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1º ano de Direito História do Direito Português CAD

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1º ano de Direito História do Direito Português CAD

Com o inicio da pandemia COVID-19 em 2020, em Portugal, veio também mais tempo livre no
sentido em que nos encontrávamos em confinamento geral obrigatório. Com mais tempo livre,
já que, por exemplo, as horas despendidas em transportes diariamente para a faculdade
podiam ser agora direcionadas para outras questões. Decidi então, literalmente de um dia
para o outro, criar a CAD, Comunidade de Aficionados de Direito. Com que objetivo? Queria
ligar os estudantes de Direito de todo o país, queria divulgar e criticar as mais recentes notícias
jurídico-políticas, queria levar a cabo iniciativas que aproveitassem a todo e qualquer jurista,
professor, estudante, advogado, etc… Criei o site, a página no Instagram e assim se começou a
erguer o projeto. Entretanto, com as aulas online, pensei também em elaborar apontamentos
semanais e divulgar com os meus colegas, utópico para um trabalho a sós, mas perfeitamente
possível com a entreajuda dos meus colegas porque cada grupo de estudantes faria os
apontamentos semanais de cada cadeira. Porque fazer os apontamentos semanais? A resposta
é extensa, mas simples. Com a “obrigação” de preparar esses mesmos apontamentos, tenho
também um duplo dever de assistir às aulas, de perceber e apontar as mesmas, porque não o
fazendo, falharia comigo e com os restantes colegas com quem me comprometi a partilhar os
apontamentos. Desta forma, dividimos até pelos vários estudantes a tarefa de recolher os
escritos relativos às diversas matérias. É trabalhoso, mas, inevitavelmente, ao preocuparmo-
nos com nos próprios estamos também a ajudar todos os outros alunos. Ou seja, no 1º ano,
começamos apenas a partir de março com os apontamentos semanais, mas no 2º ano, ano
letivo 2020/2021, os apontamentos semanais começaram no inicio e acabaram apenas no fim
do ano letivo! Dito isto, pode conter falhas de escrita ou de direito, foi feito ao longo do tempo
por juristas em formação, entregue semanalmente, portanto, é compreensível e pedimos
também que quando notada alguma falha grave nesse sentido, que nos seja comunicado. Este
projeto ajudou também a impulsionar um ambiente saudável no curso de Direito na nossa
universidade, não que já não o houvesse, mas esta iniciativa só o veio melhorar. Esperamos
ainda que esta iniciativa inspire ad aeternum o maior número de estudantes possíveis, já que
ficou demonstrado que a entreajuda tem efeitos positivos para todos nós. Se tiveres interesse
em colaborar connosco, envia-nos mensagem no Instagram. Somos vários estudantes da
licenciatura em Direito com vontade de mudar, ajudar e com disponibilidade em ser ajudados.
Obrigado a todos aqueles que todos os dias se esforçam por uma comunidade melhor,
saudavelmente competitiva, consciente e dedicada.

João Paulo Silva, Fundador da Comunidade de Aficionados do Direito.

História do Direito Português (Frequência)

Índice:
Conceitos:....................................................................................................................................3
Tema 3: época da individualização do direito português:............................................................8
Tema 4: Renascimento do direito romano.................................................................................13
Tema 7: Direito português entre 1248 e 1446/471....................................................................15
Tema 8: Ordenações.................................................................................................................18
Tema 9: Legislação Manuelina...................................................................................................27
Tema 10: Renascença.................................................................................................................28

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Tema 11: Segunda Escolástica....................................................................................................30


Tema 12: Correntes do pensamento jurídico moderno.............................................................31
Tema 13: Iluminismo..................................................................................................................33
Tema 14: Reformas Pombalinas.................................................................................................35
Tema 15: Liberalismo.................................................................................................................37
Tema 16: Correntes do pensamento jurídico europeu...............................................................41
Tema 17: Movimento codificador..............................................................................................42
Tema 18: Costumes e direito subsidiário...................................................................................44

1. Conceitos:

1.1. Direito Primitivo:


a) Direito pré-romano:

 Costume: normas jurídicas surgiram pela prática reiterada das mesmas condutas,
perante os vários problemas e situações sociais, acompanhada da convicção ou
consciência da sua obrigatoriedade.

 Entrar às varas: é uma forma de punição de certos delitos, não graves, que se
traduz na composição corporal ou por açoites. O agressor recebia do ofendido, ou
de quem este indicasse, o número de varadas definido na sentença. Se a pena
tivesse de ser aplicada a uma mulher casada, o executor seria o seu marido, em
homenagem à autoridade familiar.

1.2. Direito Romano Vulgar:


b) Direito Germânico:
 Princípio da personalidade ou da nacionalidade do direito: coexistência de
sistemas jurídicos diversos dentro do mesmo território, devendo cada pessoa
reger-se pelo direito da sua raça. Este princípio contrapõe-se ao da territorialidade
do direito, que consiste na aplicação de um único ordenamento a todas as pessoas
que habitam o mesmo território.

 Capitulares: as capitulares eram normas jurídicas avulsas promulgadas pelos reis


germânicos. O seu nome deriva da divisão em capítulos. Constituíam autênticos
diplomas legislativos.

 Quanto ao seu conteúdo, deve salientar-se que as capitulares versavam


predominantemente direito público. Não raro se ocupavam, inclusive, de assuntos
eclesiásticos.

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 Leis dos bárbaros ou leis populares: quando se atribui às coletâneas germânicas a


denominação de “leges”, apenas se pretende significar que elas representam um
conjunto de normas reduzidas a escrito.

 Comumente, designam-se por leis populares e, em paralelo, as normas jurídicas aí


contidas por direito popular. A nomenclatura tem certa justificação, visto que o
povo, além de constituir a genuína fonte de regras consuetudinárias nelas
condensadas, teve sempre uma participação direta ou indireta na organização
dessas codificações.

 As leis dos bárbaros, nas originárias conceções germânicas, não assumiram


propriamente a função de criar direito, mas a de definir, em face de problemas
determinados, qual a solução mais adequada, segundo o costume ou consciência
do povo.

 Quanto ao seu aspeto formal, as leis bárbaras encontram-se com frequência


elaboradas sem qualquer espécie de ordem ou método e redigidas no latim
corrente da época.

 Todas as leis populares foram elaboradas depois da conversão dos respetivos


povos ao Cristianismo.

 Leis romanas dos bárbaros: pertencem à categoria destas leis as coletâneas de


textos de direito romano organizadas nos Estados germânicos com finalidades
diversas. Na verdade, ao aludir-se a leis romanas dos bárbaros, não se pretende
tomar partido antecipado sobre o âmbito de aplicação de tais codificações de
direito romano.

 Umas destinam-se tanto à população romana como à germânica; outras foram


primitivas da população romana; ainda outras tiveram natureza subsidiária ou
didascálica.
Figuras jurídicas:
 Ordálios ou juízos de Deus: consistia na ideia de que não se pode condenar
ninguém sem provas porque a pior o pior que pode acontecer em Direito é
condenar um inocente. Assim, na impossibilidade de provar que um sujeito
praticou um crime, apelava-se a Deus que desse um sinal que permitisse a
condição ou absolução do mesmo.

 Existem vários ordálios, dos quais cabe destacar a prova do ferro candente, no qual
o suspeito pegava num ferro em brasa, percorria o espaço de nove pés e punha-o
devagar no chão. De seguida, o sacerdote abençoava a mão e o juiz cobria-a com
cera e envolvia-a num pano. Três dias depois a mão era examinada e, se
aparecesse queimada, este era condenado.

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 Existia, ainda, muito semelhante à prova do ferro candente, a prova caldária, em


que o acusado, na presença de um júri, mergulhava a mão num recipiente com
água a ferver e tirava dele um objeto. A mão era depois untada e ligada e, ao fim
de certo número de dias, o mesmo júri procedia ao seu exame. Caso estivesse ou
não curada, ou em vias de cura, considerava-se o acusado inocente ou culpado.

 Casamento de juras: é a forma não solene de casamento, também designada a


furto. Caracteriza-se pela troca dos recebimentos ou palavras de presente,
efetuada fora da igreja e em qualquer lugar, embora, por via de regra, na presença
de testemunhas e, muitas vezes, na presença de um clérigo que desempenhava as
funções de testemunha qualificada ou porventura até as de um oficial político.

 Dote germânico: é um conjunto de bens que o noivo dá á noiva antes do


casamento, visando, sobretudo dar-lhe meios de sobrevivência na eventualidade
de ficar viúva. Entretanto, permite que a mulher contribua, com os rendimentos,
para as despesas da família.

 Morgengabe: consistia no presente oferecido pelo noivo à noiva, como retribuição


da sua castidade. Corresponde a uma instituição germânica que não se encontra na
legislação visigótica.

 Código Visigótico: conjunto de manuscritos de épocas muito diversas, que vão


desde a última fase da dominação visigótica até à Reconquista. Trata-se de revisões
não oficiais da autoria de juristas e práticos do direito anónimos, que tomam por
base a forma ervigiana, introduzindo-lhe modificações e acréscimos diversos. Este
pode considerar-se um produto do cruzamento de três correntes jurídicas: romana,
germânica e canónica, em que foi a romana que maior influência exerceu.

 Fórmulas Visigóticas: Dá-se esta designação ao conjunto de quarenta e seis


fórmulas descobertas num códice da Catedral de Oviedo. A maior delas refere-se a
atos privados: vendas, doações, testamentos, permutas, etc.

 Merece destaque a fórmula 20, consagrada à “morgengabe”, que consistia no


presente oferecido pelo noivo à noiva, como retribuição da sua castidade.
Corresponde a uma instituição germânica que não se encontra na legislação
visigótica.

 Quanto à redação e ao estilo, o formulário analisado baseia-se no sistema


documental romano. Também, pelo que toca ao conteúdo, pode dizer-se que
reflete um ambiente romano e cristão. As influencias germânicas mostram-se
reduzidas.
c) Direito Muçulmano:
Fontes básicas do direito muçulmano:

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 O Alcorão consiste no conjunto de revelações de Alá que os fiéis se habituaram a


recitar e que, segundo Maomé, lhe foram feitas de modo explicito. Só depois da
morte deste se reduziram a escrito. Tais ensinamentos possuem um conteúdo
variado, mas sobressaem as regras de caráter religioso, moral e jurídico.

 A “Sunna” corresponde à conduta pessoal de Maomé, traduzida em atos, palavras


e silêncios tidos como concordância ao que presenciava. São ensinamentos
recebidos de forma implícita. Conhecidos, de início, apenas pela tradição oral,
procedeu-se à sua compilação, desde meados do século VIII.

 Terça: é um instituto jurídico de origem muçulmana que se traduz na quota (1/3)


que o testador pode livremente dispor. Este instituto persistiu no Direito Português
até à reforma republicana de 31 de outubro de 1910.

1.3. Época da individualização do direito português:

 Cúria: órgão auxiliar do rei que tinha um caráter eminentemente político. Das
reuniões extraordinárias ou plenárias da Cúria resultou a instituição das Cortes.

 Foral ou carta de foral é o diploma concedido pelo rei, ou por um senhorio laico ou
eclesiástico, a determinada terra, que contém normas que disciplinam as relações
dos povoadores ou habitantes, entre si, e destes com a entidade outorgante. O
foral representa a espécie mais significativa das chamadas cartas de privilégio.

 Costume: em sentido rigoroso, o costume é o modo de formação e revelação de


normas jurídicas que se traduz na prática constante e reiterada de uma certa
conduta (elemento material), acompanhada da convicção da sua obrigatoriedade
(elemento psicológico). Ora, nesta época, utilizava-se o conceito de costume num
sentido amplo ou residual: abrange todas as fontes de direito tradicionais que não
tenham caráter legislativo.

 Concórdias e as concordatas : consistiam em acordos efetuados entre o rei e as


autoridades eclesiásticas em que ambos se comprometiam a reconhecer direitos e
obrigações relativos ao Estado e à Igreja. Com alguma frequência estes acordos
resultavam de respostas aos agravamentos proferidos em Cortes pelos
representantes do clero. Outras vezes, derivavam de negociações do rei com as
autoridades eclesiásticas, apenas nacionais ou com intervenção papal. Neste
último caso utilizava-se frequentemente a designação de concordata.

 Enfiteuse: contrato pelo qual se operava a repartição, entre os contraentes, do


“domínio direto” e “domínio útil” de um prédio, no qual o primeiro pertencia ao
senhorio e traduzia-se essencialmente na faculdade de receber do foreiro ou

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enfiteuta, a quem cabia o domínio útil, uma pensão anual. Esta pensão anual
consistia, geralmente, numa parte proporcional dos frutos que o prédio produzia.

 Complantação: consistia num contrato pelo qual o proprietário de um terreno


cedia o mesmo a um agricultor para que este o fertilizasse, normalmente, com a
plantação de vinhas ou de outras espécies duradouras. Uma vez decorrido o prazo
estabelecido, que variava de quatro a oito anos, procedia-se à divisão do prédio
entre ambos, geralmente em partes iguais. Ainda, era possível os intervenientes
incluírem certas cláusulas acessórias, que variavam de contrato para contrato.

 Dote romano: O dote romano é o conjunto de bens que a noiva leva para o
casamento para que possa ajudar nas despesas da família e para que depois da
morte do marido ela possa sobreviver.

 Direito de avoenga: é o direito de os parentes do vendedor preferirem na compra


de bens de proveniência familiar. Também denominado retrato familiar, a sua
ratio era evitar que tais bens fossem cair nas mãos de um estranho

 Senhorio: circunscrição territorial mais ou menos ampla na qual um senhor exerce


poderes semelhantes aos que o Rei exerce nas restantes terras. Nomeadamente:
cobrança de tributos, administração da justiça, recrutamento para o serviço militar.

 Assento: é um instituto, também documento (mais propriamente, registo no


livrinho da Casa da Suplicação, depois, também das Relações) que contém a
interpretação autêntica de uma lei, até aí suscetível de várias interpretações.

1.4. Escola dos Glosadores:

 Glosas: consiste num processo de exegese textual. Por outras palavras, eram
nótulas ou pequenos comentários dos manuscritos que continham as normas
analisadas.

1.5. Renovação do direito canónico:


 Direito canónico: é o conjunto de normas jurídicas que disciplinam as matérias da
competência da Igreja Católica. Entre outras designações que tem recebido,
destaca-se a de direito eclesiástico.

 Decretos ou cartas decretais: correspondem às epístolas pontifícias, isto é, as


normas jurídico-canónicas da direta iniciativa dos Papas.

 Direito comum: sistema normativo de fundo romano que se consolidou com os


Comentadores e constituiu, embora não uniformemente, a base da experiência
jurídica europeia ate finais do século XVIII.

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 A expressão, tanto se encontra usada restritivamente, para abranger apenas o


sistema romanístico, como, num sentido amplo, que compreende também outros
segmentos integradores, muito em especial o canónico, mas não esquecendo o
germânico e o feudal.

1.6. Fontes do direito português desde os meados do século XIII até às


Ordenações Afonsinas:

 Foros ou costumes: certas compilações medievais concedidas aos municípios ou


simplesmente organizadas por iniciativa destes. Trata-se de codificações que
estiveram na base da vida jurídica do concelho, abrangendo normas de direito
político e administrativo, norma de direito privado, como as relativas a contratos,
direitos reais, direito da família e sucessões, normas de direito penal e de processo.
São fontes com amplitude e alcance muito mais vastos do que os forais.

Tema 3: época da individualização do direito português:


3. Fontes do direito português anteriores à segunda metade do século
XIII:
 Antes de mais referir que o período da individualização do direito português se
situa entre os anos de 1140, portanto, na altura em que D. Afonso Henriques se
intitulou de rei, até 1248, correspondente ao inicio do reinado de D. Afonso III.
Durante este período ocorreu uma manutenção das fontes de direito herdadas do
Estado leonês; o aparecimento progressivo de fontes tipicamente portuguesas; um
sistema jurídico de base consuetudinária e foraleira e, ainda, o empirismo jurídico,
com tabeliões ou notários na evolução do direito.

 Posto isto, convém, então, analisar as referidas fontes do nosso direito


respeitantes a este período. Realçando que a partir do século XIII se verifica uma
acentuada tendência para a personalização do direito português.

 Visto que o nosso país surgiu de um desmembramento do Reino de Leão, nada


admira que as fontes do direito leonês tenham vigorado também em Portugal nos
primórdios da sua independência.

3.1. Fontes de direito do Reino de Leão que se mantiveram em vigor:


a) Código Visigótico:
 Menciona-se o código Visigótico, que permanece como fonte de direito no
território português ainda durante todo o século XII.

 O Código Visigótico constituía, em todo o caso, o único corpo de legislação geral


capaz de, ao tempo, servir de lastro jurídico comum ou ponto de referência dos
povos peninsulares, inclusive para efeitos supletivos.

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 É afirmação corrente que começam a escassear as referências ao Código Visigótico


nos documentos portugueses, como reflexo de uma progressiva perda da sua
autoridade. Assim deve ter sucedido à medida que a legislação geral e a eficácia do
direito romano-canónico se foram incrementando. No entanto, esta afirmação
translatícia foi desacompanha de comprovação, representando uma simples
conjetura, posto que muito verosímil.

b) Leis dimanadas de Cúrias ou Concílios reunidos em Leão, Coiança e Oviedo:


 Outras fontes de direito que se mantiveram vigentes no território português foram
as leis gerais saídas de algumas Cúrias ou Concílios que se realizaram antes da
fundação da nacionalidade. Refere-se às assembleias com essa índole celebradas
em Leão, Coiança e Oviedo. Discute-se sobre se tais assembleias solenes
constituíam Cúrias extraordinárias ou Concílios.

 A Cúria, filiação da Aula Régia visigótica, era um órgão auxiliar do rei que tinha,
portanto, um caráter eminentemente político. Das reuniões extraordinárias ou
plenárias da Cúria resultou a instituição das Cortes.

 Diversamente, os Concílios caracterizavam-se pela sua natureza eclesiástica.


Todavia, como os altos dignitários da Igreja participavam nas reuniões da Cúria e
também nos Concílios, mercê das circunstâncias da época, não raro eram
convocados pelo rei e nele colaboravam leigos, de modo que as duas instituições
tendiam a confundir-se.

 De qualquer modo, presume-se que as normas gerais resultantes dessas


assembleias tiveram aplicação no nosso país. Aponta nesse sentido a circunstancia
de parte das disposições emanadas de Leão, e de Coiança se encontrarem em
cartulários portugueses.

c) Forais de terras portuguesas anteriores à independência:


 Também continuaram a ter plena eficácia, depois da fundação da nacionalidade,
forais do século XI e dos começos do século XII.

 Foral ou carta de foral é o diploma concedido pelo rei, ou por um senhorio laico ou
eclesiástico, a determinada terra, contendo normas que disciplinam as relações dos
povoadores ou habitantes, entre si, e destes com a entidade outorgante.
Representa o foral a espécie mais significativa das chamadas cartas de privilégio.

 Incluem-se, essencialmente, nos forais normas de direito público. Ocupando aqui,


os preceitos de direito privado um plano muito secundário.

d) Costume:

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 Por último, refere-se o costume. Este conservou, entre nós, a sua vigência anterior
o direito privado, designadamente, tinha como fonte principal ou quase exclusiva o
costume que prosseguia a linha das normas consuetudinárias leonesas. Importa,
porém, salientar a amplitude com que no período medieval se entendia essa fonte
de direito.

 Em sentido rigoroso, o costume é o modo de formação e revelação de normas


jurídicas que se traduz na prática constante e reiterada de uma certa conduta
(elemento material), acompanhada da convicção da sua obrigatoriedade (elemento
psicológico). Ora, nesta época, utilizava-se o conceito de costume num sentido
amplo ou residual: abrange todas as fontes de direito tradicionais que não tenham
caráter legislativo.

3.2. Fontes de direito posteriores à fundação da nacionalidade:


 Ao lado das referidas fontes herdadas do Estado leonês, começaram a surgir outras
tipicamente portuguesas. A elas se deve a progressiva individualização ou
autonomização do sistema jurídico do nosso país.

a) Leis gerais dos primeiros monarcas:


 Entre as mais antigas fontes de direito de origem portuguesa, começa-se por
enumerar as leis de aplicação geral.

 Contudo, sabe-se que, embora pouco, alguma coisa se legislou.

 Com Afonso II, a legislação principia a tomar incremento. Este soberano convocou
uma reunião extraordinária da Cúria. Dela saíram várias leis, onde já parece
vislumbrar-se influência do direito romano das compilações justinianeias.

 Posto que não formem um corpo legislativo unitário, são, em todo o caso, um
conjunto de preceitos ordenados com algum método.

 Cabe assinalar que nesse conjunto de preceitos legislativos assume relevo a


garantia das liberdades individuais e a condenação expressa da vindicta privada,
substituindo-a por decisões forenses. A defesa das classes populares contra as
potencias dos poderosos é manifesta em várias de tais normas.

 Pode, então, afirmar-se que desde Afonso II começa a desenhar-se a tendência de


o monarca sobrepor a lei aos preceitos consuetudinários que se considerem
inconvenientes.

b) Forais:
 Compensando a escassez das leis gerais, são abundantes nesta época as fontes de
direito local. Durante os primeiros reinados concederam-se muitos forais e cartas
de povoação.

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 As preocupações de conquista e de povoamento das terras determinaram a


necessidade de conceder cartas de povoação e forais. Estes constituem, sem
dúvida, uma das mais importantes fontes de direito português.

c) Concórdias e concordatas:
 Consistiam as concórdias e as concordatas em acordos efetuados entre o rei e as
autoridades eclesiásticas, comprometendo-se a reconhecer direito e obrigações
relativos ao Estado e à Igreja. Não raro esses acordos resultavam de respostas aos
agravamentos proferidos em Cortes pelos representantes do clero. Outras vezes,
derivavam de negociações do rei com as autoridades eclesiásticas, apenas
nacionais ou intervindo o Papa.

3.3. Regime senhorial:


 O regime senhorial correspondia a um território mais ou menos extenso, no qual
um senhor ou entidade eclesiástica exerce poderes soberanos moldados nos
poderes do rei, embora de menor amplitude. Nesse território, o senhor substitui o
monarca no exercício de alguns direitos soberanos: cobra prestações e tributos;
requisita homens para trabalhos agrícolas ou fortificações militares, superintende
na administração; administra a justiça; concede forais.

 No que respeita as modalidades existe o couto: senhorio atribuído por documento


régio (carta de couto), no qual o rei proíbe os funcionários de aí entrarem para
exercerem as funções de soberania; a honra: território demarcado por iniciativa do
fidaldo, com o objetivo de retribuir os serviços prestados ao rei; beetria: senhor
escolhido pelos habitantes de um território, a quem reconhecem o exercício das
funções de soberania, normalmente fazem-no por necessidades de proteção.

3.4. Aspetos do sistema jurídico da época:


3.4.1. Considerações gerais:
 Confirma-se, pelo exposto, que o direito português, até meados do século XIII, teve
uma base consuetudinária, como sucedeu nos restantes Estados peninsulares
medievos, onde o Código Visigótico cada vez mais perdia terreno e a legislação ia
aflorando timidamente. Por outro lado, o esforço de fomento social e económico
conduzia à difusão das fontes de direito local: as cartas de povoação e os forais.
Compreende-se que este sistema jurídico dos começos da nacionalidade
portuguesa fosse um direito rudimental, caracterizado por instituições de tipo
primitivo.

 Convém, igualmente, não esquecer que o ordenamento jurídico da época deve


uma grande parte da sua originalidade e como que regressão atávica à situação
histórica em que se desenvolveu. Recordem-se as condições económicas, políticas

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e sociais do tempo, que se assinalaram, em geral, a propósito do direito hispânico


da Reconquista cristã.

 Completa o quadro uma referência ao empirismo que presidia à criação jurídica,


orientada, no âmbito do direito privado, fundamentalmente, pelos tabeliães,
através dos contratos e outros atos que elaboravam, não existindo, via de regra,
preceitos gerais individualizadores dos vários institutos. Na verdade, são as
escrituras tabeliónicas, redigidas de acordo com a vontade concreta dos
outorgantes, que paulatinamente, ato após ato, modelam os vários negócios
jurídicos.

3.4.2. Contratos de exploração agrícola e de crédito:


 Parece adequada uma alusão aos contratos agrários, visto que constituíam uma
das traves mestras da vida económica e social medieva. Tais contratos configuram-
se como um conjunto de negócios inominados e sem contornos rigorosos.

 Assinalam-se dois contratos de exploração agrícola: a enfiteuse e a complantação.


Ambos os contratos refletem o movimento que se verifica no sentido de conduzir o
concessionário de prédio alheio à conquista de uma posição mais firme em face do
senhorio. O aspeto propriamente jurídico revela-se no principio da conquista da
propriedade através do trabalho, que representa um dos conceitos fulcrais do
direito medievo.

 Consistia, portanto, a enfiteuse num contrato pelo qual se operava a repartição,


entre os contraentes, daquilo que a ciência do direito chamaria mais tarde
“domínio direto” e “domínio útil” de um prédio, o primeiro pertencia ao senhorio
e traduzia-se, essencialmente, na faculdade de receber do enfiteuta, a quem cabia
o domínio útil, uma pensão anual, em regra consistindo numa parte proporcional
dos frutos que o prédio produzia. Entre as faculdades compreendidas no domínio
útil da enfiteuta cotava-se a de alienar a respetiva posição a terceiro, com ou sem
direito de preferência do senhorio.

 Ao lado da enfiteuse, difundiu-se a complantação derivada das mesmas


necessidades económico-sociais e ideias jurídicas. Simplesmente, o trabalho e a
propriedade da terra são equilibrados de modo diverso. Analisava-se este contrato
no seguinte: o proprietário de um terreno cedia-o a um agricultor para o que
fertilizasse, em regra, com a plantação de vinhas ou de outras espécies duradouras;
uma vez decorrido o prazo estabelecido, que variava de quatro a oito anos,
procedia-se à divisão do prédio entre ambos, geralmente em partes iguais. Os
intervenientes podiam incluir certas cláusulas acessórias, que variavam de contrato
para contrato.

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 Desenvolveram-se, um pouco mais tarde, outros dois negócios que


desempenharam uma relevante função de crédito ou financeira: a compra e venda
de rendas e o penhor imobiliário.

 Através da compra e venda de rendas, o proprietário de um prédio, carecido de


capitais, cedia a uma pessoa que deles dispusesse, em compensação de
determinada soma para sempre recebida: o direito a uma prestação monetária
anual imposta como encargo sobre esse prédio. O negócio representava uma
forma de investimento que teve função análoga à do empréstimo a juros, sem que
fosse abrangido pela proibição da usura, ao menos em termos tão radicais.

 Relativamente ao penhor imobiliário, a transmissão do prédio pelo proprietário-


devedor ao seu credor podia ser feita com vários objetivos: desde o de pura função
de garantia e de compensação da cedência do capital até ao de lhe proporcionar o
reembolso progressivo da dívida, que se ia amortizando com o desfrute do prédio.
Deste modo, o penhor imobiliário apresentou-se sob diversas modalidades. Ponto
importante é o da evolução do instituto para a hipoteca de moldes romanos,
ocorrida já na fase ulterior.

Tema 4: Renascimento do direito romano


4. Renascimento do direito romano:
a) Preliminares:
 Depois da queda do Império Romano do Ocidente (ano 476) até ao século XII, a
crise por que vinha passando o pensamento jurídico romano agudizou-se. A
vulgarização do direito progrediu livremente, sem oposição.

 Porém, a chama romana do direito não se apagara totalmente: estudado em


escolas monásticas, catedralícias e episcopais, o direito do Corpus Iuris Civilis não
foi totalmente esquecido; por isso, quando surgiram condições determinadas por
fatores políticos, culturais, económicos e religiosos, aquele direito pôde pré-
renascer, no século XI.

4.1. Escola dos glosadores:


 Situada em Bolonha, no século XII, a Escola dos Glosadores lançou os alicerces da
moderna ciência do direito. Graças ao superior magistério de Irnério e dos seus
discípulos, Irnério pôs os seus conhecimentos de Gramática e Retórica ao serviço
da ciência do direito, estudando e comentando o Corpus Iuris Civilis.

 As glosas (que deram o nome à escola), as regulae iuris, os casus, as dissentiones,


as quaestiones, e as summae constituem um trabalho notável realizado com
finalidade prática, segundo o método exegético.

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 A Bolonha afluíam discentes dos vários países europeus, formando nações de


estudantes. E, obtida a formatura em Direito Romano e Canónico, regressavam às
suas terras com um direito superior aos rudimentares direitos nacionais e locais. O
empirismo ia cedendo à ciência do direito de raiz romano-canónica, e a aplicação
daqueles direitos nos diversos tribunais, sobretudo superiores, implicava a sua
nacionalização e a formação de um verdadeiro direito comum europeu.

 Ao mesmo tempo, o velho Corpus Iuris Civilis foi sistematizado em diferentes


países e, já na fase de esgotamento, reuniu cerca de 96.000 glosas numa coletânea
denominada Magna Glosa ou Glosa de Acúrsio que foi aplicada, como direito
subsidiário, nos tribunais portugueses.

4.2. Escola dos comentadores:


 Incapaz de acompanhar o progresso por força do método utilizado, os Glosadores
foram decaindo, esgotando-se. Por isso, no século XIII surgiu em França e difundiu-
se em Itália outra Escola, denominada Escola dos post-glosadores, comentadores
ou consiliatores que, lecionando os direitos romano e canónico através do método
escolástico e estendendo as suas normas graças à ars inveniendi, consolidou
definitivamente a ciência jurídica.

 Grandes juristas elevaram aquela Escola a uma dimensão extraordinária. Basta


referir Bártolo, um dos maiores juristas de toda a história. As suas doutrinas foram
lecionadas em várias Universidades da Europa e o adágio, correntemente utilizado,
revela inequivocamente a sua elevadíssima auctoritas.

 Passando por três momentos, o novo método (escolástico) trouxe ao ensino


notável profundidade: o docente lê um texto (lectio); individualiza a questão que
procura selecionar (quaestio); e refere exaustiva e criticamente as diversas
opiniões, concluindo com a sua (disputatio).

 Fizeram-se vários trabalhos, mas merecem destaque os comentários produzidos


com finalidade eminentemente prática, a criação de novas disciplinas e,
especialmente, o desenvolvimento do ius commune onde se harmonizam, numa
unidade jurídica, os direitos romano, canónico e estatuários.

 Porém, os direitos romano e canónico continham virtualidades que era necessário


explorar, retirando novas soluções. Os comentadores sentiram essa necessidade e,
servindo-se de uma técnica adequada, alargaram o ius commune com novas
armas. Essa técnica constitui a ars inveniendi e o método utilizado pode definir-se
como “analítico-problemático” porque decompõe e problematiza as soluções
consagradas.

Antes de aplicar uma lex, recorre-se à intuição para ponderar as suas consequências.
Depois, a ars inveniendi decompõe-se sucessivamente nos seguintes elementos:

14
1º ano de Direito História do Direito Português CAD

1. Leges: são os textos do Corpus Iuris Civilis que se interpretam segundo uma
Gramática de tipo especulativo ou dinâmico para extrair as virtualidades que os
textos comportam;

2. Rationes: são os argumentos fornecidos pela Tópica, que se fazem valer através da
Dialética (arte da discussão) e da Retórica (arte da persuasão).

3. Auctoritates: traduz-se no recurso ao argumento de autoridade para reforçar as


soluções propostas.

Tema 7: Direito português entre 1248 e 1446/471


5. Fontes do direito português desde os meados do século XIII até às
Ordenações Afonsinas:
 É altura de aludir às fontes do direito português desta época, quer dizer, dos
meados do século XIII aos meados do século XV. Visam-se as fontes anteriores às
Ordenações Afonsinas. Acresce que se manifestam reflexos da introdução do
direito romano justinianeu e do novo direito canónico decretista e decretalista.

a) A legislação geral transformada em expressão da vontade do monarca.


Publicação e entrada em vigor da lei:
 Uma análise do quadro das fontes de direito a partir de Afonso III patenteia a
supremacia das leis gerais. O que não significa que estas constituíssem o principal
repositório do direito vigente. Era, ainda, o costume que configurava o grande
lastro jurídico da época. Mas a lei passou a ter o predomínio entre os modos de
criação de preceitos novos.

 A receção do direito romano justinianeu, nesta época, veio favorecer a atividade


legislativa do monarca; e vice-versa, o desenvolvimento da legislação geral
fomentou a divulgação dos preceitos do direito romano e do direito canónico.

 Sem dúvida, o surto legislativo resultou do esforço de autoridade régia. Desde


Afonso III, a lei é elaborada sem necessidade do suporte político das Cortes. Em
contrapartida, patenteia-se o progressivo recurso do monarca ao apoio técnico de
juristas de formação romanística e canonística. As leis eram manuscritas e
reproduzidas através de cópias. Tornou-se frequente a utilização dos tabeliães para
dar publicidade aos preceitos legais. Consoante a importância da lei, assim
variavam o prazo e a periodicidade desta proclamação. Também o inicio da
vigência da lei não obedecia a um regime uniforme. Prática corrente terá sido a da
aplicação imediata.

b) Resoluções régias:

15
1º ano de Direito História do Direito Português CAD

 Ao lado das providências legislativas de iniciativa do monarca, havia outras por ele
tomadas em Cortes, perante solicitações ou queixas que lhe apresentavam. Eram
as resoluções régias. Estas traduziam-se nas respostas do soberano aos
agravamentos feitos pelos representantes das três classes sociais.

c) Decadência do costume como fonte de direito:


 Sabe-se que o costume continuou a ser um vasto repositório do sistema jurídico
vigente. Contudo, diminuiu de significado como fonte de criação de direito novo,
plano em que cedeu a primazia à lei.

d) Forais e foros ou costumes:


 A importância dos forais manteve-se. Assume, no entanto, nesta época, grande
relevo uma outra fonte do direito local: os foros ou costumes.

 Dá-se o nome de foros ou costumes a certas compilações medievais concedidas


aos municípios ou simplesmente organizadas por iniciativa destes. Trata-se de
codificações que estiveram na base da vida jurídica do concelho, abrangendo
normas de direito político e administrativo, normas de direito privado, normas de
direito penal e de processo. São fontes com amplitude e alcance muito mais vastos
do que os forais.

 Com os foros ou costumes, inicia-se uma nova era na codificação do direito


peninsular, porquanto, não obstante as deficiências da técnica próprias da época.

e) Concórdias e concordatas:
 Já se esclareceu em que consistiam estas fontes de direito. Resta salientar que
sempre persistiram múltiplos diferendos, entre o clero e a realeza, após a subida
ao trono de Afonso III.

f) Direito subsidiário:
 Apesar da variedade de fontes de direito, existiam muitos e frequentes situações
para as quais não se encontrava disciplina no sistema jurídico nacional. Só mais
tarde, com as Ordenações Afonsinas, o legislador estabeleceu uma
regulamentação completa sobre o preenchimento das lacunas. Até então, o
problema foi deixado ao critério dos juristas e dos tribunais.

 Quando as fontes jurídicas portuguesas não forneciam solução para as hipóteses


concretas, recorria-se em larga escala ao direito romano e ao direito canónico,
assim como ao direito castelhano. O que era natural, em face do impacto da
difusão romanística e canonística.

16
1º ano de Direito História do Direito Português CAD

5.1. Coletâneas privadas de leis gerais anteriores às Ordenações


Afonsinas:
 O progressivo acréscimo de diplomas avulsos tornava necessária a sua compilação.
E, de facto, vários documentos da época revelam a existência de coletâneas de leis
do Reino anteriores às Ordenações Afonsinas. Todas essas coletâneas apresentam
o traço comum de não terem sido objeto de uma promulgação legislativa.

 Apenas duas chegaram até nós: o Livro das Leis e Posturas e as Ordenações de D.
Duarte. Ambas se caracterizam pela sua índole privada.

a) Livro das leis e posturas:


 Das duas coletâneas que se conhecem, o Livro das Leis e Posturas é a mais antiga.

 Não houve nesta obra o propósito de coordenar a legislação, mas apenas o de


compilá-la. Isso se conclui da ausência de um plano sistemático e da repetição de
alguns textos, em diversos lugares, com variantes significativas.

b) Ordenações de D. Duarte:
 Não constituem as Ordenações de D. Duarte uma codificação oficial devida a esse
monarca. Trata-se de uma coletânea privada que deriva o nome por que é
conhecida do simples facto de ter pertencido, segundo se crê, à biblioteca de D.
Duarte, o qual lhe acrescentou um índice da sua autoria e um discurso sobre as
virtudes do bom julgador.

 Nas chamadas Ordenações de D. Duarte, não só existe um maior número de leis


em relação ao Livro das leis e posturas, mas também rareiam as repetições.

5.2. Evolução das instituições:


 Produziu-se uma crescente penetração das normas e da ciência dos direitos
romano e canónico. Revelou-se importante a influência dessas novas doutrinas
uma vez que se mostram significativas as alterações realizadas no direito público e
na esfera do direito privado.

 A titulo de exemplo verifica-se a cisão entre o processo civil e o processo criminal


e, desenvolve-se a disciplina legislativa do direito adjetivo. Quanto ao direito
criminal substantivo, apura-se uma tendência para o predomínio das sanções
corporais, em detrimento das sanções pecuniárias. Acentua-se o caráter repressivo
da justiça penal. Do mesmo modo, o incremento das leis de aplicação geral supera
as antiquadas normas locais e foraleiras. Caminha-se para a uniformização, em
todo o território.

 Não menos profunda foi a evolução do direito privado. Salienta-se as mudanças


introduzidas nas instituições familiares e sucessórias. Igualmente, despontam
17
1º ano de Direito História do Direito Português CAD

novas doutrinas, quer sobre obrigações e contratos, quer sobre os modos de


aquisição da propriedade, a posse, a enfiteuse, as servidões, a hipoteca, o penhor e
outros institutos.

 Poderá admitir-se que as influências romanísticas tenham sido predominantes.


Setores houve, todavia, onde prevaleceram orientações do direito canónico.

Tema 8: Ordenações
6. Ordenações Afonsinas:
6.1. Elaboração e inicio da vigência:
 Antes de mais convém referir que as Ordenações Afonsinas marcam uma viragem
na história do direito em Portugal. Elas consistem, basicamente, na organização do
direito português compilando-o com a legislação existente nos dois séculos
anteriores.

 Os elementos essenciais relativos à história das Ordenações Afonsinas constam do


proémio do seu livro I. Aí se referem os pedidos insistentes, formulados em Cortes,
no sentido de ser elaborada uma coletânea do direito vigente que evitasse as
incertezas derivadas da grande dispersão e confusão das normas, com graves
prejuízos para a vida jurídica e a administração da justiça.

 Assim sendo, e correspondendo a esses pedidos incessantes, D. João I atendeu


essas representações e encarregou João Mendes de preparar a obra pretendida.
Pouco depois João Mendes morre e, também falece, entretanto, D. João I.
Sucedendo-lhes, respetivamente, Rui Fernandes e o rei D. Duarte. Contudo, D.
Duarte acaba, igualmente por falecer, sucedendo-lhe D. Pedro, que era o regente
na menoridade de D. Afonso V. De realçar que nesta última transição se manteve o
mesmo compilador e, portanto, Rui Fernandes. Destacando que é este compilador
que irá finalizar a obra.

 Esta obra ficou, efetivamente, concluída em 28 de julho de 1446. O projeto foi


seguidamente submetido a uma comissão composta pelo mesmo Rui Fernandes e
por outros três juristas. Após ter recebido alguns retoques, procedeu-se à sua
publicação com o título de Ordenações, em nome de D. Afonso V.

6.2. Fontes utilizadas. Técnica legislativa:


 Com as Ordenações Afonsinas procurou-se sistematizar e atualizar o direito
vigente. Assim, utilizaram-se na sua elaboração as várias espécies de fontes
anteriores, das quais se destacam do direito pátrio: a lei que é, portanto, um
diploma escrito que manifesta a vontade do rei, destacando-se pela solenidade, a
Carta de Lei e o Alvará; o costume que se caracteriza como sendo a prática
constante e reiterada que se observa ao longo dos anos, com a convicção de que é
juridicamente obrigatória; o estilo da corte que se traduz na jurisprudência
18
1º ano de Direito História do Direito Português CAD

constante e uniforme dos tribunais superiores, sendo os seus requisitos – não


contra legem, a duração de, pelo menos, 10 anos e a introdução por, pelo menos,
duas sentenças conformes; relativamente ao direito subsidiário: ocorre uma
distinção entre matéria espiritual e matéria temporal. Naquela o direito canónico,
nesta, deve observar-se a seguinte precedência: primeiro, o direito romano, salvo
se pecaminoso; segundo, o direito canónico; terceiro, a glosa de Acúrsio; quarto, a
opinião de Bártolo; quinto, o rei (quando houver contradição entre o direito
canónico e a glosa de Acúrsio).

 Quanto à técnica legislativa, empregou-se o chamado estilo compilado. Quer dizer,


transcrevem-se, na integra, as fontes anteriores, declarando-se depois os termos
em que esses preceitos eram confirmados, alterados ou afastados.

 Contudo em quase todo o livro I, utilizou-se o estilo decretório ou legislativo, que


consiste na formulação direta das normas sem referência às suas eventuais fontes
precedentes.

 Esta diferença de estilo pode ser explicada pelo facto de terem trabalhado nesta
obra dois compiladores (João Mendes e Rui Fernandes). Por esta razão, há quem
tenha defendido que um estilo se refere a um determinado autor e outro estilo se
refere ao outro compilador. Contudo, de acordo com a perspetiva do Professor
José Domingues, foi Rui Fernandes quem produziu os cinco livros de que é
composta a referida obra. Sustentando, genericamente, que existindo remissões
entre os livros torna-se lógico que essas remissões tiveram de ser feitas em
simultâneo e, portanto, pelo mesmo autor. Não descartando, obviamente, que
João Mendes trabalhou, também, nesta obra só se tornando difícil aferir a sua
função especifica.

6.3. Sistematização e conteúdo:


 Torna-se essencial referir a estrutura e o conteúdo desta ilustre obra. Assim, como
referido anteriormente, estas Ordenações encontram-se divididas em cinco livros.
Cada um dos livros compreende certo número de títulos, com rubricas indicativas
do seu objeto, e estes acham-se subdivididos em parágrafos. De referir que todos
os livros são precedidos de um proémio.

 Quanto ao seu conteúdo, o livro I apresenta um conteúdo jurídico-administrativo.


O livro II disciplina os bens e privilégios da Igreja, os direitos reais, isto é, os direitos
do rei, e a sua cobrança, a jurisdição dos donatários e as prerrogativas da nobreza,
o estatuto dos Judeus e dos Mouros. O livro III trata do processo civil, incluindo o
executivo. Segue-se o livro IV que se ocupa do direito civil substantivo,
designadamente de temas de direito das obrigações, direito das coisas, direito da
família e direito das sucessões. Por último, o livro V que trata do direito e processo
criminal.

19
1º ano de Direito História do Direito Português CAD

6.4. Importância da obra:


 Estas Ordenações destacam-se uma vez que, para além de serem as primeiras,
constituem uma síntese do direito que se iniciou com a fundação da nacionalidade
e que consolidou o sistema jurídico nacional. Lógico é que não se pode, apesar da
sua importância, comparar esta compilação aos códigos modernos, no entanto, a
verdade é que esta é uma obra de mérito, sobretudo, tendo em conta a época em
que foi criada e publicada. Sendo ainda de destacar que se tornou num auxiliar
bastante relevante na investigação da história do direito português.

6.5. Edição:
 A codificação afonsina não chegou a ser dada à estampa durante a respetiva
vigência. Só nos fins do século XVIII a Universidade de Coimbra promoveu à sua
edição impressa. Vivia-se um ciclo de exaltação dos estudos históricos e tinha
surgido o ensino universitário da história do direito pátrio.

7. Ordenações Manuelinas:
a) Elaboração:
 Relativamente pouco tempo durou a vigência das Ordenações Afonsinas.
Concluídas e aprovados em meados do século XV, logo em 1505 se tratava da sua
reforma. Com efeito, nesse ano, D. Manuel encarregou três juristas da época, Rui
Boto, Rui da Grã e João Cotrim de procederem à atualização das Ordenações do
Reino, alterando, suprimindo e acrescentando o que entendessem necessário.

 Tem-se conjeturado sobre os motivos que levariam o monarca a determinar tal


reforma. Encontra-se uma primeira justificativa na introdução da imprensa, pelos
finais do século XV, em diversas vilas e cidades. Uma vez que se impunha levar à
tipografia a coletânea jurídica básica do país, para facilidade da sua difusão,
convinha que a mesma constituísse objeto de um trabalho prévio de revisão e
atualização. Não seria indiferente a D. Manuel, ligar o seu nome a uma reforma
legislativa de vulto.

 Certo é, portanto, que a iniciativa se concretizou. Discute-se a data em que a obra


ficou completa. Na verdade, conhecem-se exemplares impressos do livro I e do
livro II das Ordenações, respetivamente, de 1512 e 1513, mas apenas chegou até
nós uma edição integral dos cinco livros feita de 1514. Daí que certos autores
sustentem que apenas nesse ano existiu uma edição completa, enquanto outros
admitem que se tenha já realizado, antes de 1514, uma impressão dos cinco livros
das Ordenações. Propende-se, no entanto, para a última hipótese. Dentro dessa
orientação, levanta-se a dúvida sobre se houve um único ou textos diferentes
cometidos a dois impressores (Valentim Fernandes e João Pedro Bonhomini).
Afigura-se mais verosímil que se tenha impresso um mesmo texto.

20
1º ano de Direito História do Direito Português CAD

 De qualquer modo, considerou-se o projeto legislativo insatisfatório, talvez por


demasiado preso à coletânea afonsina, e os trabalhos prosseguiram. Só em 1521,
ano da morte do rei, se verificou a edição definitiva das Ordenações Manuelinas.

b) Sistematização e conteúdo. Técnica legislativa:


 Mantém-se a estrutura básica de cinco livros, integrados por títulos e parágrafos.
Conserva-se a distribuição das matérias, embora as Ordenações Manuelinas
ofereçam consideráveis diferenças de conteúdo.

 Do ponto de vista formal, a obra marca um progresso de técnica legislativa, que se


traduz no facto de os preceitos se apresentarem sistematicamente regidos em
estilo decretório, ou seja, como se de normas novas sempre se tratasse.

c) Fontes do direito pelas quais foram influenciadas:

 Em primeiro lugar foram influenciadas pelo direito português: a lei, o costume e o


estilo da corte. A lei que é, portanto, um diploma escrito que manifesta a vontade
do rei, destacando-se pela solenidade, a Carta de Lei e o Alvará; o costume que se
caracteriza como sendo a prática constante e reiterada que se observa ao longo
dos anos, com a convicção de que é juridicamente obrigatória; o estilo da corte que
se traduz na jurisprudência constante e uniforme dos tribunais superiores, sendo
os seus requisitos – não contra legem, a duração de, pelo menos, 10 anos e a
introdução por, pelo menos, duas sentenças conformes; relativamente ao direito
subsidiário: ocorre uma distinção entre matéria espiritual e matéria temporal.
Naquela o direito canónico, nesta, deve observar-se a seguinte precedência:
primeiro, o direito romano, salvo se pecaminoso; segundo, o direito canónico;
terceiro, a glosa de Acúrsio; quarto, a opinião de Bártolo; quinto, o rei (quando
houver contradição entre o direito canónico e a glosa de Acúrsio).

d) Edição:
 Enquanto estiveram em vigor, as Ordenações Manuelinas foram objeto de várias
edições, que levantam algumas difíceis querelas bibliográficas. A primeira, acabada
de imprimir a 11 de março de 1521, saiu da tipografia de Jacob Cromberger.

8. Coleção das Leis Extravagantes de Duarte Nunes de Lião:


a) Elaboração, conteúdo e sistematização:
 Tornava-se imperiosa a elaboração de uma coletânea que constituísse um
complemento sistematizado das Ordenações, permitindo a certeza e a segurança
do direito.

 Coube a iniciativa ao Cardeal D. Henrique, regente na menoridade de D. Sebastião,


que encarregou o licenciado Duarte Nunes do Lião de organizar um repositório do
direito extravagante, ou seja, que vigorava fora das Ordenações Manuelinas.

21
1º ano de Direito História do Direito Português CAD

 Na compilação que obteve força vinculativa procedeu-se, com o objetivo de torná-


la menos volumosa e, portanto, de consulta mais cómoda, ao resumo ou excerto
da essência dos diversos preceitos. A essa síntese reconheceu o Alvará de 14 de
fevereiro de 1569 “fé e crédito”, atribuindo-lhe a mesma autoridade das
disposições originárias.

b) Edição:
 A edição de 1569, constitui a única realizada durante a vigência da Coleção das Leis
Extravagantes de Duarte Nunes do Lião. Apenas conheceria uma segunda edição
setecentista, por iniciativa da Universidade de Coimbra, com escopo histórico. Foi
esta edição universitária objeto de reprodução fac-similada, em 1987.

9. Ordenações Filipinas:
a) Elaboração:
 A Coleção das Leis Extravagantes não passou de simples obra intercalar. Impunha-
se uma reforma profunda das Ordenações Manuelinas, cada vez mais urgente dado
o crescimento da legislação avulsa, a desatualização das coletâneas anteriores e,
ainda, a intenção de agradar aos portugueses, com Ordenações só de direito
português. A elaboração das novas Ordenações constituiu um facto natural de
Filipe I.

 Os trabalhos preparatórios da compilação filipina foram iniciados, segundo pode


conjeturar-se, entre 1583 e 1585. Também existem dúvidas sobre os juristas
intervenientes: apontam-se, como certos, Jorge de Cabedo, Afonso Vaz Tenreiro e
Duarte Nunes do Lião.

 As novas Ordenações ficaram concluídas em 1595. Contudo, só no reinado de filipe


II, através da Lei de 11 de janeiro de 1603, iniciaram a sua vigência, a mais
duradoura que um monumento legislativo conseguiu em Portugal. Tendo a sua
vigência terminado no ano de 1867.

b) Sistematização e conteúdo. Legislação revogada:


 As Ordenações Filipinas continuam o sistema tradicional de cinco livros,
subdivididos em títulos e parágrafos. Do mesmo modo, não se verificaram
diferenças fundamentais quanto ao conteúdo dos vários livros.

 É patente que se procurou realizar uma pura revisão atualizadora das Ordenações
Manuelinas. Realçando que, a existência de normas de inspiração castelhana não
retira o típico caráter português das Ordenações Filipinas.

 Introduziram-se, contudo, certas alterações. Merece destaque um aspeto


respeitante ao direito subsidiário. Nenhuma modificação intrínseca se produziu nos

22
1º ano de Direito História do Direito Português CAD

critérios de preenchimento das lacunas da lei consagradas pelas Ordenações


Manuelinas. Todavia, a matéria que, tanto nessas como nas Ordenações Afoninas,
se encontrava regulada no livro II, passa agora para o livro III, relativo ao processo.
Tal mudança revela uma perspetivação bem diversas do problema do
preenchimento das lacunas.

 Ao lado de algumas modificações sistemáticas, detetam-se outras de conteúdo,


muito relevantes. Por exemplo, é nas Ordenações filipinas que, pela primeira vez,
se inclui um conjunto de preceitos sobre o direito de nacionalidade.

c) Fontes do direito pelas quais foram influenciadas:


 Em primeiro lugar foram influenciadas pelo direito português: a lei, o costume e o
estilo da corte. A lei que é, portanto, um diploma escrito que manifesta a vontade
do rei, destacando-se pela solenidade, a Carta de Lei e o Alvará; o costume que se
caracteriza como sendo a prática constante e reiterada que se observa ao longo
dos anos, com a convicção de que é juridicamente obrigatória; o estilo da corte que
se traduz na jurisprudência constante e uniforme dos tribunais superiores, sendo
os seus requisitos – não contra legem, a duração de, pelo menos, 10 anos e a
introdução por, pelo menos, duas sentenças conformes; relativamente ao direito
subsidiário: ocorre uma distinção entre matéria espiritual e matéria temporal.
Naquela o direito canónico, nesta, deve observar-se a seguinte precedência:
primeiro, o direito romano, salvo se pecaminoso; segundo, o direito canónico;
terceiro, a glosa de Acúrsio; quarto, a opinião de Bártolo; quinto, o rei (quando
houver contradição entre o direito canónico e a glosa de Acúrsio).

d) Confirmação por D. João IV:


 Sobreviveram as Ordenações Filipinas à Revolução de 1640. Nesse próprio ano, D.
João IV sancionou genericamente toda a legislação promulgada durante o governo
castelhano.

 Em lei de 29 de janeiro de 1643, procedeu-se à expressa confirmação e revalidação


dos Ordenações. Nesse mesmo diploma, o monarca manifestou o desígnio de
determinar a sua reforma, como era vontade das Cortes. O que, porém, não se
concretizaria.

e) Os “filipismos”:
 Os compiladores filipinos tiveram a preocupação de rever e coordenar o direito
vigente, reduzindo-se ao mínimo as inovações.

 Intentou-se uma simples atualização das Ordenações Manuelinas. Só que o


trabalho não foi realizado mediante uma reformulação adequada dos vários
preceitos. Daí subsistirem normas revogadas ou caídas em desuso, contradições
resultantes da inclusão de disposições opostas a outras que não se eliminaram. Os

23
1º ano de Direito História do Direito Português CAD

defeitos mencionados receberam, pelos fins do século XVIII, a designação de


“filipismos”.

f) Edição:
 A primeira edição das Ordenações filipinas foi publicada em Lisboa, com a data de
1603. Houve ainda outras, antes de o privilégio da impressão das Ordenações
passar à Universidade de Coimbra, nos finais de 1773.

 Destaca-se a edição dada à estampa no Brasil, em 1870. Esta é, sem dúvida, a


edição mais útil à investigação.

10. Legislação extravagante. Publicação e inicio da vigência da lei:


a) Considerações introdutórias:
 A coletânea filipina ver-se-ia, sem demora, alterada ou complementada por um
núcleo importante e extenso de diplomas legais avulsos. É a chamada legislação
extravagante.

 Numa síntese de conjunto, quanto ao seu conteúdo, poderá considerar-se que esta
legislação extravagante se dirigia à manutenção da ordem pública.

 O direito privado situa-se, neste quadro fragmentário, em plano subalterno.


Acreditava-se no suporte das fontes subsidiárias.

b) Espécies de diplomas:
 Os mais importantes eram as cartas de lei e os alvarás. Quanto ao formulário, as
cartas de lei começavam pelo nome próprio do monarca, ao passo que os alvarás
continham a simples expressão “Eu ElRei”. Pelo que tocava à duração, deviam
promulgar-se em carta de lei as disposições destinadas a vigorar mais do que um
ano e através de alvará as que tivessem vigência inferior. Contudo, passaram a
confundir-se os dois tipos de diplomas. Apareceram, assim, os chamados alvarás de
lei, alvarás com força de lei ou em forma de lei.

 Num plano menos relevante situavam-se os decretos. Não principiavam pelo nome
do monarca e dirigiam-se a um ministro ou tribunal. O âmbito próprio dos decretos
cingia-se à introdução de determinações respeitantes a casos particulares.

 Outros diplomas eram as cartas régias, perfeitamente distintas das cartas de lei.
Com efeito, as cartas régias constituíam cartas dirigidas a pessoas determinadas,
que começavam pela indicação do destinatário, mas cujo formulário variava
consoante a sua categoria social.

24
1º ano de Direito História do Direito Português CAD

 Denominavam-se resoluções os diplomas que o monarca respondia às consultas


que os tribunais lhe apresentavam, normalmente acompanhadas dos pareceres
dos juízes respetivos.

 Recebiam o nome de provisões os diplomas que os tribunais expediam em nome e


por determinação do monarca. Cabiam, pois, no conceito amplo da lei. As
provisões, em regra, apenas levavam a assinatura dos secretários de Estado de que
dimanavam.

 Mencionam-se, por último, as portarias e os avisos. Tratava-se de ordens


expedidas pelos secretários de Estado em nome do monarca. Distinguiam-se pelo
facto de as portarias serem diplomas de aplicação geral, ao passo que os avisos se
destinavam a um tribunal, a um magistrado, a uma corporação ou até a um simples
particular.

c) Publicação e inicio da vigência da lei:


 A introdução da imprensa, que levou à difusão de muitos dispositivos legais através
desse meio, não retirou interesse às referidas coletâneas privadas, pois as tiragens
seriam sempre reduzidas e só em época tardia se tornaram obrigatórios os
traslados impressos, existindo, inclusive, uma folha oficial em que se publicavam os
novos diplomas.

 Pelos finais de 1518, providenciou-se acerca do inicio da vigência das leis: estas
teriam eficácia, em todo o país, decorridos três meses sobre a sua publicação na
chancelaria e independentemente de serem publicadas nas comarcas. Entendia-se
que a vigência dos restantes diplomas, isto é, dos não submetidos à chancelaria
começava na data da publicação. As Ordenações Filipinas conservaram os prazos
indicados.

 As maiores dificuldades verificaram-se a respeito do Ultramar. Daí que se


estabelecesse, em 1749, que as leis apenas se tornassem obrigatórias para os
territórios ultramarinos depois de publicadas nas cabeças das comarcas.

11. Interpretação da lei através dos assentos:


 Determinou-se que, surgindo dúvidas aos desembargadores da Casa da Suplicação
sobre o entendimento de algum preceito, tais dúvidas deveriam ser levadas ao
regedor do mesmo tribunal. Este convocaria os desembargadores que entendesse
e fixavam a interpretação que se considerasse mais adequada. O regedor da Casa
da suplicação poderia, aliás, submeter a dúvida a resolução do monarca, se
subsistissem dificuldades interpretativas.

 As soluções definidas ficavam no Livro dos Assentos e tinham força imperativa


para futuros casos idênticos. Surgem, deste modo, os assentos da Casa da
Suplicação como jurisprudência obrigatória.

25
1º ano de Direito História do Direito Português CAD

 A Casa da Suplicação era o tribunal superior do Reino, que acompanhava a Corte,


acabando por se fixar em Lisboa. Na mesma cidade funcionava a Casa do Cível, que
constituía uma segunda instância.

 Com o objetivo de descentralizar os tribunais de recurso, Filipe I, em 1582,


deslocou a Casa do Cível para o Porto, transformando-a na Relação do Porto. Este
tribunal ficou com grande autonomia em face das comarcas do Norte, pelo que os
desembargadores da Relação do Porto arrogaram o direito de proferir também
assentos normativos, embora nenhum texto legal lhes outorgasse semelhante
faculdade. Daí resultaram naturais confusões e contradições interpretativas.

 Apenas no século XVIII se pôs cobro a este abuso. A chamada Lei da Boa Razão, de
18 de agosto de 1769, estabeleceu que só os assentos da Casa da Suplicação
teriam eficácia interpretativa.

12. Direito Subsidiário:


a) O problema do direito subsidiário:
 Entende-se por direito subsidiário um sistema de normas jurídicas chamado a
colmatar as lacunas de outro sistema. Tratar-se-á de direito subsidiário geral ou
especial quando, por essa via, se preencham as lacunas de uma ordem jurídica na
sua totalidade, ou tão-só de um ramo do direito ou simples instituição. O problema
do direito subsidiário está ligado, de um modo particular, ao das lacunas, mas,
também, ao das fontes do direito.

 A questão do direito subsidiário cresce de interesse, sob determinado ângulo, à


medida que se recua no tempo, conhecendo as épocas em que a escassez e a
imperfeição das fontes nacionais impunham um amplo recurso a ordenamentos
jurídicos estrangeiros.

b) Fontes de direito subsidiário segundo as Ordenações Afonsinas:


 Somente com as Ordenações Afonsinas se estabeleceu um quadro sistemático nas
fontes de direito. Que mencionam, em primeiro lugar, as fontes do direito
nacional. Colocam-se no mesmo plano as leis do Reino, os estilos da Corte e os
costumes antigamente usados. Eram estas as fontes imediatas. Apenas quando não
pudesse decidir o caso com base nelas se tornava licito o recurso ao direito
subsidiário.

I. Direito Romano e Direito Canónico:


 Na falta de direito nacional caberia utilizar, antes de mais, o direito romano e o
direito canónico. Em questões jurídicas de natureza temporal, a prioridade
pertencia ao direito romano. Portanto, o direito canónico prevalecia sobre o direito
romano nas matérias de ordem espiritual.

26
1º ano de Direito História do Direito Português CAD

II. Glosa de Acúrsio e opinião de Bártolo:


 Se o caso omisso não fosse decidido diretamente pelos textos de direito romano
ou de direito canónico, devia atender-se à Glosa de Acúrsio e, em seguida, à
opinião de Bártolo ainda que outros doutores se pronunciassem de modo diverso.
O legislador justifica a prevalência de Bártolo alegando a maior racionalidade
reconhecida a este jurista.

III. Resolução do monarca:


 Sempre que não se conseguisse disciplina para o caso omisso, impunha-se a
consulta do rei, cuja estatuição valeria, de futuro, para todos os feitos
semelhantes. Determinava-se o mesmo procedimento quando a hipótese
considerada, não envolvendo matéria de pecado, nem sendo disciplinada pelo
direito romano, tivesse soluções diversas no direito canónico e nas glosas e
doutores das leis.

c) Alterações introduzias pelas Ordenações Manuelinas e pelas Ordenações


Filipinas:
 Os preceitos afonsinos sobre direito subsidiário passaram fundamentalmente às
Ordenações Manuelinas, e destas às Ordenações Filipinas. Contudo, sofreram
ampla remodelação. Das Ordenações Manuelinas para as Ordenações Filipinas,
verificaram-se meros retoques formais, além de se incluir a matéria no livro
dedicado ao direito processual.

São duas as diferenças essenciais de conteúdo que separam as Ordenações


Manuelinas e as Ordenações Filipinas do precedente texto afonsino.
1. Quanto à aplicação dos textos de direito romano e de direito canónico, deixa-se
de referir a distinção entre problemas jurídicos temporais e espirituais. Apenas se
consagra o critério do pecado, que fornecia o único limite à prevalência subsidiária
do direito romano sobre o direito canónico.

2. A respeito da Glosa de Acúrsio e da opinião de Bártolo estabelece-se que na falta


de direito nacional, de direito romano e de direito canónico, caberia recorrer à
“opinião comum”, antes da Glosa de Acúrsio e da opinião de Bártolo.

d) Utilização das fontes subsidiárias:


 Expôs-se o sistema hierarquizado das fontes de direito, imediatas e subsidiárias,
definido pelas sucessivas Ordenações. No entanto, assumiam relevo as confusões e
os atropelos frequentes à letra e ao espírito do sistema. Não raro, o direito pátrio
era preterido pelo direito romano.

 Abusava-se da opinião comum, especialmente solidificada nas decisões dos


tribunais superiores. Chegou-se, inclusive, à aplicação do direito castelhano, que se
encontrava fora do quadro das fontes subsidiárias.

27
1º ano de Direito História do Direito Português CAD

 Tal foi o pano de fundo da vida jurídica portuguesa durante mais de três séculos.
Apenas no contexto das reformas pombalinas o quadro das fontes de direito
sofreria alterações multifacetadas de vulto.

Tema 9: Legislação Manuelina


13. Reforma dos Forais:
 Os forais tinham constituído uma importante fonte de direito local, mas com o
decurso do tempo, foram-se desatualizando. Uma parte do seu conteúdo
encontrava-se revogado pela legislação geral.

 O progressivo robustecimento do poder do rei e a uniformização jurídica,


alcançada através da legislação geral, iam determinando o declínio das instituições
concelhias, bem nítido ao longo do século XV. Daí que os forais perdessem o seu
alcance anterior e se transformassem em meros registos dos tributos dos
municípios.

 Nas Cortes de 1472/73, iniciadas em Coimbra e concluídas em Évora, os


procuradores dos concelhos alegaram as deficiências forais, solicitando a D. Afonso
V a sua reforma, para se pôr cobro às opressões de que os povos eram vítimas.

 E, de facto, por Carta Régia de 15 de dezembro de 1482, determinou-se o envio à


Corte de todos os forais, a fim de se proceder à respetiva reforma, sob pena de
perderem validade.

 Dado que a obra não se encontrava efetuada quando D. Manuel I subiu ao trono,
voltaram os munícipes a solicitar essa revisão. Para que a tarefa fosse levada a
cabo, impôs o rei, em 1497, a remessa à Corte dos forais ainda não entregues, ao
mesmo tempo que nomeou uma comissão de revisão.

 A reforma ficou concluída em 1520. Surgindo, assim, os forais novos ou


manuelinos, por contraposição aos forais velhos, que eram os anteriores. Quanto
ao conteúdo, os novos forais limitaram-se a regular os encargos e tributos devidos
pelos concelhos ao rei e aos donatários das terras.

Tema 10: Renascença


14. Humanismo jurídico:
 Impõe-se fazer referência ao contributo que o Humanismo e a Renascença
trouxeram para a evolução dos estudos romanísticos e canonísticos, durante os
séculos XV e XVI.

 É sabido que o Humanismo e a Renascença constituem dois fenómenos marcantes


da evolução do espirito europeu.

28
1º ano de Direito História do Direito Português CAD

 A Renascença traduz-se num movimento cultural caracterizado pela consideração


de um novo homem, crítico e sujeito ativo na construção da sociedade. É o
regresso à cultura clássica (greco-romana).

 No âmbito do humanismo renascentista inclui-se, também, uma natural revisão


critica da ciência do direito. Essa nova mentalidade enforma a orientação da
chamada Escola dos Juristas Cultos, Escola dos Jurisconsultos Humanistas, Escola
Histórico-Crítica e, ainda, Escola Cujaciana. O último nome deriva de Cujácio,
considerado o mais alto expoente do humanismo jurídico.

a) Causas do seu aparecimento. Características:


 A eclosão desta nova diretriz do pensamento jurídico prende-se a dois factos
especiais. Um deles foi o progresso do humanismo renascentista. O outro consistiu
na decadência da obra dos Comentadores.

 A partir de certa altura, os Bartolistas limitam-se a amontoar nos seus escritos uma
série interminável de questões, distinções e subdistinções, ao lado de uma quase
exclusiva citação das opiniões dos autores precedentes. A impreparação e o
menosprezo dos Comentadores quanto aos aspetos históricos provocaram viva
censura dos espíritos cultos da época.

 Eis o quadro em que surgiu o humanismo jurídico quinhentista. Começou a


encarar-se o direito romano como uma das várias manifestações da cultura
clássica. Foram os juristas desta escola os iniciadores do estudo crítico das fontes
romanas, os primeiros que procuraram detetar as interpolações nos textos
justinianeus.

 O humanismo jurídico desenvolveu-se sob diversas tendências: desde as filológico-


críticas, orientadas para o estudo e reconstrução dos textos clássicos, até à que
reivindicava a liberdade e autonomia do jurista na exegese da lei, portanto,
perante a opinião comum ou interpretação mais aceite. Visto do ponto de vista
racionalista, de um lado radical propõe-se a substituição do estudo do direito
romano pelo direito natural; de um lado moderado, propõe-se o estudo do direito
romano filtrado pela razão: o direito romano atual.

b) Percursores e apogeu da Escola:


 Na Escola Humanista surgiu uma primeira corrente filológico-crítica italiana, depois
continuada e desenvolvida em França. Foi neste país, onde Alciato inaugurou o
ensino do direito romano segundo a nova metodologia, que o humanismo jurídico
conseguiu incremento decisivo. Seguir-se-ia a irradiação europeia, destacando-se a
tendência que se caracteriza pela autonomia interpretativa do jurista em face das
normas legais.

29
1º ano de Direito História do Direito Português CAD

 Considera-se a época do Cujácio como a do apogeu da Escola Humanista.

c) Contraposição do humanismo ao bartolismo:


 Tem-se destacado que os Humanistas se envolveram demasiado na especulação
pura e que construíram, sobretudo, um direito teórico, de tendência erudita,
enquanto os processos dos Comentadores levaram a um direito prático, quer dizer,
à utilização do sistema romano com o espirito jurídico de encontrar soluções para
os casos concretos. Portanto, o método utilizado por esta escola foi o histórico-
critico que permite descobrir as interpolações nos textos clássicos.

 O programa do “mos gallicus” apresentava-se não só mais difícil de executar,


mercê da preparação cientifica que exigia, mas também menos atrativo para a
rotina forense.

 Não é de excluir, aliás, que se tenha podido chegar a fórmulas autóctones mais ou
menos coincidentes com a do “mos gallicus”, posto que sem influência direta desta
estrita corrente, antes como resultado do movimento humanista geral. Sempre
contaria, porém, o sentido pragmático dos juristas de formação bartolista.

 Cumpre o humanismo jurídico, em termos globais, um ciclo efémero. Não venceu


os critérios enraizados. Contudo, lançaram-se inegáveis sementes que o
setecentismo iluminista faria frutificar.

15. Literatura jurídica:


a) Considerações gerais:
 Interessará conhecer os reflexos que entre nos alcançaram as orientações do “mos
gallicus” e do “mos italicus”, que dominavam os horizontes do direito europeu.

 Os Portugueses educados no humanismo jurídico de raiz italiana, sobretudo


inspirado por Alciato, ou não regressaram ao país, ou, os que regressaram,
nenhuma obra de direito aqui escreveram. O mesmo se passou com os juristas
afiliados na corrente francesa continuadora da italiana. E, quanto aos portugueses
que estudaram em França, alguns voltaram à pátria, mas tiveram também uma
reduzida importância.

 No que concerne à orientação humanista que reivindicava fundamentalmente a


liberdade e a autonomia interpretativa dos textos, reconhece-se que não
conseguiu uma sorte muito diversa: os seus reflexos em Portugal foram
esporádicos, apesar de se revestirem de sensata e realista moderação.

 É este o ponto de vista credível a que se tem aderido. Os jurisconsultos nacionais


revelam enorme perícia e senso jurídico de cientistas práticos, ao conciliarem a
visão dogmática e a visão histórica.

30
1º ano de Direito História do Direito Português CAD

 Os principais jurisconsultos portugueses do século XVI aos meados do século XVIII


costumam sistematizar-se em três categorias básicas: a dos civilistas, ou seja, dos
que se dedicavam ao estudo do direito romano, a dos canonistas e a dos cultores
do direito pátrio, estes últimos predominando com o avanço do tempo.

Tema 11: Segunda Escolástica


16. A Segunda Escolástica. Seus contributos jurídicos e políticos:
 Durante os séculos XVI e XVII, época denominada por “período barroco”, assiste-se
à discussão com a Idade Média, dividindo-se os espíritos mais representativos em
duas classes: a que, embora herdeira do humanismo, procura reatar a sua mais
intima ligação com a Idade Média, olhando como que para trás; e a que procura
tirar do Humanismo as últimas conclusões, olhando como que para a frente.

 A primeira linha predominou em Espanha e Portugal e constitui a neo-escolástica.


Insere-se nos fins que a Igreja tinha em vista: afirmar uma doutrina que voltasse a
dar-lhe supremacia, pelo menos espiritual, sobre o poder temporal; e combater a
doutrina do direito divino dos reis, que já tinha triunfado nos países protestantes e
estava prestes a triunfar na França católica.

 A segunda predominou na Holanda, Inglaterra e Alemanha e corresponde-lhe o


racionalismo jusnaturalista da Escola de direito natural racionalista.

 Destacaram-se na neo-Escolástica juristas de grande envergadura que constituem a


glória do pensamento jurídico ibérico. Salienta-se Francisco de Vitória, Francisco de
Molina, Serafim de Freitas, Jerónimo Osório e, sobretudo, Francisco Suárez.

 A técnica desenvolvida percorre os campos do direito das gentes, da filosofia


política e do direito natural.

 No ius gentium, destacou-se Francisco de Vitória, considerado por alguns autores


“pai do direito internacional público”. Detetaram-se problemas como o estatuto
dos índios, a circulação dos mares e a pertença das terras descobertas,
destacando-se a controvérsia entre a doutrina do mare clausum e do mare liberum
defendidas, respetivamente, por Serafim de Freitas e por Hugo Grócio.

 Em matéria de filosofia do direito, merece destaque a doutrina da soberania


popular inicial, segundo o qual o poder é dado por Deus ao povo que, por contrato
social, o transmite ao governante que se obriga a exercer o poder nos termos
acordados, sob pena de destituição e de, em determinadas circunstâncias, ser
morto. Esta doutrina, defendida por Francisco Suárez, viria a ser invocada, anos
depois, para legitimar a Revolução de 1640.

 Quanto ao direito natural, continuam a confrontar-se as linhas tomista


(intelectualista ou racionalista), que defendem que o direito natural é criado pela

31
1º ano de Direito História do Direito Português CAD

razão divina, e franciscana (ou voluntarista) que defende que o direito natural é
criado pela vontade de Deus, sem conciliação à vista. Por isso, não faltou quem
desse o golpe fatal: o direito natural não tem por fonte nem a razão nem a vontade
divinas, mas a razão humana.

 Com o afastamento de Deus, cessa a base transcendente ou teológica do direito


natural, abrindo-se a porta à nova conceção racionalista que iria ser defendida pela
Escola do direito natural racionalista.

Tema 12: Correntes do pensamento jurídico moderno


a) Escola Racionalista do Direito Natural:
 Salientou-se que, durante os séculos XVI e XVII, a Europa conheceu duas linhas de
pensamento, que se afirmaram, não só nas áreas da filosofia jurídica e politica, mas
também a respeito do direito internacional público. Uma delas desenvolveu-se
através da Segunda Escolástica, e corresponde à chamada Escola Espanhola do
Direito Natural; a outra teve o seu assento privilegiado na Holanda, Inglaterra e
Alemanha, costumando designar-se como Escola do Direito Natural ou Escola
Racionalista do Direito Natural.

 A Grócio, considerado por alguns autores o seu caput scholae, juntam-se Hobbes,
Locke, Pufendorf, Thomasius e Wolff.

 Na sua base estão fatores diversificados, como as guerras religiosas que


enfraqueceram a fé; o humanismo, que proclamava a libertação dos valores
humanos e desenvolveu o recurso aos argumentos da razão; a Segunda Escolástica,
que preparou a autonomia da razão; a Reforma que, dividindo o natural e o
sobrenatural, entende que os princípios básicos da vida social não são fatores
sobrenaturais mas terrenos; o laicismo, que defendia a autonomia do saber
racional perante os dados da fé; e o racionalismo, que considera a razão capaz de
tudo desvendar.

 Em consequência, esta nova corrente do pensamento jurídico é laica: vê no


homem não uma obra divina, mas um ser natural; por isso, liberta-se da Teologia e
defende a autonomia cientifica do direito natural como ciência dos princípios
supremos da convivência social.

 Segundo Grócio, a lei natural não é uma participação na lei eterna, porque não há
analogia entre Deus e as criaturas, nem o homem participa do Ser divino.

 Como fonte do direito, a razão humana cumpre duas funções: construção e


sistematização. Na primeira constrói normas que derivam logicamente de outras e
têm a sua base e ponto de partida: a sociabilidade, a felicidade, o egoísmo, a
bondade. Na segunda, recolhe as normas em sistemas de conclusões lógicas,
construídos por uma ciência empírico-dedutiva com a exatidão e a certeza das

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1º ano de Direito História do Direito Português CAD

outras ciências. Tais sistemas consideram-se perfeitos, completos, acabados, ou


seja, sem lacunas, porque obra da razão que se afirma perfeita, capaz de tudo
resolver.

 Trata-se, no entanto, de um pensamento ahistórico (a sociedade é regida por leis


racionais fixas e imutáveis), que reduz a realidade a esquemas frios e rigorosos,
marginalizando a imaginação, a espontaneidade e o dinamismo da vida.

 E houve quem profetizasse o seu fim: acolhido nas constituições políticas e nos
códigos civis onde se positivou, o direito natural foi considerado desnecessário e
entrou e permanece em grave crise. Os novos tempos proclamam o positivismo, ou
seja, um só direito: o direito positivo.

b) Uso Moderno (“Usus modernus pandectarum”):

 Relacionada com o jusracionalismo, surgiu na Alemanha uma nova metodologia do


estudo e aplicação do direito romano conhecida por “usus modernus padectarum”.
Significa um ciclo de passagem da Escola dos Comentadores para a Escola Histórica.
Caracteriza-se esta orientação pela confluência de vetores práticos, racionalistas e
de nacionalismo jurídico.

 Pode afirmar-se que o usus modernus traduz o reflexo da penetração das ideias
jusracionalistas no campo do direito. Influência que se fez sentir em dois planos.
Apenas desde os finais do século XVII se verifica a influencia do jusracionalismo ao
nível da doutrina e da prática do direito.

 Como traço comum a ambas as fases, assinale-se que se encarava o direito romano
com os olhos postos na realidade. Os juristas procuravam distinguir, no sistema do
Corpus Iuris Civilis, o que se conservava direito vivo do que se tornara direito
obsoleto. Por outras palavras: importava separarar normas suscetíveis de uso
moderno, ou seja, adaptadas às exigências do tempo, das que correspondiam a
circunstâncias romanas peculiares. Só aquelas deveriam considerar-se aplicáveis.

 Na segunda fase, tal aferição da atualidade dos preceitos romanísticos beneficiou


do refinamento teórico da referência ao direito natural racionalista. Tinha-se
também em conta o próprio direito pátrio, que integrava o ordenamento vigente
ao lado dessas normas suscetíveis de prática atualizada. A atenção conferida ao
direito nacional e à respetiva história, incluindo o seu ensino universitário, foi uma
das maiores consequências ou advertências do uso moderno.

 Decorre do exposto, a íntima ligação do usus modernus à Escola Racionalista do


Direito Natural. Contudo, a última consistiu numa escola filosófica e de
jurisprudência teorética, ao passo que o primeiro consubstanciou uma orientação
teórico-prática, antes de tudo, ligada à disciplina da vida concreta.

33
1º ano de Direito História do Direito Português CAD

c) Jurisprudência Elegante:
 Despontou, no século XVI, com sede holandesa, a Escola dos Jurisconsultos
Elegantes, apesar da difusão crescente do usus modernus. O nome adveio da
preocupação de rigor das formulações jurídicas e dos cuidados da expressão escrita
dos seus adeptos. Juristas notáveis continuaram a estudar o direito romano dentro
do método histórico-crítico. Esta jurisprudência elegante dos Países Baixos não
deixou de assumir uma orientação prática, que combinava as finalidades do usus
modernus com as puras tendências do humanismo jurídico.

Tema 13: Iluminismo


a) Iluminismo:
 Uma linha de pensamento que muito influenciou as reformas efetuadas no ciclo
pombalino foi o Iluminismo.

 De acordo com o Iluminismo, no centro situa-se o homem ainda de todo não


despido da ideia de transcendência, e, contudo, julgando-se já plenamente senhor
dos seus destinos. Assiste-se a uma hipertrofia da razão e do racionalismo. Verifica-
se o desenvolvimento de um sistema naturalístico das ciências do espirito. Tudo,
em suma, se alicerça na natureza e tem a sua validade aferida pela razão do
individuo humano, ou seja, por uma razão subjetiva e critica.

 Deve acrescentar-se que o Iluminismo não foi um movimento de sinal homogéneo.


Tendo surgido na Holanda e na Inglaterra, não viria a desenvolver a mesma forma
ou todos os seus traços característicos em outros países a que se alargou.

 Aliás, sinais peculiares apresentou o Iluminismo nos países marcadamente


católicos, como Espanha e Portugal, mas tendo como centro de irradiação a Itália.
Também aqui se registaram influências do racionalismo e da filosofia moderna,
assistindo-se à renovação da atividade cientifica, a inovações pedagogias, a certa
difusão do espirito laico, à reforma das instituições sociais e politicas.

 Foi este “Iluminismo italiano” que Verney transmitiu à mentalidade portuguesa.

b) Humanitarismo:
 A respeito do âmbito especifico do direito penal e do tratamento penitenciário, há
que mencionar as correntes humanistas derivadas do Iluminismo. Dentro de uma
linha racionalista, desdobram-se essas orientações em dois aspetos básicos.

 Antes de mais, quanto ao conteúdo do próprio direito penal, que deveria


desvincular-se de todos os pressupostos religiosos, reduzindo-se à função exterior
de tutela dos valores ou interesses gerais necessários à vida coletiva.

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1º ano de Direito História do Direito Português CAD

 No que concerne aos fins das penas, as sanções criminais passam a ter como
fundamento predominante uma pura ideia de prevenção e defesa da sociedade.
Ou seja: a pena justificava-se não como castigo pelo facto passado, antes como
meio de evitar futuras violações da lei criminal.

 Neste contexto inscrevem-se a exigência de proporcionalidade entre a pena e a


gravidade do delito, e, por outro lado, a postergação das antigas penas corporais
ou infamantes e a sua substituição pela pena de prisão. Partia-se do postulado da
liberdade humana como primeiro de todos os bens sociais, devendo, pois, a sanção
criminal traduzir-se numa limitação desse mesmo valor. Sendo, igualmente, de
realçar a extinção da pena de morte.

 Relativamente ao processo penal, cabe assinalar novas posições. Observa-se, em


resumo, o trânsito de um processo de estrutura inquisitória para um processo de
inspiração acusatória.

Tema 14: Reformas Pombalinas


17. Reformas pombalinas respeitantes ao direito e à ciência jurídica:
a) Considerações introdutórias:
 Mais relevantes, sem dúvida, se mostraram as providências adotadas em dois
planos: o da ciência do direito, enquanto voltada para a interpretação, integração e
aplicação das normas jurídicas; e o da formação dos juristas. Foram atendidos,
respetivamente, pela chama Lei da Boa razão (1769) e pela reforma da
Universidade, consubstanciada nos Estatutos Novos (1772).

b) A Lei da Boa Razão:


 Trata-se da Lei de 18 de agosto de 1769, inicialmente identificada, como os
restantes diplomas da época, pela simples data. Só no século XIX receberia o nome
de Lei da Boa Razão. Representava o dogma supremo da atividade interpretativa e
integrativa, estivesse cristalizada nos textos romanos, do direito das gentes ou nas
obras jurídicas e leis positivas das nações estrangeiras.

 O referido diploma prosseguiu objetivos amplos. Visou, não apenas impedir


irregularidades em matéria de assentos e quanto à utilização do direito subsidiário,
mas também fixar normas precisas sobre a validade do costume e os elementos a
que o intérprete podia recorrer para o preenchimento das lacunas.
Analise-se as várias soluções que a mesma consagrou:
1. Confere-se autoridade exclusiva aos assentos da Casa da Suplicação, que era o
tribunal supremo do Reino. Nesse sentido, declara-se que os assentos das Relações
apenas alcançariam valor normativo mediante confirmação daquele tribunal
superior.

35
1º ano de Direito História do Direito Português CAD

2. Também se estatui expressamente sobre o costume. Para que valesse como fonte
de direito, deveria subordinar-se aos requisitos seguintes: ser conforme à boa
razão, não contrariar a lei; ter mais de cem anos de existência. O direito
consuetudinário só conservou, portanto, validade “secundum legem” e “praeter
legem”, nunca “contra legem”.

3. Quando houvesse casos omissos, ou seja, faltando direito pátrio, representado


pelas fontes imediatas indicadas, caberia então recurso ao direito subsidiário. Mas
o direito romano só era aplicável desde que se apresentasse conforme à boa razão.
Apresentar-se conforme à boa razão equivalia a corresponder aos princípios do
direito natural ou do direito das gentes.

4. As lacunas devem ser integradas pelo direito romano conforme ao usus modernus
pandectarum. Em matérias politicas, económicas, mercantis ou marítimas,
determinava-se o recurso direto às leis das Nações Cristãs, iluminadas e polidas.

5. Finalmente, também se proibiu que as glosas de Acúrsio e as opiniões de Bártolo


fossem alegadas e aplicadas em juízo. A mesma solução estava implícita a respeito
da “communis opinio”. E isto devido tanto à falta de conhecimentos históricos e
linguísticos dos referidos autores, como à ignorância das normas fundamentais de
direito natural e divino.

c) Os novos Estatutos da Universidade:


 Mais ainda do que a Lei da Boa Razão, é a reforma pombalina dos estudos
universitários que reflete a influência das correntes doutrinárias europeias dos
séculos XVII e XVIII.

 Em 1770, foi nomeada uma comissão, com o nome de Junta de Providencia


Literária, incumbida de emitir parecer sobre as causas da decadência do ensino
universitário, e sobre o critério adequado à sua reforma.

 À referida Junta se deve a subsequente elaboração dos novos Estatutos da


Universidade, também denominados Estatutos Pombalinos, aprovados por Carta
da Lei de 28 de agosto de 1772.

 O Compêndio Histórico tinha apontado como graves defeitos dos nossos estudos
jurídicos a preferência absoluta dada ao ensino do direito romano e do direito
canónico, desconhecendo-se praticamente o direito pátrio, o abuso que se fazia do
método bartolista, o respeito cego pela “opinio communis”, o completo desprezo
pelo direito natural e pela história do direito.

 Acolhendo essas criticas, os Estatutos Novos consagraram uma série de relevantes


disposições. Verifica-se a inclusão de matérias novas: além da cadeira de direito
natural, estabelece-se o ensino da história do direito e das instituições de direito
pátrio.

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1º ano de Direito História do Direito Português CAD

 Determinou-se a utilização do método que se designava de sintético-


demonstrativo: impunha-se fornecer aos estudantes uma análise geral de cada
disciplina, através de definições e de sistematização das matérias, seguindo uma
linha de progressiva complexidade; passar-se-ia de umas proposições ou
conclusões às outras só depois do esclarecimento cientifico dos precedentes e
como sua dedução; tudo isto acompanhado de manuais adequados, inclusive,
sujeitos a aprovação oficial.

 No tocante aos direitos romano e canónico, o tradicional método escolástico ou


bartolista foi substituído pelas diretrizes histórico-críticas ou cujacianas.

d) Alterações legislativas: acolhidas e recusadas:


 No entanto, podem destacar-se como leis acolhidas: a lei que proíbe que o doente,
durante a doença de que irá falecer, faça testamento a favor do médico, do
sacerdote ou do enfermeiro que o cuide durante a enfermidade. Estando, ainda,
atualmente, consagrada no nosso Código Civil.

 No respeitante às leis recusadas (reformismo abstrato) sublinham-se: a lei que


exclui as filhas de nobres da sucessão legitima, quando haja irmãos. Só têm direito
a alimentos e a 4000 cruzados para despesas do enxoval. Chocou com a longa
tradição portuguesa, oriunda do direito romano.

e) O chamado “Novo Código”. Tentativa de reforma das Ordenações:


 Encerra-se a época jusracionalista com uma alusão rápida ao projeto de reforma
das Ordenações Filipinas que ficou conhecido por “Novo Código”. Situa-se no
reinado de D. Maria I.

 Dever-se-ia averiguar, não só quais as normas contidas nas Ordenações e leis


extravagantes que conviria suprimir por antiquadas, mas também as que se
encontravam total ou parcialmente revogadas, as que vinham levantado dúvidas
de interpretação na prática forense e as que a experiencia aconselhava a modificar.

 Procurava-se, no essencial, a simples atualização das Ordenações, posto que uma


parte dos membros da Junta defendesse a realização de obra com rasgos
inovadores. Deste modo, a iniciativa de D. Maria tinha um sentido muito diverso
das codificações modernas, profundamente reformadoras, que no estrangeiro iam
surgindo da confluência do pensamento jusracionalista e iluminista.

 Resultaram os projetos de Código do Direito Público e de Código Criminal. Para


apreciá-los nomeou-se uma “Junta de Censura e Revisão”, onde se integrava
António Ribeiro dos Santos.

 Começou-se pelo projeto de Código de Direito Público, que levantaria uma forte
polémica entre Ribeiro dos Santos e Mello Freire. O último mostrava-se partidário
das ideias absolutistas, ao passo que o primeiro militava no campo dos princípios

37
1º ano de Direito História do Direito Português CAD

liberais. O projeto de Código de Direito Público acabaria por não vingar. A mesma
sorte teve o projeto de Código Criminal, que nem sequer chegou a ser discutido.

 As suas Institutiones revelam-se mais conformes aos postulados iluministas e


humanitaristas.

 Assim fracassou mais uma tentativa de reforma das antiquadas Ordenações


Filipinas. As circunstancias não se lhe apresentaram favoráveis.

Tema 15: Liberalismo

18. Preliminares: principais acontecimentos históricos:


 Em primeiro lugar referir que França pretendia que os portugueses voltassem
costas à aliança que tinham com os ingleses, uma aliança, de resto, antiga. No
entanto, Portugal não cedeu ao pedido elaborado por França.

 Como resultado desta decisão, Napoleão Bonaparte que, entretanto, se tinha


aliado aos espanhóis, invadiu Portugal (1ª invasão Francesa em 1807). Entra por
norte, vai avançando até Lisboa. Contudo, quando chega a Lisboa, já a família real
se encontrava a caminho do Brasil.

 O objetivo desta invasão era, justamente, capturar o rei português, para, desta
forma, “decapitar”, por assim dizer, a coroa portuguesa e, posteriormente,
satisfazer os seus ideais de rompimento com Inglaterra para que os franceses
pudessem servir-se de Portugal. Porém, sem sucesso.

 No ano de 1820 eclodiu no Porto, especificamente no campo 24 de agosto, a


revolução liberal. Realçando que o rei português D. João VI se encontrava no Brasil
quando este acontecimento se sucedeu.

 A revolução liberal acabou com o antigo regime, o regime em que o rei era
absoluto, era chefe de Estado, primeiro-ministro, juiz, tudo estava nas suas mãos.
Deu-se, por sua vez, lugar a um novo sistema jurídico-político, consagrado na
Constituição de 1822 e, posteriormente, na Carta Constitucional, com a separação
de poderes.

 Um ano depois, em 1821, regressa a Portugal D. João VI e a família real, incluindo


D. Carlota Joaquina. D. João VI atribuiu o governo do Brasil ao seu filho, D. Pedro.

 Contudo após a aprovação da Constituição de 1822, em 1823, ocorreu um


movimento contrarrevolucionário chamado Vila-Francada, chefiado por um dos
filhos de D. João VI, o infante D. Miguel. O movimento insurgiu-se contra a
Constituição de 1822 e acabou por, efetivamente, triunfar. De realçar que era um
movimento para onde convergiram os absolutistas e os liberais moderados.

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1º ano de Direito História do Direito Português CAD

 Posto isto, uns anos mais tarde estabeleceu-se uma guerra civil trágica que matou
milhares de portugueses, uma guerra entre portugueses, mais especificamente,
entre absolutistas e liberais. Essa guerra civil culmina com a Carta Constitucional de
1826 que é, por assim dizer, um documento de compromisso entre liberais e
absolutistas.

 Em 1828, quando se pensava estar tudo normalizado, o infante D. Miguel, que


estava no estrangeiro, regressa a Portugal e, acaba por ser, empossado como
regente do reino de Portugal. Jurou respeito, observância pela Carta
Constitucional, mas imediatamente a seguir restaurou a monarquia absoluta e,
com isso, surge, novamente, uma guerra civil entre os portugueses, de um lado os
liberais, do outro lado os absolutistas.

 Só em 1834, é que a paz é conseguida com a assinatura da Convenção de Évora


Monte. Por força deste acordo, D. Miguel embarca definitivamente para o seu
exílio no estrangeiro e, a Carta Constitucional é, agora, jurada por D. Pedro V de
Portugal.

18.1. Aspetos gerais do individualismo politico e do liberalismo económico:


 No domínio do pensamento europeu costumam assinalar-se duas fases bem
distintas: uma primeira, caracterizada por uma atitude de crítica ao Iluminismo e
durante a qual se desenvolveram os movimentos da Contrarrevolução, do
Romantismo e do Idealismo alemão; uma segunda fase, em que se assiste à
reentrada dos princípios da Revolução e iluminísticos, favorecidos pelo
condicionalismo histórico.

 Na base de toda a construção ideológica e filosófica do século XIX está o principio


de que o homem nasce dotado de certos direitos naturais e inalienáveis, e que a
exclusiva missão do Estado é a promoção e salvaguarda desses direitos individuais
e originários.

 Dando um passo adiante, encontramo-nos em face das ideias do governo


representativo, da monarquia constitucional e parlamentar, da separação de
poderes e das constituições escritas. Os referidos princípios, excetuando-se a
separação de poderes e o parlamentarismo, não eram inteiramente novos.

 Dir-se-á que o que se apresentava agora efetivamente original não eram as ideias
em si, mas o caráter universalista e humano que elas assumiam. Considerou-se o
aspeto do individualismo politico.

 Todavia, a seu lado, proclamou-se o liberalismo económico, que interessa


igualmente advertir. É do conhecimento geral que, desde a segunda metade do
século XVIII, o mercantilismo começou a perder terreno, com o seu forte
intervencionismo e com a sua compreensão dos Estados como unidades que se
impunha conservar isoladas ao máximo, através de uma rígida fiscalização do

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1º ano de Direito História do Direito Português CAD

comércio externo e de elevadas pautas alfandegárias. Tratava-se de regras


ancoradas no conceito de que a riqueza das nações se obtinha apenas aumentando
o estoque de metais preciosos.

 Os primeiros a pensar de modo diverso foram os adeptos da Escola Fisiocrática,


fundada em França por Quesnay. Afirma-se, aqui, a existência de uma ordem
económica natural onde reina a perfeita harmonia entre o interesse de cada
individuo e o interesse coletivo, desde que se garanta inteira liberdade de trabalho,
de indústria e de comércio. Por consequência, a intervenção do Estado deve
limitar-se ao mínimo indispensável à salvaguarda deste livre jogo económico.

18.1.1. Transformações no âmbito do direito político:

 O primeiro sistema liberal português inaugurou-se, apenas, com a Revolução de


Agosto de 1820, tendo sido aprovada uma Constituição em 1822.

 Em 1923, como consequência da Vila-Francada abolia-se o regime constitucional.


Quando este foi reposto, ao cabo de três anos, trouxe uma nova fisionomia,
substituindo-se pela Carta Constitucional de 1826, outorgada por D. Pedro e que
reflete um liberalismo de tendência conservadora.

 São diplomas que estruturam o Estado na base do principio da separação de


poderes e do sistema representativo. Menos “radical” do que a Constituição de
1822, a Carta Constitucional prevê o sistema bicameral e dá ao rei o poder
moderador. Os dois diplomas consagram os princípios da liberdade, da igualdade e
da propriedade. Afirmou-se, também, o voto censitário.

18.1.2. Transformações no âmbito do direito privado:


 Assiste-se desde os começos do Liberalismo até ao Código Civil de 1867, a uma
fraca evolução das nossas instituições jurídico-privadas, precisamente por obra da
doutrina e da jurisprudência.

 Recorde-se que, tradicionalmente, nunca a vida jurídica portuguesa esteve


comprimida em legislação minuciosa. Tivemos, sem dúvida, a partir do século XIII,
um valioso movimento legislativo e até, logo nos meados do século XV, uma
primeira codificação oficial, as Ordenações Afonsinas. Porém, tanto estas
Ordenações como as que se lhes seguiram ficaram longe de constituir um sistema
completo: designadamente, no âmbito do direito privado, havia institutos de todo
omitidos e bastantes outros só aflorados a titulo acidental. Nem através do
volumoso corpo de diplomas avulsos, que foi acrescentando se conseguiu a
satisfação imediata das exigências de tutela que a vida solicitava. Também estes
diplomas eram muito insuficientes.

 Relativamente aos jurisconsultos, a sua tarefa inovadora e de substituição de


doutrinas antigas, começava logo no próprio domínio da interpretação das normas

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1º ano de Direito História do Direito Português CAD

das Ordenações ou de leis avulsas que se mantinham vigentes; e nem mesmo


hesitaram, inúmeras vezes, em se sobrepor a esses textos e definir soluções
antagónicas às neles expressamente consagradas, ou dando-os como desusados,
ou defendendo, quando menos, a necessidade da sua reforma.

 Por tais caminhos, em conclusão, se foi preparando espontaneamente, passo a


passo, o terreno adequado a uma síntese oficial. Representou-se o Código Civil de
1 de julho de 1867.

Interpretação da lei:
 Lei inserida nas ordenações afonsinas: se pai/mãe deixar a quota disponível (1/3) a
terceiros, sem expressamente instituir herdeiros ou deserdar os filhos, estes
consideram-se tacitamente instituídos herdeiros nos restantes 2/3. Assim se
continuou a aplicar o principio romano de que o testamento só é válido com
herdeiros instituídos na totalidade da herança.

 Depois, a interpretação dispensou a instituição do herdeiro. Passou a ser possível


um testamento só com legados.

Integração das lacunas:


 Usucapião: decorridos 30 anos, na posse de má fé: antes a solução romana que a
admitia era considerada pecaminosa; logo, aplicava-se o direito canonico que a
excluía.

 Doravante, afastado o direito canonico, a velha solução romana impôs-se, estando


consagrada no Código Civil de Seabra e no atual Código Civil (com a redução do
tempo para 20 anos).

Tema 16: Correntes do pensamento jurídico europeu


19. Positivismo jurídico. Escola da Exegese:
 O alcance exato da expressão positivismo jurídico ou juspositivismo levanta as
dificuldades que decorrem das várias significações históricas que lhe
correspondem. Contrapõe-se, em regra, ao jusnaturalismo.

 Os dogmas do juspositivismo afiguram-se muito precisos. Assim: o direito


identifica-se com a lei; esta materializa ou positiva o direito ideal de inspiração
racionalista; a ordem jurídica constitui um todo acabado; a sua plenitude atinge o
momento definitivo num conjunto de Códigos modernos, sistemático, completo – a
razão escrita encontrada pelo poder legislativo omnipotente.

 A identificação da juridicidade com a legalidade conduziu à negação da importância


do costume como fonte do direito. Do mesmo modo, implicou a subalternização do
papel da jurisprudência e da doutrina. A criação do direito torna-se, portanto, um
ato tipicamente do Estado, em prejuízo das vias popular e cientifica.

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1º ano de Direito História do Direito Português CAD

 Expressão exata, no plano metodológico, do positivismo jurídico é a Escola da


Exegese, de raiz francesa, que surge ligada ao movimento codificador. Os autores
desta corrente encararam a lei, antes de tudo, como manifestação da vontade
soberana. Dada a sua rigorosa imperatividade, devia-se interpretá-la segundo um
método lógico-gramatical.

20. Escola Histórica do Direito:


 A oposição do direito natural clássico verificou-se também pelo caminho do
historicismo. Se bem que, do mesmo passo, se negasse a validade do direito
natural racionalista. Foi, inclusive, a sua excessiva afirmação que levou à Escola
Histórica do Direito, pelos inícios do século XIX.

 Esta orientação contrapõe ao racionalismo o caráter necessariamente histórico do


direito. Ou seja, o jurídico resulta de uma criação espontânea da consciência
coletiva, de uma manifestação do espirito do povo. Cada ordenamento jurídico
tem atrás de si uma tradição histórica, reflete as peculiaridades do povo respetivo,
a evolução da especifica realidade social.

 Não há duvida que foi, sobretudo, a vertente romanista que revelou influencia
significativa no pensamento jurídico europeu. Projetou-se na Pandectística e na
jurisprudência dos conceitos.

21. Pandectística. Jurisprudência dos conceitos:


 A linha mais influente da Escola Histórica dedicou-se à elaboração de uma doutrina
moderna a partir do direito romano. Ora, para preservar a coerência, entendia-se
que esta obra dos juristas cabia no sentido amplo de consciência coletiva. O direito
continuava a enquadrar-se na vida total do povo, isto é, afirmava-se o seu
elemento politico em contraposição ao elemento cientifico ou técnico.

 É, assim, que a Escola Histórica chega à formulação de um direito erudito e acaba


na Pandectística. O seu objetivo consistiu em reunir todo o universo jurídico de
forma sistemática e abstrata.

 Verifica-se na Pandectística o retorno a um novo positivismo, aceitando-se, afinal,


um critério que não está longe do adotado pelo jusracionalismo. Com simples
perspetiva cientifica, procura-se edificar um sistema dogmático completo e
fechado, onde se encontraria resposta para todos os problemas jurídicos. Foram
enormes os reflexos da ciência pandectística em múltiplos países.

Tema 17: Movimento codificador


22. Aspetos introdutórios:

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 Com precedentes desde os meados de séc. XVIII, mas sobretudo durante o séc. XIX,
assiste-se a um importante movimento codificador em diversos países da Europa,
que viria a comunicar-se a outros continentes. Traduziu-se na elaboração de
amplos corpos legislativos unitários, obedecendo a uma orgânica mais ou menos
científica e que condensavam, autonomamente, as normas relativas aos ramos
básicos do direito, já então individualizados.

 Recorde-se que as anteriores grandes coletâneas de direito – tanto do tipo do


Corpus Iuris Civilis ou das nossas Ordenações, como da própria Glosa acursiana –
correspondiam mais ou menos a períodos de síntese ou de estagnação da
criatividade jurídica. Tradicionalmente, o objeto básico consistia na mera
organização de repositórios atualizados do direito vigente, sem grandes
preocupações quanto à estrutura interna.

 Ora, os Códigos modernos propunham-se a ser inovadores. Na raiz do moderno


movimento codificador, encontram-se, antes de tudo, vetores jusracionalistas e
iluministas.

 Em determinados países as codificações surgiram com o patrocínio do Despotismo


Esclarecido, ao passo que noutros foram uma consequência da difusão das ideias
da Revolução Francesa, no quadro das quais o princípio da divisão de poderes tinha
enorme relevo.

 Entre nós, foram as ideias da Revolução Francesa que impulsionaram, logo depois
da implantação do Liberalismo, a atividade codificadora.

a) Direito Comercial:
 Iniciou-se o nosso movimento codificador pelo direito mercantil. Em 1833 surge o
Código Comercial, que se ficou a dever a Ferreira Borges.

 Uma enorme dispersão legislativa e as incertezas jurisprudências tornavam urgente


a reunião, num corpo orgânico, das disposições avulsas dessa área jurídica.

 No que toca à estrutura, o Código Comercial de 1833 encontra-se dividido em duas


partes: a primeira trata do comércio terrestre e a segunda do comércio marítimo.
Nela se incluem, não só normas de direito mercantil substantivo, mas também
normas processuais, de organização judiciária e até de direito civil.

 Esclarece o próprio Ferreira Borges que, para a elaboração do projeto, utilizou


especialmente o Código Comercial francês, o projeto do Código Comercial italiano
e o Código Comercial espanhol. Podendo, então, afirmar-se que estes diplomas o
influenciaram.

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1º ano de Direito História do Direito Português CAD

 O nosso primeiro Código Comercial não se revelava voltado para o futuro, nem
pelo conteúdo normativo, nem pela técnica legislativa adotada. De qualquer modo,
teve o mérito de muito contribuir para a instituição e compreensão do direito
comercial como um específico domínio jurídico-privado.

 As deficiências de origem do Código Comercial de 1833 foram-se evidenciando com


o desenvolvimento da atividade mercantil. A breve trecho, existia um corpo
significativo de legislação avulsa. Daí que se pensasse na sua reforma. Um novo
Código Comercial só viria a ser promulgado em 1888, mercê do esforço de Veiga
Beirão. Infere-se, pois, que o nosso legislador adotou um sistema misto, entre a
conceção objetivista e subjetivista.

 O Código Comercial de 1888 encontra-se ainda hoje em vigor, mas profundamente


alterado e completado por numerosa legislação avulsa.

b) Direito Civil:
 O primeiro Código Civil português assentou no projeto de António Luís de Seabra,
desembargador da Relação do Porto, e foi aprovado em 1867.

 O Código, que se encontrava dividido em 4 partes essenciais, caracteriza-se por ter


uma marcada feição liberal e individualista. Nele, a vida jurídica aparece
tipicamente construída apenas do ângulo do individuo, do sujeito de direito,
desaparecendo o que há de institucional e de objetivo nas relações sociais e
jurídicas. Trata-se de uma completa hipertrofia do aspeto subjetivo do direito,
característica do clima do Liberalismo. Os fundamentos teóricos do diploma
encontram-se nas conceções sobre o direito e a sociedade ligadas ao
jusnaturalismo racionalista e ao individualismo liberal.

 De realçar que sofreu algumas influências francesas, como o contrato de compra e


venda com efeitos reais, e manteve, no entanto, um significativo apego à nossa
tradição jurídica, como por exemplo o reconhecimento do casamento católico e o
regime supletivo da comunhão geral de bens.

 A curto prazo, este Código começou a ser rodeado por uma imensidade crescente
de diplomas que tutelavam, para além ou contra os seus preceitos, capítulos
fundamentais do Direito Civil. Ainda, também do ponto de vista técnico, estava
longe de poder ir ao encontro das instâncias da moderna ciência jurídica.
Consequentemente, impunha-se uma urgente e completa revisão, realizada pelo
Código Civil de 1966.

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1º ano de Direito História do Direito Português CAD

Tema 18: Costumes e direito subsidiário


23. O costume:
 Sabe-se que a Lei da Boa Razão constituiu, entre nós, um momento decisivo no
declínio do costume.

 O Código Civil de 1867 remeteu definitivamente o costume para o quadro das


fontes mediatas ou indiretas, isto é, sem força própria: valia apenas na medida em
que o legislador o admitisse. Assim resulta no afastamento da inobservância da lei
com fundamento do desuso, ou seja, em costume contrário, mas também no facto
de não se consagrar o direito consuetudinário como fonte subsidiária.

24. Nova perspetiva do direito subsidiário:


 O primeiro Código Civil português ocupou-se da interpretação e da integração das
normas jurídicas.

 Em face a uma lacuna, devia recorrer-se, primeiramente, à analogia, ou seja, à


disciplina estabelecida para situações semelhantes. Se não se encontrasse norma
suscetível de aplicação analógica a uma situação digna de tutela jurídica, o
legislador remetia para os princípios de direito natural. Discutia-se o alcance desta
expressão, em que se confrontavam doutrinas jusnaturalistas e positivistas. No
predomínio das últimas fez-se uma leitura mais generalizada, correspondente a
princípios da própria ordem vigente ou legislada. À posição oposta cabia entender
as palavras ao pé da letra e assim sustentar que se visava algo de meta jurídico,
situado para além do direito positivo.

 Prevaleceu posteriormente uma terceira interpretação. A de que a referência aos


“princípios de direito natural, conforme as circunstâncias do caso”, equivalia a
confiar ao juiz a tarefa do preenchimento das lacunas tendo em conta a solução
que presumisse adotada pelo legislador, se ele houvesse previsto o caso omisso.

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1º ano de Direito História do Direito Português CAD

AGRADECIMENTOS:
Adriana Borges

Ana Rita Alves

David Silva

Eduardo Leão

Érica Araújo

Gabriel Pinho

João Paulo Silva

Manuela

Marlene Ferreira

Matilde Campos

Miguel Ledo

Pedro Gomes

Apontamentos realizados por membros da CAD. Pedimos que qualquer erro de escrita ou de
direito verificado seja comunicado a um dos membros para posterior correção.

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