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Nas sociedades antigas, o estrangeiro, como regra, não gozava de direitos e, como
consequência, não havia conflitos entre ordens jurídicas diversas, razão de ser do direito
internacional privado. A eventual necessidade de julgar os estrangeiros levou à criação de
tribunais excepcionais, como o do Pretor Peregrino, em Roma, e o do Polemarca, em Atenas.
Por outro lado, o Pentateuco continha normas sobre o tratamento equânime do estrangeiro
entre o povo judeu.
Nos dias atuais, existem, basicamente, três tendências gerais nos diferentes sistemas jurídicos
nacionais. Conforme a primeira, cumpre ao juiz aplicar o direito estrangeiro de ofício. A
adoção desses princípios, entretanto, não significa que o juiz não possa exigir das partes a
colaboração na pesquisa do direito estrangeiro, sendo-lhe facultado determinar diligências
para apuração do teor, da vigência e da interpretação de tal direito.
A primeira vertente é o Direito Internacional Público, que em resumo é um conjunto de regras
delineadas em tratados internacionais e aplicáveis aos países que a eles aderirem, podendo
cobrir os mais diversos temas, tais como Direito Internacional do Trabalho (tratados da OIT),
Direito Internacional Comunitário (tratados que criam blocos regionais como Mercosul e
União Europeia) e Direito Internacional Tributário (tratados de não-bitributação).
Já o Direito Internacional Privado não tem qualquer relação com tratados internacionais ou
aplicação a diversos países, mas é na verdade direito interno de cada país, que determina as
regras de solução de conflitos entre leis de diferentes jurisdições que podem ser aplicadas a
um mesmo caso.
O juiz brasileiro deve, de lege lata, em princípio, aplicar o direito estrangeiro de ofício. Com
efeito, se não for adotada tal regra no processo, as normas de direito internacional privado,
designativas do direito aplicável, qualificar-se-iam como imperfeitas, o que na realidade não é
o caso. O próprio direito internacional privado não faz restrições à aplicação do direito
estrangeiro e não o discrimina em relação ao direito interno. Se o juiz não for obrigado a
aplicar o direito estrangeiro de ofício, torna-se incerto se o direito, designado pelas normas do
direito internacional privado, será de fato aplicado no processo. Não existe nenhuma garantia,
neste caso, de que a norma do direito internacional privado será aplicada como ela própria
ordena, razão pela qual incumbe ao próprio juiz tomar iniciativa de aplicar o direito
estrangeiro ao processo.
Entende-se como conflito de leis no espaço qualquer relação humana ligada a duas ou mais
ordens jurídicas cujas normas não são coincidentes. O juiz ou o intérprete da lei, diante de um
caso de conflito de leis no espaço, assiste portanto à concorrência de duas ou mais leis -
produzidas por países (ou províncias) diferentes - sobre a mesma questão jurídica.
A dúvida sobre qual direito (o nacional ou o estrangeiro; ou um dentre dois ou mais direitos
estrangeiros) aplicar a um caso concreto envolvendo estrangeiros nasce da circulação de
pessoas e coisas no espaço, de um lado, e, de outro, da proliferação de ordens jurídicas
nacionais - e, em alguns casos, provinciais ou estaduais - autônomas que procuram regular,
cada uma a seu modo, as mesmas situações jurídicas. Sendo impossíveis as soluções mais
simplistas para o problema (a supressão do intercâmbio humano além-fronteiras ou a
uniformização legislativa mundial), cabe ao juiz ou ao intérprete resolver o eventual conflito
que se lhe apresente por meio da escolha dentre uma das leis concorrentes.
Tal escolha é efetuada com base em regras pré-estabelecidas, cujo conjunto constitui o direito
internacional privado.
Na imensa maioria dos casos, apenas uma ordem jurídica rege os fatos e atos jurídicos em um
determinado local. Por exemplo, um contrato celebrado em São Paulo, Brasil, provavelmente
terá sido assinado por brasileiros residentes no Brasil, e seus efeitos serão produzidos em
território brasileiro, razão pela qual ele é regido pela lei brasileira. Mas ocorre às vezes que
um fato ou ato jurídico (no exemplo, o contrato) tem relação com mais de uma ordem
jurídica. Ainda no mesmo exemplo, seria o caso de um contrato assinado entre um brasileiro e
um escocês, ou destinado a produzir efeitos no estado da Califórnia, Estados Unidos.
Dentre estes casos, há algumas situações especiais, em que o intérprete da lei (advogado, juiz
ou outro) depara com um fato ou ato jurídico ligado a duas ou mais ordens jurídicas
autônomas cujas normas, aplicáveis ao caso (no exemplo, o contrato), são divergentes - um
conflito de leis no espaço. Retomando o exemplo, um contrato assinado entre um escocês de
17 anos de idade, domiciliado na Escócia, e um brasileiro de 18 anos é motivo de litígio em
juízo no Brasil. O brasileiro, que deseja anular o contrato, argumenta que o escocês é menor
de idade, pois a capacidade jurídica plena no Brasil começa aos 18 anos; o escocês, em sua
defesa, alega que a maioridade na Escócia começa aos 16 anos e que é esta lei (a escocesa)
que o juiz deve aplicar para determinar a sua capacidade jurídica. Nestes termos, o juiz
brasileiro acolherá a alegação do escocês. Por quê?
Confrontado com um caso ligado a duas ordens jurídicas diferentes, o juiz consultará o direito
internacional privado brasileiro. Este, contido em grande parte na Lei de Introdução às
Normas do Direito Brasileiro (LINDB), dispõe que a lei do país em que for domiciliada a
pessoa determina as regras sobre a capacidade. Assim sendo, e considerando que o escocês do
exemplo é domiciliado na Escócia, quem define, para o juiz brasileiro, a capacidade jurídica
daquele cidadão escocês é a lei escocesa. Está solucionado, mediante as regras do direito
internacional privado brasileiro, um caso de conflito de leis no espaço (entre a brasileira e a
escocesa) com que deparava um juiz brasileiro.
A aplicação do direito internacional privado a um caso concreto ocorre por meio de três
conceitos: o de "categoria de relações jurídicas" (ou "qualificação"), o de "elemento de
conexão" e o de "lei competente". Por exemplo, o direito internacional privado brasileiro
dispõe que "para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que
constituírem". Um juiz brasileiro que tenha em mãos um caso de conflito de leis sobre um
contrato celebrado na França se perguntará, em primeiro lugar, qual a categoria de relações
jurídicas (no caso, trata-se de obrigações – um contrato); em segundo lugar, qual o elemento
de conexão que o direito internacional privado brasileiro manda usar para reger as obrigações
(é a lei do lugar onde se constituíram – a França); concluirá então que a lei competente para
reger o contrato do exemplo é a francesa.
Embora a imensa maioria dos casos de direito internacional privado diga respeito a questões
de direito privado (família, sucessões, obrigações, personalidade e capacidade etc.), alguns
juristas entendem que o direito internacional privado pode aplicar-se também a questões de
direito público.
reais: a situação da coisa, o lugar do ato ou fato, o lugar do contrato ou de sua execução, o
lugar da origem ou nascimento, o lugar do domicílio;
Nacionalidade é o vínculo jurídico de direito público interno entre uma pessoa e um Estado. A
nacionalidade pressupõe que a pessoa goze de determinados direitos frente ao Estado de que é
nacional, como o direito de residir e trabalhar no território do Estado, o direito de votar e ser
votado (este, conhecido como cidadania), o direito de não ser expulso ou extraditado e o
direito à proteção do Estado (inclusive a proteção diplomática e a assistência consular, quando
o nacional se encontra no exterior), dentre outros.
Tais normas, em regra, são qualificadas como de ordem pública. Assim sendo, a
discriminação do estrangeiro frente ao nacional pode fundar-se somente em motivos de
interesse público.
Em princípio, a lei brasileira deve ser aplicada a todos os brasileiros e estrangeiros que se
encontrem em território brasileiro (regra da territorialidade). Entretanto a Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) contém os elementos de conexão que
indicarão a lei aplicável a casos conectados com legislações de mais de um país.
Observa-se, porém, que as leis, os atos e as sentenças de outro país não terão eficácia no
Brasil quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes (art.17 da
LINDB).
Os limites a aplicação do Direito Estrangeiro estão na ordem pública, nas normas imperativas
(lois de police) e no princípio de neutralização dos efeitos da fraude à lei.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Direito Internacional Privado tem por objetivo maior estabelecer, em razão do elemento de
conexão, as regras e os princípios para a extraterritorialidade da lei, razão pela qual ele irá
definir, em diversas situações, se a legislação a ser aplicada em determinada relação jurídica é
a legislação nacional ou a estrangeira.
A norma do direito internacional privado será a aplicada como ela própria ordena, razão pela
qual incumbe ao próprio juiz tomar a iniciativa de aplicar o direito estrangeiro ao processo.
REFERÊNCIAS
DINIZ, Maria Helena, Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada, Ed. Saraiva,
2ª edição, 1996.
DOLINGER, Jacob, Direito Internacional Privado (Parte Geral), Ed. Renovar, 2ª ed., 1993.
MACHADO, João Baptista, Lições de Direito Internacional Privado, 3.ª Edição, Coimbra,
2002.
RAMOS, Rui Moura, The private international law rules of the new Special Administrative
Region of Macau of the People's Republic of China, Louisiana Law Review, 2000, 1281 ss.
TENÓRIO, Oscar, Direito Internacional Privado, 11a ed., Freitas Bastos, 1976.
VALLADÃO, Haroldo, Direito Internacional Privado, v. 1, Ed. Freitas Bastos, 4ª ed., 1974.