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1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

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1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

Com o inicio da pandemia COVID-19 em 2020, em Portugal, veio também mais tempo livre no
sentido em que nos encontrávamos em confinamento geral obrigatório. Com mais tempo livre,
já que, por exemplo, as horas despendidas em transportes diariamente para a faculdade
podiam ser agora direcionadas para outras questões. Decidi então, literalmente de um dia
para o outro, criar a CAD, Comunidade de Aficionados de Direito. Com que objetivo? Queria
ligar os estudantes de Direito de todo o país, queria divulgar e criticar as mais recentes notícias
jurídico-políticas, queria levar a cabo iniciativas que aproveitassem a todo e qualquer jurista,
professor, estudante, advogado, etc… Criei o site, a página no Instagram e assim se começou a
erguer o projeto. Entretanto, com as aulas online, pensei também em elaborar apontamentos
semanais e divulgar com os meus colegas, utópico para um trabalho a sós, mas perfeitamente
possível com a entreajuda dos meus colegas porque cada grupo de estudantes faria os
apontamentos semanais de cada cadeira. Porque fazer os apontamentos semanais? A resposta
é extensa, mas simples. Com a “obrigação” de preparar esses mesmos apontamentos, tenho
também um duplo dever de assistir às aulas, de perceber e apontar as mesmas, porque não o
fazendo, falharia comigo e com os restantes colegas com quem me comprometi a partilhar os
apontamentos. Desta forma, dividimos até pelos vários estudantes a tarefa de recolher os
escritos relativos às diversas matérias. É trabalhoso, mas, inevitavelmente, ao preocuparmo-
nos com nos próprios estamos também a ajudar todos os outros alunos. Ou seja, no 1º ano,
começamos apenas a partir de março com os apontamentos semanais, mas no 2º ano, ano
letivo 2020/2021, os apontamentos semanais começaram no inicio e acabaram apenas no fim
do ano letivo! Dito isto, pode conter falhas de escrita ou de direito, foi feito ao longo do tempo
por juristas em formação, entregue semanalmente, portanto, é compreensível e pedimos
também que quando notada alguma falha grave nesse sentido, que nos seja comunicado. Este
projeto ajudou também a impulsionar um ambiente saudável no curso de Direito na nossa
universidade, não que já não o houvesse, mas esta iniciativa só o veio melhorar. Esperamos
ainda que esta iniciativa inspire ad aeternum o maior número de estudantes possíveis, já que
ficou demonstrado que a entreajuda tem efeitos positivos para todos nós. Se tiveres interesse
em colaborar connosco, envia-nos mensagem no Instagram. Somos vários estudantes da
licenciatura em Direito com vontade de mudar, ajudar e com disponibilidade em ser ajudados.
Obrigado a todos aqueles que todos os dias se esforçam por uma comunidade melhor,
saudavelmente competitiva, consciente e dedicada.

João Paulo Silva, Fundador da Comunidade de Aficionados do Direito.

Direito da Organização Administrativa (Resumos):

Índice
Tema I – Introdução: Noções Fundamentais:...............................................................................3
1. Conceito de Administração..................................................................................................3
1.1. Os vários sentidos da expressão “administração pública”............................................4
1.1.1. A Administração Pública em sentido orgânico/subjetivo.....................................4
1.1.2. Administração pública em sentido em sentido material / objetivo......................5
1.1.3. Administração Pública em sentido funcional........................................................5
1.1.4. Administração Pública em sentido formal............................................................6

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1.2. A administração pública e a administração privada.....................................................6


1.3. A administração pública e as funções do Estado..........................................................8
a) Política e administração pública...................................................................................8
b) Legislação e administração pública..............................................................................9
c) Justiça e administração pública....................................................................................9
2.1. A administração Pública e o direito administrativo:.......................................................10
2.1.1. O poder discricionário............................................................................................10
2.2. Relações entre Administração Pública e direto privado:................................................12
Tema II – A organização administrativa:.....................................................................................13
1. Noção e elementos da Organização Administrativa:..........................................................13
1.1. Elementos da Organização Administrativa:................................................................13
1.2. As pessoas coletivas públicas:....................................................................................13
1.2.1. Espécies de pessoas coletivas:............................................................................15
1.2.2. Regime jurídico das pessoas coletivas:...............................................................16
1.2.3. Órgãos das pessoas coletivas:.............................................................................17
1.2.3.1. Classificação dos órgãos:................................................................................18
1.2.3.2. Dos órgãos colegiais em especial:...................................................................19
1.2.4. Atribuições e competência:................................................................................24
1.2.4.1. Da competência em especial:.........................................................................24
1.2.4.2. Critérios de delimitação da competência:......................................................25
1.2.4.3. Espécies de competência:...............................................................................25
1.2.4.4. Regras legais sobre a competência:................................................................27
1.2.4.5. Conflitos de atribuições e de competência:....................................................27
1.3. Os serviços públicos:..................................................................................................28
1.3.1. Preliminares:.......................................................................................................28
1.3.2. Conceito:............................................................................................................29
1.3.3. Espécies de serviços públicos:............................................................................30
1.3.4. Regime jurídico dos serviços públicos:...............................................................31
1.3.5. Organização dos serviços públicos:....................................................................33
2. Os princípios gerais da organização administrativa portuguesa e o sistema organizativo
neles fundado:...........................................................................................................................34
2.1. Princípio da descentralização (art. 6.º n.º 1 CPA e 267 n.º 2 CPA e 235.º e ss. CRP). .34
2.2. O princípio da desconcentração.................................................................................35
2.2.1. Desconcentração originária................................................................................35
2.2.2. Desconcentração derivada.................................................................................35
2.3. O princípio da subsidiariedade...................................................................................35

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3. Relações organizativas públicas:........................................................................................36


3.1. A hierarquia administrativa:...........................................................................................36
3.1.1. Conceito de hierarquia:..........................................................................................36
3.2. Os poderes do superior:.........................................................................................38
3.3. Delegação de poderes:...............................................................................................42
3.3.1. Conceito:............................................................................................................42
3.3.2. Figuras afins:.......................................................................................................43
3.3.3. Espécies:.............................................................................................................44
3.3.4. Regime jurídico:..................................................................................................45
3.3.5. Natureza jurídica da delegação de poderes:.......................................................48
3.4. Integração e devolução dos poderes:.........................................................................50
3.4.1. Conceito:............................................................................................................50
3.5. Sujeição à tutela administrativa e à superintendência:..............................................51
3.5.1. Natureza jurídica da superintendência:..............................................................53
4. Setores da Administração Pública portuguesa e tipologia e regime daas pessoas coletivas
públicas......................................................................................................................................53
4.1. Noções gerais:............................................................................................................53
4.2. O estado como pessoa coletiva:.................................................................................54
4.2.1. Espécies de administração do Estado:................................................................56
4.3. Administração direta do Estado:................................................................................56
4.3.1. Atribuições do Estado:........................................................................................57
4.3.2. Órgãos do Estado:...............................................................................................59
4.4. A Administração Estadual Indireta:............................................................................70
4.4.1. Características da administração estadual indireta: aspetos materiais:.............70
4.4.2. Características da administração estadual indireta: aspetos orgânicos..............71
4.4.3. Organismos incumbidos da administração estadual indireta.................................72
4.4.4. Os intuitos públicos (Lei Quadro dos Institutos Públicos)...........................................73
4.4.4.1. Espécies de institutos públicos...........................................................................74
a) Os serviços personalizados.........................................................................................74
b) As fundações públicas.................................................................................................75
c) Os estabelecimentos públicos.....................................................................................76
4.4.4.2. Regime jurídico (LQIP)........................................................................................77
4.4.5. As empresas públicas.................................................................................................79
4.4.5.1. Personalidade e autonomia....................................Erro! Marcador não definido.
4.4.5.2. Criação e extinção...................................................Erro! Marcador não definido.

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Tema I – Introdução: Noções Fundamentais:

1. Conceito de Administração
 Administração pública corresponde ao conjunto de necessidades coletivas cuja
satisfação é assumida como tarefa fundamental pela coletividade.

 Assim, onde quer que exista e se manifeste com intensidade suficiente uma
necessidade coletiva, surgirá um serviço público destinado a satisfazê-la, em nome
do interesse da coletividade.

 No entanto, nem todos os serviços que funcionam para a satisfação das


necessidades coletivas têm a mesma origem ou natureza:

 Uns são criados e geridos pelo Estado (polícia, impostos);

 Outros são entregues a organismos autónomos que se autossustentam


financeiramente (hospitais, portos, vias férreas);

 Outros ainda são entidades tradicionais de origem religiosa, hoje assumidas


pelo Estado (Universidades).

 Destes serviços, alguns são mantidos e administrados pelas comunidades locais


autárquicas (serviços municipais de obras, limpeza, abastecimento público); outros
são assegurados, em concorrência, por instituições públicas e particulares
(estabelecimentos escolares e de saúde); outros são desempenhados em exclusivo
por sociedades comerciais especialmente habilitadas para o efeito (empreiteiros,
concessionários); outros são verdadeiras unidades de produção de caráter
económico criadas com capitais públicos ou expropriadas aos seus primitivos
titulares (empresas públicas, empresas nacionalizadas).

1.1. Os vários sentidos da expressão “administração pública”


 São dois os principais sentidos em que se utiliza a expressão administração pública.
1. Administração pública em sentido orgânico / subjetivo;
2. Administração pública em sentido em sentido material / objetivo.

1.1.1. A Administração Pública em sentido orgânico/subjetivo


 Traduz-se no complexo de entidades, órgãos, serviços e agentes que têm como
tarefa fundamental a satisfação do interesse público. Todos eles se estruturam e
funcionam de forma articulada.

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 Assim, aqui a expressão administração é empregue com o significado de


organização.

 A Administração Pública é composta pelo Estado-Administração e pelos demais


entes públicos com natureza jurídico-organizativa pública (Estado, Governo, os
ministérios, as direções-gerais, as repartições publicas, os funcionários civis, etc),
compreendendo dois grandes níveis: o da Administração Estadual e o da
Administração Autónoma.

 A Administração Pública não se limita ao Estado, inclui-o, comportando muitas


outras entidades e organismos.

 Ao lado do Estado, ou sob a sua égide, há muitas outras instituições que


desenvolvem atividades administrativas que não se confundem com ele: têm
personalidade própria e constituem, por isso, entidades política, jurídica e
sociologicamente distintas, como é o caso dos municípios, das freguesias, das
regiões autónomas, das universidades, dos institutos públicos, das empresas e
associações públicas, das pessoas coletivas de utilidade pública, entre outros.

 Para além destes casos, há ainda aqueles casos em que a atividade administrativa é
desenvolvida por entidades de direito privado criadas para o efeito pelo Estado ou
por outras pessoas coletivas públicas.

 Ainda, devem ter-se presentes os casos em que a lei admite que a atividade
administrativa seja exercida por particulares (indivíduos, associações, fundações ou
sociedades criadas pela iniciativa privada), que são chamados a colaborar com a
Administração, apesar de paralelamente também prosseguirem, ou poderem
prosseguir, os seus fins privados (caso das sociedades concessionárias e numerosas
instituições particulares de solidariedade social). Estas são entidades que
colaboram intensamente com a Administração Pública na prossecução de fins
públicos e são, por isso, regidas por mutas normas de direito administrativo.

 Assim, pode-se definir Administração Pública como o sistema de órgãos, serviços e


agentes do Estado, bem como das demais pessoas coletivas públicas, e de algumas
entidades privadas, que asseguram em nome da coletividade a satisfação regular e
contínua das necessidades coletiva de segurança, cultura e bem-estar.

1.1.2. Administração pública em sentido em sentido material / objetivo


 A Administração Pública em sentido material é a atividade de administrar típica dos
órgãos e serviços administrativos, que estes desenvolvem no interesse geral da
coletividade.

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 Administrar é, em geral, tomar decisões e efetuar operações com vista à satisfação


regular de determinadas necessidades, obtendo, para o efeito, os recursos mais
adequados e utilizando as formas mais convenientes.

 Esta reflete os princípios e apresenta as características especiais que a atuação da


Administração Pública deve por norma observar e possuir. Trata-se, assim, de um
modo especial e típico de atuação privado dos entes ou sujeitos públicos com
determinadas características externas que a distinguem da atuação dos demais
sujeitos jurídicos.

 Quando se fala em atividade administrativa em sentido material depreende-se que


nunca é uma atividade privada, sendo antes uma atividade formal e
substancialmente pública – uma atividade tipicamente de serviço, exercida em
função de alguma que é exterior àquele que o exerce, isto é, direta e
exteriormente devotada à prossecução do interesse público.

 Inclui-se, na administração pública, o exercício por entidades privadas de poderes


públicos delegados pelo Estado ou por outros entes públicos tradicionais. Excluem-
se, em contrapartida, as atuações de órgãos da Administração que se destinam a
outras funções do Estado (função política e jurisdicional) e a atividade desenvolvida
por entidades públicas, mas regida em primeira linha pelo direito privado.

1.1.3. Administração Pública em sentido funcional


 Por administração pública em sentido funcional entende-se o conjunto
indiferenciado da atividade levada a cabo pelos órgãos e serviços administrativos
tendo em vista, direta ou indiretamente, a realização do interesse público.

 Esta noção compreende a atividade regida pelo direito privado e pelo direito
público, assim como aquelas parcelas de atividade que a Administração também
desenvolve mesmo que, extravasem o exercício da função administrativa
(designadamente as atividades materialmente qualificáveis como políticas ou
jurisdicionais)

1.1.4. Administração Pública em sentido formal


 A Administração Pública em sentido formal traduz-se no complexo dos atos típicos
principais através dos quais a Administração atua juridicamente, e que são os mais
fortes e significativos meios próprios utilizados para a prossecução do interesse
público. Tais atos consubstanciam o modo de agir próprio e típico da
Administração Pública enquanto poder executivo, desempenhando um papel
idêntico ao que a lei e a sentença desempenham enquanto atos próprios e típicos
do poder legislativo e do poder judicial, respetivamente.

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 A atividade administrativa é levada a cabo, nos seus pontos culminantes, através


de três atos jurídicos típicos:

1. Através da produção de normas jurídicas – regulamentos administrativos.


Estes constituem normas jurídicas emitidas pela Administração.

2. Através de decisões concretas – atos administrativos. Estes são atos com


caráter normativo que existem para um caso único e concreto, através dos quais
a Administração toma decisões administrativas com destinatários
individualizados e cujos efeitos se circunscrevem a situações concretas.

3. Através da celebração de contratos de direito público com o particular –


contratos administrativos. Estes são acordos de vontades celebrados entre a
Administração e o particular com o intuito de prosseguir um interesse público e
cuja formação e execução são regidas em primeira linha pelo direito
administrativo, e não pelo civil ou comercial.

1.2. A administração pública e a administração privada


 A administração pública e a administração privada distinguem-se:
 Pelo objeto sobre que incidem;
 Pelo fim que visam prosseguir;
 Pelos meios que utilizam

 Quanto ao objeto,
 A administração pública versa sobre as necessidades coletivas assumidas
como tarefa e responsabilidade própria da coletividade.

 A administração privada incide sobre as necessidades individuais ou sobre as


necessidades que, sendo de grupo, não atingem a generalidade de uma
coletividade inteira, como o estabelecimento de uma empresa.

 Quanto ao fim,
 A administração pública tem necessariamente de prosseguir sempre um
interesse público, tendo em conta que é o único fim que as entidades e os
serviços públicos podem legitimamente prosseguir.

 A administração privada tem em vista fins pessoais e particulares.

 Quanto aos meios,


 Os da administração pública, porque esta visa a satisfação de necessidades
coletivas que a coletividade decidiu chamar a si, e porque tem que realizar em
todas as circunstâncias o interesse público definido pela lei geral, são

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diferentes dos da administração privada. Por esta razão, a lei permite a


utilização de determinados meios de autoridade que permitam as entidades e
serviços públicos impor-se aos particulares, sem ter de aguardar o seu
consentimento, ou fazê-lo contra a sua vontade. Consequentemente, o
contrato não pode constituir o instrumento típico da administração pública,
mesmo havendo casos em que esta pode exercer-se por via de acordo bilateral
(contrato administrativo). Assim, o processo característico da administração
pública é o comando unilateral, quer sob a forma de ato normativo
(regulamento administrativo), quer sob a forma de decisão concreta e
individual (ato administrativo).

 Os da administração privada, isto é, os meios jurídicos que cada pessoa utiliza


para atuar caracterizam-se pela igualdade entre as partes: os particulares são
juridicamente iguais entre si e, em regra, não podem impor uns aos outros a
sua vontade, salvo se isso decorrer de um acordo livremente celebrado.

 Acrescente-se, ainda, que assim como a administração pública envolve o exercício


de poderes de autoridade face aos particulares, a Administração Pública se
encontra limitada nas suas possibilidades de atuação por restrições, encargos e
deveres especiais, de natureza jurídica, moral e financeira que a lei estabelece para
acautelar e defender o interesse público e a que os particulares não estão, em
regra, sujeitos na prossecução normal das suas atividades de administração
privada.

1.3. A administração pública e as funções do Estado


 Será feita uma comparação entre a atividade administrativa, ou administração
pública em sentido material, e as outras funções do Estado – política, legislativa e
jurisdicional.

a) Política e administração pública


 Finalidade:
 A política, enquanto atividade pública do Estado, tem um fim específico:
definir o interesse geral da coletividade.

 Por outro lado, a administração pública surge para prosseguir outro objetivo:
realizar em termos concretos o interesse geral definido pela política.

 Objeto:
 O objeto da política são as grandes opções que o país enfrenta ao traçar os
rumos do seu destino coletivo.

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 O objeto da administração pública é a satisfação regular e contínua das


necessidades coletivas de segurança, cultura e bem-estar económico e social.

 Natureza:
 A política tem uma natureza criadora, cabendo-lhe, em cada momento, inovar
em tudo quanto seja fundamental para a conservação e o desenvolvimento da
comunidade.

 A administração pública tem, pelo contrário, natureza executiva, que consiste,


sobretudo, em pôr em prática as orientações tomadas a nível político

 Desta forma, enquanto que a política reveste um carater livre e primário, apenas
limitado em certas zonas pela Constituição, a administração pública tem um
carater condicionado e secundário, achando-se, por definição, subordinada às
orientações da política e da legislação.

 De tudo isto resulta que a política pertence, por natureza, aos órgãos superiores do
Estado, enquanto que a administração pública, ainda que sujeita à direção ou
fiscalização desses órgãos, está, na maioria dos casos, entregue a órgãos
secundários. ou subalternos, bem como a funcionários e agentes administrativos, e
a numerosas entidades e organismos não estaduais.

 Em democracia, os órgãos políticos são eleitos diretamente pelo povo a nível


nacional, enquanto que os órgãos administrativos são nomeados ou eleitos por
órgãos colegiais restritos. Quanto ao Governo, que é simultaneamente um órgão
político e administrativo, este é nomeado, apenas podendo iniciar as suas funções
e manter-se nelas se a Assembleia da República não se opuser (art. 187.º e ss.
CRP).

b) Legislação e administração pública


 A legislação define objetivos, opções e normas abstratas, enquanto que a
administração pública executa, aplica e põe em prática o que lhe é superiormente
determinado.

 A principal diferença entre estas é que a administração pública é uma atividade


totalmente subordinada à lei.

 No entanto, existem momentos de contacto ou de cruzamento entre as duas


atividades.

 São exemplos os casos de leis que materialmente contêm decisões de caráter


administrativo, e a existência de atos de administração que materialmente
revestem todas as características de uma lei, faltando-lhes a forma e a eficácia da

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mesma, assim como os casos em que a própria lei se deixa completar por atos da
Administração.

c) Justiça e administração pública


 Estas duas atividades têm em comum o facto de serem secundárias, executivas e
subordinadas à lei.

 No entanto, distinguem-se por uma consistir em julgar e a outra em gerir.

 A justiça visa aplicar o direito aos casos concretos, enquanto que a administração
pública visa prosseguir interesses gerais da coeltividade.

 A justiça aguarda passivamente que lhe tragam os conflitos sobre os quais tem que
se pronunciar, enquanto que a administração pública toma ativamente a iniciativa
de satisfazer as necessidades coeltivas que lhes estão confiadas

 A justiça está acima dos interesses, não é parte dos conflitos que decide, enquanto
que a administração pública defende e prossegue os ineteresses públicos a seu
cargo.

 A justiça é assegurada por tribunais cujos juízes são independentes no seu


julgamento e inamovíveis no seu cargo, enquanto que a administração pública é
exercida por orgaos e agentes hierarquizados, de modo que, em regra, os
subalternos dependem dependem dos seus superiores, devendo-lhes obediencia
nas decisoes que tomam e podendo ser trasnferidos ou removidos livremente para
um diferente cargo ou lugar.

 Por vezes, as suas atividades se entrecruzam: a administração pública pode, em


certos casos, praticar atos jurisdicionalizados, assim como os tribunais comuns
podem praticar atos materialmete administrativos.

2. A Administração Pública e o Direito

2.1. A administração Pública e o direito administrativo :


2.1.1. O poder discricionário
 Quando exerce poderes discricionários, a Administração deixa de atuar na zona da
legalidade estrita para o fazer na zona do mérito. Em vez de a respetiva atuação se
traduzir na aplicação de regras jurídicas, a Administração passa a guiar-se por
critérios de oportunidade ou conveniência. Cabe-lhe a si escolher, em cada
situação concreta, os meios mais adequados à realização do interesse público, em
função de parâmetros técnicos e à luz de ditames de eficácia e eficiência (pois

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nesta tarefa impende sobre o órgão administrativo um dever de boa


administração, que decorre do princípio da prossecução do direito público).

 Entende-se por competência discricionária a liberdade atribuída a um órgão


administrativo de, por delegação do legislador, conformar o conteúdo das decisões
relativas a casos concretos numa determinada matéria.

 A posição da Administração sob a égide do direito administrativo não é, nem pode


ser, uma posição análoga à dos privados, o que afasta qualquer hipótese de
equiparação entre ato discricionário e negócio jurídico.

 Enquanto aos privados o direito permite tudo o que não for objeto de proibição
legal, a Administração só pode atuar se para tal dispuser de base legal, tendo que
constar na mesma a outorga da competência, o fim público a que se destina e, em
regra, os pressupostos da mesma atuação

 Com efeito, também pode ser concedida discricionariedade aos órgãos


administrativos no que respeita outros elementos do ato administrativo, como a
escolha das respetivas forma e procedimento de formação e no que concerne ao
preciso momento da prática do ato. Excecionalmente, como nos casos das
competências do planeamento, o órgão competente também poderá criar os
próprios pressupostos do ato.

 Por outras palavras, a discricionariedade administrativa é uma margem de livre


atuação da Administração Pública que é conferida por lei e que é da sua
responsabilidade, mas, esta liberdade, é sempre orientada pela própria lei, que a
concede. Discricionariedade não é arbitrariedade. A discricionariedade tem como
única fonte a lei.

Formas através das quais lei atribui discricionariedade ao agente administrativo

1. Indeterminações estruturais: a forma como as normas jurídicas se estruturam


pode por si só conferir discricionariedade à Administração Pública. Estas resultam
dos seguintes tipos de norma:
a. Normas facultativas: se X, a Administração pode Y
b. Normas obrigatórias de escolha alternativa: Se X, a Administração Pública deve Y,
W, ou Z

2. Indeterminações conceituais: por vezes, a lei lança mão de conceitos imprecisos


ou indeterminados que são conceitos com um conteúdo elástico, ou seja, que, pelo
menos, abstratamente, estão suscetíveis de várias interpretações. Normalmente
aparecem do lado da previsão da norma. Alguns destes conceitos atribuem
discricionariedade. Ex: o conceito de primavera.

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Distinção entre duas espécies de conceitos imprecisos:

a. Conceitos imprecisos classificatórios: não atribuem discricionariedade. Embora


abstratamente sejam suscetíveis de várias interpretações, certo é que uma vez
contextualizados na norma, perdem a sua elasticidade, sendo, então, suscetíveis de
uma única interpretação. Estes conceitos classificatórios dividem se em três tipos:

i. Conceitos descritivos empíricos: o seu preenchimento faz-se através do recurso


a conhecimentos científicos ou à simples experiência de vida. Ex: conceito de
noite, inundação
ii. Conceitos técnico-jurídicos: o seu preenchimento faz-se através de
conhecimentos jurídicos. Ex: funcionário público, posse.
iii. Conceitos que apelam para circunstâncias de tempo e lugar: ex: praxes
administrativas e usos do comercio

b. Conceitos imprecisos tipo: atribuem discricionariedade ao agente administrativo.


Estes conceitos, mesmo contextualizados da norma, não perdem a sua
elasticidade, o que significa que o seu preenchimento não pode ser apurado
apenas em função de um raciocínio de interpretação, exigindo, para além desse,
um raciocínio subsumido, ou seja, é necessário reconduzir a situação real à
subsunção no conceito impreciso. Ex: inundação grave

3. Prerrogativas de avaliação: são momentos procedimentais que conferem à


administração grande margem de discricionariedade. Isto implica que o tribunal
não pode sequer implicar esta avaliação feita pela Administração Pública. Ex:
entrevistas são momentos de liberdade de apreciação por parte da AP, porque
cabe-lhe a ela fixar os conteúdos e os efeitos destes momentos de avaliação

4. Juízos de prognose: com base num raciocínio de uma probabilidade de que venha
a acontecer um determinado fato ou um determinado efeito, a Administração
procede, desde logo, a uma atuação tendente a afastar a ocorrência de tal facto ou
efeito. A lei confere à Administração atuar previamente

Interesse prático da existência da discricionariedade

 A discricionariedade limita os poderes de cognição do tribunal. Na verdade,


existindo discricionariedade, o tribunal fica impedido de se colocar na posição do
agente administrativo no caso concreto para refazer o seu pensamento naquelas
condições de tempo e lugar e, com base nisso, extrair consequências anulatórias.
Nestas situações o tribunal poderá apenas, e tomando por boa a solução do agente
administrativo, controlar a eventual violação de normas ou princípios jurídicos

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2.2. Relações entre Administração Pública e direto privado:


Áreas em que a Administração Pública a utilizar direito privado

 Se utilizarmos o direito privado a decisão administrativa será mais célere e


tendencialmente mais eficiente.

 Nas duas primeiras áreas não se levanta qualquer problema na utilização do direito
privado, enquanto que na última pode-se levantar um problema.

1. Negócios auxiliares: negócios que tem por objeto a aquisição de bens essenciais à
subsistência e ao normal funcionamento dos serviços da Administração (compra de
uma resma de papel, esferográficas, etc.)

2. Intervenções corretoras no mercado: nada impede que a Administração Pública


crie entidades que ajam ou atuem no mercado concorrencial ao mesmo nível das
empresas privadas, o que significa que, aqui a Administração Pública aparece
desprovida de qualquer poder de imperium, ou seja, em exata igualdade de
circunstâncias concorrenciais com os particulares.

3. Para levar a cabo funções públicas: pode levantar-se problemas pois se se trata de
prossecução de interesses públicos, nessa circunstância seria logico que a
Administração fizesse uso do direito público e, como tal, estivesse sujeita a todos
os mecanismos do mesmo, designadamente aos mecanismos germanísticos do
direito público.

Tema II – A organização administrativa:

1. Noção e elementos da Organização Administrativa:

1.1. Elementos da Organização Administrativa:


 Entende-se por organização administrativa o modo de estruturação concreta que,
em cada época, a lei dá à Administração Pública de um dado país.

 Numa teoria geral da organização administrativa, há que analisar os elementos


dessa organização; depois, os sistemas de organização possíveis ou consagrados; e
por fim os princípios constitucionais reguladores da organização administrativa.

 Quanto aos elementos da organização administrativa são, basicamente, dois: as


pessoas coletivas públicas e os serviços públicos.

 Quanto aos sistemas de organização, analisar-se-á as três grandes opções: a opção


entre concentração e desconcentração; a opção entre centralização e
descentralização e a opção entre integração e devolução dos poderes.

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1.2. As pessoas coletivas públicas:

Importa, antes de mais, fazer três observações prévias:

 Em primeiro lugar, importa sublinhar que as expressões pessoa coletiva pública e


pessoa coletiva de direito público são sinónimas, tal como são igualmente entre si
pessoa coletiva privada e pessoa coletiva de direito privado.

 Em segundo lugar, convém sublinhar também a enorme importância da categoria


das pessoas coletivas públicas e da sua análise em Direito Administrativo. É que,
em países como Portugal, a Administração Pública é geralmente representada, nas
suas relações com os particulares, por pessoas coletivas públicas: na relação
jurídico-administrativa, um dos sujeitos é, em regra, uma pessoa coletiva pública.

 Isto não significa, porém, que a Administração seja formada por pessoas coletivas
públicas e apenas por elas. Constitui, de facto, um fenómeno corrente a criação de
pessoas coletivas de direito privado destinadas exclusivamente à satisfação de
necessidades coletivas. Torna-se, assim, inaceitável insistir na exclusão do conceito
de Administração Pública em sentido orgânico daquelas entidades privadas, criadas
por lei, por outro ato de direito público ou mesmo por ato de direito privado
(habilitado por normas públicas), com capitais públicos, para prosseguirem fins de
interesse público sob formas e por meios de direito privado.

 Importa ter presente, por outro lado, que os indivíduos que dirigem como órgãos
as pessoas coletivas públicas, ou que para elas trabalham como funcionários, não
são eles próprios, juridicamente, a Administração. Quando um particular – seja ele
um individuo, uma empresa, ou uma associação ou fundação de direito privado –
entra em contacto com a Administração Pública, politicamente tratará com
pessoas físicas (um ministro ou um diretor-geral, um presidente da câmara ou um
vereador, um reitor ou um presidente do conselho diretivo), mas juridicamente a
relação que se trava não tem do outro lado como sujeito esses indivíduos, antes
será estabelecida com a pessoa coletiva pública ao serviço da qual eles se
encontram (o Estado, o município, a universidade).

 Enfim, cumpre deixar claro que, ao fazer-se a distinção entre pessoas coletivas
públicas e pessoas coletivas privadas, não se pretende de modo nenhum sugerir
que as primeiras são as que atuam, exclusivamente, sob a égide do direito público
e as segundas são as que agem, apenas e sempre, sob a égide do direito privado;
nem tão-pouco se quer significar que umas só têm capacidade jurídica pública
(poderes e deveres públicos) e que as outras possuem unicamente capacidade
jurídica privada (poderes e deveres privados).

 Já se sabe que as pessoas coletivas públicas atuam, por vezes, segundo o direito
privado, e que algumas instituições particulares de interesse público funcionam,

15
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

por vezes, nos termos do direito público. De onde resulta que as pessoas coletivas
públicas tanto dispõem de capacidade jurídica pública como de capacidade jurídica
privada. O mesmo se pode afirmar, de um modo geral, acerca das pessoas coletivas
privadas.

 Para se distinguir claramente as pessoas públicas das pessoas privadas, há que


adotar um critério misto, que combina a criação, o fim e a capacidade jurídica.

 Assim, são pessoas coletivas públicas as pessoas coletivas criadas pela iniciativa
pública em ordem a assegurar a exclusiva prossecução de interesses públicos
sendo, por isso, dotadas em sentido próprio de poderes e deveres públicos.
(definição)
Ver-se-á, agora, em que consistem os elementos desta definição.
1. Em primeiro lugar, as pessoas coletivas públicas são pessoas coletivas.

2. Em segundo lugar, trata-se de entidades criadas por iniciativa pública. O que


significa que as pessoas coletivas públicas nascem sempre de uma decisão pública,
regida pelo direito público, tomada pela coletividade nacional, ou por comunidades
regionais ou locais autónomas, ou proveniente de uma ou mais pessoas coletivas
públicas.

3. Em terceiro lugar, as pessoas coletivas públicas são criadas para assegurar a


prossecução necessária de interesses públicos. Daqui decorre que as pessoas
coletivas públicas, diferentemente das privadas, existem para prosseguir o
interesse público – e não para quaisquer outros fins. Há pessoas coletivas privadas,
nomeadamente, as instituições particulares de interesse público, que também
prosseguem interesses públicos; mas podem fazê-lo ou deixar de o fazer e, quando
o fazem, podem simultaneamente prosseguir interesses privados; logo, não
existem inclusiva e necessariamente para prosseguir o interesse público. Por outro
lado, mesmo quando tais entidades privadas exerçam realmente funções de
interesse público, fazem-no sempre sob a fiscalização, maior ou menor, da
Administração Pública: a esta é que compete, institucionalmente, velar pela
satisfação das necessidades coletivas e garantir a prossecução dos interesses
públicos; por isso se afirma, não apenas que as pessoas coletivas públicas
prosseguem interesses públicos, mas sobretudo asseguram essa prossecução.

4. Em quarto lugar, as pessoas coletivas públicas são titulares, em nome próprio, de


poderes e deveres públicos. A referência à titularidade serve para distinguir as
pessoas coletivas públicas das pessoas coletivas privadas que se dediquem ao
exercício privado de funções públicas: estas podem exercer poderes públicos mas
fazem-no em nome da Administração Pública, nunca em nome próprio.

 Prefere-se dizer poderes e deveres públicos em vez de poderes de autoridade, pela


dupla razão, de que há pessoas coletivas públicas, como certas empresas públicas,

16
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

que não exercem poderes de autoridade, embora sejam titulares de poderes


públicos latu sensu; e de que o Direito Administrativo não se caracteriza apenas
pelos poderes públicos que confere à Administração, mas também pelos deveres
públicos a que a sujeita.

1.2.1. Espécies de pessoas coletivas:


As categorias de pessoas coletivas públicas no direito português atual são sete:
a) O Estado;
b) Os institutos públicos;
c) As empresas públicas, na modalidade de entidades públicas empresariais;
d) As associações públicas;
e) As entidades administrativas independentes;
f) As autarquias locais;
g) As regiões autónomas.

 De realçar que a lista apresentada está ordenada segundo o critério da maior


dependência para a menor dependência do Estado: assim os institutos públicos e
as empresas públicas são as categorias de pessoas coletivas públicas mais
dependentes do Estado; a seguir vêm as associações públicas e as entidades
administrativas independentes, bastante mais autónomas; e, depois, as autarquias
locais e as regiões autónomas, que por definição têm maior autonomia face ao
Estado, as segundas mais ainda do que as primeiras.
Importa saber quais os tipos de pessoas coletivas públicas a que essas categorias se
reconduzem:
a) Pessoas coletivas de população e território, ou de tipo territorial – onde se
incluem o Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais;

b) Pessoas coletivas de tipo institucional a que correspondem diversas espécies de


institutos públicos, bem como as empresas públicas qualificadas como entidades
públicas empresariais e, ainda, o caso peculiar das entidades administrativas
independentes;

c) Pessoas coletivas de tipo associativo a que correspondem as associações públicas.

1.2.2. Regime jurídico das pessoas coletivas:


Os aspetos predominantes do regime jurídico das pessoas coletivas no nosso direito
são os seguintes:
1. Criação e extinção. A maioria das pessoas coletivas são criadas por ato do Poder
central; mas há casos de criação por iniciativa pública local. Entretanto, as pessoas
coletivas públicas não se podem extinguir a si próprias, ao contrário do que
acontece com as pessoas coletivas privadas. E nem sequer estão sujeitas a falência

17
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

ou insolvência: uma pessoa coletiva pública não pode ser extinta por iniciativa dos
respetivos credores, só pode por decisão pública;

2. Capacidade jurídica de direito privado e património próprio. Todas as pessoas


coletivas públicas possuem estas características, cuja importância se salienta
principalmente no desenvolvimento de atividades de gestão privada.

3. Capacidade de direito público. As pessoas coletivas públicas são titulares de


poderes e deveres públicos. Entre eles, assumem especial relevância os poderes de
autoridade, aqueles que denotam supremacia das pessoas coletivas públicas sobre
os particulares, o que naturalmente não acontece com as pessoas coletivas
privadas.

4. Autonomia administrativa e financeira.

5. Isenções fiscais.

6. Sujeição ao regime da contratação pública e dos contratos administrativos. As


pessoas coletivas privadas não estão sujeitas ao regime da contratação pública e
não podem celebrar contratos administrativos com outros particulares; (art.º 2, n.º
2, e o art.º 3, n.º 1 al. b), do CCP).

7. Bens do domínio público. As pessoas coletivas públicas são titulares de bens do


domínio público e não apenas de bens do domínio privado;

8. Regime da função pública. O pessoal das pessoas coletivas públicas está


submetido a regimes laborais publicísticos, e não ao do contrato individual de
trabalho. As entidades públicas empresariais constituem uma das exceções a tal
princípio.

9. Sujeição a um regime administrativo de responsabilidade civil. As pessoas


coletivas públicas respondem nos termos da legislação própria do Direito
Administrativo, e não nos termos da responsabilidade regulada pelo Código Civil.
Isto com a mesma exceção das entidades públicas empresariais;

10. Sujeição a tutela administrativa;

11. Sujeição à fiscalização do Tribunal de Contas;

12. Foro administrativo. As questões surgidas da atividade pública destas pessoas


coletivas pertencem à competência dos tribunais do contencioso administrativo, e
não à dos tribunais judiciais.

1.2.3. Órgãos das pessoas coletivas:

18
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 Todas as pessoas coletivas são dirigidas por órgãos. A estes cabe tomar decisões
em nome da pessoa coletiva ou, noutra terminologia, manifestar a vontade
imputável à pessoa coletiva.

 Há fundamentalmente três grandes perspetivas na teoria geral do Direito


Administrativo – a da organização administrativa, a da atividade administrativa, e a
das garantias dos particulares. Pondo de lado a terceira que não tem a ver com a
questão em análise, tudo depende de nos situarmos numa ou noutra das
perspetivas indicadas.

 Na perspetiva da organização administrativa, isto é, na perspetiva em que se


analisa a estrutura da Administração Pública, é evidente que os órgãos têm de ser
concebidos como instituições. Quando se estuda o Governo, a Câmara Municipal, a
Junta de Freguesia, e outros órgãos administrativos, é obvio que aquilo que
interessa não são os indivíduos que exercem essas funções, são as funções em si
mesmas. O que aí se analisa é a natureza de um órgão, a sua composição, o seu
funcionamento, o modo de designação dos seus titulares, o estatuto desses
titulares, os poderes funcionais atribuídos a cada órgão, etc.

 Por outro lado, na perspetiva da atividade administrativa, isto é, na perspetiva da


Administração Pública a atuar, a tomar decisões, nomeadamente a praticar atos
administrativos, o que interessa aqui ao direito é o órgão como individuo: quem
decide, quem delibera, quem assina os atos administrativos praticados, quem toma
decisões acertadas, ou comete erros de facto ou de direito, quem cumpre a lei ou a
viola em nome da administração, são os indivíduos não as instituições. Ou seja,
quem pratica atos administrativos são os indivíduos.

 Em suma, os órgãos da Administração Pública, isto é, das pessoas coletivas públicas


que integram a Administração, devem ser concebidos como instituições para
efeitos da teoria da organização administrativa, e como indivíduos para efeitos da
teoria da atividade administrativa (CPA, art.º 20, n. º1).

1.2.3.1. Classificação dos órgãos:


a) Órgãos singulares e colegiais: são órgãos singulares aqueles que têm apenas um
titular; são colegiais os órgãos compostos por dois ou mais titulares. O órgão
colegial na atualidade tem, no mínimo, três titulares, e deve, em regra, ser
composto por um número ímpar de membros (CPA, art.º 20, n. º2).

b) Órgãos centrais e locais: órgãos centrais são aqueles que têm competência sobre
todo o território nacional; órgãos locais são os que têm a sua competência limitada
apenas a uma parcela do território nacional;

c) Órgãos primários, secundários e vicários: órgãos primários são aqueles que


dispõem de uma competência própria para decidir as matérias que lhes estão

19
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

confiadas; órgãos secundários são os que apenas dispõem de uma competência


delegada; e órgãos vicários são aqueles que só exercem competência por
substituição de outros.

d) Órgãos representativos e órgãos não representativos: órgãos representativos são


aqueles cujos titulares são livremente designados por eleição. Os restantes são
órgãos não representativos;

e) Órgãos ativos, consultivos e de controlo: órgãos ativos são aqueles a quem


compete tomar decisões ou executá-las. Órgãos consultivos são aqueles cuja
função é esclarecer os órgãos ativos antes de estes tomarem uma decisão,
nomeadamente através da emissão de pareceres. Órgãos de controlo são aqueles
que têm por missão fiscalizar a regularidade do funcionamento de outros órgãos.

f) Órgãos decisórios e executivos: os órgãos ativos podem, por sua vez, classificar-se
em decisórios e executivos. São órgãos decisórios aqueles a quem compete tomar
decisões. São órgãos executivos aqueles a quem compete executar tais decisões,
isto é, pô-las em prática. Dentro dos órgãos decisórios, costuma reservar-se a
designação de órgãos deliberativos aos que tenham caráter colegial.

g) Órgãos permanentes e temporários: são órgãos permanentes aqueles que


segundo a lei têm duração indefinida; são órgãos temporários os que são criados
para atuar apenas durante um certo período (CPA, art.º 20, n. º2).

h) Órgãos simples e órgãos complexos: os órgãos simples são os órgãos cuja


estrutura é unitária, tais como os órgãos singulares (um só titular) e os órgãos
colegiais cujos titulares só podem atuar coletivamente quando reunidos em
conselho. Os órgãos complexos são aqueles cuja estrutura é diferenciada, isto é,
aqueles que, como o Governo, são constituídos por titulares que exercem também
competências próprias a titulo individual (Ministros) e são, em regra, auxiliados por
adjuntos, delegados e substitutos (Secretários de Estado, Subsecretários de
Estado).

i) A alegada distinção entre órgãos direitos e indiretos: seriam órgãos direitos os


que atuam em nome da pessoa coletiva a que pertencem, e órgãos indiretos os
que atuam em nome próprio, embora no exercício de um poder ou de uma função
alheios.

1.2.3.2. Dos órgãos colegiais em especial:


Os principais termos que cumpre conhecer:

 Composição e constituição: a composição corresponde aos membros que hão-de


fazer parte do órgão colegial, uma vez constituído; a constituição é o ato pelo qual
os membros de um órgão colegial, uma vez designados, se reúnem pela primeira
vez e dão inicio ao funcionamento desse órgão.

20
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 Marcação e convocação de reuniões: para que os órgãos colegiais possam


funcionar, cada uma das suas reuniões tem de ser marcada e convocada. A
marcação é a fixação da data e hora em que a reunião terá lugar; a convocação é a
notificação feita a todo e a cada um dos membros acerca da reunião a realizar, na
qual são indicados, além do dia e hora da reunião, o local desta e a respetiva
“ordem do dia”.

 Reuniões e sessões: a reunião de um órgão colegial é o encontro dos respetivos


membros para deliberarem sobre matéria da sua competência. Se o órgão colegial
é de funcionamento contínuo diz-se que está em sessão permanente, embora
possa reunir apenas uma vez por semana. As sessões são, pois, os períodos dentro
dos quais podem reunir os órgãos colegiais de funcionamento intermitente (têm
duas, ou três, ou quatro sessões por ano). Tanto as reuniões como as sessões
podem ser ordinárias, se se realizarem regularmente em datas ou períodos certos,
ou extraordinárias, se são convocadas inesperadamente fora dessas datas ou
períodos.

 Membros e vogais: os órgãos colegiais são por definição compostos por uma
pluralidade de titulares. Os membros são titulares do órgão colegial. Vogais são
apenas os membros que não ocupem uma posição funcional dotada
expressamente de uma denominação apropriada.

 Funcionamento, deliberação e votação: os órgãos colegiais, uma vez constituídos,


começam a funcionar, isto é, a desempenhar as funções para que foram criados. O
seu funcionamento realiza-se através de reuniões, e cada reunião começa quando
é declarada aberta pelo presidente e termina quando por ele é declarada
encerrada. Uma parte importante das reuniões desenrola-se sem que seja
necessário deliberar: é o que se passa com a leitura do expediente, com o período
de antes da ordem do dia, etc. Mas a parte essencial é a deliberativa, isto é, aquela
em que o órgão colegial é chamado a tomar decisões em nome da pessoa coletiva
a que pertence. O processo jurídico mais frequente pela qual os órgãos colegiais
deliberam chama-se votação, que permite apurar a vontade coletiva pela
contagem das vontades individuais dos membros.

 Quórum: significa o numero mínimo de membros de um órgão colegial que a lei


exige para que ele possa funcionar regularmente ou deliberar validamente. Há,
assim, que distinguir entre um quórum de funcionamento e um quórum de
deliberação, uma vez que podem ser diferentes, nomeadamente quando a lei se
contenta, para o órgão poder começar a funcionar, com um numero de presenças
inferior ao exigido para que o mesmo órgão possa deliberar. Cumpre chamar a
atenção para o facto de o quórum deliberativo ser referido ao numero de
membros que compõem o órgão colegial e, outras vezes, ao numero de membros
presentes na reunião.

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1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 Modos de votação: a votação pública, em que todos os presentes ficam a saber o


sentido do voto de cada um, pode ser nominal, por levantados e sentados, por
braços erguidos ou caídos, por divisão, ou inda por método eletrónico. A votação
secreta, ou escrutínio secreto, em que o sentido do voto de cada um não se toma
conhecido dos demais, pode ser por listas, por esferas, ou também por método
eletrónico.

 Maioria: a lei exige, para se poder considerar ter sido tomada uma decisão, que
nesse sentido tenha votado a maioria. Deve definir-se a maioria como sendo mais
de metade dos votos. A maioria diz-se simples ou absoluta, se corresponde a mais
de metade dos votos; relativa, se traduz apenas a maior votação obtida entre as
várias alternativas, ainda que não atinja mais de metade dos votos, e qualificada ou
agravada, se a lei faz corresponder a um numero superior à maioria simples.

 Voto de desempate e voto de qualidade: a forma mais usual que a lei utiliza para
resolver o impasse criado por uma votação empatada consiste na atribuição ao
presidente do órgão colegial do direito de fazer um voto de desempate ou um voto
de qualidade. Em ambos os casos é o presidente quem decide o sentido da
votação: no primeiro, procede-se à votação sem que o presidente vote e, se houver
empate, o presidente vota desempatando; no segundo, o presidente participa
como os outros membros na votação geral e, havendo empate, considera-se
automaticamente desempatada a votação de acordo com o sentido em que o
presidente tiver votado.

 Adoção e aprovação: os órgãos colegiais deliberam sobre propostas ou projetos


que lhes são apresentados. Se a votação é favorável a uma certa proposta ou
projeto, diz-se destes que foram adotados ou aprovados pelo órgão colegial; a
partir desse momento, tais propostas convertem-se numa decisão do órgão em
causa e, portanto, na vontade da pessoa coletiva a que o órgão pertence.

 Decisão e deliberação: todo o ato administrativo é uma decisão, sendo a


deliberação o processo especifico usado nos órgãos colegiais para tomar decisões.

 Atos e atas: os órgãos colegiais da Administração Pública tomam decisões que


configuram atos jurídicos. Os atos não se confundem com as atas, isto é, com os
documentos em que se relata por escrito a ocorrência de reuniões e tudo quanto
nelas se tenha passado. Os atos são, portanto, decisões tomadas; as atas são as
narrativas das reuniões efetuadas, onde se mencionam não só as decisões
tomadas, mas tudo o mais que tiver ocorrido em reunião.

 Dissolução e demissão: a dissolução é o ato que põe termo coletivamente ao


mandato dos titulares de um órgão colegial, sendo a demissão o ato que faz cessar
funções de um órgão singular. Só há dissolução quanto a órgão colegiais
designados por eleição; se os titulares dos órgãos colegiais são nomeados, o ato
que põe termo coletivamente às suas funções é uma demissão.

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1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

As principais regras gerais sobre a constituição e funcionamento dos órgãos colegiais


são as seguintes:
1. Cada órgão colegial deve ter um presidente e um secretário, em principio eleitos
pelos próprios membros (art.º 21, n. º1).

2. Compete ao presidente abrir e encerrar as reuniões, assegurar a sua boa ordem,


dirigir os trabalhos e assegurar o cumprimento das leis aplicáveis e a regularidade
das deliberações (art.º 21, n. º2). Exceções (art.º 22, n.º 3).

3. Compete ao secretário redigir os projetos de atas das reuniões, passá-las ao livro


respetivo uma vez aprovadas, organizar o expediente e coadjuvar o presidente no
que por este lhe for determinado;

4. O presidente pode reagir em tribunal contra as deliberações tomadas pelo órgão a


que preside e que ele considere ilegais, propondo as correspondentes ações
judiciais e as providências cautelares adequadas (art.º 21, n.º 2). Os presidentes
dos órgãos colegiais da Administração Pública são, pois, órgãos defensores e
fiscalizadores da legalidade administrativa (art.º 21, n.º 2).

5. Cabe ao presidente, na falta de determinação legal ou de deliberação do órgão


colegial sobre o assunto, fixar os dias e as horas das reuniões ordinárias (art.º 23,
n.º 1). Quanto às reuniões extraordinárias, terão lugar quando o presidente as
convocar, por sua iniciativa ou a pedido de pelo menos um terço dos vogais (art.º
24, n.º 2).

6. Qualquer órgão colegial só pode deliberar em reunião formalmente convocada e


realizada.

7. Nenhum órgão colegial pode reunir e deliberar sem estar devidamente constituído.

8. Um órgão colegial só pode deliberar sobre matéria constante da ordem do dia, a


menos que se trate de reunião ordinária e que pelo menos dois terços dos
membros reconheçam a urgência da deliberação imediata sobre outros assuntos
(art.º 26).

9. As reuniões dos órgãos colegiais da Administração não são públicas, salvo quando
a lei dispuser o contrário (art.º 27).

10. A violação das disposições sobre convocação de reuniões, incluindo as relativas aos
prazos, gera a ilegalidade das deliberações tomadas.

11. Os órgãos colegiais só podem, em regra, deliberar em primeira convocação quando


esteja presente a maioria do numero legal dos seus membros com direito a voto
(art.º 29, n.º 1). Não comparecendo o número mínimo exigido, deve o presidente
convocar nova reunião (art.º 29, n.º 3).

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1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

12. O quórum dos órgãos colegiais compostos por três membros é sempre de dois,
mesmo em segunda convocatória (art.º 29, n.º 4).

13. A votação é precedida por uma discussão das propostas apresentadas, desde que
qualquer membro manifeste nisso interesse (art.º 31, n.º 1).

14. Salvo determinação da lei em contrário, nos órgãos consultivos da Administração


Pública não são permitidas abstenções. Não são igualmente permitidas abstenções
nos órgãos deliberativos sempre que estes estejam a exercer funções consultivas
(art.º 30).

15. Os membros que se encontrem legalmente impedidos de intervir num


procedimento não devem votar nem participar na discussão das propostas
relativas a tal procedimento, nem sequer estar presentes na reunião durante essa
discussão e votação (art.º 31, n.º 3).

16. As deliberações são, em regra, tomadas por votação nominal, salvo se a lei impuser
ou permitir o voto secreto (art.º 31, n.º 1). São sempre tomadas por escrutínio
secreto as deliberações que envolvam a apreciação do comportamento ou da
qualidade de qualquer pessoa, devendo o presidente determinar que seja adotada
essa forma de votação (art.º 31, n.º 2).

17. A generalidade das deliberações são tomadas por maioria absoluta dos membros
presentes à reunião. Excetuando-se os casos em que a lei ou os estatutos exijam
maioria qualificada ou estabeleçam como suficiente a maioria relativa (art.º 32, n.º
1).

18. Dependendo a aprovação de maioria absoluta, e não se formando esta, nem


ocorrendo empate, repete-se a votação. Mantendo-se tal resultado, a votação é
adiada para a reunião seguinte, sendo então suficiente para a aprovação a maioria
relativa (art.º 32, n.º 2).

19. Em caso de empate, o presidente terá voto de qualidade, salvo se a lei ou os


estatutos determinarem a adoção do voto de desempate (art.º 33, n.º 1).

20. Se a lei exigir que determinada decisão seja fundamentada, não pode fazer-se a
votação senão com base numa ou várias propostas, também fundamentadas. É,
pois, ilegal a prática de votar sem apoio em nenhuma proposta fundamentada e
encarregar depois um membro do órgão colegial de, a posteriori, encontrar uma
fundamentação adequada (art.º 31, n.º 3).

21. De cada reunião será lavrada ata, que conterá um resumo de tudo o que tiver
ocorrido de relevante para o conhecimento das deliberações tomadas e para a
apreciação da respetiva legalidade, devendo indicar, pelo menos, a data e o local
da reunião, a ordem do dia, os membros presentes, os assuntos apreciados, as

24
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

deliberações tomadas, a forma e o resultado das votações e as decisões do


presidente (art.º 34, n.º 1).

22. A ata de cada reunião será aprovada no final da reunião ou no início da reunião
seguinte, só votando, neste último caso, os membros presentes na reunião
anterior (art.º 34, n.º 2 e 3). Porém, a aprovação da ata no final da reunião pode
ser substituída pela aprovação de uma minuta sintética, que deverá depois ser
convertida em ata e submetida à aprovação dos membros que estiveram presentes
na reunião a que diga respeito (art.º 34, n.º 4).

23. As decisões tomadas pelos órgãos colegiais da Administração Pública só adquirem


eficácia depois de aprovadas as atas correspondentes. A eficácia das decisões pode
também ser conferida pela assinatura da minuta, mas esta eficácia é temporária e
condicionada, ficando dependente da reprodução do seu conteúdo na
correspondente ata – e da aprovação desta (art.º 34, n.º 6). As decisões dos órgãos
colegiais só pela respetiva ata poderão ser provadas, salvo os casos de extravio ou
falsidade, em que serão admitidos todos os meios de prova para reconstituir a
verdade dos factos.

24. As atas são redigidas pelo secretário e, uma vez aprovadas, são assinadas pelo
presidente e pelo secretário (art.º 34, n.º 2).

25. Os membros do órgão colegial que votarem vencidos podem fazer constar da ata o
seu voto de vencido e respetiva justificação (art.º 35, n.º 1) e devem fazê-lo
quando se trate de pareceres a enviar a outros órgãos administrativos (art.º 35, n.º
3).

26. Se alguma deliberação tomada for ilegal, ficam responsáveis por ela todos os
membros que a tiverem aprovado (art.º 35, n.º 2).

27. Nos casos omissos na lei administrativa, incluindo as disposições estatuárias, e na


falta de costume aplicável a constituição e o funcionamento dos órgãos colegiais
da Administração Pública serão regulados pelo regimento da Assembleia da
República, de acordo com a redição europeia que faz dos regimentos
parlamentares a norma supletiva para os demais órgãos colegiais, públicos e
privados.

1.2.4. Atribuições e competência:


 As pessoas coletivas existem para prosseguir determinados fins. Os fins das
pessoas coletivas públicas chamam-se atribuições.

 Atribuições são, por conseguinte, os fins ou interesses que a lei incumbe as pessoas
coletivas púbicas de prosseguir.

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1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 Para o fazer, as pessoas coletivas públicas precisam de poderes (poderes


funcionais). Ao conjunto dos poderes funcionais chamamos competência.

 Competência é, assim, o conjunto de poderes funcionais que a lei confere para a


prossecução das atribuições das pessoas coletivas públicas.

 As atribuições e competências limitam-se reciprocamente umas às outras: nenhum


órgão administrativo pode prosseguir atribuições da pessoa coletiva a que
pertence por meio de competências que não sejam as suas, nem tão-pouco pode
exercer a sua competência fora das atribuições da pessoa coletiva em que se
integra.

 A distinção entre competências e atribuições é de uma grande importância, não só


para se compreender a diferença que existe entre os fins que se prosseguem e os
meios jurídicos que se usam para prosseguir esses fins, mas também porque a lei
estabelece uma sanção diferente para o caso de os órgãos da Administração
praticarem atos estranhos às atribuições das pessoas coletivas públicas ou atos
fora da competência confiada a cada órgão: enquanto os atos praticados fora das
atribuições são atos nulos (art.º 161, n.º 2, al. b), do CPA), os praticados apenas
fora da competência do órgão que os pratica são atos anuláveis (art.º 163, n.º 1,
do CPA).

 Isto significa, em termos práticos, que se o Ministro A praticar um ato sobre


matéria estranha ao seu ministério, porque incluída nas atribuições do ministério
B, a ilegalidade desse seu ato não será apenas a incompetência por falta de
competência, mas sim a incompetência por falta de atribuições. Quer dizer: o ato
não será meramente anulável, mas nulo.

 Resumindo, tudo depende de a lei ter repartido, entre os vários órgãos da mesma
pessoa coletiva, apenas a competência para prosseguir as atribuições desta, ou as
próprias atribuições com a competência inerente.

1.2.4.1. Da competência em especial:


 Em relação à delimitação da competência entre os vários órgãos administrativos, o
primeiro principio que cumpre sublinhar é o de que a competência só pode ser
conferida, delimitada ou retirada pela lei: é sempre a lei que fixa a competência
dos órgãos da Administração Pública (art.º 36, n.º 1). É o princípio da legalidade
da competência, também expresso pela ideia de que a competência é de ordem
pública. Assim:

a) A competência não se presume, isto quer dizer que só há competência quando a


lei inequivocamente a confere a um dado órgão.

b) A competência é imodificável, nem a Administração, nem os particulares, podem


alterar o conteúdo ou a repartição da competência estabelecidos por lei.
26
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

c) A competência é irrenunciável e inalienável, ou seja, os órgãos administrativos


não podem, em caso algum, praticar atos pelos quais renunciem aos seus poderes
ou os transmitam para outros órgãos da Administração ou para entidades privadas.
Esta regra não obsta a que possa haver hipóteses de transferência do exercício da
competência, designadamente, a delegação de poderes e a concessão, nos casos e
dentro dos limites em que a lei o permitir (art.º 36, n.º 1 e 2).

1.2.4.2. Critérios de delimitação da competência:


A distribuição de competências pelos vários órgãos pode ser feita em função de quatro
critérios:
1. Em razão de matéria: quando a lei diz que à Assembleia Municipal incumbe fazer
regulamentos e ao Presidente da Câmara celebrar contratos, esta é uma
delimitação da competência em razão de matéria;

2. Em razão de hierarquia: quando, numa hierarquia, a lei efetua uma repartição


vertical de poderes, conferindo alguns ao superior e outros aos subalternos, está-
se perante uma delimitação da competência em razão de hierarquia;

3. Em razão do território: a repartição de poderes entre órgãos centrais e órgãos


locais, ou a distribuição de poderes por órgãos locais diferentes em função das
respetivas áreas ou circunscrições, é uma delimitação da competência em razão do
território;

4. Em razão do tempo: só há competência administrativa em relação ao presente: a


competência não pode ser exercida nem em relação ao passado, nem em relação
ao futuro. Por isso é ilegal, em regra, a prática pela Administração de atos que
visem produzir efeitos sobre o passado (atos retroativos) ou regular situações que
não se sabe se, ou quando, ocorrerão no futuro (atos diferidos).

 Os quatro critérios expostos acima são cumuláveis e todos têm de atuar em


simultâneo: um órgão administrativo que tome uma decisão só não incorrerá no
vicio de incompetência se for, ao mesmo tempo, o órgão competente para tomar
tal decisão quer em razão de matéria, quer em razão de hierarquia, quer em razão
do território, quer em razão do tempo.

1.2.4.3. Espécies de competência:


 É importante e útil perceber bem como se estruturam e distinguem as diversas
modalidades de competência, no âmbito da organização administrativa.

a) Quanto ao modo de atribuição legal da competência: a competência pode ser


explicita ou implícita. Diz-se que a competência é explicita quando a lei confere por
forma clara e direta; pelo contrario, é implícita a competência que apenas é

27
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

deduzida de outras determinações legais ou de certos princípios gerais do Direito


público.

b) Quanto aos termos do exercício da competência: a competência pode ser


condicionada ou livre, conforma o exercício esteja ou não dependente de
limitações especificas impostas por lei ou ao abrigo da lei.

c) Quanto à substância e efeitos da competência: fala-se habitualmente em


competência dispositiva e em competência revogatória. A competência dispositiva
é o poder de emanar um dado ato administrativo sobre uma determinada matéria,
pondo e dispondo acerca do assunto; a competência revogatória é o poder de
revogar esse primeiro ato, com ou sem possibilidade de o substituir por outro
diferente. Partindo do mesmo critério, mas ampliando-o, chega-se à classificação
em competência primária e competência secundária, envolvendo aquela o poder
de praticar atos primários sobre certa matéria, e esta o poder de sobre a mesma
matéria praticar quaisquer atos secundários.

d) Quanto à titularidade dos poderes exercidos: se os poderes exercidos por um


órgão da Administração são poderes cuja titularidade pertence a esse mesmo
órgão, diz-se que a sua competência é uma competência própria; se o órgão
administrativo exerce nos termos da lei uma parte da competência de outro órgão,
cujo exercício lhe fi transferido por delegação ou concessão, dir-se-á que essa é
uma competência delegada ou uma competência concedida;

e) Quanto ao numero de órgãos a que a competência pertence: quando a


competência pertence a um único órgão, que a exerce sozinho, temos uma
competência singular; a competência conjunta é a que pertence simultaneamente
a dois ou mais órgãos diferentes, tendo de ser exercida por todos eles em um ato
único.

f) Quanto à inserção da competência nas relações interorgânicas: a competência


pode ser dependente ou independente, conforme o órgão seu titular esteja ou não
integrado numa hierarquia e se ache ou não sujeito ao poder de direção de outro
órgão e ao correspondente dever de obediência. Dentro da competência
dependente há a considerar os casos de competência comum e de competência
própria: diz-se que há competência comum quando tanto o superior como o
subalterno podem tomar decisões sobre o mesmo assunto, valendo a vontade da
Administração aquela que primeiro for manifestada; e há competência própria
quando o poder de praticar um certo ato administrativo é atribuído diretamente
por lei ao órgão subalterno.
Dentro da competência própria:
 Competência separada: o subalterno é por lei competente para praticar atos
administrativos, mas estes são definitivos, pois deles cabe recurso hierárquico
necessário.

28
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 Competência reservada: o subalterno é por lei competente para praticar atos


administrativos definitivos, mas deles cabe recurso hierárquico facultativo.

 Competência exclusiva: o subalterno é por lei competente para praticar atos


administrativos dos quais não cabe qualquer recurso hierárquico, mas, porque não
é órgão independente, o subalterno não pode vir a receber do seu superior uma
ordem de revogação do ato praticado.

 Competência objetiva e subjetiva.

1.2.4.4. Regras legais sobre a competência:


 A competência fixa-se no momento em que se inicia o procedimento (art.º 37, n.º
1 e 2, CPA). Quando o órgão competente passar a ser outro, o processo deve ser-
lhe remetido oficiosamente (n.º 3).

 Antes de qualquer decisão, o órgão administrativo deve certificar-se de que é


competente para conhecer da questão que vai decidir (art.º 40, n.º 1, CPA): é o
autocontrolo da competência. Se tiver dúvidas, deve procurar esclarecê-las junto
do seu superior hierárquico imediato, ou do Ministro de que depender, ou do
órgão colegial a que pertencer, ou do Primeiro-Ministro – ou solicitar parecer
jurídico a uma instancia oficial ou a um jurisconsulto.

 Quando o particular dirigir um requerimento a um órgão que se considere a si


mesmo incompetente para tratar do assunto, o documento deve ser enviado
oficiosamente ao órgão competente (art.º 41, CPA).

1.2.4.5. Conflitos de atribuições e de competência:


 Diz-se que há um conflito positivo quando dois ou mais órgãos da Administração
reivindicam para si a prossecução da mesma atribuição ou o exercício da mesma
competência; e que há conflito negativo quando dois ou mais órgãos consideram
simultaneamente que lhes faltam as atribuições ou a competência para decidir um
dado caso concreto.

 Por outro lado, entende-se por conflito de competência aquele que se traduz
numa disputa acerca da existência ou do exercício de um determinado poder
funcional; e por conflito de atribuições aquele em que a disputa versa sobre a
existência ou a prossecução de um determinado interesse público.
Os critérios gerais de solução, constantes do CPA, são os seguintes:

 Se envolverem órgãos de pessoas coletivas diferentes ou autoridades


administrativas independentes, os conflitos são resolvidos pelos tribunais
administrativos, em processo que segue os termos da ação especial, com algumas
alterações (art.º 51, n.º 1, al. C), CPA; art.º 135, n.º 2, CPTA).

29
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 Se envolverem órgãos de ministérios diferentes, na falta de acordo os conflitos são


resolvidos pelo Primeiro-Ministro, porque é a ele que constitucionalmente
compete assegurar a coordenação interministerial (art.º 201, n.º 1, al. c), CRP;
art.º 51, n.º 1, al. b), CPA).

 Se envolverem órgãos de secretarias regionais diferentes, os conflitos são


resolvidos pelo Presidente do Governo Regional, porque é a ele que cabe assegurar
a coordenação do Governo Regional, nos termos do respetivo Estatuto Político-
administrativo (Estatutos Político-Administrativos dos Açores e da Madeira, art.º
79, n.º 1, e art.º 73, n.º 1, respetivamente, e CPA, art.º 51, n.º 1, al. d)).

 Se envolverem pessoas coletivas autónomas sujeitas ao poder de superintendência


do mesmo Ministro, na falta de acordo os conflitos são resolvidos pelo respetivo
Ministro (art.º 51, n.º 1, al. c)).

 Se os conflitos envolverem órgãos subalternos integrados na mesma hierarquia,


serão resolvidos pelo seu comum superior de menos categoria hierárquica (art.º
51, n.º 2, CPA).
A resolução administrativa dos conflitos pode ser promovida por duas formas diversas
(art.º 52, CPA):
a) Por iniciativa de qualquer particular interessando (art.º 52, n.º 1, CPA);

b) Oficiosamente, quer por iniciativa suscitada pelos órgãos em conflito, quer pelo
próprio órgão competente para a decisão, se for informado do conflito (art.º 52,
n.º 2, CPA).

1.3. Os serviços públicos:

1.3.1. Preliminares:
 Os serviços públicos constituem as células que compõem internamente as pessoas
coletivas públicas. Assim, por exemplo, o Estado é uma pessoa coletiva pública e
dentro dele há direções-gerais, gabinetes, inspeções, repartições, etc., que
correspondem aos serviços públicos. Do mesmo modo se passam as coisas nas
outras pessoas coletivas públicas: dentro de cada uma delas funcionam diversas
organizações, que são serviços públicos.

 O serviço público é uma organização que, situada no interior da pessoa coletiva


pública e dirigida pelos respetivos órgãos, desenvolve atividades de que ela carece
para prosseguir os seus fins.

1.3.2. Conceito:

30
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 Os serviços públicos são, então, as organizações humanas criadas no seio de cada


pessoa coletiva pública com o fim de desempenhar as atribuições desta, sob a
direção dos respetivos órgãos.
Os pontos fundamentais desta definição são os seguintes:
 Os serviços públicos são organizações humanas, isto é, são estruturas
administrativas acionadas por indivíduos, que trabalham ao serviço de uma certa
entidade pública.

 Os serviços públicos existem no seio de cada pessoa coletiva pública: não estão
fora dela, mas dentro; são um componente, um elemento integrante, uma peça
essencial.

 Os serviços públicos são criados para desempenhar as atribuições da pessoa


coletiva púbica: é pelas direções-gerais e pelas delegações, repartições e outros
serviços colocados na periferia que o Estado realiza, na pratica, as suas funções de
polícia, educação, saúde, obras públicas, transportes, etc. O mesmo se passa com
as demais pessoas coletivas públicas.

 Os serviços públicos atuam sob a direção dos órgãos das pessoas coletivas
públicas: quem toma as decisões que vinculam a pessoa coletiva pública perante o
exterior são os órgãos dela; e quem dirige o funcionamento dos serviços existentes
no interior da pessoa coletiva são também os seus órgãos. Mas quem desempenha
as tarefas concretas e especificas em que se traduz a prossecução das atribuições
das pessoas coletivas públicas são os serviços públicos.

 Importa focar as relações que existem entre os órgãos (das pessoas coletivas
públicas) e os serviços públicos. Tais relações são de dois tipos: por um lado, os
órgãos dirigem a atividade dos serviços; por outro, os serviços auxiliam a atuação
dos órgãos.

 Os serviços públicos são organizações que levam a cabo as tarefas de preparação e


execução das decisões dos órgãos das pessoas coletivas públicas, a par do
desempenho das tarefas concretas em que se traduz a prossecução das atribuições
dessas pessoas coletivas.

 Importa, igualmente, clarificar a distinção entre serviços públicos e institutos


públicos. Não devem ser confundidas estas duas noções: o serviço público não tem
personalidade jurídica; é um elemento integrado na organização interna de certa
pessoa coletiva pública. O instituto público tem personalidade jurídica e comporta
vários serviços públicos.

1.3.3. Espécies de serviços públicos:

31
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 Os serviços públicos podem ser classificados segundo a perspetiva funcional e a


perspetiva estrutural.

a) Os serviços públicos como unidades funcionais. Os serviços públicos distinguem-se


de acordo com os seus fins: por exemplo, serviços de polícia, serviços de educação,
serviços de saúde, serviços de transportes coletivos, etc. é com base neste critério
que se dividem as várias direções-gerais dos ministérios e, dentro de cada uma
delas, os respetivos serviços executivos (direções de serviços, divisões, repartições,
etc.).

b) Os serviços públicos como unidades de trabalho. Segundo uma perspetiva


estrutural, os serviços públicos distinguem-se não já segundo os seus fins, mas
antes segundo o tipo de atividade que desenvolvem. Em cada departamento os
serviços diferenciam-se consoante a natureza das tarefas que desempenham:
assim, por exemplo, ao lado de serviços de estatística e recolha de dados, separam-
se-nos com frequência serviços de gestão do património e do pessoal, serviços de
prestação de utilidades aos particulares, e serviços de índole financeira. Aqui, os
serviços são olhados, não como unidades funcionais ou departamentos, mas como
verdadeiras unidades de trabalho, cuja missão consiste em levar a cabo diversas
atividades tornadas necessárias para a prossecução normal e regular das
atribuições da pessoa coletiva pública a que pertencem.

 Os serviços públicos, quando considerados do ponto de vista estrutural, podem ser


de dois tipos: serviços principais e serviços auxiliares.

 Os serviços principais são aqueles que desempenham as atividades


correspondentes às atribuições da pessoa coletiva pública a que pertencem; por
sua vez, os serviços auxiliares são aqueles que desempenham atividades
secundárias ou instrumentais, que visam tornar possível ou mais eficiente o
funcionamento dos serviços principais. Ou seja: enquanto os primeiros
desenvolvem a atividade típica da entidade pública, os segundos assumem
natureza marcadamente instrumental em relação a essa mesma atividade
fundamental.

 De entre os serviços principais, cumpre distinguir os serviços burocráticos, de um


lado, e os serviços operacionais, de outro.

 Os serviços burocráticos podem ser definidos como os serviços principais que


lidam por escrito com os problemas diretamente relacionados com a preparação e
execução das decisões dos órgãos da pessoa coletiva a que pertencem.

 Nos serviços burocráticos é, ainda, possível observar três subespécies: os serviços


de apoio, os serviços executivos e os serviços de controlo.

 Os serviços de apoio são os serviços burocráticos que estudam e preparam as


decisões dos órgãos administrativos.

32
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 Os serviços executivos são os serviços burocráticos que executam as leis e os


regulamentos aplicáveis, bem como as decisões dos órgãos dirigentes das pessoas
coletivas a que pertencem.

 Os serviços de controlo são os serviços burocráticos que fiscalizam a atuação dos


restantes serviços públicos.

 Ao lado dos serviços burocráticos, há a considerar os serviços operacionais, que


são os serviços principais que desenvolvem atividades de caráter material,
correspondentes às atribuições da pessoa coletiva pública a que pertencem. Neles
deparam-se três subespécies: os serviços de prestação individual, os serviços de
polícia e os serviços técnicos.

 Os serviços de prestação individual são os serviços operacionais que facultam aos


particulares bens ou serviços de que estes carecem para a satisfação de
necessidades coletivas individualmente sentidas.

 Os serviços de polícia são os serviços operacionais que exercem fiscalização sobre


as atividades dos particulares suscetíveis de pôr em risco os interesses públicos que
à Administração compete defender.

 Os serviços técnicos podem ser definidos como todos os restantes serviços


operacionais cuja atividade não consista em prestações individuais aos
particulares, nem em vigilância sobre as respetivas atividades.

 Os departamentos e os serviços públicos enquanto unidades de trabalho,


relacionam-se entre si da seguinte forma: em cada departamento tenderão a
existir unidades de trabalho diferenciadas, predominando em cada um aquelas
cuja atividade se relacione mais intimamente com o objeto especifico do serviço.

1.3.4. Regime jurídico dos serviços públicos:


Os princípios fundamentais do regime jurídico dos serviços públicos são os seguintes:
a) O serviço público releva sempre de uma pessoa coletiva pública: qualquer serviço
público está sempre na dependência direta de um órgão da Administração, que
sobre ele exerce o poder de direção e a cujas ordens e instruções o serviço público
deve obediência.

b) O serviço público está vinculado à prossecução do interesse público: os serviços


públicos estão vinculados à prossecução das atribuições que a lei puser a cargo
dela.

c) A criação e extinção dos serviços públicos, bem como a sua fusão e restruturação,
são aprovadas por decreto-regulamentar: assim o dispõe a LAD para os serviços

33
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

do Estado (art.º 24, art.º 32, n.º 1); já quanto aos serviços municipais, a
competência para a sua criação e extinção pertence à Assembleia Municipal.

d) A organização interna dos serviços públicos é matéria regulamentar.

e) O regime de organização e funcionamento de qualquer serviço público é


modificável: porque só assim se pode corresponder à natural variabilidade do
interesse público. Tais modificações devem, contudo, respeitar os direitos
adquiridos.

f) A continuidade dos serviços públicos deve ser mantida: é esta uma das principais
responsabilidades de qualquer Governo. E deve ser assegurado o funcionamento
regular dos serviços públicos, pelo menos dos essenciais.

g) Os serviços públicos devem tratar e servir todos os particulares em pé de


igualdade – principio da igualdade (art.º 13, CRP).

h) A utilização dos serviços públicos pelos particulares é em principio onerosa: os


utentes deverão, pois, pagar uma taxa, como contrapartida do beneficio que
obtêm. Mas há serviços públicos que a lei, excecionalmente declara gratuitos. Os
serviços públicos não têm fins lucrativos, exceto se se encontrarem integrados em
empresas públicas.

i) Os serviços públicos podem gozar de exclusivo ou atuar em concorrência: tudo


depende do que for determinado pela Constituição ou pela lei.

j) Os serviços púbicos podem atuar de acordo quer com o direito público quer com
o direito privado: é o que resulta do facto de as pessoas coletivas públicas
disporem simultaneamente de capacidade de direito público e de capacidade de
direito privado.

k) A lei admite vários modos de gestão dos serviços públicos: os serviços públicos
são geridos por uma pessoa coletiva pública, seja aquela a que pertencem (gestão
direta), seja uma pessoa coletiva pública especialmente criada para o efeito através
de devolução de poderes (gestão indireta pública); mas também pode suceder que
a lei autorize que a gestão de um serviço público seja temporariamente entregue a
uma empresa privada, por meio de concessão, ou uma associação ou fundação de
utilidade pública, por meio de delegação (gestão indireta privada).

l) Os utentes do serviço público ficam sujeitos a regras próprias que os colocam


numa situação jurídica especial: as relações jurídicas que se estabelecem entre os
utentes do serviço público e a Administração são diferentes das relações gerais que
todo o cidadão trava com o Estado. Os utentes dos serviços públicos acham-se
submetidos a uma forma peculiar de subordinação aos órgãos e agentes
administrativos, que tem em vista criar e manter as melhores condições de
organização e funcionamento dos serviços, e que se traduz no dever de obediência

34
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

em relação a vários poderes de autoridade: poder de admitir e pôr termo à


utilização do serviço, poder regulamentar, poder disciplinar, etc.

m) Natureza jurídica do ato criador da relação de utilização do serviço público pelo


particular: a tendência geral é no sentido de os administrativistas verem nesse ato
ou um simples facto jurídico privado do particular ou um ato administrativo de
admissão, enquanto os civilistas se inclinam para o considerarem como um
contrato civil de prestação de serviços ou como atuações geradoras de relações
contratuais de facto.

1.3.5. Organização dos serviços públicos:


 Os serviços públicos podem ser organizados segundo três critérios: organização
horizontal, territorial e vertical. No primeiro caso, os serviços organizam-se em
razão da matéria ou do fim; no segundo, em razão do território; no último, em
razão de hierarquia.

 A organização horizontal dos serviços públicos atende, por um lado, à distribuição


dos serviços pelas pessoas coletivas públicas e, dentro destas, à especialização dos
serviços segundo o tipo de atividades a desempenhar. É através da organização
horizontal que se chega à consideração das diferentes unidades funcionais e,
dentro delas, das diferentes unidades de trabalho.

 A organização territorial remete para a distinção entre serviços centrais e serviços


periféricos, consoantes os mesmos tenham um âmbito de atuação nacional ou
meramente localizado em áreas menores. Trata-se de uma organização em
profundidade dos serviços públicos, na qual o topo é preenchido pelos serviços
centrais, e os diversos níveis, à medida que se caminha para a base, por serviços
daqueles dependentes.

 A organização vertical, ou hierárquica, traduz-se na estruturação dos serviços em


razão da sua distribuição por diversos graus ou escalões do topo à base, que se
relacionam entre si em termos de supremacia e subordinação. Por exemplo, na
estrutura de uma direção-geral que desempenhe funções predominantemente
administrativas, ver-se-á que ela assenta numa hierarquia de serviços: primeiro a
direção-geral, depois as direções de serviços, as quais se desdobram em divisões
ou repartições, existindo em cada uma delas várias secções (art.º 21, LAD). Por sua
vez, em correspondência com o encadeamento vertical dos serviços, depara-se
com a hierarquia das respetivas chefias: assim surge, em primeiro lugar, o diretor-
geral, depois os diretores de serviços dele dependentes, logo abaixo os chefes de
divisão ou repartição, e enfim os chefes de secção.

35
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

2. Os princípios gerais da organização administrativa portuguesa e o


sistema organizativo neles fundado:
2.1. Princípio da descentralização (art. 6.º n.º 1 CPA e 267 n.º 2 CPA e 235.º e ss.
CRP)
 Este principio traduz-se numa imposição aos poderes constituídos de transferência
de poderes administrativos (atribuições e competências) do centro para a periferia,
com a especificidade de essa transferência se operar a favor de pessoas coletivas
publicas distintas do Estado.

 A descentralização concretiza-se numa vertente “estática” ou numa vertente


“dinâmica”: enquanto a vertente estática se esgota com a criação por lei de novas
pessoas coletivas publicas dotadas de atribuições e competências “herdadas” do
Estado, a vertente dinâmica traduz-se num sempre inacabado processo de
transferência de novas atribuições e competências do Estado-Administração para
os entes públicos menores.

 Um sistema descentralizado implica a transferência de poderes decisórios para


outros entes que não o Estado, assumindo estes últimos e a titulo próprio a
prossecução de interesses públicos que presidem àqueles poderes, ao contrario do
sistema centralizado, em que todos os interesses públicos são levados a cabo
apenas por uma única pessoa coletiva, o próprio Estado.

 Com a descentralização, a função administrativa não fica apenas entregue ao


Estado, mas também a outras pessoas coletivas, nomeadamente territoriais
(autarquias locais – art. 235.º e ss. CPA).

 São vantagens da descentralização a garantia das liberdades locais e a abertura às


sensibilidades próprias da população de cada terra. Através da descentralização
concretiza-se, também, nos âmbitos regional e local, a participação politica dos
cidadãos.

 Constituem desvantagens da descentralização o esbatimento da unidade do Estado


(balcanização do Estado) e uma menor homogeneidade da ação política e
administrativa, sendo usual a critica à descoordenação no exercício da função
administrativa por ela provocada e ao mau uso dos poderes administrativos que
propicia.

2.2. O princípio da desconcentração


 Este traduz-se numa imposição aos poderes constituídos no sentido de estes
transferirem competências do centro para a periferia, com a especificidade (em
relação à descentralização), de essa transferência se operar, em regra, dentro da

36
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

pessoa coletiva pública, nomeadamente do Estado, ou seja, entre órgãos do


mesmo ente público.

 Em regra, com a descentralização, transferem-se apenas as competências, e não as


atribuições, processando-se apenas entre órgãos e, por princípio, entre órgãos da
mesma pessoa coletiva, e não entre órgãos de distintos entes públicos.

 Num sistema de concentração de poderes, o poder decisório tende a concentrar-se


em poucos órgãos mais próximos do topo da hierarquia, ou mesmo num único
órgão, o que ocupa o topo dessa hierarquia.

 Ao contrario, quando há lugar a uma descentralização de poderes, o poder


decisório reparte-se entre os vários órgãos da cadeia hierárquica, havendo lugar a
uma maior diversidade de competências dentro da mesma organização.

 A desconcentração consiste, em suma, numa atribuição de poderes decisórios a


órgãos intermédios da pirâmide hierárquica.

 São vantagens da desconcentração a maior eficiência, rapidez e qualidade das


decisões tomadas pelas instâncias subalternas e que resultam do facto de melhor
se adequarem essas decisões a uma realidade de que os seus autores têm, por
razoes de proximidade, um mais complexo e preciso conhecimento. Costuma-se
apontar, como desvantagem, a, em regra, menor preparação dos subalternos.

2.2.1. Desconcentração originária


 A desconcentração originária ou legal é feita pelo próprio legislador. É a própria lei
que reparte o poder decisório por diversos órgãos.

2.2.2. Desconcentração derivada


 Na desconcentração derivada ou voluntária, a lei, ano obstante o atribuir o poder
decisório de raiz a um único órgão, concede a este a possibilidade de delegar parte
da sua competência noutro órgão: é o instituto da delegação de poderes, (art. 35 a
40.º CPA)

2.3. O princípio da subsidiariedade


 Este princípio apenas diz respeito às autarquias locais, complementando o
princípio da descentralização territorial.

 Assim, no âmbito da função administrativa, mais do que um direito a assumir a


prossecução dos interesses públicos locais ou com refração local, gozam as
autarquias locais de uma preferência relativamente ao Estado na satisfação das
necessidades coletivas em geral: o mesmo é dizer que, por principio, o Estado
devera atua a titulo subsidiário, assumindo apena as tarefas que, pelas respetivas

37
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

características e por razoes de maior escala, ele possa desempenhar com


substanciais ganhos de eficácia e eficiência.

 O princípio da subsidariedade vem, pois, trazer uma maior flexibilidade no sentido


de as mesmas matérias ou assuntos, desde que correspondam, ou devam
corresponder, a atribuição de entidades públicas, poderem ser prosseguidas seja
por entidades locais ou regionais, seja pelo Estado, por aplicação apenas dos
suprarreferidos critérios.

3. Relações organizativas públicas:

3.1. A hierarquia administrativa:


 A organização dos serviços públicos segundo um critério vertical dá origem à
hierarquia.

3.1.1. Conceito de hierarquia:


 A hierarquia é o modelo de organização administrativa vertical, constituído por
dois ou mais órgãos e agentes com atribuições comuns, ligados por um vinculo
jurídico que confere ao superior o poder de direção e impõe ao subalterno o dever
de obediência.

 A hierarquia é, antes de mais, um modelo de organização vertical: não é o único


modelo de organização administrativa, nem em Portugal nem no estrangeiro. A
maioria dos serviços públicos, na parte referente a relações entre órgãos
singulares, obedece ao modelo vertical hierárquico herdado do Império Romano e
da Igreja Católica.
Por outro lado, o modelo hierárquico caracteriza-se pelos seguintes traços específicos:
a) Existência de um vinculo entre dois ou mais órgãos e agentes administrativos:
para haver hierarquia é indispensável que existam, pelo menos, dois órgãos
administrativos ou um órgão e um agente (superior e subalterno).

b) Comunidade de atribuições entre os elementos da hierarquia: na hierarquia é


indispensável que tanto o superior como o subalterno atuem para a prossecução
de atribuições comuns.

c) Vinculo jurídico constituído pelo poder de direção e pelo dever de obediência:


entre superior e subalterno há um vinculo jurídico típico, chamada relação
hierárquica. Não é uma relação jurídica proprio sensu, pois não se estabelece entre
dois sujeitos de direito como tais, mas entre órgãos da mesma pessoa coletiva
pública: trata-se de uma relação interorgânica.

38
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 O subalterno não é um autómato, nem um escravo, nem uma máquina: mesmo


enquanto subalterno, ele é um ser racional e livre, moral e juridicamente
responsável pelas suas decisões.

 A vontade do superior tem, em regra, mais força jurídica do que a do subalterno,


mas não dispo desta, nem a substitui: o subalterno é que decide, livremente, se
obedece ou não às ordens do superior, ainda que a desobediência lhe possa
acarretar sanções e dissabores de vária ordem.

 A prova de que o subalterno não é um autómato cego e mecanicamente obediente


está na competência que a lei lhe confere para examinar a legalidade de todos os
comandos hierárquicos e para, em certos casos (ex: atos criminosos), rejeitar a
obediência, recusando o cumprimento de determinadas ordens superiores.

3.1.2. Espécies:
A principal distinção de modalidades de hierarquia é a que distingue entre hierarquia
interna e hierarquia externa.

 A hierarquia interna é um modelo de organização da Administração que tem por


âmbito natural o serviço público – cédula fundamental de que se compõem as
pessoas coletivas públicas. A hierarquia interna é uma hierarquia de agentes.

 Na hierarquia interna depara-se fundamentalmente com vínculos de


superioridade e subordinação entre agentes administrativos: do que acima de tudo
se trata é da divisão de trabalho entre agentes.

 O que está em causa é o desempenho regular das tarefas de um serviço público:


prossecução de atividades, portanto, e não prática de atos jurídicos. Por isso se diz
interna, por ser um fenómeno acantonado no interior de um organismo, sem
projeção no exterior, isto é, sem assumir nenhum significado ou relevância quer
para os particulares, quer para os demais sujeitos de direito público.

 A hierarquia interna é um modelo vertical de organização interna dos serviços


públicos que assenta na diferenciação entre superiores e subalternos.

 Por razões de eficiência, o exercício do comando não é atribuído unicamente ao


chefe supremo do serviço, mas repartido pelos principais subalternos, que ficam
assim investidos na posição de subalternos superiores: numa hierarquia de chefias.

 Por outro lado, a hierarquia externa não surge no âmbito do serviço público, mas
no quadro da pessoa coletiva pública.

 Também aqui se toma a estrutura vertical como diretriz, mas desta feita para
estabelecer o ordenamento dos poderes jurídicos em que a competência consiste:
a hierarquia externa é uma hierarquia de órgãos.

39
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 Os vínculos de superioridade e subordinação estabelecem-se entre órgãos da


Administração. Já não está em causa a divisão do trabalho entre agentes, mas a
repartição das competências entre aqueles a quem está confiado o poder de tomar
decisões em nome da pessoa coletiva. Por isso, os subalternos não se limitam a
desempenhar atividades, praticam atos administrativos.

 Há entre nós muitos casos em que aos subalternos, como tais, é conferido o poder
de praticar atos administrativos externos: é o que acontece, na administração
central do Estado, quando os diretores-gerais e outros funcionários são chamados,
por lei ou delegação de poderes, a praticar atos da competência dos Ministros.

 Também aqui se distribuem funções de comando pelos subalternos: mas o que


assume relevância jurídica não é a multiplicação de chefias, é a distribuição das
competências. O que sobretudo importa é haver subalternos que são, eles
também, órgãos com competência externa.

3.2. Os poderes do superior:


 Os poderes do superior são, basicamente, três: o poder de direção, o poder de
supervisão e o poder disciplinar. Deles, o primeiro é o principal poder da relação
hierárquica.

 O poder de direção consiste na faculdade de o superior dar ordens e instruções,


em matéria de serviço, ao subalterno.

 Cumpre não confundir ordens com instruções. As ordens traduzem-se em


comandos individuais e concretos: através delas o superior impõe aos subalternos
a adoção de uma determinada conduta especifica. As instruções traduzem-se em
comandos gerais e abstratos: através delas o superior impõe aos subalternos a
adoção, para futuro, de certas condutas sempre que se verifiquem as situações
previstas.

 De salientar que o poder de direção não carece de consagração legal expressa,


tratando-se de um poder inerente ao desempenho das funções de chefia.

 O poder de supervisão consiste na faculdade de o superior revogar, anular ou


suspender os atos administrativos praticados pelo subalterno.

 Este poder pode ser exercido por duas maneiras: por iniciativa do superior, que
para o efeito avocará a revolução do caso; ou em consequência de recurso
hierárquico perante ele interposto pelo interessado.

 O poder disciplinar consiste na faculdade de o superior punir o subalterno,


mediante a aplicação de sanções previstas na lei em consequência das infrações à
disciplina da função pública cometidas.

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1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

Outros poderes normalmente integrados na competência dos superiores hierárquicos


são os seguintes:
1. O poder de inspeção é a faculdade de o superior fiscalizar continuamente o
comportamento dos subalternos e o funcionamento dos serviços, a fim de
providenciar como melhor entender e de, eventualmente, mandar proceder a
inquérito ou a processo disciplinar. É um poder instrumental.

2. O poder de decidir recursos consiste na faculdade de o superior reapreciar os


casos primariamente decididos pelos subalternos, podendo confirmar, anular ou
revogar (e eventualmente modificar ou substituir) os atos impugnados. A este meio
de impugnação dos atos do subalterno perante o respetivo superior chama-se
recurso hierárquico.

3. O poder de decidir conflitos de competência é a faculdade de o superior declarar,


em caso de conflito positivo ou negativo entre subalternos seus, a qual deles
pertence a competência conferida por lei. Este poder exercido por iniciativa do
superior, a pedido de um dos subalternos envolvidos no conflito ou de todos eles,
ou mediante requerimento de qualquer particular interessado (CPA, art.º 51 e 52).

4. O poder de substituição é a faculdade de o superior exercer legitimamente


competências conferidas, por lei ou delegação de poderes, ao subalterno.

 Porém, quer parece que, em regra, a competência do superior hierárquico não


engloba o poder de substituição, mesmo que no caso disponha de um poder de
revogação. Por outras palavras: não é válida, como principio geral, a máxima de
que a competência do superior abrange a dos subalternos.

 Aos poderes do superior correspondem determinados deveres dos subalternos


(art.º 73, LGTFP). Esses deveres são de variada índole: assim, ao lado de deveres
que dizem diretamente respeito à relação do serviço (ex: deveres de obediência,
assiduidade, sigilo profissional, etc.), deparam-se outros que, tendo embora o seu
funcionamento no vinculo que liga o funcionário ou agente ao serviço, extravasam
já do âmbito daquela sanção (ex: deveres da vida privada). O principal dever típico
da relação hierárquica é o dever de obediência.

3.2.1. Em especial, o dever de obediência:


 O dever de obediência consiste na obrigação de o subalterno cumprir as ordens e
instruções dos seus legítimos superiores hierárquicos, dadas em objeto de serviço
e sob a forma legal.
Da noção enunciada (art.º 73, n.º 8, LGTFP) resultam os requisitos deste dever:
a) Que a ordem ou as instruções provenham de legitimo superior hierárquico do
subalterno em causa.

41
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

b) Que a ordem ou as instruções sejam dadas em matéria de serviço.

c) E que a ordem ou as instruções revistam a forma legalmente prescrita.

 Quis iuris se a ordem, provindo muito embora de legitimo superior do subalterno,


versando matéria de serviço e tendo sido dada pela forma devida, for
intrinsecamente ilegal, mas implicando a prática pelo subalterno de um ato ilegal
ou mesmo ilícito? A esta questão de saber se a ordem intrinsecamente ilegal deve
ou não ser cumprida pelo subalterno tem a doutrina respondido de formas
diferentes.

 Assim, para a corrente hierárquica: existe sempre dever de obediência, não


assistindo ao subalterno o direito de interpretar ou questionar a legalidade das
determinações do superior. Admitir o contrário, seria a subversão da razão de ser
da hierarquia.

 Já para a corrente legalista: não existe dever de obediência em relação a odens


julgadas ilegais. Numa primeira formulação, mais restritiva, aquele dever cessa
apenas se a ordem implicar a prática de um ato criminoso. Numa outra opinoa,
intermédia, o dever de obediência cessa se a ordem for patente e
inequivocamente ilegal, por ser contrária à letra ou ao espirito da lei:
consequentemente, há que obedecer se houver mera divergência de
entendimento ou interpretação quanto à conformidade legal do comando. Uma
terceira formulação, ampliativa, advoga que não é devida obediência à ordem
ilegal, seja qual for o motivo da ilegalidade: acima do superior está a lei, e entre o
cumprimento da ordem e o cumprimento da lei o subalterno deve optar pelo
respeito à segunda.

 Este problema não é de simples solução. À primeira vista, dir-se-á que nenhuma
dúvida deveria poder levantar-se: num sistema administrativo submetido ao
principio da legalidade, poderá sequer admitir-se a dúvida sobre se os subalternos
devem cumprir as ordens ilegais ou devem negar-se a acatá-las, respeitando a lei?

 Mas as coisas não são assim tão simples: primeiro, consagrar o direito ou o dever
de desobedecer a ordens ilegais dadas pelo legítimo superior hierárquico é
inegavelmente um fator de indisciplina nos serviços públicos; fazê-lo é
automaticamente dar aos subalternos o direito de examinar e questionar a
interpretação da lei perfilhada pelo respetivo superior hierárquico; pior ainda,
optar pela solução legalista equivale a considerar que, entre duas interpretações
diferentes da lei, a do superior, que considera legal uma dada ordem, e a do
subalterno, que a tem por ilegal, o sistema jurídico deve por princípio proferir a
interpretação do subalterno, autorizando-o a não cumprir a ordem ou impondo-lhe
mesmo que não a cumpra; se o subalterno tiver por lei o direito ou o dever de
desobedecer às ordens ilegais, no caso de resolver cumprir, torna-se
corresponsável pelas consequências da execução de quaisquer ordens ilegais.

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1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 Atualmente, o sistema que prevalece é um sistema legalista mitigado, que resulta


da CRP, art.º 271, n.º 2 e 3, e da LGTFP, art.º 177. Assim:

a) Casos em que não há dever de obediência: não há dever de obediência senão em


relação às ordens ou instruções emanadas do legítimo superior hierárquico, em
objeto de serviço e com a forma legal (CRP, art.º 271, n.º 2, e LGTFP, art.º 73, n.º
8); não há dever de obediência sempre que o cumprimento das ordens ou
instruções implique a prática de qualquer crime (CRP, art.º 271, n.º 3, LGTFP, art.º
177, n.º 5) ou quando as ordens ou instruções provenham de ato nulo (CPA, art.º
162, n.º 1).

b) Casos em que há dever de obediência: todas as restantes ordens ou instruções,


isto é, as que emanarem de legítimo superior hierárquico, em objeto de serviço,
com a forma legal, e não implicarem a prática de um crime nem resultarem de um
ato nulo, devem ser cumpridas pelo subalterno. Contudo, se forem dadas ordens
ou instruções legais (ilegalidade que não constitua crime nem produza nulidade), o
funcionário ou agente que lhes der cumprimento só ficará excluído da
responsabilidade pelas consequências da execução da ordem se antes da execução
tiver reclamado ou tiver exigido a transmissão ou confirmação delas por escrito
(LGTFP, art.º 177, n.º 1,2 e 4).

 Se o funcionário ou agente tiver reclamado ou exigido a transmissão ou


confirmação da ordem por escrito, duas hipóteses se podem verificar, enquanto
não chega a resposta do superior hierárquico (LGTFP, art.º 177, n.º 3):

a) A execução da ordem pode ser demorada sem prejuízo para o interesse público:
o funcionário ou agente pode legitimamente retardar a execução até receber a
resposta do superior, sem que por esse motivo incorra em desobediência.

b) A demora na execução da ordem pode causar prejuízo au interesse público: o


funcionário ou agente subalterno deve comunicar logo por escrito ao seu imediato
superior hierárquico os termos exatos da ordem recebida e do pedido formulado,
bem como a não satisfação deste, e logo a seguir executará a ordem, sem que por
esse motivo possa ser responsabilizado.

 As leis ordinárias que imponham o dever de obediência a ordens ilegais só serão


legítimas se, e na medida em que, puderem ser consideradas conformes à
Constituição. Ora, esta é claríssima ao exigir a subordinação dos órgãos e agentes
administrativos à lei – princípio da legalidade (art.º 266, n.º 2).

 Há, no entanto, um preceito constitucional que expressamente legitima o dever de


obediência às ordens ilegais que não impliquem a prática de um crime (CRP, art.º
271, n.º 3).

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1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 O dever de obediência a ordens ilegais é, na verdade, uma exceção ao princípio da


legalidade, mas é uma exceção que é legitimada pela própria Constituição. Isso não
significa, porém, que haja uma especial legalidade interna: uma ordem ilegal,
mesmo quando tenha de ser acatada, é sempre uma ordem ilegal, que
responsabiliza o seu autor e também a própria Administração. Não parece que faça
sentido admitir, num Estado de Direito, a figura de uma zona de legalidade especial
constituída por todas as ordens ilegais dadas pelos superiores hierárquicos a que
seja devida obediência.

 É preferível admitir que, por razões de eficácia administrativa, a Constituição


entende dever abrir uma ou outra exceção ao principio da legalidade.

3.3. Delegação de poderes:


3.3.1. Conceito:
 Por vezes sucede que a lei, atribuindo a um órgão a competência normal para a
prática de determinados atos, permite, no entanto, que esse órgão delegue noutro
uma parte dessa competência.

 A delegação de poderes (ou delegação de competência) é o ato pelo qual um


órgão da Administração, normalmente competente para decidir em determinada
matéria, permite, de acordo com a lei, que outro órgão ou agente pratique atos
administrativos sobre a mesma matéria.
São três os requisitos da delegação de poderes, de harmonia com a definição dada:
1. Em primeiro lugar, é necessária uma lei que preveja expressamente a faculdade de
um órgão delegar poderes noutro: é a chamada lei de habilitação.

 Porque a competência é irrenunciável e inalienável, só pode haver delegação de


poderes com base na lei. Por isso, a própria Constituição declara que nenhum
órgão de soberania, de região autónoma ou de poder local pode delegar os seus
poderes noutros órgãos, a não ser nos casos e nos termos expressamente previstos
na Constituição e na lei (art.º 111, n.º 2, CRP). Mas o art.º 36 do CPA, acentua bem
que os princípios da irrenunciabilidade e da inalienabilidade da competência não
impedem a figura da delegação de poderes (n.º 1 e 2).

2. Em segundo lugar, é necessária a existência de dois órgãos, ou de um órgão e um


agente, da mesma pessoa coletiva pública, ou de dois órgãos de pessoas coletivas
publicas distintas, dos quais um seja o órgão normalmente competente (o
delegante) e outro, o órgão eventualmente competente (o delegado).

3. Por ultimo, é necessária a prática do ato de delegação propriamente dito, isto é, o


ato pelo qual o delegante concretiza a delegação dos seus poderes no delegado,
permitindo-lhe a prática de certos atos na matéria sobre a qual é normalmente
competente.

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1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

3.3.2. Figuras afins:


a) Transferência legal de competências: quando esta ocorre consubstancia uma
forma de desconcentração originária, que se produz ope legis, ao passo que a
delegação de poderes é uma desconcentração derivada. Por outro lado, a
transferência legal de competências definitiva – até que uma lei porventura
disponha em sentido contrário –, enquanto a delegação de poderes é precária, pois
é livremente revogável pelo delegante.

b) Concessão: a concessão tem de semelhante com a delegação de poderes o ser um


ato translativo, e de duração em regra limitada. Mas difere dela na medida em que
tem por destinatário uma entidade privada, ao passo que a delegação de poderes é
dada a um órgão ou agente da Administração. Além disso, a concessão destina-se a
entregar a empresas o exercício de uma atividade económica lucrativa, enquanto
na delegação de poderes o delegado passa a exercer uma competência puramente
administrativa.

c) Delegação de serviços públicos: esta figura tem em vista transferir para entidades
particulares, embora aqui sem fins lucrativos, a gestão glocal de um serviço público
de caráter social ou cultural. Não é esse o objetivo nem o alcance da delegação de
poderes.

d) Representação: na representação, os atos que o representante pratica, pratica-os


em nome do representado, e os respetivos efeitos jurídicos vão-se produzir na
esfera jurídica deste. Diferentemente, na delegação de poderes, o delegado exerce
a competência delegada em nome proprio, pelo que os atos que pratica ao abrigo
da delegação persistem sempre como atos seus, e os respetivos efeitos inserem-se
na esfera jurídica da pessoa coletiva pública a que o delegado pertence.

e) Substituição: em direito público dá-se a substituição quando a lei permite que uma
entidade exerça poderes ou pratique atos que pertencem à esfera jurídica própria
de uma entidade distinta, de forma a que as consequências jurídicas do ato
recaiam na esfera do substituído. Ora, na delegação de poderes, o delegante não
invade a esfera própria do delegado, nem este invade a competência daquele. Por
outro lado, os atos praticados pelo delegado no exercício da delegação não se
projetam na esfera própria do delegante, continuam sempre a pertencer à do
delegado: o contrário se passa na substituição.

f) Suplência: quando o titular de um órgão administrativo não pode exercer o seu


cargo, por ausência, falta ou impedimento, ou por vacatura do cargo, a lei manda
que as respetivas funções sejam asseguradas, transitoriamente, por um suplente.
Por outro lado, na suplência há um só órgão, que passa a ter novo titular, ainda
que provisório; na delegação de poderes, pelo contrário, há sempre dois órgãos em
relação constante, o delegante e o delegado.

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1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

g) Delegação de assinatura: por vezes a lei permite que certos órgãos da


Administração incumbam um funcionário subalterno de assinar a correspondência
expedida em nome daqueles, a fim de os aliviar do excesso de trabalho não criativo
que de outra maneira os sobrecarregaria. Aqui, porém, não há delegação de
poderes, porquanto quem toma as decisões é o superior, cabendo ao subalterno
apenas assinar a correspondência.

h) Delegação tácita: por vezes, a lei, depois de definir a competência de um certo


órgão, A, determina que essa competência, ou parte dela, se considera delegada
noutro órgão, B, se e enquanto o primeiro, A, nada disser em contrário. A isto se
chama delegação tácita. Há quem considere esta figura como uma espécie do
género de delegação de poderes. Porém, nem o conceito, nem o regime, nem a
natureza da delegação tácita permitem enquadrá-la na delegação de poderes
propriamente dita: a delegação de poderes é uma forma de desconcentração
derivada, em que o poder de decisão do delegado resulta do ato de delegação
praticado pelo delegante; a chamada delegação tácita é antes uma forma de
desconcentração originária, na qual o delegante nada delega, porque, sem
necessidade de qualquer delegação, o poder de decidir pertence ope legis ao
impropriamente chamado delegado.

3.3.3. Espécies:
 Importa distinguir as espécies de habilitação para a prática de delegação de
poderes, e as espécies de delegações de poderes propriamente ditas.

a) Quanto à habilitação, ela pode ser genérica ou específica. No primeiro caso, e lei
permite que certos órgãos deleguem, sempre que quiseres, alguns dos seus
poderes em determinados outros órgãos, de tal modo que uma só lei de
habilitação serve de fundamento a todo e qualquer ato de delegação praticado
entre esses tipos de órgãos. É o que sucede, nos termos do art.º 44, n.º 3 e 4, do
CPA, nos casos seguintes:

 Delegação do superior no seu imediato inferior hierárquico.


 Delegação do órgão principal no seu adjunto ou substituto.
 Delegação dos órgãos colegiais no seu presidente.

 Em todos os casos, porém, a lei impõe uma limitação importante (CPA, art.º 44, n.º
3): neste tipo de delegações só podem ser delegados poderes para a prática de
atos de administração ordinária, por oposição aos atos de administração
extraordinária que ficam sempre indelegáveis, salvo lei de habilitação especifica.

 São atos de administração ordinária todos os atos não definitivos, bem como os
atos definitivos que sejam vinculados ou cuja discricionariedade não tenha
significado ou alcance inovador na orientação geral da entidade pública a que

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1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

pertence o órgão; se se tratar de seguir orientações gerais novas, ou de não seguir


as existentes, estaremos perante uma administração extraordinária.

b) Quanto às espécies de delegação, as principais são as seguintes:


 A delegação de poderes pode ser ampla ou restrita, conforme o delegante resolva
delegar uma grande parte dos seus poderes ou apenas uma pequena parcela deles.

 No que respeita ao objeto da delegação, esta pode ser específica ou genérica, isto
é, pode abranger a prática de um ato isolado ou permitir a prática de uma
pluralidade de atos: no primeiro caso, uma vez praticado o ato pelo delegado, a
delegação caduca (art.º 50, al. b), CPA); no outro, o delegado continua
indefinidamente a dispor de competência, a qual exercerá sempre que tal se torne
necessário.

 Há casos de delegação hierárquica, isto é, delegação dos poderes de um superior


hierárquico num seu subalterno, e casos de delegação não hierárquica, ou seja,
delegação de poderes de um órgão administrativo noutro órgão ou agente que não
dependa hierarquicamente do delegante. A primeira hipótese é a mais frequente
(delegação do Ministro no Diretor-Geral, ou deste no Diretor dos Serviços, ou deste
no Chefe de Divisão, etc.). Mas existem exemplos da segunda (delegação do
Conselho de Ministros em algum dos seus membros, do Primeiro-Ministro em
qualquer Ministro, dos Ministros nos Secretários de Estado, etc.).

 Outra classificação de delegação de poderes distingue entre a delegação


propriamente dita, e a subdelegação de poderes, que pode ser uma delegação de
2º grau, ou de 3º, ou de 4º, etc., conforme o número de subdelegações que forem
praticadas. A subdelegação é uma espécie do género delegação, porque é uma
delegação de poderes delegados.

3.3.4. Regime jurídico:


 A figura da delegação de poderes é genericamente regulada por um diploma básico
– o CPA (art.º 44 a 50) –, sem embargo de continuar a haver referencias à figura em
alguns diplomas especiais (Lei orgânica do Governo e a LAL (art.º 34)).

a) Requisitos do ato de delegação:

1. Quanto ao conteúdo: no ato de delegação, deve o órgão delegante especificar os


poderes que são delegados ou os atos que o delegado pode praticar (CPA, art.º 47,
n.º 1). É através desta especificação dos poderes delegados que se fica a saber se a
delegação é ampla ou restrita, e genérica ou específica. A indicação do conteúdo
da competência delegada deve ser feita positivamente, isto é, por enumeração
explicita dos poderes delegados ou dos atos que o delegado pode praticar. O
conteúdo do ato de delegação deve incluir a indicação da norma que atribui o

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1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

poder delegado, assim como da norma habilitadora da delegação (CPA, art.º 47,
n.º 2, 2ª parte).

2. Quanto à publicação: na falta de disposição legal especifica, a publicação dos atos


de delegação de poderes deve ser feita no Diário da República ou na publicação
oficial da entidade pública, assim como sítio institucional da Internet (CPA, Art.º
47, N.º 2, e 159).

3. Falta de algum dos requisitos exigidos por lei: os requisitos quanto ao conteúdo
são requisitos de validade, pelo que a falta de qualquer deles torna o ato de
delegação inválido; os requisitos quanto à publicação são requisitos de eficácia, de
onde se segue que a falta de qualquer deles torna o ato de delegação ineficaz.

b) Poderes do delegante: uma vez conferida a delegação de poderes pelo delegante


ao delegado, este adquire a possibilidade de exercer esses poderes para a
prossecução do interesse público.

 O delegante tem a faculdade de avocação de casos concretos compreendidos no


âmbito da delegação conferida (CPA, art.º 49, n.º 2): se avocar, e apenas quando o
fizer, o delegado deixa de poder resolver esses casos, que passam de novo para a
competência do delegante. Mas em cada momento há um único órgão
competente.

 Além do poder de avocação, o delegante tem ainda o poder de dar ordens,


diretivas ou instruções ao delegado, sobre o modo como deverão ser exercidos os
poderes delegados (CPA, art.º 49, n.º 1). Isto porque o delegante continua a ser o
órgão responsável pela totalidade da função.

 O delegante pode eliminar qualquer ato praticado pelo delegado ao abrigo da


delegação – quer por o considerar ilegal (anulação), quer sobretudo por o
considerar inconveniente (revogação em sentido estrito).

 Algumas das leis especiais dão ao delegante o direito de ser informado dos atos
que o delegado for praticando ao abrigo da delegação – ou, o que vem a dar no
mesmo, impõem ao delegado o dever de manter o delegante informado sobre o
assunto.

c) Requisitos dos atos praticados por delegação: os atos administrativos praticados


pelo delegado ao abrigo da delegação devem obediência estrita aos requisitos de
validade fixados na lei. Para além disso a sua legalidade depende ainda da
existência, validade e eficácia do ato de delegação, ficando irremediavelmente
inquinados pelo vicio de incompetência se a delegação ao abrigo da qual forem
praticados for inexistente, inválida ou ineficaz.

 Os atos do delegado devem conter a menção expressa de que são praticados por
delegação, identificando-se o órgão delegante (CPA, art.º 48, n.º 1, e 151, n.º 1, al.

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a)). Esta menção é relevante na medida em que pode condicionar a escolha da via
de impugnação adequada, pelo particular que queira questionar a validade do ato
praticado.

d) Natureza dos atos do delegado:


 A regra geral é de que os atos do delegado são definitivos nos mesmos termos em
que o seriam se tivessem sido praticados pelo delegante. Esta regra decorre do n.º
5, do art.º 44, do CPA e corresponde a um princípio jurisprudencial bem
consolidado.

 Segundo o disposto no n.º 2, do art.º 199, do CPA, o recurso dos atos do delegado
para o delegante só podem ter lugar por expressa disposição legal.

 Não é, todavia, isenta de dúvidas a articulação deste regime com o que se dispõe
quanto aos poderes do delegante sobre os atos do delegado no art.º 49, n.º 2,
onde é consagrada com caráter de princípio geral a competência para anular,
revogar ou substituir tais atos. Tem-se entendido que nos casos em que a lei
confira a um órgão poderes de revogação oficiosa de certos atos existirá também a
possibilidade de os interessados impugnarem tais atos.

e) Extinção da delegação: é evidente que se a delegação dor conferida apenas para a


prática de um único ato, ou para ser usada unicamente durante certo período,
praticado aquele ato ou decorrido este período a delegação caduca (CPA, art.º 50,
al. b), 1ª parte). Porém, há dois outros motivos de extinção que merecem
referencia:

1. A delegação pode ser extinta por anulação ou revogação: o delegante pode, em


qualquer momento e sem necessidade de fundamentação, pôr termo à delegação
(CPA, art.º 50, al. a)). A delegação de poderes é, pois, um ato precário.
2. A delegação extingue-se por caducidade sempre que mudar a pessoa do
delegante ou a do delegado (CPA, art.º 50, al. b), 2ª parte). A delegação de
poderes é, pois, um ato praticado intuitu personae.

f) Regime jurídico da subdelegação: salvo disposição legal em contrário, qualquer


delegante pode autorizar o delegado a subdelegar (art.º 46, n.º 1): passou, pois, a
haver uma habilitação genérica permissiva de todas as subdelegações de 1º grau.

 Quanto às subdelegações de 2º grau e subsequentes, a lei dispensa quer a


autorização prévia do delegante, quer a do delegado (subdelegante), e entrega-as
à livre decisão do subdelegado (ou dos subsequentes subsubdelegados), salvo
disposição legal em contrário ou reserva expressa do delegante ou do
subdelegante (CPA, art.º 46, n.º 2).

 Quanto ao mais, o regime das subdelegações de poderes é idêntico ao da


delegação, no tocante aos requisitos de subdelegação, aos requisitos dos atos

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1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

praticados pelo subdelegado, aos poderes do subdelegante e à extinção da


subdelegação (CPA, art.º 47 a 50).

3.3.5. Natureza jurídica da delegação de poderes:


Pode dizer-se que há três conceções principais acerca da natureza da delegação:
1. A primeira é a tese da alienação: de acordo com esta tese, a delegação de poderes
é um ato de transmissão ou alienação de competência do delegante para o
delegado: a titularidade dos poderes, que pertencia ao delegante antes da
delegação, passa por força desta, e com fundamento na lei de habilitação, para a
esfera da competência do delegado.

2. A segunda é a tese da autorização: de acordo com esta tese, a competência do


delegante não é alienada nem transmitida, no todo ou em parte, para o delegado.
O que se passa é que a lei da habilitação confere desde logo uma competência
condicional ao delegado, sobre as matérias em que permite a delegação. Antes da
delegação, o delegado já é competente: só que não pode exercer essa sua
competência enquanto o delegante lho não permitir. O ato de delegação visa, pois,
facultar ao delegado o exercício de uma competência que, embora condicionada à
obtenção de uma permissão do delegante, já é uma competência do delegado.

3. A terceira é a tese da transferência de exercício: de acordo com esta tese, a


delegação de poderes não é uma alienação, porque o delegante não fica alheio à
competência que decida delegar, nem é uma autorização, porque antes de o
delegante praticar o ato de delegação o delegado não é competente: a
competência advém-lhe do ato de delegação, e não da lei da habilitação. Por outro
lado, a competência exercida pelo delegado com base na delegação de poderes
não é uma competência própria, mas uma competência alheia (do delegante).
Logo, a delegação de poderes constitui uma transferência do delegante para o
delegado: não, porém, uma transferência da titularidade dos poderes, mas uma
transferência do exercício de poderes.

 Conclui-se que a melhor construção é a que vê na delegação de poderes um ato


que transfere para o delegado o exercício de uma competência própria do
delegante. Ou seja, a competência do delegado só existe por força do ato de
delegação; e o exercício dos poderes delegados é o exercício de uma competência
alheia, não é o exercício de uma competência própria. O delegado, quando exerce
os poderes delegados, está a exercer uma competência do delegante, não está a
exercer uma competência própria. Esclareça-se, todavia, que o delegado exerce a
competência do delegante em nome proprio: trata-se do exercício em nome
proprio de uma competência alheia.

 A delegação de poderes tem a natureza de uma transferência de exercício da


competência, e não de uma transferência de titularidade da competência. A

50
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titularidade não é transferida, permanece sempre no delegante, o que justifica que


ele possa revogar a delegação, que possa em certos casos revogar os atos
praticados no exercício da delegação, que tenha o poder de orientação, que tenha
o poder de avocação, etc.

 Mais precisamente, o delegado recebe a faculdade de exercer uma parte da


competência do delegante e, mesmo quanto a essa parte, a sua faculdade de
exercício é limitada pelo alcance dos poderes de superintendência e controlo do
delegante (avocação, orientação, revogação dos atos, revogação da própria
delegação). E o delegante não transfere para o delegado o exercício de toda a sua
competência: mesmo as matérias em que delegou, ele conserva poderes de
exercício que já tinha e adquire, por efeito do proprio mecanismo da delegação,
poderes que antes dela não tinha (poder de avocação, poder de orientação, poder
de fazer cessar a delegação).

 A delegação de poderes é, pois, um ato que transfere, com limites e


condicionamentos, uma parte do exercício da competência do delegante.

 A delegação de poderes é uma transferência de exercício. Esta conceção tem


consequências práticas importantes, que convém referir:
a) Dela resulta que o potencial delegado não pode requerer ao delegante que
delegue a sua competência: não tem legitimidade para fundamentar a pretensão
de requerer uma delegação de poderes em seu favor; tem de aguardar que o
delegante lhe confira ou não, conforme melhor entender.

b) Se o potencial delegado praticar atos a descoberto, ou seja, se praticar atos


compreendidos no âmbito da matéria delegável, mas que ainda não foram
efetivamente objeto de uma delegação, tais atos estão viciados de incompetência
– e não de simples vicio de forma, como seria o caso se se seguisse a tese da
autorização.

c) No caso de o potencial delegado não ser um órgão da Administração, mas um


simples agente, se ele praticar um ato compreendido no âmbito da matéria
delegável, mas sem que efetivamente tenha havido delegação, estaremos perante
um caso de inexistência jurídica desse ato, porque os atos administrativos têm de
provir sempre de órgãos da Administração ou de autoridades devidamente
habilitadas para o exercício de poderes jurídico-administrativos.

3.4. Integração e devolução dos poderes:


3.4.1. Conceito:
 Os interesses públicos a cargo do Estado, ou de qualquer outra pessoa coletiva de
fins múltiplos, podem ser mantidos pela lei no elenco das atribuições da entidade a
que pertencem, ou podem ser transferidos para uma pessoa coletiva pública de
fins singulares, especialmente incumbida de assegurar a sua prossecução (instituto
51
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

público, empresa pública). Reside nessa alternativa a distinção entre as noções de


integração e de devolução dos poderes.

 Entende-se por integração o sistema em que todos os interesses públicos a


prosseguir pelo Estado, ou pelas pessoas coletivas de população e território, são
postos por lei a cargo das próprias pessoas coletivas a que pertencem.

 Considera-se devolução dos poderes o sistema em que alguns interesses públicos


do Estado, ou de pessoas coletivas de população e território, são postos por lei a
cargo de pessoas coletivas públicas de fins singulares. A expressão devolução de
poderes é usada para designar o movimento da transferência de atribuições, do
Estado para outra entidade.

3.4.1.1. Vantagens e inconvenientes:


 A principal vantagem da devolução de poderes é a de permitir maior comodidade
e eficiência na gestão, de modo que a Administração Pública funcione de forma
mais eficiente, uma vez que se descongestionou a gestão da pessoa coletiva
principal.

 Os inconvenientes da devolução de poderes são a proliferação de centros de


decisão autónomos, de patrimónios separados, de fenómenos financeiros que
escapam em boa parte ao controlo global do Estado. Como tudo o que é
descentralização ou desconcentração, o perigo é o da desagregação, da
pulverização do poder, e, portanto, do descontrolo de um conjunto demasiado
disperso.

 A tendência atual é para aceitar como positivo o sistema de devolução de poderes,


mas contendo-o dentro de limites razoáveis, ou obrigando mesmo a reduzir o
número porventura excessivo de institutos públicos, de empresas públicas ou de
associações públicas.

3.4.2. Regime jurídico:


 A devolução de poderes é sempre feita por lei. Os poderes transferidos são
exercidos em nome próprio pela pessoa coletiva pública criada para o efeito. Mas
são exercidos no interesse da pessoa coletiva que os transferiu, e sob orientação
dos respetivos órgãos.

 As pessoas coletivas públicas que recebem devolução de poderes são entes


auxiliares ou instrumentais, ao serviço da pessoa coletiva de fins múltiplos que as
criou.

 Não são os órgãos das entidades (salvo as exceções legais) que podem traçar as
linhas gerais de orientação da sua própria atividade. Quem define a orientação

52
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

geral da atividade desses organismos é o Estado, ou a pessoa coletiva de fins


múltiplos que os criou; não são os próprios institutos ou empresas. Eles dispõem
de autonomia de gestão, mas não são organismos independentes. São organismos
dependentes, ao contrário das autarquias locais, que a nossa lei expressamente
considera como independentes.

 Toda a autarquia local rem o direito de elaborar, discutir e aprovar livremente, sem
qualquer interferência do Estado, o seu plano de atividades para cada ano, bem
como o respetivo orçamento. No caso dos institutos públicos e das empresas
públicas, eles preparam e elaboram o plano de atividades e o orçamento para o
ano seguinte, mas quem os aprova é o Governo.

 Os organismos que recebem uma devolução de poderes, porque são


independentes e exercem uma administração indireta – não podem traçar eles
próprios o rumo ou definir as grandes orientações da sua atividade.

3.5. Sujeição à tutela administrativa e à superintendência:


 Os institutos públicos e as empresas públicas estão sujeitos a tutela administrativa.
Não se pense que, pelo facto de essas entidades se encontrarem, também, sujeitas
a superintendência não se acham submetidas a tutela. Existe, nos termos da
legislação portuguesa, tutela administrativa sobre tais entidades, embora o
respetivo regime jurídico possa ser, e em vários casos seja, diverso do da tutela
sobre as autarquias locais.

 Mas as entidades que exercem administração indireta por devolução de poderes


estão sujeitas a mais do que isso: além da tutela administrativa, elas estão sujeitas
ainda a uma outra figura, a um outro poder ou conjunto de poderes do Estado, a
que a Constituição chama superintendência (CRP, art.º 199, al. d)).

 A superintendência é o poder conferido ao Estado, ou a outra pessoa coletiva de


fins múltiplos, de definir os objetivos e guiar a atuação das pessoas coletivas
públicas de fins singulares colocadas por lei na sua dependência.

 É, pois, um poder mais amplo, mais intenso, mais forte, do que a tutela
administrativa. Porque esta tem apenas por fim controlar a atuação das ntidades a
ela sujeitas, ao passo que a superintendência se destina a orientar a ação das
entidades a ela submetidas.

 Num caso, são as próprias entidades autónomas que definem os objetivos da sua
atuação e a vão conduzindo por si próprias, embora sujeitas ao controlo de uma
entidade exterior; no outro caso, é a entidade exterior que define os objetivos e
guia, nas suas linhas gerais, a atuação das entidades subordinadas, dispondo estas
apenas de autonomia para encontrar as melhores formas de cumprir as
orientações que lhes são traçadas.

53
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 A distinção entre tutela administrativa e superintendência tem hoje uma base


jurídica no art.º 199 da CRP. Dessa definição surgem três realidades distintas:

1. A administração direta do Estado: o Governo está em relação a ela na posição de


superior hierárquico, dispondo normalmente do poder de direção.

2. A administração indireta do Estado: ao Governo cabe sobre ela a


responsabilidade da superintendência, possuindo designadamente o poder de
orientação.

3. A administração autónoma: pertence ao Governo desempenhar quanto a ela a


função da tutela administrativa, competindo-lhe exercer em especial um conjunto
de poderes de controlo.

 A superintendência difere tanto dos poderes de controlo típicos da tutela


administrativa como do poder de direção típico da hierarquia.

 Por um lado, a superintendência é um poder mais forte do que a tutela


administrativa, porque é o poder de definir a orientação da conduta alheia,
enquanto a tutela administrativa é apenas o poder de controlar a regularidade ou a
adequação do funcionamento de certa entidade: a tutela controla, a
superintendência orienta.

 Por outro lado, a superintendência difere também do poder de direção, típico da


hierarquia, e é menos forte do que ele, porque o poder de direção do superior
hierárquico consiste na faculdade de dar ordens ou instruções, a que corresponde
o dever de obediência a umas e outras, enquanto a superintendência se traduz
apenas numa faculdade de emitir diretivas ou recomendações.

 As ordens são comandos concretos, específicos e determinados, que impõem a


necessidade de adotar imediata e completamente uma certa conduta.

 As diretivas são orientações genéricas, que definem imperativamente os objetivos


a cumprir pelos seus destinatários, mas que lhes deixam liberdade de decisão
quanto aos meios a utilizar e às formas a adotar para atingir esses objetivos.

 As recomendações são conselhos emitidos sem a força de qualquer sanção para a


hipótese de não cumprimento.

 Sobre as pessoas coletivas de fins singulares que desempenham funções de


administração indireta por efeito de uma devolução de poderes, o Estado ou as
outras pessoas coletivas territoriais exercem poderes de tutela administrativa e de
superintendência. Através dos primeiros, controlam a legalidade e o mérito da
atuação daquelas; mediante os segundos, orientam essa mesma atuação.

54
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

3.5.1. Natureza jurídica da superintendência:


Três orientações principais são possíveis:
1. A superintendência como tutela reforçada: é a conceção mais generalizada entre
os juristas. Corresponde à ideia de que sobre os institutos públicos e as empresas
públicas os poderes da autoridade responsável, são poderes de tutela. Como
comportam mais uma faculdade do que as normalmente compreendidas na tutela,
isto é, o poder de orientação, entende-se que a superintendência é uma tutela
mais forte, ou melhor, é a modalidade mais forte da tutela administrativa.

2. A superintendência como hierarquia enfraquecida: é a conceção que mais


influencia na prática a nossa Administração. Considerando, nomeadamente, que o
poder de orientação, a faculdade de emanar diretivas e recomendações, não é
senão um certo enfraquecimento do poder de direção, ou faculdade de dar ordens
e instruções.

3. A superintendência como poder de orientação: é a conceção que se destaca.


Consiste fundamentalmente em considerar que a superintendência não é uma
espécie de tutela nem uma espécie de hierarquia, mas um tipo autónomo, sui
generis, situado a meio caminho entre uma e outra, e com uma natureza própria.

 Conclui-se, portanto, que a superintendência tem a natureza de um poder de


orientação. Nem mais, nem menos: não é tanto como um poder de direção, mas é
mais d que um poder de controlo.

4. Setores da Administração Pública portuguesa e tipologia e regime daas


pessoas coletivas públicas
4.1. Noções gerais:
 A palavra Estado tem várias aceções, das quais as mais importantes são a aceção
internacional, a aceção constitucional e a aceção administrativa.

 A aceção internacional, trata-se do Estado soberano, titular de direitos e


obrigações na esfera internacional.

 Na aceção constitucional, surge-nos o Estado como comunidade de cidadãos que,


nos termos do poder constituinte que a si própria atribui, assume uma
determinada forma política para prosseguir os seus fins nacionais.

 Na aceção administrativa, o Estado é a pessoa coletiva pública que, no seio da


comunidade nacional, desempenha, sob a direção do Governo, a atividade
administrativa.

 Enquanto membro da sociedade internacional, não importa à qualificação do


Estado a sua Constituição, o seu regime político ou o seu sistema económico-social:

55
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

segundo o princípio da identidade e permanência do Estado, mesmo em caso de


revolução que modifique radicalmente as instituições, o Estado mantém-se
inalterável no plano internacional, continuando titular dos direitos e vinculado às
obrigações provenientes do regime anterior.

 A caracterização do Estado no campo constitucional tem de levar em conta a sua


forma política interna.

 Na configuração do Estado como entidade jurídico-administrativa, são de todo


irrelevantes os aspetos ligados à capacidade internacional ou à forma política
interna do Estado. O que mais releva, no plano administrativo, é a orientação
superior do conjunto da administração publica do Governo (CRP, art.º 199, al. d)),
é a distribuição das competências pelos diferentes órgãos centrais e ocais, e é a
separação entre o Estado e as demais pessoas coletivas públicas.

 A capacidade, a competência e a autoridade do Estado são muito diferentes


conforme o plano em que a questão seja encarada. Como entidade internacional, o
Estado é soberano (ou semi-soberano). Como entidade constitucional, o Estado
pode não ser independente (estão nesta hipótese os Estados membros de uma
federação, ou de uma união real), mas goza sempre do poder constituinte – o que
lhe permite alterar a sua forma política – e exerce a função legislativa. Enquanto
entidade administrativa, o Estado não é soberano nem tem poderes constituintes:
exerce apenas um poder constituído, juridicamente subordinado à Constituição e
às leis, e só secundariamente pode participar, em certos termos, da função
legislativa (CRP, art.º 198).

4.2. O estado como pessoa coletiva:


 Nos quadros do Direito Administrativo, a figura do Estado-administração, que é
uma entidade jurídica de per si, ou seja, é uma pessoa coletiva pública entre muitas
outras.

 O Estado-administração, é uma pessoa coletiva pública autónoma, não confundível


com os governantes que o dirigem, nem com os funcionários que o servem, nem
com as outras entidades autónomas que integram a Administração, nem com os
cidadãos que com ele entram em relação.

 Não se confundem Estado e governantes: o Estado é uma organização


permanente; os governantes são indivíduos que transitoriamente desempenham
as funções dirigentes dessa organização.

 Não se confundem Estado e funcionários: o Estado é uma pessoa coletiva, com


património proprio; os funcionários são indivíduos que atuam ao serviço do Estado
mas que mantêm a sua individualidade humana e jurídica. Se um funcionário age
como sujeito privado, é o seu património pessoal que responde pelas dívidas
contraídas ou pelos danos causados a outrem; se o mesmo individuo age como
56
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

funcionário, então é o património do Estado que em princípios será responsável


pelas dívidas assumidas ou pelos danos provocados.

 Não se confundem Estado e outras entidades administrativas: o interesse prático


maior do recorte da figura do Estado-administração reside, justamente, na
possibilidade assim aberta de separar o Estado das outras pessoas coletivas
públicas que integram a Administração. Constituem unidades distintas, cada qual
com a sua personalidade jurídica, com o seu património proprio, com os seus
direitos e obrigações, com as suas atribuições e competências, com as suas
finanças, com o seu pessoal, etc.

 Não se confundem Estado e cidadãos: a personificação jurídica do Estado-


administração permite construir como autenticas relações jurídicas as relações
travadas entre o Estado e os cidadãos. Nestas relações, nem sempre o Estado
figura como autoridade e os cidadãos como administrados: muitas vezes é o
cidadão que atua como sujeito ativo, no exercício de direitos, e é o Estado que
surge como sujeito passivo, no cumprimento de deveres.

 A técnica jurídica adotada atribui personalidade jurídica ao Estado.


Consequentemente, considera o Presidente da República, a Assembleia da
República, o Governo e os tribunais como órgãos do Estado. A qualificação do
Estado como pessoa coletiva pública decorre da própria Constituição.
As principais consequências da qualificação do Estado como pessoa coletiva pública
são as seguintes:
a) Distinção entre o Estado e outros sujeitos de direito, sejam eles pessoas físicas ou
pessoas coletivas.
b) Enumeração, constitucional e legal, das atribuições do Estado.
c) Estabelecimento, por via constitucional ou legal, de órgãos do Estado.
d) Definição das atribuições e competências a cargos dos diversos órgãos do Estado.
e) Possibilidade de distinção entre órgãos e representantes, permanentes ou
ocasionais, do Estado.
f) Existência de funcionários do Estado, categoria distinta dos funcionários das
autarquias locais ou das regiões autónomas, bem como diferente da dos
trabalhadores das empresas publicas.
g) Previsão da prática de atos jurídicos do Estado, nomeadamente atos unilaterais e
contratos.
h) Delimitação do património do Estado, correspondente aos bens e direitos
patrimoniais da pessoa coletiva Estado.
i) Entre o Estado e qualquer outra pessoa coletiva pública não há litispendência, nem
caso julgado.
j) As restantes pessoas coletivas públicas são terceiros face ao Estado.

4.2.1. Espécies de administração do Estado:

57
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 Há que saber distinguir entre administração central do Estado e administração


local do Estado.

 Nem todos os órgãos e serviços do Estado exercem competência extensiva a todo o


território nacional; nem todos são, pois, órgãos e serviços centrais. Há também
órgãos e serviços locais, instalados em diversos pontos do território nacional e com
competência limitada a certas áreas (circunscrições). Num caso, fala-se de
administração central do Estado; no outro, de administração local do Estado.

 A segunda distinção relevante é a que separa a administração direta do Estado da


administração indireta do Estado.

 Trata-se de uma classificação que vem referida no art.º 199, al. d), da CRP. A
diferença está no seguinte: a administração direta do Estado é a atividade exercida
por serviços integrados na pessoa coletiva do Estado, ao passo que a administração
indireta do Estado é uma atividade que, embora desenvolvida para a realização dos
fins do Estado, é exercida por pessoas coletivas públicas distintas do Estado.

4.3. Administração direta do Estado:


Os principais caracteres específicos do Estado e da sua administração direta são os
seguintes:
a) Unicidade: o Estado é a única espécie deste género. Enquanto ao conceito de
autarquia local correspondem alguns milhares de entes autárquicos, ao conceito
de Estado pertence apenas um ente – o proprio Estado.

b) Caráter originário: todas as outras pessoas coletivas públicas são sempre criadas
ou reconhecidas por lei ou nos termos da lei. O estão não: a pessoa coletiva do
Estado não é criada pelo poder constituído. Tem natureza originária, não derivada.
Por isso mesmo vários dos seus órgãos são órgãos de soberania.

c) Territorialidade: o Estado é uma pessoa coletiva de cuja natureza faz parte um


certo território, o território nacional. O Estado é a primeira, e a mais importante,
das chamadas pessoas coletivas de população e território. Todas as parcelas
territoriais, mesmo que afetas a outras entidades estão sujeitas ao poder do
Estado. Todos os indivíduos residentes no território nacional, mesmo que
estrangeiros ou apátridas, estão submetidos aos poderes do Estado-administração.

d) Multiplicidade de atribuições: o Estado é uma pessoa coletiva de fins múltiplos,


podendo e devendo prosseguir diversas e variadas atribuições.

e) Pluralismo de órgãos e serviços: são numerosos os órgãos do Estado, bem como


os serviços públicos que auxiliam esses órgãos. O Governo, os membros do
Governo individualmente considerados, os diretores-gerais, os diretores de
finanças, são órgãos do Estado. Os ministros, as secretarias de Estado, as direções-

58
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

gerais, os governos civis, as repartições de finanças, são serviços públicos do


Estado.

f) Organização em ministérios: os órgãos e serviços do Estado-administrativo, a nível


central, estão estruturados em departamentos, organizados por assuntos ou
matérias, os quais se denominam ministérios. O mesmo não sucede nas autarquias
locais ou nos institutos públicos.

g) Personalidade jurídica una: apesar da multiplicidade das atribuições, do pluralismo


dos órgãos e serviços, e da divisão em ministérios, o Estado mantém sempre uma
personalidade jurídica una. Todos os ministérios pertencem ao mesmo sujeito de
direito, não são sujeitos de direito distintos: os ministérios e as direções-gerais não
têm personalidade jurídica.

h) Instrumentalidade: a administração do Estado é subordinada, não é independente


nem autónoma (salvo exceções legais). Constitui um instrumento para o
desempenho dos fins do Estado. É por isso que a Constituição submete a
administração direta do Estado, civil e militar, ao poder de direção do Governo
(art.º 199, al. d)).

i) Estrutura hierárquica: a administração direta do Estado acha-se estruturada em


termos hierárquicos, isto é, de acordo com um modelo de organização
administrativa constituído por um conjunto de órgãos e agentes ligados por um
vinculo jurídico que confere ao superior o poder de direção e ao subalterno o
dever de obediência.

j) Supremacia: o Estado-administração, dado o seu caráter único, originário e


instrumental em relação aos fins do Estado, exerce poderes de supremacia não
apenas em relação aos sujeitos de direito privado, mas também sobre as outras
entidades públicas. O grau ou intensidade desses poderes varia conforme a maior
ou menor autonomia que a ordem jurídica pretende conceder às várias pessoas
coletivas públicas.

4.3.1. Atribuições do Estado:


 Ao falar-se de atribuições, isto é, fins ou objetivos que o Estado se propõe atingir,
tem de se tomar consciência de uma diferença radical que separa o Estado das
demais pessoas coletivas públicas que integram a Administração. É que, enquanto
relativamente a estas outras pessoas coletivas públicas, as atribuições são
claramente determinadas em textos legais que as enunciam, o mesmo não
acontece com o Estado. Quanto ao Estado não há um diploma legal, não há uma
lista, não há um catálogo que enuncie as suas atribuições. O que há são centenas,
senão milhares, de diplomas legais que a propósito de uma ou outra matéria vêm
conferir determinadas atribuições ao estado. Em qualquer caso a definição das
respetivas atribuições pertence sempre à lei.

59
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

Quanto à classificação das atribuições do Estado elas agrupam-se em três categorias:


atribuições principais, atribuições auxiliares e atribuições de comando.
1. Dentro das atribuições principais do Estado, importa considerar quatro grupos:
a) Atribuições de soberania, incluindo defesa nacional, polícia, prisões, entre outras.

b) Atribuições económicas, incluindo as relativas à moeda, ao crédito, ao imposto, ao


comercio externo, aos preços, e à produção nos diversos setores produtivos, tais
como agricultura, comercio, industrias, pesca, transportes, etc.

c) Atribuições sociais, incluindo a saúde, a segurança social, a habitação, o urbanismo,


etc.

d) Atribuições educativas e culturais, incluindo o ensino, a investigação cientifica, o


fomento do desporto, da cultura, etc.

2. Quanto às atribuições auxiliares há a mencionar as seguintes:


a) Gestão pessoal.
b) Gestão do material.
c) Gestão financeira.
d) Funções jurídicas e de contencioso.
e) Funções de arquivo e documentação.

3. No grupo das atribuições de comando, isto é, que se destinam a preparar e


acompanhar as tomadas de decisão pela chefia, surgem as seguintes:
a) Estudos e planeamento.
b) Previsão.
c) Organização.
d) Controlo.
e) Relações públicas.

 É na constituição que vêm enumeradas as mais importantes atribuições do Estado.


Contudo, o Estado tem muitas mais atribuições do que aquelas que lhes são fixadas
pela Constituição. A lei ordinária pode cometer ao Estado outras atribuições para
além daquelas que a constituição lhe impõe: não pode dispensar o Estado de
cumprir as atribuições que a Constituição lhe fixa, mas pode acrescentar outras.

 Designadamente, é possível encontrar muitas outras atribuições do Estado nas leis


orgânicas dos diferentes ministérios e, em especial, nas leis orgânicas das direções-
gerais dos ministérios.

 Em termos práticos, pois, para se conhecer as atribuições do Estado, tem de se


lançar mão das leis orgânicas e regulamentos dos ministérios e das direções-gerais,
ou organismos equiparados, que integrem a administração central do Estado.

60
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

4.3.2. Órgãos do Estado:


 O Estado tem os seus órgãos, aos quais compete tomar decisões em nome da
pessoa coletiva a que pertencem.

 Os principais órgãos do Estado são o Presidente da República, a Assembleia da


República, o Governo e os Tribunais. Destes, o principal órgão administrativo do
Estado é o Governo.

 Órgãos não administrativos do Estado: alguns órgãos indicados não são órgãos
administrativos, mas são órgãos de outros poderes do Estado. É o caso dos
Tribunais que formam o poder judicial; e também da Assembleia da República que
constitui o poder legislativo.

 E o Presidente da República não deve ser, certamente, um órgão administrativo.


Deve apenas ser um órgão político. No sistema constitucional português o
Presidente da República é um órgão político, mas não é um órgão administrativo.

 É certo que, na Constituição, alguns preceitos parecem conferir ao Presidente da


República determinadas atribuições administrativas (ex: art.º 133, al. m); art.º 135,
al. a).

 Trata-se de fazer intervir o Presidente da República para, com a sua assinatura,


conferir solenidade especial é investidura de determinados funcionários, não se
trata de fazer dele um órgão administrativo colocado no plano dos demais órgãos
da Administração e submetido ao respetivo regime jurídico. Ele intervém
sobretudo na forma externa dos atos de nomeação, que são praticados sob
proposta do governo, não podendo, portanto, o Presidente da República tomar a
iniciativa de escolher quem entender para os lugares em causa. Pode, é certo,
negar-se a apor a sua assinatura em determinadas nomeações pretendidas pelo
Governo: mas tal atitude deve considerar-se como um veto político, e não como
um ato administrativo.

 Tanto o Presidente da República, como a Assembleia da República, como certos


órgãos do poder judicial podem segundo a lei praticar atos materialmente
administrativos, sujeitos a controlo pelos tribunais administrativos. Mas nem por
isso se tornam, organicamente, elementos da Administração Pública.

 O Governo além de ser um órgão político, é um órgão administrativo a título


principal, permanente e direto. Pode mesmo dizer-se que o Governo é o principal
órgão permanente e direto do Estado, com caráter administrativo.

4.4. O Governo:

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1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 O Governo é, do ponto de vista administrativo, o órgão principal da administração


central do Estado, incumbido do poder executivo. No entanto, o que nos interessa
é estudar o Governo enquanto órgão administrativo.

4.4.1. Principais funções do Governo:


 Importa determinar a competência jurídica do Governo. A CRP dá as orientações
mais importantes sobre a matéria.

 O art. 182.º declara que “o Governo é o órgão de condução da política geral do país
e o órgão superior da administração pública”.

 Nos arts. 197.º e seguintes, a CRP desenvolve mais detalhadamente a matéria,


estabelecendo a competência do Governo: competência política no art. 197.º,
legislativa no art. 198.º e administrativa no art. 199.º.

Pode-se dizer que, do ponto de vista da competência do Governo, as suas principais


funções administrativas são:

 Garantir a execução das leis: é, nomeadamente, a matéria que consta da alínea c)


do art. 199.º – “fazer os regulamentos necessários à boa execução das leis” – e a al.
f) – “defender a legalidade democrática”.

 Assegurar o funcionamento da Administração Pública: esta função aparece


desdobrada em várias alíneas, como a a) – “elaborar e fazer executar os planos” –
a b) – “fazer executar o Orçamento de Estado” – a d) – “dirigir os serviços e a
atividade da administração direta do Estado, civil e militar, superintender na
administração indireta e exercer a tutela sobre esta e sobre a administração
autónoma” – e a e) – “praticar todos os atos exigidos pela lei respeitantes aos
funcionários e agentes do Estado e de outras pessoas coletivas públicas”. É através
destas tarefas que o Governo assegura o funcionamento normal da Administração
Pública.

 Promover a satisfação das necessidades coletivas, designadamente através do


desenvolvimento económico, social e cultural do país (art. 199.º al. g) CRP).

 Em resumo: pelas tarefas que estão cometidas ao Governo, pelo que lhe compete
fazer por si próprio ou mandar fazer a outros, por ser o órgão superior das
hierarquias da administração do Estado. E ainda por lhe caber fiscalizar ou orientar
as demais entidades públicas que, para além do Estado, fazem parte da
Administração, o Governo é o órgão principal da Administração Pública.

 Na verdade, o Governo não só dirige a administração direta do Estado, como


superintende na administração indireta e tutela tanto esta última como a
administração autónoma, isto é, controla as entidades públicas que fazem parte da
Administração, mas sem pertencerem ao Estado.

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1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 É nesta dupla qualidade, em que, por um lado, dirige a administração do Estado e,


por outro, superintende ou tutela toda a administração não estadual, que se pode
afirmar que o Governo é o órgão principal da Administração Pública.

 A competência do Governo sofre importantes limitações quando os governos se


encontram em situação de governos de gestão, por não terem ainda o seu
programa apreciado no Parlamento ou por serem governos demitidos ou
demissionários. É o que resulta do art. 186.º n.º 5 CRP “Antes da apreciação do seu
programa pela Assembleia da República, ou após a sua demissão, o Governo
limitar-se-á à prática dos atos estritamente necessários para assegurar a gestão
dos negócios públicos.”.

 Os atos que devem considerar-se vedados aos governos de gestão são, de um


modo geral, os pertencentes às funções política e legislativa. Mas o princípio da
limitação da competência dos governos de gestão também se repercute no
domínio próprio da função administrativa. Assim, devem ter-se por relativamente
proibidos, salvo casos de necessidade e urgência, os atos de alta administração,
também designados de administração extraordinária.

4.4.2. A competência do Governo e o seu exercício

 Estas funções do Governo traduzem-se, juridicamente, na prática de atos e no


desempenho de atividades da mais de diversa natureza.

 Para se desincumbir das tarefas administrativas que acabam de ser indicadas como
tarefas próprias do Governo, este elabora normas jurídicas (regulamentos), pratica
atos jurídicos sobre casos concretos (atos administrativos), celebra contratos de
vários tipos (contratos administrativos) e exerce, de um modo geral, determinados
poderes funcionais, como poderes de vigilância, de fiscalização, de tutela e de
superintendência.

Existem vários modos de exercício da competência do Governo:

 Pode exercer a sua competência por forma colegial, através do Conselho de


Ministros. As resoluções que tomar desta forma terão de ser adotadas por
consenso ou por maioria no Conselho de Ministros.

 Mas a competência do Governo também pode ser exercida individualmente, pelos


vários membros do Governo: ou pelo Primeiro-Ministro, ou por cada um dos
Ministros, Secretários de Estado ou Subsecretários de Estado que integram o
Governo.

 A competência colegial do Governo consta do art. 200.º CRP, bem como de


inúmeras leis que estabelecem a necessidade de o Conselho de Ministros reunir e
votar para se ocupar de determinados assuntos.

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1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 Na forma individual de exercício de competências do Governo, cada um dos


membros do mesmo, nas matérias das suas atribuições, decide sozinho, embora
em nome do Governo.

 No caso de uma lei atribuir determinados poderes ao Governo, sem especificar se


esses poderes têm de exercidos pelo Conselho de Ministros ou podem sê-lo pelo
Ministro da pasta a que os assuntos digam respeito, como saber se, na dúvida, no
silêncio da lei, a competência atribuída ao Governo deve ser exercida
coletivamente, ou pode ser exercida individualmente pelo Ministro competente?

 O Supremo Tribunal Administrativo (STA) considerou que o facto de uma lei se


referir ao Governo não implica, necessariamente, que a competência tenha de ser
exercida coletivamente pelo Conselho de Ministros. O STA declarou, e essa
declaração fez jurisprudência, que são os Ministros, singularmente considerados,
que exercem, em regra, as atribuições administrativas do Governo, na parte que
diga respeito à sua pasta. Assim, a palavra Governo tanto pode significar o órgão
colegial Conselho de Ministros, como os Ministros singularmente considerados.

 Deve entender-se, por conseguinte, que a atuação colegial do Governo só é


necessária naqueles casos em que a lei expressamente imponha que a deliberação
seja tomada pelo Conselho de Ministros.

4.4.3. A estrutura do Governo (art. 183.º CRP)

 A estrutura do Governo compreende as seguintes categorias de membros do


Governo:

 O Primeiro-Ministro;

 Os Vice-Primeiros-Ministros;

 Os Ministros;

 Os Secretários de Estado;

 Os Subsecretários de Estado.

 Destas cinco categorias, as duas únicas figuras consideradas essenciais são o


Primeiro-Ministro e os Ministros, as restantes são consideradas como eventuais.

4.4.3.1. O Primeiro-Ministro

 As funções do Primeiro-Ministro vêm reguladas no art. 201.º n.º 1 da CRP.

64
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 De um ponto de vista administrativo, o Primeiro-Ministro exerce dois tipos de


funções: funções de chefia e funções de gestão.

 No exercício das suas funções de chefia, este dirige o funcionamento do Governo e


coordena e orienta a ação de cada um dos Ministros (art. 201.º n.º 1 al. a)).

 Dentro destas mesmas funções, este ainda preside ao Conselho de Ministros (e por
isso é que por vezes o chefe do Governo se denomina “Presidente do Conselho de
Ministros”, referenda os decretos regulamentares e intervém pessoalmente na
nomeação de certos altos funcionários do Estado, por regra através de uma
decisão conjunta com o Ministro da respetiva pasta.

 No exercício das suas funções de gestão, compete ao Primeiro-Ministro


administrar ou gerir os serviços próprios da Presidência do Conselho (pois a
Presidência do Conselho é um departamento com numerosos serviços públicos,
que têm que ter quem os administre) e, ainda, orientar as diferentes Secretarias de
Estado que estejam integradas na Presidência do Conselho. Para além disso, é
tradicional que o Primeiro-Ministro se ocupe, em especial, de determinados
assuntos administrativos.

 Os assuntos do pessoal da função pública e da administração financeira do Estado,


nomeadamente a elaboração e execução do Orçamento, são acompanhados muito
de perto pelo Primeiro-Ministro, pois têm a ver com a direção e orientação de toda
a atividade do Estado.

 Cabe ao Primeiro-Ministro, também, enquanto chefe do Governo, representar o


Estado português quando este haja de ser citado perante tribunais estrangeiros.

4.4.3.2. Os outros membros do Governo

 O Primeiro-Ministro não atua sozinho, este tem ao seu lado uma equipa,
constituída pelos outros membros do Governo.

a) Vice-Primeiro-Ministro

 Art. 183.º n.º 2 CRP

 As funções dos Vice-Primeiros-Ministros são:

 Substituir o Primeiro-Ministro na sua ausência ou impedimento. Assim, cabe ao


Vice-Primeiro-Ministro, ou ao primeiro dos Vice-Primeiros-Ministros, presidir,
no lugar do Primeiro-Ministro, aos Conselhos de Ministros que se efetuarem, e
exercer todas as competências atribuídas pela CRO ou pela lei ao Primeiro-
Ministro, como se dele próprio se tratasse, enquanto durar a substituição.

65
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 No entanto, estes não têm apenas uma função de substituição: servem também
para coadjuvar ou auxiliar o Primeiro-Ministro no exercício das suas funções e, a
esse título, desempenharão todas as tarefas que a lei orgânica do Governo lhes
cometer ou que o Primeiro-Ministro neles designar.

b) Ministros, Secretários de Estado e Subsecretários de Estado

 Falar nestes é sublinhar que, dentro do Governo, existem categorias diferentes de


membros, e que nem todos eles têm o mesmo estatuto jurídico e político.
Contudo, seria um erro pensar-se que existe uma hierarquia dentro do Governo.
Há relações de supremacia ou subordinação política de uns face aos outros, mas
não há hierarquia em sentido jurídico.

O fenómeno de diferenciação interna deve-se:

 À complexidade e acréscimo de funções do Estado moderno, o que sobrecarrega


excessivamente os Ministros, a ponto de ser necessário fornecer-lhes auxiliares nas
suas funções;

 À propensão centralizadora do nosso sistema e dos governantes, que tendem a


chamar tudo a si e por isso não têm tempo de estudar e de decidir tudo;

 À necessidade de libertar do despacho corrente os Ministros para que estes se


possam dedicar, sobretudo, às suas funções políticas e de alta administração.

c) Os Ministros

 Os Ministros são os membros do Governo que participam no Conselho de


Ministros e exercem funções políticas e administrativas.

 Existe um importante princípio de organização do Governo, o princípio da


igualdade dos Ministros, segundo o qual todos os Ministros são iguais entre si, em
categoria oficial e em estatuto jurídico.

 No entanto, na prática não é bem assim.

 Enquanto o Direito Administrativo diz que os Ministros são juridicamente iguais


entre si, a Ciência da Administração Pública mostra que politicamente não o são e
que há, de facto, alguns Ministros mais importantes do que outros.

 Em todos os países, os Ministros mais importantes de um Governo para além dos


que possam coadjuvar imediatamente o Primeiro-ministro, são os Ministros das
Finanças, dos Negócios Estrangeiros, da Defesa Nacional e da Administração
Interna.

66
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 Destes todos, existe um que se destaca, não apenas pela importância das suas
funções, como nos outros casos, mas pelos poderes jurídicos especiais que lhe
pertencem: o Ministro as Finanças. Este tem a seu cargo, entre muitas outras, a
tarefa da preparação e execução do Orçamento de Estado. Consequentemente, ele
tem e exerce poderes de controlo sobre a atividade de todos os ministérios.

Aos Ministros compete:

 Fazer regulamentos administrativos no âmbito da atuação do seu ministério;

 Nomear, exonerar e promover o pessoal que trabalha no seu ministério;

 Exercer os poderes de superior hierárquico sobre todo o pessoal do seu ministério;

 Exercer poderes de superintendência ou de tutela sobre as instituições


dependentes do seu ministério ou por ele fiscalizadas;

 Assinar em nome do Estado os contratos celebrados com particulares ou outras


entidades, quando versem sobre matéria das atribuições do seu ministério;

 E, em geral, resolver casos concretos que por lei devam correr por qualquer dos
serviços que pertençam ao seu ministério.

 O princípio geral é de que tudo pode subir ao escalão superior para decisão,
mesmo o ato mais simples e mais banal.tutela

d) Os Secretários de Estado e Subsecretários de Estado

 A diferença entre os Secretários de Estado e os Subsecretários de Estado é que os


primeiros têm mais elevada categoria protocolar do que os segundos, e são os
principais colaboradores dos Ministros, cabendo-lhes a substituição destes em caso
de ausência ou impedimento (art. 185.º n.º 2 CRP).

 Já os Subsecretários de Estado se situam em escalão menos elevado e, em regra,


não despacham com o respetivo Ministro, mas sim com um Secretario de Estado.
Também os Subsecretários de Estado não são normalmente chamados a substituir
os Ministros, podendo, quanto muito, substituir os Secretário de Estado junto dos
quais atuam.

Principais traços do estatuto jurídico dos Secretários de Estado:

 Não participam das funções política e legislativa;

 Não participam, em regra, do Conselho de Ministros, salvo em substituição do


Ministro respetivo, mas podem participar nos Conselhos especializados;

 Só exercem competência administrativa delegada, sob a orientação direta dos


respetivos Ministros;
67
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 Não são hierarquicamente subordinados aos Ministros, mas estão sujeitos à


supremacia política destes: a sua competência é maior ou menor confirme o
âmbito da delegação recebida, mas não podem nunca revogar, modificar ou
suspender os atos dos Ministros;

4.4.3.3. O funcionamento do Governo

 É a própria Constituição que estabelece as principais regras de funcionamento do


Governo.

 primeiro momento, o Governo é constituído, nomeado e, a seguir à tomada de


posse, tem de elaborar o seu programa e apresentar-se com ele à AR para debate e
eventual votação. Neste primeiro momento procede-se, pois à adoçai do Programa
do Governo.

 Depois aparece o Conselho de Ministros a definir as linhas gerais da política


governamental (art. 200.º n.º 1 al. a) CRP).

 Uma vez definidas as linhas gerais da política governamental e da sua execução,


surge, num terceiro momento, o PM, por um lado, a dirigir a política geral do
Governo, coordenando e orientando a ação de todos os Ministros e, por outro
lado, a dirigir o funcionamento do Governo (art. 201.º n.º 1 al. a) e b) CRP).

 Finalmente, cabe aos Ministros, isto é, a cada um singularmente, executar a


política definida para os seus ministérios (art. 201.º n.º 2 al. a) CRP).

4.4.3.4. A coordenação ministerial

 Existem muitos assuntos que só podem ser resolvidos por decisão conjunta de dois
ou mais Ministros. Assim, todos os casos que tenham de correr simultaneamente
por dois ou mais ministérios, e cuja decisão implique acordo de dois ou mais
Ministros, exigem uma coordenação ministerial. Esta função pertence, em boa
parte, ao PM.

 No entanto, a coordena ao ministerial não é apenas e sempre exercida pelo PM.


Existem outros métodos:

1. Coordenação por acordo entre serviços dos diferentes ministérios: por exemplo,
se for necessário tomar uma decisão, estabelecer um programa ou aprovar uma
proposta que implique a intervenção conjunta do Ministério das Finanças e do
Ministério da Indústria, essa decisão tem de ser tomada em conjunto pelos
Ministros do respetivo ministério. Mas o assunto não começa, nem tem de ser
tratado na sua totalidade, ao nível dos próprios Ministros: o caso tem início nos

68
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

serviços competentes e pode ser que os serviços cheguem a acordo, hipótese em


que a intervenção dos respetivos Ministros visará apenas formalizar uma decisão já
preparada, com a qual concordam. Aqui, a coordenação estabelece-se ao nível dos
serviços.

2. Coordenação por comissões interministeriais: em certos casos, a coordenação


entre serviços de ministérios diferentes exige mecanismos permanente de
concentração. Surgem, assim, as comissões interministeriais, que podem ser
temporárias ou duradouras.

3. Coordenação por acordo entre os Ministros em causa: se os serviços isolados ou


as comissões interministeriais não conseguem chegar a acordo, é necessário subir-
se ao nível ministerial. E então a coordenação pode fazer-se por acordo entre os
Ministros competentes.

4. Coordenação por um Vice-Primeiro-Ministro, ou equivalente: se houver um Vice-


Primeiro-Ministro, um Ministro de Estado, um Ministro sem pasta ou, em suma,
um Ministro com poderes para tanto, caber-lhe-á fazer a coordenação de vários
Ministros entre si. No entanto, muitas vezes isto não resolve o problema, e há que
recorrer à arbitragem do PM.

5. Coordenação pelo Primeiro-Ministro: aqui verifica-se a intervenção formal do PM


que tem, pela Constituição, a responsabilidade do sistema de coordenação. Mas o
PM pode preferir que a coordenação seja tomada por outrem e levar, então, o
assunto a outra instância.

6. Coordenação pelo Conselho de Ministros: O PM, porque assim o entende ou


porque algum Ministro lhe solicita, pode levar o caso ao Conselho de Ministros.
Mas nem sempre valerá a pena fazê-lo.

7. Coordenação por Conselho de Ministros especializados: trata-se de secções do


Conselho de Ministros plenário. Lá serão levados e tratados os assuntos de
natureza predominantemente técnica. Estes conselhos constituem um bom meio
de coordenação nos assuntos mais difíceis.

4.4.3.5. O Conselho de Ministros

 Conselho de Ministros é o órgão colegial constituído pela reunião de todos os


Ministros (e Vice-Primeiros-Ministros, se houver), sob a presidência do Primeiro-
Ministro, ao qual compete desempenhar as funções políticas e administrativas que
a Constituição ou a lei atribuam coletivamente ao Governo.

 Já foi visto que no nosso direito só as competências expressamente atribuídas ao


Conselho de Ministros pela CRP ou pela lei têm de ser exercidas colegialmente em

69
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

Conselho de Ministros. A regra é o exercício individual da competência


governamental.

 No entanto, existe um preceito da CRP que é preciso refletir. O art. 200.º n.º 1 al. g)
diz que “Compete ao Conselho de Ministros… deliberar sobre outros assuntos da
competência do Governo que lhe sejam atribuídos por lei ou apresentados pelo
Primeiro-Ministro ou por qualquer Ministro”.

 O Conselho de Ministros poderá deliberar sobre a matéria, mas apenas para o


efeito de dar uma orientação política ao Ministro sobre o modo como ele deve
decidir o caso e, também, eventualmente, para o efeito de lhe conferir adequada
cobertura política para a decisão que vai tomar. Mas a decisão, juridicamente,
deverá ser tomada pelo Ministro que a lei considerar competente, e não pelo
Conselho de Ministros em sua substituição, mesmo que o próprio Ministro o deseje
ou consinta: é de ordem pública, não depende nem pode resultar da vontade dos
órgãos de Administração.

 As principais funções administrativas do Conselho de Ministros resultam umas da


CRP (art. 200.º n.º 1 als. a), e), f) e g)), outras de leis ordinárias: poderes de gestão
da função pública (licenças e faltas, vencimentos, etc.); concessão de determinados
benefícios fiscais; aplicação de determinadas sanções administrativas mais graves
(demissão, aposentação compulsiva), apreciação de certos recursos
administrativos, etc.

 A lista dos poderes administrativos do Conselho de Ministros tem vindo a


aumentar com o tempo. Por isso, na prática, tem se seguido a orientação de
permitir a desconcentração de poderes noutros órgãos que pode ser feita
diretamente por lei ou por delegação. O objetivo é conseguir o reforço da ação
governativa.

 A lei tem vindo a permitir que as funções administrativas do Conselho de Ministros


possam ser exercidas pelo PM, ou por alguns Ministros em casos especiais
(expropriações por utilidade pública, que têm sido delegadas tradicionalmente no
Ministro da Justiça) ou, ainda, por Conselho de Ministros especializados

4.4.3.6. Os Conselhos de Ministros especializados (art. 200.º n.º 2 CRP)

 Os Conselhos de Ministros especializados são órgãos secundários e auxiliares do


Conselho de Ministros, formados por alguns membros deste, e que funcionam
como secções do Conselho de Ministros, assim, por exemplo, o Conselho de
Ministros para os Assuntos Económicos”, e o mais recente, “Conselho de Ministros
para os Assuntos Europeus”.

 Os Conselhos de Ministros especializados exercem a competência que lhes for


atribuída por lei ou delegada pelo Conselho de Ministros” (art. 200.º n.º 2 CRP).

70
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 Tais Conselhos, embora incluam apenas alguns dos Ministros, e, neste sentido,
sejam mais restritos do que o Conselho de Ministros plenário, costumam também
incluir Secretários de Estado e, por vezes, altos funcionários, chamados a participar
nas suas reuniões: assim, o número total de presenças pode até ser superior ao do
Conselho de Ministros propriamente dito.

 Os Conselhos de Ministros especializados podem ter uma de três funções:

1. Preparar os Conselhos de Ministros – Consiste em preparar as decisões que serão


tomadas pelo Conselho de Ministros propriamente dito: estudar os assuntos,
discutir as diferentes modalidades de solução, e tentar criar um consenso entre os
principais intervenientes para que depois, ao chegar ao Conselho de Ministros, o
assunto esteja desbravado e possa ser facilmente resolvido. É uma função
preparatória. Os Conselhos especializados atuam antes do Conselho de Ministros.

2. Tomar decisões em nome do Conselho de Ministros – nos casos em que a lei lhes
confira poderes para decidir, ou em que essa competência lhes tenha sido
atribuída por delegação do Conselho de Ministros, os Conselhos especializados
podem substituir-se a este na prática de atos administrativos ou na aprovação de
regulamentos. É uma função decisória. Os Conselhos especializados atuam em
lugar ou em vez do Conselho de Ministros.

3. Executar decisões do Conselho de Ministros ou controlar a sua execução – trata-


se de estudar e decidir acerca das formas de dar execução a deliberações que
tenham sido tomadas pelo Conselho de Ministros. Ou de promover, acompanhar
ou controlar a respetiva execução. É uma função executiva. Os Conselhos
especializados atuam depois das decisões tomadas pelo Conselho de Ministros.

4.5. A composição do Governo e os Ministérios

Atualmente, esta é a composição do Governo:

1. Primeiro-Ministro;

2. Vice-Primeiro-Ministro;

3. Ministro de Estado e das Finanças;

4. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros;

5. Ministro da Defesa Nacional;

6. Ministro da Administração Interna;

7. Ministro da Justiça;

8. Ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares;

71
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

9. Ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional;

10. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e Energia;

11. Ministro da Economia;

12. Ministro da Agricultura e do Mar;

13. Ministro da Saúde;

14. Ministro da Educação e Ciência;

15. Ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social.

4.6. A Administração Estadual Indireta:


 De um ponto de vista objetivo ou material, a administração estadual indireta é
uma atividade administrativa do Estado, realizada, para a prossecução dos fins
deste, por entidades públicas dotadas de personalidade jurídica própria e de
autonomia administrativa ou administrativa e financeira.

 De um ponto de vista subjetivo ou orgânico , define-se como o conjunto das


entidades públicas que desenvolvem, com personalidade jurídica própria e
autonomia administrativa, ou administrativa e financeira, uma atividade
administrativa destinada à realização de fins do Estado.

4.6.1. Características da administração estadual indireta – aspetos materiais :


 Em primeiro lugar, a Administração estadual indireta é uma forma de atividade
administrativa, isto é, é uma modalidade de administração pública em sentido
objetivo.

 Em segundo lugar, trata-se de uma atividade que se destina à realização de fins do


Estado, a qual, por isso mesmo, é uma atividade de natureza estadual. Traduz-se
na realização de funções que são tarefas do Estado.

 Em terceiro lugar, é uma atividade que o Estado transfere, por decisão sua, para
outras entidades distintas dele. A essa transferência chama-se devolução de
poderes: o Estado devolve, ou seja, transfere, transmite, uma parte dos seus
poderes para entidades que não se encontram integradas nele. Estes poderes, por
sua vez, ficam a cargo das tais entidades, embora continuem a ser, de origem,
poderes do próprio Estado, podendo, este, em qualquer momento, retirar-lhes e
chamar de novo a si através de uma lei ou decreto.

 Em quarto lugar, a administração estadual indireta é uma atividade exercida no


interesse do Estado, mas é desempenhada pelas entidades a quem está confiada
72
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

em nome próprio e não em nome do Estado. Ou seja, os atos praticados por tais
organismos são atos deles, não são atos do Governo embora sejam praticados no
exercício de uma atividade que interessa ao Estado e que é desenvolvida em seu
benefício.

 Trata-se, com efeito, de exercer uma atividade destinada a realizar fins do Estado,
portanto no interesse dele. Basicamente, é o Estado que se responsabiliza
financeiramente: é o Estado que entra com os capitais iniciais necessários, assim
como é ele que tem que pagar os prejuízos se a exploração for deficitária.

 Porque a atividade é desenvolvida no interesse do Estado, é natural que este


tenha, em contrapartida, sobre essas entidades e organismos consideráveis
poderes de intervenção. Assim, o Estado dispõe, em regra, do poder de nomear e
demitir os dirigentes desses organismos ou entidades, possui o poder de lhes dar
instruções e diretivas acerca do modo de exercer a sua atividade e tem, ainda, o
poder de fiscalizar e controlar a forma como tal atividade é desempenhada.

 Simplesmente, se a responsabilidade financeira inicial e final pertence ao Estado,


como detentor do capital, estas organizações, por disporem de autonomia e
personalidade, respondem juridicamente pelos seus atos e pagam, de acordo com
os seus orçamentos privados e por conta dos seus próprios patrimónios, as dívidas
contraídas no desempenho normal da sua atividade.

 É, também, característica essencial da administração estadual indireta, a sua


sujeição aos poderes de superintendência e de tutela do Governo (art. 199.º al. d)
CRP)

4.6.2. Características da administração estadual indireta – aspetos orgânicos :


 Encarando, agora, a questão do ponto de vista orgânico, refira-se como se
caracteriza a administração estadual indireta.

 Em primeiro lugar, é constituída por um conjunto de entidades públicas que são


distintas do Estado, isto é, que têm personalidade jurídica própria. São, portanto,
sujeitos de direito, cada uma delas.

 Em segundo lugar, a decisão de criar estas entidades cabe ao Estado e continua a


ser essencialmente livre, dado o caráter muito ténue dos condicionalismos
estabelecidos pelo legislador.

 Em terceiro lugar, o financiamento destas entidades cabe, também, no todo ou em


parte, ao Estado. De início, é o Estado que tem que avançar com a entrada do
numerário que for indispensável. De realçar que estes organismos podem também

73
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

cobrar receitas da sua atividade, mas se essas receitas não são suficientes, só o
Estado pode suprir o que falta.

 Em quarto lugar, estas entidades dispõem, em regra, de autonomia administrativa


e financeira, isto é, tomam elas as suas próprias decisões, gerem como entendem a
sua organização, cobram elas as suas receitas (que não são cobradas através das
Tesourarias da Fazenda Pública, do Estado), realizam elas as suas próprias despesas
(não tendo de obter para tanto da contabilidade Pública), organizam elas as suas
próprias contas.

 Existe, na realidade, uma separação em todos os aspetos relativamente ao Estado.


Estas entidades não são o Estado, mas completam-no.

 Finalmente, o grau de autonomia de que dispõem estas entidades é muito variável.

 Pode atingir um nível máximo, como acontece nas empresas públicas, na


modalidade de entidades publicas empresariais.

 Pode assumir uma posição intermedia, que é a que se verifica nos chamados
organismos de coordenação económica, porque a sua atividade não reveste
apenas caráter técnico ou económico, também comporta funções de autoridade, já
que esses organismos têm poderes regulamentares, de fiscalização e de
coordenação.

 E, pode o grau de autonomia ser mínimo quando estes organismos funcionam


como verdadeiras direções-gerais do ministério a que respeitam. Nestes casos, a
personalidade jurídica e a autonomia administrativa e financeira constituem uma
mera aparência. Trata-se de verdadeiras direções-gerais dos ministérios, embora
juridicamente sejam organizações distintas do Estado.

4.6.3. Organismos incumbidos da administração estadual indireta


 No direito português, há várias espécies de organismos ou entidades que
desenvolvem uma administração estadual indireta, ou que pertencem à mesma.
São, fundamentalmente, os institutos públicos e as empresas públicas.

 Por um lado, separa-se conceitualmente a figura do instituto público da figura da


empresa pública. O instituo público tem uma natureza burocrática e exerce
funções de gestão pública; enquanto que a empresa pública tem natureza
empresarial e desempenha uma atividade de gestão privada.

 A separação entre estes dois conceitos baseia-se, também, na distinção entre o


setor público administrativo (SPA) e o setor público empresarial (SPE). Do primeiro
fazem parte o Estado, os institutos públicos, as autarquias locais, as associações
74
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

públicas e as regiões autónomas, enquanto que o segundo é composto pelas


empresas públicas.

4.7. Os institutos públicos (Lei Quadro dos Institutos Públicos) :

 O instituto público é uma pessoa coletiva pública, de tipo institucional, criada para
assegurar o desempenho de determinadas funções administrativas de caráter não
empresarial, pertencentes ao Estado ou a outra pessoa coletiva pública.

 Analisando a definição anteriormente referida, o instituto público é, para começar,


uma pessoa coletiva pública (art. 3º, n.º 4, e art. 4.º, n.º 1, da LQIP). Caracteriza-se,
assim, por ser sempre dotado de personalidade jurídica (art. 3.º LQIP).

 O instituto público é, em segundo lugar, uma pessoa coletiva de tipo institucional.


Isto é, o seu substrato é uma instituição, não uma associação: assenta sobre uma
organização de caráter material e não sobre um agrupamento de pessoas.

 Por outro lado, o instituto público é uma entidade criada para assegurar o
desempenho de funções administrativas determinadas (art. 8.º da LQIP).

 Por um lado, a missão de qualquer instituto público é assegurar o desempenho de


funções administrativas, isto é, de uma atividade pública de caráter administrativo.
Não há institutos públicos para o exercício de funções privadas, nem para o
desempenho de funções públicas não administrativas.

 Mas, por outro lado, a definição acrescenta: para o desempenho de funções


administrativas determinadas. O que significa que as atribuições dos institutos
públicos não podem ser indeterminadas e não podem abranger uma multiplicidade
genérica de fins. Os institutos públicos só podem tratar de matérias que lhes sejam,
especificamente, cometidas por lei (art. 8.º n.º 3 LQIP).

 Enquanto que o Estado, as autarquias locais e as regiões autónomas são entidades


de fins múltiplos; os institutos públicos são entidades de fins singulares. As
primeiras têm uma vocação geral; os institutos públicos, diferentemente, têm
vocação especial.

 Além disso, as funções desempenhadas pelos institutos públicos hão-de ser


atividades de caráter não empresarial: assim se distinguem os institutos públicos
das empresas públicas, cuja atividade é empresarial (art. 3.º, n.º 3, da LQIP).

75
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 Por último, a definição afirma ainda que as funções a desempenhar pelo instituto
público são funções pertencentes ao Estado ou a outra pessoa coletiva pública.
Pretende-se aqui destacar o caráter indireto da administração exercida por
qualquer instituto público: as funções que lhe são cometidas não lhe pertencem
como funções próprias, antes devem considerar-se funções que de origem
pertencem a outra entidade pública (art. 2.º n.º 1 LQIP). Esta outra entidade
pública é, geralmente, o Estado, mas também pode ser uma autarquia local ou
uma região autónoma.

 Pode inclusivamente acontecer que as funções atribuídas a um dado instituto


público sejam desdobradas e transferidas, em parte, para outro instituto público
menor. É o que sucede, por exemplo, com os serviços sociais universitários, que
constituem institutos públicos dependentes das Universidades estaduais. Nestes
casos pode dizer-se dos institutos públicos surgidos no segundo plano que se trata
de subinstitutos públicos.

4.7.1. Espécies de institutos públicos:


a) Os serviços personalizados:

 Os serviços personalizados são os serviços públicos de caráter administrativo a que


a lei atribui personalidade jurídica e autonomia administrativa, ou administrativa e
financeira (art. 3.º, n.º 1 e 2, da LQIP).

 São serviços a quem a lei dá personalidade jurídica e autonomia para poderem


funcionar como se fossem verdadeiras instituições independentes. No entanto, não
o são. Estes serviços são verdadeiramente departamentos do tipo “direção-geral”,
aos quais a lei dá personalidade jurídica e autonomia apenas para que possam
desempenhar melhor as suas funções.

 Por exemplo, o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC, I.P.). Podia ser uma
direção-geral integrada no Ministério das Obras Públicas, mas pensou-se que seria
útil atribuir-lhe personalidade e autonomia, na medida em que este organismo
recebe numerosas encomendas do exterior, tem de fazer os seus contratos
internacionais com entidades estrangeiras – contratos esses que é mais fácil, até
por razões próprias do comércio internacional, celebrar com a direção do
Laboratório do que com o Ministro das Obras Públicas ou com o Ministro das
Finanças.

 No grupo dos serviços personalizados, há ainda uma subespécie muito importante


a considerar, que são os chamados organismos de coordenação económica. Estes
organismos são serviços personalizados do Estado que se destinam a coordenar e

76
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

regular o exercício de determinadas atividades económicas, que pela sua


importância merecem uma intervenção mais rigorosa do Estado.

 É o caso do Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto. Estes organismos destinam-


se a dar efetividade à intervenção do Estado sobre a produção ou o comércio –
quer de importação, quer de exportação – de certos produtos mais importantes na
vida económica do País.

 Também podiam ser direções-gerais de um ministério. Simplesmente entendeu-se


que não seria conveniente que esta intervenção do Estado em tão importantes
setores da atividade económica se fizesse através de direções-gerais organizadas
de forma burocrática. Porque estes organismos não têm apenas de exercer funções
administrativas, como dar ou recusar licenças, aprovar ou rejeitar operações
comerciais privadas, muitas vezes, para assegurar os seus próprios fins, precisam
de intervir no mercado através de operações económicas próprias (compra, venda,
etc.).

 Ora, a realização deste tipo de operações implica a celebração de contratos


comerciais que não seriam facilmente realizados pelo Estado através da sua
estrutura típica.

b) As fundações públicas:

 A fundação pública é uma fundação que reveste natureza de pessoa coletiva


pública. De acordo com a definição legal, as fundações publicas são pessoas
coletivas de direito público, sem fim lucrativo, com órgãos e património próprio e
autonomia financeira e administrativa (art. 49.º, n.º 1, da LQF; art. 3.º, n.º 1 e 2,
da LQIP).

 Enquanto que a generalidade das fundações são pessoas coletivas privadas,


reguladas pelo Código Civil, existem algumas fundações que são pessoas coletivas
públicas, resultando de iniciativa pública, traduzida em atos de direito público (art.
50.º da LQF). Trata-se, portanto, de patrimónios que são afetados à prossecução
de fins públicos especiais, sendo o reconhecimento exigido para a atribuição de
personalidade jurídica resultante diretamente do ato jurídico-público de instituição
(art. 6.º, n. º3, da LQF). E decorre do disposto no n. º2 do art. 51.º da LQIP que
para um instituto público poder ser designado como fundação deve ter parte
considerável das receitas assente em rendimentos do seu património e dedicar-se
a finalidades de interesse social (art. 50.º, n.º 2, da LQF).

 Um dos exemplos mais conhecidos era o chamado “Fundo de Abastecimento”,


atualmente extinto, alimentado por receitas provenientes de vários impostos ou
taxas (entre os quais os que oneram a gasolina e outros derivados do petróleo), e

77
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

destinado a subsidiar os preços de determinados bens essenciais à população (ex:


pão, carne, leite, etc.). Tratava-se de um património, de uma fundação, mas de
uma fundação pública, isto é, de um organismo com personalidade jurídica de
direito público e autonomia administrativa e financeira, regido pelo Direito
Administrativo, destinando-se a desempenhar um certo número de fins do Estado.

 De destacar que o número reduzido de fundações públicas foi aumentando pelo


aparecimento das chamadas fundações públicas de direito privado, de que são
exemplo a Universidade do Porto e a Universidade de Aveiro. Trata-se, com efeito,
de fundações criadas por entidades públicas, isoladamente ou em conjunto com
entidades privadas e que embora dotadas de personalidade jurídica de direito
público, têm a sua atividade regulada maioritariamente por regras de direito
privado.

c) Os estabelecimentos públicos:

 Os estabelecimentos públicos correspondem aos institutos públicos de caráter


cultural ou social, organizados como serviços abertos ao público, e destinados a
efetuar prestações individuais à generalidade dos cidadãos que delas careçam.

 A título de exemplo, o principal grupo de estabelecimentos públicos, neste sentido,


são as Universidades públicas que não se converteram em fundações públicas de
direito privado (as Universidades privadas não pertencem à Administração, não são
pessoas coletivas públicas). Têm caráter cultural, estão organizadas como serviços
abertos ao público, e destinam-se a fazer prestações individuais, ou seja, a
ministrar o ensino aos estudantes.

 Outra categoria de estabelecimentos públicos, estes de caráter social, são os


hospitais do Estado que não foram convertidos em entidades públicas
empresariais: têm personalidade jurídica e autonomia, são serviços abertos ao
público, e efetuam prestações a quem delas careça, isto é, prestam cuidados
médicos aos doentes ou acidentados.

Uma vez que pode parecer difícil distinguir os estabelecimentos públicos das demais
modalidades de institutos públicos, afigura-se relevante utilizar o seguinte critério:

a) Se o instituto público pertence ao organograma dos serviços centrais de um


Ministério, e desempenha atribuições deste no mesmo plano que as respetivas
direções-gerais, é um serviço personalizado do Estado.

b) Se o instituto público assenta basicamente num património, existe para o


administrar e vive dos resultados da gestão financeira desse património, é uma
fundação pública.

78
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

c) Se o instituto público não é uma direção-geral personalizada, nem um património,


mas um estabelecimento aberto ao público e destinado a fazer prestações de
caráter cultural ou social aos cidadãos, então é um estabelecimento público.

4.7.2. Regime jurídico (LQIP):


 Durante várias décadas, faltou no Direito Português, um diploma que
estabelecesse o regime jurídico dos institutos públicos. No entanto, a situação
alterou-se com a publicação da Lei-Quadro dos Institutos Públicos, onde se contém
a regulamentação genericamente aplicável aos institutos públicos estaduais e
regionais.

A partir do que, atualmente, se dispõe na LQIP e do conjunto variado e multifacetado


das leis orgânicas dos institutos públicos existentes, podem-se extrair os seguintes
traços específicos:

a) Os institutos públicos são pessoas coletivas públicas (art. 4.º n.º 1).

b) Beneficiam de autonomia administrativa (art. 4.º n.º 2 e 3 / art. 35.º n.º 1).

c) São criados mediante ato legislativo (art.9.º n.º 1) e modificados e extintos


mediante ato de valor igual ou superior ao que os tenha criado (art. 16.º n.º 3).

d) Possuem órgãos próprios, dos quais o principal é, em regra, um conselho diretivo


(art. 18.º).

e) Os respetivos presidentes são, simultaneamente, órgão dirigente do instituto


público e órgão do Estado.

f) Os seus serviços administrativos podem ser centrais e locais, segundo o disposto


nos estatutos (art. 15.º n.º 2 e 3).

g) Estão sujeitos a uma intervenção do Governo bastante apertada, que se traduz,


nomeadamente, em poderes de superintendência e de tutela administrativa (arts.
41.º e 42.º).

h) O regime jurídico do seu funcionamento, é, regra geral, um regime de direito


público: os institutos públicos estão genericamente sujeitos ao Código do
Procedimento Administrativo, produzem regulamentos, praticam atos
administrativos, celebram contratos administrativos, cobram impostos e taxas,
exercem poderes de polícia, podem promover expropriações por utilidade pública,
as suas finanças regem-se pelas leis da contabilidade pública, a sua atividade típica
é considerada como gestão pública, estão sujeitos ao regime da responsabilidade
civil do Estado e a fiscalização jurisdicional dos seus atos de direito publico
compete aos tribunais administrativos (art. 6.º).

79
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

i) O pessoal dos institutos públicos está sujeito ao regime de incompatibilidades de


cargos públicos (art. 6.º n.º 2 al. f)).

j) O regime laboral é o dos trabalhadores que exercem funções públicas (art. 6.º n.º
2 al. b)).

k) Os institutos públicos abrangidos pela LQIP devem utilizar a designação “Instituto,


IP” ou “Fundação, IP” (art. 51.º).

l) Os institutos públicos podem conceder ou delegar algumas das suas atribuições a


entidades privadas, juntamente com os poderes necessários para o efeito (arts.
53.º e 54.º).

 De destacar que, enquanto os institutos públicos se encontram genericamente


sujeitos a um regime de direito público, o contrário sucede com as empresas
públicas, que configuram um caso à parte no contexto da administração estadual
indireta, na medida em que funcionam, em princípio, segundo um regime de
direito privado.

4.7.3. Natureza jurídica dos institutos públicos:


 A conceção mais divulgada e perfilhada por Diogo Freitas do Amaral vê nos
institutos públicos um substrato institucional autónomo, diferente do Estado ou
dele destacado, a que a lei confere personalidade jurídica: a ordem jurídica criará
um sujeito de direito com base numa instituição distinta do Estado, seja ela um
serviço, um património ou um estabelecimento.

 Os institutos públicos serão, então, entidades juridicamente distintas do estado e


os seus órgãos dirigentes são, em princípio, órgãos do instituto público e não
órgãos do Estado; o seu pessoal é privativo do instituto público, não é
funcionalismo do Estado; as suas finanças são para-estaduais, não são finanças do
Estado; o seu património é próprio, não é património do Estado. Na mesma ordem
de ideias, os institutos públicos, além de terem a cargo, estatuariamente, a
prossecução de interesses públicos estaduais, têm ou podem ter, dentro de certos
limites, interesses públicos próprios, eventualmente contrários aos do Estado, e
poderão, por conseguinte, nessa medida, impugnar contenciosamente atos de
órgãos do Estado ou propor ações contra o Estado. Era esta, também, a conceção
de Marcello Caetano.

4.8. As empresas públicas:


4.8.1. Considerações preliminares:

80
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

Três prevenções importa fazer à partida:


a) Em primeiro lugar, nem todas as empresas públicas são de origem estadual e de
âmbito nacional, já que há empresas públicas regionais e locais (municipais,
intermunicipais e metropolitanas) e, obviamente, estas não fazem parte da
administração estadual indireta, mas sim da administração regional ou municipal
indireta.

b) A segunda prevenção a fazer é a de que importa sempre ter bem presente a


diferença que existe entre empresas públicas que são pessoas coletivas, e
empresas públicas que o não são. Com efeito, nem todas as empresas públicas são
pessoas coletivas: é essa a hipótese mais frequente, mas há algumas, raras, que o
não são, porque não têm personalidade jurídica, nem autonomia administrativa e
financeira: trata-se, então, de empresas públicas integradas na pessoa coletiva
Estado, ou integradas em regiões autónomas ou em municípios.

c) Terceira prevenção: as empresas nacionalizadas são uma espécie das empresas


públicas. Portanto, as empresas nacionalizadas, são, todas elas, empresas públicas;
mas nem todas as empresas públicas são empresas nacionalizadas. O que
caracteriza as empresas nacionalizadas é o facto de elas terem sido empresas
privadas, e de em dado momento serem objeto de uma nacionalização. Isto é,
eram empresas privadas e foram transformadas, por nacionalização, em empresas
públicas. Mas nem todas as empresas públicas são empresas nacionalizadas.
Porque há empresas públicas que não resultam do fenómeno da nacionalização de
empresas privadas.

4.8.2. Evolução histórica das empresas públicas em Portugal:


 A história das empresas públicas em Portugal conheceu três períodos bem
distintos: antes do 25 de abril de 1974, de 25 de abril até 1999, de 1999 em diante.

 Até ao 25 de abril de 1974, as empresas públicas eram poucas e vinham do


passado setecentista.

 Com a revolução, muitas empresas privadas foram nacionalizadas e converteram-


se, por isso, em empresas públicas. Outras foram criadas ex novo, ao abrigo de
programas socializantes. Foi um período de 25 anos.

 Mas com a entrada de Portugal para a então CEE, em 1 de janeiro de 1986, com a
moda das privatizações nas décadas de 80 e 90, e com a aplicação na ordem
interna das diretivas comunitárias e dos mecanismos de defesa da concorrência, a
situação modificou.se por completo.

 No segundo período considerado, o estatuto jurídico das empresas públicas


constava do Decreto-Lei n.º 260/76, de 8 de abril. O terceiro período, começou
com a revogação desse diploma e a sua substituição pelo Decreto-Lei n.º 558/99,

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1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

de 17 de dezembro, o qual foi substituído pelo Decreto-Lei n.º 133/2012, de 3 de


outubro.

 A diferença fundamental entre o diploma de 1976 e os restantes é a seguinte:


enquanto o diploma de 1976 só se ocupava de uma espécie de empresas públicas,
que era então a das empresas públicas sob forma pública, isto é, as que eram
juridicamente institutos públicos, por sua vez, o diploma de 2013, visa regular
genericamente o setor público empresarial e distingue três espécies que dele
fazem parte:

1. As empresas públicas sob forma privada, que são sociedades controladas pelo
Estado;

2. As empresas públicas sob forma pública, também chamadas “entidades públicas


empresariais”, que são pessoas coletivas públicas;

3. As empresas públicas participadas pelo Estado, que não são empresas públicas,
mas integram igual o sector empresarial do Estado.

 A nova lei trouxe um reforço dos poderes intervencionistas do Governo na gestão


financeira das empresas, em especial do Ministro das Finanças, com o objetivo de
controlar o problema do forte endividamento das empresas públicas, que
ameaçava não só a sua viabilidade económica, como também o cumprimento dos
objetivos do Estado em matéria de défice orçamental e de dívida pública.

4.8.3. Conceito de empresa pública:


 O vigente Decreto-Lei n.º 133/2013 não fornece um conceito unitário de empresa
pública, preferindo, pelo contrário, apresentar uma definição das duas espécies de
empresas públicas nos arts. 5.º e 56.º, mas sem definir o género comum.

Contudo, analise-se que elementos parcelares se podem extrair deste diploma para
uma elaboração teórica do conceito de empresa pública:

a) A forma jurídica da empresa pública é irrelevante para a definição do respetivo


conceito, uma vez que há empresas públicas sob a forma de pessoas coletivas
públicas, e há empresas públicas que são sociedades comerciais, as que constituem
pessoas coletivas privadas.

b) As empresas públicas sob forma pública têm direção e capitais públicos.

c) As empresas públicas sob forma privada caracterizam-se pela sua subordinação à


influência dominante do Estado, ou de outras entidades públicas, a qual pode
resultar da maioria do capital, da maioria dos direitos de voto, do direito de
designar ou destituir a maioria dos membros dos órgãos de administração ou de
fiscalização, bem como da disposição de participações qualificadas ou de direitos

82
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

especiais que permitam influenciar de forma determinantes os processos


decisórios ou as opções estratégicas da empresa. Não há, pois, nestes últimos
casos, necessariamente, maioria de capitais públicos.

Face ao exposto, resulta que os elementos essenciais do conceito de empresa pública


são dois:

1. A empresa pública é, antes de mais, uma empresa em sentido económico;

2. O seu caráter público não lhe advém apenas do facto da maioria do seu capital
pertencer a entidades públicas, mas pode resultar, em alternativa, da titularidade
por tais entidades de direitos especiais de controlo, que lhes dêem sobre a
empresa uma influência dominante.
 Assim sendo, pode definir-se as empresas públicas como as prganizações
económicas de fim lucrativo, criadas e controladas por entidades jurídicas públicas.

4.8.4. A empresa pública como empresa:


 Para se chegar ao conceito de empresa é preciso partir do conceito de unidade de
produção. Assim sendo, as unidades de produção são as organizações de capitais,
técnica e trabalho, que se dedicam à produção de determinados bens ou serviços,
destinados a ser vendidos no mercado mediante um preço.

 As unidades de produção podem estar organizadas e funcionar segundo dois


critérios fundamentais: com ou sem fim lucrativo.

 Se estão organizadas e funcionam de modo a prosseguir um fim lucrativo, são


empresas. Se, pelo contrário, estão organizadas e funcionam de modo a não
prosseguir um fim lucrativo, são unidades de produção não empresariais. O que é
preciso para serem empresas é que tenham por finalidade estatuária, ou
institucional, dar lucro.

 Na base destes conceitos, as empresas públicas são unidades produtivas que têm
por finalidade institucional, intrínseca, dar lucro. Pode ser um lucro baixo,
moderado, ou um lucro elevado, mas deve haver um fim lucrativo. Isto é, as
empresas públicas são concebidas por forma a que do resultado da sua exploração
decorram benefícios financeiros. O lucro público pode ser aplicado no
autofinanciamento da própria empresa, ou na redistribuição ao Estado dos
contributos que ele tenha dado inicialmente, ou noutra qualquer finalidade
determinada por lei; mas a empresa pública deve ser gerida em termos que
permitam um benefício positivo de caráter financeiro, isto é, um lucro.

 Portanto, em conclusão: as empresas públicas são verdadeiras empresas. Têm fim


lucrativo. E mais do que isso: têm a obrigação legal de dar lucros.

83
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

4.8.5. A empresa pública como entidade sujeita a controlo público :


Há, pelo menos, uma de duas realidades que na empresa pública têm caráter público:

1. A empresa pública pode ter maioria de capitais públicos: o financiamento inicial,


que serve para formar o capital da empresa, é público; e, tratando-se de
empresas públicas estaduais, os capitais vêm do próprio Estado.

2. Em alternativa, se o Estado ou outras entidades públicas não detiverem a maioria


do capital, possuirão direitos especiais de controlo, exercendo “influência
dominante” sobre a empresa pública (art. 9.º n.º 1 D.L. n.º 133/2013 de 3 de
outubro).

 Assim, basta que um destes dois aspetos – maioria do capital ou direitos especiais
de controlo – exista para que a empresa seja considerada, por lei, uma empresa
pública. O que significa que o Decreto-Lei n.º 133/2013 de 3 de outubro alargou
muito o conceito de empresa pública, por forma a sujeitas à fiscalização e
superintendência do Estado, em particular do Ministro das Finanças, um número
muito mais amplo de empresas que se movimentam na órbita do Estado, e que
este entende dever fiscalizar de perto.

 Na prática, estas duas características coincidem na maioria dos casos: o Estado, ou


outras entidades públicas, possuem a maioria do capital e, por isso mesmo,
controlam os órgãos de administração e fiscalização da empresa. É a situação mais
frequente.

 Mas podem não coincidir: o Estado, mesmo sem a maioria dos capitais, pode ter,
por força da lei, direitos especiais de controlo. A empresa será pública, não pela via
mais frequente do capital, mas por força de outros modos de controlo nas mãos do
Estado.

 No final de contas, o traço característico da empresa pública já não é, atualmente,


o carater público do capital, mas antes a sujeição legal ou estatuária da empresa ao
controlo da Administração Pública.

4.8.6. Espécies de empresas públicas:


a) Quanto à titularidade:
 Já se sabe que há empresas públicas estaduais, regionais ou municipais, conforme
pertençam ao Estado, a uma região autónoma ou a um município. Nada obsta que
a lei venha a autorizar a criação de empresas públicas pertencentes às “regiões
administrativas” continentais.

84
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

b) Quanto à natureza jurídica:


 Já se sabe, igualmente, que existem empresas públicas com personalidade jurídica
e empresas públicas sem personalidade jurídica.

c) Quanto à forma:
 Já se viu que o Decreto-Lei n.º 133/2013 faz a dentição entre as empresas públicas
sob forma pública, é o caso das que sejam pessoas coletivas públicas, e empresas
públicas sob forma privada, como é o caso, por exemplo, das sociedades
comerciais formadas com capitais exclusivamente públicos, bem como das
sociedades com maioria de capital público ou em que a Administração Pública
detém direitos especiais de controlo.

d) Quanto ao objeto:
 As empresas distinguem-se consoante tenham ou não por objeto a exploração de
um serviço público ou de um serviço de interesse económico geral (art. 48.º e 55.º
do D.L. n.º 133/2013).

 Serão, assim, empresas de serviço público, ou de serviço de interesse económico


geral, as que asseguram a distribuição ao domicílio de água, gás ou eletricidade,
bem como as telecomunicações ou os transportes coletivos. Já não os serão as que
se destinem a financiar investimentos públicos, ou as que tenham sobretudo em
vista cobrar rendimentos para o Estado (os “monopólios fiscais”).

4.8.7. A missão e o enquadramento das empresas públicas:


 Atendendo, por um lado, à natureza empresarial destas organizações e, por outro,
à sua integração no âmbito da Administração Estadual indireta, resulta a sua dupla
missão:

1. Contribuir para o equilíbrio económico-financeiro do setor público – missão


económico-financeira.

2. Contribuir para a obtenção de níveis adequados de satisfação das necessidades


coletivas – missão social.

 A primeira das missões reforça o anteriormente referido relativamente ao fim


lucrativo das empresas públicas: só dando lucro, ou, no mínimo, não dando
prejuízos, é que elas poderão contribuir para o equilíbrio económico-financeiro do
setor público.

85
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 Quanto à segunda missão, ela acentua o caráter estadual das empresas públicas
pertencentes ao Estado: como instrumentos deste, devem proporcionar, em grau
elevado, a satisfação das necessidades coletivas – que é a finalidade principal do
Estado.

 De acordo com o art. 15.º do D.L. n.º 133/2013, as empresas públicas “estão
sujeitas às regras gerais de concorrência, nacionais e de direito da União Europeia.
Consequentemente:

 A existência de empresas públicas que atuem em regime de monopólio é


excecional;

 Nenhuma empresa pública pode furtar-se à observância das normas sobre


concorrência, sob o pretexto de se tratar de uma empresa pública;

 Das relações entre o Estado e as suas empresas públicas não podem resultar
situações que, sob qualquer forma, sejam suscetíveis de impedir, falsear ou
restringir a concorrência;

 As empresas públicas que se vejam colocadas em situação económica difícil não


podem pedir, nem obter, auxílios do Estado.

4.8.8. Regime jurídico das empresas públicas:


 O regime jurídico genérico, ou comum, das empresas públicas portuguesas
encontra-se atualmente condensado num diploma principal, o referido Decreto-Lei
n.º 133/2013, de 3 de outubro. Embora esse diploma verse sobre o “setor público
empresarial”, designar-se-á estatuto das empresas públicas, pois é essa a vertente
que aqui importa.

 O novo estatuto das empresas públicas, aprovado em 2013, traduziu um


importante reforço dos poderes de intervenção do Governo e, em especial, do
Ministério das Finanças na vida das empresas públicas, mesmo daquelas que se
organizam sob forma privada.

 Tenha-se presente que este último diploma também regula as chamadas empresas
participadas, que, no entanto, exclui do conceito de empresas públicas (art. 5.º). as
empresas participadas entram numa outra categoria, a das empresas de interesse
coletivo.

4.8.9. Personalidade e autonomia:


 O atual estatuto das empresas públicas reconhece o traço característico de as
empresas públicas serem dotas de personalidade e autonomia. Com efeito, umas

86
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

são sociedades, dotadas de personalidade jurídica privada, e outras são pessoas


coletivas públicas.

 A lei diz que as empresas públicas, sob a forma jurídica pública, são dotadas de
autonomia patrimonial (art. 58.º n.º 1). No entanto, o que as empresas públicas
têm, em rigor, não é autonomia patrimonial, mas sim património próprio, e isto,
pelo simples facto de terem personalidade jurídica. Além, logicamente, de
possuírem autonomia administrativa e financeira.

 Quanto à sua designação, as empresas públicas que revistam forma jurídica


privada serão denominadas como sociedades, em regra sociedades autónomas
(S.A).

 Se revestirem forma jurídica pública, são designadas de entidades públicas


empresariais (E.P.E), art. 56.º.

 As empresas públicas sob a forma de sociedade são pessoas coletivas privadas.


Enquanto que as empresas públicas sob forma pública são pessoas coletivas
públicas.

4.8.10. Criação e extinção:


 De acordo com o Decreto-Lei n.º 133/2013, a criação de empresas públicas que
revistam a forma de sociedade é feita nos termos e condições aplicáveis à
constituição de sociedades comerciais (art. 10.º n.º 1). Ao passo que a criação das
entidades públicas empresariais é feita por decreto-lei (art. 57.º, n. º1).

 A constituição de uma empresa pública (sob forma privada) depende da


autorização do Ministro das Finanças e do Ministro responsável pelo setor de
atividade da empresa. Esta autorização deve ser precedida de um parecer da
Unidade Técnica, que elabora uma análise de viabilidade económico-financeira da
empresa a constituir (art. 10.º n.º 1 e 2). A inexistência desta autorização
determina a nulidade de todos os atos e negócios jurídicos relativos à constituição
da empresa (art. 12.º n.º 1).

 A extinção das empresas públicas ou se faz nos termos prescritos na lei comercial
para as sociedades, ou, então, no caso das entidades públicas empresariais, faz-se
mediante decreto-lei (art. 35.º n.º 1).

 No caso de as empresas públicas apresentarem capital próprio negativo por um


período de três exercícios económicos consecutivos, devem os órgãos de
administração da empresa propor ao Ministro das Finanças, em alternativa, a

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1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

extinção da empresa ou a implementação de medidas concretas destinadas a


superar a situação deficitária (art. 35.º n.º 3).

4.8.11. Órgãos:
 A lei não estabelece, em princípio, qualquer distinção importante entre a estrutura
orgânica das empresas públicas que sejam sociedades e das que constituam
entidades públicas empresariais.

 Na verdade, às primeiras aplicam-se as regras próprias do Código das Sociedades


Comerciais, e às segundas também, por força da remissão efetuada pelo art. 60.º,
n.º 1, do Decreto-Lei n.º 133/2013, para o regime das sociedades anónimas.

 Contudo, a lei não se limita a fazer uma remissão para o Código das Sociedades
Comerciais, prevendo regras específicas de Direito Administrativo relativas à
composição e funcionamento dos órgãos de administração e fiscalização das
empresas públicas.

 Assim, começa por exigir que as empresas públicas assumam um modelo de


“governo societário que assegure a efetiva separação entre as funções de
administração executiva e as funções de fiscalização (art. 30.º n.º 1). Depois,
prescreve que os órgãos de administração e de fiscalização devem ser ajustados “à
dimensão e complexidade da empresa” (art. 31.º n.º 1). Enfim, relativamente à
composição do órgão de administração, a lei prevê que deve integrar três
membros, salvo quando a dimensão e complexidade da empresa justificar uma
composição diversa (art. 31.º n.º 2).

 A lei atribui ao titular da função acionista, o Ministro das Finanças, o poder de


definir, nos estatutos de cada empresa, a concreta configuração dos órgãos de
administração e de fiscalização, de acordo com o disposto nos estatutos das
empresas públicas e no Código das Sociedades Comerciais (art. 31.º n.º 3).

 Quanto à designação dos administradores nas empresas públicas, mesmo nas que
adotem a forma de sociedade anónima, esta é feita, em regra, por deliberação do
Conselho de Ministros (art. 32.º n.º 4), nos termos previstos no Estatuto do Gestor
Público. De facto, a eleição em assembleia geral seria pura ficção, aí onde o Estado
detivesse a maioria do capital ou o poder jurídico de escolher a administração da
empresa.

 O conselho de administração integra sempre um elemento proposto pelo Ministro


das Finanças, a quem compete aprovar expressamente qualquer matéria com
impacto financeiro superior a 1% do ativo líquido da empresa (art. 31.º n.º 3). No
caso de este membro financeiro não concordar com o sentido da deliberação do

88
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

órgão de administração, o assunto é submetido à votação da assembleia geral e,


caso esta não exista, a despacho dos Ministros das Finanças e do setor de atividade
da empresa (art. 31.º n.º 5). No órgão da administração ainda é obrigatória a
presença de representantes da Direção-Geral do Tesouro e Finanças (DGTF),
através de um ou mais membros não executivos (art. 32.º n.º 3).

 As funções dos órgãos de fiscalização são, em regra, assumidas por um conselho


fiscal (art. 33.º n.º 1), composto por um máximo de três membros, devendo um
deles ser obrigatoriamente designado sob proposta da Direção-Geral do Tesouro e
Finanças.

4.8.12. Superintendência e tutela do Governo:


 As empresas públicas, assim como os institutos públicos, estão sujeitas à
intervenção do Governo, que reveste as modalidades da superintendência e da
tutela.

 O art. 11.º do Decreto-Lei n.º 133/2013, estabelece a finalidade principal a


intervenção do Governo que é definir os objetivos a atingir e os meios e modos a
empregar para atingi-los.

 O Governo tem, desde 1976, o poder de definir os objetivos básicos das empresas
públicas. O mesmo não acontece, quanto aos poderes do Governo, em relação às
autarquias locais. Enquanto as autarquias locais são independentes do Estado, as
empresas públicas (assim como os institutos públicos) não o são. Estas gozam de
autonomia, mas não de independência. Estas não se autoadministram,
desenvolvem uma administração estadual indireta.

 Os órgãos dirigentes das autarquias locais definem livremente os objetivos destas e


as grandes linhas da respetiva atuação; já os órgãos das empresas públicas
dispõem de autonomia de gestão, mas tem de conformar-se com os objetivos
fixados pelo Governo pois pertencem ao Estado. Os conselhos de administração
das empresas públicas representam o Governo que os nomeou.

 Natural é, pois, que o Estado, a quem, em última análise pertencem, e de quem


dependem, as empresas públicas estaduais, se reserve o direito de lhes definir os
objetivos, orientando superiormente a sua atividade. É nisto que assenta a
distinção entre tutela e superintendência: sobre as autarquias locais o Governo
tem apenas poderes de tutela (ex: fiscalização), enquanto que sobre as empresas
públicas tem, também, poderes de superintendência (ex: orientação).

Sobre as empresas públicas, o Governo tem, por lei, os seguintes poderes:

89
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 Definição das orientações estratégicas por resolução do Conselho de Ministros,


que “aprova o conjunto de medidas e diretrizes relevantes para o equilíbrio
económico e financeiro do setor empresarial do Estado” (art. 24.º n.º 1).

 Exercício dos direitos do Estado, como acionista, através do Ministro das Finanças,
em articulação com o Ministro responsável pelo setor de atividade da empresa
(art. 37.º n.º 1 e 2). Estes direitos são exercidos na assembleia geral da empresa e,
no caso de esta não existir, por resolução do Conselho de Ministros ou por
despacho do Ministro das Finanças (art. 38.º n.º 2). O exercício da função acionista
compreende, designadamente, o poder de definir “as orientações a aplicar no
desenvolvimento da atividade empresarial reportada a cada triénio” e os
“objetivos e resultados a alcançar em cada ano e triénio” (art. 38.º n.º 1 al. a) e b)).

 Definição, através dos Ministérios setoriais, no respeito pelas orientações


estratégicas e setoriais e pelos objetivos financeiros previamente fixados, da
política setorial a prosseguir e as orientações específicas de cariz setorial aplicáveis
a cada empresa, assim como os objetivos a alcançar pela empresa no plano
operacional e o nível de serviço público a prestar (art. 39.º n.º 4).

 Aprovação do plano de atividades e do orçamento da empresa pelo Ministro das


Finanças e pelo Ministro responsável pelo setor da atividade da empresa, a qual é
precedida de um relatório da Unidade Técnica sujeito a aprovação do Ministro das
Finanças (art. 39.º n.º 8 e 9).

 Sujeição a autorização do Ministro das Finanças da realização de operações que se


traduzem na prestação de garantias em benefício de outra entidade ou na
assunção de responsabilidades que ultrapassem o orçamento anual da empresa
(art. 25.º n.º 5).

 Controlo financeiro, através da Inspeção-Geral de Finanças (do Ministro das


Finanças), destinado a averiguar da legalidade, economia, eficiência e eficácia da
sua gestão (art. 26.º n.º 2).

 Exigência de informações sobre a vida económica e financeira da empresa (arts.


44.º e 45.º).

 Como anteriormente referido, além dos poderes de superintendência normais por


parte do chamado “Ministro da Tutela”, é fortemente reforçado o controlo
económico-financeiro de cada empresa pública por parte do Ministro das Finanças.

 A este respeito são assinaláveis as limitações agora introduzidas à capacidade de


endividamento das empresas públicas não financeiras, as quais, no caso de

90
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

apresentarem capital próprio negativo, só podem aceder a financiamento junto de


instituições de crédito com prévia autorização da Direção-Geral do Tesouro e
Finanças (DGTF), após emissão de parecer favorável vinculativo da Agência de
Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública IGCP, E.P.E.

 Mesmo no caso de apresentarem capital próprio positivo, as empresas ficam


sujeitas à emissão de parecer favorável vinculativo do IGCP para a concretização de
operações de financiamento por prazo superior a um ano, assim para a realização
de operações de “derivados financeiros sobre taxas de juro ou de câmbio” (art.
29.º n.º 4 e 5).

4.6.12. O princípio da gestão privada:


 As empresas públicas, de um modo geral, estão sujeitas ao direito privado. A
atividade que desenvolvem é de gestão privada.

 As empresas públicas, pela natureza do seu objeto, pela índole específica da


atividade a que se dedicam, são organismos que precisam de uma grande
liberdade de ação, de uma grande maleabilidade e flexibilidade no seu modo de
funcionamento.

 Se o Estado, através destas empresas públicas, fosse participar diretamente no


exercício das atividades económicas (industrial, comercial, bancária, etc.),
aplicando no exercício das mesmas os métodos burocráticos das repartições
públicas ou das direções-gerais dos ministérios, deparar-se-ia com dificuldades
intransponíveis: a gestão de tais organismos seria um desastre, e a experiência não
poderia durar.

 De modo que o Estado só pode dedicar-se com êxito ao exercício de atividades


económicas produtivas se for autorizado por lei a utilizar instrumentos, técnicas e
métodos de atuação que sejam especialmente flexíveis, ágeis e expeditos.

 Ora, verifica-se que esses métodos, formas e técnicas de gestão são precisamente
aquelas que se praticam no setor privado, que caracterizam a gestão de empresas
privadas, e que o próprio direito privado reconhece e protege como formas típicas
da gestão privada. É, com efeito, na prática do setor privado, nomeadamente na
prática das sociedades comerciais, que se vão encontrar esses métodos modernos
de gestão, particularmente aptos ao exercício de atividades económicas
produtivas.

 Por esta razão estabeleceu-se o princípio segundo o qual as empresas públicas


devem atuar em termos de gestão privada, isto é, devem poder desempenhar as

91
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

suas atividades de acordo com as regras próprias do direito privado, em especial


do Direito Comercial. É o que se passa, por exemplo, com a banca.

 Portanto, a regra geral no nosso país é a de que as empresas públicas, embora


muitas vezes administradas por uma direção pública e sempre sujeitas a um
apertado controlo público, aplicam na sua atividade o direito privado. Tal acontece
porque o Direito Administrativo manda a sua aplicação (art. 14.º n.º 1 DL n.º
133/2013).

 No entanto, o princípio da gestão privada não significa a sujeição da atividade das


empresas públicas apenas ao direito privado, mas a todo o direito normalmente
aplicável às empresas privadas, o que inclui, além do direito privado, aquela parte
do direito público que versa especificamente sobre a atividade económica das
empresas privadas (Direito Fiscal, Direito Penal Económico, etc.).

 Esta é a regra geral aplicável em Portugal. Mas tal regra comporta exceções.

 Apesar de, à atuação da generalidade das empresas públicas ser conveniente a


aplicação do princípio da gestão privada, estas, em certos casos, podem precisar, e
muitas vezes precisam, de combinar o recurso ao direito privado com a
possibilidade de lançar mão do direito público, sempre que necessário.

 Assim, depois de estabelecer como regra geral a submissão das empresas pública
ao direito privado, o Decreto-Lei n.º 133/2013, no art. 22.º n.º 1, acrescenta que
“poderão as empresas públicas exercer poderes e prerrogativas de autoridade de
que goza o Estado, designadamente quanto a:

 Expropriação por utilidade pública;


 Utilização, proteção e gestão das infraestruturas afetas ao serviço público;
 Licenciamento e concessão, nos termos da legislação aplicável, da utilização do
domínio público (…)”.

 Mesmo nestes casos, a regra geral é a da gestão privada: a gestão pública só pode
ser estabelecida “em situações excecionais e na medida do estritamente
necessário à prossecução do interesse público”, e somente por intermédio da lei
ou de um contrato de concessão (art. 22.º n.º 2)

4.6.13. Corolários e limites do princípio de gestão privada:


O princípio da gestão privada desdobra-se em toda uma série de corolários. Citam-se
os principais:

92
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

a) Contabilidade: a contabilidade das empresas públicas é uma contabilidade


empresarial, e não administrativa. Isto é, a contabilidade das empresas públicas
faz-se de acordo com as regras próprias da contabilidade comercial ou industrial,
não se faz de acordo com as regras próprias da contabilidade pública (art. 58.º n.º
1).

b) Fiscalização das contas: as contas das empresas públicas estão sujeitas à


fiscalização do Tribunal de Contas, assim como à fiscalização da Inspeção-Geral de
Finanças (art. 26.º).

c) Regime jurídico do pessoal: o regime jurídico do pessoal que trabalha nas


empresas públicas é o regime do contrato individual de trabalho (art. 17.º n.º 1), e
não o regime dos trabalhadores em funções públicas. Apesar da consagração desta
regra geral, a lei prevê a aplicação do regime do trabalhador em funções públicas
em matéria de subsídio de refeição, de abono de ajudas de custo e de retribuição
devida por prestação de trabalho suplementar e trabalho noturno aos
trabalhadores das entidades públicas empresariais e das empresas públicas de
capital exclusiva ou maioritariamente público (art. 18.º).

d) Segurança Social: o regime de segurança social do pessoal das empresas públicas é


o regime geral aplicável aos trabalhadores das empresas privadas.

e) Impostos do pessoal: os funcionários das empresas públicas pagam impostos:


estes ficam sujeitos, quanto às remunerações, à tributação que incide sobre as
remunerações pagas aos trabalhadores das empresas privadas. Ou seja, quem
trabalha ao serviço de uma empresa pública paga impostos sobre o rendimento do
seu trabalho, nos mesmos termos em que os pagam aqueles que trabalham ao
serviço de empresas privadas.

f) Impostos da empresa: as empresas públicas estão sujeitas, em princípio, à


tributação, direta ou indireta (art. 14.º, n.º 2). Isto significa que as empresas
públicas, por terem um regime de gestão privada, têm de pagar impostos ao
Estado, como se fossem privadas, ao contrário do que acontece com os institutos
públicos.

g) Registo comercial: todas as empresas públicas estão sujeitas ao registo comercial,


ou por serem sociedades, ou porque a lei as submete expressamente a esse regime
(art. 61.º).

h) Contencioso: nos termos do art. 23.º n.º 2, compete aos tribunais judiciais o
julgamento da generalidade dos litígios em que seja parte uma empresa pública.
Ou seja, a fiscalização da atividade das empresas públicas não fica submetida aos
tribunais administrativos, justamente porque as empresas públicas fazem gestão

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1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

privada. No entanto, nos casos em que, segundo o art. 22.º, as empresas públicas,
ainda que revistam a forma de sociedade, puderem exercer poderes de autoridade,
os litígios daí emergentes serão da competência dos tribunais administrativos.

i) Execução por dívidas: neste âmbito, o princípio da gestão privada encontra outra
exceção. Assim, se se tratar de pessoas coletivas públicas, não é possível intentar
contra qualquer empresa pública processo de falência ou insolvência, salvo na
medida em que determinar o decreto-lei que procedeu à criação da empresa (art.
35.º n.º 2). Mas esta proibição da execução universal não impede a licitude da
execução singular por dívidas, nos termos gerais do Código do Processo Civil (art.
737.º n.º 1 CPC).

j) Serão as empresas públicas comerciantes?: são se forem sociedades comerciais,


mas já não o serão se forem entidades públicas empresariais, até porque, nestes
casos, não estão sujeitas a falência.

4.7. Administração autónoma:


4.7.1. Conceito e espécies:
 De acordo com o art. 199.º, al. d) da Constituição, compete ao Governo, no
exercício das suas funções administrativas, dirigir os serviços e a atividade da
administração direta do Estado, civil ou militar, superintender na administração
indireta e exercer a tutela sobre esta e sobre a administração autónoma. Podem
divisar-se aí, portanto, as três grandes modalidades de administração pública
existentes: a administração direta do Estado; a administração indireta do Estado e
a administração autónoma.

 Por sua vez, o art. 267.º, n.º 3 da constituição, ao determina que a lei pode criar
entidades administrativas independentes, estabelece as bases para uma quarta
modalidade de Administração estadual: a administração independente, assim
designada pela ausência de uma relação de subordinação relativamente ao
Governo, enquanto órgão superior da Administração Pública (art. 198.º da CRP).

 Importa aqui entender a definição de administração autónoma. Assim, este tipo de


administração é aquele que prossegue interesses públicos próprios das pessoas
que a constituem e por isso se dirige a si mesma, definindo com independência a
orientação das suas atividades, sem sujeição a hierarquia ou a superintendência do
Governo.

 Em primeiro lugar, a administração autónoma prossegue interesses públicos


próprios das pessoas que a constituem, ao contrário da administração indireta que
prossegue atribuições do Estado, ou seja, prossegue fins alheios.

94
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 Em segundo lugar, a administração autónoma dirige-se a si mesma, apresentando-


se como um fenómeno de autoadministração, ou seja, são os seus próprios órgãos
que definem com independência a orientação das suas atividades, sem estarem
sujeitos a ordens ou instruções, nem a diretivas ou orientações do Governo.

 A administração direta do Estado, central ou periférica, depende sempre


hierarquicamente do Governo; a administração estadual indireta está sujeita em
princípio à superintendência do Governo, em alguns casos, porém, o legislador
considera preferível ou vê-se mesmo forçado a sujeitá-las a simples poderes de
tutela, sendo de qualquer modo o governo que traça a orientação e define os
objetivos fundamentais a prosseguir.

 Diferentemente se passam as coisas com a administração autónoma, já que esta se


administra a si própria e não deve obediência a ordens ou instruções do governo,
nem tão-pouco a quaisquer diretivas ou orientações dele emanadas.

 O único poder que constitucionalmente o governo pode exercer sobre a


administração autónoma é o poder de tutela (art. 199.º, al. d), art. 229.º, n.º 4 e
art. 242.º da Constituição), que é um mero poder de fiscalização ou controlo, que
não permite dirigir nem orientar as entidades e ele submetidas.

4.7.2. Entidades incumbidas da administração autónoma:


 Há várias espécies de entidades públicas que desenvolvem uma administração
autónoma ou que pertencem à Administração autónoma:

a) As associações públicas;
b) As autarquias locais;
c) E, embora numa posição especial, as regiões autónomas dos Açores e da
Madeira.

 As primeiras são entidades de tipo associativo; as segundas e as terceiras são as


chamadas pessoas coletivas de população e território. Em todas elas há um
substrato humano: todas são agrupamentos de pessoas, diferentemente do que
acontece na administração indireta, onde tanto os institutos públicos como as
empresas públicas são substratos materiais, organizações de meios.

 As regiões autónomas dos Açores e da Madeira integram-se na administração


autónoma, embora com algumas especificidades muito importantes, que não
permitem a sua integral assimilação às associações públicas e às autarquias locais.
Com efeito, as regiões autónomas não são apenas entidades administrativas,
apresentando-se também como um fenómeno de descentralização política, que
envolve a transferência para os órgãos regionais de significativos poderes

95
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

legislativos, condicionando, por essa razão, a própria forma unitária do Estado


português (art. 6.º, n.º 2 da CRP).

4.8. As associações públicas:


4.8.1. Conceito:
 É conhecido o conceito de associação: de acordo com os arts. 157.º e 167.º do
Código Civil, uma associação é uma pessoa coletiva constituída elo agrupamento
de várias pessoas singulares ou coletivas que não tenha por fim o lucro económico
dos associados. Se o tivesse, seria uma sociedade.

 A maior parte das associações são entidades privadas. Mas algumas associações há
que a lei cria ou reconhece com o objetivo de assegurar a prossecução de certos
interesses coletivos, chegando mesmo a atribuir-lhes para o efeito um conjunto de
poderes públicos, ao mesmo tempo que as sujeita a especiais restrições de caráter
público. Estas outras entidades têm ao mesmo tempo natureza associativa e de
pessoas coletivas públicas, pelo que não podem deixar de ser qualificadas como
associações públicas.

 Pode, assim, definir-se associações públicas como sendo as pessoas coletivas


públicas, de tipo associativo, destinadas a assegurar autonomamente a
prossecução de determinados interesses públicos pertencentes a um grupo de
pessoas que se organizam com esse fim.

 Enquanto os institutos públicos e as empresas públicas têm um substrato de


natureza institucional, as associações públicas têm um substrato de natureza
associativa. Aqueles assentam sobre uma instituição; as associações públicas têm
por esteio um agrupamento de indivíduos e ou de pessoas coletivas com um
objetivo comum.

 Por outro lado, os institutos públicos e as empresas públicas existem para


prosseguir interesses públicos do Estado, integrando-se por isso, na administração
estadual indireta. Ao passo que as associações públicas existem para prosseguir
interesses públicos próprios das pessoas que as constituem, pelo que, por essa
razão, fazem parte da administração autónoma. Têm interesses e fins próprios e,
por isso mesmo, dirigem, orientam e gerem os seus destinos, os seus bens, o seu
pessoal e as suas finanças sem estarem sujeitos a diretivas ou a orientações
exteriores.

 Entre associações públicas e institutos públicos há apenas uma coisa em comum:


ambos são pessoas coletivas públicas, criadas para assegurar a prossecução de
interesses públicos determinados. O mesmo vale, aliás, para o confronto entre as
associações públicas e as empresas públicas, mas, neste caso, as associações

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1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

públicas nunca têm por fim último a obtenção de lucro, enquanto as empresas
públicas, por definição, procuram a obtenção de lucro, ainda que na prática nem
sempre o alcancem.

 Importa sublinhar que as associações públicas se caracterizam precisamente pela


sua grande heterogeneidade, sobretudo quanto ao tipo de associados, mas
também quanto às suas origens históricas e quanto aos fins prosseguidos,
refletindo-se essa diversidade nos regimes jurídicos que lhes são aplicáveis.
Concretizando, existem associações públicas de entes públicos, de entes
particulares e, simultaneamente, de entidades públicas e privadas.

 O recente aumento da importância qualitativa e quantitativa das associações


públicas vem mais uma vez demonstrar a crescente complexidade dos modelos
organizativos da Administração Pública moderna que, para obter maior eficiência e
racionalidade processual, num contexto agora permeável a ideias de participação e
de promoção de interesses de grupos, se serve de diferentes formas de
colaboração dos administrados.

 A constituição no art. 267.º, n.º 4, vem dispor que o legislador parlamentar (art.
165.º, n.º 1, al. s)) só pode constituir associações públicas para a satisfação de
necessidades especificas.

4.8.2. Espécies e figuras afins:


a) Espécies:
 São três as espécies de associações públicas: associações de entidades públicas,
associações de entidades privadas, e associações de caráter misto.

1. Associações de entidades públicas:


 Esta é a categoria menos controversa. Trata-se de entidades que resultam da
associação, união ou federação de entidades públicas menores e, especialmente,
de autarquias locais. Por vezes, para designar este tipo de associações públicas
utiliza-se a expressão “consórcios públicos”.

 Os exemplos mais relevantes deste tipo de entidades são as áreas metropolitanas,


as comunidades intermunicipais e as associações de municípios e de freguesias de
fins específicos (arts. 247.º e 253.º da CRP e arts. 63.º e 110.º da LAL).

 As áreas metropolitanas são pessoas coletivas públicas de natureza associativa e


âmbito territorial, que visam a prossecução de interesses públicos, comuns aos
municípios que as integram. São-lhes cometidos um significativo conjunto de
atribuições que são declinadas em competências dos respetivos órgãos. A

97
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

liberdade de associação dos municípios está, naturalmente, condicionada pela sua


localização geográfica.

 Por sua vez, as comunidades intermunicipais são constituídas por contrato,


outorgado pelos presidentes dor órgãos executivos dos municípios envolvidos e
celebrado em conformidade com a lei civil. Os estatutos da associação, que são
assim instrumentos jurídicos de direito privado, têm o seu conteúdo mínimo
definido por lei: denominação, sede, composição, fins, bens que integram o seu
património, serviços, estrutura orgânica e modo de funcionamento, competências,
etc. a mesma lei, no entanto, é clara ao estabelecer que as comunidades
intermunicipais destinam-se à prossecução de fins públicos e dispõem de uma
estrutura orgânica uniforme: assembleia, conselho, secretariado executivo e
conselho estratégico.

 No que respeita à liberdade de associação, além das limitações decorrentes da


continuidade geográfica, a lei fixa a prior as unidades territoriais que servem de
referencia à constituição das diversas comunidades.

 Em contrapartida, o abandono é possível a todo o tempo, mas, em nome do


principio de estabilidade, é desincentivado antes de decorridos três anos sobre a
constituição ou adesão à associação, através da previsão de consequências
financeiras negativas. Além disso, como requisitos mínimos, as comunidades
intermunicipais têm de agregar pelo menos cinco municípios ou uma população
igual ou superior a 85 000 habitantes.

 Por fim, as associações de autarquias locais, municípios e freguesias, de fins


específicos são também constituídas por contrato, que deve incluir os estatutos da
nova entidade, nos termos da lei civil. Aqui a liberdade de constituição e adesão é
bastante maior, sem prejuízo de se aplicar também o mesmo sistema de
desincentivo ao abondo por parte dos seus membros.

2. Associações públicas de entidades privadas:


 É esta a categoria mais importante das associações públicas. Quando algumas das
disposições legais e constitucionais se referem a associações públicas pretendem
fundamentalmente aplicar-se a esta modalidade em concreto.

 Como exemplos, podem apontar-se as ordens profissionais e as câmaras


profissionais. A diferença entre as primeiras e as segundas tem unicamente a ver
com o grau académico dos associados: curso superior no caso das ordens e curso
intermedio no caso daas câmaras (art. 11.º da LAPP). A verdade, porém, é a de que
as tradicionais câmaras profissionais tenderão a desaparecer. Existe,

98
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

inclusivamente, uma associação (de direito privado) que agrega todas as


associações públicas profissionais: o Conselho Nacional das Ordens Profissionais.

 Outro exemplo clássico de associação pública de entes privados é a Casa do Douro.


Com efeito, os seus estatutos classificam-na como uma associação pública,
estabelecendo que tem por objeto a representação e a prossecução dos interesses
de todos os viticultores, das suas associações e adegas cooperativas da Região
Demarcada do Douro. Trata-se de uma associação pública de inscrição obrigatória.
Os viticultores inscritos ficam assim com o direito de eleger e ser eleitos para os
órgãos da Casa do Douro, bem como beneficiar dos serviços por ela prestados. Em
contrapartida ficam sujeitos ao cumprimento das deliberações tomadas pelos seus
órgãos e ao pagamento de quotizações. Não obstante a última das muitas reformas
legislativas que incidiram sobre a Casa do Douro, prevê a sua extinção enquanto
pessoa coletiva de direito público e a sua transformação enquanto pessoa coletiva
de direito privado representativa dos vitivinicultores.

 Há ainda a considerar as academias cientificas e culturais. Os diplomas que as


regem não as qualificam expressamente como pessoas coletivas públicas. Grosso
modo, são qualificadas como instituições de utilidade pública, dotadas de
personalidade jurídica e de autonomia administrativa e, nalguns casos, sob a tutela
do membro do Governo responsável pela área da cultura. Além disso, são ainda
consideradas como órgãos consultivos do governo no domínio cientifico em que
desempenham a sua atividade.

 No entanto, é evidente que todas as entidades em causa possuem um substrato


pessoal, constituindo agremiações de indivíduos que se destacaram nos domínios
cientifico e cultural, denominados académicos. Ora, são estes académicos que,
reunidos em assembleia, elegem os restantes órgãos da academia, deliberando
igualmente sobre a eleição de novos sócios ou a alteração de categoria dos
existentes e sobre as atividades a desenvolver no domínio das suas atribuições. E
também não há duvidas que os sócios são pessoas jurídicas privadas, até porque os
académicos são necessariamente pessoas singulares, cidadãos nacionais ou
estrangeiros que se tenham notabilizados pelos seus trabalhos ou obras no âmbito
cientifico ou cultural que a respetiva academia visa promover.

 Em suma, as academias são pessoas coletivas públicas de estrutura associativa.

3. Associações públicas de caráter misto:


 Finalmente, há que dar conta de um terceiro grupo de associações públicas, de
caráter misto, em que numa mesma associação se agrupam uma ou mais pessoas
coletivas públicas e indivíduos ou pessoas coletivas privadas. Nestes casos, há
associados públicos e particulares, uns e outros com direito a participar na

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1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

assembleia geral ou num órgão deliberativo equivalente, em proporções variáveis.


E nos órgãos executivos estão também presentes tanto os representantes do
Estado ou de outra ou outras pessoas coletivas públicas, como os representantes
dos associados particulares.

 A título de exemplo, refiram-se os centros de formação profissional de gestão


partilhada ou centros protocolares. De acordo com o Decreto-Lei n.º 165/85, a
formação profissional em cooperação estabelece-se através da celebração de
protocolos, cuja natureza é a de contratos entre o Instituto do Emprego e
Formação Profissional e quaisquer entidades do setor público, cooperativo ou
privado, com a finalidade de responder às necessidades permanente de formação
profissional de um ou vários setores da economia. Aliás, a própria lei esclarece que
os centros em causa são organismos dotados de personalidade jurídica de direito
público com autonomia administrativa e financeira e património próprio. Estes
centros, cujo número ascende hoje a várias dezenas, são, assim, associações
públicas entre Instituto de Emprego e formação Profissional, e este é, por isso, um
sócio necessário, e outras entidades públicas ou privadas que pretendem
desenvolver um projeto de formação profissional com apoio financeiro público.

 Também constituem associações públicas mistas as cooperativas de interesse


público, comummente designadas “régies” cooperativas, e que desenvolvem as
suas atividades em áreas tão díspares como a música, o apoio social ou a gestão de
matas nacionais. Estas cooperativas são pessoas em que, para a prossecução dos
seus fins, se associam o Estado ou outras pessoas coletivas de direito público e
cooperativas ou utentes dos bens e serviços produzidos ou pessoas coletivas de
direito privado, sem fins lucrativos.

 Por fim, parecem ainda ser associações públicas de caráter misto os centros
tecnológicos.

b) Figuras afins:

Convém não confundir as associações públicas com outras entidades que assim não o
podem ser qualificadas:

 Por não serem pessoas coletivas de direito público.


 Por lhes faltar a natureza associativa.
 Ou mesmo por não possuírem personalidade jurídica.

Não são qualificáveis como associações públicas:

 A Associação Nacional de Municípios e a Associação Nacional de Freguesias.


 As associações políticas.

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1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 As igrejas e as demais comunidades religiosas.


 As associações sindicais.
 A Cruz Vermelha Portuguesa.
 As federações desportivas.
 As casas do povo.
 As associações de solidariedade social, de voluntários de ação social, de socorros
mútuos, bem como as demais associações de utilidade pública ou de utilidade
pública administrativa.
 As denominadas associações de desenvolvimento regional.
 As câmaras de comercio e indústria.
 A comissão de Carteira Profissional do Jornalista.
 As organizações de moradores.
 Não há confusão possível entre as associações públicas mistas e a relação que se
estabelece entre as entidades públicas e privadas que sejam partes de um contrato
de urbanização.

 Importa explicar por que motivo as universidades públicas não devem também, no
presente, ser consideradas juridicamente como associações públicas. A verdade é
que elas foram estatizadas e burocratizadas, transformando-se em institutos
públicos. A Lei da Autonomia Universitária confere às universidades públicas uma
forma de funcionamento interno de índole corporativa, que levou já à proposta da
sua qualificação como associações públicas e da sua integração na administração
autónoma.

 Mas a verdade é que uma coisa é o modo de funcionamento interno de uma


pessoa coletiva, outra é o seu substrato. A ideia de uma associação entre
professores, alunos e funcionários, prosseguindo fins próprios, não parece aderir
bem à realidade das nossas universidades públicas, compostas antes de mais por
professores que são funcionários públicos do Estado, predominantemente
apoiadas no financiamento estadual e estruturadas burocraticamente de modo a
fornecer em massa prestações educativas aos alunos que são obrigadas a admitir,
segundo parâmetros definidos a nível nacional pelo Ministério da Educação. Estes
aparecem assim mais como utentes do que como associados, do mesmo modo que
os professores e o pessoal não docente surgem como simples funcionários e não
como sócios. Por isso, as universidades públicas constituem atualmente uma
modalidade particular de institutos públicos estaduais, caracterizados pelo seu
funcionamento participado e por um elevado grau de autonomia garantido
constitucionalmente.

4.8.3. Regime constitucional e legal:

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1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 Não existe, no ordenamento jurídico português, um diploma legal que regule as


associações públicas no seu conjunto. Há, contudo, diplomas que disciplinam as
espécies mais importantes de associações públicas, como sucede com a LAL, no
respeitante às associações de autarquias locais, e com a LAPP, que estabelece um
regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas
profissionais. Depois, também há diplomas que regulam em especial cada uma das
muitas associações públicas existentes.

 No entanto, como pessoas coletivas públicas e enquanto entidades integradas na


Administração Pública, são muitas as regras e princípios constitucionais que se
aplicam de forma direta à totalidade das associações públicas. Assim, estão estas
sujeitas, nomeadamente:

a) Ao principio segundo o qual a validade dos atos de todos os poderes públicos


depende da sua conformidade com a Constituição (art. 3.º, n.º 3).

b) À regra da vinculação das entidades públicas ao regime dos direitos, liberdades e


garantias (art. 18.º, n.º 1).

c) Ao direito de os particulares acederem aos tribunais para defesa dos seus direitos,
impugnando aí todas as decisões administrativas lesivas desses direitos (art. 20.º).

d) Ao principio da responsabilidade civil dos poderes públicos, por violação ativa ou


omissiva de direitos dos particulares (art. 22.º).
e) Ao direito de os particulares solicitarem a intervenção do Provedor de Justiça em
defesa dos seus direitos afetados por atuações ou omissões de entidades
administrativas (art. 23.º).

f) Aos direitos de audiência e defesa dos particulares e, em particular, dos seus


associados, em todos os processos sancionatórios e contraordenacionais (art. 32.º,
n.º 10).

g) A algumas das regras contidas no art.º 112, n.º 6 e 8, sobre o exercício do poder
regulamentar.

h) À fiscalização das suas finanças pelo Tribunal de Contas, nos termos do art. 214.º e
da lei ordinária que o concretiza.

i) À generalidade dos princípios constitucionais sobre organização da Administração


Pública, tais como os princípios da desburocratização, da aproximação dos serviços
às populações, da participação dos interessados nas decisões que lhes dizem
respeito, da desconcentração e da eficiência da administração (art. 267.º).

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1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

j) A todos os princípios constitucionais sobre atividade da Administração, tais como


os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da boa
fé (art. 266.º).

k) A todos os direitos constitucionais dos particulares, como o direito à informação


administrativa, o direito de acesso aos arquivos administrativos e os direitos à
notificação e à fundamentação dos atos administrativos (art. 268.º).

l) E, em especial, ao direito de os associados e de terceiros a uma tutela jurisdicional


efetiva, incluindo a faculdade de impugnação por uns e outros de todos os atos
lesivos das suas posições jurídicas, de impugnação das normas administrativas
emanadas pelos órgãos das associações em causa, de requerer a determinação da
prática de atos legalmente devidos e por estas omitidos, de pedir o
reconhecimento judicial de direitos ou interesses legítimos, assim como a
possibilidade de obter as providencias cautelares indispensáveis à proteção de
posições jurídicas ameaçadas.

m) À fiscalização da constitucionalidade das normas regulamentares ou regimentais


por si emanadas (art. 277.º e ss.).

 Não quer isto dizer que as associações públicas desenvolvam a suas atividades
submetidas exclusivamente a normas de direito público. Pelo contrário, o recurso
ao direito privado é, também aqui, crescente.

 Pode dizer-se, em qualquer caso, que as entidades em causa atuam


necessariamente segundo regras de direito público quando pretenderem agir
perante os seus associados, ou mesmo perante terceiros, munidas de poderes de
autoridade. Em contrapartida, quando desenvolvem atividades instrumentais, as
associações públicas seguem normalmente o direito privado.

 Por outro lado, as associações públicas encontram-se previstas de modo explicito


na nossa Lei Fundamental. Interessa, por isso, conhecer qual é o regime especifico
das associações públicas, ou seja, aquelas normas constitucionais e legais que
respeitam direta e unicamente às entidades em causa:

a) No art. 165.º, n.º 1, al. s), as associações públicas foram integradas entre as
matérias de reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da
República, o que significa que o respetivo regime legal só pode ser estabelecido
pelo Parlamento ou, mediante autorização legislativa deste, pelo governo.

b) Por força do art. 199.º, al. d), as associações públicas, enquanto entes integrados
na administração autónoma (juntamente com as autarquias locais), podem ser
submetidas por lei a poderes de tutela a exercer por parte do Governo.

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1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

c) Nos termos do art. 247.º, as freguesias podem constituir, nos termos da lei,
associações para administração de interesses comuns.

d) Segundo o art. 253.º, os municípios podem constituir associações e federações


para a administração de interesses comuns, às quais a lei pode conferir
atribuições e competências porpiás.

e) No art. 267.º, n.º 1, as associações públicas surgem como uma das formas de
concretização dos princípios da desburocratização da Administração, da
aproximação dos serviços às populações e da participação dos interessados na
sua gestão efetiva.

f) No art. 267.º, n.º 4, a constituição impõe importantes limites à criação e ao


funcionamento das associações públicas, mais precisamente:
 As associações públicas só podem constituídas para a satisfação de
necessidades especificas.
 No que respeita à sua atividade, não pode exercer funções, próprias das
associações sindicais.
 Têm organização interna baseada no respeito dos direitos dos seus membros.
 Têm organização interna baseada na formação democrática dos seus órgãos.

 Na verdade, se o disposto nas al. s), do n.º 1, do art. 165.º e na alínea d) do art.
199.º se aplica a todas as associações públicas, os arts. 247.º e 253.º referem-se
apenas a associações de entes públicos autárquicos, ao passo que o art. 267.º,
sobretudo o n,º 4, está pensado fundamentalmente para associações de entes
privados e, em particular, para as ordens e câmaras profissionais.

Começando pela alínea s), do n.º 1, do art. 165.º, as associações públicas podem ter
na sua origem:

 Um ato público que, a partir do nada, procede à sua criação;


 A transformação de um organismo público de tipo institucional;
 Um ato jurídico dos seus associados, pessoas públicas ou privadas, que procedem à
sua constituição.
 Um ato de publicização de uma associação privada pré-existente.

 Por outro lado, se a reserva de lei ou de decreto-lei autorizado não elimina


necessariamente a autonomia estatuária e, em geral, a autonomia normativa das
associações públicas, a verdade é que constitui um limite importante a essa mesma
autonomia. Sobretudo no que se refere à autonomia estatuária, na prática ela
assume uma natureza meramente residual. Os traços mais importantes do regime
de cada uma das diferentes categorias de associações públicas têm de ser definidos
pelo legislador parlamentar ou, sob autorização deste, pelo legislador

104
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

governamental no fundo, a autonomia estatuária e mesmo a autonomia normativa


das associações públicas começam apenas onde acaba a reserva estabelecida na al.
s), do n.º 1, do art. 165.º.

 Quanto à norma da al. d), do art. 199.º, ela não representa só por si credencial
bastante para que o Governo exerça poderes de tutela sobre todas as entidades
inseridas na Administração autónoma e, consequentemente, sobre todas as
associações públicas. Desde logo, não se explicita que modalidade de tutela está
em causa, nem qual a intensidade dos poderes concretos em que se pode traduzir,
exigindo-se uma intervenção concretizadora do legislador ordinário.

 Assim, se é verdade que as mais relevantes associações públicas de entes públicos


sempre estiveram expressamente submetidas por lei a tutela administrativa, a
criação delas não poderia representar uma forma de as autarquias fugirem ao
regime geral de tutela, tradicionalmente o mesmo não sucedia com as associações
públicas de entes privados e, muito em particular, com as ordens e câmaras
profissionais. A LAPP, estabelece atualmente, no art. 45.º, um regime preciso de
tutela administrativa sobre as associações públicas profissionais, quanto ao alcance
dos poderes tutelares, seguro é que, no respeitante às associações de autarquias
locais, a tutela não pode ser mais intensa do que a exercida sobre cada uma delas
consideradas isoladamente, no que concerne às associações públicas profissionais,
a regra é hoje também a tutela inspetiva de legalidade, mas admite-se a
possibilidade de previsão legal expressa de tutela de mérito e, até, de
superintendência.

 No tocante à norma do n.º 4, do art. 267.º da Constituição. Importa sublinhar que


dela se tem retirado uma regra de excecionalidade em matéria de criação de
associações públicas profissionais. Não se trata apenas de sustentar em matéria de
associações profissionais a singularidade dos seus fins e, muito menos, de
reafirmar o principio da especialidade das pessoas coletivas. De facto, a
autorização constitucional para a criação de associações públicas está longe de
constituir um cheque em branco passado ao legislador, sendo necessário que este
justifique bem essa mesma criação com a existência de necessidades especifica
com projeção na própria Constituição. O art. 3.º da LAPP refere-se à necessidade
de tutela de um interesse público de especial relevo que o Estado não possa
assegurar diretamente.

 Assim, por exemplo, a Ordem dos Advogados encontra justificação constitucional


na necessidade de enquadrar devidamente os advogados enquanto agentes
privilegiados da administração da justiça (art. 208.º).

105
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 As associações públicas profissionais, e com elas o n.º 4 do art. 267.º carecem,


porém, de uma análise mais aprofundada.

4.8.4. As ordens profissionais em especial:


a) Preliminares:
 Em todas as associações públicas de entes privados a lei entrega a uma associação
de pessoas privadas, normalmente indivíduos, a prossecução de um interesse
público destacado de uma entidade pública de fins múltiplos, máxime o Estado, e
em parte coincidente com os interesses particulares desses mesmos sujeitos
privados.

 Pode mesmo afirmar-se que, ao criar para o efeito uma associação pública,
transferindo para ela poderes de autoridade originariamente pertencentes ao
Estado, a lei está a reconhecer de forma implícita que, nas circunstancias do caso,
um certo interesse público especifico será melhor prosseguido pelos particulares
interessados, em regime de associação, e sob a direção de órgãos por si próprios
eleitos, do que por um serviço integrado na administração direta do Estado,
constituído por funcionários, ou mediante um instituto público que, embora
personalizado, mais não seria do que uma longa manus do governo, a cargo de
pessoas por este nomeadas (art. 3.º, n.º 1, al. a), da LAPP).

 Especificamente no que respeita às ordens e câmaras profissionais, pode dizer-se


que, em abstrato, o estado tem ao seu dispor, no nosso país, uma alternativa para
regular e disciplinar o exercício de uma profissão de interesse público: reconhecer
a organização própria dos profissionais como associação pública, confiando-lhe o
cumprimento de tal missão.

 Entre nos, as ordens e câmaras profissionais são, assim, associações públicas


formadas pelos membros de certas profissões de interesse público com o fim de,
por devolução de poderes do Estado, regular e disciplinar o exercício da respetiva
atividade profissional (art. 2.º, da LAPP).

b) Funções:
 Além da defesa dos interesses gerais dos destinatários dos serviços prestados pelos
seus membros, identificam-se normalmente quatro núcleos fundamentais de
funções desenvolvidas pelas ordens profissionais (art. 5.º da LAPP):

1. Funções de representação da profissão face ao exterior.

106
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

2. Funções de apoio aos seus membros.


3. Funções de regulação da profissão.
4. Funções administrativas acessórias ou instrumentais.

 As funções mais importantes são as de representação profissional e de regulação


da profissão.

 Assim, as ordens profissionais desenvolvem normalmente uma intensa atividade


de defesa da profissão, tomando posições públicas, desenvolvendo contactos com
o poder político e com organizações de diversa natureza, etc. Por sua vez, as
funções de regulação profissional desdobram-se na regulação do acesso à profissão
e na regulação do exercício da profissão, com particular destaque para a definição
de regras deontológicas lato sensu e para o controlo disciplinar.

 No que respeito ao acesso à profissão, as ordens efetuam a verificação dos


requisitos académicos, realizam estágios e provas de admissão, controlam
eventuais incompatibilidades, decidindo sobre a inscrição ou não inscrição dos
candidatos à profissão. No tocante ao exercício da profissão propriamente dita, as
ordens gozam normalmente de uma capacidade normativa de intensidade variável,
que incide tanto sobre as legis artis de caráter técnico como sobre os padrões de
comportamento ético que os membros devem respeitar.

 Finalmente, em ligação com estas normas deontológicas lato sensu e com a


generalidade das normas legais que regulam o exercício da profissão, surge a
função disciplinar sobre os membros da ordem, com a possibilidade de aplicar
sanções que podem ir até à expulsão da própria corporação, com a consequente
interdição do exercício da profissão.

 As funções de representação profissional e de regulação da profissão podem


revelar-se conflituantes, designadamente porque as ordens nem sempre se
limitam a assumir a função de representação e defesa dos interesses morais da
profissão, alargando a respetiva atividade à defesa dos interesses patrimoniais dos
seus membros. Além disso, a função de representação das ordens profissionais
desenvolve-se em torno da proteção do respetivo monopólio profissional,
perseguindo o “intrusismo”, isto é, a proibição da prática das tarefas profissionais
reservadas aos seus membros por quem não possua os necessários requisitos e
não seja, portanto, membro da corporação.

 Quanto tal suceda, a prevalência deve ser dada às funções de regulação porque é
nestas que reside o interesse público justificativo da própria ordem profissional.
Não que as funções de representação profissional tenham natureza privada, mas
seguramente que os interesses aí m causa assumem uma relevância menor do que
a exigência de confiança social, referente às qualificações e à conduta de certa

107
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

categoria profissional a que o Estado responde manifestando confiança na auto-


organização dos respetivos profissionais e, simultaneamente, e decretando a
necessidade de cada um a integrar para poder exercer a profissão.

c) Instrumentos de atuação:
 Desde logo, as odes profissionais dispõem de poder regulamentar, bem como do
poder de pratica atos administrativos, definidores da situação jurídica individual e
concreta dos seus membros e mesmo de terceiros (art. 9.º e 17.º da LAPP).

 As ordens profissionais caracterizam-se ainda pelo facto de o legislador, ao definir


o seu regime, as associar a um conjunto de poderes jurídicos fundamentais ao
desempenho das suas funções. Assim, os traços do regime legal das ordens
profissionais traduzem-se nas seguintes características:
a) Unicidade;
b) Filiação (ou inscrição) obrigatória;
c) Quotização obrigatória;
d) Autoadministração;
e) Poder disciplinar.

 A unicidade impede a existência de outras associações púbicas com os mesmos


objetivos e com o mesmo âmbito de jurisdição.

 A quotização obrigatória é um corolário da filiação obrigatória e uma


contraprestação pelos serviços presados pelas ordens aos seus associados (art.
10.º da LAPP).

 A autoadministração é também aceite sem problemas de maior numa


Administração Pública que se pretende descentralizada democraticamente e
participada, representando ainda um tributo pago pelas ordens profissionais à sua
natureza associativa e à própria dimensão interna da liberdade de associação, que
não pode ser esmagada pelo facto de se constituírem como pessoas coletivas
públicas (arts. 15.º e 16.º da LAPP).

 Por último, o poder disciplinar implica a existência de um conjunto de garantias dos


seus destinatários, que passam pela natureza dos órgãos que o exercem, pela
proporcionalidade das penas disciplinar e pela estruturação de um procedimento
justo, dotado das necessárias garantias de defesa, mas não suscita problemas
constitucionais controversos ou inultrapassáveis (art. 18.º da LAPP).

 Mais delicado é, sem dúvida, o instituto da filiação obrigatória (art. 24.º da LAPP).
Em termos práticos, a filiação obrigatória explica-se pela conveniência de fazer
recair sobre todos os profissionais de cada setor os custos correspondentes aos

108
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

benefícios resultantes da atividade da corporação, pela vantagem existente na


coincidência entre os membros da corporação e o âmbito pessoal de jurisdição dos
seus órgãos e, por último, pelo reforço da representatividade e legitimidade
democrática da própria ordem.

 Na realidade a inscrição obrigatória é, claramente, um problema de direitos


fundamentas e como tal deve ser analisado.

d) Limites constitucionais à sua atividade:


 A existência de uma ordem profissional de inscrição obrigatória representa uma
restrição à liberdade de associação e uma restrição à liberdade de profissão.
Podem até ser restrições legais constitucionalmente legítimas, mas não deixam de
ser verdadeiras e próprias restrições e, como tal, sujeitas ao respetivo regime
jurídico-constitucional. Por isso, a possibilidade de constituir associações públicas
deve decorrer de especificas normas constitucionais que sirvam de legitimação da
restrição da liberdade de associação à luz do art. 18.º da Constituição. E o mesmo
se diga da liberdade de profissão.

Na verdade, a art. 46.º da Constituição estabelece simultaneamente:

a) No n.º 1, a liberdade positiva de associação, que se cofra no direito de


constituir associações sem impedimentos ou imposições dos poderes públicos
e no direito de aderir a associações já existentes;
b) No n.º 2, o direito de a associação se organizar e o direito de desenvolver
livremente a sua atividade;
c) No n.º 3, a liberdade negativa de associação, isto é, o direito de não ser
compelido direta ou indiretamente a fazer parte de uma associação, assim
como o direito de a abandonar sem ser penalizado por isso.

 Qualquer uma dessas três vertentes da liberdade de associação pode ser posta em
causa com a constituição de ordens profissionais. A liberdade positiva está
condicionada pela ideia de unicidade das associações públicas. O direito de auto-
organização está coartado pela reserva de lei parlamentar, que não permite
amplas delegações de poder regulamentar, assim como o normal desenvolvimento
da atividade da associação sofre compressões derivadas do principio da legalidade
e da eventualidade de um poder de tutela.

 É sobretudo a liberdade negativa de associação que sai muito restringida com a


regra da inscrição obrigatória que caracteriza estas entidades. Com efeito, as
ordens profissionais não reconhecem àqueles que pretendam exercer a profissão
que elas representam a faculdade de não se inscreverem.

109
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 Ou se tem a qualidade de membro da associação e se pode exercer a profissão, ou


não se é membro e o exercício da profissão está vedado.

 Sublinhe-se, por último, que tanto ficam com a sua liberdade de associação
restringida aqueles que, com o objetivo de exercer certa profissão, se inscreverem
na respetiva ordem, como aqueles que não se inscreverem. Neste último caso,
porém, a não inscrição tem de resultar de uma verdadeira opção.

 Por exemplo, aquele que concluiu a sua formação superior em medicina vê a sua
liberdade de associação restringida por não poder exercer a respetiva profissão
sem estar inscrito na Ordem dos Médicos; mas já não é assim em relação a um
licenciado em biologia ou, pura e simplesmente, a quem não tem qualquer
formação superior. De igual modo, só quanto aos licenciados em Direito a regra da
inscrição obrigatória na Ordem dos Advogados constitui uma restrição à liberdade
negativa de associação. Quanto aos demais o problema não tem a ver com
restrições, mas com limites imanentes à liberdade de associação e com a liberdade
de profissão.

 Por sua vez, a liberdade de profissão foi reconhecida pelo n.º 1 do art. 47.º que
afirma que todos tê, direito de escolher livremente a profissão ou género de
trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse coletivo ou inerentes à
sua própria capacidade.

 As ordens profissionais representam em si mesmas uma restrição à liberdade de


escolha de profissão, uma vez que o acesso à profissão passa pela obtenção de
uma autorização administrativa da própria ordem e que pode até ser difícil de
obter. Mas constituem também uma restrição à liberdade de exercício de
profissão, porque esta está fechada a todos os que não estiverem inscritos, sujeitos
ao poder disciplinar dos órgãos da ordem, às regras internas e deontológicas, à
obrigação de quotização, etc. contudo, o problema das restrições à liberdade de
profissão não se coloca nos mesmos termos relativamente a todos os indivíduos,
sendo possível distinguir pelo menos quatro situações diferentes.

 Em primeiro lugar, no que se refere aos membros da ordem profissional, o direito à


escolha da profissão já foi exercido, e do que se trata é apenas de garantir o seu
exercício. Por isso, a liberdade de profissão esgota-se na impossibilidade de ser
privado desse exercício, temporária ou permanentemente, total ou parcialmente, a
não ser por decisão judicial ou administrativa que legalmente acarrete a aplicação
de uma pena com os efeitos em causa. Exige-se que a lei institua um procedimento
disciplinar equitativo e que proporcione as adequadas garantias de defesa (art.
18.º da LAPP).

110
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 Em segundo lugar, relativamente àqueles indivíduos que têm qualificações


académicas e os demais requisitos exigidos para se inscreverem na ordem em
causa, a liberdade de profissão obriga que exista um verdadeiro direito à inscrição,
associado a uma proibição de numerus clausus (art. 24.º, n.º 7, da LAPP).

 A liberdade profissão exige, quanto a estes indivíduos, a conformação por lei de


um procedimento justo de acesso, complementado pelas normais garantias
contenciosas.

 Em terceiro lugar, temos a situação daqueles indivíduos que, apesar de


preencherem os requisitos legais para a inscrição, optaram por não se inscrever na
respetiva ordem. É evidente que estes indivíduos não podem exercer
paralelemente a profissão que está organizada em ordem. A opção de não
inscrição não pode, porém, porque tomada no exercício legitimo da liberdade
(negativa) de associação, acarretar a supressa total da liberdade de profissão. Há
restrição dessa liberdade, mas não pode haver interdição de toda e qualquer
atividade profissional relacionada com a formação académica de que se é titular.

 Em quarto lugar, há que considerar a situação daqueles indivíduos que não têm
qualificações académicas ou de outra natureza para serem candidatos à ordem
profissional em causa. Trata-se, portanto, de indivíduos que têm claramente outra
profissão e não pretendem sequer exercer a profissão organizada pela ordem
profissional em questão. Por exemplo, um gestor de recursos humanos ou um
revisor oficial de contas relativamente à Ordem dos Advogados. Naturalmente que,
nestas situações, não se colocam problemas referentes à liberdade de escolha da
profissão, uma vez que esta já foi exercida relativamente a uma profissão e, por
definição, não pode ser exercida em relação à outra, para a qual não se possuem as
necessárias qualificações.

 Em suma, nas situações referidas em terceiro e quarto lugar, a liberdade de


exercício de profissão converge para uma proibição de açambarcamento de
conteúdos profissionais por parte das ordens profissionais, numa lógica de
intrusismo e protecionismo que levaria à ampliação da esfera da sua competência
exclusiva em prejuízo das profissões próximas.

4.8.5. Natureza jurídica das associações públicas:


 De comum, as associações públicas apenas têm duas coisas: a personalidade
jurídica de direito público e um substrato pessoal de índole associativa.

 Assim, se a primeira questão consiste fundamentalmente em saber se estas


entidades pertencem à categoria da administração indireta ou antes à da

111
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

administração autónoma, a segunda deriva do facto de elas serem ao mesmo


tempo associações de entidades públicas.

Começando pela primeira questão, existem duas teses:

a) Tese da administração indireta:


 Segundo esta conceção, as associações públicas criadas pelo Poder pertencem à
administração indireta do Estado, tal como os institutos públicos estaduais; o
mesmo valeria para as associações públicas criadas pelas regiões autónomas ou
pelos municípios, pertencentes, respetivamente, à administração regional indireta
e à administração municipal indireta, tal como os institutos públicos regionais e
municipais. Assim, entre os institutos públicos e as associações públicas haverá
uma diferença estruturas, mas não uma diferença funcional.

b) Tese da administração autónoma:


 De acordo com esta outra opinião, enquanto os institutos públicos pertencem à
administração indireta, as associações públicas pertencem à administração
autónoma, ou pelo menos, assim sucede com a maior parte delas, isto é, com as
associações públicas propriamente ditas, que não sejam mera fachada para
encobrir a atuação unilateral do Estado. E são autoadministração pública de
interesses sociais específicos compenetrados com interesses públicos. Assim, as
associações públicas serão estrutural e funcionalmente distintas dos institutos
públicos.

 Atualmente, a generalidade das associações publicas integra-se na administração


autónoma. A técnica associativa pode ser um mero expediente do Estado ou de
outras pessoas coletivas públicas para dirigir ou orientar de perto a prossecução
das respetivas atribuições. Por conseguinte, é preciso estar atento, porque só as
verdadeiras associações públicas pertencem à administração autónoma.

 Entende-se que os interesses públicos em causa são mais bem prosseguidos por
uma coletividade de membros, organizados segundo uma estrutura associativa e,
até certo ponto, sem interferência de terceiros na condução ou na orientação da
respetiva atividade administrativa.

 Além disso, a gestão das associações públicas há-de caber aos seus próprios
órgãos, cujos titulares são designados democraticamente pelos associados nos
termos estatuários, e não a comissários ou delegados nomeados pelo Governo ou
pelos órgãos executivos das demais pessoas coletivas públicas que as criaram.

 De igual modo, quando se criam ou reconhecem associações públicas, não se está


a optar pela atribuição de um amplo grau de autonomia a essas entidades, sobre as
quais se renuncia ao exercício de poderes de orientação ou superintendência,

112
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

mantendo-se apenas em aberto a possibilidade de exercer sobre elas, nos termos


constitucionais, poderes de fiscalização ou tutela administrativa.

 Relativamente à segunda questão, o que se discute é o problema de saber se as


associações públicas correspondem mais a um fenómeno de associativização da
organização administrativa ou se se trava de um caso de publicização do direito de
associação.

 A doutrina portuguesa tem-se inclinado no sentido de acentuar a natureza


associativa das entidades em apreço, razão epla qual lhes aplica supletivamente o
regime civilista das associações de direito privado, ressalvando-se apenas o que
seja compatível com as razões e as particularidades determinantes da sua
configuração pública.

 O facto de serem públicas não lhes retira a natureza de associações, isto é, de


agrupamentos de pessoas, congregadas para a realização de certas tarefas
comuns, com órgãos próprios e com orientação própria. Em consequência, parece
ser pertinente indagar em que medida e de acordo com que critério é que o regime
das associações públicas pode contrariar o regime constitucional da liberdade de
associação e mesmo de outras liberdades, como a de exercício de profissão e de
iniciativa económica.

 Mas a verdade é que a dita orientação doutrinária, que foi pensada


fundamentalmente para enquadrar as ordens e as câmaras profissionais, não
parece valer para as associações de entidades públicas e, muito em particular, para
as associações de autarquias locais. Desde logo porque é extremamente duvidoso
que as pessoas coletivas públicas, ainda que integradas na administração
autónoma, possam ser titulares de direitos fundamentais e de liberdade de
associação.

 Sem dogmatismos, reconhece-se que, se é verdade que as associações públicas de


entes privados são associações com estatuto de direito público, devendo o seu
regime ser delineado tendo em conta as liberdades de associação e de profissão e
os demais direitos fundamenteis dos seus membros e de terceiros, já as
associações públicas de entes públicos são fundamentalmente entidades públicas
de tipo associativo, pelo que o respetivo regime não tem de ser pensado à luz dos
direitos fundamentais do associados, mas sim considerando o estatuto jurídico-
público dos entes que as compõem. Em coerência, as associações públicas mistas
de entes públicos e privados hão-de oscilar, em função da sua configuração
concreta, entre estas duas visões.

 A questão da natureza jurídica das associações públicas é importante para


determinar o direito supletivo das associações públicas.

113
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 Entretanto o legislador parece querer balancear as duas dimensões das


associações profissionais; por um lado, a dimensão pública dos entes aqui em
causa não pode esvaziar a sua dimensão associativa e, com esta, os direitos
fundamentais dos associados e terceiros, servindo o direito público essencialmente
como limite à sua atuação, e não tanto como um critério dessa mesma atuação;
por outro lado, porque as associações de entes privados são ainda associações,
embora com um estatuto especial de direito público, parte do seu regime jurídico
supletivo há-de ir-se buscar ao estatuto jurídico das associações de direito privado,
ressalvando o que seja incompatível com o caráter público de tais entidades.

5. As Autarquias locais
5.1. Generalidades:

Art. 235.º da CRP:


N.º 2: “as autarquias locais são pessoas coletivas territoriais dotadas de órgãos
representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações
respetivas”. Esta definição carece dos seguintes esclarecimentos:
 Em primeiro lugar, as autarquias locais são pessoas coletivas públicas;

 Depois, a Constituição indica que as autarquias são pessoas coletivas territoriais.


Isto significa que assentam sobre uma fração do território;

 Por outro lado, as autarquias locais respondem à necessidade de assegurar a


prossecução dos interesses próprios de um certo agregado populacional,
justamente aquele que reside nessa fração de território.

 Com isto, pode-se definir autarquia local como pessoas coletivas públicas de
população e território, correspondentes aos agregados de residentes de diversas
circunscrições do território nacional, e que asseguram a prossecução dos interesses
comuns resultantes da vizinhança mediante órgãos próprios, representativos dos
respetivos habitantes.

 Importa chamar a atenção que as autarquias locais são pessoas coletivas distintas
do Estado. Desta forma, não fazem parte do Estado, não são o Estado, não
pertencem ao Estado. São entidades independentes, embora por ele possam ser
fiscalizadas, controladas ou subsidiadas.

 As autarquias são formas autónomas de organização das populações locais


residentes nas respetivas áreas. Constituem-se de baixo para cima, emanando das
populações residentes, e não de cima para baixo, emanando do Estado. Portanto,

114
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

as autarquias locais desenvolvem uma atividade administrativa própria, e não uma


atividade estadual daí pertencerem à administração autónoma.
O conceito de autarquia local comporta quatro elementos essenciais:

 O território. O território autárquico é naturalmente uma parte do território do


Estado. E essa parte chama-se circunscrição administrativa. No entanto, não se
deve confundir a circunscrição administrativa com a autarquia local: aquela é
apenas a porção de território e esta última é a pessoa coletiva organizada com
base nessa porção de território.
O território apresenta uma tripla função relativamente à autarquia que sobre ele
assenta:
1. Identificar a autarquia local.
2. Permitir definir a população respetiva, isto é, o agregado populacional cujos
interesses vão ser prosseguidos pela autarquia local.
3. Delimitar as atribuições e as competências da autarquia e dos seus órgãos, em
razão do lugar.

 O agregado populacional (população). É o elemento com maior importância pois é


em função dele que se definem os interesses a prosseguir pela autarquia e,
também porque a população constitui o substrato humano da autarquia local.

 Os interesses comuns da população. São estes interesses que servem de


fundamento à existência das autarquias locais, as quais se formam para prosseguir
os interesses privativos das populações locais. É a existência de interesses locais
diferentes dos interesses gerais da coletividade nacional que justifica que ao lado
do Estado, cuja organização e atuação cobre todo o território, existiam entidades
especificamente locais, destinadas a tratar dos interesses locais.

 Os órgãos representativos. Não há autarquia local quando ela não é administrada


por órgãos representativos das populações que a compõem. Assim, os órgãos das
autarquias são eleitos em eleições livres pelas respetivas populações (eleições
autárquicas).

5.1.1. Espécies de autarquias locais em Portugal:


 O sistema português das autarquias locais compõe-se de freguesias e municípios.

5.1.2. Descentralização e autoadministração:

 A existência constitucional de autarquias locais, e o reconhecimento da sua


autonomia face ao poder central, fazem parte da própria essência da democracia, e
traduzem-se no conceito jurídico-político de descentralização. Assim, onde quer
que haja autarquias locais, enquanto pessoas coletivas distintas do Estado, e dele

115
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

juridicamente separadas, poderá dizer-se que há descentralização em sentido


jurídico.

 Quando, além da descentralização em sentido jurídico, há a descentralização em


sentido político, e, portanto, os órgãos representativos das populações locais são
eleitos livremente por estas, estamos em presença de um fenómeno que se
denomina de autoadministração: as populações administram-se a si próprias.

5.1.3. Regime jurídico das autarquias locais:


a) Fontes:
Os diplomas legais que traçam o regime jurídico das autarquias locais são:
1. A CRP – arts. 235.º e ss.
2. A Lei das Autarquias Locais (LAL), que estabelece o regime jurídico das autarquias
locais, o estatuto das entidades intermunicipais, o regime de transferência de
competências do Estado para as autarquias locais e para as entidades
intermunicipais e o regime jurídico do associativismo autárquico.
3. A lei n.º 169/99 de 18 de setembro, também denominada de lei da composição e
funcionamento das autarquias (LCFA), que, apesar de parcialmente revogada pela
LAL, se mantém em vigor na parte relativa à constituição, composição e
organização dos órgãos autárquicos.
4. A lei n.º 27/96 de 1 de agosto, sobre a tutela administrativa.
5. Lei orgânica n.º 1/2001 de 14 de agosto, que regula as eleições autárquicas.

b) Traços Gerais:
 A atual CRP contém os princípios gerais da meteria:
a) Divisão do território (art. 236.º n.º 4).

b) Descentralização (art. 237.º).

c) Património e finanças locais (art. 238.º n.º 1).

d) Correção de desigualdades (art. 238.º n.º 2).

e) Órgãos dirigentes: as autarquias locais são dirigidas por uma assembleia


deliberativa, eleita por sufrágio universal, segundo o sistema da representação
proporcional, e por um órgão colegial executivo, perante ela responsável (art.
240.º n.º 1 e 2).

f) Referendo local: é autorizado sobre matérias da competência exclusiva da


autarquia, desde que por voto secreto, nos casos e nos termos que a lei
estabelecer (art. 240.º n.º 3).

116
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

g) Poder regulamentar: as autarquias locais têm poder regulamentar próprio.


Contudo, no exercício desse poder, não podem violar a Constituição, nem a lei,
nem quaisquer regulamentos emanados de autarquias de grau superior ou de
autoridades com poder tutelar (art. 241.º).

h) Tutela administrativa: as autarquias locais estão sujeitas à tutela do Estado. Mas


esta tutela consiste apenas na verificação do cumprimento da lei por parte dos
órgãos autárquicos, e só pode ser exercida nos casos e segundo as formas previstas
na lei (art. 242.º n.º 1). As medidas tutelares que restrinjam a autonomia local são
obrigatoriamente procedidas de parecer de um órgão autárquico (n.º 2). A
dissolução dos órgãos autárquicos diretamente eleitos só pode ter por causa ações
ou omissões ilegais graves (n.º 3).

i) Pessoal: as autarquias locais têm quadros de pessoal próprio, nos termos da lei
(art. 243.º n.º 1). É aplicável aos funcionários e agentes da administração local
autárquica o regime jurídico dos funcionários e agentes do Estado (n.º 2).

j) Apoio do Estado: o Estado tem o dever de, nos termos da lei, conceder às
autárquicas locais, sem prejuízo da sua autonomia, apoio técnico e em meios
humanos (243.º n.º 3).

k) Princípio da reserva da lei:


1. Reserva absoluta de competência da AR: eleições locais; estatuto dos titulares
dos órgãos do poder local; regime de criação, extinção e modificação territorial
das autarquias locais; regime geral de elaboração e organização dos orçamentos
das autarquias locais; referendo local (art. 164.º als. b), l), m), n) e r)).

2. Reserva relativa da AR (possibilidade de autorização legislativa): matérias


pertinentes ao estatuto das autarquias locais, ao regime das finanças locais, à
participação das organizações de moradores no exercício do poder local e ao
regime e forma de criação das polícias municipais (art. 165.º als. q), r) e aa)).

5.2. A freguesia:

 Freguesias são as autarquias locais que, dentro do território municipal, visam a


prossecução de interesses próprios da população residente em cada circunscrição
paroquial.

 Paróquia é uma expressão sinónima de freguesia e tem, portanto, um sentido


administrativo, e não apenas religioso.

117
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

5.2.1. Atribuições da freguesia:

 Esta matéria é regulada pelo art. 7.º da LAL, nos termos da qual “constituem
atribuições da freguesia a promoção e salvaguarda dos interesses próprios das
respetivas populações, em articulação com o município”.
A lei fornece um elenco meramente exemplificativo das atribuições das freguesias, as
quais se estendem aos seguintes domínios:
 Equipamento rural e urbano;
 Abastecimento público;
 Educação;
 Cultura, tempos livres e desporto;
 Cuidados primários de saúde;
 Ação Social;
 Proteção civil;
 Ambiente e salubridade;
 Desenvolvimento;
 Ordenamento rural e urbano;
 Proteção da comunidade.

As principais atribuições das freguesias são:


 No plano político, são as freguesias que realizam o recenseamento eleitoral e é
através dos seus serviços que se desenrolam os diversos processos eleitorais de
caráter político e administrativo (PR, AR, assembleias regionais e autarquias locais);

 No plano económico, as freguesias ocupam-se da administração dos seus bens ou


dos bens sujeitos à sua jurisdição (baldios, águas, cemitérios, etc), e promovem
obras públicas, nomeadamente a construção e manutenção de caminhos públicos;

 No plano cultural e social, as freguesias desenvolvem uma ação de maior


importância, sobretudo em matéria de cultura popular e assistência social,
incluindo tarefas imperiosas de saúde pública.

 O art. 131.º LAL permite que os municípios deleguem competências nas


freguesias, mediante a celebração de um contrato interadministrativo, em todos
os domínios dos interesses próprios das populações respetivas, em especial no
âmbito dos serviços e das atividades de proximidade e do apoio direto às
comunidades locais.

 Este contrato de delegação de competências é celebrado entre a Câmara


Municipal e a Junta de Freguesia, carecendo de autorização tanto da Assembleia
Municipal (art. 25.º n.º 1 al. k) LAL), como da Assembleia de Freguesia (art. 9.º n.º
1 al. g) LAL).

118
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 Independentemente da celebração de qualquer contrato de delegação de


competências, a lei considera que estão delegados nas juntas de freguesia um
conjunto significativo de competências das câmaras municipais (art. 132.º LAL).
Trata-se da consagração de uma espécie de delegação tácita e, que abrange
competências em domínios sobre os quais o legislador presume que, segundo um
critério de normalidade, devem ser exercidas pelas juntas de freguesia, tal como
sucede, por exemplo, com a manutenção dos espaços verdes ou com a limpeza das
vias e espaços públicos.

 Uma vez que o exercício destas competências não pode ser desacompanhado da
necessária provisão de recursos humanos e financeiros, a lei prevê que, no prazo
de 180 dias após a respetiva instalação, as câmaras municipais e as juntas de
freguesia celebram um acordo de execução, que preveja os recursos humanos,
patrimoniais e financeiros necessários ao exercício das competências delegadas
(art. 133.º LAL). Até à entrada em vigor deste acordo, as competências previstas no
art. 132.º são exercidas pela câmara municipal, pelo que, diferentemente do que
sucede com a figura tradicional da delegação tácita, aqui, a transferência de
competências não ocorre por mero efeito da lei, ficando sempre dependente da
celebração de um acordo de execução.

 Por sua vez, a freguesia pode, por deliberação da respetiva assembleia, delegar
tarefas administrativas, desde que não envolvam o exercício de poderes de
autoridade, nas organizações de moradores (art. 248.º CRP e art. 9.º n.º 1 al. h)
LAL), em termos que ainda estão por regulamentar.

5.2.2. Órgãos da freguesia:

Os principais da freguesia são:


 Um órgão deliberativo e representativo dos habitantes: a Assembleia da
Freguesia;

 Um órgão executivo: a Junta de Freguesia.

 O sistema eleitoral relativo a estes órgãos funciona em dois graus: primeiro, os


eleitores elegem os membros da Assembleia de Freguesia. Estes, por sua vez, no
âmbito da Assembleia, elegem a Junta de Freguesia (eleição indireta).

5.2.2.1. A Assembleia de Freguesia:

 O art. 5.º da LCFA refere quantos são os membros da Assembleia de Freguesia,


que variam em função do número de eleitores recenseados em cada freguesia.

119
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 As Assembleias de Freguesia reúnem ordinariamente 4 vezes por ano (art. 11.º n.º
1 LAL).
A competência da Assembleia de Freguesia vem regulada nos artigos 9.º e 10.º da LAL
e no art. 17.º LCFA, e pode ser agrupada em quatro funções principais:
a) Função eleitoral: compete à Assembleia eleger a Junta de Freguesia;

b) Função de fiscalização: a Assembleia acompanha a atividade da Junta, controlando


e superintendendo o seu funcionamento;

c) Função de orientação geral: compete à Assembleia discutir os orçamentos e as


contas, estabelecer normas gerais, aprovar regulamentos, constituir grupos de
trabalho para o estudo de problemas da freguesia, lançar tributos, etc. Incluem nas
suas competências, por isso, poderes tributários e poderes regulamentares.

d) Função decisória: consiste em decidir os casos concretos mais importantes que em


virtude da sua relevância, a lei reserva para a Assembleia, não os deixando à
competência da Junta.

 Nas pequenas freguesias com 150 eleitores ou menos, devido a este reduzido
número não permitir a constituição da Assembleia de Freguesia, as funções deste
órgão são desempenhadas pelo Plenário dos cidadãos eleitores.

5.2.2.2. A Junta de Freguesia:

 A Junta de Freguesia é o corpo administrativo da freguesia e é constituída por um


Presidente e por um certo número de vogais.
Há três modalidades quanto à sua composição (art. 24.º LCFA):
1. Freguesias com menos de 5000 habitantes: a Junta é composta apenas por 3
membros: Presidente, secretário e tesoureiro.

2. Freguesias entre 5000 e 20 000m habitantes: composta por 5 membros:


Presidente, secretário, tesoureiro e dois vogais.

3. Freguesias com mais de 20 000 habitantes: composta por 7 membros: Presidente,


secretário, tesoureiro e 4 vogais.

 A Junta de Freguesia é um órgão de funcionamento regular, reunindo-se


ordinariamente uma vez por mês ou quinzenalmente, se o julgar conveniente,
podendo fazê-lo extraordinariamente sempre que necessário (art 20.º LAL).

A competência da Junta está exposta nos arts. 16.º e 19.º LAL e art. 34.º LCFA. As suas
principais funções são:

120
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

1. Função executiva: compete à Junta assegurar a execução das deliberações da


Assembleia de Freguesia, bem como a execução das leis, regulamentos e planos
aplicáveis.

2. Função de estudo e proposta: a Junta deve estudar os problemas da freguesia e


propor soluções para eles.

3. Função de gestão: cabe à Junta assegurar a gestão regular dos bens, serviços,
pessoal, finanças e obras a cargo da freguesia.

4. Função de fomento: a Junta está incumbida de apoiar, por si ou em


comparticipação com outras entidades, as iniciativas sociais, culturais, desportivas
e outras que sejam de interesse para o desenvolvimento da freguesia.

5. Função de colaboração:
 Em especial, no âmbito do ordenamento do território e urbanismo: a
participação no procedimento de elaboração dos planos municipais de
ordenamento do território, bem como o apoio na fase de realização do
inquérito público e da prestação de informações aos interessados.

 Em geral, relativamente a todas as entidades públicas, em tudo o que


respeite ao bem-estar da população da circunscrição: colaborar e/ou
participar é também uma competência da Junta.

 A Junta pode ainda exercer competências delegadas pela Câmara Municipal (arts.
131.º e 132.º LAL), devendo a celebração do contrato de delegação ser autorizado
tanto pela Assembleia Municipal (art. 25.º n.º 1 al. k) LAL), como pela Assembleia
de Freguesia (art. 9.º n.º 1 al. g) LAL).

 A Junta pode, ainda, sob autorização da Assembleia de Freguesia, estabelecer


formas de cooperação com entidades públicas e privadas, bem como celebrar
protocolos com entidades públicas, particulares e cooperativas que desenvolvam a
sua atividade na área da freguesia, designadamente quando os equipamentos
envolvidos sejam propriedade da freguesia e se salvaguarde a sua utilização pela
comunidade local (art. 9.º n.º 1 als. i) e j) LAL).

 O Presidente da Junta tem, por sua vez, algumas competências próprias: é


membro da Junta, mas é também um órgão executivo das deliberações da própria
Junta (art. 18.º LAL).

121
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

5.2.2.3. As associações de freguesias:

 O art 247.º CRP determina que “as freguesias podem constituir, nos termos da lei,
associações para administração de interesses comuns”, à semelhança da
possibilidade idêntica reconhecida aos municípios (art. 253.º CRP).

 O reconhecimento de um papel de crescente intervenção da freguesia em áreas


ligadas à proteção da infância, à assistência social, ao apoio aos idosos, à promoção
de atividades culturais e desportivas, bem como à gestão e manutenção de
equipamentos sociais, muitas vezes através de protocolos celebrados, quer com
entidades públicas, como com entidades privadas, faz avultar a necessidade de
cooperação entre as instituições paroquias. O desenvolvimento de estruturas
comuns aumenta a eficácia e reduz os custos dos serviços, beneficiando as
populações.

 Segundo o art. 63.º n.º 1 LAL, as associações de freguesias são verdadeiras pessoas
coletivas públicas. E, não sendo autarquias locais, mas associações de autarquias
locais, entende-se que se trata de associações de entidades públicas.

 A constituição de uma associação de freguesia passa por um procedimento


decisório complexo: compete à Junta de Freguesia decidir a constituição da
associação, mas a eficácia do acordo constitutivo, que define os seus estatutos,
depende da aprovação da Assembleia de Freguesia (art. 108.º n.º 1 LAL). A criação
da associação firma-se por contrato, nos termos da lei civil, e deve ser comunicada
ao Governo pelo município em cuja circunscrição esteja sedeada (art 108.º n.º 3
LAL).

 A constituição de associações de freguesias de fins específicos obedece a um


princípio de estabilidade, embora cada freguesia possa, a todo o tempo, fazer
cessar a sua participação na associação, por deliberação tomada na assembleia de
freguesia. Todavia, a decisão de abandonar a associação nos três anos seguinte à
data em que nela ingressaram tem como consequência a perda dos benefícios
administrativos e financeiros obtidos e a impossibilidade de integração noutras
associações de freguesia com a mesma finalidade durante dois anos (art. 65.º n.º 2
LAL). Refira-se também que, embora não esteja expressamente previsto, cada
freguesia pode pertencer a várias associações de fins específicos.

 De harmonia com o art. 109.º da LAL cada associação de freguesias tem estatutos
próprios, os quais devem estabelecer os seguintes elementos: denominação, fim,
sede e composição; competências dos órgãos; contribuição de cada município para
as despesas comuns; organização interna; forma de funcionamento; duração
(quando não for constituída por tempo indeterminado); direitos e obrigações dos

122
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

associados; condições de saída e exclusão dos associados e da admissão de novos


membros; e extinção e divisão do património da associação.

 Refira-se, ainda, que as associações de freguesias estão sujeitas ao regime da


tutela administrativa nos mesmos termos que as autarquias locais (art. 64.º LAL)
e, enquanto pessoas coletivas de direito público, regem a sua atividade pelo
Direito Administrativo (art. 110.º LAL).

5.3. O município:

 O município é a autarquia local que visa a prossecução de interesses próprios da


população residente na circunscrição concelhia, mediante órgãos representativos
por ela eleitos.

 Ao incluir na definição a expressão “autarquia local”, já vai implícita a


caracterização do município como pessoa coletiva pública, do tipo pessoa coletiva
de população e território.

5.3.1. Criação, extinção e modificações municipais:

 A Lei n.º 142/85 de 18 de novembro continua a deixar claro que compete à


Assembleia da República, através de lei, a criação de municípios, desde que
respeitados os requisitos financeiros e geodemográficos aí previstos.

5.3.2. Fronteiras, designação, categorias e símbolos dos municípios:

 Por via de regra, cada município tem os limites territoriais que correspondem aos
limites das freguesias que os integram.

 A competência para esclarecer possíveis dúvidas que surgirem acerca da linha de


demarcação do território de uma freguesia ou de um município pertence aos
tribunais administrativos, se a Assembleia da República não decidir legislar sobre a
matéria.

 A alteração dos limites do município, por exemplo, incluir novas freguesias em


municípios que até aí não as comportavam, só pode ser regulada através de lei da
Assembleia da República.

5.3.3. Atribuições municipais:

a) O problema “de jure condendo”:


 As atribuições de uma pessoa coletiva são os fins ou interesses que essa pessoa
coletiva deve, por lei, prosseguir.

123
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

O problema das atribuições municipais pode-se colocar em dois planos diferentes:


a) O plano do legislador, um plano político ou “de jure condendo”;
b) O plano do direito legislado, um plano jurídico ou “de jure condito”.

 Vistas as coisas pelo perspectiva “de jure condendo”, o que aqui está em causa é o
problema da opção entre centralização e descentralização: se se conferem mais
atribuições aos municípios e menos ao Estado, está-se a definir uma política
descentralizadora. No caso contrário, está-se a adotar uma política centralizadora.
O problema das atribuições dos municípios é a outra face do problema da
descentralização.

 Na atualidade, assiste-se ao embate de duas tendências opostas: a tendência para


a centralização económica e a tendência para a descentralização administrativa.

 Com efeito, no campo da economia, assiste-se a uma tendência para centralizar


responsabilidades no Estado e, dentro deste, no Governo.

 Por outro lado, traça-se uma tendência cada vez mais forte para a descentralização
administrativa, que resulta da própria noção de democracia, da ideia de
participação dos cidadãos na vida pública e do princípio da subsidiariedade.

 O art. 113.º LAL, na sequência da referência constitucional do art. 237.º n.º 1 CRP,
e em complemento do imperativo da subsidiariedade, frisa que o Estado concretiza
a descentralização administrativa através da “transferência progressiva, contínua e
sustentada de competências em todos os domínios dos interesses próprios das
populações das autarquias locais e das entidades intermunicipais, em especial no
âmbito das funções económicas e socias”.

b) O problema “de jure condito”:


 Ao lado de uma cláusula geral, nos termos da qual “são atribuições do município a
promoção e salvaguarda dos interesses próprios das respetivas populações, em
articulação com as freguesias”, o legislador avançou com uma enumeração
meramente exemplificativa das atribuições dos municípios, não excluindo a
existência de outras que se reconduzam à clausula geral (art. 23.º LAL).
Os municípios dispõem de atribuições, designadamente nos seguintes domínios:
 Equipamento rural e urbano;
 Energia;
 Transportes e comunicações;
 Educação;
 Património, cultura e ciência;
 Tempos livres e desporto;

124
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 Saúde;
 Ação Social;
 Habitação;
 Proteção civil;
 Ambiente e saneamento básico;
 Defesa do consumidor;
 Promoção do desenvolvimento;
 Ordenamento do território e urbanismo;
 Polícia municipal;
 Cooperação externa.

5.3.4. Transferência de competências dos órgãos do Estado para os órgãos do


município:

 Os municípios têm atribuições em todos os domínios relevantes para a promoção e


salvaguarda dos interesses das populações respetivas. Nos termos da LAL, a
descentralização administrativa concretiza-se através de dois instrumentos:
transferência de competências por via legislativa e a delegação de competências.

a) Transferência legal de competências:


 Neste caso, a transferência de competências dos órgãos do Estado para os órgãos
das autarquias faz-se por ato legislativo.

 A lei, ou o decreto-lei, que procede à transferência de competências fá-lo, segundo


a LAL, em termos definitivos e universais (art. 114.º), ou seja, sem previsão de
duração e para todos os municípios.

 Evidentemente, esta definitividade não pode traduzir-se numa proibição de futura


revogação da lei de transferência de competências, dado que a LAL não é uma lei
de valor reforçado, não tendo, por isso, a virtualidade de condicionar o exercício
futuro do poder legislativo. Ainda assim, a eventual opção pela revogação de uma
lei de transferência de competências há-de confrontar-se com as exigências
constitucionais decorrentes dos princípios da descentralização e da
subsidiariedade.

 Além da mera transferência de competências, a lei deve prever expressamente


recursos humanos, patrimoniais e financeiros necessários e suficientes ao exercício
pelos órgãos autárquicos das competências transferidas (art. 115.º n.º 1),
contemplando necessariamente uma referência às fontes de financiamento e aos
seus modos da sua afetação (art. 115.º n.º 2).

125
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 A transferência de competências não pode ocorrer sem antes o Estado promover a


realização de Estudos (a que a lei de transferência deve fazer referência), que
demonstrem que a opção pela transferência não conduz a um aumento da despesa
pública global e que, pelo contrário, promove ganhos de eficiência e de eficácia
(art. 115.º n.º 3).

 Os estudos que fundamentam a opção pela transferência de competências são


elaborados por equipas técnicas multidisciplinares, compostas por representantes
dos departamentos governamentais envolvidos em razão de matéria (art. 115.º n.º
4).

b) Delegação de competências:
 A LAL prevê ainda outro modelo de transferência de competências assente num
acordo de vontades (art. 116.º e ss.).

 Neste caso, a delegação de poderes funda-se na celebração de um contrato


interadministrativo (art. 120.º n.º 1), cujo conteúdo deve integrar uma referência
aos recursos humanos, patrimoniais e financeiros necessários e aos estudos que
fundamentaram a decisão de celebrar o contrato (art 122.º). Aplica-se
subsidariamente à negociação, celebração e execução destes contratos o disposto
no CPA (art. 120.º n.º 2).

 A delegação apenas pode ocorrer em relação às competências delegáveis,


previamente fixadas por lei (art. 124.º n.º 2). Cabe, portanto, em primeiro plano,
ao legislador definir quais as competências que o Governo pode delegar nos órgãos
das autarquias.

 A delegação de competências de fonte contratual não atribui ao órgão delegante


poderes de controlo sobre o exercício da competência delegada. Com efeito, após
a celebração do contrato, o Governo não tem poder de avocação da competência,
de revogação dos atos praticados pelo delegado ou de emissão de ordens ou
instruções sobre o modo como é exercida a competência. Trata-se, portanto, de
uma delegação horizontal, no sentido em que o detentor originário da
competência não pode interferir no modo como ela é exercida após a celebração
do contrato.

 O período de vigência do contrato coincide com a duração do mandato do Governo


que o subscreveu, salvo em casos excecionais devidamente fundamentados (art
126.º n.º 1), e considera-se renovado após a tomada de posse de um novo
Governo (art. 126.º n.º 2).

 Para além do decurso do tempo, que determina a sua caducidade, os contratos


também podem cessar por revogação, no caso de acordo mútuo das partes, por
126
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

resolução, no caso de incumprimento do contrato ou de razões de relevante


interesse público (art. 123.º n.º 2, 4 e 5) e por denúncia, no prazo de 6 meses após
a tomada de posse do Governo ou após a instalação do órgão autárquico (art.
126.º n.º 3). Em todo o caso, a cessação do contrato não pode originar quebra ou
descontinuidade da prestação do serviço público (art. 123.º n.º 7).

5.3.5. Os órgãos do município em geral:

 Conforme o art. 235.º n.º 2 CRP, os órgãos das autarquias locais são órgãos
representativos, que representam as populações locais residentes no território da
autarquia.

 Uma classificação dos órgãos a que importa aludir é a que a CRP estabelece no art.
239.º, a respeito das autarquias locais, entre órgãos deliberativos e órgãos
executivos.

 Os órgãos deliberativos são aqueles que tomam as grandes decisões de fundo e


marcam a orientação ou definem o rumo a seguir pela entidade a que pertencem.
São órgãos deliberativos os órgãos colegiais amplos. No município, é órgão
deliberativo a Assembleia Municipal.

 Os órgãos executivos são aqueles que aplicam essas orientações gerais no dia-a-
dia, encarregando-se da gestão corrente dos assuntos compreendidos nas
atribuições da pessoa coletiva. São órgãos executivos os órgãos colegiais restritos,
e os órgãos singulares. No município, são órgãos executivos a Câmara Municipal e,
na opinião do autor Diogo Freitas do Amaral, também o Presidente da Câmara
Municipal.

5.3.6. O sistema de governo municipal português:

Refere-se a esta matéria o art. 239.º CRP:


 N.º 1: “A organização das autarquias locais compreende uma assembleia eleita
dotada de poderes deliberativos e um órgão executivo colegial perante ela
responsável.”

 N.º 3: “O órgão executivo colegial é constituído por um número adequado de


membros, sendo designado presidente o primeiro candidato da lista mais votada
para a assembleia ou para o executivo, de acordo com a solução adotada na lei, a
qual regulará também o processo eleitoral, os requisitos da sua constituição e
destituição e o seu funcionamento.”

 Nos termos do art. 166.º n.º 2 e art. 164.º al. l) CRP, a lei a que se refere o art.
239.º n.º 3 é uma lei orgânica. Isso obriga à sua aprovação por maioria de dois

127
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

terços dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos
deputados em efetividade de funções (art. 168.º n.º 6 CRP).

5.3.7. A Assembleia Municipal:

 A Assembleia Municipal é o órgão deliberativo do município.

 O art. 251.º da CRP traça a sua composição. “A assembleia municipal é o órgão


deliberativo do município e é constituída por membros eleitos diretamente em
número superior ao dos presidentes de junta de freguesia, que a integram.”

 Assim, a Assembleia não é toda eleita diretamente: é constituída tanto por


membros eleitos como por membros por inerência – que são os presidentes das
juntas de freguesia. Mas o número de diretamente eleitos pela população não
pode, segundo a CRP, ser inferior ao dos presidentes das juntas de freguesia.

 A Assembleia Municipal é constituída por um Presidente e dois secretários.

 Quanto ao seu funcionamento, o art. 27.º LAL diz que “a assembleia municipal
reúne em cinco sessões ordinárias anuais, em fevereiro, abril, junho, setembro e
novembro”.

 Destas cinco sessões ordinárias há duas em que têm a agenda pré-fixada na lei: a
sessão de abril, no qual deve ser apreciado o inventário de todos os bens, direitos
e obrigações patrimoniais, e feita a respetiva avaliação, bem como devem ser
objeto de apreciação e votação os documentos de prestação de contas do ano
anterior; e a de novembro ou dezembro, na qual se cumpre aprovar as propostas
das opções do plano de atividade e do orçamento para o ano seguinte.

Quanto às suas competências, são de destacar cinco (art 25.º LAL):


 Função de orientação geral do município, de que a mais importante é discutir e
aprovar o programa anual de atividades e o orçamento do município;

 Função de fiscalização da Câmara Municipal, que pode traduzir-se na aprovação


de uma moção de censura.

 Função de regulamentação, que consiste em elaborar regulamentos, de entre os


quais as posturas municipais;

 Função tributária, que consiste em estabelecer impostos e taxas, a que os


munícipes ficam sujeitos;

128
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 Função de decisão superior, que se traduz na prática de atos sobre as matérias


mais importantes da vida do município, como a aprovação do plano de
urbanização, a autorização de compra de imóveis, etc.

5.3.8. A Câmara Municipal:

 A Câmara Municipal é o órgão colegial de tipo executivo diretamente eleito pela


população do município a quem está atribuída a gestão permanente dos assuntos
municipais.

 Esta é composta pelo Presidente da Câmara e pelos vereadores (art. 57.º LCFA).

 O Presidente da Câmara é o primeiro candidato da lista mais votado para a Câmara


Municipal: não são, pois, separadas as eleições do presidente e dos outros
membros da Câmara. Mas nem sempre o Presidente da Câmara continuará a ser,
durante os quatro anos do mandato, o primeiro da lista mais votado: ele pode
morrer, renunciar, suspender temporariamente as suas funções, etc., caso em que
será substituído por aqueles que se lhe seguirem na lista que ele próprio liderava
(art 59.º LCFA).

 Não existe Vice-Presidente da Câmara.

 O número de vereadores que compõem cada Câmara varia de acordo com a


dimensão do município (art. 57.º LCFA).

 A lei prevê a categoria dos vereadores a tempo inteiro, que veio compensar a falta
de Vice-Presidente da Câmara (art. 58.º LCFA).

 Nos termos do art. 58.º n.º 1 LCFA, compete ao Presidente da Câmara decidir
sobre a existência de vereadores a tempo inteiro e fixar o seu número, dentro de
certos limites, que caso sejam excedidos, deve ser a Câmara Municipal a aprovar
tal decisão, sob proposta do Presidente da Câmara (art. 58.º n.º 2 LCFA). É também
ao Presidente da Câmara que cabe escolher, livremente, de entre os vereadores,
aqueles que hão de servir como vereadores permanentes. Finalmente, é ainda
competência do Presidente da Câmara determinar as funções e os poderes de cada
vereador (art. 58.º n.º 4 LCFA).

 Relativamente ao funcionamento, a Câmara Municipal está em sessão


permanente. Existe uma distinção técnica entre sessão e reunião: a sessão é o
período especial em que se efetuam as reuniões, enquanto as reuniões são os
encontros que em cada dia se verificam.

129
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 Nas Assembleias Municipais há cinco sessões por ano, e dentro de cada uma delas
haverão as reuniões que forem necessárias até ao máximo de três dias,
prorrogáveis por mais três dias. Quanto à Câmara Municipal, a sessão dura todo o
ano: as reuniões são uma por semana, em princípio, salvo se a própria Câmara
decidir que reunirá uma vez de 15 em 15 dias (art. 40.º n.º 1 LAL).

Quanto à sua competência, existem cinco tipos de funções (art. 33.º LAL):
 Função preparatória e executiva: a Câmara prepara as deliberações da Assembleia
Municipal e, uma vez tomadas, executa-as.

 Função consultiva: a Câmara emite parecer sobre projetos de obras não sujeitos a
licenciamento municipal e participa, nos termos da lei, em órgãos consultivos de
entidades da administração central;

 Função de gestão: a Câmara gere o pessoal, os dinheiros e o património do


município, e dirige os serviços municipais;

 Função de fomento: a Câmara apoia, exclusiva ou conjuntamente com outras


entidades, o desenvolvimento de atividades de interesse municipal de natureza
social, cultural, desportiva, recreativa ou outra;

 Função de decisão: a Câmara toma todas as decisões de autoridade que a lei lhe
confia, nomeadamente através da prática de atos administrativos (licenças,
autorizações, etc.), de contratos administrativos (empreitada, concessões, etc.) e
da emissão de posturas no âmbito da sua competência exclusiva.

A forma de exercício da competência da Câmara Municipal é a do exercício coletivo,


reunido em colégio. Porém, existem exceções:

 Casos em que a competência da Câmara pode ser exercida pelo Presidente da


Câmara, por delegação da Câmara (art. 34.º n.º 1 LAL);

 A competência da Câmara que se encontre delegada no Presidente pode ser por


este subdelegada nos vereadores (art. 34.º n.º 1 LAL);

 Casos em que a competência da Câmara pode, sob autorização da Assembleia


Municipal e da Assembleia de Freguesia, ser exercida por uma ou mais juntas de
freguesia, através da celebração de um contrato de delegação de competências ou
de um acordo de execução (art. 9.º n.º 1 al. g), 25.º n.º 1 al. k), 131.º, 132.º e
133.º LAL);

 Casos em que a competência da Câmara pode ser exercida pelo Presidente, sem
delegação da Câmara se “circunstâncias excecionais e urgentes” o exigirem (art

130
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

35.º n.º 3 LAL). As decisões do Presidente são obrigatoriamente sujeitas a


ratificação da Câmara, na primeira reunião desta que se seguir. Não havendo
ratificação, as decisões tomadas pelo Presidente são anuláveis.

5.4. Presidente da Câmara:


 Atualmente, o vasto elenco de competências enunciadas no art. 35.º da LAL
confirmam que o Presidente da Câmara é um órgão de vasta competência
executiva, a figura emblemática do município, e o verdadeiro chefe da
administração municipal.

As principais competências, segundo o art. 35.º da LAL, são os seguintes:

a) Função presidencial: consiste em convocar e presidir às reuniões da Câmara, e em


representar o município, em juízo e fora dele;

b) Função executiva: cabe-lhe executar as deliberações tomadas pela própria


Câmara;

c) Função decisória: compete-lhe dirigir e coordenar os serviços municipais, como


superior hierárquico dos respetivos funcionários, e resolver todos os problemas
que a lei lhe confie ou que a Câmara lhe delegue;

d) Função interlocutória: cumpre ao Presidente da Câmara fornecer informações aos


vereadores e à Assembleia Municipal, bem como remeter a esta toda a
documentação comprovativa da atividade do Município, em especial do plano
financeiro.

 Além da sua competência própria, o Presidente da Câmara pode exercer também


uma considerável competência delegada, nos termos do art. 42.º, n.º 1, da LAL.

5.5. O Conselho Municipal de Educação:


 O Conselho Municipal de Educação é um órgão de âmbito municipal, com funções
de natureza consultiva e coordenação da política educativa. Reúne ordinariamente
no início e no final do ano escolar, mediante convocação do presidente da Câmara
Municipal (art. 5.º).

 De entre as competências deste órgão, destacam-se as relativas à coordenação do


sistema educativo e articulação com as áreas de saúde, ação social e emprego; à
elaboração e atualização da Carta Educativa, em colaboração com os serviços do
Ministério da Educação; à aprovação de medidas de desenvolvimento educativo; à
aprovação de programas de ação no âmbito da segurança escolar; à deliberação
sobre intervenções de qualificação e requalificação do parque escolar (art. 4.º
LMCE).

131
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 De acordo com o art. 9.º da LMCE, os pareceres deste órgão devem ser remetidos
diretamente aos serviços e entidades com competências executivas a que
respeitam.

5.6. O Conselho Municipal de Segurança:


 O Conselho Municipal de Segurança é um órgão de âmbito municipal, com funções
de natureza consultiva, de articulação, informação e cooperação. Reúne
ordinariamente uma vez por trimestre, mediante convocação do presidente da
Câmara Municipal (art. 7.º da LCMS).

 Art. 5.º: estabelece as pessoas que integram, para além do Presidente da Câmara
Municipal, o Conselho Municipal de Segurança.

Nos termos do art. 3.º da LCMS, são objetivos dos Conselhos Municipais de Segurança:

a) Contribuir para o aprofundamento do conhecimento da situação de segurança na


área do município, através da consulta entre todas as entidades que o constituem;
b) Formular propostas de solução para os problemas de marginalidade e segurança
dos cidadãos no respetivo município e participar em ações de prevenção;
c) Promover a discussão sobre medidas de combate à criminalidade e à exclusão
social do município;
d) Aprovar pareceres e solicitações a remeter a todas as entidades que julgue
oportunos e diretamente relacionados com as questões de segurança e inserção
social.

5.7. Os serviços municipais:


 O município, tal como qualquer outra pessoa coletiva pública, toma decisões
através de órgãos. Mas essas decisões, antes de serem tomadas, precisam de ser
cuidadosamente estudadas e preparadas; e, uma vez tomadas, têm de ser
executadas. A preparação e a execução das decisões competem aos serviços.

 Os serviços pertencentes ao município chamam-se serviços municipais, em sentido


amplo. Destes, a lei distingue duas grandes categorias: os serviços municipais, em
sentido restrito; e os serviços municipalizados.

 Consideram-se serviços municipais, em sentido restrito, os serviços do município


que, não dispondo de autonomia, são diretamente geridos pelos órgãos principais
do município.

132
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 Estabelece-se, atualmente, um regime jurídico de organização dos serviços das


autarquias locais, reconhecendo uma grande margem de autonomia aos
municípios para definir a estrutura e as atribuições dos respetivos serviços.

 Os serviços municipais são criados pela assembleia municipal, sob proposta da


Câmara Municipal (art. 25.º, n.º 1, al. m), e art. 25.º, n.º 3, da LAL).

 Os polícias municipais têm o estatuto de funcionários da administração local, com


especificidades decorrentes das suas funções (art. 19.º, n.º 1 – Lei n.º 19/2004, de
20 de maio).

 A polícia municipal tem atribuições em matéria de fiscalização do cumprimento de


normas municipais e nacionais, de aplicação efetiva das decisões municipais e de
vigilância de espaços públicos e equipamentos municipais, bem como de regulação
do trânsito rodoviário e pedonal (art. 3.º).

 As competências dos serviços de polícia municipal estão previstas no art. 4.º e


integram, quer a prática de atos jurídicos, quer a realização de operações
materiais, quer a intervenção no plano da segurança dos cidadãos, quer a
efetivação de ações de fiscalização em domínicos específicos (ambiental,
mortuário).

5.8. Os serviços municipalizados e as empresas locais:


 A estrutura empresarial municipal, materialmente considerada, divide-se em
serviços municipalizados e empresas públicas municipais.

a) Serviços municipalizados:
 Os serviços municipalizados são verdadeiras empresas públicas municipais que,
não tendo personalidade jurídica, estão integrados na pessoa coletiva município. A
lei n.º 5072012, de 31 de agosto (Regime Jurídico do Setor Empresarial Local),
confirma este entendimento, ao dispor, no art. 2.º, que a atividade empresarial
local é desenvolvida através das empresas locais e dos serviços municipalizados, os
quais são geridos sob a forma empresarial e integram a estrutura organizacional do
município, embora possuam organização autónoma no âmbito da administração
municipal (art. 8.º, n.º 2 e 9.º, n.º 1 e 2, da RSEL).

 Os serviços municipalizados são criados por deliberação da assembleia municipal


(art. 25.º, n.º 1, al. n), da LAL). É também a assembleia que cabe acompanhar e
fiscalizar a sua atividade (art. 25.º, n.º 2, al. a) da LAL).

 Quanto ao sue objeto, os serviços municipalizados podem prosseguir as seguintes


atividades: abastecimento público de água; saneamento de águas residuais
urbanas; gestão de resíduos urbanos e limpeza pública; transporte de passageiros;
133
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

e distribuição de energia elétrica em baixa tensão (art. 10.º, n.º 1, do RSEL). Para lá
estas atividades não é admissível a criação de serviços municipalizados, embora a
lei tenha salvaguardado aqueles serviços já existentes à data da sua entrada em
vigor (art. 10.º, n.º 4, do RSEL).

 A gestão dos serviços municipalizados cabe a um conselho de administração,


composto por um presidente e dois vogais, nomeados pela Câmara Municipal de
entre os seus membros (art. 12.º, n.º 1 e 2, do RSEL). O mandato destes membros
não é remunerado e coincide com o mandato como membro da Câmara Municipal
(art. 12.º, n.º 3, do RSEL).

 O conselho de administração pode delegar a orientação técnica e a direção


administrativa dos serviços num diretor delegado, salvo nas matérias que são da
sua exclusiva competência (art. 15.º, n.º 1, do RSEL).

b) As empresas públicas locais:


 O diploma que rege a atividade empresarial local é Regime Jurídico do Setor
Empresarial Local. Esta lei não trata apenas das empresas municipais, mas, sob a
designação de empresas locais, ocupa-se conjuntamente das empresas municipais,
intermunicipais e metropolitanas. Para além do RSEL aplica-se subsidiariamente às
empresas locais o regime do setor público empresarial (RSPE).

 As empresas locais são pessoas coletivas de direito privado, de tipo societário,


constituídas ou participadas nos termos da lei comercial, nas quais a entidade
pública participante (município, associação de municípios ou área metropolitana)
exerce uma influência dominante. Por sua vez, a influência dominante certifica-se
pela verificação de um dos seguintes requisitos (art. 19.º, n.º 1):
a) Detenção de maioria do capital ou dos direitos de voto;
b) Direito de designar ou destituir a maioria dos membros do órgão de gestão, de
administração ou de fiscalização;
c) Qualquer outra forma de controlo de gestão.

 Nos termos do art. 22.º do RSEL, é reconhecido aos municípios, às associações de


municípios e às áreas metropolitanas o poder de, através dos respetivos órgãos
deliberativos sob proposta dos órgãos executivos, criar empresas locais.

 Só podem ser criadas empresas locais cujo objeto social exclusivo consista na
exploração de atividades de interesse geral ou na promoção do desenvolvimento
local e regional, estando proibida a sua constituição para a prossecução de fins de
natureza exclusivamente administrativa ou com intuito exclusivamente mercantil
(art. 20.º, n.º 1).

134
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 Só excecionalmente podem os municípios participar ou constituir empresas locais


de promoção do desenvolvimento. Com efeito, esta possibilidade ocorre apenas no
caso de a associação de municípios ou a área metropolitana em cujo município se
insere não estar interessada em constituir ou participar em tais empresas e se,
para além disso, o município demonstrar capacidade financeira própria para o
fazer (art. 48.º, n.º 2).

 Assim, ao contrário do que sucede com as empresas do setor empresarial do


Estado, as empresas locais estão sujeitas a um princípio da tipicidade do seu
objeto, ou seja, só podem prosseguir as atividades expressamente previstas na lei
(art. 20.º, n.º 1, 45.º e 48.º). Por outro lado, o objeto social das empresas tem de
se inserir nas atribuições dos municípios, associações de municípios e áreas
metropolitanas que as constituam (art. 20.º, n.º 4).

 Quanto à estrutura orgânica das empresas locais, dispõe a lei que a natureza e a
competência dos seus órgãos obedecem ao disposto na lei comercial (art. 25.º, n.º
1). O RSEL prevê a existência obrigatória de uma assembleia geral que conta com
um representante designado pelo órgão executivo da entidade que exerce
influência dominante sobre a empresas (municípios, associação de municípios ou
área metropolitana – art. 26.º, n.º 2), e de um fiscal único (art. 25.º, n.º 2),
designado pela assembleia geral sob proposta do órgão de administração (art.
26.º, n.º 3).

 Relativamente ao órgão de administração, os seus membros são eleitos pela


assembleia geral (art. 26.º, n.º 1) e apenas um deles pode ser remunerado (art.
25.º, n.º 3 e 4). O valor das remunerações dos membros dos órgãos de
administração é sempre limitado ao valor da remuneração de vereador a tempo
inteiro na câmara municipal respetiva (art. 30.º, n.º 2 e 3).

 A entidade pública participante (município, associação de municípios ou área


metropolitana) exerce sobre a empresa local poderes de superintendência e de
tutela semelhantes aos exercidos pelo Governo sobre as empresas públicas que
integram a administração indireta do Estado.

 A relação entre a empresa e a entidade participante é ainda marcada pela


celebração de um contrato-programa, sujeito a aprovação pelo órgão deliberativo
da entidade participante, sob proposta do respetivo órgão executivo (art. 47.º, n.º
5 e 50.º, n.º 2).

5.9. Associações de municípios:


 Desde cedo que os municípios tiveram o hábito de se associar entre si. Primeiro,
para obter determinadas concessões do poder central, depois para administrar

135
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

bens comuns que conviesse manter indivisos ou para executar conjugadamente


certas obras públicas de interesse comum, ou para elaborar em conjunto planos de
urbanização e expansão que envolvessem áreas comuns.

 As associações de municípios devem definir-se, assim, como agrupamentos de


municípios para a realização conjugada de interesses específicos comuns. Podemos
distinguir duas espécies:
a) As associações que têm personalidade jurídica e constituem, portanto, uma
pessoa coletiva diferente dos municípios agrupados;

b) As associações sem personalidade jurídica, que, por conseguinte, representam


apenas uma modalidade de coordenação entre municípios.

 O diploma que atualmente regula esta matéria é a lei n.º 75/2013, de 12 de


setembro (LAL).

 Segundo a LAL, as associações de municípios são verdadeiras pessoas coletivas


públicas: assim o diz, expressamente, o art. 63.º, n.º 1. E, não sendo, como é
obvio, autarquias locais, mas associações de autarquias locais, entende-se que se
trata de associações públicas, na modalidade de associações de entidades públicas.

 A constituição de uma associação de municípios passa por um procedimento


decisório complexo que envolve a assembleia municipal e a câmara municipal:
compete a esta decidir a constituição da associação, mas a eficácia de acordo
constitutivo, que define os seus estatutos, depende da aprovação da assembleia
municipal (art. 108.º, n.º 1, da LAL). A criação da associação estabelece-se por
contrato e deve ser comunicada pelo município em cuja circunscrição esteja
sedeada ao Governo (art. 108.º, n.º 3, da LAL).

 A constituição de associações de municípios de fins específicos obedece a um


principio de estabilidade, embora cada município possa, a todo o tempo, fazer
cessar a sua participação na associação, por deliberação tomada na assembleia
municipal (art. 65.º, n.º 2, da LAL). Refira-se também que, embora não esteja
expressamente previsto na lei, nada impede que cada município possa pertencer a
várias associações de fins específicos.

 De harmonia com o art. 109 da LAL, cada associação de municípios tem estatutos
próprios, os quais devem estabelecer os seguintes elementos: denominação, fim,
sede e composição; competências dos órgãos; contribuição de cada município para
as despesas comuns; organização interna; forma de funcionamento; duração
(quando não for constituída por tempo indeterminado); direitos e obrigações dos
associados; condições de saída e exclusão dos associados e da admissão de novos
membros; extinção e divisão do património da associação.

136
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 As associações de municípios estão sujeitas a tutela administrativa do Governo,


nos mesmos termos das autarquias locais (art. 64.º da LAL) e, enquanto pessoas
coletivas de direito público, regem a sua atividade pelo Direito Administrativo
(art. 110.º, da LAL).

5.10. O referendo local:


 O referendo local assume, no âmbito autárquico, um relevo particular,
estreitamente ligado à noção de autonomia local. A possibilidade de efetuar
escolhas sobre assuntos relacionados com a vivência diária das populações locais é
uma forma de sensibilização aos cidadãos para a existência e necessidade de
decisão de problemas que lhes são próximos.

a) Objeto das consultas populares: a LRL delimita positiva e negativamente o objeto


de consulta, em termos materiais:
 Pela positiva, a LRL estipula, no art. 240.º, n.º 1, da CRP, que o referendo local só
pode ter por objeto questões de relevante interesse local que devam ser decididas
pelos órgãos autárquicos municipais ou de freguesias e que se integrem nas suas
competências (art. 3.º, n. º1).

 Pela negativa, a LRL (art. 4.º) exclui do âmbito material do referendo local: as
matérias integradas na esfera de competência legislativa reservada aos órgãos de
soberania; as matérias reguladas por ato legislativo ou por ato regulamentar
estadual que vincule as autarquias locais; as opções do plano e o relatório de
atividades; as questões e os atos de conteúdo orçamental, tributário e financeiro;
as matérias que tenham sido objeto de decisão irrevogável; as matérias eu tenham
sido objeto de decisão judicial transitada em julgado; e as matérias que tenham
sido objeto de celebração de contratos-programa.

 Deve sublinhar-se que cada referendo deve incidir sobre uma só matéria, não
podendo o número de perguntas formuladas ser superior a três (art. 6.º, n.º 1, e
7.º, n.º 1, da LRL).

 A objetividade, clareza e precisão das perguntas constituem requisitos de validade


de realização do referendo.

b) Requisitos temporais: nenhum referendo local pode ser convocado ou realizado


entre a data de convocação e a data de realização de eleições gerais para os órgãos
de soberania, eleições dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas,
eleições locais e eleições para o Parlamento Europeu (art. 8.º).

 Além disso, não pode haver cumulação entre referendos nacionais ou regionais
autonómicos e referendos locais (art. 6.º, n.º 3, e 8.º, da LRL).
137
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 O referendo só pode realizar-se num domingo ou em dia de feriado nacional,


autonómico ou autárquico (art. 96.º, n.º 2, da LRL).

c) Limites circunstanciais: nos termos do art. 9.º, n.º 1, da LRL, não pode ser
praticado nenhum ato relativo à convocação ou realização de referendo na
vigência do estado de sitio ou de emergência, antes de constituídos ou depois de
dissolvidos os órgãos autárquicos eleitos.

d) Âmbito das consultas populares: as consultas populares tanto podem ter lugar ao
nível da freguesia, como ao nível do município (art. 2.º, n.º 1, da LRL).

e) Procedimento: a realização de uma consulta popular ao nível local obedece a um


procedimento com oito fases:
1. Iniciativa: a apresentação de propostas de referendo local cabe, nos termos do art.
10.º da LRL: aos deputados dos órgãos deliberativos e aos órgãos executivos; a
grupos de cidadãos recenseados na respetiva circunscrição territorial (art. 10.º, n.º
2, e 13.º, da LRL).

2. Decisão sobre a realização da consulta: a votação para a aprovação, pelo órgão


competente, das propostas apresentadas, das quais consta obrigatoriamente o
conteúdo das perguntas (em número nunca superior a três), tem sempre lugar no
âmbito do órgão deliberativo da autarquia (art. 23.º da LRL).

3. Controlo da constitucionalidade e da legalidade do procedimento, bem como da


formulação das perguntas: a fiscalização prévia da decisão de realização da
consulta local compete ao Tribunal Constitucional (art. 25.º e ss. da LRL), que tem
25 dias para emitir a sua pronúncia (art. 26.º da LRL). Proferida a decisão, o
Presidente do Tribunal Constitucional notifica de imediato o presidente do órgão
que deliberou a realização da consulta (art. 31.º da LRL). Então, das duas uma: caso
o Tribunal Constitucional decrete alguma inconstitucionalidade ou ilegalidade, a
consulta não poderá ser realizada, nos termos propostos, embora possa ser
reformulada; caso isso não aconteça, passar-se-á à fase seguinte.

4. Marcação da data do referendo: uma vez notificada a decisão do Tribunal


Constitucional, a fixação da data do referendo deverá ser feita, respeitando-se um
prazo mínimo de 40 dias e um prazo mínimo de 60 para a sua realização (art. 33.º,
n.º 1, da LRL).

5. Campanha de divulgação e debate: a campanha deverá decorrer com vista à


apresentação pública e ao debate democrático das posições existentes sobre a
matéria objeto da consulta (art. 37.º e ss. da LRL). A campanha pode ser

138
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

promovida pelos partidos políticos e/ou grupos de cidadãos (art. 37.º da LRL). É
legitimo o recurso aos meios de propaganda previstos na LRL (art. 46.º e ss.);

6. Votação popular: findo o período de campanha, proceder-se-á à votação pelos


cidadãos eleitores inscritos na área a que o referendo respeita (art. 96.º e ss. da
LRL), na data previamente fixada;

7. Apuramento dos resultados: encerradas as urnas, inicia-se a fase de apuramento


dos votos e respetivos resultados (art. 127.º e ss. da LRL);

8. Publicação oficial dos resultados: finalmente, procede-se à publicitação dos


resultados do referendo, nos termos do art. 145.º da LRL: por edital afixado à
porta da Câmara Municipal (art. 147.º, da LRL).

 Os efeitos positivos (diretos) do referendo local traduzem-se, de acordo com o art.


219.º da LRL, na sua vinculatividade, desde que na votação tenham participado
mais de metade dos eleitores inscritos no recenseamento. Se da resposta ao
referendo resultar a necessidade de emissão de um ato, este deverá ser adotado
pelo órgão competente num prazo não superior a 60 dias (art. 221.º da LRL). Efeito
positivo (indireto) é também o facto de o não acatamento dos resultados do
referendo pelo órgão competente ser causa de dissolução deste (art. 220.º da LRL).

 Como efeito negativo, a LRL estabelece que a resposta implique a continuação da


situação verificada antes da realização do referendo, impede a renovação da
consulta, sobre a mesma questão, enquanto durar o mandato dos órgãos em
exercício (art. 223.º da LRL).

Todavia, as consultas populares não são a única forma de democracia participativa no


âmbito local, há pelo menos outras três hipóteses a que cabe fazer referencia, a saber:

1. O direito de petição de que gozam os cidadãos eleitores da circunscrição


administrativa, traduzido na possibilidade de apresentação aos órgãos do governo
local de pedidos no sentido da adoção ou cessação de determinadas medidas que
considerem relevantes para o interesse público local (art. 52.º, n.º 1, da CRP, art.
22, da LRL).

2. O direito de requerer nas reuniões dos órgãos colegiais autárquicos (art. 49.º, n.º
2,4,5 e 6 da LAL);

3. O direito de requerer a convocação de reuniões extraordinárias dos órgãos


deliberativos autárquicos (para a assembleia de freguesia, art. 12.º, n.º 1, al. c),
para a assembleia municipal, art. 28.º, n.º 1, al. c), da LAL). Nestas reuniões
extraordinárias terão direito de participação dois representantes dos requerentes,
mas sem direito de voto. Tais representantes podem formular sugestões ou

139
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

propostas, cuja votação está dependente de deliberação favorável da Assembleia


(art. 47.º, n.º 1 e 2, da LAL).

5.11. A problemática das grandes cidades e das áreas metropolitanas


5.11.1. A organização das grandes cidades:
5.11.2. A organização das áreas metropolitanas:
 Para além da grande cidade existem os seus arredores, ou seja, há uma zona
urbana e as respetivas zonas suburbanas, uma capital e as suas cidades-satélites ou
dormitórios. O conjunto formado pela grande cidade e pelos núcleos populacionais
suburbanos ou satélites chama-se área metropolitana.

Em relação ao problema da organização administrativa das áreas metropolitanas,


existem fundamentalmente três tipos de soluções:

a) Sistema de anexação dos pequenos municípios suburbanos pelo município da


grande cidade: neste sistema, a grande cidade, ao expandir-se, absorve no seu seio
os municípios que até aí eram seus vizinhos.
b) Sistema da associação obrigatória de municípios: neste sistema, a lei impõe a
associação do município da grande cidade com os municípios limítrofes; mas nem
aquela nem estes perdem a sua autonomia, têm é de cooperar para a resolução
dos seus problemas comuns.
c) Sistema de criação de uma autarquia supramunicipal: as autarquias municipais
existentes na área metropolitana mantêm-se, mas é criada uma nova autarquia, de
nível superior, a qual engloba e substitui, para certos efeitos, a grande cidade e os
municípios dos seus arredores.

 Com a entrada em vigor da LAL (2013), assistiu-se a uma redefinição dos modelos
de cooperação intermunicipal, assente agora em duas entidades intermunicipais:
as áreas metropolitanas e as comunidades intermunicipais.

5.11.3. As áreas metropolitanas e as comunidades intermunicipais:


 A LAL prevê a existência de dois tipos de entidades intermunicipais para a
prossecução de fins gerais: a área metropolitana e a comunidade intermunicipal.
Ambas constituem associações de autarquias locais e representam formas de
cooperação intermunicipal caracterizadas pela exclusividade, cada município só
pode integrar uma entidade, e pela contiguidade territorial, a entidades são
compostas por municípios ligados territorialmente.

 O regime de ambas é bastante aproximado, no entanto, existem algumas


diferenças entre o regime aplicável às áreas metropolitanas e às comunidades
intermunicipais: o caráter voluntário (no caso das comunidades intermunicipais) ou
legal (no caso das áreas metropolitanas) da sua instituição, o alcance das suas
140
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

atribuições (um pouco mais vasto no cado das áreas metropolitanas) e a estrutura
orgânica adotada (mais complexa no caso das comunidades intermunicipais).

Regime das entidades intermunicipais:


Criação:

 As áreas metropolitanas são aquelas que a lei indicar, não sendo livre a sua
instituição (art. 66.º, n.º 1, da LAL).

 No respeitante às comunidades intermunicipais a lei não obriga à constituição da


entidade, mas fixa previamente os municípios habilitados a integrá-la (art. 66.º, n.º
2, da LAL). A comunidade constitui-se por contrato, cabendo às câmaras municipais
decidir a sua instituição e aos respetivos presidentes outorgarem o contrato, que
define os estatutos da entidade. A eficácia do acordo depende da aprovação pelas
assembleias municipais dos municipais envolvidos (art. 80.º, n.º 1, 2 e 3 da LAL).

 As comunidades intermunicipais não podem ser instituídas sem o acordo de um


número mínimo de municípios que a queiram integrar, vedando, assim, a
comunidades intermunicipais com um numero de municípios inferior a 85 000
habitantes (art. 80.º, n.º 5, da LAL). Estando a comunidade intermunicipal já
constituída, qualquer município habilitado a integrá-la tem o direito potestativo de
a ela aderir, mediante deliberação da câmara municipal, aprovada pela assembleia
municipal (art. 80.º, n.º 4, da LAL).

Atribuições:

Existe coincidência entre as atribuições prosseguidas pelas áreas metropolitanas e


pelas comunidades intermunicipais. Entre elas, destacam-se (art. 67.º e 81.º da LAL):

a) Funções de planeamento da estratégia de desenvolvimento económico, social e


ambiental do respetivo território;
b) Função de articulação dos investimentos municipais;
c) Funções de participação na gestão dos programas de apoio ao desenvolvimento
regional;
d) Funções de articulação dos municípios com os serviços da administração central
relativamente às redes de serviços públicos.

 As áreas metropolitanas e as comunidades intermunicipais podem também


exercer as competências transferidas pelo Estado (seja através da lei ou de
contrato interadministrativo) e aquelas que são delegadas pelos municípios que as
integram, através da celebração de contratos de delegação de competências (art.
67.º, n.º 3, 81.º, n.º 3, da LAL).

Órgãos:

141
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

Relativamente à estrutura orgânica das entidades intermunicipais, cumpre distinguir:

a) No caso das áreas metropolitanas: a lei prevê a existência de um órgão


deliberativo, designado conselho metropolitano, de um órgão executivo, designada
comissão executiva metropolitana, e de um órgão de natureza consultiva,
designado conselho estratégico para o desenvolvimento metropolitano.

 O conselho metropolitano é constituído pelos presidentes das câmaras municipais


que a integram (art. 69.º, n.º 2, da LAL).

 Enquanto órgão de natureza deliberativa, compete-lhe, de acordo com o art. 71.º,


da LAL.

 A comissão executiva metropolitana é constituída pelo primeiro-secretário e por


quatro secretários metropolitanos, eleitos pelas assembleias municipais dos
municípios que a integram (art. 73.º, n.º 2, da LAL).

 Os membros da comissão são eleitos através de um processo complexo que


consiste na realização de uma eleição a decorrer simultaneamente em todas as
assembleias municipais dos municípios que integram a área metropolitana e que,
para o efeito, devem ser convocadas para reunir na mesma data e hora pelos
respetivos presidentes (art. 74.º, da LAL).

 Enquanto o órgão executivo, compete à comissão executiva metropolitana, o


disposto no art. 76.º da LAL.

 O conselho estratégico para o desenvolvimento metropolitano é um órgão de


natureza consultiva, constituído por representantes das instituições, entidades e
organizações com relevância e intervenção no domínio dos interesses
metropolitanos, cuja designação cabe ao conselho metropolitano (art. 78.º, da
LAL).

b) No caso das comunidades intermunicipais, a lei prevê a existência de quatro


órgãos: assembleia representativa, conselho intermunicipal, secretariado executivo
intermunicipal e conselho estratégico para o desenvolvimento intermunicipal.
Embora sem o declarar, a lei criou dois órgãos de natureza deliberativa: a
assembleia intermunicipal e o conselho intermunicipal.

 A assembleia intermunicipal é constituída por membros de cada assembleia


municipal dos municípios que integram a comunidade intermunicipal, eleitos de
forma proporcional, nos termos do art. 83.º, da LAL.

 Nos termos do art. 84.º da LAL, encontram-se as competências da assembleia


intermunicipal.

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1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 O conselho intermunicipal é constituído pelos presidentes das câmaras municipais


dos municípios que integram a comunidade intermunicipal (art. 88.º, n.º 1, da
LAL). O conselho tem um presidente e dois vice-presidentes, eleitos de entre os
seus membros.

 Nos termos do art. 90.º da LAL, encontram-se as competências do conselho


intermunicipal.

 O secretariado executivo municipal é constituído pelo primeiro-secretário e,


mediante deliberação unanime do conselho intermunicipal, até dois secretários
intermunicipais (art. 93.º, da LAL).

 Os membros do secretariado executivo são eleitos pela assembleia intermunicipal,


que delibera, em sufrágio secreto, sobre uma lista ordenada de candidatos
previamente aprovada pelo conselho intermunicipal e comunicada ao presidente
da assembleia municipal. Este, por sua vez, assegura que a reunião regular da
assembleia tem lugar nos 30 dias subsequentes à comunicação do conselho
intermunicipal (art. 94.º, da LAL).

 De acordo com o art. 96.º da LAL, encontram-se as competências do secretariado


executivo municipal.

 O conselho estratégico para o desenvolvimento intermunicipal é um órgão de


natureza consultiva, constituído por representantes das instituições, entidades e
organizações com relevância e intervenção no domínio dos interesses
intermunicipais, cuja designação cabe ao conselho intermunicipal (art. 78.º da
LAL).

 Quanto ao seu funcionamento, aplica-se às entidades intermunicipais, com


exceção das especificidades previstas na LAL, o regime jurídico aplicável aos órgãos
municipais (art. 104.º da LAL).

 Tutela: as entidades intermunicipais estão sujeitas a tutela administrativa do


Governo, nos mesmos termos que as autarquias locais (art. 64.º da LAL).

5.12. Os problemas de constitucionalidade suscitados pelas novas figuras:


a) Relativamente às áreas metropolitanas:
 A liberdade de constituição de associações e federações de municípios decorre em
primeira linha do direito de associação, consignado no art. 46.º da CRP, extensível
às pessoas coletivas de base territorial, nos termos do art. 12.º, n.º 1, da CRP. Esta
extensão é, de resto, expressamente confirmada pelos arts. 247.º e 253.º da CRP,

143
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

que reconhecem, respetivamente, às freguesias e aos municípios o direito de


associação para a realização de interesses comuns, nos termos da lei.

 A noção de autarquia local, expressão do poder local, é inseparável da vertente


democrática da sua constituição. Ora, as áreas metropolitanas não preveem
qualquer método de designação democrática dos seus órgãos, máxime do
deliberativo. A afronta aos arts. 235.º, n.º 2, e 236.º, n.º 3, da CRP afigura-se
incontornável.

 Na sequência do que acaba de dizer-se, a LAL incorre em nova violação da


Constituição quando comete aos órgãos deliberativos das áreas metropolitanas
(em qualquer das suas formas) a competência para aprovar regulamentos. A
constituição reserva para as autarquias locais o exercício do poder regulamentar,
no art. 241.º.

b) Relativamente às comunidades intermunicipais:


 As considerações expandidas a propósito das áreas metropolitanas aplicam-se, por
maioria de razão, às comunidades intermunicipais. Contudo, a comunidade
intermunicipal é uma figura totalmente estranha na Lei Fundamental, constituindo
um novo tipo de autarquia. Porque é de associação de fins gerais que se trata, não
de uma mera associação coberta pelo principio da liberdade associativa à margem
do elenco constitucional.

 Apesar da falta de suporte democrático da figura da comunidade intermunicipal,


ainda a dotou de poder regulamentar, em frontal oposição à reserva que o art.
241.º faz desta competência a favor de entidades com legitimidade democrática. A
figura da comunidade intermunicipal é, pois, também inconstitucional, por violação
do art. 236.º, n.º 3, 235.º, n.º 2 e 241.º da CRP.

5.13. A organização dos núcleos populacionais suburbanos:


 Os grandes núcleos populacionais, surgidos no território dos municípios adjacentes
às grandes cidades, mas mais influenciados por estas do que pela sede do concelho
a que formalmente pertencem, carecem de uma estrutura e organização
administrativa especiais, sobretudo para garantir a comodidade do público.

Três soluções são possíveis para este problema:

1. Criação, nos núcleos suburbanos, de delegações dos serviços municipais;


2. Organização desses núcleos em bairros administrativos, com ou sem criação
simultânea das delegações mencionadas em a);
3. Transformação dos núcleos suburbanos em novos municípios.

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1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 A primeira solução é sem dúvida a mais barata, e em certos casos pode ser
suficiente. A nossa lei não a prevê.

 A segunda solução era uma solução que tinha o grave inconveniente de


representar uma intromissão do Estado na esfera própria da autonomia municipal,
porque no fundo traduzia-se na entrega da gestão de interesses autárquicos aos
administradores de bairro, que eram magistrados administrativos. Supondo
mesmo que era uma solução inconstitucional.

 Por vezes só a terceira solução satisfaz: quando o núcleo populacional em causa


atinge dimensão e condições objetivas de autarquia municipal, a única saída tem
de ser a criação de uma nova autarquia.

5.14. A intervenção do Estado na administração municipal:


Objeto:

 A tutela do Estado sobre as autarquias locais só pode ter por objeto a legalidade da
atuação destas, e não também o mérito das suas decisões (art. 242.º, n.º 1).

Espécies:

 A tutela estadual sobre o poder local reveste apenas duas modalidades, que são as
da tutela inspetiva e da tutela integrativa.

Conteúdo:

 Não se prevê a possibilidade de o Estado utilizar as modalidades da tutela


revogatória ou da substitutiva.

Titularidade:

A tutela administrativa sobre as autarquias locais é uma atribuição do Estado.


Compete exercê-la (art. 5.º):

a) Ao Governo, através do Ministro das Finanças, no respeitante aos aspetos de


caráter financeiro; e do Ministro competente em matéria de administração local,
no que concerne aos demais aspetos (organização, pessoal, legalidade dos atos,
etc.);
b) Aos Governadores civis, na área de cada distrito, nos casos previstos na lei.

Exercício da tutela inspetiva:

 Inspecionar significa examinar as contas e documentos de um organismo, a fim de


verificar se tudo se encontra de acordo com as leis aplicáveis (arts. 3.º, n.º 2, al. a),
e 6.º, da LTA).

145
1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 Se se suspeita da existência de uma situação global de ilegalidades numerosas e


imputáveis a vários indivíduos, procede-se a uma sindicância (art. 3.º, n.º 2, al. c));
pelo contrário, se se pretende fazer apenas uma inspeção de rotina, ou verificar a
legalidade de certo ato ou do comportamento de um dado individuo, procede-se a
um inquérito (art. 3.º, n.º 2, al. b)). Tanto as sindicâncias como os inquéritos
podem ser ordenados pela autoridade competente ou mediante denúncia de
outros órgãos da Administração ou de particulares (art. 6.º da LTA).

Perda do mandato:

 Os membros dos órgãos autárquicos eleitos estão sujeitos à sanção legal da perda
do mandato, desde que em relação a eles se prove que cometeram determinadas
ilegalidades consideradas graves (art. 7.º, 8.º, n.º 3, e 9.º, al. i)).

 Na ausência de determinação expressa na lei, uma vez decretada a perda de


mandato a vaga será preenchida pelo cidadão seguinte na lista apresentada a
sufrágio ou, em caso de coligação, pelo cidadão imediatamente a seguir do partido
pelo qual havia sido proposto o membro que perdeu o mandato.

Dissolução:

 Qualquer órgão colegial autárquico pode ser dissolvido, cessando


simultaneamente o mandato de todos os seus membros quando lhe forem
imputáveis ações ou omissões legais graves (art. 242.º, n.º 2, e LTA, art. 9.º).

 De acordo com o art. 11.º da LTA, as decisões de dissolução dos órgãos


autárquicos ou de entidades equiparadas são da competência dos tribunais
administrativos de círculo. Determinada a dissolução de um órgão autárquico, a
decisão judicial é notificada ao Governo (art. 15.º, n.º 7) e pode suceder uma de
três coisas:
1. Tratando-se da assembleia de freguesia ou da câmara municipal, é nomeada uma
comissão administrativa, de 3 a 5 membros, que ficará a gerir os assuntos
correntes da competência do órgão executivo dissolvido até à realização de novas
eleições, que hão-de, em regra, ter lugar no prazo máximo de 90 dias (art. 14.º, n.º
3);

2. Tratando-se da assembleia municipal, não há nomeação de qualquer comissão


administrativa, devendo ser marcadas novas eleições num prazo máximo de 90
dias (art. 14, n.º 3);

3. Tratando-se da junta de freguesia ou de órgão equiparados de outras pessoas


coletivas de base autárquica (assembleia municipais, assembleia metropolitanas),
também não há nomeação de qualquer comissão administrativa, tendo de se

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1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

proceder, de acordo com as leis aplicáveis, à nova eleição para designação dos
titulares dos órgãos.

Causas de não aplicação da sanção:

 A LTA torna clara a necessidade de verificação da existência de culpa como


pressuposto de aplicação das decisões de perda de mandato e de dissolução do
órgão colegial (art. 10.º).

Efeitos das sanções tutelares:

 Os autarcas a quem tenha sido aplicada a sanção da perda do mandato, ou que


fossem membros de um órgão dissolvido, ficam impedidos de fazer parte da
comissão administrativa prevista no art. 14.º (art. 12.º, n.º 1 da LTA).

 Este efeito negativo não só não se produzirá, em caso de dissolução, quanto aos
autarcas que não tiverem participado nas votações ou tiverem votado contra nas
deliberações que hajam dado causa à dissolução (art. 12.º. n.º 2).

6. Órgãos independentes e Administração independente:


 Por fim, existem os órgãos administrativos qualificados pela Constituição e pela lei
expressamente como independentes, os quais, compõem a moderna categoria da
Administração independente, que para alguns deve somar-se à tripartição clássica
das administrações direta, indireta e autónoma.

6.1. Órgãos administrativos independentes:


 Desde cedo que a Constituição retira da esfera do Governo pequenos núcleos de
funções administrativas que requerem um nível de independência política
incompatível com a pura e simples integração de quem as prossegue nas estruturas
administrativas do Governo.

De referir, mais concretamente:

a) Ao Provedor de Justiça (art. 23.º);


b) À Comissão Nacional de Eleições (CNE) (art. 49.º e 113.º);
c) À Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) (art. 35.º);
d) À Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC) (art. 39.º);
e) À Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) (art. 268, n.º 2);
f) Ao Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República (SIR) (art.
26.º e 34.º).

a) O Provedor de Justiça protege todos os direitos dos cidadãos contra ações ou


omissões dos poderes públicos, entre os quais se destaca o Governo como órgão
superior da Administração Pública.

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1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

b) A CNE visa proteger o livre exercício do direito de voto e o respeito pela vontade
popular, garantindo que todos os processos eleitorais decorrem com respeito pela
lei e total isenção.

c) A Comissão Nacional de Proteção de Dados visa tutelar o respeito pela privacidade


e segurança dos dados informatizados das pessoas contra todas as entidades
públicas e privadas que os detenham, incluindo aqui naturalmente as
poderosíssimas bases de dados da Administração Pública.

d) Por sua vez, a ERC deve garantir a independência dos órgãos de comunicação social
do setor público simultaneamente perante o poder político, onde o Governo se
integra, e o poder económico.

e) A CADA justifica-se antes de mais pela defesa do direito à informação dos


administrados contra o Governo e contra os seus serviços, em beneficio do
principio da transparência e contra a regra do segredo.

f) O Conselho de Fiscalização do SIR tem por tarefa evitar que estes serviços, que
operam em áreas muito delicadas e em estreita relação com o Primeiro-Ministro e
outros membros do Governo, extravasem as suas funções e ponham em causa
direitos dos cidadãos.

 O que há de comum em todos estes casos é a necessidade de defesa de direitos


dos administrados numa relação conflitual com o Governo, não podendo, por isso,
ser este a arbitrar esse conflito ou a decidir o seu desfecho.

 A diferença entre o Provedor de Justiça e os restantes órgãos administrativos


independentes reside no facto de aquele ter uma competência genérica de
intervenção em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, enquanto os
restantes órgãos têm uma competência sectorial, respeitante apenas a um direito
básico ou a um conjunto de direitos conexos.

 Por outro lado, o Provedor de Justiça não tem poderes decisórios, nem muito
menos poderes sancionatórios. O seu grande poder é, no fundo, um poder de
influência, resultante da sua própria autoridade moral, politica e técnica.

 A diferença entre a ERC e os demais órgãos reside na circunstância de aquela ter


sido dotada de personalidade jurídica de direito público.

6.2. O regime dos órgãos administrativos independentes:


a) Composição e modo de designação dos titulares;
b) Estatuto desses mesmos titulares;
c) Órgão constitucional associado;

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1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

d) Natureza das competências exercidas.

 Quanto mais diversificada for a origem dos membros que compõem um órgão,
maiores as possibilidades de este agir efetivamente com independência.

 Assim, com exceção do Provedor de Justiça, que é um órgão singular, todos os


demais órgãos em análise têm uma composição relativamente plural, com
membros de diferentes proveniências.

 Mas o essencial é a intervenção da Assembleia da República na eleição, por maioria


qualificada 2/3 dos deputados, de todos ou alguns desses membros, ou, então, em
alternativa ou por acréscimo, a designação por um dos Conselhos Superiores das
magistraturas.

 De um modo geral, os titulares dos órgãos administrativos independentes são


inamovíveis, embora tenham um mandato relativamente curto de quatro ou cinco
anos, nalguns casos não renovável. É também comum a previsão de outras
garantias de independência, como imunidades e regras de irresponsabilidade civil e
criminal pelas decisões proferidas. Naturalmente têm um estatuto remuneratório
condizente com as funções que exercem.

 Com a exceção do Provedor de Justiça e da ERC, todos os demais órgãos


independentes funcionam junto da Assembleia da República e os seus membros
tomam posse perante o presidente desta.

Por fim, no que respeita às competências, tirando mais uma vez o Provedor de Justiça,
todos os demais órgãos independentes têm competências decisórias próprias,
designadamente para:

a) Conceder autorizações ou licenças;


b) Decidir queixas apresentadas por particulares;
c) Aplicar coimas e outras sanções;
d) Efetuas registou ou assegurar a conformidade com a lei;
e) Dar pareceres vinculativos;
f) Aprovar regulamentos internos e externos.
 A estas competências acrescem, porém, competências consultivas em sentido
amplo. E, bem assim, importantes competências de fiscalização, acompanhando o
exercício de atividades públicas e privadas e zelando aí pelo respeito da lei e dos
direitos dos cidadãos.

6.3. Entidades administrativas independentes com funções de regulação:


 Estes órgãos administrativos independentes e a própria ERC não devem confundir-
se com as entidades administrativas independentes em sentido rigoroso.

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1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

 Estas entidades não visam a proteção de direitos e liberdades dos cidadãos, mas
antes o desempenho de funções de regulação de diversas atividades económicas,
desenvolvidas pelos setores privado, público e cooperativo. Quando determinadas
atividades económicas, tradicionalmente desenvolvidas por uma empresa pública
ou por uma empresa concessionária se abrem progressivamente ao mercado
concorrencial (água, energia, etc.) e se pretende simultaneamente garantir uma
concorrência saudável e proteger os consumidores, torna-se necessário criar
entidades pública reguladoras, instituindo-as a partir do zero ou através da
conversão de institutos públicos ou direções-gerais.

 O art. 6.º da referida lei-quadro das entidades reguladoras estabelece um


conjunto de parâmetros positivos e negativos que indicam quando pode e quando
não pode ser criada uma nova entidade com esta natureza. Contudo, como esta lei
não tem valor reforçado, nada impede o legislador amanhã de criar mais uma
entidade destas, a juntar às nove que por agora a lei procura enquadrar.

 Sublinha-se que a independência destas entidades administrativas não resulta de


qualquer imposição constitucional, mas apenas de uma opção de política
económica que foi assumida pelo legislador ordinário. É por isso uma opção
reversível a todo o tempo.

 A verdade é que a independência destas entidades não impede que as mesmas


estejam associadas a um ministério, denominado ministério responsável (art. 9.º),
o qual, pode solicitar informações e documentação vária, sendo que alguns dos
atos de natureza financeira carecem de aprovação das Finanças (art. 45.º).

 Do ponto de vista da sua natureza jurídica, não estão muito longe dos institutos
públicos com função de regulação, previstos e regulados na Lei-Quadro dos
Institutos Públicos. São institutos públicos em relação aos quais o Governo,
autorizado pelo n.º 3 do art. 267.º da CRP, renuncia quase na totalidade ao
exercício dos poderes de superintendência e tutela que o art. 199.º lhe confere em
geral sobre a administração indireta.

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1º ano de Direito Direito da Organização Administrativa CAD

AGRADECIMENTOS:
Adriana Borges

Ana Rita Alves

David Silva

Eduardo Leão

Érica Araújo

Gabriel Pinho

João Paulo Silva

Manuela

Marlene Ferreira

Matilde Campos

Miguel Ledo

Pedro Gomes

Apontamentos realizados por membros da CAD. Pedimos que qualquer erro de escrita ou de
direito verificado seja comunicado a um dos membros para posterior correção.

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