Você está na página 1de 130

2020/2021

Sebenta de Direito Administrativo I


Regente: prof. Vasco Pereira da Silva

Índice

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ........................................................................................................................ 3

CONCEITO DE ADMINISTRAÇÃO ....................................................................................................................... 3

OS TRAUMAS DO DIREITO ADMINISTRATIVO E A SUA EVOLUÇÃO .......................................... 10

ESTADO LIBERAL – SISTEMA DO JUIZ ADMINISTRADOR ................................................................................ 10


ESTADO SOCIAL – ADMINISTRAÇÃO PRESTADORA......................................................................................... 18
ESTADO PÓS-SOCIAL – ADMINISTRAÇÃO DE INFRAESTRUTURAS .................................................................. 23

SISTEMAS ADMINISTRATIVOS ................................................................................................................ 26

SISTEMA BRITÂNICO OU DE ADMINISTRAÇÃO JUDICIÁRIA ............................................................................ 26


SISTEMA ADMINISTRATIVO FRANCÊS ............................................................................................................ 27
CONFRONTO ENTRE OS DOIS SISTEMAS ......................................................................................................... 30
EVOLUÇÃO E SITUAÇÃO ATUAL DOS SISTEMAS BRITÂNICO E FRANCÊS ....................................................... 31

ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA PORTUGUESA ........................................................................... 34

HIERARQUIA ................................................................................................................................................... 35
DELEGAÇÃO DE PODERES .............................................................................................................................. 37
TUTELA ADMINISTRATIVA ............................................................................................................................. 38
SUPERINTENDÊNCIA ....................................................................................................................................... 39

ADMINISTRAÇÃO DIRETA ........................................................................................................................ 41

ADMINISTRAÇÃO CENTRAL DO ESTADO ........................................................................................................ 42


ADMINISTRAÇÃO PERIFÉRICA ........................................................................................................................ 50
Administração Local ................................................................................................................................. 51

ADMINISTRAÇÃO INDIRETA .................................................................................................................... 53

ADMINISTRAÇÃO INDIRETA SOB FORMA PÚBLICA ......................................................................................... 53


Institutos Públicos:........................................................................................................................... 55
Empresas Públicas: .......................................................................................................................... 58
ADMINISTRAÇÃO INDIRETA SOB FORMA PRIVADA ......................................................................................... 67

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA AUTÓNOMA ............................................................................................. 74

TIPO ASSOCIATIVO ......................................................................................................................................... 75


ASSOCIAÇÕES PÚBLICAS: ...................................................................................................................... 75

Mafalda Boavida 1
2020/2021

Universidades: ................................................................................................................................. 82
TIPO TERRITORIAL .......................................................................................................................................... 84
Regiões Autónomas: ......................................................................................................................... 84
Autarquias Locais: ........................................................................................................................... 90

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDEPENDENTE ................................................................................... 113

ÓRGÃOS INDEPENDENTES E ENTIDADES ADMINISTRATIVAS INDEPENDENTES ............................................ 114

ELEMENTOS DA ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA ..................................................................... 116

PESSOAS COLETIVAS PÚBLICAS ................................................................................................................... 116


Espécies ................................................................................................................................................... 118
Regime jurídico ....................................................................................................................................... 118
Órgãos ..................................................................................................................................................... 120
Dos órgãos colegiais em especial ........................................................................................................... 121
Atribuições e competência....................................................................................................................... 124
Da competência em especial ................................................................................................................... 125
SERVIÇOS PÚBLICOS..................................................................................................................................... 126
Conceito................................................................................................................................................... 126
Espécies ................................................................................................................................................... 127
Regime jurídico ....................................................................................................................................... 129
Organização dos serviços públicos ......................................................................................................... 130

Mafalda Boavida 2
2020/2021

Administração Pública

Conceito de Administração

è As necessidades coletivas e a administração pública:

Quando se fala em Administração pública tem-se presente um conjunto de necessidades


coletivas cuja satisfação é assumida como tarefa fundamental pela coletividade, através de
serviços por esta organizados e mantidos.
A satisfação das necessidades exige meios humanos e materiais. Assim, onde quer que
exista e se manifeste uma necessidade coletiva, surgirá um serviço público destinado a
satisfazê-la. Quanto a estes serviços, uns são criados e geridos pelo Estado, outros são
entregues a organismos autónomos que se autossustentam financeiramente, outros ainda são
entidades tradicionais de origem religiosa hoje assumidos pelo Estado.
Desses serviços:
Ø alguns são mantidos e administrados pelas comunidades locais autárquicas;
Ø outros são assegurados por instituições públicas e particulares;
Ø outros ainda são unidades de produção de caráter económico criadas com capitais
públicos ou expropriadas aos seus primitivos titulares.

Todos os serviços públicos têm a mesma finalidade – satisfazer necessidades coletivas,


que são de três espécies: segurança, cultura e bem-estar.

è Sentidos da expressão “administração pública”:

São dois os principais sentidos de administração pública: sentido de organização (sentido


orgânico/subjetivo) e sentido de atividade (material/objetivo). Existe ainda um terceiro
sentido, formal, que tem a ver com o modo próprio de agir que caracteriza a administração
pública.

Mafalda Boavida 3
2020/2021

Þ Sentido Orgânico:
A administração pública não se limita ao Estado – inclui-o, mas comporta muitas outras
entidades e organismos. Por isso, também nem toda a atividade administrativa é atividade
estadual. Há muitas instituições que não se confundem com o Estado e que têm identidade
própria, constituindo entidades política, jurídica e sociologicamente distintas.
No séc. XIX, a Administração Pública era sobretudo de âmbito municipal: o Rei e o poder
central. Hoje a Administração pública estadual desenvolveu-se e ocupa o primeiro lugar face
às demais formas/modalidades de administração.
Algumas destas modalidades podem ser hoje de um modo geral concebidas como formas
de administração estadual indireta, sendo que, aí, entidades juridicamente distintas dos Estado
são incumbidas de exercer, por devolução de poderes, uma atividade administrativa que,
embora não desenvolvida organicamente pelo Estado, é materialmente uma atividade
estadual. Outras continuam a ser formas autónomas de administração pública, como as regiões
autónomas e as autarquias locais. Há ainda outros casos em que a atividade administrativa é
desenvolvida por entidades de direito privado criadas para o efeito pelo Estado ou por outras
pessoas coletivas públicas.
A lei admite que a atividade administrativa seja exercida por particulares, que são
chamados a colaborar com a Administração.

A administração pública em sentido orgânico pode assim ser definida com o sistema de
órgãos, serviços e agentes do Estado, bem como das demais pessoas coletivas públicas e de
algumas entidades privadas que asseguram em nome da coletividade a satisfação regular e
continua das necessidades coletivas de segurança, cultura e bem-estar.

A noção orgânica de Administração Pública compreende duas realidades distintas: as


pessoas coletivas públicas e os serviços públicos e dos funcionários e agentes administrativos,
A primeira são organizações e a segunda indivíduos. Chama-se vulgarmente de burocracia,
ou função pública, ao conjunto dos indivíduos que trabalham como profissionais
especializados ao serviço da Administração.

Mafalda Boavida 4
2020/2021

Þ Sentido Material:
Em sentido material, a administração pública é uma atividade de administrar. Administrar
é tomar decisões e efetuar operações com vista à satisfação regular de determinadas
necessidades.
A administração pública em sentido material pode ser assim definida como a atividade
típica dos serviços públicos e agentes administrativos desenvolvida no interesse geral da
coletividade, com vista à satisfação regular e continua das necessidades coletivas de
segurança, cultura e bem-estar, obtendo para o efeito os recursos mais adequados e utilizando
as formas mais convenientes.
A função administrativa foi inicialmente a atividade meramente executiva. Mas na
segunda metade do séc. XX compreendeu-se que a esta não competia apenas promover a
execução de leis: cumpre-lhe também executar as diretrizes e opções fundamentais traçadas
pelo poder político, e realizar toda uma outra série de atividades que não revestem natureza
executiva, como estudar problemas, preparar legislação ou produzir bens, atividades estas que,
devendo ser sempre realizadas com base na lei, não podem todavia ser consideradas como
mera execução da lei. Deste modo, o art. 199 da CRP alarga muito substancialmente o
conteúdo material da função administrativa para além dessa atividade executiva.
O que a administração tem de garantir é a satisfação regular das necessidades coletivas de
segurança, cultura e bem-estar económico e social, independentemente de como o faça.

è A administração pública e a administração privada:

A administração pública e a administração privada distinguem-se pelo objeto sobre que


incidem, pelo fim que visam prosseguir e pelos meios que utilizam.
Quanto ao objeto, a administração pública versa sobre necessidades coletivas assumidas
como tarefa de responsabilidade própria da coletividade, enquanto a administração privada
incide sobre necessidades individuais ou necessidades que, sendo do grupo, não atingem a
generalidade de uma coletividade inteira.
Quanto ao fim, a administração pública tem de prosseguir interesses públicos, enquanto
a privada tem em vista fins pessoais ou particulares, sem vinculação necessária ao interesse
geral da coletividade. O facto de o resultado das atividades privadas ser socialmente útil à
coletividade não significa que o fim dessa administração privada seja a persecução direta do
interesse geral.

Mafalda Boavida 5
2020/2021

Quanto aos meios, a administração privada é caracterizada pela igualdade de meios entre
as partes, pelo que o contrato é o instrumento jurídico típico. A administração pública è
caracterizada por meios de autoridade, que possibilitam às entidades e serviços públicos
impor-se aos particulares sem ter de aguardar o seu consentimento ou fazê-lo contra a sua
vontade, pelo que o comando unilateral é o instrumento jurídico típico.

Mas ainda, a Administração pública é limitada nas suas possibilidades de atuação por
restrições, encargos e deveres especiais de natureza jurídica, moral e financeira, a que não
estão em regra sujeitos os particulares na prossecução normal das suas atividades de
administração privada.

è A Administração Pública e as Funções do Estado:

o Política e Administração Pública:


Fim:
Ø A política, enquanto atividade pública do Estado, tem um fim específico, que
consiste em definir o interesse geral da coletividade.
Ø A administração pública existe para prosseguir outro fim: realizar em termos
concretos o interesse geral definido pela política.

Objeto:
Ø A política tem como objeto as grandes opções que o país enfrenta ao traçar os
rumos do seu destino coletivo.
Ø A administração pública tem como objeto a satisfação regular e contínua das
necessidades coletivas de segurança, cultura e bem-estar económico e social.

Natureza:
Ø A política tem uma natureza criadora, cabendo-lhe em cada momento inovar em
tudo quanto seja fundamental para a conservação e o desenvolvimento da
comunidade.
Ø A administração pública tem natureza executiva, consistindo, sobretudo, em pôr
em prática as orientações tomadas a nível político.

Mafalda Boavida 6
2020/2021

Caráter:
Ø A política reveste caráter livre e primário, apenas limitada em certas zonas pela
Constituição.
Ø A administração pública tem caráter condicionado e secundário, achando-se por
definição subordinada às orientações da política e da legislação.

Órgãos:
Ø A política pertence, por natureza, aos órgãos superiores do Estado.
Ø A administração pública, ainda que sujeita à direção ou fiscalização desses órgãos,
está, na maioria dos casos, entregue a órgãos secundários e subalternos, bem como
a funcionários e agentes administrativos, e a numerosas entidades e organismos
não estaduais.

Eleição:
Ø Na política, os órgãos são eleitos diretamente pelo povo a nível nacional.
Ø Na administração pública, os órgãos administrativos são nomeados ou eleitos por
colégios eleitorais restritos.

Nota: O Governo, que é simultaneamente um órgão político e um órgão administrativo,


é nomeado, mas apenas pode iniciar as suas funções e manter-se nelas, se a isso não se
opuser a AR – art.187 e ss da CRP.

Relação entre a política e a administração pública:


Não são atividades insensíveis uma à outra. Desde logo, a administração pública – em
qualquer regime e em qualquer época – sofre influência direta da política; a administração
pública em democracia não é idêntica à em ditadura; O âmbito, as funções e os meios da
administração variam grandemente conforme a opção política fundamental for de tipo
conservador, liberal ou socialista.
Em regra, toda a administração pública, além de atividade administrativa, é também
execução ou desenvolvimento de uma política

A distinção entre política e administração, se é clara e compreensível no plano das ideias,


nem sempre é fácil de traçar na prática: já porque o órgão supremo da administração

Mafalda Boavida 7
2020/2021

(Governo) é simultaneamente um órgão político fundamental, já porque os atos praticados no


exercício de ambas as funções muitas vezes se confundem. Pode, com efeito, haver atos
políticos com mero significado administrativo e, ao invés, atos administrativos com
significado político.

o Legislação e Administração Pública:

A função legislativa encontra-se no mesmo plano, ao mesmo nível que a função política,
de modo que as caraterísticas apontadas acima para a política sirvam igualmente para firmar
a distinção entre a administração pública e a legislação.
Também a legislação define opções, objetivos, normas abstratas, enquanto a administração
executa, aplica e põe em prática o que lhe é superiormente determinado.

Principal diferença: reside no facto de, nos dias de hoje, a administração pública ser uma
atividade totalmente subordinada à lei – a lei é o fundamento, o critério e o limite de toda a
atividade administrativa.

No entanto, há pontos de cruzamento entre as duas atividades, como casos de leis que
materialmente contêm decisões de caráter administrativo (ex. lei que concede uma pensão de
sangue extraordinária à viúva de um militar morto em combate). Também há atos de
administração que materialmente revestem todos os carateres de uma lei, faltando-lhes apenas
a forma e a eficácia da lei (ex. regulamentos autónomos), para já não falar dos casos em que
a própria lei se deixa complementar por atos da Administração.

o Justiça e a Administração Pública:

Estas atividades têm importantes traços comuns: ambas são secundárias, ambas são
executivas e ambas são subordinadas à lei.

Porém, há muitos traços que as distinguem:

Fim:
Ø A justiça visa aplicar o direito aos casos concretos;

Mafalda Boavida 8
2020/2021

Ø A administração visa prosseguir interesses gerais da coletividade.

Caráter ativo VS. caráter passivo:


Ø A justiça aguarda passivamente que lhe tragam os conflitos sobre que tem de
pronunciar-se (a justiça está acima dos interesses, é desinteressada, não é parte nos
conflitos que decide);
Ø A administração toma ativamente a iniciativa de satisfazer as necessidades
coletivas que lhe estão confiadas (a adm. defende e prossegue os interesses
coletivos a seu cargo, é parte interessada).

Órgãos:
Ø A justiça é assegurada por tribunais cujos juízes são independentes no seu
julgamento e inamovíveis no seu cargo;
Ø A administração pública é exercida por órgãos e agentes hierarquizados, de modo
que, em regra, os subalternos dependem dos seus superiores, devendo-lhes
obediência nas decisões que tomam, e podendo ser transferidos ou removidos
livremente para cargo ou lugar diverso.

Relação entre a justiça e a administração pública:


As atividades frequentemente cruzam-se, a ponto de, por vezes, ser difícil distingui-las. A
administração pública pode, em certos casos, praticar atos jurisdicionalizados (ex: certas
decisões punitivas, sancionatórias ou de julgamento de recursos administrativos), assim como
os tribunais comuns podem praticar atos materialmente administrativos (ex: processos de
jurisdição voluntária).
Desde que se mantenha sempre presente qual o critério a utilizar – orgânico, material ou
formal – a distinção subsiste e continua possível.

Nota: do princípio da submissão da administração à lei, decorre um outro princípio – o


princípio da submissão da administração pública aos tribunais, para apreciação e
fiscalização dos seus atos e comportamentos.

Mafalda Boavida 9
2020/2021

Os Traumas do Direito Administrativo e a sua Evolução

Estado Liberal – Sistema do Juiz Administrador

è Traumas:

Há, basicamente, dois grandes traumas que influenciaram a evolução futura do direito
administrativo e que tem consequências que chegam até aos dias de hoje e que, em alguns
casos, esses mesmos traumas foram superados, noutros ainda há problemas de natureza
psicanalítica.
Reparem que utilizo a expressão “trauma” e “psicanálise”, ao invés de “evolução
histórica” para criticar o modo pelo qual surgiram estes conceitos e as consequências que os
mesmos tiveram no quadro da evolução até os nossos dias.

São eles:

Ø Encarregar a Administração de se controlar a ela própria – pecado original:


O pecado original do contencioso administrativo foi o de ter nascido como um contencioso
privativo da Administração. Este passou por 3 fases:

Ø Fase de Controlo pelos Próprios Órgãos da Administração Ativa (1789-1799):


Nesta fase, o julgamento dos litígios administrativos era remetido para os próprios órgãos
da Administração ativa, confundindo-se o contencioso administrativo com a administração.
Foi a fase do juiz administrador.

Ø Fase da Justiça Reservada:


Esta fase inicia-se em 1799, com a criação do Conselho de Estado, passando a decisão dos
litígios administrativos a caber a órgãos da Administração consultiva: o Conselho de Estado
e o Conselho de Prefeitura. Já não eram órgãos decisores da Administração a resolver os
litígios com os particulares, mas essa decisão continuava a caber a órgãos administrativos.

Mafalda Boavida 10
2020/2021

Ø Fase de Justiça Delegada:


Esta fase fica a dever-se à própria atuação do Conselho de Estado. O Conselho de Estado
adquiriu grande prestígio pelo rigor jurídico das suas consultas, de tal forma que o Governo
as homologava sempre, ou quase sempre. Daí que o passo seguinte, na evolução do
contencioso administrativo, tenha sido a delegação aos órgãos consultivos do poder de decidir
dos litígios administrativos, deixando as decisões daqueles de estar sujeitos a homologação
por parte dos órgãos da Administração ativa.

O prof. Vasco Pereira da Silva não crê que se tenha verificado ainda a passagem do sistema
administrador-juiz para o sistema dos tribunais administrativos. Uma vez que, continuando a
exercer meros poderes delegados, o Conselho de Estado não era ainda um verdadeiro
Tribunal, mas antes um corpo meio administrativo, meio judiciário.
E isto por três razões essenciais:
o Porque a natureza dos órgãos da justiça administrativa continuava a ser a de órgãos
administrativos consultivos;
o Porque os poderes de julgamento não eram considerados como próprios, mas
meramente delegados pelo executivo;
o Porque durante algum tempo mais as decisões do Conselho de Estado continuaram
a ser entendidas como um recurso de apelação das decisões dos ministros, perante
os quais os pedidos deviam ser formulados.

Þ Acórdão Blancon e nascimento do Direito Administrativo:


Há outro trauma que coexiste com este, e que continua a marcar o modo a justiça
administrativa e a doutrina olham para o direito administrativo. Esse trauma resulta daquela
que é considerada a certidão de nascimento do direito administrativo, a sentença do tribunal
de conflitos francês que vem dizer que é preciso criar um ramo de direito especial, o direito
administrativo.
Esta sentença de 1873, acórdão Blancon, é por um lado uma história triste, aconteceu que
em 1871-72, há um vagão de uma empresa pública de tabaco de Bourdeaux, que tem um
acidente, atingindo uma criança que estava a brincar num sítio razoavelmente distante da linha
férrea e considerado um sítio seguro para se estar. A empresa de tabaco era pública. A questão
que se colocou é a dos pais desta criança, que se dirigiram ao tribunal de Bourdeaux para pedir

Mafalda Boavida 11
2020/2021

uma indemnização pelos prejuízos causados ao filho, que ficara com sequelas para o resto da
vida.
O tribunal de Bourdeaux diz duas coisas verdadeiramente sintomáticas:
o Diz que não pode decidir porque não é verdadeiramente competente, e não é
competente porque está em causa uma entidade administrativa. Se fossem dois
particulares ele podia decidir se está em causa um litígio entre um particular e uma
entidade pública ele não tem competência para decidir.
o O juiz acrescenta que mesmo se quisessem decidir não havia norma jurídica a
aplicar, porque o código civil aplica-se às relações entre iguais, o particular e a
administração pública não são iguais.

Com isto começa a concluir-se que a administração pública não pode estar submetida às
mesmas normas que um qualquer tribunal.
Os pais da criança não se conformam com esta decisão e recorrem à jurisdição
administrativa. Calculam quem era o juiz ao nível local? Era o presidente da camara de Gorron
à são os órgãos do poder local que funcionam como primeira instância do contencioso
administrativo. O juiz de Gorron vai aceitar aquilo que o tribunal de Bourdeaux decidiu, ou
seja, tem dúvidas se é ou não competente e também entende que na dúvida, o melhor é não
dizer nada, decidindo que não há, então, norma jurídica aplicável.
Esta situação, a que chamaríamos hoje de denegação de justiça, ocorre quando dois
tribunais se consideram incompetentes obrigando à intervenção do tribunal de conflitos que
diz quem é que deve decidir.
Surge em 1873 o célebre acórdão Blancon que, por um lado, vai dizer que competente é a
jurisdição administrativa, dando assim razão ao tribunal de Bourdeaux. Não se limita a dizer
isto, afirma que é preciso que os tribunais administrativos criem um direito administrativo
enquanto ramo do direito privativo da administração pública para que a administração seja
submetida a regras diferentes daquelas que regem as situações entre particulares.

è Contencioso Administrativo como berço do ato administrativo:

O conceito de ato administrativo tem sido sempre recortado em função da fiscalização da


atividade administrativa pelos tribunais, pelo que o estudo do ato administrativo tem de ser
feito pela compreensão do contencioso administrativo.

Mafalda Boavida 12
2020/2021

A génese do contencioso administrativo remonta-se à Revolução Francesa quando, em


nome do princípio da separação de poderes, vai proibir os tribunais comuns de se imiscuírem
do domínio da administração, considerando que a resolução de litígios administrativos não
deveria estar submetida ao controlo jurisdicional.
Era preferível considerar-se que julgar a Administração é ainda administrar e que a
jurisdição era o complemento da administração, sendo o julgamento de litígios
administrativos remetido para os órgãos da Administração ativa.

è O Estado:

Há uma relação de continuidade entre o Antigo regime e o Estado Liberal que se espelha
em vários pontos, entre eles, a interdição dos tribunais julgarem litígios administrativos, a
criação do Conselho de Estado como órgão fiscalizador da Administração e a continuidade de
técnicas e instrumentos jurídicos de controlo da Administração.

De acordo com a conceção liberal, o problema da liberdade individual colocava-se,


sobretudo, em face do Estado sendo a não intervenção deste e separação radical entre Estado
e Sociedade a melhor garantia de liberdade política.
O Estado encontrava-se uma posição de superioridade, atuando através da lei geral e
abstrata que, definia os limites dos direitos individuais em razão do interesse geral e,
simultaneamente, balizava a atuação da Administração Pública. Este não intervinha, ou
intervinha o mínimo, na vida em sociedade.

Era a lei que estabelecia um espaço de reserva, vedado à atuação da Administração


(princípio da reserva) e que manifestava uma vontade Estadual que prevalecia sobre a vontade
dos órgãos administrativos (princípio da preferência de lei).

O Estado era o Estado de direito porque a formação da sua vontade se fazia segundo regras
jurídicas, uma vez que, ele era o próprio Direito.

Mafalda Boavida 13
2020/2021

De um ponto de vista teórico, pode dizer-se que a criação do Estado como pessoa jurídica
surgiu essencialmente por duas razões:
Ø A institucionalização do poder, substituindo a vontade do rei pela vontade do
Estado e, possibilitando a subordinação do Estado ao Direito;
Ø A centralização do poder, uma vez que, a personalização do poder estadual
favorecia um entendimento centralizado e hierarquizado da organização
administrativa, concebida à maneira de um “homem em ponto grande”.

Outra característica do Estado liberal era a da natureza puramente executiva da


Administração limitada à concretização das opções contidas nos textos legislativos. À
Administração Pública cabia a tarefa mecânica e hétero-condicionada de realização da
vontade do Estado manifestada sob forma de lei.

O Estado tinha por função resolver o problema político da dispersão do poder, típica da
Idade Média, através da criação de uma entidade que concentrava e unificava em si todos os
poderes da sociedade, e que encarava a pessoa do príncipe.
O Estado é, pois, uma realidade criada artificialmente pelo Homem para dar resposta e
atingir determinados objetivos é, por isso, independente de qualquer intervenção sobrenatural.
A primeira forma de separação de poderes é a da rutura do poder espiritual e temporal.
Este nasce como um projeto racional e secularizado, que vai ser manuseado com a ética
da Razão do Estado, que atende sobretudo ao princípio da necessidade mais do que a
exigências morais ou religiosas.

Esta afirmação do Estado teve duas consequências imediatas:


Ø A supremacia a nível interno, ou seja, reforçou e unificou o poder do rei, ao
contrário do que acontecia na época medieval;
Ø Levou à determinação do poder do monarca e a independência de outros vínculos
no plano internacional.

Mafalda Boavida 14
2020/2021

O Estado liberal surge como resultado da conjugação de duas visões antagónicas destes
dois momentos da história do Estado:
Ø Teorização do elemento democrático: Hobbes e Rousseau desenvolveram a ideia
de pacto social como origem do poder, fundamentando o Estado na vontade das
pessoas que constituem a sociedade;
Ø Teorização do elemento liberal: Locke e Montesquieu desenvolveram a ideia de
autolimitação do poder político como garantia da liberdade individual.

O Estado liberal era, no fundo, o resultado de um compromisso entre princípios liberais,


ao nível da organização do poder político, e princípios autoritários, ao nível do funcionamento
e controlo da Administração.

A raiz comum do liberalismo político e a teorização da separação de poderes de


Montesquieu vão dar origem a dois tipos totalmente diferentes de sistemas – o Inglês e o
Francês.
A diferença essencial entre os dois sistemas reside no facto da Inglaterra desconhecer a
noção de Estado que, pelo contrário assume uma importância decisiva na caracterização do
sistema francês. Em vez deste, a Inglaterra utiliza a palavra Coroa. Vamos estudar os dois
sistemas e as suas diferenças mais adiante.

è Poder Judicial:

O poder judicial é aquele através do qual o Estado pune crimes e julga os diferendos dos
particulares, o que significa que, para este autor, a resolução dos litígios em órbita
administrativa não pertencia à órbita dos tribunais. Desta forma, o julgamento dos litígios
administrativos é concebido apenas com devendo ir a par com a ação de administrar e, por
conseguinte, como devendo estra incluído nas atribuições dos próprios órgãos da
Administração ativa.

è Administração Pública:

No que respeita à Administração pública e ao seu controlo existe, portanto, uma


continuidade entre as velhas instituições do Antigo Regime e as novas instituições liberais, as

Mafalda Boavida 15
2020/2021

instituições do Antigo Regime não ser entendidas e enquadradas no âmbito de novas


conceções do liberalismo político, o que altera a sua natureza e modo de funcionamento.

O modelo de administração pública surgido com o Estado Liberal pode ser, em traços
gerais caracterizado:
Ø No que respeita às formas de atuação, por fazer do ato administrativo o seu modo
quase exclusivo de agir;
Ø Quanto à organização administrativa, por apresentar uma estrutura concentrada e
centralizada;
Ø E relativamente à fiscalização pelo sistema de justiça delegada.

A característica mais marcante é a centralização e a concentração administrativa do poder.


A razão de ser deste modelo prende-se com as exigências a que o liberalismo vai procurar dar
resposta. Com efeito, a burguesia necessitava de uma estrutura administrativa racional e
centralizada, que permitisse eliminar as disparidades locais e conseguir a formação de um
mercado nacional, bem como eliminar os perturbadores entraves feudais, e precisava ainda de
uma Administração robusta e energética, que procedesse à criação das infra-estruturas e
serviços necessários para potenciar a atividade económica e que permitisse a instauração de
uma ordem pública vigorosa.

A organização administrativa apresenta uma estrutura unificada e racionalizada em função


de um centro que é o Governo. O Estado liberal, através do seu modelo da justiça delegada
vai procurar conciliar os interesses da Administração com a proteção dos particulares.
Por um lado, assegurava-se a primazia da Administração através da sua fiscalização por
um órgão que se integrava no poder administrativo e cujos poderes de fiscalização se
limitavam à anulação dos atos administrativos. Desta forma, o contencioso era reconhecido
como um autocontrolo da Administração, tendo como objetivo principal a persecução da
legalidade e do interesse público e só secundariamente a defesa dos direitos dos indivíduos,
cuja proteção estava confiada ao poder legislativo.
Por outro lado, garantia-se a proteção dos direitos individuais, a qual era realizada
sobretudo através da lei e não dos meios jurisdicionais. A Administração deveria assim
submeter-se ao princípio da legalidade, entendendo.se que a melhor defesa dos direitos dos
cidadãos era a que provinha da lei, enquanto manifestação da vontade geral.

Mafalda Boavida 16
2020/2021

A administração é encarada como uma administração agressiva, representante de um


Estado forte, que prossegue o interesse público e, portanto, dificilmente lhe pode ser oposto
um direito de um particular.
A esta cabia então, a tarefa mecânica e hétero-condicionada de realização da vontade do
Estado manifestada sob forma de lei.

A ideia de uma Administração puramente executiva conduzia a um problema teórico


insolúvel, que era o de saber porque é que se a função da Administração era execução de leis
esta gozava de tanta liberdade de escolha?
A doutrina esforçava-se para resolver o problema mediante afirmação de que o poder
discricionatório só existia nos casos expressamente previstos na lei.
Mas o que é facto é que tal Administração executora gozava de amplos espaços de
liberdade de conformação material. A doutrina, incapaz de conseguir conciliar o poder
discricionatório com o princípio da legalidade, vai olhar para a desconfiança e para a
discricionariedade, considerando que ela deveria ser progressivamente diminuída em
resultado do aumento quantitativo de leis e dos avanços da ciência jurídica. O poder
discricionatório vai, então, ser visto como um poder fora-da-lei, uma espécie de criminalidade
tolerada.

è Ato Administrativo:

O modo normal de agir da Administração pública era o Ato Administrativo. Este era visto
como uma manifestação autoritária do poder estadual relativamente a um particular
determinado.
O ato administrativo vai então conciliar uma vertente autoritária, de exercício de um poder
do Estado, com uma vertente de garantia dos cidadãos, decorrente do princípio da legalidade,
reproduzindo assim, a este nível aquele compromisso que estava subjacente ao conceito liberal
de Estado.

A noção de ato administrativo vai passar por duas fases destintas:


Ø 1ª fase: as noções de ato administrativo servem para delimitar as ações da
Administração Pública excluídas por lei de fiscalização dos tribunais judiciais. O

Mafalda Boavida 17
2020/2021

ato administrativo gozava de total isenção de controlo jurisdicional, enquanto


manifestação de poder de um Estado que não se submetia à fiscalização dos seus
próprios tribunais. Neste período a única fiscalização admitida era interna.
Ø 2ª fase: a noção passa a ser utilizada para definir as atuações da Administração
Pública sujeitas ao controlo dos tribunais administrativos. O ato administrativo
passou a ser um conceito que funciona ao serviço das garantias dos particulares.

O conceito de ato administrativo serviu, então, primeiro como garantia da Administração


e depois como garantia dos particulares, seguindo a própria evolução do contencioso
administrativo.

Existem várias teorias sobre a natureza do Ato Administrativo, entre elas:


Ø Maurice Hauriou: trata-se de um ato produtor de efeitos jurídicos, aplicáveis de
forma autoritária e é realçado o aspeto voluntario da conduta, o poder é uma
realidade que acresce a uma conduta voluntária;
Ø Otto Mayer: O Ato Administrativo é a manifestação da Administração autoritária
que determina o direito aplicável ao súbdito no caso concreto.

Em ambas as teorias o ato administrativo é encarado como o exercício do poder


administrativo, diferente é o modo como o poder é configurado. Em Maurice trata-se de um
ato produtor de efeitos jurídicos, aplicáveis de forma autoritária e é realçado o aspeto
voluntário da conduta. Em Mayer está-se perante um ato de definição do direito aplicável a
um particular, pelo que o aspeto voluntário carece de autonomia.

Estado Social – administração prestadora

è Estado:

As crises cíclicas do capitalismo vieram colocar novos desafios ao poder político,


chamando o Estado a desempenhar novas funções de tipo económico e social.
Por um lado, pede-se ao Estado a criação de legislação e de instituições que permitam pôr
termo às condições de miséria operária e que asseguram um mínimo de sobrevivência a todos
os cidadãos.

Mafalda Boavida 18
2020/2021

Por outro lado, requer-se a intervenção do Estado na vida económica, como forma de
correção das disfunções do mercado.

Podem distinguir-se 3 fases deste novo tipo de Estado:


Ø Fase de intervenção estadual na regulação da relação laboral: neste primeiro
momento, o Estado assume a tarefa de interferir autoritariamente no domínio das
relações de trabalho. Surgem então, no fim do séc. XIX ou inícios do séc. XX, as
primeiras leis do trabalho (Bismark), que levam à criação de seguros em caso de
doença, ou em caso de acidentes, bem como o estabelecimento de reformas.
Ø Fase de intervenção generalizada do Estado no funcionamento da Economia: o
Estado vai, então, chamar a si a orientação e a regulação da atividade económica e
financeira, exercendo mesmo tarefas produtivas.
Ø Fase do apogeu do Estado Social: o Estado social apresenta-se como um aparelho
prestador.

A grande modificação introduzida pelo Estado Social tem que ver com o crescimento
quantitativo e qualitativo das funções por si desempenhadas. As funções do Estado vão sofrer
uma dupla transformação, verificando-se, em simultâneo, o aumento da intensidade das
funções tradicionais e o surgimento de novas tarefas nos domínios económicos e sociais.

Por um lado, as tarefas tradicionais do Estado sofrem um extraordinário incremento, em


virtude das transformações técnicas então sucedidas.
Por outro lado, o Estado Social faz a sua missão de prover ao conjunto da sociedade os
sistemas vitais (serviços públicos essenciais) e de prestações (emprego, segurança social,
saúde e acesso a bens culturais), que garantem o seu funcionamento e um nível mínimo de
bem-estar. O Estado social é, pois, antes de mais um estado de prestações.

As antigas sociedades tornam-se em sociedades seguradoras. Assumindo novas funções


de caráter económico e social e garantindo o bem-estar dos indivíduos.

A mudança de modelo do Estado implicou, sobretudo, transformações ao nível da função


Administrativa. Já que, num Estado que se transformou social, a Administração, até então,
apenas considerada como agressiva dos direitos dos particulares, vai ser entendida como o

Mafalda Boavida 19
2020/2021

principal instrumento de realização das novas funções e de satisfação das novas necessidades
que são, agora, atribuídas ao Estado.
Assim, a Administração passa de agressiva a prestadora ou constitutiva e essa sua nova
função torna-se a principal característica do Estado social que é, necessariamente, um Estado
Administração.
Tal trouxe consigo o aumento da dependência do indivíduo relativamente aos poderes
públicos, o que levou a sentimentos de insegurança e de insatisfação, que levam os indivíduos
a reclamar uma maior intervenção dos poderes públicos.

è Administração Pública:

Aos indivíduos devem, agora, ser reconhecidos direitos subjetivos também perante a
administração pública, e não somente direitos de caráter político ou do domínio das relações
interprivadas.
O particular coloca-se, em face à Administração como um sujeito de direito perante outro,
estabelecendo de igual para igual, uma relação jurídica – o sujeito passou a ser titular de
direitos e de obrigações.
A administração deixou de ser uma administração agressiva para ser uma administração
prestadora.

O Estado Social implicou profundas transformações no que respeita à organização


administrativa – a administração unificada e hierarquizada do Estado liberal deu lugar à
Administração descentralizada e desconcentrada do Estado Social.
Assim, da Administração como bloco unitário passou-se a uma pluralidade de
Administrações. Mas a organização administrativa do Estado Social também já não apresenta
as características de hierarquização e de concentração de poderes, típicas do modelo anterior.
A necessidade de prosseguir fins estaduais muito díspares vai implicar a necessidade de
proceder à repartição de competências decisórias entre os diferentes órgãos administrativos –
deixou de ter um centro.
Surge ainda a criação de entidades de caráter público que atuam segundo o regime de
gestão privada, como ainda ao surgimento de novas modalidades de Administração que
adotam formas jurídico-privadas, de forma a conseguir uma mais adequada realização dos fins
públicos.

Mafalda Boavida 20
2020/2021

Ao nível da fiscalização da Administração verificaram-se profundas transformações – dá-


se o batismo do contencioso administrativo, que consistiu na sua jurisdição plena,
desaparecendo as ligações entre órgãos da Administração e tribunais administrativos.

è Ato Administrativo:

Em resultado de todas as transformações ao nível das formas de atuação da Administração


Pública, o ato administrativo perdeu a sua posição de quase exclusividade, ou de monopólio,
no âmbito das relações Administrativas. Em vez de ser a manifestação, por excelência, do
poder administrativo, a forma de atuação-tipo da Administração pública, ele é, cada vez mais,
somente uma forma de atuação entre muitas.

è Princípio da Legalidade:

Num Estado de Direito material, outra é a perspetiva do princípio da legalidade. Este


aparece aqui na sua aceção mais ampla, abrangendo quer os poderes discricionários quer
vinculados e, implicando não a mera submissão à lei em sentido formal ou material, mas todo
o direito.
O princípio da legalidade deixa assim de ter uma formulação unicamente negativa para
passar a ter uma formulação positiva, constituindo o fundamento, o critério e o limite de toda
a atuação administrativa. Por outro lado, a submissão ao direito vai muito além de um
entendimento positivista da ordem jurídica, implicando a submissão a princípios gerais do
Direito, à Constituição, as normas internacionais, as disposições de caráter regulamentar, entre
outros.

Este novo entendimento do princípio da legalidade teve como consequência a


reconciliação do poder discricionatório com o Direito.

è Poder Discricionatório:

No modelo de Estado Social, a atribuição de poderes discricionatório à Administração


Pública é imprescindível para assegurar uma decisão correta no caso concreto.

Mafalda Boavida 21
2020/2021

Num Estado de Direito, o poder discricionatório deve ser tido como uma forma da
administração manifestar a vontade do ordenamento jurídico relativamente a uma situação
concreta. A lei não pode prever todas as situações, pelo que à Administração é, muitas vezes,
atribuída uma possibilidade de escola entre várias situações legalmente possíveis, a fim que
sejam os órgãos administrativos a concretizar a vontade legislativa, em função das situações
jurídicas que vão ser reguladas.

O poder discricionário não é assim nenhuma realidade extrajurídica, antes algo que se
enxerta no processo de reconstituição, que é a interpretação e a aplicação do direito. Entendido
o poder discricionatório como modo de realização do direito, e não enquanto liberdade de
escolha extrajurídica, daqui resulta necessariamente uma maior amplitude de controlo
jurisdicional.
A fiscalização jurisdicional do poder discricionatório tem por objetivo a apreciação da
conformidade da decisão com a lei e o direito e não a procura de uma melhor apreciação.

è Fim do Estado Social:

A crise do Estado Social surge, então, em resultado de um conjunto de circunstâncias que


vêm mostrar as limitações desses modelos de organização estadual para responder a novas
exigências de caráter político, económico e social.

Esta crise parece conjugar fatores como:


Ø A influência económica da intervenção de um Estado que cresceu gigantescamente
se tornou omnipresente, à imagem do polvo de mil tentáculos;
Ø O constante aumento das contribuições dos indivíduos para o Estado, mais do que
proporcional às prestações dele recebidas, gerador de um sentimento de
desconfiança e de insatisfação dos privados;
Ø O risco da menor imparcialidade do Estado que, tendo abandonado a sua posição
clássica de separação e de superioridade relativamente à sociedade, perdeu o seu
distanciamento perante ela;
Ø Ou ainda, o alheamento dos cidadãos em face dos fenómenos políticos.

Mafalda Boavida 22
2020/2021

Existe, por um lado, um sentimento de satisfação e de plenitude históricas, fundado na


obtenção de um grau de desenvolvimento económico-social e, portanto, de riqueza e de
qualidade de vida, bem como de aperfeiçoamento da convivência política, sem paralelo na
história. Mas é, igualmente notório, por outro lado, um sentimento de insatisfação,
desassossego e insegurança decorrente do paulatino esgotamento do modelo de
desenvolvimento e progresso, especialmente visível no afloramento dos seus limites e a
dificuldade de que padece para resolver de forma satisfatória os problemas de integração
social que ele próprio suscita.

A crise do Estado social constitui a face visível de um progresso e transformação e de


revitalização dos fenómenos políticos. O que desapareceu não foi, sem mais, o Estado, mas
um certo modo de o entender.
Assim, surge um novo modelo de Estado, que representa uma tentativa de responder aos
problemas com que se defrontam as sociedades atuais.

Estado Pós-Social – administração de infraestruturas

è Estado:

O Estado Pós-Social trouxe consigo preocupações novais, tais como a necessidade de


problematização do crescimento do Estado e das funções por ele desempenhadas, procurando:
Ø Reequacionar o papel do Estado;
Ø Redimensionar a extensão do seu aparelho; e
Ø Realçar a importância da participação dos indivíduos na tomada de decisões, a
importância dos direitos dos indivíduos, como meio de defesa deste contra todas as
formas de poder.

Está-se, pois, perante um novo pacto social, que implica o reequacionamento do papel do
Estado na sociedade, assim como a necessidade de proteção integral e eficaz do indivíduo
perante toda e qualquer forma de poder.

Mafalda Boavida 23
2020/2021

Este constitui um modelo novo caracterizado pela coexistência de opções em princípio


contraditórias:
Ø Por um lado, a generalização e a enfatização, de valores claramente individuais;
Ø Por outro lado, a persistência e insistência, em valores de solidariedade social.

è Administração Pública:

O interesse público vê-se na necessidade de induzir a colaboração da economia privada e


chegar a fórmulas de concerto, transação e cooperação com grupos e agentes privados.
O dto. Administrativo deixa de ser o direito de uma Administração toda-poderosa, para
passar a ser o direito dos particulares nas suas relações com a Administração – deixa de ter
como lógica e único objetivo a resolução pontual de questões concretas para se tornar
conformador da realidade social.
Os Tribunais Administrativos são chamados a refundar o Direito Administrativo, já, no
enquanto, Direito especial da Administração, mas enquanto direito dos particulares em face
da Administração.

Aquilo que caracteriza a Administração Pública de hoje é a dimensão social dessa


atividade, são os efeitos que ela produz relativamente à sociedade no seu conjunto. Essa
dimensão “infra-estrutural” da Administração manifesta-se, não apenas quando a
Administração atua através de atos genéricos, mas também quando a Administração atua de
forma individual.

A atividade administrativa vai tornar-se num mecanismo de composição dos interesses,


que se manifestam no procedimento, e que os órgãos decisores devem regular, de maneira a
tornar a decisão mais adequada e que melhor salvaguarde os direitos subjetivos e os interesses
em presença.
A nova realidade administrativa é caracterizada pela multilateralidade, pelo alargamento
da proteção jurídica subjetiva, pela durabilidade das relações jurídicas, pelo esbatimento da
diferenciação entre formas de atuação genéricas e individuais.
Outra característica da Administração conformadora da atualidade é igualmente do caráter
duradouro das relações administrativas. Em vez de uma atuação pontual e singularizada, a
Administração multiplica os momentos de exteriorização da sua vontade, ainda para mais,

Mafalda Boavida 24
2020/2021

resultantes, em regra, de procedimentos em que a decisão é tomada com a participação dos


interessados, o relacionamento entre as autoridades administrativas e os privados prolonga-se
cada vez mais no tempo.

Outra questão suscitada pela Administração de infraestruturas é a proliferação de decisões


genéricas, nomeadamente sob a forma de disposições-programa ou de tipo finalístico que
permitem à Administração uma ampla liberdade de escolha dos meios necessários para
alcançar estes fins.

Pode afirmar-se que a diferença fundamental em relação à Administração agressiva e


prestadora é a da multilateralidade da Administração de infraestruturas.

è Ato Administrativo:

O ato administrativo deixa de ser apenas uma forma de atuação relativa a um concreto
particular, já que produz efeitos que também afetam outros sujeitos.
Esta multilateralidade dos atos da Administração constitutiva implica, conseguinte a
necessidade de alargamento da proteção jurídica subjetiva perante a Administração. Uma vez
que, as atuações administrativas podem afetar indivíduos distintos dos imediatos destinatários,
torna-se necessário salvaguardar as posições jurídicas desses sujeitos, o que pode ser
conseguido, que através do alargamento da noção de direito subjetivo (orientação subjetiva)
quer através de interesses difusos ou coletivos (orientação objetivista).

De acordo com uma orientação subjetivista, o alargamento da proteção dos privados faz-
se mediante o recurso a um conceito mais amplo de direito subjetivo, que tem por base os
direitos fundamentais. Ex: direitos dos vizinhos, direitos do dono da obra, etc.
De acordo com a orientação objetivista, o alargamento do controlo da Administração e da
proteção dos particulares é conseguido através da criação de possibilidades de intervenção no
procedimento e no processo Administrativo aos titulares de interesses difusos e coletivos.

A administração prospetiva vai ficar associada ao ato administrativo com eficácia em


relação a terceiros. Os efeitos destes atos não se limitam a atingir um indivíduo numa situação
concreta, mas repercutem-se também na esfera jurídica de outros indivíduos.

Mafalda Boavida 25
2020/2021

Sistemas Administrativos

Sistema Britânico ou de Administração Judiciária

Há um conjunto de aspetos que são fundamentais no direito anglo-saxónico em geral:


Ø Lenta formação ao longo dos séculos;
Ø Papel destacado do costume como fonte de Direito;
Ø Distinção entre Common law e equity;
Ø Vinculação à regra do precedente;
Ø Grande independência dos juízes e forte prestígio do poder judicial.

As características do sistema administrativo britânico são:


Ø Separação de Poderes: o rei foi impedido de resolver questões de natureza
contenciosa e foi proibido de dar ordens aos juízes.
Ø Estado de Direito: culminando uma longa tradição iniciada na Magna Carta, os
direitos, liberdades e garantias dos cidadãos britânicos foram consagrados na Bill
of rights, o rei ficou claramente subordinado ao Direito, rule of law;
Ø Descentralização: em Inglaterra cedo se praticou a distinção entre administração
central e administração local. Mas as autarquias locais gozavam tradicionalmente
de ampla autonomia face a uma intervenção central diminuta, sempre foram
encaradas como entidades independentes, verdadeiros governos locais;
Ø Sujeição da Administração aos Tribunais Comuns: a administração Pública
acha-se submetida ao controlo jurisdicional dos tribunais comuns. Os poderes
públicos não são isentos: nenhuma autoridade pode invocar privilégios ou
imunidades visto haver uma só medida de direitos para todos, uma só lei para
funcionários e não funcionários, um só sistema para o Estado e para os particulares.
Os litígios que surjam entre a Administração Pública e os particulares não são da
competência de quaisquer tribunais especiais: então na jurisdição normal dos
tribunais comuns.
Ø Subordinação da Administração Pública ao Direito Comum: em consequência
do rule of law, tanto o rei como os seus conselheiros e funcionários se regem pelo
mesmo direito que os cidadãos anónimos. Todos os órgãos e agentes da
Administração Pública estão, pois, em princípio, submetidos ao direito comum, o

Mafalda Boavida 26
2020/2021

que significa que por via da regra não dispõem de privilégios ou de prerrogativas
de autoridade púbica.
Ø Execução Judicial das decisões administrativas: no sistema administrativo
britânico a Administração não pode executar as suas decisões por autoridade
própria. Se um órgão da Administração toma uma decisão desfavorável a um
particular e atua voluntariamente, esse órgão não poderá, por si só, empregar meios
coativos para impor o respeito da sua decisão: terá de recorrer a um tribunal para
obter deste uma sentença que torne imperativa aquela decisão. Ou seja, as decisões
da Administração não têm, em princípio força executória própria não podendo por
isso ser impostas pela coação sem uma prévia intervenção do poder judicial.
Ø Garantias Jurídicas dos Particulares: os cidadãos dispõem de um sistema de
garantias contra as ilegalidade e abusos da Administração Pública. Os tribunais
públicos gozam de plena jurisdição face à Administração Pública: tal como em
relação a qualquer cidadão ou empresa privada, o juiz pode não só anular decisões
ou eleições ilegais, mas também ordenar às autoridades administrativas que
cumpram a lei, fazendo o que ela impõe ou abstendo-se de a violar.

Estas características encontra-se presentes no designado sistema de administração


judiciária, dado o papel preponderante nele exercido pelos tribunais.

O sistema oriundo de Inglaterra, vigora hoje em dia na generalidade dos países anglo-
saxónicos, nomeadamente nos Estados Unidos da América e, através destes influencia os
países da América Latina, em especial, o Brasil.

Sistema Administrativo Francês

Os traços essenciais do direito romano-germânico são:


Ø Escassa relevância do costume;
Ø Sujeição a reformas globais impostas pelo legislador em dados momentos;
Ø Papel primordial da lei como fonte de direito;
Ø Distinção básica entre direito privado e direito público;
Ø Função de importância muito variável dos tribunais na aplicação do Direito
legislado;

Mafalda Boavida 27
2020/2021

Ø Maior influência da doutrina jurídica do que da jurisprudência;


Ø Mais prestígio do poder executivo do que do poder judicial.

As características do Sistema Administrativo Francês são:


Ø Separação de Poderes: proclamada com a revolução francesa. A administração
ficou separada da Justiça, poder executivo para um lado, poder judicial para outro;
Ø Estado de Direito: na sequência das ideias de Locke e de Montesquieu; a DDHC,
no seu artigo 16 exige um sistema de garantia dos direitos.
Ø Centralização: com a revolução francesa, uma nova classe social e uma elite
dirigente chegam ao poder. Para impor as novas ideias, para implementar todas as
reformas políticas, económicas e sociais ditadas pela Razão, e para vencer as
muitas resistências suscitadas, torna-se indispensável construir um aparelho
administrativo disciplinado, obediente e eficaz.
Ø Sujeição da Administração aos Tribunais Administrativos: antes da revolução
francesa, os tribunais franceses tinham-se insurgido várias vezes contra a
autoridade real. Depois da revolução, continuando nas mãos da antiga nobreza,
esses tribunais foram foco de resistência à implantação do novo regime, de novas
ideias, de nova ordem económica e social. O poder político teve, pois, de tomar
providencias para impedir intromissões do poder judicial no normal funcionamento
do poder executivo. Surgiu uma interpretação peculiar do princípio da separação
dos poderes, completamente diferente da que prevalecia em Inglaterra: se o poder
executivo não podia inscumir-se nos assuntos da competência dos tribunais, o
poder judicial também não poderia interferir no funcionamento da Administração
Pública. Por isso, a lei proíbe os juízes que conheçam de litígios contra autoridades
administrativas e são criados tribunais administrativos que, na verdade, não são
verdadeiros tribunais, mas órgãos da Administração, em regra independentes e
imparciais, incumbidos de fiscalizar a legalidade dos atos Administração e de
julgar o contencioso dos seus contratos e da sua responsabilidade civil.
Ø Subordinação da Administração ao Direito Administrativo: a força, a eficácia,
a capacidade de intervenção da Administração Pública que se pretendia obter,
fazendo desta uma espécie de exército civil com espirito de disciplina militar, levou
o Conselho de Estado a considerar que os órgãos e agentes administrativos não
estão na mesma posição que os particulares; exercem funções de interesse público

Mafalda Boavida 28
2020/2021

e utilidade geral e devem por isso dispor quer de poderes de autoridade, que lhe
permitam impor as suas decisões aos particulares, quer de privilégios e imunidades
pessoais. Sendo o objetivo da Administração o de prosseguir o interesse público,
satisfazendo as necessidades coletivas, há-de poder sobrepor-se aos interesses
particulares que se oponham à realização do interesse geral, e para isso carece de
especiais poderes de autoridade, sendo certo, por outro lado, que a sujeição ao
interesse público também submete a administração a especiais deveres e restrições
que não vigoram em relação aos particulares.
Ø O Privilégio da Execução Prévia: o direito administrativo confere à administração
Pública um conjunto de poderes exorbitantes sobre os cidadãos, por comparação
com os poderes normais reconhecidos pelo Direito civil aos particulares nas suas
relações entre si. O privilégio de execução prévia permite à Administração executar
as suas decisões por autoridade própria. Quando um órgão da Administração toma
uma decisão desfavorável a um particular e, se ele não a acata voluntariamente,
esse órgão pode por si só empregar meios coativos, inclusive a polícia, para impor
o respeito pela sua decisão, e pode fazê-lo sem ter de recorrer a u Tribunal para o
efeito. Em suma, as decisões unilaterais da Administração Pública têm, em regra,
força executória própria e podem por isso mesmo ser impostas pela coação aos
particulares, sem necessidade de qualquer intervenção prévia do poder judicial.
Ø Garantias Jurídicas dos Particulares: o sistema administrativo francês, por
assentar num Estado de Direito, oferece aos particulares um conjunto de garantias
jurídicas contra os abusos e ilegalidades da Administração Pública. Mas essas
garantias são efetivadas através dos tribunais administrativos, e não por intermédio
dos tribunais comuns. Por outro lado, nem mesmo os tribunais administrativos
gozam de plena jurisdição face à administração: na maioria dos casos, estando em
causa uma decisão unilateral tomada no exercício de poderes de autoridade, o
tribunal administrativo só pode anular o ato praticado se ele for declarado ilegal:
não pode declarar as consequências dessa anulação, nem proibir a Administração
de proceder de determinada maneira, nem condená-la a tomar certa decisão ou
adotar certo comportamento. Se os tribunais são independentes perante a
administração, esta também é independente perante aqueles. E por isso as
autoridades administrativas que decidem como e quando hão de executar as

Mafalda Boavida 29
2020/2021

sentenças que hajam anulado atos seus. As garantias jurídicas dos particulares face
à Administração são aqui menores do que no sistema britânico.

Estas são as características originárias do sistema administrativo de tipo francês, também


chamado sistema de administração executiva, dada a autonomia aí reconhecida ao poder
executivo relativamente aos tribunais.

Este sistema nasceu em França, vigora hoje em quase todos os países continentais da
Europa Ocidental e em muitos dos novos estados que acederam à independência no séc. XX
depois de terem sido colónias desses países europeus.

Confronto Entre os Dois Sistemas

O sistema britânico e francês têm em comum o facto de consagrarem ambos a separação


de poderes e o Estado de Direito. Têm, contudo, vários traços específicos que os distinguem:
Ø Quanto à organização administrativa, um é sistema descentralizado, o outro é
centralizado;
Ø Quanto ao controlo jurisdicional da Administração, o primeiro entrega-os aos
tribunais comuns, o segundo a tribunais administrativos. Em Inglaterra há, pois,
uma unidade de jurisdição, em França existe dualidades de jurisdições;
Ø Quanto ao direito regulador da Administração, no sistema de tipo britânico é o
direito comum, que basicamente é direito privado, mas no sistema de tipo francês
é o direito administrativo, que é direito público.
Ø Quanto à execução das decisões administrativas, o sistema de administração
judiciária fá-la depender de sentença do tribunal, ao passo que o sistema de
administração executiva atribui autoridade própria a essas decisões e dispensa a
intervenção prévia de qualquer tribunal;
Ø Quanto às garantias jurídicas dos particulares, a Inglaterra confere aos tribunais
comuns amplos poderes de injunção face à Administração, que lhes fica
subordinada como a generalidade dos cidadãos, enquanto a França só permite aos
tribunais administrativos que anulem as decisões ilegais das autoridades ou as
condenem ao pagamento de indemnizações, ficando a Administração independente
do poder judicial.

Mafalda Boavida 30
2020/2021

Evolução e Situação Atual dos Sistemas Britânico e Francês

O confronto estabelecido baseou-se na pureza original dos dois sistemas. Mas tais sistemas
não pararam no tempo. E a evolução ocorrida no século XX veio a determinar uma
aproximação relativa dos dois sistemas em alguns aspetos:
Ø Em termos de Organização Administrativa, a administração britânica tornou-se
mais centralizada do que era no final do século passado, dado o grande crescimento
da burocracia central, a criação de vários serviços locais do Estado, e a
transferência de tarefas e serviços antes executados a nível municipal para os
órgãos de nível regional, estes mais sujeitos do que aqueles em Inglaterra à tutela
e superintendência do Governo. A administração francesa, por seu lado, foi
gradualmente perdendo o carácter de total centralização que atingiu com o império
napoleónico, aceitando a autonomia dos corpos intermédios, a eleição livre dos
órgãos autárquicos, uma certa diminuição dos poderes dos perfeitos e, bem
recentemente, uma vasta reforma descentralizadora que transferiu numerosas e
importantes funções do Estado para as regiões.
Ø Relativamente ao controlo jurisdicional da Administração, mantêm-se, no
essencial, as diferenças de sistemas analisadas. É certo que, em Inglaterra surgiram
os administrative tribunals, e que em França aumentaram significativamente a
relações entre os particulares e o Estado submetidas à fiscalização dos tribunais
judiciais. Mas só na aparência este duplo movimento constitui aproximação dos
dois sistemas entre si: porque os administrative tribunals não são nada semelhantes
aos tribunais franceses, e a administração inglesa continua basicamente sujeita ao
controlo dos tribunais comuns; por seu turno, o aumento da intervenção dos
tribunais judiciais nas relações entre Administração e os particulares em França
não significa que o controlo da aplicação do direito administrativo tenha deixado
de pertencer aí aos tribunais administrativos, mas apenas que cresceu muito o
número de casos em que a Administração atua hoje em dia sob a égide do direito
privado, e não há luz do direito público.
Ø No tocante ao direito regulador da Administração, deu-se efetivamente uma
certa aproximação entre os dois sistemas, na medida em que a transição do Estado
Liberal para o Estado social de Direito, nalguns períodos pontuada por experiencias
claramente socializantes, aumentou consideravelmente o intervencionismo

Mafalda Boavida 31
2020/2021

económico em Inglaterra e fez avolumar a função de prestação de serviços


culturais, educativos, sanitários e assistenciais da Administração britânica, dando
lugar ao aparecimento de milhares de leis administrativas: pois isso são hoje
numerosos os tratados e manuais ingleses de administrative law. Por outro lado, a
Administração francesa teve de passar, em diversos domínios, a atuar sob a égide
de direito privado: foi o que sucedeu com as empresas públicas, obrigadas pela
natureza da sua atividade económica a funcionar nos moldes do direito comercial,
e com os serviços públicos de caráter social e cultural, em muitos casos
estatutariamente vinculados a agir nos termos do direito civil.
Ø Quanto à execução das decisões administrativas, a aproximação dos sistemas
britânico e francês, não é tão pronunciada, mas também se verifica. O século XX
viu surgir na Grã Bretanha uma nova entidade denominada de administrative
tribunals, que não são autênticos tribunais mas sim órgãos administrativos
independentes, criados juntos da Administração central, para decidir questões de
direito administrativo que a lei manda resolver por critérios de legalidade estrita
(pensões sociais, águas, urbanismo...) e, portanto, fazendo proceder a decisao
administrativa de um due process of law, no respeito ao princípio do contraditório
e com recurso para os tribunais comuns. Os ditos administrative tribunals não são,
pois, tribunais administrativos no sentido que essa expressão comporta nos
sistemas de tipo francês: mas as suas decisões, tomadas após o que se pode
qualificar um verdadeiro procedimento administrativo, são decisões imediatamente
obrigatórias para os particulares, e não carecem de confirmação ou homologação
judicial prévia para poderem ser impostas coativamente, se necessário: deste modo,
muitos órgãos da Administração britânica, embora não todos, dispõem de poderes
análogos aos que em França são típicos do poder executivo (privilégio da execução
prévia). Do seu lado, o Direito Administrativo francês concede aos particulares a
possibilidade de obter dos tribunais administrativos a suspensão da eficácia das
decisões unilaterais da Administração: o que, afinal de contas, significa que no
Direito Francês muitas das decisões da Administração só vêm a ser executadas se
um tribunal administrativo, a pedido do particular interessado, a tal se não opuser.
Ø Por último, no que diz respeito às garantias jurídicas dos particulares, são
globalmente superiores no sistema britânico, quando em relação com o sistema
francês. Mas importa referir que em Inglaterra os tribunais não podem por via da

Mafalda Boavida 32
2020/2021

regra substituir-se à Administração no exercício dos poderes discricionários que a


lei lhe atribui. Entretanto, em França, os tribunais administrativos ganham cada vez
mais poderes declarativos face à administração, se não podem condenar as
autoridades administrativas a fazer ou não fazer alguma coisa, já podem, todavia,
ir mais longe do que a mera anulação do atos ilegais, sendo-lhes consentido, em
casos variados, que declarem o comportamento devido pela Administração sob
pena de ilicitude dos atos dos órgãos e agentes que desobedeçam. Mais
recentemente, ambos os países adotaram, em simultâneo, a mais moderna
instituição de proteção dos particulares frente à Administração Pública – o
ombudsman ou o Provedor de Justiça.

O professor Freitas do Amaral continua a defender que ainda existem muitos traços
distintivos dos dois sistemas.

O princípio fundamental que inspira cada um dos dois sistemas mencionados é diverso,
muita das soluções que vigoram num e noutro lado são diferentes, a técnica jurídica utilizada
por um e por outro não é a mesma.

Mas houve, de facto, uma significativa aproximação entre eles, nomeadamente, na


organização administrativa, no direito regulador da Administração, no regime de execução
das decisões administrativas, e no elenco de garantias jurídicas dos particulares.

A grande diferença entre o sistema britânico e o sistema francês reside, pois, no tipo de
controlo jurisdicional da Administração, ou seja, a grande diferença entre os dois sistemas
está na subordinação dos litígios suscitados entre a Administração Pública e os particulares
aos courts of law, representantes exclusivos de um poder judicial unitário, ou aos tribunaux
administratifs, órgãos de uma jurisdição especial distinta da dos tribunais comuns

Mafalda Boavida 33
2020/2021

Organização Administrativa Portuguesa

A organização da administração pública está regulada na CRP.


Na administração há pessoas coletivas, que podem ter natureza pública ou natureza
privada, mesmo que integrem a administração pública.
Quando falamos em privatização referimo-nos a pessoas coletivas públicas, que por razões
de eficácia se tornam pessoas coletivas privadas.
Existem três níveis de privatização:
Ø 1º Nível: privatização de empresas públicas;
Ø 2º Nível: resultado da interferência do Estado em Empresas privadas;
Ø 3º Nível: instituições provindas da sociedade civil, mas que colaboram regular e
continuadamente com o Estado na realização dos interesses públicos.

Segundo o prof. Vasco Pereira da Silva, é necessário olhar para a pessoa coletiva como
um sujeito de imputação de determinada conduta.

Para além das pessoas coletivas temos ainda, na Administração Pública:


Ø Os órgãos que e em nome da pessoa coletiva, são eles que praticam os atos do
direito administrativo;
Ø Os serviços que são as entidades que executam as decisões dos órgãos.

Logo, ao nível da pessoa coletiva Estado, temos vários órgãos (ex: ministros que se
distinguem por terem atribuições diferentes e realizarem atividades diferenciadas e
autónomas) e serviços de caráter técnico que ajudam na preparação das decisões (ajudam o
processo da tomada de decisão) e executam as tais decisões.

Devemos chamar ainda a atenção para a descentralização, que é a criação de pessoas


coletivas distintas, e para a desconcentração, que corresponde à criação de poderes decisores.

Mafalda Boavida 34
2020/2021

Hierarquia

A hierarquia é o modelo vertical de organização interna dos serviços públicos1 que assenta
na diferenciação entre superiores e subalternos.
É um modelo de organização da Administração vertical, constituído por dois ou mais
órgãos e agentes com atribuições comuns, ligados por um vínculo jurídico que confere ao
superior o poder de direção, e impõe ao subalterno o dever de obediência.

A Hierarquia Interna é o modelo de organização interna vertical, dos serviços público


que assenta na diferenciação entre superiores e subalternos.
Ø É um modelo de organização da Administração que tem por âmbito natural o
serviço público;
Ø É uma hierarquia de agentes: deparamos fundamentalmente com vínculos de
superioridade e subordinação entre agentes administrativos;
Ø Não se trata de atribuição de competência entre órgãos, mas sim da divisão de
trabalho entre agentes;
Ø Está em causa o desempenho regular das tarefas de um serviço público
(prossecução de atividades, e não a prática de atos jurídicos); não está em causa
diretamente o exercício da competência de uma pessoa coletiva pública;
Ø Diz-se interna por ser um fenómeno acantonado no interior de um organismo, sem
projeção no exterior, isto é, sem assumir nenhum significado ou relevância quer
para os particulares, quer para os demais sujeitos de direito público. Não é
relacional, é orgânica.

Hierarquia externa:
Ø Não surge no âmbito do serviço público, mas no quadro da pessoa coletiva pública;
Ø Toma-se também aqui a estrutura vertical como diretriz, mas desta feita para
estabelecer o ordenamento dos poderes jurídicos em que a competência consiste;
Ø É uma hierarquia de órgãos – os vínculos de superioridade e subordinação
estabelecem-se entre órgãos da Administração;

1
Matéria estudada mais adiante.

Mafalda Boavida 35
2020/2021

Ø Está em causa a repartição as competências entre aquelas a quem é confiado o


poder de tomar decisões m nome da pessoa coletiva, e não a divisão do trabalho
entre agentes;
Ø Os subalternos não se limitam a desempenhar atividades, eles praticam atos
administrativos; e estes atos administrativos não esgotam a sua eficácia dentro da
esfera jurídica da pessoa coletiva em cujo nome foram praticados: são atos
externos, projetam-se na esfera jurídica de outros sujeitos de direito, atingem
particulares;
Ø A hierarquia externa é relacional.

Poderes do Superior:
Ø Poder de direção: faculdade de o superior dar ordens e instruções, em matéria de
serviço ao subalterno. As ordens traduzem-se em comandos individuais e
concretos, através dos quais o superior impõe a adoção de uma determinada
conduta – podem ser dadas verbalmente ou por escrito. As instruções traduzem-se
em comandos gerais e abstratos, através dos quais o superior impõe a adoção para
futuro de certas condutas sempre que se verifiquem as situações previstas. Este
poder não carece de consagração legal expressa, tratando-se de um poder inerente
ao desempenho das funções de chefia.
Ø Poder de supervisão: faculdade de o superior revogar, anular ou suspender os atos
administrativos praticados pelo subalterno. Este poder pode ser exercido de duas
maneiras:
o Por iniciativa do superior, que para o efeito avocará a resolução do caso;
o Ou em consequência de recurso hierárquico perante ele interposto pelo
interessado.
Ø Poder disciplinar: faculdade de o superior punir o subalterno, mediante a aplicação
de sanções previstas na lei, em consequência das infrações à disciplina da função
pública cometidas.
Ø Poder de inspeção: faculdade de o superior fiscalizar continuamente o
comportamento dos subalternos e o funcionamento dos serviços, a fim de
providenciar como melhor entender e de, eventualmente, mandar proceder a
inquérito ou a processo disciplinar. É um poder instrumental em relação aos
poderes de direção, supervisão e disciplinar, pois, com base nas informações

Mafalda Boavida 36
2020/2021

recolhidas através do exercício do poder de inspeção que o superior hierárquico


decidirá usar ou não, e em que termos, esses três poderes principais.

Quanto ao subalterno este tem um dever de obediência que, consiste na obrigação de o


subalterno cumprir as ordens e instruções dos seus legítimos superiores hierárquicos, dadas
em objeto de serviço sob a forma legal.

Delegação de Poderes

A delegação de poderes é o ato pelo qual um órgão da Administração, normalmente


competente para decidir em determinada matéria, permite, de acordo com a lei, que outro
órgão ou agente pratiquem atos administrativos sobre a mesma matéria.

Requisitos da delegação de poderes:


Ø É necessária uma lei que preveja expressamente a faculdade de um órgão delegar
poderes noutro (a essa lei chama-se lei de habilitação);
o Porque a competência é irrenunciável e inalienável, só pode haver
delegação de poderes com base na lei, por isso, a própria CRP declara no
seu art.111/2 que só se pode delegar poderes nos termos previstos na CRP
e na lei; o art.36 do CPA acentua que os princípios da irrenunciabilidade e
da inalienabilidade da competência não impedem a figura da delegação de
poderes.
Ø É necessária a existência de dois órgãos, ou de um órgão e um agente, da mesma
pessoa coletiva pública, ou de dois órgãos de pessoas coletivas distintas, dos quais
um seja o órgão normalmente competente (o delegante) e o outro, o órgão
eventualmente competente (o delegado);
Ø É necessária a prática do ato de delegação propriamente dito, isto é, o ato pelo qual
o delegante concretiza a delegação dos seus poderes no delegado, permitindo-lhe a
prática de certos atos na matéria sobre a qual é normalmente competente.

Em conclusão, as condições ou requisitos que a ordem jurídica exige para que haja
delegação de poderes são: lei de habilitação, existência de delegante e delegado, e ato de
delegação.

Mafalda Boavida 37
2020/2021

Tutela Administrativa

A tutela é o conjunto dos poderes de intervenção de uma pessoa coletiva pública na gestão
de outra pessoa coletiva, a fim de assegurar a legalidade ou o mérito da sua atuação.

A tutela administrativa:
Ø Pressupõe a existência de duas pessoas coletivas distintas: a pessoa coletiva tutelar,
e a pessoa coletiva tutelada;
Ø Dessas duas pessoas coletivas, uma é necessariamente uma pessoa coletiva
pública;
Ø Os poderes de tutela administrativa são poderes de intervenção na gestão de uma
pessoa coletiva;
Ø O fim da tutela administrativa é assegurar, em nome da entidade tutelar, que a
entidade tutelada cumpra as leis em vigor, e garantir que sejam adotadas soluções
convenientes e oportunas para a prossecução do interesse público.

Espécies da tutela administrativa

Quanto ao fim:
Ø Tutela de legalidade: visa controlar a legalidade das decisões da entidade tutelada;
Ø Tutela de mérito: visa controlar o mérito das decisões administrativas da entidade
tutelada.

Quando averiguamos a legalidade de uma decisão, estamos a apurar se essa decisão é ou


não conforme à lei.
Quando averiguamos o mérito de uma decisão, estamos a apurar se essa decisão,
independentemente de ser legal ou não, é uma decisão conveniente, oportuna, correta do ponto
de vista administrativo, técnico, financeiro, etc.

Quanto ao conteúdo:
Ø Tutela integrativa: consiste no poder de autorizar ou aprovar os atos da entidade
tutelada.

Mafalda Boavida 38
2020/2021

Distingue-se em tutela integrativa a priori, que é aquela que consiste em autorizar a prática
de atos, e em tutela integrativa a posteriori, que é a que consiste no poder de aprovar atos da
entidade tutelada.
Ø Tutela inspetiva: poder de fiscalização da organização e funcionamento da entidade
tutelada.
Ø Tutela sancionatória: poder de aplicar sanções por irregularidades que tenham sido
detetadas na entidade tutelada.
No exercício da tutela inspetiva fiscaliza-se a atuação da entidade tutelada e,
eventualmente, descobrem-se irregularidades. Uma vez apurada a existência dessas
irregularidades, é necessário aplicar sanções; ora, o poder de aplicar essas sanções, quer à
pessoa coletiva tutelada, quer aos seus órgãos ou agentes, é a tutela sancionatória.

Ø Tutela revogatória: poder de revogar os atos administrativos praticados pela


entidade tutelada.
Ø Tutela substitutiva: poder da entidade tutelar de suprir as omissões da entidade
tutelada, praticando, em vez dela, e por conta dela, os atos que forem legalmente
devidos.
A hipótese é, portanto, a de os órgãos competentes da pessoa coletiva tutelada não
praticarem atos que sejam para eles juridicamente obrigatórios; se houver tutela substitutiva,
o órgão tutelar pode substituir-se ao órgão da entidade tutelada e praticar, em vez dele, os atos
legalmente devidos.

Superintendência

A Superintendência e o poder conferido ao Estado, ou a outra pessoa coletiva de fins


múltiplos, de definir os objetivos e guiar a atuação das pessoas coletivas públicas de fins
singulares colocadas por lei na sua dependência.

A distinção entre tutela administrativa e superintendência tem hoje base jurídica no


art.199º CRP.
Por um lado, a superintendência é um poder mais forte do que a tutela administrativa,
porque é o poder de definir a orientação da conduta alheia, enquanto a tutela administrativa é

Mafalda Boavida 39
2020/2021

o poder de controlar a regularidade ou a adequação do funcionamento de certa entidade: a


tutela controla, a superintendência orienta.

A superintendência é menos forte que o poder de direção, típico da hierarquia, porque o


poder de direção do superior hierárquico consiste na faculdade de dar ordens ou instruções, a
que corresponde o dever de obediência a umas e outras, enquanto a superintendência se traduz
apenas numa faculdade de emitir diretivas ou recomendações.

Qual a diferença, do ponto de vista jurídico, entre ordens, diretivas e recomendações?


Ø Ordens: são comandos concretos, específicos e determinados, que impõe a
necessidade de adotar imediata e completamente uma certa conduta;
Ø Diretivas: são orientações genéricas, que definem imperativamente os objetivos a
cumprir pelos seus destinatários, mas que lhes deixam liberdade de decisão quanto
aos meios a utilizar e às formas a adotar para atingir esses objetivos;
Ø Recomendações: são conselhos emitidos sem a força de qualquer sanção para a
hipótese do não cumprimento.

Natureza jurídica da superintendência: a superintendência tem a natureza de um poder de


orientação. Não é tanto como um poder de direção, mas é mais do que um poder de controlo.

O prof. regente defende que a Administração Pública se organiza da seguinte forma:

Mafalda Boavida 40
2020/2021

Administração Direta

Definição: é a atividade exercida por serviços integrados na pessoa coletiva do Estado.

Os principais caracteres do Estado e da sua administração direta são:


Ø Unidade: o Estado é a única espécie desse género. Enquanto que ao conceito de
autarquia local correspondem alguns milhares de entes autárquicos, ao conceito de
Estado pertence apenas a um ente – o próprio Estado;
Ø Caráter Originário: a pessoa coletiva Estado não é criada pelo poder constituído.
Tem natureza originária, não derivada. Por isso mesmo, vários dos seus órgãos, são
órgãos de soberania;
Ø Territorialidade: o Estado é uma pessoa coletiva de cuja natureza faz parte um certo
território, o território nacional. Todos os indivíduos residentes no território
nacional, mesmo que estrangeiros ou apátridas, estão submetidos aos poderes do
Estado Administração;
Ø Multiplicidade de Atribuições: o Estado é uma pessoa coletiva de fins públicos,
podendo e devendo prosseguir diversas e variadas atribuições;
Ø Pluralismo de Órgãos e Serviços: são numerosos os órgãos do Estado bem como
os serviços públicos que auxiliam esses órgãos;
Ø Organização em Ministérios: os órgãos e serviços do Estado-administração, a nível
central, estão estruturados em departamentos, organizados por assuntos ou
matérias, os quais se denominam ministérios. O mesmo não sucede nas autarquias
locais ou nos institutos públicos onde a estruturação é mais solta e desligada;
Ø Personalidade Jurídica una: apesar da multiplicidade das atribuições, do pluralismo
dos órgãos e serviços e da divisão em ministérios, o Estado mantém sempre a
personalidade jurídica una. Todos os ministérios pertencem ao mesmo sujeito de
direito – o seu património é só um;
Ø Instrumentalidade: a administração do Estado é subordinada – constitui um
instrumento para o desempenho dos fins do Estado;
Ø Estrutura Hierárquica: a administração direta do Estado acha-se estruturada em
termos hierárquicos, isto é, de acordo com um modelo de organização
administrativa constituído por um conjunto de órgãos e agentes ligados por um

Mafalda Boavida 41
2020/2021

vínculo jurídico que confere ao superior o poder de direção e ao subalterno o dever


de obediência;
Ø Supremacia: o Estado-administração exerce poderes de supremacia não apenas em
relação aos sujeitos de direito privado, mas também sobre as outras entidades
públicas.

Administração Central do Estado

Fazem parte da Administração Central do Estado todos os órgãos e serviços do Estado que
exercem competência extensiva a todo o território nacional.

è Aceções de Estado:

A palavra Estado tem várias aceções:


Ø Aceção Internacional: trata-se do Estado soberano, titular de direitos e obrigações
na esfera internacional;
Ø Aceção constitucional: surge-nos o Estado como comunidade de cidadãos que, nos
termos do poder constituinte assume uma determinada forma política para
prosseguir os seus fins nacionais;
Ø Aceção Administrativa: o Estado é uma pessoa coletiva pública que, no seio da
comunidade nacional, desempenha, sob a direção do Governo, a atividade
administrativa.

Com entidade internacional, o Estado é soberano. Com entidade constitucional, o Estado


pode não ser independente, mas goza sempre do poder constituinte e exerce a função
legislativa. Diferentemente, enquanto entidade administrativa, o Estado não é soberano nem
tem poderes constituintes: exerce apenas um poder constituído, juridicamente subordinado à
Constituição e às leis, e só secundariamente pode participar, em certos termos, da função
legislativa (art. 198 da CRP).

Mafalda Boavida 42
2020/2021

è Estado como pessoa coletiva pública:

O Estado administração é uma pessoa coletiva pública autónoma, não confundível com os
governantes que o dirigem, nem com os funcionários que o servem, nem com as outras
entidades autónomas que integram a Administração, nem com os cidadãos que com eles
entram em relação.
à Não se confunde Estado e Governantes, o Estado é uma organização permanente; os
governantes são os indivíduos que transitoriamente desempenham funções dirigentes dessa
organização.
à Não se confunde Estado e Funcionários, o Estado é uma pessoa coletiva, com
património próprio, os funcionários são indivíduos que atuam ao serviço do Estado, mas que
mantêm a sua individualidade humana e jurídica.
à Não se confunde Estado e outras entidades administrativas: cada qual com a sua
personalidade jurídica, com o seu património próprio, com os seus direitos e obrigações, com
as suas atribuições e competências, com finanças, com o seu pessoal, entre outros.
à Não se confunde Estado com Cidadãos, a personificação jurídica do Estado-
administração permite construir, como autênticas relações jurídicas, as relações travadas entre
Estado e os cidadãos.

A qualificação do Estado como pessoa coletiva decorre da própria Constituição. As


principais consequências da qualificação do Estado como pessoa coletiva são:
Ø Distinção entre Estado e outros sujeitos de Direito;
Ø Enumeração, constitucional e legal, das atribuições do Estado;
Ø Estabelecimento, por via constitucional, dos órgãos do Estado;
Ø Definição das atribuições e competências a cargo de diversos órgãos do Estado;
Ø Possibilidade de distinção entre órgãos e representantes, permanentes ou ocasionais
do Estado;
Ø Existência de funcionários do Estado, categoria diferente dos funcionários das
autarquias locais ou das RA, bem como diferente da dos trabalhadores das
empresas públicas ou privadas;
Ø Previsão da prática de atos jurídicos do Estado, nomeadamente, atos unilaterais e
contratos;
Ø Delimitação do património do Estado;

Mafalda Boavida 43
2020/2021

è Atribuições do Estado:

As atribuições do Estado são os fins e objetivos que o mesmo se propõe atingir. Ao


contrário do que sucede com as atribuições das restantes pessoas coletivas, as atribuições do
Estado encontram-se distribuídas de forma dispersa.
Estas têm de resultar sempre expressamente da lei. O Estado só pode fazer aquilo que a lei
permite que ele faça: a lei é o fundamento, o critério último, o limite de toda a atuação
administrativa.

As atribuições do Estado podem dividir-se em 3 grandes categorias:


Ø Atribuições principais do Estado:
o Atribuições de soberania, incluindo defesa nacional, relações externas,
polícia, prisões, etc.;
o Atribuições Económicas, incluindo as relativas à moeda, ao crédito, ao
imposto, ao comércio externo, aos preços e à produção nos diversos setores
produtivos, tais como a agricultura;
o Atribuições Sociais, incluindo a saúde, a segurança social, a Habilitação, o
urbanismo, o ambiente, etc.;
o Atribuições educativas e culturais, incluindo o ensino, a investigação
científica, etc.
Ø Atribuições auxiliares do Estado:
o Gestão pessoal;
o Gestão material;
o Gestão financeira;
o Funções jurídicas de Contencioso;
o Funções de arquivo e documentação.
Ø Atribuições de comando: destinam-se a preparar e a acompanhar as tomadas de
decisão pela chefia:
o Estudos e Planeamento;
o Previsão;
o Organização;
o Controlo;
o Relações Públicas.

Mafalda Boavida 44
2020/2021

è Órgãos do Estado:

Para cumprir as atribuições que lhe foram conferidas pela CRP, o Estado carece de órgãos,
aos quais compete tomar decisões em nome da pessoa coletiva do Estado.
Os principais órgãos centrais do Estado são o Presidente da República, a Assembleia da
República, o Governo e os Tribunais. Destes, o principal órgão administrativo do Estado é o
Governo.

Sublinha-se que, tanto o PR como a AR, como certos órgãos do poder judicial, podem
segundo a lei praticar atos materialmente administrativos, sujeitos a controlo pelos tribunais
administrativos. Mas nem por isso, organicamente, elementos da Administração pública.

Os órgãos podem distinguir-se com base em vários critérios:


Ø Órgãos temporários vs. Órgãos permanentes:
Os primeiros existem quando têm uma finalidade específica e depois extinguem-se (ex:
júri de um exame) e os segundos existem e, à partida, não se extinguem (ex: Conselho de
Ministros).
Ø Órgãos singulares vs. Órgãos colegiais:
Os primeiros são constituídos por uma só pessoa e os segundos por mais do que uma.
Ø Órgãos centrais vs. Órgãos locais:
Os primeiros exercem a sua competência sobre todo o território nacional e os segundos
exercem a sua competência sobre uma circunscrição delimitada e definida a priori.
Ø Órgãos representativos vs. Órgãos não representativos:
Os primeiros são sujeitos a uma eleição e os segundos são designados ou nomeados.
Ø Órgãos consultivos vs. Órgãos de controlo vs. Órgãos ativos:
Os primeiros emitem pareceres, por regra, obrigatórios por lei mas não vinculativos, os
segundos circunscrevem os seus poderes ao controlo de outros órgãos da mesma pessoa
coletiva ou de outras e os terceiros decidem e executam com base nas suas competências
máximas.

Mafalda Boavida 45
2020/2021

Þ Governo:

O Governo é um órgão, simultaneamente, político e administrativo, sendo que a


preponderância de determinada característica sobre a outra depende do sistema constitucional
vigente.
Sobre as funções do Governo, estas estão previstas no art. 199 de uma forma lógica e
racional, sendo que as podemos agrupar em três:
Ø Garantir a execução das leis (art. 199 alíneas f) e c));
Ø Assegurar o funcionamento da Administração Pública (art. 199 alíneas a), b), d) e
e));
Ø Promoção da satisfação das necessidades coletivas, designadamente através do
desenvolvimento económico, social e cultural do país (art. 199 alínea g).

Finalmente quanto à competência do governo, as suas funções traduzem-se juridicamente,


na prática de atos e no desempenho de atividades da mais diversa natureza através da
elaboração de normas jurídicas (regulamentos), da prática de atos jurídicos sobre casos
concretos (atos administrativos), da celebração de contratos de vários tipos (contratos
administrativos) e exerce, de um modo geral, determinados poderes funcionais.

Assim, existem vários modos de exercício da competência do Governo:


Ø O Governo pode exercer a sua competência por forma colegial (art. 200), através
do Conselho de Ministros. As resoluções que tomar desta forma terão de ser
adotadas por consenso ou por maioria no Conselho de Ministros, enquanto órgão
colegial;
Ø O Governo pode, também, exercer a sua competência individualmente, pelos vários
membros do Governo ou pelo PM.

o Estrutura:

A estrutura está prevista no art. 183 da CRP.

Mafalda Boavida 46
2020/2021

à Primeiro Ministro:
As funções do PM vêm reguladas no art. 201/1 da CRP. Este possui dois tipos de funções:
Ø Por um lado, exerce funções de chefia, que consistem em orientar e coordenar
a conduta que deverá ser seguida pelos Ministros; presidir ao Conselho de
Ministros, direcionando os seus trabalhos e convocando as suas reuniões; e
selecionar Ministros para a composição do Governo;
Ø Por outro lado, está encarregado do exercício das funções de gestão, isto é,
gerir serviços próprios da Presidência do Conselho e orientar as secretarias de
Estados integradas na mesma. O Primeiro Ministro deverá também representar
o Estado, perante citação do Governo português em tribunais estrangeiros.

à Os vice-primeiros-ministros:
Conforme disposto nos art. 183/2 e 185 poderá existir mais do que um Vice-Primeiro-
Ministro, este deverá auxiliar o PM a desempenhar as suas funções, podendo substituí-lo em
caso de ausência ou impedimento.
O Vice-Primeiro-Ministro poderá coordenar os Ministros entre si.

à Ministros:
Cada um dos Ministros possui a seu cargo um ministério, ou seja, um departamento que
reúne subdepartamentos encarregados de uma determinada função. Relativamente a este, o
Ministro define os planos de ação, prepara o seu orçamento; nomeia, transfere e exonera todos
os funcionários a seu cargo, excepto quando pertença à competência exclusiva do Conselho
de Ministros; exerce poderes tutelares sobre pessoas coletivas autónomas dependentes ou
fiscalizadas pelo seu ministério; assina contratos celebrados com particulares, em nome do
Estado, quando estes versem sobre matéria das suas atribuições; e resolve quaisquer casos
concretos que a lei atribua a serviços pertencentes ao seu departamento por surgirem no seu
âmbito (art. 201/2 da CRP).
A regra geral é a igualdade entre Ministros. No entanto, existem algumas exceções, como
por exemplo, o caso do Ministro das Finanças que, estando encarregado da elaboração e
execução do Orçamento de Estado, controla os gastos e a quantidade de capital atribuída aos
restantes ministérios.

Mafalda Boavida 47
2020/2021

à Secretários de Estado:
Os serviços de um Ministério poderiam ser agregados em Secretarias de Estado, que
seriam geridas por Secretários de Estado.
Atualmente, estes poderão substituir os Ministros em caso de ausência ou impedimento
(art. 185/2 da CRP) e possuem competência administrativa própria, não obstante a orientação
e supremacia dos ministros, pois um Secretário de Estado nunca poderá revogar, modificar ou
suspender qualquer ato de um Ministro.

à Subsecretários de Estado:
São os membros do Governo com menor poder executivo. Estes não possuem competência
própria e não praticam funções políticas e legislativas.

à Conselho de Ministros:
De acordo com o disposto no art. 1 do regimento do conselho de ministros, este é composto
e presidido por todos os Ministros nomeados e pelo Primeiro Ministro.
Poderão participar nas reuniões do Conselho de Ministros, sem direito de voto, o
Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, o Secretário de Estado adjunto do Primeiro-
Ministro e o Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.

O art. 200 da CRP, por sua vez, determina nas suas alíneas o que compete ao Conselho de
Ministros:
Ø Definir as linhas gerais da política orçamental, bem como as da sua execução;
Ø Aprovar os planos e os atos do Governo que envolvam aumento ou diminuição das
receitas ou despesas públicas;
Ø Deliberar sobre outros assuntos da competência do Governo que lhe sejam
atribuídos por lei ou apresentados pelo PM ou qualquer ministro.

Acrescentam-se às funções do Conselho de Ministros a gestão da função pública, a


concessão de benefícios fiscais, a aplicação de sanções administrativas graves, entre outras.

à Conselhos de Ministros Especializados:


O art. 200/2 declara que, estes “exercem a competência que lhes for atribuída por lei ou
delegada pelo Conselho de Ministros”.

Mafalda Boavida 48
2020/2021

A competência referida poderá ser a:


Ø Função preparatória: a preparação das decisões que serão tomadas pelo Conselho
de Ministros;
Ø Função decisória: a tomada de decisões em nome do Conselho de Ministros
quando este ou a lei o tenha autorizado; e
Ø Função executiva: o estudo ou controlo da execução das decisões do Conselho de
Ministros.

à Presidência do Conselho:
O primeiro dos ministérios do país é a Presidência do Conselho.

Quanto à sua organização temos duas soluções:


Ø Uma primeira que corresponde às épocas ou aos regimes em que o chefe de
Governo não é, como tal, titular de uma posição autónoma no Governo e
desempenha, necessariamente, uma função de ministro com a de Chefe de
Governo;
Ø A segunda solução corresponde aos casos, que são hoje a maioria, em que a função
de Chefe de Governo é uma função autónoma: não coincide necessariamente com
a de ministro de qualquer das pastas e até é, em regra, desempenhada em
acumulação com qualquer outra pasta.

à Os Ministérios:
Os ministérios são os departamentos da administração central do Estado dirigidos pelos
Ministros respetivos.
Segundo o prof. Freitas do Amaral, os ministérios devem agrupar-se em 4 categorias:
Ø Ministérios de Soberania: são aqueles em que as atribuições políticas são
dominantes, por lhes estar confiado o exercício das principais funções de
soberania do Estado. Ex: negócios estrangeiros, defesa nacional, etc.;
Ø Ministérios Económicos: são os que superintendem os assuntos de caráter
económico, financeiro e monetário. Ex: finanças, planeamento, comércio, etc.;
Ø Ministérios Sociais: são aqueles que se destinam a realizar a intervenção do
Estado nas questões de natureza social e cultural e no mundo do trabalho. Ex:
educação, cultura, desporto, emprego, saúde, etc.;

Mafalda Boavida 49
2020/2021

Ø Ministérios Técnicos: são aqueles que se dedicam à promoção das


infraestruturas e dos grandes equipamentos coletivos exercendo funções
predominantemente técnicas. Ex: obras públicas, habitação, urbanismo,
transportes e comunicações.

Administração Periférica

Definição: conjunto de órgãos e serviços de pessoas coletivas públicas que dispõem de


competência limitada a uma área territorial restrita e que funcionam sob a direção dos
correspondentes órgãos centrais.
Fala-se em periferia para designar as áreas territoriais, situadas fora da capital do país, em
que a Administração atua. No centro, em Lisboa, encontram-se instalados e funciona os órgãos
e serviços centrais; na periferia estão e atuam quer os órgãos e serviços locais (regionais,
distritais, concelhios ou de freguesia), quer os órgãos e serviços sediados no estrangeiro
(embaixadas, consulados, serviços de turismo, núcleos de apoio).

A maioria dos autores, incluindo o regente, costuma integrar tal matéria sob a epígrafe
“administração local do Estado”, mas para o prof. Freitas do amaral tal não é o mais correto.
Por um lado, também os institutos públicos e as associações públicas dispõem, muitas vezes,
dos seus órgãos e serviços locais, que não são, contudo, administração local do Estado. Por
outro lado, os órgãos e serviços, do Estado no estrangeiro, formando o que se pode chamar
administração externa do Estado, não constituem administração local.

A administração periférica caracteriza-se pelos seguintes aspetos:


Ø É constituída por um conjunto de órgãos e serviços, quer locais quer externos;
Ø Esses órgãos e serviços pertencem ao Estado, ou a pessoas coletivas públicas de
tipo institucional ou associativo;
Ø A competência de tais órgãos é limitada em função do território, não abrange nunca
a totalidade do território nacional;
Ø Os órgãos e serviços da administração periférica funcionam sempre na dependência
hierárquica dos órgãos centrais da pessoa coletiva pública a que pertencem.

Mafalda Boavida 50
2020/2021

A administração periférica compreende as seguintes espécies:


Ø Órgãos e serviços locais do Estado;
Ø Órgãos e serviços locais de institutos públicos e de associações públicas;
Ø Órgãos e serviços externos do Estado;
Ø Órgãos e serviços externos de institutos públicos e associações públicas.

Transferência dos serviços periféricos:


A situação normal e corrente consiste em os serviços periféricos estarem na dependência
dos órgãos próprios da pessoa coletiva a que pertencem: assim, os serviços periféricos do
Estado são dirigidos por órgãos do Estado, os serviços periféricos de um instituto público são
dirigidos pelos órgãos desse instituto.
Pode acontecer, todavia, que a lei num propósito de forte descentralização, atribua a
direção superior de determinados serviços periféricos a órgãos de autarquias locais.
No entanto, tal não é o sistema que vigora, por via de regra, em Portugal. Cá o Estado não
é apenas senhor de uma grande e poderosa administração central, é também titular de uma
vastíssima administração periférica, nele integrada em regime de centralização, ainda que em
alguns casos temperada por um certo grau de desconcentração, o que se enquadra na política
de regionalização inscrita na CRP (art. 227 e ss).

Administração Local

A administração local assenta sobre três ordens de elementos:


Ø Divisão do território:
Esta leva à demarcação de áreas ou zonas, ou circunscrições, que servem para definir a
competência dos órgãos e serviços locais do Estado, ficando delimitada em razão do território
– circunscrições administrativas.
Dentro da divisão administrativa podemos ainda distinguir uma divisão administrativa do
território para efeitos de administração local do Estado e outra para efeitos de administração
local autárquica.
o Circunscrições Administrativas e autarquias locais:
As circunscrições administrativas são as zonas existentes no país para efeitos de
administração local. Não as devemos confundir com as autarquias locais, são duas coisas
diferentes, definidas com base em dois critérios:

Mafalda Boavida 51
2020/2021

Em primeiro lugar, a circunscrição é apenas uma porção de território que resulta de uma
certa divisão do conjunto, ao passo que a autarquia é uma pessoa coletiva, uma entidade
pública administrativa que tem por base uma certa área, mas que é composta por outros
elementos.
Enquanto a circunscrição se define apenas por um elemento territorial, a autarquia é mais
do que isso: é uma comunidade de pessoas, vivendo numa certa circunscrição, com uma
determinada organização, para prosseguir certos fins.
Em segundo lugar, as circunscrições administrativas são parcelas do território nas quais
atuam órgãos locais do Estado, ou seja, estamos ainda dentro da pessoa coletiva Estado.
o Divisões Administrativas básicas:
Para efeitos de administração local, o território divide-se em distritos e concelhos.
Para efeitos de administração local autárquica, o território divide-se, atualmente, em
freguesias e municípios.
Ø Órgãos locais do Estado:
Órgãos da pessoa coletiva Estado que, na dependência hierárquica do Governo, exercem
uma competência limitada a uma certa circunscrição administrativa. Logo caracterizam-se por
três elementos:
o São órgãos, isto é, podem por lei tomar decisões em nome do Estado.
o São órgãos do Estado e não órgãos autárquicos. Dependem
hierarquicamente do Governo e devem obediência às ordens e instruções
do mesmo.
o Têm uma competência meramente local, isto é, delimitada em razão do
território – só podem atuar dentro da circunscrição administrativa a que
a sua competência respeita.
Ø Serviços locais do Estado:
São os serviços públicos encarregados de preparar e executar as decisões dos diferentes
órgãos locais do Estado.

Mafalda Boavida 52
2020/2021

Administração Indireta

Definição: é a atividade que, embora desenvolvida para a realização dos fins do Estado, é
exercida por pessoas coletivas públicas distintas do Estado.

Administração indireta sob forma Pública

Existe dento do Estado serviços que desempenham as suas funções com autonomia. São
serviços do Estado, mas não dependem diretamente das ordens do Governo, estão
autonomizados. Esta é uma administração central desconcentrada, que é ainda uma
administração do Estado, constituída por serviços incorporados no Estado, mas dispõe de
órgãos próprios de gestão.

Há um outro grupo de serviços ou estabelecimentos que, para além de um grau ainda maior
de autonomia, recebem personalidade jurídica. Aqui o que está em causa é a persecução de
fins ou atribuições do Estado, mas não por intermédio do próprio Estado, tal prossecução é
feita através de outras pessoas coletivas distintas do Estado.

É a isto que se chama administração indireta: “administração”, porque trata de prosseguir


fins do Estado e “indireta”, porque não é realizada pelo próprio Estado, mas sim por outras
entidades que ele cria para esse efeito na sua dependência.

Do ponto de vista objetivo ou material, a administração indireta é uma atividade


administrativa do Estado realizada para a prossecução dos fins deste, por entidades públicas
dotadas de personalidade jurídica própria e de autonomia administrativa ou administrativa e
financeira.
Do ponto de vista subjetivo ou orgânico, a administração indireta define-se como o
conjunto das entidades públicas que se desenvolvem, com personalidade jurídica própria e
autonomia administrativa, ou administrativa e financeira, na atividade administrativa
destinada à realização de fins do Estado.

A administração estadual indireta existe em resultado do constante alargamento e da


crescente complexificação das funções do Estado e da vida administrativa.

Mafalda Boavida 53
2020/2021

O Estado tem funções – de caráter técnico, económico, cultural ou social – que não se
compadecem com uma atividade de tipo burocrático, exercida por serviços instalados num
ministério. Por isso, o Estado cria centros autónomos de decisão e de gestão, descentralizando
funções em organismos que, embora mantendo-se-lhe ligados, e com ele colaborando na
realização de fins que são próprios do Estado, todavia recebem para o efeito toda uma série
de prerrogativas que os erigem em entidades autónomas com a sua própria personalidade
jurídica.

Um segundo motivo que tem levado à multiplicação destes organismos autónomos


encarregados da administração estadual indireta é o desejo de escapar às regras apertadas da
contabilidade pública – controlo da despesa, disciplina orçamental, etc.

Em terceiro lugar, há também quem apresente explicações de tipo político para o


fenómeno da proliferação destes organismos autónomos: proteger certas atividades em
relação a interferências políticas, recrutar facilmente clientelas políticas, fugir ao controlo
político e financeiro do parlamento, alargar fortemente o intervencionismo do Estado, senão
mesmo promover a execução de uma política de orientação socialista.

Características da administração indireta: aspetos materiais:


Ø A administração indireta é uma forma de atividade administrativa, ou seja, é uma
modalidade de administração pública em sentido objetivo;
Ø Trata-se de uma atividade que se destina à realização de fins do Estado;
Ø É uma atividade que o Estado transfere, por decisão sua, para outras entidades
distintas dele.

Características da administração indireta: aspetos orgânicos


Ø A administração indireta é constituída por um conjunto de entidades públicas que
são distintas do Estado, isto é, que têm personalidade jurídica própria;
Ø A decisão de criar estas entidades cabe ao Estado e continua a se hoje,
essencialmente, livre;
Ø O financiamento destas entidades cabe ao Estado no todo ou em parte;
Ø Estas entidades dispõem em regra de autonomia administrativa e financeira;
Ø Trata-se de entidades que, em regra, têm uma dimensão nacional;

Mafalda Boavida 54
2020/2021

Ø O grau de autonomia de que dispõem estas entidades e, portanto, o maior ou menor


distanciamento em relação ao Estado é muito variável.

Sobre este último tópico, as entidades podem atingir um nível máximo de distanciamento,
que é o que acontece com as empresas públicas. Pode assumir uma posição intermédia, que é
a que se verifica nos chamados organismos de coordenação económica. E pode assumir um
grau de autonomia mínimo quando estes organismos funcionem como verdadeiras direções-
gerais do ministério.

Existem várias espécies de organismos ou entidades que desenvolvem uma administração


estadual indireta, ou que pertencem à administração estadual indireta: trata-se
fundamentalmente dos institutos públicos e das empresas públicas.

è Institutos Públicos:

Para o prof. Freitas do Amaral, o instituto público é uma pessoa coletiva de tipo
institucional, criada para assegurar o desempenho de determinadas funções administrativas de
caráter não empresarial, precedentes ao Estado ou a outra pessoa coletiva pública.
O regime dos institutos públicos está regulado na lei nº 3/2004 de 15 de Janeiro (LQIP).

O instituto público é uma pessoa coletiva pública (art. 3/4 e art. 4/1 da LQIP) e, assim,
caracteriza-se por ser sempre dotado de personalidade jurídica (art. 3/1 da LQIP).
É ainda, uma pessoa coletiva de tipo institucional, isto é, o seu substrato é uma instituição,
não uma associação: assenta sobre uma organização de caráter material e não sobre um
agrupamento de pessoas.

São criados mediante ato legislativo (art. 9/1) e modificados e extintos mediante ato de
valor igual ou superior ao que os tenha criado (art. 16/3).

Por outro lado, é uma entidade criada para assegurar o desempenho de funções
administrativas determinadas (art. 8 da LQIP), ou seja, não há institutos públicos para o
desempenho de funções privadas, nem para o desempenho de funções públicas não

Mafalda Boavida 55
2020/2021

administrativas e as atribuições dos institutos públicos não podem ser indeterminadas, não
podem abranger uma multiplicidade genérica de fins.

Mais, os institutos públicos só podem tratar matérias que especificamente lhes sejam
cometidas por lei (art. 8/3).
Além disso, as funções desempenhadas pelos institutos públicos hão de ser atividades de
caráter não empresarial (art. 3/3).

Possuem órgãos, dos quais o principal é, em regra, o conselho diretivo (art. 18). Os
respetivos presidentes são, simultaneamente, órgão dirigente do instituto público e órgão do
Estado.

Finalmente, as funções a desempenhar pelo instituto público são funções pertencentes ao


Estado ou a outra pessoa coletiva pública.
Os institutos públicos abrangidos pela LQIP devem utilizar a designação de “instituto IP”
ou “fundação IP” (art. 51). Os institutos públicos podem conceder ou delegar algumas das
suas atribuições a entidades privadas, juntamente com os poderes necessários para o efeito
(art. 53 e 54).

Þ Natureza Jurídica dos Institutos Públicos:

A conceção mais divulgada vê nos institutos públicos um substrato institucional autónomo


diferente do Estado ou dele destacado, a qual a lei confere personalidade jurídica: nestes
termos, a ordem jurídica criará um sujeito de direito com base numa instituição distinta do
Estado.

Segundo o prof. Freitas do Amaral, são três as principais espécies de instituto público a
considerar:
Ø Serviços Personalizados: são serviços públicos de caráter administrativo a que a
lei atribui personalidade jurídica e autonomia administrativa, ou administrativa e
financeira (art. 3/1 e 2), para que possam desempenhar melhor as suas funções.
Estes serviços são verdadeiramente departamentos do tipo “direção geral”.

Mafalda Boavida 56
2020/2021

o Existe ainda uma subespécie muito importante a considerar que são


chamados de organismos de coordenação económica. Esses são serviços
personalizados do Estado que se destinam a coordenar e regular o exercício
de determinadas atividades económicas, que pela sua importância merecem
uma intervenção mais vigorosa do Estado. Estes organismos destinam-se a
dar efetividade à intervenção do Estado sobre a produção ou o comércio de
certos produtos mais importantes na vida económica do país.
Ø Fundações Públicas: é uma fundação que reveste a natureza de pessoa coletiva
pública, não tendo fim lucrativo, com órgãos e património próprio e autonomia
administrativa e financeira. (art. 49/4 da LQF e art. 3/1 e 2 da LQIP). Trata-se,
portanto, de patrimónios que são afetados à prossecução de fins públicos especiais,
sendo o reconhecimento exigido para atribuição de personalidade jurídica
resultante diretamente do ato-jurídico-público de instituição (art. 6/3 da LQF). E
decorre hoje do disposto no art. 51 da LQIP que, para um instituto público poder
ser considerado fundação deve ter parte considerável das receitas assentes em
rendimentos do seu património e dedicar-se a finalidades de interesse social.
Ø Estabelecimentos Públicos: são institutos públicos de caráter cultural ou social,
organizados como serviços abertos ao público e destinados a efetuar prestações
individuais à generalidade dos cidadãos que delas careçam. É aqui que se entregam
as Universidades Públicas que não se converteram em fundações públicas de
direito privado, embora tal posição não seja unanime. Outra categoria de
estabelecimentos públicos, estes de caráter social, são os hospitais do Estado que
não foram convertidos em entidades públicas empresariais. É possível distinguir os
estabelecimentos públicos das outras modalidades de institutos públicos através de
um critério prático:

Se o instituto público pertence ao organograma dos serviços centrais de um Ministério e


desempenha atribuições deste, no mesmo plano que as respetivas direções-gerais, é um serviço
personalizado do Estado;
Se o instituto público assenta, basicamente, num património, existe para o administrar e
vive dos resultados da gestão financeira desse património, é uma fundação pública;

Mafalda Boavida 57
2020/2021

Se o instituto público não é uma direção geral personalizada, nem um património, mas um
estabelecimento aberto ao público e destinado a fazer prestações de caráter cultural ou social
aos cidadãos, então é um estabelecimento público.

è Empresas Públicas:

O DL nº 133/2013 foge à apresentação de um conceito unitário, preferindo ficar-se pela


definição das duas espécies principais de empresas públicas no art. 5 e 56. De qualquer forma
e de maneira a tentar diminuir o espectro da definição de empresa pública, podemos afirmar:
Ø A forma jurídica da empresa pública é irrelevante para a sua definição, uma vez
que, há empresas públicas sob a forma de pessoas coletivas públicas e há empresas
públicas que são sociedades comerciais, as quais constituem pessoas coletivas
privadas.
Ø As empresas públicas sob forma pública têm direção e capitais públicos.
Ø As empresas públicas sob a forma privada caracterizam-se pela sua subordinação
à influência dominante do Estado, ou de outras entidades públicas, a qual pode
resultar da maioria dos membros dos órgãos de administração ou de fiscalização.

Assim, são elementos essenciais do conceito de empresa pública:


Ø O facto de esta ser, antes de mais, uma empresa em sentido económico;
Ø O seu carácter público não lhe advém apenas do facto e a maioria do capital
pertencer a entidades públicas, mas pode resultar da titularidade por tais entidades
de direitos especiais de controlo, em lhes deem sobre a empresa uma influência
dominante.

Segundo o prof. Freitas do Amaral, as empresas públicas são organizações económicas de


fim lucrativo, criadas e controladas por entidades jurídicas públicas.

Þ A empresa pública como empresa:

Para se chegar ao conceito de empresa é preciso partir do conceito de unidade de produção.


As unidades de produção são, segundo o professor Freitas do Amaral, organizações de

Mafalda Boavida 58
2020/2021

capitais, técnica e trabalho que se dedicam à produção de determinados bens ou serviços,


destinados a ser vendidos no mercado mediante um preço.

As unidades de produção podem estar organizadas e funcionar segundo 2 critérios


fundamentais:
Ø Com fim lucrativo; ou
Ø Sem fim lucrativo.
Se estão organizadas e prosseguem um fim lucrativo são empresas; se, pelo contrário, estão
organizadas e funcionam de modo a não prosseguir um fim lucrativo são unidades de produção
não empresariais.

Þ A empresa pública como entidade sujeita a controlo público:

Há, pelo menos, uma de duas realidades que, na empresa pública, têm carácter público:
Ø A empresa pública pode ter maioria de capitais públicos: neste caso, o
financiamento inicial, que serve para formar o capital da empresa é público e
tratando-se de empresas públicas estaduais, os capitais vêm do próprio Estado.
Ø Se o Estado ou outras entidades públicas não detiverem a maioria do capital
possuirão direitos especiais de controlo exercendo influência dominante sobre a
empresa pública (DL nº 133/2013, art.9/1)

Logo, basta que um destes dois aspetos exista para que a empresa seja considerada, por
lei, como empresa pública.

Þ Motivos de criação de empresas públicas:

As empresas públicas podem nascer da necessidade que, por vezes, o Estado sente de
intervir na economia assumindo “posições chaves”, isto é, posições estrategicamente
fundamentais.
Outro motivo que leva à criação de empresas públicas reside na necessidade, para maior
eficiência da Administração, de transformar velhos serviços, organizados segundo moldes
burocráticos, em empresas públicas modernas, geridas sob forma industrial ou comercial.
Em terceiro lugar, podem criar-se empresas públicas como sanção, como punição política.

Mafalda Boavida 59
2020/2021

Também se têm criado empresas públicas por motivos ideológicos, em cumprimento de


programas doutrinários de natureza socialista ou socializante, que consideram necessário, por
razões políticas, alargar a intervenção do Estado a determinados sectores que, até aí, estavam
nas mãos dos particulares.
Há outros casos em que as empresas públicas resultam de se considerar que em certos
sectores a atividade económica deve ser desenvolvida em regime de monopólio; e entendendo-
se que não se justifica que o monopólio esteja em mãos de particulares, criam-se as respetivas
empresas públicas.

Existem, ainda, outros motivos como o desejo de prestar ao público bens ou serviços em
condições especialmente favoráveis a suportar pelo erário público; a vontade de incentivar o
desenvolvimento de certa região, quebrando uma estagnação difícil de superar por outra via;
o desempenho de atividades em que seja particularmente importante evitar fraudes e
irregularidades; a necessidade de continuação da exploração de serviços públicos cuja
concessão haja sido resgatada; a intenção de fugir aos controlos típicos do Direito
Administrativo, como a sujeição às regras da contratação pública.

Þ Espécies de empresas públicas:

Podemos classificar as empresas públicas quanto à titularidade: podendo haver empresas


públicas estaduais, regionais ou municipais, conforme pertençam ao Estado, a uma região
autónoma ou a um município.
Quanto à forma, podemos distinguir as empresas públicas sob a forma pública – é o caso,
designadamente, das que sejam pessoas coletivas públicas - e empresas públicas sob a forma
privada – é o caso, por exemplo, das sociedades comerciais formadas com capitais
exclusivamente públicos, bem como das sociedades com maioria de capital público ou em que
a Administração pública detém “direitos especiais de controlo”.

Quanto ao objeto, temos as empresas públicas que têm por objeto a exploração de um
serviço público ou de um serviço de interesse económico geral (DL nº 133/2013, artigos 48 e
55).

Mafalda Boavida 60
2020/2021

Serão, assim, empresas de serviço público, ou de serviço de interesse económico geral, as


que asseguram a distribuição ao domicílio de água, gás ou eletricidade, bem como as que
exploram as telecomunicações ou os transportes coletivos.

Þ A missão e enquadramento das empresas públicas:

De acordo com o art. 4 do DL 558/992 existe um princípio da dupla missão das empresas
públicas e embora não exista uma norma análoga no DL nº 133/2013, segundo o professor
Freitas do Amaral, tal princípio mantém-se plenamente válido.

Assim, atentando, por um lado, à natureza empresarial destas organizações e, por outro, à
sua integração no âmbito da Administração Estadual indireta, resulta clara a sua dupla missão:
Ø Contribuir para o equilíbrio económico-financeiro do sector público – missão
económico-financeira.
Ø Contribuir para a obtenção de níveis adequados de satisfação das necessidades
coletivas – missão social.
Ø Quanto ao enquadramento geral da atuação das empresas públicas este está hoje
fortemente influenciado pelo DUE e, em particular, pelas normas de direito da
concorrência, logo:
Ø A existência de empresas públicas que atuem em regime de monopólio é
excecional;
Ø Nenhuma empresa pública, por o ser, pode furtar-se à observância das normas
sobre a concorrência, sob o pretexto de se tratar de uma empresa pública;
Ø Das relações entre o Estado e as suas empresas públicas não podem resultar
situações que, sob qualquer forma, sejam suscetíveis de impedir, falsear ou
restringir a concorrência.
Ø As empresas públicas que se vejam colocadas em situação económica difícil não
podem pedir, nem obter, auxílios do Estado.

2
Artigo 4
Missão das empresas públicas e do sector empresarial do Estado
A actividade do sector empresarial do Estado deve orientar-se no sentido da obtenção de níveis adequados de
satisfação das necessidades da colectividade, bem como desenvolver-se segundo parâmetros exigentes de
qualidade, economia, eficiência e eficácia, contribuindo igualmente para o equilíbrio económico e financeiro
do conjunto do sector público.

Mafalda Boavida 61
2020/2021

Þ Regime Jurídico:

O regime jurídico genérico, ou comum, das empresas públicas portuguesas encontra-se


atualmente condensado no DL nº 133/2013.

à Personalidade e Autonomia:
O atual estatuto das empresas públicas reconhece o traço característico de as empresas
públicas serem dotadas de personalidade e de autonomia.
A lei diz também que as empresas públicas, sob a forma jurídica pública, são dotadas de
autonomia patrimonial (art. 58/1) o que, sob o ponto de vista técnico, acaba por ser redundante,
porque é óbvio que se certa entidade que tem personalidade jurídica, tem necessariamente
património próprio.
Quanto à sua designação, as empresas públicas que revistam forma jurídica privada serão
denominadas como sociedades, em regra sociedades anónimas (S.A.). Se revestirem forma
jurídica pública são chamadas de entidades públicas empresariais (E.P.E.) (art.56).

à Criação e extinção:
De harmonia com o DL nº 133/2013, a criação de empresas públicas que revistam a forma
de sociedade é feita “nos termos e condições aplicáveis à Constituição de sociedades
comerciais” (art.10/1); ao passo que a criação das entidades públicas empresariais é feita por
decreto-lei (art. 57/1), o qual aprovará também os respetivos estatutos.
A constituição de uma empresa pública (sob forma privada) depende de autorização do
Ministro da Finanças e do correspondente Ministério pelo sector da atividade da empresa. Esta
autorização deve ser precedida de um parecer da Unidade Técnica, que elabora uma análise
da viabilidade económico- financeira da empresa a constituir (art. 10/1 e 2). A inexistência
desta autorização determina a nulidade de todos os atos e negócios jurídicos relativos à
constituição da empresa (art. 12/1).
A extinção das empresas públicas ou se faz nos termos prescritos na lei comercial para as
sociedades ou, então, no caso das E.P.E., faz-se mediante decreto-lei (art. 35/1), o qual pode
remeter para a lei comercial (art. 35/2), mas se apenas remeter expressamente.
No caso de as empresas públicas apresentarem capital próprio negativo por um período de
três exercícios económicos consecutivos, devem os órgãos de administração da empresa

Mafalda Boavida 62
2020/2021

propor ao Ministro das Finanças, em alternativa, a extinção da empresa ou a implementação


de medidas concretas destinadas a superar a situação deficitária (art. 35/3).

à Órgãos:
A lei não estabelece, em princípio, qualquer distinção importante entre a estrutura orgânica
das empresas públicas que sejam sociedades e a das que constituam entidades públicas
empresariais.
Na verdade, às primeiras aplicam-se, por definição, as regras próprias do Código das
Sociedades Comerciais (CSC) e às segundas também, por força da remissão do art.60.o/1 do
DL nº 133/2013, para o regime das sociedades anónimas.
Contudo, a lei não se limita a fazer uma remissão para CSC, prevendo regras específicas
de Direito Administrativo relativas à composição e funcionamento dos órgãos de
administração e de fiscalização das empresas públicas.
Assim, começa por exigir que as empresas públicas assumam um modelo de “governo
societário que assegure a efetiva separação entre as funções de administração executiva e as
funções de fiscalização” (art. 30/1). Depois, prescreve que os órgãos de administração e de
fiscalização devem ser ajustados “à dimensão e complexidade da empresa” (art. 31/1). Enfim,
relativamente à composição do órgão de administração, a lei prevê que deve integrar 3
membros, salvo quando a dimensão e complexidade da empresa justificar uma composição
diversa (art. 31/2).

Fixados estes princípios gerais, a lei atribui ao titular da função acionista – Ministro das
Finanças – o poder de definir, nos estatutos de cada empresa, a concreta configuração dos
órgãos de administração e de fiscalização, de acordo com o disposto nos estatutos das
empresas públicas e no CSC (art. 31/3).
Quanto à designação dos administradores das empresas públicas, esta não é feita por
eleição da assembleia geral da empresa, mas (em regra) por deliberação do Conselho de
Ministros (art.32.o/4), nos termos previstos no Estatuto do Gestor Público.

O conselho de administração integra sempre um elemento proposto pelo Ministro das


Finanças, a quem compete aprovar expressamente qualquer matéria como impacto financeiro
superior a 1% do ativo líquido da empresa (art. 31/3). No caso de este membro não concordar
com o sentido da deliberação do órgão de administração, o assunto é submetido à votação da

Mafalda Boavida 63
2020/2021

assembleia geral e, na hipótese de não existir assembleia geral, a despacho dos Ministros das
Finanças e do sector de atividade de empresa (art. 31/5).

As funções de órgãos de fiscalização são, em regra, assumidas por um conselho de


fiscalização (art.33/1) composto por um máximo de 3 membros, devendo um deles
obrigatoriamente designado sob proposta da Direção Geral do Tesouro e Finanças (DGTF).

à Superintendência e tutela do Governo:


As empresas públicas, tal como os institutos públicos, estão sujeitas à intervenção do
Governo, que reveste as modalidades de superintendência e tutela.
O art. 11 do DL nº 133/2013 estabelece como finalidade principal do Governo: “definir a
orientação estratégica de cada empresa pública”, isto é, definir os objetivos a atingir e os meios
e modos a empregar para atingi-los.
Natural é, pois, que o Estado – a quem em última análise pertencem e dependem as
empresas públicas estaduais – se reserve o direito de lhes definir os objetivos, orientando
superiormente a sua atividade.

Assim, o Governo tem, por lei, os seguintes poderes:


Ø Definição das orientações estratégicas por resolução do Conselho de Ministros, que
“aprova o conjunto de medidas e diretrizes relevantes para o equilíbrio económico
e financeiro do sector empresarial do Estado” (art. 24/1).
Ø Exercício dos direitos do Estado, como acionista, através do Ministro das Finanças
e em articulação como o Ministro responsável pelo sector de atividade da empresa
(art. 37/1 e 2). Estes direitos são exercidos na assembleia geral da empresa e, no
caso de esta não existir, por resolução do Conselho de Ministros ou por despacho
do Ministro das Finanças (art. 38/2). O exercício da função acionista compreende
o poder de definir “as orientações a aplicar no desenvolvimento da atividade
empresarial reportada a cada triénio” e os “objetivos e resultados a alcanças em
cada ano e triénio” (art. 38/1 alínea) e b)).
Ø Definição, através dos Ministérios sectoriais, no respeito pelas orientações
estratégicas e sectoriais e pelos objetivos financeiros previamente fixados, da
política sectorial a prosseguir e as orientações específicas de cariz sectorial

Mafalda Boavida 64
2020/2021

aplicáveis a cada empresa, assim como os objetivos a alcançar pela empresa no


plano operacional e o nível de serviço público a prestar (art. 39/4).
Ø Aprovação do plano de atividades e do orçamento da empresa pelo Ministro das
Finanças e pelo Ministros responsável pelo sector de atividade de empresa, a qual
é precedida de um relatório da Unidade Técnica sujeito a aprovação do Ministro
das Finanças (art. 39/8 e 9).
Ø Sujeição a autorização do Ministro das Finanças da realização de operações que se
traduzam na prestação de garantias em benefício de outra entidade ou na assunção
de responsabilidades que ultrapassem o orçamento anual da empresa (art. 25/5).
Ø Finalmente é de referir o controlo económico-financeiro, que se traduz na
imposição de limitações à capacidade de endividamento das empresas públicas não
financeiras.

à O princípio da gestão privada:


As empresas públicas, de um modo geral, estão sujeitas ao direito privado. A atividade
que desenvolvem não é de gestão pública, é de gestão privada, é o que consta no DL nº
133/2013 no art. 14/1.
Se o Estado, através destas empresas públicas, fosse participar diretamente no exercício
de atividades económicas, aplicando ao exercício destas atividades os métodos burocráticos
das repartições públicas ou das direções gerais dos ministérios, é obvio que depararia com
dificuldades intransponíveis.

De qualquer forma, o princípio da gestão privada desdobra-se em toda uma série de


corolários que em grande parte a própria lei se apressa a extrair e a formular explicitamente:
Ø Contabilidade: a contabilidade das empresas públicas é uma contabilidade
empresarial, não é uma contabilidade administrativa, isto é, a contabilidade das
empresas públicas faz-se de acordo com as regras próprias da contabilidade
comercial ou industrial, não se faz de acordo com as regras da própria contabilidade
pública (art. 58/1);
Ø Fiscalização das contas: de acordo com o art. 26, as contas das empresas públicas
estão sujeitas à fiscalização do Tribunal de Contas, bem como à fiscalização da
Inspeção-Geral de Finanças;

Mafalda Boavida 65
2020/2021

Ø Regime jurídico do pessoal: o regime jurídico do pessoal que trabalha nas


empresas públicas é o regime do contrato individual de trabalho (art. 17/1) e não o
regime dos trabalhadores em funções públicas. No entanto, a lei prevê a aplicação
do regime do trabalhador em funções públicas em matéria de subsídio de refeição,
de abono de ajudas de custo e de retribuição devida por prestação de trabalho
suplementar e trabalho noturno aos trabalhadores das entidades públicas
empresariais e das empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente
público (art.18);
Ø Segurança Social: o regime de segurança social do pessoal das empresas públicas
é o regime geral aplicável aos trabalhadores das empresas privadas;
Ø Impostos do pessoal: os funcionários das empresas públicas pagam impostos: o
pessoal das empresas públicas fica sujeito, quanto às renumerações pagas aos
trabalhadores das empresas privadas. Ou seja: quem trabalhe ao serviço de uma
empresa pública paga impostos sobre o rendimento do seu trabalho, nos mesmos
termos em que os pagam aqueles que trabalham ao serviço das empresas privadas;
Ø Impostos da empresa: as empresas públicas estão sujeitas, em princípio, à
tributação direta e indireta nos termos gerais (art. 14/2). Isto significa que as
empresas públicas, por terem um regime de gestão privada, têm de pagar impostos
ao Estado, como se fossem empresas privadas, ao contrário do que acontece com
os Institutos Públicos;
Ø Registo comercial: todas as empresas públicas estão sujeitas ao registo comercial,
ou por serem sociedades, ou porque a lei as submete expressamente a esse regime
(art.61);
Ø Contencioso: nos termos do art. 23/2, compete aos tribunais judiciais o julgar a
generalidade dos litígios em que seja parte uma empresa pública. Ou seja: a
fiscalização da atividade das empresas públicas não fica sujeito aos tribunais
administrativos, justamente porque as empresas públicas fazem gestão privada;
Ø Execução por dívidas: o princípio da gestão privada encontra outro limite no
regime jurídico da execução por dívidas aplicável às empresas públicas. Assim, se
se tratar de pessoas coletivas públicas, não é possível intentar contra qualquer
empresa pública processo de falência ou insolvência, salvo na medida em que
determinar o decreto-lei que procedeu à criação da empresa (art. 35/2);

Mafalda Boavida 66
2020/2021

Administração indireta sob forma Privada

Trata-se de entidades privadas, criadas por iniciativa particular, através de atos de direito
privado, mas que prosseguem fins de interesse público e por isso ficam sujeitas por lei, em
certa medida, a um regime parcialmente traçado pelo Direito Administrativo.

Nas palavras do professor Freitas do Amaral, as instituições particulares de interesse


público “são pessoas coletivas privadas que, por prosseguirem fins de interesse público, têm
o dever de cooperar com a Administração Pública e ficam sujeitas, em parte, a um regime
especial de Direito Administrativo”.

Este é um fenómeno que ocorre porque:


Ø A Administração Pública não pode arcar com todas as tarefas que é necessário
desenvolver em prol da coletividade e, como tal, faz apelo aos capitais particulares
e encarrega empresas privadas de desempenharem a função administrativa: é o que
se passa com a concessão de serviços públicos. Em tal caso, estamos perante o
exercício privado de funções públicas.
Ø A lei considera que um certo número de coletividades privadas são de tal forma
relevante no plano do interesse coletivo que, sem ir ao ponto de as nacionalizar,
decide, contudo, submetê-las a uma fiscalização permanente ou mesmo a uma
intervenção por parte da Administração Pública: é o que acontece com as
sociedades de interesse coletivo, junto das quais existe um delegado do Governo.
Aqui estamos perante o controlo público das atividades privadas.
Ø A lei admite que em determinadas áreas de atividade sejam criadas entidades
privadas, por iniciativa particular, para se dedicarem à prossecução de tarefas de
interesse geral, numa base voluntária e altruísta, tarefas essas que serão realizadas
em simultâneo com a relação de atividades idênticas pela Administração Pública.
Assim, estamos face à coexistência colaborante entre atividades públicas e
privadas.

Mafalda Boavida 67
2020/2021

Segundo o professor Freitas do Amaral, as instituições particulares de interesse público


são caracterizadas:
Ø Do ponto de vista orgânico ou subjetivo, por serem entidades particulares, isto é,
pessoas coletivas privadas, resultantes da iniciativa privada.
Ø Do ponto de vista material ou objetivo, por desempenharem por vezes uma
atividade administrativa de gestão pública, outras vezes por exercerem uma
atividade de gestão privada.
Ø Do ponto de vista do direito aplicável, o regime jurídico a que estão sujeitas é um
misto de direito privado e de Direito Administrativo.

No entanto, o facto de estarem sujeitas à regulamentação administrativa não as transforma


em elementos integrantes da Administração Pública. Estamos antes perante um fenómeno de
descentralização funcional do sector público por transferência de poderes próprios deste para
a órbita do sector privado ou por autorização da concorrência dos particulares com a
Administração no desempenho de certas tarefas comuns.

è Sociedades de interesse coletivo:

Segundo o professor Freitas do Amaral, podemos definir as sociedades de interesse


coletivo como empresas privadas, de fim lucrativo que por exercerem poderes públicos
ou estarem submetidas a uma fiscalização especial da Administração Pública, ficam
sujeitas a um regime jurídico específico traçado pelo Direito Administrativo.
Ex: concecionários e outras empresas a que tenha sido confiada, a qualquer título, a
prestação de um serviço público ou de um serviço de interesse geral.

A principal diferença existente entre as sociedades de interesse coletivo e as pessoas


coletivas de utilidade pública é que as primeiras têm fim lucrativo, as segundas não.

Repara-se que a subordinação das sociedades de interesse coletivo a um regime jurídico


específico, traçado pelo Direito Administrativo pode justificar-se:
Ø Ou porque a empresa, embora privada, se dedica estatutária ou contratualmente, ao
exercício de poderes públicos que a Administração transferiu para ela;

Mafalda Boavida 68
2020/2021

Ø Ou porque as circunstâncias obrigaram a Administração a colocar a empresa


privada num regime de fiscalização especial por motivos de interesse público.

De qualquer forma, a lei sujeita a este tipo de empresas a um regime jurídico-


administrativo, que se sobrepõe ao regime de direito comum normalmente aplicável às
empresas privadas. Este regime comum continua, obviamente, a aplicar-se em tudo quanto
não seja contrário às regras especiais de Direito Administrativo estabelecidas
propositadamente por lei para as sociedades de interesse coletivo.

Þ Espécies:

São várias as espécies das sociedades de interesse coletivo, temos:


Ø Sociedades concessionárias de serviços públicos, de obras públicas ou de
exploração de bens do domínio público;
Ø Empresas que, a outro título, prestem serviços públicos ou serviços de interesse
geral;
Ø Empresas participadas (ou seja, em que as entidades públicas exerçam influência
dominante) que prestem serviços públicos ou serviços de interesse geral;
Ø Outras empresas, participadas ou não, que exerçam poderes públicos;
- Empresas que exerçam atividades em regime de exclusivo ou privilégio não
conferido por lei geral.

Þ Regime jurídico:

Entre as prerrogativas e privilégios das sociedades de interesse coletivo, podem citar-se os


três mais importantes:
Ø Isenções fiscais;
Ø Direito de requerer ao Estado a expropriação por utilidade pública de terrenos de
que necessitem para se instalar;
Ø Possibilidade de beneficiar quanto às obras que empreendem, do regime jurídico
das empreitadas das obras públicas.

Mafalda Boavida 69
2020/2021

Na categoria dos deveres ou encargos especiais impostos por lei, nas sociedades de
interesse coletivo, pode ocorrer os seguintes:
Ø Os corpos gerentes destas empresas podem encontrar-se sujeitos a
incompatibilidades e limitações de renumeração estabelecidas por lei para os
gestores públicos e, nomeadamente, ao princípio de que o salário de base mensal
não pode exceder o vencimento de Ministro;
Ø Se se tratar de empresas participadas pelo sector público, ficam sujeitas às regras e
princípios que o Regime Jurídicos do Sector Empresarial Local manda aplicar-lhes;
Ø O funcionamento destas empresas pode achar-se submetido à fiscalização efetuada
pelos delegados do Governo.

Þ Natureza jurídica das sociedades de interesse coletivo:

Tem-se levantado o problema de saber se as sociedades de interesse coletivo fazem parte,


ou não, da Administração Pública em sentido orgânico ou subjetivo.

As pessoas coletivas privadas não fazem, por regra, parte da Administração Pública. Mas
quanto a estas entidades que ficam submetidas a um regime jurídico-administrativo, em
especial quando exerçam funções de carácter público coincidentes com as atribuições da
Administração, pergunta-se se efetivamente passam, ou não, a ser elementos integrantes da
Administração Pública.

Há 2 teses principais sobre o assunto:


Ø A tese clássica é a de que estas entidades, porque são entidades privadas, não fazem
parte da Administração Pública: são colaboradores da Administração, mas não são
seus elementos integrantes. Esta é defendida pelo professor Freitas do Amaral,
porque:
o As entidades privadas sujeitas a um regime administrativo são e continuam
a ser pessoas coletivas privadas, sujeitos de direito privado;
o A generalidade dos seus atos são atos jurídicos de direito privado, não são
(em regra) atos administrativos;
o O regime da responsabilidade civil aplicável a essas entidades é o que vem
previsto no CC;

Mafalda Boavida 70
2020/2021

o O pessoal ao serviço dessas entidades não pertence à função pública, sendo-


lhe diretamente aplicável o regime do contrato individual de trabalho;
o O próprio art. 82 da CRP vem reiterar a tese clássica.
Ø A segunda tese, defende que as entidades, pelo facto de exercerem funções
públicas, tornam-se órgãos indiretos da Administração. Esta tese é defendida pelo
professor Marques Guedes.

è As pessoas coletivas de utilidade pública:

As associações e fundações podem ser vistas pela lei como entidades de utilidade
particular ou enquanto entidades de utilidade pública. São de utilidade particular aquelas que
embora não tenham um fim lucrativo, desenvolvam atividades que não interessem
primacialmente à comunidade nacional ou a qualquer região autónoma ou autarquia local, mas
apenas a grupos privados. Mais, estas não aceitam cooperar com a Administração Pública,
central ou local.
São pessoas coletivas de utilidade pública as associações e fundações de direito
privado que prossigam fins não lucrativos de interesse geral, cooperando com a
Administração Central ou local, isto conforme a definição dada pelo diploma que regula
as pessoas coletivas de utilidade pública, o DL nº 460/77 de 7 de novembro.
Assim, as pessoas coletivas de utilidade pública são pessoas coletivas privadas, que
prosseguem fins não lucrativos de interesse geral, sejam estes de âmbito nacional ou local,
tendo estas que cooperar com a Administração Pública no desenvolvimento desses fins de
interesse geral, precisando de obter da Administração, mais precisamente, do Governo (art.
3/1 do DL 460/77) a declaração de utilidade pública.

Þ Espécies:

Tal como o professor Freitas do Amaral sugere, as pessoas coletivas de utilidade pública
podem ser classificadas segundo diferentes critérios:
Ø Quanto à natureza do substrato, dividem-se em associações, fundações e
cooperativas.

Mafalda Boavida 71
2020/2021

Ø Quanto ao âmbito territorial atual são pessoas coletivas de utilidade pública geral,
regional ou local, conforme prossigam fins de interesse nacional ou fins que
interessam apenas a uma região autónoma ou local.
Ø Quanto aos fins que prosseguem podemos ter três espécies de pessoas coletivas de
utilidade pública: As pessoas coletivas de mera utilidade pública, as instituições
particulares de solidariedade social e as pessoas coletivas de utilidade pública
administrativa.

As pessoas coletivas de mera utilidade pública compreendem todas as pessoas coletivas


de utilidade pública que não sejam instituições particulares de sociedade social nem pessoas
coletivas de utilidade pública administrativa, logo estas prosseguem fins de interesse geral
que não correspondam aos fins específicos das outras 2 categorias.
O seu regime jurídico consta do DL. 460/77 e caracteriza-se por regalias e isenções, mas
também deveres e limitações. A intervenção da Administração Pública no funcionamento
destas entidades é mínimo e não envolve qualquer tipo de tutela administrativa nem controlo
financeiro.
Quanto às instituições particulares de solidariedade social, estas são constituídas para dar
expressão a um dever moral de solidariedade e justiça. O seu regime consta do DL. nº 119/83
de 25 de fevereiro e contém, para além de privilégios e limitações especiais, o direito ao apoio
financeiro do Estado e a sujeição à tutela administrativa deste.
As pessoas coletivas de utilidade pública administrativa são as pessoas coletivas que não
sendo instituições particulares de solidariedade social, prossigam alguns dos fins previstos no
antigo art. 416 do CA, é nomeadamente o caso das associações humanitárias que visam
socorrer feridos, doentes ou náufragos, apagar incêndios ou qualquer outra forma
desinteressada de vidas humanas e bens. O seu regime consta do CA e os seis atos e atividades
estão sujeitos às regras da contabilidade pública, ao controlo do Tribunal de Contas e à
fiscalização dos tribunais administrativos (art. 4/1 alínea d) do novo ETAF).

Em todas estas pessoas coletivas há graduação da intervenção da Administração Pública,


na primeira há intervenção mínima, porque os fins de interesse geral das entidades privadas
não interferem com as funções assumidas pela administração; na segunda é de tipo intermédio,
porque os fins prosseguidos coincidem com os da Administração, que favorece e fiscaliza a
coexistência colaborante entre as atividades privadas e públicas; e na terceira é máxima,

Mafalda Boavida 72
2020/2021

porque tais entidades foram criadas pela iniciativa particular para preencher uma lacuna dos
poderes públicos e, como tal, correspondem a uma modalidade de exercício privado de
funções públicas, onde a intervenção e o controlo administrativo têm de ser maiores.

Þ Regime jurídico:

Como estas entidades reúnem avultados patrimónios, normalmente obtidos por doação de
particulares, é necessários fiscalizá-las para que não haja dissipação de bens e para que as
pessoas encarregadas de geri-las não administrem os patrimónios no seu interesse pessoal,
mas no interesse geral que presidiu à afetação desses bens aos respetivos fins.

Nos termos do DL 460/77, todas as pessoas coletivas de utilidade pública têm o seguinte
regime jurídico-administrativo:
Ø Não podem desenvolver, a título principal, atividades económicas em concorrência
com outras entidades que possam não beneficiar do estatuto de utilidade pública,
art. 2/1 alínea c) e 12/2 alínea a).
Ø Não podem exercer a sua atividade, de forma exclusiva, em benefício de interesses
privados quer dos próprios associados, quer dos fundadores, art. 2/1 alínea f).
Ø Têm de estar registadas numa base de dados mantida pela Secretaria Geral da
Presidência do Conselho de Ministros (art. 8/1).
Ø Gozam de isenções fiscais previstas em leis tributárias, art. 9.
Ø Beneficiam de isenção de taxas de televisão e de rádio e de isenção de taxas
previstas na legislação sobre espetáculos e divertimentos (art. 10 alínea a) e e), bem
como da publicação gratuito dos seus estatutos e suas alterações no DR (art. 10
alíneas f).
Ø Dispõem de tarifas reduzidas no consumo de energia elétrica e de água (art. 10
alínea b).
Ø Podem requerer a expropriação por utilidade pública, mesmo urgente, dos terrenos
de que careçam para prosseguir os seus fins estatutários (art. 11).
Ø Têm de enviar anualmente à Presidência do Conselho de Ministros o relatório e
contas do exercício, prestar à Administração Pública quaisquer informações
solicitadas e comunicar à Secretaria Geral da Presidência do Conselho de Ministros
as alterações dos estatutos (art. 12).

Mafalda Boavida 73
2020/2021

Mais é de notar que associações ou fundações que prossigam fins de beneficência,


humanitários, de assistência ou de educação podem ser declaradas de utilidade pública logo
no momento da sua constituição; as restantes só o podem ser após 3 anos de efetivo
funcionamento (art. 4).

Administração Pública Autónoma

Definição: administração autónoma é aquela que prossegue interesses públicos próprios


das pessoas que a constituem e, por isso, se dirige a si mesma, definindo com independência
a orientação das suas atividades, sem sujeição a hierarquia ou a superintendência do Governo.

Em primeiro lugar, administração autónoma prossegue interesses públicos próprios das


pessoas que a constituem, ao contrário da administração indireta que, como vimos, prossegue
atribuições do Estado, ou seja, prossegue fins alheios.

Em segundo lugar, e em consequência disso, a administração Autónoma dirige-se a si


mesma, apresentando-se como um fenómeno da auto-administração: quer dizer, são os seus
próprios órgãos que definem com independência a orientação das suas atividades, sem estarem
sujeitos a ordens ou instruções, nem a diretivas ou orientações do Governo.

Assim, o único poder que o Governo pode exercer sobre a Administração Autónoma é o
poder de tutela (art. 199/4/d, 229 e 242), o que é um mero poder de fiscalização ou controlo
que não permite nem dirigir nem orientar as entidades a ele submetidas.
Posto isto, pertencem à Administração Autónoma:
Ø As associações públicas;
Ø As autarquias locais;
Ø Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
As primeiras são entidades de tipo associativo; as segundas e as terceiras são as chamadas
pessoas coletivas de população e território. Em todas elas há um substrato humano: todas são
agrupamentos de pessoas, diferentemente do que acontece na Administração Indireta, onde
tanto os institutos públicos como as empresas públicas são substratos materiais.

Mafalda Boavida 74
2020/2021

As Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira integram-se na Administração


Autónoma, embora com algumas especificidades muito importantes que não permitem a sua
integral assimilação às associações públicas e às autarquias locais.

Tipo associativo

è Associações Públicas:

Definição: pessoas coletivas públicas, de tipo associativo, destinadas a assegurar


autonomamente a prossecução de determinados interesses públicos pertencentes a um grupo
de pessoas que se organiza com esse fim.

De acordo com o art.157 e 167 do CC, uma associação é uma pessoa coletiva constituída
pelo agrupamento de várias pessoas singulares ou coletivas que não tenha por fim o lucro
económico dos associados. Se tivesse por fim o lucro seria uma sociedade.
A maior parte das associações são entidades privadas. Mas algumas associações há que a
lei cria ou reconhece com o objetivo de assegurar a prossecução de certos fins ou interesses
coletivos, chegando mesmo a atribuir-lhes para o efeito um conjunto de poderes públicos, ao
mesmo tempo que as sujeita a especiais restrições de carácter público.

Estas distinguem-se das empresas e dos institutos públicos, porque estes são pessoas
coletivas públicas de tipo institucional, assentam sobre uma instituição (seja ela um serviço,
uma fundação, um património, um estabelecimento ou uma empresa), enquanto as associações
corresponde ao tipo associativo e têm por esteio um agrupamento de indivíduos e ou de
pessoas coletivas com um objetivo comum.
Por outro lado, os institutos públicos e as empresas públicas existem para prosseguir os
interesses públicos do Estado, integrando-se, por isso, na Administração Indireta do Estado,
ao passo que as Associações Públicas existem para prosseguir interesses públicos próprios das
pessoas que as constituem, pelo que fazem parte da Administração Autónoma.
As Associações têm interesses e fins próprios e, por isso mesmo, dirigem, orientam e
gerem os seus destinos, os seus bens, o seu pessoal e as suas finanças sem estarem sujeitos a
diretivas ou orientações exteriores.

Mafalda Boavida 75
2020/2021

Entre Associações Públicas e Institutos Públicos há apenas uma coisa em comum: ambos
são pessoas coletivas públicas, criadas para assegurar a prossecução de interesses públicos
determinados e, por isso, em ambos os casos estamos perante pessoas coletivas de fins
singulares.

De qualquer forma, é de referir que as associações, no seu conjunto, têm vindo a assumir
uma importância crescente no seio da Administração Pública, assistindo-se mesmo a um
movimento de proliferação destas entidades. As razões prendem-se, por um lado, com a
tendência neocorporativa que se tem desenvolvido no âmbito das democracias ocidentais, na
qual os mecanismos de concertação social de representação social e de representação de
interesses sectoriais ganham um peso crescente e, por outro lado, o seu crescimento está
também ligado à reforma administrativa e à necessidade de flexibilizar e diversificar as formas
de organização e os meios de atuação da Administração Pública, tornando-a menos
burocratizada e mais participada.

Þ Espécies:

Toda a associação pública tem sempre como base, por natureza, um substrato pessoal e
associativo, isto é, um agrupamento de sujeitos de direito organizado em torno de um fim e
que tanto pode ser constituído por indivíduos como por pessoas coletivas.

São 3 as espécies de associações públicas:

à Associações de entidades públicas:

Por vezes, para se designar este tipo de associações utiliza-se a expressão consórcios
públicos.
É a categoria menos controversa. Trata-se de entidades que resultam da associação, união
ou federação de entidades públicas menores e, especialmente, de autarquias locais. Trata-se
também de entidades que, nos últimos anos, se têm desenvolvido e multiplicado de uma forma
muito intensa, sobretudo devido ao sucessivo adiamento da criação das regiões
administrativas.

Mafalda Boavida 76
2020/2021

Os exemplos mais relevantes deste tipo de entidades são:


à As áreas metropolitanas, que correspondem a pessoas coletivas públicas de natureza
associativa e âmbito territorial, que visam a prossecução de interesses públicos, comuns aos
municípios que as integram. Segundo o diploma que as rege estas são “livremente instituídas
pelos municípios integrantes das áreas geográficas” da grande Lisboa e do grande Porto,
sendo-lhe cometido um significativo conjunto de atribuições que, por sua vez, são
transformadas em competências dos respetivos órgãos: o conselho metropolitano, a comissão
executiva e o conselho estratégico.
à As comunidades intermunicipais, que são constituídas por um contrato, outorgado pelos
presentes dos órgãos executivos dos municípios envolvidos e celebrado em conformidade com
a lei civil. Os estatutos da associação, que são assim instrumentos jurídicos de direito privado,
têm o seu conteúdo mínimo definido por lei: denominação, sede composição, fins, bens, etc.
No entanto, a mesma lei é clara ao estabelecer que as comunidades intermunicipais destinam-
se à prossecução de fins públicos.
à As associações de municípios e de freguesias de fins específicos, que são constituídas
por contrato, que deve incluir os estatutos da nova entidade, nos termos da lei civil. Aqui a
liberdade constituição e adesão é bastante maior do que no caso das áreas metropolitanas e
das comunidades intermunicipais, sem prejuízo de se aplicar também o mesmo sistema de
desincentivo ao abandono por parte dos seus membros

à Associações públicas de entidades privadas:

Estas, segundo o professor Freitas do Amaral, são o paradigma das associações públicas.
Como exemplos podemos apontar as ordens profissionais que basicamente começaram por
ser associações de profissões liberais, embora hoje muitos dos profissionais inscritos sejam
trabalhadores subordinados; e as camaras profissionais. A diferença entre as duas tem a ver
com o grau académico dos associados: curso superior no caso das ordens e curso intermédio
no caso das câmaras (art.11 da LAPP).
Temos ainda como exemplo as academias científicas e culturais, que são qualificadas
como instituições de utilidade pública, dotadas de personalidade jurídica e autonomia
administrativa e, nalguns casos, estão sob a tutela do Governo ou são órgão consultivo do
Governo. Estas são associações públicas por terem atribuições na área do desenvolvimento,
aprofundamento e divulgação do conhecimento científico das artes e da cultura portuguesa.

Mafalda Boavida 77
2020/2021

à Associações de carácter misto:

Nestas numa mesma associação agrupam-se uma ou mais pessoas coletivas +públicas e
indivíduos ou pessoas coletivas privadas. Nestes casos, há associados públicos e particulares,
uns e outros com direito a participar na assembleia geral ou num órgão deliberativo
equivalente, em proporções variáveis. E nos órgãos executivos estão também presentes, em
conjunto, tanto os representantes do Estado ou de outras pessoas coletivas públicas, como os
representantes dos associados particulares.
Como exemplos temos as Entidades Regionais de Turismo, os centros de formação
profissional de formação profissional partilhada e as cooperativas de interesse público, que
desenvolvem as suas atividades em áreas tão díspares como a música, o apoio social ou a
gestão de matas nacionais.

Figuras afins

Convém não confundir as associações públicas com outras entidades que não podem ser
qualificadas como tal:
Ø Por não serem pessoas coletivas de direito público;
Ø Por lhes faltar a natureza associativa;
Ø Ou mesmo por não possuírem personalidade jurídica.

Assim, não são qualificáveis como associações públicas:


Ø A Associação Nacional de Municípios e a Associação Nacional de Freguesias;
Ø As associações políticas;
Ø As igrejas e demais comunidades religiosas;
Ø As associações sindicais;
Ø A Cruz Vermelha Portuguesa;
Ø As federações desportivas;
Ø As casas do povo;
Ø Em geral, as associações de solidariedade social, de voluntários de ação social, de
socorros mútuos, bem como as demais associações de utilidade pública;
Ø As denominadas associações de desenvolvimento regional;
Ø As camaras de comércio e de indústria;

Mafalda Boavida 78
2020/2021

Ø A Comissão de Carteira Profissional de Jornalista;


Ø As organizações de moradores.

Þ Regime constitucional e legal:

Ao contrário do que acontece com as empresas públicas e com os institutos públicos, não
existe um diploma legal que regule as associações públicas no seu conjunto. Há, contudo,
diplomas que disciplinam as espécies mais importantes de associações públicas, como sucede
com a LAL (Lei das Autarquias Locais) e com a LAPP (Lei das associações públicas
profissionais).

No entanto, como pessoas coletivas públicas e enquanto entidades integradas na


Administração Pública, são muitas as regras e princípios constitucionais que se aplicam de
forma direta à totalidade das associações públicas, nomeadamente:
Ø Princípio da validade dos atos de todos os poderes públicos depende da sua
conformidade com a CRP (art. 3/3);
Ø A regra da vinculação das entidades públicas ao regime dos direitos, liberdades e
garantias (art. 18/1);
Ø Ao direito de os particulares acederem aos tribunais para defesa dos seus direitos,
impugnando as decisões administrativas (art. 20);
Ø Ao princípio da responsabilidade civil dos poderes públicos, por violação ativa ou
omissiva dos direitos dos particulares (art. 22);
Ø Ao direito de os particulares solicitarem a intervenção do Provedor de justiça em
defesa dos seus direitos afetados por atuações ou omissões de entidades
administrativas (art. 23);
Ø Aos direitos de audiência e defesa dos particulares em todos os processos
sancionatórios e contraordenacionais (art. 32/10);
Ø Art.112/6/8;
Ø À fiscalização das suas finanças pelo Tribunal de Contas, nos termos do art. 214;
Ø À generalidade dos princípios constitucionais sobre organização da Administração
Pública, tais como os princípios da desburocratização, da aproximação dos serviços
às populações, etc (art. 267);

Mafalda Boavida 79
2020/2021

Ø A todos os princípios constitucionais sobre atividade da Administração, tais como


os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da boa-
fé (art. 266);
Ø A todos os direitos constitucionais dos particulares (art.268);
Ø Direito à tutela jurisdicional efetiva;
Ø À fiscalização da constitucionalidade das normas regulamentares ou regimentais
por si emanadas (art. 277 e ss).

Não quer isto dizer que as associações públicas desenvolvam a sua atividade submetida
exclusivamente ao direito público. Pelo contrário, o recurso ao direito privado é crescente.
Assim, podemos dizer que o recurso ao direito público dá-se quando pretendam agir perante
os seus associados, munidas de poder de autoridade, mas quando desenvolvem atividades
instrumentais, as associações públicas seguem normalmente ao direito privado.

Quanto ao direito constitucional e o regime específico das associações temos o art. 165/1
alínea s), 199 alínea d), 247, 253, 267/1, 267/4.

Quanto à criação das associações públicas estas podem ter na sua origem um ato público
que, a partir do nada, procede à sua criação; a transformação de um organismo público de tipo
institucional; um ato jurídico dos seus associados e um ato de publicização de uma associação
privada pré-existente.

o As ordens profissionais em especial:


Segundo o professor Freitas do Amaral, as ordens e câmaras profissionais são associações
públicas formadas pelos membros de certas profissões de interesse público com o fim de, por
devolução de poderes do Estado, regular e disciplinar o exercício da respetiva atividade
profissional (art. 2 da LAPP).

Mafalda Boavida 80
2020/2021

Estas além da defesa dos interesses gerais dos destinatários dos serviços prestados pelos
seus membros identificam-se outros 4 núcleos fundamentais:
Ø Funções de representação da profissão face ao exterior;
Ø Funções de apoio aos seus membros;
Ø Funções de regulação da profissão;
Ø Funções administrativas acessórias ou instrumentais.

Assim, as ordens profissionais desenvolvem normalmente uma intensa atividade de defesa


da profissão.
Posto isto, as funções que por lei são desenvolvidas pelas ordens profissionais exigem,
como é natural, que seja colocado na disponibilidade destas um conjunto de instrumentos
jurídicos de vária natureza. Estas dispõem de poder regulamentar, bem como do poder de
praticar atos administrativos, definidores da situação jurídica individual e concreta dos seus
membros e mesmo de terceiros (art. 9 e 17 da LAPP).

As ordens profissionais caracterizam-se ainda pelo facto de o legislador, ao definir o seu


regime, as associar a um conjunto de poderes jurídicos fundamentais ao desempenho das suas
funções.

Assim, as ordens profissionais têm as seguintes características:


Ø Unidade, que impede a existência de outras associações públicas com os mesmos
objetivos e o mesmo âmbito de jurisdição.
Ø Filiação (ou inscrição) obrigatória (art. 24 LAPP). No entanto, esta característica
representa uma restrição à liberdade de associação e uma restrição à liberdade de
profissão, que está prevista no art. 46 da CRP;
Ø Quotização obrigatória;
Ø Autoadministração, numa Administração Pública que se quer descentralizada
democraticamente e participada, a autoadministração faz todo o sentido;
Ø Poder disciplinar.

Mafalda Boavida 81
2020/2021

è Universidades:

São várias as posições doutrinárias acerca da matéria das universidades públicas e da sua
natureza jurídica:

Segundo o Professor Freitas do Amaral, as universidades públicas como uma modalidade


particular de institutos públicos estaduais, caracterizados pelo funcionamento participado e
por um elevado grau de autonomia garantido constitucionalmente.
O Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (Lei nº 62/2007, de 10 de setembro)
vem dar força a esta posição ao determinar que é aplicável às instituições de ensino superior
o regime das demais pessoas coletivas públicas de natureza administrativa, tal como a Lei-
Quadro dos Institutos Públicos (Lei nº 3/2004, de 15 de janeiro) que é aplicada de forma
subsidiária.

Segundo o Professor MARCELO REBELO DE SOUSA (posição que é seguida pelo


REGENTE), as universidades públicas são pessoas coletivas públicas. Têm sobretudo
natureza associativa, pelo predomínio do elemento pessoal do substrato.

Todavia, não as considera como associações públicas, tendo em conta o menor peso dos
respetivos interesses próprios sobre os interesses transferidos pelo Estado. Possuem fins
específicos, não lucrativos.

Quanto à estrutura, são tendencialmente perfeitas, podendo integrar outras pessoas


coletivas de capacidade de gozo e de exercício e não tendo qualquer base territorial. Até à Lei
da Autonomia (Lei nº 108/88, de 24 de setembro) as universidades pertenciam à
Administração diretamente dependente do Estado-Administração, mas hoje, segundo o
professor, integram a Administração autónoma.

Deste modo, permite-se o cumprimento da Constituição da República Portuguesa, que


consagra a “autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira das
universidades públicas”, no seu artigo 76/2. A liberdade de criação cultural sob forma de
criação científica postula a autonomia universitária, de que depende a autonomia financeira.

Mafalda Boavida 82
2020/2021

Assim, o Professor MARCELO REBELO DE SOUSA considera a universidade pública


uma pessoa coletiva como sendo associativa ou institucional, conforme impere o elemento
pessoal ou patrimonial do substrato. Se se aceita a natureza associativa ou corporacional, não
podem as universidades públicas ser institutos públicos, já que estes se definem como pessoas
coletivas públicas do tipo institucional (na expressão do próprio Professor DIOGO FREITAS
DO AMARAL).

Finalmente, o Professor PEREIRA COUTINHO salienta uma pretensa natureza dualista


das universidades, em que, a cada uma, corresponde um serviço público estadual e um
substrato associativo. Com base no art. 74/4, no art. 75/1 e no art. 9 alínea b), d) e f) da CRP,
a responsabilidade constitucional do Estado de assegurar a investigação e o ensino
universitário pressupõe a disponibilização de meios adequados para tal.
Os dois elementos da natureza dualista das universidades têm momentos lógicos distintos.
Um primeiro momento estabelece a criação e manutenção de um serviço público pelo Estado,
podendo constituir um estabelecimento público ou uma fundação pública com regime de
direito privado. Um segundo momento diz respeito à formação de uma associação pública
(universidade em sentido estrito), através da consolidação da liberdade académica de
docentes, investigadores e estudantes. Este segundo momento – o momento associativo –
exprime uma lógica constitucional concretizadora das liberdades académicas.
Desta forma, não é uma base democrática sustentada na categoria de associações públicas,
que justificará a administração autónoma universitária, mas sim a titularidade individual de
liberdades académicas, concebendo-se um outro tipo de associações públicas – as associações
públicas funcionais de direitos fundamentais. Uma das vocações deste tipo de associação
compreende a constituição de um espaço de conciliação e de concordância entre titulares
individuais de direitos fundamentais, ou seja, cabe conferir aos membros da universidade um
grau de participação ao nível das decisões que afetam o seu exercício.

Mafalda Boavida 83
2020/2021

Tipo territorial

è Regiões Autónomas:

O Estado Português é unitário, na medida em que, sob o ponto de vista constitucional


pressupõe uma só fonte de poder constituinte e uma só constituição com autonomia político-
administrativa. No entanto, em Portugal existem regiões com autonomia político-
administrativa regulada no estatuto próprio de cada uma, assegurando a competência dos
órgãos legislativos da região e os poderes das respetivas autoridades executivas.

As Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira são pessoas coletivas de direito público,
de população e território, que pela Constituição dispõem de um estatuto político-
administrativo privativo e de órgãos de governo próprios democraticamente legitimados, com
competências legislativas e administrativas, para a prossecução dos seus fins específicos:
São fundamentos da sua autonomia as suas características geográficas, económicas,
sociais e culturais e as históricas aspirações autonomistas das populações insulares. Mais estas
prosseguem fins próprios: a participação democrática dos cidadãos, o desenvolvimento
económico-social e a promoção e defesa dos interesses regionais, bem como o reforço da
unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os portugueses. No entanto, têm os
seus limites como a integridade da soberania do Estado e o respeito da CRP.

Þ Figuras afins:

Além de se distinguirem dos Estados federados, estes são entes soberanos na ordem interna
e, por isso, dispõem de Constituição própria.
As regiões autónomas distinguem-se também das regiões administrativas, previstas nos
artigos 255 a 262 da CRP. Estas não dispõem constitucionalmente de um estatuto jurídico
especial, as leis de instituição em concreto são simples leis ordinárias e, sobretudo, as suas
competências limitam-se ao âmbito da função administrativa, não dispondo elas de quaisquer
competências natureza legislativa enquanto as regiões autónomas correspondem a um
fenómeno de descentralização político- administrativa, as regiões administrativas que surgem
através da descentralização administrativa das regiões autónomas tem também uma natureza
jurídica completamente distinta das atuais regiões Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo,

Mafalda Boavida 84
2020/2021

Alentejo e Algarve, em que operam as chamadas Comissões de Coordenação e


Desenvolvimento Regional (CCDR),atualmente regidas pelo Decreto-Lei nº 104/2003, de 23
de Maio.
Com efeito, as regiões administrativas são apenas mais uma divisão administrativa do
território, a juntar a tantas outras: os distritos, as regiões militares, os círculos e comarcas
judiciais, em que atuam determinados serviços desconcentrados da própria pessoa coletiva
Estado. Mais precisamente, as ditas regiões correspondem tão só ao âmbito de jurisdição das
Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, que são serviços desconcentrados
do Ministério do Ambiente, Habitação e Ordenamento do Território e que tem
fundamentalmente a seu cargo o planeamento e a administração do território e que, embora
disponham de autonomia administrativa e financeira, não possuem sequer personalidade
jurídica. São, no fundo, circunscrições administrativas, não personalizadas, que se dedicam
apenas a matérias relacionadas com o ordenamento do território e o desenvolvimento regional.
Assim, ao passo que as regiões autónomas correspondem a uma ideia de Administração
autónoma, traduzindo um fenómeno de descentralização nomeadamente politico-legislativa e
administrativa, as referidas regiões Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve
são meras zonas de atuação de determinados serviços desconcentrados e periféricos do Estado,
integrados portanto na Administração direta deste último.

Þ O sistema de governo regional:

As regiões autónomas são dotadas pela Constituição de órgãos de governo próprios: são
eles a Assembleia Legislativa e o Governo Regional (art. 231). A estes dois órgãos acresce
um terceiro, que não é tido pela Constituição como órgão de governo próprio, mas que integra
também o sistema de governo regional: o Representante da República (art.230).

à Representante da República:
Este foi um cargo criado pela Lei Constitucional n.o 1/2004, de 24 de julho (Sexta Revisão
Constitucional) para representar a soberania portuguesa em cada uma das regiões autónomas,
nos termos do artigo 230.o da CRP. O Representante da República substituiu o Ministro da
República na arquitetura constitucional como órgão de fiscalização da constitucionalidade das
leis regionais e como especial representante da soberania, transitando a figura para a esfera
política do Presidente da República, de quem passa a ser representante especial.

Mafalda Boavida 85
2020/2021

O Representante da República é nomeado e exonerado livremente pelo Chefe de Estado,


após ter sido ouvido o Governo da República. O mandato de ambos coincide, salvo em caso
de exoneração. Se o cargo ficar vago e nas ausências e impedimentos, as funções do
Representante da República são exercidas pelo Presidente da Assembleia Legislativa da
Região respetiva.

São competências do Representante da República junto de cada Região Autónoma:


Ø Nomear o Presidente do Governo Regional, tendo em conta os resultados
eleitorais, nos termos do art. 231/4 da CRP;
Ø Nomear e exonerar os restantes membros do Governo Regional mediante
proposta do respetivo presidente, nos termos do art. 231/3 da CRP;
Ø Assinar e mandar publicar os decretos legislativos regionais e os decretos
regulamentares regionais, nos termos do art. 233 da CRP;
Ø Exercer o direito de veto sobre as leis regionais, nos termos dos art. 278 e 279 da
CRP.

à Assembleia legislativa:
Em cada Região Autónoma (Açores e Madeira) é eleita uma Assembleia Legislativa
Regional, por sufrágio universal, direto e secreto, de harmonia com o princípio da
representação proporcional. Tem competência legislativa em matérias de interesse específico
para a região que não estejam reservadas à competência própria dos órgãos de soberania.

Esta pode apresentar propostas de lei à Assembleia da República, sendo que a iniciativa
legislativa em matéria de estatutos político-administrativos das Regiões Autónomas compete,
exclusivamente, a si, podendo os Deputados e o Governo apresentar propostas de alteração no
decurso do processo de discussão na Assembleia da República.

Os eleitores são todos e quaisquer cidadãos portugueses recenseados nas regiões, não
apenas os naturais dos Açores e da Madeira.

A eleição dos deputados regionais faz-se por círculos eleitorais, que correspondem, nos
Açores, a cada uma das nove ilhas e, na Madeira, a cada um dos onze municípios existentes.

Mafalda Boavida 86
2020/2021

Os direitos e deveres dos deputados regionais encontram-se definidos no 231.°/6 da CRP e


nos estatutos politico- administrativos.

Quanto aos poderes dos deputados no âmbito do funcionamento da assembleia


legislativa, os estatutos político-administrativos destacamos os seguintes:
Ø Apresentar projetos de decreto legislativo regional;
Ø Apresentar propostas de resolução;
Ø Apresentar moções;
Ø Requerer do governo regional informações e publicações oficiais;
Ø Formular perguntas ao governo regional sobre quaisquer atos deste ou da
administração pública regional;
Ø Provocar, por meio de interpelação ao governo regional, dois debates em cada
sessão legislativa.

No entanto, estes não desempenham só a função legislativa, nem tão pouco as suas
competências se desenvolvem apenas no âmbito da função legislativa e da função política,
designadamente no que toca a fiscalização da atividade do governo regional. As assembleias
legislativas possuem também uma importante competência de natureza administrativa, que
resulta da conjugação da primeira parte do art. 227/1/d com o art. 232/1 da CRP, têm
competência para regulamentar, no âmbito regional, toda a legislação emanada dos órgãos de
soberania, quando estes não reservem para si essa mesma regulamentação.

Assim, podemos agrupar as competências das assembleias legislativas:


Ø Regulamentar a legislação regional e as leis gerais emanadas dos órgãos de
soberania que não reserve para estes o respetivo poder regulamentar;
Ø Adaptar o sistema fiscal nacional a especificidade regional, nos termos de lei-
quadro da Assembleia da República;
Ø Fixar, nos termos da lei, as dotações correspondentes a participação das autarquias
locais na repartição dos recursos públicos aplicados em programas comunitários
específicos para a Região;
Ø Definir atos ilícitos de mera ordenação social e respetivas sanções, sem prejuízo do
disposto no art. l65/1/d da Constituição;
Ø Elaborar o seu regimento.

Mafalda Boavida 87
2020/2021

à Governo Regional:
O governo regional é definido nos estatutos político-administrativos como o órgão
executivo de condução da política regional e o órgão superior da administração pública
regional.

Importa aqui ter em conta um importante aspeto relativo ao governo regional, diz respeito
a sua estrutura e organização interna. O art. 231/6 da Constituição diz que é da exclusiva
competência do governo regional a matéria respeitante a sua própria organização e
funcionamento, trata-se de uma disposição semelhante ao art. 198/2 da Constituição,
respeitante ao Governo da República e que corresponde a manifestação de um princípio geral
de auto-organização dos órgãos complexos e dos órgãos colegiais.
Em consequência, considerando que o executivo regional não possui competência
legislativa, a chamada lei orgânica do governo regional, consta necessariamente de um
regulamento independente, fundado de modo direto naquele preceito constitucional e nas
disposições estatutárias que o reproduzem. Isto é, a lei orgânica do governo regional não é
uma lei, antes assumindo a forma de decreto regulamentar regional.
A estrutura orgânica do IX Governo Regional dos Açores compreende além do presidente
e de um vice-presidente, oito secretários regionais, que possuem competência própria e
delegada, e um único subsecretario regional, este com competência delegada.

Os secretários regionais assumiam nessa orgânica as seguintes pastas:


Ø Presidência;
Ø Educação e ciência;
Ø Habitação e equipamentos; - Assuntos sociais1;
Ø Economia;
Ø Agricultura e florestas;
Ø Ambiente e do mar;
Ø Adjunto do vice-presidente.

Cada secretário regional está, naturalmente, à frente de uma secretaria regional, exceto o
da presidência e o adjunto, que partilham, com o presidente e o vice-presidente do governo,
os serviços da presidência do governo regional.

Mafalda Boavida 88
2020/2021

Para além disto por força de um princípio de desconcentração interna consagrado no


estatuto açoriano, as secretarias regionais têm as suas sedes repartidas por Ponta Delgada,
Angra do Heroísmo e Horta e o conselho do governo regional te, de reunir, ao longo do ano,
pelo menos uma vez em cada uma das nove ilhas do arquipélago.

Por sua vez, no diploma orgânico do governo regional da Madeira, prevê-se a existência,
de além do presidente, um vice-presidente e de sete secretários regionais, estes com
atribuições nos seguintes domínios:
Ø Recursos humanos;
Ø Turismo e cultura;
Ø Equipamento social e transportes; - Assuntos, sociais;
Ø Educação;
Ø Plano e finanças;
Ø Ambiente e recursos naturais.

O governo regional é, portanto, semelhante ao Governo da República: este como órgão


complexo tem pelo menos um presidente e vários secretários regionais, os quais formam no
seu conjunto o conselho governo regional.

Þ Estado e as Regiões Autónomas:

Ao contrário das autarquias locais, as regiões autónomas dos Açores e da Madeira não se
encontram constitucionalmente sujeitas a um poder de tutela administrativa do Estado, uma
vez que não integram a noção estrita de Administração Autónoma.

O legislador nacional, a quem cabe sempre decidir sobre se a execução de um determinado


regime nos Açores e na Madeira, adotou uma solução de meio-termo: reserva ao Governo da
República a titularidade das competências de execução, mas delega o seu exercício nos
governos regionais.
No entanto, tal opção tem consequências: o Governo da República, enquanto órgão
delegante, pode fiscalizar a forma como os órgãos delegados fazem uso das competências que
lhes foram confiadas, aplicando aos casos concretos os regimes legais em causa. E pode
também, naturalmente, revogar a delegação e reassumir as competências de que e titular.

Mafalda Boavida 89
2020/2021

A ausência de um poder geral de tutela do Governo da República sobre as autoridades


regionais não significa que aquele esteja constitucionalmente impedido de dispor de poderes
de supervisão nos casos em que as leis nacionais aplicadas pelas regiões autónomas sejam
para estas leis imperativas, i.e., tenham sido emanadas ao abrigo de uma competência
legislativa reservada dos órgãos de soberania e para se aplicarem uniformemente em todo o
território nacional.

è Autarquias Locais:

A administração local autárquica não se confunde com a administração local do Estado: é


uma forma de administração muito diferente.

Em sentido subjetivo ou orgânico, esta corresponde ao conjunto das autarquias locais, em


sentido objetivo, é a atividade administrativa desenvolvida pelas autarquias locais.
Esta é um imperativo constitucional, estando previsto no art. 235 da CRP.

Definição: pessoas coletivas públicas de população e território, correspondente aos


agregados de residentes em diversas circunscrições do território nacional, e que asseguram a
prossecução dos interesses comuns resultantes da vizinhança mediante órgãos próprios,
representativos dos respetivos habitantes.

Assim, as autarquias locais comportam 4 elementos essenciais:


Ø O território: este é, naturalmente, uma parte do território do Estado,
desempenhando a função de identificar a autarquia local, de definir a população
respetiva e de delimitar as atribuições e as competências da autarquia local e dos
seus órgãos, em razão do lugar;
Ø O agregado populacional: é em função destas que se definem os interesses a
prosseguir pela autarquia e porque a população constitui o substrato humano da
autarquia local;
Ø Os interesses comuns: estes servem de fundamento à existência das autarquias
locais, as quais servem de fundamento à existência das autarquias locais, as quais
se formam para prosseguir os interesses privativos das populações locais,

Mafalda Boavida 90
2020/2021

resultantes do facto de elas conviverem numa área restrita, unidas pelos laços da
vizinhança.
Ø Os órgãos representativos.

Þ Descentralização, autoadministração e poder local:

Onde quer que haja autarquias locais há descentralização em sentido jurídico, o que
significa que as tarefas da administração pública não são desempenhadas por um só pessoa
coletiva, mas por várias pessoas coletivas diferentes, encarregadas de exercer a atividade
administrativa.

Þ O princípio da autonomia local:

No Estado liberal, a autonomia local constituía um refuto próprio das autarquias face ao
Estado, análogo à liberdade dos cidadãos face ao poder político. Hoje, em pleno Estado social
de Direito, o princípio da autonomia local já não é mesmo.

Hoje, o princípio da autonomia local pressupõe:


Ø O direito e a capacidade efetiva das autarquias regulamentarem e gerirem uma parte
importante dos assuntos públicos (art. 3/1 da Carta Europeia);
Ø O direito de participarem na definição das políticas públicas nacionais que afetam
os interesses próprios das respetivas populações;
Ø O direito de partilharem com o Estado ou com a região as decisões sobre matérias
de interesse comum;
Ø O direito de regulamentarem a aplicação das normas ou planos nacionais por forma
a adaptá-los convenientemente às realidades locais.

Þ Espécies de autarquia locais em Portugal:

Na CRP estão previstos:


Ø A autarquia concelhia ou município;
Ø O distrito, sendo uma circunscrição administrativa;
Ø Freguesia;

Mafalda Boavida 91
2020/2021

Þ Regime jurídico:

o Fontes
Como fontes tempos a CRP, a Lei nº 75/2013 ou lei das autarquias locais, a Lei nº 169/99,
que apesar de revogada parcialmente pela LAL, mantém-se em vigor na parte relativa à
constituição, composição e organização dos órgãos autárquicos, a Lei nº 27/96 que regula as
eleições autárquicas.

o Traços Gerais
Na CRP, no capítulo I do título VIII da parte III, estão previstos os princípios gerais da
matéria:
Ø Divisão do território, que só pode ser estabelecida por lei (art. 236/4);
Ø Descentralização (art. 237);
Ø Património e finanças locais (art. 238/1);
Ø Correção de desigualdades (art. 238/2); - Órgãos dirigentes (art. 240/1/2);
Ø Referendo local (art. 240/3);
Ø Poder regulamentar (art. 241);
Ø Tutela administrativa (art. 242/1);
Ø As autarquias locais têm quadros de pessoal próprio (art. 243/1)
Ø O Estado tem o dever de conceder às autarquias locais apoio técnico e meios
humanos.

Mais temos o princípio da reserva de lei em matéria de autarquias locais previsto no art.
164 e 165.

Þ A Freguesia:

Definição: autarquias locais que, dentro do território municipal, visam a prossecução de


interesses próprios da população residente em cada circunscrição paroquial.
Organicamente, as freguesias são compostas pela Assembleia de Freguesia (o órgão
deliberativo e representativo dos habitantes, art. 245 CRP, que em pequenas freguesias pode
ser substituído pelo Plenário dos cidadãos eleitores) e pela Junta de Freguesia (o órgão
executivo, art. 246 CRP).

Mafalda Boavida 92
2020/2021

À Assembleia de Freguesia compete eleger a Junta de Freguesia (função eleitoral),


fiscalizar e superintendê-la (função de fiscalização), discutir orçamentos, aprovar
regulamentos, atribuir de poderes tributários, decidir sobre outros assuntos importantes fora
da competência da junta (função decisória).

À Junta de Freguesia compete executar as leis e outras deliberações da Assembleia de


Freguesia (função executiva), resolver os problemas que surgem na comunidade (função de
estudo e proposta), gerir os meios humanos e financeiros da freguesia (função de gestão),
apoiar o desenvolvimento na comunidade (função de fomento), colaborar com a Câmara
municipal e demais entidades públicas que prossigam interesse dos habitantes da
circunscrição (função de colaboração).

A freguesia, enquanto integrante das autarquias locais é uma entidade pública que
apresenta uma base territorial. É uma entidade independente, distinta da pessoa coletiva do
Estado (art. 6/1 da CRP). O artigo 3/1 da Carta Europeia de Autonomia Local define ainda o
princípio da autonomia local como impondo "o direito e a capacidade efetiva de as autarquias
locais regulamentarem e gerirem, nos termos da lei, sob sua responsabilidade e no interesse
das respetivas populações, uma parte importante dos assuntos públicos". Parte essa
determinável pelo princípio da subsidiariedade (art. 6/1 CRP e 4/3 da Carta Europeia de
Autonomia Local).
As freguesias têm várias atribuições, que contribuem para esclarecer a sua importância
efetiva. Estas encontram-se enumeradas, de forma exemplificativa e não taxativa, no artigo
7.o do regime jurídico das Autarquias Locais (Lei nº 75/2013, de 12 de setembro, também
designada de “LAL”).
Assim, temos:
Ø Equipamento rural e urbano;
Ø Abastecimento público;
Ø Educação;
Ø Cultura, tempos livres e desporto; - Cuidados primários de saúde;
Ø Ação social;
Ø Proteção civil;
Ø Ambiente e salubridade;
Ø Desenvolvimento;

Mafalda Boavida 93
2020/2021

Ø Ordenamento urbano e rural;


Ø Proteção da comunidade.

As atribuições das freguesias abrangem ainda o planeamento, a gestão e a realização de


investimentos nos casos e nos termos previstos na lei.

Administração Pública deve ser “estruturada de modo a evitar a burocratização e a


aproximar os serviços das populações” (art. 267/1) e estruturada de modo a promover a
descentralização do poder (art. 6/1).
As freguesias têm um âmbito de ação ainda mais alargado pela possibilidade legal de
realizarem protocolos com instituições públicas que promovam atividades como a assistência
social, educativa, cultural e a proteção do património.

Além disso, é prevista a possibilidade de delegação de competências das Câmaras


Municipais nas juntas de freguesias em todos os domínios dos interesses próprios das
populações destas, em especial no âmbito dos serviços e das atividades de proximidade e do
apoio direto às comunidades locais (art. 131 LAL).
Mesmo que não haja delegação, a mesma lei estabelece a "Delegação legal", isto é,
automaticamente consideram-se delegadas nas juntas de freguesias um conjunto de
competências das câmaras municipais (art.132), como assegurar a limpeza e reparação das
vias e espaços públicos, gerir e assegurar a manutenção de feiras e mercados; assegurar a
realização de pequenas reparações nos estabelecimentos de educação pré-escolar e do
primeiro ciclo do ensino básico.

Por fim, é importante destacar que as freguesias assumem um papel de relevo em muitos
outros setores. Assim, no plano político, é de salientar que são as freguesias que apoiam vários
processos eleitorais, como as eleições presidenciais, autárquicas, legislativas, e legislativas
regionais.

Mafalda Boavida 94
2020/2021

Þ O Município:

Definição: o município é a autarquia local que visa a prossecução de interesses próprios


da população residente na circunscrição concelhia, mediante órgãos representativos por ela
eleitos.

Os municípios tem importância em termos internacionais, pois é o único tipo de autarquia


com existência universal; históricos; políticos; económicos; administrativos; financeiros;
jurídicos.

A CRP veio determinar que pertence à reserva absoluta de lei formal o regime da criação,
extinção e modificação territorial das autarquias locais (art. 167/n) e que pertence à reserva
relativa de lei formal o estatuto das autarquias locais, incluindo o regime das finanças locais
(art. 168/1/s).
Mais, por via de regra, cada município tem os limites territoriais que corresponderem aos
limites das freguesias que o integram.

Enfim, cada município tem o direito de usar símbolos heráldicos, que o identificam e
distinguem perante terceiros

o Transferência de competência dos órgãos do município:


Nos termos da LAL, a descentralização administrativa concretiza-se através de 2
instrumentos:
Ø Transferência legal de competências, em que a transferência faz-se por atos
legislativos, sendo que o faz em termos definitivos e universais (art. 114), ou seja,
sem previsão de duração e para todos os municípios. No entanto, esta definitividade
não pode traduzir-se numa proibição de futura revogação da lei de transferência de
competências, dado que a LAL não tem valor reforçado.
Ø Delegação de competências – Esta assenta num acordo de vontades (art. 116),
fundando-se na celebração de um contrato inter-administrativo (art. 120/1) cujo
conteúdo deve, à semelhança do que sucede com a lei de transferência de
competências, integrar uma referência aos recursos humanos, patrimoniais e
financeiros necessários e aos estudos que fundamentaram a decisão de celebrar o

Mafalda Boavida 95
2020/2021

contrato (art. 122). Tais contratos estão previstos no CCP e no CPA (art. 120/2).
Quanto à sua natureza estes são verdadeiros contratos administrativos (art. 1/6/b do
CCP), a delegação pode apenas ocorrem em relação às competências delegáveis
(art. 124/2), o período de vigência do contrato coincide com a duração do mandato
do Governo que o subescreveu (art.126/1) e considera-se renovado após a tomada
de posse do novo Governo (art.126/2). Finalmente, quanto à cessação do contrato,
para além do decurso do tempo, que determina a sua caducidade, os contratos
também podem cessar por revogação (no caso de acordo mutuo das partes), por
resolução (no caso de incumprimento do contrato, art.123.o/2/4/5) e por denúncia,
no prazo de 6 meses após a tomada de posse do Governo ou após a instalação do
órgão autárquico (art.126.o/3).

o Os órgãos do município:
O município é uma pessoa coletiva e, como tal, tem órgãos que tomam decisões, que
manifestam a vontade própria da pessoa coletiva em causa, tal está previsto no art.235.o/2 da
CRP.
Os órgãos do município dizem-se representativos quando a designação dos seus titulares
provier de eleição.

Uma classificação a que importa aludir está prevista no art.239 é a diferença entre:
Ø Órgãos deliberativos, que são os órgãos que tomam as grandes decisões de fundo
e marcam a orientação ou definem o rumo a seguir pela entidade a que pertencem.
Estes são órgãos colegiais amplos, tipo assembleia. No município este é a
Assembleia Municipal.
Ø Órgãos executivos, que são os que aplicam as orientações gerais no dia-a-dia,
encarregando-se da gestão corrente dos assuntes compreendidas na pessoa coletiva.
Estes são órgãos colegiais restritos e singulares. No município este é a Câmara
Municipal e, na opinião do professor FREITAS DO AMARAL, o presidente da
Câmara Municipal.

Mafalda Boavida 96
2020/2021

à Assembleia Municipal:
A Assembleia Municipal é o órgão deliberativo do município, isto é, funcionam como
autentico um autêntico parlamento municipal.
O art. 251 da CRP traça a composição da Assembleia. Esta não é toda eleita diretamente
é, em parte, constituída por membros eleitos e, em parte, constituída por membros por
inerência que são os presidentes da junta de freguesia. No entanto, o número de membros
diretamente elementos pela população não pode ser inferior aos dos presidentes das juntas de
freguesia, nora que visa assegurar que os escolhidos por eleição direta não fiquem em minoria
perante os designados apenas mediante inerência.
Quanto ao funcionamento, cfr. art.27 da LAL, a Assembleia Municipal reúne-se em 5
sessões ordinárias, em que duas delas têm agenda pré-fixada na lei: trata-se, por um lado, da
sessão de Abril na qual deve ser apreciado o inventário de todos os bens, direitos e obrigações
patrimoniais e feita a respetiva avaliação; por outro lado, temos a sessão de Novembro ou
Dezembro em que cumpre aprovar as propostas das opções dos planos de atividades e do
orçamento para o ano seguinte.

Esta não desempenha funções executivas, nem funções de gestão, mas antes funções
próprias deste tipo de órgãos, cfr. art.25 da LAL:
Ø Função de orientação geral do município, de que a mais importante é discutir e
aprovar o programa anual de atividades e o orçamento do município;
Ø Função de fiscalização da Câmara Municipal;
Ø Função de regulamentação, que consiste em elaborar regulamentos, como as
posturas municipais;
Ø Função tributária;
Ø Função de decisão superior, que se traduz na prática de atos sobre as matérias mais
importantes da vida do município.

à A Câmara Municipal:
Esta é o órgão colegial de tipo executivo a quem está atribuída a gestão perramente dos
assuntos municipais. Podemos chamar-lhe, portanto, o corpo administrativo, que é definido
pelo professor Freitas do Amaral como todo o órgão colegial executivo encarregado da gestão
permanente dos assuntos de uma autarquia local.
Esta é diretamente eleito pela população do município.

Mafalda Boavida 97
2020/2021

Diz o art. 57 da Lei da Composição e Funcionamento dos Municípios e Freguesias


(LCFA), que a Câmara é composta pelo Presidente de Câmara, que é o primeiro candidato da
lista mais votada para a Câmara Municipal, e pelos vereadores.
Quanto ao número de vereadores que compõem cada Câmara Municipal é variável
conforme a dimensão do município.
Quanto ao funcionamento, ao contrário do que acontece com a Assembleia Municipal, que
tem um número certo de sessões ordinárias por ano, mais as sessões extraordinárias que forem
expressamente convocada – a Câmara Municipal está em sessão permanente.

No art. 33 da LAL estão previstos 5 tipos de funções:


Ø Função preparatória e executiva: a Câmara prepara as deliberações da Assembleia
Municipal e, uma vez tomadas, executa-as;
Ø Função consultiva: a Câmara emite parecer sobre projetos de obras não sujeitos a
licenciamento municipal e participa em órgãos consultivos de administração
central;
Ø Função de gestão: a Câmara gere o pessoal, os dinheiros e o património do
Município;
Ø Função de fomento: a Câmara apoia com outras entidades, o desenvolvimento de
atividades de interesse municipal de natureza social, cultural, desportiva ou
recreativa;
Ø Função de decisão: a Câmara toma todas as decisões de autoridade que a lei lhe
confira, nomeadamente através da prática de atos administrativos e de contratos
administrativos.

A forma de exercício da competência da Câmara Municipal que constitui a regra é a do


exercício coletivo, pela Câmara, reunida em Colégio. No entanto, há exceções:
Ø Nos casos em que a competência da Câmara pode ser exercida pelo Presidente da
Câmara por delegação, cfr. art.34/1 da LAL.
Ø Nos casos em que a competência da Câmara pode ser delgada aos vereadores pelo
Presidente da Câmara, cfr. art.34/2 da LAL.

Mafalda Boavida 98
2020/2021

àPresidente da Câmara:
As principais competências do Presidente da Câmara estão previstas no art.35.o da LAL,
temos:
Ø A função presidencial: consiste em convocar e presidir às reuniões da Câmara, e
em representar o município, em juízo e fora dele.
Ø A função executiva: cabe-lhe executar as deliberações tomadas pela própria
Câmara;
Ø A função decisória: compete-lhe dirigir e coordenar os serviços municipais;
Ø A função interlocutória: cumpre ao Presidente da Câmara fornecer informações aos
vereadores e à Assembleia Municipal, bem como remeter a esta toda a
documentação comprovativa da atividade do Município, em especial no plano
financeiro.

Mais além da competência própria, o Presidente da Câmara pode exercer competência


delegada nos termos do art.34/1.

à O Conselho Municipal de Educação:


O Conselho Municipal de Educação é um órgão de âmbito municipal com funções de
natureza consultiva e de coordenação da política educativa, criado pelo DL n.o 7/2003 de 15
de janeiro (Lei do Conselho Municipal de Educação).
É de notar que os pareceres deste órgão devem ser remetidos diretamente aos serviços e
entidades com competências executivas a que respeitam.

à O Conselho Municipal de Segurança:


O Conselho Municipal de Segurança é um órgão de âmbito municipal com funções de
natureza consultiva, de articulação, informação e cooperação, criado pela Lei n.o 33/98 (Lei
do Conselho Municipal de Segurança). Este reúne uma vez por trimestre, mediante
convocação do presidente da Câmara Municipal.

à Os serviços municipais:
Definição: os serviços municipais, em sentido estrito, são os serviços do município que,
não dispondo de autonomia, são diretamente geridos pelos órgãos principais do município.

Mafalda Boavida 99
2020/2021

O município toma decisões através dos seus órgãos. Mas essas decisões, antes de serem
tomadas, precisam de ser cuidadosamente estudadas e preparadas e, uma vez tomadas, têm de
ser executadas. A preparação e a execução das decisões competem aos serviços.
Os serviços pertencentes ao município chamam-se serviços municipalizados

à Os serviços municipalizados e as empresas locais:


Os serviços municipalizados são verdadeiras empresas públicas municipais que, não tendo
personalidade jurídica, estão integrados na pessoa coletiva município.
Estes estão regulados na Lei nº 50/2012 de 31 de agosto (Regime jurídico do Sector
Empresarial Local).

Os serviços municipalizados são criados por deliberação da assembleia municipal, sendo


que é esta a acompanhar e a fiscalizar a sua atividade. Quanto ao seu objeto estes podem
prosseguir: o abastecimento público de água, gestão de resíduos urbanos, transporte de
passageiros, etc (vide art.10/1 da RSEL). Para além destas atividades não é admissível a
criação de serviços municipalizados, embora a lei tenha salvaguardado aqueles serviços já
existentes à data da sua entrada em vigor.

Já quanto às empresas públicas locais, estas são regidas pelo RSEL. As empresas locais
são pessoas coletivas de direito privado, de tipo societário, constituídas e participadas nos
termos da lei comercial, nas quais a entidade pública participante exerce uma influência
dominante.
Por sua vez, a influência dominante certifica-se pela verificação de algum dos seguintes
requisitos (art.19/1):
Ø Detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto;
Ø Direito de designar ou destituir a maioria dos membros do órgão de gestão, de
administração ou fiscalização;
Ø Qualquer outra forma de controlo de gestão.

Consoante o seu objeto podemos ter:


Ø Empresas locais de gestão de serviços de interesse geral, em que o seu objeto é a
prossecução de um serviço público de âmbito local (art. 45).

Mafalda Boavida 100


2020/2021

Ø Empresas locais de promoção do desenvolvimento local e regional, em que o seu


objeto é uma atividade que vise a promoção do crescimento económico ou o reforço
da coesão económica e social (art.48).

o Associações de municípios:
Segundo a LAL, as associações de municípios são verdadeiras pessoas coletivas públicas
(art. 63/1). A sua constituição é complexa que envolve a assembleia municipal e a câmara
municipal.
De acordo com o art. 109 da LAL, cada associação de municípios tem estatutos próprias
que têm de estabelecer a sua denominação, o seu fim, sede e composição, as competências
dos órgãos, a contribuição de cada município, entre outras coisas.

o O referendo local:
A possibilidade de efetuar consultas sobre assuntos relacionados com a vivência diária das
populações locais é uma forma de sensibilização dos cidadãos para a existência e necessidade
de decisão de problemas que lhe são próximos.
Este está previsto na Lei Orgânica nº 4/2000 de 24 de agosto (LRL). A LRL delimita
positiva e negativamente o objeto da consulta:
Ø Pela positiva está estipulado no art. 3/1;
Ø Pela negativa temos o art. 4.

Quanto aos requisitos temporais nenhum referendo local pode ser convocado ou realizado
entre a data da convocação e data da realização de eleições gerais para os órgãos de soberania.
Além disso, não pode haver cumulação entre os referendos locais e os regionais (art.6.o/3/8
da LRL).

Os limites circunstanciais estão previstos no art. 9/1 da LRL.

Sobre o âmbito das consultas populares, estas tanto podem ter lugar ao nível da freguesia,
como ao nível do município (art. 2/2 da LRL).

Mafalda Boavida 101


2020/2021

Já o procedimento tem 8 fases:


Ø niciativa, que é dos deputados dos órgãos deliberativos e aos órgãos executivos
(art.11) e de grupos de cidadãos recenseados na respetiva circunscrição territorial
(art.10/2 e 13 da LRL)
Ø Decisão sobre a realização da consulta, em que a votação para a aprovação, pelo
órgão competente, das propostas apresentadas das quais consta obrigatoriamente o
conteúdo das preguntas (art.23);
Ø Controlo da constitucionalidade e da legalidade do procedimento bem como da
formulação das perguntas, que compete ao TC (art,25) e que tem 25 dias para emitir
a sua pronúncia (art.26 da LRL).
Ø Marcação da data do referendo, cujos prazos estão previsto no art.33/1.
Ø Campanha de divulgação e de debate, que deverá decorrer com vista à apresentação
pública e ao debate democrático (art.37).
Ø Votação popular, que está previsto no art.96;
Ø Apuramento dos resultados, que está previsto no art.127;
Ø Publicação oficial dos resultados, que é feito nos termos do art.145;

Sobre os efeitos do referendo: estes traduzem-se na sua vinculatividade, desde que na


votação tenha participado mais de metade dos eleitores inscritos no recenseamento.

No entanto, o referendo não é a única forma de democracia participativa no âmbito local:


Ø O direito de petição de que gozam os cidadãos eleitores da circunscrição
administrativa, traduzindo na possibilidade de apresentação aos órgãos de governo
local de pedidos no sentido de adoção ou cessação de determinadas medidas que
considerem relevantes para o interesse público local (art.52/1 da CRP);
Ø O direito de intervenção nas reuniões dos órgãos colegiais autárquicos, num
período fixado com vista à prestação de esclarecimentos, cuja referência sumária é
lavrada em ata (art.49/2/4/5/6 da LAL);
Ø O direito de requerer a convocação de reuniões extraordinárias dos órgãos
deliberativos autárquicos, sendo certo que a LAL impõe que este requerimento seja
subscrito por um mínimo de eleitores (art.12/1/c e 28/1/c da LAL).

Mafalda Boavida 102


2020/2021

o A problemática das grandes cidades e das áreas metropolitanas:

à A organização das áreas metropolitanas:


Para além das grandes cidades existem os seus arredores. O conjunto formado pela grande
cidade e pelos núcleos populacionais suburbanos ou satélites chama-se área metropolitana.

Em relação ao problema da organização administrativa das áreas metropolitanas,


existem 3 tipos de soluções:
Ø Sistema de anexação dos pequenos municípios urbanos pelo município da grande
cidade, em que a grande cidade ao expandir-se absorve no seu seio os municípios
que, até aí, eram seus vizinhos. Foi o que aconteceu em Lisboa com Algés e os
Olivais.
Ø Sistema da associação obrigatória de municípios, em que a lei impõe a associação
do município da grande cidade com os municípios limítrofes.
Ø Sistema de criação de uma autarquia supramunicipal, em que as autarquias
municipais se mantém, mas é criada uma nova autarquia, de nível superior, a qual
engloba e substitui a grande cidade e os municípios dos sus arredores. É o sistema
vigente em Londres e Paris.

à As áreas metropolitanas e as comunidades intermunicipais:


A LAL prevê a existência de dois tipos de entidades intermunicipais para a prossecução
de fins gerais: a área metropolitana e a comunidade intermunicipal. Ambas constituem
associações de autarquias locais e representam formas de cooperação intermunicipal
caraterizadas pela exclusividade e pela contiguidade territorial.
O regime de ambas é bastante aproximado, o que significa que o modelo de cooperação
intermunicipal adotado passou a tratar de forma praticamente igual realidades bastante
diferentes: núcleos populacionais de milhões de habitantes e núcleos populacionais de pouco
mais de 100 mil habitantes.
Ainda assim, existem algumas diferenças: o caráter voluntário da sua instituição, o alcance
das suas atribuições, e a estrutura orgânica adotada.
Criação: as áreas metropolitanas são aquelas que a lei indicar (art.66o/1 LAL). Já as
comunidades intermunicipais são livremente instituídas pelos municípios que integrem uma
determinada área geográfica previamente delimitada por lei. A lei não obriga à constituição

Mafalda Boavida 103


2020/2021

da entidade, mas fixa previamente quais os municípios habilitados a integrá-la (art.66o/2


LAL). A comunidade constitui-se por contrato. A eficácia do acordo depende da aprovação
pelas assembleias municipais dos municípios envolvidos (art.80/1, 2 e 3).
As comunidades intermunicipais não podem ser instituídas sem o acordo de um número
mínimo de municípios que a queiram integrar, vendando a lei a instituição destas com número
inferior a cinco municípios ou que tenham população somada inferior a 85000 habitantes (art.
80/5 LAL). Estando a comunidade intermunicipal já constituída, qualquer município
habilitado a integrá-la tem o direito potestativo de a ela aderir, mediante deliberação da câmara
municipal, aprovada pela assembleia municipal (art. 80/4 LAL).
A lei contempla a possibilidade de criação de 21 comunidades intermunicipais, estando
atualmente todas constituídas.

Atribuições: existe coincidência quase total entre as atribuições prosseguidas pelas áreas
metropolitanas e as comunidades intermunicipais. Entre elas (art. 67o e 81o LAL):
Ø Funções de planeamento da estratégia de desenvolvimento económico, social e
ambiental do respetivo território;
Ø Função de articulação dos investimentos municipais;
Ø Funções de participação na gestão dos programas de apoio ao desenvolvimento
regional;
Ø Funções de articulação dos municípios com os serviços de administração central
relativamente às redes de serviços públicos.

As áreas metropolitanas participam ainda na definição de redes de serviços e equipamentos


de âmbito metropolitano, assim como em entidades públicas de âmbito metropolitano.
As áreas metropolitanas e as comunidades intermunicipais podem também exercer as
competências transferidas pelo Estado e aquelas que são delegadas pelos municípios que as
integram através da celebração de contratos de delegação de competências (art. 67/3 e 81/3
LAL).

Órgãos: no caso das áreas metropolitanos, a lei prevê um órgão deliberativo, o conselho
metropolitano, um órgão executivo, a comissão executiva metropolitana, e um órgão
consultivo, o conselho estratégico para o desenvolvimento metropolitano.

Mafalda Boavida 104


2020/2021

O conselho metropolitano é constituído pelos presidentes das câmaras municipais dos


municípios que a integram (art. 69/2 LAL). O conselho tem um presidente e dois vice-
presidentes, eleitos de entre os seus membros (art. 69/3 LAL). Compete-lhe, pelo art. 71o
LAL, definir e aprovar as opções políticas e estratégicas da área metropolitana, aprovar o
orçamento e o plano de ação da área metropolitana, acompanhar e fiscalizar a atividade da
comissão executiva, com o poder de a demitir. Detém ainda competência regulamentar.

A comissão executiva é constituída pelo primeiro-secretário e por quatro secretários


metropolitanos, eleitos pelas assembleias municipais dos municípios que a integram (art.
73o/2 LAL). Os membros são eleitos através de um processo complexo que consiste na
realização de uma eleição a decorrer simultaneamente em todas as assembleias municipais
dos municípios que integram a área metropolitana e que devem ser convocadas para reunir na
mesma data e hora pelos respetivos presidentes. A votação tem por objeto a eleição de uma
lista ordenada de candidatos, previamente aprovada pelo conselho metropolitano. A lista
submetida a votação é eleita se reunir a maioria dos votos favoráveis num número igual ou
superior a metade das assembleias municipais, desde que aqueles votos sejam representativos
da maioria do número de eleitores somados de todos os municípios que integram a área
metropolitana (art. 74 LAL).

Compete à comissão executiva metropolitana, pelo art. 76o LAL, executar as opções do
plano e o orçamento, assegurar o cumprimento das deliberações do conselho metropolitano,
bem como dirigir os serviços metropolitanos.

O conselho estratégico para o desenvolvimento metropolitano é constituído por


representantes das instituições, entidades e organizações com relevância e intervenção no
domínio dos interesses metropolitanos, cuja designação cabe ao conselho metropolitano (art.
78 LAL).

No caso das comunidades intermunicipais, a lei prevê quatro órgãos: dois órgãos
deliberativos, a assembleia intermunicipal e o conselho intermunicipal, um órgão executivo,
o secretariado executivo intermunicipal e um órgão consultivo, o órgão estratégico para o
desenvolvimento intermunicipal.

Mafalda Boavida 105


2020/2021

A assembleia intermunicipal é constituída por membros de cada assembleia municipal dos


municípios que integram a comunidade intermunicipal, eleitos de forma proporcional, nos
termos do art. 83o/1 da LAL: 2 nos municípios até 10.000 eleitores; quatro nos municípios
entre 10001 e 50.000 eleitores; estais nos municípios entre 50001 e 100000 eleitores; 8 nos
municípios com mais de 100000 eleitores.

A eleição ocorre em cada assembleia municipal e nela só participam os seus membros


eleitos diretamente. Os mandatos são atribuídos segundo modelo de representação
proporcional, e o método da média mais alta de Hondt (art. 83/2 e 3 LAL).

Nos termos do art. 84 LAL, compete a esta aprovar, sob proposta do conselho
intermunicipal, as opções do plano e o orçamento, bem como apreciar o inventário de todos
os bens, direitos e obrigações patrimoniais e apreciar e votar os documentos de prestação de
contas. Compete ainda eleger, sua proposta do conselho intermunicipal, o secretariado
executivo intermunicipal, bem como aprovar moções de censura a este órgão.

O conselho intermunicipal é constituído pelos presidentes das câmaras municipais dos


municípios que integram a comunidade intermunicipal (art. 88o/1 LAL). O conceito de um
presidente e 2 vice-presidente, eleitos de entre os seus membros.

Nos termos do art. 90 LAL, compete a este definir e aprovar as opções políticas
estratégicas da comunidade intermunicipal, bem como acompanhar e fiscalizar a atividade do
secretariado executivo intermunicipal. O conselho tem competência para aprovar
regulamentos, sob proposta do secretariado executivo, e o poder de demitir o secretariado
executivo intermunicipal.

O secretariado executivo intermunicipal é constituído pelo primeiro-secretário e até dois


secretários intermunicipais (art. 93 LAL).
Os membros são eleitos pela assembleia intermunicipal, que delibera, em sufrágio secreto,
sobre uma lista ordenada de candidatos previamente aprovada pelo conselho intermunicipal e
comunicada ao presidente da assembleia municipal. Este, por sua vez, assegura que a reunião
regular da assembleia tem lugar nos 30 dias subsequentes à comunicação do conselho
intermunicipal (art. 94 LAL).

Mafalda Boavida 106


2020/2021

Nos termos do art. 96 LAL, completa e este este executar as opções do plano e o
orçamento, assegurar o cumprimento das deliberações do conselho intermunicipal e dirigir os
serviços intermunicipais.

O conselho estratégico para o desenvolvimento intermunicipal é constituído por


representantes das instituições, entidades e organizações com relevância e intervenção no
domínio dos interesses intermunicipais, cuja designação cabe ao conselho intermunicipal (art.
78o LAL).

Quanto ao seu funcionamento, aplica-se às entidades intermunicipais o regime jurídico


aplicável aos órgãos municipais (art. 104 LAL).

Sistema de governo: Há semelhança entre ambas as entidades. O órgão executivo


responde sempre perante todas as assembleias municipais dos municípios que integram a
respetiva área metropolitana ou comunidade intermunicipal, podendo ser demitido em
resultado da aprovação de uma moção de censura pela maioria das assembleias municipais
(art. 102/1/a LAL). O órgão executivo respondem ainda internamente: No caso da área
metropolitana, a comissão executiva pode ser demitida pelo conselho metropolitano, e, no
caso da comunidade intermunicipal, porque há dois órgãos deliberativos, o secretariado
executivo pode ser demitido, quero por um quero por outro (art. 102/1/b LAL).

Tutela: As entidades intermunicipais estão sujeitas a tutela administrativa do governo,


mos mesmos termos das autarquias locais (art. 64 LAL).

Þ Os problemas de constitucionalidade suscitados pelas novas figuras:

O facto de configurarem formas de cooperação intermunicipal para a realização de fins


gerais, torna estas figuras desconformes com a Constituição, por força do princípio da
tipicidade da noção de autarquia (art. 236o/2 CRP). Além disso, a concessão de poder
regulamentar a entidades cujos órgãos deliberativos não tem legitimidade democrática direta
representa uma violação da Constituição (art. 24o CRP).

Mafalda Boavida 107


2020/2021

Relativamente às áreas metropolitanas:


A liberdade de constituição de associações e federações de municípios decorre do direito
de associação (art. 46 CRP), extensível às pessoas coletivas de base territorial, desde que
compatível com a sua natureza (art. 12/2 CRP). Esta extensão é confirmada pelos art. 247o e
253 CRP, que reconhecem às freguesias e aos municípios o direito de associação para
realização de interesses comuns nos termos da lei. Assim, o sentido útil do art. 236o/3 CRP
terá de encontrar-se para além da consagração de um direito de associação das autarquias
subordinado ao princípio da especialidade, regra basilar da constituição de quaisquer pessoas
coletivas de base associativa.

Permitindo a constituição a criação, nas grandes áreas urbanas, de outras formas de


organização territorial autárquica, conforme o art. 236o/3, impõe-se a leitura conjugada deste
preceito com o art. 235/2 CRP, onde se define o conceito de autarquia local. É relevante a
menção da existência obrigatória, nas autarquias locais, de órgãos representativos das
populações respetivas. Ora, as áreas metropolitanas não prevêem qualquer método de
designação democrática dos seus órgãos, maxime do deliberativo. A afronta aos art. 235/2 e
236/3 CRP afigura-se incontornável.

A LAL incorre em nova violação da constituição quando comete aos órgãos deliberativos
das áreas metropolitanas a competência para aprovar regulamentos. A constituição reserva
para as autarquias locais o exercício do poder regulamentar, no art. 241o. Faz sentido que
assim seja. A emanação de regulamentos externos pressupõe a legitimação democrática direta
do órgão que os aprova. Há, por isso, violação clara do art. 241o CRP, bem como do princípio
democrático ínsito no art. 2 CRP.

Relativamente às comunidades intermunicipais:


As considerações expendidas a propósito das áreas metropolitanas aplicam, por maioria
de razão, às comunidades intermunicipais. A comunidade intermunicipal é uma figura
totalmente estranha ou organograma da administração local referido na constituição,
constituindo um novo tipo de autarquia.

A associação de municípios só pode ser constituída para a prossecução de fins


determinados, não podendo ter como objeto enfim genérico ou global semelhante aos das

Mafalda Boavida 108


2020/2021

autarquias locais. Estas não são pessoas colectivas territoriais que tenham como atribuições
tudo o que disser respeito aos interesses das respectivas populações. Sem este princípio da
especialidade, a associação de municípios seria inconstitucional, porque violaria as normas
constitucionais que definem as diversas categorias de autarquias locais (art. 236o CRP).

A figura da comunidade intermunicipal é, pois, também inconstitucional, por violação dos


art. 236/3, 235/2 e 241 e 242 CRP.

Þ A intervenção do Estado na administração municipal:

Cumpre distinguir três fases bem distintas que a legislação respetiva atravessou nas
últimas décadas:
Ø Primeira fase (de 1936 a 1974): Foi o período do estado novo. O regime era
politicamente autoritário e centralizado. A tutela administrativa do governo sobre
as autarquias locais era tanto de legalidade como de mérito;
Ø Segunda fase (de 1974 a 1989): Os primeiros 15 anos após o 25 de abril. A
constituição diz claramente descentralizadora (art. 6/1 e 267/2 CRP) e erigiu as
autarquias locais em poder local. A autonomia municipal foi reforçada e a tutela
administrativa do estado reduzida: a primeira LAL limite total tutela a tutela de
legalidade (art. 91 a 93). Essa orientação foi consagrada em 1982 na constituição
(art. 243/1 CRP). Na prática, este regime era precisamente liberal, e revelou-se
insuficiente, e incapaz de proporcionar ao estado meios adequados de tutela sobre
as autarquias locais;
Ø Terceira fase (de 1989 em diante): Iniciou-se com a Lei n.o 87/89, de 9 de
setembro, sobre tutela administrativa das autarquias locais e das associações de
municípios de direito público. Atualmente, o diploma que disciplina a matéria da
tutela do estado sobre as autarquias locais e Lei n.o 27/96, de 1 de agosto.

Objeto: só pode ter por objeto a legalidade (art.242.o/1 CRP).

Espécies: Tutela inspetiva e tutela integrativa. A


tutela sancionatória desapareceu do texto atual. Contudo, a LTA acaba por cometer ao
governo uma relevante capacidade de iniciativa pré-processual, atribuindo-lhe competência

Mafalda Boavida 109


2020/2021

para, na sequência de um subprocedimento contraditório, decidir sobre se deve ou não haver


lugar à propositura de uma ação judicial.
Nem a LTA procedeu ao completo esvaziamento da tutela sancionatória do governo, em
virtude de ter ainda reservado a iniciativa pré- processual, nem tão pouco se verifica uma
reserva específica de administração no que concerne ao exercício da tutela sancionatória sobre
os órgãos autárquicos, pois o art.242/1 CRP remete para a lei as formas de atuação do poder
de tutela administrativa.

Se é certo que a natureza sancionatória dos atos de tutela visados pelo art.242 CRP se
aproxima este poder da competência disciplinar, não é menos verdade que a legitimidade
democrática dos titulares dos órgãos autárquicos obriga a um controlo independente e
imparcial das causas de dissolução e perda de mandato, que só os tribunais administrativos
podem levar a cabo.

Conteúdo: Não se prevê a possibilidade de o estado utilizar as modalidades da tutela


revogatória ou substitutiva.

Titularidade: A tutela administrativa sobre as autarquias locais é uma atribuição do


estado. A que órgãos do estado compete exercê-la?
A dois (art.5): Ao governo, através do ministro das finanças e do ministro competente em
matéria de administração local; e aos governadores civis, na área de cada distrito.

Exercício da tutela inspetiva: Inspecionar significa examinar as contas e documentos, a


fim de verificar se tudo se encontra de acordo com as leis aplicáveis (art. 3/2/a e 6 LTA). Se
se suspeita de existência de uma situação geral de legalidade numerosas imputáveis a vários
indivíduos, procede-se a uma sindicância (art.3/2/c); se se pretende fazer apenas uma inspeção
de rotina procede-se inquérito (art.3/2/b).
Podem ser ordenados pela autoridade competente por iniciativa própria, onde é denúncia
de outros órgãos da administração ou particulares. O processo de análise de documentos e
recolha de informações da levada a cabo por funcionários do estado (inspetores) e pode ser
mais ou menos demorado (art.6 LTA). Os órgãos e agentes visados têm o dever de colaborar,
tu pena de responsabilidades disciplinar ou criminal. Uma vez reunidos os elementos de prova,

Mafalda Boavida 110


2020/2021

os inspetores redigirão um relatório sujeito a apreciação pelo membro do governo competente


(art.6/3 e 6).
Este, se não optar pelo arquivamento do processo, deverá promover as diligências
instrutórias de modo a salvaguardar os direitos de defesa dos visados e o princípio do
contraditório (art.6/4 LTA e 32/1 CRP), bem como solicitar um parecer ao órgão deliberativo
sobre a dissolução do órgão executivo (art.6.o/5). Uma vez apresentadas as alegações ou
emitido parecer, o membro do governo decidirá se arquiva o relatório ou o envia ao
representante do ministério público, para que este, no prazo 20 dias, proponha ação judicial
(art.11.o/3 LTA).

Perda de mandato: Os membros dos órgãos autárquicos estão sujeitos a sanção legal de
perda do mandato, desde que se prove que cometeram determinadas ilegalidade consideradas
graves (art.7, 8/3 e 9/i). A LTA entrega o julgamento de todas as ações de perda de mandato,
sejam quais forem os seus fundamentos, os tribunais administrativos. Se relativamente à
avaliação das causas de inelegibilidade a solução se compreende (art.8.o/1/b), já a natureza
disciplinar da questão das faltas (art.8/1/a) teria recomendado a manutenção da opção anterior,
sem prejuízo da impugnabilidade contenciosa da deliberação administrativa que decretasse tal
sanção.
Na ausência de determinação expressa na lei, uma vez decretada a perda do mandato, a
vaga será preenchida pelo cidadão seguinte na lista apresentada a sufrágio ou, em caso de
coligação, pelo cidadão imediatamente a seguir do partido pelo qual havia sido proposto o
membro que perdeu o mandato.

Dissolução: Qualquer órgão colegial autárquico pode ser dissolvido, cessando


simultaneamente o mandato de todos os seus membros, quando lhe forem imputáveis ações
ou omissões e legais graves (art.242/3 CRP e art.9/3 LTA.)

Presentemente, nos termos do art.11 LTA, as decisões de dissolução dos órgãos


autárquicos ou de entidades equiparadas são da competência dos tribunais administrativos de
círculo. Determinada a dissolução de um órgão autárquico, a decisão judicial é notificada ao
governo (art.15/7) e pode suceder uma 3 coisas:
Ø ratando-se da assembleia de freguesia ou da câmara municipal, é nomeada uma
comissão administrativa, de 3 a 5 membros, ficará a gerir os atos correntes da

Mafalda Boavida 111


2020/2021

competência do órgão executivo dissolvido até a realização de novas eleições, que


hão-de, em regra, ter lugar no prazo máximo de 90 dias (art.14/3);
Ø Tratando-se da assembleia municipal, não há nomeação de qualquer comissão
administrativa, devendo ser marcadas novas eleições no prazo máximo de 90 dias
(art.14/3);
Ø Tratando-se da junta de freguesia ou de órgãos equiparados de outras pessoas
coletivas de base autárquica, também não há nomeação de qualquer comissão
administrativa, tendo de se proceder, de acordo com as leis aplicáveis, à nova
eleição para designação dos titulares dos órgãos.

Causas de não aplicação da sanção: a LTA torna clara a necessidade de verificação de


existência de culpa como pressuposto da aplicação das decisões de perda de mandato e de
dissolução do órgão colegial (art.10).

Efeitos das sanções tutelares: Os autarcas a quem tenha sido aplicada a sanção de perda
de mandato, ou que fossem membros de um órgão dissolvido, ficam impedidos de fazer parte
da comissão administrativa prevista no artigo 14 (art.12/1 LTA).
Este efeito negativo só não se produzirá quanto aos autarcas que não tiverem participado
nas votações ou tiverem votado contra nas deliberações que hajam causado a dissolução
(art.12/2). Por seu turno, a renúncia ao mandato por parte do titular do órgão alvo de uma ação
de perda de mandato não prejudicará a produção do efeito sancionatório previsto no art.12.o/1.
Nos termos do art.12/4, a dissolução do órgão deliberativo da freguesia ou da região
administrativa envolve necessariamente a dissolução da respetiva junta.

Apreciação final: O regime jurídico da tutela administrativa do estado sobre as autarquias


locais e associações de municípios parece a FREITAS DO AMARAL na generalidade correto
e equilibrado, na parte que toca à tutela de legalidade. Falta porém introduzir alguns casos de
tutela de mérito que se afiguram inteiramente justificados.

Mafalda Boavida 112


2020/2021

Administração pública independente

O Professor MARCELO REBELO DE SOUSA define os órgãos independentes como


órgãos e serviços do Estado-Administração que não se integram em nenhum ministério,
acabando, em rigor, por servir todo o Estado-Administração.

Já o Professor JORGE MIRANDA identifica os órgãos independentes da Administração


como órgãos que interferem no exercício da função administrativa sem dependerem de
direção, superintendência ou tutela do Governo e cujos titulares, quase sempre eleitos, no todo
ou em parte, pelo Parlamento, gozam de inamovibilidade. Segundo ele, uns são criados
diretamente pela Constituição, outros pela lei ordinária, embora com fundamento naquela pela
sua instrumentalidade com direitos, liberdades e garantias e com princípios gerais de Direito
eleitoral.

O Professor VITAL MOREIRA afirma que as autoridades administrativas independentes


são particularmente adequadas para superintender naquelas atividades que, pela sua natureza
ou melindre, devem estar acima da luta partidária e da maioria governamental de cada
momento.

Assim, a Administração independente é situada fora do âmbito do Governo e tem como


missão regular um determinado setor da sociedade.

Alguns dos pontos fulcrais desta Administração encontram-se:


Ø Na inamovibilidade durante o mandato, que deve ser entendida como uma medida
para reforçar a imparcialidade da atuação perante os órgãos de soberania. Este
mecanismo impede que os titulares dos cargos sejam demitidos no caso de
proferirem decisões consideradas incorretas ou politicamente inconvenientes pelo
bloco maioria parlamentar/Governo;
Ø Na independência funcional traduzida na inexistência de ordens e da obrigação de
prestação de contas;
Ø Na independência face aos interesses envolvidos na sua atividade, traduzida na
ausência de título representativo na designação dos membros dirigentes, pois
quando um membro é nomeado é-o enquanto especialista.

Mafalda Boavida 113


2020/2021

A Administração independente prossegue interesses de cuja realização o Estado está


incumbido, mas que necessitam de uma tutela de proteção jurídica que implica a sua execução
por entidades “independentes”.

Podemos classificar as tarefas fundamentais do Estado português desempenhadas


pela Administração independente em várias espécies:
Ø Tarefas de organização política, através da realização do princípio da democracia
representativa.
Ø Tarefas de garantia da efetivação dos direitos fundamentais à informação, à
liberdade de imprensa e à independência dos meios de comunicação social, bem
como à liberdade de consciência e à reserva da intimidade da vida privada e
familiar.
Ø Tarefas adequadas à realização da democracia económica, social e cultural,
mediante a vigilância pelo funcionamento eficiente dos mercados.

Órgãos independentes e Entidades Administrativas Independentes

A Administração independente é composta pelos órgãos administrativos independentes,


que são qualificados como tal pela Constituição e pela lei e pelas entidades administrativas
independentes, referidas no artigo 267/3 CRP. Para designar conjuntamente os órgãos e
entidades independentes, é utilizada a expressão autoridades administrativas independentes.

Þ Órgãos Administrativos Independentes:

Apesar de o Governo ser “o órgão superior da Administração Pública” (art. 182 CRP), não
significa que tenha o monopólio da função administrativa. Pela sensibilidade de algumas
matérias e porque essas mesmas requerem um distanciamento em relação ao Governo por
tratarem da tutela dos direitos, liberdades e garantias, a Constituição prevê qual o órgão
independente que deve assegurar o desempenho dessa função, impondo ao legislador que o
institua ou pode somente determinar que é necessária a criação de uma entidade que proteja
certo direito fundamental, ficando o legislador com total liberdade.

Mafalda Boavida 114


2020/2021

São exemplos disso:


Ø O Provedor de Justiça (art.23 CRP), que protege todos os direitos dos cidadãos
contra ações ou omissões dos poderes públicos, destacando-se o Governo como
órgão superior da Administração Pública.
Ø A Comissão Nacional de Eleições (CNE) (art.49 e 113 CRP), que visa proteger o
livre exercício do direito de voto e o respeito pela vontade popular, garantindo que
todos os processos eleitorais decorrem com respeito pela lei.
Ø A Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) (art.35 CRP), que visa tutelar
o respeito pela privacidade e segurança dos dados informatizados das pessoas
contra todas as entidades públicas e privadas que os detenham, incluindo as bases
de dados da Administração Pública.
Ø Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC) (art.39 CRP), que deve
garantir a independência dos órgãos de comunicação social do setor público
simultaneamente perante o poder político – onde o Governo se integra – e o poder
económico. O artigo 38 CRP diz que a estrutura e o funcionamento dos meios de
comunicação social do setor público são independentes perante o Governo e a
Administração e também é tarefa da ERC assegurar que assim sucede.
Ø Etc.

Importa também realçar que há algumas diferenças entre os órgãos: no caso do Provedor
de Justiça, este tem uma competência genérica de intervenção na defesa dos direitos
fundamentais dos cidadãos, enquanto os restantes órgãos têm somente uma competência
limitada a um único direito ou conjunto de direitos com relação entre si. Ao contrário dos
restantes órgãos, o Provedor de Justiça não tem nem poderes decisórios nem sancionatórios,
tendo somente poder de influência.
Posto isto e quanto à designação dos membros dos órgãos independentes esta é feita com
a participação da Assembleia da República, o que dá mais garantias aos cidadãos.

Þ Entidades Administrativas Independentes com Funções de Regulação:

Estas visam o desempenho de diversas atividades económicas. Para que determinadas


atividades económicas se pretendem expandir ao mercado concorrencial, como a energia ou
as comunicações, torna-se necessário criar uma entidade pública reguladora que garanta a

Mafalda Boavida 115


2020/2021

concorrência e proteja os consumidores. Isto resulta com a transparência da lei-quadro que


rege a totalidade das entidades reguladoras – Lei n 67/2013, de 28 de Agosto – com exceção
do Banco de Portugal e da ERC.

Estas entidades gerem-se pelos critérios específicos do mercado concorrencial e é segundo


esses critérios que gerem os interesses económicos conflituantes. O nº 3 do artigo 267 da
Constituição diz que “a lei pode criar entidades administrativas independentes”. Para melhor
controlar a liberdade dada ao legislador, o artigo 6 da referida lei-quadro das entidades
reguladoras estabelece um conjunto de parâmetros positivos e negativos que indicam quando
pode e quando não pode ser criada uma nova entidade com esta natureza.

Segundo o Professor FREITAS DO AMARAL a referida lei-quadro não tem valor


reforçado e, como tal, nada impede o legislador de criar mais uma entidades e a juntar ao
Banco de Portugal e às nove que por agora aquela lei enquadra: Instituto de Seguros de
Portugal; Comissão de Mercados de Valores Mobiliários; Autoridade da Concorrência;
Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos; Autoridade Nacional de Comunicações;
Autoridade Nacional de Aviação Civil; Autoridade da Mobilidade e dos Transportes; Entidade
Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos; Entidade Reguladora da Saúde.

A independência destas entidades administrativas não resulta de qualquer imposição


constitucional, é uma opção reversível e não impede que as mesmas sejam “associadas a um
ministério”, denominado “ministério responsável” (art. 9) que pode somente solicitar
informações e documentação.

Elementos da Organização Administrativa

Pessoas Coletivas Públicas

Vários têm sido os critérios propostos na doutrina para traçar a linha entre pessoas
coletivas públicas e privadas. Na verdade, há múltiplos critérios que atendem a um ou vários
fatores:
Ø Iniciativa da criação da pessoa coletiva;

Mafalda Boavida 116


2020/2021

Ø Fim prosseguido;
Ø Capacidade jurídica;
Ø Regime jurídico global;
Ø Subordinação ou não da pessoa coletiva ao Estado;
Ø Obrigação ou não de a pessoa coletiva existir;
Ø Exercício ou não da função administrativa do Estado pela pessoa coletiva.

O prof. Freitas do Amaral entende que, para distinguir claramente há que adotar um
critério misto que combine a criação, o fim e a capacidade jurídica.
Assim, para o Professor, são “pessoas coletivas públicas” as pessoas coletivas criadas por
iniciativa pública, para assegurar a prossecução necessária de interesses, e por isso dotadas
em nome próprio de poderes e deveres públicos:
Ø São pessoas coletivas;
Ø São entidades criadas por iniciativa pública. Nascem sempre de uma decisão
pública, regida pelo direito público, tomada pela coletividade nacional, ou por
comunidades regionais ou locais autónomas, ou proveniente de uma ou mais
pessoas coletivas públicas já existentes. “Iniciativa pública” é uma expressão
ampla que cobre todas as hipóteses e acautela os vários aspetos relevantes;
Ø São criadas para assegurar a prossecução necessária de interesses públicos.
Existem para prosseguir o interesse público. Há pessoas coletivas privadas que
também prosseguem interesses públicos; mas podem fazê-lo ou deixar de o fazer
e, quando o fazem, podem simultaneamente prosseguir interesses privados. Por
outro lado, mesmo quando tais entidades privadas exerçam realmente funções de
interesse público, fazem-no sempre sob a fiscalização da Administração Pública.
Não apenas as pessoas coletivas públicas prosseguem interesses públicos, mas
sobretudo asseguram essa prossecução;
Ø São titulares, em nome próprio, de poderes e deveres públicos. A titularidade em
nome próprio serve para distinguir as pessoas coletivas públicas das pessoas
coletivas privadas que se dediquem ao exercício privado de funções públicas. Dizer
“poderes e deveres públicos” em vez de “poderes de autoridade” é preferível,
porque há pessoas coletivas públicas que não exercem poderes de autoridade,
embora sejam titulares de poderes públicos lato sensu e porque o Direito

Mafalda Boavida 117


2020/2021

Administrativo não se carateriza apenas pelos poderes públicos que confere à


Administração, mas também pelos deveres públicos a que a sujeita.

Espécies

Quais são as categorias de pessoas coletivas públicas no direito português atual (art.
2/4 CPA)?
Ø Estado;
Ø Institutos Públicos;
Ø Empresas públicas, na modalidade de entidades públicas empresarias;
Ø Associações públicas;
Ø Entidades administrativas independentes;
Ø Autarquias locais;
Ø Regiões Autónomas.

A lista está ordenada segundo o critério da maior dependência para a menor dependência
do Estado, sendo os institutos públicos e as empresas públicas os mais dependentes, e as
regiões autónomas as menos dependentes.

Quais são os tipos de pessoas coletivas públicas a que estas categorias se reconduzem?
Ø Pessoas coletivas de população e território, que incluem o Estado, as regiões
autónomas e as autarquias locais;
Ø Pessoas coletivas de tipo institucional, que são os institutos públicos e as empresas
públicas qualificadas como entidades administrativas independentes;
Ø Pessoas coletivas de tipo associativo, que são as associações públicas.

Regime jurídico

O regime jurídico das pessoas coletivas públicas não é um regime uniforme, não é igual
para todas elas: depende da legislação aplicável. No caso das autarquias locais, todas as
espécies deste género têm o mesmo regime.
Mas já quanto aos institutos públicos, empresas públicas e associações públicas, o regime
varia muitas vezes de entidade para entidade.

Mafalda Boavida 118


2020/2021

Os aspetos predominantes do seu regime jurídico são:


Ø Criação e extinção: a maioria delas são criadas por ato do Poder central, mas
também pode ser por iniciativa pública local. As pessoas coletivas públicas não
têm o direito de se dissolver: não se podem extinguir a si próprias. E nem sequer
estão sujeitas a falência ou a insolvência: não pode ser extinta por iniciativa dos
respetivos, credores, só por decisão pública;
Ø Capacidade jurídica de direito privado e património próprio: todas as pessoas
coletivas públicas possuem estas caraterísticas, cuja importância se salienta
principalmente no desenvolvimento de atividades de gestão privada;
Ø Capacidade de direito público: as pessoas coletivas públicas são titulares de
poderes e deveres públicos. Assumem especial relevância os poderes de autoridade,
aqueles que denotam supremacia das pessoas coletivas públicas sobre os
particulares e consistem no direito que essas pessoas têm de definir a sua própria
conduta ou a conduta alheia em termos obrigatórios para terceiros. Exemplos de
poderes públicos de autoridade são o poder regulamentar;
Ø Autonomia administrativa e financeira: as pessoas coletivas públicas dispõem de
autonomia administrativa e financeira;
Ø Isenções fiscais;
Ø Sujeição ao regime da contratação pública e dos contratos administrativos: a regra,
embora com relevantes exceções (art. 2/2 e art. 3/1/b CCP), é que as pessoas
coletivas privadas não estão sujeitas ao regime da contratação pública e não podem
celebrar contratos administrativos com outros particulares;
Ø Bens do domínio público: as pessoas coletivas públicas são ou podem ser titulares
de bens do domínio público e não apenas de bens do domínio privado;
Ø Regime da função pública: o pessoal das pessoas coletivas públicas está submetido
a regimes laborais publicisticos. Isto por via de regra: já sabemos que as entidades
públicas empresariais constituem uma das exceções;
Ø Sujeição a um regime administrativo da responsabilidade civil: as pessoas coletivas
públicas respondem nos termos da legislação própria do Direito Administrativo,
máxime o RCEE, e não nos termos da responsabilidade regulada pelo CC. Isto com
a mesma exceção das entidades públicas empresariais;

Mafalda Boavida 119


2020/2021

Ø Sujeição a tutela administrativa: a atuação das pessoas coletivas públicas está


sujeita à tutela administrativa do Estado;
Ø Sujeição à fiscalização do Tribunal de Contas: as contas das pessoas coletivas
públicas estão sujeitas à fiscalização do Tribunal de Contas;
Ø Foro administrativo: as questões surgidas da atividade pública destas pessoas
coletivas pertencem à competência dos tribunais do contencioso administrativo, e
não à dos tribunais judiciais.

Órgãos

Todas as pessoas coletivas são dirigidas por órgãos. A estes cabe tomar decisões em nome
da pessoa coletiva ou manifestar a vontade imputável à pessoa coletiva.
Podemos classificar os órgãos como:
Ø Órgãos singulares e colegiais: são singulares aqueles que têm apenas um titular, e
colegiais os compostos por dois ou mais titulares. A figura do órgão com dois
titulares é raríssima, sendo que atualmente o órgão colegial tem, no mínimo, três
titulares, e deve em regra ser composto por um número ímpar de membros. Esta
classificação é bastante útil, dado o regime específico dos segundos, e o próprio
CPA a recolhe, no art. 20/2;
Ø Órgãos centrais e locais: órgãos centrais têm competência sobre todo o território
nacional enquanto os locais têm a sua competência limitada a uma circunscrição
administrativa;
Ø Órgãos primários, secundários e vicários: órgãos primários são os que dispõem de
uma competência própria para decidir matérias que lhes estão confiadas; órgãos
secundários são os que dispõem de competência delegada; órgãos vicários apenas
exercem competência por substituição de outros órgãos (ex.: Vice-Presidente que
apenas atua por substituição de outro que deixou de atuar. A regra geral, constante
do art. 22/1 CPA, determina que em caso de ausência ou impedimento do
presidente e do secretario a suplência caiba ao vogal mais velho, i.e., decano, e ao
vogal mais moderno, respetivamente);
Ø Órgãos representativos e órgãos não representativos: órgãos representativos são
aqueles cujos titulares são livremente designados por eleição, e os restantes serão
não representativos;

Mafalda Boavida 120


2020/2021

Ø Órgãos ativos, consultivos e de controlo: órgãos ativos são aqueles a quem compete
tomar decisões ou executá-las. Órgãos consultivos são aqueles cuja função é
esclarecer os órgãos ativos antes de estes tomarem uma decisão. Órgãos de controlo
são aqueles que têm por missão fiscalizar a regularidade do funcionamento de
outros órgãos;
Ø Órgãos decisórios e executivos: os órgãos ativos podem por sua vez ser decisórios
e executivos. Aos decisórios compete tomar decisões e aos executivos compete
executar tais decisões. Dentro dos órgãos decisórios, distinguem-se os órgãos
deliberativos que têm caráter colegial;
Ø Órgãos permanentes e temporários: são órgãos permanentes os que têm duração
indefinida e são temporários os que são criados para atuar apenas durante um certo
período. É uma classificação acolhida expressamente no CPA, pelo art. 20/2;
Ø Órgãos simples e complexos: os órgãos simples são os que têm estrutura unitária,
a saber os singulares (um só titular) e os colegiais, cujos titulares só podem atuar
coletivamente quando reunidos em conselho. Os órgãos complexos têm estrutura
diferenciada, isto é, são órgãos (ex. Governo) constituídos por titulares que
exercem também competências próprias a título individual (ex. Ministros) e são em
regra auxiliados por adjuntos, delegados e substitutos (ex.: Secretários de Estado,
Subsecretários de Estado);
Ø Alegada distinção entre órgãos diretos e indiretos: seria órgãos diretos os que atuam
em nome da pessoa coletiva a que pertencem, e órgãos indiretos os que atuam em
nome próprio, embora no exercício de um poder ou de uma função alheias. O prof.
Freitas do Amaral discorda, porque não podemos conceber que haja órgãos que não
atuem em nome da pessoa a que pertencem; e porque a sugerida definição de órgão
indireto confunde-se com a de órgão delegado, tendo esta expressão a vantagem de
ser muito mais clara, além de cientificamente bem identificada.

Dos órgãos colegiais em especial

Ø Composição e constituição: composição é o elenco abstrato dos membros que


hão-de fazer parte do órgão colegial, uma vez constituído (por ex.: Presidente, dez
vogais, etc); a constituição é o ato pelo qual os membros de um órgão colegial, uma

Mafalda Boavida 121


2020/2021

vez designados, se reúnem pela primeira vez e dão início ao funcionamento desse
órgão;
Ø Marcação e convocação de reuniões: a marcação é a fixação da data e hora em
que a reunião terá lugar; a convocação é a notificação feita a todos e cada um dos
membros acerca da reunião a realizar, na qual são indicados, além do dia e da hora
da reunião, o local desta e a respetiva “ordem do dia”;
Ø Reuniões e sessões: a reunião é o encontro dos respetivos membros para
deliberarem sobre matéria da sua competência. Se o órgão colegial é de
funcionamento contínuo, diz-se que esta em sessão permanente, embora possa
reunir apenas uma vez por semana; se se trata de um órgão colegial de
funcionamento intermitente, dir-se-á que tal órgão tem duas, ou três, ou quatro
sessões por ano; em cada sessão poderá haver uma ou varias reuniões. As sessões
são os períodos dentro dos quais podem reunir os órgãos colegiais de
funcionamento intermitente. Tanto as reuniões como as sessões podem ser
ordinárias, se se realizam regularmente em datas ou períodos certos, ou
extraordinárias se são convocadas inesperadamente fora dessas datas ou períodos;
Ø Membros e vogais: os membros são os titulares do órgão colegial. Mas o
presidente, que existe sempre, e os vice-presidentes, secretários e tesoureiros,
quando existam, são membros mas não são vogais. Vogais são apenas os membros
que não ocupam uma posição funcionam dotada expressamente de uma
denominação apropriada;
Ø Funcionamento, deliberação e votação: o funcionamento é o desempenhar das
funções para que foi criado o órgão. O seu funcionamento realiza-se através de
reuniões, e cada reunião começa quando é declarada aberta pelo presidente e
termina quando por ele é declarada encerrada. A parte essencial é deliberativa, isto
é, aquela em que o órgão colegial é chamado a tomar decisões em nome da pessoa
coletiva a que pertence. O processo jurídico mais frequente pelo qual os órgãos
colegiais deliberam chama-se votação, que permite apurar a vontade coletiva pela
contagem das vontades individuais dos membros. Há casos, porém, que certos
órgãos colegiais podem deliberar sem ser através de votação: são os casos de
deliberação por consenso, ou seja, por assentimento tácito informal nos termos em
que for interpretado pelo presidente;

Mafalda Boavida 122


2020/2021

Ø Quórum: número mínimo de membros de um órgão colegial que a lei exige para
que ele possa funcionar regularmente ou deliberar validamente. Há assim que
distinguir entre quórum de funcionamento e quórum de deliberação;
Ø Modos de votação: há votação pública, em que todos os presentes ficam a saber o
sentido do voto de cada um e há votação secreta ou escrutínio secreto em que o
sentido de voto de cada um não se toma conhecido dos demais;
Ø Maioria: a lei exige, normalmente, para se poder considerar ter sido tomada uma
decisão, que nesse sentido tenha votado a maioria. A maioria é habitualmente
definida como metade dos votos mais um, esta definição é porém incorreta. Deve
por isso definir-se maioria como sendo mais de metade dos votos. A maioria diz-
se simples ou absoluta, se corresponde a mais de metade dos votos; relativa, se
traduz apenas a maior votação obtida entre várias alternativas, ainda que não atinja
mais de metade dos votos; e qualificada ou agravada, se a lei a faz corresponder a
um número superior à maioria simples;
Ø Voto de desempate e voto de qualidade: a forma mais usual para resolver um
empate consiste na atribuição ao presidente do órgão colegial do direito de fazer
um “voto de desempate” ou um “voto de qualidade”. No primeiro, procede-se à
votação sem que o presidente vote e, se houver empate, o presidente vota
desempatando; no segundo, o presidente participa como os outros membros na
votação geral e, havendo empate, considera-se automaticamente desempara a
votação de acordo com o sentido em que o presidente tiver votado;
Ø Adoção e aprovação: se a votação é favorável a uma certa proposta ou projeto,
diz-se destes que foram adotados ou aprovados pelo órgão colegial; a partir desse
momento, tais propostas ou projetos deixam de exprimir o ponto de vista do
membro apresentador ou proponente para se converterem numa decisão do órgão
em causa e, portanto, na vontade da pessoa coletiva a que o órgão pertence;
Ø Decisão e deliberação: há quem distinga decisões como as resoluções dos órgãos
singulares e deliberações as dos órgãos colegiais. Mas é mais correto admitir que
todo o ato administrativo é uma decisão, sendo a deliberação o processo específico
usado nos órgãos colegiais para tomar decisões;
Ø Atos e atas: atos são as decisões tomadas e atas são as narrativas das reuniões
afetadas;

Mafalda Boavida 123


2020/2021

Ø Dissolução e demissão: há quem entenda que a dissolução é o ato que põe termo
coletivamente ao mandato dos titulares de um órgão colegial, sendo a demissão o
ato que faz cessar as funções de um órgão singular. Mas não é bem assim. Só há
dissolução quanto a órgãos colegiais designados por eleição; se os titulares do
órgão colegial são nomeados, o ato que põe termo coletivamente às suas funções é
uma demissão.

Atribuições e competência

Os fins das pessoas coletivas públicas chamam-se atribuições. Atribuições são os fins ou
interesses que a lei incumbe as pessoas coletivas públicas de prosseguir.
Para o fazerem, as pessoas coletivas públicas precisam de poderes, são os poderes funcionais.
Ao conjunto dos poderes funcionais chamamos competência. Competência é o conjunto dos
poderes funcionais que a lei confere para a prossecução das atribuições das pessoas coletivas.
Em princípio, nas pessoas coletivas públicas as atribuições referem-se à pessoa coletiva
em si mesma, enquanto a competência se reporta aos órgãos. A lei especificará, portanto, as
atribuições de cada pessoa coletiva e, noutro plano, a competência de cada órgão.
Resulta, portanto, uma dupla limitação: o órgão fica limitado pela sua própria competência
e limitado pelas atribuições da pessoa coletiva em cujo nome atua. Atribuições e competências
limitam -se reciprocamente umas às outras.
Isto é particularmente nítido na administração local autárquica e, em especial, no
município. As atribuições do município vêm reguladas nos art. 2 e 23 LAL e a competência
de cada um dos seus órgãos nos seus art. 25, 33 e 35. De um lado, temos as atribuições do
município e do outro temos as competências de cada um dos órgãos municipais.

Esta distinção entre atribuições e competências tem a maior importância, não só para se
compreender a diferença que existe entre os fins que se prosseguem e os meios jurídicos que
se usam para prosseguir esses fins, mas também porque a lei estabelece uma sanção diferente
para o caso de os órgãos da Administração praticarem atos estranhos às atribuições das
pessoas coletivas públicas ou atos fora da competência confiada a cada órgão: enquanto os
atos praticados fora das atribuições são atos nulos (art. 161/2/b CPA), os praticados apenas
fora da competência do órgão que os pratica são atos anuláveis (art. 163/1 CPA). Tudo isto é

Mafalda Boavida 124


2020/2021

assim nas pessoas coletivas públicas diferentes do Estado, porque neste é mais complexo o
problema.
Porque, no Estado, o que separa juridicamente os órgãos uns dos outros não é apenas a
competência de cada um, são também, e sobretudo, as atribuições. No Estado, as atribuições
estão repartidas entre Ministérios.
Em termos práticos, se o Ministério A pratica um ato sobre matéria estranha ao seu
ministério, porque incluída nas atribuições do Ministério B, a ilegalidade desse ato não será
apenas a incompetência por falta de competência, mas sim a incompetência por falta de
atribuições. Quer dizer: o ato não será meramente anulável, mas nulo.

Da competência em especial

Como é que se delimita a competência entre os vários órgãos administrativos?


à O primeiro princípio é que a competência só pode ser conferida, delimitada ou retirada
por lei: é sempre a lei (ou o regulamento) que fixa a competência dos órgãos da Administração
Pública (art. 36/1 CPA) à princípio da legalidade da competência.

Daqui decorrem alguns corolários:


Ø A competência não se presume, excetuando a figura da competência implícita;
Ø A competência é imodificável;
Ø A competência é irrenunciável e inalienável: esta regra não obsta a que possa haver
hipóteses de transferência do exercício da competência, designadamente a
delegação de poderes e a concessão, nos casos e dentro dos limites em que a lei o
permitir (art. 36o/1 e 2);

Critérios de delimitação da competência


Ø Em razão da matéria: por exemplo, quando a lei diz que à Assembleia Municipal
incumbe fazer regulamentos;
Ø Em razão da hierarquia: quando, numa hierarquia, a lei efetua uma repartição
vertical de poderes, conferindo alguns ao superior e outros aos subalternos;
Ø Em razão do território: a repartição de poderes entre órgãos centrais e órgãos locais,
ou a distribuição de poderes por órgãos locais diferentes em função das respetivas
áreas ou circunscrições;

Mafalda Boavida 125


2020/2021

Ø Em razão do tempo: em princípio, só há competência administrativa em relação ao


presente.

Por isso, é ilegal, em regra, a prática pela Administração de atos que visem produzir efeitos
sobre o passado (efeitos retroativos) ou regular situações que não se sabe se, ou quando,
ocorrerão no futuro (efeitos diferidos). Esta regra pode comportar algumas exceções.
Um ato administrativo praticado por certo órgão da Administração contra as regras que
delimitam a competência dir-se-á ferido de incompetência.
Os quatro critérios expostos são cumuláveis e todos têm se atuar em simultâneo.

Serviços Públicos

Os serviços públicos constituem as células que compõem internamente as pessoas


coletivas públicas. Dentro de cada pessoa coletiva pública funcionam diversas organizações,
que são os serviços públicos.
A pessoa coletiva é o sujeito de direito, que trava relações jurídicas com outros sujeitos de
direito, ao passo que o serviço público é uma organização que, situada no interior da pessoa
coletiva pública e dirigida pelos respetivos órgãos, desenvolve atividades de que ela carece
para prosseguir os seus fins.

Conceito

Os serviços públicos são organizações humanas criadas no seio de cada pessoa


pública com o fim de desempenhar as atribuições desta, sob a direção dos respetivos
órgãos.
Os serviços públicos são organizações humanas, isto é, são estruturas administrativas
acionadas por indivíduos. Os serviços públicos existem no seio de cada pessoa coletiva
pública, são um componente, um elemento integrante, uma peça essencial.
Os serviços públicos são criados para desempenhar as atribuições da pessoa coletiva
pública: é pelas direções-gerais situadas no centro e pelas delegações, repartições e outros
serviços colocados na periferia que o Estado realiza as suas funções de polícia, educação,
saúde, obras públicas, transportes, etc..

Mafalda Boavida 126


2020/2021

Os serviços públicos atuam sob a direção dos órgãos das pessoas coletivas públicas: quem
toma as decisões que vinculam a pessoa coletiva pública perante o exterior são os órgãos dela;
e quem dirige o funcionamento dos serviços existentes no interior da pessoa coletiva são
também os seus órgãos. Mas quem desempenha as tarefas concretas e especificas em que se
traduz a prossecução das atribuições das pessoas coletivas públicas, são os serviços públicos.

Quanto às relações entre os órgãos e os serviços públicos, são de dois tipos: os órgãos
dirigem a atividade dos serviços e os serviços auxiliam a atuação dos órgãos. As decisões dos
órgãos têm de ser rodeadas de particulares cuidados, daí que se torne necessário desenvolver
uma atividade prévia de preparação e estudo das diversas soluções possíveis. Além disso, uma
vez tomadas as decisões, elas têm de ser executadas. Os serviços públicos desenvolvem a sua
atuação quer na fase preparatória da formação da vontade do órgão administrativo, quer na
fase que se segue à manifestação daquela vontade.

Convém distinguir serviços e institutos públicos. Os serviços não tem personalidade


jurídica, são um elemento integrado na organização interna de certa pessoa coletiva pública.
Os institutos públicos têm personalidade jurídica e comportam, no seu seio, vários serviços
públicos.

Espécies

Os serviços públicos podem ser classificados segundo suas perspetivas: uma funcional e
estrutural:
Ø Os serviços públicos como unidades funcionais: os serviços públicos distinguem-
se de acordo com os seus fins: por exemplo, serviços de polícia, ou de educação. É
com base neste critério que se dividem as várias direções-gerais dos ministérios e
os respeitos serviços executivos;
Ø Os serviços públicos como unidades de trabalho: os serviços públicos distinguem-
se não já segundo o fim, mas antes segundo o tipo de atividade que desenvolvem.
Com efeito, em cada departamento os serviços diferenciam-se consoante a natureza
das tarefas que desempenham: assim, por exemplo, temos os serviços de estatística
e recolha de dados, e os serviços de gestão de património e do pessoal;

Mafalda Boavida 127


2020/2021

Ø Os serviços públicos, quando considerados do ponto de vista estrutural, podem ser


de dois tipos:
o Principais: os serviços principais são aqueles que desempenham as
atividades correspondentes às atribuições da pessoa coletiva pública a que
pertencem; e
o Auxiliares: são aqueles que desempenham atividades secundárias ou
instrumentais, que visam tornar possível ou mais eficiente o funcionamento
dos serviços principais.

De entre os serviços principais, distinguem-se os burocráticos e os operacionais.


Os serviços burocráticos são os serviços principais que lidam por escrito com os problemas
diretamente relacionados com a preparação e execução das decisões dos órgãos da pessoa
coletiva a que pertencem. Dentro destes serviços podemos fazer ainda três subdivisões:
Ø Serviços de apoio: são os serviços burocráticos que estudam e preparam as decisões
dos órgãos administrativos.
Ø Serviços executivos: são aqueles que executam as leis e os regulamentos aplicáveis,
bem como as decisões dos órgãos dirigentes das pessoas coletivas a que pertencem.
Os serviços são os que fiscalizam a atuação dos restantes serviços públicos.
Ø Serviços operacionais: desenvolvem atividades de caráter material,
correspondentes às atribuições da pessoa coletiva pública a que pertencem.
o Serviços de prestação individual são os serviços operacionais que facultam
aos particulares bens ou serviços de que estes carecem para a satisfação das
necessidades coletivas individualmente sentidas.
o Serviços de polícia são os que exercem fiscalização sobre as atividades dos
particulares suscetíveis de pôr em risco os interesses públicos que à
Administração compete defender.
o Serviços técnicos são todos os restantes serviços operacionais cuja atividade
não consista em prestações individuais aos particulares, nem em vigilância
sobre as respetivas atividades.

Mafalda Boavida 128


2020/2021

Regime jurídico

Os princípios fundamentais do regime jurídico dos serviços públicos são:


Ø O serviço público releva sempre de uma pessoa coletiva pública;
Ø O serviço público está vinculado à prossecução do interesse público: são elementos
da organização de uma pessoa coletiva pública. Estão, pois, vinculados à
prossecução das atribuições que a lei puser a cargo dela;
Ø A criação e extinção de serviços públicos, bem como a sua fusão e restruturação
são aprovadas por decreto-regulamentar. Já quanto aos serviços municipais, a
competência para a sua criação e extinção pertence à Assembleia Municipal;
Ø A organização interna dos serviços públicos é matéria regulamentar: contudo, a
prática portuguesa é no sentido de a organização interna dos serviços públicos do
Estado ser feita e modificada por decreto-lei, o que é reprovável, pois deviam ser
usadas para este fim formas regulamentares (art. 21/4 e 5 LAD);
Ø O regime de organização e funcionamento de qualquer serviço público é
modificável;
Ø A continuidade dos serviços públicos deve ser mantida; é esta, sem dúvida, uma
das principais responsabilidades de qualquer Governo. Sejam quais forem as
circunstâncias pode e deve ser assegurado o funcionamento regular dos serviços
públicos, pelo menos dos essenciais;
Ø Os serviços públicos devem tratar e servir todos os particulares em pé de igualdade
(art. 13 CRP);
Ø A utilização dos serviços públicos pelos particulares é em princípio onerosa: os
utentes deverão pagar uma taxa, como contrapartida do benefício que obtêm. Faz-
se recair sobre os utentes, e não sobre todos os cidadãos, a totalidade ou a maior
parte do custo da existência e do funcionamento do serviço;
Ø Os serviços públicos podem gozar de exclusivo ou atuar em concorrência;
Ø Os serviços públicos podem atuar de acordo quer com o direito público quer com
o direito privado;

A lei admite vários modos de gestão dos serviços públicos: por via de regra são geridos
por uma pessoa coletiva pública, mas também pode suceder que a lei autorize que a gestão de

Mafalda Boavida 129


2020/2021

um serviço público seja temporariamente entregue a uma empresa privada, por meio de
concessão, ou a uma associação ou fundação de utilidade pública, por delegação de poderes.
Os utentes do serviço público ficam sujeitos a regras próprias que os colocam numa
situação jurídica especial. As relações jurídicas que se estabelecem entre os utentes do serviço
público e a Administração são diferentes das relações gerais que todo o cidadão trava com o
Estado. Os utentes acham-se submetidos a uma forma peculiar de subordinação aos órgãos e
agentes administrativos, que tem em vista criar e manter as melhores condições de
organização e funcionamento dos serviços, e que se traduz no dever de obediência em relação
a vários poderes de autoridade.

Natureza jurídica do ato criador da relação de utilização do serviço público pelo


particular: a tendência geral é no sentido de os administrativistas verem nesse ato ou um
simples facto jurídico privado do particular, ou um ato administrativo de admissão, enquanto
os civilistas se inclinam para um contrato civil de prestação de serviços ou como atuações
geradoras de relações contratuais de facto. O prof. Freitas do Amaral entende-o como um
contrato administrativo.

Organização dos serviços públicos

Os serviços públicos podem ser organizados segundo três critérios: organização


horizontal, territorial e vertical. No primeiro caso, em razão da matéria ou do fim, no segundo
em razão do território e no terceiro em razão da hierarquia.
A organização horizontal atende à distribuição dos serviços pelas pessoas coletivas e à
especialização dos serviços segundo o tipo de atividades a desempenhar. É através da
organização horizontal que se chega à consideração das diferentes unidades funcionais e das
diferentes unidades de trabalho.
A organização territorial remete para a distinção entre serviços centrais e periféricos. É
uma organização que tem no topo os serviços centrais, e os diversos níveis, em decrescente,
são preenchidos por serviços daqueles dependentes e atuando ao nível de circunscrições de
âmbito gradualmente menor.
A organização vertical, ou hierárquica, traduz a estruturação dos serviços em razão da sua
distribuição por diversos graus ou escalões do topo à base, que se relacionam entre si em
termos de supremacia e subordinação. Por seu turno, também há uma hierarquia de chefias.

Mafalda Boavida 130

Você também pode gostar