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T – 18 de setembro de 2019
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jurídica apresenta, por norma, o seguinte esquema: sujeitos (ativo e passivo); objeto (mediato e
imediato); facto; garantia (geral ou especial (real ou pessoal)).
Posto isto, importa determinar o direito material capaz de dirimir a relação jurídica
internacional. No seio das diversas fontes para o fazer, escolher-se-á uma em função da
classificação da relação jurídica, bem como ter presente o elemento de conexão que o legislador
escolheu como principal para ligar a relação jurídica ao ordenamento jurídico – por exemplo, a
perfilhação é uma relação jurídica de efeitos eminentemente pessoais, pelo que o seu elemento
primordial são os sujeitos. Desta forma, ter-se-á em atenção, desde logo, a nacionalidade, a
residência habitual e a residência permanente, tanto do perfilhado e do perfilhante.
As normas de DIP, quanto á sua natureza, são denominadas “normas sobre normas ou
“normas de aplicação ou normas de segundo grau” sendo, predominantemente de natureza
privada.
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Quanto à sua relevância, o DIP pretende garantir o princípio universal de justiça,
respeitando as expectativas e legítimos interesses das partes.
Deve orientar-se com a finalidade de atingir a harmonia jurídica internacional,
alcançando a estabilidade e segurança das relações privadas internacionais.
São normas de regulação indireta, na medida em que não produzem nenhum tipo de
efeito jurídico em relação à situação jurídica controvertida. São, portanto, normas remissivas,
dado que remetem apenas a solução material para um determinado ordenamento jurídico.
São normas de conexão, uma vez que a escolha do ordenamento jurídico para dirimir a
relação jurídica controvertida depende de elementos ou fatores de conexão. Escolhe-se a
situação de facto mais estreita que permite indicar o caminho para determinado ordenamento
jurídico – numa relação jurídica de caráter pessoal, o elemento de conexão predominante são
os sujeitos, escolhendo-se elementos como a nacionalidade, a residência habitual, etc.
Aqui, as normas podem ser: bilaterais – o ordenamento jurídico do foro tanto aplica o
direito nacional como o direito estrangeiro – regra do ordenamento jurídico português –,
unilaterais – têm como princípio a maximização da aplicabilidade do direito material do foro,
ou seja, o direito português –, ou unilaterais especiais – em prol de determinados princípios, o
ordenamento jurídico admite a aplicabilidade do ordenamento jurídico estrangeiro ou português,
mas em certas situações abdica da bilateralidade da norma e aplica o direito material do foro –
um português e um americano celebraram, em Portugal, um contrato de compra e venda.
Discute-se nos tribunais portugueses a capacidade de exercício do americano para celebrar
aquele negócio, pois nos EUA a capacidade de exercício é adquirida apenas com 21anos.
Sendo o negócio válido para a lei portuguesa, mas anulável pela lei americana, a norma
unilateral especial usa uma perspetiva protecionista, admitindo a validade do negócio jurídico.
Por fim, as normas são tendencialmente formais, pois para o DIP não vigora a figura
do better rule approach, ou seja, não lhe interessa saber qual a solução material aplicável. No
entanto, excecionam este princípio a ordem pública internacional do Estado do foro, as
normas de conflito materialmente orientadas (princípio do favor negotti) e a função
modeladora, relativa à interpretação de outro elemento da norma de conflito, isto é, o conceito-
quadro.
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Aplicação direta do direito material comum;
Criação do direito especial de fonte interna;
Unificação internacional do direito material (caráter transnacional).
No que tange à aplicação direta do direito material comum, o processo implica o recurso
a uma norma de conflitos capaz de determinar o direito material a aplicar, ou seja, o Estado
descaracterizará em absoluto a natureza da relação jurídica, aplicando a lex fori como se de uma
relação jurídica puramente interna se tratasse.
Esta solução põe em causa um problema de Direito Internacional Público, pois contraria
a igualdade de soberania nacional dos Estados. Acresce que poderá ser colocada em causa a
harmonia jurídica internacional, culminando numa eventual contradição de casos julgados. Por
fim, a aplicação direta do direito material comum pode suscitar uma questão de fraude à lei, na
medida em que o autor proporá a ação no ordenamento jurídico que se lhe figurar mais
adequado.
No segundo cria-se direito material próprio para cada relação jurídica internacional,
pelo que se caracteriza numa solução pior que aquela anteriormente apresentada.
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Existe um direito material especial optativo de forma internacional, que as partes
podem escolher em detrimento do direito nacional.
Quanto ao modus operandi das normas de conflito deve escolher uma conexão que
aponta para uma lei considerando a substância da relação. Escolhido o ordenamento jurídico, a
norma de conflitos adota o ordenamento jurídico estrangeiro para ser aplicado em Portugal e
depois escolhe, de entre o ordenamento jurídico estrangeiro, a parte que respeita ao âmbito em
causa.
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Caso Prático 1
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António, espanhol, casou com Benedita, francesa, residindo habitualmente no nosso
país,
Coloca-se perante os tribunais portugueses uma questão quanto à validade deste
casamento, uma vez que os nubentes casaram quando tinham 17 anos mediante autorização
dos pais, discutindo-se agora a respetiva capacidade jurídica para celebrar este contrato.
O ordenamento jurídico espanhol tem uma solução material idêntica à portuguesa no
que tange à capacidade nupcial e o ordenamento jurídico francês só reconhece validade aos
casamentos quando celebrados por maiores de 18 anos, não admitindo qualquer exceção,
incluindo o regime da autorização.
Qual o ordenamento jurídico que deve ser escolhido para resolver materialmente a
questão suscitada?
Antes de proceder à resolução do caso concreto suscitado, importa começar por frisar
que as normas de conflito permitem escolher, de entre as possíveis conexões, qual o
ordenamento jurídico a aplicar à relação jurídica controvertida. No ordenamento jurídico
português, as normas de conflito encontram-se preceituadas nos arts. 25º e ss. CC.
Conforme foi lecionado na aula T – 25 de setembro de 2019, as normas de conflito, sob
a égide da sua estrutura, contêm três elementos, a saber:
Da leitura do caso concreto apresentado, estamos perante uma relação jurídica privada
relativamente internacional, na medida em que pelo menos um dos seus elementos – a
residência habitual dos nubentes – encontra-se localizado em território português, estando os
demais dispersos por outros ordenamentos jurídicos.
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De modo a solucionar a questão da capacidade de exercício dos nubentes, encontram-se
a concurso três ordenamentos jurídicos, isto é, o espanhol (nacionalidade de António), o francês
(nacionalidade de Benedita) e o português (residência habitual dos cônjuges).
Para resolver esta relação jurídica controvertida devemos considerar Portugal como a
lex fori, ou seja, será um tribunal português competente para a dirimir.
Recorrendo às normas de conflito constantes do Código Civil, o art. 49º refere que “a
capacidade para contrair casamento […] é regulada, em relação a cada nubente, pela respetiva
lei pessoal”. Nos termos do art. 31º, nº1 CC, por lei pessoal deve entender-se a lei da
nacionalidade do indivíduo, ou seja, o ordenamento jurídico português estabelece como
elemento de conexão mais estreito a nacionalidade de cada um dos nubentes.
Nestes moldes, concorrem a lei pessoal de António (espanhol) e a lei pessoal de
Benedita (francesa), pelo que será necessário distinguir as declarações negociais de cada
nubente para apurar, no seio do respetivo ordenamento jurídico, a sua capacidade nupcial.
OT – 26 de setembro de 2019
Se, no caso concreto, sabemos que o art. 49º CC determina que cabe ao ordenamento
jurídico espanhol apurar a capacidade de exercício de António para contrair casamento, aquele
pode admitir que o elemento de conexão mais próximo seja a lei da residência habitual comum
dos cônjuges, transmitindo de volta para o ordenamento jurídico português a competência –
aqui, o direito português, além de ser a lex fori, surge como a lex materiallis fori, ou seja, a lei
do foro é também competente para regular materialmente a relação jurídica controvertida.
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Assim, a partir deste momento deve prevalecer o critério que seja capaz de desencadear
uma maior harmonia jurídica internacional, se necessário devendo os Estados ceder no que
tange às suas normas de conflito.
De acordo com o preceituado no art. 16º CC, a regra é de que se as normas de conflito
portuguesas remeterem para um ordenamento jurídico estrangeiro, aplicar-se-ão apenas as
normas de direito interno desse ordenamento e, por consequência, excluir-se-ão as respetivas
normas de conflito. A isto dá-se a denominação de referência material para o ordenamento
jurídico estrangeiro.
As exceções a esta regra encontram-se reguladas nos arts. 17º e 18º CC
Neste conspecto deve ter-se presente que o Direito Internacional Privado procura que
todos os ordenamentos jurídicos produzam iguais efeitos face a uma mesma relação jurídica, de
modo a não contender com a harmonia jurídica internacional e a legítima expectativa das
partes quanto à estabilidade da relação jurídica.
Daí que surjam as exceções ao art. 16º CC – presentes nos arts. 17º e 18º, ambos do CC
–, as quais se subsumem à figura do reenvio, isto é, perante determinadas circunstâncias, pode a
lei portuguesa prescindir dos seus elementos de conexão e admitir a conexões fornecidas por
ouros ordenamentos jurídicos, desde que para tal haja o consentimento de todos que se
encontrem a concurso. Estamos diante da figura da devolução simples ou dupla devolução, em
virtude da qual Portugal deixa de ser antidevolucionista.
T – 27 de setembro de 2019
Fontes internacionais;
Fontes da União Europeia;
Fontes transnacionais;
Fontes internas.
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1. FONTES INTERNACIONAIS
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O Direito da União Europeia é também fonte de Direito de Conflitos vigentes na
ordem jurídica interna. O Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia não contém
normas de conflito que se dirijam aos órgãos de aplicação do Direito dos Estados-Membros.
O significado do Direito derivado como fonte de Direito de Conflitos vigente na ordem
jurídica interna foi limitado antes do Tratado de Amesterdão, por meio do qual foram adotados
numerosos Regulamentos no Âmbito do Direito Internacional Privado, designadamente:
3. FONTES INTERNAS
Lei:
o CRP: arts. 8º, 13º a 15º, 87º, 99º, al. d) e 100º, als. a) e e);
o Código Civil: 14º a 65º, 348º, 365º, 711º, 1651º e 2213º;
o Código das Sociedades Comerciais: 3º.
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OBJETO E FUNÇÃO DAS NORMAS DE CONFLITO (ver pp. 249 e ss.)
1. NORMAS BILATERAIS
As normas bilaterais, ou plurilaterais, tanto remetem para o Direito do foro como para
o Direito estrangeiro, ou seja, quando o legislador escolhe uma conexão como sendo a mais
estreita, não atende à circunstância de a mesma pertence ao ordenamento jurídico português ou
a qualquer outro ordenamento jurídico estrangeiro.
Estas são as normas que melhor defendem o objeto e o fim do Direito de Conflitos, na
medida em que não desconsideram a natureza internacional da relação jurídica a apreciar, o que
permite garantir a legítima expectativa das partes (em termos de certeza e de segurança), bem
como a soberania nacional dos Estados.
O sistema de conflito português adota principalmente normas de cariz bilateral, sendo
que a remissão operada pelas normas de conflito é não recipienda, pois a proposição jurídica
estrangeira ou extra-estadual não se converte num elemento de ordem jurídico do foro enquanto
critério de decisão. O Direito estrangeiro ou extra-estadual é aplicado enquantoDireito
estrangeiro ou extra-estadual (ver art. 23º CC).
2. NORMAS UNILATERAIS
No seio das normas de conflito unilaterais há que distinguir as normas unilaterais gerais
das normas unilaterais especiais. Aquelas são as que determinam apenas a aplicação do direito
material do foro.
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As normas de conflito unilaterais especiais encontram-se numa relação de especialidade
com outras normas de conflito, bilaterais ou unilaterais.
Quanto à sua previsão, as normas unilaterais especiais podem assumir três
modalidades:
Por exemplo, o art. 3º, nº1, 1ª parte CSC contém uma norma de conflitos bilateral que
submete as relações do estatuto pessoal das sociedades comerciais à lei do Estado onde se
encontre situada a sede principal e efetiva da sua administração. A 2ª parte da mesma
disposição determina que a sociedade que tenha em Portugal a sede estatutária não pode,
contudo, opor a terceiros a sua sujeição a lei diferente da lei portuguesa. Esta 2ª parte introduz
uma norma de conflitos unilateral que se reporta a uma categoria de relações jurídicas (relações
com terceiros no âmbito do estatuto pessoal da sociedade) e que é especial em relação à norma
bilateral contida na 1ª parte.
Além disso, o art. 28º, nº1 CC determina que “o negócio jurídico celebrado em Portugal
por pessoa que seja incapaz segundo a lei pessoal competente não pode ser anulado com
fundamento na incapacidade no caso de a lei interna portuguesa, se fosse aplicada, considerar
essa pessoa como capaz. Imagine-se, portanto, que Miguel – português, de 24 anos – celebrou,
em Vila do Conde, um contrato de compra e venda de um bem imóvel com John – norte-
americano, de 19 anos.
Sendo a lei pessoal a lei “da nacionalidade do indivíduo” (art. 31º, nº1 CC), facilmente
se conclui que Miguel apresenta capacidade de exercício para outorgar aquele contrato (arts.
122º e 123º CC). No entanto, ainda que a lei norte-americana só atribua capacidade de exercício
aos maiores de vinte e um anos, para o direito material português John é capaz e, por isso,
aproveita-se o aludido contrato de compra e venda.
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A JUSTIÇA E OS PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO DE CONFLITOS (ver
pp. 323 e ss.)
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jurídicos, ao que acresce o facto de não ser indiferente às partes o lugar onde é julgada a
situação.
Quando a norma de conflitos portuguesa remete para uma ordem jurídica estrangeira
pode suceder que esta ordem jurídica, por ter uma norma de conflitos idêntica à nossa, também
considere aplicável o seu Direito material. Mas pode suceder igualmente que esta ordem
jurídica, por ter uma norma de conflitos diferente da nossa, não se considere competente remeta
para outra lei. Surge então o problema da devolução.
O problema é o seguinte: devemos aplicar a lei designada, mesmo que esta não se
considere competente, ou devemos ter em conta o Direito Internacional Privado da lei
designada?
A resposta a dar a este problema depende do sentido e alcance que se atribui à
referência feita pela nossa norma de conflitos. Quando a referência se dirige direta e
imediatamente ao Direito material da lei designada estamos perante uma referência material,
ao passo que a referência é global se tem em conta, além do Direito material, também o Direito
Internacional Privado da lei designada.
TIPOS DE DEVOLUÇÃO
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TESE DA REFERÊNCIA MATERIAL OU ANTI-DEVOLUCIONISTA
Segundo esta tese a referência feita pela norma de conflitos é sempre e necessariamente
entendida como uma referência material, isto é, como uma remissão direta e imediata para o
Direito material da lei estrangeira, pelo que desta não interessa, de modo algum, o seu Direito
de Conflitos.
O principal argumento a favor desta tese passa pelo respeito pela valoração feita pelo
legislador na escolha da conexão mais adequada, pelo que aceitar a devolução implica abdicar
da escolha consagrada na norma de conflitos do foro.
Contra a tese da referência material pode invocar-se o princípio da harmonia jurídica
internacional, pois ao ignorar-se o Direito de Conflitos estrangeiro fomenta-se a desarmonia
internacional de soluções.
Segundo esta teoria, a remissão da norma de conflitos do foro para uma lei estrangeira
abrange sempre e necessariamente o seu Direito de Conflitos.
A tese devolucionista é a que mais contribuiu para dar guarido ao princípio da harmonia
jurídica internacional, pois ao ter-se em conta o Direito de Conflitos da lei para que e remete
fomenta-se a harmonia de soluções.
Ex: a lex fori (L1) remete para L2, chamando todo o seu ordenamento jurídico. Sabendo
que L2 pratica devolução simples e atendendo a que estabelece como conexão mais estreita L3,
todo o ordenamento jurídico desta será tido em consideração. L3 faz remissão para L4, mas esta
referência é meramente material, ou seja, atender-se-á apenas ao Direito material de L4.
Por sua vez, na dupla devolução, o tribunal do foro deve decidir a questão
transnacional tal como ela seria julgada pelo tribunal do país da ordem jurídica designada.
Em princípio a dupla devolução assegura que o tribunal de L1 aplique a mesma lei e
dará a mesma solução ao caso que o tribunal de L2, garantindo a harmonia entre ambos.
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O REGIME VIGENTE
O art. 16º CC estabelece que a “referência das normas de conflitos a qualquer lei
estrangeira determina apenas, na falta de preceito em contrário, a aplicação do direito interno
dessa lei”.
Resulta deste preceito a regra geral da posição anti-devolucionista do Estado
português.
Todavia, Portugal assume uma posição híbrida resultante das exceções dos arts. 17º e
18º CC.
Se todos os ordenamentos jurídicos estiverem de acordo, Portugal pondera mudar a sua
posição anti-devolcunista. Pelo contrário, se os demais não se entenderem, Portugal aplica a sua
conexão, ou seja, refere que a competência é da lei para a qual remete.
T – 07 de outubro de 2019
A evolução do Direito Internacional Privado tem sido marcada por uma certa
materialização do Direito de Conflitos, que se traduz designadamente na orientação material de
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certas normas de conflitos e na admissibilidade de soluções unilaterais que complementam o
sistema de Direito de Conflitos de base bilateral, tendo em consideração os fins de normas e leis
individualizadoras.
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O modo mais indicado para escolher o ordenamento jurídico mais apto a solucionar
determinada relação jurídica passa por atender ao seu conteúdo plurilocalizado, o que permite
que nos desapeguemos do nosso próprio direito material.
Por exemplo, o art. 43º CC refere que à “gestão de negócios é aplicável a lei do lugar
em que decorre a principal atividade do gestor”. Esta gestão de negócios não se reconduz
somente àquela preceituada no art. 464º CC, devendo antes realizar-se uma interpretação de
acordo com um sistema internacional de princípios, devendo trazer para o ordenamento jurídico
português o que um qualquer ordenamento estrangeiro entende por gestão de negócios.
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só podem todavia, recair sobre lei cuja aplicabilidade corresponda a um interesse sério dos
declarantes ou esteja em conexão com algum dos elementos do negócio jurídico atendíveis no
domínio do direito internacional privado”.
3. PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
O Direito de Conflitos não opera sem limites colocados pela justiça material. A
justificação da conexão cede perante a justiça material quando em causa estão nomas e
princípios supraestaduais ou normas e princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa.
Essas normas e princípios formam uma reserva jurídico-material do sistema de português de
Direito Internacional Privado que limita o funcionamento do Direito de Conflitos.
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Segundo este princípio, na resolução de conflitos de leis haverá que atender à
circunstância de certos Estados se encontrarem em posição privilegiada para imporem o seu
ponto de vista sobre a regulação do caso.
Este princípio pode contribuir para a fundamentação da própria conexão primária – é o
que se verifica, por exemplo, com a regra da lei da situação da coisa, com respeito aos direitos
reais sobre imóveis (art. 46º CC).
Noutros casos o princípio justifica um desvio à lei normalmente competente – é, por
exemplo, o que se verifica no art. 47º CC, quanto à capacidade para constituir direitos reais
sobre um imóvel ou para dispor deles. Para designar esta vertente do princípio da efetividade
também se fala de princípio da maior proximidade.
De acordo com este princípio, devem ser favorecidos a validade dos negócios jurídicos
e a legitimidade dos estados.
Este princípio leva à paralisação da devolução no art. 19º, nº1 CC, fundamenta
autonomamente a devolução em matéria de forma dos negócios jurídicos nos arts. 36º, nº2 e 65º,
nº1, in fine CC e manifesta-se ainda nas conexões alternativas estabelecidas nos arts. 36º, nº1 e
65º, nº1 CC e no art. 11º do Regulamento Roma I com respeito à forma do negócio jurídico.
PRINCÍPIOS DE CONEXÃO
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No Âmbito da estrutura das normas de conflitos, o elemento de conexão é a situação de
fato que permite a ligação entre o quid facti e um ordenamento jurídico, que dará origem à
aplicabilidade da respetiva da lei.
O conceito-quadro é uma categoria normativa para o qual a conexão é operante
(prinípio da especialização). Significa que o conceito quadro do art. 43º CC é a gestão de
negócios.
Aquela que o conceito quadro é um título de legitimação do ordenamento jurídico
estrangeiro.
O conceito quadro diz quais são as normas, institutos e conceitos normativos que
conseguimos importar da lei designada pelo elemento de conexão. E se não der solução ao caso
concreto e houver outra norma no OJ estrangeiro que o faça?
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Caso Prático 2
Quid Juris?
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Atendendo à situação prática apresentada, estamos diante de uma relação jurídica
internacional de caráter privado. Trata-se de um negócio jurídico unilateral que produz efeitos
mortis causa, relativo a matéria sucessória e, por isso, é uma relação de caráter eminentemente
pessoal, pelo que de acordo com o princípio da maior ligação individual, eleger-se-á um dos
ordenamentos jurídicos que estabeleça uma conexão próxima dos sujeitos.
Esta relação encontra-se em contacto com vários ordenamentos jurídicos, a saber: o
venezuelano (nacionalidade do interessado), espanhol (residência habitual do interessado),
português (lugar da celebração do negócio jurídico, o que permite concluir que somos mais do
que a lex fori – o tribunal internacionalmente competente –, pois estamos diante de uma relação
jurídica relativamente internacional) e checo (lugar da situação do bem imóvel de maior valor).
Segundo a tese devolucionista, a remissão da norma de conflitos do foro para uma lei
estrangeira abrange sempre e necessariamente o seu Direito de Conflitos.
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A devolução simples ocorre quando a reemissão da norma de conflitos do foro abrange as
normas de conflito da ordem estrangeira, mas entende-se necessariamente a remissão
operada pela norma de conflitos estrangeira como uma remissão material.
Na dupla devolução, o tribunal do foro deve decidir a questão transnacional tal como ela
No caso concreto, o ordenamento jurídico português (L1) elegeu como conexão mais
próxima a nacionalidade, fazendo uma referência material (a regra do art. 16º CC assim o diz)
para o ordenamento jurídico venezuelano. O ordenamento jurídico venezuelano (L2) elegeu a
conexão do lugar da residência do interessado, considerando competente o ordenamento
jurídico espanhol (L3). O ordenamento jurídico espanhol elegeu a conexão do lugar da situação
do bem imobiliário de maior valor e, portanto, admite a competência do ordenamento jurídico
checo (L4). Por fim, o ordenamento jurídico checo considera-se competente.
No caso concreto, importa atender aos requisitos do art. 17º, nº1 CC, o qual refere que
se o sistema de conflitos da lei designada pela norma de conflitos portuguesa – a lei
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venezuelana – remeter para outro ordenamento e este se considerar competente para regular a
relação amterial concreta, então aplicar-se-á o direito material deste.
Interpretando literalmente o art. 17º, nº1 CC, entende-se pela não cumulação dos seus
requisitos, pois o ordenamento jurídico espanhol, designado pelo venezuelano, não se considera
competente. Todavia, para que se cumpram os fins do DIP (certeza e segurança jurídica e
harmonia jurídica internacional), o Prof. Ferrer Correia entende no sentido de dever ser
realizada uma interpretação extensiva do art. 17º, nº1 CC, através da qual se admite a
transmissão sucessiva de competências quer direta, quer indiretamente.
Assim, poder-se-ia concluir pela aplicação do ordenamento jurídico checo, por via de
uma interpretação extensiva do art. 17º, nº1 CC.
Todavia, ainda que a harmonia jurídica internacional pareça ser o fim último do DIP, a
verdade é que não se pode concluir nesse sentido.
A este propósito, cumpridos os requisitos do art. 17º, nº2 CC, voltará a prevalecer a
posição anti-devolucionista do art. 16º CC. Segundo aquela norma, se a lei desinada pela norma
de conflitos portuguesa for a lei pessoal (a lei da nacionalidade) e o interessado residir
habitualmente em território português ou num país em que as normas de conflito achem
competente o direito interno do Estado da sua nacionalidade, cessará a exceção prevista no nº1
deste artigo. Aqui o legislador estabelece a primazia da maior ligação individual do
interessado.
Perante o caso concreto, tem-se que Manuel não reside em território português e o país
onde habitualmente reside – Espanha – não considera competente o ordenamento jurídico
venezuelano. Deste modo, não se verificando os requisitos impostos pelo nº2 do art. 17º CC,
funciona a exceção do nº1 da mesma norma e, por conseguinte, o ordenamento jurídico
português assume uma posição devolucionista, aplicando o ordenamento jurídico checo (L4).
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Caso Prático 3
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O ordenamento jurídico francês considera competente a lei da nacionalidade do lesado
e faz devolução simples. O ordenamento jurídico inglês considera competente a nacionalidade
do lesante e pratica dupla devolução.
Admita que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para
apreciar esta relação controvertida, qual o direito material aplicável?
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portuguesa devolver a competência para o nosso direito interno, não se cumpriria os requisitos
que permitissem a Portugal assumir uma posição devolucionista.
Sucede, porém, que o art. 18º, nº1 CC deve ser interpretado de forma extensiva, no
sentido de que é indiferente que o retorno ao direito interno português ocorra direta ou
indiretamente.
Desta forma, a referência para o direito português deve ser apenas material, o que não
se verifica no caso concreto, pois o ordenamento jurídico inglês pratica dupla devolução. Não se
cumulando os requisitos exigidos pelo art. 18º, nº1 CC, conclui-se que vigora a regra geral do
art. 16º CC e, por consequência, sendo Portugal anti-devolucionista e praticando uma referência
material, será competente o ordenamento jurídico francês (L2).
T – 11 de outubro de 2019
2. QUANTO À FUNÇÃO
No que à função diz respeito, o elemento de conexão tem função direta se apontar
diretamente para o Direito – caso da nacionalidade – ou indireta quando aponta para um
determinado espaço – caso do lugar da prática do facto, conexão que designa indiretamente o
Direito.
3. QUANTO À EXISTÊNCIA
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Únicas: arts. 30º e 46º CC;
Múltiplas:
o Subsidiárias: arts. 52º e 53º CC;
o Alternativas: art. 36º, nº2 CC;
o Cumulativas: art. 60º CC;
o Combinadas: art. 49º CC.
4. QUANTO À NATUREZA
1. CARACTERIZAÇÃO DO PROBLEMA
O art. 20º CC tem como epígrafe “ordenamentos jurídicos plurilegislativos”, mas é mais
correta a expressão “ordenamento complexo”, porque o ordenamento pode ser complexo em
resultado de outras fontes do Direito que não sejam a lei.
Entre os ordenamentos jurídicos complexos podemos distinguir aqueles em que há uma
pluralidade de sistemas materiais, mas unificação do Direito de Conflitos – caso espanhol –,
daqueles em que há uma pluralidade de sistemas materiais e de Direitos de Conflitos – caso
dos EUA e do Reino Unido.
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Os textos legislativos a considerar são o art. 20º CC, o art. 19º, nº1 da Convenção de
Roma sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais, o art. 22º, nº1 do Regulamento Roma I,
o art. 25º, nº1 do Regulamento Roma II, o art. 19º da Convenção de Haia sobre a Lei Aplicável
aos Contratos de Mediação e à Representação, os arts. 14º e 15º do Regulamento Roma III e os
arts. 36º e 37º do Regulamento sobre sucessões.
O Prof. Ferrer Correia entende que quando o elemento de conexão aponta diretamente
para determinado lugar no espaço será competente o sistema em vigor neste lugar.
Pelo contrário, a Prof. Isabel de Magalhães Collaço defende que a remissão da norma de
conflitos é feita, em princípio, para o ordenamento do Estado soberano.
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Vejamos como estes princípios se concretizam quando a remissão para o ordenamento
jurídico complexo é feita pelo elemento de conexão nacionalidade.
Para os ordenamentos complexos de base pessoal, o art. 20º, nº3 CC também consagra
o princípio de que pertence ao ordenamento complexo determinar o sistema pessoal competente.
Assim, são aplicáveis as normas de Direito Interpessoal da ordem jurídica designada,
incluindo tanto as normas de conflitos interpessoais como as normas de Direito material
especial, como, por exemplo, as que regulem o casamento entre pessoas de religião diferente.
Passe-se agora à determinação do sistema aplicável quando a remissão para o
ordenamento complexo é operada por um elemento de conexão que não seja a nacionalidade.
Este caso não é contemplado pelo art. 20º CC, razão por que, fora do âmbito de aplicação e
instrumentos supraestaduais, e seguindo-se o entendimento de Isabel de Magalhães Collaço, há
uma lacuna.
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Esta lacuna deve ser integrada por aplicação analógica do art. 20º CC, norteando-se
pelo princípio da maior proximidade ou efetividade (é, de resto, a solução consagrada pelo art.
37º do Regulamento sobre sucessões).
Quando a norma de conflitos portuguesa remete para uma ordem jurídica estrangeira
pode suceder que esta ordem jurídica, por ter uma norma de conflitos idêntica à nossa, também
considere aplicável o seu Direito material. Mas pode suceder igualmente que esta ordem
jurídica, por ter uma norma de conflitos diferente da nossa, não se considere competente e
remeta para outra lei. Surge então o problema da devolução.
Que a norma de conflitos do foro remeta para uma lei estrangeira L1 → L2;
Que a remissão possa não ser entendida como uma referência material;
Que a lei estrangeira designada não se considere competente.
TIPOS DE DEVOLUÇÃO
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Na transmissão de competência (ou reenvio de segundo grau), o Direito de Conflitos
estrangeiro remete a solução da questão para outro ordenamento estrangeiro. Podemos ter
transmissão em cadeia quando L2 remete para L3 com referência global e esta lei também não
se considera competente, devolvendo para uma quarta lei. Pode ainda configurar-se uma
transmissão com retorno, quando, por exemplo, L3 remeta para L2.
Segundo esta tese a referência feita pela norma de conflitos é sempre e necessariamente
entendida como uma referência material, isto é, como uma remissão direta e imediata para o
Direito material da lei estrangeira, pelo que desta não interessa, de modo algum, o seu Direito
de Conflitos.
O principal argumento a favor desta tese passa pelo respeito pela valoração feita pelo
legislador na escolha da conexão mais adequada, pelo que aceitar a devolução implica abdicar
da escolha consagrada na norma de conflitos do foro.
Contra a tese da referência material pode invocar-se o princípio da harmonia jurídica
internacional, pois ao ignorar-se o Direito de Conflitos estrangeiro fomenta-se a desarmonia
internacional de soluções.
Segundo esta teoria, a remissão da norma de conflitos do foro para uma lei estrangeira
abrange sempre e necessariamente o seu Direito de Conflitos.
A tese devolucionista é a que mais contribuiu para dar guarido ao princípio da harmonia
jurídica internacional, pois ao ter-se em conta o Direito de Conflitos da lei para que e remete
fomenta-se a harmonia de soluções.
Ex: a lex fori (L1) remete para L2, chamando todo o seu ordenamento jurídico. Sabendo
que L2 pratica devolução simples e atendendo a que estabelece como conexão mais estreita L3,
31
todo o ordenamento jurídico desta será tido em consideração. L3 faz remissão para L4, mas esta
referência é meramente material, ou seja, atender-se-á apenas ao Direito material de L4.
Por sua vez, na dupla devolução, o tribunal do foro deve decidir a questão
transnacional tal como ela seria julgada pelo tribunal do país da ordem jurídica designada.
Em princípio a dupla devolução assegura que o tribunal de L1 aplique a mesma lei e
dará a mesma solução ao caso que o tribunal de L2, garantindo a harmonia entre ambos.
T – 14 de outubro de 2019
O art. 16º CC estabelece que a “referência das normas de conflito a qualquer lei
estrangeira determina apenas, na falta de preceito em contrário, a aplicação do direito interno
dessa lei”.
Deste preceito resulta que a referência material é entendida como regra geral. Mas
não resulta a adoção da tese da referência material, visto que se admite “preceito em contrário”,
i.e., que se aceite a devolução nos casos em que a lei o determine. Isto verifica-se nos arts. 17º,
18º e 19º CC.
Para que a ordem jurídica portuguesa admita uma situação de reenvio é necessário que
se verifiquem os seguintes pressupostos:
2. TRANSMISSÃO DE COMPETÊNCIA
De acordo com a literalidade do nº1, “Se, porém, o direito internacional privado da lei
referida pela norma de conflitos portuguesa remeter para outra legislação e esta se considerar
competente para regular o caso, é o direito interno desta legislação que deve ser aplicado”.
Os pressupostos da transmissão de competência são, portanto, dois:
32
Que o Direito estrangeiro designado pela norma de conflitos portuguesa aplique
outra ordem jurídica estrangeira;
Que esta ordem jurídica estrangeira aceite a competência.
Ainda que a letra da lei faça alusão a uma transmissão de competência direta, a
verdade é que deve realizar-se uma interpretação extensiva desta norma no sentido de se
admitir a transmissão de competência em cadeia, em que, por exemplo, L2 remeta para L4 e L4
se considere competente. Esta hipótese é abrangida pela sua ratio.
É ainda de admitir que esta transmissão de competência seja por retorno.
Posto isto, o art. 17º, nº2 CC determina o seguinte: “Cessa o disposto no número
anterior, se a lei referida pela norma de conflitos portuguesa for a lei pessoal e o interessado
residir habitualmente em território português ou em país cujas normas de conflito
considerem competente o Direito interno do Estado da sua nacionalidade”.
Este preceito aplica-se em matéria de estatuto pessoal em prol do cumprimento do
princípio da maior ligação individual. Assim, em suma, o estabelecido no art. 17º, nº1 CC
cessa quando:
L2 é a lei da nacionalidade; E
L1 é a lex domicilli; OU
O interessado residir habitualmente em país cujas normas de conflito
considerem competente o Direito interno do Estado da sua nacionalidade.
O art. 17º, nº3 CC determina que “Ficam, todavia, unicamente sujeitos à regra do nº1
dos casos de tutela e curatela, relações patrimoniais entre os cônjuges, poder paternal,
relações entre adotante e adotado e sucessão por morte, se a lei nacional indicada pela norma
de conflitos devolver para a lei da situação dos bens imóveis e esta se considerar competente”.
São quatro os pressupostos de aplicação deste preceito:
33
Em conflito encontra-se o princípio da maior proximidade, que prevalece sobre o
princípio da maior ligação individual. A justificação do legislador passa pelo exequator das
decisões dos tribunais.
3. RETORNO
O art. 18º, nº1 CC estabelece que se “o Direito Internacional Privado da lei designada
pela norma de conflitos devolver para o Direito interno português, é este o direito aplicável”.
Considerando a ratio legis deste preceito, por via de uma interpretação extensiva deve
ser admitido o retorno indireto.
É o seguinte o teor do art. 19º, nº1 CC: “Cessa o disposto nos dois artigos anteriores,
quando da aplicação deles resulte a invalidade ou a ineficácia de um negócio jurídico que seria
válido ou eficaz segundo a regra fixada no art. 16º [a da referência material], ou a
ilegitimidade de um estado que de outro modo seria legítimo.”
Neste preceito, o favor negotii paralisa a devolução.
34
determina que “Cessa igualmente o disposto nos mesmos artigos, se a lei estrangeira tiver sido
designada pelos interessados, nos casos em que a designação é permitida”.
Este preceito não vigora se se concluir que as partes fizeram uma referência global à lei
por elas designada.
No Regulamento Roma I, esta situação excecionada é impossível, pois este não admite
o reenvio, impossibilitando as partes de fazerem uma referência global para a conexão que
elegem por via da autonomia da vontade.
Caso Prático 4
Quid iuris?
35
de Pablo), francês (residência habitual de Frank), alemão (nacionalidade do último adquirente,
Frank) e português (nacionalidade do último titular do direito pessoal de gozo, Bento).
Tem-se como p,onto de partida que Portugal é a lex fori, isto é, é-lhe reconhecida a
competência internacional para dirimir a relação jurídica material.
Observando o disposto no art. 46º CC, o legislador português estabeleceu como conexão
mais próxima o lugar onde a coisa se encontra situada, remetendo para o ordenamento jurídico
espanhol.
L2 L4 L4 L4
36
e o seguinte: “se, porém, o direito internacional privado da lei referida pela norma de
conflitos portuguesa remeter para outra legislação e esta se considerar competente para regular o
caso, é o direito interno desta legislação que deve ser aplicado”, de onde resulta uma
transmissão de competência direta.
Sucede, todavia, que deve ser realizada uma interpretação extensiva desta norma tendo
em consideração a teleologia e os fins do Direito Internacional Privado e, portanto, admitir-se-á
a transmissão de competências em cadeia, tal qual resulta do caso concreto enunciado.
T – 16 de outubro de 2019
37
A FRAUDE À LEI (pp. 561 e ss.)
1. CARACTERIZAÇÃO DA FIGURA
Historicamente, foi o caso Bibesco, julgado por tribunais franceses no século XIX, que
chamou a atenção para a fraude à lei em Direito Internacional Privado.
A princesa Bauffremont era uma súbdita francesa. A lei francesa não admitia, à época
(antes de 1884), o divórcio, mas apenas a separação. A princesa obteve a separação e, em
seguida, naturalizou-se num Estado alemão, o ducado do Saxe-Altemburgo. Valendo-se da sua
nova lei nacional, que assimilava a separação ao divórcio, a princesa casou em Berlim com o
príncipe romeno Bibesco. Os tribunais franceses consideraram nulo o divórcio bem como o
segundo casamento.
38
Quanto à tipologia da fraude à lei em Direito de Conflitos, podemos distinguir a
manipulação do elemento de conexão e a internacionalização fictícia de uma situação
interna.
No primeiro caso, para afastar a lei normalmente competente, o agente da fraude vai
modelar o conteúdo concreto do elemento de conexão – v.g., quando a lei de Malta não admitia
o divórcio, dois malteses, que residiam em Portugal e que queriam divorciar-se, naturalizaram-
se portugueses, embora não se integrem na nossa sociedade.
No segundo caso, para afastar o Direito material vigente na ordem jurídica interna, que
é o exclusivamente aplicável a uma situação interna, estabelece-se uma conexão com um Estado
estrangeiro, por forma a desencadear a aplicação do Direito estrangeiro – v.g., dois portugueses,
residentes em Portugal, para fugirem aos limites fixados pela lei portuguesa à taxa de juros do
mútuo, vão celebrar um contrato interno a Barcelona e escolhem a lei espanhola para reger o
contrato.
3. ELEMENTOS DE FRAUDE À LEI
4. A SANÇÃO DA FRAUDE
O instituto da fraude à lei encontra-se preceituado no art. 21º CC, o qual dispõe que na
“aplicação das normas de conflitos são irrelevantes as situações de facto ou de direito criadas
com o intuito fraudulento de evitar a aplicabilidade da lei que, noutras circunstâncias, seria
competente”.
39
Do texto do art. 21º CC decorre efetivamente que a fraude à lei no Direito de Conflitos
se confina àquilo que respeite à “aplicação da norma de conflitos”. Sendo irrelevante a
manipulação do elemento de conexão ou a internacionalização fictícia com intuito fraudulento,
a sanção da fraude consiste em aplicar a lei normalmente competente.
Outro ponto controverso tem sido o da sanção da fraude à lei estrangeira. De acordo
com uma orientação outrora dominante na Alemanha e em França, só deveria ser sancionada a
fraude à lei do foro. Atualmente é genericamente entendido que a fraude à lei estrangeira é
também alvo de sanção.
Para os Profs. Ferrer Correia e Batista Machado, é indiferente que a sanção se verifique
na lei do foro ou numa qualquer lei estrangeira.
Já para a Prof. Isabel de Magalhães Collaço enquanto a fraude à lei do foro é sempre
sancionada, a fraude à lei estrangeira é sancionada em apenas dois casos:
Estamos diante de uma situação em que o Direito Internacional Privado quer saber qual
a solução material dada ao caso concreto, o que revela a circunstância de até aqui termos vindo
a caracterizar as normas de conflito como normas tendencialmente formais.
Nestes casos, a solução material contende com a exceção à ordem pública do Estado do
foro, a qual, interpretada em sentido amplo, consubstancia todos os princípios ético-valorativos
essenciais ao Estado do foro.
40
Caso Prático 5
Sally, turco, residia na Grécia com a sua mulher, onde faleceu, tendo deixado em
testamento, outorgado naquele país, todos os seus bens à respetiva cônjuge.
Discute-se nos tribunais portugueses a validade deste testamento, uma vez que as irmãs
de Sally, turcas e residentes em Istambul, consideram que o direito material que deve regular a
matéria sucessória é a Lei da Sharia que, em matéria sucessória, considera que é indisponível
a quota correspondente a ⅔ da herança quando o de cujus, ainda que casado, deixe sobrevivos
colaterais.
A Lei da Sharia pode aplicar-se, em matéria sucessória ou matrimonial, a todos os
muçulmanos que residam na Grécia, o que está especialmente previsto no ordenamento
jurídico do Estado helénico.
O ordenamento jurídico turco, em matéria sucessória e quanto à validade substancial
do testamento, considera competente a lei o lugar onde foi outorgado o aludido testamento,
praticando devolução simples.
O ordenamento jurídico grego considera competente quanto à mesma matéria a lei da
residência habitual do de cujus ao tempo do falecimento, sendo anti-devolucionista.
O ordenamento jurídico grego aplica a Lei da Sharia, às pessoas nas condições
referidas, desde que as mesmas tenham previsto no respetivo testamento a aplicabilidade desta
lei religiosa islâmica.
A Lei da Sharia prevê, de facto, que as irmãs sejam herdeiras necessárias, mas
unicamente considerando as situações em que o falecido é o cônjuge marido, não prevendo a
mesma solução no caso de falecimento do cônjuge mulher.
41
ordenamento jurídico complexo de caráter interpessoal, pois aplica direito material distinto para
um grupo discriminado de pessoas (a tal Lei da Sharia).
Tem-se como ponto de partida que Portugal é a lex fori, isto é, é-lhe reconhecida a
competência internacional para dirimir a relação jurídica material.
Observando o disposto no art. 63º CC, esta norma determina que é competente a lei
pessoal do autor ao tempo da declaração, tendo, portanto, o legislador escolhido como conexão
a nacionalidade do de cujus (art. 25º CC). Por isso, considera competente o ordenamento
jurídico turco.
Por sua vez, o ordenamento jurídico turco (L2) considera competente a lei do lugar onde
o testamento foi outorgado, i.e., o ordenamento jurídico grego (L3).
Deste modo, já se verifica que se encontram preenchidos os pressupostos para que haja
reenvio, ou seja, a norma de conflitos portuguesa remete para uma lei estrangeira e, além disso,
esta não se considera competente.
O ordenamento jurídico turco considera competente a lei do lugar onde o testamento foi
outorgado, ou seja, considera competente o ordenamento jurídico grego.
Conclui-se, desta maneira, que tanto o ordenamento jurídico turco, como o ordenamento
jurídico grego admitem a competência deste último.
Assim, além de haver harmonia jurídica internacional, esta só é alcançado por via do
reenvio, i.e., este traduz-se como um meio necessário para atingi-la.
L2 L3
42
Assim, estão cumpridos todos os pressupostos para que Portugal possa, eventualmente,
adotar uma posição devolucionista.
Tratando-se de matéria de estatuto pessoal, recorrer-se-á ao plasmado no art. 17º CC.
O nº1 do referido normativo preceitua que: “Se, porém, o direito internacional privado
da lei referida pela norma de conflitos portuguesa remeter para outra legislação e esta se
considerar competente para regular o caso, é o direito interno desta legislação que deve ser
aplicado”. É o que literalmente acontece no caso enunciado, dado que o ordenamento jurídico
turco, depois de designado pela norma de conflitos portuguesa, remete para o ordenamento
jurídico grego, que se considera competente.
Vislumbra-se, portanto, uma transmissão de competência direta.
Incumbe agora aferir se o nº2 do art. 17º CC exceciona o nº1 da mesma norma. A
resposta deve encaminhar-se no sentido negativo, pois pese embora a lei turca ser a lei da
nacionalidade do interessado, este não reside habitualmente em Portugal nem num país que
considere competente o direito interno da lei da sua nacionalidade (para que assim fosse, o
ordenamento jurídico grego deveria considerar competente a ordem jurídica turca).
Estamos em condições de admitir que, funcionando o art. 17º, nº1 CC, Portugal admite
uma posição devolucionista.
Cabe então recorrer ao disposto no art. 20º, nº3 CC, norma que só trata de estatuto
pessoal quando o ordenamento jurídico português, enquanto lex fori, eleger como conexão mais
adequada a nacionalidade.
Neste conspecto, tendo em conta que se remete para o Estado da residência habitual do
interessado, o art. 20º, nº3 CC é suscetível de ser aplicado, mas com recurso a uma interpretação
analógica.
43
Perante o caso concreto, sabemos que Sally é turco e, ainda que possamos admitir que é
também muçulmano (já que nem todos os turcos o serão), é certo que residia habitualmente no
território grego (convinha que fosse na tal região da Trácia Ocidental), mas nada é referido em
relação à sua pretensão em que fosse a Lei da Sharia a regular o seu testamento.
Assim, aplicar-se-á o ordenamento jurídico grego de acordo com as informações que
decorrerem do seu direito interpessoal.
NOTA: Ainda que tenhamos uma solução perfeitamente válida no que ao seu conteúdo
diz respeito, a verdade é que a Lei da Sharia, a ser aplicada pelo ordenamento jurídico
português, além de violar um preceito constitucional – art. 36º, nº3 CRP –, contende com um
princípio informador da exceção da ordem pública internacional do Estado português, na
medida em que discrimina o testamento outorgado pelo cônjuge mulher.
Quando assim for, o art. 22º, nº1 CC impede a aplicação da lei estrangeira que “envolva
ofensa dos princípios fundamentais da ordem pública internacional do Estado português”,
acrescentando o nº2 do presente artigo que o legislador deve procurar aplicar “as normas mais
apropriadas da legislação estrangeira” (a existirem, claro), sob pena de a solução passar pela
aplicação do direito material português.
P – 17 de outubro de 2019
Caso Prático 6
44
Considerando que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes, diga
qual é a solução material aplicável no caso concreto.
Tem-se como ponto de partida que Portugal é a lex fori, isto é, é-lhe reconhecida a
competência internacional para dirimir a relação jurídica material.
Observando o disposto no art. 49º CC, esta norma determina que é competente a lei
pessoal de cada nubente, tendo, portanto, o legislador escolhido como conexão a nacionalidade
de cada um. Assim, atendendo a que o interessado – C, neste caso – é norte-americana, conclui-
se que a norma de conflitos portuguesa faz remissão para o ordenamento jurídico norte-
americano (L2).
Por sua vez, o ordenamento jurídico norte-americano estabelece como conexão mais
estreita o lugar da prática do facto, pelo que remete para o ordenamento jurídico português (L1),
dado que C e D casaram em Portugal.
Por sua vez, o ordenamento jurídico norte-americano (L2) considera competente a lei do
lugar da celebração do casamento, i.e., remete para o ordenamento jurídico português (L1).
L1(Portugal) L2(EUA)
45
L2
Tendo a norma de conflitos portuguesa remetido para uma lei estrangeira e tendo esta
considerado a sua incompetência, remetendo para outra legislação, conclui-se pela verificação
dos pressupostos do sistema de reenvio.
46
Concluindo, como não se verificam os requisitos impostos pelo art. 18º, nº2 CC, o nº1
do mesmo preceito não é aplicável e, portanto, o ordenamento jurídico português não abdica da
sua posição anti-devolucionista (art. 16º CC), efetuando uma referência material para o
ordenamento jurídico norte-americano.
OT – 17 de outubro de 2019
Caso Prático 7
47
O ordenamento jurídico russo considera competente a nacionalidade do adquirente e é
anti-devolucionista.
O ordenamento jurídico francês considera competente a lei da residência habitual da
impugnante do negócio e pratica devolução simples.
O ordenamento jurídico belga e suíço consideram competente a nacionalidade dos
alienantes e são anti-devolucionistas.
Belga: nacionalidade de A;
Suíço: nacionalidade de B;
Canadiano: residência habitual de A e de B;
Francês: nacionalidade de C e de D, bem como a residência habitual de C;
Português: lugar da celebração do contrato de compra e venda;
Russo: residência habitual de D.
Tem-se como ponto de partida que Portugal é a lex fori, isto é, é-lhe reconhecida a
competência internacional para dirimir a relação jurídica material.
No caso concreto estamos perante uma matéria múltipla, visto que há matéria real –
transmissão e retransmissão de um direito de propriedade –, obrigacional – eventual
anulabilidade do negócio jurídico – e pessoal – ligação entre ascendentes e descendentes na
linha reta.
Significa isto que temos várias normas de conflito a ser chamadas por cada uma destas
matérias.
No que tange à matéria de direitos reais, vigora o disposto no art. 46º CC, de acordo
com o qual se estabelece como conexão mais próxima a lex rei sitae, ou seja, o ordenamento
jurídico português considera-se competente, visto que o imóvel em causa encontra-se situado
em Vieira do Minho.
48
Para a matéria obrigacional, o art. 41º CC considera competente a “lei que os respetivos
sujeitos tiverem designado ou houverem tido em vista”. Como tal não sucede na situação
prática, deve atender-se ao regime supletivo do art. 42º, nº1, in fine CC, o qual determina que
aos contratos se aplica a “lei da residência habitual comum das partes”. Sabendo que as partes
não têm residência habitual comum – A e B residem no Canadá e C reside em França –, o nº2
do art. 42º CC admite como conexão o lugar da celebração do contrato. Assim, tendo o
documento particular autenticado sido celebrado em Portugal, mais uma vez o ordenamento
jurídico português considera-se competente.
É na matéria pessoal que se encontra o âmago da situação prática enunciada.
É o art. 57º CC aplicado à matéria pessoal, mas aqui suscita-se o problema do conceito-
quadro da referida norma, o qual faz alusão a relações entre pais e filhos, sendo que no caso
concreto temos uma relação entre avós e netos.
O conceito-quadro é elástico, havendo várias teorias para a sua interpretação.
Comumente aceite é a teoria defendida pelo Prof. Ferrer Correia, segundo o qual se deve aplicar
ao conceito-quadro as regras dos exemplos padrão (direito penal), pelo que a letra da lei é
meramente exemplificativa.
Quando se faz referência para um ordenamento jurídico estrangeiro, o conceito-quadro
permite apenas que aquela forneça as normas que se circunscrevam ao problema concreto, as
quais devem coincidir com o fim que o legislador do Direito Internacional Privado previu no
conceito-quadro da norma de conflitos.
A conexão constante do art. 46º CC remete para o lugar da situação do imóvel de modo
a tratar de matéria predominantemente real, relativa a problemas de posse, propriedade e demais
direitos reais. Ao observar o disposto no art. 877º CC, conclui-se que a finalidade do legislador
interno passou pela proteção da legítima dos descendentes, daí que consagre a anulabilidade dos
negócios que por eles não sejam autorizados.
Compreende-se, desta forma, que os fins previstos pelo legislador do Direito de
Conflitos não coincidem com os do legislador interno e, por conseguinte, não se pode aplicar ao
caso concreto a solução material emergente da conexão do art. 46º CC.
Os fins do legislador nacional não coincidem com os do DIP, não se podendo aplicar a
solução material emergente da conexão do art. 46º CC.
O mesmo é suscetível de ser referido em relação ao art. 42º, nº2 CC, dado que esta
norma de conflitos recai sobre matéria obrigacional, não apresentando igual teleologia que o
legislador interno depositou no art. 877º CC.
49
A norma em questão pressupõe que se observe o conceito-quadro de forma elástica,
pois aquela estabelece as relações entre concretas categorias de pessoas, i.e., parentes em linha
reta, designadamente entre pais e filhos. Se estendermos o conceito-quadro até ao elemento
teleológico atribuído pelo legislador do Direito Internacional Privado, conclui-se que este
pensou nas relações entre quaisquer parentes na linha reta, aí se incluindo, consequentemente,
as relações entre avós e netos.
Escolhe-se, desta maneira, o art. 57º CC para regular a situação material controvertida.
Estão cumulados os pressupostos para que haja reenvio, ou seja, além de a norma de
conflitos remeter para uma lei estrangeira, esta não se considera competente.
Importa, pois, verificar se há harmonia jurídica internacional entre os ordenamentos
jurídicos em conexão com a situação conflitual.
Assim, tendo em consideração que a remissão feita pelo ordenamento jurídico russo
deve ser material, este considera aplicável o direito material francês, o que proporciona que a lei
francesa e a lei canadiana considerem competente a lei francesa.
50
L1(Portugal) L2(Canadá - DD) L3(França – DS) L4(Rússia – AD)
L2 L3 L3
Conclui-se pelo preenchimento dos pressupostos necessários para que a ordem jurídica
portuguesa possa vir a abdicar da sua posição anti-devolucionista decorrente do art. 16º CC.
Estando diante de um sistema de reenvio de transmissão de competência com retorno,
deve atender-se ao art. 17º CC.
No caso concreto, embora não seja o que a letra da lei refira, deve fazer-se uma
interpretação extensiva cuja ratio passa pelos fins do Direito Internacional Privado e, desse
modo, admitir a transmissão de competência com retorno, aplicando-se o direito material da lei
francesa.
Deve, no entanto, ter-se em atenção o nº2 do art. 17º CC. Esta norma não exceciona a
aplicabilidade do nº1 do mesmo preceito, pois conclui-se, de pronto, que a norma de conflitos
portuguesa não faz referência para a lei da nacionalidade do interessado.
Assim, Portugal aceita sucumbir a sua posição anti-devolucionista e, consequentemente,
aplicando o ordenamento jurídico francês.
Assim, ultrapassado o crivo da qualificação – matéria ainda não lecionada nas aulas
teóricas –, para resolver a relação jurídica controvertida, os tribunais portugueses aplicarão a
solução material compreendida no ordenamento jurídico francês.
51
Na eventualidade de a solução material francesa não coincidir com aquela preceituada
pelo art. 877º CC, dever-se-ia realizar uma adaptação por interpretação do elemento de conexão
ou do conceito-quadro, uma adaptação ou a criação de uma norma de conflitos ad hoc.
T – 18 de outubro de 2019
A ordem pública internacional estrangeira pode ser relevante nos casos em que o Direito
de Conflitos estrangeiro seja aplicado por força do Direito Internacional Privado do foro. É o
que se verifica em sede de devolução.
É usual contrapor-se a ordem pública internacional à ordem pública de Direito material,
referida designadamente nos arts. 277º, nº1, 280º, nº2 e 281º CC.
52
Neste momento, interessa, em primeira linha, a reserva de ordem pública internacional
enquanto limite à aplicação do Direito estrangeiro ou transnacional.
A atuação da reserva de ordem pública internacional pressupõe que o Direito de
Conflitos português chama o Direito estrangeiro ou transnacional a regular a situação. O
problema apenas se coloca depois de resolvidas todas as questões de concretização do elemento
de conexão, de devolução, de fraude à lei e de qualificação. É no fim do processo que se
aprecia a compatibilidade da solução a que conduz o Direito estrangeiro ou transnacional
designado com a ordem pública internacional.
53
As consequências da intervenção da cláusula são o afastamento do resultado a que
conduz a aplicação do Direito estrangeiro ou transnacional ou o não reconhecimento de uma
decisão estrangeira.
Quando a cláusula atua como um limite à aplicação do Direito estrangeiro ou
transnacional vale um princípio do mínimo dano à lei estrangeira ou ao Direito Transnacional.
Se do afastamento da solução contrária à ordem pública internacional não resultar uma
lacuna continua a aplicar-se e o Direito estrangeiro ou transnacional.
Se surgir uma lacuna, deve procurar obter-se a solução nos quadros do Direito
estrangeiro competente ou do Direito Transnacional, mediante o recurso à analogia ou aos
princípios jurídicos. Por exemplo, poderá aplicar-se o regime da sucessão dos filhos legítimos à
sucessão dos filhos ilegítimos que sejam objeto de discriminação.
Só em último caso, subisidiariamente, é que se recorre às regras do Direito material do
foro (art. 22º, nº2 CC) – norma unilateral introvesa.
Uma refugiada síria, de 14 anos, é casada com um refugiado sírio, de 52 anos, tendo
ambos três filhos, residindo na Alemanha.
Estando diante de um casamento perfeitamente inválido, discute-se o problema da
exceção à ordem pública internacional.
54
Imaginando que é declarado inválido o referido casamento, quebrar-se-iam os vínculos
familiares da criança de 14 anos que além de não apresentar capacidade nupcial, não fala
alemão e não se encontra minimamente enquadrada na sociedade alemã, tendo como única
referência, ainda que má, o marido.
Assim, parece que o não reconhecimento do casamento traria circunstâncias mais
gravosas para a criança do que aquelas que resultariam da ofensa à ordem pública internacional
do Estado alemão.
T – 23 de outubro de 2019
OT – 24 de outubro de 2019
T – 25 de outubro de 2019
Caso Prático 8
55
O ordenamento jurídico iraniano, nesta matéria, considera competente a lei do lugar
da prática do facto e pratica devolução simples.
O ordenamento jurídico do Congo considera competente a lei da nacionalidade do
autor da sucessão e é anti-devolucionista.
A lei sudanesa pratica dupla devolução e considera competente a lei da residência
habitual do de cujus.
Considerando que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes e que
o ordenamento jurídico do Sudão e do Congo não limitam a capacidade de testar em razão do
género.
Quid Juris?
Tem-se como ponto de partida que Portugal é a lex fori, isto é, é-lhe reconhecida a
competência internacional para dirimir a relação jurídica material.
Observando o disposto no art. 63º, nº1 CC, a capacidade para testar é regulada pela lei
pessoal do autor da sucessão ao tempo da declaração. De acordo com o art. 31º, nº1 CC, por lei
pessoal deve entender-se a lei da nacionalidade, pelo que o legislador do Direito de Conflitos
estabeleceu como conexão mais estreita a resolver a situação material controvertida a
nacionalidade.
Assim, o ordenamento jurídico português remete para o ordenamento jurídico iraniano,
dado que Samila é nacional do Irão.
56
Por sua vez, o ordenamento jurídico iraniano considera competente a lei do lugar da
prática do facto, pelo que faz remissão para o ordenamento jurídico sudanês.
Tendo a norma de conflitos portuguesa remetido para uma lei estrangeira (iraniana) e
tendo esta considerado a sua incompetência, remetendo para outra legislação (sudanês), conclui-
se pela verificação dos pressupostos para que haja um sistema de reenvio.
57
contacto com a situação conflitual, na medida em que os ordenamentos jurídicos sudanês e
congolês consideram competente a lei iraniana e, por seu turno, o ordenamento jurídico iraniano
considera competente a lei sudanesa.
Assim, não havendo harmonia jurídica internacional, é possível afirmar que não se
cumulam os requisitos para que o ordenamento jurídico prescinda da sua posição regra anti-
devolucionista. Deste modo, far-se-á uma referência material ao ordenamento jurídico iraniano,
por força do disposto no art. 16º CC.
Desta maneira, importa atender aos limites impostos pelo art. 22º CC, os quais são
apresentados de modo subsidiário.
Nos termos do nº2 do referido preceito, ou conseguimos encontrar uma solução mais
apropriada na lei estrangeira – seja uma solução material alternativa ou seja através de uma
interpretação à solução que permita expurgar a parte em que contende com a exceção à ordem
pública internacional do Estado do foro – e, portanto, continuar-se-á a aplicar uma solução
material do ordenamento jurídico iraniano, ou, por seu turno, se não for possível enveredar por
essa via alternativa, aplicar-se-á o direito material do foro através de uma norma unilateral
introversa – esta é a última ratio.
58
Aquela interpretação a que se fez menção deve ser realizada nos termos do art. 23º CC,
ou seja, deve ser efetuada de acordo com o sistema interpretativo do ordenamento jurídico
estrangeiro, circunstância que limita bastante a nossa capacidade interpretativa.
No caso concreto, não sendo enunciadas as regras interpretativas próprias do
ordenamento jurídico iraniano, ou conseguimos afastar a cláusula que faz depender a
capacidade testamentária das mulheres de uma autorização familiar masculina, ou aplicamos o
direito interno português mediante um sistema conflitual unilateral introverso.
Uma das técnicas relativas ao DIP é quartar a relação jurídica nos limites legais do
depéçage ou splitting.
Eleita uma determina ordem jurídica, esta será eleita considerando o concreto elemento
controvertido em causa na nossa relação jurídica. Assim, não chamamos essa ordem jurídica
para dar uma qualquer solução material, mas antes para dar a solução que permita resolver a
situação concreta.
É apenas no crivo do conceito-quadro que e legitima a aplicação da estatuição.
A solução que podemos trazer do ordenamento jurídico estrangeiro eleito pela norma de
conflitos é aquela que o conceito-quadro permitirá, só isso poderá ser legitimamente aplicado à
relação jurídica controvertida.
59
A qualificação configura-se como um processo complexo, pois implica, de entre normas
gerais e abstratas, a análise de situações individuais e concertas, para que depois se volte a
passar para um panorama de normas gerais e abstratas.
O intérprete tem de realizar exercícios de ida e volta (ou de vaivém) entre a norma e o
caso para adotar a norma às circunstâncias do caso concreto.
60
O problema é que o exercício de subsunção pode não ser direto, dado que a premissa
maior é indetermina por via da indeterminação do conceito-quadro.
A interpretação da premissa maior não se pode reconduzir aos conceitos homólogos no
ordenamento jurídico interno, dado que o Direito Internacional Privado é, por natureza, aberto a
todas as instituições e conceitos jurídicos conhecidos no mundo transcendente ao nosso sistema
jurídico interno.
Caso Prático 9
61
jurídico, a capacidade nupcial só é reconhecida com 21 anos, ao passo que a lei inglesa
confere esta capacidade, sem restrições, a partir dos 16 anos, reconhecendo, com o casamento
que os cônjuges adquirem plena capacidade de exercício.
Perante isto, A e B casaram em Portugal sem autorização do tutor ou qualquer
representante legal de B.
Nestas circunstâncias, a lei francesa considera o casamento nulo por vício de forma e
não reconhece, portanto, qualquer aquisição de capacidade de exercício pela emancipação.
Entretanto, já depois de casado, A vendeu um prédio sito em Lucerna, que havia
herdado do seu avô, suíço, há vários anos. A vendeu o prédio a D, em Portugal, sendo D de
nacionalidade dinamarquesa e residente em Copenhaga.
O tutor também não autoriza este ato, o que considera necessário, já que na sua
perspetiva, A não se emancipou, uma vez que o casamento é nulo.
O ordenamento jurídico suíço considera o casamento válido, mas uma vez que não foi
autorizado, o cônjuge não adquire capacidade de exercício para atos de disposição.
O ordenamento jurídico inglês, que pratica dupla devolução, considera que em matéria
matrimonial é competente a lei do lugar da residência habitual do nubente e no que tange à
disposição de imóveis considera competente a lex rei sitae.
O ordenamento jurídico francês é anti-devolucionista e no que tange à validade do
casamento elege como conexão o lugar da celebração do negócio, sendo aliás a mesma
conexão em relação aos negócios jurídicos em que o objeto seja um bem imóvel.
Por sua vez, o ordenamento jurídico suíço, também anti-devolucionista, e para
qualquer questão suscitada no enunciado, considera competente a lei do lugar da celebração
do negócio.
Nos tribunais portugueses é proposta uma ação pelo tutor de A para anular o
casamento, bem como o contrato de compra e venda.
Quid juirs?
62
Português: lugar da prática dos factos (celebração do casamento e da compra e
venda);
Suíço: lugar da situação do bem imóvel e nacionalidade do de cujus;
Dinamarquês: nacionalidade de D e sua residência habitual.
Tem-se como ponto de partida que Portugal é a lex fori, isto é, é-lhe reconhecida a
competência internacional para dirimir a relação jurídica material.
No caso concreto estamos perante uma matéria múltipla, visto que há matéria real –
transmissão de um direito de propriedade – e pessoal – matéria matrimonial.
Significa isto que temos várias normas de conflito a ser chamadas por cada uma destas
matérias.
No que tange à questão relativa à capacidade de exercício para contrair casamento, urge
chamar o art. 49º CC. Por seu turno, relativamente à falta de capacidade para celebrar um
contrato de compra e venda, importa chamar o art. 47º CC.
O ordenamento jurídico francês classifica a falta de capacidade de exercício para
contrair casamento como um vício formal. Significa, portanto, que devemos atender ao disposto
no art. 50º CC.
De acordo com o art. 49º CC, a capacidade para contrair casamento é regulada pela lei
pessoal de cada um dos nubentes. Atendendo ao disposto nos arts. 25º e 31º, nº1 CC, o
legislador elegeu como conexão mais próxima a nacionalidade de cada nubente.
Sendo A de nacionalidade inglesa, o ordenamento jurídico português remete para o
ordenamento jurídico inglês. O ordenamento jurídico inglês, por seu turno, estabelece como
conexão mais adequada a dirimir a relação jurídica controvertida a residência habitual de A,
pelo que remete para o ordenamento jurídico francês.
Vislumbra-se, deste modo, uma situação de reenvio, dado que a lei designada pela
norma de conflitos portuguesa não se considera competente, remetendo para outra lei.
Havendo reenvio, verifica-se o primeiro pressuposto para que o ordenamento jurídico
português possa abdicar da sua posição regra anti-devolucionista, consagrada no art. 16º CC.
Para que tal suceda, é necessário que se verifiquem outros dois pressupostos, i.e., que haja
harmonia jurídica internacional entre os ordenamentos jurídicos em contacto com a situação
conflitual e que o reenvio seja condição necessária para que essa harmonia seja atingida.
A este propósito cabe atender à posição de cada um desses ordenamentos jurídicos em
relação à matéria de reenvio.
63
O ordenamento jurídico inglês, ao praticar dupla devolução, realiza uma referência
global à lei francesa (atende ao seu direito interno, bem como ao seu sistema de conflitos),
admitindo decidir a questão transnacional tal como ela seria julgada pelo tribunal da lei
designada.
Por sua vez, o ordenamento jurídico francês estabelece como conexão mais próxima o
lugar da prática do facto, pelo que remete para a ordem jurídica portuguesa. Assume uma
posição anti-devolucionista, ou seja, ao remeter para o ordenamento jurídico português faz-lhe
uma referência material ao direito português.
Assim, temos o seguinte esquema de reenvio:
64
De acordo com o art. 49º CC, a capacidade para contrair casamento é regulada pela lei
pessoal de cada um dos nubentes. Atendendo ao disposto nos arts. 25º e 31º, nº1 CC, o
legislador elegeu como conexão mais próxima a nacionalidade de cada nubente.
Sendo B de nacionalidade inglesa, o ordenamento jurídico português remete para o
ordenamento jurídico inglês. O ordenamento jurídico inglês, por seu turno, estabelece como
conexão mais adequada a dirimir a relação jurídica controvertida a residência habitual de B,
pelo que se considera competente.
Não havendo qualquer situação d reenvio, vislumbra-se a aplicação direta do art. 16º
CC, de acordo com o qual o ordenamento jurídico português fará uma referência material à lei
inglesa, ou seja, aplicará uma solução do seu direito interno para regular a capacidade nupcial
de B.
L2(inglês)
Posto isto, importa atender ao disposto no art. 50º CC, de acordo com o qual a forma do
casamento é regida pela lei do lugar da celebração do casamento, ou seja, o legislador do
Direito de Conflitos estabeleceu como conexão mais próxima a dirimir a relação jurídica
controvertida o lugar da prática do facto.
Assim, o ordenamento jurídico português considera-se competente, dado que o
casamento de A e B foi celebrado em Portugal.
Conclui-se, desta forma, que para a mesma relação jurídica controvertida é possível
aplicar tanto o ordenamento jurídico português como o ordenamento jurídico inglês, devendo
passar-se à fase de qualificação para cada um deles.
65
processo de qualificação, dado que o conceito-quadro coincide com os conceitos jurídicos do
direito material português.
Relativamente ao conceito-quadro do art. 47º CC, importa começar por frisar que o
ordenamento jurídico inglês categoriza a situação normativa como um problema de capacidade
nupcial, o qual deve ser interpretado à luz do art. 23º CC.
A solução da lei inglesa foi pensada com base nos requisitos necessários para que
alguém possa validamente celebrar um contrato de casamento. Assim, é possível concluir que,
nos termos do art. 15º CC, pelo seu conteúdo e função, a solução do ordenamento jurídico
inglês integra o conceito-quadro previsto pelo legislador do Direito Conflitos.
Desta forma, o ordenamento jurídico inglês resolverá materialmente a questão inerente
à capacidade de exercício de B para celebrar um contrato de casamento.
Desta maneira, existem duas normas de conflitos aplicáveis à mesma situação. Haverá
um conflito efetivo se para a mesma realidade jurídica existir mais do que uma lei para a
resolver.
Realizando uma técnica de splitting ou de dépeçage, da relação jurídica controvertida
interessa-nos resolver uma questão relativa aos seus sujeitos, i.e., a capacidade de exercício de
cada um deles.
Assim, nos termos apresentados no próprio enunciado, parece dever concluir-se que o
casamento é perfeitamente válido e plenamente eficaz, mas relativamente a A, a sua
emancipação é restrita, ficando limitada a sua capacidade de exercício para realizar atos de
disposição (art. 1649º CC).
Decorre do art. 47º CC que a conexão eleita pelo legislador do Direito Internacional
Privado é o lugar da situação da coisa se essa lei assim o determinar. Tendo em consideração
66
que o imóvel se situa em Lucerna, importa atender ao disposto no ordenamento jurídico suíço, o
qual determina como conexão mais apta a dirimir a relação controvertida o lugar da celebração
do contrato, pelo que faz remissão para o ordenamento jurídico português.
Assim, como a lei do lugar da situação do imóvel não considera a sua competência, há
que atender à conexão subsidiária eleita pelo legislador do Direito de Conflitos.
Da conjugação dos arts. 47º, 25º e 31º, nº1, todos do CC, resulta que a conexão eleita foi
a nacionalidade do interessado, pelo que, no caso concreto, faz-se remissão para o ordenamento
jurídico inglês.
Por seu turno, o ordenamento jurídico inglês estabelece como conexão mais próxima o
lugar da situação do imóvel, pelo que remete para a lei suíça.
Vislumbra-se, desta forma, a existência de uma situação de reenvio, uma vez que a lei
designada pela norma de conflitos portuguesa não se considera competente, remetendo tal
competência para outra ordem jurídica.
A existência de reenvio configura o primeiro pressuposto para que o ordenamento
jurídico português possa vir a abdicar da sua posição regra anti-devolucionista, constante do art.
16º CC. Para que tal aconteça é necessário que haja harmonia jurídica internacional entre os
ordenamentos jurídicos em contacto com a situação conflitual e, além disso, deve o reenvio ser
uma condição necessária para atingir a aludida harmonia. Nesse conspecto, há que atender à
posição relativamente ao reenvio de cada um dos referidos ordenamentos jurídicos.
O ordenamento jurídico inglês estabelece como conexão mais apta a dirimir a relação
jurídica controvertida o lugar da situação da coisa imóvel e, por isso, remete para o
ordenamento jurídico suíço. Ao praticar dupla devolução, realiza-lhe uma referência global, ou
seja, tanto atende ao seu direito material como ao seu sistema de conflitos e admite decidir a
questão transnacional tal como ela seja dirimida nos tribunais da lei designada.
O ordenamento jurídico suíço estabelece a conexão lugar da celebração do contrato de
compra e venda e, portanto, remete para o ordenamento jurídico português. Assumindo uma
posição anti-devolucionista, efetua uma referência material à lei portuguesa, i.e., versa apenas
sobre o seu direito interno, abstraindo-se do seu Direito Internacional Privado.
Assim, temos o seguinte esquema de reenvio:
67
figura como uma condição essencial para que se atinja tal harmonia, na medida em que se a
ordem jurídica portuguesa mantivesse a sua posição regra anti-devolucionista, fomentar-se-ia a
desarmonia jurídica de soluções internacionais, pois o ordenamento jurídico português aplicaria
uma solução material da lei inglesa.
Posto isto, estamos perante uma situação de reenvio por retorno de competências,
circunstância que impele que se atente ao disposto no art. 18º CC.
A letra do art. 18º, nº1 CC estabelece requisitos que estão na base de uma situação de
reenvio por retorno direto de competências, o que não se vislumbra no caso concreto, pois para
que tal sucedesse era necessário que fosse a lei inglesa a remeter para o direito interno
português.
Não obstante, munindo-nos doe entendimento do Prof. Ferrer Correia, há que realizar
uma interpretação extensiva da referida norma, cuja ratio se funda nos princípios do Direito
Internacional Privado, isto é, a segurança jurídica e a harmonia jurídica internacional e, desse
modo, admitir uma situação de reenvio por retorno indireto de competências.
Cumpridos os requisitos exigidos pelo art. 18º, nº1 CC, há que atender aos dispostos no
nº2 do mesmo art., os quais se fundam no princípio da maior ligação individual.
Em primeiro lugar, urge referir que estamos diante de uma matéria que se integra no
estatuto real e não no estatuto pessoal, tal como exige o nº2 do art. 18º CC. Ainda assim, por
termos um conflito consentâneo entre o princípio da maior proximidade e o princípio da maior
ligação individual, deve admitir-se que a matéria de estatuto pessoal prevalece sobre a de
estatuto real.
Assim, ainda que A não reside em território português, importa atender à lei satélite,
neste caso, o ordenamento jurídico francês (lugar onde A apresenta a sua residência habitual), a
fim de aferir se este considera competente o direito interno português.
Resulta do enunciado que o ordenamento jurídico francês elege como conexão, na
matéria relativa à celebração do contrato de compra e venda de imóveis, o lugar da prática do
facto, ou seja, remete para a ordem jurídica portuguesa.
Adotando a lei francesa uma posição anti-devolucionista, realiza uma referência
material ao ordenamento jurídico português, ou seja, atende somente ao seu direito interno.
Desta forma, conclui-se pelo preenchimento dos requisitos impostos pelo art. 18º, nº2
CC, os quais, cumulados com a verificação dos requisitos constantes do nº1 do mesmo preceito,
permitem que a lei portuguesa abdique da sua posição anti-devolucionista.
Assim, no que tange à capacidade de exercício de A para celebrar o contrato de compra
e venda aplicaríamos uma solução material do ordenamento jurídico português.
68
O conceito-quadro do art. 47º CC visa tratar da capacidade de exercício para transmitir
direitos reais sobre imóveis.
Assim, tendo A casado de forma restrita, ou seja, não tendo capacidade de exercício
para praticar atos de disposição, deve concluir-se pela invalidade do negócio jurídico, o qual
será anulável.
Não se levanta entraves ao processo de qualificação, na medida em que por se tratar de
uma solução interna, é praticamente certo que os fins admitidos pelo legislador material foram
os mesmos que estiveram no pensamento do legislador do Direito Internacional Privado quando
estabeleceu o conceito-quadro do art. 47º CC.
T – 30 de outubro de 2019
69
Assim, temos que o primeiro momento de integração é factual – procurar o direito
material, à procura de uma norma onde se subsumam os factos da relação jurídica – e o segundo
momento é jurídico – um momento de normas sobre normas, i.e., de verificar se pelo seu
conteúdo e função integram ou não o conceito-quadro.
Atente-se ao seguinte exemplo: um francês que morreu, em Portugal, sem deixar
testamento. O art. 62º CC refere que em matéria sucessória, sem que exista qualquer ato jurídico
pelo qual o de cujus tenha expressado a sua vontade, aplicar-se-á a lei pessoal daquele. Por lei
pessoal, nos termos dos arts. 25º e 31º, nº1 CC, deve entender-se a lei da sua nacionalidade.
O ordenamento jurídico francês considera-se competente. Neste ordenamento, o Estado
não se encontra na categoria de sucessíveis, mas faz parte do nosso Livro das Sucessões (art.
2133º, nº1, al. e) CC). Segundo o ordenamento jurídico francês, quando existe uma situação
que, para nós, configura uma herança deixada vaga a favor do Estado, trata-se de um direito real
adquirido originariamente.
Interpretando o conceito-quadro do art. 62º CC, estamos perante uma sucessão por
morte em que o de cujus não dispôs da sua vontade no que tange ao destino dos bens – uma
verdadeira sucessão legal. Trata-se, claramente, de uma matéria de estatuto pessoal. É este o
princípio emerge do art. 62º CC, i.e., de regular o fenómeno sucessório quando inexiste
qualquer ato jurídico do de cujus quanto aos efeitos do destino dos bens.
A aquisição de direitos reais prevista pelo ordenamento jurídico francês tem como
preocupação última que as coisas não fiquem sem proprietário. Assim, tem-se que o princípio
que norteia o legislador é de atribuir direitos reais a um Estado. Conclui-se, dessa forma, que
pelo seu conteúdo e função (art. 15º CC, não existe qualquer paralelo ou correspondência entre
o princípio do legislador do Direito de Conflitos e o princípio do legislador do direito material
estrangeiro.
CONFLITOS
Quando em causa está um conflito entre regras de substância e regras de forma, a regra
é de que, em princípio, vigora a substância sob a forma.
Havendo um conflito entre a maior ligação individual e a maior proximidade, por
regra prevalecerá este último.
70
Suscitando-se um problema entre a qualificação matrimonial e qualificação
sucessória, vigora o princípio da relevância sucessória.
CONFLITO NEGATIVO
Por seu turno, é bastante difícil adaptar as normas materiais, uma vez que neste vigora o
princípio do mínimo dano.
Por fim, se nada funcionar, dever-se-á criar uma norma ad hoc.
P – 31 de outubro de 2019
OT – 31 de outubro de 2019
T – 01 de novembro de 2019
Feriado.
71
T – 06 de novembro de 2019 (Compensação – 13h)
Importará começar por referir que a parte especial das normas de conflitos (arts. 25º e
ss. CC) está esquematizada da mesma forma que o legislador previu a organização dos diversos
Livros do Código Civil (arts. 397º e ss. CC).
Acresce que para matérias compreendidas no estatuto pessoal, pode o legislador utilizar
outras conexões que não sejam a nacionalidade. Por exemplo, no art. 53º CC, estipula como
conexão a residência habitual quando em conflito estão os princípios da maior proximidade e da
maior ligação individual, prevalecendo o primeiro.
72
No âmbito de matérias integradas no estatuto pessoal, impõe-se o tratamento de
situações inerentes ao início e termo da personalidade jurídica e aos direitos de personalidade,
com predominância para os direitos absolutos, encontrando-se uma grande mancha deles com
assento constitucional, devendo a sua interpretação ser conforme à Constituição da República
Portuguesa.
De acordo com estes precitos – arts. 26º e 27º CC – o legislador estabelece como
elemento de conexão a lei pessoal (da nacionalidade – arts. 25º e 31º, nº1 CC) para regular o
início e o termo da personalidade jurídica, bem como os direitos de personalidade.
Não obstante, o art. 31º, nº2 CC estabelece uma situação de reenvio autónomo, pois em
prol do princípio do favor negotti reconhece-se que o legislador admite alterar a conexão regra
(a nacionalidade) relativamente aos negócios de estatuto pessoal para a conexão residência
habitual.
Para que tal se verifique devem cumprir-se 4 requisitos:
Deve concluir-se que a nacionalidade deve ser a conexão que dá origem à invalidade do
negócio jurídico e, além disso, a residência habitual deve ser o lugar da prática do facto e deve a
lei daquela admitir a sua competência.
Quando assim for, ainda que diante de matéria de estatuto pessoal, alterar-se-á a
conexão da nacionalidade para a residência habitual.
De acordo com os Profs. Ferrer Correia e Batista Machado, o art. 31º, nº2 CC deve
aplicar-se, por via de interpretação extensiva e analógica, a outras situações:
73
Quando o negócio não for celebrado na lei da residência habitual, mas
independentemente dos seus efeitos, as normas de conflito da lei da residência
habitual consideram competente a lei interna do Estado onde aquele foi
celebrado.
O Prof. Ferrer Correia foi ainda mais longe, admitindo, para além da interpretação
extensiva do art. 31º, nº2 CC, que a lex rei sitae deve aplicar-se também quando em causa estão
negócios jurídicos relativos a matéria sucessória, nomeadamente a partilha de bens imóveis.
Além disso, o art. 17º CC consagra uma norma que integra as regras gerais da
devolução ou reenvio, ao passo que o art. 31º, nº2 CC preceitua uma regra especial em matéria
de estatuto pessoal em prol do princípio do favor negotti, devendo ser esta a adaptar-se à regra
geral e não o contrário.
PERSONALIDADE E CAPACIDADE
O art. 26º, nº1 CC determina que “o início e o termo da personalidade jurídica são
fixados igualmente pela lei pessoal de cada indivíduo”, ou seja, pela lei da sua nacionalidade
(art. 31º, nº1 CC).
A personalidade jurídica, à luz do art. 68º, nº1 CC, “cessa com a morte”. Ainda que a
interpretação da morte não seja idêntica em todos os Estados, para nós aquela verifica-se
quando se demonstra a cessação da atividade cerebral.
74
No âmbito do Direito Internacional Privado levantam-se questões relativas à presunção
de morte, nomeadamente para efeitos de determinação de alguém que pré-sobrevive a outem.
Neste tipo de situações, o legislador do Direito de Conflitos consagrou uma norma
inteiramente material no nº2 do art. 26º CC: “Quando certo efeito jurídico depender da
sobrevivência de uma a outra pessoa e estas tiverem leis pessoais diferentes, se as presunções
dessas leis forem inconciliáveis, é aplicável o disposto no nº2 do artigo 68º. Ou seja, recorre-se
materialmente à presunção de comoriência do art. 68º, nº2 CC, de acordo com a qual se
presume, em caso de dúvida, que uma e outra pessoa faleceram ao mesmo tempo.
Enquanto o art. 26º CC versa sobre a personalidade jurídica, o disposto no art. 28º CC
reconduz-se à capacidade, encontrando-se subjacente à proteção do comércio jurídico e do
princípio da confiança, o qual exige o respeito da estabilidade e continuidade das situações
jurídicas, quando não haja razões objetivas suficientemente poderosas que imponham a sua
modificação ou extinção.
Assim, o art. 28º CC consagra uma norma unilateral introversa, como forma de dar
guarido ao princípio da confiança ou dos direitos adquiridos, determinando que “o negócio
jurídico celebrado em Portugal por pessoa que seja incapaz segundo a lei pessoal competente
não pode ser anulado com fundamento na incapacidade no caso de a lei interna portuguesa, se
fosse aplicada, considerar essa pessoa como capaz. Imagine-se, portanto, que Miguel –
português, de 24 anos – celebrou, em Vila do Conde, um contrato de compra e venda de um
bem imóvel com John – norte-americano, de 19 anos.
Sendo a lei pessoal a lei “da nacionalidade do indivíduo” (art. 31º, nº1 CC), facilmente
se conclui que Miguel apresenta capacidade de exercício para outorgar aquele contrato (arts.
122º e 123º CC). No entanto, ainda que a lei norte-americana só atribua capacidade de exercício
aos maiores de vinte e um anos, para o direito material português John é capaz e, por isso,
aproveita-se o aludido contrato de compra e venda.
Ainda assim, não se justifica a utilização da referida norma unilateral introversa quando
a “outra parte tinha conhecimento da incapacidade, ou quando o negócio jurídico for unilateral,
pertencer ao domínio do direito da família ou das sucessões ou respeitar à disposição de imóveis
situados no estrangeiro” (art. 28º, nº2 CC).
Por fim, o nº3 do art. 28º CC prevê um caso de bilateralização, na medida em que
estabelece um princípio de reciprocidade, segundo o qual “se o negócio jurídico for celebrado
pelo incapaz em país estrangeiro, será observada a lei desse país, que consagrar regras idênticas
às fixadas nos números anteriores”.
75
PESSOAS COLETIVAS
Os arts. 33º e 34º CC aplicam-se, pelo contrário, às pessoas coletivas de natureza civil.
O art. 33º, nº1 CC estabelece como elemento de conexão regra a lei onde se encontra situada a
sede principal e efetiva da sua administração.
O nº3 do art. 33º CC determina que “a transferência, de um Estado para outro, da sede d
pessoa coletiva não extingue a personalidade jurídica desta, se nisso convierem as leis de uma e
outra sede”.
Por sua vez, o art. 34º CC faz referência às pessoas coletivas internacionais. A sua lei
pessoal haverá de ser designada na convenção que as criou ou nos respetivos estatutos e, na sua
falta, na do país onde tiver a sua sede principal.
OS ESTRANGEIOS EM PORTUGAL
76
não sejam aos portugueses em igualdade de circunstâncias”. O entendimento converge no
sentido de admitir a não existência de um princípio de reciprocidade, mas antes uma espécie de
retaliação, i.e., se em igualdade de circunstâncias são restringidos direitos aos cidadãos
portugueses, far-se-á o mesmo aos nacionais desse Estado que se encontrem ou residam em
Portugal.
Neste conspecto, urge uma divisão doutrinária:
De acordo com os Profs. Jorge Miranda e Ferrer Correia não se suscita qualquer
inconstitucionalidade do presente artigo, pois ainda que possa excecionar, em parte, o princípio
da equiparação, a retaliação não altera o seu âmago.
Por seu turno, os Profs. Castro Mendes e Isabel de Magalhães Collaço acreditam haver
inconstitucionalidade do art. 14º, nº2 CC, na medida em que o art. 15º, nº2 CRP excetua do
princípio da equiparação “os direitos políticos, o exercício das funções públicas que não tenham
caráter predominantemente técnico e os direitos e deveres reservados pela Constituição e pela
lei exclusivamente aos cidadãos portugueses”. Assim, é o próprio ordenamento jurídico
constitucional que dita as exceções ao princípio da equiparação, devendo a interpretação deste
ser efetuada de acordo com as diretrizes constitucionais.
Se é assim, o vetor imposto pela CRP é efetivamente a possibilidade de excecionar
direitos a estrangeiros, desde que a nacionalidade não seja determinante para a existência desses
direitos.
NEGÓCIOS JURÍDICOS
De acordo com o art. 35º CC não é possível retirar qualquer conexão especial, na
medida em que este preceito refre que “a perfeição, interpretação e integração da declaração
negocial são reguladas pela lei aplicável à substância do negócio, a qual é igualmente
aplicável à falta e vícios da vontade”.
A matéria da capacidade encontra-se incluída no Regulamento Roma I e no
Regulamento das Sucessões.
Quanto à capacidade nupcial, o art. 49º CC determina que “é regulada, em relação a
cada nubente, pela respetiva lei pessoal, à qual compete ainda definir o regime da falta e dos
vícios da vontade dos contraentes”.
77
alterativa entre a lei que vigora para a forma e a lei que vigora para a substância, excefto s al ie
da substancia não exogor uma forma especialmente prevista para regular o NJ.
O nº2 tem uma devolução autónoma em prol do princípio do favor negotii. Considera
verificada a validade formal quando a lei da forma apesar de não reconhecer a aquela validade,
remeter para um OJ que considera o nego cio válido.
Art. 65º e para a remissão necessária para o art. 2223º CC excecioanm o art. 36º CC.
Bem como o art. 51º CC. Cede perante as normas especiais do CC e perante o RRI.
Caso Prático 10
A e B são filha e pai, ela brasileira e ele português. Viajavam num veleiro, desde o
porto de Roterdão com direção a Lisboa mas, após vários dias incontactáveis, acabaram por se
encontrar destroços do veleiro ao largo do mar territorial português onde, peritos marítimos
concluíram que foi o local onde o veleiro se afundou.
O corpo de A foi encontrado na praia do Guincho, mas B nunca mais apareceu.
A era cada com C, holandês, e viva em Roma; B era casado com D, madrasta de A,
portuguesa, e o casal vivia em Madrid.
Discute-se nos tribunais portugueses a sucessão de A e B.
78
Para além disso, em caso de dúvida, presumem que faleceu em primeiro lugar a pessoa mais
velha.
Brasileiro: nacionalidade de A;
Português: nacionalidade de B e local esperado para a chegada do veleiro; lugar
onde foram encontrados os destroços do veleiro; lugar onde foi encontrado o
corpo de A; nacionalidade de D, cônjuge de B e madrasta de A;
Holandês: local da partida do veleiro e nacionalidade de C, cônjuge de A;
Italiano: residência habitual de A e C;
Espanhol: residência habitual de B e D.
Tem-se como ponto de partida que Portugal é a lex fori, isto é, é-lhe reconhecida a
competência internacional para dirimir a relação jurídica material.
Sucessão de A:
Observando disposto no art. 62º CC, a sucessão por morte é regulada pela lei pessoal do
autor. Atendendo à conjugação dos arts. 25º e 31º, nº1 CC, por lei pessoal deve entender-se a lei
da nacionalidade do autor, pelo que o legislador estabeleceu como conexão mais próxima a
nacionalidade.
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Sendo A de nacionalidade brasileira, conclui-se que a norma de conflitos portuguesa
remete para o ordenamento jurídico brasileiro. O ordenamento jurídico brasileiro, por sua vez,
estabelece a conexão nacionalidade do cônjuge do autor da sucessão, o que permite concluir
pela existência de uma situação de reenvio.
Para que Portugal possa vir a abdicar da sua posição regra anti-devolucionista (art. 16º
CC), devem verificar-se mais dois pressupostos, a saber: existência de harmonia jurídica
internacional dos ordenamentos jurídicos em contacto com a situação conflitual; e o reenvio
configurar um meio necessário para atingir aquela.
Neste conspecto, urge atender à posição dos referidos ordenamentos jurídicos no que
tange à matéria de reenvio.
80
De acordo com a letra do nº1 do art. 17º CC, para que os seus requisitos estivessem
cumulativamente cumpridos, era necessário que o ordenamento jurídico holandês se considera-
se diretamente competente, o que não sucede no caso concreto.
No entanto, tendo como ratio o princípio da harmonia jurídica internacional, o Prof.
Ferrer Correia admite que se faça uma interpretação extensiva desta norma e, dessa forma,
permitir uma situação de reenvio por transmissão de competências em cadeia com retorno.
Isto posto, se forem cumpridos os requisitos preceituados pelo nº2 do art. 17º CC, deve
a lei portuguesa manter a sua posição regra anti-devolucionista. Não obstante, embora estejamos
perante matéria de estatuto pessoal, o interessado (autor da sucessão – A) não reside
habitualmente em território português e, além disso, reside habitualmente em território (italiano)
que não considera competente o direito interno do Estado da sua nacionalidade (direito material
brasileiro), pois, como observado, considera competente o direito interno holandês.
Deste modo, não cumulados os requisitos exigidos pelo nº2 do art. 17º CC, Portugal
admite aceitar a situação de reenvio por força do disposto no art. 17º, nº1 CC e,
consequentemente, aplicar uma solução material holandesa.
Sucessão de B
Observando disposto no art. 62º CC, a sucessão por morte é regulada pela lei pessoal do
autor. Atendendo à conjugação dos arts. 25º e 31º, nº1 CC, por lei pessoal deve entender-se a lei
da nacionalidade do autor, pelo que o legislador estabeleceu como conexão mais próxima a
nacionalidade.
Sendo A de nacionalidade portuguesa, conclui-se que a nossa norma de conflitos
portuguesa considera competente o próprio ordenamento jurídico português e, por conseguinte,
aplicar-se-á uma solução material da nossa lei.
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O primeiro momento a considerar no processo de qualificação é o momento da
interpretação do conceito-quadro. Ainda que tenhamos no nosso ordenamento jurídico um
instituto jurídico que coincide com o conceito-quadro do art. 62º CC, não podemos viciar-nos
nele para adotar uma interpretação para o referido conceito-quadro.
O legislador do Direito Internacional Privado não pretende que as interpretações do
conceito-quadro coincidam com as soluções materiais do Direito Interno Português. Cabe,
portanto, realizar a interpretação de forma autónoma, desprovida de vícios do nosso direito
material.
De acordo com a interpretação teleológico-funcional elaborada pelo Prof. Ferrer
Correia, há que descobrir qual o fim que o legislador do Direito de Conflitos teve em mente ao
estabelecer o conceito-quadro, não devendo para tal viciarmo-nos no nosso direito material.
Ainda assim, com o escopo de garantir a coerência lógica do sistema do direito civil, compete
recorre ao nosso instituto de Direito Material e encontrar o princípio que norteou o legislador ao
estabelecer o conceito-quadro.
Assim, atendendo ao regime da sucessão legal, o legislador pretendeu regular a
transmissão de direitos do de cujus que não se devam extinguir com a sua morte, para a qual o
de cujus não haja estabelecido o seu destino.
Ultrapassada a fase de interpretação do conceito-quadro, urge caminhar para a fase de
integração, a qual se divide na integração factual e na qualificação em sentido estrito.
Na interpretação factual há que ter presente os factos que se pretende tutelar e,
recorrendo ao ordenamento jurídico eleito (neste caso, o holandês), importar as normas ou
institutos do seu direito material que permitam solucionar a relação material controvertida.
De seguida, de modo a poder integrar tais normas no conceito-quadro da norma de
conflitos utilizada, há que interpretar as normas do direito material estrangeiro, nos termos do
art. 23º CC, de maneira a procurar uma coincidência entre os princípios do legislador do Direito
de Conflitos do foro e do legislador do Direito Material estrangeiro.
Perante o caso concreto, o ordenamento jurídico holandês categoriza esta problemática
como um caso de responsabilidade civil extracontratual, nos termos em que ela é concebida no
nosso ordenamento jurídico, mais concretamente no art. 483º CC.
Cabe, pois, interpretar a solução material holandesa a fim de encontrar o princípio
orientador do legislador holandês. Parece que o legislador deste ordenamento jurídico teve em
vista, ao tratar do fenómeno da responsabilidade civil extracontratual, tutelar a violação de
direitos absolutos ou tendencialmente absolutos não emergentes de relações jurídicas pré-
existentes.
Conclui-se, portanto, que não há coincidência entre os princípios norteadores do
legislador do Direito Internacional Privado e do legislador holandês.
Assim sendo, não é possível a integração.
82
O art. 62º CC foi eleito, pois a necessidade era a de regular a sucessão legal de A. Não
obstante, podemos ter de considerar outras normas de conflito respeitantes a soluções materiais
diversas daquelas que encontramos no Direito Interno Português.
Desta feita, se para o ordenamento jurídico holandês estamos perante um problema de
responsabilidade civil extracontratual, incumbe atender ao disposto no art. 45º CC. Esta norma
estabelece como conexão mais próxima o Estado onde decorreu a principal atividade causadora
do prejuízo. Tendo B morrido dentro do mar territorial português, conclui-se que a lei
portuguesa se considera competente.
Importa, pois, proceder ao processo de qualificação em relação a esta norma de
conflitos.
Ao integrar o conceito-quadro do art. 45º CC, decorre que, com o fenómeno da
responsabilidade civil extracontratual, o legislador visou tutelar a violação de direitos absolutos
ou tendencialmente absolutos não emergentes de relações jurídicas pré-existentes. Por sua vez,
o legislador interno português procurou, com o regime da sucessão legal, regular a transmissão
de direitos do de cujus que não se devam extinguir com a sua morte, para a qual o de cujus não
tenha escolhido o seu destino.
Assim, atendendo ao art. 15º CC, conclui-se que não há correspondência entre o
conceito-quadro e a solução material portuguesa.
Neste momento urge um problema de conflito negativo, pois não temos uma norma de
conflitos que eleja um ordenamento jurídico capaz de ultrapassar o criva da qualificação e, por
consequência, legitimar a sua aplicação.
A solução mais fácil passa por adaptar a norma de conflitos, a qual se caracteriza por ser
mais flexível relativamente ao direito material estrangeiro.
A referida adaptação da norma de conflitos pode provir de uma interpretação extensiva
ou de uma interpretação enunciativa, já se encontrando o conceito-quadro bastante amplo por
força da interpretação teleológico-funcional realizada aquando da qualificação.
Por via da interpretação enunciativa, interrogar-nos-emos se, por maioria de razão,
quando tratamos do fenómeno sucessório, também nos debruçamos sobre a proteção de direitos
absolutos não emergentes de relações jurídicas pré-existentes.
Por seu turno, através de uma interpretação extensiva, tendo presente a garantia da
coerência lógica do sistema, é possível interpretar no conceito-quadro a resolução da
responsabilidade civil extracontratual quando esta visa resolver o fenómeno sucessório,
considerando o critério de repartição da herança assente nos danos que sofrem os herdeiros com
a morte do de cujus?
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Em nenhuma destas interpretações é possível encontrar o princípio que norteou o
legislador, pelo que por mais que estiquemos o conceito-quadro, nunca conseguiremos chegar à
solução material.
No que tange a B não se suscita muitas dúvidas, pois o art. 62º CC remete para o
ordenamento jurídico português e, portanto, as nossas soluções internas, pelo seu conteúdo e
função (art. 15º CC), integram-se no conceito-quadro do art. 62º CC.
Isto posto, urge atender à circunstância de o corpo de B nunca ter sido encontrado, o
que suscita a necessidade de recorrer a uma situação de reenvio autónomo para resolver esta
problemática, pois se B não morreu não poderemos solucionar a sua sucessão.
O art. 26º, nº1 CC determina que “o início e o termo da personalidade jurídica são
fixados igualmente pela lei pessoal de cada indivíduo”, ou seja, estabelece como conexão a
nacionalidade do interessado, i.e., o autor da sucessão.
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Sendo B português, recorre-se ao art. 68º, nº3 CC, de acordo com o qual é possível
concluir que B se encontra morto, uma vez que além de não ter sido encontrado o seu corpo, o
seu desaparecimento deu-se “em circunstâncias que não permitem duvidar da morte dela”.
Ultrapassada a necessidade de aferir pela efetiva morte de B, urge referir que A, sendo
filho daquele, levanta-se um problema relativamente à sucessão.
Decorre do art. 68º, nº2 CC uma presunção de comoriência, ou seja, presume-se que A e
B morreram em simultâneo. Sucede, todavia, que a posição do ordenamento jurídico holandês é
distinta, o qual determina que, em caso de dúvida, deve ter-se em conta que morreu primeiro a
pessoa de idade mais avançada, ou seja, neste caso tratar-se-ia de A.
De modo a solucionar este problema, há que atender ao preceituado no art. 26º, nº2 CC,
o qual postula uma solução verdadeiramente material, de acordo com a qual,
independentemente de poderem existir situações inconciliáveis face à questão da presunção de
morte, aplica-se, em todo e qualquer caso, a presunção de comoriência emergente do já aludido
art. 68º, nº2 CC.
T – 08 de novembro de 2019
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Ao nível da União Europeia, encontra-se um regime bastante parecido ao da Common
Law, assente na regra do precedente em termos do conteúdo interpretativo.
Assim, contrariamente ao que até aqui temos efetuado, deve partir-se sempre das
decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia, o qual realiza, em virtude da regra do
precedente, a explicação do caminho interpretativo para resolver uma determinada questão.
Este processo coloca Kunqian Catherine Zhu e Man Lavette Chen contra Secretary of
State for the Home Department.
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Aqueles são nacionais chineses, i.e., nacionais de um Estado terceiro relativamente à
União Europeia. Não obstante, o filho de ambos nasceu na Irlanda, um Estado-Membro da
União Europeia.
De acordo com o critério do ius soli seguido a nível comunitário. nascendo uma criança
no seio da União Europeia, adquire a nacionalidade do respetivo Estado e a cidadania europeia,
devendo garantir-se todos os direitos relativos ao seu estatuto pessoal, inclusive o direito a ficar
no Estado-Membro e a sua possibilidade de circular livremente pelos demais.
O artigo 18.° CE e a Diretiva 90/364, relativa ao direito de residência, conferem ao
nacional de um Estado-Membro, menor, de tenra idade, abrangido por um seguro de doença
adequado e a cargo de um dos progenitores, por sua vez nacional de um Estado terceiro, cujos
recursos são suficientes para que o primeiro não se torne uma sobrecarga para as finanças
públicas do Estado-Membro de acolhimento, o direito a residir por tempo indeterminado no
território deste último Estado. Neste caso, essas mesmas disposições permitem ao progenitor
que efetivamente tem esse nacional à sua guarda residir com este último no Estado-Membro de
acolhimento.
Regulamento Roma I
Por força do Regulamento Roma I, a matéria relativa aos direitos das obrigações
presente no nosso Código Civil encontra-se derrogada, sendo a sua aplicação residualíssima.
O Regulamento Roma I versa sobre matéria relativa às obrigações contatuais,
provindo da unificação decorrente da Convenção de Roma, sobre a lei aplicável às obrigações,
de 1980.
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Este Regulamento vincula todos os Estados-Membros da União Europeia, com exceção
da Dinamarca, em matéria de contratos obrigacionais, i.e., negócios jurídicos bilaterais de fonte
obrigacional.
Para que possa ser aplicado o Regulamento Roma I, é necessário que se cumulem os
seus pressupostos:
Âmbito material: de acordo com o art. 1º, nº1, o RRI é aplicável às obrigações
contratuais em matéria civil e comercial que impliquem um conflito de lei. Não
se aplica a matérias fiscais, aduaneiras e administrativas.
O nº2 do art. 1º elenca um conjunto de alíneas que são excluídas do âmbito de
aplicação material do RRI;
88
Decorre do art. 20º RRI a regra de que está excluída qualquer situação de reenvio no
âmbito do RRI, dado que a aplicação da lei de um país designada pelo Regulamento Roma I
importa a aplicação das normas jurídicas em vigor nesse ordenamento jurídico, com exceção
das suas normas de conflito.
Conclui-se, portanto, que a regra circunscreve-se à realização de uma referência
material para a lei designada pela conexão aplicável pelo presente Regulamento. Esta
problemática assume maior relevância quando a lei designada pertença a um Estado terceiro,
i.e., um Estado que não seja Membro da União Europeia.
Tal qual se constatou da abordagem efetuada ao Código Civil, a conexão regra para
aplicar a lei que regerá o contrato será aquela escolhida pelas partes. Segundo o art. 3º, nº1
RRI, “a escolha deve ser expressa ou resultar de forma clara das disposições do contrato, ou das
circunstâncias do caso”.
Articulado o referido por via do art. 3º, nº1 RRI com o disposto no art. 20º do mesmo
diploma, importa frisar que a escolha de uma lei pelas partes deve consubstanciar-se apenas ao
seu ordenamento interno ou material, nunca devendo ser entendida como uma referência global
a essa lei.
Além disso, a parte final do art. 3º, nº1 RRI permite que as partes possam designar “a lei
aplicável à totalidade ou apenas a parte do contrato”. Admite-se, por conseguinte, um
depéçage ou splitting contratual.
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um ordenamento jurídico que não apresente qualquer conexão com a sua relação jurídica, nem
têm de a internacionalizar de forma fraudulenta.
Ainda assim, atendendo ao disposto na parte final do nº3 do art. 3º RRI, deve ter-se em
consideração que o único limite colocado pelo legislador comunitário passou por evitar que as
partes escolham um ordenamento jurídico estrangeiro no exclusivo interesse de contornar uma
norma imperativa do ordenamento jurídico de onde aquela relação jurídica tem exclusiva
conexão.
Assim, ainda que o seu negócio jurídico seja puramente interno, podem as partes
internacionalizá-lo com base na sua autonomia da vontade, mas a escolha do ordenamento
jurídico estrangeiro não pode colocar em cheque normas de caráter imperativo do ordenamento
jurídico com o qual a relação jurídica possui exclusivo contacto. Imagine-se, a título
exemplificativo, que as partes optam pelo ordenamento jurídico francês para regular o seu
contrato de compra e venda, se se tratar de um bem imóvel, devem obedecer a requisitos de
forma imperativos do ordenamento jurídico português.
90
sua incapacidade que resulte da lei de outro país se, no momento da celebração do contrato, o
outro contraente tinha conhecimento dessa incapacidade ou a desconhecia por negligência”.
Solução que visa essencialmente a proteção do comércio jurídico local,
Isto significa que o Regulamento Roma I regula a matéria da capacidade não para
determinar capacidade, mas como um limite negativo à lei que a regula.
Isto posto, é importante ter em atenção que quando tratamos do Regulamento Roma I,
estamos a tratar da escolha da lei substantiva, a qual não inclui a matéria processual ou adjetiva.
Não obstante, o art. 18º RRI estabelece um âmbito superior relativamente aquilo que é a
possibilidade de demonstração de prova ou do tipo de provas que são admissíveis.
A este propósito, o art. 18º, nº1 RRI refere que “a lei que regula a obrigação contratual,
por força do presente regulamento, aplica-se na medida em que, em matéria de obrigações
contratuais, contenha regras que estabeleçam presunções legais ou repartam o ónus da
prova”.
Depois, à luz do nº2 do referido preceito, é possível utilizar meios de prova no âmbito
da lei escolhida pelas partes e repeti-la na lei do foro, ainda que nela não se encontrem
expressamente previstos. Assim, pode aumentar-se o leque de meios de prova relativa à matéria
de obrigações contratuais.
A questão que se coloca agora prende-se a saber como se resolvem as situações em que
temos uma determinada relação jurídica que faça parte do âmbito material o RRI, mas as partes
não utilizaram a faculdade da conexão autonomia da vontade.
No âmbito das regaras gerais, funciona agora o art. 4º RRI.
O legislador comunitário elencou os contratos típicos, escolhendo uma conexão para
cada um deles (art. 4º, nº1 RRI). Por exemplo, as als. c) e d) tratam de questões relativas a
imóveis e, por isso, dando guarido ao princípio da maior proximidade, o legislador estabeleceu
como conexão a lex rei sitae.
A título de curiosidade, vislumbra-se que a conexão nacionalidade não foi estipulada
para nenhum destes contratos típicos, o que permite concluir pela tendência de, no âmbito do
Direito da União Europeia, se considerar como conexão por excelência a residência habitual,
Neste conspecto, incumbe atender ao art. 19º RRI, o qual explica o que se entende por r habitual
para efeitos do presente regulamento comunitário. O nº3 permite que se afaste da conexão mais
estreita no momento em que constata a vicissitude contratual para o momento da celebração do
negócio jurídico.
91
Posto isto, importa aferir a solução a atribuir quando o contrato não se encontra previsto
na lista do art. 4º, nº1 RRI ou quando as partes dos contratos forem abrangidas por mais do que
uma das alíneas a) a h) do nº1. Incumbe, pois, versar o nosso estudo sobre o nº2 desta norma.
A conexão estipulada no nº2 do art. 4º RRI é a residência habitual do contraente que
deve efetuar a prestação característica do contrato. Este artigo está pensado para as situações em
que haja um contrato em que uma das prestações é uma prestação pecuniária. A prestação
característica é a contraprestação da prestação pecuniária, i.e., aquela que distingue o negócio
jurídico, tornando-o único.
Assim, a conexão eleita pelo legislador comunitário no âmbito do art. 4º, nº2 RRI é a
residência habitual do contraente que deve realizar a contraprestação da prestação pecuniária.
Se, com base nos nºs 1 e 2 do art. 4º RRI, não for possível escolher a conexão, temos de
atender ao nº4 do mesmo artigo. O legislador comunitário dá mais âmbito de interpretação
àquilo que é o contrato propriamente dito, mandando escolher a conexão mais estreita com
aquele. Trata-se, portanto, de uma escolha casuística.
Impõe-se, no entanto, a ressalva do nº3 do art. 4º RRI, ou seja, é possível escolher outra
conexão para além da que resulta do nº1 ou do nº2 quando se demonstra perante as
circunstâncias do caso concreto que aquele negócio jurídico apresenta uma conexão
manifestamente mais estreita com outro ordenamento jurídico que não aquele eleito pelo nº1
ou pelo nº2.
Caso Prático 11
A e B, que são tailandeses, e vivem habitualmente em Londres onde passaram a residir
para poderem livremente assumir a sua homossexualidade.
A e B casaram em Paris e aí decidiram adotar uma criança, o que de facto veio a
suceder.
O pai de A não se conforma com a decisão do filho porque a considera um verdadeiro
pecado, apesar deste progenitor já viver há vários anos em Portugal e até já se naturalizou
português.
Perante isto, o pai de A propõe nos tribunais portugueses uma ação impugnando a
adoção da criança, considerando aplicada a lei tailandesa, que não reconhece o
estabelecimento da filiação adotiva a solteiros ou casais do mesmo sexo.
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a) O ordenamento jurídico inglês pratica devolução dupla e reconhece a adoção
homossexual, sendo que considera competente a lei nacional comum dos cônjuges para aferir a
sua validade;
b) O ordenamento jurídico tailandês, como referido, não reconhece esta adoção e
considera competente a lei do lugar onde foi realizado o ato jurídico de adoção. Pratica
devolução simples;
c) O ordenamento jurídico francês considera competente a nacionalidade comum dos
cônjuges adotantes e faz referência material.
Tailandês: nacionalidade de A e B;
Inglês: residência habitual de A e B;
Francês: lugar da celebração do casamento de A e B e lugar onde estes
adotaram uma criança;
Português: nacionalidade de pai de A e residência habitual do mesmo.
Tem-se como ponto de partida que Portugal é a lex fori, isto é, é-lhe reconhecida a
competência internacional para dirimir a relação jurídica material.
Observando o disposto no art. 60º, nº2, 1ª parte CC, este distingue os casais, fazendo
apenas menção à adoção efetuada por marido e mulher. Não obstante, deve proceder-se a uma
interpretação atualista da norma, abarcando dessa forma a possibilidade de a adoção ser
efetuada por casais, sejam eles homossexuais ou não.
Assim, do art. 60º, nº2 CC tem-se que a conexão eleita pelo legislador do Direito
Internacional Privado é a nacionalidade comum do casal, pelo que se faz remissão, no caso
concreto, para o ordenamento jurídico tailandês.
O ordenamento jurídico tailandês considera competente a lei do lugar onde foi realizado
o ato jurídico da adoção, ou seja, remete a questão para o ordenamento jurídico francês.
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Vislumbra-se, portanto, uma situação de reenvio, dado que a lei designada pela norma de
conflitos portuguesa não se considera competente, remetendo para outra lei.
Havendo reenvio, verifica-se o primeiro pressuposto para que o ordenamento jurídico
português possa abdicar da sua posição regra anti-devolucionista, consagrada no art. 16º CC.
Para que tal suceda, é necessário que se verifiquem outros dois pressupostos, i.e., que haja
harmonia jurídica internacional entre os ordenamentos jurídicos em contacto com a situação
conflitual e que o reenvio seja condição necessária para que essa harmonia seja atingida.
A este propósito cabe atender à posição de cada um desses ordenamentos jurídicos em
relação à matéria de reenvio.
O ordenamento jurídico tailandês, ao praticar devolução simples, realiza uma referência
global à lei francesa (atende ao seu direito interno, bem como ao seu sistema de conflitos), mas,
uma eventual remissão efetuada por esta lei é entendia como uma referência material (atenderá
apenas ao direito interno da lei designada).
O ordenamento jurídico francês considera competente a lei da nacionalidade comum
dos cônjuges, pelo que remete para a lei tailandesa. Ao assumir uma posição anti-
devolucionista, realiza uma referência material ao ordenamento jurídico tailandês.
94
jurídico estrangeiro, pois do art. 15º CC sobressai a expressão que diz que só se consideram
competentes normas que estiverem de acordo com o conceito-quadro.
Quando chamamos o ordenamento jurídico, só podemos aplicar normas de direito
material que regulem a situação controvertida e essas devem integrar o conceito-quadro da
norma de conflitos, ou seja, devem passar pelo crivo da qualificação em sentido estrito
O art. 60º, nº2 CC tem como conceito-quadro a filiação adotiva.
A filiação adotiva dá-nos, desde logo, o instituto do direito material português que
aplicaríamos no caso concreto.
Ainda que partindo da solução material portuguesa, o legislador do DIP pretende uma
interpretação autónoma, exclusivamente de acordo com a lex formalis fori, de modo a que
outras soluções de direito material estrangeiro se possam subsumir no nosso conceito-quadro.
Para isso é necessário arranjar um mínimo denominador comum entre o nosso conceito-quadro
e a solução de direito material estrangeiro.
Urge, pois, realizar uma interpretação não literal do conceito-quadro, mas uma
interpretação considerando o elemento teleológico ou funcional do mesmo. Portanto, quando o
legislador do DIP fala em filiação adotiva, ainda que partindo daquilo para nós é o
estabelecimento da filiação adotiva, temos de estabelecer qual foi o princípio norteador que o
legislador do Direito dos Conflitos terá considerado.
No caso concreto, o legislador ao estabelecer a filiação adotiva enquanto conceito-
quadro visa regular todos os atos jurídicos que permitam estabelecer relações de parentesco no
primeiro grau da linha reta, relativamente às quais não exista ascendência biológica – como são
os casos da declaração de maternidade e da perfilhação.
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Assim, face ao que foi referido, passado o processo da qualificação, conclui-se pela
aplicabilidade deste direito material estrangeiro.
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já tem, nomeadamente pais, eventualmente uma nova nacionalidade, se fosse no âmbito da
União Europeia a residência habitual que já tinha e permissão para circular livremente dentro do
espaço europeu, ela própria seria elegível á cidadania do Estado-Membro da residência habitual.
Assim, ainda que nós nunca reconhecêssemos a adoção por este casal, estaríamos a retirar todos
os elementos do estatuto pessoal que a criança já tem.
Assim, temos um efeito adverso relativamente a um terceiro, i.e., a criança.
Urge, pois, procurar no ordenamento jurídico tailandês uma solução material que não
ofendesse a nossa ordem pública, o que não era possível pois aquele não admitira qualquer tipo
de adoção neste caso. E, na falta de solução, aplicar-lhe-íamos a solução material do
ordenamento jurídico português, reconhecendo, sem qualquer tipo de entrave, esta filiação
adotiva.
T – 13 de novembro de 2019
REGRAS ESPECIAIS
97
Se não for possível resolver pelas regras especiais, deve atender-se à regra geral da
autonomia da vontade (art. 3º RRI) e à regra geral supletiva relativamente à escolha de lei no
caso de as partes não escolherem a lei aplicável à situação em concreto (art. 4º RRI).
Decorre do art. 5º, nº1 RRI o contrato de transporte de mercadorias, ao passo que o nº2
do presente artigo versa sobre o contrato de transporte de pessoas.
É necessário realizar uma remissão do art. 5º, nº2 RRI para o art. 6º, nº4, al. b) do
mesmo Regulamento, em que temos também um contrato de transporte, mas são os típicos
contratos de transporte de turistas, aos quais é expressamente aplicável uma Diretiva
comunitária, i.e., a Diretiva 90/314/CE do Conselho, de 13 de janeiro de 1990, relativa às
viagens organizadas, férias organizadas e circuitos organizados.
Da leitura do art. 5º, nº1 RRI vigora, em primeira linha, o princípio da autonomia da
vontade – “Se a lei aplicável a um contrato de transporte de mercadorias não tiver sido
escolhida nos termos do artigo 3º”.
Na eventualidade de não ter sido escolhida a lei, deve atender-se à ordem subsidiária
constante da 2ª parte do art. 5º, nº1 RRI:
“a lei do país em que o transportador tem a sua residência habitual, desde que o
local da receção ou da entrega ou a residência habitual do expedidor se situem
igualmente nesse país”;
“Caso esses requisitos não estejam cumpridos, é aplicável a lei do país em que
se situa o local da entrega tal como acordado pelas partes”. Assim, altera-se a
conexão dos sujeitos para o objeto do contrato.
Tal como emerge da primeira parte do nº2 do art. 5º RRI, funciona a autonomia da
vontade, a qual é, neste tipo de contratos, limitada a algumas leis, i.e., aquelas contidas no
parágrafo segundo: “As partes podem escolher como lei aplicável ao contrato de transporte de
passageiros, nos termos do artigo 3º, exclusivamente a lei do país em que:
98
b) O transportador tem a sua residência habitual; ou
c) O transportador tem a sua administração central; ou
d) Se situa o local da partida; ou
e) Se situa o local do destino.
Se as partes não escolherem a lei aplicável, o nº2 do art. 5º RRI consagra conexões
sucessivas:
“a lei aplicável a estes contratos é a lei do país em que o passageiro tem a sua
residência habitual, desde que o local da partida ou de destino se situe nesse
país”;
“Caso estes requisitos não estejam cumpridos, é aplicável a lei do país em que o
transportador tem a sua residência habitual”.
O legislador usou a mesma técnica do art. 4º, nº3 RRI no art. 5º, nº3 do mesmo
Regulamento, pois é admissível que se demonstre que nas conexões supletivas o intérprete
consiga identificar uma conexão manifestamente mais estreita, a qual será aplicável ao invés
da conexão estreita que foi supletivamente eleita.
Este contrato só é aplicável se não for possível subsumir um contrato de consumo como
sendo um cotrato de transporte ou como sendo um contrato de seguro.
O art. 6º RRI consagra todos os consumidores, exceto os contratos dos consumidores
que sejam eles próprios um contrato de transporte ou um contrato de seguro, pois face a esses
aplicar-se-ão as regras específicas dos arts. 5º e 7º, ambos do RRI, respetivamente.
O art. 6º, nº1 RRI caracteriza os contratos de consumo, os quais têm de ter um
consumidor, i.e., uma pessoa singular que celebre o contrato para uma finalidade estranha à sua
atividade comercial ou profissional, e um profissional, ou seja, a pessoa que celebra o negócio
no âmbito da sua atividade comercial ou profissional.
Quando estivermos diante de um contrato de consumo, o art. 6º, nº2 RRI determina
como conexão regra a autonomia da vontade – “Sem prejuízo do disposto no nº1, as partes
podem escolher a lei aplicável a um contrato que observe os requisitos do nº1, nps termos do
artigo 3º”.
Não obstante, o nº2 do art. 6º RRI consagra o primeiro elemento corretivo à escolha da
autonomia da vontade, na medida em que a escolha dele não pode limitar a proteção que o
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consumidor (parte mais fraca deste contrato) teria se não tivesse escolhida aquela lei e lhe fosse
aplicável a lei supletiva do nº1 do art. 6º RRI, ou seja, a lei da residência habitual do
consumidor, desde que:
P – 14 de novembro de 2019
Caso Prático 12
100
b) A mesma solução conflitual é adotada pelo ordenamento jurídico irlandês, ainda
que, quando à solução material, a mesma corresponda àquela que já foi mencionada.
Irlandês: nacionalidade de A;
Espanhol: nacionalidade de B e residência habitual do casal;
Português: lugar da prática do facto lesivo.
Tem-se como ponto de partida que Portugal é a lex fori, isto é, é-lhe reconhecida a
competência internacional para dirimir a relação jurídica material.
Conjugando o art. 27º CC com os arts. 25º e 31º, nº1, ambos daquele diploma, emerge
que em matéria de direitos de personalidade o legislador do Direito de Conflitos estabeleceu
como conexão a nacionalidade do indivíduo.
Assim, tendo em consideração que A é irlandês, por via da qual norma de conflitos
remete-se para o ordenamento jurídico irlandês. Por seu turno, a lei irlandesa considera
competente a lei da residência habitual do lesado, ou seja, remete para o ordenamento jurídico
espanhol.
Vislumbra-se, desta forma, uma situação de reenvio, dado que a lei designada pela
norma de conflitos portuguesa não se considera competente, remetendo essa competência para
outro ordenamento jurídico. O reenvio figura como o primeiro pressuposto para que Portugal
possa vir a abdicar da sua posição regra anti-devolucionista (art. 16º CC), sendo ainda
necessário que haja harmonia jurídica internacional entre os ordenamentos jurídicos em
contacto com a situação conflitual e que o reenvio seja um meio necessário a alcançá-la.
101
Tem-se, portanto, o seguinte esquema de reenvio:
102
Para isso é necessário arranjar um mínimo denominador comum entre o nosso conceito-quadro
e a solução de direito material estrangeiro.
Urge, pois, realizar uma interpretação não literal do conceito-quadro, mas uma
interpretação considerando o elemento teleológico-funcional do mesmo. Portanto, quando o
legislador do DIP fala em posições jurídicas ativas inerentes à qualidade de pessoas, ainda que
partindo daquilo para nós são as posições jurídicas ativas inerentes às pessoas, temos de
estabelecer qual foi o princípio norteador que o legislador do Direito dos Conflitos terá
considerado.
No caso concreto, o legislador ao estabelecer as posições jurídicas ativas inerentes à
qualidade de pessoas enquanto conceito-quadro visa regular a sua tutela especial, no âmbito dos
arts. 70º e ss. CC (contrariamente à tutela geral destas posições jurídicas, consagrada pelo
instituto da responsabilidade civil extracontratual (arts. 483º e ss. CC)).
Decorre do art. 45º, nº1 CC que a conexão mais próxima nas situações de
responsabilidade civil extracontratual é o lugar onde decorreu a principal atividade causadora do
prejuízo, i.e., o lugar onde se verificou o facto ilícito.
103
Isto permite concluir que o ordenamento jurídico português se considera competente:
L1(português) L1(português)
L1(português)
Assim, estamos perante um concurso meramente aparente, pois ainda que haja apenas
uma relação material controvertida, há duas normas de conflito que versam sobre maérias
diferentes.
Deste modo, aplicar-se-ia a conexão do art. 27º, nº1 CC, ressarcindo-se a violação
destes direitos que deem origem a danos pessoais e patrimoniais na esfera jurídica de A e, por
consequência, uma solução material do ordenamento jurídico espanhol semelhante àquela
prevista nos arts. 70º e ss. CC.
OT – 14 de novembro de 2019
Caso Prático 13
104
A, austríaco, judeu, reside habitualmente em Paris e durante umas férias em Portugal
encontrou diversas referências a judeus que fugiram para o nosso país durante a Segunda
Guerra Mundial.
Impressionado com a herança judaica e recordando as histórias da mãe sobre a
família com quem haviam pedido o contacto durante aquela Guerra, decidiu, em Portugal,
difundir o seguinte: “Dá-se recompensa de €200.000,00 a quem prestar informações sobre o
paradeiro de membros da família de A que aquele anúncio descrevia detalhadamente”.
B, português, identificou um parente de A, dando-lhe informações conforme constava
do anúncio, tendo este localizado a pessoa visada, mas que havia falecido dias antes.
B arroga-se titular do direito à recompensa, mas A considera que em virtude do
falecimento nada tem que pagar.
Desta aforma, B propõe nos tribunais portugueses uma ação para que lhe seja
reconhecido o direito àquele pagamento.
Austríaco: nacionalidade de A;
Francês: residência habitual de A;
Português: lugar da celebração da promessa pública e nacionalidade de B.
Tem-se como ponto de partida que Portugal é a lex fori, isto é, é-lhe reconhecida a
competência internacional para dirimir a relação jurídica material.
Estando perante matéria de estatuto obrigacional, a regra é de que se recorra ao
Regulamento Roma I, na medida em que o Código Civil encontra-se praticamente derrogado
105
por aquele em matéria de obrigações, só a ele devendo voltar se não for possível aplicar o
referido Regulamento Comunitário.
Em primeiro lugar, há que aferir se é cumprido o âmbito temporal do Regulamento
Roma I, o qual é aplicável se o contrato foi celebrado após o dia 17 de dezembro de 2009, tal
como decorre do art, 28º RRI, admitindo, no caso concreto, que a questão é contemporânea do
Regulamento.
Isto posto, no que ao âmbito espacial diz respeito, nos termos do art. 2º RRI estamos
vinculados, enquanto Estado-Membro, ao Regulamento, aplicando-o independentemente do
ordenamento jurídico que vier a ser chamado.
Por fim, relativamente ao âmbito material, o art. 1º RRI consagra o conceito-quadro em
sentido amplo do Regulamento Roma I, o qual se aplica às obrigações contratuais em matéria
civil e comercial internacionais (ainda que exclusivamente por vontade das partes). Excluídas
estão as matérias fiscais, aduaneiras e administrativas, bem como todos os contratos previstos
no art. 1º, nº2 RRI.
Perante o caso concreto temos uma matéria civil, importando aferir da aplicabilidade do
Regulamento Roma I. Ainda que estejamos perante uma matéria de natureza civil, na medida
em que a promessa pública consubstancia um negócio jurídico unilateral e não um contrato.
A questão não é clara, sobretudo porque o RRI está pensado essencialmente para as
“obrigações contratuais” (às quais se opõem as obrigações extracontratuais), pelo que o âmbito
relativo aos negócios jurídicos unilaterais dá ideia que esteja no âmbito da responsabilidade
extracontratual.
Aquilo que se tem entendido é que aos negócios jurídicos unilaterais, ainda que não
estejam literalmente no art. 1º RRI, face à decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia no
caso Engler (que já vem desde a Convenção de Roma sobre as obrigações contratuais), também
se deve aplicar o RRI.
Não há razão para alterar a posição do Tribunal conforme a qual ele já se comprometeu
relativamente à Convenção de Roma. Assim, a interpretação do conceito-quadro do RRI, de
acordo com o Direito da União Europeia, leva a crer que RRI regularam-se as obrigações
voluntárias, ao passo que as demais, i.e., as obrigações que nascem na esfera jurídica de alguém
independentemente da sua vontade, serão reguladas pelo Regulamento Roma II.
Deste modo, perante a situação prática enunciada, deve entender-se que a promessa
pública, i.e., um negócio jurídico unilateral que se insere no RRI, pois cria uma obrigação a que
o A se consegue colocar voluntariamente adstrito, independentemente da contradeclaração da
contraparte.
Isto posto, este negócio jurídico unilateral não se subsume em nenhum dos contratos em
especial do RRI, pelo que excluem as regras especiais, aplicando-se-lhe as regras gerais,
devendo interpretar-se o art. 3º RRI relativamente à única parte existente neste negócio jurídico.
106
Neste caso, emergia a autonomia da vontade de A no momento em que fosse expedida a
promessa pública decidir qual era a lei a que ela estaria vinculada, o que não consta do caso
concreto. Assim, deve aplicar-se a regra geral supletiva (art. 4º RRI).
Não é possível estar perante nenhuma das situações enumeradas no art. 4º, nº1 RRI, pois
este está pensado para negócios jurídicos bilaterais. O nº2 do mesmo preceito também não é
possível ser aplicado, pois pressupõe duas declarações negociais, duas prestações e a prestação
não pecuniária que seria a prestação característica do contrato para fixar a lei aplicável.
Assim, a única hipótese é aplicar o art. 4º, nº4 RRI, de acordo com o qual tem de e
eleger a conexão mais estreita, não tendo elementos suficientes para concluir no caso concreto.
Neste caos temos o enfoque na conexão mais estreita com o objeto imediato desta
obrigação, nomeadamente o cumprimento da obrigação a que se vinculou.
Se não fosse possível, tenderia a colocar-nos próximo do lugar da celebração do facto
jurídico e, aí sim, seria aplicável o direito material português.
T – 15 de novembro de 2019
107
do que está consagrado no art. 2º, al. d) (depende do tipo de seguro, depende do
tipo de contrato que a ele está subjacente, estabelecendo diferentes conexões);
Contratos de seguro de vida: a Diretiva 2002/83/CE do Parlamento Europeu e
do Conselho, de 5 de novembro de 2002, relativa aos seguros de vida.
De acordo com o art. 7º, nº2 RRI, estando perante um contrato de grande risco, vigora o
princípio da autonomia da vontade, nos termos do art. 3º RRI e a conexão supletiva é a
residência habitual do consumidor, a menos que se demonstre no caso concreto a existência de
uma conexão manifestamente mais estreita (art. 4º, nº3 RRI).
Por sua vez, quanto a contratos de risco, vigora também a autonomia da vontade (art.
3º RRI), sendo que as regras supletivas estão previstas no art. 7º, nº3 RRI, só podendo as partes
escolher uma destas leis (tal qual acontece no art 5º, nº2, §2 RRI). A novidade reside que, se
alei escolhida fora a lei prevista nas als. a), b) ou c) do nº3 do art. 7º RRI, se sistema conflitual
destes Estados-Membros tiver uma amplitude maior no que tange à escolha dele, as partes
podem optar pela conexão da lei do Estado-Membro para usar a autonomia da vontade no
sentido de a ampliar. Isto encontra-se previsto no §2 do nº3 do art. 7º RRI.
O RRI limita a escolha de lei às leis previstas no art. 7º, nº3 RRI, mas se as partes
escolherem uma das constantes das als. a), b) ou e), se no sistema conflitual local a autonomia
da vontade for maior do que aquela resultante do Regulamento, se as partes o invocarem
expressamente, podem usar uma autonomia da vontade mais amplo do que aquele conferido
pelo Regulamento Comunitário.
Isto posto, é possível afastar a aplicabilidade dos nºs 2 e 3 do art. 7º RRI sempre que em
conflito estejam um Estado-membro que obriga à subscrição de um contrato de seguro
obrigatório e o Estado-Membro onde o risco se verifica.
Nesse caso, aplica-se a lei do Estado-Membro que impõe a obrigatoriedade da
constituição do seguro (art 7º, nº4 RRI).
Por fim, no art. 7º, nº5 RRI o legislador estabeleceu a técnica de depéçage, pois se
estivermos perante um seguro por riscos em mais do que um Estado-Membro, realizar-se-á um
depéçage ou splitting relativamente a cada parte de cada risco, ou seja, considera-se um contrato
108
diferente para cada risco em cada um dos Estados-Membros, sendo aplicada a correspondente
lei.
O art. 8º RRI prevê os contratos individuais de trabalho, os quais têm grande margem
de aplicação do Regulamento Roma I.
A 1ª parte do art. 8º, nº1 RI estabelece a vigência da autonomia da vontade (art. 3º
RRI).
Uma vez mais, o legislador usou o referido sistema de proteção da parte mais débil, pois
as partes tenham a possibilidade de escolherem a lei aplicável ao seu contrato de trabalho, desde
que o nível de proteção fornecido pela conexão supletiva não seja afastado, i.e., as normas
imperativas do Estado da conexão supletiva (art. 8º, nº1, 2ª parte RRI).
São conexões supletivas, nos termos do nº2 do art. 8ª RRI, o local da execução do
trabalho efetivo ou onde o trabalhador habitualmente presta o seu trabalho ou, na
impossibilidade daquela, altera-se a conexão para a lei do lugar do estabelecimento estável que
contratou o trabalhador. Nada implique que, a falta de escolhe de lei, se demonstre a existência
de uma conexão manifestamente mais estreita com outra lei.
Outras disposições:
No RRI, o art. 21º trata da ordem pública internacional do Estado do foro, apresentado
uma configuração semelhante àquela prevista no nosso Código Civil.
O art. 21º RRI, todavia, não diz qual é a solução a aplicar ao caso concreto, entendendo-
se que é usado o princípio do mínimo dano, ou seja, tentar-se-á aplica o direito material
estrangeiro até ao limite em que ela não ofenda a nossa ordem pública internacional do Estado
do foro e, no limite, se não for possível, aplicar-se-á o direito material português.
109
De acordo com o art. 9º, nº1 RRI, as normas de aplicação imediata são “disposições
cujo respeito é considerado fundamental por um país para a salvaguarda do interesse público,
designadamente a sua organização política, social ou económica, ao ponto de exigira a sua
aplicação em qualquer situação abrangida pelo seu âmbito de aplicação, independentemente da
lei que de outro modo seria aplicável ao contrato, por força do presente regulamento”.
O nº2 acrescenta que “as disposições do presente regulamento não podem limitar a
aplicação das normas de aplicação imediata do país do foro”, concluindo o nº3 do mesmo
preceito ao referir que “pode ser dada prevalência às normas de aplicação imediata da lei do
país em que as obrigações decorrentes do contrato devam ser ou tenham sido executadas, na
medida em que, a execução do contrato seja ilegal. Para decidir se deve ser dada prevalência a
essas normas, devem ser tidos em conta a sua natureza e o seu objeto, bem como as
consequências da sua aplicação ou não aplicação”.
Um contrato de trabalho que refere que caso o trabalhador, com dolo, danifique
qualquer meio da empresa, a consequência passa pelo facto de o trabalhador poder durante
determinado hiato temporal prestar serviço sem que seja remunerado, contrato esse a ser
aplicado em Portugal.
Discutindo-se a validade desta cláusula contratual, em caus encontra-se a violação da
proibição da escravatura, o que consubstancia um problema de exceção da ordem pública
internacional do Estado português, pois a proibição da escravatura configura um princípio
norteador do nosso ordenamento jurídico.
110
O trabalhador pode ser despedido sem justa causa e sem processo disciplinar. Em
Portugal afere-se a validade do referido despedimento.
Esta situação não ofende a nossa exceção da ordem público internacional do Estado do
foro, mas há um problema, pois o nosso direito laboral assenta na ideia de que a cessação do
vínculo laboral por parte da entidade empregadora deve fundar-se na existência de justa causa
(cumprindo o princípio do contraditório) ou em todas as situações em que haja despedimentos
coletivos.
Admitir a admissibilidade de um despedimento sem justa causa consubstancia a
descaracterização da possibilidade de uma entidade empregadora fazer cessar o vínculo laboral
com o seu trabalhador.
Assim, temos uma norma de aplicação imediata.
O mesmo se diga quando uma empresa portuguesa contrata um trabalhador indiano, que
presta o serviço na Índia, oferecendo-lhe a remuneração de €50,00 mensais.
Isto coloca em causa uma norma de aplicação imediata, pois o direito laboral português
exige um mínimo de remuneração, o qual descaracteriza aquilo que é o mínimo laboral para
efeitos de prestação de trabalho para uma empresa portuguesa.
De forma distinta àquela consagrada pelo art. 20º CC, o Regulamento Roma I consagra
no art. 22º a escolha de ordenamentos plurilegislativos de base interlocal, pelo que para os
interpessoais aplicar-se-á supletivamente o preceituado no art. 20º, nº3 CC.
A solução adotada pelo RRI é diferente daquela prevista no art. 20º, nºs 1 e 2 CC, pois a
partir do momento em que se fixe a conexão para uma parte de um Estado, considera-se essa
parte como um Estado autónomo, aplicando-se diretamente a lei desse Estado.
Regulamento Roma II
111
O Regulamento Roma II versa o seu âmbito material nas obrigações extracontratuais.
Abrange tudo aquilo que não decorra da fonte contratual, o que significa que ao contrário da
técnica que temos no nosso Código Civil, em que a responsabilidade obrigacional inclui a
responsabilidade contratual, enriquecimento sem causa e gestão negócios, no âmbito
comunitário essa matéria, incluindo a responsabilidade civil pré-contratual (expressamente
excluída do RRI, nomeadamente pelo seu art. 1º, nº2, al. i)), subsumem-se ao Regulamento
Roma II.
O RRII não define expressamente o que é uma obrigação extracontratual, mas deve
entender-se por interpretação do art. 2º RRII, que no RRII se inclui todas as obrigações
extracontratuais em que o dano abrange todas as consequências decorrentes da responsabilidade
fundada em ato lícito, ilícito ou no risco, do enriquecimento sem cassa, da negotiorum gestio
(gestão de negócios) ou da culpa in contrahendo (responsabilidade pré-contratual).
Aplica-se também às obrigações extracontratuais suscetíveis de surgir, i.e.,
responsabilidade decorrente do regime contraordenacional, que prescreve uma tutela antecipada
relativa a alguns tipos de danos.
112
Tal qual acontece com o RRI, o RRII exclui o ónus da prova e a matéria da prova, com
exceção da matéria relativa à repartição do ónus da prova, assim como a possibilidade de usar
meios de prova que ainda que não existam no Estado do foro sejam suscetíveis de nele ser
produzidos.
Isto resulta do preceituado nos arts. 1º, nº3 e 22º RRII.
Contrariamente ao preceituado no nosso Código Civil, o art. 25º RRII refere que, no
âmbito dos ordenamentos jurídicos plurilegislativos, quando um Estado tem direito interlocal,
a conexão eleita pelo RRII considera cada parte territorial desse Estado complexo como um
Estado autónomo. Estes Estados não têm de utilizar o Regulamento para dirimir os conflitos
interlocais internos, utilizando, nesse caso, o próprio direito interlocal.
Relativamente aos Estados complexos de base interpessoal, aplicar-se-á supletivamente
o disposto no art. 20º, nº3 CC.
Tal como acontecia com o RRI, a eleição da conexão no âmbito do RRII implica
necessariamente uma referência material, estando expressamente proibido o reenvio (art. 24º
RRII).
Ainda que não seja o princípio regra, o RRII prevê também o princípio da autonomia
da vontade, sendo possível que às partes se reconheça a autonomia da vontade na escolha da lei
competente para regular a sua matéria relativa às obrigações extracontratuais.
O princípio da autonomia da vontade está previsto no art. 14º RRII, mas ou se trata
necessariamente de relações intersubjetivas entre profissionais, em que é possível que as partes,
no âmbito das suas relações jurídicas prevejam eventuais situações de responsabilidade
extracontratual e estabeleçam uma convenção para uma lei materialmente aplicável para essa
eventualidade, ou se não for o caso, a possibilidade de utilização da autonomia da vontade exige
que a convenção seja posterior (nunca contemporânea ou anterior) à verificação do facto lesivo.
Conclui-se, portanto, que o princípio da autonomia da vontade é meramente residual na
matéria relativa à eleição da conexão não é supletiva, sendo-o nos casos excecionais em que se
permite a utilização da autonomia da vontade.
113
Ainda assim, em qualquer um dos casos supra citados, a utilização da autonomia da
vontade não pode colocar em causa eventuais direitos de terceiros (art. 14º, nº1, § segundo
RRII).
114
De acordo com o art. 4º, nº1 RRII, a conexão eleita é aquela onde ocorre o dano,
circunstância que nos permite aproximar da matéria relativa ao conflito de competências, em
que aqui se encontre subjacente o princípio da maior proximidade no sentido da maior
efetividade na recolha de prova.
Esta é a conexão regra, a não ser os casos já referidos em que pode ser afastada em prol
do princípio da autonomia da vontade.
Se o lesante e lesado tiverem residência habitual (definição no art. 23º RRII) no mesmo
país, aplicar-se-á a lei da residência habitual em detrimento da lei onde ocorrer o dano (art. 4º,
nº2 RRII).
Tal qual acontece com o RRI, é possível que as partes afastem a conexão indicada à luz
dos nºs 1 e 2 do art. 4º RRII, sempre que for demonstrado que há outra conexão
manifestamente mais estreita com aquela relação jurídica (art. 4º, nº3 RRII).
115
O legislador comunitário parte sempre de conexões cumulativas, sendo o art. 5º RRII
algo complexo por isso mesmo.
Tendo em conta que, em princípio, o lesado é aquele que deve ter um ónus menor
relativamente a desencadear a responsabilidade por parte do agente, o legislador estabelece
como primeiro elemento de conexão a lei da residência habitual do lesado. Mas, conforme
referido, acrescenta uma conexão cumulativa, ou seja, será dado ênfase ao princípio da proteção
do lesado se tiver a mesma residência habitual do lesante, tal como emerge dos arts. 4º, nº2 e
5º, nº1, ambos do RRII.
Se assim não suceder – se o lesante e lesado não tiverem a mesma residência habitual –,
o legislador vai alterando o enfoque que norteia a escolha da conexão. Nesse conspecto, será
competente a lei da residência habitual do lesado, desde que o produto tiver sido
comercializado no país da sua residência habitual (art. 5º, nº1, al. a) RRII).
Se assim não for, importa atender à conexão subsequente, também ela cumulativa, isto
é, a da al. b) do nº1 do art. 5º do RRII, de acordo com o qual se elege como conexão o lugar
onde o produto tenha sido adquirido, se o produto tiver sido comercializado nesse país.
Por fim, nos termos do art. 5º, nº1, al. c) RRII, será competente a lei do lugar onde
ocorreu o dano, se produto tiver sido comercializado nesse país.
O enfoque que o legislador faz a estas conexões cumulativas tem em consideração, para
o s produtos defeituosos, o facto de dar à escolha da lei a previsibilidade relativamente à
aplicação, ou seja, em todas as situações, a primeira conexão varia, mas a segunda não, tendo-se
como denominador comum a circunstância de o produto ter de ser comercializado no país da lei
eleita por cada uma das primeiras conexões.
Se não for possível determinar a conexão nos moldes referidos, a regra supletiva geral
estabelece como conexão o lugar onde o dano se produz, desde que o produto seja
comercializado nesse local (art. 5º, nº1, al. c) RRII ou art. 4º, nº1 RRII).
O legislador claramente quis estabelecer uma conformação etre vários princípios com
interesses diferentes, sendo que o principal foi atribuir o caráter de previsibilidade exigido, ou
116
seja, as conexões cumulativas têm como denominador comum o lugar onde é comercializado o
produto. A partir, vai variando consoante a hierarquia que dá aos outros princípios que aqui
estão em consideração.
Esta conexão resulta de uma tradição norte-americana, i.e., a ideia da conexão most
closest connection, harmonizando-a com o princípio da previsibilidade.
117
Se estiver em causa a afetação ou for suscetível de ser afetado o mercado de mais do
que um país, o legislador optou por uma conjugação entre a lei do foro e a lei material, ou seja,
os efeitos devem produzir-se em mais do que um país e, além disso, se a pessoa que requer a
reparação do dano propuser a ação no tribunal do domicílio do demandado, pode optar pela lei
do foro, isto é, pela lei do tribunal formalmente competente, desde que este tribunal competente
seja de um país afetado ou suscetível de ser afetado pelos efeitos do ato de concorrência.
Mantém-se, portanto, a preocupação com a previsibilidade.
Isto resulta da leitura da al. b) do nº3 do art. 6º do RRII.
Isto posto, o art. 6º, nº3, al. b) RRII refere ainda que se houver litisconsórcio ou
coligação passiva, o autor só pode optar pela lex fori (lei do tribunal competente) se nesse
Estado se tiverem verificado danos ou sejam suscetíveis de se verificar.
O legislador pretendeu aproximar a lex materialis fori da lex formallis fori, dando
origem a uma conformação entre o tribunal competente e a lei que esse tribunal aplica relativa à
lei desse país – coincidência forum-iuris.
Neste caso também se afasta a possibilidade de acordo entre as partes para a escolha de
uma conexão distinta, sobretudo porque em causa encontra-se a proteção de direitos coletivos e
de natureza pública. Isto decorre do art. 6º, nº4 RRII.
Decorre do art. 7º RRII que a regra a aplicar é a que resulta do preceituado no nº1 do
art. 4º do RRII, no âmbito do qual apenas se pode trazer para a matéria dos ambientais a
conexão lex loci damni, isto é, o lugar onde ocorre o dano.
Não obstante, o autor ou requerente pode escolher como conexão o lugar da prática do
facto que deu origem ao dano, tal como dispõe o art. 7º RRII. O legislador aproxima-se do
critério tradicional, considerando que se o lesado escolhe a lei do lugar onde foi praticado o
facto que deu origem aos danos, é porque ser-lhe-á mais favorável essa lei.
118
com caráter unitário, a conexão passa para o lugar em que a violação tenha sido cometida (art.
8º, nº2 RRII), a não ser que haja legislação comunitária especial relativamente a esta matéria.
O art. 8º, nº3 RRII também afasta qualquer tipo de possibilidade de as partes chegarem
a acordo quanto à escolha de outra qualquer conexão (art. 14º RRII), uma vez que emerge o
caráter de interesse pública na matéria de direitos de propriedade intelectual.
119
(ainda que a lei possa ser escolhida no âmbito do Regulamento Roma I). Assim o diz o art. 11º,
nº1 RRII.
Se não houver e se as partes tiverem residência habitual comum, é aplicável a lei da
residência habitual (art. 11º, nº2 RRII).
Se não for possível determinar a conexão aplicável com base nos referidos preceitos,
deve atender-se ao nº3 do art. 11º RRII, segundo o qual é aplicável a lei onde tenha sido
praticado o ato, ou seja, a gestão de negócios.
Não obstante a possibilidade de as partes optarem por uma conexão manifestamente
mais estreita do que aquelas que resultam da regra geral (art. 11º, nº4 RRII).
Caso a conexão não posa ser determinada nesse conspecto, o RRII apresenta conexões
supletivas, mandando atender ao lugar onde ocorrem os danos (art. 12º, nº2, al. a) RRII); à
residência habitual comum das partes (art. 12º, nº2, al. b) RRII); e à possibilidade de se poder
aplicar uma conexão manifestamente mais estreita ao caso concreto (art. 12º, nº2, al. c) RRII).
P – 25 de novembro de 2019
T – 27 de novembro de 2019
Caso Prático 14
120
transferida para garantia de um contrato causal de fornecimento de bens, em que o pagamento
do preço é efetuado a 90 dias.
Uma vez que o ordenamento jurídico português não reconhece o contrato de compra e
venda fiduciário, Manuel e Joaquim decidiram celebrar o negócio nos EUA, por forma a
aplicarem o direito material norte-americano, que escolheram para regular este contrato.
Nos termos do negócio jurídico, as partes escolhem então o direito material norte-
americano para resolver qualquer questão emergente deste negócio jurídico.
Imagine-se que se discute nos tribunais portugueses a validade substancial deste
negócio, uma vez que o vendedor o impugna, considerando que no caso concreto uma vez que o
imóvel se situa em Portugal, se aplica o ordenamento jurídico português e este não reconhece a
compra e venda como um negócio de garantia para o outro negócio causal.
Tem-se como ponto de partida que Portugal é a lex fori, isto é, é-lhe reconhecida a
competência internacional para dirimir a relação jurídica material, urge atender ao nosso sistema
de conflitos.
Do caso concreto enunciado, vislumbra-se um problema relativo à validade substancial
do negócio jurídico e outro inerente à questão da propriedade de um bem imóvel. Deste modo,
emerge o recurso a duas normas de conflitos, mais concretamente aqueles constantes dos arts.
41º e 46º, ambos do CC.
Artigo 41º CC
121
De acordo com o art. 41º, nº1 CC, emerge como conexão a autonomia da vontade das
partes, o que aconteceu no caso concreto, dado que as partes escolheram um negócio jurídico
típico do ordenamento jurídico norte-americano, tendo-o celebrado nesse mesmo Estado.
Não havendo qualquer informação em contrário, deve compreender-se que as partes
realizam uma referência material ao referido ordenamento jurídico e, por conseguinte, aplicar-
se-á ao referido contrato uma solução material norte-americana.
Importa, pois, proceder ao processo de qualificação.
Em primeiro lugar, deve interpretar-se o conceito-quadro do art. 41º, nº1 CC, i.e., todas
aquelas situações jurídicas que o legislador considerou para eleger a conexão de determinada
norma de conflitos e só para essas é que é possível legitimar a aplicação da solução do
ordenamento jurídico estrangeiro, pois do art. 15º CC sobressai a expressão que diz que só se
consideram competentes normas que estiverem de acordo com o conceito-quadro.
Quando chamamos o ordenamento jurídico, só podemos aplicar normas de direito
material que regulem a situação controvertida e essas devem integrar o conceito-quadro da
norma de conflitos, ou seja, devem passar pelo crivo da qualificação em sentido estrito
O art. 41º, nº1 CC tem como conceito-quadro as obrigações provenientes de negócios
jurídicos e a validade substancial do mesmo.
Ainda que partindo da solução material portuguesa, o legislador do DIP pretende uma
interpretação autónoma, exclusivamente de acordo com a lex formalis fori, de modo a que
outras soluções de direito material estrangeiro se possam subsumir no nosso conceito-quadro.
Para isso é necessário arranjar um mínimo denominador comum entre o nosso conceito-quadro
e a solução de direito material estrangeiro.
Urge, pois, realizar uma interpretação não literal do conceito-quadro, mas uma
interpretação considerando o elemento teleológico-funcional do mesmo. Portanto, quando o
legislador do DIP fala em obrigações provenientes de negócios jurídicos e a validade
substancial do mesmo, ainda que partindo daquilo para nós são as obrigações provenientes de
negócios jurídicos e a validade substancial do mesmo, temos de estabelecer qual foi o princípio
norteador que o legislador do Direito dos Conflitos terá considerado.
No caso concreto, resulta que o princípio do legislador do Direito de Conflitos se prende
aos efeitos obrigacionais e à validade intrínseca de negócios jurídicos.
Passando para o segundo momento da qualificação, i.e., o momento da integração,
incumbe, num primeiro momento – o momento da integração factual – trazer do ordenamento
jurídico norte-americano exclusivamente as normas de direito material capazes de resolver este
problema.
Essa norma deve ser interpretada dentro do contexto do ordenamento jurídico norte-
americano (art. 23º CC). A lei norte-americano, conforme emerge do próprio enunciado, trata
desta matéria tal como um contrato de compra e venda fiduciário.
122
Isto posto, importa subsumir o conceito-quadro e a norma de direito material trazida do
ordenamento jurídico espanhol, tendo um silogismo entre a premissa maior e a premissa menor,
i.e., só se pelo seu conteúdo e função (art. 15º CC) as normas de direito material integrarem o
conceito-quadro é que poderão ser aplicadas.
Neste conspecto, o direito material norte-americano e o conceito-quadro do art. 41º, nº1
CC visam o mesmo objetivo e, por consequência, encontra-se cumprido o momento da
qualificação em sentido estrito.
Desta maneira, face ao que foi referido, passado o processo da qualificação, conclui-se
pela aplicabilidade deste direito material norte-americano.
Artigo 46º CC
123
Decorre do art. 46º CC que o regime da propriedade é regulado pela lei do Estado em
cujo território as coisas se encontrem situadas, ou seja, a conexão eleita pelo legislador do
Direito de Conflitos foi a lex rei sitae.
Encontrando-se o imóvel em questão situado em Portugal, conclui-se que o
ordenamento jurídico português se considera competente, aplicando-se o seu direito material.
Perante o que até aqui vem sido referido, não se constata um efetivo conflito, pois nas
duas situações aplicar-se-á o direito material português.
Se assim não fosse, ocorreria um conflito positivo entre os arts. 41º e 46º, ambos do CC,
devendo atender-se, para tal, à circunstância de prevalecer o princípio da maior proximidade e,
consequentemente, prevaleceria o efeito real, ou seja, a conexão eleita pelo art. 46º CC..
T – 29 de novembro de 2019
DIREITOS REAIS
A matérias relativa aos direitos reais, na qual se inclui a posse, encontra-se regulada
pelos arts. 46º e ss. CC, no âmbito dos quais decorre a regra de que a mesma é regulada pela lei
do lugar da situação dos respetivos bens. Vislumbra-se uma clara prevalência do estatuto real,
o que é coerente com o art. 17º, nº3 CC, em que o princípio da maior proximidade é
prevalecente face ao da maior ligação individual.
A escolha pelo lugar da situação do bem confere à relação jurídica a vantagem de lhe
ser assegurada uma maior segurança e previsibilidade na aplicação relativamente à lei, uma vez
que o elemento de conexão é conhecido pelas partes. Além disso, dá guarido à tutela do Estado
em relação a estes direitos, os quais são absolutos ou erga omnes.
124
2. De acordo com o nº3 do art. 46º CC; a constituição ou transferência de direitos reais
sobre meios de transporte submetidos a um regime de matrícula – caso de navios e aeronaves –,
é competente a lei do país onde a matrícula tiver sido efetuada.
Sucede, porém, que em relação a navios e aeronaves civis é possível realizar-se uma
redução teleológica do referido preceito, conforme determina o Prof. Ferrer Correia,
nomeadamente quando esses meios de transporte forem preferencialmente utilizados num país
que não seja o país onde foi efetuada a sua matrícula.
Uma vez mais dá-se relevância ao direito penal, mas, desta feita, ao princípio do
pavilhão (art. 4º, al. b) CP).
O art. 47º CC consagra uma regra especial relativa à capacidade para constituir direito
reais sobre bens imóveis ou sobre a disposição dos mesmos.
Nos moldes do referido preceito é realizada uma ponderação entre o estatuto pessoal e
o estatuto real, atribuindo-se maior relevância e prevalência ao primeiro.
Não obstante a aludida prevalência do estatuto real, o art. 47º CC estabelece a conditio
de que apenas será competente a lei da situação da coisa se esta se considerar diretamente
competente. Se assim não for – mesmo que se considere competente ao abrigo de um esquema
de reenvio, i.e., de forma indireta –, prescinde-se da conexão do estatuto real – o lugar da
125
situação da coisa – para a conexão de estatuto pessoal, isto é, a lei pessoal (lei da nacionalidade
– arts. 25º e 31º, nº1, ambos do CC).
RELAÇÕES DE FAMÍLIA
O art. 49º CC versa sobre a matéria relativa à capacidade e vícios da vontade, i.e., a tudo
o que diga respeito à validade intrínseca do casamento e das convenções antenupciais.
Assim, não se encontrando ainda constituída a relação familiar (a qual ocorre com a
celebração do casamento), o legislador autonomiza a capacidade de cada um dos nubentes, à
qual é aplicável a respetiva lei pessoal (a lei da nacionalidade – arts. 25º e 31º, nº1 CC).
126
Casamento entre dois portugueses ou entre português e estrangeiro no
estrangeiro – art. 51º, nº2 CC
Nos dois casos acima referidos, deve o casamento ser precedido do processo de
publicidade respetivo, organizado pela entidade competente, nos termos do art. 1599º CC.
Assim o exige o nº3 do art. 51º CC.
Quando assim for, independentemente da forma exigida para o casamento segundo a lei
onde o mesmo é celebrado, o mesmo é havido como casamento católico, garantindo-se o
cumprimento da Concordata estabelecida entre o Estado Português e a Santa Sé.
EFEITOS DO CASAMENTO
O art. 52º CC versa o seu âmbito de aplicação sobre todos os efeitos do casamento,
sejam eles pessoais ou patrimoniais. Da redação do referido preceito é possível verificar que o
legislador utilizou um conjunto de conexões sucessivas, começando por eleger a nacionalidade
comum dos cônjuges (art. 52º, nº1 CC).
Na eventualidade de não haver nacionalidade comum, o nº2 do art. 52º CC manda
aplicar a lei da sua residência habitual comum e, na falta da mesma, “a lei do país com o qual
a vida familiar se ache mais estreitamente conexa”.
As conexões eleitas pelo legislador caracterizam-se por ser conexões móveis, na medida
em que não estabeleceu o momento em que as mesmas se devem fixar. Ainda assim, deve
interpretar-se que a conexão a aplicar é aquela que seja mais estreita no momento em que se
determinar o facto a ser analisado.
127
Em primeiro lugar elegeu a nacionalidade comum dos nubentes ao momento da
celebrada do casamento (momento determinado). Não havendo a tal nacionalidade comum, o
nº2 do art. 53º CC manda atender à lei da residência habitual comum e, se esta também
inexistir, à lei da primeira residência habitual, i.e., a lei onde ocorreu pela primeira vez a
organização da vida familiar, não podendo tratar-se de uma residência ocasional, a qual
configura um mero paradeiro.
O disposto no art. 53º, nº3 CC atribui uma muita parca autonomia da vontade, pois se
for aplicável uma lei estrageira para regular a substância e efeitos das convenções antenupciais e
dos regimes de bens e um dos nubentes residir habitualmente em território português, poderão
optar pela escolha de um dos regimes vigentes no nosso ordenamento jurídico.
Atendendo a que o art. 53º CC trata das convenções antenupciais e dos regimes de bens,
suscita-se uma eventual sobreposição dos efeitos patrimoniais, pois, tal como aludido, o art. 52º
CC versa não só sobre os efeitos pessoais, mas também sobre os efeitos patrimoniais do
casamento.
Neste conspecto, ou se conclui que o art. 52º CC faz apenas alusão aos efeitos pessoais
do casamento e que os efeitos patrimoniais se encontram no art. 53º CC, ou que este não esgota
os efeitos patrimoniais decorrentes do contrato de casamento.
Tem a doutrina entendido que o art. 52º CC trata dos efeitos que são comuns a qualquer
casamento, ao passo que o art. 53º CC versa sobre a substância e efeitos das convenções
antenupciais e dos regimes de bens que, apesar de consubstanciarem efeitos patrimoniais do
casamento, é reconhecida uma margem de liberdade contratual aos cônjuges – veja-se, por
exemplo, que podem alterar o regime de bens do regime da separação para o da comunhão de
adquiridos.
Assim, o art. 52º CC inclui os direitos e deveres dos cônjuges (dos quais se excecionam
a obrigação de alimentos, regulada pelo RRIII), a administração de bens, a restrição à
capacidade de exercício para a administração de bens, as dívidas entre os cônjuges, as dívidas
perante terceiros, i.e., tudo aquilo que é comum a qualquer casamento. Por seu turno, o art. 53º
CC abrange tudo o resto que for efeitos patrimoniais, ou seja, tudo o que verse sobre a escolha
do regime de bens.
128
O art. 54º CC consagra a possibilidade de alteração do regime de bens, modificação
essa que, em caso algum, poderá apresentar efeitos retroativos, de modo a não prejudicar
direitos de terceiros (art. 54º, nº2 CC).
Até aqui vem sendo referido que o regime de bens é regulado à luz das conexões
definidas no art. 53º CC, pelo que parece intrigante a circunstância de o art. 54º CC permitir a
alteração do regime de bens “se a tal forem autorizados pela lei competente nos termos do artigo
52º”, ou seja, realiza uma remissão para a norma que regula tudo o que é comum a qualquer
casamento.
A doutrina tem entendido que, apesar de o art. 54º CC postular um efeito decorrente da
autonomia da vontade das partes prevista no art. 53º CC, a verdade é que a possibilidade de
modificação do regime de bens é comum a qualquer contrato de casamento (todos os
casamentos, durante a sua vigência, admitem a prorrogativa de alteração do regime de bens) e,
por consequência, é de admitir a remissão para a lei competente nos termos do art. 52º CC.
T – 04 de dezembro de 2019
Entrada em vigor
129
O RRIII entrou em vigor em 30 de dezembro de 2010, mas importa ter atenção às
situações a partir das quais se aplica.
Conforme decorre do art. 21º RRIII, este Regulamento aplica-se a processos ou acordos
de escolhas de lei que sejam celebrados depois de 21 de junho de 2012., podendo aplicar-se
antes de 2012 e até à entrada em vigor a acordos de escolha de lei desde que se verifiquem
requisitos de validade substancial e formal, nos termos dos arts. 6º e 7º, ambos do RRIII.
O art. 1º, nº1 RRIII refere que “o presente regulamento é aplicável, nas situações que
envolvem um conflito de leis, ao divórcio e à separação judicial”.
Ainda assim, não se aplica às várias matérias elencadas pelo nº2 do presente artigo.
O RRIII tem como grande impacto a circunstância de para ele se estender a conexão
autonomia da vontade, podendo os cônjuges escolher a lei aplicável em matéria de divórcio e
em matéria de separação judicial (art. 5º, nº1 RRIII).
Não obstante, apenas poderão escolher uma das leis indicadas pelo Regulamento como
lei com maior ligação individual relativamente aos cônjuges (art. 5º, nº1 RRIII), a saber:
130
d) A lei do foro [determinada nos termos do Regulamento (CE) nº 2201/2003 do
Conselho, de 27 de novembro de 2003].
Segundo o art. 5º, nº2 RRIII, os cônjuges podem escolher a lei a qualquer momento,
desde que o façam antes da propositura da ação, sem prejuízo do disposto no nº3 do presente
artigo, o qual determina que “se a lei do foro assim o determinar, os cônjuges podem ainda
designar a lei aplicável perante o tribunal durante o processo”.
Quando os cônjuges fizerem uso da faculdade prevista no art. 5º, nº3 RRIII, a
“designação será registada em tribunal nos termos da lei do foro”.
O art. 6º RRIII trata da matéria relativa à validade substancial do acordo que as partes
podem celebrar para determinar a lei competente em matéria de divórcio e de separação judicial.
Independentemente de ser colocada em causa a validade substancial do acordo de
escolha de lei, aquela que determina, em princípio, a validade daquele é aquela que, caso o
acordo fosse válido, resolveria a relação material controvertida.
A única exceção a esta regra resulta do nº2 do art. 6º RRIII, de acordo com o qual o
cônjuge que invoca a validade substancial, colocando em causa um vício no que tange à sua
expressão de vontade relativamente à formulação do acordo. Neste caso, pode escolher a lei da
residência habitual no momento da propositura da ação.
O art. 7º, nº1 RRIII determina que o acordo de escolha de lei deve ser reduzido a
escrito, datado e assinado por ambos os cônjuges.
131
Postulam-se requisitos formais acrescidos, i.e., aqueles exigidos pela lei que tenha
conexão com um Estado participante. Só se atendem aos requisitos formais acrescidos para
efeitos de validade formal deste acordo se a conexão nos ligar a um Estado participante deste
Regulamento.
Os requisitos formais acrescidos serão os da lei da residência habitual à data da
celebração do acordo (art. 7º, nº2 RRIII).
Mas, se à data da celebração do acordo os cônjuges tiverem residência habitual em
Estados-Membros participantes diferentes, “o acordo é formalmente válido se cumprir os
requisitos formais por uma dessas leis” (art. 7º, nº3 RRIII).
E, por fim, se apenas um dos cônjuges tiver residência habitual num Estado-Membro
participante, dever-se-ão observar os requisitos formais desse país (art. 7º, nº4 RRIII).
132
Aplicação da lei do foro – art. 10º RRIII
No Regulamento Roma III não há reenvio, pelo que a escolha de lei por parte dos
cônjuges implica apenas uma referência material, ou seja, exclui-se a aplicação do direito
conflitual do ordenamento jurídico designado.
133
Nos casos de ordenamentos jurídicos de base interlocal, quando a conexão eleita é a
residência habitual, será a referência entendida como à residência habitual numa unidade
territorial – art. 14º, al. b) RRIII. No direito interpessoal, aplicar-se-á o direito material
especial quando as normas de conflito internas desse Estado assim o determinarem no caso
concreto, sob pena de se aplicar o direito geral.
P – 05 de dezembro de 2019
I
(Aplique apenas as normas de conflito do CC português)
Mohamed e Saïd são cidadãos iraquianos, viveram no Iraque até que fugiram do seu
país sendo, atualmente, refugiados em Portugal. Celebraram matrimónio no Irão – país onde
viviam os pais de ambos – em 1991, por procuração outorgada a cada um dos seus
progenitores masculinos nos termos da lei iraniana, que prevê que o casamento é formalmente
válido quando “[…] cada um ou ambos os nubentes se fazem representar por terceiro na
celebração do casamento mediante procuração […]”. A mesma solução jurídica é apresentada
pelo ordenamento jurídico iraquiano sendo que, não obstante, qualifica esta matéria como uma
questão de validade substancial do casamento.
Em Portugal pretendem, agora, proceder ao registo civil deste matrimónio tendo-se
colocado a questão da respetiva validade atendendo a que ambos os nubentes se casaram por
procuração.
Admita que a lei iraniana considera competente para aferir da validade deste
casamento, em qualquer caso, a lei do lugar da celebração do matrimónio e faz referência
material, enquanto o ordenamento iraquiano, também em qualquer caso, considera competente
a lei da nacionalidade dos nubentes e pratica devolução simples.
134
Diga qual a solução material a aplicar ao caso em apreço.
L1(Portugal) L2(Irão)
L2(Irão)
135
Quando chamamos o ordenamento jurídico, só podemos aplicar normas de direito
material que regulem a situação controvertida e essas devem integrar o conceito-quadro da
norma de conflitos, ou seja, devem passar pelo crivo da qualificação em sentido estrito
O art. 50º CC tem como conceito-quadro a validade formal do contrato de casamento.
Ainda que partindo da solução material portuguesa, o legislador do DIP pretende uma
interpretação autónoma, exclusivamente de acordo com a lex formalis fori, de modo a que
outras soluções de direito material estrangeiro se possam subsumir no nosso conceito-quadro.
Para isso é necessário arranjar um mínimo denominador comum entre o nosso conceito-quadro
e a solução de direito material estrangeiro.
Urge, pois, realizar uma interpretação não literal do conceito-quadro, mas uma
interpretação considerando o elemento teleológico-funcional do mesmo. Portanto, quando o
legislador do DIP fala em validade formal do contrato de casamento pretendeu regular os
requisitos de validade do ato jurídico que constitui a relação jurídica matrimonial relativa a
todos os elementos da relação jurídica com exceção dos sujeitos (problema de validade
substancial).
136
Perante o caso concreto, a lei iraquiana trata desta questão como um problema de
validade substancial do casamento e, por isso, importa chamar à colação o art. 49º CC.
De acordo com o art. 49º CC, o legislador do Direito Internacional Privado escolheu
como conexão a lei pessoal. Levaria a crer que a lei pessoal fosse a lei da nacionalidade (arts.
25º e 31º, nº1, ambos do CC), mas tendo em consideração que Mohamed e Saïd são refugiados,
importa atender ao disposto no art. 21º da Convenção de Genebra, de acordo com o qual a lei
pessoal é a lei da residência habitual dos refugiados.
Desta forma, tendo os interessados residência habitual em território português, conclui-
se que Portugal se considera competente para regular a relação jurídica controvertida.
137
Essa norma deve ser interpretada dentro do contexto interpretativo do nosso
ordenamento jurídico. Do art. 1620º, nº1 CC resulta que apenas um dos cônjuges se pode fazer
representar por procuração.
Isto posto, importa subsumir o conceito-quadro e a norma de direito material trazida do
ordenamento jurídico iraniano, tendo um silogismo entre a premissa maior e a premissa menor,
i.e., só se pelo seu conteúdo e função (art. 15º CC) as normas de direito material integrarem o
conceito-quadro é que poderão ser aplicadas.
Neste conspecto, o direito material português trata desta matéria como um problema de
validade formal e, por conseguinte, a solução material portuguesa não se subsume ao conceito-
quadro do art. 49º CC.
Deste modo, não se cumpre o processo de qualificação e, por conseguinte, da aplicação
do art. 50º CC, conclui-se que esta relação jurídica controvertida seria dirimida por uma solução
material do ordenamento jurídico iraniano.
II
138
Em primeiro lugar, deve concluir-se, desde logo, que se verifica o âmbito de aplicação
temporal do Regulamento Comunitário, i.e., tem-se como ponto de partida de que o contrato de
mútuo foi celebrado após o dia 17 de dezembro de 2009 (art. 28º RRI).
Relativamente ao âmbito de aplicação espacial do RRI, decorre do seu art. 2º que
devido ao facto de Portugal ser um Estado-Membro da União Europeia encontra-se vinculado
ao Regulamento Roma I. Além disso, admite a aplicabilidade de qualquer ordenamento jurídico
eleito, ainda que seja um ordenamento jurídico de um Estado que não seja membro da União
Europeia.
No que tange ao âmbito material, estamos diante de uma obrigação contratual de
natureza civil, a qual se subsume à aplicação do RRI, tal qual decorre do art. 1º, nº1, não se
encontrando o contrato de mútuo em nenhuma das exceções elencadas pelo nº2 do referido
preceito.
Encontrando-se cumpridos os três âmbitos de aplicabilidade deste Regulamento, urge
frisar que o contrato de mútuo não configura qualquer contrato especial a que o RRI faz
referência nos arts. 5º a 8º RRI e, por conseguinte, deve atender-se às regras gerais dos arts. 3º e
4º RRI.
Perante o caso concreto, tem-se que as partes lançaram mão da autonomia da vontade
preceituada como conexão geral no art. 3º RRI, uma vez que determinaram a aplicabilidade do
ordenamento jurídico turco à relação material controvertida.
Assim, ao contrário do nosso Código Civil, o RRI não limita a escolha de lie às leis em
contacto com a relação jurídica. E, além disso, permite fazer o depéçage ou splitting
relativamente a este contrato
Pese embora poderem escolher o ordenamento jurídico turco, nos termos do nº3 do art.
3º RRI, nestas circunstâncias ele não é suscetível de derrogar normas não derrogáveis da lei em
contacto com a relação jurídica controvertida, isto é, as normas imperativas do direito material
português, o que sucede com a matéria relativa aos juros usurários.
Assim, relativamente aos juros usurários aplicar-se-á uma solução material portuguesa,
mais concretamente o preceituado no art. 1146º CC.
OT – 05 de dezembro de 2019
T – 06 06 de dezembro de 2019
A FILIAÇÃO E A ADOÇÃO
139
A filiação natural e a filiação adotiva encontram-se reguladas nos arts. 56º e ss. CC.
Coloca-se uma questão sobre qual a conexão a utilizar no âmbito do nº1 ou do nº2 do
art. 56º CC no caso de a mulher ser casada, mas o estabelecimento da filiação não é para o
marido desta.No âmbito do art. 56º CC: conexões sucessivas ou subsidiárias. O que se distingue
140
é filhos de mulheres casadas e não casadas (solteiras ou uniões de facto) – nacionalidade do
progenitor (arts. 25º e 31º, nº1 CC).
Os Profs. Ferrer Correia, Batista Machado e Moura Ramos entendem que neste caso
concreto deve tratar-se a questão como se a mulher fosse solteira, aplicando-se a conexão eleita
nos termos do nº1 do art. 56º CC.
De acordo com o Prof. Luís de Lima Pinheiro, independentemente de a filiação não ser
estabelecida para o cônjuge da mãe, as regras que devem nortear o estabelecimento da filiação
encontram-se no art. 56º, nº2 CC.
Justificação da distinção: não tem um conteúdo discriminatório relevante – aplicabildiad
dos regimes de presunção e não presunção.
Ultimamente, esta questão tem tido grande discussão, havendo diversas convenções
internacionais que a visam regular, nomeadamente a Conferência de Haia, que tem um conjunto
de trabalhos preparatórios para estabelecer uma convenção internacional no que tange à
constituição da filiação em matéria de técnicas de reprodução medicamente assistidas, mais
concretamente as barrigas de aluguer.
141
A filiação é estabelecida com o marido da mãe ou com outro.
terceiros de referência ou o próprio adotante ou perfilhante, que tenha uma lei pessoal
que imponha formalidades acrescidas em relação ao consentimento dos próprios, deve respeitar-
se esse elemento acrescido, nos termos do art. 61º CC.
Se houver apenas um progenitor, o art. 57º, nº2 CC determina que a conexão relevante
será a nacionalidade deste. Se, entretanto, se um dos progenitores tiver falecido, valerá como
conexão mais próxima a nacionalidade do progenitor sobrevivo, tal qual emerge da parte final
do nº2 do art. 57º CC.
O âmbito do art. 57º CC abrange todos os efeitos pessoais e patrimoniais das relações
jurídicas entre pais e filhos e avós e netos, excecionando-se somente a matéria relativa aos
nomes e apelidos, em que há uma convenção internacional própria para os regular.
De acordo com o art. 15º do Regulamento (CE) n.º 4-2009, de 10 de janeiro, a lei
aplicável à obrigação de matérias é determinada pelo Protocolo da Haia, de 23 de novembro de
2007, sobre a Lei Aplicável às Obrigações Alimentares, a que o Estado Português se encontra
vinculado.
Ainda que não seja Direito da União Europeia, o Protocolo referido é aplicável nos
termos do art. 15º do Regulamento (CE) n.º 4-2009, de 10 de janeiro, tratando-se de um
142
verdadeiro documento legislativo da União Europeia, inclusive para o Tribunal de Justiça da
União Europeia.
Âmbito material
Nos termos do art. 1º, nº1, o Protocolo determina a lei aplicável às obrigações
alimentares decorrentes de relações de família, de parentesco, de casamento ou de afinidade.
O art. 11º do Protocolo consagra um conjunto de matérias que se incluem neste âmbito material
Âmbito universal
Conexão regra
Nos termos do art. 8º do Protocolo, tal qual tem sido tendência nos Regulamentos,
vigora a autonomia da vontade, ou seja, mediante acordo, podem o credor e o devedor a
alimentos escolher uma das seguintes leis (art. 8º, nº1 do Protocolo):
a) A lei do Estado do qual uma das Partes seja nacional aquando da designação;
b) A lei do Estado da residência habitual de uma das Partes aquando da designação;
c) A lei designada pelas Partes como aplicável ao seu regime matrimonial ou a lei
efetivamente aplicada ao mesmo;
d) A lei designada pelas Partes como aplicável ao seu divórcio ou separação de pessoas
e bens ou a lei efetivamente aplicada ao mesmo.
Nunca a escolha de lei inclui a questão relativa à possibilidade ou não possibilidade, aos
efeitos, às prorrogativas, formalidades ou requisitos da renúncia do direito a alimentos, em
que esta matéria é exclusivamente tratada pela lei da residência habitual do credor. Assim
determina o nº4 do art. 8º do Protocolo.
143
O acordo deve ser reduzido a escrito, tratando-se de um verdadeiro requisito de
validade formal, nos termos do art. 8º, nº2 do Protocolo.
Conexão supletiva
O art. 57º CC trata de todos os efeitos da relação instituída entre pais e filhos. Estender
a interpretAaça~ao a outroas ascendentes na linha reta (avos e netos, p.e.). Sucessivas conexões
para rgular as relações jurídicas entre as cedndentes e descendtes: NC, RH ou nacionalidade do
filho.
Paticularidade de se só houver um progenitor, não haverá nacionalidade e RH comum.
Se tiverem havudo 2 progenitores, mas se só um estiver vivo, conta a nacionalidade do
progenitor sobrevivo.
Todos os efeitos pessoais e patrimonaisis das relações entre PF e NA, ezxceção da
matéria relativa aos nomes e apelidos (conençao própria para isso).
Sendo escolhida pelas partes a lei aplicável às obrigações de alimentos, importa atender
à conexão supletiva, prevista no art. 3º, nº1 do Protocolo, o qual determina que as obrigações
alimentares “são reguladas pela lei do Estado da residência habitual do credor”. O nº2 do
referido preceito determina que “em caso de mudança da residência habitual do credor, a lei
do Estado da nova residência habitual é aplicável a partir do momento em que a mudança
tenha ocorrido”.Obrigação de alimentos: efeito obrigacional entre cônjuges e ex-conjuges –
Regulamento de 2009, que trata de muita coisa.
Importa atender à nuance estabelecida pelo art. 4º do Protocolo, pois exclusivamente nas
situações por ele previstas, altera-se a conexão da residência habitual do credor para a lei do
foro, se a residência habitual não permitir, ao contrario da lei do foro, que o credor tenha direito
a alimentos (art. 4º, nº2 do Protocolo).A convenção, ainda que náo seja DUE, nos termos do art.
15º, +e um verdadeiros documento legislativo da EU, inclusive para o TJUE. É como se
estivesse inserido no próprio Regulamento.
144
Trata-se de um afloramento do princípio da proteção da parte mais fraca, evidenciado
nas seguintes matérias de obrigações alimentares (art. 4º, nº1 do Protocolo:
Nos termos do nº3 do art. 4º do Protocolo, decorre que pode alterar-se a conexão para a
lei do foro quando o credor a alimentos tenha a necessidade de recorrer a autoridade competente
do Estado em que o devedor tem residência habitual – caso do Ministério Público. Não obstante,
se a lei do foro não puder obter alimentos do devedor, aplicar-se-á a lei do Estado da residência
habitual do credor.
Ainda assim, se nenhuma das referidas leis reconhecer o direito a alimentos, recorre-se
à lei da nacionalidade comum do credor e do devedor, caso exista (art. 4º, nº4 do Protocolo).
Aplicável às obrigaç~eos de alimentos decorrentes de relações familiares (parentesco,
casamento e afinidade – art. 1º).
Convenção tratada cmo DUE (art. 15º do Regulamento que lhe remete diretamente). CI
tem uma lista maisopr de Estados contrattnes, independetemtne de estarem ou não vinculados
ao Regulamento.
Tal qual tem dsid tendência – art. 8º da Convenção vigora a autonomia da vontaden,
podem o credor e devedor a alimentos escolher a lei que querem para regular a matéria.
Acordo decorrente da fixação de uma obrigação de alimentos -agrandes interessados são
os filhos menres. Tem de ser um filho maior ou não incapacidade para celebrar o acordo.
SSó alguma das leis +previstas no art.8º pode ser escolhida. A escolha d lei não inclui a
possibilidade de renuncia ao direito a alimentos, em que esta matéria é tratada pela lei da
residência habitual do credor a alimentos.
145
Conexão supletiva do art. 3º para os casos das partes não escolhrem.
Lei da resid~encia habitual do credor a ser aplicada, com a seguinte nuance n: nas mat
´rias referidas no art. 4º exclusivamente , altera-se a conexão da RH do crdor para a lei do foro,
se a RH não permitir ao contráio da lei do foro, que o credor tenha direito a alimentos.
Exclusão do reenvio
Nos termos do art. 12º do Protocolo está excluída a possibilidade de reenvio, pelo que
as conexões implicam meras referências materiais.
146
No que tange à adoção, pela circunstância de o art. 60º CC apresentar várias conexões
sucessivas é de aplicação particularmente difícil, à qual podem acrescer as conexões
cumulativas do art. 61º CC.
Importa distinguir a adoção tout court da adoção de filhos de cônjuges (art. 60º, nº2
CC).
De particular interesse é o disposto no nº4 do art. 60º CC, de acordo com o qual “se a lei
competente para regular as relações entre o adotando e os seus progenitores não conhecer o
instituto da adoção, ou não o admitir em relação a quem se encontre na situação familiar do
adotando, a adoção não é permitida”.
O regime da adoção, no âmbito do DIP, tem de ser o mais simplificado possível, o que
não sucede com o nosso Código Civil, o que deu origem à Convenção de Haia, a que Portugal
está vinculado, pelo que os arts. 60º e 61º CC não têm aplicabilidade prAdoção (art. 60º e 61º
CC)
atica.
Aquilo que se estabelece é o princípio da subsidiariedade, ou seja, os tribunais têm
entendido que, no âmbito do superior interesse da criança, apenas se pode admitir a adoção
internacional de uma criança quando se tenham esgotado, em absoluto, os meios admissíveis
para uma adoção interna.
Aquilo que é a herança cultural da criança e considerada um elemento essencial à sua
identidade, que é perdida numa adoção internacional. Perde a sua nacionalidade, perde a
herança cultural relativamente ao Estado onde nasceu, com eventuais influências sobre a sua
própria nacionalidade
Utilização particularmente difícil, pois tem várias conexões sucessivas. Podem acrescer
conexões cumulativas do art. 61º CC
Adoção tout court vs adoção de filho cônjuges – particularidade do nº4 – não
reconhecimento das leis…
O regime da adoção tem de ser o mais simples possível, o que não acontece com os arts.
60º e 61º CC (sem aplicabidiade prática). Principio de ubsidariedade. WQUalquer instrumento
de DIP , cosideraram que funciona necessarimante uma situação de subsidiariedade
relativamente à adoção – Tribunais entendem que no mabito do superior interesse da criança, só
se podem adotar internacionalemtne uma criança se esgoatados os meios de adoção puamnte
147
internos.. A herança social da criança e a nacionalidade da criança poedem ser pedrdidas, com
possíveis consequências para a criança.
Só se consegue internacioanlziar a constituição de uma adoção depois de ão ser previiil
que a criança seja adotada por adotantes que tenham conexões com a própria criança.
Por fim, urge ter presente que, sobretudo a Convenção de Haia de 1993, é um
instrumento de excelência em matéria de adoção, segundo o qual consegue atribuir às adoções
internacionais a sua decisão em tempo útil. Trata-se de uma Convenção com adesão quase
universal e pacificamente as decisões dela decorrentes têm um reconhecimento e execução
bastante facilitados.
Convençao de Haia – instrumento de excelência para conseguir em tempo útil a adoção
internacional – adesão quase universal e pacificamente as decisões dela emergentes têm uma
fácil execução.
T – 11 de dezembro de 2019
De acordo com o seu nº1, o Regulamento “é aplicável às sucessões por morte” e, além
disso, prevê expressamente que o RS não se aplica a matérias fiscais, aduaneiras e
148
administrativas. Acresce que o nº2 estabelece uma lista de matérias que se encontra excluída
do âmbito de aplicação do presente Regulamento.
Severo impacto prático – lei aplicável a que a nós diz respeito.
Conexão regra
A escolha de lei, nos termos do art. 22º, nº2 RS, deve ser feita expressamente numa
declaração que revista a forma de uma disposição mortis causa. Além disso, a
validade material da escolha é regulada nos termos da lei que for escolhida para a
regulação da sucessão (art. 22º, nº3 RS).
O nº4 do art. 22º RS permite que a escolha da lei seja alterada ou revogada a todo o
momento, desde que preencha os requisitos de forma exigidos para a alteração ou revogação de
disposições por morte.
Conexão supletiva
Derroga a matéria sucessória do Código Civil.
Decorre do art. 21º, nº1 RS que a conexão supletiva eleita pelo legislador se cifra na
residência habitual do falecido à data do seu óbito.
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O nº2 do art. 21º RS determina que se no caso concreto for demonstrado que o falecido
apresentava uma conexão manifestamente mais estreita com a lei de outro Estado que não o
da sua residência habitual, poder-se-á alterar a conexão para a lei desse Estado.art. 1º conjugado
com o art. 20º - o âmbito material da aplicação do Regulamento, incluindo o âmbito material no
âmbito da lei aplicável.
A todo o fenómeno sucessório mortis causa, excluindo todas as matérias do funemone
sucessória do nº2 do art. 1º do RS – exclui-se também matérias fiscais, aduaneiras ee
administrativas.
Declaração tem de ser fpormaçlmente válida. Pode ser alterada a qualquer momento ou
revogada, dentro das regras ormais do NJ.
Se tiver mais do que uma nacionalidade pode escolher a que lhe aprovuer no meomneto
da escolha da lei.
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grande discussão, dado que a questão sucessória tem uma amplitude muito diferente em nos
vários Estados-Membros.
O grande impulsionador deste Regulamento foi a existência de um objeto da sucessão
estar disperso por vários ordenamentos jurídicos, pelo que seria adequado estabelecer um
regime uniforme, de modo a não haver grande disparidade relativamente às questões inerentes à
lex rei sitae.
Por causa da aludida disparidade no que tange aos fenómenos sucessórios nos vários
Estados-Membros, sobretudo à proteção da legítima de determinadas classes sucessórias.
Em Portugal, as causas de deserdação de herdeiros obrigatórios são excecionalíssimas,
entendendo-se que a insusceptibilidade de dispor da quota indisponível tem em consideração
princípios de interesse público subjacente àquilo que é a proteção do seio ou da sociedade
familiar relativamente àquilo que é o limite da autonomia da vontade e da liberdade de
disposição do autor da sucessão.
Vai-se discutindo a miúdo se o facto se, seja pelo Regulamento, seja com o Código
Civil, a existência de fenómenos sucessórios que não tenham o aludido interesse de proteção da
sociedade familiar se pode ou não legitimar a utilização da exceção da ordem pública.
Com a alteração da conexão nacionalidade para a residência habitual atenuou-se o efeito
relativamente à possibilidade de os Estados-membros invocarem a exceção de ordem pública,
pois desta forma a possibilidade de alguém ver ao longo da sua vida a vingar a lei da residência
habitual, demonstra que as alterações sucessivas, independentemente dos sues herdeiros, torna
aquilo que é a proteção de herdeiros legitimários muito mais parca.
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Com a adesão ao Regulamento Comunitário, a alteração da conexão nacionalidade para
a residência habitual, na já difícil argumentação da exceção da ordem pública, agora torna-se
mais complicada defender, face à Constituição da República Portuguesa, que estamos a tratar de
uma questão de exceção da ordem pública, mantendo a proteção do cônjuge, ascendentes ou
descendentes.
No caso de Calouste Gulbenkian, o Estado Português decidiu aplicar a lei da
nacionalidade e jamais excecionou a aplicação do direito inglês, no âmbito do qual não havia a
mínima proteção dos filhos daquele.
O art. 23º, nº1 RS refere que “a lei designada nos termos do artigo 21º ou do artigo 22º
regula toda a sucessão”.
O referido artigo explica todas as vicissitudes diretamente relacionadas com o fenómeno
sucessório, nomeadamente o nº2 do mesmo.
No âmbito do Regulamento das Sucessões, além do fenómeno sucessório propriamente
dito, incluem-se os negócios jurídicos que lhe são prévios, como os pactos sucessórios (art. 25º
RS) e os testamentos (seja o fenómeno sucessório propriamente dito ou os legados),
É o art. 24º RS que trata dos pactos sucessórios, nos termos do qual é possível escolher
a lei aplicável ao pacto sucessório, na mesma medida em que é admissível a escolha da lei para
regular o fenómeno sucessório (art. 24º, nº3 RS).
A validade ou admissibilidade do pacto sucessório, quando não ocorra a escolha da lei,
é regulada pelo mesmo critério supletivo, ou seja, a lei da residência habitual no momento em
que o pacto é outorgado, ainda que a questão só se coloque após a morte do outorgante (art. 24º,
º1 RS).
Deve ter-se em atenção que o pacto sucessório pode ser exclusivamente relativo a uma
pessoa, pelo que a conexão estará ligada a essa pessoa, seja pela escolha, seja pelo critério
supletivo. Mas, pode suceder que o pacto sucessório seja relativo à sucessão de várias pessoas e,
quando assim for, o nº2 do art. 24º RS consagra uma conexão cumulativa, a qual exige que o
pacto sucessório será válido se todas as leis a concurso admitirem a sua validade.
Se não for válida relativamente a alguma(s) pessoa(s), deve equacionar-se a
possibilidade de aplicar a regra do princípio do aproveitamento máximo dos negócios jurídicos,
no âmbito do qual pode suscitar-se a redução ou conversão em relação a um ou vários
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outorgantes. A não ser que se demonstre que aquelas pessoas não teriam celebrado aquele
negócio jurídico se não estivessem todas incluídas.
Relativamente aos arts. 24º e 25º RS, o art. 26º, nº1 RS refere o que releva para efeitos
de validade material das aludidas disposições:
Validade formal das disposições por morte feitas por escrito – art. 27º RS
Nos termos da al. b) é possível considerar dois momentos temporais, quer o momento
em que foi celebrado o ato, quer o momento em que ocorreu o óbito.
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Além disso, na eventualidade de o objeto mediato consubstanciar um bem imóvel, deve
respeitar a lei do lugar onde se situa o imóvel, urgindo a prevalência da lex rei sitae, tal qual
emerge do art. 27º, nº1, al. e) RS.
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Nomeadamente no que tange à matéria da sucessão de bens imóveis e à aplicabilidade
da respetiva lex rei sitae. Grande conflito entre o estatuto real e o estatuto pessoal, face ao qual
o Regulamento estabeleceu como regra especial àquilo que tem sido comum no âmbito dos
Regulamentos Comunitários, ou seja, são aplicadas as regras especiais da lex rei sitae que
imponham restrições quanto à sua sucessão ou a afetem relativamente a certos bens,
independentemente da lei que rege a sucessão.
Na decorrência do art. 30º RS, o art. 31º RS apresenta uma regra especial de adaptação
aquando do conflito entre o estatuto pessoal sucessório e o estatuto real quando na sucessão há
bens imóveis e a lei da sucessão não reconhece o direito real que lhe está subjacente.
Assim, na situação de conflito adapta-se a lei sucessória para o reconhecimento do
respetivo direito real, ainda que se aplicando a lei determinando para a sucessão, mas na
vertente do direito real e não na matéria sucessória.
De modo a contornar as diversas soluções existentes nas diversas leis, no âmbito do que
é a declaração da existência de uma herança vaga, conclui-se pela aplicação do Regulamento
que não há herdeiros sucessíveis relativamente àquilo que é aquele fenómeno sucessório.
Assim, sendo declarada vaga uma herança, cessa a aplicabilidade da lei determina para
a solução, pelo que cada um dos ordenamentos jurídicos em conflito com a situação concreta
tratará de chamar os herdeiros, nomeadamente a forma como o Estado ou as demais pessoas
coletivas de direito público vão herdar.
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A lei designada pelo regulamento pode declarar a herança vaga, mas aquilo que é a
classificação de quem é chamado para suceder àquela herança vaga é exclusivamente um
problema de direito interno.
Sobretudo no que tange ao Reino Unido, a questão da herança vaga não é um problema
de DIP, mas sim um problema de direito real e administrativo, isto é, uma espécie de aquisição
originária a favor da Coroa Britânica.
O Regulamento das Sucessões admite ténues expressões de reenvio, nos termos do seu
art. 34º.
O reenvio encontra-se sempre excluído no que tange às matérias consagradas no art.
34º, nº2 RS, isto é, as leis a que se referem os artigos 21º, nº2, 22º, 27º, 28º, al. b) e 30º.
À exceção das leis designadas pelos aludidos normativos, para as quais nunca haverá
reenvio, tudo o que seja a designação de leis de Estados terceiros por parte do Regulamento,
poderá haver uma situação de reenvio quando aquele elege:
a) A lei de um Estado-Membro;
Quando assim é, ainda que não esteja expressamente previsto, cada Estado-Membro,
independentemente das suas regras do seu Direito Internacional Privado, quando o referido
Estado terceiro lhe devolve a competência, ele considera-se competente.
b) A lei de um outro Estado terceiro. Neste caso importa atender à posição conflitual
desse Estado e, se se considerar competente, temos um reenvio por transmissão de competência
direta e, ainda que não seja um Estado-Membro, será aplicável a sua lei.
Se o Estado terceiro não se considerar competente, não poderá haver reenvio.
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Caso Prático 16
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Austríaco: residência habitual de Juvenal;
Tem-se como ponto de partida que Portugal é a lex fori, isto é, é-lhe reconhecida a
competência internacional para dirimir a relação jurídica material.
Esta relação jurídica internacional versa sobre uma questão sucessória, nomeadamente
sobre a validade formal da declaração de vontade do de cujus para a transmissão do património
sucessório.
Ainda que se pudesse atender à aplicabilidade do Regulamento das Sucessões, a
verdade é que a validade formal das disposições por morte feitas oralmente consubstancia uma
das matérias que se encontram excluídas no âmbito de aplicação do referido Regulamento, tal
qual resulta da al. f) do nº2 do art. 1º. Urge, portanto, proceder à aplicação do nosso Código
Civil.
É o art. 65º CC responsável por tratar da matéria inerente à validade formal das
disposições por morte. Do seu nº1 emergem várias conexões e vários momentos, mas importa
atender à conexão do lugar onde foi celebrado o ato.
Assim, do art. 65º, nº1 CC faz-se uma remissão para o ordenamento jurídico espanhol,
lugar onde Manuel emitiu a sua declaração de vontade. O ordenamento jurídico espanhol
considera competente a lei da nacionalidade do de cujus, pelo que remete para a lei brasileira.
Vislumbra-se, desta forma, uma situação de reenvio, na medida em que a lei designada
pela norma de conflitos portuguesa não se considera competente, remetendo para uma outra lei.
A existência de reenvio configura o primeiro pressuposto para que o ordenamento jurídico
português possa vir a abdicar da sua posição regra anti-devolucionista (art. 16º CC), devendo,
para tal, existir harmonia jurídica internacional entre os ordenamentos jurídicos em contacto
com a situação conflitual e, além disso, deve o reenvio figurar como um meio necessário a
atingi-la.
Neste conspecto, urge atender à posição de cada um dos referidos ordenamentos
jurídicos no que tange à matéria do reenvio.
O ordenamento jurídico espanhol considera competente a lei da nacionalidade do de
cujus, remetendo para a lei brasileira. Praticando devolução simples, efetua-lhe uma referência
global (atende a todo o seu ordenamento jurídico, tanto ao interno como ao sistema conflitual) e,
na eventualidade de esta remeter a solução para outra lei, admite que tal referência seja material
(atender-se-á somente ao direito interno da lei designada).
Por sua vez, o ordenamento jurídico brasileiro elege como conexão o lugar onde foi
celebrado o ato, pelo que faz remissão para a lei espanhola. Ao praticar devolução simples,
efetua-lhe uma referência global e, além disso, admite que uma eventual remissão feita por
aquela seja entendida como uma referência material.
Nestes termos, temos o seguinte esquema de reenvio:
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L1(português) L2(espanhol – DS) L3(brasileiro – DS)
Importa, agora, atender ao disposto no nº2 do art. 65º CC, de acordo com o qual se a lei
pessoal do autor da herança no momento da declaração exigir a observância de determina
forma, pese embora o ato seja praticado noutro Estado, é necessário respeitar essa forma.
Por lei pessoal do autor tem-se a lei da sua nacionalidade (arts. 25º e 31º, nº1, ambos do
CC), pelo que deve respeitar-se a forma exigida pelo ordenamento jurídico brasileiro. A lei
brasileira não reconhece aquele documento como qualquer forma válida para um testamento,
pelo que no caso concreto foram preteridos requisitos de forma.
Assim, pese embora aplicar-se uma solução material do ordenamento jurídico espanhol,
nos termos do nº1 do art. 65º CC, por não se terem observado as exigências formais da lei da
nacionalidade do autor da herança, conclui-se que a declaração negocial de Manuel é nula.
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