que não a primariamente competente conduz a um resultado mais justo.

• Cláusulas de excepção abertas ≠ cláusulas de excepção fechadas:

- abertas: o interprete é que vai determinar se se justifica ou não o afastamento da lei primariamente competente.

Ex.: art. 15º da lei suíça de DIP; [dá-se o poder ao juiz de desaplicar a lei indicada e escolher a lei a aplicar em
alternativa]


- fechadas: o legislador é que fixa os termos da substituição de uma lei por outra e define qual é a lei secundariamente
aplicável.

Ex.: art. 45º/3 CC: “se o agente e o lesado tiverem a mesma nacionalidade ou a mesma residência habitual, e se
encontrarem ocasionalmente em país estrangeiro, a lei aplicável será a da nacionalidade ou da residência
comum” (afasta a regra do n.º 1) [o juiz é que escolhe se vai desaplicar ou não] 1

C - Concretização judicial do princípio da proximidade:

1É mesmo uma cláusula de excepção? Sim: porque permite desaplicar a lei que o art 45º/1/2 manda aplicar para
mandar aplicar outra lei; não: porque se as 2 pessoas tiverem a mesma nacionalidade o juiz tem de aplicar a lei da
nacionalidade (não tem poder de escolha) - posição de MOURA RAMOS
25
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

Tradicionalmente, as regras de conflitos eram rígidas e de aplicação mecânica. Hoje em dia há muitas situações
em que o legislador em vez de escolher a lei aplicável, formula um princípio de conexão mais estreita que depois deve
ser concretizado judicialmente. Porém, há casos em que o legislador consagra o princípio da conexão mais estreita mas
depois concretiza-o legislativamente, tornando-o inútil. Noutros casos este princípio funciona como verdadeira
conexão, como acontece nos arts. 52º/22 e 60º/23 CC.
Aqui, temos, a consagração do princípio da conexão mais estrita, ainda que subsidiariamente (se nenhuma das
restantes conexões se concretizar).

2) Materialização do DIP: proliferação das normas de conflitos de conexão substancial ou material - por
contraposição às regras de conflitos puramente localizadoras 4

No momento da elaboração da regra de conflitos, passou a determinar-se que a escolha de lei se faça em
função do resultado da sua aplicação e não assente pura e simplesmente no princípio da localização.


Exemplos:
- normas de conflitos que visam assegurar a validade dos negócios jurídicos: dentro destas temos aquelas que
pretendem assegurar a validade do negócio através de conexões alternativas, como acontece no art. 65º CC. É
também o caso do art. 11º do Regulamento Roma I. Noutros casos, o legislador aplica excepcionalmente outra lei
pela validade do negócio. E ainda: art. 31º/2 CC (reconhecimento dos negócios jurídicos celebrados no país da
residência habitual do declarante);
- normas de conflitos que visam facilitar a constituição de relações de família (isto acontece no âmbito da filiação): art.
35º da lei italiana de DIP;
- normas de conflitos que tenham em vista a defesa de várias liberdades: art. 61º/3 da lei suíça de DIP;
- normas de conflitos que tenham em vista a protecção de determinada pessoa: arts. 4º, 5º e 6º da Convenção de Haia
de 1973, em matéria de alimentos;
- normas de conflitos que visam dificultar a produção de determinado efeito jurídico em virtude do desfavor interno
relativamente a esse instituto. Por ex., o legislador português revela no art. 55º/2 uma certa hostilidade relativamente
ao divórcio. O legislador dificulta a produção de certo efeito jurídico através da utilização de conexões múltiplas
cumulativas, ou seja, o efeito só é possível se todas estiverem verificadas - se as várias leis estiverem de acordo.

Isto permite dividir as RC em 2 tipos: regras de conflitos materiais (escolhem a lei aplicável consoante o
resultado pretendido) e regras de conflitos de conexão localizadora (fazem um juízo formal de proximidade).

2“Não tendo os cônjuges a mesma nacionalidade, é aplicável a lei da sua residência habitual comum, e na falta desta, a lei do pais
com o qual a vida familiar se ache estreitamente conexa.”
3“(…) se também esta falta, será aplicável a lei do país com a qual a vida familiar dos adoptantes se ache mais estreitamente
conexa.”
4Materialização das RC - estas preocupam-se com o resultado material -> escolhem a lei aplicável em função do resultado
material
26
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

Questionado em oral: possível com um sistema de conexão simples haver uma RC material? Sim, art. 50º CC. O
critério de escolha da lei aplicável não teve por base um juízo de proximidade. Manda aplicar a lei do local de
celebração porque em princípio produz a um determinado resultado validade do casamento.

3) Politização do DIP: relevância do conteúdo e do fim das normas materiais (CURRIE):

Criticava-se nos EUA o facto de a escolha da lei não atender à finalidade e ao conteúdo das normas materiais
em confronto. Na Europa Continental, passou-se, pois, a dar relevo ao conteúdo e fim das normas materiais, sendo que
a este propósito vamos abordar 3 questões:

A) Qualificação: 5


A qualificação constitui um mecanismo que vai averiguar se as normas materiais da lei potencialmente
aplicável a determinada situação correspondem à categoria normativa visada na própria regra de conflitos, i.e., se é
subsumível no respectivo conceito-quadro. Se tais preceitos não se integrarem no âmbito definido pelo conceito-
quadro da norma de conflito, terá de concluir-se pela sua inaplicabilidade.

Isto resulta do art. 15º CC que estabelece que as normas só serão competentes se, pelo conteúdo e função que
tenham no seu ordenamento, integrarem o regime do instituto visado na regra de conflitos.


Por exemplo, imagine-se que uma família de chineses reside em Portugal e há um contrato de compra e venda
celebrado entre pai e filho chineses, escolhendo a lei portuguesa como lei aplicável ao contrato. Imagine-se que o
contrato foi celebrado sem o consentimento dos irmãos, situação proibida no direito português (art. 877º/1). Coloca-se,
assim, um problema de qualificação, i.e., saber se esta norma integra ou não o conceito-quadro da norma de conflitos
que chama a lei portuguesa (art. 3º Regulamento Roma I - norma que determina a lei aplicável ao estatuto do
contrato).
Ora, o art. 877º/1 CC trata-se de um preceito que traduz uma certa concepção do legislador acerca da relação
entre pais e filhos, pelo que, tendo em conta a sua natureza se situa no âmbito das relações jurídico-familiares. Logo,
esta norma não se aplica, pois não integra o conceito-quadro da norma de conflito que se refere ao domínio do estatuto
contratual.

B) Adaptação: 6

Trata-se de um problema que tem a ver com o facto de termos que lidar com contradições normativas. No
âmbito do DIP este problema coloca-se com mais intensidade por força do desmembramento. Pode acontecer que a

5 este tópico encontra-se desenvolvido na pág. 41


6RC diferentes com leis diferentes: acidente técnico (resultado que não conduz a política de nenhuma das leis) -> temos de
adaptar o sistema de DIP
27
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

aplicação simultânea de leis leve a resultados incongruentes, colocando-se assim, a necessidade de fazer uma adaptação. 


Situações típicas:


➤ situações que decorrem apenas do desmembramento:

Como sabemos, no âmbito do DIP, uma mesma relação jurídica é desmembrada/separada em várias questões,
sendo cada uma delas submetida a leis diferentes.

Por ex.: um contrato de compra e venda. O legislador desmembra esta relação, separando um estatuto obrigacional de
um estatuto real, sendo cada um deles regulado por leis diferentes. Ora, imagine-se um contrato celebrado em Portugal,
cuja lei reguladora seja portuguesa e o bem objecto do contrato se situe na Alemanha. Ao estatuto real aplica-se, pois, a
lei alemã (lugar da situação do bem). Segundo a lei alemã a propriedade não se transmite por mero efeito do contrato.
Porém, segundo a lei portuguesa, os efeitos da compra e venda são a obrigação de pagar o preço, de entregar a coisa, e
ainda o efeito translativo (transferência do direito real).
Há aqui uma incongruência resultante da aplicação de duas leis a esta relação: devemos proceder a uma
adaptação do art. 879º CC, dando-lhe uma natureza diferente para que haja transferência da propriedade do bem.
Devemos, assim, ler o preceito da seguinte forma: “é efeito da compra e venda a obrigação de transferir a propriedade
da coisa”.

➤ situações que resultam da existência de questões jurídicas interligadas: cúmulo jurídico:



Imagine-se que de acordo com o art. 53º CC, a regra relativa ao regime de bens, que é a lei nacional comum ao
tempo da celebração do casamento, é a lei sueca. Entretanto, um dos cônjuges muda de nacionalidade, deixando a lei
pessoal de ser sueca e passando a ser inglesa. Este cônjuge morre e pretende-se saber quais os direitos que cabem ao
cônjuge sobrevivo. Ora, nos termos do art. 62º, a sucessão é regulada pela lei pessoal do autor da sucessão ao tempo do
falecimento - lei inglesa. No direito sueco há uma comunhão de bens que se fixa no momento da morte (dividindo-se o
património a meio). Pelo contrário, no direito inglês não se estabelece qualquer comunhão, sendo que a única tutela
conferida ao cônjuge sobrevivo é a posição de herdeiro.
Da aplicação das duas leis resulta uma dupla protecção para o cônjuge sobrevivo [que é contrária à teleologia
dos dois sistemas]: protecção matrimonial (resultante da lei sueca) e protecção sucessória (resultante da lei inglesa).


Temos uma incongruência e como resolver o problema?
- MAGALHÃES COLAÇO: entendia que quando temos um conflito entre um estatuto matrimonial e um estatuto
sucessório, deve prevalecer o matrimonial, pois antecede cronologicamente o sucessório e porque regula toda a vida
matrimonial, ao contrário do sucessório que é instantâneo.
- FERRER CORREIA: defende que devemos olhar para a natureza da comunhão. Se for uma comunhão mortis causa
(que só surge no momento da morte) deve prevalecer o estatuto sucessório. Porém, o autor relativizou a sua posição,
admitindo a possibilidade de o cônjuge sobrevivo optar por uma ou outra.

28
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

No caso, a dupla protecção era contrária à teleologia dos sistemas. Se se tratasse de um sistema que conferisse
as duas protecções não haveria violação nenhuma da intenção da lei.

➤ situações que resultam de problemas de qualificação, conflitos de qualificação, vácuo jurídico:

Imaginemos que A, inglês, morre, sendo a lei reguladora da sucessão a lei pessoal do autor ao tempo do
falecimento (art. 62º CC) - a lei inglesa. Porém, os seus bens encontram-se todos em Portugal, sendo a lei competente
a portuguesa (art. 46º CC). A não deixou quaisquer herdeiros. Há uma lei inglesa que estabelece que os bens deixados
vagos ficam para a coroa, tratando-se, pois, de um direito de apropriação de natureza pública. Desta forma, pelo art. 15º
CC, podemos afirmar que a norma material inglesa pelo seu conteúdo e função não se assume no conceito-quadro do
art. 62º CC, relativo às sucessões.
Por outro lado, em Portugal existe o art. 2133º que estabelece que a falta de herdeiros, é herdeiro o Estado,
sendo esta norma material inequivocamente um preceito sucessório, não se podendo por isso aplicar, pois não se
subsume no conceito-quadro do art. 46º CC, relativos aos direitos reais.
Temos assim, duas leis que resolveriam a questão, nenhuma delas se podendo aplicar, pois nenhuma delas
integra o conceito-quadro da norma de conflitos - vácuo jurídico.

Como resolvemos esta questão?


- MAGALHÃES COLAÇO: entende que devemos adaptar a regra de conflitos (art. 62º), alterando o seu elemento de
conexão (deixando de ser a lei pessoal, mas sim a lei da situação dos bens);
- FERRER CORREIA e BAPTISTA MACHADO: preferem proceder a uma adaptação do regime material português, de
modo a permitir (art. 2133º) que o Estado português se aproprie dos bens situados no seu território.

➔ Notas sobre a Adaptação:


Deve ser um mecanismo de utilização excepcional, pois conduz a soluções casuístas (construção de situações ad hoc).
Porém, como se tratam de problemas inevitáveis, o legislador lança mão de mecanismos:


• Art. 26º CC: há situações em que um certo efeito jurídico depende de saber se uma pessoa sobreviveu ou não a outra.
Os sistemas jurídicos têm soluções diferentes, e no nosso ordenamento jurídico temos a presunção de que morreram
ao mesmo tempo. Ora, podemos ter dois defuntos com duas leis diferentes e cada ma delas tem presunções
diferentes, sendo elas incompatíveis entre si. O art. 26º/2 resolve a questão, através de uma norma de DIP material,
dizendo que havendo presunções incompatíveis se utiliza o critério português (presume-se que morreram ao mesmo
tempo);
• Há casos em que já existem princípios estabilizados. Por ex., a qualificação forma decai perante a qualificação
substância (princípio na questão dos conflitos de qualificações).

7Se se tratasse de um conflito positivo, o estatuto real prevaleceria sobre o estatuto pessoal; logo, aplicar-se-ia a lei
portuguesa. Desta forma, a adaptação tem que ser feita de modo a que tal aconteça.
29
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

• Quando usamos a adaptação, há casos em que adaptamos as regras de conflitos e outros em que adaptamos as
normas materiais. Normalmente, o que se diz é que devemos adaptar as regras de conflitos, ao menos não estamos a
criar soluções artificiosas no sistema jurídico material.

C) Normas materiais espacialmente autolimitadas ou autocondicionadas:

São normas materiais que definem o seu próprio âmbito de aplicação espacial, em função da finalidade que elas
visam realizar.

Podem revestir 2 modalidades:

i) normas materiais espacialmente auto-limitadas em sentido estrito:

Não se aplicam a todos os casos para os quais o ordenamento onde se inserem é o competente. O âmbito
espacial da sua aplicação há-de depender das finalidades que elas visam realizar. Ou seja, estas normas materiais
exigem, para se aplicarem a uma situação, um contacto adicional (mais forte) relativamente àquele que já é exigido pela
regra de conflitos.


Exemplo:

Um caso deste tipo de normas pode corresponder a uma das explicações possíveis para a solução que o tribunal
de NY deu ao caso Babcock vs. Jackson. Neste caso, deu-se um acidente em Ontário, sendo que o veículo transportava
gratuitamente um indivíduo. Pretendeu-se, pois, saber se este indivíduo teria ou não direito a uma indemnização por
danos. Ora, segundo a lei competente que era a de Ontário, não teria esse direito. Porém, o tribunal aplicou a lei nova-
iorquina por haver uma conexão mais significativa e um maior interesse na sua aplicação. Nesta situação, podemos fazer
corresponder aquela norma de Ontario que isentava o condutor de responsabilidade, a uma norma espacialmente auto-
limitada em sentido estrito. Atentemos na suas finalidades:

- pretende prevenir a ganância do transportado. Se é este o objectivo, Ontário só tem interesse em fazer prevalecer
essa norma relativamente aos seus cidadãos (não era o caso);
- pretende evitar conluios entre transportado e condutor com vista a se aproveitarem das seguradoras. Quanto a esta
finalidade, a lei de Ontário também não tinha interesse em se aplicar, pois no caso o carro estava segurado em NY.

Concluímos que a norma de Ontário, em razão das suas finalidades, não se justificava aplicar. Se partirmos da
ideia que aquela norma de Ontário seria especialmente auto-limitada, naquele caso não a aplicamos. Isto não significa
que a lei de Ontário deixe de ser competente.


ii) normas de aplicação necessária e imediata (NANI’s):

30
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

Também designadas por normas internacionalmente imperativas ou normas de intervenção.


Nos termos do art. 9º/1 do Regulamento Roma I, as normas de aplicação necessária e imediata são disposições
cujo respeito é considerado fundamental por um país para a salvaguarda do interesse público, ao ponto de exigir a sua
aplicação em qualquer situação abrangida pelo seu âmbito de aplicação, independentemente da lei que de outro modo
seria aplicável ao contrato.


Estas normas distinguem-se das anteriores na medida em que têm um carácter ampliador (alargam o campo
de aplicação do sistema jurídico a que pertencem), aplicando-se muitas vezes mesmo que a regra de conflitos diga que
a lei competente é outra. 


normas materiais especialmente auto-limitadas em sentido estrito —> carácter restritivo: a sua aplicabilidade não
depende apenas da competência do ordenamento em que se inserem, sendo necessária uma conexão adicional que
realize a suas finalidades;

normas de aplicação necessária e imediata —> carácter ampliador: aplicam-se mesmo que o ordenamento em que
se inserem não seja o competente, bastando que estejam preenchidos os seus pressupostos de aplicação.

Significado metodológico das NANI’s:



As NANI’s são normas de aplicação imperativa, i.e., preenchidos os seus pressupostos de aplicação têm de
aplicar-se, afastando as regras de conflitos (as NANI’s, desta forma, são um método autónomo de regulamentação das
situações internacionais - NANI’s do foro) e as leis que estas designam como competentes (comprometendo, por isso, a
exclusividade da lex causae - NANI’s da lex causae).


Por outro lado, são de aplicação imediata, pois aplicam-se independentemente das regras de conflitos. Estas
regras fogem ao método conflitual.


Razão de ser das NANI’s:

As NANI’s têm uma particular intensidade valorativa, i.e., tutelam valores fundamentais, cuja observância os
Estados consideram necessária para a salvaguarda da sua organização política e económica ou social (são assim um
instrumento de politização, um instrumento de tutela dos interesses governamentais - aproximando-se da crítica
efectuada por CURRIE).



No que toca a exemplos, temos de distinguir NANI’s explícitas e implícitas.

31
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

• Implícitas: o legislador não diz expressamente mas retira-se da sua interpretação o carácter necessário e imediato.
Veja-se: proibição do despedimento sem justa causa – art. 53º CRP. Esta norma aplica-se mesmo que a lei
portuguesa não seja a competente para regular o contrato de trabalho. Porém, a doutrina entende que esta norma só
se aplica se estiver em causa um trabalhador português ou estrangeiro residente em Portugal, contratado por
empregador português, mesmo que o contrato deva ser executado no estrangeiro; e, ainda, a contractos que devam
ser executados em Portugal. Tratam-se de pressupostos de aplicação desta norma. Veja-se, também, o art. 1682º-A
do CC: o n.º 2 deste preceito estabelece que a alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos
pessoais de gozo sobre a casa de morada de família carece sempre do consentimento de ambos os cônjuges. É uma
NANI que tem como pressuposto de aplicação que a casa de morada de família esteja situada em Portugal –
orientação seguida por Moura Ramos que diz que a ratio desta norma só se realiza se a casa de morada de família se
encontre em Portugal. Verificando este pressuposto, esta norma aplica-se sempre, mesmo que a lei reguladora das
relações entre os cônjuges seja outra.

• Explícitas: resulta expressamente da norma o seu carácter necessário e imediato.

Exemplos:

- Art. 2º/2 do DL nº 19/2012: este diploma aplica-se às práticas restritivas da concorrência em território nacional.
Este preceito estabelece a aplicação dessa lei, ainda que a lei portuguesa não seja a aplicável à validade dos actos
restritivos da concorrência.

- art. 23º do DL nº 446/85 (Regime das Cláusulas Contratuais Gerais): aquelas normas aplicam-se sempre que o
contrato apresente uma conexão estreita com o território português, ainda que a lei reguladora do contrato não seja a
portuguesa.

- art. 61º da Lei nº 63/2011 (Lei da Arbitragem Voluntária): estabelece a submissão de todas as arbitragens realizadas
em Portugal à lei portuguesa, independentemente do estatuto designado pelas partes.

- art. 3º do DL nº 238/86.

- art. 20º do DL nº 359/91 (Diploma do Crédito ao Consumo).

- art. 3º/1 do Código dos Valores Mobiliários: Independentemente da lei aplicável, as normas imperativas deste
código aplicam-se se houver conexão estreita com o território.

- DL n.o 77/99: regime da Mediação Imobiliária.

- art. 60º/7 do Regime de Habitação Periódica.

- art. 2223º CC.

Funcionamento das NANI’s:

32
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

O funcionamento das NANI’s pode ser diferenciado em função do ordenamento de que as mesmas são
originárias.
Podemos ter 3 tipos de NANI’s:


1. NANI’s de foro: a questão que se coloca é se perante uma situação internacional em que a regra de conflitos
não aponte para a lei do foro, se deve desconsiderar a lex causae e aplicar a NANI do foro. A doutrina converge
inteiramente, respondendo afirmativamente, ou seja, é entendimento geral que deve ser dada prevalência às
NANI’s de foro. Comprovam este entendimento os arts. 21º CC de Macau, art. 34º da lei alemã de DIP, art.
18º da lei suiça de DIP; art. 9º/2 Roma I e art. 16º Roma II.


2. NANI’s da lex causae e 3. NANI’s de ordenamentos jurídicos terceiros: imaginemos uma situação de facto que
está ligada a 3 Estados: ao Estado do foro, ao estado da lex causae e a um estado terceiro.

Imaginemos agora uma situação de facto que está ligada a três Estados: aos Estados do foro, ao Estado da lex
causae, e a um Estado terceiro. Sobre este problema existem 2 grandes doutrinas:

1) Teoria do estatuto obrigacional: 8


Versa sobre as situações em que temos contratos internacionais onde existem regras dos vários estados que, por
serem de aplicação necessária e imediata, podem afectar a relação contratual. O estatuto obrigacional designa o
conjunto de matérias que têm a ver com as obrigações. Os autores desta teoria entendem que deve ser aceite a aplicação
das NANI e das lex causae mas já não as de um terceiro estado. Dentro das NANI da lex causae haveria de se distinguir
entre:
a) NANI que não pertençam ao estatuto obrigacional: a sua aplicação fica dependente da sua não desconformidade
com a ordem público internacional do Estado do foro e para além disso, as NANI das lex causae cedem perante as
NANI do foro (MOURA RAMOS);
b) restantes NANI: devem ser aplicadas, uma vez que o chamamento que a regra de conflitos faz de uma lei
estrangeira englobaria as NANI’s dessa ordem jurídica (por isto a teoria também se pode designar de teoria
unitária).

2) Doutrina da conexão especial (WENGLER):


Esta doutrina assenta em 4 grandes linhas:
- não distingue entre NANI do foro e NANI de um terceiro Estado;
- respeito pela vontade de aplicação das normas estrangeiras, tal como elas se definem;
- exigência de uma ligação suficientemente estreita entre a ordem jurídica a que pertence a norma e a situação de facto
a que ela se pretende aplicar;

8 só se aplicam as NANI se elas forem da lei competente


33
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

- exigência de que essas NANI não estejam em desconformidade com a ordem pública internacional do foro. A
doutrina designa-se por “conexão especial” porque a aplicação ou não da NANI não fica dependente de ela pertencer
ao estatuto obrigacional, mas sim da sua especial conexão com a situação de facto.

No âmbito do nosso ordenamento jurídico:

•  Quanto às NANI’s da lex causae: o problema só se coloca quando a norma em causa não se insere no estatuto
obrigacional. O que se entende +e que, ainda que a norma esteja fora do círculo de preceitos a que a questão respeita,
se dê aplicação à NANI em virtude de uma ideia de respeito pela unidade do sistema jurídico em causa.

• Quanto às NANI’s de um terceiro Estado: no nosso ordenamento jurídico há quem não atenda à sua aplicação,
outros defendem que devem ser aplicadas e ainda aqueles que, não tendo a NANI como verdadeira norma jurídica,
lhe dão relevância como um dado de facto que será importante na aplicação e interpretação das normas materiais da
lex causae. Há que seguir três parâmetros: 


- Em primeiro lugar, há que analisar a vontade de aplicação da NANI, isto é, se os comandos que ela contém são
tão importantes que a sua não aplicação comprometeria a organização política, social ou económica do Estado. 

- Em segundo lugar, há que verificar se existe uma conexão suficientemente estreita entre o sistema jurídico a que
pertence a NANI e a situação. 

- Em terceiro lugar, há que verificar uma convergência de valores entre a nossa lei e a lei estrangeira. Como explica
MOURA RAMOS, em caso algum se poderá aplicar uma NANI estrangeira em desconformidade com os interesses
da ordem jurídica do foro.

Na prática, há certos casos em que encontram regras de reconhecimento: regras que nos dizem quando e em
que termos devemos atender às NANI’s de Estados Estrangeiros. Por exemplo, no art. 7º da Convenção de Roma, e no
art. 9º do Regulamento de Roma I.

4) Jurisdicionalização do DIP:

Correspondeu a um movimento de desvalorização do momento da


Este método escolhe de uma só
escolha da lei aplicável.
vez o tribunal competente e a lei
De acordo com a concepção clássica do DIP, a questão da aplicar. Cada país escolhe quando
competência do tribunal era uma questão acessória, sendo o problema central é que os seus tribunais são
competentes e nesses casos aplica a
do DIP um problema de escolha da lei aplicável, escolha esta que tornaria lei do foro —> vantagem: boa
irrelevante o lugar onde a acção fosse proposta (porque a lei aplicável ia ser administração da justiça (o juiz
aplica sempre a lei que conhece
sempre a lei X).
melhor diminuindo o erro
Porém, a partir de dada altura começou-se a dar relevância ao judiciário).
momento jurisdicional (determinação do tribunal competente).
34
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

Neste contexto podemos falar de 3 fenómenos:

• absorção de conflitos de leis pelos conflitos de jurisdições: 



O problema central era o da determinação da competência do tribunal. Afirma-se que o tribunal do foro e as suas
leis são a instância central para a resolução de conflitos. A lei conveniente é a lex fori porque é aquela que o juiz
conhece melhor e corresponde aos standards de justiça da ordem jurídica em que se insere. Nesta situação, quando a
lex fori não fosse a conveniente, o juiz devia considerar que seria um foro non convenient (encontramos isto na
construção de EHRENZWEIG);


• tendência da interdependência entre os conflitos de leis e conflitos de jurisdições: havia uma coincidência forum-ius;


• tendência ou método de referência ao ordenamento jurídico competente: doutrina de PAOLO PICONE.



Este autor advoga que a parte do método conflitual e a par das perspectivas dos países de Common Law, existe um
outro método. Este tertium genus visaria evitar as chamadas “situações jurídicas claudicantes” (situações consideradas
válidas num Estado e inválidas noutro). O principal objectivo do DIP, seria, assim, o de garantir que a situação
jurídica criada no Estado do foro possa ser reconhecida no quadro das ordens jurídicas estrangeiras em que ela está
destinada a “localizar-se”. De acordo com este autor, o conflito processa-se entre ordenamentos jurídicos e não entre
leis.

Propõe ainda uma nova visão da harmonia jurídica internacional propugnada pelo DIP: esta deverá consistir numa
continuidade da situação jurídica e dos efeitos que esta tende a produzir, i.e., na possibilidade da situação jurídica ser
efectiva no seio dos ordenamentos jurídicos estrangeiros relevantes.

Este método é recusado entre nós, o que não obsta que alguns dos seus postulados não tenham consagração no
nosso DIP, designadamente o de considerar o ordenamento jurídico como um todo. Ex.: art. 31º/2 (direitos
adquiridos).

6.4. O DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO MATERIAL:

As regras de DIP material são regras materiais especiais para regular situações jurídicas internacionais, tal como…

Método das NANI’s ≠ Método conflitual ≠ Método da criação das regras especiais de direito material

formando, assim, um pluralismo metodológico

35
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso


É usual dizer-se que o precedente histórico deste método foi o ius gentium romano (onde tínhamos um
conjunto de normas materiais aplicáveis às relações entre os cidadãos romanos e os peregrinos).
Actualmente, o legislador de conflitos toma em conta vários tipos de considerações, vários tipos de regras, ou
seja, há aqui vários tipos de métodos —> leva ao pluralismo metodológico.

Argumentos que justificam a criação destas regras materiais:


- as situações jurídicas têm especificidades e por isso devem ter um tratamento jurídico específico;
- existência de situações jurídicas internacionais deslocalizadas, i.e., que dificilmente conseguimos afirmar que se
situam no contexto de uma ordem jurídica;
- o método conflitual é inseguro, tanto no momento da criação das regras de conflitos como no momento da
aplicação.

Origem das normas materiais:

➤ origem legislativa interna: ex.: Código do Comércio Internacional da Checoslováquia, onde se criou um Código de
Comércio Internacional;

- art. 2223º CC; 

- art. 3º/2º CSC.
➤ origem jurisprudencial: no direito francês estipulava-se a impossibilidade de o Estado ser parte numa convenção de
arbitragem. Porém, para as situações internacionais não lhe estava vedada esta hipótese, então a jurisprudência criou

uma norma para invocar a capacidade do Estado para ser parte numa convenção de arbitragem.

➤ origem internacional: convencional e comunitária.



Ex.: convenção de Varsóvia sobre o transporte aéreo internacional

Apreciação crítica:

- Mesmo que defendamos a criação de regimes especiais, para as situações internacionais não devemos prescindir da
conexão espacial, pois estamos a violar o princípio da não transactividade e consequentemente a lesar as expectativas
individuais;
- Em alguns casos poderão levar à violação do princípio da paridade de tratamento das ordens jurídicas;
- Há situações que não têm especificidade tal que justifique um tratamento diferenciado;
- A criação internacional é sempre incompleta, porque há muitos Estados que não se incluem nas convenções de
unificação e há também matérias que não são abrangidas. Por outro lado, nada exclui que possamos vir a ter
divergências na interpretação de uma mesma norma em países diferentes;
- No que toca à criação por via jurisprudencial, leva-nos ao casuísmo.

36
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

7. Fundamento geral do DIP.


Princípios estruturantes do DIP e principais valores atendíveis

A justiça do DIP é uma justiça “formal” ou conflitual, o que significa que normalmente o DIP não se preocupa
com o conteúdo da norma escolhida. O que interessa é garantir a certeza, a segurança das relações jurídicas
internacionais, i.e., que se saiba qual vai ser a lei aplicável a cada caso.
O DIP tem que indicar a lei competente e garantir o reconhecimento das situações jurídicas, através de um
princípio geral de localização ou proximidade.

Princípios estruturantes de um sistema de DIP de matriz conflitual 9:


1) PRINCÍPIO DA HARMONIA JURÍDICA INTERNACIONAL - este princípio tem duas acepções:


• acepção clássica (SAVIGNY): a harmonia jurídica internacional é entendida como uniformidade da lei aplicável (que
em todos os Estados se aplique a mesma lei). Esta uniformidade da lei aplicável nem sempre existe pois, muitas
vezes, as próprias regras de conflitos são diferentes de Estado para Estado, gerando conflitos de sistemas conflituais
(que podem ser positivos ou negativos);
• acepção que entende a harmonia jurídica internacional como unidade de valoração das situações jurídicas;

2) PRINCÍPIO DA PARIDADE DE TRATAMENTO DAS ORDENS JURÍDICAS: o princípio segundo o qual a aplicação da
lei do foro deve ser privilegiada. Por oposição a este princípio costuma falar-se no “princípio da boa administração da
justiça” 10, segundo o qual o juiz do foro deve privilegiar a aplicação da lex fori. Porém, este não é um verdadeiro
princípio susceptível de generalização.
Trata-se da mesma forma a lei do foro e a lei estrangeira. Tem de haver um plano de igualdade entre todas as
ordens jurídicas caso contrário nunca haverá harmonia jurídica internacional.

3) PRINCÍPIO DA EFECTIVIDADE OU EFICÁCIA DAS DECISÕES: princípio da execução mais forte. É um princípio
que assenta na ideia de que devemos obter uma decisão que seja passível de ser executada.

Ex.: casos de aplicação de imóveis (lex rei sitae).

4) PRINCÍPIO DA HARMONIA MATERIAL OU INTERNA: princípio segundo o qual devemos evitar contradições no seio
do ordenamento jurídico. Deve haver harmonia no interior do mesmo sistema!
Porém, o próprio funcionamento do DIP favorece a desarmonia interna, através da sua técnica de
desmembramento que fracciona as relações jurídicas em diversas questões, submetendo cada uma delas a questões
diferentes. Ora, esta técnica pode levar a resultados inadequados (contradições).

9 Página 50 - aulas teóricas (Moura Ramos 2013/2014)


10 aplicar a lei estrangeira é muito mais difícil e consequentemente mais difícil de o fazer correctamente
37
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

Intimamente relacionado com a harmonia material está o problema das “questões prévias” - há casos em que a
regra de conflitos indica uma lei e nessa lei indica-se um conceito que tem que ser esclarecido juridicamente (conceito
prejudicial).

38
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

PARTE GERAL

1. A Regra de Conflitos no seio de um DIP de matriz conflitual - estrutura e função

A Regra de Conflitos é uma norma instrumental, uma vez que não apresenta uma solução imediata,
identificando antes qual o ordenamento que vai proceder a essa tarefa.
Esta tem um modus operendi específico: delimita uma determinada matéria jurídica e permite escolher dentro
dos vários ordenamentos em contacto com a situação aquele que será competente. 11


ELEMENTOS DA REGRA DE CONFLITOS:


➔ Conceito-Quadro ou Objecto da Conexão: define o âmbito da norma circunscrevendo uma certa matéria ou
questão jurídica específica;
➔ Elemento de Conexão: estabelece a ligação entre a situação concreta e um determinado ordenamento;

➔ Consequência Jurídica: é a declaração de aplicabilidade das normas materiais da lei que for designada por meio do
elemento de conexão.


Ex.: art. 46º CC: “O regime da posse, propriedade e demais direitos reais é definido pela lei do Estado em cujo território as coisas
se encontrem situadas.”
- Conceito-quadro: regime da posse, propriedade e demais direitos reais;
- Elemento de conexão: território onde as coisas se encontram situadas (lex rei sitae);
- Consequência jurídica: na matéria em causa rege a lei do território onde as coisas se encontram situadas.

MODALIDADES DO ELEMENTO DE CONEXÃO:


- Elemento de conexão subjectivo/pessoal: respeitante ao sujeito. É o caso da lei da nacionalidade, da residência, da


vontade das partes, entre outros;

- Elemento de conexão objectivo/real: respeitante ao objecto ou ao facto. É o caso da lei do lugar da celebração do
negócio, lei do lugar onde o facto ocorreu, lei do lugar da situação dos bens, entre outros;

- Elemento de conexão de facto: dados da natureza puramente fácticos. Ex.: art. 46º “território em que as coisas se
encontrem situadas”;

As RC em Portugal têm uma estrutura similar: regra de conflitos bilateral —> tanto indica a aplicação da lei do foro como
11

manda aplicar a lei estrangeira


39
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

- Elemento de conexão de direito: é o caso da nacionalidade, pois para determinar a nacionalidade temos de recorrer à
lei nacional;

- Elemento de conexão fixo: local da celebração do contrato, local da situação dos bens imóveis, lugar da prática do
acto ilícito;

- Elemento de conexão móvel: situação de um bem móvel, nacionalidade, residência;

- Elemento de conexão rígida: não confere margem de conformação ao intérprete;



- Elemento de conexão flexível: 2 vias de flexibilização: 

1. aplicação da lei cuja conexão seja mais estreita;

2. através das cláusulas de excepção, que permite ao juiz afastar a lei primariamente competente em detrimento de
outra;

- Elemento de conexão localizador: a escolha da lei é feita em função de critérios de proximidade física;

- Elemento de conexão material/substancial: a escolha da lei é feita em função do resultado material da sua aplicação.
Aplica-se a lei materialmente mais justa em função do caso concreto. É o caso do art. 45º/2 CC que visa a protecção
do lesado;


[sistemas de conexão]
- Elemento de conexão una ou simples: contém um único elemento de conexão;

- Elemento de conexão múltipla ou conexa: tem dois ou mais elementos de conexão (o legislador opta por estas
conexões para facilitar a própria conexão ou para promover determinados objectivos específicos);


Subdivide-se em vários tipos de conexão:


- conexão múltipla subsidiária: art. 52º - na hipótese de não se preencher o elemento de conexão principal
funciona o elemento de conexão subsidiária; art. 45º - a subsidiariedade aqui justifica-se por motivos de justiça
material;


40
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

- conexão múltipla alternativa: a norma de conflitos prevê várias conexões como igualmente possível ou legítimas,
podendo um determinado resultado ser alcançado com fundamento na lei referenciada por qualquer delas. Art.
65º;


- conexão múltipla distributiva: cada uma das leis é chamada para parte da relação jurídica, parte da relação vai ser
regulada por uma lei e outra parte é regulada por outra lei.

Ex.: art. 49º CC - a capacidade para contrair casamento é regulada, em relação a cada nubente, pela respectiva lei
pessoal. Ou seja, os impedimentos que afectam cada um dos nubente serão apreciados pela respectiva lei
nacional.


- conexão múltipla cumulativa: a norma de conflitos prevê dois ou mais elementos de conexão que têm de estar
verificados simultaneamente para se produzir o efeito jurídico em causa. Determinado efeito jurídico só se
produz se for, assim, reconhecido pelas várias leis em concurso. O legislador utiliza este tipo de conexão para
dificultar a produção de determinados efeitos jurídicos e ainda para evitar as chamadas “situações jurídicas
claudicantes” (evitar que sejam reconhecidas num estado e noutro não). Art. 60º/1 -> art. 60º/4


▸ Distinção ⚠ - conexão múltipla cumulativa ≠ cumulação de conexões:

Diz-se quanto à conexão múltipla cumulativa que esta promete mais do que dá, uma vez que promete aplicar
duas leis - se a lei de um Estado e do outro acordarem - mas, se uma lei diz que sim e outra diz que não, não se
produz o efeito jurídico e, na prática, acaba por praticar só uma lei, a mais restritiva.
Devemos distinguir o conceito de conexão cumulativa de cumulação de conexões em que uma determinada lei
só é aplicável quando vários elementos de conexão apontam simultaneamente para ela. 

Ex.: art. 52º/2 nacionalidade comum: só se aplica se for simultaneamente a lei da nacionalidade de um e de outro.

Aplicação combinada de várias ordens jurídicas (aplicação distributiva de leis): vamos aplicar leis diferentes no
que toca a uma mesma relação jurídica mas a sujeitos diferentes.
Exemplo: art. 49º CC: a capacidade para contrair casamento é regulada, em relação a cada nubente, pela
respectiva lei pessoal. Ou seja, os impedimentos que afectam cada um dos nubentes serão apreciados pela respectiva lei
nacional. Por exemplo, se a noiva não tem ainda idade para casar segundo a lei do noivo, mas tem segundo a sua lei
pessoal, o casamento pode ser validamente celebrado.

Porém, existem impedimentos matrimoniais de natureza bilateral em que temos de atender às duas leis,
aplicando a mais exigente. Exemplo: casamento anterior não dissolvido.


FUNÇÃO DA REGRA DE CONFLITOS:

A discussão sobre a função da regra de conflitos processa-se entre aqueles que lhe reconhecem uma função
bilateral e os que lhe reconhecem uma função unilateral. 


41
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

• Função bilateral: 12 tem por função designar o ordenamento competente para resolver a questão, pouco importando
que este ordenamento seja o do foro ou um ordenamento estrangeiro; - NOSSA DOUTRINA


• Função unilateral: tem por função delimitar apenas o domínio de aplicação das leis materiais do ordenamento onde
vigora ou apenas de outros ordenamentos. Segundo RODOLFO DE NOVA podemos distinguir:

- unilateralismo extroverso: segundo os defensores desta doutrina (ROBERT AGO), as normas de conflitos
determinam apenas a aplicação do direito exterior. Designado apenas direito exterior, as normas de conflitos acabam
por indirectamente delimitar a competência do ordenamento do foro.


- unilateralismo introverso: esta doutrina diz que a função da regra de conflitos é designar quando é competente a
ordem jurídica do foro e que uma lei estrangeira só deve ser aplicada quando “tenha vontade de se aplicar”, i.e.,
quando uma regra do sistema a que pertence a designar como competente. 13


O principal autor foi ROLANDO QUADRI e, segundo este, aceitar-se-ia a aplicação da lei estrangeira verificadas 2
condições:


a) quando a lei do foro não se considere competente;


b) quando o ordenamento jurídico estrangeiro se considere competente.

Qual o fundamento desta doutrina?


Segundo uma concepção clássica, o fundamento tradicional era o de que as regras de conflitos devem ser unilaterais,
pois nenhum Estado deve delimitar o âmbito de aplicação da lei estrangeira, sob pena de violar a soberania desse
Estado. O fundamento moderno é o de que as regras de conflitos devem ser unilaterais, por um princípio de boa
coordenação entre as ordens jurídicas, promovendo, assim, a harmonia jurídica.

Críticas apontadas a este teoria:


1) viola o princípio da paridade de tratamento das ordens jurídicas14;
2) pode conduzir a situações de cúmulo jurídico (quando temos várias leis estrangeiras com vontade de se aplicar);

[Solução QUADRI: escolher a lei que as partes pensariam ser a aplicável];

12 ou método Savigniano
13 Importante: art. 46º é uma regra bilateral porque manda aplicar a lei do foro se as coisas estiverem em Portugal ou manda
aplicar a lei estrangeira se as coisas estiverem no estrangeiro. Para ser uma regra conflitos unilateral introversa seria de deixar de
escolher ma lei aplicável e dizer que se aplica a lei portuguesa ao regime da posse, propriedade e demais direitos reais.
14 isto porque privilegia a lex fori
42
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

3) pode conduzir a situações de vácuo jurídico, em que nenhuma das leis em contacto com a situação tem vontade de
se aplicar, ou seja, nenhuma das regras de conflitos dos Estados em contacto com a situação se designa como
competente.15

Em matéria de função das regras de conflitos surge também a doutrina da auto-limitação espacial da regra de
conflitos 16 (FRANCESCAKIS - autor bilateralista).


Para este autor há que distinguir 2 grandes espécies de situações multinacionais:


➤ aquelas que têm algum contacto com o ordenamento do foro, que não aquele escolhido pela regra de conflitos.

Pode aplicar-se a regra de conflitos bilateral, submetendo a situação à lei estrangeira por ela designada.

Ex.: A e B são brasileiros e casaram em Portugal. Funcionamento bilateral.


➤ aquelas que no momento da sua constituição não tinham nenhum contacto com o ordenamento jurídico do foro.

A estas não se aplica a regra de conflitos local, mas sim a lei à luz da qual se tenham constituído aquela situação.

Ex.: A e B são brasileiros e casaram no Uruguai. Em Portugal reconhecia-se a situação à luz da lei em que ela se
constituiu.

⚠ Veja-se como BAPTISTA MACHADO introduz uma nuance na vertente da posição bilateralista a que adere: a regra

de conflitos pode designar como aplicáveis tanto a lei do foro com a lei estrangeira, mas, quanto àquela primeira função
– determinar como aplicável o ordenamento do foro -, a regra de conflitos só intervém nas hipóteses dotadas de
elementos de estraneidade (e “não já nos casos ‘puramente internos’, em que a lei do foro seria aplicável directamente
ou de per si”).

Com isto, BAPTISTA MACHADO imuniza a sua posição perante os unilateralistas que criticavam a tese
bilateralista dizendo que o legislador estadual da regra de conflitos estaria a usurpar uma autoridade supraestadual, ao
arrogar-se a repartição de competências pelos diversos Estados. Ora, “essa tarefa é desempenhada, antes, pelo referido
princípio universal de direito [a não transactividade], subjacente a todos os sistemas nacionais de DIP. As ditas regras
de conflitos limitam-se a simplesmente desempenhar a função subordinada, mas necessária, de dirimir concursos entre
várias leis potencialmente aplicáveis”.

15 Caso isto aconteça, o juiz deve criar uma RC especial para escolher a lei mais próxima -> DE NOVA diz que temos de seguir o
bilateralismo
16 doutrina intermédia/anfíbia
43
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

O nosso sistema é bilateralista 17 mas há uma excepção: art. 28º CC - é uma regra unilateral. Porém, no art.
28º/3, o legislador bilateralizou a norma. Contudo, trata-se de uma bilateralização condicionada à existência no
ordenamento jurídico estrangeiro de um regime de protecção idêntico ao do art. 28º/1.

2. O problema da Qualificação

O problema da qualificação está intimamente ligado a um elemento da regra de conflitos - o conceito-quadro.


Este tem por função delimitar a área jurídica onde vai funcionar a lei indicada pelo elemento de conexão.
O conceito-quadro tem a característica peculiar de ser apto a incorporar uma multiplicidade de conteúdos
jurídicos e a sua extensão é muito variável. Além disso, é importante referir uma especificidade quanto à natureza do
conceito-quadro, que é o facto de ele ser um conceito técnico-jurídico e não um puro conceito descritivo. É desta
natureza do conceito-quadro que nascem os problemas de qualificação. [faltam as perspectivas tradicionais]

Distinguimos 2 problemas específicos:


1. Problema da interpretação do conceito-quadro e critério geral a utilizar nessa tarefa interpretativa:


Desde logo, há que partir da ideia de que esta questão só se coloca pelo facto de os conceito-quadro da regra de
conflitos corresponderem a conceitos jurídicos. Se se tratassem de meros conceitos descritivos a questão não se
colocaria. Ora, tratando-se de conceitos jurídicos, importa saber como interpretá-los.

Há várias orientações a este propósito:

- devem ser interpretados de acordo com o direito material do foro, ou seja, devemos interpretar os conceitos de
acordo com o sentido que têm os preceitos homólogos do direito material do foro. Esta é a perspectiva tradicional e
é criticada na medida em que não está de acordo com o espírito de abertura que deve nortear o DIP; 18


- devem ser interpretados de acordo com a lex causae (lei competente)19, ou seja, devemos interpretar os conceitos
jurídicos de acordo com o sentido homólogo no direito da lei competente. Porém, esta perspectiva corresponderia a
uma abstenção da interpretação do conceito-quadro no ordenamento do foro. O conceito-quadro seria definido pela
própria lei estrangeira;


- devem ser interpretados de acordo com o direito comparado:



Esta doutrina sustenta que devemos interpretar uma norma de conflitos em função dos vários sistemas jurídicos cuja
aplicação ela é susceptível de desencadear. Com efeito, teríamos de construir um conceito comum à generalidade dos

17 É o sistema que melhor se adequa sendo corrigido por 2 institutos: reenvio e reconhecimento de direitos adquiridos.
Sistema da dupla-qualificação (qualificação lege fori)
18

AGO e ROBERTSON foram dois grandes defensores


19 Defendido por WOLFF
44
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

ordenamentos. Porém, apesar de o direito comparado ter relevância no momento da qualificação propriamente dita,
não pode servir para a interpretação do conceito-quadro, pois não parece viável construirmos para cada matéria um
conceito a todos os ordenamentos jurídicos.


- devem ser interpretados de acordo com a lei formal do foro: o recurso à lex formalis fori (é a posição adoptada):

Esta perspectiva defende que deve ser feita uma interpretação teleológico e autónoma.

i) Teleológica pois devemos determinar para cada regra de conflitos o juízo de valor que lhe está subjacente, i.e.,
compreender a ponderação que os legislador fez a propósito de cada matéria para ter escolhido uma certa conexão.

ii) Por outro lado, deve ser autónoma em relação ao direito material, ou seja, devemos ter em conta a
intencionalidade e justiça própria do DIP (a interpretação é feita no foro mas não de acordo com o direito material -
ex.: conceito de casamento: tem de ser interpretado autonomamente face ao conceito de casamento presente na
parte especial do CC).

Pressupostos:

• o conceito-quadro possui um núcleo duro que corresponde aos institutos que aquele conceito exprime no direito
material nacional;
• porém, possui também as zonas periféricas que correspondem a outros institutos, para além dos nacionais, a que
convenha a mesma solução conflitual. Ou seja, destes institutos integrados ainda no conceito-quadro da regra de
conflitos (não reconhecidos no direito nacional) convirá, segundo a ratio da regra de conflitos, o tipo de conexão
adoptado.

Ex.: o casamento corresponde, desde logo, ao instituto visado no art. 1577º CC, mas o conceito abrange ainda os institutos
estrangeiros que não são casamento no direito material português, mas para os quais faz sentido aplicar a mesma conexão. Era o
caso do casamento entre pessoas do mesmo sexo que não foi reconhecido durante muito tempo no nosso direito (não era
casamento para o nosso sistema de direito).

Vamos, assim, aferir se determinado instituto ou preceito da lei competente corresponde à categoria
normativa usada pela regra de conflitos, i.e., à categoria normativa que o conceito-quadro exprime.

Chegados aqui, diz-se que se conciliou a qualificação lege causae 20 e a qualificação lege fori 21.

2. Problema da qualificação propriamente dita ou do objecto de qualificação: 22

20A qualificação também é feita na lege causae, pois é no seio dessa lei que vamos procurar as características que se relacionam com
o conceito-quadro.
21 Enquanto que a lei do foro define a questão jurídica e quais as características que se têm de verificar na lex causae.

22 Vamos subsumir normas materiais no conceito-quadro quando interpretado -> vamos ver quais são as normas que pelo conteúdo
e função a desempenhar na lei a que pertencem, se inserem naquele conceito-quadro —> chamamento circunscrito.
45
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

Desde logo, entendemos que esta qualificação é uma qualificação de normas materiais (é esse o objecto da
qualificação) - como resultado do art. 15º CC: “a competência atribuída a uma lei abrange somente as normas que, pelo
seu conteúdo e pela função que têm nessa lei, integram o regime visado na regra de conflitos”.

A caracterização das normas materiais atende ao seu conteúdo e função apreciados no contexto do
ordenamento em que se inserem. Não depende da sua inserção sistemática.

O chamamento que a regra de conflitos faz do ordenamento jurídico é sempre circunscrito/limitado, i.e., não
aplicamos todas as normas. O art. 15º supõe que a competência já está atribuída a esse ordenamento, ou seja, entre nós,
a qualificação não serve para determinar a lei competente, aparece, pois, num momento posterior para seleccionar as
normas.

Porém, este nosso entendimento opõe-se à teoria tradicional (dominante) que é a teoria da dupla qualificação
23. Os defensores dessa teoria partem da ideia de que existem duas qualificações:

• qualificação primária ou de competência;


• qualificação secundária ou material.

ROBERT AGO e ROBERTSON defenderam que a qualificação primária seria uma qualificação de factos ou
situações da vida e seria feita de acordo com a natureza que esses factos têm no direito material do foro. Os factos
seriam subsumidos no conceito-quadro da regra de conflitos, determinando assim a lei competente. A qualificação
primária servia, assim, para determinar a lei competente, permitindo assim chegar a um único ordenamento jurídico.


Quanto à qualificação secundária, seria já uma qualificação de normas, e encontramos uma divergência entre
eles:
- AGO: faz um chamamento das normas no ordenamento competente indiscriminado, ou seja, ele chama todas as
normas desse ordenamento sem atender ao seu conteúdo e função. Não há um chamamento selectivo; 24
- ROBERTSON: faz uma qualificação idêntica à que se encontra no art. 15º CC - atende ao conteúdo e função que as
normas têm no seu ordenamento - chamamento circunscrito. Contudo, se não obtivesse quaisquer normas ao abrigo
do chamamento circunscrito, faria um chamamento indiscriminado, tal como AGO.


Críticas:

Qualificação primária:

23 Qualificação lege fori - qualificação à luz da lei do foro


24 qualificação secundária da lei material do foro temos de saber que normas vão ser chamadas

46
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

- desde logo, é um passo desnecessário, pois não temos de fazer a qualificação para determinar a lei competente,
basta fazer funcionar o princípio da não transactividade e as regras de conflitos. A própria situação traz logo o
círculo de leis aplicáveis;


- viola o princípio da paridade de tratamento das ordens jurídicas, pois a qualificação dos factos é feita de acordo
com o sentido que têm no direito material do foro - aplicamos à luz lex fori (sob o ponto de vista de um único
ordenamento);


- compromete, assim, a harmonia jurídica internacional. Está-se a fazer depender a aplicação da lei estrangeira do
ponto de vista da lei do foro, chegando a resultados insatisfatórios, pois não é possível atender, desta forma, aos
institutos que não são conhecidos no ordenamento do foro. Por exemplo, até 1996, o instituto da adopção era
desconhecido em Portugal, não havendo por isso, nenhuma RC para essa matéria. Havia, portanto, um problema
de determinação da lei aplicável.

No que toca à qualificação secundária, AGO é criticado porque ignora o conteúdo e função das normas
materiais da lex causae.
Quanto à doutrina de ROBERTSON, que é a doutrina dominante, apesar das críticas referidas a propósito da
qualificação primária, concordamos com o seu procedimento quanto à qualificação secundária.

Acresce uma vantagem indiscutível da teoria da dupla qualificação, que é o facto de ao fim da primeira
qualificação já termos uma ordem jurídica definitivamente aplicável. 25
Entre nós, não se faz a qualificação primária e por esse motivo surge um problema - conflitos de qualificação.
Desde logo, devemos partir da ideia de que este problema surge em consequência do método de qualificação
adoptado no nosso ordenamento. 


Modalidades de conflitos de qualificações:

• Conflitos positivos de qualificações: situação em que temos concorrência de preceitos materiais de ordenamentos
diferentes, convocados por regras de conflitos diferentes, cuja aplicação simultânea é contraditória, mas que ambas as
normas, no sistema em que se inserem, correspondem ao conceito-quadro das regras de conflitos que as chamam -
cúmulo jurídico.


25FERRER CORREIA e BAPTISTA MACHADO desenvolveram um sistema de qualificação, que é o consagrado no art. 15º CC. É
um método de qualificação. Devemos utilizar este método sempre que tivermos RC de direito interno e também sempre que se
apliquem os regulamentos Roma I e II.
47
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

• Conflitos negativos de qualificações: situação em que temos um chamamento de duas ou mais normas materiais de
ordenamentos diferentes, convocadas por regras e conflitos diferentes, mas nenhuma delas se subsume ao conceito-
quadro das regras de conflitos que as chamam - vácuo jurídico.

A questão dos conflitos de qualificações não foi resolvida pelo legislador português. Costuma dizer-se que
devemos privilegiar uma solução no plano do DIP. Para tanto, tentar-se-á definir uma relação de hierarquia entre as
qualificações conflituantes, i.e., entre as categorias normativas visadas em cada regra de conflitos. Por tal via se chegará
ao sacrifício de uma das regras de conflitos em presença.


Quando o critério da hierarquia entre qualificações não funciona:
Contudo, apesar de preconizarmos este critério geral, por vezes, cremos que a questão só poderá ser
correctamente resolvida se nos colocarmos numa perspectiva jurídico-material, atendendo às soluções oferecidas pelas
próprias leis em presença (caso em que o critério da hierarquia entre qualificações não funciona).


Ex.: dois alemães que se prometem mutuamente em casamento. A certa altura, um deles, encontrando-se em França, revoga a
promessa sem justa causa. Pergunta-se que direitos poderá a outra parte fazer valer, supondo que a questão se levanta em Portugal.
De acordo com a regra de conflitos relativa à família será competente a lei da nacionalidade comum (lei alemã), que
contém um regime específico da ruptura da promessa de casamento. Por outro lado, a regra de conflitos relativa à responsabilidade
manda aplicar a lei do lugar onde decorreu a actividade causadora do prejuízo (lei francesa). Porém, a lei francesa não prevê
regulamentação em matéria de contrato promessa de casamento, pelo que esta ruptura só será relevante do ponto de vista da
responsabilidade por facto ilícito extracontratual.
Temos, assim, um conflito positivo: dois regimes de ordens jurídicas diferentes que subsumem ao conceito-quadro da
regra de conflitos, cuja aplicação simultânea é contraditória.

FERRER CORREIA entende que o conflito se deve resolver a favor do direito alemão, pois de duas regras materiais em
conflito uma reveste carácter geral e outra carácter especial, logo devemos aplicar o princípio de que a lei especial derroga a lei
geral. O tipo de raciocínio seria o mesmo na hipótese inversa.


Como já se referiu, FERRER CORREIA e BAPTISTA MACHADO, no que toca aos conflitos positivos de
qualificação, defende que se deverá operar uma hierarquização entre as qualificações/categorias normativas
conflituantes:

1. Conflito entre a qualificação “forma” e a qualificação “substância”: prevalece a qualificação substância.




Casal grego que quer casar na Alemanha.

A regra de conflitos relativa à forma da celebração do casamento apontava para a lei alemã, a regra de conflitos
relativa à substância apontava para a lei grega. Ora, de acordo com a lei alemã, a única forma de casamento é a civil,
já de acordo com a lei grega, segundo uma norma que diz respeito à substância do acto, este é essencialmente

48
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

religioso, exigindo-se a realização do casamento segundo o ritual ortodoxo. Temos, pois, um conflito, não sendo
possível a aplicação em simultâneo das duas leis. Entende-se que deve ser dada prevalência à qualificação
substância, prevalecendo a lei grega. Porém, na Alemanha chocaria obrigar alguém, ainda que estrangeiro, a
celebrar um casamento de acordo com um ritual religioso.


2. Conflito entre a qualificação “real” e a qualificação “pessoal”: prevalece a qualificação real (aplicação da lex rei sitae),
em virtude do PRINCÍPIO DA EFECTIVIDADE das decisões.


Português morre sem herdeiros e tem bens em Inglaterra.

De acordo com a regra de conflitos pessoal (relativa à sucessão), seria aplicável a lei portuguesa (art. 62º). De
acordo com a regra de conflitos do estatuto real seria aplicável a lei inglesa - lugar da situação dos bens (art. 46º).
De acordo com a lei portuguesa (art. 1233º) - norma sucessória - os bens pertencem ao Estado; já de acordo com a
lei inglesa (norma de natureza real) a coroa tem um direito de se apropriar dos bens. Temos assim, um conflito
positivo, sendo a aplicação simultânea das duas normas contraditória. Deverá, pois, prevalecer a qualificação real
(prevalece a inglesa).


3. Conflito entre a qualificação “regime matrimonial” e a qualificação “sucessória”: neste âmbito importa traçar uma
distinção entre 2 situações:


➤ Conflito aparente de qualificações:




A e B, portugueses, casaram sem convenção antenupcial, vindo mais tarde a adquirir a nacionalidade alemã. A morre
e B pretende fazer valer os seus direitos. 

A lei portuguesa (lei da nacionalidade ao tempo do casamento) atribui-lhe metade do património comum dado o seu
estatuto de cônjuge. O direito alemão regula o estatuto sucessório atribuindo a B o que lhe compete. Aqui não se
verifica um verdadeiro conflito de qualificações, pois os dois ordenamentos são chamados a regular aspectos
diferentes, sendo ambas as pretensões cumuláveis. Os estatutos são assim de aplicação sucessiva. Tanto o direito
alemão como o português protegem o cônjuge sobrevivo como participante na comunhão e como herdeiro. Podemos
assim fazer actuar sucessivamente os dois estatutos sem que isso seja contraditório;


[a qualificação matrimonial prevalece quase sempre sobre o regime sucessório, porque já produz efeitos há mais
tempo. Excepto se tivermos a falar em regimes matrimoniais que só produzem efeitos depois da morte]

➤ Verdadeiro conflito de qualificações:

A e B, suecos, casaram-se tendo depois adquirido a nacionalidade inglesa e um deles faleceu. 



Pretendemos saber quais os direitos do cônjuge sobrevivo. A lei sueca (lei da nacionalidade ao tempo do casamento)

49
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

prevê a comunhão mortis causa (depois da morte de um dos cônjuges, forma-se uma massa unitária comum da qual o
cônjuge sobrevivo receberá metade). Já a lei inglesa não reconhece, por força do casamento, qualquer efeito patrimonial,
protegendo o cônjuge sobrevivo só e apenas pela sua condição de herdeiro. O direito sueco só dá direito à comunhão e
o direito inglês só atribui o direito sucessório pelo que não podemos aplicar os estatutos sucessivamente, pois
estaríamos a dar uma dupla protecção ao cônjuge sobrevivo, quando estes ordenamentos só querem dar uma protecção
(estaríamos a contrariar as finalidades do sistema).

Solução:

- MAGALHÃES COLAÇO: faz prevalecer o estatuto matrimonial - o casamento é cronologicamente anterior, bem
como o estatuto sucessório é chamado por uma regra de conflitos cujo elemento de conexão se consubstancia
num intervalo instantâneo.
- FERRER CORREIA: entende que temos de olhar à natureza da comunhão: se for uma comunhão mortis causa,
deve prevalecer o estatuto sucessório (nosso caso); se for uma comunhão intervivos prevalece o estatuto
matrimonial. De qualquer modo, coloca a hipótese de o cônjuge sobrevivo poder optar entre os direitos
conferidos pelo estatuto matrimonial ou pelo sucessório.

4. Conflito entre a qualificação “pessoal” e a qualificação “patrimonial”:

A e B casaram, possuindo nacionalidade alemã. Posteriormente adquiriram a nacionalidade austríaca. A pretende


reclamar do marido, antecipadamente, às custas de um processo que lhe pretende mover.
A lei alemã aprecia a questão em sede de regime de bens entre os cônjuge. O direito austríaco entende que o referido
direito emerge da obrigação de assistência. Das qualificações em causa deverá prevalecer a qualificação pessoal, dada a
maior abrangência do estatuto pessoal. Porém, verificamos que o critério em questão pode não solucionar eficazmente
o problema. Se assim suceder, devemos lançar mão da técnica de adaptação.

Quanto aos conflitos negativos de qualificações 26, estes correspondem às situações em que há um
chamamento simultâneo de duas ou mais normas de ordenamentos diferentes, convocadas por regras de conflitos
diferentes mas nenhuma delas se subsume ao conceito-quadro da regra que as chama. Ou seja, estes conflitos surgem
pelo facto de as normas dos vários sistemas competentes não se poderem aplicar por não corresponderem ao instituto
visado pela regra de conflitos.

26 Adaptação: Perante conflitos negativos de qualificação deveremos ver, se fosse um conflito positivo, qual seria a
qualificação que prevaleceria (no caso em baixo seria o regime matrimonial). Assim, após encontrarmos o regime
iremos qualificar ficticiamente/subsidiariamente a norma em causa (que não integra o regime matrimonial mas sim o
sucessório) e iremos fingir que ela pertence ao regime da sua lei (fingir que a norma sucessória inglesa é matrimonial).
Resolvemos o problema do conflito negativo da qualificação pela via da adaptação.
50
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

Desde logo, há que ter em consideração que só há conflito negativo de qualificações se houver uma autêntica
lacuna de regulamentação, segundo o ponto de vista da lex fori, i.e., quando a não aplicação das suas leis em princípio
aplicáveis produza um resultado claramente insatisfatório.

Além disto, há que ter em consideração a existência de casos em que podemos fazer uma qualificação
subsidiária, o que permite concluir que se trata de um conflito aparente (ex.: hipótese inversa da referida
anteriormente).

A e B, cidadãos britânicos ao tempo do casamento, mudam de nacionalidade depois de casar, passando a ser suecos. A
morre e pretende-se saber que direitos assistem a B.
Ora, a lei inglesa é chamada a regular o estatuto matrimonial (art. 53º) e a lei sueca é chamada a regular o estatuto
sucessório (art. 62º). Porém, a natureza da lei inglesa (que protege o cônjuge sobrevivo apenas pela sua condição de
herdeiro) é claramente sucessória, pelo que não se subsume no conceito-quadro da regra de conflitos (art. 53º). Por
outro lado a natureza da lei sueca é claramente matrimonial, pelo que também não se subsume no conceito-quadro da
regra de conflitos (art. 62º). A princípio diríamos tratar-se de um conflito negativo. Contudo, FERRER CORREIA
entende tratar-se de um conflito aparente, pois a lei sueca pode ser subsidiriamente qualificada como sucessória e dessa
forma, já se iria subsumir no conceito-quadro da regra de conflitos (art. 62º).

Por fim, nos casos de verdadeira lacuna:


Indivíduo inglês morre sem testamento e sem deixar herdeiros, deixa bens imóveis situados em Portugal.
O art. 46º determina a aplicação da lei portuguesa (matéria de direitos reais) e o art. 62º determina a aplicação da lei
inglesa (matéria sucessória). Porém, o regime português que se afigura aplicável é sucessório (art. 2133º), logo não se
subsume no conceito-quadro da regra de conflitos; e o regime inglês (os bens são da coroa) corresponde a uma norma
de natureza real, pelo que também não se subsume no conceito-quadro da regra de conflitos.
Tem-se entendido que deverá ser criada uma norma que permita chamar um ordenamento e que os seus
preceitos materiais integrem a respectiva categoria normativa. Trata-se de uma norma de conflitos ad hoc. Face às leis
em confronto apenas uma delas será convocada e a escolha desta lei terá de pautar-se pelos princípios do DIP.

Segundo MAGALHÃES COLAÇO devemos adoptar a regra de conflitos do art. 62º de forma que nos leve à
aplicação da lex rei sitae. Por outro lado, FERRER CORREIA e BAPTISTA MACHADO defendem que devemos criar uma
norma especial que permita ao Estado apropriar-se dos bens situados em Portugal, desde que não haja herdeiros.

51
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

Como resolver um caso prático de


QUALIFICAÇÃO:

1. Identificação de uma situação plurilocalizada e PRINCÍPIO DA NÃO TRANSACTIVIDADE27;

2. Identificação das Regras de Conflitos relevantes;

3. Identificação do Problema de Qualificação:

3.1. Interpretação do conceito-quadro (de acordo com a lex formalis fori);

3.2. Qualificação propriamente dita;

4. Analisar se as normas referidas se subsumem no conceito-quadro das regras de conflitos que mandam aplicar aquele
ordenamento. 


5. Eventual existência de um CONFLITO DE QUALIFICAÇÃO (em virtude do nosso método de qualificação que não faz
uma qualificação primária):


5.1. CONFLITO POSITIVO: concorrência de preceitos materiais de ordenamentos distintos convocados por RC
distintas, cuja aplicação simultânea leva a resultados contraditórios (cúmulo jurídico). 


Solução: hierarquização entre as categorias conflituantes:

∞  Qualificação Forma ↔ Substância;

∞  Qualificação Real ↔ Pessoal;

∞  Qualificação Matrimonial ↔ Sucessória 



Ferrer Correia entende que devemos olhar à natureza da comunhão se estiver em causa uma comunhão de bens mortis
causa, prevalece o regime sucessório.


Por vezes não é possível resolver a situação por recurso a esta hierarquização, com efeito temos de nos colocar numa
perspectiva jurídico-material atendendo às soluções oferecidas pelas próprias leis em presença, bem como aos princípios
gerais do DIP – princípio de que a lei especial derroga a lei geral. 


5.2. CONFLITO NEGATIVO: chamamento simultâneo de duas ou mais normas de ordenamentos jurídicos diferentes,
convocadas por RC diferentes mas nenhuma delas se subsume no conceito-quadro da RC que a chama —> vácuo jurídico:
nenhuma norma se pode aplicar.

27 uma vez que o nosso sistema não faz funcionar a qualificação primária
52
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

∞  MAGALHÃES COLAÇO: devemos adaptar a regra de conflitos de forma a ser aplicável a lei que seria se se tratassem de
um conflito positivo.

∞  FERRER CORREIA e BAPTISTA MACHADO: devemos criar uma norma de direito material especial que permita aplicar

a lei que seria se se tratasse de um conflito positivo. 


53
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

3. Os conflitos de sistemas de DIP

Os conflitos de sistemas no DIP resultam da diversidade de elementos de conexão adoptados nos vários
ordenamentos para a mesma matéria jurídica. São potenciados pelo sistema bilateralista (a norma bilateral presta-se
especialmente a originar este fenómeno). Estes conflitos de sistemas põem em causa a harmonia jurídica internacional.

MODALIDADES:

• positivos: duas ou mais legislações se declaram simultaneamente aplicáveis à mesma questão jurídica concreta;


• negativos: nenhuma das leis com as quais a situação tenha contacto se considera competente.

Estas duas modalidades têm um problema comum: saber se o tribunal deve aplicar invariavelmente a sua regra
de conflitos ou se deve afastar-se do sistema conflitual do foro e tomar em consideração as regras de conflitos
estrangeiras. Esta questão durante muito tempo foi resolvida partindo da ideia de que deveríamos procurar normas
superiores ou resolveriam os conflitos entre as próprias regras de conflitos. Encontramos este entendimento nos finais
do séc. XIX, nas obras de alguns autores como NEUMAN e GABBA.
Hoje em dia, a doutrina tende a aceitar que em alguns casos a regra de conflitos do foro seja afastada em nome
do respeito pelas finalidades do DIP globalmente considerado. Devemos, pois, atender à teleologia imanente do DIP -
superação do carácter absoluto da regra de conflitos.

CONFLITOS NEGATIVOS DE SISTEMAS

O REENVIO

O problema do reenvio coloca-se em virtude de uma norma de conflitos remeter para determinado
ordenamento jurídico e este, como não adopta, para a mesma categoria normativa, o mesmo elemento de conexão,
designa um outro ordenamento jurídico.
O que acontece frequentemente é a norma de conflitos do foro remeter para uma ordem jurídica estrangeira e
este possuir uma norma de conflitos idêntica e, por isso, considerar competente o seu direito material. Contudo, nem
sempre é o que se verifica. O problema do reenvio resulta, pois, da ausência de uniformização relativamente aos
critérios de designação da lei aplicável.

Ex.: capacidade de um indivíduo brasileiro com domicílio em Portugal. A regra de conflitos portuguesa (art. 25º)
determina a competência da lei nacional do indivíduo (lei brasileira). Mas a regra de conflitos brasileira determina a
competência da lei do domicílio (lei portuguesa).

54
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

O problema do reenvio ter-se-á colocado pela primeira vez no chamado caso Forgo. Forgo era um cidadão
bávaro residente em França. Tendo falecido e deixado um acervo patrimonial bastante elevado em França. Colocou-se
o problema de saber a quem deveriam ser atribuídos os respectivos bens. A lei francesa designou a lei bávara e esta lei
designou a lei francesa, a qual aceitou o retorno.

PRESSUPOSTOS:

- temos de estar no contexto de um sistema bilateralista, pois só nestes sistemas é que a lei do foro remete para um
ordenamento estrangeiro;
- a remissão operada não se traduza numa referência material, pois se assim for há um chamamento dirigido apenas
para o direito material da ordem jurídica designada;
- que a lei estrangeira não se considere competente.


MODALIDADES:

Em qualquer dos casos, o problema que se põe é um problema de interpretação do tipo de referência que a
nossa regra de conflitos faz à lei estrangeira, podendo a referência ser de 2 tipos:


a. Referência Material: remete directamente para as normas materiais do sistema designado, e aplica essas
normas sem considerar-se se elas se consideram ou não competentes;
b. Referência Global: a regra de conflitos remete para o sistema jurídica na sua globalidade, atendendo não só
às normas materiais, mas também às regras de conflitos. Neste caso, atende-se ao facto de aquela ordem
jurídica não se considerar competente, pelo que se aceita a aplicação da lei que as regras de conflitos dos
outros sistemas mandam aplicar.

55
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

POSIÇÕES ASSUMIDAS PERANTE A QUESTÃO DO REENVIO:

➤ POSIÇÕES DOGMÁTICAS: têm um atitude fixa - ou aceitam o reenvio ou rejeitam:


1. Teoria da Referência Material: defende que a referência que se faz a uma lei estrangeira abrange exclusivamente as
normas materiais dessa lei, pelo que não se atende às regras de conflitos desse ordenamento.

Esta teoria rejeita, por isso, o reenvio.


Argumento: a própria função da regra de conflitos é indicar o direito material aplicável às relações plurilocalizadas,
logo não faz sentido atender às regras de conflitos desse ordenamento. Além disso, quando o legislador escolhe a lei
aplicável a determinada situação, fá-lo na pressuposição de que é a lei mais apta, a melhor lei, não fazendo sentido
aplicar uma lei que outra regra de conflitos manda aplicar.


2. Teoria da Referência Global: defende que a referência que se faz a uma lei estrangeira abrange não apenas as
normas materiais mas também o sistema conflitual aí vigente. Logo, não devemos aplicar essa lei se ela não se
considerar competente.

Esta teoria aceita o reenvio.


Dentro desta existem variantes:

2.1. Tese da Regulamentação Subsidiária: quando o sistema jurídico remete para uma lei estrangeira que não se
considere competente, esta não deve ser aplicada, mas deverá ser o direito do foro a determinar uma regulamentação

56
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

subsidiária. Teríamos, assim, de ter regras de conflitos de conexão subsidiária. Porém, este sistema seria pouco
praticável;


2.2 Teoria da Devolução Simples28 (teoria clássica): quando as normas de conflitos do foro remetem para outro
ordenamento operam uma referência global - dirigida quanto ao direito material como ao direito conflitual - sendo
que esse ordenamento pode considerar-se competente e, se assim for, a referência é material. Porém, se as suas
normas de conflitos determinarem outra lei como aplicável devemos aplicar essa lei. Neste caso, estamos perante um
esquema de reenvio.

Argumentos:
1) preconiza-se a unidade e incindibilidade entre as normas materiais e as regras de conflitos (o
ordenamento considerado competente é perspectivado na sua globalidade, pelo que quando remetemos
para a lei estrangeira, remetemos também para as suas regras de conflitos);
2) não devemos aplicar uma lei que não tenha vontade de se aplicar, pois se o fizermos estamos a impor uma
competência e isso violaria a soberania do estado estrangeiro;
3) o reenvio é favorável para a harmonia jurídica internacional;
4) quando aplicamos a lei do foro (reenvio na modalidade de retorno) estamos a favorecer a boa
administração da justiça.

Críticas:
1) está por demonstrar a referida incindibilidade entre as normas materiais e as regras de conflitos (na
verdade, o funcionamento destas duas realidades opera independentemente);
2) aplicar uma lei contra a sua vontade não implica uma violação da soberania estrangeira, pois os conflitos
de leis não são conflitos de soberania;
3) a harmonia jurídica internacional nem sempre se verifica por força do reenvio;
4) quanto ao argumento da boa administração da justiça, não se pode transformar numa ideia generalizada,
sob pena de se deixar de aplicar DIP.

2.3. Teoria do Reenvio Total ou Dupla Devolução29: concepção inglesa anglo-saxónica. De acordo com esta,
muita seguida nos tribunais ingleses, a referência da regra de conflitos à lei estrangeira impõe aos tribunais do foro
que alinhem rigorosamente a sua posição pelo que seria a tomada pelo ordenamento jurídico do estado dessa lei
estrangeira. Ou seja, o tribunal do foro deverá atender não apenas às regras de conflitos da lei designada como
competente pela sua regra de conflitos, mas também à posição que esse ordenamento adopta em matéria de reenvio.

28 Devolução Simples: a RC refere-se às disposições materiais e ao sistema de DIP dessa lei, mas só aceita um reenvio.
29Dupla Devolução: a RC refere-se tanto às disposições materiais como ao DIP da ordem jurídica designada, de tal modo que o
foro deve julgar a causa segundo a lei que o tribunal desta provavelmente aplicaria.
57
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

Crítica: leva a um ciclo vicioso, pois se todos os sistemas adoptassem esta teoria, criar-se-ia uma situação de
impasse (ainda que tenha a vantagem de ser favorável à harmonia jurídica).

⚠ Só haverá duplo reenvio se a lei designada praticar uma devolução simples. Caso contrário, apesar da

teoria de designar dessa forma, poderá haver só um reenvio.

➤ POSIÇÃO PRAGMÁTICA: reenvio coordenação:


Aceita-se o reenvio nos casos em que ele conduz à harmonia jurídica internacional (concepção que subjaz às
soluções do nosso CC). Nunca sabemos à partida qual a referência que a nossa lei faz à lei estrangeira. Tudo depende
de o reenvio favorecer a harmonia jurídica internacional.

A posição pragmática rejeita a adopção do reenvio como princípio geral, mas admite que este pode ser útil em
algumas circunstâncias, como já vimos, quanto à harmonia jurídica internacional.
BAPTISTA MACHADO encara o reenvio como um princípio de DIP e não uma mera excepção que afasta a
regra.

Harmonia jurídica no retorno directo:


i. É necessário que a Lei 2 faça uma referência material à Lei 1.


ii. Se a Lei 2 fizer uma referência global não devemos fazer o reenvio, logo aplica-se a Lei 2.
iii. Nas situações em que a Lei 2 faz dupla devolução para a Lei 1, sabemos que a Lei 2 vai fazer tudo o que faz a Lei
1. Ora, se a harmonia está garantida tanto aceitando o reenvio como não, nestes casos vamos aceitar o retorno: há
harmonia e o princípio da boa administração (por o juiz do foro aplicar a lei do foro). 30

Harmonia jurídica no retorno indirecto:

É necessário que a Lei 3 faça uma referência material à Lei 1 e que a Lei 2 faça uma referência global à Lei 3.

Harmonia jurídica na transmissão simples:

30Esta questão é bastante complexa. Quando fazemos dupla-devolução, sabemos que aquele ordenamento jurídico vai assumir uma
posição rigorosamente igual à nossa, atendendo ao nosso sistema conflitual e à nossa posição sobre o reenvio. Ora, se nós
remetemos para essa lei, esta, na sua perspectiva considerar-se-ia também competente. Teríamos harmonia jurídica internacional
sem haver reenvio L1 -> L2; L2 -> L2.
Por outro lado, se a nossa lei admitir o reenvio, considerar-se-ia competente (pois atendem ao sistema conflitual da lei
designada) e a lei para a qual remetemos também consideraria competente a lei portuguesa, em virtude da dupla-devolução L1 ->
L1; L2 -> L1. Ou seja: aceitando-se o reenvio também teríamos harmonia jurídica internacional.
58
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

Se a Lei 3 aplicar a Lei 3; se a Lei 2 aplicar a Lei 3 e se a Lei 1 aplicar a lei 3.

Harmonia jurídica na transmissão em cadeia:

Para a Lei 3 se aplicar ela tem de se considerar competente. Temos que a Lei 3 aplique a Lei 4, Lei 2 aplique a Lei 3
por referência global, para que possamos na Lei 1 aplicar a Lei 4.

Estivemos até agora a falar do reenvio, e vimos quando é que se coloca um problema de reenvio e quais as
posições que existem quanto a esse respeito. Temos as chamadas posições dogmáticas (por princípio, favoráveis ou
contrárias) e as posições pragmáticas (o reenvio deve ser aceite em função de este poder levar a determinados resultados
favoráveis, designadamente, a harmonia jurídica internacional - reenvio-coordenação).
Neste contexto, vimos como é que o reenvio promove a harmonia jurídica internacional nos casos de retorno
directo, retorno indirecto, transmissão simples e transmissão em cadeia.

O REENVIO E O DIP PORTUGUÊS:

Ora, antes de 1966, a legislação nada dizia sobre o problema do reenvio. A doutrina não aceitava o reenvio,
embora tenham existido alguns acórdãos em que o reenvio tenha sido aceite. Em 1966, o legislador introduziu uma
regulamentação cuidada nos arts. 16º, 17º e 19º CC - como é que caracterizamos a posição que subjaz a esses preceitos
legais?

Entre nós, aceitou-se a ideia do reenvio coordenação:

O art. 16º estabelece como regra a referência material, dispondo que “a referência das normas de conflitos a
qualquer lei estrangeira determina apenas, na falta de preceito em contrário, a aplicação do direito interno dessa lei”. A
expressão “na falta de preceito em contrário” reporta-se aos casos em que o legislador português consagrou a
admissibilidade do reenvio. Porém, não entendemos este art. 16º como um princípio geral anti-reenviante. Se assim
fosse, só poderíamos aceitar o reenvio nos casos expressamente previstos na lei, o que não é assim. Devemos admitir o
reenvio nos casos previstos na lei (arts. 17º e 18º) e noutros casos análogos. Por isso, não se considera que tenhamos um
princípio geral que admite excepções, temos uma regra pragmática que admite desvios.

Princípios orientadores da regulamentação do CC que conduzem à harmonia jurídica:

1 - PRINCÍPIO DA HARMONIA JURÍDICA INTERNACIONAL:

59
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

Este princípio está subjacente à admissibilidade de reenvio nos arts. 17º/1 e 18º/1?2? do CC, referindo-se o
primeiro às situações de transmissão e o segundo às de retorno. Deve, assim, haver reenvio se este conduzir à harmonia
jurídica internacional.

Mas o que é exigido?

- na transmissão simples exige-se que a Lei 3 considere directa ou indirectamente competente;


- na transmissão em cadeia exige-se que a Lei 4 se considere competente e que a Lei 2 faça uma referência global à
Lei 3;
- o art. 17º/1 também abrange os casos em que a Lei 3 não se considera competente directamente mas sim,
indirectamente. É o caso da Lei 4 devolver a competência por referência material à Lei 3, que por sua vez, a enviou à
Lei 4 por devolução simples;

- no retorno directo só se aplica a Lei 1 se a Lei 2 lhe fizer uma referência material, ou então uma dupla devolução
(sendo que o fundamento nesta segunda hipótese já não é o da harmonia jurídica mas sim o da boa administração
da justiça);
- temos ainda o retorno indirecto, que não está previsto na lei mas deve ser aceite desde que confira harmonia jurídica.
Para tal, é necessário que a Lei 3 aplique a Lei 1 por referência material e que a Lei 2 tenha designado a Lei 3 por
uma referência global (devolução simples ou dupla).


2 - PRINCÍPIO DA HARMONIA JURÍDICA QUALIFICADA:

Está relacionado com o estatuto pessoal (art. 25º - estado, capacidade, relações de família e sucessões por
morte) e parte da ideia de que para haver reenvio deve haver acordo entre as duas leis principalmente ligadas ao
indivíduo (lei da nacionalidade e lei da residência). Ou seja, o legislador entendeu que nestas matérias (ligadas ao
estatuto pessoal) a harmonia jurídica que interessa não é uma qualquer, mas sim uma harmonia entre a lei da
nacionalidade e a lei da residência.


Para prosseguir esta harmonia foram introduzias restrições à admissibilidade do reenvio nos arts. 17º/2 e 18º/2:

- Art. 17º/2: casos de transmissão.



Verdadeira restrição - a terceira legislação não será aplicável, ou seja, não haverá reenvio se: a lei referida pela norma
de conflitos for a lei pessoal (lei da nacionalidade); se o interessado residir habitualmente em território português ou
se o interessado residir num país cujo direito de conflitos devolve a competência para a lei interna do estado
nacional.


60
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

- Art. 18º/2: casos de retorno.



Estabelece requisitos adicionais para admitir o regresso à lex fori prescrito pela norma de conflitos da lei pessoal: se o
interessado residir em território português (sendo a Lei 1 a lei da residência) ou se a lei da residência fizer uma
referência material à lei portuguesa (lei do foro).

Resulta do exposto que a ideia de que só deve haver reenvio se houver acordo entre a lei da nacionalidade e a
lei da residência, é apenas levada a caso integralmente pelo art. 18º/2. Ou seja, só há reenvio na modalidade do retorno
se houver harmonia jurídica qualificada.
Esta exigência de acordo entre a lei da nacionalidade e a lei da residência não existe no art. 17º/2, pelo que
podemos ter transmissão sem acordo.

Então mas por que é que no art. 18º/2 se exige o acordo e no art. 17º/2 não se exige?
Podemos ter 2 justificações possíveis:

• FERRER CORREIA: refere que temos que ver o art. 18º/2 é mais exigente que o art. 17º/2, porque nas situações de
retorno há uma ligação mais forte com o sistema jurídico português do que nas situações de transmissão. Tanto é
mais forte que no retorno a Lei 2 aplica a lei portuguesa. Assim, é natural que sejamos mais restritivos quanto à
possibilidade de não aplicarmos a lei que nós designamos lei pessoal.

• BAPTISTA MACHADO: defende que devemos partir da ideia de que o princípio geral é que em matéria de estatuto
pessoal só fazemos reenvio se houver acordo. Se no art. 17º/2 fossemos tão exigentes como no art. 18º/2, aconteceria
que poderíamos chegar a maus resultados, porque acabaríamos por impedir o reenvio.


3 - PRINCÍPIO DA MAIOR PROXIMIDADE ou PRINCÍPIO DA EFICÁCIA DAS DECISÕES:

Está subjacente à solução do art. 17º/3, que estabelece que se aceite o reenvio quando a lei nacional indicada
pela norma de conflitos devolver a competência para a lei da situação dos bens imóveis e esta se considerar competente.
As razões que estão na base da substituição da lei nacional pela lex rei sitae são razões de eficácia das decisões. Trata-se,
pois, de um afloramento do princípio da maior proximidade, afloramento que é indirecto, pois a aplicação da lex rei
sitae depende de ela ter sido indicada pela lei da nacionalidade.


4 - PRINCÍPIO DO FAVOR NEGOTII:


Pode intervir em matéria de reenvio de 2 formas:

61
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

➤ casos em que o princípio constitui fundamento autónomo do reenvio: aceita-se o reenvio, justificando-o apenas com
base no princípio da conservação dos negócios jurídicos, independentemente de haver harmonia jurídica
internacional (arts. 36º/2 e 65º/1);
➤ casos em que vamos deixar de fazer o reenvio por ele conduzir à invalidade ou ineficácia do negócio jurídico: trata-
se de uma situação inversa da anterior, i.e., casos em que faríamos o reenvio porque se cumprem os arts. 17º e 18º,
porque há harmonia jurídica, só que a sua aceitação leva à invalidade ou ineficácia de um acto que seria válido ou
eficaz se aplicássemos a lei que designámos.

5 - PRINCÍPIO DA BOA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA:


Relaciona-se nos casos de retorno directo em que a Lei 2 faz uma dupla devolução à Lei 1.

Condições para fazer cessar o reenvio - art. 19º/1:


- é necessário que o acto seja válido e eficaz à luz da Lei 2;
- a aceitação do reenvio tem que levar à invalidade, ineficácia ou ilegitimidade;
- o art. 19º/1 só se aplica se estivermos face a uma situação já constituída e não uma situação a constituir;
- FERRER CORREIA entende ainda que é necessário existirem expectativas legítimas na validade do acto. Só há
expectativas legítimas se as partes podiam ter confiado legitimamente na aplicação da Lei 2 (isto só acontece se a
situação tiver sido no momento da sua constituição algum contacto com a ordem jurídica portuguesa).

Condições anti-reenviantes (conexões que pela sua própria natureza são contrárias à admissibilidade do reenvio):
- Lugar da celebração do contrato: é uma conexão inimiga do reenvio; aplica-se essa lei mesmo que ela mande aplicar
outra. Isto, se conduzir à invalidade do acto, o reenvio. Claro está que se conduzir à sua validade, temos o princípio
favor negotii a operar com maior força e haverá reenvio.
- Autonomia das partes (vontade): sempre que é dada às partes a possibilidade de designar a lei competente, não há
reenvio. Isto porque se admitíssemos o reenvio estaríamos a frustar a previsibilidade do direito. O próprio art. 19º/2
estipula que cessa o reenvio se a lei estrangeira tiver sido designada pelos interessados, nos casos em que a
designação é permitida.
- Lei com conexão mais estreita com o caso: seria incoerente perante tal conexão aceitar o reenvio.

CONFLITOS POSITIVOS DE SISTEMAS

Ao lado dos conflitos negativos, podemos ter outras situações em que vários ordenamentos se consideram
competentes para regular a mesma questão:

62
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

1. PRINCÍPIO DA MAIOR PROXIMIDADE 31 :

É um princípio formulado por ZITELMANN, segundo o qual quando há conjunto Concretiza-se na


desistência da aplicação
de bens e direitos tratados como uma universalidade, regulados por determinada lei, pode da lei da nacionalidade
ser necessário retirar certos bens (bens imóveis), submetendo-os à lei da sua situação (lex rei para aplicar a lei da
situação da coisa.
sitae). A lei de todo cede perante a lei da parte.

A questão que se coloca é a de saber quando é que devemos distrair certos bens e submetê-los a uma lei
diferente. Há 2 acepções:

• Acepção restrita/material: a lei que escolhemos cede perante a lei da situação da coisa sempre que a lei da situação
da coisa tenha um regime material específico para aquela situação, e somente nesses casos é que vamos ceder.


Ex.s:

1. regime material espacial na casa de morada de família - é um bem imóvel que tem um regime diferente daquele
que é dado à generalidade dos bens;

2. A dispõe de vários prédios em X, Y, e Z e pretende realizar negócios de disposição. Terá capacidade? Ele escolheu
a sua lei pessoal, cuja capacidade se atinge aos 18 anos. Acontece que a lei do local Z dispõe de um regime especial
cuja capacidade somente se atinge pelos 21 anos. Não aplicamos a lei da nacionalidade mas sim a lei da situação da
coisa.


O legislador não diz expressamente que esta acepção deve ser aceite, mas temos expedientes dogmáticos que levam
a essa solução:

- podemos recorrer à qualificação - este regime material especial, pelo conteúdo e função, é um regime de direitos
reais, logo é um regime aplicável pela regra de conflitos relativa aos direitos reais que manda aplicar a lex rei sitae
(art. 46º);
- podemos recorrer às NANI’s, que vimos estarem em causa no caso da casa de morada de família (é um regime
que se aplica mesmo que a lei portuguesa não seja a competente): art. 1682º A CC;

A doutrina é unânime e seguem FERRER CORREIA, quando este diz que quanto a esta acepção, esta é atendível
porque, no fundo, o que fazemos é dar relevância à NANI na lei da situação da coisa, daí fazer sentido com que
desistamos da nossa lei em virtude do regime especial.

• Acepção ampla/conflitual: a lei do foro deve ceder perante a lex rei sitae se esta se considerar exclusivamente
competente (deixamos de aplicar a lei do todo e passamos a aplicar a lei da situação da coisa).

Este entendimento tem a ver com a necessidade de assegurar a eficácia das decisões. Porém, desde cedo se criticou

31≠ Princípio da proximidade: este concretiza-se em escolher uma lei com uma conexão mais estreita, forte e nada tem a ver com o
princípio da maior proximidade
63
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

esta acepção (FERRER CORREIA), pois aplicar a lex rei sitae pode não ser condição necessária32 nem suficiente33 para
garantir a eficácia das decisões (garantir que sejam eficazes no país da situação da coisa).


Ex.: sucessão num sistema que também manda aplicar a lei da nacionalidade. No país que vigora o princípio da
maior proximidade na acepção ampla que diz que, à sucessão deixamos de aplicar a lei da nacionalidade para
aplicarmos a lei da situação da coisa (onde se encontravam os imóveis).


O que vigora no nosso sistema?



Este princípio não vigora no nosso sistema. Contudo, quanto a esta acepção, FERRER CORREIA diz que ele acaba
por vigorar uma vez que, se a lei da situação da coisa tem normas especiais para aquela situação, muito
provavelmente serão NANI’s; se assim for, aplicamo-las mesmo que não sejam a lei indicada por nós como
competente ➔ o princípio acaba por vigorar.

❗ Contudo, no nosso ordenamento, temos 2 afloramentos na sua acepção ampla:


▸ Art. 17º/3 CC- afloramento indirecto: manda desistir e aplicar a lex rei sitae. A aplicação da lex rei sitae não se
basta com o facto de esta se considerar competente, é preciso que ela seja indicada pela lei nacional, daí ser um
afloramento indirecto (não fomos nós quem decidiu aplicar a lei da situação da coisa)

➔ aceitação indirecta do princípio;

▸ Art. 47º CC - afloramento directo: aplica-se a lex rei sitae com base somente na vontade da sua aplicação. Porém,
é um afloramento limitado, justamente por estar dependente da sua vontade de aplicação (apenas vigora nesta
norma e não em todo o sistema).

Conceito-quadro: capacidade para constituir direitos reais sobre imóveis. O artigo deve ser lido de trás para frente,
ou seja, a regra é a aplicação da lei pessoal mas se a lex rei sitae se considerar competente, é a ela que aplicamos.

Não há afloramentos deste princípio na sua acepção restrita/material.

Quando falamos em princípio da maior proximidade é já um conflito positivo de sistemas (duas leis se
considerarem simultaneamente competentes: lei pessoal e lex rei sitae).

32Em sede de reconhecimento adoptamos um sistema de revisão formal. Para reconhecer uma sentença estrangeira não é
necessário que esse tribunal tenha cedido de acordo com a RC portuguesa
33Ninguém garante que a situação seja reconhecida no estrangeiro: pode acontecer que no país da situação de coisa, eles tenham
competência jurisdicional exclusiva, pode acontecer que o país da situação da coisa considere que somente os seus tribunais têm
competência para julgar questões relativas aos seus imóveis, o que, se assim for, não reconhecerá quanto àquela matéria, qualquer
decisão (que abandonemos, ou não, a lei da nacionalidade).
64
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

2. RECONHECIMENTO DE DIREITOS ADQUIRIDOS:

A - Considerações preliminares:

Como já sabemos, nem todos os sistemas conflituais são idênticos e, por isso, surgem os conflitos de sistemas
(reenvio, princípio da maior proximidade e direitos adquiridos). Como em qualquer conflito de sistemas, o que está em
causa é saber quais são os limites que podemos colocar à aplicação das nossas regras de conflitos, ou seja, quando é que
podemos aceitar a não aplicação da nossa regra de conflitos em detrimento da outra (estrangeira). Esta questão dos
limites à aplicação da regra de conflitos não supõe que tenhamos que construir regras de conflitos sobre regras de
conflitos - não supõe um DIP à segunda potência.

[temos de desistir da nossa RC quando é a única forma de aceitar a validade do negócio constituído no estrangeiro e
que era válido no estrangeiro]
Sendo assim, defendemos a limitação da nossa regra de conflitos em nome das finalidades imanentes ao DIP: a
harmonia jurídica no reenvio, a efectividade das decisões no princípio da maior proximidade e a tutela das expectativas
nos direitos adquiridos.

O problema dos direitos adquiridos já foi, para alguns autores, autonomizado da matéria relativa aos conflito
de leis (alguma doutrina francesa e MACHADO VILELA). Ora, não se trata de um problema cientificamente autónomo,
ao contrário do que defendiam esses autores, pois, quer se trate de uma situação a constituir ou a reconhecer, pressupõe
sempre, num primeiro momento, a intervenção da regra de conflitos bilateral.
Não se trata de um problema autónomo precisamente em virtude de pressupor sempre uma discussão sobre a
natureza e força da regra de conflitos no sistema conflitual.

O problema dos direitos adquiridos supõe sempre a distinção entre situações a constituir e situações a
reconhecer, sendo que nestas últimas se justifica um tratamento conflitual diferenciado.

B - História do Problema:

Temos que ter em consideração que o conceito de direito adquirido foi usado num certo contexto doutrinário
(anglo-saxónico) para explicar a extra-territorialidade das leis, ou seja, para se aceitar que déssemos eficácia à lei
estrangeira.

Os autores anglo-saxónicos partiam do PRINCÍPIO DA TERRITORIALIDADE - em cada sistema, as autoridades


só aplicariam, em princípio, a sua lei. Porém, em certos casos haveria de se dar relevo aos direitos adquiridos no
estrangeiro, criando internamente um direito análogo (não aplicavam a lei estrangeira como tal mas sim como facto a
que se dá relevância internamente através de uma norma jurídica do foro).

65
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

Finalmente, uma ideia relacionada com a evolução histórica do DIP. O problema dos direitos adquiridos
tornou-se notório quando nos finais do séc. XIX, início do séc. XX, concluímos que o DIP não promovia afinal os
objectivos a que se propunha: assegurar a continuidade internacional das relações jurídicas. E isto porque o séc. XIX foi
o século da codificação, também das regras de conflitos. Cada sistema tem o seu próprio DIP, cada Estado acreditava
no carácter absoluto da sua regra de conflitos, entendia que o seu DIP era o melhor. A certa altura, o DIP já não
garantia a unidade de valorações das situações jurídicas, ganhando importância o problema dos direitos adquiridos.

C - Como é que se configura o problema autónomo de direitos adquiridos?

1.º - desde logo, temos que ter uma situação jurídica que não tenha sido constituída em face da lei designada pela nossa
regra de conflitos;

2.º - o problema dos direitos adquiridos não abrange os casos cobertos por uma sentença. Quando temos uma sentença
estrangeira há expectativas consolidadas. A eventualidade de termos uma situação que se criou à luz de uma lei não
considerada competente pela nossa norma de conflitos deixa de relevar no âmbito dos direitos adquiridos. É matéria
que deve ser tratada no âmbito do reconhecimento das sentenças estrangeiras (reconhecemos a sentença mesmo que o
juiz tenha aplicado uma lei que não é para nós competente - revisão meramente formal). O problema dos direitos
adquiridos supõe, portanto, que ainda não tenha havido uma sentença;

3.º - só temos um problema autónomo de direitos adquiridos se a questão do reconhecimento se colocar a título
principal. Ou seja, as situações em que o reconhecimento é apenas uma questão prévia integra-se noutro contexto;

4.º - as situações abrangidas pelo reconhecimento de direitos adquiridos têm de ser situações que não decorram
directamente da lei. Se o efeito decorre directamente da lei aplica-se a lei que a nossa regra de conflitos considere
competente.

Problema autónomo de direitos adquiridos: situação jurídica criada no estrangeiro face a uma ordem jurídica que não é
considerada competente pelo nosso sistema conflitual, não coberta por sentença, que se coloque a título principal e que
não decorra directamente da lei.

D - Termos em que se coloca a questão no seio da doutrina:

A generalidade dos autores está de acordo que devemos tutelar a confiança das partes na validade dos actos
jurídicos que praticam. Ou seja, parece que há uma certa unanimidade na ideia de que deveríamos reconhecer direitos
adquiridos.
Porém, o reconhecimento dos direitos adquiridos supõe uma tomada de posição clara sobre o valor da regra de
conflitos no sistema conflitual, e o que acontece é que muitos autores tiveram receio em fazê-lo. Por um lado, há um
66
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

interesse em tutelar as expectativas, reconhecendo os direitos adquiridos. Por outro, há um receio pelo enfraquecimento
da regra de conflitos. Em face desta contradição surgiram várias propostas doutrinais:

• As primeiras propostas doutrinais avançadas situaram-se no contexto da ordem pública internacional - proposta de
NIEDERER: o sistema de regras de conflitos bilateral devia ser corrigido sempre que levasse a resultados injustos. Ou
seja, o reconhecimento dos direitos adquiridos seria afinal uma espécie de ordem pública internacional. Esta
construção não trouxe grandes contributos ou novidades. Para além disso, a referência à ordem pública remete
sempre para o domínio da incerteza, insegurança e imprecisão;

• teorias unilateralistas: pelo próprio funcionamento do método que propõem (regras de conflitos unilaterais) são
orientações favoráveis ao reconhecimento dos direitos adquiridos. Reconhece-se, assim, qualquer situação jurídica
criada ao abrigo de uma lei que se considere competente. Porém, só favorece o reconhecimento se a lei do foro não se
considerar competente. Aponta-se o inconveniente de ser um sistema demasiado permissivo, permitindo o
reconhecimento sem verificar se aquela lei que se quis aplicar era uma lei que tinha contacto com o caso em questão.
NIBOYET, unilateralista, propunha uma solução que qualquer direito criado no estrangeiro conforme a disposições
em vigor, deve ser reconhecido em França, desde que a lei francesa não se considere competente e não viole a ordem
pública internacional.

• teorias bilateralistas: são mais severas no que toca ao reconhecimento dos direitos adquiridos.

- PILLET e MACHADO VILLELA: criaram construções, dizendo que temos de distinguir entre situações a constituir
(onde funciona a regra de conflitos do foro) e as situações constituídas (em que já não se coloca um problema de
conflitos de leis mas sim um problema autónomo de reconhecimento). Reconheciam direitos adquiridos sempre que
eles fossem criados de acordo com a lei competente;


- MEIJERS: é uma orientação marcada por uma abertura ao reconhecimento de direitos adquiridos, na medida em que
devemos reconhecer uma situação desde que ela tenha sido criada ao abrigo da lei com a qual todas as ordens
jurídicas envolvidas estejam de acordo;


- FRANCISCAKIS: parte da ideia de que nalguns casos à regra de conflitos deve ser assinalado um âmbito de aplicação
circunscrito. Este autor dizia que as regras de conflitos devem ter um âmbito de aplicação espacial circunscrito -
doutrina da autolimitação espacial das regras de conflitos. Distingui as situações a constituir e as situações
constituídas. Se houver contacto com o foro no momento da constituição também funciona a regra de conflitos do
foro. Se, pelo contrário, quando a situação se constitui não tinha qualquer ligação com o nosso ordenamento jurídico,
o autor diz que a nossa regra de conflitos não tem qualquer legitimidade para intervir - aplica-se a lei que presidiu à
constituição da relação. Aproxima-se, assim, do sistema unilateralista (deve-se aplicar a lei que quis aplicar).

E - Soluções que constam do nosso CC:

67
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

O legislador não estabeleceu um qualquer princípio geral de reconhecimento de direitos adquiridos. De


qualquer modo, há um afloramento dessa ideia no art. 31º/2 CC. Ou seja, são reconhecidos os negócios do estatuto
pessoal. Se não existisse este preceito só reconhecíamos os negócios celebrados em face da lei pessoal - a da
nacionalidade (art. 31º/1).

O art. 31º/2 tem em vista o princípio do favor negotii, promovendo-se a conservação do negócio jurídico
através do reconhecimento alternativo de duas leis: lei da nacionalidade ou lei da residência. Não ressalva a
competência da ordem jurídica do foro. Há um controlo do título do reconhecimento: só admitimos reconhecer os
negócios válidos à luz da lei da nacionalidade ou da lei da residência.

FERRER CORREIA entende que o art. 31º/2 deve ser alvo de uma interpretação extensiva, pois ainda deveriam
ser reconhecidos em Portugal todos os negócios que, embora celebrados num terceiro Estado, tivessem respeitado a lei
da residência habitual e se tornassem nesse Estado efectivos (devem ser reconhecidos os negócios susceptíveis de
produzir efeitos no país da residência).

Devemos adoptar uma igual atitude no que toca à nacionalidade. FERRER CORREIA defende uma
interpretação analógica do art. 31º/2. De modo a dizer que devemos reconhecer todos os negócios do estatuto pessoal,
susceptíveis de produzir efeitos no país da nacionalidade (que tenham respeitado a lei da nacionalidade).

A interpretação analógica do art. 31º/2 pode desencadear uma interpretação restritiva do art. 17º/1 ou 2:
- art. 17º/1: se o acto é inválido à luz da Lei 2, ainda que a Lei 3 não se considere competente, fazemos reenvio para a
Lei 3;
- art. 17º/2: só sofre restrição nas situações a reconhecer - se a situação for válida à luz da Lei 3, faz-se reenvio, ainda
que reunidos os pressupostos da sua cessação.

4. A referência da norma de conflitos a um ordenamento jurídico plurilegislativo

De acordo com o art. 20º CC, quando a lei chamada a intervir a título de lei pessoal for a de um Estado em
que coexistam diferentes sistemas jurídicos locais, a concretização do elemento de conexão (nacionalidade) far-se-á
recorrendo ao direito interlocal do Estado estrangeiro e, na sua falta, ao respectivo DIP. Caso não se consiga resolver a
questão desta forma, considera-se como lei pessoal do indivíduo a da sua residência habitual.

5. A aplicação do direito material estrangeiro

68
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

Quando uma norma de conflitos determina como aplicável o direito de um determinado Estado, significa que
a situação se vai reger pelo direito privado vigente no território desse mesmo Estado, independentemente das
respectivas fontes. Assim, se num sistema jurídico o costume é admitido como fonte imediata de direito, devemos
atender ao costume; se noutro sistema vigora um sistema de “case law” é a esse que vamos atender. Há que aplicar o
direito estrangeiro tal qual ele é aplicado pelos respectivos juízes.

Relativamente ao controlo da constitucionalidade das normas estrangeiras, o tribunal português pode exercê-lo
nos mesmos termos em que o faria um tribunal do respectivo Estado. Porém, a inconstitucionalidade não deve, em
regra, ser declarado, à excepção dos casos em que os tribunais ou um sector representativo da doutrina do Estado
estrangeiro se pronunciem nesse sentido.

O juiz que aplica o direito estrangeiro, tem de o interpretar de acordo com a doutrina e a jurisprudência
dominantes no país de origem - art. 23º/1.

O direito estrangeiro, à luz dos dados do nosso ordenamento (art. 348º CC e art. 722º CPC) tem um estatuto
de direito. O direito estrangeiro é de conhecimento oficioso. Quando existem dúvidas quanto ao conteúdo do direito
estrangeiro, recorremos aos arts. 23º/2 e 348º/3, sendo que antes de recorrermos ao que dispõem estes preceitos
podemos fazer uso de uma série de presunções.

Impossibilidade de determinação do elemento de conexão utilizado pela regra de conflitos. Por ex., não se sabe
ao certo a nacionalidade de um indivíduo. Em situações como esta deverá recorrer-se à regra da maior probabilidade.
Na hipótese de ser impossível determinar com suficiente probabilidade, deverá proceder-se do mesmo modo que nos
casos de impossibilidade de determinação do conteúdo da lei aplicável —> conexão subsidiária (art. 23º/2). Em última
instância recorre-se à lex fori.

6. A fraude à lei do DIP


[art. 21º CC]

Existe fraude à lei quando os interessados, no intuito de escaparem à aplicação de uma norma material de um
ordenamento jurídico, manipulam a regra de conflitos de forma a tornar aplicável um outro ordenamento jurídico, mais
favorável aos seus interesses. Isto pressupõe que a fixação da conexão esteja dependente da vontade das partes:

- manipulação do elemento de conexão: por ex., a aquisição de uma nova nacionalidade, sendo tal aquisição
meramente instrumental para fugir à aplicação da lei competente;


- manipulação ao nível do objecto de conexão: por ex., a alienação de bens imóveis a uma sociedade americana, da
qual um cidadão francês era detentor das participações sociais (bens móveis).

69
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

▸ Consequência da intervenção da fraude à lei: regresso ao Estado de coisas que o sujeito pretendeu evadir-se, i.e.,
ineficácia da situação que ele visou criar.

7. A excepção de ordem pública internacional

Tem por objectivo primordial afastar a lei estrangeira aplicável à situação, depois de ultrapassados e resolvidos
os problemas ao nível do modus operandi da norma de conflitos, quanto à questão do reenvio e qualificação
propriamente dita. Desde logo, importa distinguir:

• Ordem pública interna - art. 280º/2. Entende-se que é o conjunto de normas e princípios jurídicos que formam os
quadros fundamentais do sistema a que pertencem. Dela fazem parte normas imperativas que não podem ser
afastadas pelos sujeitos.

São, por isso, normas que limitam a liberdade individual ou autonomia privada;


• Ordem pública internacional - art. 22º. É formada por normas e princípios étnico-jurídicos, religiosos, políticos, bem
como por critérios relativos à organização económico-social que diferenciam um ordenamento em face dos demais.
Não se traduz em nenhum limite à autonomia privada mas antes num limite à aplicação da lei estrangeira.

Ou seja, afasta-se a aplicação de uma certa norma estrangeira por se considerar que ela afronta o sentimento jurídico
dominante em Portugal.


Vigora uma concepção aposteriorística de ordem pública internacional (concepção de SAVIGNY). Não se aceita
a concepção de PILLET (apriorística).

Características:

- excepcionalidade: só pode ser invocada quando há violação manifesta dos valores fundamentais do ordenamento
jurídico;


- imprecisão: trata-se de um conceito indeterminado. Não pode definir-se pelo seu conteúdo, mas sim pela sua função.
O juízo de censura é feito sobre o resultado da aplicação de uma norma material, ou seja, não se trata de um juízo
elaborado sobre a própria norma estrangeira, i.e., sobre a justiça desta norma;


- nacionalidade: o juízo do julgador está naturalmente influenciado e vinculado ás concepções dominantes em


Portugal;


- existe no nosso ordenamento uma cláusula geral de ordem pública (art. 22º). A esta contrapõe-se a cláusula especial
de ordem pública (são regras de conflitos especiais unilaterais).

70
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

Há casos em que independentemente do nexo entre norma estrangeira e o nosso ordenamento, não pode deixar de
haver afastamento da norma estrangeira, pois estão em causa princípios essenciais a toda a comunidade humana (recusa
de certos direitos fundamentais, casamento poligâmico, divórcio sob a forma de repúdio).

Efeito atenuado da ordem pública internacional:

A ordem pública internacional pode operar de forma diferente consoante se trate de adquirir um direito em
Portugal ou reconhecer um direito adquirido sem fraude á lei no estrangeiro para que este produza os seus efeitos em
Portugal.

Função proibitiva: quando a ordem pública internacional actua de forma a impedir a constituição ou o
reconhecimento, em Portugal, de uma situação válida à luz de ordenamentos jurídicos estrangeiros.

Função permissiva: permite-se a constituição em Portugal de uma situação que seria inválida á luz da lei material
estrangeira.

Consequências da intervenção da excepção de ordem pública internacional:


Afastamento de preceitos da lex causae. Art. 22º/2 - são aplicáveis as normas mais apropriadas da lei estrangeira
competente ou juridicamente as regras do direito interno português. Por ex., se o preceito afastado tiver natureza
excepcional, deve aplicar-se a regra geral. 


71
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

Como resolver um caso prático de


REENVIO:

72
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

PARTE II

Reconhecimento de sentenças estrangeiras

O problema do reconhecimento e execução de sentenças estrangeiras coloca-se em virtude de termos uma


relação jurídica - que podem ser plurilocalizadas ou internas - da qual nasce um acto judicial estrangeiro (e podem ser
actos judiciais ou actos arbitrais). Estes actos são a expressão do poder estadual e têm a sua eficácia limitada.

• Por quê, e em que circunstâncias, podemos conceder efeitos a essa situação jurídica que se passou no estrangeiro?

Reconhece-se uma sentença estrangeira uma vez que, definindo ela direitos, seria contrário à expectativa
jurídica das pessoas e à limitação da livre circulação que esses efeitos permanecessem cantonados (?).
Tem-se por assente que é necessário um reconhecimento: a sentença é algo que está estritamente ligada ao
poder jurisdicional do Estado e não vale para além fronteiras - para tal, é necessário um mecanismo de
reconhecimento.

Reconhecer uma sentença é atribuir-lhe no Estado do foro (Estado requerido; Estado ad quem) os efeitos que
lhe competem segundo a lei do Estado onde foi proferida (Estado de origem; Estado a quo), ou pelo menos alguns
desses efeitos. As condições do reconhecimento (e/ou da execução) podem variar conforme a natureza do efeito visado.

• Quais os sistemas de reconhecimento de sentenças existentes?

1. Método do não reconhecimento: não se reconhecem sentenças estrangeiras; é como se não existissem. Vigorava
nos países nórdicos (União Soviética e Holanda) e, actualmente, vigora na Suécia, Noruega e Holanda.

2. Reconhecimento automático ou de reconhecimento pleno: sistema mais favorável à circulação internacional das
decisões, que faz operar um reconhecimento automático das sentenças estrangeiras.
Não significa isto um reconhecimento sem condições, mas apenas que as condições exigidas não serão objecto
de um controlo judicial senão no caso de a decisão ser invocada em qualquer processo (a título incidental ou
principal).


Ainda assim, há sistemas que utilizam o reconhecimento automático mas que efectuam uma distinção:
- reconhecimento automático quanto ao efeito do caso julgado;
- necessidade de reconhecimento para atribuição do valor executivo (procedimento exequatur - reconhecimento de
sentença para atribuir o que não tinha sido reconhecido automaticamente).

→ Funcionava na grande maioria dos regulamentos europeus. De facto, a diferença entre o Regulamento
Bruxelas I e o Regulamento Bruxelas I revisto está aqui: no primeiro, há reconhecimento do caso julgado mas
tem de haver reconhecimento do valor executivo; no segundo, vigora o reconhecimento automático pleno.

73
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

Este sistema vigora, actualmente, na Alemanha e Suíça. 



Em França e Itália observa-se um sistema misto: as decisões relativas ao Estado e à capacidade das pessoas
beneficiam de uma eficácia de pleno direito.

3. Controlo do mérito: aceita o reconhecimento mas terá de ver se o caso foi bem decidido - somente se reconhece
se o juiz tiver decidido bem.
Actualmente, encontra-se em franco declínio.
Não obstante, apresenta 2 modalidades:

3.1. Controlo do mérito propriamente dito: iremos ver se o tribunal estrangeiro decidiu da mesma forma que
decidiria um tribunal nacional. Se a decisão for igual, reconhecemos a sentença; se a decisão for diferente, não
reconhecemos a decisão —> equivale, quase, ao não reconhecimento; o tribuna português teria de julgar o caso por
si novamente. Esta modalidade vigorou em França até aos anos 60.

3.2. Controlo de mérito na modalidade do controlo da lei aplicável: vamos ver se a lei foi aplicada pelo tribunal
estrangeiro seria a lei que o nosso sistema de DIP consideraria competente - se sim, haveria reconhecimento; se não,
não haveria reconhecimento.
Este controlo de mérito é menos intenso uma vez que já não averiguamos a decisão concreta.

Ora, relativamente ao controlo de mérito e na linha de pensamento de FERRER CORREIA, toda a reapreciação
de fundamentos da decisão deve ser afastada. Aliás, ela seria excluída pela própria noção de reconhecimento de
sentença, já que reconhecer uma sentença é aceitar as decisões que ela contém e não julgar uma segunda vez o litígio.

Nota:
PRINCÍPIO DA REVISÃO DE FUNDO: “o juiz francês tem o direito de rever a decisão estrangeira … se entende que um
ponto qualquer, de facto ou de direito, foi mal julgado.”
→ Actualmente, a revisão de fundo é interdita, salvo em casos muito excepcionais!

4. Controlo formal ou da delibação: não se controla o mérito da decisão estrangeira mas vamos controlar os
princípios processuais mínimos, ou seja, se foram cumpridas as regras processuais mínimas (exemplo: contraditório,
citação, trânsito em julgado da sentença).

5. Reconhecimento sobre condição de reciprocidade: reconhecíamos sentenças estrangeiras da mesma forma que as
nossas seriam reconhecidas no país de origem.
Vigorou em Espanha até 2000 (lei do CPC).

• Qual o sistema de reconhecimento de sentenças vigente em Portugal?

74
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

Vigora no art. 978º do actual CPC o nosso sistema de reconhecimento de sentenças estrangeiras.
Sob a epígrafe “necessidade de revisão” (e podemos, desde já, adiantar que entre nós vigora um controlo formal
ou de delibação - reconhecimento por controlo prévio), o artigo diz-nos o seguinte:

“Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos da UE e leis especiais, nenhuma
decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a
nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada.” (n.º 1)

Resulta deste primeiro número que o regime integrante no CPC é um regime residual, i.e., somente a
aplicaremos na falta de convenção, tratado ou regulamento da UE e leis especiais (constituindo estes, o regime
especial). Assim, os regimes especiais são:

- a lei de arbitragem: cujo reconhecimento de sentenças arbitrais estrangeiras é um mecanismo próprio (não
lecionamos);
- convenções internacionais: algumas contêm um mecanismo próprio de reconhecimento de sentenças
estrangeiras;


- regulamentos europeus:❗

• Regulamento de Bruxelas I revisto: Regulamento 44/2001, Bruxelas I, que entretanto foi revisto e que se
aplica ao reconhecimento de sentenças de Estados-membros em matéria civil e comercial [atenção: a versão
revista não se aplica à Dinamarca!];
• Regulamento de Bruxelas II bis: Regulamento 2201/2003, um regulamento para sentenças dos Estados-
membros em matéria de responsabilidades parentais e divórcio;
• Regulamento n.º 1346/2000: um regulamento europeu sobre a insolvência com regime próprio de
reconhecimento entre Estados-membros;
• Regulamento n.º 4/2009: reconhecimento de sentenças em matéria de alimentos.


- tratados internacionais:
• Concordata entre a República Portuguesa e a Santa Sé: quanto ao sistema da concordata, ele é muito
específico e refere-se somente a decisões de uma ordem jurídica estrangeira (ainda que a decisão possa ser
inicialmente proferida em Portugal) que se refiram à nulidade do casamento católico e dispensa do casamento
rato não consumado. Actualmente, no seu art. 6º, a Concordata diz que as sentenças somente produzem
efeitos em Portugal depois de revistas e confirmadas - reconhecimento do controlo prévio; seguidamente, esta
revisão e confirmação tem de ser a requerimento do interessado e depois o tribunal português só confirma a
sentença verificados certos requisitos (que se encontram no art. 16º/2, da Concordata).


→ Este regime da Concordata é totalmente diferente do regime da União, desde logo porque consagra o
controlo prévio, no entanto, verificou-se apenas condições formais, não havendo revisão de mérito.

75
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

Não se verificando um caso em que se aplique os regulamentos ou a concordata, caímos no regime geral do
CPC. O seja: é necessário que a sentença “seja revista e confirmada” (art. 978º/1/parte final).
Os seus requisitos constam no art. 980º CPC.
O tribunal competente para proceder à confirmação e verificação é o Tribunal da Relação, nos termos do art.
979º do actual CPC.

Atentemos, agora, ao tipo de reconhecimento do art. 980º CPC. É um reconhecimento condicionado, não é
automático. As suas condições são:

a) que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a sentença nem sobre a inteligência da
decisão;

- deve existir um carácter compreensível da situação;


b) que tenha transitado em julgado segundo a lei do país em que foi proferido;

- a decisão tem de ser definitiva e isto é contrário ao direito da UE pois aí a sentença não tem de ser definitiva;


c) que provenha de tribunal estrangeira cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre
matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses;


Exige-se que o tribunal estrangeiro seja internacionalmente competente, havendo 2 sistemas possíveis para avaliar
a competência deste:
1) sistema de bilateralidade: o sistema do foro determina a sua própria competência e a competência estrangeira;

2) sistema da unilateralidade: o tribunal estrangeiro é competente de acordo com as regras próprias do tribunal
estrangeiro e não de acordo com as nossas regras. Entende-se que este sistema não pode vigorar sem limites 34. 


Desta forma, 2 limites são-lhe atribuídos:
1. Limite das competências exclusivas: o tribunal estrangeiro não pode ver reconhecida a sua sentença em
Portugal se existir em Portugal uma competência exclusiva nessa matéria → Sistema de Unilateralidade
Atenuada
2. Competência do tribunal estrangeiro não tenha sido provocada em fraude à lei: introduziu-se um limite de
ter ocorrido uma fraude à lei estrangeira que permitiu a sua competência. Ora, aqui não se trata de sancionar
a fraude que as partes praticaram mas sancionar um juízo que o juiz estrangeiro fez, visando-se não
possibilitar o reconhecimento, se as partes defraudaram o juiz. 35

34 Quando aceitamos que é o tribunal estrangeiro que define as suas regras de competência, limitamos-lhe essa competência.
35 uma vez mais, Sistema de Unilateralidade Atenuada
76
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

d) que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a
tribunal português, excepto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a situação.

- Se já existe caso julgado ou uma acção com as mesmas partes, o mesmo objecto e o mesmo pedido
(litispendência), em Portugal, a sentença não poderá ser reconhecida.
Atentemos à ressalva “excepto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a situação”, ou seja, excepto se o
tribunal estrangeiro foi demandado em 1º lugar. O legislador adopta um critério de pluralidade de julgamentos (se a
parte recorre ao tribunal, aquela que chegar em primeiro serve de garantia de ser a primeira a ser executada).


e) que o réu tenha sido regularmente citado para a acção (…) e que no processo hajam sido observados os princípios
do contraditório e da igualdade das partes;


f ) que não contenha decisão cujo reconhecimento conduz a um resultado manifestamente incompatível com os
princípios da ordem pública internacional do Estado português;

- A sentença não será reconhecida se tal envolver violação dos princípios fundamentais da ordem jurídica
portuguesa.

Que tipo de revisão faz o legislador português?


Não cremos que seja uma revisão de mérito uma vez que todo o controlo que o legislador faz é relativo a
aspectos extrínsecos ao conteúdo da sentença. Ou seja, temos um sistema de controlo formal (somente se controla
requisitos formais).
Relativamente aos requisitos em cima mencionados, são de conhecimento oficioso do juiz, a autenticidade do
documento e a violação da ordem jurídica; quanto aos restantes, o juiz apenas negará o reconhecimento se for invocado
pelas partes ou se o verificar ao longo da sua função.

• E quanto à impugnação?
Podem variar consoante o regulamento mas existem 3 fundamentos que podem ser sempre invocados:
1. ordem pública material: sempre que o reconhecimento tenha violado manifestamente a ordem jurídica do foro;
2. ordem pública processual: o processo violou grosseiramente o contraditório e a igualdade das partes, ou seja, violou
as exigências de um processo equitativo.
3. existência de um caso julgado contrário: caso julgado desse Estado ou de outro Estado da UE, que seja susceptível
de ser reconhecido.

Há ainda a possibilidade de impugnar o reconhecimento com base nas razões elencadas no art. 983º CPC:
n.º1) verificação da alínea a), g), ou c) do art. 696º CPC;
n.º2) sentença proferida contra pessoa singular ou colectiva de nacionalidade portuguesa (ver artigo).

77
Resumo de DIPrivado 2015/2016 Raquel Barroso

• O modelo de reconhecimento na UE:

Enquanto para um Estado o problema é se e em que medida se quer abrir ao reconhecimento, a UE quer
abrir-se o mais possível. Temos de ter em conta o PRINCÍPIO DA LIVRE CIRCULAÇÃO e as pessoas somente irão
circular se as situações jurídicas que assumirem num dado Estado, forem reconhecidas noutro, ou seja, para a União é
fundamental haver esse reconhecimento.

→ Para haver reconhecimento de decisões tem de haver confiança na decisão que se vai reconhecer, i.e., o Estado de
reconhecimento está disposto a fazê-lo se tiver confiança na aplicação do direito proferido pelo juiz estrangeiro e essa
confiança é considerar justificados o exercício de direito de um tribunal competente. Daí que o direito da UE faça esta
ligação fundamental do reconhecimento à competência e esta ligação significa que o espaço da União é unificado, passa
a ser um espaço onde se exercem as mesmas regras de competência e, portanto, o juiz reconhece as decisões dos
Estados estrangeiro.

Outro ponto a mencionar é o de reconhecer a sentença e o de executar a sentença. Ou seja, existem 2


momentos - o do reconhecimento e o da execução.
O pensamento tradicional dizíamos que “reconhecer” era permitir que a sentença estrangeira fosse admitida
como uma sentença nacional; “executar” seria dar força aquilo que decorre do reconhecimento.
Estas duas situações, que são tratadas em conjunto no nosso sistema tradicional, são coisas distintas no direito
da UE.

Das 2 técnicas de reconhecimento (reconhecimento automático ou por controlo prévio), no interior da UE


impõe-se o reconhecimento automático, uma vez que as regras de competência são as mesmas.

* Quanto à impugnação do reconhecimento, no seio da UE (onde vigora o sistema do reconhecimento


automático) este somente ocorre a posteriori.

78

Você também pode gostar