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Direito – 4º Ano – 1º Semestre

Diogo Filipe Lima Ferreira


Direito Internacional Privado

T – 18 de setembro de 2019

O âmbito do Direito Internacional Privado admite três tipos de subciências jurídicas:


 Direito da competência – fixação do tribunal materialmente competente para
dirimir a situação jurídica controvertida;
 Direito dos conflitos – visa escolher o direito material que regulará a situação
jurídica (a aplicar pelo tribunal português, o qual será sempre competente);
 Direito do reconhecimento – processo judicial próprio que implica o
reconhecimento das sentenças do tribunal internacionalmente competente, de
modo a ser aceite nos restantes ordenamentos jurídicos em conflito.

O DIP é um ramo de direito eminentemente privado, tratando relações jurídicas


privadas de caráter horizontal. Apesar de se debruçar predominantemente sobre relações
jurídicas, estas podem apresentar uma configuração distinta daquela que apresentam no
paradigma português.

As relações jurídicas que até aqui viemos a analisar interessavam ao ordenamento


jurídico português, na medida em que figuram como mono localizadas, isto é, apenas
apresentam contacto com ele e, portanto, quer em abstrato, quer em concreto, nenhum outro
normativo legal é chamado à colação para as regular – português casado com portuguesa,
ambos residentes em Portugal, decidem divorciar-se.
Pelo contrário, no âmbito do DIP, a situação jurídica privada contém elementos de
contacto com vários ordenamentos jurídicos. Cada um deles, em abstrato, almeja regulá-la,
pretendendo que sejam os seus tribunais, o seu direito material, bem como que os efeitos
decorrentes da sua sentença sejam reconhecidos em todos os ordenamentos jurídicos que com a
relação jurídica esteja em conexão – um casal de italianos, residentes em Itália, contrataram
uma bielorrussa para ser gestante de um filho. O óvulo era de uma russa, o espermatozoide de
um italiano, o contrato foi celebrado na Bielorrússia e o parte verificou-se em Moscovo.
No exemplo suscitado, estamos diante de uma situação jurídica altamente complexa, a
qual apresenta um caráter internacional, familiar, contratual, criminal e extra obrigacional.

Estamos perante uma relação jurídica plurilocalizada ou internacional quando os


elementos de conexão se encontram dispersos por vários ordenamentos jurídicos. A relação

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jurídica apresenta, por norma, o seguinte esquema: sujeitos (ativo e passivo); objeto (mediato e
imediato); facto; garantia (geral ou especial (real ou pessoal)).

No âmbito da nossa unidade curricular não se estudará a temática relativa ao direito da


competência, na medida em que a lex fori (lei do foro) será sempre a portuguesa, ou seja, serão
os tribunais portugueses aqueles a quem a lei atribuiu competência para dirimir uma
determinada relação jurídica internacional.
Ultrapassada a questão da lex fori, urge aferir se todas as situações jurídicas
internacionais são legitimamente decididas por um tribunal português. Neste conspecto,
incumbe distinguir as seguintes relações jurídicas:

 Absolutamente internacionais: em abstrato, o nosso direito não almeja regular


a relação jurídica controvertida, visto que esta não apresenta qualquer elemento
de conexão com o ordenamento jurídico português, encontrando-se dispersos
por outros;
 Relativamente internacionais: são relações plurilocalizadas que apresentam,
no mínimo, um elemento que se encontra em contacto com o ordenamento
jurídico português. Netas, o nosso direito material está a concurso para poder
resolver a situação jurídico controvertida.

Ainda assim, a partir do momento em que é reconhecida competência ao tribunal


português, a regra é de que é indiferente se a relação jurídica internacional apresenta caráter
absoluto ou relativo.

Posto isto, importa determinar o direito material capaz de dirimir a relação jurídica
internacional. No seio das diversas fontes para o fazer, escolher-se-á uma em função da
classificação da relação jurídica, bem como ter presente o elemento de conexão que o legislador
escolheu como principal para ligar a relação jurídica ao ordenamento jurídico – por exemplo, a
perfilhação é uma relação jurídica de efeitos eminentemente pessoais, pelo que o seu elemento
primordial são os sujeitos. Desta forma, ter-se-á em atenção, desde logo, a nacionalidade, a
residência habitual e a residência permanente, tanto do perfilhado e do perfilhante.

As normas de DIP, quanto á sua natureza, são denominadas “normas sobre normas ou
“normas de aplicação ou normas de segundo grau” sendo, predominantemente de natureza
privada.

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Quanto à sua relevância, o DIP pretende garantir o princípio universal de justiça,
respeitando as expectativas e legítimos interesses das partes.
Deve orientar-se com a finalidade de atingir a harmonia jurídica internacional,
alcançando a estabilidade e segurança das relações privadas internacionais.

As normas do DIP têm três características fundamentais:

São normas de regulação indireta, na medida em que não produzem nenhum tipo de
efeito jurídico em relação à situação jurídica controvertida. São, portanto, normas remissivas,
dado que remetem apenas a solução material para um determinado ordenamento jurídico.
São normas de conexão, uma vez que a escolha do ordenamento jurídico para dirimir a
relação jurídica controvertida depende de elementos ou fatores de conexão. Escolhe-se a
situação de facto mais estreita que permite indicar o caminho para determinado ordenamento
jurídico – numa relação jurídica de caráter pessoal, o elemento de conexão predominante são
os sujeitos, escolhendo-se elementos como a nacionalidade, a residência habitual, etc.
Aqui, as normas podem ser: bilaterais – o ordenamento jurídico do foro tanto aplica o
direito nacional como o direito estrangeiro – regra do ordenamento jurídico português –,
unilaterais – têm como princípio a maximização da aplicabilidade do direito material do foro,
ou seja, o direito português –, ou unilaterais especiais – em prol de determinados princípios, o
ordenamento jurídico admite a aplicabilidade do ordenamento jurídico estrangeiro ou português,
mas em certas situações abdica da bilateralidade da norma e aplica o direito material do foro –
um português e um americano celebraram, em Portugal, um contrato de compra e venda.
Discute-se nos tribunais portugueses a capacidade de exercício do americano para celebrar
aquele negócio, pois nos EUA a capacidade de exercício é adquirida apenas com 21anos.
Sendo o negócio válido para a lei portuguesa, mas anulável pela lei americana, a norma
unilateral especial usa uma perspetiva protecionista, admitindo a validade do negócio jurídico.
Por fim, as normas são tendencialmente formais, pois para o DIP não vigora a figura
do better rule approach, ou seja, não lhe interessa saber qual a solução material aplicável. No
entanto, excecionam este princípio a ordem pública internacional do Estado do foro, as
normas de conflito materialmente orientadas (princípio do favor negotti) e a função
modeladora, relativa à interpretação de outro elemento da norma de conflito, isto é, o conceito-
quadro.

Um problema básico inerente ao DIP prende-se à circunstância de apresentar uma


estrutura multi processual, ou seja, não há um único método de aplicação do DIP para regular
uma situação material controvertida internacional.
São três as possibilidades de aplicação do DIP:

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 Aplicação direta do direito material comum;
 Criação do direito especial de fonte interna;
 Unificação internacional do direito material (caráter transnacional).

No que tange à aplicação direta do direito material comum, o processo implica o recurso
a uma norma de conflitos capaz de determinar o direito material a aplicar, ou seja, o Estado
descaracterizará em absoluto a natureza da relação jurídica, aplicando a lex fori como se de uma
relação jurídica puramente interna se tratasse.
Esta solução põe em causa um problema de Direito Internacional Público, pois contraria
a igualdade de soberania nacional dos Estados. Acresce que poderá ser colocada em causa a
harmonia jurídica internacional, culminando numa eventual contradição de casos julgados. Por
fim, a aplicação direta do direito material comum pode suscitar uma questão de fraude à lei, na
medida em que o autor proporá a ação no ordenamento jurídico que se lhe figurar mais
adequado.

No segundo cria-se direito material próprio para cada relação jurídica internacional,
pelo que se caracteriza numa solução pior que aquela anteriormente apresentada.

Por fim, verifica-se a possibilidade de criação de direito material com caráter


internacional, como se constata atualmente com a CNUCI (Comissão das Nações Unidas para o
Direito Comercial Internacional) e a UNIDROIT (Instituto Internacional para a Unificação do
Direito Privado).
Estas são entidades supraestaduais, cujo escopo passa pela elaboração de leis-quadro
para o desenvolvimento do DIP, estabelecendo-se uma tendência para a escolha do ordenamento
jurídico aplicável.
Os métodos utilizados pelas entidades referidas são:

 Uniformização: criação de leis materiais para resolver determinadas questões


de direito nacional ou internacional – caso da Convenção de Genebra para a
Lei Uniforme Relativa a Letras e Livranças e a Lei Uniforme Relativa a
Cheques;
 Unificação: criação de direito material unificado que vigora unicamente para
relações internacionais;
 Harmonização: criação de leis-modelo e diretivos, de modo a fornecer
orientações e instruções aos Estados para escolherem as conexões.

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Existe um direito material especial optativo de forma internacional, que as partes
podem escolher em detrimento do direito nacional.

Quanto ao modus operandi das normas de conflito deve escolher uma conexão que
aponta para uma lei considerando a substância da relação. Escolhido o ordenamento jurídico, a
norma de conflitos adota o ordenamento jurídico estrangeiro para ser aplicado em Portugal e
depois escolhe, de entre o ordenamento jurídico estrangeiro, a parte que respeita ao âmbito em
causa.

A norma de conflito, estruturalmente, comporta o conceito-quadro (delimita a


matéria sobre o qual versa a regra de conflitos) e o elemento de conexão (elemento factual que
o legislador elege para designar a lei aplicável).

P – 19 de setembro de 2019

Não houve aula.

OT – 19 de setembro de 2019

Não houve aula.

T – 20 de setembro de 2019

Não houve aula.

T – 25 de setembro de 2019

Conclusão da exposição do programa e definição do âmbito e objeto do Direito


Internacional Público.

P – 26 de setembro de 2019

Aula de compensação: dia 30 de setembro de 2019, às 13h ou às 18h

Testes: 31 de outubro de 2019 e 28 de novembro de 2019

Caso Prático 1

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António, espanhol, casou com Benedita, francesa, residindo habitualmente no nosso
país,
Coloca-se perante os tribunais portugueses uma questão quanto à validade deste
casamento, uma vez que os nubentes casaram quando tinham 17 anos mediante autorização
dos pais, discutindo-se agora a respetiva capacidade jurídica para celebrar este contrato.
O ordenamento jurídico espanhol tem uma solução material idêntica à portuguesa no
que tange à capacidade nupcial e o ordenamento jurídico francês só reconhece validade aos
casamentos quando celebrados por maiores de 18 anos, não admitindo qualquer exceção,
incluindo o regime da autorização.

Qual o ordenamento jurídico que deve ser escolhido para resolver materialmente a
questão suscitada?

Antes de proceder à resolução do caso concreto suscitado, importa começar por frisar
que as normas de conflito permitem escolher, de entre as possíveis conexões, qual o
ordenamento jurídico a aplicar à relação jurídica controvertida. No ordenamento jurídico
português, as normas de conflito encontram-se preceituadas nos arts. 25º e ss. CC.
Conforme foi lecionado na aula T – 25 de setembro de 2019, as normas de conflito, sob
a égide da sua estrutura, contêm três elementos, a saber:

 Estatuição: muitos autores consideram-no como um elemento acessório, mas


trata-se de um título de legitimação do ordenamento jurídico estrangeiro, o qual
deve ser aplicado entre nós enquanto tal, isto é, estrangeiro. Assim o refere o
art. 23º CC;
 Elemento de conexão: é a situação de facto que permite localizar o
ordenamento jurídico considerado mais apto para resolver a relação jurídica em
causa – poderá ser a nacionalidade, a lei do lugar da residência habitual, a lei do
lugar da prática do facto, etc.;
 Conceito-quadro.

Posto isto, importa proceder à resolução da hipótese prática suscitada:

Da leitura do caso concreto apresentado, estamos perante uma relação jurídica privada
relativamente internacional, na medida em que pelo menos um dos seus elementos – a
residência habitual dos nubentes – encontra-se localizado em território português, estando os
demais dispersos por outros ordenamentos jurídicos.

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De modo a solucionar a questão da capacidade de exercício dos nubentes, encontram-se
a concurso três ordenamentos jurídicos, isto é, o espanhol (nacionalidade de António), o francês
(nacionalidade de Benedita) e o português (residência habitual dos cônjuges).
Para resolver esta relação jurídica controvertida devemos considerar Portugal como a
lex fori, ou seja, será um tribunal português competente para a dirimir.

Recorrendo às normas de conflito constantes do Código Civil, o art. 49º refere que “a
capacidade para contrair casamento […] é regulada, em relação a cada nubente, pela respetiva
lei pessoal”. Nos termos do art. 31º, nº1 CC, por lei pessoal deve entender-se a lei da
nacionalidade do indivíduo, ou seja, o ordenamento jurídico português estabelece como
elemento de conexão mais estreito a nacionalidade de cada um dos nubentes.
Nestes moldes, concorrem a lei pessoal de António (espanhol) e a lei pessoal de
Benedita (francesa), pelo que será necessário distinguir as declarações negociais de cada
nubente para apurar, no seio do respetivo ordenamento jurídico, a sua capacidade nupcial.

OT – 26 de setembro de 2019

Imagine-se agora que o ordenamento jurídico espanhol entende que o elemento de


conexão a aplicar ao caso concreto seria a residência habitual dos cônjuges, ao passo que para o
ordenamento jurídico francês vigorava a lei do lugar da prática do facto.
Estamos perante o problema do reenvio, pois é admissível que o elemento de conexão
leito pelas normas de conflito do direito português não coincida com aquele previsto por outro
ordenamento jurídico.

Se, no caso concreto, sabemos que o art. 49º CC determina que cabe ao ordenamento
jurídico espanhol apurar a capacidade de exercício de António para contrair casamento, aquele
pode admitir que o elemento de conexão mais próximo seja a lei da residência habitual comum
dos cônjuges, transmitindo de volta para o ordenamento jurídico português a competência –
aqui, o direito português, além de ser a lex fori, surge como a lex materiallis fori, ou seja, a lei
do foro é também competente para regular materialmente a relação jurídica controvertida.

Sendo o reenvio todas as situações em que os respetivos legisladores dos ordenamentos


jurídicos têm uma diferente conexão da anterior, já não poderá ser o princípio da conexão mais
próxima a nortear a escolha do ordenamento jurídico capaz de dirimir a relação jurídica
controvertida.

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Assim, a partir deste momento deve prevalecer o critério que seja capaz de desencadear
uma maior harmonia jurídica internacional, se necessário devendo os Estados ceder no que
tange às suas normas de conflito.
De acordo com o preceituado no art. 16º CC, a regra é de que se as normas de conflito
portuguesas remeterem para um ordenamento jurídico estrangeiro, aplicar-se-ão apenas as
normas de direito interno desse ordenamento e, por consequência, excluir-se-ão as respetivas
normas de conflito. A isto dá-se a denominação de referência material para o ordenamento
jurídico estrangeiro.
As exceções a esta regra encontram-se reguladas nos arts. 17º e 18º CC

Neste conspecto deve ter-se presente que o Direito Internacional Privado procura que
todos os ordenamentos jurídicos produzam iguais efeitos face a uma mesma relação jurídica, de
modo a não contender com a harmonia jurídica internacional e a legítima expectativa das
partes quanto à estabilidade da relação jurídica.
Daí que surjam as exceções ao art. 16º CC – presentes nos arts. 17º e 18º, ambos do CC
–, as quais se subsumem à figura do reenvio, isto é, perante determinadas circunstâncias, pode a
lei portuguesa prescindir dos seus elementos de conexão e admitir a conexões fornecidas por
ouros ordenamentos jurídicos, desde que para tal haja o consentimento de todos que se
encontrem a concurso. Estamos diante da figura da devolução simples ou dupla devolução, em
virtude da qual Portugal deixa de ser antidevolucionista.

T – 27 de setembro de 2019

Aula de compensação: 7 de outubro (duas teóricas – 13h e 18h) e 14 de outubro (13h)

FONTES DO DIREITO DE CONFLITOS

As fontes do direito de conflitos traduzem a suscetibilidade de utilizar um sistema de


conflitos que permita a harmonização de elementos de conexão. São fontes do direito de
conflitos as seguintes:

 Fontes internacionais;
 Fontes da União Europeia;
 Fontes transnacionais;
 Fontes internas.

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1. FONTES INTERNACIONAIS

O direito de conflitos de fonte internacional opera ao nível da ordem jurídica


internacional. Por exemplo, a norma de conflitos contida no art. 42º da Convenção CIRDI.
Poderemos falar a este respeito de um Direito Internacional de Conflitos.
O Direito Internacional Privado vigente na ordem jurídica de um Estado também pode
ter fontes supraestaduais. É o que se verifica perante um sistema de relevância do Direito
Internacional na esfera interna como o consagrado no art. 8º CRP, que é um sistema de receção
automática.
De entre estas fontes internacionais de Direito de Conflitos vigente na ordem jurídica
interna sobressaem as convenções internacionais. As normas constantes de convenções
internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua
publicação e enquanto vincularem internacionalmente o Estado português (art. 8º, nº2 CRP).
Além disso, encontramos os tratados internacionais (os quais podem ser multilaterais
ou bilaterais, ver pp.208 a 214), a jurisprudência internacional e os princípios comuns aos
sistemas nacionais (ver pp. 214 e ss.)

2. FONTES DA UNIÃO EUROPEIA

É possível encontrar normas de Direito Internacional Privado nos tratados instituintes


e, principalmente, no Direito derivado emanado dos órgãos da União Europeia.
Em matéria de Direito de Conflitos, há ainda a referir a Convenção de Roma sobre a Lei
Aplicável às Obrigações Contratuais (1980). Embora ligada em vários aspetos ao Direito da
União Europeia, esta Convenção não o integra, uma vez que não s trata de ato da UE, mas de
tratado internacional diretamente celebrado pelos próprios Estados-Membros.

Em paralelo com o que se verifica com as fontes internacionais, também o Direito de


Conflitos de fonte europeia pode operar ao nível da ordem jurídica da União Europeia ou das
ordens jurídicas dos Estados-Membros.
É indiscutível que opera ao nível da ordem jurídica da União Europeia nos casos em que
se trata de Direito de Conflitos aplicável pelas jurisdições europeias. É o que se verifica com o
Direito de Conflitos contido no TFUE.
Em primeiro lugar, o TFUE é competente para conhecer dos litígios relativos à
responsabilidade extracontratual da UE por danos causados pelas usas instituições ou agentes
(art. 268º TFUE). Em segundo lugar, o art. 272º TFUE estabelece uma competência do TUE
fundada em “cláusula compromissória” constante de um contrato de Direito privado ou de
Direito público celebrado pela União ou por sua conta.

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O Direito da União Europeia é também fonte de Direito de Conflitos vigentes na
ordem jurídica interna. O Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia não contém
normas de conflito que se dirijam aos órgãos de aplicação do Direito dos Estados-Membros.
O significado do Direito derivado como fonte de Direito de Conflitos vigente na ordem
jurídica interna foi limitado antes do Tratado de Amesterdão, por meio do qual foram adotados
numerosos Regulamentos no Âmbito do Direito Internacional Privado, designadamente:

 Reg. (CE) nº 864/2007 Relativo à Lei Aplicável às Obrigações Extracontratuais


(Regulamento Roma II);
 Reg. (CE) nº 593/2008 Sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais
(Regulamento Roma I);
 Reg. (CE) nº 4/2009 Relativo à Competência, à Lei Aplicável, ao
Reconhecimento e à Execução das Decisões e à Cooperação em Matéria de
Obrigações Alimentares;

 Reg. (UE) n.o 1259/2010 do Conselho, de 20 de dezembro de 2010, que cria


uma Cooperação Reforçada no Domínio da Lei Aplicável em Matéria de
Divórcio e Separação Judicial;
 Reg. (UE) no 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de ejulho
de 2012 relativo à Competência, à Lei Aplicável, ao Reconhecimento e
Execução dos Atos Autênticos em Matéria de Sucessões e à Criação de um
Certificado Sucessório Europeu;

3. FONTES INTERNAS

Apesar do avanço das fontes internacionais, europeias e transnacionais ainda é


importante o Direito de Conflitos de fonte interna.
As fontes internas a considerar são a lei, o costume, a jurisprudência e a ciência
jurídica:

 Lei:

o CRP: arts. 8º, 13º a 15º, 87º, 99º, al. d) e 100º, als. a) e e);
o Código Civil: 14º a 65º, 348º, 365º, 711º, 1651º e 2213º;
o Código das Sociedades Comerciais: 3º.

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OBJETO E FUNÇÃO DAS NORMAS DE CONFLITO (ver pp. 249 e ss.)

De modo a examinar o objeto e a função das normas de conflito importa distinguir


entre normas bilaterais e normas unilaterais. Esta classificação das normas de conflito atende
aos sistemas jurídicas que são destinatários da remissão.

1. NORMAS BILATERAIS

As normas bilaterais, ou plurilaterais, tanto remetem para o Direito do foro como para
o Direito estrangeiro, ou seja, quando o legislador escolhe uma conexão como sendo a mais
estreita, não atende à circunstância de a mesma pertence ao ordenamento jurídico português ou
a qualquer outro ordenamento jurídico estrangeiro.
Estas são as normas que melhor defendem o objeto e o fim do Direito de Conflitos, na
medida em que não desconsideram a natureza internacional da relação jurídica a apreciar, o que
permite garantir a legítima expectativa das partes (em termos de certeza e de segurança), bem
como a soberania nacional dos Estados.
O sistema de conflito português adota principalmente normas de cariz bilateral, sendo
que a remissão operada pelas normas de conflito é não recipienda, pois a proposição jurídica
estrangeira ou extra-estadual não se converte num elemento de ordem jurídico do foro enquanto
critério de decisão. O Direito estrangeiro ou extra-estadual é aplicado enquantoDireito
estrangeiro ou extra-estadual (ver art. 23º CC).

2. NORMAS UNILATERAIS

As normas unilaterais determinam somente a aplicação do Direito do próprio foro, o


que provoca a desconsideração da natureza internacional da relação jurídica e não se legitima a
aplicação do direito internacional estrangeiro que, em prol dos princípios do Direito
Internacional Privado, poderia ser o mais próximo para cumprir as legítimas expectativas das
partes.
Acresce que realça a possibilidade de haver a figura do forum-shopping, ou seja, a
pessoa que intenta a ação pode ser tentada a escolher um foro não por ser o mais adequado para
conhecer do litígio, mas porque as normas de conflito de leis que este tribunal utilizará levarão à
aplicação da lei que lhe é mais favorável.

No seio das normas de conflito unilaterais há que distinguir as normas unilaterais gerais
das normas unilaterais especiais. Aquelas são as que determinam apenas a aplicação do direito
material do foro.

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As normas de conflito unilaterais especiais encontram-se numa relação de especialidade
com outras normas de conflito, bilaterais ou unilaterais.
Quanto à sua previsão, as normas unilaterais especiais podem assumir três
modalidades:

 Normas unilaterais que se reportam a estados ou categorias de relações


jurídicas, embora se encontrem numa relação de especialidade com outras
normas de conflito que se reportam a categoriais normativas mais amplas.

Por exemplo, o art. 3º, nº1, 1ª parte CSC contém uma norma de conflitos bilateral que
submete as relações do estatuto pessoal das sociedades comerciais à lei do Estado onde se
encontre situada a sede principal e efetiva da sua administração. A 2ª parte da mesma
disposição determina que a sociedade que tenha em Portugal a sede estatutária não pode,
contudo, opor a terceiros a sua sujeição a lei diferente da lei portuguesa. Esta 2ª parte introduz
uma norma de conflitos unilateral que se reporta a uma categoria de relações jurídicas (relações
com terceiros no âmbito do estatuto pessoal da sociedade) e que é especial em relação à norma
bilateral contida na 1ª parte.
Além disso, o art. 28º, nº1 CC determina que “o negócio jurídico celebrado em Portugal
por pessoa que seja incapaz segundo a lei pessoal competente não pode ser anulado com
fundamento na incapacidade no caso de a lei interna portuguesa, se fosse aplicada, considerar
essa pessoa como capaz. Imagine-se, portanto, que Miguel – português, de 24 anos – celebrou,
em Vila do Conde, um contrato de compra e venda de um bem imóvel com John – norte-
americano, de 19 anos.
Sendo a lei pessoal a lei “da nacionalidade do indivíduo” (art. 31º, nº1 CC), facilmente
se conclui que Miguel apresenta capacidade de exercício para outorgar aquele contrato (arts.
122º e 123º CC). No entanto, ainda que a lei norte-americana só atribua capacidade de exercício
aos maiores de vinte e um anos, para o direito material português John é capaz e, por isso,
aproveita-se o aludido contrato de compra e venda.

 Situações de suscetibilidade de dividir o negócio jurídico, usando uma norma


unilateral relativamente a cada uma das partes.
Resultou de um critério doutrinário da autoria da Prof. Isabel de Magalhães
Colaço, reconduzida na técnica do splitting;

 Normas materiais ou individualizadoras: existem no âmbito do direito da


competência. Por exemplo, o art. 61º LAV estabelece que “a presente lei é
aplicável a todas as arbitragens que tenham lugar em território português”.

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A JUSTIÇA E OS PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO DE CONFLITOS (ver
pp. 323 e ss.)

Os valores formais relacionam-se com as finalidades do Direito Internacional Privado,


isto é, por um lado a segurança jurídica – certeza e previsibilidade – e, por outro, a
harmonia jurídica internacional.
O Direito de Conflitos é conformado da mesma forma e com igual preocupação das
normas jurídicas, pelo que deverá velar pelo respeito de certos valores materiais, como a
dignidade da pessoa humana, a igualdade, a adequação, o equilíbrio, a ponderação, a liberdade,
a confiança e o bem comum – por exemplo, não existirá uma norma de conflito que estabeleça
como mais apto elemento de conexão para dirimir um divórcio a lei da nacionalidade do
marido.
Assim, ainda que o Direito de Conflitos se afigure predominantemente formal e de
regulamentação indireta sendo, portanto, indiferente o modo como se resolve uma situação
material controvertida, a verdade é que, por vezes, não poderá ser alheio aos valores materiais
acima referidos, o que permite concluir pela natureza tendencialmente formal das normas de
conflito.

P – 30 de setembro de 2019 (aula de compensação)

REENVIO (pp. 531 e ss.)

Estamos perante uma situação de reenvio sempre que os ordenamentos jurídicos em


contacto com a relação material elejam como mais estreitas diferentes conexões.
Veja-se o seguinte exemplo: o nosso sistema de conflitos estabelece que a capacidade
nupcial deve ser aferida em função da lei da nacionalidade do nubente (a lei francesa); o
ordenamento francês remete para a lei da residência habitual (África do Sul); a lei sul africana
estabelece como conexão mais próxima a lei do lugar da prática do facto (Suíça); e, por fim, a
lei suíça considera-se a si própria competente para resolver a relação jurídica internacional
plurilocalizada, pelo que só estão de acordo duas ordens jurídicas.

A circunstância de não haver acordo entre os vários ordenamentos jurídicos em contacto


com a relação jurídica material faz com que se coloque em cheque os dois fins do Direito
Internacional Privado, isto é, a certeza e a segurança e a harmonia jurídica internacional. A falta
de consenso relativamente à solução material fará com que a mesma tenha distintos efeitos

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jurídicos, ao que acresce o facto de não ser indiferente às partes o lugar onde é julgada a
situação.
Quando a norma de conflitos portuguesa remete para uma ordem jurídica estrangeira
pode suceder que esta ordem jurídica, por ter uma norma de conflitos idêntica à nossa, também
considere aplicável o seu Direito material. Mas pode suceder igualmente que esta ordem
jurídica, por ter uma norma de conflitos diferente da nossa, não se considere competente remeta
para outra lei. Surge então o problema da devolução.
O problema é o seguinte: devemos aplicar a lei designada, mesmo que esta não se
considere competente, ou devemos ter em conta o Direito Internacional Privado da lei
designada?
A resposta a dar a este problema depende do sentido e alcance que se atribui à
referência feita pela nossa norma de conflitos. Quando a referência se dirige direta e
imediatamente ao Direito material da lei designada estamos perante uma referência material,
ao passo que a referência é global se tem em conta, além do Direito material, também o Direito
Internacional Privado da lei designada.

Em suma, são três os pressupostos de um problema de devolução:

 Que a norma de conflitos do foro remeta para uma lei estrangeira;


 Que a remissão possa não se entendida como uma referência material;
 Que a lei estrageira designada não se considere competente.

O terceiro requisito verifica-se sempre que a lei estrangeira designada apresenta um


elemento de conexão diferente daquele que foi eleito pelo Direito de Conflitos da lex fori.

TIPOS DE DEVOLUÇÃO

A devolução pode apresentar-se como um retorno de competência ou uma transmissão


de competência.
No retorno de competência (ou reenvio de primeiro grau), o Direito de Conflitos
estrangeiro remete a solução da questão para o Direito material do foro (L1 → L2 → L1).
Na transmissão de competência (ou reenvio de segundo grau), o Direito de Conflitos
estrangeiros remete a solução da questão para outro ordenamento jurídico estrangeiro (L1 → L2
→ L3).

CRITÉRIOS GERAIS DE SELEÇÃO

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 TESE DA REFERÊNCIA MATERIAL OU ANTI-DEVOLUCIONISTA

Segundo esta tese a referência feita pela norma de conflitos é sempre e necessariamente
entendida como uma referência material, isto é, como uma remissão direta e imediata para o
Direito material da lei estrangeira, pelo que desta não interessa, de modo algum, o seu Direito
de Conflitos.
O principal argumento a favor desta tese passa pelo respeito pela valoração feita pelo
legislador na escolha da conexão mais adequada, pelo que aceitar a devolução implica abdicar
da escolha consagrada na norma de conflitos do foro.
Contra a tese da referência material pode invocar-se o princípio da harmonia jurídica
internacional, pois ao ignorar-se o Direito de Conflitos estrangeiro fomenta-se a desarmonia
internacional de soluções.

 TESE DA REFERÊNCIA GLOBAL OU DEVOLUCIONISTA

Segundo esta teoria, a remissão da norma de conflitos do foro para uma lei estrangeira
abrange sempre e necessariamente o seu Direito de Conflitos.
A tese devolucionista é a que mais contribuiu para dar guarido ao princípio da harmonia
jurídica internacional, pois ao ter-se em conta o Direito de Conflitos da lei para que e remete
fomenta-se a harmonia de soluções.

A devolução pode ser simples ou dupla:

De acordo com a teoria da devolução simples, a remissão da norma de conflitos do foro


abrange as normas de conflito da ordem estrangeira, mas entende-se necessariamente a remissão
operada pela norma de conflitos estrangeira como uma referência material.

Ex: a lex fori (L1) remete para L2, chamando todo o seu ordenamento jurídico. Sabendo
que L2 pratica devolução simples e atendendo a que estabelece como conexão mais estreita L3,
todo o ordenamento jurídico desta será tido em consideração. L3 faz remissão para L4, mas esta
referência é meramente material, ou seja, atender-se-á apenas ao Direito material de L4.

Por sua vez, na dupla devolução, o tribunal do foro deve decidir a questão
transnacional tal como ela seria julgada pelo tribunal do país da ordem jurídica designada.
Em princípio a dupla devolução assegura que o tribunal de L1 aplique a mesma lei e
dará a mesma solução ao caso que o tribunal de L2, garantindo a harmonia entre ambos.

15
O REGIME VIGENTE

O art. 16º CC estabelece que a “referência das normas de conflitos a qualquer lei
estrangeira determina apenas, na falta de preceito em contrário, a aplicação do direito interno
dessa lei”.
Resulta deste preceito a regra geral da posição anti-devolucionista do Estado
português.

Todavia, Portugal assume uma posição híbrida resultante das exceções dos arts. 17º e
18º CC.
Se todos os ordenamentos jurídicos estiverem de acordo, Portugal pondera mudar a sua
posição anti-devolcunista. Pelo contrário, se os demais não se entenderem, Portugal aplica a sua
conexão, ou seja, refere que a competência é da lei para a qual remete.

T – 07 de outubro de 2019

JUSTIÇA DO DIREITO DE CONFLITOS

Valores e princípios do DIP

Os valores formais relacionam-se com as finalidades do Direito Internacional Privado,


isto é, por um lado a segurança jurídica – certeza e previsibilidade – e, por outro, a
harmonia jurídica internacional das soluções de DIP.
O Direito de Conflitos é conformado da mesma forma e com igual preocupação das
normas jurídicas, pelo que deverá velar pelo respeito de certos valores materiais, como a
dignidade da pessoa humana, a igualdade, a adequação, o equilíbrio, a ponderação, a liberdade,
a confiança e o bem comum – por exemplo, não existirá uma norma de conflito que estabeleça
como mais apto elemento de conexão para dirimir um divórcio a lei da nacionalidade do
marido.
Assim, ainda que o Direito de Conflitos se afigure predominantemente formal e de
regulamentação indireta sendo, portanto, indiferente o modo como se resolve uma situação
material controvertida, a verdade é que, por vezes, não poderá ser alheio aos valores materiais
acima referidos, o que permite concluir pela natureza tendencialmente formal das normas de
conflito.

A evolução do Direito Internacional Privado tem sido marcada por uma certa
materialização do Direito de Conflitos, que se traduz designadamente na orientação material de

16
certas normas de conflitos e na admissibilidade de soluções unilaterais que complementam o
sistema de Direito de Conflitos de base bilateral, tendo em consideração os fins de normas e leis
individualizadoras.

Quando se justifica o favorecimento de resultados materiais?

As normas de conflitos só devem ser orientadas materialmente quando se manifeste


uma tendência internacional para a prossecução de determinadas finalidades jurídico-materiais.
É o que sucede, por exemplo, com a proteção da criança, do consumidor e do trabalhador,
excecionando-se o princípio da igualdade. Em qualquer caso, esta ponderação de direitos
fundamentais deve ser efetuada através de modelação, geral e abstrata, das normas de conflito e
não uma ponderação casuística.

A violação de um DF da CRP através da aplicação de direito material estrangeiro pode


ter que impor a ponderação e restrição de DF em conflito – casamento poligâmico: 3ª mulher do
homem quer divorciar-se e regular as responsabilidades parentais. Não se divorcia:
impedimento absoluto: inexistente face à OJP e é crime. Mas temos outros direitos em conflito
relativamente àquilo que é o reconhecimento ou não reconhecimento daquele casamento. Na
situação concreta, a mulher que está numa situação em que a sua igualdade já ofi violada e, ao
violar-se a solução material do OJ estrangeiro, colocá-mo-la numa situação mais depraupada,
pois negar-lhe-iamos os direitos que lhe são concebidos no estrangeiro. Assim, o OJP terá de
ceder até ao limite que os DF permitem.

OS PRINCÍPIOS DO DIREITO DE CONFLITOS

A maior parte dos Princípios do Direito de Conflitos apresentam um nomem idêntico


àquele que o ordenamento jurídico interno lhes atribui.
Num sistema bilateral como é o português, o DIP procura identificar a natureza da
relação jurídica controvertida e considerar as expectativas das partes, de modo a eleger a
conexão mais estreita com aquela relação.
Assim, para o nosso sistema de conflitos é indiferente aplicar o direito português ou um
qualquer direito estrangeiro, dado que o desidrato do Direito Internacional Privado passa por
escolher a lei que esteja em melhores condições de resolver a questão, i.e., a lei que se encontre
mais próxima à relação material. Para tal é necessário o recurso aos princípios do Direito de
Conflitos.

17
O modo mais indicado para escolher o ordenamento jurídico mais apto a solucionar
determinada relação jurídica passa por atender ao seu conteúdo plurilocalizado, o que permite
que nos desapeguemos do nosso próprio direito material.
Por exemplo, o art. 43º CC refere que à “gestão de negócios é aplicável a lei do lugar
em que decorre a principal atividade do gestor”. Esta gestão de negócios não se reconduz
somente àquela preceituada no art. 464º CC, devendo antes realizar-se uma interpretação de
acordo com um sistema internacional de princípios, devendo trazer para o ordenamento jurídico
português o que um qualquer ordenamento estrangeiro entende por gestão de negócios.

Conclui-se, portanto, pela necessidade de realizar uma extensão ou redução analógica


das soluções que podem subsumir-se nas nossas normas de conflitos, as quais nunca se poderão
confinar aos princípios interpretativos de direito interno.

Os princípios de Direito de Conflitos podem dizer respeito à escolha das conexões


relevantes ou a características gerais do sistema de Direito de Conflitos que são independentes
da escolha de conexões individualizadas. Distingue-se, nesta base, entre princípios de
conformação global do sistema e princípios de escolha de conexões.

PRINCÍPIOS DE CONFORMAÇÃO GLOBAL DO SISTEMA (pp. 344 e ss.)

1. PRINCÍPIO DA HARMONIA JURÍDICA INTERNACIONAL

Para Ferrer Correia, a segurança e a certeza jurídica são os valores predominantes no


Direito Internacional Privado, pelo que elege como princípio fundamental o princípio da
harmonia jurídica internacional.
Segundo este princípio, deve ser o mesmo o Direito aplicado a uma situação qualquer
que seja o Estado em que venha a ser apreciada.
Do princípio da harmonia jurídica internacional emerge o princípio da não
transitividade, isto é, por regra, não se aplica um ordenamento jurídico que não apresenta
qualquer conexão com a relação jurídica plurilocalizada (este não é um princípio absoluto, não
se encontrando, inclusive, no Regulamento Roma I). Ao nível do Direito Internacional Privado,
o art. 41º CC consagra um afloramento do princípio da autonomia da vontade, sendo que o nº2
do referido preceito consagra que
O art. 41º CC afloramento, ao nível do DIP, do princípio da autonomia da vontade,
consagrando que “as obrigações provenientes de negócio jurídico, assim como a própria
substância dele, são reguladas pela lei que os respetivos sujeitos tiverem designado ou
houverem tido em vista”. Não obstante, o nº2 refere que “a designação ou referência das partes

18
só podem todavia, recair sobre lei cuja aplicabilidade corresponda a um interesse sério dos
declarantes ou esteja em conexão com algum dos elementos do negócio jurídico atendíveis no
domínio do direito internacional privado”.

2. PRINCÍPIO DA HARMONIA MATERIAL OU INTERNA


O princípio da harmonia material ou interna exprime a ideia de unidade do sistema
jurídico. Esta unidade postula a uniformização de valoração das mesmas situações dentro de
cada ordem jurídica – por exemplo, a validade de um casamento deve ser apreciada da mesma
forma, quer a questão se suscite a título principal, ou a título prejudicial numa ação de alimentos
ou numa ação sucessória. Uma pessoa não deve ser considerada casada para uns efeitos e
solteira para outros.
Este princípio postula também a coerência na regulação das situações da vida, o que
obriga à eliminação de contradições normativas ou valorativas entre as normas contidas nas leis
aplicáveis a diferentes segmentos da mesma situação.

O princípio da harmonia material aponta no sentido de uma limitação do dépeçage ou


splitting, isto é, do fracionamento das situações da vida pelo Direito de Conflitos, por forma a
preservar a unidade de regulação de cada situação globalmente considerada.

3. PRINCÍPIO DA CONFIANÇA

O princípio da confiança exige o respeito da estabilidade e continuidade das situações


jurídicas, quando não haja razões objetivas suficientemente ponderosas que imponham a sua
modificação ou extinção – por exemplo, o art. 28º CC consagra uma norma unilateral
introvessa como forma de dar guarido ao princípio da confiança ou dos direitos adquiridos.

4. PRINCÍPIO DA RESEVA JURÍDICO-MATERIAL

O Direito de Conflitos não opera sem limites colocados pela justiça material. A
justificação da conexão cede perante a justiça material quando em causa estão nomas e
princípios supraestaduais ou normas e princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa.
Essas normas e princípios formam uma reserva jurídico-material do sistema de português de
Direito Internacional Privado que limita o funcionamento do Direito de Conflitos.

5. PRINCÍPIO DA EFETIVIDADE OU DA MAIOR PROXIMIDADE

19
Segundo este princípio, na resolução de conflitos de leis haverá que atender à
circunstância de certos Estados se encontrarem em posição privilegiada para imporem o seu
ponto de vista sobre a regulação do caso.
Este princípio pode contribuir para a fundamentação da própria conexão primária – é o
que se verifica, por exemplo, com a regra da lei da situação da coisa, com respeito aos direitos
reais sobre imóveis (art. 46º CC).
Noutros casos o princípio justifica um desvio à lei normalmente competente – é, por
exemplo, o que se verifica no art. 47º CC, quanto à capacidade para constituir direitos reais
sobre um imóvel ou para dispor deles. Para designar esta vertente do princípio da efetividade
também se fala de princípio da maior proximidade.

5. PRINCÍPIO DO FAVOR NEGOTTI

De acordo com este princípio, devem ser favorecidos a validade dos negócios jurídicos
e a legitimidade dos estados.
Este princípio leva à paralisação da devolução no art. 19º, nº1 CC, fundamenta
autonomamente a devolução em matéria de forma dos negócios jurídicos nos arts. 36º, nº2 e 65º,
nº1, in fine CC e manifesta-se ainda nas conexões alternativas estabelecidas nos arts. 36º, nº1 e
65º, nº1 CC e no art. 11º do Regulamento Roma I com respeito à forma do negócio jurídico.

PRINCÍPIOS DE CONEXÃO

Maior ligação indivudal: relações jurídicas de caráter pessoal – situação do divírcio,


sucessão, reglamção de responsabilidades parentais – elege-se os sujeitos.

Da maior proximidade ou efetividade: não só o que falamos em relação a relações


jurídicas de caráter não pessoal, mas também relativas à prática de factos danosos
(responsabilidade civil extracontratual, mais efetivo para recolha de prova).

Proteção da parte mais fraca: já visto.

Princípio da autonomia da vontade: Em todas as relações jurídicas que não estejam em


causa conexões imperativas, vigora o princípio da autonomia da vontade (sempre que não
vigora o depéçage).

20
No Âmbito da estrutura das normas de conflitos, o elemento de conexão é a situação de
fato que permite a ligação entre o quid facti e um ordenamento jurídico, que dará origem à
aplicabilidade da respetiva da lei.
O conceito-quadro é uma categoria normativa para o qual a conexão é operante
(prinípio da especialização). Significa que o conceito quadro do art. 43º CC é a gestão de
negócios.
Aquela que o conceito quadro é um título de legitimação do ordenamento jurídico
estrangeiro.
O conceito quadro diz quais são as normas, institutos e conceitos normativos que
conseguimos importar da lei designada pelo elemento de conexão. E se não der solução ao caso
concreto e houver outra norma no OJ estrangeiro que o faça?

T – 09 de outubro de 2019

Não houve aula.

P – 10 de outubro de 2019

Aulas de compensação: 14 de outubro, às 13h // 16 de outubro, às 13h e às 18h // dia 28,


às 13h // dia 30 de outubro às 13h ou às 18h // 13 de novembro às 13h // 27 de novembro, às 18h

2º teste: 25 de novembro, 18h

Caso Prático 2

Manuel, venezuelano, quer outorgar um testamento em Portugal e discute-se nos


tribunais portugueses, internacionalmente competentes, a capacidade deste para celebrar o
negócio jurídico.
Manuel reside habitualmente em Espanha.
O ordenamento jurídico venezuelano considera competente o ordenamento jurídico da
residência habitual do interessado, e pratica devolução simples, e por sua vez, o ordenamento
jurídico espanhol, faz dupla devolução, considera competente o lugar onde se encontre situado
o património imobiliário de maior valor, que neste caso é a República Checa.
Por sua vez, o ordenamento jurídico checo considera-se competente e é anti-
devolucionista.

Quid Juris?

21
Atendendo à situação prática apresentada, estamos diante de uma relação jurídica
internacional de caráter privado. Trata-se de um negócio jurídico unilateral que produz efeitos
mortis causa, relativo a matéria sucessória e, por isso, é uma relação de caráter eminentemente
pessoal, pelo que de acordo com o princípio da maior ligação individual, eleger-se-á um dos
ordenamentos jurídicos que estabeleça uma conexão próxima dos sujeitos.
Esta relação encontra-se em contacto com vários ordenamentos jurídicos, a saber: o
venezuelano (nacionalidade do interessado), espanhol (residência habitual do interessado),
português (lugar da celebração do negócio jurídico, o que permite concluir que somos mais do
que a lex fori – o tribunal internacionalmente competente –, pois estamos diante de uma relação
jurídica relativamente internacional) e checo (lugar da situação do bem imóvel de maior valor).

Identificados os ordenamentos jurídicos em contacto com a aludida relação jurídica, de


acordo com o princípio da transitividade tem-se que um deles será eleito para regular a relação
material, dado que, por regra, não se aplica um ordenamento jurídico que não apresenta
qualquer conexão com a relação jurídica plurilocalizada.

Posto isto, é necessário atender ao sistema de conflitos do Direito Português.


Nos termos do art. 63º, nº1 CC (exceciona, no caso concreto, a aplicabilidade do art. 25º
CC), a capacidade para fazer uma disposição por morte é regulada pela lei pessoal do autor ao
tempo da declaração. Por lei pessoal o art. 31º, nº1 CC estabelece a lei da nacionalidade, o que
permite concluir que o nosso ordenamento jurídico estipula como conexão mais próxima a
nacionalidade (prevalência da maior ligação individual) do autor da disposição testamentária.
Sendo o autor venezuelano, o ordenamento jurídico português (L1) considera
competente o ordenamento jurídico venezuelano (L2).
Observando o ordenamento jurídico venezuelano, constata-se a ocorrência de um
problema de reenvio – sempre que os ordenamentos jurídicos em contacto com a relação
material elegem diferentes conexões –, dado que este estabelece como conexão mais próxima o
lugar da residência do interessado, ou seja, vivendo Manuel em Espanha, considera
competente o ordenamento jurídico espanhol.

Em princípio, atendendo ao disposto no art. 16º CC, o ordenamento jurídico português


assume uma posição anti-devolucionista e, por conseguinte, efetua uma remissão material para
o ordenamento jurídico venezuelano, ou seja, interessar-lhe-á somente o direito material deste.
No entanto, a posição portuguesa caracteriza-se por ser híbrida, admitindo exceções
devolucionistas (previstas nos arts. 17º e 18º CC).

Segundo a tese devolucionista, a remissão da norma de conflitos do foro para uma lei
estrangeira abrange sempre e necessariamente o seu Direito de Conflitos.
22
A devolução simples ocorre quando a reemissão da norma de conflitos do foro abrange as
normas de conflito da ordem estrangeira, mas entende-se necessariamente a remissão
operada pela norma de conflitos estrangeira como uma remissão material.

Na dupla devolução, o tribunal do foro deve decidir a questão transnacional tal como ela
No caso concreto, o ordenamento jurídico português (L1) elegeu como conexão mais
próxima a nacionalidade, fazendo uma referência material (a regra do art. 16º CC assim o diz)
para o ordenamento jurídico venezuelano. O ordenamento jurídico venezuelano (L2) elegeu a
conexão do lugar da residência do interessado, considerando competente o ordenamento
jurídico espanhol (L3). O ordenamento jurídico espanhol elegeu a conexão do lugar da situação
do bem imobiliário de maior valor e, portanto, admite a competência do ordenamento jurídico
checo (L4). Por fim, o ordenamento jurídico checo considera-se competente.

O ordenamento jurídico venezuelano pratica devolução simples, pelo que a remissão


feita para o ordenamento jurídico espanhol abrange também as suas normas de conflito, mas a
remissão que o ordenamento jurídico fizer considerar-se-á uma referência material. Deste modo,
para L2 é competente o ordenamento jurídico checo, isto é, L4.
O ordenamento jurídico espanhol realiza dupla devolução, i.e., o tribunal do foro deve
decidir a questão tal como ela seria dirimida pelo tribunal do país da ordem jurídica designada.
Assim, atendendo a que o ordenamento jurídico espanhol designa o ordenamento jurídico checo
e que este se acha competente para a relação material concreta, conclui-se que L2 também
considera competente o ordenamento jurídico checo.
Desta forma, conclui-se que para além de haver uma situação de reenvio, há harmonia
jurídica internacional e que aquele é um meio necessário para que esta seja atingida. Admitindo
que Portugal mantém a sua posição anti-devolucionista, não se chegará à solução encontrada
nos demais países a concurso.

Estando verificados os pressupostos que podem, eventualmente, fazer com que o


ordenamento jurídico português adote, excecionalmente, uma posição devolucionista, urge
aferir se se verificam os requisitos de alguma dessas situações excecionais, preceituados nos
arts. 17º e 18º CC.
O art. 17º CC trata de uma situação de reenvio
que implica uma sucessiva transmissão de
competências em cadeia. Por seu turno, o art.
18º CC faz alusão a situações de reenvio em que
a competência retorna à lex fori.

No caso concreto, importa atender aos requisitos do art. 17º, nº1 CC, o qual refere que
se o sistema de conflitos da lei designada pela norma de conflitos portuguesa – a lei

23
venezuelana – remeter para outro ordenamento e este se considerar competente para regular a
relação amterial concreta, então aplicar-se-á o direito material deste.
Interpretando literalmente o art. 17º, nº1 CC, entende-se pela não cumulação dos seus
requisitos, pois o ordenamento jurídico espanhol, designado pelo venezuelano, não se considera
competente. Todavia, para que se cumpram os fins do DIP (certeza e segurança jurídica e
harmonia jurídica internacional), o Prof. Ferrer Correia entende no sentido de dever ser
realizada uma interpretação extensiva do art. 17º, nº1 CC, através da qual se admite a
transmissão sucessiva de competências quer direta, quer indiretamente.
Assim, poder-se-ia concluir pela aplicação do ordenamento jurídico checo, por via de
uma interpretação extensiva do art. 17º, nº1 CC.

Todavia, ainda que a harmonia jurídica internacional pareça ser o fim último do DIP, a
verdade é que não se pode concluir nesse sentido.
A este propósito, cumpridos os requisitos do art. 17º, nº2 CC, voltará a prevalecer a
posição anti-devolucionista do art. 16º CC. Segundo aquela norma, se a lei desinada pela norma
de conflitos portuguesa for a lei pessoal (a lei da nacionalidade) e o interessado residir
habitualmente em território português ou num país em que as normas de conflito achem
competente o direito interno do Estado da sua nacionalidade, cessará a exceção prevista no nº1
deste artigo. Aqui o legislador estabelece a primazia da maior ligação individual do
interessado.
Perante o caso concreto, tem-se que Manuel não reside em território português e o país
onde habitualmente reside – Espanha – não considera competente o ordenamento jurídico
venezuelano. Deste modo, não se verificando os requisitos impostos pelo nº2 do art. 17º CC,
funciona a exceção do nº1 da mesma norma e, por conseguinte, o ordenamento jurídico
português assume uma posição devolucionista, aplicando o ordenamento jurídico checo (L4).

NOTA: Mais adiante analisaremos a exceção do art. 17º, nº3 CC.

OT – 10 de outubro de 2019

Caso Prático 3

Discute-se nos tribunais portugueses a indemnização decorrente de um acidente de


automóvel que ocorreu em França entre um português, o lesante, e um inglês, o lesado, que
acabou por falecer já no Reino Unido em consequência do acidente.

24
O ordenamento jurídico francês considera competente a lei da nacionalidade do lesado
e faz devolução simples. O ordenamento jurídico inglês considera competente a nacionalidade
do lesante e pratica dupla devolução.
Admita que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para
apreciar esta relação controvertida, qual o direito material aplicável?

Atendendo à situação concreta enunciada, estamos perante uma relação jurídica


internacional de natureza privada, cuja matéria se relaciona com responsabilidade civil
extracontratual, tendo a relação jurídica em questão sido constituída sem a prévia existência de
um facto jurídico.
Tem-se como ponto de partida que Portugal é a lex fori, isto é, é-lhe reconhecida a
competência internacional para dirimir a relação jurídica material.

Observando o sistema de conflitos português, o art. 45º CC determina que a


responsabilidade extracontratual é regulada pela lei do Estado onde decorreu a principal
atividade causadora do prejuízo. No caso concreto, tendo o acidente ocorrido em França, o DIP
português elege como conexão mais próxima o lugar da prática do facto e, por consequência, é
competente o ordenamento jurídico francês.

Verifica-se aqui um problema de reenvio, pois os diferentes ordenamentos jurídicos em


contacto com a relação material em causa elegem distintas conexões.
O ordenamento jurídico francês pratica considera competente a lei da nacionalidade do
lesado – ordenamento jurídico inglês –, praticando devolução simples, pelo que a remissão
operada pelo ordenamento jurídico inglês deve ser entendida como uma referência material.
Assim, fazendo a lei inglesa remissão para a lei da nacionalidade do lesante – a lei portuguesa –,
será competente o ordenamento jurídico português.
Por sua vez, o ordenamento jurídico inglês considera competente a lei da nacionalidade
do lesante – o ordenamento jurídico português –, praticando dupla devolução, ou seja, o tribunal
do foro deve decidir a questão tal qual ela seria dirimida pelo tribunal da lei designada, ou seja,
o ordenamento jurídico francês.

Havendo um problema de reenvio e a harmonia jurídica internacional é um meio


necessário à sua existência, cumprem-se os pressupostos para que Portugal não adote a sua
posição anti-devolucionista (art. 16º CC).
Realizando uma interpretação literal do art. 18º, nº1 CC, de acordo com o qual será
aplicado o direito interno português quando o DIP da lei designada pela norma de conflitos

25
portuguesa devolver a competência para o nosso direito interno, não se cumpriria os requisitos
que permitissem a Portugal assumir uma posição devolucionista.
Sucede, porém, que o art. 18º, nº1 CC deve ser interpretado de forma extensiva, no
sentido de que é indiferente que o retorno ao direito interno português ocorra direta ou
indiretamente.

Desta forma, a referência para o direito português deve ser apenas material, o que não
se verifica no caso concreto, pois o ordenamento jurídico inglês pratica dupla devolução. Não se
cumulando os requisitos exigidos pelo art. 18º, nº1 CC, conclui-se que vigora a regra geral do
art. 16º CC e, por consequência, sendo Portugal anti-devolucionista e praticando uma referência
material, será competente o ordenamento jurídico francês (L2).

T – 11 de outubro de 2019

Compensação das aulas teóricas – 29 de outubro de 2019 (13h) // 6 de novembro


(13h) // 11 de novembro (13h) // 18 de novembro (13h) // 25 de novembro (13h)

CLASSIFICAÇÃO DOS ELEMENTOS DE CONEXÃO

1. CONEXÕES REAIS E CONEXÕES PESSOAIS

A conexão diz-se pessoal se apresentar relação com os sujeitos da relação jurídica –


nacionalidade, domicílio, residência habitual ou sede, de onde prevalece o princípio da maior
ligação individual. A conexão é real quando se relaciona com o objeto ou o facto da relação
jurídica – lugar da situação da coisa, lugar do destino, lugar da prática do facto, lugar da
celebração.

2. QUANTO À FUNÇÃO

No que à função diz respeito, o elemento de conexão tem função direta se apontar
diretamente para o Direito – caso da nacionalidade – ou indireta quando aponta para um
determinado espaço – caso do lugar da prática do facto, conexão que designa indiretamente o
Direito.

3. QUANTO À EXISTÊNCIA

Em relação à existência, as normas de conflitos podem ser:

26
 Únicas: arts. 30º e 46º CC;
 Múltiplas:
o Subsidiárias: arts. 52º e 53º CC;
o Alternativas: art. 36º, nº2 CC;
o Cumulativas: art. 60º CC;
o Combinadas: art. 49º CC.

4. QUANTO À NATUREZA

Relativamente à sua natureza, o elemento de conexão pode ser descritivo ou factual, o


que ocorre quando apresentar função direta, isto é, prescinde-se de um elemento jurídico para
apreciar a conexão. Por seu turno, terá natureza técnico-jurídica quando apresenta função
indireta.

5. QUANTO À MODIFICABILIDADE TEMPORAL

Quando nos referimos à modificabilidade temporal, importa atender à suscetibilidade


de as conexões variarem ao longo do tempo. Assim, diz-se que a conexão é móvel se é
suscetível de variar no tempo, e imóvel quando o seu conteúdo é invariável – v.g., o lugar da
celebração do negócio (ainda que em alguns casos possa ser modelado pelos interessados
suscitando questões de fraude à lei).

ORDENAMNTOS JURÍDICOS COMPLEXOS (pp. 521 e ss.)

1. CARACTERIZAÇÃO DO PROBLEMA

O art. 20º CC tem como epígrafe “ordenamentos jurídicos plurilegislativos”, mas é mais
correta a expressão “ordenamento complexo”, porque o ordenamento pode ser complexo em
resultado de outras fontes do Direito que não sejam a lei.
Entre os ordenamentos jurídicos complexos podemos distinguir aqueles em que há uma
pluralidade de sistemas materiais, mas unificação do Direito de Conflitos – caso espanhol –,
daqueles em que há uma pluralidade de sistemas materiais e de Direitos de Conflitos – caso
dos EUA e do Reino Unido.

27
Os textos legislativos a considerar são o art. 20º CC, o art. 19º, nº1 da Convenção de
Roma sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais, o art. 22º, nº1 do Regulamento Roma I,
o art. 25º, nº1 do Regulamento Roma II, o art. 19º da Convenção de Haia sobre a Lei Aplicável
aos Contratos de Mediação e à Representação, os arts. 14º e 15º do Regulamento Roma III e os
arts. 36º e 37º do Regulamento sobre sucessões.

2. PRINCÍPIOS GERAIS DE SOLUÇÃO. O REGIME VIGENTE

Quando é que a norma de conflitos remete para o ordenamento jurídico complexo no


seu conjunto e quando é que remete diretamente para um dos sistemas que nela coexistem?
O art. 20º CC faz apenas referência à conexão feita pelo elemento de conexão
nacionalidade. Não responde, por exemplo, à questão saber qual é a lei reguladora do estatuto
pessoal de um apátrida com residência habitual em Londres, mas que é considerado domiciliado
na Escócia.
Assim, como devemos proceder quando o elemento de conexão seja a residência
habitual, o domicílio, o lugar da celebração, o lugar do efeito lesivo, o lugar da situação da
coisa, etc.?
Existem duas posições:

O Prof. Ferrer Correia entende que quando o elemento de conexão aponta diretamente
para determinado lugar no espaço será competente o sistema em vigor neste lugar.
Pelo contrário, a Prof. Isabel de Magalhães Collaço defende que a remissão da norma de
conflitos é feita, em princípio, para o ordenamento do Estado soberano.

Como determinar, de entre os sistemas que vigoram no ordenamento jurídico


complexo, o aplicável?

Os princípios que orientam a determinação do sistema aplicável, dentro do ordenamento


complexo, são dois:

 Pertence ao ordenamento jurídico complexo resolver os conflitos de leis


internas e, por isso, determinar qual o sistema interno aplicável;
 Se, porém, o ordenamento complexo não resolver o problema, deve aplicar-se,
de entre os sistemas que vigoram no âmbito do ordenamento complexo, o que
tem uma conexão mais estreita com a situação a regular.

28
Vejamos como estes princípios se concretizam quando a remissão para o ordenamento
jurídico complexo é feita pelo elemento de conexão nacionalidade.

Comece-se pelos ordenamentos complexos de base territorial:

Em conformidade com o primeiro princípio, o nº1 do art. 20º CC determina que


pertence ao ordenamento jurídico complexo fixar o sistema interno aplicável.
É o que se verifica quando a ordem jurídica complexa dispuser de um sistema unitário
de Direito Internacional ou quando todos os ordenamentos locais estejam em conformidade
sobre o ordenamento aplicável.
Não sendo possível resolver a questão com base no Direito Interlocal vigente na ordem
jurídica complexa, o nº2 do art. 20º CC presume analogia com o Direito Internacional Privado e
prescreve o recurso ao Direito Internacional Privado unificado.
Se também não houver Direito Internacional Privado unificado, o nº2 do art. 20º CC
manda atender à lei da residência habitual.

Para Isabel de Magalhães Collaço há uma lacuna descoberta através de interpretação


restritiva do art. 20º, nº2 in fine CC. A função deste preceito é indicar o sistema aplicável de
entre os que integram o ordenamento complexo. Como este preceito não fornece um critério
para determinar o sistema aplicável quando a residência habitual se situa fora do Estado da
nacionalidade, surge uma lacuna. Esta lacuna deve ser integrada com recurso ao princípio da
conexão mais estreita.
Quando a residência habitual for fora do Estado da nacionalidade, devemos aplicar, de
entre os sistemas que integram o ordenamento complexo, aquele com que a pessoa está mais
ligada – princípio da maior ligação individual.

Para os ordenamentos complexos de base pessoal, o art. 20º, nº3 CC também consagra
o princípio de que pertence ao ordenamento complexo determinar o sistema pessoal competente.
Assim, são aplicáveis as normas de Direito Interpessoal da ordem jurídica designada,
incluindo tanto as normas de conflitos interpessoais como as normas de Direito material
especial, como, por exemplo, as que regulem o casamento entre pessoas de religião diferente.
Passe-se agora à determinação do sistema aplicável quando a remissão para o
ordenamento complexo é operada por um elemento de conexão que não seja a nacionalidade.
Este caso não é contemplado pelo art. 20º CC, razão por que, fora do âmbito de aplicação e
instrumentos supraestaduais, e seguindo-se o entendimento de Isabel de Magalhães Collaço, há
uma lacuna.

29
Esta lacuna deve ser integrada por aplicação analógica do art. 20º CC, norteando-se
pelo princípio da maior proximidade ou efetividade (é, de resto, a solução consagrada pelo art.
37º do Regulamento sobre sucessões).

A DEVOLUÇÃO OU REENVIO (pp. 531 e ss.)

Quando a norma de conflitos portuguesa remete para uma ordem jurídica estrangeira
pode suceder que esta ordem jurídica, por ter uma norma de conflitos idêntica à nossa, também
considere aplicável o seu Direito material. Mas pode suceder igualmente que esta ordem
jurídica, por ter uma norma de conflitos diferente da nossa, não se considere competente e
remeta para outra lei. Surge então o problema da devolução.

Se tal acontecer, os Estados podem adotar uma de duas posições:

 Não ponderam a possibilidade de haver reenvio, pois sempre que elegem um


ordenamento jurídico competente para resolver a questão plurilocalizada,
dirigem-se direta e imediatamente ao seu Direito material, realizando uma
referência material;
 Assumem uma posição devolucionista – por via da qual se coloca o problema
do reenvio –, pois ao eleger um ordenamento jurídico competente para dirimir a
relação material têm em conta o seu Direito Internacional, i.e, realizam uma
referência global.

Em suma, são três os pressupostos de um problema de devolução:

 Que a norma de conflitos do foro remeta para uma lei estrangeira L1 → L2;
 Que a remissão possa não ser entendida como uma referência material;
 Que a lei estrangeira designada não se considere competente.

TIPOS DE DEVOLUÇÃO

A devolução pode apresentar-se como um retorno de competência ou uma


transmissão de competência.
No retorno de competência (ou reenvio de primeiro grau), o Direito de Conflitos
estrangeiro remete a solução da questão para o Direito do foro. O retorno pode ser direto (L1 →
L2 → L1) ou indireto (L1 → L2 → L3 → L1).

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Na transmissão de competência (ou reenvio de segundo grau), o Direito de Conflitos
estrangeiro remete a solução da questão para outro ordenamento estrangeiro. Podemos ter
transmissão em cadeia quando L2 remete para L3 com referência global e esta lei também não
se considera competente, devolvendo para uma quarta lei. Pode ainda configurar-se uma
transmissão com retorno, quando, por exemplo, L3 remeta para L2.

CIRTÉRIOS GERAIS DE SOLUÇÃO

1. TESE DA REFERÊNCIA MATERIAL

Segundo esta tese a referência feita pela norma de conflitos é sempre e necessariamente
entendida como uma referência material, isto é, como uma remissão direta e imediata para o
Direito material da lei estrangeira, pelo que desta não interessa, de modo algum, o seu Direito
de Conflitos.
O principal argumento a favor desta tese passa pelo respeito pela valoração feita pelo
legislador na escolha da conexão mais adequada, pelo que aceitar a devolução implica abdicar
da escolha consagrada na norma de conflitos do foro.
Contra a tese da referência material pode invocar-se o princípio da harmonia jurídica
internacional, pois ao ignorar-se o Direito de Conflitos estrangeiro fomenta-se a desarmonia
internacional de soluções.

2. TESE DA REFERÊNCIA GLOBAL

Segundo esta teoria, a remissão da norma de conflitos do foro para uma lei estrangeira
abrange sempre e necessariamente o seu Direito de Conflitos.
A tese devolucionista é a que mais contribuiu para dar guarido ao princípio da harmonia
jurídica internacional, pois ao ter-se em conta o Direito de Conflitos da lei para que e remete
fomenta-se a harmonia de soluções.

A devolução pode ser simples ou dupla:

De acordo com a teoria da devolução simples, a remissão da norma de conflitos do foro


abrange as normas de conflito da ordem estrangeira, mas entende-se necessariamente a remissão
operada pela norma de conflitos estrangeira como uma referência material.

Ex: a lex fori (L1) remete para L2, chamando todo o seu ordenamento jurídico. Sabendo
que L2 pratica devolução simples e atendendo a que estabelece como conexão mais estreita L3,

31
todo o ordenamento jurídico desta será tido em consideração. L3 faz remissão para L4, mas esta
referência é meramente material, ou seja, atender-se-á apenas ao Direito material de L4.

Por sua vez, na dupla devolução, o tribunal do foro deve decidir a questão
transnacional tal como ela seria julgada pelo tribunal do país da ordem jurídica designada.
Em princípio a dupla devolução assegura que o tribunal de L1 aplique a mesma lei e
dará a mesma solução ao caso que o tribunal de L2, garantindo a harmonia entre ambos.

T – 14 de outubro de 2019

O REENVIO NA ORDEM JURÍDICA PORTUGUESA

1. A REGRA GERAL DA REFERÊNCIA MATERIAL

O art. 16º CC estabelece que a “referência das normas de conflito a qualquer lei
estrangeira determina apenas, na falta de preceito em contrário, a aplicação do direito interno
dessa lei”.
Deste preceito resulta que a referência material é entendida como regra geral. Mas
não resulta a adoção da tese da referência material, visto que se admite “preceito em contrário”,
i.e., que se aceite a devolução nos casos em que a lei o determine. Isto verifica-se nos arts. 17º,
18º e 19º CC.

Para que a ordem jurídica portuguesa admita uma situação de reenvio é necessário que
se verifiquem os seguintes pressupostos:

 Existência de reenvio ou devolução;


 Harmonia jurídica internacional extensiva à totalidade dos Estados interessados;
 Reenvio ou devolução é o meio necessário para alcançar a harmonia.

2. TRANSMISSÃO DE COMPETÊNCIA

O art. 17º CC permite sob certas condições a transmissão de competência.

De acordo com a literalidade do nº1, “Se, porém, o direito internacional privado da lei
referida pela norma de conflitos portuguesa remeter para outra legislação e esta se considerar
competente para regular o caso, é o direito interno desta legislação que deve ser aplicado”.
Os pressupostos da transmissão de competência são, portanto, dois:

32
 Que o Direito estrangeiro designado pela norma de conflitos portuguesa aplique
outra ordem jurídica estrangeira;
 Que esta ordem jurídica estrangeira aceite a competência.

Ainda que a letra da lei faça alusão a uma transmissão de competência direta, a
verdade é que deve realizar-se uma interpretação extensiva desta norma no sentido de se
admitir a transmissão de competência em cadeia, em que, por exemplo, L2 remeta para L4 e L4
se considere competente. Esta hipótese é abrangida pela sua ratio.
É ainda de admitir que esta transmissão de competência seja por retorno.

Posto isto, o art. 17º, nº2 CC determina o seguinte: “Cessa o disposto no número
anterior, se a lei referida pela norma de conflitos portuguesa for a lei pessoal e o interessado
residir habitualmente em território português ou em país cujas normas de conflito
considerem competente o Direito interno do Estado da sua nacionalidade”.
Este preceito aplica-se em matéria de estatuto pessoal em prol do cumprimento do
princípio da maior ligação individual. Assim, em suma, o estabelecido no art. 17º, nº1 CC
cessa quando:

 L2 é a lei da nacionalidade; E
 L1 é a lex domicilli; OU
 O interessado residir habitualmente em país cujas normas de conflito
considerem competente o Direito interno do Estado da sua nacionalidade.

O art. 17º, nº3 CC determina que “Ficam, todavia, unicamente sujeitos à regra do nº1
dos casos de tutela e curatela, relações patrimoniais entre os cônjuges, poder paternal,
relações entre adotante e adotado e sucessão por morte, se a lei nacional indicada pela norma
de conflitos devolver para a lei da situação dos bens imóveis e esta se considerar competente”.
São quatro os pressupostos de aplicação deste preceito:

 Que se trate de uma das matérias nele indicadas;


 Que a lei da nacionalidade aplique a lex rei sitae;
 Que a lex rei sitei se considere competente;
 Que se verifique um dos casos de cessação de transmissão de competência
previstos no nº2.

33
Em conflito encontra-se o princípio da maior proximidade, que prevalece sobre o
princípio da maior ligação individual. A justificação do legislador passa pelo exequator das
decisões dos tribunais.

3. RETORNO

O art. 18º CC vem admitir, sob certas condições, o retorno de competência.

O art. 18º, nº1 CC estabelece que se “o Direito Internacional Privado da lei designada
pela norma de conflitos devolver para o Direito interno português, é este o direito aplicável”.
Considerando a ratio legis deste preceito, por via de uma interpretação extensiva deve
ser admitido o retorno indireto.

O retorno é também limitado em matéria de estatuto pessoal.


Com efeito, o art. 18º, nº2 CC estabelece o seguinte: “Quando, porém, se tratar de
matéria compreendida no estatuto pessoal, a lei portuguesa só é aplicável se o interessado tiver
em território português a sua residência habitual ou se a lei do país desta residência considerar
igualmente competente o Direito interno português”.
Em matéria de estatuto pessoal, o retorno só é admissível em duas hipóteses:

 Quando o interessado tenha residência habitual em Portugal – L1 é a lex


domicilli; OU
 Quando o interessado tem residência habitual num Estado que aplica o
Direito material português.

4. O FAVOR NEGOTII COMO LIMITE À DEVOLUÇÃO

É o seguinte o teor do art. 19º, nº1 CC: “Cessa o disposto nos dois artigos anteriores,
quando da aplicação deles resulte a invalidade ou a ineficácia de um negócio jurídico que seria
válido ou eficaz segundo a regra fixada no art. 16º [a da referência material], ou a
ilegitimidade de um estado que de outro modo seria legítimo.”
Neste preceito, o favor negotii paralisa a devolução.

5. CASOS EM QUE NÃO É ADMITIDA A DEVOLUÇÃO

À face do Direito de Conflitos de fonte interna, a devolução não é admitida quando a


remissão é feita pelo elemento de conexão designação pelos interessados. O art. 19º, nº2 CC

34
determina que “Cessa igualmente o disposto nos mesmos artigos, se a lei estrangeira tiver sido
designada pelos interessados, nos casos em que a designação é permitida”.
Este preceito não vigora se se concluir que as partes fizeram uma referência global à lei
por elas designada.
No Regulamento Roma I, esta situação excecionada é impossível, pois este não admite
o reenvio, impossibilitando as partes de fazerem uma referência global para a conexão que
elegem por via da autonomia da vontade.

P – 16 de outubro de 2019 (13h)

Caso Prático 4

Discute-se nos tribunais portugueses a aquisição originária de um imóvel situado em


Espanha por um cidadão norte-americano, Pablo, através de uma figura jurídica similar ao
usucapião.
O imóvel pertencia anteriormente a Frank, alemão, cujo pai havia celebrado um
contrato de comodato com Bento, português, mas que, tendo falecido imediatamente após o
negócio, nunca ocupou o imóvel.
O ordenamento jurídico espanhol, em matéria de aquisição originária, considera
competente a lei do lugar da nacionalidade do último titular do direito real adquirido por
transmissão derivada da propriedade e pratica devolução dupla.
O ordenamento jurídico alemão, que faz devolução simples, considera competente a lei
da nacionalidade do titular do direito real em aquisição originária da propriedade.
O ordenamento jurídico norte-americano considera competente a lei da nacionalidade
do adquirente e faz dupla devolução, sendo que ema matéria inter local não apresenta
qualquer solução para conflitos em que se discuta a aquisição originária de direitos.
Pablo, que agora reside em Paris, quer ver registada a propriedade a seu favor, sendo
que o ordenamento jurídico francês se considera competente para a resolução da relação
controvertida e é anti-devolucionista.

Quid iuris?

Atendendo à situação concreta enunciada, estamos perante uma relação jurídica


internacional de natureza privada, cuja matéria se relaciona com direitos reais.
Com a relação material controvertida encontram-se em contacto os seguintes
ordenamentos jurídicos: espanhol (lugar da situação do imóvel), norte-americano (nacionalidade

35
de Pablo), francês (residência habitual de Frank), alemão (nacionalidade do último adquirente,
Frank) e português (nacionalidade do último titular do direito pessoal de gozo, Bento).
Tem-se como p,onto de partida que Portugal é a lex fori, isto é, é-lhe reconhecida a
competência internacional para dirimir a relação jurídica material.

Observando o disposto no art. 46º CC, o legislador português estabeleceu como conexão
mais próxima o lugar onde a coisa se encontra situada, remetendo para o ordenamento jurídico
espanhol.

O ordenamento jurídico espanhol considera competente a lei do lugar da nacionalidade


do último titular do direito real adquirido por transmissão derivada da propriedade, ou seja,
remete a competência para o ordenamento jurídico alemão.
O ordenamento jurídico alemão considera competente a lei da nacionalidade do titular
do direito real em aquisição originária da propriedade, i.e., Pablo, de nacionalidade norte-
americana.
O ordenamento jurídico norte-americano considera competente a lei da nacionalidade
do adquirente, ou seja, acaba por se considerar competente.

Verificados que estão os pressupostos do reenvio, importa aferir se existe harmonia


jurídica internacional entre os vários ordenamentos jurídicos em contacto com a relação
material a ser discutida.

L1(Portugal) L2 (espanhol, DD – RG) L3(alemão, DS – RG) L4(norte-americano)

L2 L4 L4 L4

Atendendo ao sistema de devolução dos vários ordenamentos jurídicos conectados com


a relação jurídica material, conclui-se que se chega a harmonia jurídica internacional e, além
disso, o reenvio consubstancia um meio necessário para que aquela seja atingida.

Estando diante de uma situação de reenvio mediante transmissão de competência, urge


atender ao disposto no art. 17º CC, cujos requisitos, a serem preenchidos, farão com que
Portugal abdique da tese da referência material.

Da letra do art. 17º, nº1 CC tem-s

36
e o seguinte: “se, porém, o direito internacional privado da lei referida pela norma de
conflitos portuguesa remeter para outra legislação e esta se considerar competente para regular o
caso, é o direito interno desta legislação que deve ser aplicado”, de onde resulta uma
transmissão de competência direta.
Sucede, todavia, que deve ser realizada uma interpretação extensiva desta norma tendo
em consideração a teleologia e os fins do Direito Internacional Privado e, portanto, admitir-se-á
a transmissão de competências em cadeia, tal qual resulta do caso concreto enunciado.

Assim, neste momento da resolução da situação prática, deve entender-se que o


ordenamento jurídico português aplicará o ordenamento jurídico norte-americano.

A problemática circunscreve-se ao facto de o ordenamento jurídico norte-americano


caracterizar-se como um ordenamento jurídico complexo ou plurilegislativo, com direito
interlocal.

O primeiro entrave inerente aos nºs 1 e 2 do art. 20º CC reconduz-se à circunstância de


fazerem referência ao elemento de conexão nacionalidade. No caso concreto, o Direito do foro
(ordenamento jurídico português) elege como conexão mais próxima a lex rei sitae e, portanto,
conclui-se que deve proceder-se a uma interpretação analógica destas disposições.

Posto isto, em primeiro lugar recorre-se ao ordenamento jurídico do Estado federal, o


qual, no caso concreto, é inconclusivo, já que o ordenamento jurídico norte-americano
reconhece a sua própria competência.
Recorrendo ao direito interlocal dos EUA, este não apresenta qualquer solução para
resolver a questão da aquisição originária. Assim, o art. 20º, nº2, in fine CC consagra que se
considera “como lei pessoal do interessado a lei da sua residência habitual”.
A lei da residência habitual consubstancia-se no ordenamento jurídico francês, o qual se
considera competente.
Assim, vislumbra-se um conflito positivo entre os ordenamentos jurídicos norte-
americano e francês. Tendo em consideração que a residência habitual do interessado não se
encontra no seio do ordenamento jurídico plurilocalizado de base interlocal, deve aplicar-se,
analogicamente, o disposto no art. 28º da Lei nº 37/81, de 03-10 (Lei da nacionalidade), de
acordo com o qual deve aplicar-se a lei do Estado onde o interessado mantenha uma vinculação
mais estreita.

T – 16 de outubro de 2019

37
A FRAUDE À LEI (pp. 561 e ss.)

1. CARACTERIZAÇÃO DA FIGURA

Historicamente, foi o caso Bibesco, julgado por tribunais franceses no século XIX, que
chamou a atenção para a fraude à lei em Direito Internacional Privado.
A princesa Bauffremont era uma súbdita francesa. A lei francesa não admitia, à época
(antes de 1884), o divórcio, mas apenas a separação. A princesa obteve a separação e, em
seguida, naturalizou-se num Estado alemão, o ducado do Saxe-Altemburgo. Valendo-se da sua
nova lei nacional, que assimilava a separação ao divórcio, a princesa casou em Berlim com o
príncipe romeno Bibesco. Os tribunais franceses consideraram nulo o divórcio bem como o
segundo casamento.

A fraude à lei é reconhecida como um instituto jurídico de alcance geral em alguns


sistemas – como o francês. Não é o caso dos sistemas do Common Law nem do Direito alemão.
No Direito português, a temática é controversa.
O problema da fraude à lei em Direito privado surge sobretudo no domínio dos
negócios jurídicos, quando os sujeitos procuram tornear uma proibição legal mediante a
utilização de um tipo negocial não proibido.
Neste conspecto, deve atender-se ao art. 41º CC:

 O nº1 refere que as “obrigações provenientes de negócio jurídico, assim como a


própria substância dele, são reguladas pela lei que os respetivos sujeitos tiverem
designado ou houverem tido em vista”.
Assim, consagra-se nesta norma uma decorrência do princípio da liberdade
contratual, i.e., o princípio da autonomia da vontade;
 Sucede, todavia, que o nº2 do art. 41º CC estabelece condicionantes a essa
autonomia, referindo que a “designação ou referência das partes só pode,
todavia, recair sobre lei cuja aplicabilidade corresponda a um interesse sério –
caso da lex mercatori – dos declarantes ou esteja em conexão com algum dos
elementos do negócio jurídico atendíveis no domínio do direito internacional
privado”.
Deste modo, urge o princípio da não transitividade – problema que não consta
do Regulamento Roma I.

2. TIPOLOGIA DA FRAUDE À LEI

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Quanto à tipologia da fraude à lei em Direito de Conflitos, podemos distinguir a
manipulação do elemento de conexão e a internacionalização fictícia de uma situação
interna.
No primeiro caso, para afastar a lei normalmente competente, o agente da fraude vai
modelar o conteúdo concreto do elemento de conexão – v.g., quando a lei de Malta não admitia
o divórcio, dois malteses, que residiam em Portugal e que queriam divorciar-se, naturalizaram-
se portugueses, embora não se integrem na nossa sociedade.
No segundo caso, para afastar o Direito material vigente na ordem jurídica interna, que
é o exclusivamente aplicável a uma situação interna, estabelece-se uma conexão com um Estado
estrangeiro, por forma a desencadear a aplicação do Direito estrangeiro – v.g., dois portugueses,
residentes em Portugal, para fugirem aos limites fixados pela lei portuguesa à taxa de juros do
mútuo, vão celebrar um contrato interno a Barcelona e escolhem a lei espanhola para reger o
contrato.
3. ELEMENTOS DE FRAUDE À LEI

Os elementos de fraude são dois: um elemento objetivo e um elemento subjetivo.

O elemento objetivo consiste na manipulação com êxito do elemento de conexão ou na


internacionalização fictícia de uma situação interna.
Para que a fraude seja acompanhada de êxito, é necessário que se verifiquem três
requisitos:

 Haja uma manobra fraudatória;


 Haja uma norma de instrumentos, i.e., a norma de conflitos; e
 Haja uma norma defraudada, i.e., a norma material afetada.

Por sua vez, o elemento subjetivo, ou volitivo, consiste na vontade de afastar a


aplicação de uma norma imperativa que seria normalmente aplicável. Assim, conclui-se pela
necessidade de haver dolo, não existindo fraude negligente.

4. A SANÇÃO DA FRAUDE

O instituto da fraude à lei encontra-se preceituado no art. 21º CC, o qual dispõe que na
“aplicação das normas de conflitos são irrelevantes as situações de facto ou de direito criadas
com o intuito fraudulento de evitar a aplicabilidade da lei que, noutras circunstâncias, seria
competente”.

39
Do texto do art. 21º CC decorre efetivamente que a fraude à lei no Direito de Conflitos
se confina àquilo que respeite à “aplicação da norma de conflitos”. Sendo irrelevante a
manipulação do elemento de conexão ou a internacionalização fictícia com intuito fraudulento,
a sanção da fraude consiste em aplicar a lei normalmente competente.

Outro ponto controverso tem sido o da sanção da fraude à lei estrangeira. De acordo
com uma orientação outrora dominante na Alemanha e em França, só deveria ser sancionada a
fraude à lei do foro. Atualmente é genericamente entendido que a fraude à lei estrangeira é
também alvo de sanção.

Outra questão é a de saber se no tratamento da fraude à lei estrangeira se deve ter em


conta a posição da lei defrauda. Esta questão divide a doutrina portuguesa.

Para os Profs. Ferrer Correia e Batista Machado, é indiferente que a sanção se verifique
na lei do foro ou numa qualquer lei estrangeira.
Já para a Prof. Isabel de Magalhães Collaço enquanto a fraude à lei do foro é sempre
sancionada, a fraude à lei estrangeira é sancionada em apenas dois casos:

 Se a lei estrangeira defraudada também sanciona a fraude;


 Se embora a lei estrangeira defraudada não sanciona a fraude, mas está em
causa, na perspetiva do Direito Internacional Privado do foro, um princípio do
mínimo ético nas relações internacionais, que não se conforma com o
desrespeito da proibição contida na lei normalmente competente.

LIMITES À APLICAÇÃO DO DIREITO MATERIAL ESTRANGEIRO

A ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL – ART. 22º CC

Estamos diante de uma situação em que o Direito Internacional Privado quer saber qual
a solução material dada ao caso concreto, o que revela a circunstância de até aqui termos vindo
a caracterizar as normas de conflito como normas tendencialmente formais.
Nestes casos, a solução material contende com a exceção à ordem pública do Estado do
foro, a qual, interpretada em sentido amplo, consubstancia todos os princípios ético-valorativos
essenciais ao Estado do foro.

P – 16 de outubro de 2019 (18h)

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Caso Prático 5

Sally, turco, residia na Grécia com a sua mulher, onde faleceu, tendo deixado em
testamento, outorgado naquele país, todos os seus bens à respetiva cônjuge.
Discute-se nos tribunais portugueses a validade deste testamento, uma vez que as irmãs
de Sally, turcas e residentes em Istambul, consideram que o direito material que deve regular a
matéria sucessória é a Lei da Sharia que, em matéria sucessória, considera que é indisponível
a quota correspondente a ⅔ da herança quando o de cujus, ainda que casado, deixe sobrevivos
colaterais.
A Lei da Sharia pode aplicar-se, em matéria sucessória ou matrimonial, a todos os
muçulmanos que residam na Grécia, o que está especialmente previsto no ordenamento
jurídico do Estado helénico.
O ordenamento jurídico turco, em matéria sucessória e quanto à validade substancial
do testamento, considera competente a lei o lugar onde foi outorgado o aludido testamento,
praticando devolução simples.
O ordenamento jurídico grego considera competente quanto à mesma matéria a lei da
residência habitual do de cujus ao tempo do falecimento, sendo anti-devolucionista.
O ordenamento jurídico grego aplica a Lei da Sharia, às pessoas nas condições
referidas, desde que as mesmas tenham previsto no respetivo testamento a aplicabilidade desta
lei religiosa islâmica.
A Lei da Sharia prevê, de facto, que as irmãs sejam herdeiras necessárias, mas
unicamente considerando as situações em que o falecido é o cônjuge marido, não prevendo a
mesma solução no caso de falecimento do cônjuge mulher.

Admitindo que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes, qual o


ordenamento jurídico aplicável para a resolução da relação material controvertida?

Atendendo à situação concreta enunciada, estamos perante uma relação jurídica


absolutamente (o ordenamento jurídico português não está em contacto com qualquer elemento
da relação jurídica e, em prol do princípio da não transitividade, não teremos pretensão em
regulá-la) internacional (disseminada) de natureza privada, cuja matéria é eminentemente
pessoal, reconduzindo-se a uma questão sucessória.
Com a relação material controvertida encontram-se em contacto os seguintes
ordenamentos jurídicos: o turco (nacionalidade do de cujus, das herdeiras irmãs, residência
habitual destas) e o grego (residência habitual do casal, incluindo a última residência do de
cujus, bem como o lugar da outorga do testamento). Na Grécia tem-se a identificação de um

41
ordenamento jurídico complexo de caráter interpessoal, pois aplica direito material distinto para
um grupo discriminado de pessoas (a tal Lei da Sharia).
Tem-se como ponto de partida que Portugal é a lex fori, isto é, é-lhe reconhecida a
competência internacional para dirimir a relação jurídica material.

Observando o disposto no art. 63º CC, esta norma determina que é competente a lei
pessoal do autor ao tempo da declaração, tendo, portanto, o legislador escolhido como conexão
a nacionalidade do de cujus (art. 25º CC). Por isso, considera competente o ordenamento
jurídico turco.
Por sua vez, o ordenamento jurídico turco (L2) considera competente a lei do lugar onde
o testamento foi outorgado, i.e., o ordenamento jurídico grego (L3).
Deste modo, já se verifica que se encontram preenchidos os pressupostos para que haja
reenvio, ou seja, a norma de conflitos portuguesa remete para uma lei estrangeira e, além disso,
esta não se considera competente.
O ordenamento jurídico turco considera competente a lei do lugar onde o testamento foi
outorgado, ou seja, considera competente o ordenamento jurídico grego.

Cumprido o primeiro pressuposto para que o ordenamento jurídico português possa


abdicar a sua posição anti-devolucionista constante do art. 16º CC. Assim, urge agora aferir se
os ordenamentos jurídicos em conexão com a relação controvertida atingem uma harmonização
jurídica internacional quanto à solução a aplicar à relação concreta:

 O ordenamento jurídico turco (L2) considera competente o ordenamento


jurídico grego (L3), praticando devolução simples, ou seja, faz uma referência
global ao ordenamento jurídico grego, mas uma eventual remissão que este faça
para outra lei, essa remissão deve ser entendida como uma referência material;
 Por seu turno, o ordenamento jurídico grego (L3) considera-se competente.

Conclui-se, desta maneira, que tanto o ordenamento jurídico turco, como o ordenamento
jurídico grego admitem a competência deste último.
Assim, além de haver harmonia jurídica internacional, esta só é alcançado por via do
reenvio, i.e., este traduz-se como um meio necessário para atingi-la.

L1(Portugal) L2(turco – DS) L3

L2 L3

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Assim, estão cumpridos todos os pressupostos para que Portugal possa, eventualmente,
adotar uma posição devolucionista.
Tratando-se de matéria de estatuto pessoal, recorrer-se-á ao plasmado no art. 17º CC.
O nº1 do referido normativo preceitua que: “Se, porém, o direito internacional privado
da lei referida pela norma de conflitos portuguesa remeter para outra legislação e esta se
considerar competente para regular o caso, é o direito interno desta legislação que deve ser
aplicado”. É o que literalmente acontece no caso enunciado, dado que o ordenamento jurídico
turco, depois de designado pela norma de conflitos portuguesa, remete para o ordenamento
jurídico grego, que se considera competente.
Vislumbra-se, portanto, uma transmissão de competência direta.

Incumbe agora aferir se o nº2 do art. 17º CC exceciona o nº1 da mesma norma. A
resposta deve encaminhar-se no sentido negativo, pois pese embora a lei turca ser a lei da
nacionalidade do interessado, este não reside habitualmente em Portugal nem num país que
considere competente o direito interno da lei da sua nacionalidade (para que assim fosse, o
ordenamento jurídico grego deveria considerar competente a ordem jurídica turca).
Estamos em condições de admitir que, funcionando o art. 17º, nº1 CC, Portugal admite
uma posição devolucionista.

Porém, sucede que o ordenamento jurídico competente para regular materialmente a


relação controvertida em questão configura um ordenamento jurídico plurilocalizado (ou
complexo) de base interpessoal. Isto porque além do Direito Interno grego, o ordenamento
jurídico helénico admite um direito material especial – a Lei da Sharia –, aplicado a uma certa
categoria de pessoas.

Cabe então recorrer ao disposto no art. 20º, nº3 CC, norma que só trata de estatuto
pessoal quando o ordenamento jurídico português, enquanto lex fori, eleger como conexão mais
adequada a nacionalidade.
Neste conspecto, tendo em conta que se remete para o Estado da residência habitual do
interessado, o art. 20º, nº3 CC é suscetível de ser aplicado, mas com recurso a uma interpretação
analógica.

Em primeiro lugar, deve atender-se ao sistema do Estado soberano de modo a apurar a


forma de resolver a questão. O ordenamento jurídico grego, conforme emerge da situação
enunciada, aplica a Lei da Sharia a muçulmanos que residam habitualmente na Trácia
Ocidental, desde que o interessado tenha disposto no próprio testamento que era a sua pretensão
que a referida lei o regesse.

43
Perante o caso concreto, sabemos que Sally é turco e, ainda que possamos admitir que é
também muçulmano (já que nem todos os turcos o serão), é certo que residia habitualmente no
território grego (convinha que fosse na tal região da Trácia Ocidental), mas nada é referido em
relação à sua pretensão em que fosse a Lei da Sharia a regular o seu testamento.
Assim, aplicar-se-á o ordenamento jurídico grego de acordo com as informações que
decorrerem do seu direito interpessoal.

NOTA: Ainda que tenhamos uma solução perfeitamente válida no que ao seu conteúdo
diz respeito, a verdade é que a Lei da Sharia, a ser aplicada pelo ordenamento jurídico
português, além de violar um preceito constitucional – art. 36º, nº3 CRP –, contende com um
princípio informador da exceção da ordem pública internacional do Estado português, na
medida em que discrimina o testamento outorgado pelo cônjuge mulher.

Quando assim for, o art. 22º, nº1 CC impede a aplicação da lei estrangeira que “envolva
ofensa dos princípios fundamentais da ordem pública internacional do Estado português”,
acrescentando o nº2 do presente artigo que o legislador deve procurar aplicar “as normas mais
apropriadas da legislação estrangeira” (a existirem, claro), sob pena de a solução passar pela
aplicação do direito material português.

P – 17 de outubro de 2019

Caso Prático 6

C e D, naturais do Estado do Ohio (EUA), residem em Paris e, numa deslocação a


Portugal, casaram.
O pai de C opõe-se ao casamento e nos tribunais portugueses alega que a filha tem 15
anos.
Considere que o casamento é válido nos EUA, aplicando neste caso o direito material
do Estado da naturalidade.
Em França a solução é idêntica à portuguesa, considerando que C não tem capacidade
nupcial.
O ordenamento jurídico norte-americano é anti-devolucionista e considera competente
a lei do lugar da celebração do casamento.
O ordenamento jurídico francês elege a mesma conexão do ordenamento jurídico
norte-americano e pratica devolução simples.

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Considerando que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes, diga
qual é a solução material aplicável no caso concreto.

Atendendo à situação prática enunciada, estamos diante de uma relação jurídica:

 internacional: os seus elementos encontram-se dispersos por mais de um


ordenamento jurídico;
 privada: trata de matéria eminentemente pessoal, relativa a relações
matrimoniais.

A relação jurídica é relativamente internacional, na medida em que um dos sus


elementos está em contacto com o ordenamento jurídico português – o seu facto, dado que C e
D contraíram matrimónio em Portugal.
Além de o ordenamento jurídico português estar em contacto com a relação concreta
controvertida, importa frisar que esta se conexiona com mais ordenamentos jurídicos, a saber:

 Norte-americano: naturalidade dos nubentes;


 Francês: residência habitual dos nubentes.

Tem-se como ponto de partida que Portugal é a lex fori, isto é, é-lhe reconhecida a
competência internacional para dirimir a relação jurídica material.

Observando o disposto no art. 49º CC, esta norma determina que é competente a lei
pessoal de cada nubente, tendo, portanto, o legislador escolhido como conexão a nacionalidade
de cada um. Assim, atendendo a que o interessado – C, neste caso – é norte-americana, conclui-
se que a norma de conflitos portuguesa faz remissão para o ordenamento jurídico norte-
americano (L2).
Por sua vez, o ordenamento jurídico norte-americano estabelece como conexão mais
estreita o lugar da prática do facto, pelo que remete para o ordenamento jurídico português (L1),
dado que C e D casaram em Portugal.
Por sua vez, o ordenamento jurídico norte-americano (L2) considera competente a lei do
lugar da celebração do casamento, i.e., remete para o ordenamento jurídico português (L1).

Neste momento, temos o seguinte:

L1(Portugal) L2(EUA)

45
L2

Tendo a norma de conflitos portuguesa remetido para uma lei estrangeira e tendo esta
considerado a sua incompetência, remetendo para outra legislação, conclui-se pela verificação
dos pressupostos do sistema de reenvio.

Estando cumprido o primeiro pressuposto para que Portugal possa, eventualmente,


prescindir da sua posição anti-devolucionista (art. 16º CC), importa aferir pelo preenchimento
dos outros dois.
Nestes termos, urge referir que o ordenamento jurídico norte-americano é anti-
devolucionista, pelo que fará uma referência material para o ordenamento jurídico que remeter.
Desta forma, remeter para uma solução do direito interno português, mediante um retorno de
competências direto.
Desta forma, se Portugal não abdicar do seu caráter anti-devolucionista, fomenta-se a
desarmonia de soluções jurídicas internacionais, na medida em que os ordenamentos em
contacto com a situação conflitual – apurar a capacidade nupcial de C – apontam para soluções
materiais distintas. Conclui-se, desse modo, que para que haja harmonia jurídica internacional é
necessário o reenvio e, por consequência, preenchem-se os dois outros pressupostos para que o
ordenamento jurídico português possa adotar uma posição de índole devolucionista.

Conforme referido anteriormente, estamos perante um sistema de reenvio por retorno


direto de competência, circunstância que aponta no sentido do preceituado no art. 18º CC.
Dispõe o nº1 da referida norma que, se a norma de conflitos portuguesa remeter para
uma lei estrangeira – no caso concreto, a lei dos EUA – e se o seu Direito Internacional Privado
devolver a competência para o Direito Interno Português – o que sucede, dado que o
ordenamento jurídico norte-americano realiza uma referência material –, é este o competente.
Assim, estão cumulados os requisitos do nº1 do art. 18º CC e, portanto, a menos que se
verifiquem os requisitos plasmados no art. 18º, nº2 CC, Portugal adotará uma posição
devolucinista.
Nos termos da norma aludida, incumbe frisar que embora estejamos perante uma
questão matéria pessoal, C não reside habitualmente em território português nem em território
cuja lei considere competente o território português, uma vez que o ordenamento jurídico
francês – C reside em Paris – ainda que eleja como conexão mais próxima a lei do lugar da
prática do facto – Portugal –, pratica devolução simples, ou seja, ao realizar uma referência
global, nunca considerará competente o direito substantivo português.
Estamos perante um esquema de lei satélite.

46
Concluindo, como não se verificam os requisitos impostos pelo art. 18º, nº2 CC, o nº1
do mesmo preceito não é aplicável e, portanto, o ordenamento jurídico português não abdica da
sua posição anti-devolucionista (art. 16º CC), efetuando uma referência material para o
ordenamento jurídico norte-americano.

Sucede, todavia, que o ordenamento jurídico norte-americano configura um


ordenamento jurídico plurilocalizado ou complexo de base interlocal, o que leva a que se atente
ao disposto nos nºs 1 e 2 do art. 20º CC.
O referido normativo trata de matéria inerente ao estatuto pessoal, tendo por base a
conexão da nacionalidade. Atentando ao caso concreto, estão presentes os dois requisitos desta
norma e, por isso, aplicar-se-á diretamente o que dela emergir.

Quando tal se verificar, remete-se primeiramente para o ordenamento jurídico do Estado


soberano – Estados Unidos da América – de modo a aferir se há qualquer conflito entre o direito
material do Estado soberano e o direito interlocal, i.e., o direito material do estado federado.
De acordo com o enunciado, os EUA referem que, no caso concreto, aplicam o direito
material do estado da naturalidade, ou seja, remetem a questão para o estado de Ohio,
concluindo-se pela validade do casamento.

OT – 17 de outubro de 2019

Caso Prático 7

A e B, belga e suíço, residentes no Canadá, venderam ao neto C, francês, residente em


Paris, por documento particular autenticado em Portugal, um imóvel situado em Vieira do
Minho.
Os restantes descendentes não deram autorização e a outra neta, D, francesa, mas
residente em Moscovo requer nos tribunais portugueses a anulabilidade do negócio, nos termos
do art. 877º CC.
O ordenamento jurídico russo, belga e suíço consideram que no âmbito das relações
entre avós e netos, o negócio jurídico é anulável, mas consideram que o assunto é relativo à
insusceptibilidade de o objeto o ser.
O ordenamento jurídico francês e canadiano tem uma solução material idêntica à
nossa.
O ordenamento jurídico canadiano considera competente a nacionalidade do
adquirente e pratica dupla devolução.

47
O ordenamento jurídico russo considera competente a nacionalidade do adquirente e é
anti-devolucionista.
O ordenamento jurídico francês considera competente a lei da residência habitual da
impugnante do negócio e pratica devolução simples.
O ordenamento jurídico belga e suíço consideram competente a nacionalidade dos
alienantes e são anti-devolucionistas.

Considere que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes, qual o


direito material a aplicar no caso sub judice?
Atendendo ao caso concreto suscitado, estamos perante uma relação jurídica
relativamente internacional – os seus elementos encontram-se dispersos por mais de um
ordenamento jurídico, sendo o deles o português –, de natureza privada.
Com a relação material em causa estão em contacto os seguintes ordenamentos
jurídicos:

 Belga: nacionalidade de A;
 Suíço: nacionalidade de B;
 Canadiano: residência habitual de A e de B;
 Francês: nacionalidade de C e de D, bem como a residência habitual de C;
 Português: lugar da celebração do contrato de compra e venda;
 Russo: residência habitual de D.

Tem-se como ponto de partida que Portugal é a lex fori, isto é, é-lhe reconhecida a
competência internacional para dirimir a relação jurídica material.

No caso concreto estamos perante uma matéria múltipla, visto que há matéria real –
transmissão e retransmissão de um direito de propriedade –, obrigacional – eventual
anulabilidade do negócio jurídico – e pessoal – ligação entre ascendentes e descendentes na
linha reta.
Significa isto que temos várias normas de conflito a ser chamadas por cada uma destas
matérias.

No que tange à matéria de direitos reais, vigora o disposto no art. 46º CC, de acordo
com o qual se estabelece como conexão mais próxima a lex rei sitae, ou seja, o ordenamento
jurídico português considera-se competente, visto que o imóvel em causa encontra-se situado
em Vieira do Minho.

48
Para a matéria obrigacional, o art. 41º CC considera competente a “lei que os respetivos
sujeitos tiverem designado ou houverem tido em vista”. Como tal não sucede na situação
prática, deve atender-se ao regime supletivo do art. 42º, nº1, in fine CC, o qual determina que
aos contratos se aplica a “lei da residência habitual comum das partes”. Sabendo que as partes
não têm residência habitual comum – A e B residem no Canadá e C reside em França –, o nº2
do art. 42º CC admite como conexão o lugar da celebração do contrato. Assim, tendo o
documento particular autenticado sido celebrado em Portugal, mais uma vez o ordenamento
jurídico português considera-se competente.
É na matéria pessoal que se encontra o âmago da situação prática enunciada.
É o art. 57º CC aplicado à matéria pessoal, mas aqui suscita-se o problema do conceito-
quadro da referida norma, o qual faz alusão a relações entre pais e filhos, sendo que no caso
concreto temos uma relação entre avós e netos.
O conceito-quadro é elástico, havendo várias teorias para a sua interpretação.
Comumente aceite é a teoria defendida pelo Prof. Ferrer Correia, segundo o qual se deve aplicar
ao conceito-quadro as regras dos exemplos padrão (direito penal), pelo que a letra da lei é
meramente exemplificativa.
Quando se faz referência para um ordenamento jurídico estrangeiro, o conceito-quadro
permite apenas que aquela forneça as normas que se circunscrevam ao problema concreto, as
quais devem coincidir com o fim que o legislador do Direito Internacional Privado previu no
conceito-quadro da norma de conflitos.

A conexão constante do art. 46º CC remete para o lugar da situação do imóvel de modo
a tratar de matéria predominantemente real, relativa a problemas de posse, propriedade e demais
direitos reais. Ao observar o disposto no art. 877º CC, conclui-se que a finalidade do legislador
interno passou pela proteção da legítima dos descendentes, daí que consagre a anulabilidade dos
negócios que por eles não sejam autorizados.
Compreende-se, desta forma, que os fins previstos pelo legislador do Direito de
Conflitos não coincidem com os do legislador interno e, por conseguinte, não se pode aplicar ao
caso concreto a solução material emergente da conexão do art. 46º CC.
Os fins do legislador nacional não coincidem com os do DIP, não se podendo aplicar a
solução material emergente da conexão do art. 46º CC.

O mesmo é suscetível de ser referido em relação ao art. 42º, nº2 CC, dado que esta
norma de conflitos recai sobre matéria obrigacional, não apresentando igual teleologia que o
legislador interno depositou no art. 877º CC.

Incumbe agora aferir o art. 57º CC.

49
A norma em questão pressupõe que se observe o conceito-quadro de forma elástica,
pois aquela estabelece as relações entre concretas categorias de pessoas, i.e., parentes em linha
reta, designadamente entre pais e filhos. Se estendermos o conceito-quadro até ao elemento
teleológico atribuído pelo legislador do Direito Internacional Privado, conclui-se que este
pensou nas relações entre quaisquer parentes na linha reta, aí se incluindo, consequentemente,
as relações entre avós e netos.
Escolhe-se, desta maneira, o art. 57º CC para regular a situação material controvertida.

Recordando, o art. 57º CC considera competente a lei da nacionalidade comum dos


avós, o que não pode ser aplicado no caso concreto, pois A é belga e B é suíço. Assim, será
competente a lei da sua residência habitual comum, ou seja, o ordenamento jurídico português
faz remissão para o ordenamento jurídico canadiano, lugar onde A e B residem.
Sabendo que o ordenamento jurídico canadiano estipula como conexão mais próxima a
nacionalidade do adquirente do bem – o neto C –, faz remissão para o ordenamento jurídico
francês.

Estão cumulados os pressupostos para que haja reenvio, ou seja, além de a norma de
conflitos remeter para uma lei estrangeira, esta não se considera competente.
Importa, pois, verificar se há harmonia jurídica internacional entre os ordenamentos
jurídicos em conexão com a situação conflitual.

 O ordenamento jurídico canadiano considera competente a lei francesa e realiza


dupla devolução, ou seja, faz uma referência global para o ordenamento jurídico
francês e aplicará aquilo que este considerar aplicável;
 O ordenamento jurídico francês considera competente a lei da residência
habitual do impugnante – a neta D –, pelo que faz remissão para o ordenamento
jurídico russo. Fazendo devolução simples, o ordenamento jurídico francês
realiza uma referência global para a lei russa e, na eventualidade de esta remeter
para outra lei estrangeira, é entendida como uma referência material;
 Por fim, o ordenamento jurídico russo considera competente a nacionalidade do
adquirente – neto C –, remetendo para o ordenamento jurídico francês.

Assim, tendo em consideração que a remissão feita pelo ordenamento jurídico russo
deve ser material, este considera aplicável o direito material francês, o que proporciona que a lei
francesa e a lei canadiana considerem competente a lei francesa.

Neste momento, temos o seguinte esquema:

50
L1(Portugal) L2(Canadá - DD) L3(França – DS) L4(Rússia – AD)

L2 L3 L3

Do esquema apresenta resulta a existência de harmonia jurídica internacional entre os


ordenamentos jurídicos conexionados com a situação conflitual – canadiano, francês e russo –,
sendo o reenvio um meio necessária para atingi-la, dado que a manutenção da posição anti-
devolucionista portuguesa propiciará o fomento de soluções distintas, pois este considera
competente o ordenamento jurídico canadiano.

Conclui-se pelo preenchimento dos pressupostos necessários para que a ordem jurídica
portuguesa possa vir a abdicar da sua posição anti-devolucionista decorrente do art. 16º CC.
Estando diante de um sistema de reenvio de transmissão de competência com retorno,
deve atender-se ao art. 17º CC.
No caso concreto, embora não seja o que a letra da lei refira, deve fazer-se uma
interpretação extensiva cuja ratio passa pelos fins do Direito Internacional Privado e, desse
modo, admitir a transmissão de competência com retorno, aplicando-se o direito material da lei
francesa.
Deve, no entanto, ter-se em atenção o nº2 do art. 17º CC. Esta norma não exceciona a
aplicabilidade do nº1 do mesmo preceito, pois conclui-se, de pronto, que a norma de conflitos
portuguesa não faz referência para a lei da nacionalidade do interessado.
Assim, Portugal aceita sucumbir a sua posição anti-devolucionista e, consequentemente,
aplicando o ordenamento jurídico francês.

Considerando competente o ordenamento jurídico francês, imporá agora aferir se a


solução material compreendida nessa lei coincide com a teleologia atribuída pelo legislador
português.
Do próprio enunciado resulta que o ordenamento jurídico francês apresenta uma solução
material idêntica à do art. 877º CC, pelo que se denota que o legislador francês também visou a
proteção das relações entre parentes na linha reta, de modo a prevenir questões sucessória.

Assim, ultrapassado o crivo da qualificação – matéria ainda não lecionada nas aulas
teóricas –, para resolver a relação jurídica controvertida, os tribunais portugueses aplicarão a
solução material compreendida no ordenamento jurídico francês.

51
Na eventualidade de a solução material francesa não coincidir com aquela preceituada
pelo art. 877º CC, dever-se-ia realizar uma adaptação por interpretação do elemento de conexão
ou do conceito-quadro, uma adaptação ou a criação de uma norma de conflitos ad hoc.

T – 18 de outubro de 2019

LIMITES À APLICAÇÃO DO DIREITO MATERIAL ESTRANGEIRO (pp. 657


e ss.)

1. RESERVA DA ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL

A reserva da ordem pública internacional encontra-se consagrada no art. 22º CC, de


acordo com o qual “não são aplicáveis os preceitos da lei estrangeira indicados pela norma de
conflitos, quando essa aplicação envolva ofensa dos princípios fundamentais da ordem
pública internacional do Estado português” (nº1).
Perante a diversidade das situações em que o resultado a que conduz a aplicação do
Direito estrangeiro ou transnacional ou o reconhecimento de decisão estrangeira pode ser
intolerável perante a conceção de justiça do foro, o legislador formulou uma cláusula geral.
Esta cláusula geral atua quando, perante o conjunto das circunstâncias do caso concreto, esse
resultado seja incompatível com princípios e normas fundamentais da ordem jurídica
portuguesa.

A ordem pública é nacional, na medida em que veicula princípios e normas


fundamentais da ordem jurídica do foro.
Mas não deve confundir-se a ordem jurídica do foro com o Direito de fonte interna. O
caráter nacional da ordem pública internacional presta-se a equívocos.

A ordem pública internacional estrangeira pode ser relevante nos casos em que o Direito
de Conflitos estrangeiro seja aplicado por força do Direito Internacional Privado do foro. É o
que se verifica em sede de devolução.
É usual contrapor-se a ordem pública internacional à ordem pública de Direito material,
referida designadamente nos arts. 277º, nº1, 280º, nº2 e 281º CC.

A cláusula de ordem pública internacional é um limite à aplicação do Direito


estrangeiro ou transnacional ou ao reconhecimento de uma decisão estrangeira.

52
Neste momento, interessa, em primeira linha, a reserva de ordem pública internacional
enquanto limite à aplicação do Direito estrangeiro ou transnacional.
A atuação da reserva de ordem pública internacional pressupõe que o Direito de
Conflitos português chama o Direito estrangeiro ou transnacional a regular a situação. O
problema apenas se coloca depois de resolvidas todas as questões de concretização do elemento
de conexão, de devolução, de fraude à lei e de qualificação. É no fim do processo que se
aprecia a compatibilidade da solução a que conduz o Direito estrangeiro ou transnacional
designado com a ordem pública internacional.

O art. 22º CC acolhe a conceção aposteriorística de ordem pública internacional.


Nem sempre a ordem pública internacional foi assim concebida. Em finais do século
XIX e inícios do século XX autores como Mancini e Pillet defenderam uma conceção
apriorística, segundo a qual certas leis do foro teriam como qualidade inerente serem de ordem
pública. A ordem pública constituiria uma categoria autónoma de conexão, a par do estatuto
pessoal.

Na conceção vigente do Direito português, a reserva de ordem pública internacional só


intervém a posteriori, quando a solução material concreta a que o Direito estrangeiro ou
transnacional conduz é intolerável face a certos princípios e normas da ordem jurídica
portuguesa.
A atuação da reserva da ordem pública internacional requer uma comparação dos
efeitos desencadeados pela lei estrangeira ou pelo Direito Transnacional com os que seriam
ordenados pela lei do foro.
A reserva de ordem pública internacional não fundamenta um juízo de desvalor da lei
estrangeira ou da norma transnacional. Ela atua perante o resulta da aplicação do Direito
estrangeiro ou transnacional.
Não pode dizer-se, em rigor, que uma lei estrangeira viola a ordem pública internacional
portuguesa, por exemplo, uma lei estrangeira que contempla elementos discriminatórios em
função da religião ou da cor de pele – caso da Lei da Sharia. Pode é referir-se que não é aceite a
solução discriminatória a que esta lei conduz no caso concreto, atribuindo menos direitos ou
impondo mais deveres em função da sua religião ou cor de pele.

CONSEQUÊNCIAS DA INTERVENÇÃO DA ORDEM PÚBLICA


INTERNACIONAL

53
As consequências da intervenção da cláusula são o afastamento do resultado a que
conduz a aplicação do Direito estrangeiro ou transnacional ou o não reconhecimento de uma
decisão estrangeira.
Quando a cláusula atua como um limite à aplicação do Direito estrangeiro ou
transnacional vale um princípio do mínimo dano à lei estrangeira ou ao Direito Transnacional.
Se do afastamento da solução contrária à ordem pública internacional não resultar uma
lacuna continua a aplicar-se e o Direito estrangeiro ou transnacional.
Se surgir uma lacuna, deve procurar obter-se a solução nos quadros do Direito
estrangeiro competente ou do Direito Transnacional, mediante o recurso à analogia ou aos
princípios jurídicos. Por exemplo, poderá aplicar-se o regime da sucessão dos filhos legítimos à
sucessão dos filhos ilegítimos que sejam objeto de discriminação.
Só em último caso, subisidiariamente, é que se recorre às regras do Direito material do
foro (art. 22º, nº2 CC) – norma unilateral introvesa.

A ordem pública internacional parece apresentar uma certa ‘variabilidade’ conforme se


trate da constituição de uma situação ou do reconhecimento de efeitos de situações constituídas
no estrangeiro.
A doutrina francesa, seguida por muitos autores portugueses, fala de um “efeito
atenuado da ordem pública internacional” quanto ao reconhecimento de situações
constituídas no estrangeiro.
Por exemplo, enquanto a celebração de um segundo casamento ao abrigo de um Direito
que admite a poligamia violaria a ordem pública internacional, esta cláusula já não se oporia à
pretensão de alimentos deduzida por uma das mulheres quando o casamento poligâmico tenha
sido celebrado no estrangeiro.
Assim, se fosse declarado a segunda mulher não divorciada, por via da nulidade desse
casamento, esta perderia o direito à meação do património comum bem como o direito a uma
eventual pensão de alimentos. Estaríamos a retirar-lhe direitos que já tinha por adquiridos
através de uma relação jurídica constituída no estrangeiro.
Resulta, dessa forma, que a senhora ficaria numa situação mais gravosa do que aquela
que emergiria da ofensa à nossa ordem pública internacional.

Exemplo que se discute no Supremo Tribunal Federal Alemão

Uma refugiada síria, de 14 anos, é casada com um refugiado sírio, de 52 anos, tendo
ambos três filhos, residindo na Alemanha.
Estando diante de um casamento perfeitamente inválido, discute-se o problema da
exceção à ordem pública internacional.

54
Imaginando que é declarado inválido o referido casamento, quebrar-se-iam os vínculos
familiares da criança de 14 anos que além de não apresentar capacidade nupcial, não fala
alemão e não se encontra minimamente enquadrada na sociedade alemã, tendo como única
referência, ainda que má, o marido.
Assim, parece que o não reconhecimento do casamento traria circunstâncias mais
gravosas para a criança do que aquelas que resultariam da ofensa à ordem pública internacional
do Estado alemão.

T – 23 de outubro de 2019

Não houve aula.


36ºP – 24 de outubro de 2019

Não houve aula.

OT – 24 de outubro de 2019

Não houve aula.

T – 25 de outubro de 2019

Não houve aula.

P – 28 de outubro de 2019 (Compensação – 13h)

Caso Prático 8

Discute-se nos tribunais portugueses a validade de um testamento outorgado por


Samila, no Sudão, sendo aquela de nacionalidade iraniana e casada com Jamil, congolês.
Samila deixou em testamento parte dos seus bens a César, irmão de Samila, de
nacionalidade portuguesa.
Samila tinha residência habitual ao momento do seu falecimento no Congo, com o
marido e os filhos de ambos, e César reside habitualmente em Madrid.
Jamil alega que, de acordo com a lei iraniana, o testamento é inválido por falta de
capacidade de disposição das mulheres, a não ser que devidamente autorizadas pelo mardo,
pelo pai ou na falta de qualquer um deles, pelo filho maior se o houver à data.

55
O ordenamento jurídico iraniano, nesta matéria, considera competente a lei do lugar
da prática do facto e pratica devolução simples.
O ordenamento jurídico do Congo considera competente a lei da nacionalidade do
autor da sucessão e é anti-devolucionista.
A lei sudanesa pratica dupla devolução e considera competente a lei da residência
habitual do de cujus.
Considerando que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes e que
o ordenamento jurídico do Sudão e do Congo não limitam a capacidade de testar em razão do
género.

Quid Juris?

Atendendo ao caso concreto suscitado, estamos perante uma relação jurídica


relativamente internacional – os seus elementos encontram-se dispersos por mais de um
ordenamento jurídico, sendo um deles o português –, de natureza privada, relativa a matéria
sucessória.
Com a relação material em causa estão em contacto os seguintes ordenamentos
jurídicos:

 Sudanês: lugar da outorga do testamento;


 Iraniano: nacionalidade de Samila;
 Congolês: nacionalidade de Jamil e residência habitual de Samila;
 Português: nacionalidade de César, irmão de Samila;
 Espanhol: residência habitual de César.

Tem-se como ponto de partida que Portugal é a lex fori, isto é, é-lhe reconhecida a
competência internacional para dirimir a relação jurídica material.

Observando o disposto no art. 63º, nº1 CC, a capacidade para testar é regulada pela lei
pessoal do autor da sucessão ao tempo da declaração. De acordo com o art. 31º, nº1 CC, por lei
pessoal deve entender-se a lei da nacionalidade, pelo que o legislador do Direito de Conflitos
estabeleceu como conexão mais estreita a resolver a situação material controvertida a
nacionalidade.
Assim, o ordenamento jurídico português remete para o ordenamento jurídico iraniano,
dado que Samila é nacional do Irão.

56
Por sua vez, o ordenamento jurídico iraniano considera competente a lei do lugar da
prática do facto, pelo que faz remissão para o ordenamento jurídico sudanês.
Tendo a norma de conflitos portuguesa remetido para uma lei estrangeira (iraniana) e
tendo esta considerado a sua incompetência, remetendo para outra legislação (sudanês), conclui-
se pela verificação dos pressupostos para que haja um sistema de reenvio.

Havendo reenvio, conclui-se pelo preenchimento de um dos pressupostos para que a


ordem jurídica portuguesa abdique da sua posição anti-devolucionista, prevista como posição
regra no art. 16º CC.
Os outros dois pressupostos prendem-se à existência de harmonia jurídica internacional
e à circunstância de o reenvio ser uma condição necessária para tal harmonia.

Neste conspecto importa atender à posição de cada ordenamento jurídico em contacto


com a situação conflitual no que tange à matéria de reenvio.
O ordenamento jurídico iraniano estabelece como conexão mais estreita o lugar da
prática do facto, pelo que faz remissão para o ordenamento jurídico sudanês. Ao praticar
devolução simples, realiza uma referência global à lei sudanesa e admite que, uma eventual
remissão daquela para outra ordem jurídica, seja entendida como uma referência material.
O ordenamento jurídico sudanês estabelece a conexão residência habitual do de cujus, o
que permite concluir que faz remissão para a lei congolesa. Ao praticar dupla devolução, realiza
uma referência global para aquela ordem jurídica, admitindo decidir que a questão transnacional
tal qual o tribunal da ordem jurídica designada a dirimir.
O ordenamento jurídico congolês considera competente a lei da nacionalidade do autor
da sucessão, circunstância que o faz remeter a competência para resolver a situação jurídica
controvertida para o ordenamento jurídico iraniano. Atendendo a que a lei congolesa prescreve
a tese anti-devolucionista, realiza uma referência material para aquela lei.

Neste conspecto, temos o seguinte esquema de reenvio:

L1(português) L2(iraniano – DS) L3(sudanês – DD) L4(congolês - DD)

L2(iraniano) L4(sudanês) L2(iraniano) L2(iraniano)

Atendendo ao esquema de reenvio apresentado, conclui-se, desde logo, que não se


vislumbra uma situação de harmonia jurídica internacional entre os ordenamentos jurídicos em

57
contacto com a situação conflitual, na medida em que os ordenamentos jurídicos sudanês e
congolês consideram competente a lei iraniana e, por seu turno, o ordenamento jurídico iraniano
considera competente a lei sudanesa.
Assim, não havendo harmonia jurídica internacional, é possível afirmar que não se
cumulam os requisitos para que o ordenamento jurídico prescinda da sua posição regra anti-
devolucionista. Deste modo, far-se-á uma referência material ao ordenamento jurídico iraniano,
por força do disposto no art. 16º CC.

Atendendo ao ordenamento jurídico iraniano considera inválido o testamento, na


medida em que Samila não apresenta capacidade para testar, uma vez que não obteve a
necessária autorização de um membro familiar do género masculino.

Coloca-se, portanto, um problema inerente à exceção da ordem pública internacional do


Estado do foro, consagrada no art. 22º CC.
A exceção da ordem pública internacional do Estado do foro consubstancia limites
axiológicos inultrapassáveis para o ordenamento jurídico português, encontrem-se eles no plano
constitucional ou no plano internacional.
No caso concreto suscita-se a necessidade de haver uma autorização de um membro
familiar masculino para que as mulheres possam testar, pelo que existe uma verdadeira
discriminação em função do género.
A questão do género configura um elemento essencial para o ordenamento jurídico
português. A exceção da ordem pública internacional do Estado do foro não implica um juízo de
valor ao ordenamento jurídico iraniano, mas antes um juízo de valor que recai sobre a solução
material dessa lei que contende com aquela exceção.

Desta maneira, importa atender aos limites impostos pelo art. 22º CC, os quais são
apresentados de modo subsidiário.
Nos termos do nº2 do referido preceito, ou conseguimos encontrar uma solução mais
apropriada na lei estrangeira – seja uma solução material alternativa ou seja através de uma
interpretação à solução que permita expurgar a parte em que contende com a exceção à ordem
pública internacional do Estado do foro – e, portanto, continuar-se-á a aplicar uma solução
material do ordenamento jurídico iraniano, ou, por seu turno, se não for possível enveredar por
essa via alternativa, aplicar-se-á o direito material do foro através de uma norma unilateral
introversa – esta é a última ratio.

58
Aquela interpretação a que se fez menção deve ser realizada nos termos do art. 23º CC,
ou seja, deve ser efetuada de acordo com o sistema interpretativo do ordenamento jurídico
estrangeiro, circunstância que limita bastante a nossa capacidade interpretativa.
No caso concreto, não sendo enunciadas as regras interpretativas próprias do
ordenamento jurídico iraniano, ou conseguimos afastar a cláusula que faz depender a
capacidade testamentária das mulheres de uma autorização familiar masculina, ou aplicamos o
direito interno português mediante um sistema conflitual unilateral introverso.

T – 29 de outubro de 2019 (Compensação)

A QUALIFICAÇÃO (pp. 571 e ss.)

O conceito-quadro é um conceito técnico-jurídico de extensão variável que tem como


escopo definir a categoria normativa para que é operante a conexão escolhida.
O objeto do conceito-quadro consubstancia-se nas normas que, constantes do
ordenamento jurídico escolhido, integram a sua previsão.
Decorre do art. 15º CC que quando elegemos a conexão para o ordenamento jurídico
mais próximo à relação jurídica, essa competência abrange somente as normas que pelo seu
conteúdo e função (cabe aqui um exercício interpretativo) integram o regime do instituto
visado nas normas de conflitos.
Assim, deve admitir-se que o conceito-quadro permite, de entre o ordenamento jurídico
eleito, realizar um exercício de reciprocidade entre os fins visados pelo legislador do Direito de
Conflitos e entre os princípios que o legislador daquele ordenamento eleito teve em vista.

Uma das técnicas relativas ao DIP é quartar a relação jurídica nos limites legais do
depéçage ou splitting.
Eleita uma determina ordem jurídica, esta será eleita considerando o concreto elemento
controvertido em causa na nossa relação jurídica. Assim, não chamamos essa ordem jurídica
para dar uma qualquer solução material, mas antes para dar a solução que permita resolver a
situação concreta.
É apenas no crivo do conceito-quadro que e legitima a aplicação da estatuição.
A solução que podemos trazer do ordenamento jurídico estrangeiro eleito pela norma de
conflitos é aquela que o conceito-quadro permitirá, só isso poderá ser legitimamente aplicado à
relação jurídica controvertida.

59
A qualificação configura-se como um processo complexo, pois implica, de entre normas
gerais e abstratas, a análise de situações individuais e concertas, para que depois se volte a
passar para um panorama de normas gerais e abstratas.
O intérprete tem de realizar exercícios de ida e volta (ou de vaivém) entre a norma e o
caso para adotar a norma às circunstâncias do caso concreto.

Podem suscitar diversas dúvidas no processo de qualificação. Por exemplo, o


testamento pode ser enquadrado, noutros ordenamentos jurídicos, noutro estatuto que não seja o
pessoal.
Assim, o Direito Internacional Privado pretende chamar ao ordenamento jurídico
português a aplicabilidade de soluções materiais que sejam diferentes noutras ordens jurídicas.
Temos, portanto, de potenciar de entre os ordenamentos jurídicos em conflito com a relação
jurídica as eventuais soluções materiais que cada um deles fornecerá.

Imagine-se que A morre e deixa em testamento a herança a um filho, deserda outro e


lega bens imóveis por várias pessoas amigas.
Para o ordenamento jurídico português, estamos diante de um problema de estatuto
pessoal. No entanto, o ordenamento jurídico inglês considera-o também como um problema de
estatuto pessoal, exceto se o objeto do testamento disser respeito a direitos reais sobre imóveis,
passando a versar sobre estatuto pessoal.
Assim, devemos sair do art. 63º CC para o art. 46º do mesmo diploma.
Outro ordenamento jurídico pode dizer que quando causa está um problema de
validade substancial do testamento por não ter sido respeitada a quota indisponível, não se
trata de um verdadeiro problema substancial, mas sim formal, pelo que teremos de recorrer ao
disposto no art. 65º CC.
A partir daqui temos diversas nomas de conflito, devendo, para cada uma delas, realizar
o processo de reenvio.

Contudo, não terminou o processo de qualificação.


Deve, numa primeira linha, estabelecer-se a premissa maior, i.e., a previsão da norma
de conflitos, ou seja, o conceito-quadro. Para a estabelecer importa fazer a interpretação da
proposição jurídica por forma a determinar a previsão normativa.
Depois deve estabelecer-se a premissa menor, ou seja, trata-se do exercício factual,
i.e., a situação da vida a subsumir com a respetiva caracterização jurídica.
Isto posto, surge o momento da subsunção ou da qualificação em sentido estrito, por via
da qual se deve subsumir a premissa menor na premissa maior.

60
O problema é que o exercício de subsunção pode não ser direto, dado que a premissa
maior é indetermina por via da indeterminação do conceito-quadro.
A interpretação da premissa maior não se pode reconduzir aos conceitos homólogos no
ordenamento jurídico interno, dado que o Direito Internacional Privado é, por natureza, aberto a
todas as instituições e conceitos jurídicos conhecidos no mundo transcendente ao nosso sistema
jurídico interno.

Deve atender-se à interpretação teleológica-funcional do Prof. Ferrer Correia, a


qual deve ser feita de acordo com a lex formalis fori, mas de forma autónoma.
Estamos a lidar com o seguinte problema: por um lado, temos os conceito-quadro que
são indeterminados, permitindo abarcar muita coisa. Partindo do conceito-quadro como o
abrimos de forma suficiente para que, ainda ele sendo relevante, estender o seu âmbito de
previsão sem que perca a sua razão de ser.
De acordo com a lex formalis fori, significa que a interpretação do conceito-quadro
deve ser guiada pelos princípios e finalidades do Direito Internacional Privado. É de forma
autónoma, pois a interpretação deve ser realizada com a desconsideração absoluta das soluções
materiais que o legislador português teve em mente.
Assim, deve partir-se de um vício de raciocínio tendo em consideração os princípios do
legislador português quanto às soluções materiais, alargando o conceito-quadro até ao momento
em que o fundamento e o fim desse vício de raciocínio tiver cabimento.
Deve atender-se ao conceito-quadro e encontrar a função e o fim que o legislador lhe
quis atribuir. Neste momento, temos de admitir que, ainda que o legislador quando o
estabeleceu não o quis comparar ao conceito jurídico homólogo no ordenamento jurídico
estrangeiro, foi esse o seu princípio norteador.
Não podemos olhar para a categoria normativa e atribuir-lhe o conteúdo que tem no
direito interno. Pelo contrário, olhámos para o direito interno e vemos quais os fins que o
legislador teve em vista quando estabeleceu o conceito-quadro.

P – 30 de outubro de 2019 (13h)

Caso Prático 9

A, menor de 17 anos, inglês, reside habitualmente em França.


A conheceu B, inglesa e residente em Londres, com 20 anos, e com quem pretende
casar em Portugal.
O tutor de A recusa autorizar o casamento, que é condição essencial de acordo com a
lei francesa para que o casamento seja válido, o que, aliás, de acordo com este ordenamento

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jurídico, a capacidade nupcial só é reconhecida com 21 anos, ao passo que a lei inglesa
confere esta capacidade, sem restrições, a partir dos 16 anos, reconhecendo, com o casamento
que os cônjuges adquirem plena capacidade de exercício.
Perante isto, A e B casaram em Portugal sem autorização do tutor ou qualquer
representante legal de B.
Nestas circunstâncias, a lei francesa considera o casamento nulo por vício de forma e
não reconhece, portanto, qualquer aquisição de capacidade de exercício pela emancipação.
Entretanto, já depois de casado, A vendeu um prédio sito em Lucerna, que havia
herdado do seu avô, suíço, há vários anos. A vendeu o prédio a D, em Portugal, sendo D de
nacionalidade dinamarquesa e residente em Copenhaga.
O tutor também não autoriza este ato, o que considera necessário, já que na sua
perspetiva, A não se emancipou, uma vez que o casamento é nulo.
O ordenamento jurídico suíço considera o casamento válido, mas uma vez que não foi
autorizado, o cônjuge não adquire capacidade de exercício para atos de disposição.
O ordenamento jurídico inglês, que pratica dupla devolução, considera que em matéria
matrimonial é competente a lei do lugar da residência habitual do nubente e no que tange à
disposição de imóveis considera competente a lex rei sitae.
O ordenamento jurídico francês é anti-devolucionista e no que tange à validade do
casamento elege como conexão o lugar da celebração do negócio, sendo aliás a mesma
conexão em relação aos negócios jurídicos em que o objeto seja um bem imóvel.
Por sua vez, o ordenamento jurídico suíço, também anti-devolucionista, e para
qualquer questão suscitada no enunciado, considera competente a lei do lugar da celebração
do negócio.
Nos tribunais portugueses é proposta uma ação pelo tutor de A para anular o
casamento, bem como o contrato de compra e venda.

Quid juirs?

Atendendo ao caso concreto enunciado, estamos perante uma relação jurídica


relativamente internacional – os seus elementos encontram-se dispersos por mais de um
ordenamento jurídico, sendo um deles o português –, de natureza privada, relativa a matéria
sucessória. Portugal é mais que a lex fori, i.e., é a lex materiallis fori.
Com a relação material em causa estão em contacto os seguintes ordenamentos
jurídicos:

 Inglês: nacionalidade de A e de B e residência habitual de B;


 Francês: residência habitual de A;

62
 Português: lugar da prática dos factos (celebração do casamento e da compra e
venda);
 Suíço: lugar da situação do bem imóvel e nacionalidade do de cujus;
 Dinamarquês: nacionalidade de D e sua residência habitual.

Tem-se como ponto de partida que Portugal é a lex fori, isto é, é-lhe reconhecida a
competência internacional para dirimir a relação jurídica material.

No caso concreto estamos perante uma matéria múltipla, visto que há matéria real –
transmissão de um direito de propriedade – e pessoal – matéria matrimonial.
Significa isto que temos várias normas de conflito a ser chamadas por cada uma destas
matérias.

No que tange à questão relativa à capacidade de exercício para contrair casamento, urge
chamar o art. 49º CC. Por seu turno, relativamente à falta de capacidade para celebrar um
contrato de compra e venda, importa chamar o art. 47º CC.
O ordenamento jurídico francês classifica a falta de capacidade de exercício para
contrair casamento como um vício formal. Significa, portanto, que devemos atender ao disposto
no art. 50º CC.

De acordo com o art. 49º CC, a capacidade para contrair casamento é regulada pela lei
pessoal de cada um dos nubentes. Atendendo ao disposto nos arts. 25º e 31º, nº1 CC, o
legislador elegeu como conexão mais próxima a nacionalidade de cada nubente.
Sendo A de nacionalidade inglesa, o ordenamento jurídico português remete para o
ordenamento jurídico inglês. O ordenamento jurídico inglês, por seu turno, estabelece como
conexão mais adequada a dirimir a relação jurídica controvertida a residência habitual de A,
pelo que remete para o ordenamento jurídico francês.
Vislumbra-se, deste modo, uma situação de reenvio, dado que a lei designada pela
norma de conflitos portuguesa não se considera competente, remetendo para outra lei.
Havendo reenvio, verifica-se o primeiro pressuposto para que o ordenamento jurídico
português possa abdicar da sua posição regra anti-devolucionista, consagrada no art. 16º CC.
Para que tal suceda, é necessário que se verifiquem outros dois pressupostos, i.e., que haja
harmonia jurídica internacional entre os ordenamentos jurídicos em contacto com a situação
conflitual e que o reenvio seja condição necessária para que essa harmonia seja atingida.
A este propósito cabe atender à posição de cada um desses ordenamentos jurídicos em
relação à matéria de reenvio.

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O ordenamento jurídico inglês, ao praticar dupla devolução, realiza uma referência
global à lei francesa (atende ao seu direito interno, bem como ao seu sistema de conflitos),
admitindo decidir a questão transnacional tal como ela seria julgada pelo tribunal da lei
designada.
Por sua vez, o ordenamento jurídico francês estabelece como conexão mais próxima o
lugar da prática do facto, pelo que remete para a ordem jurídica portuguesa. Assume uma
posição anti-devolucionista, ou seja, ao remeter para o ordenamento jurídico português faz-lhe
uma referência material ao direito português.
Assim, temos o seguinte esquema de reenvio:

L1(português) L2(inglês - DD) L3(francês - DS)

L2(inglês) L1(português) L1(português)

Denota-se, portanto, a clara existência de harmonia jurídica internacional entre os


ordenamentos jurídicos em contacto com a situação conflitual (entre a lei francesa e a inglesa) e
o reenvio é condição necessária para que tal seja alcançada, pois se o ordenamento jurídico
português mantivesse a sua posição anti-devolucionsta, fomentar-se-ia a desarmonia
internacional de soluções jurídicas, pois remeteria a solução material para a lei inglesa.
Do esquema apresentado resulta a existência de uma situação de reenvio por retorno
indireto de competências. Atendendo ao art. 18º, nº1 CC, apesar de não se verificarem
literalmente os requisitos por ele consagrados, deve seguir-se o entendimento do Prof. Ferrer
Correia, de acordo com o qual realizar-se-á uma interpretação extensiva da norma mencionada,
cuja ratio se funde nos fins do Direito Internacional Privado e, consequentemente, há de
admitir-se uma situação de reenvio por retorno indireto de competências.
Posto isto, quando em causa esteja um conflito entre os princípios da harmonia jurídica
internacional e o da maior ligação individual, o legislador do Direito Internacional Privado dá
maior preponderância a este, daí que, em matéria compreendida no estatuto pessoal, deve aferir-
se do preenchimento dos requisitos plasmados no nº2 do art. 18º CC.
Embora A não resida habitualmente em território português, reside habitualmente num
território cujo Direito de Conflitos considera competente o direito interno português, dado que a
lei francesa faz uma referência material para a ordem jurídica portuguesa.
Deste modo, para aferir da capacidade nupcial de A, aplicaremos uma solução material
do ordenamento jurídico português.

Posto isto, importa fazer o exercício realizado relativamente à capacidade de exercício


de B para celebrar um contrato de casamento.

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De acordo com o art. 49º CC, a capacidade para contrair casamento é regulada pela lei
pessoal de cada um dos nubentes. Atendendo ao disposto nos arts. 25º e 31º, nº1 CC, o
legislador elegeu como conexão mais próxima a nacionalidade de cada nubente.
Sendo B de nacionalidade inglesa, o ordenamento jurídico português remete para o
ordenamento jurídico inglês. O ordenamento jurídico inglês, por seu turno, estabelece como
conexão mais adequada a dirimir a relação jurídica controvertida a residência habitual de B,
pelo que se considera competente.
Não havendo qualquer situação d reenvio, vislumbra-se a aplicação direta do art. 16º
CC, de acordo com o qual o ordenamento jurídico português fará uma referência material à lei
inglesa, ou seja, aplicará uma solução do seu direito interno para regular a capacidade nupcial
de B.

L1(português) L2(inglês - DD)

L2(inglês)

Posto isto, importa atender ao disposto no art. 50º CC, de acordo com o qual a forma do
casamento é regida pela lei do lugar da celebração do casamento, ou seja, o legislador do
Direito de Conflitos estabeleceu como conexão mais próxima a dirimir a relação jurídica
controvertida o lugar da prática do facto.
Assim, o ordenamento jurídico português considera-se competente, dado que o
casamento de A e B foi celebrado em Portugal.

Conclui-se, desta forma, que para a mesma relação jurídica controvertida é possível
aplicar tanto o ordenamento jurídico português como o ordenamento jurídico inglês, devendo
passar-se à fase de qualificação para cada um deles.

O conceito-quadro do art. 49º CC prende-se à capacidade de exercício para contrair


casamento ou para celebrar convenções antenupciais. O referido conceito-quadro deve ser
interpretado de forma autónoma de acordo com os princípios informadores do Direito
Internacional Privado, ainda que tenhamos de realizar um vício de raciocínio e atender ao
princípio norteador do legislador do direito material português quando o estabeleceu.
Assim, com o referido conceito-quadro, o legislador terá querido estabelecer os
requisitos jurídicos de que alguém tem de ser titular para celebrar atos jurídicos fontes de
relações familiares.
Se o ordenamento jurídico português é responsável para resolver a questão inerente à
capacidade nupcial de A, conclui-se que não se suscitam grandes problemas relativamente ao

65
processo de qualificação, dado que o conceito-quadro coincide com os conceitos jurídicos do
direito material português.

Relativamente ao conceito-quadro do art. 47º CC, importa começar por frisar que o
ordenamento jurídico inglês categoriza a situação normativa como um problema de capacidade
nupcial, o qual deve ser interpretado à luz do art. 23º CC.
A solução da lei inglesa foi pensada com base nos requisitos necessários para que
alguém possa validamente celebrar um contrato de casamento. Assim, é possível concluir que,
nos termos do art. 15º CC, pelo seu conteúdo e função, a solução do ordenamento jurídico
inglês integra o conceito-quadro previsto pelo legislador do Direito Conflitos.
Desta forma, o ordenamento jurídico inglês resolverá materialmente a questão inerente
à capacidade de exercício de B para celebrar um contrato de casamento.

O conceito-quadro do art. 50º CC visa tratar dos requisitos do ato subtraídos à


autonomia da vontade das partes, os quais se impõem para a celebração do contrato. São,
portanto, requisitos do próprio facto jurídico.
Dos arts. 133º e 1649º CC extrai-se que os princípios que orientaram o legislador do
direito material do foro foram os requisitos ou condições inerentes aos próprios sujeitos da
relação jurídica para celebrar tais negócios jurídicos.
Assim, conclui-se que os princípios do nosso quis é insuscetível de ser integrado no
conceito-quadro pensado pelo legislador do Direito Internacional Privado

Desta maneira, existem duas normas de conflitos aplicáveis à mesma situação. Haverá
um conflito efetivo se para a mesma realidade jurídica existir mais do que uma lei para a
resolver.
Realizando uma técnica de splitting ou de dépeçage, da relação jurídica controvertida
interessa-nos resolver uma questão relativa aos seus sujeitos, i.e., a capacidade de exercício de
cada um deles.
Assim, nos termos apresentados no próprio enunciado, parece dever concluir-se que o
casamento é perfeitamente válido e plenamente eficaz, mas relativamente a A, a sua
emancipação é restrita, ficando limitada a sua capacidade de exercício para realizar atos de
disposição (art. 1649º CC).

Isto posto, há que atender ao contrato de compra e venda.

Decorre do art. 47º CC que a conexão eleita pelo legislador do Direito Internacional
Privado é o lugar da situação da coisa se essa lei assim o determinar. Tendo em consideração

66
que o imóvel se situa em Lucerna, importa atender ao disposto no ordenamento jurídico suíço, o
qual determina como conexão mais apta a dirimir a relação controvertida o lugar da celebração
do contrato, pelo que faz remissão para o ordenamento jurídico português.
Assim, como a lei do lugar da situação do imóvel não considera a sua competência, há
que atender à conexão subsidiária eleita pelo legislador do Direito de Conflitos.
Da conjugação dos arts. 47º, 25º e 31º, nº1, todos do CC, resulta que a conexão eleita foi
a nacionalidade do interessado, pelo que, no caso concreto, faz-se remissão para o ordenamento
jurídico inglês.
Por seu turno, o ordenamento jurídico inglês estabelece como conexão mais próxima o
lugar da situação do imóvel, pelo que remete para a lei suíça.
Vislumbra-se, desta forma, a existência de uma situação de reenvio, uma vez que a lei
designada pela norma de conflitos portuguesa não se considera competente, remetendo tal
competência para outra ordem jurídica.
A existência de reenvio configura o primeiro pressuposto para que o ordenamento
jurídico português possa vir a abdicar da sua posição regra anti-devolucionista, constante do art.
16º CC. Para que tal aconteça é necessário que haja harmonia jurídica internacional entre os
ordenamentos jurídicos em contacto com a situação conflitual e, além disso, deve o reenvio ser
uma condição necessária para atingir a aludida harmonia. Nesse conspecto, há que atender à
posição relativamente ao reenvio de cada um dos referidos ordenamentos jurídicos.
O ordenamento jurídico inglês estabelece como conexão mais apta a dirimir a relação
jurídica controvertida o lugar da situação da coisa imóvel e, por isso, remete para o
ordenamento jurídico suíço. Ao praticar dupla devolução, realiza-lhe uma referência global, ou
seja, tanto atende ao seu direito material como ao seu sistema de conflitos e admite decidir a
questão transnacional tal como ela seja dirimida nos tribunais da lei designada.
O ordenamento jurídico suíço estabelece a conexão lugar da celebração do contrato de
compra e venda e, portanto, remete para o ordenamento jurídico português. Assumindo uma
posição anti-devolucionista, efetua uma referência material à lei portuguesa, i.e., versa apenas
sobre o seu direito interno, abstraindo-se do seu Direito Internacional Privado.
Assim, temos o seguinte esquema de reenvio:

L1(português) L2(inglês - DD) L3(suíço - AD)

L2(inglês) L1(português) L1(português)

Do esquema de reenvio apresentado, denota-se a clara existência de harmonia jurídica


internacional entre os ordenamentos jurídicos inglês e suíço, os quais convergem na
competência da lei portuguesa para resolver a situação controvertida. Acresce que o reenvio

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figura como uma condição essencial para que se atinja tal harmonia, na medida em que se a
ordem jurídica portuguesa mantivesse a sua posição regra anti-devolucionista, fomentar-se-ia a
desarmonia jurídica de soluções internacionais, pois o ordenamento jurídico português aplicaria
uma solução material da lei inglesa.
Posto isto, estamos perante uma situação de reenvio por retorno de competências,
circunstância que impele que se atente ao disposto no art. 18º CC.
A letra do art. 18º, nº1 CC estabelece requisitos que estão na base de uma situação de
reenvio por retorno direto de competências, o que não se vislumbra no caso concreto, pois para
que tal sucedesse era necessário que fosse a lei inglesa a remeter para o direito interno
português.
Não obstante, munindo-nos doe entendimento do Prof. Ferrer Correia, há que realizar
uma interpretação extensiva da referida norma, cuja ratio se funda nos princípios do Direito
Internacional Privado, isto é, a segurança jurídica e a harmonia jurídica internacional e, desse
modo, admitir uma situação de reenvio por retorno indireto de competências.
Cumpridos os requisitos exigidos pelo art. 18º, nº1 CC, há que atender aos dispostos no
nº2 do mesmo art., os quais se fundam no princípio da maior ligação individual.
Em primeiro lugar, urge referir que estamos diante de uma matéria que se integra no
estatuto real e não no estatuto pessoal, tal como exige o nº2 do art. 18º CC. Ainda assim, por
termos um conflito consentâneo entre o princípio da maior proximidade e o princípio da maior
ligação individual, deve admitir-se que a matéria de estatuto pessoal prevalece sobre a de
estatuto real.
Assim, ainda que A não reside em território português, importa atender à lei satélite,
neste caso, o ordenamento jurídico francês (lugar onde A apresenta a sua residência habitual), a
fim de aferir se este considera competente o direito interno português.
Resulta do enunciado que o ordenamento jurídico francês elege como conexão, na
matéria relativa à celebração do contrato de compra e venda de imóveis, o lugar da prática do
facto, ou seja, remete para a ordem jurídica portuguesa.
Adotando a lei francesa uma posição anti-devolucionista, realiza uma referência
material ao ordenamento jurídico português, ou seja, atende somente ao seu direito interno.
Desta forma, conclui-se pelo preenchimento dos requisitos impostos pelo art. 18º, nº2
CC, os quais, cumulados com a verificação dos requisitos constantes do nº1 do mesmo preceito,
permitem que a lei portuguesa abdique da sua posição anti-devolucionista.
Assim, no que tange à capacidade de exercício de A para celebrar o contrato de compra
e venda aplicaríamos uma solução material do ordenamento jurídico português.

Emerge agora a necessidade de passar pelo processo de qualificação.

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O conceito-quadro do art. 47º CC visa tratar da capacidade de exercício para transmitir
direitos reais sobre imóveis.
Assim, tendo A casado de forma restrita, ou seja, não tendo capacidade de exercício
para praticar atos de disposição, deve concluir-se pela invalidade do negócio jurídico, o qual
será anulável.
Não se levanta entraves ao processo de qualificação, na medida em que por se tratar de
uma solução interna, é praticamente certo que os fins admitidos pelo legislador material foram
os mesmos que estiveram no pensamento do legislador do Direito Internacional Privado quando
estabeleceu o conceito-quadro do art. 47º CC.

T – 30 de outubro de 2019

No seio de um problema de qualificação, não podemos aplicar o ordenamento jurídico


eleito pela norma de conflitos no seu conjunto, mas antes as normas necessárias a resolver a
situação controvertida. De entre as normas que integram a totalidade desse ordenamento
jurídico, escolher-se-ão aquelas que, pelo seu conteúdo e função, integram o conceito-quadro da
norma de conflitos (art. 15º CC).

O conceito-quadro deve ser interpretado de forma autónoma, desprovida de qualquer


vício de raciocínio em relação ao direito material do foro. Fá-lo-emos pelos princípios
informadores do Direito Internacional Privado.
De seguida, munidos da teoria teleológico-funcional do Prof. Ferrer Correia,
devemos interpretar o conceito-quadro em função dos fins do Direito Internacional Privado, mas
reconhecemos a necessidade de partir de um vício de raciocínio de categorização normativa
existente no direito material do foro, uma vez que o legislador do Direito material do foro teve
um princípio norteador para o estabelecer, o qual é semelhante ao princípio do legislador do
Direito de Conflitos quando estabeleceu o conceito-quadro.
Interpretando todas as soluções jurídicas dos Quids, aqueles que pelo seu conteúdo e
função integrarem o conceito-quadro, i.e., que apresentarem um mínimo de correspondência aos
princípios estipulados pelo direito material do foro, são suscetíveis de legitimação.

O problema da qualificação, em princípio, só existirá se estivermos diante de direitos


materiais estrangeiros, pois ainda que indeterminado, o conceito-quadro apresenta um mínimo
de resíduo do nosso direito material, o que faz com que as nossas normas materiais se
subsumam ao conceito-quadro.

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Assim, temos que o primeiro momento de integração é factual – procurar o direito
material, à procura de uma norma onde se subsumam os factos da relação jurídica – e o segundo
momento é jurídico – um momento de normas sobre normas, i.e., de verificar se pelo seu
conteúdo e função integram ou não o conceito-quadro.
Atente-se ao seguinte exemplo: um francês que morreu, em Portugal, sem deixar
testamento. O art. 62º CC refere que em matéria sucessória, sem que exista qualquer ato jurídico
pelo qual o de cujus tenha expressado a sua vontade, aplicar-se-á a lei pessoal daquele. Por lei
pessoal, nos termos dos arts. 25º e 31º, nº1 CC, deve entender-se a lei da sua nacionalidade.
O ordenamento jurídico francês considera-se competente. Neste ordenamento, o Estado
não se encontra na categoria de sucessíveis, mas faz parte do nosso Livro das Sucessões (art.
2133º, nº1, al. e) CC). Segundo o ordenamento jurídico francês, quando existe uma situação
que, para nós, configura uma herança deixada vaga a favor do Estado, trata-se de um direito real
adquirido originariamente.
Interpretando o conceito-quadro do art. 62º CC, estamos perante uma sucessão por
morte em que o de cujus não dispôs da sua vontade no que tange ao destino dos bens – uma
verdadeira sucessão legal. Trata-se, claramente, de uma matéria de estatuto pessoal. É este o
princípio emerge do art. 62º CC, i.e., de regular o fenómeno sucessório quando inexiste
qualquer ato jurídico do de cujus quanto aos efeitos do destino dos bens.
A aquisição de direitos reais prevista pelo ordenamento jurídico francês tem como
preocupação última que as coisas não fiquem sem proprietário. Assim, tem-se que o princípio
que norteia o legislador é de atribuir direitos reais a um Estado. Conclui-se, dessa forma, que
pelo seu conteúdo e função (art. 15º CC, não existe qualquer paralelo ou correspondência entre
o princípio do legislador do Direito de Conflitos e o princípio do legislador do direito material
estrangeiro.

CONFLITOS

Neste conspecto, urge aferir a forma de resolução aquando da existência de conflitos


positivos e conflitos negativos de normas de conflito.
A primeira resposta a fornecer reconduz-se às classificações das matérias que, o caso
concreto, se encontram em conflito. Aplicar-se-ão regras que, ainda que não sejam absolutas,
resultam do nosso Código Civil.

Quando em causa está um conflito entre regras de substância e regras de forma, a regra
é de que, em princípio, vigora a substância sob a forma.
Havendo um conflito entre a maior ligação individual e a maior proximidade, por
regra prevalecerá este último.

70
Suscitando-se um problema entre a qualificação matrimonial e qualificação
sucessória, vigora o princípio da relevância sucessória.

CONFLITO NEGATIVO

Estamos diante de um conflito negativo quando, das várias normas de conflito


existentes, se conclui pela impossibilidade de aplicar qualquer uma delas à relação a dirimir.
Quando tal ocorrer, deve adaptar-se a norma de conflitos ou a norma material, i.e., ou
se adapta o conceito-quadro daquelas ou o próprio direito material, ainda que seja mais simples
adaptar as normas de conflitos.
Pode suceder que nenhuma das normas de conflitos existentes tenha passado pelo crivo
da qualificação. Quando assim for deve ter-se em consideração todas elas e escolher qual delas
se haverá adaptar, ou seja, ficcionaremos a existência de um conflito positivo e escolheremos a
norma de conflitos que apresenta uma conexão mais estreita.
A partir daí, atendendo ao conceito-quadro das normas de conflito e, dentro daquilo que
é o espírito do sistema do Direito Internacional Privado, se o legislador do DIP tivesse previsto
que para conexão mais estreia o princípio do direito material não se incluiria, se admitia que
incluísse no conceito-quadro o princípio estabelecido pelo legislador estrangeiro.
Concluindo-se afirmativamente, interpretaremos o conceito-quadro e juntar-lhe-emos o
princípio oriundo do direito material estrangeiro.

Por seu turno, é bastante difícil adaptar as normas materiais, uma vez que neste vigora o
princípio do mínimo dano.
Por fim, se nada funcionar, dever-se-á criar uma norma ad hoc.

P – 31 de outubro de 2019

Realização do primeiro teste de avaliação contínua.

OT – 31 de outubro de 2019

Realização do primeiro teste de avaliação contínua.

T – 01 de novembro de 2019

Feriado.

71
T – 06 de novembro de 2019 (Compensação – 13h)

PARTE ESPECIAL DAS NORMAS DE CONFLITOS

Importará começar por referir que a parte especial das normas de conflitos (arts. 25º e
ss. CC) está esquematizada da mesma forma que o legislador previu a organização dos diversos
Livros do Código Civil (arts. 397º e ss. CC).

A primeira parte versa sobre as pessoas (singulares e coletivas), embora o realce no


âmbito da nossa unidade curricular seja atribuído às primeiras.

Da redação do art. 25º CC é impossível retirar a conexão eleita pelo legislador do


Direito de Conflitos, na medida em que faz referência à “lei pessoal dos respetivos sujeitos”.
Assim, articulada esta norma com o art. 31º, nº1 CC, conclui-se que a conexão eleita
pelo legislador em matéria de estatuto pessoal é a nacionalidade.
Não obstante a referida conexão ter primazia na matéria de estatuto pessoal, o legislador
do Direito Internacional Privado consagrou-a noutras matérias, v.g., na responsabilidade civil
extracontratual, tal qual emerge do nº3 do art. 45º CC.
Além disso, sendo a nacionalidade a conexão predominante quando em causa estão
matérias inerentes ao estatuto pessoal, nem sempre é a mais relevante no que tange ao aludido
estatuto. No caso dos apátridas, em conformidade com o art. 12º, nº1 da Convenção de Nova
Iorque – “The personal status of a stateless person shall be governed by the law of the country
of his domicile or, if he has no domicile, by the law of the country of his residence” –, o art. 32º,
nº1 CC prevê como conexão mais próxima a sua rsidência habitual (ou, sendo menor ou menor
acompanhado, o seu domicílio legal).
Caso idêntico é encontrado relativamente aos refugiados. A lei mais próxima não
poderá ser a lei da nacionalidade do Estado de onde fugiram, mas sim a lei do Estado que os
acolheu.

Acresce que para matérias compreendidas no estatuto pessoal, pode o legislador utilizar
outras conexões que não sejam a nacionalidade. Por exemplo, no art. 53º CC, estipula como
conexão a residência habitual quando em conflito estão os princípios da maior proximidade e da
maior ligação individual, prevalecendo o primeiro.

Início e termo da personalidade jurídica e direitos de personalidade – arts. 26º e


27º CC

72
No âmbito de matérias integradas no estatuto pessoal, impõe-se o tratamento de
situações inerentes ao início e termo da personalidade jurídica e aos direitos de personalidade,
com predominância para os direitos absolutos, encontrando-se uma grande mancha deles com
assento constitucional, devendo a sua interpretação ser conforme à Constituição da República
Portuguesa.
De acordo com estes precitos – arts. 26º e 27º CC – o legislador estabelece como
elemento de conexão a lei pessoal (da nacionalidade – arts. 25º e 31º, nº1 CC) para regular o
início e o termo da personalidade jurídica, bem como os direitos de personalidade.
Não obstante, o art. 31º, nº2 CC estabelece uma situação de reenvio autónomo, pois em
prol do princípio do favor negotti reconhece-se que o legislador admite alterar a conexão regra
(a nacionalidade) relativamente aos negócios de estatuto pessoal para a conexão residência
habitual.
Para que tal se verifique devem cumprir-se 4 requisitos:

 Ao aplicar a lei da nacionalidade, conclui-se que o negócio jurídico de matéria


compreendida no estatuto pessoal conduz à sua invalidade;
 Se tal acontecer, realiza-se o esquema de reenvio autónomo do art. 31º, nº2 CC;
 O negócio jurídico deve ter sido celebrado no país da residência habitual;
 Perante a lei da residência habitual o negócio é válido e, além disso, esta deve
considerar-se competente.

Deve concluir-se que a nacionalidade deve ser a conexão que dá origem à invalidade do
negócio jurídico e, além disso, a residência habitual deve ser o lugar da prática do facto e deve a
lei daquela admitir a sua competência.
Quando assim for, ainda que diante de matéria de estatuto pessoal, alterar-se-á a
conexão da nacionalidade para a residência habitual.

De acordo com os Profs. Ferrer Correia e Batista Machado, o art. 31º, nº2 CC deve
aplicar-se, por via de interpretação extensiva e analógica, a outras situações:

 Quando o negócio jurídico for celebrado noutro país que não o da


nacionalidade, sem necessitar de ser no Estado da residência habitual, mas se a
lei da residência habitual reconhecer o ato jurídico (tornando-se aí efetivo),
então podemos prescindir do pressuposto de que ateria de ser na lei da
residência habitual que se verificasse a celebração do negócio jurídico;

73
 Quando o negócio não for celebrado na lei da residência habitual, mas
independentemente dos seus efeitos, as normas de conflito da lei da residência
habitual consideram competente a lei interna do Estado onde aquele foi
celebrado.

O Prof. Ferrer Correia foi ainda mais longe, admitindo, para além da interpretação
extensiva do art. 31º, nº2 CC, que a lex rei sitae deve aplicar-se também quando em causa estão
negócios jurídicos relativos a matéria sucessória, nomeadamente a partilha de bens imóveis.

A verdade é que se tem entendido que a interpretação analógica desvirtua as situações


de reenvio do art. 17º CC, sobretudo quando haja um conflito entre os princípios da harmonia
jurídica internacional e da maior ligação individual, em que o legislador admite aplicar a lei da
nacionalidade, ainda que haja uma situação de reenvio para uma qualquer lei terceira que
garanta a harmonia jurídica internacional, quando tanto a lei da nacionalidade e a lei da
residência habitual admitam aplicar aquela (art. 17º, nº2 CC).
Assim, aceitar as interpretações extensiva e analógica significa ter de realizar uma
redução teleológica do art. 17º, nº2 CC, dado que o legislador admite aplicar ou a lei da
nacionalidade ou a lei da residência habitual, mas na ótica do Prof. Ferrer Correia podr-se-ia
aplicar uma lei que nada tem a ver com aquelas conexões.

Além disso, o art. 17º CC consagra uma norma que integra as regras gerais da
devolução ou reenvio, ao passo que o art. 31º, nº2 CC preceitua uma regra especial em matéria
de estatuto pessoal em prol do princípio do favor negotti, devendo ser esta a adaptar-se à regra
geral e não o contrário.

Concluindo, tem-se convergido no sentido de não admitir estas interpretações em razão


do elemento teleológico do art. 17º, nº2 CC.

PERSONALIDADE E CAPACIDADE

O art. 26º, nº1 CC determina que “o início e o termo da personalidade jurídica são
fixados igualmente pela lei pessoal de cada indivíduo”, ou seja, pela lei da sua nacionalidade
(art. 31º, nº1 CC).
A personalidade jurídica, à luz do art. 68º, nº1 CC, “cessa com a morte”. Ainda que a
interpretação da morte não seja idêntica em todos os Estados, para nós aquela verifica-se
quando se demonstra a cessação da atividade cerebral.

74
No âmbito do Direito Internacional Privado levantam-se questões relativas à presunção
de morte, nomeadamente para efeitos de determinação de alguém que pré-sobrevive a outem.
Neste tipo de situações, o legislador do Direito de Conflitos consagrou uma norma
inteiramente material no nº2 do art. 26º CC: “Quando certo efeito jurídico depender da
sobrevivência de uma a outra pessoa e estas tiverem leis pessoais diferentes, se as presunções
dessas leis forem inconciliáveis, é aplicável o disposto no nº2 do artigo 68º. Ou seja, recorre-se
materialmente à presunção de comoriência do art. 68º, nº2 CC, de acordo com a qual se
presume, em caso de dúvida, que uma e outra pessoa faleceram ao mesmo tempo.

Enquanto o art. 26º CC versa sobre a personalidade jurídica, o disposto no art. 28º CC
reconduz-se à capacidade, encontrando-se subjacente à proteção do comércio jurídico e do
princípio da confiança, o qual exige o respeito da estabilidade e continuidade das situações
jurídicas, quando não haja razões objetivas suficientemente poderosas que imponham a sua
modificação ou extinção.
Assim, o art. 28º CC consagra uma norma unilateral introversa, como forma de dar
guarido ao princípio da confiança ou dos direitos adquiridos, determinando que “o negócio
jurídico celebrado em Portugal por pessoa que seja incapaz segundo a lei pessoal competente
não pode ser anulado com fundamento na incapacidade no caso de a lei interna portuguesa, se
fosse aplicada, considerar essa pessoa como capaz. Imagine-se, portanto, que Miguel –
português, de 24 anos – celebrou, em Vila do Conde, um contrato de compra e venda de um
bem imóvel com John – norte-americano, de 19 anos.
Sendo a lei pessoal a lei “da nacionalidade do indivíduo” (art. 31º, nº1 CC), facilmente
se conclui que Miguel apresenta capacidade de exercício para outorgar aquele contrato (arts.
122º e 123º CC). No entanto, ainda que a lei norte-americana só atribua capacidade de exercício
aos maiores de vinte e um anos, para o direito material português John é capaz e, por isso,
aproveita-se o aludido contrato de compra e venda.

Ainda assim, não se justifica a utilização da referida norma unilateral introversa quando
a “outra parte tinha conhecimento da incapacidade, ou quando o negócio jurídico for unilateral,
pertencer ao domínio do direito da família ou das sucessões ou respeitar à disposição de imóveis
situados no estrangeiro” (art. 28º, nº2 CC).

Por fim, o nº3 do art. 28º CC prevê um caso de bilateralização, na medida em que
estabelece um princípio de reciprocidade, segundo o qual “se o negócio jurídico for celebrado
pelo incapaz em país estrangeiro, será observada a lei desse país, que consagrar regras idênticas
às fixadas nos números anteriores”.

75
PESSOAS COLETIVAS

De entre as pessoas coletivas, o Direito Internacional Privado preocupa-se mais com as


pessoas coletivas comerciais. Por exemplo, o art. 3º, nº1, 1ª parte CSC contém uma norma de
conflitos bilateral que submete as relações do estatuto pessoal das sociedades comerciais à lei
do Estado onde se encontre situada a sede principal e efetiva da sua administração. A 2ª parte
da mesma disposição determina que a sociedade que tenha em Portugal a sede estatutária não
pode, contudo, opor a terceiros a sua sujeição a lei diferente da lei portuguesa. Esta 2ª parte
introduz uma norma de conflitos unilateral que se reporta a uma categoria de relações jurídicas
(relações com terceiros no âmbito do estatuto pessoal da sociedade) e que é especial em relação
à norma bilateral contida na 1ª parte.

Os arts. 33º e 34º CC aplicam-se, pelo contrário, às pessoas coletivas de natureza civil.
O art. 33º, nº1 CC estabelece como elemento de conexão regra a lei onde se encontra situada a
sede principal e efetiva da sua administração.
O nº3 do art. 33º CC determina que “a transferência, de um Estado para outro, da sede d
pessoa coletiva não extingue a personalidade jurídica desta, se nisso convierem as leis de uma e
outra sede”.

Por sua vez, o art. 34º CC faz referência às pessoas coletivas internacionais. A sua lei
pessoal haverá de ser designada na convenção que as criou ou nos respetivos estatutos e, na sua
falta, na do país onde tiver a sua sede principal.

OS ESTRANGEIOS EM PORTUGAL

Importa, agora, atender à aplicação de normas de conflito a todos aqueles que,


encontrando-se num determinado Estado, não são nacionais do mesmo.
De modo a cumprir o princípio constitucional da não discriminação (art. 15º, nº1
CRP), existem dois sistemas: o da reciprocidade e o da equiparação.
De acordo com a reciprocidade, reconhecer-se-á direitos aos estrangeiros na mesma
proporção que a lei da sua nacionalidade reconhecer aos cidadãos portugueses aí residentes.
No entanto, o art. 15º CRP, o qual encontra respaldo ordinário no art. 14º CC, consagra
o princípio da equiparação, ou seja, os estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam
em Portugal gozam dos direitos dos cidadãos portugueses, nomeadamente em matéria de
direitos civis.
O problema levanta-se na redação do art. 14º, nº2 CC: “Não são, porém, reconhecidos
aos estrangeiros os direitos que, sendo atribuídos pelo respetivo Estado aos seus nacionais, o

76
não sejam aos portugueses em igualdade de circunstâncias”. O entendimento converge no
sentido de admitir a não existência de um princípio de reciprocidade, mas antes uma espécie de
retaliação, i.e., se em igualdade de circunstâncias são restringidos direitos aos cidadãos
portugueses, far-se-á o mesmo aos nacionais desse Estado que se encontrem ou residam em
Portugal.
Neste conspecto, urge uma divisão doutrinária:
De acordo com os Profs. Jorge Miranda e Ferrer Correia não se suscita qualquer
inconstitucionalidade do presente artigo, pois ainda que possa excecionar, em parte, o princípio
da equiparação, a retaliação não altera o seu âmago.
Por seu turno, os Profs. Castro Mendes e Isabel de Magalhães Collaço acreditam haver
inconstitucionalidade do art. 14º, nº2 CC, na medida em que o art. 15º, nº2 CRP excetua do
princípio da equiparação “os direitos políticos, o exercício das funções públicas que não tenham
caráter predominantemente técnico e os direitos e deveres reservados pela Constituição e pela
lei exclusivamente aos cidadãos portugueses”. Assim, é o próprio ordenamento jurídico
constitucional que dita as exceções ao princípio da equiparação, devendo a interpretação deste
ser efetuada de acordo com as diretrizes constitucionais.
Se é assim, o vetor imposto pela CRP é efetivamente a possibilidade de excecionar
direitos a estrangeiros, desde que a nacionalidade não seja determinante para a existência desses
direitos.

NEGÓCIOS JURÍDICOS

De acordo com o art. 35º CC não é possível retirar qualquer conexão especial, na
medida em que este preceito refre que “a perfeição, interpretação e integração da declaração
negocial são reguladas pela lei aplicável à substância do negócio, a qual é igualmente
aplicável à falta e vícios da vontade”.
A matéria da capacidade encontra-se incluída no Regulamento Roma I e no
Regulamento das Sucessões.
Quanto à capacidade nupcial, o art. 49º CC determina que “é regulada, em relação a
cada nubente, pela respetiva lei pessoal, à qual compete ainda definir o regime da falta e dos
vícios da vontade dos contraentes”.

Regras especiais: nçºs 2 e 3 quanto ao que se dve etender comodclaração negocial.


Silêncio vale como meio negocial?
Matéria relativa à vlaidade formal do NJ (art. 36º CC). Lei da substância, a lei que
regula a vlaidade intriseca do NJ como determinante. O art. 36º CC apresenta uma conexão

77
alterativa entre a lei que vigora para a forma e a lei que vigora para a substância, excefto s al ie
da substancia não exogor uma forma especialmente prevista para regular o NJ.
O nº2 tem uma devolução autónoma em prol do princípio do favor negotii. Considera
verificada a validade formal quando a lei da forma apesar de não reconhecer a aquela validade,
remeter para um OJ que considera o nego cio válido.

Art. 65º e para a remissão necessária para o art. 2223º CC excecioanm o art. 36º CC.
Bem como o art. 51º CC. Cede perante as normas especiais do CC e perante o RRI.

Regras especiais no que tange à representação, prescrição e caducidade.

P/OT – 07 de novembro de 2019

Caso Prático 10

A e B são filha e pai, ela brasileira e ele português. Viajavam num veleiro, desde o
porto de Roterdão com direção a Lisboa mas, após vários dias incontactáveis, acabaram por se
encontrar destroços do veleiro ao largo do mar territorial português onde, peritos marítimos
concluíram que foi o local onde o veleiro se afundou.
O corpo de A foi encontrado na praia do Guincho, mas B nunca mais apareceu.
A era cada com C, holandês, e viva em Roma; B era casado com D, madrasta de A,
portuguesa, e o casal vivia em Madrid.
Discute-se nos tribunais portugueses a sucessão de A e B.

a) O ordenamento jurídico holandês considera competente para regular eta matéria a


lei da residência habitual do autor da sucessão e pratica devolução simples;
b) O ordenamento jurídico brasileiro é anti-devolucionista e considera competente a
nacionalidade do cônjuge do autor da sucessão;
c) Os ordenamentos jurídicos italiano e espanhol praticam dupla devolução e elegem a
mesma conexão do ordenamento jurídico brasileiro;
d) Os ordenamentos jurídicos brasileiro e italiano têm, quanto a esta questão, uma
solução material idêntica à nossa, incluindo a matéria relativa ao termo da personalidade
jurídica;
e) Os ordenamentos jurídicos holandês e espanhol consideram que, para efeitos de
resolução material, o instituo jurídico aplicável é o da responsabilidade civil extracontratual,
tal qual este instituto é configurado no ordenamento jurídico português, sendo património do
de cujus o limite da compensação pelo dano morte àqueles que se devam considerar lesados.

78
Para além disso, em caso de dúvida, presumem que faleceu em primeiro lugar a pessoa mais
velha.

Considerando que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para


resolver esta questão, pronuncie-se quanto ao direito material que deve ser aplicado.

Atendendo ao caso concreto suscitado, estamos perante uma relação jurídica


relativamente internacional – os seus elementos encontram-se dispersos por mais de um
ordenamento jurídico, sendo um deles o português –, de natureza privada, relativa a matéria
sucessória.
Com a relação material em causa estão em contacto os seguintes ordenamentos
jurídicos:

 Brasileiro: nacionalidade de A;
 Português: nacionalidade de B e local esperado para a chegada do veleiro; lugar
onde foram encontrados os destroços do veleiro; lugar onde foi encontrado o
corpo de A; nacionalidade de D, cônjuge de B e madrasta de A;
 Holandês: local da partida do veleiro e nacionalidade de C, cônjuge de A;
 Italiano: residência habitual de A e C;
 Espanhol: residência habitual de B e D.

Tem-se como ponto de partida que Portugal é a lex fori, isto é, é-lhe reconhecida a
competência internacional para dirimir a relação jurídica material.

Atendendo à situação prática enunciada, urge resolver, em separado, a sucessão de A e a


sucessão de B.

 Sucessão de A:

Observando disposto no art. 62º CC, a sucessão por morte é regulada pela lei pessoal do
autor. Atendendo à conjugação dos arts. 25º e 31º, nº1 CC, por lei pessoal deve entender-se a lei
da nacionalidade do autor, pelo que o legislador estabeleceu como conexão mais próxima a
nacionalidade.

79
Sendo A de nacionalidade brasileira, conclui-se que a norma de conflitos portuguesa
remete para o ordenamento jurídico brasileiro. O ordenamento jurídico brasileiro, por sua vez,
estabelece a conexão nacionalidade do cônjuge do autor da sucessão, o que permite concluir
pela existência de uma situação de reenvio.
Para que Portugal possa vir a abdicar da sua posição regra anti-devolucionista (art. 16º
CC), devem verificar-se mais dois pressupostos, a saber: existência de harmonia jurídica
internacional dos ordenamentos jurídicos em contacto com a situação conflitual; e o reenvio
configurar um meio necessário para atingir aquela.
Neste conspecto, urge atender à posição dos referidos ordenamentos jurídicos no que
tange à matéria de reenvio.

 O ordenamento jurídico brasileiro estabelece a conexão nacionalidade do


cônjuge do autor da sucessão, remetendo, por isso, para o ordenamento jurídico
holandês. Sendo anti-devolucionista, far-lhe-á uma referência material (atende
somente ao seu direito interno), pelo que considera competente a lei holandesa;
 O ordenamento jurídico holandês estabelece a conexão residência habitual do
autor da sucessão, remetendo, portanto, para o ordenamento jurídico italiano.
Ao praticar devolução simples, efetua-lhe uma referência global (tanto atende
ao seu direito material como ao seu sistema de conflitos), mas uma eventual
remissão feita pela lei italiana é entendida como uma referência material;
 O ordenamento jurídico italiano estipula a conexão nacionalidade do cônjuge
do autor da sucessão (tal qual o ordenamento jurídico brasileiro), remetendo
para a lei holandesa. Praticando dupla devolução, efetua-lhe uma referência
global e admite resolver a questão tal qual ela seja solucionada pelos tribunais
da lei designada.

Nestes moldes, temos o seguinte esquema de renvio:

L1(português) L2(brasileiro – AD) L3(holandês – DS) L4(italiano - DD)

L2(brasileiro) L3(holandês) L3(holandês) L2(holandês)

Estamos perante um reenvio por transmissão de competências em cadeia com retorno ao


ordenamento jurídico holandês. Importa, pois, debruçarmo-nos sobre o art. 17º CC.

80
De acordo com a letra do nº1 do art. 17º CC, para que os seus requisitos estivessem
cumulativamente cumpridos, era necessário que o ordenamento jurídico holandês se considera-
se diretamente competente, o que não sucede no caso concreto.
No entanto, tendo como ratio o princípio da harmonia jurídica internacional, o Prof.
Ferrer Correia admite que se faça uma interpretação extensiva desta norma e, dessa forma,
permitir uma situação de reenvio por transmissão de competências em cadeia com retorno.
Isto posto, se forem cumpridos os requisitos preceituados pelo nº2 do art. 17º CC, deve
a lei portuguesa manter a sua posição regra anti-devolucionista. Não obstante, embora estejamos
perante matéria de estatuto pessoal, o interessado (autor da sucessão – A) não reside
habitualmente em território português e, além disso, reside habitualmente em território (italiano)
que não considera competente o direito interno do Estado da sua nacionalidade (direito material
brasileiro), pois, como observado, considera competente o direito interno holandês.
Deste modo, não cumulados os requisitos exigidos pelo nº2 do art. 17º CC, Portugal
admite aceitar a situação de reenvio por força do disposto no art. 17º, nº1 CC e,
consequentemente, aplicar uma solução material holandesa.

 Sucessão de B

Observando disposto no art. 62º CC, a sucessão por morte é regulada pela lei pessoal do
autor. Atendendo à conjugação dos arts. 25º e 31º, nº1 CC, por lei pessoal deve entender-se a lei
da nacionalidade do autor, pelo que o legislador estabeleceu como conexão mais próxima a
nacionalidade.
Sendo A de nacionalidade portuguesa, conclui-se que a nossa norma de conflitos
portuguesa considera competente o próprio ordenamento jurídico português e, por conseguinte,
aplicar-se-á uma solução material da nossa lei.

Isto posto, urge passar pelo crivo da qualificação.


A solução material que ditará o efeito jurídico para a relação material controvertida, no
caso de A, encontra-se no ordenamento jurídico holandês e, relativamente a B, no ordenamento
jurídico português.
Isto apenas será assim tão linear se os aludidos ordenamentos jurídicos passarem pelo
processo de qualificação.

81
O primeiro momento a considerar no processo de qualificação é o momento da
interpretação do conceito-quadro. Ainda que tenhamos no nosso ordenamento jurídico um
instituto jurídico que coincide com o conceito-quadro do art. 62º CC, não podemos viciar-nos
nele para adotar uma interpretação para o referido conceito-quadro.
O legislador do Direito Internacional Privado não pretende que as interpretações do
conceito-quadro coincidam com as soluções materiais do Direito Interno Português. Cabe,
portanto, realizar a interpretação de forma autónoma, desprovida de vícios do nosso direito
material.
De acordo com a interpretação teleológico-funcional elaborada pelo Prof. Ferrer
Correia, há que descobrir qual o fim que o legislador do Direito de Conflitos teve em mente ao
estabelecer o conceito-quadro, não devendo para tal viciarmo-nos no nosso direito material.
Ainda assim, com o escopo de garantir a coerência lógica do sistema do direito civil, compete
recorre ao nosso instituto de Direito Material e encontrar o princípio que norteou o legislador ao
estabelecer o conceito-quadro.
Assim, atendendo ao regime da sucessão legal, o legislador pretendeu regular a
transmissão de direitos do de cujus que não se devam extinguir com a sua morte, para a qual o
de cujus não haja estabelecido o seu destino.
Ultrapassada a fase de interpretação do conceito-quadro, urge caminhar para a fase de
integração, a qual se divide na integração factual e na qualificação em sentido estrito.
Na interpretação factual há que ter presente os factos que se pretende tutelar e,
recorrendo ao ordenamento jurídico eleito (neste caso, o holandês), importar as normas ou
institutos do seu direito material que permitam solucionar a relação material controvertida.
De seguida, de modo a poder integrar tais normas no conceito-quadro da norma de
conflitos utilizada, há que interpretar as normas do direito material estrangeiro, nos termos do
art. 23º CC, de maneira a procurar uma coincidência entre os princípios do legislador do Direito
de Conflitos do foro e do legislador do Direito Material estrangeiro.
Perante o caso concreto, o ordenamento jurídico holandês categoriza esta problemática
como um caso de responsabilidade civil extracontratual, nos termos em que ela é concebida no
nosso ordenamento jurídico, mais concretamente no art. 483º CC.
Cabe, pois, interpretar a solução material holandesa a fim de encontrar o princípio
orientador do legislador holandês. Parece que o legislador deste ordenamento jurídico teve em
vista, ao tratar do fenómeno da responsabilidade civil extracontratual, tutelar a violação de
direitos absolutos ou tendencialmente absolutos não emergentes de relações jurídicas pré-
existentes.
Conclui-se, portanto, que não há coincidência entre os princípios norteadores do
legislador do Direito Internacional Privado e do legislador holandês.
Assim sendo, não é possível a integração.

82
O art. 62º CC foi eleito, pois a necessidade era a de regular a sucessão legal de A. Não
obstante, podemos ter de considerar outras normas de conflito respeitantes a soluções materiais
diversas daquelas que encontramos no Direito Interno Português.
Desta feita, se para o ordenamento jurídico holandês estamos perante um problema de
responsabilidade civil extracontratual, incumbe atender ao disposto no art. 45º CC. Esta norma
estabelece como conexão mais próxima o Estado onde decorreu a principal atividade causadora
do prejuízo. Tendo B morrido dentro do mar territorial português, conclui-se que a lei
portuguesa se considera competente.
Importa, pois, proceder ao processo de qualificação em relação a esta norma de
conflitos.
Ao integrar o conceito-quadro do art. 45º CC, decorre que, com o fenómeno da
responsabilidade civil extracontratual, o legislador visou tutelar a violação de direitos absolutos
ou tendencialmente absolutos não emergentes de relações jurídicas pré-existentes. Por sua vez,
o legislador interno português procurou, com o regime da sucessão legal, regular a transmissão
de direitos do de cujus que não se devam extinguir com a sua morte, para a qual o de cujus não
tenha escolhido o seu destino.
Assim, atendendo ao art. 15º CC, conclui-se que não há correspondência entre o
conceito-quadro e a solução material portuguesa.

Neste momento urge um problema de conflito negativo, pois não temos uma norma de
conflitos que eleja um ordenamento jurídico capaz de ultrapassar o criva da qualificação e, por
consequência, legitimar a sua aplicação.
A solução mais fácil passa por adaptar a norma de conflitos, a qual se caracteriza por ser
mais flexível relativamente ao direito material estrangeiro.
A referida adaptação da norma de conflitos pode provir de uma interpretação extensiva
ou de uma interpretação enunciativa, já se encontrando o conceito-quadro bastante amplo por
força da interpretação teleológico-funcional realizada aquando da qualificação.
Por via da interpretação enunciativa, interrogar-nos-emos se, por maioria de razão,
quando tratamos do fenómeno sucessório, também nos debruçamos sobre a proteção de direitos
absolutos não emergentes de relações jurídicas pré-existentes.
Por seu turno, através de uma interpretação extensiva, tendo presente a garantia da
coerência lógica do sistema, é possível interpretar no conceito-quadro a resolução da
responsabilidade civil extracontratual quando esta visa resolver o fenómeno sucessório,
considerando o critério de repartição da herança assente nos danos que sofrem os herdeiros com
a morte do de cujus?

83
Em nenhuma destas interpretações é possível encontrar o princípio que norteou o
legislador, pelo que por mais que estiquemos o conceito-quadro, nunca conseguiremos chegar à
solução material.

Deve, portanto, proceder-se à criação de uma norma ad hoc.


Há quem entende que se deve realizar uma adaptação do elemento de conexão, dado
que no caso concreto estamos diante aa aplicação do ordenamento jurídico holandês. Se
adaptássemos o elemento de conexão, o qual não é um elemento técnico-jurídico,
esqueceríamos a situação de reenvio acima referida, aplicando o ordenamento jurídico
brasileiro.
Ao passar pelo processo de qualificação, a solução do ordenamento jurídico brasileiro é
idêntica à nossa, o que permite concluir que se integraria no conceito-quadro. Contudo, a
aplicação da lei brasileira implica que se prescinda da harmonia jurídica internacional que se
atingiu por via do preenchimento dos requisitos do art. 17º, nº1 CC, a qual prevaleceu sobre o
princípio da maior ligação individual, pois não se preencheram os requisitos do art. 17º, nº2 CC.

No entender da professora, no caso concreto não é possível efetuar a adaptação do


elemento de conexão sem que primeiro se tente criar uma norma ad hoc, cuja base versa sobre a
necessidade de se salvaguardar o princípio da harmonia jurídica internacional a que se fez
alusão por virtude do nº1 do art. 17º CC.
Importa, pois, proceder à criação da norma ad hoc. Traremos o conceito-quadro do art.
45º CC e colocá-lo-emos no art. 62º CC. Assim, a transmissão de direitos do de cujus, por
compensação dos danos pessoais sofridos pelos herdeiros, é regulada pela lei do cônjuge do
autor da sucessão, o que permite aplicar o direito material holandês.

No que tange a B não se suscita muitas dúvidas, pois o art. 62º CC remete para o
ordenamento jurídico português e, portanto, as nossas soluções internas, pelo seu conteúdo e
função (art. 15º CC), integram-se no conceito-quadro do art. 62º CC.

Isto posto, urge atender à circunstância de o corpo de B nunca ter sido encontrado, o
que suscita a necessidade de recorrer a uma situação de reenvio autónomo para resolver esta
problemática, pois se B não morreu não poderemos solucionar a sua sucessão.
O art. 26º, nº1 CC determina que “o início e o termo da personalidade jurídica são
fixados igualmente pela lei pessoal de cada indivíduo”, ou seja, estabelece como conexão a
nacionalidade do interessado, i.e., o autor da sucessão.

84
Sendo B português, recorre-se ao art. 68º, nº3 CC, de acordo com o qual é possível
concluir que B se encontra morto, uma vez que além de não ter sido encontrado o seu corpo, o
seu desaparecimento deu-se “em circunstâncias que não permitem duvidar da morte dela”.

Ultrapassada a necessidade de aferir pela efetiva morte de B, urge referir que A, sendo
filho daquele, levanta-se um problema relativamente à sucessão.
Decorre do art. 68º, nº2 CC uma presunção de comoriência, ou seja, presume-se que A e
B morreram em simultâneo. Sucede, todavia, que a posição do ordenamento jurídico holandês é
distinta, o qual determina que, em caso de dúvida, deve ter-se em conta que morreu primeiro a
pessoa de idade mais avançada, ou seja, neste caso tratar-se-ia de A.
De modo a solucionar este problema, há que atender ao preceituado no art. 26º, nº2 CC,
o qual postula uma solução verdadeiramente material, de acordo com a qual,
independentemente de poderem existir situações inconciliáveis face à questão da presunção de
morte, aplica-se, em todo e qualquer caso, a presunção de comoriência emergente do já aludido
art. 68º, nº2 CC.

T – 08 de novembro de 2019

O DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO DA UNIÃO EUROPEIA

Ao nível do Direito Internacional Privado da União Europeia e dos diversos


Regulamentos Comunitários é possível encontrar normas d conflitos com o respetivo elemento
de conexão e conceito-quadro. Se o conceito-quadro, ao nível do Direito da União Europeia,
abarcar uma matéria do Regulamento Roma I, não haverá qualquer hipótese de reenvio.

Tratando-se de um Regulamento Comunitário, a sua matéria é diretamente aplicável na


ordem interna dos diversos Estados-Membros. Na eventualidade de s suscitarem dúvidas quanto
à sua aplicação, compete atender à jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia,
mediante um reenvio prejudicial para que este nos dê a solução.
Trata-se, portanto, de um processo de qualificação totalmente diferente daquele que até
aqui abordamos.

A principal vantagem encontrada na existência de Regulamentos Comunitários reside


na tendência de uniformização das normas de conflito, pelo que a certeza e a segurança
jurídicas que se impõem ao Direito Internacional Privado tendem a chegar a um objetivo
comum, i.e., independentemente do Estado onde for julgada uma determinada situação,
encontrar-se-á uma mesma solução material.

85
Ao nível da União Europeia, encontra-se um regime bastante parecido ao da Common
Law, assente na regra do precedente em termos do conteúdo interpretativo.
Assim, contrariamente ao que até aqui temos efetuado, deve partir-se sempre das
decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia, o qual realiza, em virtude da regra do
precedente, a explicação do caminho interpretativo para resolver uma determinada questão.

 Direito dos estrangeiros

Neste âmbito urge coloca em pé de igualdade os estrangeiros que sejam cidadãos


europeus com os nacionais de cada um dos Estados-Membros.

 Ac. TJUE de 2 de março de 2010 (Processo C-135/08)

Em matéria de estatuto pessoal, o legislador português consagra, por regra, a


nacionalidade enquanto conexão, salvas as raras exceções constantes do nosso ordenamento
jurídico.
Todavia, ao nível comunitário vigora como regra a residência habitual do interessado, o
que causa sérias implicações, sendo um desses exemplos o acórdão em causa.
O ac. de 2 de março de 2010 moveu Janko Rottmann contra Freistaat Baytern. Aquele
havia renunciado à sua cidadania austríaca para se tornar nacional alemão. No entanto, por estar
contra ele a correr um processo crime, o Estado alemão decidiu retirar-lhe a cidadania alemã, o
que o colocou numa situação de apátrida (sem que lhe fosse garantida a anterior cidadania).
A partir de momento em que temos um cidadão com residência habitual na União
Europeia, é necessário garantir a sua livre circulação. Cabe, pois, repor a situação tal qual ela se
estabelecia anteriormente, pois em prol dos direitos adquiridos, Janko Rottmann era cidadão
europeu.
O Tribunal de Justiça da União Europeia determina que a partir do hiato temporal em
que alguém adquire a cidadania europeia, o sistema conflitual deve tentar estipular as condições
para que aquela se mantenha. Assim, no caso concreto, deveria garantir a repristinação dos
efeitos à cidadania austríaca, de modo a que Janko Rottmann nunca perdesse a cidadania
europeia.
 Ac. TJUE de 8 de março de 2011 (Processo C-34/09)

Este processo coloca Kunqian Catherine Zhu e Man Lavette Chen contra Secretary of
State for the Home Department.

86
Aqueles são nacionais chineses, i.e., nacionais de um Estado terceiro relativamente à
União Europeia. Não obstante, o filho de ambos nasceu na Irlanda, um Estado-Membro da
União Europeia.
De acordo com o critério do ius soli seguido a nível comunitário. nascendo uma criança
no seio da União Europeia, adquire a nacionalidade do respetivo Estado e a cidadania europeia,
devendo garantir-se todos os direitos relativos ao seu estatuto pessoal, inclusive o direito a ficar
no Estado-Membro e a sua possibilidade de circular livremente pelos demais.
O artigo 18.° CE e a Diretiva 90/364, relativa ao direito de residência, conferem ao
nacional de um Estado-Membro, menor, de tenra idade, abrangido por um seguro de doença
adequado e a cargo de um dos progenitores, por sua vez nacional de um Estado terceiro, cujos
recursos são suficientes para que o primeiro não se torne uma sobrecarga para as finanças
públicas do Estado-Membro de acolhimento, o direito a residir por tempo indeterminado no
território deste último Estado. Neste caso, essas mesmas disposições permitem ao progenitor
que efetivamente tem esse nacional à sua guarda residir com este último no Estado-Membro de
acolhimento.

Surgiu, então, uma aparente problemática, pois os Estados conseguem-na ultrapassar


por força das Convenções resultantes das Conferências de Haia, as quais permitem uma fácil
vinculação, tanto dos 28 Estados-Membros, como outros que a elas pretendam ficar ligados.
Isto provoca uma clivagem entre o Direito da União Europeia e as referidos
Convenções, mas deve entender-se que o Regulamento apresenta um caráter imperativo
relativamente àquelas.
Esta clivagem é harmonizada com o entendimento de que as Convenções têm
tendencialmente sido deixadas de ser negociadas pelos Estados-Membros, para que a
negociação se faça ao nível da Comissão, a qual as vai aplicar verticalmente aos Estados-
Membros, o que permite garantir que aquelas não entrem em conflito com o seu direito material.

O DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO DA UNIÃO EUROPEIA

 Regulamento Roma I

Por força do Regulamento Roma I, a matéria relativa aos direitos das obrigações
presente no nosso Código Civil encontra-se derrogada, sendo a sua aplicação residualíssima.
O Regulamento Roma I versa sobre matéria relativa às obrigações contatuais,
provindo da unificação decorrente da Convenção de Roma, sobre a lei aplicável às obrigações,
de 1980.

87
Este Regulamento vincula todos os Estados-Membros da União Europeia, com exceção
da Dinamarca, em matéria de contratos obrigacionais, i.e., negócios jurídicos bilaterais de fonte
obrigacional.

Para que possa ser aplicado o Regulamento Roma I, é necessário que se cumulem os
seus pressupostos:

 Âmbito material: de acordo com o art. 1º, nº1, o RRI é aplicável às obrigações
contratuais em matéria civil e comercial que impliquem um conflito de lei. Não
se aplica a matérias fiscais, aduaneiras e administrativas.
O nº2 do art. 1º elenca um conjunto de alíneas que são excluídas do âmbito de
aplicação material do RRI;

 Âmbito espacial: Decorre do art. 2º que o RRI apresenta um âmbito de


aplicação universal, ou seja, admite a aplicação de uma lei que não pertença a
um Estado-Membro da União Europeia, v.g., a lei iraniana.
A partir do momento em que um Estado-Membro da União europeia é a lex fori
e pode aplicar o RRI, tendo em consideração que ele é automaticamente
aplicado no nosso direito interno, independentemente da conexão eleita,
aplicaremos o RRI;

 Âmbito temporal: Segundo o art. 28º, o RRI é aplicável a todos os contratos


celebrados e que produzam os seus efeitos após a sua entrada em vigor, ou
seja, a partir de 17 de dezembro de 2009.

T – 11 de novembro de 2019 (Compensação – 13h)

O Regulamento Roma I apresenta regra gerais (arts. 3º e 4º RRI) e regras especiais


(arts. 5º a 8º RRI). A razão pela qual se consagrou a existência de tais regras especiais – em
matérias de transporte, de seguros e de proteção da parte mais fraca, nomeadamente os
consumidores) – encontra-se nos Considerandos, os quais refletem os motivos do legislador
comunitário.
Importa, primeiro, classificar o âmbito material
do RRI. Depois de fixado aquele, há que
classificar o tipo de negócio jurídico, tarefa
necessária para determinar a aplicação de uma
regra especial, ou, por seu turno, concluir pela
aplicação das regras gerais.

88
Decorre do art. 20º RRI a regra de que está excluída qualquer situação de reenvio no
âmbito do RRI, dado que a aplicação da lei de um país designada pelo Regulamento Roma I
importa a aplicação das normas jurídicas em vigor nesse ordenamento jurídico, com exceção
das suas normas de conflito.
Conclui-se, portanto, que a regra circunscreve-se à realização de uma referência
material para a lei designada pela conexão aplicável pelo presente Regulamento. Esta
problemática assume maior relevância quando a lei designada pertença a um Estado terceiro,
i.e., um Estado que não seja Membro da União Europeia.

REGRAS GERAIS (arts. 3º e 4º RRI)

Tal qual se constatou da abordagem efetuada ao Código Civil, a conexão regra para
aplicar a lei que regerá o contrato será aquela escolhida pelas partes. Segundo o art. 3º, nº1
RRI, “a escolha deve ser expressa ou resultar de forma clara das disposições do contrato, ou das
circunstâncias do caso”.
Articulado o referido por via do art. 3º, nº1 RRI com o disposto no art. 20º do mesmo
diploma, importa frisar que a escolha de uma lei pelas partes deve consubstanciar-se apenas ao
seu ordenamento interno ou material, nunca devendo ser entendida como uma referência global
a essa lei.

Além disso, a parte final do art. 3º, nº1 RRI permite que as partes possam designar “a lei
aplicável à totalidade ou apenas a parte do contrato”. Admite-se, por conseguinte, um
depéçage ou splitting contratual.

Por via do preceituado no nº2 do art. 3º RRI, durante a vigência do contrato, no


exercício da sua autonomia da vontade, podem as partes alterar a lei que vai regular as suas
vicissitudes. Não obstante, “qualquer modificação quanto à determinação da lei aplicável,
ocorrida posteriormente à celebração do contrato, não afeta a validade formal do contrato, nos
termos do artigo 11º, nem prejudica os direitos de terceiro”

No âmbito do Regulamento Roma I, a autonomia da vontade é fonte exclusiva de


internacionalização de um negócio jurídico que tem contacto com um único ordenamento
jurídico.
No que estudamos até aqui, foi constatado que a autonomia da vontade era fonte de um
problema típico do Direito Internacional Privado, i.e., a fraude à lei, o qual, em princípio, não
se vislumbra no RRI, isto porque as partes não têm entraves a escolher uma solução material de

89
um ordenamento jurídico que não apresente qualquer conexão com a sua relação jurídica, nem
têm de a internacionalizar de forma fraudulenta.
Ainda assim, atendendo ao disposto na parte final do nº3 do art. 3º RRI, deve ter-se em
consideração que o único limite colocado pelo legislador comunitário passou por evitar que as
partes escolham um ordenamento jurídico estrangeiro no exclusivo interesse de contornar uma
norma imperativa do ordenamento jurídico de onde aquela relação jurídica tem exclusiva
conexão.
Assim, ainda que o seu negócio jurídico seja puramente interno, podem as partes
internacionalizá-lo com base na sua autonomia da vontade, mas a escolha do ordenamento
jurídico estrangeiro não pode colocar em cheque normas de caráter imperativo do ordenamento
jurídico com o qual a relação jurídica possui exclusivo contacto. Imagine-se, a título
exemplificativo, que as partes optam pelo ordenamento jurídico francês para regular o seu
contrato de compra e venda, se se tratar de um bem imóvel, devem obedecer a requisitos de
forma imperativos do ordenamento jurídico português.

A partir do momento em que estamos diante do Direito da União Europeia, a nossa


interpretação deve ser elevada, não só ao Direito Interno, mas também ao Direito da União
Europeia – exemplo da cidadania europeia.
Assim, conforme reflete o nº4 do art. 3º RRI, estamos perante situações que sejam
inderrogáveis face ao Direito da União Europeia, sobretudo quando a escolha das partes verse
sobre leis de Estados que não sejam Membros da União Europeia.

Quando estamos a apreciar a matéria relativa à validade do negócio jurídico, também é


aplicável o Regulamento Roma I. A escolha da lei inclui a validade formal e a validade
substancial do negócio jurídico, bem como a matéria relativa à capacidade negocial, nos
termos do art. 13º RRI.
Aquilo que fazemos no âmbito do Código Civil quando apreciamos um determinado
negócio jurídico e temos a separação entre a capacidade para celebrar o negócio jurídico, a
validade formal e a validade substancial do mesmo, não se verifica no âmbito do RRI, pois
neste caso a escolha inclui todas estas valências.
Assim o dispõe o art. 3º, nº5 RRI, o qual remete para os arts. 10º, 11º e 13º RRI.
Deve ter-se particular atenção ao nº2 do art. 11º RRI, o qual regula os negócios jurídicos
celebrados à distância, i.e., quando as declarações negociais são emitidas em locais distintos, o
que vai implicar diferentes soluções.
A matéria constante do art. 13º RRI é muito semelhante àquela preceituado no art. 28º
CC. O art. 13º RRI preceitua que “num contrato celebrado entre pessoas que se encontram no
mesmo país, uma pessoa singular considerada capaz segundo a lei desse país só pode invocar a

90
sua incapacidade que resulte da lei de outro país se, no momento da celebração do contrato, o
outro contraente tinha conhecimento dessa incapacidade ou a desconhecia por negligência”.
Solução que visa essencialmente a proteção do comércio jurídico local,
Isto significa que o Regulamento Roma I regula a matéria da capacidade não para
determinar capacidade, mas como um limite negativo à lei que a regula.

Isto posto, é importante ter em atenção que quando tratamos do Regulamento Roma I,
estamos a tratar da escolha da lei substantiva, a qual não inclui a matéria processual ou adjetiva.
Não obstante, o art. 18º RRI estabelece um âmbito superior relativamente aquilo que é a
possibilidade de demonstração de prova ou do tipo de provas que são admissíveis.
A este propósito, o art. 18º, nº1 RRI refere que “a lei que regula a obrigação contratual,
por força do presente regulamento, aplica-se na medida em que, em matéria de obrigações
contratuais, contenha regras que estabeleçam presunções legais ou repartam o ónus da
prova”.
Depois, à luz do nº2 do referido preceito, é possível utilizar meios de prova no âmbito
da lei escolhida pelas partes e repeti-la na lei do foro, ainda que nela não se encontrem
expressamente previstos. Assim, pode aumentar-se o leque de meios de prova relativa à matéria
de obrigações contratuais.

 Artigo 4º do Regulamento Roma I

A questão que se coloca agora prende-se a saber como se resolvem as situações em que
temos uma determinada relação jurídica que faça parte do âmbito material o RRI, mas as partes
não utilizaram a faculdade da conexão autonomia da vontade.
No âmbito das regaras gerais, funciona agora o art. 4º RRI.
O legislador comunitário elencou os contratos típicos, escolhendo uma conexão para
cada um deles (art. 4º, nº1 RRI). Por exemplo, as als. c) e d) tratam de questões relativas a
imóveis e, por isso, dando guarido ao princípio da maior proximidade, o legislador estabeleceu
como conexão a lex rei sitae.
A título de curiosidade, vislumbra-se que a conexão nacionalidade não foi estipulada
para nenhum destes contratos típicos, o que permite concluir pela tendência de, no âmbito do
Direito da União Europeia, se considerar como conexão por excelência a residência habitual,
Neste conspecto, incumbe atender ao art. 19º RRI, o qual explica o que se entende por r habitual
para efeitos do presente regulamento comunitário. O nº3 permite que se afaste da conexão mais
estreita no momento em que constata a vicissitude contratual para o momento da celebração do
negócio jurídico.

91
Posto isto, importa aferir a solução a atribuir quando o contrato não se encontra previsto
na lista do art. 4º, nº1 RRI ou quando as partes dos contratos forem abrangidas por mais do que
uma das alíneas a) a h) do nº1. Incumbe, pois, versar o nosso estudo sobre o nº2 desta norma.
A conexão estipulada no nº2 do art. 4º RRI é a residência habitual do contraente que
deve efetuar a prestação característica do contrato. Este artigo está pensado para as situações em
que haja um contrato em que uma das prestações é uma prestação pecuniária. A prestação
característica é a contraprestação da prestação pecuniária, i.e., aquela que distingue o negócio
jurídico, tornando-o único.
Assim, a conexão eleita pelo legislador comunitário no âmbito do art. 4º, nº2 RRI é a
residência habitual do contraente que deve realizar a contraprestação da prestação pecuniária.

Se, com base nos nºs 1 e 2 do art. 4º RRI, não for possível escolher a conexão, temos de
atender ao nº4 do mesmo artigo. O legislador comunitário dá mais âmbito de interpretação
àquilo que é o contrato propriamente dito, mandando escolher a conexão mais estreita com
aquele. Trata-se, portanto, de uma escolha casuística.
Impõe-se, no entanto, a ressalva do nº3 do art. 4º RRI, ou seja, é possível escolher outra
conexão para além da que resulta do nº1 ou do nº2 quando se demonstra perante as
circunstâncias do caso concreto que aquele negócio jurídico apresenta uma conexão
manifestamente mais estreita com outro ordenamento jurídico que não aquele eleito pelo nº1
ou pelo nº2.

P – 13 de novembro de 2019 (Compensação – 13h)

Caso Prático 11
A e B, que são tailandeses, e vivem habitualmente em Londres onde passaram a residir
para poderem livremente assumir a sua homossexualidade.
A e B casaram em Paris e aí decidiram adotar uma criança, o que de facto veio a
suceder.
O pai de A não se conforma com a decisão do filho porque a considera um verdadeiro
pecado, apesar deste progenitor já viver há vários anos em Portugal e até já se naturalizou
português.
Perante isto, o pai de A propõe nos tribunais portugueses uma ação impugnando a
adoção da criança, considerando aplicada a lei tailandesa, que não reconhece o
estabelecimento da filiação adotiva a solteiros ou casais do mesmo sexo.

92
a) O ordenamento jurídico inglês pratica devolução dupla e reconhece a adoção
homossexual, sendo que considera competente a lei nacional comum dos cônjuges para aferir a
sua validade;
b) O ordenamento jurídico tailandês, como referido, não reconhece esta adoção e
considera competente a lei do lugar onde foi realizado o ato jurídico de adoção. Pratica
devolução simples;
c) O ordenamento jurídico francês considera competente a nacionalidade comum dos
cônjuges adotantes e faz referência material.

Considerando que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes, diga


qual a solução material a aplicar no caso concreto.

Atendendo ao caso concreto suscitado, estamos perante uma relação jurídica


relativamente internacional – os seus elementos encontram-se dispersos por mais de um
ordenamento jurídico, sendo um deles o português –, de natureza privada, relativa a matéria de
estatuto pessoal.
Com a relação material em causa estão em contacto os seguintes ordenamentos
jurídicos:

 Tailandês: nacionalidade de A e B;
 Inglês: residência habitual de A e B;
 Francês: lugar da celebração do casamento de A e B e lugar onde estes
adotaram uma criança;
 Português: nacionalidade de pai de A e residência habitual do mesmo.

Tem-se como ponto de partida que Portugal é a lex fori, isto é, é-lhe reconhecida a
competência internacional para dirimir a relação jurídica material.

Observando o disposto no art. 60º, nº2, 1ª parte CC, este distingue os casais, fazendo
apenas menção à adoção efetuada por marido e mulher. Não obstante, deve proceder-se a uma
interpretação atualista da norma, abarcando dessa forma a possibilidade de a adoção ser
efetuada por casais, sejam eles homossexuais ou não.
Assim, do art. 60º, nº2 CC tem-se que a conexão eleita pelo legislador do Direito
Internacional Privado é a nacionalidade comum do casal, pelo que se faz remissão, no caso
concreto, para o ordenamento jurídico tailandês.
O ordenamento jurídico tailandês considera competente a lei do lugar onde foi realizado
o ato jurídico da adoção, ou seja, remete a questão para o ordenamento jurídico francês.

93
Vislumbra-se, portanto, uma situação de reenvio, dado que a lei designada pela norma de
conflitos portuguesa não se considera competente, remetendo para outra lei.
Havendo reenvio, verifica-se o primeiro pressuposto para que o ordenamento jurídico
português possa abdicar da sua posição regra anti-devolucionista, consagrada no art. 16º CC.
Para que tal suceda, é necessário que se verifiquem outros dois pressupostos, i.e., que haja
harmonia jurídica internacional entre os ordenamentos jurídicos em contacto com a situação
conflitual e que o reenvio seja condição necessária para que essa harmonia seja atingida.
A este propósito cabe atender à posição de cada um desses ordenamentos jurídicos em
relação à matéria de reenvio.
O ordenamento jurídico tailandês, ao praticar devolução simples, realiza uma referência
global à lei francesa (atende ao seu direito interno, bem como ao seu sistema de conflitos), mas,
uma eventual remissão efetuada por esta lei é entendia como uma referência material (atenderá
apenas ao direito interno da lei designada).
O ordenamento jurídico francês considera competente a lei da nacionalidade comum
dos cônjuges, pelo que remete para a lei tailandesa. Ao assumir uma posição anti-
devolucionista, realiza uma referência material ao ordenamento jurídico tailandês.

Assim, temos o seguinte esquema de reenvio:

L1(português) L2(tailandês - DS) L3(francês - AD)

L2(inglês) L2 (tailandês) L2 (tailandês)

Do sistema de reenvio apresentando vislumbra-se a existência de harmonia jurídica


internacional entre os ordenamentos jurídicos em contacto com a situação conflitual, mas o
reenvio não figura como solução necessária à obtenção de tal harmonia, pois quer aquele exista,
quer não, aplicar-se-á, nos tribunais portugueses, uma solução material da lei tailandesa.
Desta forma, não e cumulando os pressupostos para que Portugal admite adotar uma
posição devolucionista, deve concluir-se que manterá a sua posição regra anti-devolucionista,
decorrente do art. 16º CC, efetuando uma referência material ao ordenamento jurídico tailandês,
i.e., atenderá somente ao seu direito interno.

Isto posto, há que proceder ao processo de qualificação.


Importa, pois, atender ao conceito-quadro do art. 60º, nº2 CC, i.e., todas aquelas
situações jurídicas que o legislador considerou para eleger a conexão de determinada norma de
conflitos e só para essas é que é possível legitimar a aplicação da solução do ordenamento

94
jurídico estrangeiro, pois do art. 15º CC sobressai a expressão que diz que só se consideram
competentes normas que estiverem de acordo com o conceito-quadro.
Quando chamamos o ordenamento jurídico, só podemos aplicar normas de direito
material que regulem a situação controvertida e essas devem integrar o conceito-quadro da
norma de conflitos, ou seja, devem passar pelo crivo da qualificação em sentido estrito
O art. 60º, nº2 CC tem como conceito-quadro a filiação adotiva.
A filiação adotiva dá-nos, desde logo, o instituto do direito material português que
aplicaríamos no caso concreto.
Ainda que partindo da solução material portuguesa, o legislador do DIP pretende uma
interpretação autónoma, exclusivamente de acordo com a lex formalis fori, de modo a que
outras soluções de direito material estrangeiro se possam subsumir no nosso conceito-quadro.
Para isso é necessário arranjar um mínimo denominador comum entre o nosso conceito-quadro
e a solução de direito material estrangeiro.
Urge, pois, realizar uma interpretação não literal do conceito-quadro, mas uma
interpretação considerando o elemento teleológico ou funcional do mesmo. Portanto, quando o
legislador do DIP fala em filiação adotiva, ainda que partindo daquilo para nós é o
estabelecimento da filiação adotiva, temos de estabelecer qual foi o princípio norteador que o
legislador do Direito dos Conflitos terá considerado.
No caso concreto, o legislador ao estabelecer a filiação adotiva enquanto conceito-
quadro visa regular todos os atos jurídicos que permitam estabelecer relações de parentesco no
primeiro grau da linha reta, relativamente às quais não exista ascendência biológica – como são
os casos da declaração de maternidade e da perfilhação.

Passando para o segundo momento da qualificação, i.e., o momento da integração,


incumbe trazer do ordenamento jurídico tailandês exclusivamente as normas de direito material
capazes de resolver este problema – nomeadamente as que digam quem pode adotar (casais
heterossexuais).
Essa norma deve ser interpretada dentro do contexto do ordenamento jurídico tailandês
(art. 23º CC). A lei tailandesa trata desta matéria como filiação adotiva, ou seja, trata de atos
jurídicos que permitam estabelecer parentesco na linha reta em primeiro grau, excluindo-se atos
jurídicos de ascendência genética ou biológica.
Isto posto, importa subsumir o conceito-quadro e a norma de direito material trazida do
ordenamento jurídico tailandês, tendo um silogismo entre a premissa maior e a premissa menor,
i.e., só se pelo seu conteúdo e função as normas de direito material integrarem o conceito-
quadro é que poderão ser aplicadas. O direito material tailandês e o conceito-quadro do art. 60º,
nº2 CC visam o mesmo objetivo.

95
Assim, face ao que foi referido, passado o processo da qualificação, conclui-se pela
aplicabilidade deste direito material estrangeiro.

Não obstante, há um problema que se suscita.


Importa atender ao preceituado no nº2 do art. 31º CC, o qual consagra uma situação
autónoma de reenvio. De acordo com o referido preceito, em prol do princípio do favor negotti,
admite-se que Portugal prescinda da conexão de estatuto pessoal nacionalidade para a conexão
estatuto pessoal residência habitual.
Para que isso aconteça, além de ter de se cumprir o pressuposto de aplicação do art. 31º,
nº2 CC, i.e., que haja um ato jurídico que perante o ordenamento jurídico da lei da
nacionalidade seja inválido – caso da situação concreta, em que o estabelecimento da filiação
adotiva é inválido perante a lei tailandesa –, é necessário que se preenchem cumulativamente os
seus requisitos, a saber:

 O ato jurídico deve ser celebrado no país da residência habitual – no caso


concreto a filiação adotiva foi estabelecida em França; 
 O ato jurídico deve ser válido perante a lei da residência habitual – no caso
concreto a lei inglesa considera válida o estabelecimento da filiação adotiva; 
 A lei da residência habitual tem de se considerar competente – o ordenamento
jurídico inglês considera competente a lei da nacionalidade comum dos
cônjuges. 

Eventualmente, nas interpretações extensiva e analógica dos Profs. Ferrer Correia e


Batista Machado conseguiríamos aplicar este art. 31º, nº2 CC, mas não é necessário que a elas
se atenda e seja dedicado o âmbito da resolução do caso concreto enunciado.
Excecionalmente, o Direito Internacional Privado tem em consideração a solução
material. Urge, portanto, um problema inerente à exceção da ordem pública internacional, na
qual se coloca em causa a aplicabilidade da solução material tailandesa, i.e., importa aferir se a
solução material do ordenamento jurídico eleito fere os princípios informadores (de ordem
constitucional ou infraconstitucional) que caracterizam o nosso sistema ético-jurídico numa
configuração axiológica relevante que nos consubstancia como Estado de Direito.
No caso concreto há uma discriminação que o ordenamento jurídico português já não
tolera. Mesmo quando em Portugal vigorava a não admissibilidade de um casal homossexual
adotar uma criança, isto feria a nossa ordem pública internacional do Estado do foro, uma vez
que viola o direito à família da criança.
Ainda que não reconhecemos este casal como uma família elegível para a adoção,
naquele momento a criança já tem aquela família e, portanto, retirar-lhe-íamos uma família que

96
já tem, nomeadamente pais, eventualmente uma nova nacionalidade, se fosse no âmbito da
União Europeia a residência habitual que já tinha e permissão para circular livremente dentro do
espaço europeu, ela própria seria elegível á cidadania do Estado-Membro da residência habitual.
Assim, ainda que nós nunca reconhecêssemos a adoção por este casal, estaríamos a retirar todos
os elementos do estatuto pessoal que a criança já tem.
Assim, temos um efeito adverso relativamente a um terceiro, i.e., a criança.
Urge, pois, procurar no ordenamento jurídico tailandês uma solução material que não
ofendesse a nossa ordem pública, o que não era possível pois aquele não admitira qualquer tipo
de adoção neste caso. E, na falta de solução, aplicar-lhe-íamos a solução material do
ordenamento jurídico português, reconhecendo, sem qualquer tipo de entrave, esta filiação
adotiva.

T – 13 de novembro de 2019

(continuação do estudo do Regulamento Roma I)

REGRAS ESPECIAIS

As regras gerais observadas na aula T – 11 de novembro de 2019 não se aplicam a


contratos especiais expressamente previstos no Regulamento Roma I, para os quais se utilizarão
regras especiais

Os contratos que estão regulados em especial no Regulamento Roma I são os seguintes:

 Contrato de transporte (transporte de mercadorias e transporte de pessoas) – art.


5º RRI;
 Contrato de seguro (grande novidade relativamente à Convenção de Roma
relativa às obrigações) – art. 7º RRI;
 Contratos norteados pelo princípio da proteção da parte mais fraca – contratos
celebrados por consumidores e os contratos individuais de trabalho – arts. 6º e
8º RRI.

Se estivermos perante um contrato de transporte, um contrato de consumo, um contrato


de seguro ou um contrato individual de trabalho, urge, em primeira linha, encontrar as regras
especiais de cada um destes contratos.

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Se não for possível resolver pelas regras especiais, deve atender-se à regra geral da
autonomia da vontade (art. 3º RRI) e à regra geral supletiva relativamente à escolha de lei no
caso de as partes não escolherem a lei aplicável à situação em concreto (art. 4º RRI).

Contrato de transporte – art. 5º RRI.

Decorre do art. 5º, nº1 RRI o contrato de transporte de mercadorias, ao passo que o nº2
do presente artigo versa sobre o contrato de transporte de pessoas.
É necessário realizar uma remissão do art. 5º, nº2 RRI para o art. 6º, nº4, al. b) do
mesmo Regulamento, em que temos também um contrato de transporte, mas são os típicos
contratos de transporte de turistas, aos quais é expressamente aplicável uma Diretiva
comunitária, i.e., a Diretiva 90/314/CE do Conselho, de 13 de janeiro de 1990, relativa às
viagens organizadas, férias organizadas e circuitos organizados.

 Transporte de mercadorias – art. 5º, nº1 RRI

Da leitura do art. 5º, nº1 RRI vigora, em primeira linha, o princípio da autonomia da
vontade – “Se a lei aplicável a um contrato de transporte de mercadorias não tiver sido
escolhida nos termos do artigo 3º”.
Na eventualidade de não ter sido escolhida a lei, deve atender-se à ordem subsidiária
constante da 2ª parte do art. 5º, nº1 RRI:

 “a lei do país em que o transportador tem a sua residência habitual, desde que o
local da receção ou da entrega ou a residência habitual do expedidor se situem
igualmente nesse país”;
 “Caso esses requisitos não estejam cumpridos, é aplicável a lei do país em que
se situa o local da entrega tal como acordado pelas partes”. Assim, altera-se a
conexão dos sujeitos para o objeto do contrato.

 Transporte de passageiros – art. 5º, nº2 RRI

Tal como emerge da primeira parte do nº2 do art. 5º RRI, funciona a autonomia da
vontade, a qual é, neste tipo de contratos, limitada a algumas leis, i.e., aquelas contidas no
parágrafo segundo: “As partes podem escolher como lei aplicável ao contrato de transporte de
passageiros, nos termos do artigo 3º, exclusivamente a lei do país em que:

a) O passageiro tem a sua residência habitual; ou

98
b) O transportador tem a sua residência habitual; ou
c) O transportador tem a sua administração central; ou
d) Se situa o local da partida; ou
e) Se situa o local do destino.

Se as partes não escolherem a lei aplicável, o nº2 do art. 5º RRI consagra conexões
sucessivas:
 “a lei aplicável a estes contratos é a lei do país em que o passageiro tem a sua
residência habitual, desde que o local da partida ou de destino se situe nesse
país”;
 “Caso estes requisitos não estejam cumpridos, é aplicável a lei do país em que o
transportador tem a sua residência habitual”.

O legislador usou a mesma técnica do art. 4º, nº3 RRI no art. 5º, nº3 do mesmo
Regulamento, pois é admissível que se demonstre que nas conexões supletivas o intérprete
consiga identificar uma conexão manifestamente mais estreita, a qual será aplicável ao invés
da conexão estreita que foi supletivamente eleita.

Contrato celebrados com consumidores – art. 6º RRI

Este contrato só é aplicável se não for possível subsumir um contrato de consumo como
sendo um cotrato de transporte ou como sendo um contrato de seguro.
O art. 6º RRI consagra todos os consumidores, exceto os contratos dos consumidores
que sejam eles próprios um contrato de transporte ou um contrato de seguro, pois face a esses
aplicar-se-ão as regras específicas dos arts. 5º e 7º, ambos do RRI, respetivamente.

O art. 6º, nº1 RRI caracteriza os contratos de consumo, os quais têm de ter um
consumidor, i.e., uma pessoa singular que celebre o contrato para uma finalidade estranha à sua
atividade comercial ou profissional, e um profissional, ou seja, a pessoa que celebra o negócio
no âmbito da sua atividade comercial ou profissional.

Quando estivermos diante de um contrato de consumo, o art. 6º, nº2 RRI determina
como conexão regra a autonomia da vontade – “Sem prejuízo do disposto no nº1, as partes
podem escolher a lei aplicável a um contrato que observe os requisitos do nº1, nps termos do
artigo 3º”.
Não obstante, o nº2 do art. 6º RRI consagra o primeiro elemento corretivo à escolha da
autonomia da vontade, na medida em que a escolha dele não pode limitar a proteção que o

99
consumidor (parte mais fraca deste contrato) teria se não tivesse escolhida aquela lei e lhe fosse
aplicável a lei supletiva do nº1 do art. 6º RRI, ou seja, a lei da residência habitual do
consumidor, desde que:

a) o profissional exerça as suas atividades comerciais ou profissionais no país em que o


consumidor tem a sua residência habitual; ou
b) por qualquer meio, dirija essas atividades para este u vários países, incluindo aquele
país.

Quando não verificados os requisitos do nº1 do art. 6º RRI, aplicar-se-ão as regras


gerais dos arts. 3º e 4º RRI.

P – 14 de novembro de 2019

Caso Prático 12

A, irlandês, casado com M, espanhola, residem habitualmente em Madrid.


Há uns dias, A foi confrontado com uma notícia difundida num meio de comunicação
social português em que ele era identificado como um perigoso terrorista foragido na Europa e
que, caso fosse encontrado, devia ser imediatamente denunciado às autoridades.
A notícia é absolutamente falsa, tendo A entrado em contacto com o meio de
comunicação social para que imediatamente fizesse um desmentido público e exigia ainda um
direito de resposta para ser difundido pelo mesmo meio de comunicação social e no mesmo
serviço noticioso.
Confrontado com isto, o meio de comunicação social alega que contactou um
especialista em direito irlandês, tendo sido informado que não é garantido, perante notícias
falsas, qualquer desmentido público nem o exercício do direito de resposta por parte do visado
e, para além disso, não existe qualquer proteção no que tange nomeadamente a direitos de
imagem, bom nome, reputação e vida privada, a não ser que o lesado demonstre que sofreu
danos patrimoniais com a notícia falsa.
A propõe nos tribunais portugueses uma ação para garantir a tutela dos seus direitos.
Considere que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes e que:

a) O ordenamento jurídico espanhol tem solução material idêntica à portuguesa nesta


matéria, elegendo como conexão a residência habitual do lesado, para qualquer caso, e pratica
referência material;

100
b) A mesma solução conflitual é adotada pelo ordenamento jurídico irlandês, ainda
que, quando à solução material, a mesma corresponda àquela que já foi mencionada.

Pronuncie-se quanto ao direito material aplicável no caso concreto.

Atendendo ao caso concreto suscitado, estamos perante uma relação jurídica


relativamente internacional – os seus elementos encontram-se dispersos por mais de um
ordenamento jurídico, sendo um deles o português –, de natureza privada, relativa a matéria de
estatuto pessoal, i.e., inerente a direitos de personalidade.
Com a relação material em causa estão em contacto os seguintes ordenamentos
jurídicos:

 Irlandês: nacionalidade de A;
 Espanhol: nacionalidade de B e residência habitual do casal;
 Português: lugar da prática do facto lesivo.

Tem-se como ponto de partida que Portugal é a lex fori, isto é, é-lhe reconhecida a
competência internacional para dirimir a relação jurídica material.

Do caso concreto suscitado parece dever admitir-se a aplicabilidade de duas normas de


conflitos, i.e., os arts. 27º e 45º, ambos do CC.

 art. 27º CC – direitos de personalidade

Conjugando o art. 27º CC com os arts. 25º e 31º, nº1, ambos daquele diploma, emerge
que em matéria de direitos de personalidade o legislador do Direito de Conflitos estabeleceu
como conexão a nacionalidade do indivíduo.
Assim, tendo em consideração que A é irlandês, por via da qual norma de conflitos
remete-se para o ordenamento jurídico irlandês. Por seu turno, a lei irlandesa considera
competente a lei da residência habitual do lesado, ou seja, remete para o ordenamento jurídico
espanhol.
Vislumbra-se, desta forma, uma situação de reenvio, dado que a lei designada pela
norma de conflitos portuguesa não se considera competente, remetendo essa competência para
outro ordenamento jurídico. O reenvio figura como o primeiro pressuposto para que Portugal
possa vir a abdicar da sua posição regra anti-devolucionista (art. 16º CC), sendo ainda
necessário que haja harmonia jurídica internacional entre os ordenamentos jurídicos em
contacto com a situação conflitual e que o reenvio seja um meio necessário a alcançá-la.

101
Tem-se, portanto, o seguinte esquema de reenvio:

L1(português) L2(irlandês) L3(espanhol)

L2(inglês) L3 (espanhol) L3 (espanhol)

Independentemente da posição do Estado irlandês em matéria de reenvio, é possível


concluir que as leis em contacto com a situação conflitual chegam à harmonia jurídica
internacional – aplicando o ordenamento jurídico internacional – e, além disso, o reenvio é um
meio necessário para a atingir, pois caso contrário, o ordenamento jurídico português aplicaria
uma solução material do ordenamento jurídico espanhol.
No caso concreto estamos perante uma transmissão direta de competências,
circunstância que permite concluir que se verifiquem, de forma literal, os requisitos do nº1 do
art. 17º CC. Importa, pois, certificar-nos se são preenchidos os requisitos do nº2 desta norma,
pois em caso afirmativo, Portugal não pode adotar a posição devolucionista decorrente do art.
17º, nº1 CC.
Ainda que estejamos perante matéria compreendida no estatuto pessoal, A não reside
habitualmente em Portugal e, além disso, reside num Estado – o espanhol – que não considera
competente a lei da sua nacionalidade – a lei irlandesa. Deste modo, não se cumulam os
requisitos exigidos pelo art. 17º, nº2 CC e, por consequência, de acordo com o nº1 deste
preceito, Portugal admite uma posição devolucionista, aplicando uma solução material do
ordenamento jurídico espanhol.

Incumbe, pois, prosseguir para o processo de qualificação.


Em primeiro lugar, deve interpretar-se o conceito-quadro do art. 27º, nº1 CC, i.e., todas
aquelas situações jurídicas que o legislador considerou para eleger a conexão de determinada
norma de conflitos e só para essas é que é possível legitimar a aplicação da solução do
ordenamento jurídico estrangeiro, pois do art. 15º CC sobressai a expressão que diz que só se
consideram competentes normas que estiverem de acordo com o conceito-quadro.
Quando chamamos o ordenamento jurídico, só podemos aplicar normas de direito
material que regulem a situação controvertida e essas devem integrar o conceito-quadro da
norma de conflitos, ou seja, devem passar pelo crivo da qualificação em sentido estrito
O art. 27º, nº1 CC tem como conceito-quadro as posições jurídicas ativas inerentes à
qualidade de pessoas.
Ainda que partindo da solução material portuguesa, o legislador do DIP pretende uma
interpretação autónoma, exclusivamente de acordo com a lex formalis fori, de modo a que
outras soluções de direito material estrangeiro se possam subsumir no nosso conceito-quadro.

102
Para isso é necessário arranjar um mínimo denominador comum entre o nosso conceito-quadro
e a solução de direito material estrangeiro.
Urge, pois, realizar uma interpretação não literal do conceito-quadro, mas uma
interpretação considerando o elemento teleológico-funcional do mesmo. Portanto, quando o
legislador do DIP fala em posições jurídicas ativas inerentes à qualidade de pessoas, ainda que
partindo daquilo para nós são as posições jurídicas ativas inerentes às pessoas, temos de
estabelecer qual foi o princípio norteador que o legislador do Direito dos Conflitos terá
considerado.
No caso concreto, o legislador ao estabelecer as posições jurídicas ativas inerentes à
qualidade de pessoas enquanto conceito-quadro visa regular a sua tutela especial, no âmbito dos
arts. 70º e ss. CC (contrariamente à tutela geral destas posições jurídicas, consagrada pelo
instituto da responsabilidade civil extracontratual (arts. 483º e ss. CC)).

Passando para o segundo momento da qualificação, i.e., o momento da integração,


incumbe, num primeiro momento, i.e., o momento da integração factual, trazer do ordenamento
jurídico espanhol exclusivamente as normas de direito material capazes de resolver este
problema.
Essa norma deve ser interpretada dentro do contexto do ordenamento jurídico espanhol
(art. 23º CC). A lei espanhola, conforme emerge do próprio enunciado, trata desta matéria tal
qual ela é regulada no ordenamento jurídico português, o que permite concluir que apresentarão
normas materiais idênticas àquelas suscetíveis de serem encontradas nos arts. 70º e ss. do nosso
Código Civil.
Isto posto, importa subsumir o conceito-quadro e a norma de direito material trazida do
ordenamento jurídico espanhol, tendo um silogismo entre a premissa maior e a premissa menor,
i.e., só se pelo seu conteúdo e função (art. 15º CC) as normas de direito material integrarem o
conceito-quadro é que poderão ser aplicadas.
Neste conspecto, o direito material espanhol e o conceito-quadro do art. 27º, nº1 CC
visam o mesmo objetivo e, por consequência, encontra-se cumprido o momento da qualificação
em sentido estrito.
Desta maneira, face ao que foi referido, passado o processo da qualificação, conclui-se
pela aplicabilidade deste direito material estrangeiro.

 art. 45º CC – responsabilidade civil extracontratual

Decorre do art. 45º, nº1 CC que a conexão mais próxima nas situações de
responsabilidade civil extracontratual é o lugar onde decorreu a principal atividade causadora do
prejuízo, i.e., o lugar onde se verificou o facto ilícito.

103
Isto permite concluir que o ordenamento jurídico português se considera competente:

L1(português) L1(português)

L1(português)

Assim, no processo de qualificação não são necessárias grandes interpretações.


O conceito-quadro do art. 45º CC passa pela responsabilidade civil extracontratual, i.e.,
garantir a tutela geral das posições ativas inerentes à qualidade da pessoa.
A solução material do ordenamento jurídico que, pelo seu conteúdo e função (art. 15º
CC), integra o conceito-quadro encontram-se preceituadas nos arts. 483º e ss. CC

Isto posto, importa interrogar-nos se existe uma situação de conflito positivo.


Para a mesma solução material existem duas normas de conflito (arts. 27º e 45º CC), as
quais foram eleitas pois uma trata da tutela em geral de direitos de personalidade e a oura versa
sobre a tutela em especial daqueles.
A tutela geral dos direitos de personalidade é utilizada quando, sem prejuízo de haver a
violação de direitos absolutos (entre os quais os direitos de personalidade) suscetível de dar
origem a responsabilidade civil extracontratual, sendo necessário, sobram as formas de tutela
geral dos arts 70º e ss. CC.
Conclui-se, portanto que para a tutela de direitos de personalidade há um espetro de
proteção mais amplo.

Assim, estamos perante um concurso meramente aparente, pois ainda que haja apenas
uma relação material controvertida, há duas normas de conflito que versam sobre maérias
diferentes.
Deste modo, aplicar-se-ia a conexão do art. 27º, nº1 CC, ressarcindo-se a violação
destes direitos que deem origem a danos pessoais e patrimoniais na esfera jurídica de A e, por
consequência, uma solução material do ordenamento jurídico espanhol semelhante àquela
prevista nos arts. 70º e ss. CC.

OT – 14 de novembro de 2019

Caso Prático 13

104
A, austríaco, judeu, reside habitualmente em Paris e durante umas férias em Portugal
encontrou diversas referências a judeus que fugiram para o nosso país durante a Segunda
Guerra Mundial.
Impressionado com a herança judaica e recordando as histórias da mãe sobre a
família com quem haviam pedido o contacto durante aquela Guerra, decidiu, em Portugal,
difundir o seguinte: “Dá-se recompensa de €200.000,00 a quem prestar informações sobre o
paradeiro de membros da família de A que aquele anúncio descrevia detalhadamente”.
B, português, identificou um parente de A, dando-lhe informações conforme constava
do anúncio, tendo este localizado a pessoa visada, mas que havia falecido dias antes.
B arroga-se titular do direito à recompensa, mas A considera que em virtude do
falecimento nada tem que pagar.
Desta aforma, B propõe nos tribunais portugueses uma ação para que lhe seja
reconhecido o direito àquele pagamento.

Diga qual a solução material a aplicar ao caso concreto, admitindo que:

a) O ordenamento jurídico austríaco considera competente a lei do lugar da


celebração do ato jurídico e é anti-devolucionista;

b) O ordenamento jurídico francês considera competente o ordenamento jurídico da


residência habitual do declarante e pratica devolução simples.

Atendendo ao caso concreto suscitado, estamos perante uma relação jurídica


relativamente internacional – os seus elementos encontram-se dispersos por mais de um
ordenamento jurídico, sendo um deles o português –, de natureza privada, relativa a matéria de
estatuto obrigacional.
Com a relação material em causa estão em contacto os seguintes ordenamentos
jurídicos:

 Austríaco: nacionalidade de A;
 Francês: residência habitual de A;
 Português: lugar da celebração da promessa pública e nacionalidade de B.

Tem-se como ponto de partida que Portugal é a lex fori, isto é, é-lhe reconhecida a
competência internacional para dirimir a relação jurídica material.
Estando perante matéria de estatuto obrigacional, a regra é de que se recorra ao
Regulamento Roma I, na medida em que o Código Civil encontra-se praticamente derrogado

105
por aquele em matéria de obrigações, só a ele devendo voltar se não for possível aplicar o
referido Regulamento Comunitário.
Em primeiro lugar, há que aferir se é cumprido o âmbito temporal do Regulamento
Roma I, o qual é aplicável se o contrato foi celebrado após o dia 17 de dezembro de 2009, tal
como decorre do art, 28º RRI, admitindo, no caso concreto, que a questão é contemporânea do
Regulamento.
Isto posto, no que ao âmbito espacial diz respeito, nos termos do art. 2º RRI estamos
vinculados, enquanto Estado-Membro, ao Regulamento, aplicando-o independentemente do
ordenamento jurídico que vier a ser chamado.
Por fim, relativamente ao âmbito material, o art. 1º RRI consagra o conceito-quadro em
sentido amplo do Regulamento Roma I, o qual se aplica às obrigações contratuais em matéria
civil e comercial internacionais (ainda que exclusivamente por vontade das partes). Excluídas
estão as matérias fiscais, aduaneiras e administrativas, bem como todos os contratos previstos
no art. 1º, nº2 RRI.
Perante o caso concreto temos uma matéria civil, importando aferir da aplicabilidade do
Regulamento Roma I. Ainda que estejamos perante uma matéria de natureza civil, na medida
em que a promessa pública consubstancia um negócio jurídico unilateral e não um contrato.
A questão não é clara, sobretudo porque o RRI está pensado essencialmente para as
“obrigações contratuais” (às quais se opõem as obrigações extracontratuais), pelo que o âmbito
relativo aos negócios jurídicos unilaterais dá ideia que esteja no âmbito da responsabilidade
extracontratual.
Aquilo que se tem entendido é que aos negócios jurídicos unilaterais, ainda que não
estejam literalmente no art. 1º RRI, face à decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia no
caso Engler (que já vem desde a Convenção de Roma sobre as obrigações contratuais), também
se deve aplicar o RRI.
Não há razão para alterar a posição do Tribunal conforme a qual ele já se comprometeu
relativamente à Convenção de Roma. Assim, a interpretação do conceito-quadro do RRI, de
acordo com o Direito da União Europeia, leva a crer que RRI regularam-se as obrigações
voluntárias, ao passo que as demais, i.e., as obrigações que nascem na esfera jurídica de alguém
independentemente da sua vontade, serão reguladas pelo Regulamento Roma II.
Deste modo, perante a situação prática enunciada, deve entender-se que a promessa
pública, i.e., um negócio jurídico unilateral que se insere no RRI, pois cria uma obrigação a que
o A se consegue colocar voluntariamente adstrito, independentemente da contradeclaração da
contraparte.
Isto posto, este negócio jurídico unilateral não se subsume em nenhum dos contratos em
especial do RRI, pelo que excluem as regras especiais, aplicando-se-lhe as regras gerais,
devendo interpretar-se o art. 3º RRI relativamente à única parte existente neste negócio jurídico.

106
Neste caso, emergia a autonomia da vontade de A no momento em que fosse expedida a
promessa pública decidir qual era a lei a que ela estaria vinculada, o que não consta do caso
concreto. Assim, deve aplicar-se a regra geral supletiva (art. 4º RRI).
Não é possível estar perante nenhuma das situações enumeradas no art. 4º, nº1 RRI, pois
este está pensado para negócios jurídicos bilaterais. O nº2 do mesmo preceito também não é
possível ser aplicado, pois pressupõe duas declarações negociais, duas prestações e a prestação
não pecuniária que seria a prestação característica do contrato para fixar a lei aplicável.
Assim, a única hipótese é aplicar o art. 4º, nº4 RRI, de acordo com o qual tem de e
eleger a conexão mais estreita, não tendo elementos suficientes para concluir no caso concreto.
Neste caos temos o enfoque na conexão mais estreita com o objeto imediato desta
obrigação, nomeadamente o cumprimento da obrigação a que se vinculou.
Se não fosse possível, tenderia a colocar-nos próximo do lugar da celebração do facto
jurídico e, aí sim, seria aplicável o direito material português.

T – 15 de novembro de 2019

Contratos de seguro – art. 7º RRI

Os contratos de seguro encontram-se regulados no art. 7º RRI.


Do art. 7º, nº1 RRI ressalta a existência de dois tipos de contratos de seguro:

 Contrato de seguro que cobre riscos no âmbito de um Estado-Membro – todos


os que não cobrem grandes riscos;
 Contratos de grande risco – aqueles expressamente previstos e definidos na
Diretiva 73/239/CEE do Conselho, de 24 de julho de 1973, relativa à
coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas
respeitantes ao acesso à atividade de seguro direto não vida e ao seu exercício.

Se não estiverem expressamente previstos na referida Diretiva como sendo contratos de


grande risco, estaremos diante de contratos de risco.
Nos contratos de risco pode vislumbrar-se a seguinte dicotomia:

 Contratos de seguro não vida: a conexão é estabelecida pela Diretiva


88/357/CEE do Conselho de 22 de junho de 1988 relativa à coordenação das
disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes ao seguro
direto não vida, que fixa disposições destinadas a facilitar o exercício da livre
prestação de serviços e que altera a Diretiva 73/329/CEE. A conexão depende

107
do que está consagrado no art. 2º, al. d) (depende do tipo de seguro, depende do
tipo de contrato que a ele está subjacente, estabelecendo diferentes conexões);
 Contratos de seguro de vida: a Diretiva 2002/83/CE do Parlamento Europeu e
do Conselho, de 5 de novembro de 2002, relativa aos seguros de vida.

De acordo com o art. 7º, nº2 RRI, estando perante um contrato de grande risco, vigora o
princípio da autonomia da vontade, nos termos do art. 3º RRI e a conexão supletiva é a
residência habitual do consumidor, a menos que se demonstre no caso concreto a existência de
uma conexão manifestamente mais estreita (art. 4º, nº3 RRI).

Por sua vez, quanto a contratos de risco, vigora também a autonomia da vontade (art.
3º RRI), sendo que as regras supletivas estão previstas no art. 7º, nº3 RRI, só podendo as partes
escolher uma destas leis (tal qual acontece no art 5º, nº2, §2 RRI). A novidade reside que, se
alei escolhida fora a lei prevista nas als. a), b) ou c) do nº3 do art. 7º RRI, se sistema conflitual
destes Estados-Membros tiver uma amplitude maior no que tange à escolha dele, as partes
podem optar pela conexão da lei do Estado-Membro para usar a autonomia da vontade no
sentido de a ampliar. Isto encontra-se previsto no §2 do nº3 do art. 7º RRI.
O RRI limita a escolha de lei às leis previstas no art. 7º, nº3 RRI, mas se as partes
escolherem uma das constantes das als. a), b) ou e), se no sistema conflitual local a autonomia
da vontade for maior do que aquela resultante do Regulamento, se as partes o invocarem
expressamente, podem usar uma autonomia da vontade mais amplo do que aquele conferido
pelo Regulamento Comunitário.

Isto posto, é possível afastar a aplicabilidade dos nºs 2 e 3 do art. 7º RRI sempre que em
conflito estejam um Estado-membro que obriga à subscrição de um contrato de seguro
obrigatório e o Estado-Membro onde o risco se verifica.
Nesse caso, aplica-se a lei do Estado-Membro que impõe a obrigatoriedade da
constituição do seguro (art 7º, nº4 RRI).

Se as partes não escolherem alguma das conexões elencadas no nº3 do art. 7º ou a


prerrogativa do §2 do mesmo preceito, tem-se como conexão supletiva a lei do Estado-Membro
onde se verifica o risco no momento da celebração do contrato. Assim o determina o art. 7º, nº3,
§3.

Por fim, no art. 7º, nº5 RRI o legislador estabeleceu a técnica de depéçage, pois se
estivermos perante um seguro por riscos em mais do que um Estado-Membro, realizar-se-á um
depéçage ou splitting relativamente a cada parte de cada risco, ou seja, considera-se um contrato

108
diferente para cada risco em cada um dos Estados-Membros, sendo aplicada a correspondente
lei.

Contrato individual de trabalho – art. 8º RRI

O art. 8º RRI prevê os contratos individuais de trabalho, os quais têm grande margem
de aplicação do Regulamento Roma I.
A 1ª parte do art. 8º, nº1 RI estabelece a vigência da autonomia da vontade (art. 3º
RRI).
Uma vez mais, o legislador usou o referido sistema de proteção da parte mais débil, pois
as partes tenham a possibilidade de escolherem a lei aplicável ao seu contrato de trabalho, desde
que o nível de proteção fornecido pela conexão supletiva não seja afastado, i.e., as normas
imperativas do Estado da conexão supletiva (art. 8º, nº1, 2ª parte RRI).
São conexões supletivas, nos termos do nº2 do art. 8ª RRI, o local da execução do
trabalho efetivo ou onde o trabalhador habitualmente presta o seu trabalho ou, na
impossibilidade daquela, altera-se a conexão para a lei do lugar do estabelecimento estável que
contratou o trabalhador. Nada implique que, a falta de escolhe de lei, se demonstre a existência
de uma conexão manifestamente mais estreita com outra lei.

A matéria laboral tem assento constitucional consubstanciando

Outras disposições:

1. Ordem Pública do Estado do Foro – art. 21º RRI

No RRI, o art. 21º trata da ordem pública internacional do Estado do foro, apresentado
uma configuração semelhante àquela prevista no nosso Código Civil.
O art. 21º RRI, todavia, não diz qual é a solução a aplicar ao caso concreto, entendendo-
se que é usado o princípio do mínimo dano, ou seja, tentar-se-á aplica o direito material
estrangeiro até ao limite em que ela não ofenda a nossa ordem pública internacional do Estado
do foro e, no limite, se não for possível, aplicar-se-á o direito material português.

O problema, contudo, reside na distinção da ordem pública internacional do Estado do


foro relativamente às denominadas normas de aplicação imediata.

2. Normas de Aplicação Imediata – art. 9º RRI

109
De acordo com o art. 9º, nº1 RRI, as normas de aplicação imediata são “disposições
cujo respeito é considerado fundamental por um país para a salvaguarda do interesse público,
designadamente a sua organização política, social ou económica, ao ponto de exigira a sua
aplicação em qualquer situação abrangida pelo seu âmbito de aplicação, independentemente da
lei que de outro modo seria aplicável ao contrato, por força do presente regulamento”.
O nº2 acrescenta que “as disposições do presente regulamento não podem limitar a
aplicação das normas de aplicação imediata do país do foro”, concluindo o nº3 do mesmo
preceito ao referir que “pode ser dada prevalência às normas de aplicação imediata da lei do
país em que as obrigações decorrentes do contrato devam ser ou tenham sido executadas, na
medida em que, a execução do contrato seja ilegal. Para decidir se deve ser dada prevalência a
essas normas, devem ser tidos em conta a sua natureza e o seu objeto, bem como as
consequências da sua aplicação ou não aplicação”.

Há uma grande discussão no ordenamento jurídico internacional sobre a distinção entre


a ordem pública internacional do Estado do foro e as normas de aplicação imediata, sendo a
tendência para considerar estas mais importantes do que aquela, o que não é verdade.
A exceção da ordem pública internacional do Estado do foro consubstancia limites
axiológicos inultrapassáveis para o ordenamento jurídico português, encontrem-se eles no plano
constitucional ou no plano internacional.
Por sua vez, as normas de aplicação imediata, que se consideram extensíveis ao
ordenamento jurídico português, ainda que o mesmo não as expresse, são todas as normas
jurídicas que caracterizam um determina do instituto a ser regulado pelo direito estrangeiro.

Trata-se de todas as normas jurídicas em que a aplicação do instituto de direito material


estrangeiro quando aplicável no Estado do foro, descaracteriza aquilo que é esse instituto
jurídico, colocando-o em causa.

Atente-se ao seguinte exemplo:

Um contrato de trabalho que refere que caso o trabalhador, com dolo, danifique
qualquer meio da empresa, a consequência passa pelo facto de o trabalhador poder durante
determinado hiato temporal prestar serviço sem que seja remunerado, contrato esse a ser
aplicado em Portugal.
Discutindo-se a validade desta cláusula contratual, em caus encontra-se a violação da
proibição da escravatura, o que consubstancia um problema de exceção da ordem pública
internacional do Estado português, pois a proibição da escravatura configura um princípio
norteador do nosso ordenamento jurídico.

110
O trabalhador pode ser despedido sem justa causa e sem processo disciplinar. Em
Portugal afere-se a validade do referido despedimento.
Esta situação não ofende a nossa exceção da ordem público internacional do Estado do
foro, mas há um problema, pois o nosso direito laboral assenta na ideia de que a cessação do
vínculo laboral por parte da entidade empregadora deve fundar-se na existência de justa causa
(cumprindo o princípio do contraditório) ou em todas as situações em que haja despedimentos
coletivos.
Admitir a admissibilidade de um despedimento sem justa causa consubstancia a
descaracterização da possibilidade de uma entidade empregadora fazer cessar o vínculo laboral
com o seu trabalhador.
Assim, temos uma norma de aplicação imediata.

O mesmo se diga quando uma empresa portuguesa contrata um trabalhador indiano, que
presta o serviço na Índia, oferecendo-lhe a remuneração de €50,00 mensais.
Isto coloca em causa uma norma de aplicação imediata, pois o direito laboral português
exige um mínimo de remuneração, o qual descaracteriza aquilo que é o mínimo laboral para
efeitos de prestação de trabalho para uma empresa portuguesa.

Concluindo, a exceção da ordem pública internacional do Estado do foro e as normas de


aplicação imediata são duas formas de limitação à aplicação de direito material estrangeiro
contidas no âmbito do Regulamento Roma I.

3. Ordenamentos Jurídicos Plurilegislativos – art. 22º RI

De forma distinta àquela consagrada pelo art. 20º CC, o Regulamento Roma I consagra
no art. 22º a escolha de ordenamentos plurilegislativos de base interlocal, pelo que para os
interpessoais aplicar-se-á supletivamente o preceituado no art. 20º, nº3 CC.
A solução adotada pelo RRI é diferente daquela prevista no art. 20º, nºs 1 e 2 CC, pois a
partir do momento em que se fixe a conexão para uma parte de um Estado, considera-se essa
parte como um Estado autónomo, aplicando-se diretamente a lei desse Estado.

T – 18 de novembro de 2019 (Compensação – 13h)

 Regulamento Roma II

111
O Regulamento Roma II versa o seu âmbito material nas obrigações extracontratuais.
Abrange tudo aquilo que não decorra da fonte contratual, o que significa que ao contrário da
técnica que temos no nosso Código Civil, em que a responsabilidade obrigacional inclui a
responsabilidade contratual, enriquecimento sem causa e gestão negócios, no âmbito
comunitário essa matéria, incluindo a responsabilidade civil pré-contratual (expressamente
excluída do RRI, nomeadamente pelo seu art. 1º, nº2, al. i)), subsumem-se ao Regulamento
Roma II.

A técnica relativamente ao RRII é semelhante àquela utilizada pelo legislador


comunitário no RRI – aliás, o RRII é precedente ao RII. Aplica-se a todos os Estados-Membros
da União Europeia, com exceção da Dinamarca (art. 1º, nº4 RRII).
No que ao seu âmbito temporal diz respeito, o art. 31º RRII consagra que o referido
Regulamento é aplicável, com exceção do preceituado no art. 29º RRII, a partir de 11 de janeiro
de 2009.
O art. 29º RRII estabelece o seu âmbito temporal de aplicabilidade a partir do dia 11 de
julho de 2008, visando em exclusivo a necessidade de os Estados-Membros acertarem
convenções internacionais que estejam em conflito com o Regulamento Roma II.

O RRII aplica-se a obrigações extracontratuais em matéria civil e comercial (art. 1º,


nº1, 1ª parte RRII). Dele estão excluídas as matérias ficais, aduaneiras e administrativas, bem
como a responsabilidade do Estado por atos e omissões no exercício do poder público – acta
iure imperii.

O RRII não define expressamente o que é uma obrigação extracontratual, mas deve
entender-se por interpretação do art. 2º RRII, que no RRII se inclui todas as obrigações
extracontratuais em que o dano abrange todas as consequências decorrentes da responsabilidade
fundada em ato lícito, ilícito ou no risco, do enriquecimento sem cassa, da negotiorum gestio
(gestão de negócios) ou da culpa in contrahendo (responsabilidade pré-contratual).
Aplica-se também às obrigações extracontratuais suscetíveis de surgir, i.e.,
responsabilidade decorrente do regime contraordenacional, que prescreve uma tutela antecipada
relativa a alguns tipos de danos.

O RRII também estabelece um conjunto de matérias que sendo do âmbito civil ou


comercial estão expressamente excluídas da sua aplicabilidade, as quais se encontram elencadas
no nº2 do art. 1º RRII.

112
Tal qual acontece com o RRI, o RRII exclui o ónus da prova e a matéria da prova, com
exceção da matéria relativa à repartição do ónus da prova, assim como a possibilidade de usar
meios de prova que ainda que não existam no Estado do foro sejam suscetíveis de nele ser
produzidos.
Isto resulta do preceituado nos arts. 1º, nº3 e 22º RRII.

No que ao âmbito espacial diz respeito, o RRII apresenta um âmbito de aplicação


universal, pelo que os Estados-Membros têm de o aplicar, independentemente da lei que seja
eleita pela conexão decorrente do Regulamento. Assim o consagra o disposto no art. 3º RRII.

Contrariamente ao preceituado no nosso Código Civil, o art. 25º RRII refere que, no
âmbito dos ordenamentos jurídicos plurilegislativos, quando um Estado tem direito interlocal,
a conexão eleita pelo RRII considera cada parte territorial desse Estado complexo como um
Estado autónomo. Estes Estados não têm de utilizar o Regulamento para dirimir os conflitos
interlocais internos, utilizando, nesse caso, o próprio direito interlocal.
Relativamente aos Estados complexos de base interpessoal, aplicar-se-á supletivamente
o disposto no art. 20º, nº3 CC.

Tal como acontecia com o RRI, a eleição da conexão no âmbito do RRII implica
necessariamente uma referência material, estando expressamente proibido o reenvio (art. 24º
RRII).

Ainda que não seja o princípio regra, o RRII prevê também o princípio da autonomia
da vontade, sendo possível que às partes se reconheça a autonomia da vontade na escolha da lei
competente para regular a sua matéria relativa às obrigações extracontratuais.
O princípio da autonomia da vontade está previsto no art. 14º RRII, mas ou se trata
necessariamente de relações intersubjetivas entre profissionais, em que é possível que as partes,
no âmbito das suas relações jurídicas prevejam eventuais situações de responsabilidade
extracontratual e estabeleçam uma convenção para uma lei materialmente aplicável para essa
eventualidade, ou se não for o caso, a possibilidade de utilização da autonomia da vontade exige
que a convenção seja posterior (nunca contemporânea ou anterior) à verificação do facto lesivo.
Conclui-se, portanto, que o princípio da autonomia da vontade é meramente residual na
matéria relativa à eleição da conexão não é supletiva, sendo-o nos casos excecionais em que se
permite a utilização da autonomia da vontade.

113
Ainda assim, em qualquer um dos casos supra citados, a utilização da autonomia da
vontade não pode colocar em causa eventuais direitos de terceiros (art. 14º, nº1, § segundo
RRII).

Não obstante, a autonomia da vontade, quando excecionalmente admitida pelo


Regulamento Roma II, não fica sujeita, como no art. 41º CC, ao princípio da não transitividade.
Isto significa que as partes podem, dentro dos limites excecionais em que o RRII permite a
autonomia da vontade, internacionalizar a relação jurídica (ainda que todos os elementos da
relação jurídica estejam em contacto com um único ordenamento jurídico), ou seja, escolher
uma lei distinta daquela que os seus elementos têm contacto.
No entanto, o único limite é aquele idêntico ao consagrado no RRI, i.e., a escolha de lei
não pode implicar a derrogação de normas imperativa da lei de onde estes elementos têm a sua
conexão. Se escolhida uma lei fora dos Estados-membros, em princípio não ó as normas
imperativas do ordenamento jurídico, bem como as normas imperativas do Direito da União
Europeia, conforme emerge do art. 14º, nºs 2 e 3 RRII.

 Responsabilidade fundada em facto lícito, ilícito ou no risco

No âmbito da responsabilidade civil fundada em facto lícito, ilícito ou no risco, existe


a regra geral (art. 4º RRII) e regras especiais (arts. 5º a 9º RRII).
Classificada a fonte da responsabilidade civil extracontratual, se houver regras
especiais, estas são aplicáveis. Se o não forem aplica-se a regra geral. Ou, sendo aplicável a
regra especial, aplica-se a regra geral apara tudo o que não estiver especialmente previsto para
aquela situação em especial.
Os regimes especiais são os seguintes:

 Responsabilidade por produtos defeituosos – art. 5º RRII;


 Concorrência desleal e atos que restrinjam a livre concorrência – art. 6º RRII;
 Danos ambientais – art. 7º RRII ;
 Violação de direitos de propriedade intelectual – art. 8º RRII; e
 Ação coletiva – art. 9º RRII.

1. REGRA GERAL DO ART. 4º RRII

114
De acordo com o art. 4º, nº1 RRII, a conexão eleita é aquela onde ocorre o dano,
circunstância que nos permite aproximar da matéria relativa ao conflito de competências, em
que aqui se encontre subjacente o princípio da maior proximidade no sentido da maior
efetividade na recolha de prova.

Esta é a conexão regra, a não ser os casos já referidos em que pode ser afastada em prol
do princípio da autonomia da vontade.

Se o lesante e lesado tiverem residência habitual (definição no art. 23º RRII) no mesmo
país, aplicar-se-á a lei da residência habitual em detrimento da lei onde ocorrer o dano (art. 4º,
nº2 RRII).

Tal qual acontece com o RRI, é possível que as partes afastem a conexão indicada à luz
dos nºs 1 e 2 do art. 4º RRII, sempre que for demonstrado que há outra conexão
manifestamente mais estreita com aquela relação jurídica (art. 4º, nº3 RRII).

Neste caso, o legislador comunitário dá um exemplo de como encontrar esta conexão


mais estreita, fazendo uma ligação com o RRI, ou seja, todas as situações em que há uma
relação jurídica pré-existente, ainda que o âmbito do que está a ser apreciado no RRII não
decorra diretamente dessa relação jurídica. A conexão mais estreita é aquela que foi
determinada no âmbito do RRI (art. 4º, nº3, in fine RRII).
Considerando o nosso próprio ordenamento jurídico, isto relaciona-se sobretudo com
situações de omissões cuja fonte do dever jurídico de atuar advém de um negócio jurídico
bilateral.

T – 25 de novembro de 2019 (13h – Compensação)

Responsabilidade fundada em facto lícito, ilícito ou no risco – regras especiais

 Responsabilidade por produtos defeituosos (art. 5º RRII)

Surge quando em causa estão produtos defeituosos.


Esta é uma matéria apresenta consequências indiretas devido ao facto de o produto ser
defeituoso, nomeadamente a responsabilidade criminal. Não obstante, não serão objeto do nosso
estudo.

115
O legislador comunitário parte sempre de conexões cumulativas, sendo o art. 5º RRII
algo complexo por isso mesmo.
Tendo em conta que, em princípio, o lesado é aquele que deve ter um ónus menor
relativamente a desencadear a responsabilidade por parte do agente, o legislador estabelece
como primeiro elemento de conexão a lei da residência habitual do lesado. Mas, conforme
referido, acrescenta uma conexão cumulativa, ou seja, será dado ênfase ao princípio da proteção
do lesado se tiver a mesma residência habitual do lesante, tal como emerge dos arts. 4º, nº2 e
5º, nº1, ambos do RRII.

Se assim não suceder – se o lesante e lesado não tiverem a mesma residência habitual –,
o legislador vai alterando o enfoque que norteia a escolha da conexão. Nesse conspecto, será
competente a lei da residência habitual do lesado, desde que o produto tiver sido
comercializado no país da sua residência habitual (art. 5º, nº1, al. a) RRII).
Se assim não for, importa atender à conexão subsequente, também ela cumulativa, isto
é, a da al. b) do nº1 do art. 5º do RRII, de acordo com o qual se elege como conexão o lugar
onde o produto tenha sido adquirido, se o produto tiver sido comercializado nesse país.
Por fim, nos termos do art. 5º, nº1, al. c) RRII, será competente a lei do lugar onde
ocorreu o dano, se produto tiver sido comercializado nesse país.

O enfoque que o legislador faz a estas conexões cumulativas tem em consideração, para
o s produtos defeituosos, o facto de dar à escolha da lei a previsibilidade relativamente à
aplicação, ou seja, em todas as situações, a primeira conexão varia, mas a segunda não, tendo-se
como denominador comum a circunstância de o produto ter de ser comercializado no país da lei
eleita por cada uma das primeiras conexões.

Sempre que haja um conflito evidente, é possível alterar a conexão, passando da


proteção do lesado (como o que deverá ter o menor encargo para desencadear a
responsabilidade do autor) para a residência habitual do lesante, se ele não contava
razoavelmente que o seu produto pudesse ser comercializado no país eleito pelas conexões
anteriores. Assim determina a parte final do art. 5º, nº1 RRII.

Se não for possível determinar a conexão nos moldes referidos, a regra supletiva geral
estabelece como conexão o lugar onde o dano se produz, desde que o produto seja
comercializado nesse local (art. 5º, nº1, al. c) RRII ou art. 4º, nº1 RRII).

O legislador claramente quis estabelecer uma conformação etre vários princípios com
interesses diferentes, sendo que o principal foi atribuir o caráter de previsibilidade exigido, ou

116
seja, as conexões cumulativas têm como denominador comum o lugar onde é comercializado o
produto. A partir, vai variando consoante a hierarquia que dá aos outros princípios que aqui
estão em consideração.
Esta conexão resulta de uma tradição norte-americana, i.e., a ideia da conexão most
closest connection, harmonizando-a com o princípio da previsibilidade.

Não obstante, admite-se a possibilidade de alguma discricionariedade, afastando-se as


regras relativas ao nº1 do art. 5º RRII, sempre que, de acordo com o caso concreto, for
demonstrada a existência de uma conexão manifestamente mais estreita – mais uma vez, o
legislador comunitário adota um elemento exemplificativo do que é que se poderá identificar
como uma conexão manifestamente mais estreita, nomeadamente a existência de uma relação
jurídica pré-existente entre as partes, o que obriga a que se atenda ao Regulamento Roma I para
aferir da lei que foi aplicada àquele contrato.

 Concorrência desleal e atos que restrinjam a livre concorrência (art. 6º


RRII)

Temos a regra especial do art. 6º RRII.


O nº1 do referido artigo aplica-se a lei do país em que as relações de concorrência ou
os interesses coletivos dos consumidores sejam afetados ou sejam suscetíveis de ser
afetados. Relativamente ao Regulamento Roma II prevê-se algo que em relação à nossa
responsabilidade civil extracontratual, a qual sindica apenas atos que dão origem a danos
efetivos (patrimoniais ou pessoais).
No entanto, se o ato de concorrência desleal afetar somente os interesses de um
concorrente específico, o nº2 do art. 6º RRII manda aplicar o art. 4º do mesmo Regulamento,
ou seja, a regra geral no que tange à responsabilidade fundada em ato lícito, ilícito ou no risco.

Sabendo que a autonomia da vontade é altamente excecional no âmbito do


Regulamento Roma II, deve ter-se presente que a mesma se encontra totalmente afastada em
relação à concorrência desleal e atos que restrinjam a livre concorrência, instituto que prevê
regras de cariz imperativo.
Assim, o legislador da União Europeia resolveu adotar a doutrina dos efeitos – effects
doctrine –, não a doutrina do facto, aproximando-se da posição norte-americana relativamente a
esta matéria.

Posto isto, se estiver em causa a restrição da concorrência, a conexão é o mercado


que tenha sido afetado ou que seja suscetível de ser afetado (art. 6º, nº3, al. a) RRII).

117
Se estiver em causa a afetação ou for suscetível de ser afetado o mercado de mais do
que um país, o legislador optou por uma conjugação entre a lei do foro e a lei material, ou seja,
os efeitos devem produzir-se em mais do que um país e, além disso, se a pessoa que requer a
reparação do dano propuser a ação no tribunal do domicílio do demandado, pode optar pela lei
do foro, isto é, pela lei do tribunal formalmente competente, desde que este tribunal competente
seja de um país afetado ou suscetível de ser afetado pelos efeitos do ato de concorrência.
Mantém-se, portanto, a preocupação com a previsibilidade.
Isto resulta da leitura da al. b) do nº3 do art. 6º do RRII.

Isto posto, o art. 6º, nº3, al. b) RRII refere ainda que se houver litisconsórcio ou
coligação passiva, o autor só pode optar pela lex fori (lei do tribunal competente) se nesse
Estado se tiverem verificado danos ou sejam suscetíveis de se verificar.
O legislador pretendeu aproximar a lex materialis fori da lex formallis fori, dando
origem a uma conformação entre o tribunal competente e a lei que esse tribunal aplica relativa à
lei desse país – coincidência forum-iuris.

Neste caso também se afasta a possibilidade de acordo entre as partes para a escolha de
uma conexão distinta, sobretudo porque em causa encontra-se a proteção de direitos coletivos e
de natureza pública. Isto decorre do art. 6º, nº4 RRII.

 Danos ambientais (art. 7º RRII)

Decorre do art. 7º RRII que a regra a aplicar é a que resulta do preceituado no nº1 do
art. 4º do RRII, no âmbito do qual apenas se pode trazer para a matéria dos ambientais a
conexão lex loci damni, isto é, o lugar onde ocorre o dano.
Não obstante, o autor ou requerente pode escolher como conexão o lugar da prática do
facto que deu origem ao dano, tal como dispõe o art. 7º RRII. O legislador aproxima-se do
critério tradicional, considerando que se o lesado escolhe a lei do lugar onde foi praticado o
facto que deu origem aos danos, é porque ser-lhe-á mais favorável essa lei.

 Violação de direitos de propriedade intelectual (art. 8º RRII)

Suscitar-se-á a dicotomia entre direitos de propriedade intelectual locais e direitos de


propriedade intelectual comunitários.
A conexão eleita é a que emerge do nº1 do art. 8º RRII, isto é, a lei do lugar onde a
proteção é reivindicada. Tratando-se de um direito de propriedade intelectual comunitário,

118
com caráter unitário, a conexão passa para o lugar em que a violação tenha sido cometida (art.
8º, nº2 RRII), a não ser que haja legislação comunitária especial relativamente a esta matéria.
O art. 8º, nº3 RRII também afasta qualquer tipo de possibilidade de as partes chegarem
a acordo quanto à escolha de outra qualquer conexão (art. 14º RRII), uma vez que emerge o
caráter de interesse pública na matéria de direitos de propriedade intelectual.

 Ação coletiva (Art. 9º RRII)

É uma matéria de índole processual, afastando-se do âmbito do Direito Internacional


Privado conforme o configuramos enquanto Direito de Conflitos.
Assim, ainda que expressamente prevista no RRII, dispensamos a sua abordagem.

ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA, NEGOTIORUM GESTIO E CULPA IN


CPNTRAHENDO

 Enriquecimento sem causa (art. 10º RRII)

O enriquecimento sem causa encontra-se expressamente previsto no art. 10º RRII.


Urge começar por aferir se entre as partes existe alguma relação jurídica prévia, pois a
existir, tendo qualquer tipo de conexão com o facto do enriquecimento sem causa, no âmbito de
coerência lógica no tratamento das relações controvertidas, ambas são tratadas com a mesma lei
(ainda que a lei possa ser escolhida no âmbito do Regulamento Roma I). Assim o diz o art. 10º,
nº1 RRII.
Se não houver e se as partes tiverem residência habitual comum, é aplicável a lei da
residência habitual (art. 10º, nº2 RRII).
Se não for possível determinar a conexão aplicável com base nos referidos preceitos,
deve atender-se ao nº3 do art. 10º RRII, segundo o qual é aplicável a lei onde tenha ocorrido o
enriquecimento sem causa.
Não obstante a possibilidade de as partes optarem por uma conexão manifestamente
mais estreita do que aquelas que resultam da regra geral (art. 10º, nº4 RRII).

 Negotiorum gestio (art. 11º RRII)

Urge atender ao mesmo mecanismo utilizado para o enriquecimento sem causa.


Importa começar por aferir se entre as partes existe alguma relação jurídica prévia,
pois a existir, tendo qualquer tipo de conexão com o facto da gestão de negócios, no âmbito de
coerência lógica no tratamento das relações controvertidas, ambas são tratadas com a mesma lei

119
(ainda que a lei possa ser escolhida no âmbito do Regulamento Roma I). Assim o diz o art. 11º,
nº1 RRII.
Se não houver e se as partes tiverem residência habitual comum, é aplicável a lei da
residência habitual (art. 11º, nº2 RRII).
Se não for possível determinar a conexão aplicável com base nos referidos preceitos,
deve atender-se ao nº3 do art. 11º RRII, segundo o qual é aplicável a lei onde tenha sido
praticado o ato, ou seja, a gestão de negócios.
Não obstante a possibilidade de as partes optarem por uma conexão manifestamente
mais estreita do que aquelas que resultam da regra geral (art. 11º, nº4 RRII).

 Culpa in contrahendo (art. 12º RRII)

No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual, deve proceder-se a uma


conjugação entre o Regulamento Roma I e o Regulamento Roma II, determinando qual seria a
lei aplicável ao contrato, aplicando à culpa in contrahendo essa lei, ainda que o contrato não
tenha sido celebrado. Assim decorre do nº1 do art. 12º RRII.

Caso a conexão não posa ser determinada nesse conspecto, o RRII apresenta conexões
supletivas, mandando atender ao lugar onde ocorrem os danos (art. 12º, nº2, al. a) RRII); à
residência habitual comum das partes (art. 12º, nº2, al. b) RRII); e à possibilidade de se poder
aplicar uma conexão manifestamente mais estreita ao caso concreto (art. 12º, nº2, al. c) RRII).

P – 25 de novembro de 2019

Realização do segundo teste de avaliação contínua.

T – 27 de novembro de 2019

Correção do segundo teste de avaliação contínua.

P – 27 de novembro de 2019 (Compensação – 18h)

Caso Prático 14

Manuel e Joaquim, portugueses, residentes no Porto, celebraram um cotrato de compra


e venda de um imóvel, exclusivamente como um contrato fiduciário em que a propriedade é

120
transferida para garantia de um contrato causal de fornecimento de bens, em que o pagamento
do preço é efetuado a 90 dias.
Uma vez que o ordenamento jurídico português não reconhece o contrato de compra e
venda fiduciário, Manuel e Joaquim decidiram celebrar o negócio nos EUA, por forma a
aplicarem o direito material norte-americano, que escolheram para regular este contrato.
Nos termos do negócio jurídico, as partes escolhem então o direito material norte-
americano para resolver qualquer questão emergente deste negócio jurídico.
Imagine-se que se discute nos tribunais portugueses a validade substancial deste
negócio, uma vez que o vendedor o impugna, considerando que no caso concreto uma vez que o
imóvel se situa em Portugal, se aplica o ordenamento jurídico português e este não reconhece a
compra e venda como um negócio de garantia para o outro negócio causal.

Admitindo que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes, qual a


solução material?

Atendendo ao caso concreto suscitado, estamos perante uma relação jurídica


relativamente internacional – os seus elementos encontram-se dispersos por mais de um
ordenamento jurídico, sendo um deles o português –, de natureza privada, relativa a matéria de
estatuto obrigacional.
Com a relação material em causa estão em contacto os seguintes ordenamentos
jurídicos:

 Português: nacionalidade de Manuel e de Joaquim e residência habitual destes;


 Norte-americano: lugar da celebração do contrato de compra e venda;

Tem-se como ponto de partida que Portugal é a lex fori, isto é, é-lhe reconhecida a
competência internacional para dirimir a relação jurídica material, urge atender ao nosso sistema
de conflitos.
Do caso concreto enunciado, vislumbra-se um problema relativo à validade substancial
do negócio jurídico e outro inerente à questão da propriedade de um bem imóvel. Deste modo,
emerge o recurso a duas normas de conflitos, mais concretamente aqueles constantes dos arts.
41º e 46º, ambos do CC.

 Artigo 41º CC

121
De acordo com o art. 41º, nº1 CC, emerge como conexão a autonomia da vontade das
partes, o que aconteceu no caso concreto, dado que as partes escolheram um negócio jurídico
típico do ordenamento jurídico norte-americano, tendo-o celebrado nesse mesmo Estado.
Não havendo qualquer informação em contrário, deve compreender-se que as partes
realizam uma referência material ao referido ordenamento jurídico e, por conseguinte, aplicar-
se-á ao referido contrato uma solução material norte-americana.
Importa, pois, proceder ao processo de qualificação.
Em primeiro lugar, deve interpretar-se o conceito-quadro do art. 41º, nº1 CC, i.e., todas
aquelas situações jurídicas que o legislador considerou para eleger a conexão de determinada
norma de conflitos e só para essas é que é possível legitimar a aplicação da solução do
ordenamento jurídico estrangeiro, pois do art. 15º CC sobressai a expressão que diz que só se
consideram competentes normas que estiverem de acordo com o conceito-quadro.
Quando chamamos o ordenamento jurídico, só podemos aplicar normas de direito
material que regulem a situação controvertida e essas devem integrar o conceito-quadro da
norma de conflitos, ou seja, devem passar pelo crivo da qualificação em sentido estrito
O art. 41º, nº1 CC tem como conceito-quadro as obrigações provenientes de negócios
jurídicos e a validade substancial do mesmo.
Ainda que partindo da solução material portuguesa, o legislador do DIP pretende uma
interpretação autónoma, exclusivamente de acordo com a lex formalis fori, de modo a que
outras soluções de direito material estrangeiro se possam subsumir no nosso conceito-quadro.
Para isso é necessário arranjar um mínimo denominador comum entre o nosso conceito-quadro
e a solução de direito material estrangeiro.
Urge, pois, realizar uma interpretação não literal do conceito-quadro, mas uma
interpretação considerando o elemento teleológico-funcional do mesmo. Portanto, quando o
legislador do DIP fala em obrigações provenientes de negócios jurídicos e a validade
substancial do mesmo, ainda que partindo daquilo para nós são as obrigações provenientes de
negócios jurídicos e a validade substancial do mesmo, temos de estabelecer qual foi o princípio
norteador que o legislador do Direito dos Conflitos terá considerado.
No caso concreto, resulta que o princípio do legislador do Direito de Conflitos se prende
aos efeitos obrigacionais e à validade intrínseca de negócios jurídicos.
Passando para o segundo momento da qualificação, i.e., o momento da integração,
incumbe, num primeiro momento – o momento da integração factual – trazer do ordenamento
jurídico norte-americano exclusivamente as normas de direito material capazes de resolver este
problema.
Essa norma deve ser interpretada dentro do contexto do ordenamento jurídico norte-
americano (art. 23º CC). A lei norte-americano, conforme emerge do próprio enunciado, trata
desta matéria tal como um contrato de compra e venda fiduciário.

122
Isto posto, importa subsumir o conceito-quadro e a norma de direito material trazida do
ordenamento jurídico espanhol, tendo um silogismo entre a premissa maior e a premissa menor,
i.e., só se pelo seu conteúdo e função (art. 15º CC) as normas de direito material integrarem o
conceito-quadro é que poderão ser aplicadas.
Neste conspecto, o direito material norte-americano e o conceito-quadro do art. 41º, nº1
CC visam o mesmo objetivo e, por consequência, encontra-se cumprido o momento da
qualificação em sentido estrito.
Desta maneira, face ao que foi referido, passado o processo da qualificação, conclui-se
pela aplicabilidade deste direito material norte-americano.

Não obstante a tendencial formalidade das normas de conflito, há situações em que o


Direito Internacional Privado não é alheio à solução a aplicar à relação material controvertida.
Neste conspecto, suscita-se uma limitação à aplicabilidade do direito material,
nomeadamente a questão da fraude à lei, dado que as partes tornaram uma relação jurídica
puramente interna numa relação jurídica plurilocalizada com o único propósito de lhe aplicar o
direito material norte-americano.
Para que exista a tal fraude à lei, é necessário que se cumulem os seus elementos, a
saber: um objetivo que implica que a internacionalização da relação jurídica meramente interna
seja efetuada com êxito, devendo para tal haver uma norma defraudada (a norma material
portuguesa afastada) e uma norma de instrumentos, i.e., o art. 41º, nº2 CC, através do qual as
partes pretenderam ultrapassar o princípio da não transitividade; e o elemento volitivo ou
subjetivo – consiste na vontade de afastar a aplicação de uma norma imperativa que seria
normalmente aplicável, o que permite concluir pela necessidade da existência e dolo, o que se
vislumbrou no caso concreto.
Encontrando-se cumpridos os requisitos exigidos pelo art. 21º CC, impõe o art. 22º do
mesmo diploma a irrelevância da internacionalização fraudulenta da relação material
controvertida, o que implica a aplicação da lei material portuguesa à relação jurídica
controvertida.

Tendo sido desconsiderada a internacionalização da relação jurídica puramente interna,


vislumbrar-se-ia um efeito subsequente em relação à fraude à lei, ou seja, passaria a relação
controvertida a ser regulada pelo direito interno português. No entanto, para efeitos de resolução
do caso prático, deve ser ultrapassada essa situação.

 Artigo 46º CC

123
Decorre do art. 46º CC que o regime da propriedade é regulado pela lei do Estado em
cujo território as coisas se encontrem situadas, ou seja, a conexão eleita pelo legislador do
Direito de Conflitos foi a lex rei sitae.
Encontrando-se o imóvel em questão situado em Portugal, conclui-se que o
ordenamento jurídico português se considera competente, aplicando-se o seu direito material.

Perante o que até aqui vem sido referido, não se constata um efetivo conflito, pois nas
duas situações aplicar-se-á o direito material português.
Se assim não fosse, ocorreria um conflito positivo entre os arts. 41º e 46º, ambos do CC,
devendo atender-se, para tal, à circunstância de prevalecer o princípio da maior proximidade e,
consequentemente, prevaleceria o efeito real, ou seja, a conexão eleita pelo art. 46º CC..

T – 29 de novembro de 2019

DIREITOS REAIS

A matérias relativa aos direitos reais, na qual se inclui a posse, encontra-se regulada
pelos arts. 46º e ss. CC, no âmbito dos quais decorre a regra de que a mesma é regulada pela lei
do lugar da situação dos respetivos bens. Vislumbra-se uma clara prevalência do estatuto real,
o que é coerente com o art. 17º, nº3 CC, em que o princípio da maior proximidade é
prevalecente face ao da maior ligação individual.
A escolha pelo lugar da situação do bem confere à relação jurídica a vantagem de lhe
ser assegurada uma maior segurança e previsibilidade na aplicação relativamente à lei, uma vez
que o elemento de conexão é conhecido pelas partes. Além disso, dá guarido à tutela do Estado
em relação a estes direitos, os quais são absolutos ou erga omnes.

Não obstante, foram previstos regimes de natureza especial:

1. O primeiro deles diz respeito aos bens transacionados à distância, i.e., a


constituição ou transferência de direitos reais sobre coisas em trânsito. A este respeito, o
legislador estabeleceu como conexão o lugar do país do destino dessas coisas,
independentemente das diversas legislações que se encontrarem em trânsito.
Ainda assim, esta pode ser uma matéria com relevância penal, pelo que pode suceder
que, pelo princípio da adesão (art. 71º CPP), fique exclusivamente regulada pelo direito penal e,
por conseguinte, poder-se-á realizar uma interpretação extensiva do art. 46º, nº2 CC, por
intermédio da qual se alterará a conexão para o lugar da prática do facto ilícito típico. Dá-se
guarido ao princípio da territorialidade (art. 4º, al. a) CP).

124
2. De acordo com o nº3 do art. 46º CC; a constituição ou transferência de direitos reais
sobre meios de transporte submetidos a um regime de matrícula – caso de navios e aeronaves –,
é competente a lei do país onde a matrícula tiver sido efetuada.
Sucede, porém, que em relação a navios e aeronaves civis é possível realizar-se uma
redução teleológica do referido preceito, conforme determina o Prof. Ferrer Correia,
nomeadamente quando esses meios de transporte forem preferencialmente utilizados num país
que não seja o país onde foi efetuada a sua matrícula.
Uma vez mais dá-se relevância ao direito penal, mas, desta feita, ao princípio do
pavilhão (art. 4º, al. b) CP).

 Âmbito da lei do lugar da situação da coisa – art. 46º, nº1 CC

A conexão eleita pelo legislador apresenta um âmbito bastante alargado.


Em primeiro lugar é aplicável a toda a matéria inerente a direitos reais (de gozo, de
aquisição ou de garantia), tanto à sua constituição como à sua transferência.
Além disso, a lei da situação da coisa é aplicável ao regime da posse, seja ou não
caracterizada por outro ordenamento jurídico enquanto direito real.

É aplicável a todos os regimes relativos à tutela da propriedade e à tutela da posse.


Por sua vez, da interpretação do conceito-quadro da norma de conflitos constante do art.
46º, nº1 CC é impossível abarcar a matéria inerente à mera detenção, a qual é tratada no âmbito
dos efeitos obrigacionais do Código Civil ou ao abrigo do Regulamento Roma I.
Acresce a inclusão dos regimes da aquisição originária de direitos reais, mais
concretamente a ocupação, a acessão e a usucapião.

 Capacidade para constituir direitos reais sobre coisas imóveis ou dispor


por eles – art. 47º CC

O art. 47º CC consagra uma regra especial relativa à capacidade para constituir direito
reais sobre bens imóveis ou sobre a disposição dos mesmos.
Nos moldes do referido preceito é realizada uma ponderação entre o estatuto pessoal e
o estatuto real, atribuindo-se maior relevância e prevalência ao primeiro.
Não obstante a aludida prevalência do estatuto real, o art. 47º CC estabelece a conditio
de que apenas será competente a lei da situação da coisa se esta se considerar diretamente
competente. Se assim não for – mesmo que se considere competente ao abrigo de um esquema
de reenvio, i.e., de forma indireta –, prescinde-se da conexão do estatuto real – o lugar da

125
situação da coisa – para a conexão de estatuto pessoal, isto é, a lei pessoal (lei da nacionalidade
– arts. 25º e 31º, nº1, ambos do CC).

RELAÇÕES DE FAMÍLIA

No que às relações de família diz respeito, atender-se-á à aplicabilidade do Código


Civil – máxime dos arts. 49º e ss. – em tudo o que não estiver derrogado pelo Regulamento (UE)
nº 1259/2010 do Conselho, de 20 de dezembro de 2010, que cria uma cooperação reforçada no
domínio da lei aplicável em matéria de divórcio e separação judicial.
Os arts. 49º e ss. CC aplicam-se a todas as relações familiares, nelas se incluindo o
casamento e todos os negócios que lhe precedem, i.e., as convenções antenupciais e os
contratos-promessa de casamento.

 Capacidade para contrair casamento e celebrar convenções antenupciais e


respetivos vícios da vontade – art. 49º CC

O art. 49º CC versa sobre a matéria relativa à capacidade e vícios da vontade, i.e., a tudo
o que diga respeito à validade intrínseca do casamento e das convenções antenupciais.
Assim, não se encontrando ainda constituída a relação familiar (a qual ocorre com a
celebração do casamento), o legislador autonomiza a capacidade de cada um dos nubentes, à
qual é aplicável a respetiva lei pessoal (a lei da nacionalidade – arts. 25º e 31º, nº1 CC).

 Forma do casamento – art. 50º CC

Relativamente à validade extrínseca do casamento, o art. 50º CC dá maior


predominância ao lugar onde é celebrado o ato. Contudo, não dispensa os critérios especiais
relativos à validade formal do casamento constantes dos artigos seguintes.

 Casamento de dois estrangeiros em Portugal – art. 51º, nº1 CC

Relativamente ao casamento de dois estrangeiros em território português, o nº1 do art.


51º CC admite que o mesmo possa ser celebrado pela forma prescrita pela lei da nacionalidade
de qualquer um dos nubentes, perante os respetivos agentes diplomáticos ou consulares, desde
que, por via do princípio da reciprocidade, esse Estado reconheça igual competência aos
agentes diplomáticos ou consulares portugueses.

126
 Casamento entre dois portugueses ou entre português e estrangeiro no
estrangeiro – art. 51º, nº2 CC

Independentemente dos requisitos de validade prescritos pelo ordenamento jurídico


estrangeiro, o nº2 do art. 51º CC permite que o casamento entre dois portugueses ou entre um
português e um estrangeiro seja outorgado perante o agente diplomático ou consular do Estado
Português ou perante os ministros de culto católico.

Nos dois casos acima referidos, deve o casamento ser precedido do processo de
publicidade respetivo, organizado pela entidade competente, nos termos do art. 1599º CC.
Assim o exige o nº3 do art. 51º CC.

 Casamento de dois portugueses ou de um português e um estrangeiro, no


estrangeiro, de acordo com as leis canónicas – art. 51º, nº4 CC

Quando assim for, independentemente da forma exigida para o casamento segundo a lei
onde o mesmo é celebrado, o mesmo é havido como casamento católico, garantindo-se o
cumprimento da Concordata estabelecida entre o Estado Português e a Santa Sé.

EFEITOS DO CASAMENTO

 Relações entre os cônjuges – art. 52º CC

O art. 52º CC versa o seu âmbito de aplicação sobre todos os efeitos do casamento,
sejam eles pessoais ou patrimoniais. Da redação do referido preceito é possível verificar que o
legislador utilizou um conjunto de conexões sucessivas, começando por eleger a nacionalidade
comum dos cônjuges (art. 52º, nº1 CC).
Na eventualidade de não haver nacionalidade comum, o nº2 do art. 52º CC manda
aplicar a lei da sua residência habitual comum e, na falta da mesma, “a lei do país com o qual
a vida familiar se ache mais estreitamente conexa”.
As conexões eleitas pelo legislador caracterizam-se por ser conexões móveis, na medida
em que não estabeleceu o momento em que as mesmas se devem fixar. Ainda assim, deve
interpretar-se que a conexão a aplicar é aquela que seja mais estreita no momento em que se
determinar o facto a ser analisado.

 Convenções antenupciais e regime de bens – art. 53º CC

127
Em primeiro lugar elegeu a nacionalidade comum dos nubentes ao momento da
celebrada do casamento (momento determinado). Não havendo a tal nacionalidade comum, o
nº2 do art. 53º CC manda atender à lei da residência habitual comum e, se esta também
inexistir, à lei da primeira residência habitual, i.e., a lei onde ocorreu pela primeira vez a
organização da vida familiar, não podendo tratar-se de uma residência ocasional, a qual
configura um mero paradeiro.
O disposto no art. 53º, nº3 CC atribui uma muita parca autonomia da vontade, pois se
for aplicável uma lei estrageira para regular a substância e efeitos das convenções antenupciais e
dos regimes de bens e um dos nubentes residir habitualmente em território português, poderão
optar pela escolha de um dos regimes vigentes no nosso ordenamento jurídico.

 Problema de sobreposição dos arts. 52º e 53º, ambos do CC

Atendendo a que o art. 53º CC trata das convenções antenupciais e dos regimes de bens,
suscita-se uma eventual sobreposição dos efeitos patrimoniais, pois, tal como aludido, o art. 52º
CC versa não só sobre os efeitos pessoais, mas também sobre os efeitos patrimoniais do
casamento.
Neste conspecto, ou se conclui que o art. 52º CC faz apenas alusão aos efeitos pessoais
do casamento e que os efeitos patrimoniais se encontram no art. 53º CC, ou que este não esgota
os efeitos patrimoniais decorrentes do contrato de casamento.
Tem a doutrina entendido que o art. 52º CC trata dos efeitos que são comuns a qualquer
casamento, ao passo que o art. 53º CC versa sobre a substância e efeitos das convenções
antenupciais e dos regimes de bens que, apesar de consubstanciarem efeitos patrimoniais do
casamento, é reconhecida uma margem de liberdade contratual aos cônjuges – veja-se, por
exemplo, que podem alterar o regime de bens do regime da separação para o da comunhão de
adquiridos.
Assim, o art. 52º CC inclui os direitos e deveres dos cônjuges (dos quais se excecionam
a obrigação de alimentos, regulada pelo RRIII), a administração de bens, a restrição à
capacidade de exercício para a administração de bens, as dívidas entre os cônjuges, as dívidas
perante terceiros, i.e., tudo aquilo que é comum a qualquer casamento. Por seu turno, o art. 53º
CC abrange tudo o resto que for efeitos patrimoniais, ou seja, tudo o que verse sobre a escolha
do regime de bens.

 Modificação do regime de bens – art. 54º CC

128
O art. 54º CC consagra a possibilidade de alteração do regime de bens, modificação
essa que, em caso algum, poderá apresentar efeitos retroativos, de modo a não prejudicar
direitos de terceiros (art. 54º, nº2 CC).
Até aqui vem sendo referido que o regime de bens é regulado à luz das conexões
definidas no art. 53º CC, pelo que parece intrigante a circunstância de o art. 54º CC permitir a
alteração do regime de bens “se a tal forem autorizados pela lei competente nos termos do artigo
52º”, ou seja, realiza uma remissão para a norma que regula tudo o que é comum a qualquer
casamento.
A doutrina tem entendido que, apesar de o art. 54º CC postular um efeito decorrente da
autonomia da vontade das partes prevista no art. 53º CC, a verdade é que a possibilidade de
modificação do regime de bens é comum a qualquer contrato de casamento (todos os
casamentos, durante a sua vigência, admitem a prorrogativa de alteração do regime de bens) e,
por consequência, é de admitir a remissão para a lei competente nos termos do art. 52º CC.

T – 04 de dezembro de 2019

Regulamento (UE) nº 1259/2010 do Conselho


de 20 de dezembro de 2010
que cria uma cooperação reforçada no domínio da lei aplicável em matéria de
divórcio e separação judicial

Estamos diante do comumente designado Regulamento Roma III, ni âmbito do qual se


tentou que fosse aplicável a todos os Estados-Membros, mas a verdade é que o Reino Unido e a
Dinamarca sempre foram avessos e, além disso, outros países do norte da Europa não
concordaram com a possibilidade de harmonização na matéria d conflitos de leis no que tange
ao divórcio e à separação judicial, uma vez que a sua solução conflitual é ainda mais liberal do
que a resulta do Regulamento Comunitário e, por isso, consubstanciaria um retrocesso social.
Não obstante, importa referir que Portugal faz parte da lista de Estados-Membros
vinculados ao referido Regulamento (Considerando (6)), o que implica a derrogação do art. 55º
CC em relação à matéria de divórcio e de separação judicial.

É necessário proceder à articulação do aludido Regulamento com o Regulamento (CE)


nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao
reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de
responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) nº 1347/2000.

 Entrada em vigor

129
O RRIII entrou em vigor em 30 de dezembro de 2010, mas importa ter atenção às
situações a partir das quais se aplica.
Conforme decorre do art. 21º RRIII, este Regulamento aplica-se a processos ou acordos
de escolhas de lei que sejam celebrados depois de 21 de junho de 2012., podendo aplicar-se
antes de 2012 e até à entrada em vigor a acordos de escolha de lei desde que se verifiquem
requisitos de validade substancial e formal, nos termos dos arts. 6º e 7º, ambos do RRIII.

 Âmbito de aplicação material do RRIII

O art. 1º, nº1 RRIII refere que “o presente regulamento é aplicável, nas situações que
envolvem um conflito de leis, ao divórcio e à separação judicial”.
Ainda assim, não se aplica às várias matérias elencadas pelo nº2 do presente artigo.

 Âmbito de aplicação espacial do RRIII

Decorre do art. 4º RRIII o âmbito de aplicação universal do presente Regulamento, ou


seja, a conexão implica a escolha de lei de um Estado-Membro não participante neste
Regulamento ou a qualquer outro Estado terceiro.

 Conexão regra – art. 5º RRII

O RRIII tem como grande impacto a circunstância de para ele se estender a conexão
autonomia da vontade, podendo os cônjuges escolher a lei aplicável em matéria de divórcio e
em matéria de separação judicial (art. 5º, nº1 RRIII).
Não obstante, apenas poderão escolher uma das leis indicadas pelo Regulamento como
lei com maior ligação individual relativamente aos cônjuges (art. 5º, nº1 RRIII), a saber:

a) A lei do Estado da residência habitual dos cônjuges no momento da celebração do


acordo de escolha de lei; ou
b) A lei do Estado da última residência habitual dos cônjuges, desde que um deles ainda
aí resida no momento da celebração do acordo; ou
c) A lei do Estado da nacionalidade de um dos cônjuges à data da celebração do acordo
[entende-se que se os cônjuges podem escolher a nacionalidade de um deles, também poderão
escolher a lei do Estado da nacionalidade comum de ambos]; ou

130
d) A lei do foro [determinada nos termos do Regulamento (CE) nº 2201/2003 do
Conselho, de 27 de novembro de 2003].

Segundo o art. 5º, nº2 RRIII, os cônjuges podem escolher a lei a qualquer momento,
desde que o façam antes da propositura da ação, sem prejuízo do disposto no nº3 do presente
artigo, o qual determina que “se a lei do foro assim o determinar, os cônjuges podem ainda
designar a lei aplicável perante o tribunal durante o processo”.
Quando os cônjuges fizerem uso da faculdade prevista no art. 5º, nº3 RRIII, a
“designação será registada em tribunal nos termos da lei do foro”.

A matéria do divórcio e da separação judicial não só apresenta soluções muito díspares


nos vários ordenamentos jurídicos, como as diversas soluções, requisitos e efeitos são bastante
diferentes. Em termos de conflitos de leis, verificava-se a designada “brace to the court house”,
ou seja, a ideia que resultava do Regulamento de 2003 era a de que a lei do foro seria a lei
material para resolver a questão e, portanto, na ampla possibilidade de escolher o tribunal
internacionalmente competente, havia a grande vontade de escolher o tribunal que aplicasse o
seu direito material de acordo com os efeitos pretendidos pelas partes.
Assim, com o Regulamento de 2010 o que se pretende evitar é que não existam
situações assimétricas que resultam do Regulamento que determina a competência.

 Validade substancial – art. 6º RRIII

O art. 6º RRIII trata da matéria relativa à validade substancial do acordo que as partes
podem celebrar para determinar a lei competente em matéria de divórcio e de separação judicial.
Independentemente de ser colocada em causa a validade substancial do acordo de
escolha de lei, aquela que determina, em princípio, a validade daquele é aquela que, caso o
acordo fosse válido, resolveria a relação material controvertida.
A única exceção a esta regra resulta do nº2 do art. 6º RRIII, de acordo com o qual o
cônjuge que invoca a validade substancial, colocando em causa um vício no que tange à sua
expressão de vontade relativamente à formulação do acordo. Neste caso, pode escolher a lei da
residência habitual no momento da propositura da ação.

 Validade formal – art. 7º RRIII

O art. 7º, nº1 RRIII determina que o acordo de escolha de lei deve ser reduzido a
escrito, datado e assinado por ambos os cônjuges.

131
Postulam-se requisitos formais acrescidos, i.e., aqueles exigidos pela lei que tenha
conexão com um Estado participante. Só se atendem aos requisitos formais acrescidos para
efeitos de validade formal deste acordo se a conexão nos ligar a um Estado participante deste
Regulamento.
Os requisitos formais acrescidos serão os da lei da residência habitual à data da
celebração do acordo (art. 7º, nº2 RRIII).
Mas, se à data da celebração do acordo os cônjuges tiverem residência habitual em
Estados-Membros participantes diferentes, “o acordo é formalmente válido se cumprir os
requisitos formais por uma dessas leis” (art. 7º, nº3 RRIII).
E, por fim, se apenas um dos cônjuges tiver residência habitual num Estado-Membro
participante, dever-se-ão observar os requisitos formais desse país (art. 7º, nº4 RRIII).

 Lei aplicável na ausência de escolha pelas partes – art, 8º RRIII

Na eventualidade de os cônjuges não escolherem a lei ou por qualquer motivo o acordo


pelo qual a escolheram é substancial ou formalmente inválido, devem atender-se às conexões
supletivas subsidiárias previstas pelo legislador no art. 8º RRIII.
Assim, atende-se, subsidiariamente, às seguintes leis:
a) Lei da residência habitual dos cônjuges à data da propositura da ação;
b) Lei da última residência habitual dos cônjuges, desde que o período de residência
habitual não tenha terminado há mais de um ano antes da propositura da ação e que pelo menos
um dos cônjuges resida nesse país;
c) Lei da nacionalidade comum dos cônjuges;
d) Lei do foro [determinada nos termos do Regulamento (CE) nº 2201/2003 do
Conselho, de 27 de novembro de 2003].

 Conversão da separação judicial em divórcio – art. 9º RRIII

O presente Regulamento consagra um assunto particular relativo à suscetibilidade de


conversão da separação judicial em divórcio, preceituada no art. 9º RRIII.
Quanto à referida suscetibilidade, podem as partes escolher a lei para regular a
conversão, nos termos do art. 5º RRIII, conforme determina o nº1 do art. 9º RRIII. Mas, se o
não fizerem, será aplicável, em princípio, a lei que regulou a separação judicial (art. 9º, nº1
RRIII).
Se a lei que regulou a separação judicial não previr a possibilidade de a mesma se
converter em divórcio, aplicar-se-ão as conexões supletivas do art. 8º RRIII, tal qual impõe o
art. 9º, nº2 RRIII.

132
 Aplicação da lei do foro – art. 10º RRIII

Independentemente da escolha da lei por parte dos cônjuges ou a aplicabilidade das


conexões supletivas, a aplicação da lei do foro não é uma conexão autónoma, funcionando, de
forma particular, como uma espécie de uma causa de exceção da ordem pública europeia
especial.
A lei do foro é sempre aplicada quando a lei escolhida pelos cônjuges ou aquela
resultante das conexões supletivas de alguma forma não admitir a extinção do vínculo conjugal
ou então previr algum tipo de discriminação no que tange à possibilidade de desencadear o
contrato extintivo do contrato matrimonial, nomeadamente em situações de razão do seu género.

 Diferenças na lei nacional – art. 11º RRIII

O problema relativo a esta matéria prende-se ao facto de o Regulamento Roma III


consagrar a não imposição relativamente aos Estados que apliquem determinada solução, dado
que estes não são obrigados a aplicar uma solução que não se encontre prevista nos seus
próprios ordenamentos jurídicos.
Imaginando que um determinado ordenamento jurídico não prevê o divórcio, exclui-se a
aplicabilidade dos arts. 5º e 8º RRIII, aplicando-se a lei do foro. Mas, se também a lei do foro
não admitir o divórcio, o RRIII, no seu art. 13º, não obriga a que esse Estado reconheça o
divórcio.

 Exclusão do reenvio – art. 11º RRIII

No Regulamento Roma III não há reenvio, pelo que a escolha de lei por parte dos
cônjuges implica apenas uma referência material, ou seja, exclui-se a aplicação do direito
conflitual do ordenamento jurídico designado.

 Ordenamentos jurídicos plurilegislativos – arts. 14º e 15º RRIII

No que tange aos ordenamentos jurídicos plurilegislativos – tanto os de base


interlocal como os de base interpessoal –, o RRIII aproxima-se mais do art. 20º do nosso
Código Civil.
No âmbito do Regulamento, em princípio, escolhe-se a lei do Estado soberano (base
intelocal) – art. 14º, al. a) RRIII – ou o direito geral e não o direito especial aplicado a uma
categoria de pessoas (base interpessoal) – art. 15º, 1ª parte RRIII.

133
Nos casos de ordenamentos jurídicos de base interlocal, quando a conexão eleita é a
residência habitual, será a referência entendida como à residência habitual numa unidade
territorial – art. 14º, al. b) RRIII. No direito interpessoal, aplicar-se-á o direito material
especial quando as normas de conflito internas desse Estado assim o determinarem no caso
concreto, sob pena de se aplicar o direito geral.

A situação mais curiosa prende-se à aplicabilidade, em relação ao divórcio e à


separação judicial, da Lei da Sharia quando, no caso concreto, está em causa o divórcio ou a
separação judicial de muçulmanos que residam habitualmente na Trácia Ocidental. Trata-se de
uma lei religiosa islâmica, que consagra de forma muito integrada uma série de discriminação
das mulheres no que respeita ao acesso ao divórcio e à separação judicial.
No entanto, o Tratado de Lausanne admite a sua aplicação, uma vez que a Grécia
reconhece soberania à Lei da Sharia para os muçulmanos residentes na Trácia Ocidental.

P – 05 de dezembro de 2019

Caso Prático 15 (teste de avaliação continua – Turma A – 28 de novembro de 2019)

I
(Aplique apenas as normas de conflito do CC português)

Mohamed e Saïd são cidadãos iraquianos, viveram no Iraque até que fugiram do seu
país sendo, atualmente, refugiados em Portugal. Celebraram matrimónio no Irão – país onde
viviam os pais de ambos – em 1991, por procuração outorgada a cada um dos seus
progenitores masculinos nos termos da lei iraniana, que prevê que o casamento é formalmente
válido quando “[…] cada um ou ambos os nubentes se fazem representar por terceiro na
celebração do casamento mediante procuração […]”. A mesma solução jurídica é apresentada
pelo ordenamento jurídico iraquiano sendo que, não obstante, qualifica esta matéria como uma
questão de validade substancial do casamento.
Em Portugal pretendem, agora, proceder ao registo civil deste matrimónio tendo-se
colocado a questão da respetiva validade atendendo a que ambos os nubentes se casaram por
procuração.
Admita que a lei iraniana considera competente para aferir da validade deste
casamento, em qualquer caso, a lei do lugar da celebração do matrimónio e faz referência
material, enquanto o ordenamento iraquiano, também em qualquer caso, considera competente
a lei da nacionalidade dos nubentes e pratica devolução simples.

134
Diga qual a solução material a aplicar ao caso em apreço.

Atendendo ao caso concreto enunciado, estamos perante uma relação jurídica


relativamente internacional – os seus elementos encontram-se dispersos por mais de um
ordenamento jurídico, sendo um deles o português –, de natureza privada, relativa a matéria
matrimonial.
Com a relação material em causa estão em contacto os seguintes ordenamentos
jurídicos:

 Iraquiano: nacionalidade comum dos nubentes;


 Portugal: residência habitual atual;
 Iraniano: lugar da celebração do contrato de casamento

Tendo em consideração que Portugal é a lex fori, ou seja, que é reconhecida a


competência internacional aos tribunais portugueses para resolverem a relação material
controvertida, urge atender ao nosso sistema de conflitos.
Deste modo, tratando-se, para nós, de um problema inerente à validade formal do
contrato de casamento, importa atender ao preceituado no art. 50º CC, de acordo com o qual é
competente a lei do lugar da celebração do contrato.
Tendo Mohamed e Saïd contraído matrimónio no Irão, conclui-se que a nossa norma de
conflitos remete para o ordenamento jurídico iraniano. Por sua vez, o ordenamento jurídico
iraniano, para qualquer caso de validade do casamento, considera competente a lei do lugar da
celebração do casamento, realizando uma referência material.
Nestes termos, considerar-se-á competente e, portanto, não se vislumbra qualquer
situação de reenvio. Assim, por via da posição regra anti-devolucionista constante do art. 16º
CC, Portugal realiza uma referência material à lei iraniana.

L1(Portugal) L2(Irão)

L2(Irão)

De seguida urge proceder ao processo de qualificação.


Em primeiro lugar, deve interpretar-se o conceito-quadro do art. 50º CC, i.e., todas
aquelas situações jurídicas que o legislador considerou para eleger a conexão de determinada
norma de conflitos e só para essas é que é possível legitimar a aplicação da solução do
ordenamento jurídico estrangeiro, pois do art. 15º CC sobressai a expressão que diz que só se
consideram competentes normas que estiverem de acordo com o conceito-quadro.

135
Quando chamamos o ordenamento jurídico, só podemos aplicar normas de direito
material que regulem a situação controvertida e essas devem integrar o conceito-quadro da
norma de conflitos, ou seja, devem passar pelo crivo da qualificação em sentido estrito
O art. 50º CC tem como conceito-quadro a validade formal do contrato de casamento.
Ainda que partindo da solução material portuguesa, o legislador do DIP pretende uma
interpretação autónoma, exclusivamente de acordo com a lex formalis fori, de modo a que
outras soluções de direito material estrangeiro se possam subsumir no nosso conceito-quadro.
Para isso é necessário arranjar um mínimo denominador comum entre o nosso conceito-quadro
e a solução de direito material estrangeiro.
Urge, pois, realizar uma interpretação não literal do conceito-quadro, mas uma
interpretação considerando o elemento teleológico-funcional do mesmo. Portanto, quando o
legislador do DIP fala em validade formal do contrato de casamento pretendeu regular os
requisitos de validade do ato jurídico que constitui a relação jurídica matrimonial relativa a
todos os elementos da relação jurídica com exceção dos sujeitos (problema de validade
substancial).

Passando para o segundo momento da qualificação, i.e., o momento da integração,


incumbe, num primeiro momento – o momento da integração factual – trazer do ordenamento
jurídico iraniano exclusivamente as normas ou institutos de direito material capazes de resolver
este problema.
Essa norma deve ser interpretada dentro do contexto do ordenamento jurídico iraniano
(art. 23º CC). A lei iraniana, conforme emerge do próprio enunciado, trata desta matéria tal
como um problema de validade formal do casamento.
Isto posto, importa subsumir o conceito-quadro e a norma de direito material trazida do
ordenamento jurídico iraniano, tendo um silogismo entre a premissa maior e a premissa menor,
i.e., só se pelo seu conteúdo e função (art. 15º CC) as normas de direito material integrarem o
conceito-quadro é que poderão ser aplicadas.
Neste conspecto, o direito material iraniano e o conceito-quadro do art. 50º CC visam o
mesmo objetivo e, por consequência, encontra-se cumprido o momento da qualificação em
sentido estrito.
Desta maneira, face ao que foi referido, passado o processo da qualificação, conclui-se
pela aplicabilidade do direito material iraniano.

As soluções de direito material dos vários ordenamentos jurídicos em contacto com a


relação jurídica controvertida têm uma outra valência, i.e., a de permitir escolher outras
eventuais normas de conflito que sejam aptas a resolver esta questão.

136
Perante o caso concreto, a lei iraquiana trata desta questão como um problema de
validade substancial do casamento e, por isso, importa chamar à colação o art. 49º CC.
De acordo com o art. 49º CC, o legislador do Direito Internacional Privado escolheu
como conexão a lei pessoal. Levaria a crer que a lei pessoal fosse a lei da nacionalidade (arts.
25º e 31º, nº1, ambos do CC), mas tendo em consideração que Mohamed e Saïd são refugiados,
importa atender ao disposto no art. 21º da Convenção de Genebra, de acordo com o qual a lei
pessoal é a lei da residência habitual dos refugiados.
Desta forma, tendo os interessados residência habitual em território português, conclui-
se que Portugal se considera competente para regular a relação jurídica controvertida.

Importa, pois, proceder à qualificação do art. 49º CC.


Em primeiro lugar, deve interpretar-se o conceito-quadro do art. 49º CC, i.e., todas
aquelas situações jurídicas que o legislador considerou para eleger a conexão de determinada
norma de conflitos e só para essas é que é possível legitimar a aplicação da solução do
ordenamento jurídico estrangeiro, pois do art. 15º CC sobressai a expressão que diz que só se
consideram competentes normas que estiverem de acordo com o conceito-quadro.
Quando chamamos o ordenamento jurídico, só podemos aplicar normas de direito
material que regulem a situação controvertida e essas devem integrar o conceito-quadro da
norma de conflitos, ou seja, devem passar pelo crivo da qualificação em sentido estrito
O art. 49º CC tem como conceito-quadro a capacidade para contrair casamento ou
celebrar convenções antenupciais.
Ainda que partindo da solução material portuguesa, o legislador do DIP pretende uma
interpretação autónoma, exclusivamente de acordo com a lex formalis fori, de modo a que
outras soluções de direito material estrangeiro se possam subsumir no nosso conceito-quadro.
Para isso é necessário arranjar um mínimo denominador comum entre o nosso conceito-quadro
e a solução de direito material estrangeiro.
Urge, pois, realizar uma interpretação não literal do conceito-quadro, mas uma
interpretação considerando o elemento teleológico-funcional do mesmo. Portanto, quando o
legislador do DIP fala capacidade para contrair casamento ou celebrar convenções antenupciais
pretendeu regular os requisitos intrínsecos ao ato jurídico que constitui a relação jurídica
matrimonial relativa aos seus sujeitos.
Passando para o segundo momento da qualificação, i.e., o momento da integração,
incumbe, num primeiro momento – o momento da integração factual – trazer do ordenamento
jurídico português exclusivamente as normas ou institutos de direito material capazes de
resolver este problema.

137
Essa norma deve ser interpretada dentro do contexto interpretativo do nosso
ordenamento jurídico. Do art. 1620º, nº1 CC resulta que apenas um dos cônjuges se pode fazer
representar por procuração.
Isto posto, importa subsumir o conceito-quadro e a norma de direito material trazida do
ordenamento jurídico iraniano, tendo um silogismo entre a premissa maior e a premissa menor,
i.e., só se pelo seu conteúdo e função (art. 15º CC) as normas de direito material integrarem o
conceito-quadro é que poderão ser aplicadas.
Neste conspecto, o direito material português trata desta matéria como um problema de
validade formal e, por conseguinte, a solução material portuguesa não se subsume ao conceito-
quadro do art. 49º CC.
Deste modo, não se cumpre o processo de qualificação e, por conseguinte, da aplicação
do art. 50º CC, conclui-se que esta relação jurídica controvertida seria dirimida por uma solução
material do ordenamento jurídico iraniano.

II

Manuel e Joaquim, Portugueses e residentes no Porto e Coimbra,


respetivamente, celebraram um contrato de mútuo no valor de € 45.000,00 tendo sido
convencionada uma taxa de juro correspondente à taxa legal acrescida de 45% e, em
caso de mora no pagamento de qualquer uma das prestações, àquela taxa era
acrescida uma penalidade de mais 15%.
Nos termos do contrato foi estabelecido submeter qualquer vicissitude negocial
ao direito material Turco que admite aquela taxa de juro como válida.
Admita que Joaquim no termo do contrato devolve o capital mutuado, mas não
paga os juros que considera usurários.
Admita que está pendente em Portugal uma ação para pagamento destes juros
diga qual a solução material a adotar?

Atendendo à situação prática enunciada, emerge um problema inerente a efeitos


obrigacionais de uma relação jurídico contratual, o que suscita a aplicação do Regulamento
Roma I (RRI) se verificados, de forma cumulativa, os seus três âmbitos, derrogando o disposto
nos arts. 41º e ss. CC.
Importa começar por referir que a mera autonomia da vontade é condição suficiente
para internacionalizar a presente relação jurídica puramente interna, dado que todos os seus
elementos encontram-se em contacto com o ordenamento jurídico português.

138
Em primeiro lugar, deve concluir-se, desde logo, que se verifica o âmbito de aplicação
temporal do Regulamento Comunitário, i.e., tem-se como ponto de partida de que o contrato de
mútuo foi celebrado após o dia 17 de dezembro de 2009 (art. 28º RRI).
Relativamente ao âmbito de aplicação espacial do RRI, decorre do seu art. 2º que
devido ao facto de Portugal ser um Estado-Membro da União Europeia encontra-se vinculado
ao Regulamento Roma I. Além disso, admite a aplicabilidade de qualquer ordenamento jurídico
eleito, ainda que seja um ordenamento jurídico de um Estado que não seja membro da União
Europeia.
No que tange ao âmbito material, estamos diante de uma obrigação contratual de
natureza civil, a qual se subsume à aplicação do RRI, tal qual decorre do art. 1º, nº1, não se
encontrando o contrato de mútuo em nenhuma das exceções elencadas pelo nº2 do referido
preceito.
Encontrando-se cumpridos os três âmbitos de aplicabilidade deste Regulamento, urge
frisar que o contrato de mútuo não configura qualquer contrato especial a que o RRI faz
referência nos arts. 5º a 8º RRI e, por conseguinte, deve atender-se às regras gerais dos arts. 3º e
4º RRI.

Perante o caso concreto, tem-se que as partes lançaram mão da autonomia da vontade
preceituada como conexão geral no art. 3º RRI, uma vez que determinaram a aplicabilidade do
ordenamento jurídico turco à relação material controvertida.
Assim, ao contrário do nosso Código Civil, o RRI não limita a escolha de lie às leis em
contacto com a relação jurídica. E, além disso, permite fazer o depéçage ou splitting
relativamente a este contrato
Pese embora poderem escolher o ordenamento jurídico turco, nos termos do nº3 do art.
3º RRI, nestas circunstâncias ele não é suscetível de derrogar normas não derrogáveis da lei em
contacto com a relação jurídica controvertida, isto é, as normas imperativas do direito material
português, o que sucede com a matéria relativa aos juros usurários.
Assim, relativamente aos juros usurários aplicar-se-á uma solução material portuguesa,
mais concretamente o preceituado no art. 1146º CC.

OT – 05 de dezembro de 2019

Correção dos segundos testes de avaliação contínua das turmas B e C.

T – 06 06 de dezembro de 2019

A FILIAÇÃO E A ADOÇÃO

139
A filiação natural e a filiação adotiva encontram-se reguladas nos arts. 56º e ss. CC.

Filiação natural e a filiação adotiva – arts. 56º e ss. CC


São dois os tipos de estabelecimento das relações de parentesco no primeiro grau da
linha reta, isto é, filiação (art. 56º CC) e a adoção (art. 60º CC). A aplicabilidade do art. 60º CC
é bastante reduzida devido às conexões cumulativas que o mesmo apresenta e, além disso, a
matéria relativa à adoção é derrogada por um conjunto de convenções internacionais.

Filiação natural – art. 56º CC

O art. 56º CC estabelece um conjunto de conexões sucessivas ou subsidiárias,


distinguindo-se os filhos de mulheres casadas e os filhos de mulheres não casadas (art. 56º, nº2
CC). A justificação da distinção não tem um conteúdo discriminatório relevante, visando
somente regular as questões relativas à questão da presunção da paternidade.
O nº1 do art. 56º CC trata da filiação em relação a mulheres solteiras ou em união de
facto, cuja constituição é regulada pela lei da nacionalidade (arts. 25º e 31º, nº1, ambos do CC)
do progenitor.
Tratando-se de mulher casada, a constituição da filiação é regulada pela lei nacional
comum da mãe e do marido, pela lei da residência habitual comum se aquela faltar e, se esta
também faltar, pela lei da nacionalidade (arts. 25º e 31º, nº1, ambos do CC) do filho (art. 56º,
nº2 CC).
Dois tipos de estabelecimento de parentenssco no 1º grau da linha reta: quer a filiação,
quer a adoção (Arts. 56º e 60º CC). O art. 60º CC é mito difícil com a aplicabilidade do Codigo
Civil verificar o preenchimento das conexões cumulativos do referido artigo.

O nº3 do art. 56º CC trata da fixação da conexão, isto é, da determinação da aplicação


da lei no tempo. Para efeitos do nº2 do presente artigo, considera-se como nacionalidade
comum, a residência habitual comum ou a lei da nacionalidade do filho, no momento do seu
nascimento ou se, entretanto, for dissolvido o casamento, será o momento da dissolução, desde
que esta ocorra anteriormente ao nascimento.
Adoção: convenções internacionais que derrogam a aplicabilidade do art. 60º CC
(Portugal está a elas vinculado).

Coloca-se uma questão sobre qual a conexão a utilizar no âmbito do nº1 ou do nº2 do
art. 56º CC no caso de a mulher ser casada, mas o estabelecimento da filiação não é para o
marido desta.No âmbito do art. 56º CC: conexões sucessivas ou subsidiárias. O que se distingue

140
é filhos de mulheres casadas e não casadas (solteiras ou uniões de facto) – nacionalidade do
progenitor (arts. 25º e 31º, nº1 CC).

Os Profs. Ferrer Correia, Batista Machado e Moura Ramos entendem que neste caso
concreto deve tratar-se a questão como se a mulher fosse solteira, aplicando-se a conexão eleita
nos termos do nº1 do art. 56º CC.
De acordo com o Prof. Luís de Lima Pinheiro, independentemente de a filiação não ser
estabelecida para o cônjuge da mãe, as regras que devem nortear o estabelecimento da filiação
encontram-se no art. 56º, nº2 CC.
Justificação da distinção: não tem um conteúdo discriminatório relevante – aplicabildiad
dos regimes de presunção e não presunção.

Ultimamente, esta questão tem tido grande discussão, havendo diversas convenções
internacionais que a visam regular, nomeadamente a Conferência de Haia, que tem um conjunto
de trabalhos preparatórios para estabelecer uma convenção internacional no que tange à
constituição da filiação em matéria de técnicas de reprodução medicamente assistidas, mais
concretamente as barrigas de aluguer.

 Âmbito do art. 56º CCTratando-se de filho de mulher casada – nºs 2 e 3 do art.


56º CC. Estabelecemos a nacionalidade comum da mãe e do marido; residência
habitual dos connjuges; lei da nacionalidade do filho;
nº3 – fixação da conexão: determinação da lei no tempo, considera-se como conexão
mais estreita aquela no momento do nascimento da criança ou, se, entretanto os pais
tiverem dissolvido o casamento, será esse o momento (se anterior ao casamento).

O âmbito do art. 56º CC inclui todas as questões relativas à validade do


reconhecimento judicial da filiação, meios de prova e impugnação.
O art. 60º CC tem a particularidade de dar origem a uma eventual conexão cumulativa
nos termos do art. 61º CC, em que considerando
Questão relativamente à conexão a usar do nçº1 ou nnº2 caso a mulher seja casada e o
filiação não é para o marido. FC, BM e Moura Ramos – como se ela fosse solteira e aplicarmos
o nº1.
Independentemente da filiação não ser estabelecida para o cônjuge da mãe, devem ser
tratadas pela conexão determinada pelo nº2 do art. 56º CC.
Questão tem tido ultimamente grande discussão: diversas convenções internacionais,
nomeadamente a Conferência de Haia tem um conjunto de trabalhos preparatórios para
estabelecer…

141
A filiação é estabelecida com o marido da mãe ou com outro.

terceiros de referência ou o próprio adotante ou perfilhante, que tenha uma lei pessoal
que imponha formalidades acrescidas em relação ao consentimento dos próprios, deve respeitar-
se esse elemento acrescido, nos termos do art. 61º CC.

O âmbito do art. 56º CC incui todas as qustões relativas à validade do rconhecimet e da


filiação, meios de prova e impugnação.
O art. 60º CC tem a particularidade de dar origem a uma eventual conexão cumulativa
nos termso do art. 61º CC, em que considerando terceiros de referêcia ou o próprio adotatne iu
perfilhante, teha uma lei pessoal que imponha formalidades acrescidas, tem de se respeitar esse
elemento acrescido nos termos do art. 61º CC.O art. 57º CC trata de todos os efeitos jurídicos da
relação instituída entre pais e filhos – sendo certo que, consoante a natureza da relação jurídica
estender esta interpretação a outros ascendentes da linha reta (avós e netos, por exemplo).
O legislador utilizou a técnica de conexões sucessivas, tal como fez no art. 56º CC, pois
as relações entre ascendentes e descendentes são reguladas pela lei da nacionalidade comum,
pela lei da residência comum na falta daquela ou se os pais residirem habitualmente em
diferentes Estados, pela lei da nacionalidade do filho (art. 57º, nº1 CC).

Se houver apenas um progenitor, o art. 57º, nº2 CC determina que a conexão relevante
será a nacionalidade deste. Se, entretanto, se um dos progenitores tiver falecido, valerá como
conexão mais próxima a nacionalidade do progenitor sobrevivo, tal qual emerge da parte final
do nº2 do art. 57º CC.

O âmbito do art. 57º CC abrange todos os efeitos pessoais e patrimoniais das relações
jurídicas entre pais e filhos e avós e netos, excecionando-se somente a matéria relativa aos
nomes e apelidos, em que há uma convenção internacional própria para os regular.

Obrigação de alimentos entre pais e filhos

De acordo com o art. 15º do Regulamento (CE) n.º 4-2009, de 10 de janeiro, a lei
aplicável à obrigação de matérias é determinada pelo Protocolo da Haia, de 23 de novembro de
2007, sobre a Lei Aplicável às Obrigações Alimentares, a que o Estado Português se encontra
vinculado.
Ainda que não seja Direito da União Europeia, o Protocolo referido é aplicável nos
termos do art. 15º do Regulamento (CE) n.º 4-2009, de 10 de janeiro, tratando-se de um

142
verdadeiro documento legislativo da União Europeia, inclusive para o Tribunal de Justiça da
União Europeia.

Protocolo sobre a lei aplicável às obrigações de alimentos

 Âmbito material

Nos termos do art. 1º, nº1, o Protocolo determina a lei aplicável às obrigações
alimentares decorrentes de relações de família, de parentesco, de casamento ou de afinidade.
O art. 11º do Protocolo consagra um conjunto de matérias que se incluem neste âmbito material

 Âmbito universal

Do art. 2º do Protocolo decorre a aplicação universal do Protocolo, vinculando os


Estados contraentes (nos quais se inclui Portugal), ou seja, independentemente da conexão
eleita, isto é, mesmo que seja de um Estado não contraente, é essa aplicável.
Atendendo à grande projeção da Conferência da Haia, são muitos mais os Estados
contraentes do Protocolo do que aquelas que se encontram vinculados ao Regulamento.

 Conexão regra

Nos termos do art. 8º do Protocolo, tal qual tem sido tendência nos Regulamentos,
vigora a autonomia da vontade, ou seja, mediante acordo, podem o credor e o devedor a
alimentos escolher uma das seguintes leis (art. 8º, nº1 do Protocolo):

a) A lei do Estado do qual uma das Partes seja nacional aquando da designação;
b) A lei do Estado da residência habitual de uma das Partes aquando da designação;
c) A lei designada pelas Partes como aplicável ao seu regime matrimonial ou a lei
efetivamente aplicada ao mesmo;
d) A lei designada pelas Partes como aplicável ao seu divórcio ou separação de pessoas
e bens ou a lei efetivamente aplicada ao mesmo.

Nunca a escolha de lei inclui a questão relativa à possibilidade ou não possibilidade, aos
efeitos, às prorrogativas, formalidades ou requisitos da renúncia do direito a alimentos, em
que esta matéria é exclusivamente tratada pela lei da residência habitual do credor. Assim
determina o nº4 do art. 8º do Protocolo.

143
O acordo deve ser reduzido a escrito, tratando-se de um verdadeiro requisito de
validade formal, nos termos do art. 8º, nº2 do Protocolo.

 Conexão supletiva
O art. 57º CC trata de todos os efeitos da relação instituída entre pais e filhos. Estender
a interpretAaça~ao a outroas ascendentes na linha reta (avos e netos, p.e.). Sucessivas conexões
para rgular as relações jurídicas entre as cedndentes e descendtes: NC, RH ou nacionalidade do
filho.
Paticularidade de se só houver um progenitor, não haverá nacionalidade e RH comum.
Se tiverem havudo 2 progenitores, mas se só um estiver vivo, conta a nacionalidade do
progenitor sobrevivo.
Todos os efeitos pessoais e patrimonaisis das relações entre PF e NA, ezxceção da
matéria relativa aos nomes e apelidos (conençao própria para isso).

Sendo escolhida pelas partes a lei aplicável às obrigações de alimentos, importa atender
à conexão supletiva, prevista no art. 3º, nº1 do Protocolo, o qual determina que as obrigações
alimentares “são reguladas pela lei do Estado da residência habitual do credor”. O nº2 do
referido preceito determina que “em caso de mudança da residência habitual do credor, a lei
do Estado da nova residência habitual é aplicável a partir do momento em que a mudança
tenha ocorrido”.Obrigação de alimentos: efeito obrigacional entre cônjuges e ex-conjuges –
Regulamento de 2009, que trata de muita coisa.

 Regras especiais a favor de certos credores


Interessa o art. 15º, tudo o resto é mate´ria adjetiva ou de reconhecimento de sentenças.
art. 15º - matéria relativa ao coflitos de leis para exlcuisvamente remeter a ques~tao
para o PRotcolo de Haia de 2007 relativo à obrgacição de alimentos, a que Portugal est
´vinculado.

Importa atender à nuance estabelecida pelo art. 4º do Protocolo, pois exclusivamente nas
situações por ele previstas, altera-se a conexão da residência habitual do credor para a lei do
foro, se a residência habitual não permitir, ao contrario da lei do foro, que o credor tenha direito
a alimentos (art. 4º, nº2 do Protocolo).A convenção, ainda que náo seja DUE, nos termos do art.
15º, +e um verdadeiros documento legislativo da EU, inclusive para o TJUE. É como se
estivesse inserido no próprio Regulamento.

144
Trata-se de um afloramento do princípio da proteção da parte mais fraca, evidenciado
nas seguintes matérias de obrigações alimentares (art. 4º, nº1 do Protocolo:

a) Dos pais relativamente aos filhos;


b) Das pessoas, que não os pais, relativamente a menores de 21 anos, exceto no caso de
obrigações decorrentes das relações referidas no artigo 5º;
c) Dos filhos relativamente aos pais.

Nos termos do nº3 do art. 4º do Protocolo, decorre que pode alterar-se a conexão para a
lei do foro quando o credor a alimentos tenha a necessidade de recorrer a autoridade competente
do Estado em que o devedor tem residência habitual – caso do Ministério Público. Não obstante,
se a lei do foro não puder obter alimentos do devedor, aplicar-se-á a lei do Estado da residência
habitual do credor.
Ainda assim, se nenhuma das referidas leis reconhecer o direito a alimentos, recorre-se
à lei da nacionalidade comum do credor e do devedor, caso exista (art. 4º, nº4 do Protocolo).
Aplicável às obrigaç~eos de alimentos decorrentes de relações familiares (parentesco,
casamento e afinidade – art. 1º).

 Obrigações de alimentos entre cônjuges


Art. 11º Conjunto de matérias que se incluem no âmbito material (articulação de aritgo).
âmbito de aplicação UNIVERSAL.

Convenção tratada cmo DUE (art. 15º do Regulamento que lhe remete diretamente). CI
tem uma lista maisopr de Estados contrattnes, independetemtne de estarem ou não vinculados
ao Regulamento.

Tal qual tem dsid tendência – art. 8º da Convenção vigora a autonomia da vontaden,
podem o credor e devedor a alimentos escolher a lei que querem para regular a matéria.
Acordo decorrente da fixação de uma obrigação de alimentos -agrandes interessados são
os filhos menres. Tem de ser um filho maior ou não incapacidade para celebrar o acordo.

SSó alguma das leis +previstas no art.8º pode ser escolhida. A escolha d lei não inclui a
possibilidade de renuncia ao direito a alimentos, em que esta matéria é tratada pela lei da
residência habitual do credor a alimentos.

Acordo tem de ser reduzida a escrito, datado e assinado – requisitos formais.

145
Conexão supletiva do art. 3º para os casos das partes não escolhrem.
Lei da resid~encia habitual do credor a ser aplicada, com a seguinte nuance n: nas mat
´rias referidas no art. 4º exclusivamente , altera-se a conexão da RH do crdor para a lei do foro,
se a RH não permitir ao contráio da lei do foro, que o credor tenha direito a alimentos.

Relativamente às obrigações de alimentos entre os cônjuges aplica-se a regra especial


do art. 5º do Protocolo, de acordo com o qual é aplicável o disposto no art. 3º do Protocolo, a
não ser que uma das Partes se oponha e se demonstre a existência de uma conexão mais estreita
do que aquela que é determinada pelo art. 3º do Protocolo, isto é, a lei da residência habitual do
credor.art. 3º, nº3: nuance de que se pode alterar prerrogativa de recurso a autoridades… para a
lei do foro, a ão ser que esta não econheçao direito a alimentos reconhecido pela lei da RH.

 Exclusão do reenvio

Nos termos do art. 12º do Protocolo está excluída a possibilidade de reenvio, pelo que
as conexões implicam meras referências materiais.

 Ordenamentos jurídicos plurilegislativos


Se nenhuma lei reconhecer alimentos, recorrer-se à lei da nacionalidade comum do
credor e devedor.

Vigora um regime bastante semelhante ao dos Regulamentos Roma I e Roma II.Parte


aplicada diretamtne ás relações entre os conjhuges – conxão especial relativamente às
obrigações de alimentos (art. 52º CC). Aplica-se a regra do nº3 a anão ser que uma das partes se
oponha e se demonstre a existência de uma conexão mais estreita do que aquela que oart. 3º
permite determina.

ADOÇÃO – arts. 60º e 61º CCExcluído o reenvio – referência meramente material.

Regime especial em matéria plurilegislativa, quer interlocal, quer interpessoal: mais


parecida ao RRI e RRII.

146
No que tange à adoção, pela circunstância de o art. 60º CC apresentar várias conexões
sucessivas é de aplicação particularmente difícil, à qual podem acrescer as conexões
cumulativas do art. 61º CC.

Importa distinguir a adoção tout court da adoção de filhos de cônjuges (art. 60º, nº2
CC).

De particular interesse é o disposto no nº4 do art. 60º CC, de acordo com o qual “se a lei
competente para regular as relações entre o adotando e os seus progenitores não conhecer o
instituto da adoção, ou não o admitir em relação a quem se encontre na situação familiar do
adotando, a adoção não é permitida”.

O regime da adoção, no âmbito do DIP, tem de ser o mais simplificado possível, o que
não sucede com o nosso Código Civil, o que deu origem à Convenção de Haia, a que Portugal
está vinculado, pelo que os arts. 60º e 61º CC não têm aplicabilidade prAdoção (art. 60º e 61º
CC)
atica.
Aquilo que se estabelece é o princípio da subsidiariedade, ou seja, os tribunais têm
entendido que, no âmbito do superior interesse da criança, apenas se pode admitir a adoção
internacional de uma criança quando se tenham esgotado, em absoluto, os meios admissíveis
para uma adoção interna.
Aquilo que é a herança cultural da criança e considerada um elemento essencial à sua
identidade, que é perdida numa adoção internacional. Perde a sua nacionalidade, perde a
herança cultural relativamente ao Estado onde nasceu, com eventuais influências sobre a sua
própria nacionalidade

Utilização particularmente difícil, pois tem várias conexões sucessivas. Podem acrescer
conexões cumulativas do art. 61º CC
Adoção tout court vs adoção de filho cônjuges – particularidade do nº4 – não
reconhecimento das leis…

O regime da adoção tem de ser o mais simples possível, o que não acontece com os arts.
60º e 61º CC (sem aplicabidiade prática). Principio de ubsidariedade. WQUalquer instrumento
de DIP , cosideraram que funciona necessarimante uma situação de subsidiariedade
relativamente à adoção – Tribunais entendem que no mabito do superior interesse da criança, só
se podem adotar internacionalemtne uma criança se esgoatados os meios de adoção puamnte

147
internos.. A herança social da criança e a nacionalidade da criança poedem ser pedrdidas, com
possíveis consequências para a criança.
Só se consegue internacioanlziar a constituição de uma adoção depois de ão ser previiil
que a criança seja adotada por adotantes que tenham conexões com a própria criança.

Por fim, urge ter presente que, sobretudo a Convenção de Haia de 1993, é um
instrumento de excelência em matéria de adoção, segundo o qual consegue atribuir às adoções
internacionais a sua decisão em tempo útil. Trata-se de uma Convenção com adesão quase
universal e pacificamente as decisões dela decorrentes têm um reconhecimento e execução
bastante facilitados.
Convençao de Haia – instrumento de excelência para conseguir em tempo útil a adoção
internacional – adesão quase universal e pacificamente as decisões dela emergentes têm uma
fácil execução.

T – 11 de dezembro de 2019

REGULAMENTO (UE) Nº 650/2012 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO


CONSELHO
de 4 de julho de 2012
relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e execução das decisões,
e à aceitação e execução dos atos autênticos em matéria de sucessões e à criação de um
Certificado Sucessório Europeu

Só abordaremos, no âmbito da nossa unidade curricular, da matéria relativa à lei


aplicável.
REGULAMENTO DAS SUCESSÕES

 Âmbito material do Regulamento das Sucessões

O art. 1º do Regulamento das Sucessões (RS) estabelece o Âmbito material de


aplicação do presente Regulamento.Reg. COmu, com maior aplicabilidade prática,
nomeadamente ao Certificado Sucesório Europeu – homogeneidade dos atos praticados,
independentemente da língua pelo que são produzidos.

De acordo com o seu nº1, o Regulamento “é aplicável às sucessões por morte” e, além
disso, prevê expressamente que o RS não se aplica a matérias fiscais, aduaneiras e

148
administrativas. Acresce que o nº2 estabelece uma lista de matérias que se encontra excluída
do âmbito de aplicação do presente Regulamento.
Severo impacto prático – lei aplicável a que a nós diz respeito.

 Âmbito de aplicação espacial

Decorre do art. 20º RS o âmbito universal do RS, na medida em que o mesmo


determina que “é aplicável a lei designada pelo presente regulamento, mesmo que não seja a lei
de um Estado-Membro”.

 Conexão regra

O art. 22º RS consagra a conexão autonomia da vontade. No âmbito de uma relação de


direito internacional privado, com o Regulamento das Sucessões, é possível a fixação por parte
de qualquer pessoa determinar qual é que vai ser a lei a regular a sua própria sucessão.
No entanto, o legislador comunitário apenas permite que se altere a conexão supletiva –
a residência habitual do falecido no momento do seu óbito (art. 21º, nº1 RS) – para a conexão
nacionalidade no momento da escolha ou do óbito.
Além disso, o §2 do art. 22º, nº1 RS consagra que na possibilidade de uma pessoa
apresentar uma nacionalidade múltipla, poderá escolher uma qualquer lei dos Estados de que é
nacional quando é realizada a escolha.

A escolha de lei, nos termos do art. 22º, nº2 RS, deve ser feita expressamente numa
declaração que revista a forma de uma disposição mortis causa. Além disso, a
validade material da escolha é regulada nos termos da lei que for escolhida para a
regulação da sucessão (art. 22º, nº3 RS).

O nº4 do art. 22º RS permite que a escolha da lei seja alterada ou revogada a todo o
momento, desde que preencha os requisitos de forma exigidos para a alteração ou revogação de
disposições por morte.

 Conexão supletiva
Derroga a matéria sucessória do Código Civil.

Decorre do art. 21º, nº1 RS que a conexão supletiva eleita pelo legislador se cifra na
residência habitual do falecido à data do seu óbito.

149
O nº2 do art. 21º RS determina que se no caso concreto for demonstrado que o falecido
apresentava uma conexão manifestamente mais estreita com a lei de outro Estado que não o
da sua residência habitual, poder-se-á alterar a conexão para a lei desse Estado.art. 1º conjugado
com o art. 20º - o âmbito material da aplicação do Regulamento, incluindo o âmbito material no
âmbito da lei aplicável.
A todo o fenómeno sucessório mortis causa, excluindo todas as matérias do funemone
sucessória do nº2 do art. 1º do RS – exclui-se também matérias fiscais, aduaneiras ee
administrativas.

O RS – arts. 22º e ss. – tem a conexão da autonomia da vontade. No âmbito de uma


relação de DIP, é possível a afixação por parte de qualquer pessoa determinar a lei que regula a
sua própria sucessão.
Pode alterar-se a conexão supletiva do regulamento – a residência habitual – para
escolher a lei da nacionalidade da pessoa.

Declaração tem de ser fpormaçlmente válida. Pode ser alterada a qualquer momento ou
revogada, dentro das regras ormais do NJ.
Se tiver mais do que uma nacionalidade pode escolher a que lhe aprovuer no meomneto
da escolha da lei.

Declaração tem de ser formaçlmente válida – requisitos de forma são os que se


stabelecerem para os pactos sucsssórios ou disposições testamentárias ou elgatórias. Há de ser
sempre uma declaração escrita.

De entre as conexões pessoais mais estreitas, a residência habitual passou a ser o


elemento central em detrimento da nacionalidade, sobretudo por questões de organização e de
força política dos Estados mais fortes da União Europeia – máxime da Alemanha e da França –,
tendo-se em consideração a circunstância de serem países de acolhimento de muitos
estrangeiros, seriam aqueles que mais padeceriam com a aplicabilidade de aplicações diferentes
para os estrangeiros.
Contrariamente, Portugal é um país “exportador de estrangeiros”, pelo que o nosso
legislador tenha elevada a nacionalidade como conexão regra inerente ao estatuto pessoal.

A partir de agora, com o Regulamento Comunitário, consolidou-se em absoluto uma


questão que havia sobre a suscetibilidade de haver, no âmbito da lei do foro, a possibilidade de
invocar exceção de ordem pública no que tange a questões sucessórios, pois sempre foi uma

150
grande discussão, dado que a questão sucessória tem uma amplitude muito diferente em nos
vários Estados-Membros.
O grande impulsionador deste Regulamento foi a existência de um objeto da sucessão
estar disperso por vários ordenamentos jurídicos, pelo que seria adequado estabelecer um
regime uniforme, de modo a não haver grande disparidade relativamente às questões inerentes à
lex rei sitae.

Por causa da aludida disparidade no que tange aos fenómenos sucessórios nos vários
Estados-Membros, sobretudo à proteção da legítima de determinadas classes sucessórias.
Em Portugal, as causas de deserdação de herdeiros obrigatórios são excecionalíssimas,
entendendo-se que a insusceptibilidade de dispor da quota indisponível tem em consideração
princípios de interesse público subjacente àquilo que é a proteção do seio ou da sociedade
familiar relativamente àquilo que é o limite da autonomia da vontade e da liberdade de
disposição do autor da sucessão.

Vai-se discutindo a miúdo se o facto se, seja pelo Regulamento, seja com o Código
Civil, a existência de fenómenos sucessórios que não tenham o aludido interesse de proteção da
sociedade familiar se pode ou não legitimar a utilização da exceção da ordem pública.
Com a alteração da conexão nacionalidade para a residência habitual atenuou-se o efeito
relativamente à possibilidade de os Estados-membros invocarem a exceção de ordem pública,
pois desta forma a possibilidade de alguém ver ao longo da sua vida a vingar a lei da residência
habitual, demonstra que as alterações sucessivas, independentemente dos sues herdeiros, torna
aquilo que é a proteção de herdeiros legitimários muito mais parca.

Portugal sempre discutiu esta questão de uma forma curiosa, considerando a


interpretação que faz do direito à família e daquilo que é a justificação para a existência das
legítimas e da proteção de determinadas classes de sucessíveis, até que Calouste Gulbenkian
decidiu constituir uma Fundação e deixar todo o seu património a essa fundação.
Tendo-se chateado com os filhos, estes vieram impugnar, de acordo com o direito
português, que não tinha sido protegida a sua legítima. Suscitaram-se questões de ordem pública
internacional do Estado português para não aplicar o direito inglês no caso concreto.
A partir daí, considerando o caso de Calouste Gulbenkian, a verdade é que temos
fenómenos sucessórios ao nível dos Estados-Membros, mas a discussão relativamente aos
mesmos tem de ser enquadrada ao nível da questão da justificação do instituto do direito da
família constitucional para efeitos de garantir a legítima nomeadamente para o Estado português
puder aplicar a exceção da ordem pública, quando a lei designada pelo Regulamento não
implica a proteção da legítima das classes sucessíveis obrigatórias.

151
Com a adesão ao Regulamento Comunitário, a alteração da conexão nacionalidade para
a residência habitual, na já difícil argumentação da exceção da ordem pública, agora torna-se
mais complicada defender, face à Constituição da República Portuguesa, que estamos a tratar de
uma questão de exceção da ordem pública, mantendo a proteção do cônjuge, ascendentes ou
descendentes.
No caso de Calouste Gulbenkian, o Estado Português decidiu aplicar a lei da
nacionalidade e jamais excecionou a aplicação do direito inglês, no âmbito do qual não havia a
mínima proteção dos filhos daquele.

 Âmbito da lei aplicável – art. 23º RS

O art. 23º, nº1 RS refere que “a lei designada nos termos do artigo 21º ou do artigo 22º
regula toda a sucessão”.
O referido artigo explica todas as vicissitudes diretamente relacionadas com o fenómeno
sucessório, nomeadamente o nº2 do mesmo.
No âmbito do Regulamento das Sucessões, além do fenómeno sucessório propriamente
dito, incluem-se os negócios jurídicos que lhe são prévios, como os pactos sucessórios (art. 25º
RS) e os testamentos (seja o fenómeno sucessório propriamente dito ou os legados),

 Pactos sucessórios – art. 24º RS

É o art. 24º RS que trata dos pactos sucessórios, nos termos do qual é possível escolher
a lei aplicável ao pacto sucessório, na mesma medida em que é admissível a escolha da lei para
regular o fenómeno sucessório (art. 24º, nº3 RS).
A validade ou admissibilidade do pacto sucessório, quando não ocorra a escolha da lei,
é regulada pelo mesmo critério supletivo, ou seja, a lei da residência habitual no momento em
que o pacto é outorgado, ainda que a questão só se coloque após a morte do outorgante (art. 24º,
º1 RS).

Deve ter-se em atenção que o pacto sucessório pode ser exclusivamente relativo a uma
pessoa, pelo que a conexão estará ligada a essa pessoa, seja pela escolha, seja pelo critério
supletivo. Mas, pode suceder que o pacto sucessório seja relativo à sucessão de várias pessoas e,
quando assim for, o nº2 do art. 24º RS consagra uma conexão cumulativa, a qual exige que o
pacto sucessório será válido se todas as leis a concurso admitirem a sua validade.
Se não for válida relativamente a alguma(s) pessoa(s), deve equacionar-se a
possibilidade de aplicar a regra do princípio do aproveitamento máximo dos negócios jurídicos,
no âmbito do qual pode suscitar-se a redução ou conversão em relação a um ou vários

152
outorgantes. A não ser que se demonstre que aquelas pessoas não teriam celebrado aquele
negócio jurídico se não estivessem todas incluídas.

 Validade material das disposições de morte – art. 26º RS

Relativamente aos arts. 24º e 25º RS, o art. 26º, nº1 RS refere o que releva para efeitos
de validade material das aludidas disposições:

a) A capacidade do autor da disposição por morte para fazer tal disposição;


b) As causas concretas que impedem o autor da disposição de dispor a favor de
determinadas pessoas ou que impedem uma determinada pessoa de receber bens da sucessão do
autor da disposição;
c) A admissibilidade de representação para efeitos de fazer uma disposição por morte;
d) A interpretação da disposição;
e) A fraude, a coação, o erro e quaisquer outros aspetos que se prendam com o
consentimento ou a vontade do autor da disposição.

 Validade formal das disposições por morte feitas por escrito – art. 27º RS

Para efeitos de validade formal, inclui-se toda a matéria relativa à idade,


características pessoais, representação, objeto das disposições, exigência ou não de
testemunhas e características das mesmas (art. 27º, nº3 RS).
Estas matérias estender-se-ão para a possibilidade de alteração ou revogação das
disposições por morte anteriores (art. 27º, nº2 RS).
Trata-se apenas de disposições formais feitas por escrito, pois estão excluídas do
âmbito material do Regulamento as matérias relativas à disposição por morte quando feitas por
formal oral (art. 1º, nº2, al. f) RS).

O nº1 do art. 27º RS determina que a declaração é formalmente válida se respeitar a


lei:

a) do Estado onde a disposição foi feita ou o pacto sucessório celebrado; ou


b) da nacionalidade do testador ou dos outorgantes.

Nos termos da al. b) é possível considerar dois momentos temporais, quer o momento
em que foi celebrado o ato, quer o momento em que ocorreu o óbito.

153
Além disso, na eventualidade de o objeto mediato consubstanciar um bem imóvel, deve
respeitar a lei do lugar onde se situa o imóvel, urgindo a prevalência da lex rei sitae, tal qual
emerge do art. 27º, nº1, al. e) RS.

São, portanto, conexões múltiplas na ideia do aproveitamento máximo do negócio


jurídico.
 Validade quanto à forma de aceitação ou do repúdio – art. 28º RS

De acordo com o preceituado no art. 28º RS, a declaração relativa à aceitação ou


repúdio da herança é formalmente válida se respeitar os requisitos da lei designada nos termos
do art. 22º RS ou a lei decorrente do critério supletivo do art. 21º RS (lei da residência habitual
no momento do óbito) ou da lei da residência habitual daquele que aceita ou repudia a herança.

P – 12 de dezembro de 2019

Não houve aula.

OT – 12 de dezembro de 2019

Não houve aula.

T – 13 de dezembro de 2019

Regras especiais no âmbito do Regulamento das Sucessões

 Administrador da herança – art. 29º RS

Trata-se de uma matéria inerente ao administrador da herança, a qual não é tipicamente


comum a todos os regimes sucessórios.
Considerando a aplicabilidade da lei do foro, sempre que no âmbito do tribunal
competente seja obrigatória a existência de um administrador da herança, podem os órgãos
jurisdicionais do Estado-Membro, quando chamados a pronunciar-se, nomear um ou mais
administradores da herança nos termos do seu direito interno (art. 29º, nº1 RS).

 Regras especiais que imponham restrições quanto à sucessão ou a afetem


relativamente a certos bens – art. 30º RS

154
Nomeadamente no que tange à matéria da sucessão de bens imóveis e à aplicabilidade
da respetiva lex rei sitae. Grande conflito entre o estatuto real e o estatuto pessoal, face ao qual
o Regulamento estabeleceu como regra especial àquilo que tem sido comum no âmbito dos
Regulamentos Comunitários, ou seja, são aplicadas as regras especiais da lex rei sitae que
imponham restrições quanto à sua sucessão ou a afetem relativamente a certos bens,
independentemente da lei que rege a sucessão.

 Adaptação dos direitos reais – art. 31º RS

Na decorrência do art. 30º RS, o art. 31º RS apresenta uma regra especial de adaptação
aquando do conflito entre o estatuto pessoal sucessório e o estatuto real quando na sucessão há
bens imóveis e a lei da sucessão não reconhece o direito real que lhe está subjacente.
Assim, na situação de conflito adapta-se a lei sucessória para o reconhecimento do
respetivo direito real, ainda que se aplicando a lei determinando para a sucessão, mas na
vertente do direito real e não na matéria sucessória.

 Comoriência – art. 32º RS

O art. 32º RS consagra uma regra especial relativa à presunção de comoriência. O


legislador comunitário adotou um regime totalmente diferente daquele que é o regime do nosso
Código Civil (art. 68º, nº2 CC), dado que optou por uma verdadeira técnica de direito material.
No âmbito do RS, havendo uma situação de comoriência (quando da sucessão se fizer
depender a existência ou não de um pré-falecimento de outra pessoa), sempre que duas ou mais
pessoas cujas sucessões são regidas por leis diferentes morram em circunstâncias em que haja
incerteza quanto à ordem em que se vislumbraram os óbitos, regulando tais leis a situação de
forma distinta ou até mesmo se a não regularem, o art. 32º RS refere que “nenhuma destas
pessoas tem direito à sucessão da outra ou das outras”.

 Herança vaga – art. 33º RS

De modo a contornar as diversas soluções existentes nas diversas leis, no âmbito do que
é a declaração da existência de uma herança vaga, conclui-se pela aplicação do Regulamento
que não há herdeiros sucessíveis relativamente àquilo que é aquele fenómeno sucessório.
Assim, sendo declarada vaga uma herança, cessa a aplicabilidade da lei determina para
a solução, pelo que cada um dos ordenamentos jurídicos em conflito com a situação concreta
tratará de chamar os herdeiros, nomeadamente a forma como o Estado ou as demais pessoas
coletivas de direito público vão herdar.

155
A lei designada pelo regulamento pode declarar a herança vaga, mas aquilo que é a
classificação de quem é chamado para suceder àquela herança vaga é exclusivamente um
problema de direito interno.

Sobretudo no que tange ao Reino Unido, a questão da herança vaga não é um problema
de DIP, mas sim um problema de direito real e administrativo, isto é, uma espécie de aquisição
originária a favor da Coroa Britânica.

 Reenvio – art. 34º RS

O Regulamento das Sucessões admite ténues expressões de reenvio, nos termos do seu
art. 34º.
O reenvio encontra-se sempre excluído no que tange às matérias consagradas no art.
34º, nº2 RS, isto é, as leis a que se referem os artigos 21º, nº2, 22º, 27º, 28º, al. b) e 30º.
À exceção das leis designadas pelos aludidos normativos, para as quais nunca haverá
reenvio, tudo o que seja a designação de leis de Estados terceiros por parte do Regulamento,
poderá haver uma situação de reenvio quando aquele elege:

a) A lei de um Estado-Membro;
Quando assim é, ainda que não esteja expressamente previsto, cada Estado-Membro,
independentemente das suas regras do seu Direito Internacional Privado, quando o referido
Estado terceiro lhe devolve a competência, ele considera-se competente.

b) A lei de um outro Estado terceiro. Neste caso importa atender à posição conflitual
desse Estado e, se se considerar competente, temos um reenvio por transmissão de competência
direta e, ainda que não seja um Estado-Membro, será aplicável a sua lei.
Se o Estado terceiro não se considerar competente, não poderá haver reenvio.

 Ordem pública – art. 35º RS

Soluções idênticas aos demais Regulamentos.

 Ordenamentos jurídicos plurilegislativos – arts. 36º e 37º RS

Regras similares àquelas estudadas no âmbito do fenómeno matrimonial.

T – 18 de dezembro de 2019

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Caso Prático 16

Manuel, brasileiro, foi atropelado em Bilbau, onde veio a falecer.


Tinha residência habitual em Nova Iorque e deslocava-se a este país de férias.
Momentos anos da sua morte, pediu para chamar o padre da capela do hospital e
ditou-lhe o seu último desejo: deixar toda a sua herança a Juvenal, seu amigo de longa data,
português e habitualmente residente em Viena.
Nos termos da lei espanhola, o padre lavrou um auto com a última declaração de
vontade de Manuel e entregou-a no notário como testamento hológrafo.
Jéssica, filha de Manuel, brasileira e habitualmente residente em Portugal, propõe nos
tribunais portugueses uma ação com vista à declaração de invalidade daquele documento,
alegando que o mesmo não é um testamento, mas uma mera declaração de vontade verbal
transcrita por terceiro num documento particular.
O ordenamento jurídico espanhol considera o documento válido e considera
competente a nacionalidade do de cujus e pratica devolução simples.
O ordenamento jurídico brasileiro não reconhece aquele documento como qualquer
forma válida para um testamento, considerando competente a lei do lugar onde o ato é
celebrado e pratica também devolução simples.
Os ordenamentos jurídicos norte-americano e austríaco têm uma solução material
idêntica à brasileira e consideram competente a lei da residência habitual do de cujus e são
anti-devolucionistas.

Admitindo que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes, diga qual


a solução material a aplicar no caso concreto.

Atendendo ao caso concreto suscitado, estamos perante uma relação jurídica


relativamente internacional – os seus elementos encontram-se dispersos por mais de um
ordenamento jurídico, sendo o deles o português –, de natureza privada, inerente a matéria
sucessória.
Com a relação material em causa estão em contacto os seguintes ordenamentos
jurídicos:

 Brasileiro: nacionalidade de Manuel e de Jéssica;


 Norte-americano: residência habitual de Manuel;
 Português: nacionalidade de Juvenal e residência habitual de Jéssica;
 Espanhol: lugar da prática do facto e morte de Manuel;

157
 Austríaco: residência habitual de Juvenal;

Tem-se como ponto de partida que Portugal é a lex fori, isto é, é-lhe reconhecida a
competência internacional para dirimir a relação jurídica material.
Esta relação jurídica internacional versa sobre uma questão sucessória, nomeadamente
sobre a validade formal da declaração de vontade do de cujus para a transmissão do património
sucessório.
Ainda que se pudesse atender à aplicabilidade do Regulamento das Sucessões, a
verdade é que a validade formal das disposições por morte feitas oralmente consubstancia uma
das matérias que se encontram excluídas no âmbito de aplicação do referido Regulamento, tal
qual resulta da al. f) do nº2 do art. 1º. Urge, portanto, proceder à aplicação do nosso Código
Civil.
É o art. 65º CC responsável por tratar da matéria inerente à validade formal das
disposições por morte. Do seu nº1 emergem várias conexões e vários momentos, mas importa
atender à conexão do lugar onde foi celebrado o ato.
Assim, do art. 65º, nº1 CC faz-se uma remissão para o ordenamento jurídico espanhol,
lugar onde Manuel emitiu a sua declaração de vontade. O ordenamento jurídico espanhol
considera competente a lei da nacionalidade do de cujus, pelo que remete para a lei brasileira.
Vislumbra-se, desta forma, uma situação de reenvio, na medida em que a lei designada
pela norma de conflitos portuguesa não se considera competente, remetendo para uma outra lei.
A existência de reenvio configura o primeiro pressuposto para que o ordenamento jurídico
português possa vir a abdicar da sua posição regra anti-devolucionista (art. 16º CC), devendo,
para tal, existir harmonia jurídica internacional entre os ordenamentos jurídicos em contacto
com a situação conflitual e, além disso, deve o reenvio figurar como um meio necessário a
atingi-la.
Neste conspecto, urge atender à posição de cada um dos referidos ordenamentos
jurídicos no que tange à matéria do reenvio.
O ordenamento jurídico espanhol considera competente a lei da nacionalidade do de
cujus, remetendo para a lei brasileira. Praticando devolução simples, efetua-lhe uma referência
global (atende a todo o seu ordenamento jurídico, tanto ao interno como ao sistema conflitual) e,
na eventualidade de esta remeter a solução para outra lei, admite que tal referência seja material
(atender-se-á somente ao direito interno da lei designada).
Por sua vez, o ordenamento jurídico brasileiro elege como conexão o lugar onde foi
celebrado o ato, pelo que faz remissão para a lei espanhola. Ao praticar devolução simples,
efetua-lhe uma referência global e, além disso, admite que uma eventual remissão feita por
aquela seja entendida como uma referência material.
Nestes termos, temos o seguinte esquema de reenvio:

158
L1(português) L2(espanhol – DS) L3(brasileiro – DS)

L2(espanhol) L2(espanhol) L3(brasileiro)

Atendendo ao esquema de reenvio apresentado, conclui-se, desde logo, que entre os


ordenamentos jurídicos em contacto com a situação conflitual não há harmonia jurídica
internacional, dado que o ordenamento jurídico espanhol aplicará uma solução da lei brasileira e
esta aplicará uma solução daquele.
Assim, não sendo preenchidos todos os pressupostos para que o ordenamento jurídico
português abdique da sua posição anti-devoluicionista, por via do art. 16º CC far-se-á uma
referência material para a lei do lugar onde foi celebrado o ato, isto é, para o direito interno do
ordenamento jurídico espanhol.

Importa, agora, atender ao disposto no nº2 do art. 65º CC, de acordo com o qual se a lei
pessoal do autor da herança no momento da declaração exigir a observância de determina
forma, pese embora o ato seja praticado noutro Estado, é necessário respeitar essa forma.
Por lei pessoal do autor tem-se a lei da sua nacionalidade (arts. 25º e 31º, nº1, ambos do
CC), pelo que deve respeitar-se a forma exigida pelo ordenamento jurídico brasileiro. A lei
brasileira não reconhece aquele documento como qualquer forma válida para um testamento,
pelo que no caso concreto foram preteridos requisitos de forma.
Assim, pese embora aplicar-se uma solução material do ordenamento jurídico espanhol,
nos termos do nº1 do art. 65º CC, por não se terem observado as exigências formais da lei da
nacionalidade do autor da herança, conclui-se que a declaração negocial de Manuel é nula.

P – 19 de dezembro de 2019

Realização do teste de recuperação.

OT – 19 de dezembro de 2019

Realização do teste de recuperação.

T – 20 de dezembro de 2019

Não houve aula.

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