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TEMAS IMPORTANTES DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

Luiz Paulo Rosek Germano

Doutor em Direito (PUCRS)

1- NOÇÕES INTRODUTÓRIAS DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

1.1- Considerações Iniciais

O Direito Internacional Privado foi, dentre os ramos do Direito, aquele


que mais cresceu nas últimas décadas. Isso se deu em virtude de uma maior
inter-relação entre os povos, especialmente pela globalização dos meios de
comunicação e o maior número de negócios jurídicos celebrados entre pessoas
físicas e jurídicas de diferentes nacionalidades.

Fundamentalmente o objetivo do Direito Internacional Privado é a


identificação da regra jurídica que disciplina uma relação que envolve dois ou
mais sistemas jurídicos, consideração a relação bilateral ou multilateral
existente.

1.2- Conceito

O Direito Internacional Privado é um sistema normativo destinado a


solucionar os casos jusprivatistas multinacionais, desde o ponto de vista de
uma jurisdição estatal ou de uma pluralidade de jurisdições estatais a exigir, em
determinadas situações, inclusive, a jurisdição de um tribunal internacional 1.

Para Ferrer Correia2, o Direito Internacional Privado é “ ramo da ciência


jurídica onde se procuram formular os princípios e regras conducentes à determinação da
lei ou das leis aplicáveis às questões emergentes das relações jurídico-privadas de
carácter internacional e, bem assim, assegurar o reconhecimento no Estado do foro das
situações jurídicas puramente internas de questões situadas na órbita de um único
sistema de Direito estrangeiro (situações internacionais de conexão única, situações
relativamente internacionais)”.

1
Tradução livre do conceito de Antonio Boggiano, in Derecho internacional privado. 2ª ed., Buenos
Aires: Depalma, 1983, t.1, p. X.
2
CORREIA, A. Ferrer. Lições de Direito Internacional Privado, 1ª ed. Coimbra: Almedina, 2000.
Compete ao direito internacional privado disciplinar as relações
decorrentes do direito civil, muito embora saibamos que no ramo do direito
privado incluem-se o direito do trabalho e o direito comercial. Aconteceu que
estes dois últimos ramos ganharam importância significativa nas últimas
décadas, caracterizando-se como disciplinas autônomas em nível internacional.

1.3 - O Elemento Estrangeiro

O elemento estrangeiro é o aspecto nuclear do Direito internacional


Privado. Ele se caracteriza pelas seguintes situações:

1ª Relativos à pessoa

 O lugar do nascimento
 O lugar do falecimento
 O lugar da sede da pessoa jurídica
 O domicílio
 A residência habitual
 O lugar onde se encontra

2ª Relativos aos bens

 O lugar da situação do bem


 O lugar do registro do bem

3ª Vinculados a outros fatos jurídicos

 O lugar da constituição ou execução da obrigação


 O lugar da prática do ato ilícito
 O lugar onde os efeitos jurídicos e econômicos do ato ilícito são mais
evidentes para a vítima do ato (nos casos de violações com efeitos
multiterritoriais).

Exemplos:

a) João morre no Brasil, tendo aqui o seu último domicílio. Deixa bens no Brasil
e testamento que contemplam brasileiros como herdeiros. Estamos diante de
uma situação tradicional, a ser regida por normas de direito civil local. Não há
elementos estrangeiros!

b) Se João, no mesmo exemplo acima, falecido no Brasil, tivesse deixado um


testamento que contemplasse herdeiros argentinos, com bens na Argentina e
no Uruguai, estaríamos diante de uma situação em que três ordens jurídicas se
comunicariam.

c) Maria e Juan Pablo, argentinos, domiciliados na Argentina, casam-se neste


mesmo país. Mais tarde, fixam-se domicílio no Brasil. Mais tarde, decidem se
separar. Podem postular o divórcio no Brasil?

Lei de Introdução às Normas Brasileiras

Art. 7o A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras


sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os
direitos de família.

§ 1o Realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira


quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração.

§ 2o O casamento de estrangeiros poderá celebrar-se perante autoridades


diplomáticas ou consulares do país de ambos os nubentes.

§ 3o Tendo os nubentes domicílio diverso, regerá os casos de invalidade do


matrimônio a lei do primeiro domicílio conjugal.

§ 4o O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que


tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso, a do primeiro
domicílio conjugal.

§ 5º - O estrangeiro casado, que se naturalizar brasileiro, pode, mediante


expressa anuência de seu cônjuge, requerer ao juiz, no ato de entrega do
decreto de naturalização, se apostile ao mesmo a adoção do regime de
comunhão parcial de bens, respeitados os direitos de terceiros e dada esta
adoção ao competente registro.

§ 6º O divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges


forem brasileiros, só será reconhecido no Brasil depois de 1 (um) ano da
data da sentença, salvo se houver sido antecedida de separação judicial
por igual prazo, caso em que a homologação produzirá efeito imediato,
obedecidas as condições estabelecidas para a eficácia das sentenças
estrangeiras no país. O Superior Tribunal de Justiça, na forma de seu
regimento interno, poderá reexaminar, a requerimento do interessado,
decisões já proferidas em pedidos de homologação de sentenças
estrangeiras de divórcio de brasileiros, a fim de que passem a produzir
todos os efeitos legais.

§ 7o Salvo o caso de abandono, o domicílio do chefe da família estende-se


ao outro cônjuge e aos filhos não emancipados, e o do tutor ou curador
aos incapazes sob sua guarda.

§ 8o Quando a pessoa não tiver domicílio, considerar-se-á domiciliada no


lugar de sua residência ou naquele em que se encontre.

Art. 8o Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes,


aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados.

§ 1o Aplicar-se-á a lei do país em que for domiciliado o proprietário,


quanto aos bens moveis que ele trouxer ou se destinarem a transporte
para outros lugares.

§ 2o O penhor regula-se pela lei do domicílio que tiver a pessoa, em cuja


posse se encontre a coisa apenhada.

1.4 - Fontes do Direito Internacional Privado

No Direito Internacional Público prepondera às fontes havidas nos


diversos países (multinacionais). Já no Direito Internacional Privado
preponderam às fontes internas (locais), tais como a lei, a jurisprudência e a
doutrina. Hoje é pacífico o entendimento de que não há hierarquia entre as
fontes, não obstante a importância de cada qual.

1.4.1- Lei

Lei de Introdução às Normas Brasileiras (antiga LICC) – Lei nº


12.376/2010. Esta lei regula a interpretação de todas as demais normas, sendo
considerada a primeira lei sobre direito internacional privado no Brasil (DL
4652/42). Outros países assim também elegeram normas de direito
internacional privado, tais como a Alemanha, Inglaterra, Espanha, Portugal e
especialmente Itália, em virtude da necessidade do desenvolvimento
legislativo. No Brasil, existem outros Diplomas que regulam situações e
hipóteses fáticas relativas a pessoas e obrigações multilaterais. Exemplos são
o Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/80), Lei dos Refugiados (Lei nº
9.474/97), a Lei dos Registros Públicos (Lei nº 6.015/73) e a própria
Constituição Federal.

Tratados e Convenções: Embora no sistema jurídico constitucional brasileiro


persista equivocadamente de que tratados e convenções internacionais, uma
vez aprovados, recebam o status de lei ordinária, emprestando a eles uma
dimensão de menor hierarquia, o certo é que tais acordos bilaterais ou
multilaterais ganharam importância em face da maior inter-relação entre os
povos e Estados. A partir de tais normativas, alguns autores passaram a
dissertar sobre o “direito de família internacional, direito sucessório
internacional e o direito obrigacional internacional (contratos internacionais
etc.)”.

A Conferência de Haia é uma organização intergovernamental


composta por mais de 60 Estados-membros que se reúnem a cada quatro anos
para a negociação de tratados com o objetivo geral de unificação progressiva
do direito internacional privado. Em decorrência de tais conferências, surgiram
muitas convenções e tratados, tais como a proteção de menores, os efeitos do
casamento sobre os bens dos cônjuges e a convenção relativa a processo civil,
isso ainda no início do século XX. O Brasil, em 1977, retirou-se da Convenção
e retornou em 1998. Contemporaneamente, surgiram novos acordos, relativos
ao tráfico internacional de crianças, comércio eletrônico, concorrência desleal,
garantias bancárias e migração internacional. Destacam-se as seguintes
matérias, dentre outras subscritas pela maior parte dos países integrantes da
Conferência:

• Citação e notificação no estrangeiro

• Obtenção de provas no estrangeiro

• Acesso à justiça

• Subtração internacional de menores

• Adoção internacional

• Conflitos de leis relacionados à forma das disposições testamentárias

• Obrigações alimentares

• Reconhecimento de divórcios
As Convenções mais recentes se referem à Competência internacional,
à Lei Aplicável, ao Reconhecimento, Execução e Cooperação em Matéria de
Responsabilidade Parental e de Medidas de Proteção às Crianças (1996), à
Proteção Internacional de Adultos (2000) e a Lei Aplicável acertos direitos
sobre os títulos possuídos por meio de um intermediário, além da Convenção
sobre Foro de Eleição (2005).

Negociações quanto a um novo instrumento internacional sobre


prestação de alimentos em favor de filhos menores e outros membros da
família estão atualmente em curso.

Questões de Direito Internacional Privado suscitadas pela sociedade de


informação – como o comércio eletrônico – também estão na ordem do dia,
além de temas sem caráter prioritário, como os seguintes: conflitos de
competência, lei aplicável, cooperação judiciária e administrativa em matéria de
responsabilidade civil por danos causados ao meio ambiente; competência
internacional, reconhecimento e execução de decisões em matéria de
sucessão; questões de Direito Internacional Privado relacionadas à união
estável; e lei aplicável à concorrência desleal; assim como a tributação e
análise dos problemas jurídicos internacionais relacionados aos títulos
possuídos por meio de um intermediário e as garantias, levando em
consideração, nesse particular, o trabalho desenvolvido por outras
organizações internacionais.

O Brasil passou a participar de maneira mais efetiva na elaboração e


realização de Tratados e Convenções Internacionais a partir do Código
Bustamante, advindo da Convenção de Havana de Direito Internacional,
ocorrida em 1928 e recepcionada entre nós pelo Decreto-Lei n° 18.871, de
13.08.1929. O tratado mais importante da espécie, ratificado pelo Brasil, foi o
Código Bustamante, de 20 de Fevereiro de 1928, promulgado pelo Decreto nº
18.871, de 13 de Agosto de 1929.

O Código Bustamante foi ratificado por quinze países sul-americanos.


Vários países, entretanto, declararam reservas quanto à aplicação da
convenção. Ademais, o art. 7º do Código permite aos países contratantes
determinarem o estatuto pessoal da pessoa física com autonomia própria. Isso
significa que aos países contratantes é facultado aderir livremente ao elemento
de conexão do domicílio ou ao da nacionalidade. Bustamante declarou-se a
favor do último, defendeu uma posição minoritária da América Latina;
prevaleceu, porém, na maioria dos Estados a adoção do elemento de conexão
do domicílio nas suas legislações.

O Código de Bustamante, contudo, não tem quase nenhuma aplicação


na prática. Quais seriam as razões para tanto?
O tratado é muito abrangente, refere-se, inclusive, a matérias que não
pertencem ao Direito Internacional Privado propriamente, como o Direito Penal
Internacional e a Extradição. Seu conteúdo é muitas vezes vago, e por isso
vários países declararam reservas quanto à sua aplicação, como já
mencionado. As regras contidas no tratado, em parte, não correspondem mais
às tendências modernas deste Direito.

O Código Bustamante tem limitado, consideravelmente, o seu campo de


aplicação, em virtude do reduzido número de causas de Direito Privado com
conexão internacional nos países vinculados juridicamente ao Código.

As normas do Direito Internacional Privado brasileiro encontram-se,


basicamente, na Lei de Introdução ao Código Civil. Essa lei é posterior à
promulgação do Código de Bustamante, e uma parte da doutrina e a
jurisprudência dominante entendem que a lei posterior derroga o tratado
anterior quando em conflito com este. Por fim, os juízes não conhecem o
Código Bustamante ou não querem aplicá-lo.

Não faltaram tentativas para revisar o Código Bustamante, levando em


consideração, particularmente, o fato de o Brasil, em 1942, com a nova Lei de
Introdução ao Código Civil ter abandonado a sua posição anterior de adotar o
princípio da nacionalidade, dando preferência àquele do domicílio quanto ao
estatuto pessoal da pessoa física. A guinada do Brasil a favor do elemento de
conexão do domicílio significava que todo continente americano, inclusive os
Estados Unidos, aplicaria o mesmo elemento de conexão, o que poderia ter
facilitado uma reformulação do Código. Todos os esforços nesse sentido,
contudo, não foram exitosos. Atualmente, as Conferências Especializadas
Interamericanas de Direito Internacional Privado são os motores da evolução
do Direito Internacional Privado no continente, limitando-se, porém, a
uniformizar determinadas matérias específicas da nossa disciplina.

1.4.2 - JURISPRUDÊNCIA

Nos países europeus, onde é intensa a atividade extraterritorial, em que


os grupos humanos se inter-relacionam em todos os campos da vida,
freqüentes os matrimônios entre pessoas de diversas nacionalidades e
domicílios, permanente o fluxo comercial, incessante o movimento turístico,
ocorrem fatos jurídicos internacionais a todo momento.

Daí a habitualidade com que os tribunais nacionais são solicitados a dirimir


litígios entre pessoas de diversas nacionalidades, domiciliados em países
diferentes, rica portanto a experiência dos europeus em matéria de conflito de
jurisdições, de conflito de leis, e em decisões sobre nacionalidade e sobre
direitos do estrangeiro.
Diante do laconismo do legislador francês e da lentidão com que as fontes
internacionais criam regras de solução, o papel dos tribunais desenvolveu-se
sobremaneira naquele país, afirmando Batiffol que "a fonte essencial do direito
internacional privado francês ainda se encontra até hoje na jurisprudência da
Corte de Cassação e nas jurisdições submetidas a seu controle".

No Brasil, como nos demais países sul-americanos, é ainda muito reduzida a


atividade internacional, tanto no campo das relações de família como nas
relações contratuais, civis e comerciais. Daí a escassez da produção
jurisprudencial, fenômeno este que faz atribuir à Doutrina um papel de
importância maior do que o prevalecente no continente europeu. A
Jurisprudência brasileira se limita praticamente a decisões sobre homologação
de sentenças estrangeiras e "exequatur" em cartas rogatórias, matérias
atinentes ao direito processual internacional, a processos de expulsão e de
extradição, sujeitos ao Estatuto do Estrangeiro e ao direito penal internacional e
a decisões no campo fiscal de caráter internacional. Raras as questões em que
nossas cortes têm oportunidade de aplicar direito estrangeiro.

Em nosso continente tem sido razoável a produção doutrinária, calcada nos


grandes autores europeus do século XIX, e na produção da doutrina européia
mais recente, sendo, contudo, uma obra mais teórica do que prática, enquanto
que os europeus têm escrito sobre o Direito Internacional Privado com a
atenção voltada para experiências efetivamente vividas que ocasionam
permanente produção jurisprudencial.

Assim, temos na Europa - e nos Estados Unidos mais ainda um Direito


Internacional Privado cada vez mais pretoriano e nos países da América Latina
um direito ainda enquadrado nos moldes antigos, do século XIX e primeira
parte do século XX.

1.4.3 - DOUTRINA

A doutrina é outra fonte reconhecida de Direito Internacional Privado,


tendo muito influenciado a evolução da nossa disciplina em todas as partes do
mundo. Veja-se que os princípios fundamentais do Direito Internacional
Privado moderno repousam nas teorias doutrinárias desenvolvidas desde o
século XIX.

É o campo do direito em que a doutrina tem mais desenvoltura, maior


aplicabilidade. Ela interpreta as decisões judiciais a respeito do Direito
Internacional Privado e com base nas mesmas desenvolve os princípios da
matéria. Entretanto, a doutrina também serve de orientação para os tribunais,
os quais muitas vezes recorrem a ela para decidir questões deste Direito.
O grande mérito da doutrina é o de ter elaborado um sistema de regras
jurídicas constitutivas da parte geral do Direito Internacional Privado. Estas
regras, raras vezes, incorporam-se diretamente à legislação dos Estados. Em
sua grande maioria são compostas por regras não escritas, e sua aplicação,
pelos tribunais, baseia-se de imediato, nas fontes doutrinárias.

Uma característica própria da doutrina é a sua visão global. Embora o


Direito Internacional Privado seja basicamente Direito Interno, eventualmente
uniformizado, em algumas das suas partes, o objeto da disciplina que trata de
relações jurídicas de Direito Privado com conexão internacional é estritamente
internacional. Por esse motivo, a doutrina que leva em consideração tal
aspecto é indispensável para o juiz, já que, para este, não é possível um
estudo mais abrangente, pela falta de tempo.

Nesse campo, a fonte doutrinária de grande repercussão é representada


pelos trabalhos dos institutos especializados na pesquisa do Direito
Internacional Privado e pelas convenções elaboradas nas conferências
internacionais, mesmo quando não vigentes pela falta do número necessário
de ratificações. Como essas convenções foram preparadas por especialistas
de alto nível, o valor doutrinário dos documentos é elevado, devendo ser
aproveitado pelos tribunais na aplicação do Direito Internacional Privado.

1.4.4 - COSTUMES

O costume tem sido a origem da maior parte das normas jurídicas


internacionais, e muitos dos tratados firmados foram a consagração escrita do
Direito Consuetudinário e podemos defini-la como o conjunto de atos e normas
não escritas, admitidas por dilatado tempo e observadas pelos Estados em
suas relações mútuas, como se Direito fossem.

O costume – “jus non scriptum” (direito não escrito) – se constitui de dois


elementos que se cifra na repetição uniforme de certos atos, e o psicológico,
que se traduz na crença de que a norma obedecida é obrigatória. Estes dois
princípios devem coexistir. São imprescindíveis para que o costume se
consolide juridicamente.

Não é demais adicionar que, nos termos da Lei de Introdução às Normas


Brasileiras, o juiz, quando a lei for omissa, decidirá o caso de acordo com a
analogia (aplicação de uma lei a hipóteses parecidas não presumidas por ela),
com os costumes e os princípios gerais do direito (aqueles que orientam o
ordenamento jurídico de cada Estado e que são reconhecidos pelos Estados
civilizados).

Assim, no caso de lacuna de uma norma adequada ao caso “sub judice”,


o julgador aplicará um preceito consuetudinário.
1.4.5 – TRATADOS E CONVENÇÕES

O Direito Internacional Privado tem importante fonte internacional (ou


externa) nos Tratados e Convenções, bilaterais e multilaterais.

Os Tratados em matéria de nacionalidade cuidam dos conflitos de


nacionalidade, visando evitar os inconvenientes da apatrídia e da dupla
nacionalidade. Destaca-se a Convenção da Haia sobre Nacionalidade, de
1930, promulgada no Brasil pelo Decreto n° 21.798 de 6-11-1932. O Código
Bustamante dedica um capítulo (artigos 9 a 21) à matéria da nacionalidade.

Sobre a condição jurídica do estrangeiro há vários diplomas que


delineiam os direitos dos estrangeiros bem como a competência dos Estados
de estabelecer restrições às suas atividades. A Convenção sobre Condição dos
Estrangeiros aprovada em Havana em 1928 foi promulgada no Brasil pelo
Decreto 18.956 de 22.10.1929. Ligados a esta temática as Convenções sobre o
refugiado e sobre o Asilo Diplomático.

O Conselho da Europa e a União Européia elaboraram vários


regulamentos sobre o regime de circulação de pessoas no território dos países
que compõem estas entidades regionais.

As matérias processuais também são objeto de convenções e tratados,


uns visando solução uniforme para as questões de competência internacional,
outros estabelecendo normas de colaboração internacional no plano da
homologação de sentenças estrangeiras e da extradição, bem assim em
matéria de citação e de obtenção de provas no exterior.

A União Européia elaborou a Convenção sobre Competência Judiciária e


Efeitos de Julgamentos, de 27-5-1968'° e o Conselho da Europa criou a
Convenção Européia de 1957 sobre Extradição. A Conferência Especializada
Interamericana sobre D.I.P. (CIDIP) aprovou várias convenções sobre cartas
rogatórias, homologação de sentença estrangeira e outros temas processuais.

O Brasil aprovou a Convenção da ONU sobre Prestação de Alimentos


no Estrangeiro pelo Decreto 56.826, de 2.9.1965, que formula importante
esquema de colaboração judicial internacional. Em matéria, extradição o Brasil
firmou vários tratados bilaterais.

E no campo dos conflitos de leis civis e comerciais que se concentra o


maior número e a mais importante coleção de diplomas legais internacionais de
nossa disciplina, que dividimos em duas categorias:
1. Convenções contendo regras unificadoras de solução de conflito de
leis.

O Direito Internacional Privado Uniformizado - são os diplomas


internacionais que estabelecem regras de conexão indicadoras das leis
aplicáveis. Constituem normas equiparáveis às contidas nos dispositivos legais
internos que fixam as regras sobre as leis aplicáveis em hipóteses de conflitos
entre duas ou mais leis eventualmente aplicáveis.

Na Europa destacam-se as Convenções da Haia, que estabelecem


soluções para conflitos de leis nos mais variados campos do direito civil e
comercial, as Convenções da União Escandinava, dos países do Benelux, as
Convenções de Genebra para solução de conflitos de lei em matéria cambiária,
a Convenção da União Européia, de 1968, sobre Reconhecimento Recíproco
de Sociedades, bem como a Convenção da União, de 1980, sobre a Lei
Aplicável às Obrigações Contratuais.

A interação do moderno direito europeu se manifesta nas recentes leis


sobre o direito internacional privado ao regularem certos aspectos da matéria
na exata conformidade de Convenções regionais de D.I.P. Isto ocorre com as
novas leis da Alemanha, da Suiça e da Itália. Esta faz menção expressa a
cinco convenções europeias de direito internacional privado.

No continente americano temos o Tratado de Lima, de 1878, os


Tratados de Montevidéu, de 1889 e 1939-40, o Código Bustamante, de 1928,
as Convenções Interamericanas da CIDIP aprovadas no Panamá, 1975,
Montevidéu, 1979, La Paz, 1983, Montevidéu, 1989 e México, 1994.

2. Convenções que aprovam Lei Uniforme para atividades de caráter


internacional

São exemplos as Convenções sobre Transportes Marítimo e Aéreo e


sobre a Compra e Venda Internacional - é o Direito Internacional Uniformizado.

O Estatuto da Corte Internacional de Justiça em seu artigo 38 enumera


as fontes de direito que deverão ser aplicadas pelo tribunal, em dispositivo que
repercute em todos os âmbitos do direito internacional, inclusive no da solução
dos conflitos de leis. Estas fontes são: a) as Convenções internacionais; b) o
costume internacional; c) os princípios gerais do direito reconhecidos pelas
nações civilizadas; e d) as decisões judiciais e a doutrina dos juristas mais
qualificados das diferentes nações.
2- TRATADOS E CONVENÇÕES DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
RELEVANTES PARA O BRASIL

2.1- Tratados à luz da jurisprudência do STF

A compreensão normativa e hierárquica dos tratados e convenções


internacionais passa pela forma de como são recepcionados e valorados pelo
sistema jurídico brasileiro. Nesse sentido, registra-se o entendimento do STF:

No sistema jurídico brasileiro, os tratados ou convenções


internacionais estão hierarquicamente subordinados à
autoridade normativa da Constituição da República.

[...]

Os tratados ou convenções internacionais, uma vez


regularmente incorporados ao direito interno, situam-se, no
sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade,
de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis
ordinárias, havendo, em conseqüência, entre estas e os atos
de direito internacional público, mera relação de paridade
normativa. Precedentes.

No sistema jurídico brasileiro, os atos internacionais não


dispõem de primazia hierárquica sobre as normas de direito
interno. A eventual precedência dos tratados ou convenções
internacionais sobre as regras infraconstitucionais de direito
interno somente se justificará quando a situação de antinomia
com o ordenamento doméstico impuser, para a solução do
conflito, a aplicação alternativa do critério cronológico ("lex
posterior derogat priori") ou, quando cabível, do critério da
especialidade.

[...]

O primado da Constituição, no sistema jurídico brasileiro, é


oponível ao princípio pacta sunt servanda, inexistindo, por
isso mesmo, no direito positivo nacional, o problema da
concorrência entre tratados internacionais e a Lei
Fundamental da República, cuja suprema autoridade
normativa deve sempre prevalecer sobre os atos de direito
internacional público. Os tratados internacionais celebrados
pelo Brasil - ou aos quais o Brasil venha aderir - não podem,
em conseqüência versar matéria posta sob reserva
constitucional de lei complementar. É que, em tal situação, a
própria Carta Política subordina o tratamento legislativo de
determinado tema ao exclusivo domínio normativo da lei
complementar, que não pode ser substituída por qualquer
outra espécie normativa infraconstitucional, inclusive pelos
atos internacionais já incorporados ao direito positivo interno.
(ADI-MC 1.480-3/DF, julg. 04.09.1997, in DJU de 18.05.2001)

O art. 17 da Lei de Introdução às Normas Brasileiras: ORDEM PÚBLICA

Enquanto exceção à aplicação do direito estrangeiro, a ordem pública se


apresenta como garantia da política jurídica do foro, protegendo valores
jurídicos fundamentais. Nesse sentido, ressalta a exigência do Estado em
aplicar a sua própria lei, em oposição à idéia de universalidade e harmonia
internacional, evidenciada pela regra de conflito. O caráter subsidiário,
excepcional, por outro lado, está em sintonia com o princípio de igualdade de
tratamento entre a lei do foro e a lei estrangeira que inspira o sistema conflitual
bilateral clássico. A concepção da ordem pública vem sendo tema de constante
reflexão pelos juristas que se dedicaram ao estudo do direito internacional
privado. A principal razão para tais contribuições recai na variabilidade no
tempo e no espaço da ordem pública por se tratar de um mero conceito
jurídico-formal. Irineu Strenger afirma que “por ordem pública em direito
internacional privado pretendem os jurisperitos designar toda aquela base
social, política de um Estado, que é considerada inarredável para
sobrevivência desse Estado.”

Acrescentando que Amílcar de Castro considera que “esse conceito de


ordem pública não é conceito jurídico propriamente dito, mas social.”

A ordem pública representa a via mais natural com que valores de


Direitos Humanos se inserem nesse ramo jurídico. Conforme acentua Nádia de
Araújo, “o caráter indeterminado, mutante e de difícil definição (da ordem
pública) só pode ser definido pela ótica dos direitos humanos, e não apenas de
acordo com as conveniências legislativas do Estado.”

Assegura-se, assim, um núcleo estável e de uma flexibilidade mais restrita


para a ordem pública, na medida em que esta conserva direitos humanos
fundamentais. Esse núcleo da ordem pública voltado para a proteção dos
direitos humanos representa uma preocupação internacionalizada, na medida
em que uma grande gama de países demonstram uma mesma tendência em
relação à concepção dos direitos humanos como princípio fundamental e
informador da ordem pública.

Do ponto de vista jurídico, apenas há um conceito de ordem pública.


Porém, a própria lei pode trazer esta expressão não se referindo ao conceito
jurídico de ordem pública, mas sim a um conceito social, como o faz o Código
de Processo Penal ao tratar da prisão preventiva, onde a manutenção da
ordem pública é sinônimo de garantia da paz social. Já a ordem pública
enquanto conceito jurídico é a linha moral média de uma dada sociedade. No
Brasil, devido ao tamanho do mesmo, teremos, na verdade, diversos níveis de
ordem pública diversos, mas como a legislação deve ser a mesma para todo o
território nacional, deve-se tirar uma média destas diversas morais locais ou
regionais para que se estabeleça um conceito jurídico nacionalmente aplicável
de ordem pública. Assim, pensa-se em um conceito de homem médio
brasileiro, que teria uma moral média, sendo esta a própria expressão da
ordem pública. Para o Direito Internacional Privado, o princípio de ordem
pública é o princípio mais importante deste ramo do Direito, pois, por exemplo,
é ele que nos orientará quando da homologação de sentença estrangeira, pois
esta apenas poderá ser homologada caso não atente a ordem pública
brasileira. A mesma lógica será aplicada em todo caso em que estejamos
diante da produção de efeitos por parte de ordens jurídicas estrangeiras em
território nacional. “Impede a aplicação de leis estrangeiras, o reconhecimento
de atos realizados no exterior e a execução de sentenças proferidas por
tribunais de outros países que sejam manifestadamente incompatíveis com a
ordem pública do foro.”

Como não há um conceito determinado de ordem pública, será o juiz do


caso que determinará in concretu se há ou não atentado à ordem pública. O
art. 17 da LINB se refere à ordem pública, definindo as conseqüências de uma
ofensa à ordem pública. Art. 17 da LINB: “As leis, atos e sentenças, de outro
país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil
quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.”
A redação do artigo é falha, pois os bons costumes já estão incluídos dentro do
conceito de ordem pública. Ordem pública é “o reflexo da filosofia sócio-
político-jurídica de toda legislação, que representa a moral básica de uma
nação e que protege as necessidades econômicas do Estado. É aferida pela
mentalidade e pela sensibilidade médias de determinada sociedade em
determinada época. Cabendo ao juiz ou Tribunal decidir o que seja contrário à
ordem pública.”

Caso a legislação seja contrária à ordem pública, mesmo que ela seja
aprovada, respeitando todo o trâmite burocrático do processo legislativo, não
terá eficácia na prática, caindo em desuso, como era o caso do adultério antes
de sua revogação expressa.

As características da Ordem Pública são: relatividade/instabilidade (varia


no tempo e no espaço pois emana da mens populi, deriva da sensibilidade e
mentalidade provenientes de uma média nacional – por exemplo, quando o
divórcio não era possível no Brasil, o STF não homologava sentença
estrangeira de divórcio, no máximo, considerando-a um desquite) e
contemporaneidade (por ser instável, cabe ao aplicador da lei atentar para o
estado da situação à época em que vai se julgar a questão, sem levar em conta
a mentalidade prevalente à época da ocorrência do ato ou fato jurídico). A
ordem jurídica possui diversos níveis. No interno, a ordem pública funciona
como princípio limitador da vontade das partes, cuja liberdade não é admitida
em determinados aspectos da vida privada, sob pena de invalidade do ato
jurídico que não poderá ser sanada com o tempo. Como exemplos temos as
leis de proteção aos menores, à família e à economia nacional. No nível
internacional, temos o impedimento da aplicação de lei estrangeira indicada
pelas regras de conexão do Direito Internacional Privado ou de homologação
de sentença estrangeira que estejam em oposição à ordem pública do Estado
nacional onde estas pretendem se fazer valer.

No caso de casamento polígamo de um homem com diversas mulheres,


apenas o primeiro será reconhecido pelo Brasil. Isto não significa, porém, que
as outras mulheres com seus respectivos não possam pleitear alimentos em
juízo. Na verdade isto é sim possível, pois entre conceder alimentos a alguém
que não é casado segundo a lei nacional ou deixar esta pessoa sem nenhuma
fonte de sustento ofende mais a ordem pública a segunda opção, assim o
Brasil não reconhecerá os outros casamentos, mas poderá sim deixar que
estes produzam certos efeitos, sempre ponderando o que é mais atentatório à
ordem pública. Em suma, em caso de direitos adquiridos no exterior, sempre
teremos ponderar o que é menos violadora da ordem jurídica nacional.

Na hipótese de Federações, como é o caso dos EUA e da Alemanha,


pode existir uma ordem pública diversas em cada unidade federativa. O último
nível da ordem pública é o universal, que inspira a colaboração das nações,
como é o caso da repressão aos crimes de natureza eminentemente
internacional, elaboração de Convenções de Direito Internacional e
regulamentação das empresas de atividade internacional, assim como o dever
de garantir a segurança internacional. Surge, ainda, a noção de ordem pública
européia dos direitos humanos.

Isto aconteceu na Corte Européia de Direitos Humanos no Caso


Loizidou em 1995.

Dada a na especificidade dos direitos enunciados na Convenção


européia e no caráter objetivo das obrigações das partes, a Corte recusou-se a
validar a reserva feita pela Turquia em relação à aplicação espacial da
convenção à República Turca do Chipre do Norte.

“Esta noção de ordem pública européia consolidada pela jurisprudência


da Corte Européia de Direitos Humanos, apresenta três características, que os
direitos humanos enunciados na Convenção Européia não podem ser
derrogados, são irrenunciáveis e devem ser considerados de ofício nas
jurisdições nacionais.”
Jurisprudência em matéria de Ordem Pública

Kilberg Vs. Northeast Airlines, Inc

Kilberg morreu num vôo desta companhia e a família entrou com uma
ação pedindo uma indenização de 150mil dólares, mas a companhia
argumentou que, segundo a lei do local de sua sede, a indenização é de 15mil.
O tribunal de Nova Iorque, local onde foi intentado a ação, disse que “seria
contra a ordem pública de Nova York estabelecer qualquer tipo de limitação à
indenização por morte (norma constitucional).”

Sentenças muçulmanas que decretam o repúdio a mulher

O STJ sempre nega homologação de sentenças muçulmanas que decretam o


repúdio da mulher pelo marido sem que a ré tenha oportunidade de ser ouvida.
Esta é uma forma de se dar fim ao vínculo entre marido e mulher no direito
muçulmano através de ato unilateral por parte do homem, sem que a mulher se
pronuncie de nenhuma maneira. Segundo o STJ, isto feriria o princípio do
contraditório e, por conseqüência, a ordem pública brasileira, daí esta recusa.

Dívida de Jogo

Quanto à dívida de jogo contraída no exterior, em país onde tal débito pode ser
cobrado judicialmente, já tivemos casos onde brasileiros contraíram tal dívida
de jogo no exterior, mas se recusaram a pagar alegando que seria tal cobrança
contrária à ordem pública brasileira a cobrança de tal dívida. Nesse sentido,
vide a Carta Rogatória (CR) n° 10.415, julgada perante o STF em 18/03/2003,
acórdão em que se definiu que a cobrança de dívida de jogo, contraída em
outro país, no qual se permite a “jogatina”, ainda assim deveria ser rechaçado
perante a ordem pública brasileira, motivo pelo qual o STF negou o exaquatur.
Entretanto, tais ocorrências vêm exigindo maior estudo por parte das
autoridades jurisdicionais brasileiras, no sentido de que a dívida foi contraída
em outro país de maneira legal, assim havendo uma obrigação de pagar que,
em tese, seria legítima. Não se estaria discutindo o jogo, mas a obrigação
decorrente. Nesse sentido:

CARTA ROGATÓRIA — CITAÇÃO — AÇÃO DE COBRANÇA


DE DÍVIDA DE JOGO CONTRAÍDA NO EXTERIOR —
EXEQUATUR — POSSIBILIDADE.
Não ofende a soberania do Brasil ou a ordem pública conceder
exequatur para citar alguém a se defender contra cobrança de
dívida de jogo contraída e exigida em Estado estrangeiro, onde
tais pretensões são lícitas.(AgRg na CR 3.198/US, Rel. Ministro
HUMBERTO GOMES DE BARROS, CORTE ESPECIAL,
julgado em 30/06/2008, DJe 11/09/2008).

Outras jurisprudências internacionais de destaque

Entre as duas grandes guerras mundiais funcionou na Haia a Corte


Permanente de Justiça Internacional, patrocinada pela Liga das Nações,
substituída, após a 2a Guerra, sob a égide das Nações Unidas, pela Corte
Internacional de Justiça. Escassa foi a produção jurisprudencial das duas
Cortes em matéria de Direito Internacional Privado, destacando-se o caso Boll
entre a Suécia e a Holanda, relativo a Convenção da Haia de 1902 sobre a
tutela de menores, mandando aplicar a lei sueca a uma criança holandesa,
apesar da regra da nacionalidade estabelecida pela Convenção, assim
determinando por força do princípio da ordem pública.

Sobre nacionalidade a Corte expediu o Aviso de 7 de fevereiro de 1923


a respeito do conflito entre a França e a Inglaterra relativo aos decretos
franceses sobre a aquisição de nacionalidade na Tunísia e no Marrocos, tendo
reconhecido a validade das disposições francesas.

Em 1955 a Corte decidiu o caso Nottebohm, em que não foi reconhecida


a nacionalidade, por naturalização, concedida por Liechtenstein a um cidadão
alemão que residia na Guatemala.

Sobre a condição jurídica do estrangeiro, a Corte Permanente julgou em


1926 um caso referente à expropriação sem indenização de usinas alemãs na
Silésia após a anexação da área pela Polônia, em que se proclamou o princípio
internacional de proteção à propriedade privada.

Em matéria de conflito de leis destaca-se o julgamento, em 1929, dos


empréstimos emitidos na França pelos governos sérvio e brasileiro 4g, tendo a
Corte decidido pela aplicação do direito do país devedor. Em 1958, o referido
caso Boll, julgou uma questão de família, aplicando o direito sueco a uma
criança residente na Holanda.

Em Barcelona Traction, Light and Power Company,49 julgado em 1970,


a Corte negou legitimidade à Bélgica para defender interesses dos acionistas
de nacionalidade belga, porque a sociedade fora constituída de acordo com o
direito canadense, e somente este país, e não a Bélgica, poderia questionar a
legalidade da decretação da falência da sociedade pela justiça espanhola.

No caso Ambatielos, a Corte decidiu em 1956 favoravelmente à


reclamação da Grécia contra o Reino Unido, que não deveria ter julgado o caso
antes de submetê-lo à arbitragem, conforme tratados firmados entre a Grécia e
o Reino Unido.

Em 1989 a Corte julgou improcedente reclamação do governo norte-


americano em que reivindicava indenização por danos sofridos por cidadãos
americanos em conseqüência de atos do governo italiano que teriam levado à
falência da Elettronica Sicula S.P.A. (Elsi) controlada por capitais americanos.

O número reduzido de casos submetidos à Corte se deve ao fato de que


as questões de direito internacional privado geralmente afetam particulares,
que não têm acesso à Corte, e os Estados raramente se prontificam a advogar
os interesses de seus cidadãos perante a jurisdição internacional na Haia.

No campo do direito comercial internacional as diversas cortes de


arbitragem internacional têm produzido considerável jurisprudência que tem se
constituído em importante fonte de direito internacional privado, tanto em sua
manifestação de soluções conflituais, como, e principalmente, de soluções de
caráter substancial, conhecida como lex mercatoria - uma lei não escrita, de
caráter uniforme, internacionalmente aceita, para reger as relações comercias
transnacionais.

Direito Internacional Intertemporal


  Outro fenômeno - conflito espacial de normas temporais ocorre quando a
regra de D.I.Priv. do foro indica a aplicação de determinado direito estrangeiro
e neste vamos encontrar uma alteração temporal no direito interno, isto é, uma
lei antiga modificada por lei mais recente, vigendo lá regra de Direito Transitório
que manda atender à lei nova sobre fato ocorrido na vigência da lei anterior.
Como proceder - aceitar o direito estrangeiro como um todo, inclusive sua regra
retroativa, ou aplicar o direito estrangeiro material anterior, em respeito à regra
do Direito Intertemporal do foro que determina a aplicação da norma vigente à
época da ocorrência do fato?

A resposta da Doutrina é de que deverá ser respeitada a regra de Direito


Intertemporal do sistema jurídico declarado competente, ou seja, o Direito
Transitório interno do Estado estrangeiro. Como dizem Loussouarn e Bourelii o
Direito Intertemporal é uma questão interna, devendo-se entender que a opção
do D.I.P. por um determinado sistema jurídico tem efeitos amplos, incluindo-se
nela o direito transitório do sistema jurídico indicado.

O direito estrangeiro tem de ser aplicado na sua "plenitude", diz Oscar


Tenório ou na sua "integridade" como recomenda Haroldo Valladão.

Na já referida reunião do Instituto de Direito Internacional, foi deliberado


que "o efeito temporal de uma mudança no direito aplicável é determinado por
este direito.”

Todavia, há uma hipótese em que esta regra será de difícil sustentação -


quando o Direito Intertemporal estrangeiro não respeitar direitos adquiridos,
que se constituam no foro em princípio fundamental. Como aplicar uma regra
nova do direito estrangeiro que, em conflito com regra anterior, não respeita
direito adquirido sob a égide desta?

A doutrina, tanto estrangeiras como a brasileira  ressalvam que a


aplicação integral do direito estrangeiro, inclusive suas regras de Direito
Intertemporal, sofre restrição sempre que contiver norma que seja chocante à
ordem pública do foro, como na hipótese em que não respeita os direitos
adquiridos, que, no sistema jurídico brasileiro, são protegidos por regra
constitucional, desde a Carta de 1946, atualmente, contida no artigo 5°, §
XXXVI da Carta de 1988.

Exemplo da aplicação de Direito Internacional Intertemporal

Um casal de alemães contraiu núpcias em 1943 no país de sua


nacionalidade, onde eram domiciliados. O Código Civil alemão previa a
separação de bens quando da extinção da sociedade conjugal. Em 1957 foi
promulgada a lei sobre igualdade do homem e da mulher, que, dentre outras
regras, dispõe que o regime comum é o da comunhão de aquestos,
determinando, inclusive, que o novo regime se aplique aos matrimônios
celebrados anteriormente.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro,  julgando questão entre


sobrevivente do casal contra o espólio do cônjuge falecido, aplicou o novo
direito alemão sobre regime de bens, aceitando a retroatividade de sua norma
a casamento contraído antes da nova lei.

Assim, o Tribunal aplicou a lei alemã, conforme determinado pelo artigo


7°, § 4°, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro que remete a
matéria de regime de bens à lei do domicílio dos nubentes, e, em havendo
conflito temporal da lei material estrangeira, seguiu a regra do Direito
Intertemporal alemão, que ordena a aplicação da lei nova, inclusive para
casamentos celebrados anteriormente.

Esta decisão obedeceu integralmente o direito estrangeiro, inclusive no


ponto em que o mesmo determina a retroatividade da lei relativa ao regime de
bens, o que não ocorre no Brasil, tanto que a Lei 6.515/77, que introduziu o
divórcio no Brasil e substituiu o regime da comunhão universal pelo da
comunhão parcial, só é aplicada aos matrimônios celebrados a partir da
vigência da lei nova.
3- NACIONALIDADE

Nacionalidade “é a qualidade ou condição de nacional, atribuída a uma


pessoa ou coisa, em virtude do que se mostram vinculadas à Nação, ou ao
Estado, a que pertencem ou de onde se originaram 3”.

Nação não deve ser confundida com Povo. Nação é a ligação de


pessoas por idênticas tradições e costumes, aliadas a laços históricos,
culturais, econômicos e, geralmente, unidas pelo mesmo idioma. Povo, por sua
vez, são pessoa que vivem no Estado de forma permanente, ligadas pelo
vínculo jurídico de nacionalidade.

A nacionalidade pode ser originária, também chamada de primária ou


derivada, também conhecida por secundária.

A originária é aquela atribuída no instante do nascimento e a secundária


é a concedida em momento posterior.

A originária está vinculada ao jus soli e jus sanguinis. Já a derivada ou


secundária observa o jus domicilii, o jus laboris e o jus communicatio.

O jus soli é o critério de origem territorial, sendo que a nacionalidade


originária se estabelece pelo lugar do nascimento, independentemente da
nacionalidade do país. É o adotado no Brasil e nos demais Estados
americanos, bem como no continente africano.

O jus sanguinis é um critério de filiação, pois a nacionalidade é


atribuída de acordo com a nacionalidade dos pais, independentemente do local
de nascimento. É adotado sobretudo no continente europeu, pois cuidam-se de
países de emigração, que consideraram plenamente adequado a atribuição aos
descendentes dos seus nacionais, com o fim de evitar a redução de sua
população. Não importa o fato de os pais terem alterado posteriormente a
3
De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, Vol. III, p. 224.
nacionalidade, pois o critério se fundamenta na nacionalidade que tinham os
progenitores à época do nascimento do filho.

O jus domicilii é um critério de domicílio, pois a nacionalidade derivada


é atribuída a uma pessoa observando-se o local onde ela se considera
estabelecida, com ânimo definitivo, para os efeitos legais. Para tal atribuição,
normalmente o Estado estatui certo lapso temporal de domicílio em seu
território. A Constituição de 1988, em seu art. 12, II, alínea b, aduz que os
estrangeiros que estabelecerem domicílio no Brasil por mais de 15 anos
ininterruptos e sem condenação penal, desde que a requeiram, poderão obter a
nacionalidade derivada, decorrente do processo de naturalização.

O naturalizado terá que se submeter a processo judicial, provar


conhecer a língua portuguesa e renunciar expressamente à nacionalidade
anterior.

O jus laboris há atribuição da nacionalidade ocorre em face da


prestação de serviço por uma pessoa em favor do Estado. Trata-se de um
elemento que oferece condições para auxiliar a obtenção da naturalização.

Pelo jus communicatio atribui-se a nacionalidade pelo casamento,


dependendo, obviamente, da aceitação pelo cônjuge.

3 – O ESTRANGEIRO EM TERRITÓRIO NACIONAL

Estrangeiro é aquele que não seja oriundo do território de determinado


Estado. O estrangeiro tem seus direitos regulados pela Lex loci, ou seja, a
regra do local onde se encontre e não a proveniente de seu país de
naturalidade. Os tratados e convenção internacionais, tais como a Declaração
Universal dos Direitos do Homem, o Código de Bustamante e a Convenção de
Havana sobre o Direito dos Estrangeiros (1928), são unânimes ao estabelecer
que os estrangeiros em território diverso do seu, seja em caráter transitório ou
mesmo definitivo, goza dos mesmos direitos cívicos, excetuados aqueles
vinculados exclusivamente aos nacionais, por força constitucional.

3.1 – INGRESSO DO ESTRANGEIRO EM TERRITÓRIO NACIONAL

Desde os primórdios, especialmente no governo imperial, o Brasil foi


pouco restritivo em relação ao ingresso e permanência de estrangeiros em
território nacional. As Constituições de 1934 e 1937 foram um poucos mais
rígidas, estabelecendo critérios relativos a um número limite de estrangeiros,
relativos a determinada nacionalidade, em território brasileiro. Após, em 1946 e
1967, eliminou-se tais restrições, consagrando a atual Carta Magna, em seu
art. 5°, XV, que “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz,
podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele
sair com seus bens”. No art. 22, XV, firmou-se a competência da União em
matéria relativa à “emigração e imigração, entrada, extradição e expulsão de
estrangeiros”.

Atualmente, vigora a Lei n°6.815/1980, conhecido Estatuto do


Estrangeiro, como Diploma que regula os direitos, bem como as obrigações e o
status do estrangeiro em território nacional.

VISTOS

A concessão de vistos pelo governo brasileiro é ato de soberania,


possuindo o estrangeiro mera expectativa de direito. O Brasil pode negar a
concessão de visto, nos termos do art. 26, especialmente quando de ameaça a
proteção interna, manutenção da ordem pública etc.

Existem as seguintes espécies de vistos concedidos pelo Brasil a


estrangeiros quando de seu ingresso no país: de trânsito, turista, temporário,
permanente, de cortesia, oficial e diplomático.

DE TRÂNSITO
Art. 8º - O visto de trânsito poderá ser concedido ao estrangeiro que, para
atingir o país de destino, tenha de entrar em território nacional.

        § 1º O visto de trânsito é válido para uma estada de até 10 (dez) dias
improrrogáveis e uma só entrada.

        § 2° Não se exigirá visto de trânsito ao estrangeiro em viagem contínua,


que só se interrompa para as escalas obrigatórias do meio de transporte
utilizado.

TURISTA

 Art. 9º O visto de turista poderá ser concedido ao estrangeiro que venha ao


Brasil em caráter recreativo ou de visita, assim considerado aquele que não
tenha finalidade imigratória, nem intuito de exercício de atividade remunerada.

 Art. 10. Poderá ser dispensada a exigência de visto, prevista no artigo anterior,
ao turista nacional de país que dispense ao brasileiro idêntico tratamento.

        Parágrafo único. A reciprocidade prevista neste artigo será, em todos os


casos, estabelecida mediante acordo internacional, que observará o prazo de
estada do turista fixado nesta Lei.

Art. 12. O prazo de validade do visto de turista será de até cinco anos, fixado
pelo Ministério das Relações Exteriores, dentro de critérios de reciprocidade, e
proporcionará múltiplas entradas no País, com estadas não excedentes a
noventa dias, prorrogáveis por igual período, totalizando o máximo de cento e
oitenta dias por ano.

TEMPORÁRIO

Art. 13. O visto temporário poderá ser concedido ao estrangeiro que pretenda
vir ao Brasil:

        I - em viagem cultural ou em missão de estudos;

        II - em viagem de negócios;


        III - na condição de artista ou desportista;

        IV - na condição de estudante;

        V - na condição de cientista, professor, técnico ou profissional de outra


categoria, sob regime de contrato ou a serviço do Governo brasileiro;

        VI - na condição de correspondente de jornal, revista, rádio, televisão ou


agência noticiosa estrangeira.

        VII - na condição de ministro de confissão religiosa ou membro de instituto


de vida consagrada e de congregação ou ordem religiosa

 Art. 14. O prazo de estada no Brasil, nos casos dos incisos II e III do art. 13,
será de até noventa dias; no caso do inciso VII, de até um ano; e nos demais,
salvo o disposto no parágrafo único deste artigo, o correspondente à duração
da missão, do contrato, ou da prestação de serviços, comprovada perante a
autoridade consular, observado o disposto na legislação trabalhista. 

        Parágrafo único. No caso do item IV do artigo 13 o prazo será de até 1


(um) ano, prorrogável, quando for o caso, mediante prova do aproveitamento
escolar e da matrícula.

PERMANENTE

Art. 17. Para obter visto permanente o estrangeiro deverá satisfazer, além dos
requisitos referidos no artigo 5º, as exigências de caráter especial previstas nas
normas de seleção de imigrantes estabelecidas pelo Conselho Nacional de
Imigração.

 Art. 18. A concessão do visto permanente poderá ficar condicionada, por prazo
não-superior a 5 (cinco) anos, ao exercício de atividade certa e à fixação em
região determinada do território nacional.

 Art. 19. O Ministério das Relações Exteriores definirá os casos de concessão,


prorrogação ou dispensa dos vistos diplomáticos, oficial e de cortesia.
Deportação

Entre as formas coercitivas de retirada do estrangeiro do Brasil,


temos a deportação, regulada nos artigos 57 a 64 da Lei 6815/80 e artigos 98 e
99, do respectivo Decreto de regulamentação.

A deportação consiste em fazer sair do território brasileiro o


estrangeiro que nele tenha entrado clandestinamente ou nele permaneça em
situação de irregularidade legal, se do País não se retirar voluntariamente
dentro do prazo que lhe for fixado (art. 57).

Segundo estabelece o art. 98, do Decreto 86.715/81, o


estrangeiro que entrou ou se encontra em situação irregular no país, será
notificado pela Polícia Federal, que lhe concederá um prazo variável entre um
mínimo de três e máximo de 8 dias, conforme o caso, para retirar-se do
território nacional. Se descumprido o prazo, o Departamento de Polícia Federal
promoverá a imediata deportação.

Vale ressaltar que a deportação só ocorrerá se o estrangeiro não


se retirar voluntariamente depois de haver recebido a notificação da autoridade
competente. A retirada voluntária é, pois, o elemento que diferencia,
fundamentalmente, a deportação dos outros dois meios de afastamento
compulsório, a expulsão e a extradição.

A previsão legal de que ao estrangeiro será dado um prazo para


que se retire do país não é absoluta. Se for conveniente aos interesses
nacionais, a deportação será efetivada independentemente de ser concedido
ao estrangeiro o prazo fixado no Decreto 86.715/81 (art.98, 2º).

A deportação afasta o estrangeiro do país, mas não impede seu


regresso, de forma regular. Exige-lhe a Lei 6.815/80 que para retornar ao
Brasil, o deportado deverá ressarcir ao Governo brasileiro as despesas
efetuadas com sua deportação.

Segundo Guimarães4 estendem-se a uma vasta relação os casos


específicos de Deportação. Incluem-se entre as causas todas as situações em

4
Francisco Xavier da Silva Guimarães, ex-subsecretário de Estrangeiros do Ministério da Justiça, In:
Revista de Doutrina e Jurisprudência, Brasília, 36(1):9-34,maio /ago 1991.
que haja descumprimento das restrições ou condições impostas ao estrangeiro,
quais sejam, por exemplo: exercer atividade remunerada nos casos em que
esta não é permitida; deslocar-se para regiões além do âmbito estabelecido;
afastar-se do local de entrada no país sem o documento de viagem e o cartão
de entrada e saída devidamente visados pelo Órgão competente; exercer
atividade diversa da que foi solicitada e autorizada em contrato de trabalho;
serviçal, com visto de cortesia, que exerça atividade remunerada para outro
que não seja o titular do visto que o chamou; a mudança de empresa a quem
presta serviço o estrangeiro, sem permissão do Ministério do Trabalho;
estrangeiro em trânsito, estudante ou turista que exerça atividade remunerada,
entre outras. No rigor da lei, a estada irregular do estrangeiro, não se refere
apenas à permanência no território nacional por período superior ao permitido,
mas, sim, a todas as circunstâncias que representam qualquer desrespeito aos
deveres, restrições ou limites impostos ao estrangeiro. Estes e outros casos de
desobediência às normas fixadas em lei, como causa de deportação, estão
previstas no art. 57, parágrafo 1º, da Lei 6815/80.

Uma legislação que apresenta tais características e, sobretudo, o


extremo rigor com que esta é aplicada, merece ser revista não apenas em
aspectos ou disposições isoladas. Comporta que se repense a convivência da
sociedade como um espaço de horizontes universais, onde vivem seres
humanos portadores de valores, de contributos, de riquezas e de dignidade que
ultrapassam as fronteiras da nacionalidade e dos limites geográficos de um
país.

No que tange ao país de destino, a Lei 6815/80, art. 58, parágrafo


único: “A deportação far-se-á para o país de nacionalidade ou de procedência
do estrangeiro, ou para outro que consinta em recebê-lo”. Dá-se direito de
opção ao deportando.

Finalmente, assegura o Estatuto do Estrangeiro que não se


procederá a deportação se esta medida implicar em extradição não admitida
pela Lei brasileira (art. 63, Lei 6815/80).

Expulsão
A expulsão do estrangeiro que se encontre em território brasileiro
está disciplinada na Lei 6815/80, nos artigos 65 a 75 e no Decreto 86.715/81,
art. 100 a 109.

Sem nos determos à análise e discussão, no campo doutrinal,


sobre o instituto da expulsão, buscaremos explicitar o seu tratamento e
aplicação nos termos em que o estabelece o Estatuto do Estrangeiro e o
correspondente Decreto de Regulamentação.

O artigo 65 (Lei 6815/80) determina: “É passível de expulsão o


estrangeiro que, de qualquer forma, atentar contra a segurança nacional, a
ordem política ou social, a tranqüilidade ou moralidade pública e a economia
popular, ou cujo procedimento o torne nocivo à conveniência e aos interesses
nacionais”.

Mas, não se esgotam ali as causas de expulsão, sendo


igualmente passível de deportação, o estrangeiro que (parágrafo único do art.
65):

a)“praticar fraude a fim de obter sua entrada ou permanência no


Brasil;

b) havendo entrado no território nacional com infração à lei, dele


não se retirar no prazo que lhe for determinado, não sendo aconselhável a
deportação;

c) entregar-se à vadiagem ou à mendicância; ou

d) desrespeitar proibição especialmente prevista em lei para


estrangeiro”.

A expulsão é formalizada através de Decreto de competência


exclusiva do Presidente da República, a quem cabe resolver sobre a
conveniência e a oportunidade da expulsão e de sua revogação (art. 66). Uma
vez decretada e efetivada a expulsão, uma de suas graves conseqüências é a
impossibilidade do estrangeiro retornar ao Brasil. O retorno é crime, tipificado
no Código Penal brasileiro5, no Capítulo dos Crimes contra a Administração da

5
Lei 2848, de 07 de dezembro de 1940.
Justiça, cujo art. 338 estabelece: “Reingressar no território nacional o
estrangeiro que dele foi expulso: Pena - reclusão, de um a quatro anos, sem
prejuízo de nova expulsão após o cumprimento da pena”. Somente a
revogação, de competência exclusiva do Presidente da República, permitirá
seu regresso.

Ao Ministro da Justiça compete instaurar o inquérito, que na maior


parte das infrações6, será sumário, não excedendo ao prazo de 15 dias. É
assegurado o direito de defesa, mas não cabe pedido de reconsideração. O
Ministro da Justiça poderá, a qualquer tempo, determinar a prisão, por noventa
dias, do estrangeiro em processo de expulsão, podendo, igualmente, prorrogar
tal medida por outro igual período. Caso o processo não se conclua no prazo
de até 6 meses, o estrangeiro será posto em liberdade vigiada e, se vier a
descumprir as condições de conduta impostas, pode ter sua prisão decretada
novamente.

Conforme já referido em capítulo anterior, é inexpulsável o


estrangeiro que tenha cônjuge brasileiro, de quem não esteja separado de
direito ou de fato, ou filho brasileiro sob sua guarda e manutenção econômica
(art. 75). Contudo, o parágrafo 1º do mesmo artigo, ressalva que não impedem
a expulsão, a adoção ou reconhecimento de filho brasileiro superveniente ao
fato que a motivar. Igualmente, em se configurando o abandono do filho, o
divórcio ou a separação do casal, a expulsão poderá ocorrer a qualquer tempo
(Parágrafo 2º). Ainda com base no art. 75, da lei 6815//80, não se procederá a
expulsão se esta implicar em extradição inadmitida pela lei brasileira.

Expulsão e Refúgio: especificação introduzida no direito nacional,


relativamente à expulsão é o disposto na Lei 9474, de 22 de julho de 1997, a
chamada Lei de Refugiados, que, na verdade, se ocupa da implantação do
Estatuto dos Refugiados de 1951, em nosso país. A matéria afirma, no direito
interno, os compromissos do Brasil como signatário da Convenção de
Genebra, de 1951, especificamente os artigos 32 e 33, daquela Convenção das
Nações Unidas. Assim, a Lei nº 9474/97, em seu art. 36, é peremptória ao

6
Incluem-se os casos de infração contra a segurança nacional, a ordem política ou social e a economia
popular, assim como os casos de comércio, posse ou facilitação de uso indevido de substância
entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, bem como o desrespeito a proibição
especialmente prevista me lei para estrangeiros.
afirmar que não será expulso o refugiado que esteja regularmente registrado,
exceto em caso de existirem motivos de segurança nacional ou ordem pública.
E esclarece, no artigo 37 que, em caso de decretar-se a expulsão de um
refugiado, esta não resultará em sua retirada para país onde sua vida,
liberdade ou integridade física possam estar em risco, e apenas será efetivada
quando houver certeza de que o mesmo irá para um país onde não haja riscos
de perseguição.

Para ultimar, uma referência a respeitáveis juristas brasileiros


que, comentando o direito vigente no Brasil, ao analisar a natureza punitiva da
expulsão, classificam-na como um provimento sancionatório da autoridade
administrativa, embora não se constitua em pena, no sentido específico de
sanção à conduta criminosa, imposta por sentença judicial. “Assim, pelas
características de que se reveste, implicando restrição à liberdade de
locomoção do ser humano no que afasta compulsoriamente o estrangeiro do
território nacional, impõe-se a sua interpretação restrita, com observância dos
princípios publicísticos da legalidade e da amplitude do direito de defesa” 7.

Com igual precaução e humanidade, manifesta-se Carvalho, face


às conseqüências de que se reveste a expulsão, particularmente no direito
brasileiro que a torna medida em caráter definitivo contra o estrangeiro,
restringindo sua revogação a ato privativo do Presidente da República. “A
expulsão, pelo caráter discriminatório de que se reveste, é medida
intrinsecamente odiosa. É preciso, pois, restringi-la aos casos reais e
provadamente atentatórios da ordem pública, cujos limites devem ser
precisamente determinados, quer através a jurisprudência administrativa, quer
através da doutrina. A eficácia da expulsão, como medida de preservação da
ordem pública, não vai a ponto de justificar-lhe decretação sem o mínimo de
observância dos princípios de defesa dos direitos humanos”8.

Extradição

7
CAHALI, Yussef Said, Estatuto do Estrangeiro, Editora Saraiva, 1983, p. 236-237.
8
CARVALHO, Dardeau, A situação Jurídica do Estrangeiro no Brasil. São Paulo, Sugestões Literárias S.A.,
1976, p. 113.
A extradição é o ato pelo qual um Estado faz a entrega, para fins
de ser processado ou para a execução de uma pena, de um indivíduo acusado
ou reconhecido culpável de uma infração cometida fora de seu território, a
outro Estado que o reclama e que é competente para julgá-lo e puni-lo.

O Ministério da Justiça, no Guia9 para estrangeiros no Brasil,


expressa que a extradição é ato de defesa internacional, forma de colaboração
na repressão do crime. Objetiva a entrega de um infrator da lei penal, que, no
momento, se encontra em nosso país, para que possa ser julgado e punido por
juiz ou tribunal competente do país requerente, onde o crime foi cometido.
Trata-se, pois, de um ato com fundamento na cooperação internacional no
combate e repressão à criminalidade.

A extradição está definida nos artigos 76 a 94 do Estatuto do


Estrangeiro, e constitui uma faculdade do País concedê-la (“poderá ser”), como
se depreende do art.76: “A extradição poderá ser concedida quando o governo
requerente se fundamentar em tratado, ou quando prometer ao Brasil a
reciprocidade”. Baseia-se, pois, em pedido de governo estrangeiro,
fundamentado em tratado existente com o Brasil ou em compromisso de
reciprocidade.

A legislação brasileira é taxativa quanto às situações em que a


extradição não será concedida (art. 77):

I – se tratar de brasileiro, salvo se a aquisição dessa


nacionalidade se verificar após o fato que motivar o pedido;

II – quando o fato que está à base do pedido não for crime no


Brasil ou no Estado requerente;

III – nos casos em que o Brasil for competente, segundo suas leis,
para julgar o crime imputado ao extraditando;

IV – se a pena imposta pela lei brasileira para o crime for igual ou


inferior a um ano;

9
Ministério da Justiça: Guia para Orientação a estrangeiros no Brasil, Departamento de Estrangeiros da
Secretaria de Justiça , Brasília-DF, 1997.
V – no caso em que o extraditando estiver respondendo processo
ou já houver sido condenado ou absolvido no Brasil pelo mesmo fato em que
se funda o pedido de extradição;

VI – quando estiver a extinta a punibilidade pela prescrição de


acordo com a lei brasileira ou a do Estado requerente;

VII – se o for pedida com base em crime político; mas essa


exceção não impedirá a extradição, quando o crime comum, conexo ao delito
político, constituir o fato principal;

VIII – se o extraditando tiver que responder, no Estado


requerente, perante um Tribunal ou Juízo de Exceção.

A apreciação do caráter da infração alegada pelo Estado


requerente é de competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal (Art. 77,
parágrafo 2º).

Ainda segundo a Lei 6815/80, a extradição será requerida por via


diplomática, ou na falta de agente diplomático, diretamente de governo a
governo. Recebido o pedido, o Ministério das Relações Exteriores o enviará ao
Ministério da Justiça, que o remeterá ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Assinalamos aqui mais uma disposição do Estatuto do Estrangeiro derrogada
pela Constituição Federal de 1988. Senão vejamos: Dispõe a Lei 6815/80 que
“o Ministério da Justiça ordenará a prisão do extraditando, colocando-o à
disposição do Supremo Tribunal Federal” (art. 81). Promulgada em 1988, a
Constituição Federal ao tratar dos Direitos e Garantias Fundamentais,
assegura “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita
e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de
transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei” (CF, art. 5º,
inciso LXI).

A Jurisprudência do STF confirma a revogação do dispositivo da


Lei 6815/80. Vejamos decisão unânime do Tribunal Pleno, em pedido de
Habeas Corpus de extraditando:

Ementa: - Prisão de Extraditando: artigos 80 e 81 da Lei nº 6815/80,


de 19.08.980, alterada pela Lei 6.964, de 09 de 12.1981. Alegações
de ilegalidade da prisão porque: 1ª) – não solicitada pelo Juiz
processante, do Estado requerente da extradição (art. 80); 2ª) –
decretada por Ministro do Supremo Tribunal Federal, quando
deveria ter sido pelo Ministro da Justiça (art. 81); 3ª) – não
apresentada legislação do Estado requerente, relativa à prescrição
(art. 80, “caput”); 4ª) – inválido o decreto de prisão, emitido pelo Juiz
processante, por não conter a descrição dos fatos delituosos, nem
indicar a data da ocorrência, sua natureza e circunstâncias. 1.
Tendo sido a prisão preventiva decretada pelo Juiz processante, no
Estado estrangeiro, e a ordem de captura encaminhada às
autoridades brasileiras competentes, por via diplomática, com
pedido de extradição, é de ser rejeitada a alegação de que não foi
solicitada (a prisão) pelo referido Juiz. 2. O art. 81 da Lei 6815, de
19.08.1980, alterada pela Lei 6964, de 09.12.1981, atribuía ao
Ministro da Justiça o poder de decretar a prisão do extraditando. Tal
norma ficou, nesse ponto, revogada pelo inciso LXI do art. 5º da
Constituição Federal de 1988, em razão do qual, excetuadas as
hipóteses referidas, “ninguém sra preso senão por ordem escrita e
fundamentada de autoridade judiciária competente”. 3. Tal
competência passou, então, para o Ministro do Supremo Tribunal
Federal, a quem caberá, também, relatar o pedido de Extradição,
conforme decidiu o S.T.F. (RTJ 127/18). 4. Sendo minuciosa, na
decisão do Juiz processante, no Estado estrangeiro, a descrição dos
fatos delituosos, a indicação do período em que ocorridos, assim
como a sua natureza e circunstâncias, repele-se a alegação em
contrário, contida na impetração do “writ”. 5. Embora não
encaminhados, pelo Governo requerente da Extradição, os textos
legislativos sobre prescrição, nada impedia que o Relator desta
convertesse o julgamento em diligência, fixando prazo de sessenta
dias para tal fim, como aconteceu no caso, cabendo invocar o
precedente, no mesmo sentido, da Extradição nº 457. 6. Não
caracterizado, até o momento, qualquer constrangimento ilegal à
liberdade do paciente, é de se indeferir o pedido de “habeas corpus”.
7. “H.C.” indeferido. Votação unânime10.

Importante ressaltar ainda que “nenhuma extradição será concedida


sem o prévio pronunciamento do Plenário do Supremo Tribunal Federal sobre
sua legalidade e procedência, não cabendo recurso da decisão” (art. 83).

Aspecto que vem sendo mantido com pleno rigor pelo Supremo
Tribunal Federal é a prisão do extraditando ao longo de todo o processo, em
cumprimento ao estabelecido no parágrafo único, do art. 84: “A prisão
perdurará até o julgamento final do Supremo Tribunal Federal, não sendo
admitidas a liberdade vigiada, a prisão domiciliar, nem a prisão-albergue”.

10
SANCHES, Sydney (Ministro Relator): Habeas Corpus 73256/SP – São Paulo, DJ 13-12-1996, pp 50161
Extradição e Refúgio: O Brasil aprovou, em 1997, a Lei 9474, que
define mecanismos para implantação do Estatuto dos Refugiados de 1951 e
determina outras providências. Dispõe tal diploma legal, em capítulo específico
sobre a Extradição que “O reconhecimento da condição de refugiado obstará o
seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que
fundamentaram a concessão de refúgio” (art. 33, Lei 9474/97).

Assegura, também, a Lei de Refugiados a suspensão do processo


de Extradição pendente, se o extraditando apresentar solicitação de refúgio
baseado nos mesmos fatos. Independe, neste caso, esteja o processo em fase
administrativa ou judicial (art. 34, Lei 9474/97).

Elementos Reais: bens móveis e imóveis

Em relação aos bens móveis (art. 83 do CC), partindo-se da ideia de que


acompanham os seus proprietários (mobília sequuntur personam), ficam sujeitos ao
estatuto pessoal. Já os bens imóveis, por não serem suscetíveis a movimento ou
remoção por força alheia, são disciplinados pela lei do lugar em que se encontrarem
(Lex rei sitae).

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