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UNIVERSIDADE JOSE EDUARDO DOS SANTOS

FACULDADE DE DIREITO – HUAMBO

DEPARTAMENTO DE INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA E PUBLICAÇÕES

O PAPEL DA INSPECÇÃO GERAL DO TRABALHO NA


RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS LABORAIS NA
PROVÍNCIA DO HUAMBO

FERNANDO CHINHAMA CANGANJO

HUAMBO - 2020
UNIVERSIDADE JOSE EDUARDO DOS SANTOS
FACULDADE DE DIREITO – HUAMBO
DEPARTAMENTO DE INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA E PUBLICAÇÕES

O PAPEL DA INSPECÇÃO GERAL DO TRABALHO NA


RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS LABORAIS NA
PROVÍNCIA DO HUAMBO

Monografia apresentada à Faculdade de Direito da


Universidade José Eduardo dos Santos para obtenção
do grau de licenciatura em Direito.

Orientado pelo Dr. Francisco Mendes da Silva

FERNANDO CHINHAMA CANGANJO

HUAMBO - 2020
DEDICATÓRIA

Aos meus pais.


AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus pelo dom da vida, pela saúde, inteligência e coragem.


Aos professores que me ajudaram e incentivaram, e que compartilharam seus conhecimentos.
Aos colegas do curso, pela amizade, companheirismo e carinho construídos durante todo o
percurso em busca dos mesmos horizontes.
Aos meus familiares que sempre me motivaram e souberam entender minhas ausências nas
reuniões e festas familiares.
A todos que de forma directa ou indirecta tornaram este trabalho uma realidade.
RESUMO
O presente trabalho subordinado ao tema: O papel da Inspecção Geral do Trabalho na
resolução dos conflitos laborais na província do Huambo, visou de modo genérico analisar
sistematicamente o papel que a Inspecção Geral do Trabalho deve desempenhar na
resolução dos conflitos jurídico – laborais na província supra. Durante a investigação notou
– se que para haver um conflito laboral é necessário a existência de uma relação jurídico –
laboral e esta pode resultar comummente de um contrato de trabalho ou de um acordo ou
convenção colectiva de trabalho. Os conflitos predominantes nesta parcela do país são os
conflitos individuais de trabalho, para sua resolução a Inspecção Geral do trabalho deve
utilizar como mecanismo a mediação. Começa – se por apresentar no capítulo I a
fundamentação teórica do papel da Inspecção Geral do Trabalho na resolução dos cinflitos
laborais, no capítulo II focam – se aspectos relacionados com os conflitos laborais e os
mecanismos para sua resolução no capítulo III procede – se a apresentação dos dados
colectados e respectiva discussão e por fim as conclusões chegadas.

Palavras – chave: Inspecção do Trabalho, conflitos laborais, trabalhador, empregador e


mediação.
ABSTRACT

The present work on the theme: The role of the General Labor Inspectorate in the
resolution of labor conflicts in the province of Huambo, aimed in general to systematically
analyze the role that the General Labor Inspectorate must play in the resolution of legal and
labor conflicts in the above province referred to. During the investigation it was noted that
in order to have a labor conflict it is necessary to have a legal - labor relationship and this
can commonly result from an employment contract or a collective labor agreement or
agreement. The predominant conflicts in this part of the country are individual labor
conflicts, for its resolution the General Labor Inspectorate should use mediation as a
mechanism. We begin by presenting in Chapter I an overview of the paper of the labor
inspection in resolution of labor conflicts, II we focus on aspects related to labor conflicts
and mechanisms its resolution, in chapter III the presentation of the collected data and the
respective discussions and finally the conclusions reached.

Keywords: Labor inspection, labor conflicts, worker, employer and mediation.


LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ANIESA – Autoridade Nacional de Inspecção Económica e Segurança Alimentar;


EOIGT - Estatuto Orgânico da Inspecção Geral do Trabalho;
GIT - Guia do Inspector do Trabalho;
GMIT - Guia Metodológico do Inspector do Trabalho;
IGAE – Inspecção Geral da Administração do Estado;
IGT – Inspecção Geral do Trabalho;
LGT – Lei Geral do Trabalho;
MAPTSS – Ministério da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social;
OIT – Organização Internacional do Trabalho;
SDN – Sociedade das Nações;
SPIGT - Serviços Provinciais da Inspecção Geral do Trabalho;

UNTA - União Nacional dos Trabalhadores Angolanos;


ÍNDICE
Capa……………………………………………………………………………………...i

Folha de rosto……………………………………………………………………………ii

Dedicatória……………………………………………………………………………...iii

Agradecimentos…………………………………………………………………………iv

Resumo………………………………………………………………………………......v

Abstract………………………………………………………………………………….vi

Índice…………………………………………………………………………………...vii

Lista de siglas e abreviaturas…………………………………………………………..viii

INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 12
Problema científico ...................................................................................................... 12
Justificativa .................................................................................................................. 12
Objectivo geral ............................................................................................................ 13
Objectivos específicos ................................................................................................. 13
Modelo de pesquisa ..................................................................................................... 13
Tipo de pesquisa .......................................................................................................... 14
Técnicas de Recolha de dados ..................................................................................... 15
Objecto de estudo ........................................................................................................ 16
Campo de acção ........................................................................................................... 16
População..................................................................................................................... 16
Amostra ....................................................................................................................... 17
CAPÍTULO I ................................................................................................................... 18
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .................................................................................. 18
1.1 Inspecção Geral do Trabalho ................................................................................. 18
Generalidades .............................................................................................................. 18
1.1.2 Noção .............................................................................................................. 19
1.1.3 Resenha histórica ............................................................................................ 22
1.1.3.1 História da Inspecção do Trabalho no mundo e da OIT .............................. 22
1.1.3.2 História da Inspecção do Trabalho em Angola ........................................... 25
1.1.4 Natureza jurídica ............................................................................................. 26
1.1.5 Regime jurídico ............................................................................................... 29
1.1.6 Funções e Atribuições da Inspecção Geral do Trabalho ................................. 29
1.1.6.1 Atribuições gerais ........................................................................................ 30
1.1.6.2 Atribuições específicas ................................................................................ 31
1.1.7 Enquadramento da IGT na organização administrativa angolana .................. 31
1.1.7.1 Administração estatal directa ....................................................................... 31
1.1.7.2 Ministérios ................................................................................................... 32
1.1.7.3 Administração periférica .............................................................................. 32
1.1.7.4 Administração local ..................................................................................... 33
1.1.7.5 Órgãos e serviços locais do Estado .............................................................. 34
1.1.8 O reconhecimento do papel da IGT na resolução dos conflitos laborais ........ 36
1.1.8.1 Fase da primeira república (1981 – 2000) ................................................... 36
1.1.8.2 Fase da segunda república (2000 – 2015) .................................................... 38
1.1.8.3 Fase da terceira república............................................................................. 39
CAPÍTULO II ................................................................................................................. 40
DOS CONFLITOS LABORAIS ..................................................................................... 40
2.1.1 Generalidades .................................................................................................. 40
2.1.2 Noção .............................................................................................................. 41
2.1.3 Modalidades dos conflitos de trabalho ........................................................... 42
2.1.4 Causas dos conflitos laborais ......................................................................... 45
2.1.5 Do conflito colectivo em especial ................................................................... 46
2.1.5.1 Modalidades ................................................................................................. 47
2.1.5.2.2 O boicote ................................................................................................... 47
2.1.5.2.3 A greve ...................................................................................................... 50
2.1.5.3.1 Regime jurídico ......................................................................................... 50
2.1.5.3.2 Procedimentos para declarar a greve ........................................................ 50
2.1.5.3.3 Efeitos da greve......................................................................................... 52
2.1.5.3.4 Natureza jurídica da greve ........................................................................ 53
2.2.1 Resolução dos conflitos laborais ..................................................................... 54
2.2.1 Os meios extrajudiciais de resolução de conflitos .......................................... 57
2.2.1.1 Negociação ................................................................................................... 57
2.2.1.2 Conciliação .................................................................................................. 58
2.2.1.3 Arbitragem ................................................................................................... 59
2.2.1.4 Regime jurídico dos meios extrajudiciais de resolução de conflitos ........... 60
2.2.1.4 A mediação dos conflitos laborais .............................................................. 61
2.2.1.4.2 Características basilares da Mediação ...................................................... 61
2.2.1.4.3 Classificação da mediação ........................................................................ 62
2.2.1.4.4 Modelos de mediação ............................................................................... 62
2.2.1.4.5 Princípios reitores da mediação extrajudicial ........................................... 62
2.2.1.5.1 Princípio da voluntariedade ...................................................................... 63
2.2.1.5.2 Princípio da igualdade............................................................................... 63
2.2.1.5.3 Princípio da imparcialidade ...................................................................... 64
2.2.1.5.4 Princípio da legalidade .............................................................................. 64
2.2.1.5.5 Princípio da confidencialidade .................................................................. 64
2.2.1.5.6 Princípio da independência ....................................................................... 65
2.2.1.5.7 Princípio da competência .......................................................................... 65
2.2.1.5.8 Princípio da responsabilidade ................................................................... 65
2.2.1.5.9 Princípio da executoriedade ...................................................................... 65
2.2.1.5.10 Princípio da equidade .............................................................................. 65
2.2.1.5.11 Princípio da boa – fé ............................................................................... 66
2.2.1.5.12 Princípio da cooperação .......................................................................... 66
2.2.1.5.13 Princípio da autonomia da vontade ......................................................... 66
2.2.1.5.14 Princípio da informalidade ...................................................................... 67
2.2.1.5.15 Princípio da oralidade ............................................................................. 67
2.2.1.5. 16 Princípio da auto – composição ............................................................. 67
2.2.1.5.17 Princípio da celeridade ............................................................................ 68
2.2.1.6 Elementos da mediação................................................................................ 68
2.2.1. 7 Procedimentos ............................................................................................. 70
2.2.1.8 Vantagens da mediação................................................................................ 72
2.2.1.9 Mediação versus conciliação ....................................................................... 72
2.2.1.10 Mediação versus arbitragem ...................................................................... 73
CAPÍTULO III ................................................................................................................ 75
APRESENTAÇÃO E ÁNALISE DOS RESULTADOS ................................................ 75
4.1 Apresentação da IGT no Huambo...................................................................... 75
4.2 Apresentação dos dados obtidos durante a Entrevista com a Chefe dos Serviços
provinciais da IGT no Huambo................................................................................ 75
4.2 Pedidos de mediação .......................................................................................... 77
4.3 Resultados do inquérito feito a sete inspectores ................................................ 78
CONCLUSÕES ............................................................................................................... 81
RECOMENDAÇÕES ..................................................................................................... 83
REFERÊNCIAS BIBIOGRÁFICAS .............................................................................. 84
INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como foco o papel da Inspecção Geral do Trabalho na


resolução dos conflitos jurídico – laborais na província do Huambo, apresentado como
parte essencial para obtenção do grau de Licenciatura em Direito pela Faculdade de
Direito da Universidade José Eduardo dos Santos.

A vida humana é uma teia de relações sociais, pois a sociedade é o habitat natural
do homem. Nem todas as relações sociais estão sob auspício do Direito, a ele somente
interessam aquelas que produzem efeitos jurídicos, as chamadas relações jurídicas, que
serpenteiam todos os meandros do universo jurídico, ganhando diversas conotações em
função do ramo jurídico em causa. Assim, no Direito do Trabalho chamá – la – emos
relações jurídico – laborais. Elas em abono da verdade, obedecem a um ciclo vitalício,
socorrendo – se da terminologia biomédica, pois tal como os seres vivos, nascem,
desenvolvem – se e por fim morrem. Dito de outro modo, as relações jurídico – laborais
constituem – se, desenvolvem – se e por fim se extinguem. Como qualquer relação social,
estão sujeitas a atritos, que podem surgir quer no momento da sua constituição, quer na
execução e sobretudo no momento da sua extinção.

Saindo deste quadro teórico, indo para a nossa realidade do dia – a – dia na
província do Huambo, a verdade seja dita, não precisamos ser cientistas sociais, basta que
sejamos homens médios para nos apercebermos da existência de conflitos laborais.

Problema científico

Face a este status quo, surge o problema científico do presente trabalho: Qual
deve ser o papel da Inspecção Geral do Trabalho na resolução dos conflitos jurídico –
laborais na província do Huambo?

Justificativa

Em 2015 foi aprovada a Lei n.º 7/15, de 15 de Junho, actual Lei Geral do
Trabalho, que reconhece à Inspecção Geral do Trabalho o papel de resolver conflitos

12
jurídico – laborais. Antes disso, não havia uma lei que reconhecia tal competência embora
já resolvesse os conflitos que lhe eram submetidos.

Com efeito, urgiu da nossa parte a necessidade de proceder uma investigação


para aferirmos o cumprimento daquela lei e analisar de forma sistemática como tal papel
tem sido desempenhado.

Na verdade, o trabalhador e o empregador constituem os sujeitos da relação


jurídico – laboral, cuja génese tanto pode ser um contrato de trabalho, uma convenção
colectiva de trabalho ou então, um acto administrativo denominado nomeação. Esta
relação como qualquer outra, pode ser harmoniosa ou pode ser beliscada, sobretudo no
cumprimento dos deveres que impendem sobre as partes. Esta situação é alarmante, pois
pouco ou nada contribui para a almejada paz laboral. É precisamente neste “estado de
coisas” que a Inspecção Geral do Trabalho é chamada a intervir “à grito de socorro” para
mediar ou apaziguar as partes desavindas, de modo a encontrar uma solução equitativa
do conflito em questão.

Destarte, há uma tamanha necessidade de fazer uma profunda reflexão científica


do papel que uma instituição com esta envergadura, deve desempenhar na esfera laboral
de modo a cumprir eficazmente com sua nobilíssima missão, e responder pontualmente
às expectativas das partes, garantindo não só a segurança e certeza jurídicas, mas
mormente, a desejada justa composição dos litígios.

Por isso, este trabalho reveste – se de magna valia não só para os sujeitos da
relação jurídico – laboral, para a comunidade académica, mas também para a sociedade
de modo geral visto que, faz uma análise sistemática da função que a Inspecção Geral do
Trabalho desempenha na resolução dos conflitos entre trabalhadores e empregadores,
cujos resultados se repercutem na sociedade. Além disso, demonstra que o Estado não é
insensível aos conflitos que assolam de modo peculiar os sujeitos da relação jurídico –
laboral e de forma reflexa a própria sociedade. Aliás, este trabalho constitui uma
ferramenta útil à disposição das associações de trabalhadores e empregadores, que lhes
permitirão aceder ao conhecimento das vias que a Inspecção Geral do Trabalho utiliza
para os coadjuvar na resolução das suas contendas.

13
Objectivo geral

Este trabalho visa em geral: analisar sistematicamente o papel que a


Inspecção Geral do Trabalho deve desempenhar na resolução dos conflitos jurídico –
laborais na província do Huambo.

Objectivos específicos

• Fundamentar teoricamente o papel da Inspecção Geral do Trabalho na


resolução dos conflitos jurídico – laborais na província do Huambo;

• Descrever os conflitos laborais;

• Apresentar e avaliar os resultados obtidos durante a pesquisa.

Modelo de pesquisa

Em função da complexidade e especificidades que um trabalho como este exige,


adoptamos um modelo misto, isto é, aglutina elementos qualitativo e quantitativo, pois
segundo Freixo, o modelo quantitativo constitui um processo sistemático de colheita de
dados observáveis e quantificáveis. É baseado na observação de factos objectivos, de
acontecimentos e de fenómenos que existem independentemente do investigador e, o
modelo qualitativo tem como objectivo descrever e interpretar os dados, mais do que
avaliar1.

Tipo de pesquisa

Quanto aos procedimentos neste trabalho adoptamos a pesquisa


predominantemente bibliográfica visto que, servimo – nos da literatura jurídica

1
Manuel João Vaz FREIXO. Metodologia Científica: fundamentos métodos e técnicas. 4.ªed. Lisboa.
Instituto Jean Piaget. 2012Pág.171

14
disponível e realizamos um trabalho de campo e de acordo com Cervo, Bervian e Silva:
este tipo de pesquisa procura explicar um problema a partir de referências teóricas
publicadas em artigos, livros, dissertações e teses. É o meio de formação por excelência
e constitui o procedimento básico para os estudos monográficos, pelos quais se busca o
domínio do estado da arte sobre determinado tema. 2

Quanto aos objectivos, optamos pela pesquisa analítica, descritiva e numérica,


na medida em que procedemos a análise e a descrição do papel da Inspecção Geral do
Trabalho bem como, enumeramos os principais conflitos jurídico – laborais, suas causas
na província do Huambo.

De acordo com os autores supra, o método analítico consiste numa operação


mental que se traduz na decomposição de um todo em partes quantas possíveis3.

Segundo Freixo, “o método descritivo assenta em estratégias de pesquisa


para observar e descrever comportamentos, incluindo a identificação de factores que
possam estar relacionados com um fenómeno em particular. A finalidade principal do
método descritivo é assim, fornecer uma caracterização precisa das variáveis envolvidas
num fenómeno ou acontecimento”4.

Quanto aos métodos, seleccionamos o dedutivo – indutivo que nos permitiu tirar
ilações da realidade constatada; o histórico – lógico que nos ajudou a conhecer a realidade
histórica do problema em questão. Como não podia deixar de ser, o método hermenêutico
– jurídico, típico da ciência jurídica.

Técnicas de Recolha de dados

Para a recolha de dados utilizamos as seguintes técnicas: a revisão da literatura


através de documentos bibliográficos, a entrevista, bem como o uso de questionários.

2
Amado L.CERVO; Pedro A. BERVIAN; Roberto da SILVA, Metodologia Científica, 6ª ed. São Paulo:
Pearson Prentice Hall, 2007, pp. 60 - 61
3
Ibidem, p.33
4
Manuel João Vaz FREIXO. Op. cit, pág.171

15
Objecto de estudo

O presente trabalho tem como quid o papel da Inspecção Geral do Trabalho na


resolução dos conflitos jurídico – laborais.

Campo de acção

Constituem o campo de acção desta pesquisa a Inspecção Geral do Trabalho e


as empresas.

População

Embora o presente trabalho seja predominantemente bibliográfico, o que


dispensaria a população e a amostra, só que não é puramente bibliográfico porquanto não
nos cingimos apenas na revisão da literatura disponível sobre a temática, fomos impelidos
a proceder igualmente uma pesquisa descritiva que segundo Cervo, Bervian e Silva:
consiste em observar, registar, analisar e correlacionar factos ou fenómenos. Ela
desenvolve – se, principalmente, nas ciências humanas e sociais, abordando aqueles
dados e problemas que merecem ser estudados, mas cujo registo não consta dos
documentos5.

Uma população é um grupo seleccionado pelo investigador como destinatários


da pesquisa, tendo em conta o objecto de estudo. Segundo Freixo, “a população é
constituída pelo grupo para o qual o investigador deseja generalizar os resultados do seu
estudo”6.

5
Amado L. CERVO; Pedro A. BERVIAN; Roberto DA SILVA. Op. cit, p. 61
6
Manuel João Vaz FREIXO. Op. cit, pp.210 - 211

16
Assim, no presente trabalho a população é constituída por 16 inspectores do
trabalho afectos à Inspecção Geral do Trabalho no Huambo, visto que são eles que
realizam a mediação dos conflitos laborais.

Amostra

Enquanto a população constitui o todo, a amostra constitui a parte do todo.


Assim, segundo Freixo, “uma amostra é constituída por um conjunto de sujeitos retirados
de uma população, consistindo a amostragem num conjunto de operações que permitem
escolher um grupo de sujeitos ou qualquer outro elemento representativo da população
estudada”.7

Com efeito, a amostra do presente estudo foi constituída por oito inspectores do
trabalho, sendo uma que foi submetida a entrevista e os demais responderam ao
questionário, correspondendo assim, a 50% da população. As pessoas sujeitas a amostra
são de ambos os géneros, com a faixa etária compreendida entre 26 a 50 anos, com
formação académica nas seguintes áreas: Engenharia Agronómica e Direito.

Para uma boa organização e facilidade de compreensão, estruturamos o presente


trabalho em três capítulos, o primeiro versa sobre a Inspecção Geral do Trabalho, o
segundo faz uma abordagem sobre os conflitos laborais e os mecanismos para a sua
resolução, o terceiro faz menção dos dados recolhidos e a sua respectiva avaliação,
finalmente apresentam - se as conclusões.

Cônscios de que toda obra uma humana é inacabada e cheia de imperfeições,


pedimos desde já as nossas lhanas desculpas pelas falhas cometidas, esperando o douto
suprimento.

7
Manuel João Vaz FREIXO. Op. cit, pp.210 - 211

17
CAPÍTULO I

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.1 Inspecção Geral do Trabalho

O mundo do trabalho, não é um mundo ajurídico, onde trabalhadores e


empregadores actuam de forma que quiserem como se vivessem num status naturalis,
onde reina a lei do mais forte. Embora se diga em abono da verdade, que já houve tempos
em que o trabalho era tido como um castigo e o trabalhador como um mero instrumento
de trabalho porém, o tempo passou e a consciência social mudou. Assim, urgiu a
necessidade de regulamentar o trabalho e sobretudo as condições para a sua realização de
modo a torná – lo mais digno e proporcional ao trabalhador.

Segundo Rosso, a inspecção supõe que os agentes se encontram no processo


de trabalho em situação de desigualdade: uns mais fortes, os empregadores; outros mais
fracos, os empregados8.

Realmente, é olhando para relação entre o trabalhador e o empregador que surgiu


o Direito do Trabalho com vista a proteger o lado mais fraco, pois não fazia sentido aplicar
às relações laborais às normas do direito civil assentes na paridade jurídica. Mas a criação
das normas não era o meio mais viável para o alcance prático do desejado equilíbrio
laboral, era também necessário que houvesse um órgão que pudesse policiar os sujeitos
da relação jurídico – laboral no cumprimento das normas, sobretudo por parte de quem
detém o poder de direcção sobre o outro. Tal se explica por uma razão muito simples,
as normas jurídicas de per si não se aplicam por isso, é necessário que exista uma
instituição a fim de assegurar a sua aplicação. Deste modo, surgiu a Inspecção do
Trabalho que inicialmente tinha apenas um papel de polícia que consistia basicamente,
em fiscalizar a empresa e o seu ambiente de trabalho e aplicar as devidas sanções,

8
Sadi Dal ROSSO, A inspeção do trabalho, Revista da Administração Pública, Rio de Janeiro,1996,
disponível em: www.bibliotecadigital.fgv.br, acessado em15/ 07/2020, p.108

18
assistindo abulicamente a luta que se travava entre o empregador e o trabalhador sem
nada fazer, como um simples “guarda - nocturno”. Todavia , a medida que o tempo ia
passando, tomou a iniciativa de actuar na resolução das contendas, face a necessidade
gritante dos próprios litigantes até que surgiu o seu reconhecimento legal.

Face ao exposto, importa ainda questionar: Por que é que existe a inspecção do
Trabalho?

De acordo com Rosso, a Inspecção do Trabalho existe por causa da


inobservância das normas que regulam a relação entre empregador e empregado, entre
chefe e subordinado, entre patrão e trabalhador. Se houvesse plena e total observância das
normas gerais do trabalho, o serviço de inspecção seria dispensável. Como a infracção às
normas é urna triste realidade quotidiana, assim também a inspecção é necessária9.

Para efeito do presente trabalho, vale referir a natureza mediadora nos conflitos
laboral e não necessariamente a sua natureza inspectiva. Deste modo, podemos dizer que
a Inspecção do Trabalho existe para mediar conflitos laborais, conforme veremos mais
adiante.

1.1.2 Noção

A Inspecção Geral do Trabalho é um organismo do Estado que assegura o


cumprimento da legislação laboral.

Segundo a OIT, “a Inspecção do Trabalho pode ser definida, de forma geral,


como o ramo do sistema de administração responsável pela fiscalização e aplicação da
legislação trabalhista e políticas relevantes ao local de trabalho”10.

De acordo com o artigo 1.º do Decreto Presidencial nº79/15, de 13 de Abril (


Estatuto Orgânico da Inspecção Geral do Trabalho), é um serviço dotado de personalidade
jurídica de Direito Público e autonomia administrativa que tem como finalidade assegurar

9
Sadi Dal ROSSO. Op.cit.p.109
10
Organização Internacional do Trabalho, Módulo de Capacitação em Inspecção do Trabalho e Igualdade
de Género, Brasília, 2012, p.22

19
a aplicação e a observância da legislação laboral, bem como informar, orientar e fiscalizar
a acção dos sujeitos da relação jurídica – laboral no cumprimento da legislação.

Desta noção legal, podemos descortinar os seguintes elementos:

Serviço público - trata – se de um serviço público e de acordo com Freitas do


Amaral, “é uma organização humana criada no seio de cada pessoa colectiva pública com
o fim de desempenhar as atribuições desta, sob a direcção dos respectivos órgãos” 11.

A nosso ver, a definição dada pelo Professor Freitas do Amaral carece de um


acréscimo, pois, para além dos recursos humanos os serviços necessitam também de
recursos materiais e financeiros para que prossigam as suas atribuições de forma eficaz e
com certa autonomia.

Deste modo, diríamos que, um serviço é uma organização humana, material e


financeira criada por uma pessoa colectiva pública cujo escopo é prosseguir uma das
atribuições desta.

Já Carlos Feijó e Cremildo definem da seguinte forma os serviços públicos:” são


estruturas administrativas criadas com a finalidade de preparar e executar as decisões dos
órgãos da pessoa colectiva pública a que pertencem” 12.

Esta definição aproxima – se muito daquela, tendo como ponto fracturante o


facto desta não fazer referência do elemento ou elementos que integram as citadas
estruturas, tornando – se por isso, muito vaga, estando sujeito a qualquer interpretação
por isso, seria mais curial que se acrescentasse: são estruturas administrativas formadas
por meios humanos, materiais e financeiros e o restante manter – se – ia incólume.

De facto, a Inspecção Geral do Trabalho é um serviço público criado pelo Estado


para garantir o cumprimento da legislação laboral.

2 – Personalidade jurídica - consiste na aptidão para ser titular autónomo de


direitos e obrigações ou de situações jurídicas13.

11
Diogo Freitas do AMARAL, Curso de Direito Administrativo, 3.ªed, Almedina, Coimbra, 2006, p.792
12
Carlos FEIJÓ, Cremildo PACA ,Direito Administrativo, 4ªed, Luanda, Mayamba, 2013, p.142
13
Carlos Alberto B. Burity da SILVA, Teoria Geral do Direito Civil, 2.ª ed. Luanda, 2014, p.247

20
Em nosso entender a personalidade jurídica é a possibilidade que um ente tem
para ser portador de direitos e obrigações.

Realmente, a Inspecção Geral do Trabalho é ente jurídico portador de direitos e


obrigações. Trata – se portanto, de um serviço personalizado.

Personalidade de Direito Privado ou Público?

A Inspecção Geral do Trabalho tem uma personalidade de Direito Público, visto


que no exercício das suas funções actua com o jus imperi, não se equiparando com um
ente particular que age sem aquele poder de autoridade. Aliás, este facto é confirmado
pelo n.º 2 do artigo supra referido. Todavia, isso não obsta que ela tenha igualmente
personalidade de Direito Privado, na medida em que todo ente público é dotado de
capacidade de Direito Privado e de Direito Público, conforme bem nos ensina Freitas do
Amaral14.

3 - Autonomia administrativa - que se traduz na auto – regulação


administrativa e gestão administrativa própria, segundo o autor já citado.

É importante realçar que por força desta disposição, a Inspecção Geral do


Trabalho não tem autonomia financeira, isto é, o auto – financiamento. Isto tem vindo a
criar alguns embaraços para uma actuação profícua desta instituição. Por isso,
recomendamos que se reconheça a referida autonomia financeira.

4 - Finalidade - O quarto elemento é teleológico, porquanto indica a finalidade


que a Inspecção Geral do Trabalho prossegue, que se consubstancia em assegurar o
cumprimento da legislação laboral por parte dos sujeitos da relação laboral.

Face ao exposto, podemos dizer que a Inspecção Geral do Trabalho é um ente


público provido de direitos e obrigações para a prossecução das suas atribuições, tendo
para efeito autonomias administrativa e técnico – funcional.

14
Diogo Freitas do AMARAL. Op. cit, p.758

21
1.1.3 Resenha histórica

A história é crucial para conhecermos o passado, entendermos o presente e


perspectivarmos o futuro. Se é verdade que tudo que existe tem história, não deixa de ser
menos verdade que a Inspecção do Trabalho também tenha a sua história.

Desde os tempos imemoriais o homem procurou sempre forma para garantir a


sua sobrevivência. E o trabalho constituiu o único meio para transformar o mundo e
produzir riqueza.

Na esteira do GMIT: “O homem primitivo desenvolveu o trabalho na sua


totalidade manualmente, prática que foi paulatinamente substituído por instrumentos
rudimentares aperfeiçoados com o objectivo de aliviá – lo do grande esforço físico
exigido e facilitar – lhe a execução das tarefas e melhorar a produção”15.

1.1.3.1 História da Inspecção do Trabalho no mundo e da OIT

Segundo o GIT, “a legislação do Trabalho provém da revolução industrial que


se produziu na Europa no final do Século XVIII e durante a totalidade do século XIX. Foi
para fiscalizar a aplicação das primeiras leis de protecção que se criou e desenvolveu a
Inspecção do Trabalho”16.

Realmente se tivermos em linha de conta, que constitui um dado provado a ideia


segundo a qual o homem tem a tendência natural de violar as leis então, não bastaria a
existência de leis reguladoras das relações de trabalho sem uma instituição que pudesse
fiscalizar o seu cumprimento e sancionar os infractores.

Ainda na mesma senda Rossio afirma: costuma-se ligar o surgimento da


inspecção do trabalho à Revolução Industrial e à consolidação do modo de produção
capitalista no Ocidente.17

15
Ministério da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social, Guia Metodológico do Inspector do
Trabalho, Luanda, 2002, p.13
16
Idem, Guia do Inspector do Trabalho, Luanda 1995, p. 9
17
Sadi Dal ROSSO. Op. cit, p.108

22
A Inspecção do trabalho deve adaptar – se a realidade de cada país, tendo em
conta o nível de desenvolvimento e o nível de cumprimento da legislação laboral vigente.

Do ponto de vista legislativo, a Inspecção do Trabalho foi criada pela Convenção


n.º81 de 1947,que regula a inspecção do trabalho na indústria e no comércio sob auspício
da Organização Internacional do Trabalho segundo Cardoso e Lage.18

De acordo com o GIT ,” foi na Grã – Bretanha que teve início o fenómeno
industrialização e que tudo começou, provavelmente pela simples razão que foi lá que
surgiram os primeiros problemas e que se teve de imaginar soluções práticas adequadas
para saná – las”19.

Na verdade, o início da primeira revolução industrial para além das múltiplas


vantagens que trouxe à sociedade fruto do labor dos operários, trouxe consigo outros
problemas que deveriam ser ultrapassados. Assim, a título meramente exemplificativo e
com base no GMIT, “toda actividade laboral gera riscos profissionais cujas proporções
podem causar ao homem incapacidade e/ou doenças profissionais que, inclusive, lhe
causam a morte.”20

Infelizmente, esta era a realidade que se vivenciava na Inglaterra naquela época.


Com a revolução industrial entra em ascensão uma nova classe social a dos burgueses
cujas diferenças com a classe proletária cresciam na medida em que aumentava o capital.

Naquela altura havia de facto, maior oferta de mão – de – obra e pouca procura
por isso, os operários nada podiam fazer senão se conformar com as condições que eram
fornecidas pelos proprietários das fábricas a fim de garantirem a sua sobrevivência e das
respectivas famílias e os detentores dos meios de produção pouco estavam interessados
em garantir condições de trabalho dignas, o único escopo que visavam era o lucro.

18
Adalberto CARDOSO eTelma LAGE, A Inspecção do Trabalho no Brasil, Revista de Ciências Sociais,
Vol. 48, no 3 Rio de Janeiro, 2005, p. 452
19
Ministério da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social. Op. cit, p.9
20
Ibidem, p.13

23
No dizer do GMIT supra, “foi na Grã – Bretanha que se tomaram as primeiras
medidas, em 1802, para “proteger a saúde física e moral dos aprendizes e outros
operários”21

Face as péssimas condições que os operários eram submetidos o Estado tinha de


tomar um posicionamento e por isso, a Inglaterra fê – lo muito bem.

Certamente, o aparecimento da primeira lei protectora dos operários, surgiu


como uma “alufada de ar fresco”, que vinha suavizar o forte peso que os trabalhadores
suportavam, mas não era suficiente, pois ela era apenas uma gota no vasto oceano assim,
o silêncio e o conformismo deram lugar as revoltas e vozearias para fazer pressão aos
órgãos do Estado para intervirem com maior acutilância em prol da sua defesa.

As condições de trabalho eram deploráveis para todos os operários por isso, uma
luta individual não era bastante para serem ouvidos pelos empregadores e pelo governo
deste modo, os operários decidiram organizarem – se em grupo para em conjunto terem
maior força e repercussão porém, os empregadores por um lado, e o governo por outro
não viam isso com bons olhos. Com efeito, essas organizações sindicais foram
repreendidas porque geravam uma certa convulsão social, pondo em causa a tranquilidade
pública e a estabilidade económica.

Como surge a OIT?

Segundo o GMIT, os negociadores do tratado de paz que pôs fim a guerra de


1914 – 1918 (1ª Guerra Mundial) decidiram fundar, ao mesmo tempo que a S.D.N
destinada a prevenir os riscos de novos conflitos entre Nações, uma organização
permanente para a protecção e melhoramento da situação dos trabalhadores, em 1919,
designada OIT22.

Realmente foi nas cinzas da I Guerra Mundial que surge a primeira organização
internacional com o escopo de proteger os trabalhadores e perdera até aos dias de hoje.

Ainda de acordo com o GMIT, uma das partes do Tratado de Versalhes, que se
transformou na constituição da OIT declarava que era particularmente importante que

21
Ministério da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social. Op. cit, p.9
22
Ibidem, p.10

24
cada Estado organizasse um serviço de inspecção a fim de assegurar a aplicação das leis
e regulamentos de protecção dos trabalhadores23.

Para o nosso caso em particular este ponto reveste – se de grande importância,


na medida em que abre a possibilidade de criação de uma instituição encarregue de
assegurar o cumprimento das leis em matéria laboral.

Na esteira do GMIT, a Convenção n.º 81 criada em 1947, é considerada com


razão, a Convenção de base sobre a Inspecção do Trabalho pois serviu de modelo a maior
parte das legislações nacionais criando serviços modernos de inspecção. Todas as
disposições da Convenção são importantes: por um lado para os trabalhadores, principais
interessados, por outro lado para os governos que as vão aplicar e obviamente para os
inspectores do Trabalho visto que o instrumento define a sua missão, os seus poderes e
as suas obrigações24.

Em verdade, esta convenção constitui o ponto de partida para existência da


inspecção do trabalho a nível do mundo.

1.1.3.2 História da Inspecção do Trabalho em Angola

Como sabemos, a história de Angola está de certa forma vinculada a Portugal,


por força do longo processo de escravatura e da colonização. Por isso, é evidente que se
possa afirmar com alguma certeza de que a história da inspecção do trabalho em Angola
é tributária de Portugal, conforme demonstraremos já a seguir.
A Inspecção do Trabalho foi criada através do Decreto nº 43637, de 2 de Março
de 1961, posto em vigor no País pela Portaria nº 19004, de 03 de Fevereiro de 1962, como
bem ilustra o GIT. 25

Ainda de acordo com o GIT, desde então a Inspecção do Trabalho em Angola


tem experimentado várias formas de organização e funcionamento de acordo com a
evolução sócio – económica e política do País o que de igual modo foi adoptando
diferentes designações iniciando com Inspecção do Trabalho em Angola, Inspecção do

23
Ministério da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social. Op.cit, pp.10
24
Ibidem, pp.10 - 11.
25
Ibidem, p.11

25
Trabalho e Previdência, Inspecção do Trabalho, Direcção Nacional de Assuntos Laborais
e Inspecção, Direcção Nacional de Inspecção, Protecção e Higiene no Trabalho e
finalmente Inspecção Geral do Trabalho (actual designação)26 .

Com efeito, a Inspecção do Trabalho na sua dimensão naturalmente inspectiva


tem acompanhando a evolução do país, desde a época colonial até a independência,
passando pela guerra civil até a fase da paz porém, o reconhecimento do seu papel nos
conflitos laborais surgiu tardiamente.

A actuação da Inspecção Geral do Trabalho e de modo particular os Serviços


Provinciais do Huambo não é feita de qualquer maneira e nem de forma arbitrária, pois
obedece padrões internacionais e orientações dimanadas legalmente.

1.1.4 Natureza jurídica

Já tivemos ocasião de referir que a Inspecção Geral do Trabalho é uma pessoa


colectiva pública. Face a isso, importa saber em que tipologia de pessoa colectiva pública
se enquadra. Será uma pessoa colectiva de substrato empresarial, associativo ou
institucional?

Afastando as pessoas colectivas públicas de substrato empresarial e associativo


visto que, ela não visa a prossecução do lucro, nem de fins associativos. Ela é uma pessoa
colectiva pública de substrato institucional, isto é, a Inspecção Geral do Trabalho é um
Instituto Público.

E de acordo com Carlos Feijó e Cremildo Paca, “os institutos públicos são
pessoas colectivas assentes num substrato institucional, criadas para prosseguir funções
administrativas específicas, primariamente, confiadas ao Estado ou outra pessoa colectiva
pública”27.

26
Ministério da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social .Op. cit, p.11
27
Carlos FEIJÓ, Cremildo PACA. Op.cit, p.220

26
Na verdade, um Instituto Público é um ente dotado de personalidade jurídica,
criada por uma outra pessoa colectiva pública de fins múltiplos com vista a prosseguir
fins específicos.

Do ponto de vista legal, o Decreto Legislativo Presidencial n. º 2/13, de 25 de


Junho, no seu artigo 3.º dá – nos a seguinte definição: os Institutos Públicos são pessoas
colectivas dotadas de personalidade jurídica de Direito Público, integram a administração
indirecta do Estado e assumem a forma de serviços personalizados, estabelecimentos
públicos, agências e fundações públicas.

Esta definição leva – nos ao conhecimento de que os institutos públicos são antes
de mais pessoas colectivas, isto é, sujeitos dotados de direitos e obrigações, não
constituem sujeitos de Direito Privado, mas de Direito Público, o que significa que os
seus órgãos e agentes actuam revestidos do poder de autoridade. Além disso, os institutos
públicos fazem parte da Administração Pública, mas não na administração directa do
Estado. Por fim, não há uma única tipologia de Institutos Públicos, mas existem várias.
Dentre estas modalidades em qual delas se enquadra a Inspecção Geral do trabalho?

Para obtermos uma resposta minimamente satisfatória foquemos atenção nos


parágrafos seguintes.

Nos termos do n.º 2 do artigo supra, os Institutos Públicos no momento da sua


criação são classificados em:

a) Instituto Público do Sector Económico ou Produtivo, quando pela


natureza da sua actividade são susceptíveis de gerar receitas próprias correspondentes
no mínimo a um terço das despesas totais;
b) Institutos Públicos do Sector Administrativo ou Social, quando em razão
do seu objecto de actividade dependem exclusivamente dos recursos financeiros
provenientes do Orçamento Geral do Estado.

Ora, quanto à esta classificação a Inspecção Geral do Trabalho é um Instituto


Público do Sector Administrativo ou Social, pois ela não tem autonomia financeira, como
já tivemos ocasião de referir, é financiada fundamentalmente pelas receitas provenientes
do Orçamento Geral do Estado, com base nos artigos 1.º e 44.º do Decreto Presidencial
nº79/15, de 13 de Abril (OEIGT).

27
Os Serviços Personalizados segundo os autores acima referenciados, “são os
serviços públicos de carácter administrativo a que a lei atribui personalidade jurídica e
autonomia administrativa e financeira”28.

Segundo o artigo 28.º do Decreto Legislativo Presidencial n. º 2/13, de 25 de


Junho, os serviços personalizados são estruturas executivas internas dos serviços da
Administração Central do Estado dotados de relativa autonomia funcional como forma
de melhor assegurar a prossecução e as atribuições dos respectivos organismos.

A definição dada pelos professores supra, afasta – se muito da definição legal


porquanto aqueles consideram os serviços personalizados como entes que possuem uma
autonomia absoluta, ao passo que nesta os serviços personalizados têm apenas uma
autonomia relativa. Esta autonomia é somente funcional e não administrativa e financeira.

A nosso ver, os serviços personalizados são entes jurídicos criados no seio de


uma pessoa colectiva para prosseguir os fins desta, tendo uma certa autonomia.

Os Estabelecimentos Públicos na esteira Carlos Feijó e Cremildo Paca, são


Institutos Públicos de carácter cultural ou social, organizados como serviços abertos ao
público e destinados a efectuar prestações individuais à generalidade dos cidadãos que
deles careçam.

Com base no artigo 29.º do Decreto já referenciado, os Estabelecimentos


Públicos são a espécie de Institutos Públicos que se caracterizam pela sua natureza social
ou cultural, organizados como serviços abertos ao cidadão utente com vista a fornecer
prestações individuais ou colectivas, mediante contraprestação, comparticipação ou de
forma gratuita.

A presente definição assemelha – se aquela, tendo como ponto fracturante o facto


desta fazer referência ao carácter oneroso ou gratuito dos serviços prestados.

As agências de acordo com o artigo 30.º do Decreto citado, são espécies de


Institutos Públicos que prosseguem fins de natureza reguladora, fiscalizadora e de
promoção de actividades de interesse público de sectores específicos ligados à economia.

28
Carlos FEIJÓ, Cremildo PACA. Op. cit, p.221

28
As fundações Públicas segundo o artigo 31.º do mesmo Decreto, são espécies de
Institutos Públicos, criados pelo Estado aos quais este afecta um património específico
com vista à prossecução de um fim público.

Chegados aqui, importa referir que a Inspecção Geral do Trabalho é Instituto


Público de natureza eclética, pois pelo seu objecto não se enquadra totalmente nos
serviços personalizados, nem nos estabelecimentos públicos, nas agências e muito menos
nas Fundações Públicas. Recorta as suas características em cada uma das espécie, visto
que é um serviço dotado de autonomia administrativa e funcional, como resulta do artigo
1.º do Decreto Presidencial nº79/15, de 13 de Abril (EOIGT), presta os serviços aos
cidadãos de forma gratuita, tem natureza fiscalizadora e mediadora no domínio dos
conflitos de trabalho todavia, pertence ao sector da Administração do Trabalho.

1.1.5 Regime jurídico

A Inspecção Geral do Trabalho rege – se fundamentalmente pelo Decreto


Presidencial nº 79/15, de 13 de Abril, que aprova o seu estatuto orgânico, o Decreto
Legislativo Presidencial n. º 2/13, de 25 de Junho, que estabelece as regras de criação,
estruturação e funcionamento dos Institutos Públicos, Decreto Legislativo Presidencial
n.º2/20, de 19 de Feveiro (que revoga aquele), o Decreto 16 – A/95, de 15 de Dezembro,
que estabelece as Normas do Procedimento Administrativo e Actividade Administrativa
e demais legislação aplicável.

1.1.6 Funções e Atribuições da Inspecção Geral do Trabalho

Segundo o artigo 3.º n.º 1 da Convenção n.º 81 de 1947 da Organização


Internacional do Trabalho sobre a Inspecção do Trabalho na Indústria e Comércio as
principais funções dos sistemas de Inspecção do Trabalho são :

1. “Garantir o cumprimento das disposições legais relativas às condições de


trabalho e a protecção dos trabalhadores e trabalhadoras no exercício de suas funções, tais
como: disposições relativas à jornada de trabalho, aos salários, à segurança, à saúde e

29
bem – estar, ao emprego de crianças e jovens e outros temas relacionados, na medida em
que tais disposições são aplicáveis por fiscais do trabalho;
2. Fornecer informações e orientações técnicas aos empregadores e
trabalhadores sobre os meios mais eficazes de cumprir com as disposições legais;
3. Levar ao conhecimento da autoridade competente as deficiências ou
abusos não especificamente abarcados pelas disposições legais existentes”29.

Embora de forma explícita esta Convenção não reconheça à Inspecção do


Trabalho competências para dirimir conflitos laborais, mas de forma implícita no ponto
dois esta aí subjacente uma forma de prevenir conflitos entre trabalhadores e
empregadores, na medida em que ela vai orientando os sujeitos da relação laboral sobre
os meios mais eficazes para o cumprimento das normas legais, os conflitos evitar – se –
ão, já que estes resultam em grande medida do incumprimento de tais normas.

O Decreto Presidencial nº79/15, de 13 de Abril divide as atribuições em duas


partes nomeadamente, gerais e específicas.

1.1.6.1 Atribuições gerais

De acordo com o disposto no artigo 5.º são atribuições gerais da Inspecção Geral
do Trabalho:

Assegurar a aplicação e o cumprimento da Lei Geral do Trabalho e legislação


complementar, bem como das disposições legais nos domínios da Administração do
Trabalho e da protecção social obrigatória.

Esta disposição dá – nos a entender que as atribuições genéricas da Inspecção


Geral do Trabalho consistem em garantir que toda legislação laboral seja cumprida, pois
não basta a existência da lei, também é necessário que exista um órgão que sirva de
garante para eficácia dela.

29
Organização Internacional do Trabalho. Op.cit, p.22

30
1.1.6.2 Atribuições específicas

As atribuições específicas estão direccionadas em cinco domínios,


nomeadamente nas relações individuais de trabalho, na administração do trabalho, nas
relações colectivas de trabalho, na segurança, higiene e saúde no trabalho e na protecção
social obrigatória, havendo uma lacuna no que tange à resolução dos conflitos laborais.
Assim, com recurso à Lei Geral do Trabalho no domínio dos conflitos laborais incumbe
à Inspecção Geral do Trabalho mediar conflitos individuais e colectivos de trabalho.

1.1.7 Enquadramento da IGT na organização administrativa angolana

Parafraseando Carlos Feijó e Cremildo Paca, “partindo da tipologia de órgãos


administrativos existentes à luz da Constituição al. d) do artigo 120.º, teremos:
administração estatal directa (central e local), administração indirecta e administração
autónoma”30.

1.1.7.1 Administração estatal directa

É aquela que pode ser central e local. A administração central é composta por
conjunto de órgãos e serviços com competência extensiva a todo território nacional.

Por sua vez, a administração local é integrada por órgãos e serviços cuja
competência se circunscreve a certas áreas ou circunscrições administrativas do território
nacional.

São órgãos da Administração central o Presidente da República, o vice –


presidente, os ministros de Estado e os secretários de Estado, nos termos do artigo 108.º
da Constituição.

30
Carlos FEIJÓ, Cremildo PACA. Op.cit, p.180

31
É de realçar que estes órgãos é que formam o executivo, chefiado pelo Presidente
da República e os demais são auxiliares.

Entendemos que na terminologia da Constituição o executivo equivale ao


governo, termo utilizado pelas leis constitucionais anteriores àquela.

1.1.7.2 Ministérios

De um tempo a esta parte, a Administração Pública angolana tem sofrido


reformas, sobretudo no que concerne ao redimensionamento dos ministérios. Já houve
tempo em que Angola contava com 32 ministérios, pelo menos até 2017, deste ano até
aos três primeiros meses do ano corrente contava – se com 28 ministérios. Na actual
conjuntura contamos com 21 ministérios. Estas reformas justificam – se tendo em conta
as novas exigências de interesse público.

Neste trabalho não nos compete fazer uma abordagem exaustiva sobre esta
temática. Todavia, o acento tónico recai sobre o Ministério da Administração Pública,
Emprego e Segurança Social (MAPESS) actualmente, designado Ministério da
Administração Pública, Trabalho e Segurança Social (MAPTSS), que sempre sobreviveu
as reformas ocorridas desde a independência até ao momento presente pois, é nele que se
enquadra a Inspecção Geral do Trabalho (IGT).

1.1.7.3 Administração periférica

Nas palavras de Carlos Feijó e Cremildo Paca, “entende – se por administração


periférica o conjunto de órgãos e serviços de pessoas colectivas públicas que dispõem de
competência limitada a uma área territorial restrita e funcionam sob a direcção dos
correspondentes órgãos centrais”31.

31
Carlos FEIJÓ, Cremildo PACA. Op.cit, p.202

32
A sua caracterização assenta fundamentalmente, no facto de ser constituída por
um conjunto de órgãos e serviços locais e externos, pertencentes ao Estado ou a pessoas
colectivas públicas de tipo institucional ou associativo.

Administração periférica integra:

a) Órgãos e serviços locais do Estado;


b) Órgãos e serviços locais dos institutos públicos, empresas públicas e
associações públicas;
c) Órgãos e serviços externos do Estado.

Administração periférica do Estado pode ser interna e externa:

A interna é constituída pelos órgãos e serviços locais dos institutos públicos e


associações públicas.

A externa é constituída pelos órgãos e serviços externos do Estado, bem como


pelos órgãos e serviços externos dos institutos públicos e associações públicas.

1.1.7.4 Administração local

Administração local do Estado basicamente assenta em três elementos:

Divisão do território, que é o fraccionamento de parcelas do território em zonas


ou áreas, tendo em vista a definição de competência dos órgãos e serviços locais do
Estado em função do âmbito territorialmente delimitado.

Os órgãos locais do Estado são os órgãos da pessoa colectiva Estado que, na


dependência hierárquica do Governo, exercem uma competência limitada a uma certa
circunscrição administrativa. Não são órgãos autárquicos mas órgãos que integram a
administração local do Estado.

Serviços locais do Estado – são os serviços públicos encarregados de preparar e


executar as decisões dos diferentes órgãos locais do Estado.

33
1.1.7.5 Órgãos e serviços locais do Estado

O governo provincial é o seu órgão de direcção e compete – lhe assegurar as


deliberações do conselho de ministros e orientar o desenvolvimento económico e social
e organizar a prestação de serviços comunitários às populações, assentando a sua
actividade no trabalho com a administração municipal e comunal, com as delegações e
direcções provinciais dos órgãos centrais a administração.

De uma forma singeleza podemos dizer que os órgãos locais do Estado são:

• O governo provincial;
• A administração municipal;
• A administração comunal

Os serviços da administração local do Estado dividem – se em :

➢ Serviços desconcentrados da administração local como é o caso das


delegações provinciais;
➢ Serviços desconcentrados da administração local que eram as direcções
provinciais e actualmente gabinetes provinciais.

Em síntese, podemos dizer que a IGT integra – se no MAPTSS, e os Serviços


Provinciais da Inspecção Geral do Trabalho são órgãos locais da IGT, conforme mostra
o gráfico abaixo, tendo como base o artigo 4. º n.º 5 do Decreto Presidencial n.º33/18, de
8 de Fevereiro ( Estatuto Orgânico do MAPTSS) :

MAPTSS

INEFOP CSST SIAC ENAPP INSS IGT

Serviços
provinciais do
Huambo

34
Ora, de acordo com o gráfico o Ministério da Administração Pública, Trabalho
e Segurança Social (MAPTSS) é composto por diversas instituições, das quais
destacamos a Inspecção Geral do Trabalho (IGT), que como predizemos, é a guardiã da
legislação laboral.

Ela faz parte da administração indirecta ou periférica do Estado, cabendo por


isso, ao titular do poder executivo exercer a superintendência, que por delegação de poder
incumbe ao Ministro da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social, nos termos
das disposições combinadas dos artigos 120.º al. d) da Constituição e do artigo 4.º, n.º 5
do Decreto Presidencial n.º33/18, de 8 de Fevereiro ( Estatuto Orgânico do MAPTSS)
bem como o artigo 4.º do Decreto Presidencial n.º79/15, de 13 de Abril (EOIGT).

É de salientar que na altura da elaboração do presente trabalho foi aprovado o


novo Estatuto Orgânico do MAPTSS através do Decreto Presidencial n.º 220/20, de 27
de Agosto, que em parte revoga aquele decreto, mas no que tange aos órgãos
superintendidos não faz qualquer menção.

De acordo com os artigos 3.º ; 7.º e 15.º todos do Decreto Presidencial nº79/15,
de 13 de Abril, a IGT desempenha as suas funções em todo território nacional, sendo
constituída por órgãos centrais e órgãos locais, que são os serviços provinciais. Estes por
sua vez, estão divididos em duas secções nomeadamente, a secção de segurança, higiene
e saúde no trabalho e a secção de inspecção.

No âmbito da reforma administrativa em curso, pretende – se a unificação da


actividade inspectiva do Estado através da criação da ANIESA e a fusão dos
departamentos e direcções provinciais de inspecção na IGAE ( Inspecção Geral da
Administração do Estado).

Em função disso, muito tem se debatido sobre a posição da Inspecção Geral do


Trabalho. Ela enquadrar – se – á na ANIESA, na IGAE ou será autónoma?

A IGT tem o seu âmbito de actuação nas empresas públicas, privadas, mistas,
cooperativas e em todas as demais organizações que tenham sob sua dependência
trabalhadores vinculados no âmbito da LGT e legislação complementar.

35
Tendo em conta o exposto, ela estaria mais próxima da ANIESA que da IGAE,
pois aquela só mesmo pela denominação, ela actua no sector empresarial público ou
privado, enquanto que esta tem como campo de actuação os próprios órgãos do Estado.

A IGT pode também ser uma inspecção autónoma em função do seu âmbito de
actuação todavia, se o que realmente se pretende é a unificação da actividade inspectiva
seria mais viável que ela se enquadra – se numa delas.

1.1.8 O reconhecimento do papel da IGT na resolução dos conflitos laborais

Analisamos esta temática numa dimensão histórico - jurídica, olhando para os


três períodos que caracterizam a Angola independente, não obstante a Inspecção Geral do
Trabalho como já tivemos oportunidade de frisar, remontar desde a época colonial.

1.1.8.1 Fase da primeira república (1981 – 2000)

Como é sobejamente conhecido, Angola é um país independente desde 11 de


Novembro de 1975. Porém, foram necessários seis anos para que a legislação colonial no
domínio laboral fosse substituída. Assim, só em 1981 surgiu a primeira lei que tinha como
missão regulamentar as relações de trabalho. Esta fase para os efeitos do presente trabalho
culmina em 2000, com a entrada em vigor da segunda LGT.

A Lei n.º 6/81, de 24 de Agosto constitui a primeira LGT que surgiu após a
independência de Angola. Ela foi elaborada no sistema do socialismo e no regime do
monopartidarismo, visou sobretudo a substituição da legislação colonial no domínio
laboral, dava maior privilégio à classe proletária, com destaque a UNTA, conforme bem
sublinha Liudmila, “a altura em que foi aprovada esta lei ainda vigorava no país o sistema
de partido único, e existia apenas uma única Central Sindical, a UNTA, os sindicatos e
comissões sindicais de empresas só podiam se inscrever nesta central sindical. O

36
objectivo foi legalizar as comissões laborais de empresa, de forma a serem consideradas
verdadeiros órgãos de administração de justiça, equiparados aos juízes.”32

Ela não atribui à IGT a competência de resolver conflitos laborais, pois conforme
consta do capítulo XIII sob a epígrafe: resolução dos conflitos laborais, mormente o artigo
165.º. Estes conflitos são resolvidos pelos órgãos de justiça laboral e pelos tribunais.

É de salientar que eram considerados de acordo com o artigo 1.º da Lei da Justiça
Laboral (Lei nº 9/81, de 2 de Novembro) órgãos de Justiça Laboral os seguintes:

• A comissão laboral da empresa


• A comissão laboral de Município
• A comissão Laboral de Província
• A comissão Laboral Nacional

As comissões laborais eram órgãos democráticos de administração da justiça


laboral, em cuja composição e funcionamento participavam amplamente os trabalhadores
e suas organizações, sendo seu objectivo a aplicação da legislação do trabalho e o reforço
da disciplina, contribuindo pela sua actuação para o aumento da produtividade do trabalho
e o fortalecimento da moral socialista, à luz do artigo 2.º da lei citada.

Nestes primeiros anos da independência, a IGT existia todavia, a lei não


reconhecia a competência para dirimir os conflitos laborais que surgissem entre os
sujeitos da relação jurídico – laboral. Sua actuação cingia – se apenas na inspecção.

No âmbito dos conflitos colectivos de trabalho, surgiu a Lei n.º 20 – A/92, de 14


de Agosto que reconheceu ao Ministério da Administração Pública e Segurança Social a
competência de mediar e conciliar conflitos laborais, conforme resulta dos seus artigos
21.º seguintes.

32
Liudmila Oliveira do Espírito TRIGUEIROS, A gestão de conflitos de trabalho em Angola uma
abordagem preliminar: o caso Wapo, Dissertação submetida como requisito parcial para obtenção do
grau de Mestre em Ciências do Trabalho e Relações Laborais, ISCTE - Instituto Universitário de
Lisboa, Julho, 2011, p.23

37
1.1.8.2 Fase da segunda república (2000 – 2015)

É a etapa de transição da guerra para a paz, que começa com a entrada em vigor
da segunda LGT e a terceira.

A Lei n.º 2 /00, de 11 de Fevereiro surgiu num contexto constitucional diferente


da sua antecessora (Lei n.º6/81), pois Angola já vivia numa democracia multipartidária,
admitia – se a livre iniciativa, a propriedade privada e por isso, o Estado não era o único
agente económico, outros agentes surgiram para disputar o mesmo mercado.

Esta Lei veio principalmente superar algumas características negativas da lei


anterior, conforme consta de forma cristalina no parágrafo quinto do seu preâmbulo.

A presente Lei também não atribui de modo explícito competências à IGT para
a resolução extrajudicial dos diferendos, visto que no capítulo XIII, intitulado Garantias
emergentes da relação jurídico – laboral, no seu artigo 306.º remete para os tribunais (
sala do trabalho) a resolução dos conflitos individuais de trabalho, cujos motivos estejam
relacionados com a constituição, manutenção, extinção da relação jurídico – laboral, ou
com a execução do contrato de trabalho, satisfação dos direitos e o cumprimento de
obrigações e o recurso das medidas disciplinares aplicadas ao trabalhador, à luz do artigo
305.º.

Esta Lei consagra o princípio da precedência obrigatória do recurso à conciliação


para se intentar acção judicial, de acordo com o artigo 307.º n.º1. A competência para a
conciliação é atribuída ao órgão integrado no Ministério Público e, é composto por dois
assessores, sendo um representante dos empregadores da província e um representante
dos trabalhadores da província onde estiver a decorrer o conflito e um magistrado do
Ministério Público que o preside, nos termos do artigo 308.º.

Embora não atribua competência à IGT na resolução dos conflitos individuais


de trabalho, no âmbito dos conflitos colectivos de trabalho tal competência é atribuída ao
ministério que tutela o trabalho senão vejamos:

O artigo 239.º estabelece que o empregador que pretenda proceder o


despedimento colectivo deve comunicar a intenção ao órgão representativo dos
trabalhadores e aos serviços provinciais do ministério de tutela do trabalho.

38
Na área das relações colectivas de trabalho. Caso as partes não tenham chegado
a um acordo, estipula o artigo 241.º podem os serviços provinciais do ministério de tutela
do trabalho convocar, dentro dos dez dias seguintes, uma reunião com o empregador e
os representantes dos trabalhadores, se o órgão representante existir ou a comissão tiver
sido eleita e procurar alcançar um acordo das partes quanto à manutenção ou não da
intenção de despedimento.

1.1.8.3 Fase da terceira república

Esta fase começa com entrada em vigor da terceira LGT e perdura até aos dias
de hoje. Face ao novo contexto que o mundo e o país em particular experimentava, havia
necessidade de se rever a Lei n.º 2/00 de modo a se ajustar às novas exigências sociais
por forma a torná – la mais eficaz para aplicação das políticas públicas, tendentes a
fomentar a geração do emprego, o aumento da produção e produtividade a dignificação
dos sujeitos da relação jurídico - laboral e a consolidação da justiça social.

A Lei n.º 7/15, de 15 de Junho é a primeira LGT a consagrar a mediação


como um mecanismo para a resolução dos conflitos laborais e a reconhecer o papel da
IGT nesta matéria.

Como se pode ver a IGT apenas passou a ter legitimidade para mediar
conflitos com a entrada em vigor desta lei.

Deste modo, na subsecção I do XIV capítulo, isto é, do artigo 275.º ao artigo


282.º está consagrado o regime jurídico da mediação laboral e do papel da IGT neste
quesito, cujo desenvolvimento vem a seguir.

39
CAPÍTULO II

DOS CONFLITOS LABORAIS

2.1.1 Generalidades

Não precisamos ser especialistas para nos apercebermos de que os conflitos


laborais constituem uma realidade presente no nosso dia – a – dia, basta um simples olhar
macroscópico..

A relação jurídico – laboral é constituída na base da paz e harmonia. Todavia,


como qualquer relação social está sujeita aos atritos. Assim, a paz caracterizada no
primeiro momento transforma – se num dissídio, beliscando a produção e a produtividade.

De acordo com Liudimila: “ os conflitos de trabalho têm sido temáticas muito


abordadas em todo mundo.”33 Facto que revela que eles não são privativos do nosso país
e da província do Huambo em particular.

No dizer de Lucinda, enquanto ser grupal que é, o Homem vê – se confrontado,


como imposição mínima de sobrevivência física e psíquica, com necessidade de relação
com outros elementos da mesma espécie. A essa interacção é , contudo, conatural uma
dimensão mais ou menos intensa, de conflituosidade, na medida em que a acção conjunta
não elimina interesses de ordem individual, cuja satisfação pressupõe o domínio de bens
escassos e, consequentemente, objecto de disputa e partilha34.

Na verdade, os conflitos de trabalho não existem apenas na província do


Huambo, eles existem em todas as sociedades, onde há correlação ente o detentor do
capital e detentor da força de trabalho.

33
Liudmila Oliveira do Espírito TRIGUEIROS. Op. cit, p.15
34
Lucinda D. Dias da SILVA, Arbitragem e Juris laboris Alma, Revista da Associação de Estudos Laborais,
ed. Coimbra, Lisboa ano XII – 2005, p.194

40
2.1.2 Noção

Não ignorando a áurea advertência de Iavolenus, segundo a qual: “omnis


definitio in júris civilis periculosa est”35, isto é, toda definição em Direito Civil é perigosa
porquanto se subscreve em limitar ou traçar fronteiras, ou ainda, empobrecer o ser da
coisa. Ainda assim, somos compelidos a fazê – lo de modo a tornar cristalino
determinados conceitos, afastando assim qualquer ambiguidade.

Deste modo, começaremos por definir o vocábulo conflito. Trata – se de uma


palavra de origem latina (conflictus,us), que literalmente significa segundo o Dicionário
Electrónico Houaiss da Língua Portuguesa: “choque, embate, encontro, combate, luta',
ligado ao vocábulo latino confligère 'combater, lutar, pelejar”36..

E ainda segundo o Dicionário de Língua Portuguesa Prestígio, trata – se de um


choque de elementos contrários, discórdia, antagonismo, altercação, estado de hesitação
entre tendências ou impulsos antagónicos, confronto de princípios ou leis que se
contradizem mutuamente e impossibilitam a sua aplicação37.

Na mesma senda, Ferreira citado por Candini sustenta: “conflito vem do latim
conflictu, embate dos que lutam; discussão acompanhada de injúrias e ameaças; guerra,
combate, colisão, choque; o elemento básico determinante da acção dramática, a qual se
desenvolve em função da oposição e luta entre diferentes forças”. 38

A nosso ver, o conflito é um litígio que opõe duas ou mais pessoas, cuja relação
assenta em qualquer vínculo.

Não pretendemos fazer uma teorização dos conflitos em geral porém, ocuparmo
– no – emos dos conflitos laborais em particular, tal como já foi dito anteriormente.

35
Digesto 50.17.202, apud A. Santos JUSTO, Direitos Reais, ed, Coimbra, Lisboa, 2007, p.11
36
António HOUAISS, Dicionário Electrónico Houaiss da Língua Portuguesa, Instituto António Houaiss,
2001
37
Dicionário de Língua Portuguesa Prestígio, ed, Plural, Luanda, 2015, p.400
38
Ferreira P. apud Treva Ricardo CANDINI. Op.cit p.7

41
Assim, um conflito laboral é aquele que surge no âmbito da relação entre o (os)
trabalhador (es) e o (os) empregador (es) quer se trate da constituição, modificação,
execução, da extinção da referida relação, quer das condições de trabalho.

2.1.3 Modalidades dos conflitos de trabalho

A doutrina e a lei são unânimes em afirmar que os conflitos de trabalho dividem


- se em duas modalidades nomeadamente, conflitos individuais e colectivos de trabalho.

Para além destas, aventa – se na doutrina a possibilidade de existir uma outra


modalidade, a dos conflitos jurídicos e dos conflitos económicos. Assim, segundo os
defensores desta tese, estaríamos perante um conflito jurídico de trabalho sempre que o
litígio tiver como origem a interpretação ou a aplicação de uma cláusula contratual ou de
um acordo colectivo de trabalho, ou ainda de uma convenção de trabalho, já quando o
conflito surgisse por causa das condições de trabalho, estar – se – ia perante um conflito
económico. Aliás, Menezes Leitão refere que “tradicionalmente tem – se distinguido
entre conflitos jurídicos e conflitos económicos, consoante têm por objecto uma
divergência sobre a interpretação e aplicação das normas vigentes, ou antes a pretensão
da sua substituição por outras”39.

António Fernandes enquadra esta modalidade nos conflitos colectivos, ao


afirmar que os conflitos jurídicos dizem respeito à interpretação e aplicação das normas
já vigentes, sobretudo as constantes numa convenção colectiva, enquanto que os segundos
têm a ver com questões de ordem económica40.

Entendemos que esta modalidade não é privativa dos conflitos colectivos de


trabalho, ela é extensiva a todos os conflitos, pois quer num contrato de trabalho, quer
numa convenção colectiva podem surgir conflitos de ambos os tipos.

Nos termos do n.º1 do artigo 272.º da LGT, é conflito individual de trabalho o


que surja entre o trabalhador e o empregador, por motivos relacionados com a
constituição, manutenção, suspensão e extinção da relação jurídico-laboral, ou com a

39
Luís Manuel Teles de Menezes LEITÃO. Op.cit, p.353
40
António Monteiro FERNANDES, Direito do Trabalho, 12.ª ed. Almedina, Coimbra, 2004, p. 845

42
execução do contrato de trabalho e a satisfação dos direitos e cumprimento das
obrigações, de uma e de outra parte, decorrentes do mesmo contrato, bem como o recurso
das medidas disciplinares aplicadas ao trabalhador.

Desta disposição legal podemos depreender que, o conflito individual de


trabalho é antes de mais um litígio que opõe duas partes (trabalhador e empregador) e que
surge no âmbito de uma relação jurídico - laboral. A norma não faz menção ao número
de elementos que deve constar em cada parte. Assim, não seria conveniente pensarmos
que um conflito individual de trabalho só pode ser aquele em que haja intervenção de um
trabalhador e um empregador. Também é conflito individual quando dois ou mais
trabalhadores se coligam para demandar um empregador, ou quando um empregador
demanda mais de um trabalhador. Além disso, entendemos que o caso de despedimento
colectivo previsto no artigo 216.º da lei supra pode despoletar – se num conflito
individual, e não num conflito colectivo, como se poderia pensar, na medida em que surge
num contrato de trabalho individualmente considerado e não numa convenção ou acordo
colectivo de trabalho.

No seu n.º 2 o artigo 272.º da lei supra define conflito colectivo nos seguintes
termos: é conflito colectivo de trabalho o que surja no âmbito de uma convenção ou de
acordo colectivo de trabalho, de acordo com o previsto em legislação específica. Quanto
à esta legislação importa referir a Lei n.º 23/91, de 15 de Junho ( Lei da Greve) e a Lei
n.º 20 – A/92, de 14 de Agosto ( Lei sobre o direito de negociação colectiva).

Nas palavras de Monteiro Fernandes, citado por Menezes Leitão, existe conflito
colectivo de trabalho quando se manifesta, através de comportamentos colectivos, uma
divergência de interesses por parte de uma categoria organizada de trabalhadores, e de
uma categoria organizada de empregadores ou um só destes, de outro lado, em torno da
regulamentação existente ou futura das relações de trabalho que interessam membros das
mesmas categorias41.

Segundo Martinez, o conflito colectivo de trabalho assenta numa reivindicação


apresentada pelos trabalhadores, em princípio representados pelos respectivos sindicatos
ou comissões de trabalhadores. Na eventualidade de o empregador, individualmente

41
Monteiro Fernandes. Direito do Trabalho. Apud Luís Manuel Teles de Menezes LEITÃO. Op.cit, p.353

43
considerado ou representado pela respectiva associação de empregadores, não ter
aceitado a reivindicação estão lançadas as bases para o conflito colectivo.42

Já Menezes Cordeiro citado pelo autor anterior, refere a importância dos


conflitos colectivos de trabalho no Direito do Trabalho ao se pronunciar nos seguintes
termos: O conflito colectivo tem estado no cerne do desenvolvimento do direito do
trabalho, pois a intervenção colectiva na vida jurídica trouxe particularidades a este ramo
do direito. A relação laboral autonomizou – se de outras relações jurídicas obrigacionais,
em grande parte como consequência do conflito colectivo. Nas demais relações jurídicas
obrigacionais, os problemas são suscitados e resolvidos inter partes , ou seja, surgem
conflitos, mas estes resumem – se a uma relação ente dois sujeitos, as partes na relação
jurídica. Diferentemente na relação laboral, o eventual conflito que venha a ser suscitado
entre trabalhador e o empregador, para além do cariz individual, pode assumir a natureza
de um conflito colectivo43.

Martinez corrobora com esta ideia ao afirmar que de facto, foi por via do conflito
colectivo que, paulatinamente, foram sendo introduzidas particularidades no direito do
trabalho, em especial dos conflitos colectivos tem resultado uma melhoria das condições
de trabalho, não só no que respeita a aumentos salariais, como ao estabelecimento de
regras relativas à segurança e higiene no trabalho e corresponde responsabilidade civil
objectiva, segurança no emprego com a consequente limitação do despedimento.44

Ainda nesta senda, Menezes Leitão acrescenta dizendo: é o conflito colectivo


que tem autonomizado o desenvolvimento do Direito do Trabalho e o seu afastamento do
Direito das Obrigações. Designadamente, é por via deste que surgem as associações de
trabalhadores (coligações operárias) e as associações de empregadores. Os conflitos
colectivos continuam no entanto, a desempenhar um papel particularmente importante no
Direito do Trabalho moderno, uma vez que normalmente contribuem para uma melhoria
das condições de trabalho.45

42
Pedro Romano MARTINEZ. Op. cit, p.1183
43
Menezes Cordeiro. Apud, Pedro Romano MARTINEZ.Op. cit, p.1183
44
Pedro Romano MARTINEZ. Op. cit, p.1184
45
Luís Manuel Teles de Menezes LEITÃO. Op.cit, p353

44
Realmente contra factos não há argumentos, os conflitos colectivos de trabalho
são típicos do Direito do Trabalho e servem de fronteira com o Direito das Obrigações,
embora não sejam os únicos elementos que caracterizam esta cadeira do Direito.

Afinal, que diferença há entre um conflito individual e um conflito colectivo de


trabalho?

De modo sucinto, podemos dizer que a principal diferença entre um conflito


colectivo de trabalho e um conflito individual de trabalho resulta fundamentalmente da
génese da relação jurídico – laboral. Assim, os conflitos individuais de trabalho resultam
das relações individuais de trabalho, que têm como fonte o contrato de trabalho ou a
nomeação, ao passo que os conflitos colectivos de trabalho brotam das relações
colectivas, constituídas com base num acordo colectivo de trabalho ou numa convenção
colectiva de trabalho.

Ainda segundo Martinez, na relação individual, pode estar em causa a


interpretação e aplicação de cláusulas que vinculam as partes. Mas, na hipótese de conflito
colectivo, as mais das vezes (em 90% dos casos), o problema não se resume a uma
deficiente aplicação de regras em vigor, mas à sua modificação ou substituição por outras
mais favoráveis ao trabalhador.46.

2.1.4 Causas dos conflitos laborais

Conforme referimos acima, os conflitos laborais existem em toda parte do


mundo. Com efeito, há toda necessidade de saber a sua ratio essendi na província do
Huambo.

De modo particular, a província do Huambo de acordo com os dados colhidos


junto dos Serviços Provinciais da Inspecção Geral do Trabalho várias são as causas que
podem despoletar um conflito individual ou colectivo de trabalho, dentre estas podemos
apontar as seguintes:
• A falta de pagamento de salário;
• O despedimento;

46
Pedro Romano MARTINEZ,.Op. cit, p.1183

45
• O abandono do trabalho;
• A falta de condições adequadas para o exercício da actividade laboral;
• O não cumprimento das obrigações relativa à Segurança Social;
• As gratificações anuais obrigatórias;
• As faltas;
• O gozo de férias;
• A cessão da posição contratual;
• O trespasse;
• A mudança temporária ou definitiva de funções;
• Acidentes de trabalho
• A transferência para um outro centro de trabalho.

2.1.5 Do conflito colectivo em especial

Com esta temática pretendemos abordar de forma esmiuçada, mas não exaustiva
os principais conflitos colectivos de trabalho, face ao seu relevo na ordem jurídico -
laboral, e seu impacto na vida empresarial e das famílias.

Angola é um Estado Democrático de Direito, conforme é consagrado o artigo 2.º


da Constituição da República, reconhecendo aos trabalhadores o direito de livremente
constituírem associações sindicais para a defesa dos seus interesses individuais e
colectivos, à luz do artigo 50.º do diploma já mencionado.

Nas palavras de Menezes Leitão,” os regimes autoritários ilegalizam os conflitos


colectivos de trabalho. Os Estados democráticos proíbem algumas formas de conflitos
colectivos de trabalho, reconhecendo outras como legais, as quais no entanto procuram
disciplinar exigindo procedimentos próprios”.47

Martinez toca na mesma tecla ao afirmar que actualmente, nos regimes não
autoritários tem – se entendido que os conflitos colectivos não põem em causa a
autoridade do Estado, desde que estejam delimitados e se forem exercidos de forma
disciplinada e de boa fé. Dentro de certos parâmetros são admitidos os conflitos

47
Luís Manuel Teles de Menezes LEITÃO. Op.cit, p.354

46
colectivos, porque desde que estejam delimitados, o Estado poderá continuar a exercer a
sua autoridade. O problema reside em disciplinar os conflitos colectivos48.
Um conflito colectivo implica na verdade uma pluralidade de partes desavindas,
por um lado uma associação de trabalhadores e por outro, uma associação de
empregadores porém, nem sempre será assim, visto que o conflito pode opor uma
associação de trabalhadores de um lado e do outro, apenas um empregador. Isto se deve
a fonte do conflito colectivo.
A nosso ver, o conflito colectivo é um litígio que se manifesta nas relações
colectivas de trabalho, tendo como génese um acordo colectivo ou uma convenção
colectiva de trabalho.

Os conflitos colectivos para além do seu lado negativo, têm uma vertente muito
positiva, pois constituem uma arma ou um meio eficaz de luta colectiva.

2.1.5.1 Modalidades

Na perspectiva de Menezes Leitão, são consideradas formas legais de conflitos


colectivos de trabalho a greve, seguramente o mais importante, e o boicote. São ilícitas
outras formas de conflito, como ocupação da empresa, o bloqueio das portas, a sabotagem
da produção, e o sequestro dos empregadores. Também é ilícito o encerramento da
empresa pelo empregador, designado como lock – out.49

Para efeito do presente trabalho faremos uma referência singela sobre o boicote,
mas com maior destaque a greve, tendo em atenção o seu impacto na vida sócio – laboral.

2.1.5.2.2 O boicote

Segundo o Dicionário Electrónico Houaiss da Língua Portuguesa: “Trata – se


de um termo de origem inglesa (boycott), que literalmente significa ato ou efeito de

48
Pedro Romano MARTINEZ. Op.cit, p.1185
49
Luís Manuel Teles de Menezes LEITÃO. Op.cit, p.353

47
recusar-se a trabalhar ou cooperar, ou ainda, recusa coletiva de trabalho para determinada
indústria ou estabelecimento comercial, ou inibição de transações com eles”50.

Na senda de Menezes Leitão, “o boicote consiste na recusa concertada da


celebração de contratos de trabalho ou da utilização dos bens ou serviços da empresa”51.

Em abono da verdade, o boicote tem lugar quando um grupo de trabalhadores de


forma pactuada deixa de estabelecer um vínculo jurídico - laboral com determinado
empregador, como forma de demonstrar um descontentamento motivado por
comportamentos deste. Imaginemos a título de exemplo, que determinado empregador
tem o hábito de tratar mal os seus trabalhadores, ou pagar de forma interpolada os salários,
um grupo de trabalhadores cujos contratos estejam próximo do vencimento pode de forma
concertada não celebrar outro contrato de trabalho ou renová -lo com aquele empregador
todavia, é necessário avaliar muito bem o contexto sócio – económico, pois numa
localidade onde a maioria das pessoas é desempregada jamais se poderia pensar em
recorrer a esta modalidade de conflito.

Ainda de acordo com o mesmo autor, a expressão tem origem na atitude


desencadeada pelo capitão Boycott (feitor de grandes terrenos na Escócia, pertencentes a
um Lorde inglês).52

2.1.5.2.3 A greve

Ela constitui o conflito colectivo de maior envergadura, o meio mais idóneo e


eficaz para os trabalhadores pressionarem a entidade patronal a fim de que as suas
pretensões sejam atendidas.

Do ponto de vista histórico – conceitual e de acordo com o Dicionário


Electrónico Houaiss da Língua Portuguesa, o vocábulo deriva do francês (grève) que
significava 'terreno de areia e cascalho à beira-mar ou à beira-rio, posteriormente
designou, primeiro topologicamente, depois toponimicamente até 1806, a área tornada
praça defronte do palácio da Municipalidade de Paris (Place de Grève, hoje Place de
l'Hôtel-de-Ville), ponto de reunião de trabalhadores e operários sem emprego ou

50
António HOUAISS. Op. cit.
51
Luís Manuel Teles de Menezes LEITÃO.Op. cit, p.254
52
Luís Manuel Teles de Menezes LEITÃO.Op.cit, p. 254

48
descontentes com as suas condições de trabalho.53 Conforme bem o confirma Menezes
Leitão. 54

A greve constitui um direito constitucional. O seu exercício não é feito de modo


individual, mas só de forma colectiva.

De acordo com Martinez,” a greve, de entre os conflitos colectivos, apresenta –


se como a luta paradigmática dos trabalhadores em que se pretende pôr as regras
vigentes”55.

O que é a greve?

De acordo com o artigo 2.º da Lei n.º23/91, de 15 de Junho, entende – se por


greve a recusa colectiva, total ou parcial, concertada e temporária de prestação de
trabalho, contínua ou interpolada, por parte dos trabalhadores.

Assim, a greve pressupõe que os trabalhadores de modo concertado se recusem


a prestar o trabalho habitual não de modo atemporal porém, temporariamente. Podem
recusar – se de prestar o trabalho pelo tempo acordado todos ou partes dos trabalhadores
pertencentes a uma empresa, pois, a adesão à greve não tem carácter compulsivo, embora
se diga em abono da verdade que os efeitos caso as pretensões dos trabalhadores grevistas
sejam atendidas pela entidade empregadora, repercutem – se a todos os trabalhadores.

Menezes Leitão define – a nos seguintes termos: “a greve, abstenção da


prestação de trabalho concertada entre os trabalhadores em ordem à satisfação de uma
sua pretensão, é o conflito colectivo paradigmático. Podendo ter objectivos de vária
ordem, visa normalmente a melhoria das condições de trabalho”56

Segundo o Departamento de Emprego da Grã – Bretanha, citado por Keith


Grint,” A greve é definida como toda interrupção de trabalho devido as disputas
industriais, envolvendo dez ou mais trabalhadores e que dura pelo menos um dia”57.

53
António HOUAISS. Op. cit.
54
Luís Manuel Teles de Menezes LEITÃO Op.cit, pp.354 - 355
55
Pedro Romano MARTINEZ. Op.cit, p.1191
56
Luís Manuel Teles de Menezes LEITÃO. Op.cit, p.354
57
Keith GRINT, Sociologia do Trabalho, Instituto Piaget, Lisboa, 1999, p.209

49
Em nosso entender, a greve é a recusa facultativa de prestar o trabalho que os
trabalhadores estão obrigados de uma forma combinada, com o desígnio de reivindicar
melhores condições de trabalho, ou fazer valer um direito que está a ser violado pela
entidade patronal.

Importa realçar que não faremos uma abordagem escalpelizada sobre esta
temática, atemo – nos – emos nos aspectos gerais.

2.1.5.3.1 Regime jurídico

O direito à greve tal como supra referimos, vem previsto no artigo 51.º da nossa
Constituição e, é regulada pela Lei n.º 23/91, de 15 de Junho. Tal como é enfatizado por
Menezes Leitão: “em Angola, o direito à greve é reconhecido pela Constituição no seu
artigo 51.º”58.

O direito à greve não é exercido de forma ilimitada, não conhecendo qualquer


barreira. Deve ser exercido dentro dos parâmetros legais de modo a poder coabitar com
outros direitos. É sob esse olhar que o legislador consagra algumas restrições, pois
nenhum direito é tão absoluto ao ponto de não poder colidir com os outros.

2.1.5.3.2 Procedimentos para declarar a greve

Conforme supra dissemos, a greve é um direito relativo e não absoluto, cujo


exercício deve ser feito dentro dos limites estatuídos na lei. Os trabalhadores não podem
como quiserem declarar greve sem observância dos procedimentos estabelecidos pela lei
e no caso em concreto a Lei n.º 23/91, de 15 de Junho. Com efeito, podemos
formular a seguinte questão:

Quem tem legitimidade para declarar a greve?

O artigo 10.º da Lei antedita determina que a greve deve ser declarada pelos
trabalhadores ou organismos sindicais. Assim, a título meramente ilustrativo, uma

58
Luís Manuel Teles de Menezes LEITÃO.Op.cit, p.355

50
associação de estudantes não tem legitimidade para declarar a greve, uma comissão de
moradores também não a tem.

Não obstante a declaração da greve caber de modo exclusivo aos trabalhadores,


ainda assim é necessário ter em conta o que vai disposto no n. º 2 do artigo referido acima,
nos termos do qual, a decisão de declaração da greve só poderá ser tomada em Assembleia
de Trabalhadores convocada com antecedência mínimo de cinco dias pelo organismo
sindical ou vinte por cento dos trabalhadores abrangidos e em que estejam presentes pelo
menos 2/3 desses trabalhadores.

Desta norma, podemos extrair três aspectos fundamentais: o órgão, que deve ser
colegial (Assembleia de Trabalhadores) e não singular, assim por exemplo um
trabalhador não tem legitimidade para o efeito, segundo a tempestividade da
convocatória, que no mínimo deve ser de cinco dias e o quórum de funcionamento e
deliberativo.

A convocatória da greve deve ser comunicada obrigatoriamente no prazo de 24


horas à entidade empregadora, conforme dispõe o n.º 3 do memo artigo.

Quem é o titular do direito à greve?

Meneze Leitão é de opinião de que, “a posição que parece preferível é a de que


a titularidade do direito à greve se situa na esfera dos trabalhadores individuais, uma vez
que o direito à greve é declarada pelos seus representantes, sendo o concurso das
entidades colectivas acima referidas uma condição procedimental do exercício do
respectivo direito59.

Nós propendemos para o mesmo sentido, pois se tivermos em linha de contas o


disposto no n.º1 do artigo 51.º da Constituição, o direito à greve é reconhecido aos
trabalhadores individualmente considerados, embora o seu exercício seja de modo
colectivo.

Antes de ser decretada a greve existe a obrigação de apresentar à entidade


empregadora um caderno reivindicativo e da tentativa de solução do conflito por via do
acordo. Em resposta a entidade empregadora deve apresentar por escrito a sua resposta
aos representantes dos trabalhadores no prazo de cinco dias, se os trabalhadores não

59
Luís Manuel Teles de Menezes LEITÃO.Op. cit, p. 360

51
concederem prazo superior. Se o empregador responder no prazo estipulado ou caso o
faça, se após um período de negociação de 20 dias não se chegar a acordo, os
trabalhadores são livres de declarar a greve, à luz do artigo 9.º da Lei n.º 23/91, de 15 de
Junho (lei da greve).

No que tange a comunicação da greve, dispõe o artigo 12.º da lei supra o


seguinte: decidida a greve, nos termos do artigo 10.º, a assembleia de trabalhadores ou
organismo sindical, consoante os casos, deverão comunicar a sua decisão à entidade
contra qual foi declarada e às estruturas competentes do MAPTSS e do organismo
administrativo de coordenação do sector em que se enquadra a actividade da empresa em
greve, com uma antecedência mínima de três dias. Devendo a declaração da greve conter,
nomeadamente:

a) Os fundamentos e objectivos da greve;


b) A indicação dos estabelecimentos, serviços e categorias profissionais
abrangidos pela greve;
c) A data e hora de início da greve.

Enquanto decorre a greve impende à entidade patronal determinadas obrigações


nomeadamente, a proibição de mudança de equipamentos, a proibição de substituição de
trabalhadores e a proibição de lock – out, nos termos dos artigos 15.º, 17.º e 18.º, todos
da lei já citada.

E quanto aos trabalhadores recaem as seguintes obrigações: protecção e acesso


às instalações, satisfação de necessidades essenciais, com base nos artigos 19.º e 20.º da
mesma lei.

2.1.5.3.3 Efeitos da greve

A greve como conflito colectivo maioritário produz efeitos de diversas índoles,


para o presente trabalho importa referir as de índole jurídica, nomeadamente: a suspensão
da relação jurídico – laboral, a proibição de transferência e despedimento e suspensão de
prazos, conforme vão estabelecidos nos artigos 21.º, 22.º e 23.º, todos da lei em referência.

52
2.1.5.3.4 Natureza jurídica da greve

Por hora, importar analisar a natureza jurídica da greve. Segundo Menezes


Leitão, esta questão tem sido objecto de discussão doutrinária, questionando – se a greve
representa uma liberdade genérica ou antes um verdadeiro direito subjectivo60.

De facto, este assunto já fez “correr muita tinta debaixo da ponte”, alguns autores
entendem que a greve é uma liberdade genérica e outros consideram – na um direito
subjectivo.

Quanto à sua titularidade, alguns entendem que ela pertence aos trabalhadores
individualmente considerados, outros atribuem – na às associações sindicais ou à
assembleia de trabalhadores.

Segundo Menezes Leitão, parece haver na greve algo mais do que uma simples
liberdade, uma vez que ela constitui um instrumento de luta colectiva, que é susceptível
de ser usado como forma de pressionar a parte contrária no sentido da obtenção dos fins
desejados. Nesse sentido e, conforme resulta do artigo 51.º, nº 1 da Constituição da
República de Angola, a greve constitui um verdadeiro direito subjectivo dos
trabalhadores.61

Tomando parte desta vexata questio, quanto à corrente que sustenta a greve como
uma simples liberdade, temos a dizer que ela não é muito feliz, pois a greve não é uma
mera liberdade, é antes demais um direito subjectivo, embora o seu exercício seja
colectivo. Deste modo sufragamos a posição de Menezes Leitão por estar em
conformidade com a Constituição angolana.

60
Luís Manuel Teles de Menezes LEITÃO.Op. cit, p.372
61
Iv

53
2.2.1 Resolução dos conflitos laborais

Como já tivemos oportunidade de referir, os conflitos laborais constituem uma


realidade indubitável na província do Huambo. Todavia, não basta a sua existência é
necessário que existam mecanismos para os resolver.

O Estado não deve assistir de forma indiferente “a luta” dos sujeitos laborais,
sem nada fazer, pois os conflitos laborais põem em causa a estabilidade económico –
social. Uma das missões fundamentais do Direito é resolver os conflitos sociais
susceptíveis de pôr em causa a convivência social.

Na explanação de Lucinda, da tensão dialéctica depende, contudo, o


dinamismo e a evolução sociais, pelo que ao Direito incumbe, não a eliminação do
conflito – tarefa, além do mais impossível – mas a sua manutenção em plano de
equilíbrio, em nível de relativa estabilidade.62

De facto, não há nenhuma “vacina” disponível para imunizar a sociedade contra


os conflitos laborais, tudo quanto se pode fazer é minimizar a sua existência de modo a
acautelar o seu impacto na vida económico – social.

É a luz deste entendimento que a lei consagra garantias aos sujeitos cujos
interesses foram lesados ou violados. Estes meios de garantia para a resolução dos
conflitos resultantes da relação jurídico – laborais tal como é estudado noutros ramos do
Direito, podem ser graciosos, extrajudiciais e contenciosos.

Para o presente trabalho interessam as garantias extrajudiciais nomeadamente a


mediação, a conciliação e a arbitragem. Porém o acento tónico recairá sobre a mediação.
Não a mediação feita por qualquer entidade, mas aquela realizada pela Inspecção Geral
do Trabalho no Huambo.

Os contendedores gozam de uma liberdade de escolha do meio mais adequado


para resolverem o conflito que os opõe. Trata – se por isso, de um corolário lógico do
princípio da autonomia privada que serpenteia os vários ramos que compõem o “universo
jurídico”.

62
Lucinda D. Dias da SILVA.Op. cit, p. 196

54
Todavia, se isso é assim com os meios extrajudiciais, o mesmo não se pode dizer
com o recurso a via judicial, porquanto o artigo 274.º da LGT consagra o princípio da
precedência obrigatória dos mecanismos extrajudiciais, de acordo com o qual: “Todo o
conflito judicial deve obrigatoriamente ser precedido do recurso a um dos mecanismos
extrajudiciais de resolução de conflitos”.

Quer dizer, se um trabalhador estiver há dez meses sem o pagamento dos seus
ordenados, antes de propor a acção num tribunal, terá de recorrer ou à IGT para a
mediação, ou ao Ministério Público para a conciliação, ou a um tribunal arbitral para
arbitragem.

Diante desta imposição cabê – nos analisar se esta disposição é inconstitucional


ou não, face ao disposto no artigo 29.º da nossa Constituição, que estabelece o princípio
da tutela jurisdicional efectiva, segundo o qual: “A todos é assegurado o acesso ao direito
e aos tribunais para a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não
podendo a justiça ser denegada por insuficiência dos meios económicos”.

Embora não constitua objecto do nosso trabalho, julgamos conveniente fazer


uma abordagem singela, ainda que não tenhamos a pretensão de atingirmos o âmago da
questão.

Os mecanismos extrajudiciais de resolução de conflitos constituem vias


alternativas de resolução de conflitos e excepcional, pois pretende – se a resolução dos
litígios mediante estruturas de auto - composição de conflitos, em seguimento de uma
autodeterminação da vontade consensual das partes. A solução do conflito que opõe os
litigantes é amigável e concertada.

O facto de as partes recorrerem primeiramente aos meios extrajudiciais para a


resolução do litígio não implica que deixam de ter acesso aos tribunais com a mesma
finalidade. Aliás, os meios extrajudiciais alargam a base de tutela dos direitos e interesses
das partes.

Por outro lado, escalpelizando as disposições normativas abaixo descritas todas


da LGT poderíamos deduzir que o princípio da precedência obrigatória não é de todo
absoluto. Vejamos a título meramente exemplificativo:

O artigo 215.º (Recurso judicial do despedimento)

55
O trabalhador pode recorrer judicialmente do despedimento com qualquer dos
seguintes fundamentos:

a) Não concordância com a redução ou alteração do posto de trabalho;


b) Violação dos critérios de preferência na manutenção do emprego

Ora, havendo um conflito laboral cuja motivação seja o despedimento, o


trabalhador pode recorrer ao tribunal, com base nos fundamentos acima referenciados
para salvaguarda dos seus direitos.

O n.º2 do artigo 57.º, dispõe: No caso de exercício abusivo do poder disciplinar


o trabalhador tem a faculdade de recorrer ao tribunal competente para reclamar os direitos
que considere violados.

Com esta disposição poderíamos afastar ainda que seja apenas por excepção, o
princípio da precedência obrigatória. Todavia, não é essa a hermenêutica mais plausível
pois, é necessário ter em conta o disposto no artigo 56.º, n.º 2, que remete para o artigo
273.º

Tomando parte desta querela, entendemos que o princípio da precedência


obrigatória consagrado no artigo 274.º da LGT não colide com o artigo 29.º da nossa
Constituição, na medida em que não veda o acesso aos tribunais por parte dos sujeitos da
relação jurídico – laboral, apenas impõe o recurso prévio aos meios extrajudiciais.
Embora entendamos ser uma manobra dilatória para o acesso aos tribunais. Se sondarmos
a sua “ratio essendi ”, chegaremos a inferência de que o legislador queria dar aos
litigantes mais possibilidade de auto - comporem o litígio e gastarem menos tempo e
dinheiro como não poderia deixar de ser. Além de alargar os meios de garantias de
resolução dos conflitos.

Os meios extrajudiciais de resolução de conflitos não implicam a intervenção


dos tribunais, normalmente são entidades públicas como a IGT, o Ministério Público ou
uma entidade privada como o tribunal arbitral, que resolvem o conflito suscitado pelas
partes, ajudando – as a chegar a um consenso.

Os meios judiciais implicam o recurso a um órgão jurisdicional, que nos termos


do artigo 180.º da nossa Constituição são os tribunais a fim de obterem a solução da
demanda.

56
2.2.1 Os meios extrajudiciais de resolução de conflitos

Se é verdade que os meios extrajudiciais se aplicam em quase todos os domínios


da “vida jurídica”, mormente no Direito Privado, não deixa de ser menos verdade que tais
mecanismos encontram maior campo de aplicação no Direito do Trabalho.

Neste diapasão, importa questionar: que mecanismos extrajudiciais estão ao


dispor dos sujeitos da relação jurídico – laboral para resolução dos conflitos que os opõe?

O artigo 273.º da LGT responde de forma cristalina essa questão, ao estabelecer


que os conflitos individuais de trabalho são resolvidos por mecanismos extrajudiciais tais
como: a mediação, a conciliação e a arbitragem.

Já quanto aos conflitos colectivos de trabalho, para além mecanismos supra,


podem também ser resolvidos pela negociação e resolução governamental. Como é
enfatizado pelo Professor Menezes Leitão, “os meios extrajudiciais de resolução de
conflitos são: a negociação, a conciliação, a arbitragem e a resolução governamental”63.

Neste trabalho faremos apenas uma abordagem singela dos referidos meios
porém, o nosso foco é sobretudo a mediação como já referimos, dado o objecto do nosso
estudo. Assim, começaremos pela negociação, conciliação e arbitragem de modo mais
detalhado a mediação.

2.2.1.1 Negociação

A negociação é a via mais consentânea para se alcançar a paz social e para o


nosso caso a paz laboral, enquanto factor de produtividade. Este meio tem o diálogo como
“pano de fundo” e onde há diálogo existe entendimento. Assim, seria mais viável procurar
encontrar a solução inter partes que envolver terceiros.

Ela aplica – se fundamentalmente na resolução dos conflitos colectivos por isso


é prevista e regulada nos artigos 9.º da Lei n.º 23/91, de 15 de Junho ( Lei da Greve), 3 .º
e seguintes da Lei n.º 20 – A/92, de 14 de Agosto. Porém, nada obsta que num conflito
individual de trabalho as partes optem pela negociação.

63
Luís Manuel Teles de Menezes LEITÃO. Op. cit, p.378

57
Neste processo os contendores enfrentam – se face to face a fim de resolver o
conflito que lhes opõem, sem a necessidade da intervenção de terceiros.

Segundo Menezes Leitão, o conflito laboral,como qualquer outro litígio, pode


ser resolvido por transacção, mediante negociações directas entre empregador e
trabalhador ou seus representantes64.

Na verdade, a transacção é um contrato por via do qual as partes decidem pôr


termo ao litígio que as opõe, sem qualquer intervenção de terceiros. Este contrato é
previsto no Código Civil no artigo 1248.º Quer isso dizer que a negociação constitui um
meio de resolução dos conflitos laborais inter partes.

Na negociação, usando uma linguagem coloquial a “roupa suja” é lavada em


casa, ou seja, os conflitos são resolvidos pelas próprias partes desavindas mediante
recíprocas concessões, sem necessidade de envolver terceiros. Diferentemente acontece
com os outros meios de resolução extrajudiciais, que implicam necessariamente a
intervenção de um terceiro que não parte do litígio.

2.2.1.2 Conciliação

A conciliação é um mecanismo extrajudicial de resolução de conflitos,


mormente de conflitos laborais. Trata – se de um meio destinado a pôr fim a demanda das
partes. Tal como a mediação pressupõe a intervenção de um terceiro que ajudará as partes
a chegar a um consenso.

Na esteira de Menezes Leitão, conciliação constitui uma forma de resolução,


quer dos conflitos individuais, quer dos conflitos colectivos de trabalho, sendo uma forma
especial de negociação.65

Nos termos do artigo 283.º da Lei Geral do Trabalho, a conciliação é da


competência do Magistrado do Ministério Público, podendo este solicitar apoio dos
serviços de Inspecção Geral do Trabalho.

64
Luís Manuel Teles de Menezes LEITÃO. Op. cit, p.378
65
Ibidem, p. 379

58
Desta norma resulta uma inequívoca delimitação de competência, o poder de
conciliar as partes litigantes num conflito laboral incumbe ao Ministério Público ao passo
que a mediação cabe à Inspecção Geral do Trabalho. No entanto, olhando para o que
dispõem os artigos supra e o artigo 277.º n.º7 consagram o princípio da cooperação,
segundo o qual quer a Inspecção Geral do Trabalho, quer o Ministério Público pode
solicitar apoio para um bom andamento do processo de mediação ou conciliação.

2.2.1.3 Arbitragem

A arbitragem constitui igualmente um meio extrajudicial de resolução de litígios,


por via da qual, as partes litigantes têm a faculdade de escolher as pessoas que poderão
resolver a contenda que as opõe.

Na esteira de Manuel Barrocas, “trata – se de um meio voluntário de resolução


de litígios privados, baseada em parâmetros e valores muito diferentes dos que
conhecemos.66

Em abono da verdade, as partes são livres de optarem ou não pela arbitragem,


ela utiliza mecanismos distintos dos judiciais.

Ainda segundo o mesmo autor, “a arbitragem constitui um modo de resolução


de litígios entre duas ou mais partes, efectuada por uma ou mais pessoas que detêm
poderes para esse efeito reconhecidos por lei, mas atribuídos por convenção das partes”67.

Realmente, a arbitragem é um modo de resolução de litígio que se diferencia dos


outros pelo simples facto de ter as suas peculiaridades.

De acordo o autor supra, arbitragem não é o mesmo que mediação ou


conciliação, o certo é que mediar ou conciliar não é o mesmo que decidir um litígio, nem
quanto ao conteúdo, pois um acordo mediatório ou conciliatório não tem a mesma
natureza de uma sentença arbitral, nem quanto aos seus efeitos. Em comum têm, porém,
a mesma finalidade: a resolução de um litígio68.

66
Manuel Perreira BARROCAS, Manual de Arbitragem, Almedida, Coimbra, 2010, p.13
67
Ibidem, pp. 31 - 32
68
Manuel Perreira BARROCAS. Op.cit, pp.33 - 34

59
Os diversos meios de resolução de conflitos, embora se diferenciem primam pelo
mesmo objectivo, aliás o nome em si encerram a essência deles.

Ainda refere o mesmo autor, “o mediador ou conciliador não impõe às partes


uma solução, ditando o direito. Eles não proporcionam qualquer resultado sem aceitação
consensual das partes a uma determinada solução por eles preconizada”69.

Para Menezes Leitão, a arbitragem consiste na atribuição da resolução do


conflito a terceiro ou terceiros, os árbitros, que após audição das partes, decidem a forma
concreta de solução do litígio.70 .

Na arbitragem os árbitros têm o poder decisório, ao contrário da mediação e da


conciliação em que o mediador ou conciliador tem apenas o poder de propor.

2.2.1.4 Regime jurídico dos meios extrajudiciais de resolução de conflitos

A Constituição da República de Angola no seu artigo 174.º, n.º 4 estabelece que


a lei consagra e regula os meios e as formas de composição extrajudiciais de conflitos,
bem como a sua constituição, organização, competência e funcionamento

Os meios extrajudiciais de resolução de conflitos como a conciliação e a


mediação são regidos fundamentalmente pela Lei n.º 12/16, de 12 de Agosto (Lei da
Mediação e Conciliação de Conflitos). Ao passo que a arbitragem dos conflitos laborais
é regulada pela Lei Geral do Trabalho (Lei n.º 7/15, de 15 de Junho) do artigo 293.º a
301.º, pela lei sobre o direito de negociação colectiva (Lei n.º 20 – A/92, de 14 de Agosto)
e de modo supletivo pela Lei nº16/03, de 25 de Julho ( Sobre a Arbitragem Voluntária).

No domínio laboral importa fazer particularmente referência a Lei Geral do


Trabalho ( Lei n.º 7/15, de 15 de Junho) que no seu capítulo XIV dedica a primeira secção
aos mecanismos extrajudiciais de resolução de conflitos, bem como a Lei n.º 20 – A/92,
de 28 de Agosto.

69
Ibidem, p.34
70
Luís Manuel Teles de Menezes LEITÃO. Op. cit, p. 384

60
No presente trabalho daremos maior ênfase à mediação levada a cabo pela
Inspecção Geral do Trabalho, mormente os Serviços Provinciais do Huambo. Assim, urge
a necessidade de conhecermos quem é a Inspecção Geral do Trabalho, quando e como
surge, quais são as suas atribuições. Estas e outras perguntas respondê – la – emos nos
parágrafos seguintes.

2.2.1.4 A mediação dos conflitos laborais

O termo mediação segundo o Dicionário Moderno da Língua Portuguesa, deriva


do latim “mediationes” que significa intervir de maneira pacífica, imparcial na solução
de conflitos71.

Na esteira de António Fernandes, “a mediação consiste, basicamente numa


tentativa de resolução consensual do conflito colectivo, a partir de uma proposta ou
recomendação formulada por um terceiro designado por acordo das partes (o
mediador).”72

Esta definição carece de alguns reparos, na medida em que é reducionista, a


mediação não é apenas aplicável na resolução dos conflitos colectivos, também é
extensiva aos conflitos individuais de trabalho e para além disso, não é necessário acordo
das partes litigantes para recorrer a este meio extrajudicial de resolução de conflitos.

2.2.1.4.2 Características basilares da Mediação

A principal característica da mediação original ou convencional, reside no


“pleno domínio do processo pelas partes” (empowerment).

O segundo pilar da mediação, está relacionado ao seu fim. A mediação dá


preferência à pacificação social, isto é, tem como objectivo sanar o problema,
restabelecendo a paz social entre os litigantes. Neste sentido, sobrepõe-se à questão do
direito.

71
Michaeles - Moderno Dicionário da Língua Portuguesa - ed, Walter Weiszflog, São Paulo, 1998, p.538
72
António Monteiro FERNANDES. Op. cit, p.858

61
2.2.1.4.3 Classificação da mediação

A mediação pode ser judicial ou extrajudicial. A mediação judicial é aquela que


ocorre no foro e a segunda é aquela que é feita por outros organismos distintos do tribunal,
como por exemplo a Inspecção Geral do Trabalho. Neste trabalho o acento tónico recai
sobre a mediação extrajudicial.

2.2.1.4.4 Modelos de mediação

Apresentamos duas modalidades de mediação:

• A Mediação Facilitadora, na qual centra o trabalho do mediador na


reabertura das pessoas ao diálogo, tentando que a sua intervenção seja o menos visível
possível, embora determinante.

• A Mediação Interventora, na qual pressupõe uma atitude mais activa do


mediador, não se limitando a trazer as partes ao diálogo mas, actuando também ao nível
do mérito da questão, com a possibilidade de apresentação de propostas de acordo.

Os SPIGT no Huambo utilizam um modelo misto que combina as características


dos modelos anteriores, pois o mediador (o inspector) facilita o diálogo entre as partes
litigantes por um lado e, por outro lado, apresenta uma proposta de resolução do conflito,
podendo as partes concordar ou não.

2.2.1.4.5 Princípios reitores da mediação extrajudicial

De acordo com a lei da mediação de conflitos e conciliação ( Lei n.º12/16, de 12


de Agosto), todas as mediações realizadas no território de Angola são regidas pelos
princípios abaixo – indicados, independentemente da natureza do conflito:

1. Princípio da voluntariedade;
2. Princípio da igualdade;

62
3. Princípio da imparcialidade;
4. Princípio da legalidade;
5. Princípio da confidencialidade;
6. Princípio da independência;
7. Princípio da competência;
8. Princípio da responsabilidade;
9. Princípio da executoriedade;
10. Princípio da equidade;
11. Princípio da boa – fé;
12. Princípio da cooperação;
13. Princípio da autonomia da vontade;
14. Princípio da informalidade;
15. Princípio da oralidade;
16. Princípio da auto – composição;
17. Princípio da celeridade.

2.2.1.5.1 Princípio da voluntariedade

Este princípio vem consagrado no artigo 6.º da lei supra, segundo o qual o
recurso ao procedimento da mediação é voluntário e implica a obtenção prévia do
consentimento esclarecido e informado das partes litigantes.

Não basta que os litigantes dêem a sua anuência, é necessário que o façam de
forma cônscia e informada.

2.2.1.5.2 Princípio da igualdade

O presente princípio tem acolhimento constitucional no artigo 23.º, nos termos


do qual, todos são iguais perante a Constituição e a lei.

63
Este princípio vem consagrado no artigo 7.º, n.º 1 da lei supra, de acordo com o
qual as partes em litígios devem ser tratadas de forma igual. De referir que esta igualdade
é a chamada igualdade de armas.

No processo de mediação o mediador, no nosso caso o inspector, deve assegurar


o equilíbrio das partes e paridade de participação

2.2.1.5.3 Princípio da imparcialidade

Ser imparcial significa antes de mais não ser parte do litígio. Com efeito, o
presente princípio tem respaldo no n.º2 do artigo anterior, segundo o qual o mediador de
um conflito não é parte interessada.

2.2.1.5.4 Princípio da legalidade

Este princípio impõe que o mediador não deve alcançar um acordo que viole a
lei ou ofenda a ordem pública e os bons costumes. Para além disso, o mediador deve
assegurar que o acordo final não contrarie normas imperativas e nem contenha
disposições favoráveis para as partes, nos termos dos artigos 8.º da Lei n.º12/16, de 12 de
Agosto e artigo 277.º, n.º 4 da Lei Geral do Trabalho.

Embora as disposições acima indicadas se refiram ao cumprimento da Lei apenas


no acordo, julgamos que o respeito da lei deve estar patente desde o inicio do processo
de mediação e não somente no seu término, pois a lei deve ser a bússola da actuação do
mediador (inspector).

2.2.1.5.5 Princípio da confidencialidade

É o princípio segundo o qual a mediação é confidencial, devendo o mediador


guardar sigilo de todas as informações que obtém ao longo do processo de mediação. Esta
consagrado no artigo 9.º da Lei n.º12/16, de 12 de Agosto, bem como o artigo 278.º, que
faz uma remissão expressa para o artigo 286.º, ambos da Lei Geral do Trabalho.

64
2.2.1.5.6 Princípio da independência

Este princípio estabelece que o mediador trabalhe livremente, não podendo


sofrer qualquer pressão quer interna, quer externa. Vem consagrado no artigo 10.º da Lei
n.º12/16, de 12 de Agosto.

2.2.1.5.7 Princípio da competência

Este princípio impõe ao mediador o domínio da material sobre a qual recai a sua
actividade. Encontra o seu respaldo legal no n.º1 do artigo 11.º da lei antedita.

2.2.1.5.8 Princípio da responsabilidade

O presente princípio assegura que o mediador deve ser responsabilizado pelos


actos que pratica no decorrer do processo de mediação, sendo responsabilizado civilmente
pelos danos que causar as partes. Este princípio está consagrado no n.º2 do artigo anterior.

2.2.1.5.9 Princípio da executoriedade

Segundo este princípio, os acordos finais saídos do processo de mediação


constituem título executivo, nos termos do artigo 12.º, o que significa que não será
necessário propor uma acção declarativa.

2.2.1.5.10 Princípio da equidade

A equidade enquanto princípio funciona como um critério de julgamento


comummente chamado julgamento ex aequo et bonum, isto é, julgamento que, na

65
apreciação de um determinado caso que cai na previsão de normas jurídicas, se abstrai do
estatuído nessas normas para se decidir o caso, tendo em conta aquilo que ele tem de
específico e de particular. A equidade pode servir como critério de decisão por
afastamento dos critérios legais73.

2.2.1.5.11 Princípio da boa – fé

Este princípio acompanha a conduta das partes como se de uma sombra se


tratasse. Segundo o Professor Cachimbombo, “Espera – se que na sua actuação as partes
ajam de boa – fé, ou seja, com lisura e correcção ⦋…⦌. A boa – fé, aqui chamada enquanto
padrão objectivo de conduta, impõe às partes a obrigação geral de não praticarem actos
de obstrução da justiça ⦋…⦌ “74

Com isso, seriamos levados a pensar que a boa – fé apenas se aplica no foro
todavia, os artigos 13.º e 289.º da Lei n.º12/16, de 12 de Agosto e da Lei Geral do
Trabalho respectivamente, revelam – nos o contrário.

2.2.1.5.12 Princípio da cooperação

Este princípio impõe a todos os intervenientes no processo de mediação o dever


de cooperar com a entidade mediadora na descoberta da verdade subjacente ao conflito a
solucionar, facultando o que for requisitado e praticando os actos que lhe forem
determinados.

2.2.1.5.13 Princípio da autonomia da vontade

O presente princípio confere às partes a prerrogativa de escolher o mecanismo


extrajudicial para a resolução do conflito, quer dizer, a parte interessada não pode ser

73
Cfr. Carlos Alberto B.Burity da SILVA. Op, cit, p.60
74
Hermenegildo CACHIMBOMBO - Manual de Processo Civil, Casa das Ideias, Luanda, 2017,p.43.

66
coagida a escolher a mediação como a única via para obter a solução do seu problema,
em detrimento de outros meios.

2.2.1.5.14 Princípio da informalidade

O processo de mediação tem carácter informal na medida em que não obedece a


liturgia própria de um processo jurisdicional. O processo de mediação tende a ser o mais
simplificado possível, mas isso não significa que não há obediência a certas formalidades.
É informal porque é consensual.

2.2.1.5.15 Princípio da oralidade

Segundo Francisco de Almeida, “o princípio da oralidade significa que os actos


de instrução, discussão e julgamento da matéria de facto se devem fazer de viva voz”75.

Embora o autor supra se refira ao processo jurisdicional, ainda assim, não deixa
de ser aplicável no procedimento da mediação, pois o artigo 13.º da Lei n.º12/16 também
o consagra. Na verdade, no processo de mediação predomina a oralidade desde a
apresentação do requerimento, nos termos do n.º2 do artigo 276.º da Lei Geral do
Trabalho, na discussão do objecto da lide e na produção da respectiva prova.

Contudo, o carácter escrito não é descurado como se pode ver nos exemplos
abaixo: o requerimento de mediação, a acta de mediação do conflito, bem como a prova
documental, a titulo ilustrativo: contrato de trabalho, folha de salário, mapa de férias, etc.

2.2.1.5. 16 Princípio da auto – composição

O presente princípio traduz a ideia de que as partes litigantes têm a faculdade de


pôr fim ao litígio de acordo com a sua livre espontânea vontade. Deste modo, o mediador

75
Francisco Manuel Lucas Ferreira de ALMEIDA, Direito Processual Civil, Almedina, Coimbra, 2010,
p. 282

67
não impõe nada as partes e estas não têm a obrigatoriedade de acatar a proposta daquele.
O mediador é um mero facilitador do diálogo entre as partes.

2.2.1.5.17 Princípio da celeridade

A celeridade no dizer do Professor José João Baptista, significa que o processo


deve ser rápido, pois uma justiça tardia pode ser meia justiça ou não ser justiça nenhuma.76

De facto, no processo de mediação a celeridade constitui uma viga mestra pois,


os contendedores esperam que o seu conflito seja resolvido o mais rápido possível,
incumbindo deste modo ao inspector cumprir com os prazos previstos na lei.

Por outro lado, é importante que as partes colaborem, realizando diligências para
que o processo chegue tempestivamente ao fim.

Torna – se imperioso dizer que a celeridade não deve ser confundida com a
precipitação, na medida em que não basta que um processo chegue ao fim
tempestivamente, é necessário que haja ponderação, mediante a análise acurada das
provas e das circunstâncias que gravitam em torno do caso. Nesta senda, corroboramos
com o Professor anteriormente citado quando afirma: “A celeridade deve ser equilibrada
com a ponderação, pois a justiça não pode ser precipitada e a ponderação exige um certo
tempo destinado a averiguação completa da verdade”77.

2.2.1.6 Elementos da mediação

Constituem elementos da mediação: as partes, o objecto do litígio e o mediador.

Quem são as partes?

As partes num conflito laboral são o trabalhador e o empregador.

É possível haver a pluralidade de partes num processo de mediação?

76
José João BAPTISTA, Processo Civil I, 8ªed. Coimbra, Lisboa,2006, p.77
77
Ibidem, p.78

68
Sem necessidade de construir teorias, a resposta é afirmativa, olhando para os
conflitos colectivos de trabalho ou ainda para o contrato de grupo, que dão lugar ao
litisconsórcio ou nas situações em que dois ou mais trabalhadores decidem coligar – se
contra um mesmo empregador, vejamos a título meramente exemplificativo o
despedimento colectivo previsto nos artigos 216.º e seguintes da Lei Geral do Trabalho.

Qual é o objecto da lide?

Como em qualquer processo, o objecto é constituído pelo pedido e a causa de


pedir.

O pedido como é sabido é a pretensão deduzida pelo reclamante no seu


requerimento e a causa de pedir será o facto que motiva o pedido.

Assim, a título de exemplo, um trabalhador que reclama o salário. O pedido é o


pagamento do salário e a causa de pedir é a falta de pagamento do salário.

Quem é o mediador?

O mediador é um profissional treinado em mediação, conhecedor da sua filosofia


e das suas técnicas, aplicando-as no exercício da sua actividade.

De acordo com Candini, na mediação, o mediador não toma decisão da disputa


mas sim procura fazer com que as partes envolvidas explorem as várias alternativas
positivas para permitir que os intervenientes possam buscar uma solução por conta
própria.78

De facto, o mediador não é parte tal como vimos supra, por isso ele deve ser o
elo que estabelece o equilíbrio entre as partes desavindas, procurando ouvi – las e
ajudando – as a chegar a uma solução que seja plausível.

Para o nosso trabalho o mediador será o inspector do trabalho, sendo um


profissional a quem a lei atribui competência para mediar conflitos laborais.

78
Treva Ricardo CANDIN.Op.cit, p.19

69
2.2.1. 7 Procedimentos

A iniciativa da mediação incumbe às partes tal como sucede no processo civil


por força do princípio do dispositivo e aqui por força dos princípios da voluntariedade e
da autonomia da vontade.

O processo de mediação começa com um requerimento apresentado na


Inspecção Geral do Trabalho, conforme dispõe o artigo 276.º da Lei Geral do Trabalho.

O requerimento regra geral, obedece a forma escrita, todavia pode ser


apresentado oralmente, cabendo aos Serviços competentes da Inspecção Geral do
Trabalho reduzi – lo a escrito, nos termos do artigo anterior.

Após recepção a Inspecção Geral do Trabalho deve notificar as partes para uma
audiência no prazo de 10 dias, nos termos do artigo 277.º, n.º 1 da Lei Geral do Trabalho.

Nos 10 dias após realização da audiência deve a Inspecção Geral do Trabalho


apresentar uma proposta de acordo, à luz do n.º2 do artigo anteriormente referido.

O que é que acontece se as partes decidirem chegar a um acordo?

Havendo um acordo das propostas apresentadas pelo mediador lavrar – se – à


uma acta, que será assinada pelas partes, nos termos do n.º 3 do artigo já citado.

São fundamentalmente dois os elementos do acordo de mediação: Subjectivo e


objectivo.No primeiro elemento deve constar a identificação das partes. No segundo, deve
constar o quid sobre o qual houve o acordo e o prazo para o seu cumprimento.

Este acordo deve ser homologado, nos termos dos artigo 280.º em conjugação
com o artigo 289.º, ambos da Lei Geral do Trabalho.

É de salientar que em nenhum momento o acordo poderá contrariar normas


imperativas, incluir disposições menos favoráveis ao trabalhador, incluir disposições
sobre regimes fiscais, nem limitar os poderes de organização e direcção da entidade
empregadora, como consagra o nº 4 do art. 277.º da lei já citada.

Qual é o procedimento da Inspecção Geral do Trabalho quando as partes não


chegam a um acordo?

70
Quando não houver um acordo ou quando este for parcial a Inspecção Geral do
Trabalho elabora uma declaração de impossibilidade de obtenção de acordo, que será a
conditio sine quan non para a propositura da acção, nos termos dos artigos combinados
277.º, n.º 5 e 282.º da Lei Geral do Trabalho.

Se as partes não comparecerem na data marcada para a audiência. Quid Juris?

Para respondermos de forma cristalina é necessário saber qual das partes não
compareceu, pois o tratamento é diferente consoante o caso.

Se uma das partes não comparecer à audiência e não justificar a sua ausência nos
cinco dias seguintes à data marcada para a sessão de mediação, a Inspecção Geral do
Trabalho deve emitir uma declaração de impossibilidade de obtenção de acordo, nos
termos do n.º 6 do artigo 277.º da Lei Geral do Trabalho.

Na audiência de mediação o empregador nos termos do artigo 278º e nº 4 do art.º


286º pode fazer – se representar pelo director ou trabalhador com funções de
responsabilidade onde o trabalhador presta ou prestou trabalho, munido de declaração
escrita, que fica junta ao processo, de que contem poderes expressos de representação e a
declaração de que fica vinculado pelo que o representante confesse ou aceite.

Por força do princípio da igualdade, quer o trabalhador, quer o empregador pode


fazer – se acompanhar por um advogado dotado de procuração para o efeito.

O acordo de mediação constitui título executivo?

Sabemos que o título executivo é antes demais um documento que certifica que
alguém possui um determinado direito.

Se tivermos em linha de conta o disposto no artigo 280.º da Lei Geral do


Trabalho, conjugado com o artigo 289.º n.º 5, bem como o princípio da executoriedade,
a resposta é afirmativa. Assim, a título meramente ilustrativo, se numa mediação o
trabalhador reclamar o pagamento de salários relativos a seis meses e o empregador
confessar a dívida e, em função disso o mediador propor um prazo para o pagamento,
tendo sido este prazo aceite pelas partes. Se no decurso do tempo estipulado o empregador
não pagar, aquele acordo servirá como título executivo, desde que seja homologado.

71
2.2.1.8 Vantagens da mediação

Com a vigência da Lei n.º 7/15, de 15 de Junho, e dada a celeridade que a


Inspecção Geral do Trabalho tem empreendido na resolução dos conflitos (atendendo os
intentos das partes para o efeito), tem registado um elevado número de solicitações de
pedidos de mediação, o que de certa forma, vem desafogar os casos, em matéria de
conciliação junto do Ministério Público à nível das Salas do Trabalho dos Tribunais, bem
como a interposição de processos em juízo para efeitos de julgamento. Por isso, os meios
de resolução extrajudiciais de conflitos constituem meios eficazes de diálogo social.

A mediação dos conflitos laborais levada a cabo pelos Serviços Provincias da


Inspecção Geral do Trabalho no Huambo apresenta múltiplas vantagens, das quais
podemos citar: a celeridade, gratuitidade e informalidade.

Feita essa abordagem, importa fazer uma singela referência e diferenciação com
outros meios extrajudiciais de resolução de conflitos.

2.2.1.9 Mediação versus conciliação

A diferença entre a mediação e a conciliação segundo Timbane consiste no


seguinte: na mediação a actividade dos mediadores é mais participada e intensa, através
da procura de uma solução satisfatória para ambas as partes, na conciliação os
conciliadores limitam – se a facilitar a comunicação e o relacionamento entre as partes,
quer recebendo as propostas dos litigantes, quer potenciando o sucesso das negociações
e assistindo as partes na tentava de obter o acordo, estimulando o diálogo79.

Nas palavras de António Fernandes, a diferença reside na formalização de um


projecto de solução ( a proposta ou recomendação) corresponde ao juízo de viabilidade
do acordo feito por uma entidade considerada pelas próprias partes como independente e
idónea para o efeito. Esta característica confere à mediação um potencial de persuasão

79
Tomás TIMBANE, Lições de Processo Civil I, ed, Escolar, Maputo, 2010, pp.52 - 53

72
mais elevado – com o evento acréscimo resultante da publicidade que à proposta seja
dada do que o da conciliação 80.

Certamente, o modus operandi de cada um é determinante, pois o grau de


intervenção é mais intenso na mediação e menos na conciliação. Este aspecto também é
evidenciado por Timbane, a conciliação é uma negociação assistida, pois participa uma
terceira entidade (pública ou privada), que auxilia as partes a encontrarem um acordo,
enquanto a mediação consiste na intervenção de uma terceira entidade, mas que depois
de conhecer as partes apresenta uma recomendação ou uma proposta de solução81.

2.2.1.10 Mediação versus arbitragem

Segundo José Júdice, “a arbitragem e a mediação, como forma de resolução de


conflitos, são em regra apresentadas em conjunto pelos autores como soluções
alternativas aos sistemas estaduais”.82

A mediação e a arbitragem constituem vias de solução de litígios que fazem


concorrência ao sistema judicial.

Na verdade, o recurso a mediação ou a arbitragem é permitido quando se trata


dos direitos disponíveis, o mesmo já não se diz quando estiver em causa aqueles direitos
que as partes não podem dispor deles. Vale ainda realçar que a mediação de que nos
referimos não é aquela que é realizada por entes privados, mas sim por um ente público
que é a Inspecção Geral do Trabalho como já sublinhamos noutra parte do presente
trabalho. Assim, os litigantes buscam a solução do seu conflito a um ente que está fora
do sistema judicial, mas é estadual.

De facto, a sentença arbitral tem carácter obrigatório e vinculativo, ao contrário


da proposta do mediador. O poder dado ao mediador é muito fraco se comparado ao
árbitro, cujo poder é também fraco se levarmos em linha de conta o poder que um juiz
tem. Quanto à natureza executória, na nossa realidade quer a decisão arbitral, quer o

80
António Monteiro FERNANDES. Op. cit, p. 367
81
Tomás TIMBANE.Op. cit, p.23
82
José Miguel JÚDICE, Revista Internacional de Arbitragem e Conciliação, Almedina, Coimbra, Ano I,
2008, p. 63

73
acordo de mediação constituem título executivo, embora dependa este último da
homologação, tal qual supra nos referimos.

Na mediação dá – se maior ênfase a equidade, mas isso não significa dizer que
os árbitros não procuram decidir com base na equidade, só que na mediação a equidade
tem maior predominância.

Portanto, podemos dizer em conjunto com o autor supra que a decisão arbitral
tem de ser uma solução maximizadora e a sugestão mediadora uma solução optimizadora.
Maximizadora, uma porque se trata de alocar direitos e deveres, respondendo ao velho
brocardo latino suum cuique tribuere . Optimizadora, a outra, porque destinada a tentar
esticar ao máximo possível a potenciação da conciliação dos interesses em presença, de
tal sorte que a “soma” do que cada parte retira da sugestão mediadora seja superior ao
resultado da maximização da vantagem para a parte que merecia em arbitragem ou em
tribunal comum a tutela do Direito83.

83
José Miguel JÚDICE. Op.cit, p.64

74
CAPÍTULO III

APRESENTAÇÃO E ÁNALISE DOS RESULTADOS

Os dados aqui expostos, foram recolhidos no campo por via da entrevista e


questionário, analisados e tratados em função do tema em estudo, posteriormente foram
interpretados de modo a tirar algumas ilações.

4.1 Apresentação da Inspecção Geral do Trabalho no Huambo

A Inspecção Geral do Trabalho no Huambo ou ainda os Serviços provinciais da


Inspecção Geral do Trabalho do Huambo encontram – se localizados no município e
província com o mesmo nome, no S. Pedro Urbano na rua Ferreira Viana, no edifício da
extinta Direcção Provincial da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social.

Os Serviços de Inspecção do Trabalho no Huambo, contam com um efectivo de


21 funcionários, dos quais 16 inspectores, duas funcionárias administrativas, um
motorista, e duas auxiliares de limpeza, possuindo somente uma sala técnica de mediação
de conflitos.

4.2 Apresentação dos dados obtidos durante a Entrevista com a Chefe dos
Serviços provinciais da Inspecção do Trabalho no Huambo

1. Perguntada com que meios humanos e materiais os Serviços Provinciais


contam para desempenhar o seu papel na resolução dos conflitos.

Ela foi peremptória em afirmar que os Serviços de Inspecção do Trabalho no


Huambo, contam com um efectivo de 21 funcionários, dos quais 16 inspectores, duas
funcionárias administrativas, um motorista, e duas auxiliares de limpeza, possuindo

75
somente uma sala técnica de mediação de conflitos com um computador e uma
impressora.

A viatura que possuem para além das inspecções é usada para notificar as
empresas sobre os pedidos de mediação.

Eis o quadro dos recursos humanos:

Tabela n.º 1

Pessoal Inspectivo Pessoal


Administrativo Total
Direcção Inspectores. Inspectores Sub Total Ad. Aux
Serviços e Chefia Superiores Técnicos Inspector

Huambo 03 09 03 01 16 03 02 21

Quadro do pessoal inspectivo por género

Tabela n.º 2

Género Masculino Feminino Total


12 4 16

Estes dados correspondem a população, a seguir vejamos os dados referentes a


amostra.

Tal como já referimos num outro lugar uma inspectora foi submetida a entrevista
e sete responderam ao questionário, conforme mostra a tabela abaixo:

76
Pessoal entrevistado e questionado

Tabela n.º3

Entrevista Questionário
Homem 00 07
Mulher 01 01

Distribuição do pessoal entrevistado e questionado com base na área de


formação e habilitações literárias
Tabela n.4

Licenciada em Engenharia 01
Agronómica
Licenciados em Direito 06
Bacharel em Direito 01

Distribuição por género do pessoal entrevistado e questionado

Tabela n.º5

Género
Masculino Feminino
06 02

4.2 Pedidos de mediação

No que tange à mediação dos conflitos de trabalho, segundo a entrevistada, os


Serviços provinciais do Huambo da Inspecção Geral do Trabalho no ano de 2019
recepcionaram 266 pedidos, conforme é descrito na tabela abaixo:
Tabela n. º 6 - Pedidos de Mediação do ano de 2019

Designação Quantidade

Pedidos Recepcionados 266

77
Pedidos Resolvidos 144
Não resolvidos 00
Declaração de Impossibilidade 31
Desistidos 00

Dos dados expostos, vale realçar que os casos de declaração de impossibilidade,


segundo a entrevistada resultam da falta de comparência de uma das partes, da falta de
acordo entre as partes, ou quando este tenha sido parcial, citando o artigo 277.º, n.ºs 5 e
6 da Lei Geral do Trabalho.

Os casos resolvidos tanto podem ser a favor do trabalhador como também podem
ser a favor do empregador.

Importa referir que este aspecto é bastante importante, pois a resolução de


qualquer litígio deve ter como fim último a justiça, independentemente do lado em que
esteja.

4.3 Resultados do inquérito feito a sete inspectores

1. Quais são as competências da Inspecção Geral do Trabalho no Huambo na


resolução dos conflitos laborais?

100% Dos inquiridos responderam que a Inspecção Geral do Trabalho no


Huambo no domínio da resolução dos conflitos laborais tem a competência de mediar
conflitos laborais.

2. O artigo 272.º da Lei Geral do Trabalho consagra duas modalidades de


conflitos laborais nomeadamente, conflito individual e colectivo de trabalho. Qual deles
tem sido mais recorrente e por que?
As respostas dadas quanto aos conflitos mais frequente podemos sintetizá – las
no gráfico abaixo:

78
Gráfico n.º 1

Conflitos laborais mais frequentes

Individual
Colectivo

Quer dizer 98% são conflitos individuais e 2% são os conflitos colectivos.

Relativamente à sua justificação, 80% dos inquiridos soube justificar, ao passo


que 20% não soube justificar. Os primeiros por sua vez estão divididos : 40% afirmou
que os conflitos colectivos não têm sido frequentes porque os Serviços Provinciais do
Huambo da Inspecção do Trabalho não têm registado conflitos que surgem no âmbito dos
acordos ou convenção colectiva de trabalho. Enquanto que os outros 40% argumentaram
que o número reduzido ou quase inexistente de conflitos colectivos de trabalho deve – se
ao facto de haver facilidade na negociação sempre que um conflito envolva várias partes.

3. Quais são as principais causas dos conflitos de trabalho na província do


Huambo?

99% Dos inquiridos afirmou que as principais causas dos conflitos de trabalho
na província do Huambo são o despedimento, a falta de pagamento de salário, o abandono
de trabalho, a falta de condições adequadas para o exercício da actividade laboral bem
como o não cumprimento das obrigações relativa à Segurança Social.

1% Dos inquiridos apontou como principal causa dos conflitos de trabalho nesta
circunscrição do país o desconhecimento da legislação laboral por parte dos sujeitos da
relação jurídico – laboral.

79
4. Quais são as principais dificuldades que tem encontrado no processo de
mediação?

Dos inquiridos 90% apontou como principal dificuldade a falta do poder


decisório do inspector na resolução do conflito, em virtude da determinação legal; 3%
apontou a localização de algumas empresas para notificação; 3% indicou a insuficiência
de sala de mediação e 4% elencou a falta de meios idóneos.

5. Face às competências que a Lei Geral do Trabalho atribui à Inspecção


Geral do
Trabalho no processo de mediação, na sua óptica o que poderia ser melhorado?

50% dos inquiridos opinou no sentido de alargar o âmbito da Inspecção Geral


do Trabalho no domínio da mediação para que não se limite apenas a propor acordo de
resolução, que a ela fosse dada o poder decisório, tal como acontece com o tribunal
arbitral;10% afirmou que não vê nada que possa ser melhorada;

30% indicou o aumente de mais uma sala de mediação devidamente equipada;

Os outros 10% não responderam essa questão.

80
CONCLUSÕES

1. Em suma, a Inspecção Geral do Trabalho é uma pessoa colectiva pública


de natureza institucional, superintendida pelo Ministério da Administração Pública,
Trabalho e Segurança Social, que para além de órgãos centrais, possui órgãos locais, dos
quais se destacam os serviços provinciais do Huambo. Das várias atribuições conferidas
por lei, no domínio dos mecanismos extrajudiciais incumbe – lhe a mediação. Essa
competência foi – lhe reconhecida recentemente através da Lei n.º7/15, de 15 de Junho
(Lei Geral do Trabalho), embora ipso facto já exercesse tal função em virtude da sua
principal actividade.

2. Os conflitos laborais constituem uma realidade presente na província do


Huambo. Esses conflitos podem ser individuais ou colectivos. A principal diferença
consiste na fonte e nos sujeitos. Os conflitos mais predominantes são os individuais. As
principais causas desses conflitos são: o despedimento, os acidentes de trabalho, o
abandono do trabalho, a cessão da posição contratual, o trespasse, a transferência para
outro centro de trabalho, etc.Para a sua resolução a pessoa lesada tem de recorrer a via
extrajudicial, escolhendo um dos seguintes mecanismos: a mediação, a conciliação ou a
arbitragem e só posteriormente poderá recorrer ao tribunal, em virttude do princípio da
precedência obrigatória. Tanto a resolução extrajudicial, como a judicial apresenta
vantagens e desvantagens.

3. A Inspecção Geral do Trabalho no Huambo tem vindo a resolver a maioria


dos conflitos laborais que lhe são submetidos, por via da mediação. Na maioria dos casos
tem – se conseguido facilitar o diálogo entre as partes litigantes, propondo a solução mais
viável segundo a lei aplicável e as circunstâncias de cada caso, levando os contendedores
a um acordo e na falta do acordo lavra – se a declaração de impossibilidade com a qual a
parte interessada remeterá o processo ao tribunal. Para a realização desta função
Inspecção Geral do Trabalho no Huambo conta com 16 inspectores, uma sala de mediação
equipada com um computador e uma impressora e ainda uma viatura para localizar e
notificar os requeridos. As principais dificuldades constatadas prendem - se com o
elevado número de pedidos de mediação, o que constitui uma situação preocupante e
tende a agudizar - se na medida em que as condições económicas das empresas ficam

81
deterioradas, assim como a falta do poder decisório, bem como a insuficiência de sala de
mediação.

82
RECOMENDAÇÕES

Face as dificuldades constatadas in loco recomenda – se o seguinte:

1. Que a IGT tenha autonomia financeira para o desempenho eficiente das


suas funções, bem como a regulação da sua competência no domínio da resolução dos
conflitos laborais;

2. Que a IGT desempenhe um papel proactivo e reactivo na resolução dos


conflitos laborais, atribuindo – lhe poder decisório tal como acontece na arbitragem;

3. Que haja uma capacitação permanente dos inspectores do trabalho afetos


aos SPIGT do Huambo em matéria de mediação, acrescentando mais uma sala de
mediação devidamente equipada.

83
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