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DIREITO

COMERCIAL I
SOFIA ALVES CUNHA

FDUL

2021/2022
Direito Comercial | Regente Menezes Cordeiro

Universidade de Lisboa

Faculdade de Direito

Direito Comercial I
1º Semestre 2021/2022

Docente: António Menezes Cordeiro e Ana Prestelo Oliveira

Sofia Alves da Cunha

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 2


Direito Comercial | Regente Menezes Cordeiro

INDÍCE

Introdução ...................................................................................................................... 3

O direito das Sociedades ............................................................................................... 3

Evolução Histórica das Sociedades .............................................................................. 5


As codificações oitocentistas: o problema da liberdade de constituição ............. 5
O Século XX e a Democracia do capital ............................................................. 6
Os Séculos XX e XXI .......................................................................................... 7
Direito Europeu e Internacional das Sociedades 10

DOGMÁTICA BÁSICA DAS SOCIEDADES ......................................................... 13

Generalidades, Elementos e Princípios ...................................................................... 13

Sentido da Dogmática Societária ................................................................................ 13


O sistema de fontes ............................................................................................ 13
Substrato obrigacional e substrato organizacional ............................................. 13
Elementos Civis e Comerciais ........................................................................... 14
Articulação entre o Direito das Sociedades e o Direito Civil (subsidiário) ....... 14
Articulação entre o Direito das Sociedades e o Direito Comercial ................... 14
Articulação entre o Direito e o Direito dos Valores Mobiliários ....................... 15

Princípios Gerais das Sociedades ............................................................................... 16


Autonomia Privada ............................................................................................ 16
A boa-fé e a tutela da confiança ......................................................................... 16
A igualdade e a justiça distributiva .................................................................... 17
Controlo do Direito sobre a economia: a concorrência e tutela das minorias ... 17
Modo coletivo: autonomia funcional e a limitação da responsabilidade ........... 18

Elementos das Sociedade ............................................................................................. 19


Pluralidade de sócios ......................................................................................... 19
As sociedades unipessoais ................................................................................. 20
O Património ...................................................................................................... 21
O Objeto ............................................................................................................. 21
O elemento formal, a tipicidade ......................................................................... 22

A Doutrina das Pessoas Coletivas .............................................................................. 28

Personalidade Coletiva ................................................................................................ 28


Teoria da ficção ................................................................................................. 29

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Teoria Orgânica ................................................................................................. 29


Realismo Jurídico .............................................................................................. 30
Posição de Menezes Cordeiro ............................................................................ 31

A ordenação das Pessoas Coletivas ............................................................................ 32


Pólos, classificações e tipologias ....................................................................... 32
Pessoas coletivas públicas e privadas; a utilidade pública ................................ 32
Pessoas coletivas associativas e fundacionais ................................................... 33
Pessoas coletivas com e sem fins lucrativos; superação .................................... 33
Associações, fundações e sociedades ................................................................ 33
Pessoas coletivas comuns e especiais ................................................................ 34

Figuras Afins das Pessoas Coletivas ........................................................................... 35


A personalidade rudimentar e o modo coletivo imperfeito ............................... 35
A personalidade judiciária, económica, laboral e tributária .............................. 35
Associações não reconhecidas, comissões, sociedades rudimentares e sociedades
irregulares .......................................................................................................... 36
Pessoas Coletivas em formação e em extinção .................................................. 36
A mão comum e a comunhão ............................................................................ 37
Esferas e património de afetação ....................................................................... 37

As Sociedades como Organização .............................................................................. 38

A Personalidade Jurídica das Sociedades ................................................................. 38


O problema das sociedades civis puras .............................................................. 38
Personalidade das Sociedades Comerciais ........................................................ 39

Capacidade Jurídica .................................................................................................... 41


Princípio da Especialidade ................................................................................. 41
Atos Gratuitos .................................................................................................... 42
Prestação de Garantias a terceiros ..................................................................... 43
Prestações Assistenciais ..................................................................................... 45

Capacidade de Exercício e Responsabilidade da Sociedade .................................... 46


Os “representantes” das sociedades ................................................................... 46
A tutela de terceiros ........................................................................................... 47
A responsabilidade das pessoas coletivas .......................................................... 47

As Figuras Afins às Sociedades .................................................................................. 50


Associações, associações públicas e associações sem personalidade ................ 50
Fundações, empresas públicas e comissões especiais ....................................... 50
Contratos de organização ................................................................................... 51

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Agrupamentos complementares de empresas e agrupamentos europeus de


interesse económico ........................................................................................... 51
Cooperativas ...................................................................................................... 51

As Sociedades e as Exigências Dogmáticas do Sistema ............................................ 53

Desconsideração da Personalidade Coletiva ............................................................. 53


Grupos de Casos Típicos ................................................................................... 53
Teorias Explicativas ........................................................................................... 56
Posição Menezes Cordeiro ................................................................................. 57

Princípio da Lealdade ................................................................................................. 59


A lealdade no Direito das sociedades ................................................................ 59

O CONTRATO DE SOCIEDADE ............................................................................. 61

Celebração, Conteúdo e Capital Social ...................................................................... 61

Celebração, Forma e Natureza ................................................................................... 61


Celebração, contrato, pacto social e estatutos .................................................... 61
As partes: cônjuges e menores ........................................................................... 62
Forma ................................................................................................................. 65
Natureza ............................................................................................................. 66
Constituição por negócio unilateral ................................................................... 68
Constituição por diploma legal e por decisão judicial ....................................... 69

O conteúdo .................................................................................................................... 70
Elementos Gerais ............................................................................................... 70
Interpretação e integração do contrato ............................................................... 71
A firma ............................................................................................................... 73
O objeto; a aquisição de participações ............................................................... 75
A sede e as formas locais de representação ....................................................... 76
Capital Social ..................................................................................................... 77
Duração .............................................................................................................. 79
Vantagens, retribuições e indeminizações ......................................................... 79

Sociedades em Formação e Sociedades Irregulares ................................................. 80

O Processo de Formação das Sociedades .................................................................. 80


Fases necessárias ................................................................................................ 80
Negócios eventuais ............................................................................................ 80

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Boa-fé in contrahendo ........................................................................................ 81


Situações pré-societárias; a tradição da sociedade irregular .............................. 82

Sociedades Irregulares por Incompletude ................................................................. 83


Introdução .......................................................................................................... 83
Sociedade material e sociedade aparente ........................................................... 84
Pré-sociedade antes do contrato ......................................................................... 84
Pré-sociedade depois do contrato, mas antes do registo .................................... 85
Capacidade das sociedades irregulares .............................................................. 86
Natureza das sociedades irregulares .................................................................. 87

Sociedades Irregulares por Invalidade ...................................................................... 89


Efeitos da invalidade .......................................................................................... 91
Especificidades das sociedades de pessoas ........................................................ 92
Especificidades das sociedades de capitais ........................................................ 93

Registo e Publicações ................................................................................................... 95


Reforma de 2006 ................................................................................................ 95
A impugnação das decisões ............................................................................... 95
Princípios ........................................................................................................... 95
Efeitos do registo ............................................................................................... 96
Atos societários sujeitos a registo ...................................................................... 96
O efeito condicionante de eficácia plena ........................................................... 97

A SITUAÇÃO JURÍDICA DOS SÓCIOS ................................................................ 98

Conteúdo Geral ............................................................................................................ 98

A Qualidade de Sócio como um Estado ..................................................................... 98


Titularidade e participação ................................................................................. 98
Enumeração legal de direitos e deveres ............................................................. 98
A lógica da apropriação privada ........................................................................ 99
Os direitos especiais ........................................................................................... 99

Classificação dos Direitos e dos Deveres dos Sócios ............................................... 100


Direitos ............................................................................................................. 100
Deveres ............................................................................................................ 101

Entradas, Lucros e Perdas, Defesa do Capital ........................................................ 103

A Obrigação de Entrada ........................................................................................... 103


Regime geral das entradas ............................................................................... 105

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Direitos dos credores ....................................................................................... 107

Sociedades em Nome Coletivo .................................................................................. 108


O capital ........................................................................................................... 108
Entradas em dinheiro e em espécie .................................................................. 108
Os sócios de indústria ...................................................................................... 108

Sociedades por Quotas .............................................................................................. 110


Diferimento das entradas ................................................................................. 110
Responsabilidade pelas entradas ...................................................................... 112
Responsabilidade direta para com os credores sociais .................................... 112
Responsabilidade por levantamento da personalidade .................................... 112
Obrigação de prestações acessórias ................................................................. 113
Prestações suplementares ................................................................................. 113
Quadro Síntese da distinção entre prestações .................................................. 114
Contrato de suprimento .................................................................................... 116

Regime da Quota ....................................................................................................... 118


Unidade, montante e divisão ............................................................................ 118
Contitularidade e usufruto de quotas ............................................................... 119

Sociedades Anónimas ................................................................................................ 120


As entradas ....................................................................................................... 120
Subscrição e a realização de ações .................................................................. 120
Acionistas em mora e perda das ações ............................................................. 121
Obrigação de prestações acessórias, suplementares e suprimentos ................. 121

Participação nos Lucros e nas Perdas: Pactos Leoninos ........................................ 122


Proibição história dos pactos leoninos ............................................................. 122
Direito português ............................................................................................. 122
Direito aos lucros ............................................................................................. 123

Construção Financeira e Defesa do Capital ............................................................ 126


Modalidades de lucro ....................................................................................... 127
A distribuição dos bens aos sócios .................................................................. 128
Lucros e reservas não distribuíveis .................................................................. 129
A manutenção das reservas legais ................................................................... 130

Sociedades por Quotas .............................................................................................. 132

Sociedades Anónimas ................................................................................................ 133


Aditamento sobre os lucros .............................................................................. 133
A reserva legal ................................................................................................. 133

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A Perda de Metade dos Capital Social ..................................................................... 134


A previsão vigente ........................................................................................... 134
As consequências ............................................................................................. 134

Os Acordos Parassociais ........................................................................................... 136


Direito português ............................................................................................. 136
Modalidades ..................................................................................................... 137
A exclusão da administração e da fiscalização ................................................ 138
Outras restrições .............................................................................................. 139
Os acordos parassociais na prática societária portuguesa ................................ 140

Direito à Informação ................................................................................................. 142


A informação em Direito ................................................................................. 141
Tipos de informação consoante o acesso ......................................................... 143
A informação corrente ..................................................................................... 145
A informação qualificada e secreta .................................................................. 146
As regras aplicáveis ......................................................................................... 146
Natureza e abuso .............................................................................................. 147
Garantia ............................................................................................................ 148
As informações profissionalizadas; a responsabilização ................................. 149

Sociedades em Nome Coletivo .................................................................................. 150


Elementos das informações ............................................................................. 150
Abuso de informação ....................................................................................... 150

Sociedade por Quotas ................................................................................................ 151


Recusa justificada ............................................................................................ 151

Sociedades Anónimas ................................................................................................ 152


Informação indireta .......................................................................................... 152
Direito mínimo à informação ........................................................................... 152
Informações preparatórias da Assembleia Geral ............................................. 152
Informação em Assembleia Geral .................................................................... 153
Direito coletivo à informação .......................................................................... 153
As sanções ........................................................................................................ 153

DELIBERAÇÕES SOCIAIS .................................................................................... 154

Evolução e Regime ..................................................................................................... 154

Regime Geral .............................................................................................................. 154


Tipos de deliberações ....................................................................................... 154
Processo deliberativo ....................................................................................... 155

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Deliberação por escrito e assembleias universais ............................................ 156

A Ata ........................................................................................................................... 158


Noção e conteúdo mínimo ............................................................................... 158
Forma solene e aprovação ................................................................................ 158
Função .............................................................................................................. 159
Natureza ........................................................................................................... 159

Invalidade e Ineficácia ............................................................................................... 162

Dogmática e evolução ................................................................................................ 162


Quadro das ineficácias ..................................................................................... 162
Sistema do Código ........................................................................................... 163
Deliberações ineficazes .................................................................................... 163

Nulidade ...................................................................................................................... 164


Nulidade por vícios de procedimento .............................................................. 164
Nulidade por vícios de substância ................................................................... 164
Consequências ................................................................................................. 168

Anulabilidade ............................................................................................................. 169


Anulabilidade por violação de lei .................................................................... 169
Anulabilidade por votos abusivos .................................................................... 171
Ação de anulação ............................................................................................. 172

Disposições comuns .................................................................................................... 174


Direito à ação e legitimidade ........................................................................... 174
Eficácia do caso julgado .................................................................................. 175
Renovação de deliberações .............................................................................. 176

Sociedades em Nome Coletivo .................................................................................. 177

Sociedades por Quotas .............................................................................................. 178


Formas de deliberação ..................................................................................... 178
Votos e impedimento ....................................................................................... 179

Sociedades Anónimas ................................................................................................ 181


Assembleia Geral das Sociedades .................................................................... 181

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A ADMINISTRAÇÃO DAS SOCIEDADES .......................................................... 183

Gestão e Representação ............................................................................................. 183


O problema dos interesses ............................................................................... 183
Ao serviço dos sócios, da sociedade ou de terceiros? ...................................... 184
Poder de gestão ................................................................................................ 185
Poder de representação .................................................................................... 186

Os deveres Fundamentais dos Administradores ..................................................... 188


O artigo 64º ...................................................................................................... 188
Deveres de cuidado .......................................................................................... 189
Deveres de lealdade ......................................................................................... 194

Governo das Sociedades ............................................................................................ 197


Corporate Governance ..................................................................................... 197

Situação jurídica dos Administradores ................................................................... 199

Direito Comparado .................................................................................................... 199


Orientação Contratual ...................................................................................... 199
Orientações Unilaterais .................................................................................... 199
Orientações Analíticas ..................................................................................... 200
Valores Laborais .............................................................................................. 201

No Direito Português ................................................................................................. 202


Inadequação do contratualismo puro ............................................................... 202
Direitos dos administradores ........................................................................... 202
Deveres dos administradores ........................................................................... 203
A constituição da situação de administrador ................................................... 204
O termo da situação de administrador ............................................................. 206
A livre destituibilidade e a exigência de justa causa ....................................... 208
A indeminização .............................................................................................. 210

Responsabilidade dos Administradores ................................................................... 212


Responsabilidade por declarações prestadas com vista à constituição da
sociedade .......................................................................................................... 212
Responsabilidade para com a sociedade .......................................................... 213
Responsabilidade para com os credores .......................................................... 219
Responsabilidade para com os sócios e terceiros ............................................ 220
Outras responsabilidades ................................................................................. 221

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FISCALIZAÇÃO DAS SOCIEDADES ................................................................... 223

Aspetos Gerais ............................................................................................................ 223


A fiscalização nas sociedades civis puras ........................................................ 223
Fiscalização nas Sociedades Comerciais ......................................................... 223
Outras vias de fiscalização ............................................................................... 224
Substância da fiscalização ............................................................................... 224
Responsabilidade dos fiscalizadores ................................................................ 225

MODIFICAÇÕES DAS SOCIEDADES ................................................................. 226

As alterações do Contrato ......................................................................................... 226


Aumento do Capital ......................................................................................... 227
Redução do Capital .......................................................................................... 229

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INTRODUÇÃO

O DIREITO DAS SOCIEDADES

O Direito das Sociedades é o conjunto de normas e princípios que se ocupam das


sociedades comerciais. É o ramo jurídico-positivo que regula as sociedades e as questões
conexas.
Vem regular o nascimento das sociedades comerciais (constituição e financiamento do
projeto empresarial), a sua vida (a competência dos órgãos, como é que se gera lucro para
os sócios) e a sua morte (a extinção da pessoa coletiva).

Além disso, a mesma expressão designa a área da Ciência do Direito que estuda, explica
e aplica as normas e os princípios atinentes a esse ramo.

As sociedades podem ser civis ou comerciais.

Sociedades Civis – CC: 980º e ss. Sociedades Comerciais – CSC


Sociedades civis sob forma comercial
Sociedades comerciais

As sociedades civis puras, ou sociedades civis sob forma civil, não têm uma definição
legal, apenas encontramos no CC: 980º uma noção de contrato de sociedade.

Pelo contrário, as sociedades civis sob forma comercial e as sociedades comerciais estão
formalizadas: não dependem nem da origem, nem do que visem.

CSC: 1º/2 encontramos dois elementos:


Material: sociedades que têm como objeto a prática de atos de comércio.
Formal: sociedades que adotem um de cinco tipos societários. Este elemento é
determinante, pois a entidade que adote um destes tipos de sociedade comercial rege-se
pelo Direito das Sociedades, mesmo quando tenha por objeto exclusivo a prática de atos
não comerciais – CSC: 1º/4

Uma sociedade comercial é, então, uma pessoa coletiva, sendo por isso um centro de
imputação de situações jurídicas ativas e passivas. A sociedade é ainda um instrumento
para o desenvolvimento de um projeto empresarial.

Tendencialmente, as sociedades surgem de um acordo ou convenção para se desenvolver


uma determinada atividade económica e se repartirem os lucros. No entanto, a sociedade
encontra-se associada às ideias de cooperação e de organização privadas:

1. Alguns autores acentuam a primeira vertente, falando, por exemplo, numa


“associação de Direito privado para a prossecução de um escopo comum”.
Falamos aqui da sociedade civil pura, que corresponde a uma atuação concertada
de várias pessoas com fins económicos.

2. Outros autores centram-se na segunda vertente, falando em organizações de


Direito privado. Falamos aqui da sociedade comercial, que equivale a uma
organização de complexidade variável e que pode ser usada para os mais diversos

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escopos, incluindo atuações não económicas. Contudo, tal organização foi


pensada pelo Direito para dar corpo à atuação concertada, própria da primeira
vertente, por isso, no fim, cooperação e organização acabam por ser faces de uma
mesma moeda.

Substancialmente, temos o fenómeno da cooperação entre os seres humanos para


alcançarem os objetivos a que se propõem, mas com o passar do tempo junta-se o
fenómeno da organização, que estrutura a hierarquia da sociedade.

No Direito Privado, dominam os valores da liberdade e da autonomia privada, por isso,


os indivíduos podem cooperar como entenderem, integrando esquemas de organização
variados, pelas mais diversas vias, típicas e atípicas. No fundo, é permitido fazer tudo
aquilo que a lei não proíbe.

O Direito das Sociedades tem uma origem fragmentária, tendo-se desenvolvido vários
tipos de sociedades isoladamente. Esta evolução fragmentária foi criando problemas e em
resposta a isso surgiram as várias codificações.

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EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS SOCIEDADES

Pode considerar-se que as sociedades atuais derivam de três pilares:

1. Contrato romano de sociedade ou societas


Inventado por um pretor na base da boa fé. É o que encontramos atualmente no CC: 980º.

2. Desenvolvimento da personalidade coletiva


Foi descoberta na Idade Média, permitiu desenvolver uma técnica que permite multiplicar
até ao infinito a aplicação das normas jurídicas.

3. Companhias coloniais dos séculos XVII e XVIII


A expansão colonial levou à formação do mundo como o conhecemos.
Em Portugal, como foi realizada fundamentalmente pelo Estado, não gerou sociedades.
Contudo, alguns países, como a Inglaterra, recolhiam pequenas poupanças, conseguindo
investimento para a expansão colonial, e correndo o risco de perder o investimento ou de
ganhar muito. Isto deu origem às atuais sociedades anónimas.

Havia grande oscilação entre DIPÚBLICO e Privado, havendo grande insegurança, por
isso os navios tinham que ir armados e protegidos, havendo privilégios e poderes de
autoridade dados pela coroa a estas sociedades.

Havia grande desconfiança das sociedades, inclusive durante a revolução francesa


chegaram a ser proibidas. Quando foram restituídas no Código Napoleónico só podiam
ser constituídas após aprovação do Governo, estando sujeitas à tutela do Estado, tendo
este a possibilidade de as liquidar quando assim entendesse.

As Codificações Oitocentistas: o problema da liberdade de constituição

A primeira resposta europeia à constituição das sociedades comerciais foi negativa,


devido à desconfiança que existia. Porém, o grande desenvolvimento económico fez com
que os ingleses começassem a liberalizar a constituição das sociedades comerciais e,
consequentemente, vários países foram elaborando leis para seguir a corrente.

Em 1967 surge a liberdade de constituição das sociedades anónimas em Portugal.


Passaram a ter que existir órgãos internos de fiscalização, pois já não estavam sobre tutela
do Estado.
Desenvolveram-se vários modelos de normas jurídicas sobre as sociedades:
1. Incluir as sociedades no Código Comercial;
2. Incluir as sociedades no Código Civil por considerarem que o direito comercial
não tinha autonomia;
3. Manter algumas coisas no Código Comercial, mas elaborar leis especiais;
4. Fazer uma lei especial para as Sociedades, o Código das Sociedades Comerciais.

Antigamente, as sociedades eram constituídas entre profissionais de uma área, mas com
o desenvolvimento os investidores deixaram de ser especialistas na matéria, passando a
ser os administradores que mandam. Devido a isto, com a reforma alemã, a administração
passa a ter poderes fortes e não a Assembleia Geral.

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Importâncias das Sociedades Comerciais em Portugal: os portugueses gostam de fazer


sociedades, temos cerca de 317 mil sociedades por quotas e 23 mil sociedades anónimas.
A soma dos lucros destas sociedades ultrapassa o PIB nacional. As sociedades têm sido
acompanhadas pelos contabilistas e não por advogados, devido ao receio dos juristas à
matemática.

O Século XX e a Democratização do capital

No advento do séc. XX, a dogmática geral das sociedades estava estabilizada. Em aberto
mantinham-se, todavia, alguns dilemas: o primeiro tinha a ver com a autonomia do
próprio Direito comercial.

À medida que, a essa questão, foi sendo dada resposta negativa, a matéria das sociedades
comerciais passou para os códigos civis (ex: Código Civil suíço, Código Civil italiano).
Noutras experiências, o problema resolveu-se com a retirada do Direito das Sociedades
dos Códigos comerciais (ou civis), conferindo-lhe uma autonomia formal – foi a solução
alemã. Mais tarde, ir-se-ia ainda mais longe: através da codificação, em diploma próprio,
da matéria atinente às sociedades – Código das Sociedades francês (1966) e Código das
Sociedades Comerciais português (1986).

Outro dilema tinha a ver com a atribuição de personalidade coletiva às sociedades:


• Na Alemanha, a personalidade é reconhecida apenas às sociedades de capitais (por
quotas e anónimas) e não às sociedades pessoais.
• Em Portugal, todas as sociedades comerciais são consideradas pessoas coletivas,
havendo dúvidas quanto às sociedades civis.

Como fatores de evolução do Direito das sociedades comerciais, ao longo do séc. XX,
cabe apontar:
• A democratização das sociedades – as reformas alemãs de 1937 e de 1965;
• A legislação comunitária.

No seio desta evolução histórica, cumpre referir ainda o surgimento das sociedades por
quotas, precisamente num momento em que se procura democratizar cada vez mais este
regime das sociedades comerciais.
Eram os ricos que eram sócios das sociedades anónimas, mas a publicidade e a elevação
geral do estilo de vida fizeram com que as sociedades passassem a ser acessíveis a grande
parte da população.
A dogmática das sociedades terá tido início com as sociedades anónimas. Contudo, estas
sofrem uma reforma entre 1870 e 1884, estando já consagrado o esquema de
reconhecimento da personalidade jurídica, bem como firmados os princípios do seu
controlo interno. As sociedades anónimas acabam por se tornar demasiado pesadas e de
funcionamento dispendioso, o que as torna apenas aplicáveis perante as grandes
empresas, deixando as pequenas e médias empresas sem qualquer tipo de cobertura. Esta
lacuna, deixada pelas sociedades anónimas, é então preenchida pelas sociedades por
quotas, que aparecem em 1892 e na Lei portuguesa em 1901.

Graças ao desenvolvimento das sociedades anónimas, a ideia de uma limitação de


responsabilidade dos entes coletivos, livremente criados pelos particulares e assentes em
mecanismos próprios de fiscalização, radicara-se na consciência jurídica dominante.

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Assim sendo, as sociedades por quotas traduzem uma simplificação que está bem pensada
relativamente às sociedades anónimas.

A experiência portuguesa passou por vários momentos: Ordenações do Reino;


Companhias Coloniais; Reformas Pombalinas; Código Ferreira Borges; Lei das
Sociedades Anónimas de 1867; Código de Seabra; Código Veiga Beirão; Lei das
Sociedades por Quotas de 1901;

Os Séculos XX e XXI

A evolução do direito português das sociedades foi marcada por 5 grandes temas:

1. Fiscalização
O problema da fiscalização teve o seu expoente no final do séc. XX, em que as sociedades
começavam a ter alguns problemas, competindo ao governo intervir para resolver estes
problemas.

Até 1867, o problema não se pôs, dado o número escasso de sociedades existentes. Porém,
no final do século, o incremento das sociedades e a verificação de crises cíclicas levaram
os governos a reagir.

Uma das hipóteses foi apresentada pelo Visconde de Carnaxide: admitir, no caso de crise,
a intervenção do Governo, através de comissários especiais, que fiscalizassem as
sociedades.
Esta ideia sofreu a crítica de José Benevides, que pretendia elaborar um regime de
responsabilidade civil e penal para os diretores e fiscais das sociedades anónimas.

Esta discussão permitiu encontrar dois modelos possíveis quanto à fiscalização das
sociedades anónimas:
• Fiscalização pelo Estado: a intervenção estadual dá origem ao fenómeno da
supervisão de organismos dotados de independência dada pela lei, as entidades
públicas (fiscalização exterior).
• Controlo interior: os poderes do conselho fiscal são intensificados e arranjam-se
esquemas de responsabilidade civil dos administradores.

A legislação da República inclinar-se-ia de modo decidido para a primeira opção. A


fiscalização incidia, essencialmente, sobre a escrita e outros documentos.

Mais tarde, o DL 49.381 de 15Nov1969, praticamente acolhido no CSC, veio tentar um


compromisso entre as duas correntes. Na parte atinente à fiscalização, a regra
fundamental era a de que um dos membros do conselho fiscal ou o fiscal único e um
suplente tinham de ser designados de entre os inscritos na lista de revisores oficiais de
contas – uma regra que hoje consta do CSC: 414º/2.

2. (Re)codificação
Na fase final do Estado Novo, particularmente sob o impulso do Prof. Raúl Ventura,
surgiram alterações legislativas importantes no campo das sociedades comerciais:

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• DL 49.381 15Nov1969, referente à fiscalização das sociedades e à


responsabilidade dos administradores;
• DL 598/73 8Nov, relativo à fusão e à cisão de sociedades; em causa estava já a
transposição de Diretrizes comunitárias.

Com a Revolução de 1974/1975, que assumiu, em determinada altura, uma feição


socialista estatizante, as sociedades perderam importância, sendo substituídas pelas
empresas públicas. Estas, contudo, não chegaram a criar uma cultura própria, tendo
adotado, em diversas dimensões, os quadros próprios das sociedades.

A subsequente liberalização da economia deu um novo impulso aos instrumentos


societários. As reformas multiplicaram-se, ampliadas pelas necessidades da integração
europeia e pelo papel do mercado mobiliário.
Tudo isso conduziu à necessidade de uma recodificação do direito das sociedades, que
começou no Código Civil, seguindo para o Código das Sociedades Comerciais de 1986.

3. Mobiliarização
Esta expressão traduz o tratamento das sociedades, particularmente as comerciais,
enquanto entidades emissoras de valores mobiliários: ações, obrigações, etc.

Para as sociedades anónimas terem investidores, estes necessitam de segurança para os


seus investimentos – as regras do CSC serviram para proteger os pequenos investidores.

Uma das características das sociedades anónimas é terem capital social repartido por
várias pessoas (ações). Surgem as bolsas de valores onde se procedem às trocas ou
compras das posições societárias.

Código dos Valores Mobiliários (CVM) – reforma feita pelo Prof. Sousa Franco,
enquanto Ministro das Finanças, que torna o CVM mais claro e adequado, ainda que
complexo.

O Direito das Sociedades Comerciais é contaminado pelo Direito mobiliário. Entre as


múltiplas regras mobiliárias que se aplicam às sociedades, salientam-se:
• O dever de prestar informações completas e fidedignas – arts. 7º, 8º, 244º e ss.
• O dever de proceder a diversas comunicações – arts. 16º e ss.
• O dever de igual tratamento – art. 15º.

4. Europeização
Surge com os instrumentos comunitários e a força que os mesmos empregam nas esferas
jurídicas dos diversos Estados Membros da UE.
Com o passar do tempo, a Europa começa a perceber que será necessário gerar
alternativas para tentar criar uma harmonização relativamente às regras de Direito
Societário dos diversos Estados Membros.

O direito europeu caracteriza-se, fundamentalmente, pela livre circulação de capitais e


pessoas, o que implica a necessidade de possibilitar as transações através de uma
harmonização dos direitos nacionais.
O direito europeu generaliza as leis de defesa do consumidor, para estabilizar a
concorrência. Assim, interessa ao legislador europeu que haja livre circulação, pelo que
as sociedades devem ser equivalentes nos vários países da União. Desta forma, as

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diretrizes comunitárias vêm fixar determinadas regras mínimas para atingir a tal
harmonização, tornando as similaridades e equivalências mais próximas, não 100%
iguais. Portanto, não se trata de um direito uniforme: cada país faz as transposições à sua
maneira, havendo vários pontos de contacto.

As diretrizes são preparadas à luz de diversos ordenamentos europeus, com relevo para o
alemão, portanto o direito material é fundamentalmente direito alemão simplificado.

5. Anglo-saxonização
Começa por ser uma expressão diplomática: cifra-se na influência de conceitos jurídicos
anglo-saxónicos no direito das sociedades.

A planetarização da economia e o incremento da língua inglesa nas relações


internacionais vieram, a partir do séc. XX, abrir as portas à receção, na Europa, de
elementos jurídico-científicos e positivos anglo-saxónicos ou, mais particularmente,
norte-americanos:
• Institutos concretos, como a comissão de auditoria, própria do modelo anglo-
saxónico de sociedade anónima, introduzido pela reforma de 2006;
• Conceções básicas como as relativas à prestação de contas, acolhida por via
europeia, no SNC (Sistema de Normalização Contabilística), adotado em 2009;
• Fórmulas dogmáticas fluidas, capazes de computar novos modelos de decisão, por
vezes de tradução impossível: pense-se nas ideias de corporate finance ou de
compliance.
• Aparecimento de esquemas de organização societária;
• Técnicas de contas – as contas tradicionalmente europeias (as empresas
financiam-se na banca – evidenciavam o ativo e o passivo das empresas) e as
americanas (as empresas financiam-se no mercado e não na banca, com a emissão
de ações). Um eventual investidor acaba por querer saber quanto e se vai ganhar,
para isso necessita-se de um tipo de contabilidade que consiga traduzir o potencial
do negócio, para arranjar clientela e expandir o negócio – contabilidade mais
elástica.
• Por via europeia, transpôs-se esquemas de contabilidade americana para a nossa,
anglo-saxonizando a nossa economia.
• O “compliance” – género de fiscalização, que trata de acompanhar e fiscalizar a
produção de sociedades, corrigindo os erros quando estes se revelam.

São ainda apresentadas 3 modelos:


o Modelo latino/tradicional: a Assembleia geral (conjunto de sócios) elege um
conselho de administração que, por sua vez, elege um conselho fiscal.
o Modelo germânico: a Assembleia Geral elege um conselho de vigilância e este
elege uma direção (funciona bem na Alemanha, porque há boa gestão).
o Modelo anglo-saxónico: a Assembleia Geral elege o conselho de administração,
mas dentro deste há uma comissão de auditoria para fiscalização, que se junta aos
administradores para averiguar o que se passa com a sociedade. Surgiu com a
reforma de 2006.

Esquema da Cogestão:
Após o final da II Guerra Mundial, com a divisão da Alemanha em dois países, na RFA
(república federal alemã) montou-se o esquema da cogestão em que os trabalhadores da

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própria empresa são associados à gestão da mesma, através do conselho de vigilância,


visto que estes passam a integrá-lo.
Nas grandes empresas alemãs, os trabalhadores trabalham lado a lado com todos os
outros, conhecendo os livros, a gestão, etc., fazendo uma gestão amigável. Este esquema
tem sido apontado como uma das razões para o desenvolvimento da economia e das
sociedades alemãs. Em 1965, a Lei das sociedades alemãs associou este esquema.

6. Burocratização
Tem vindo a densificar-se no direito das sociedades, através de exigências de ordem
burocrática.

Direito Europeu e Internacional das Sociedades

No domínio das sociedades comerciais, as exigências do Tratado de Roma, hoje acolhido


no Tratado de Lisboa, têm um relevo específico, nomeadamente as exigências de
coordenação pelo Conselho e pela Comissão das garantias para a proteção dos interesses
dos sócios e de terceiros.

Aos objetivos da harmonização correspondem as diversas diretrizes, com destaque para


as 1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 6ª, 7ª, 8ª, 10ª, 11ª, 12ª e 13ª, todas do Direito das sociedades. Aos de uma
inovação global equivalem os Regulamentos sobre a matéria contabilística, por exemplo.

Para executar os objetivos apontados, os órgãos comunitários dispõem de três tipos de


instrumentos:
1. Diretrizes, que carecem de transposição para serem aplicadas no âmbito de cada
Estado;
2. Regulamentos, de aplicação imediata;
3. Convénios internacionais, diretamente acordados pelos Estados.

O Direito europeu das sociedades, em sentido amplo, abrange:


• As normas comunitárias, primárias ou secundárias, relativas a sociedades;
• As normas internas adotadas em execução das comunitárias e, em especial, as
regras de transposição de diretrizes;
• Os princípios e a construção jurídico-científica elaborados em torno desses dois
núcleos.
Ø As diretrizes das sociedades comerciais e a sua transposição
Preocupações do legislador na construção do Mercado Único Europeu:
a) Diretiva de 1968, relativa às garantias dos sócios e de terceiros;
b) Diretiva de 1977, relativa ao capital social: é uma condição essencial para a
proteção dos credores;
c) Diretiva de 1978, relativa à fusão de sociedades;
d) Diretiva de 1982, relativa à cisão de sociedades.

Há um aspeto muito importante que é o da prestação de contas: para saber se uma


sociedade está a fazer um bom ou mau trabalho, será necessário que os administradores
da sociedade prestem contas. Neste âmbito são importantes as 4ª, 7ª (1983), 8ª (1984) e
12ª Diretrizes.

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A ideia de base da pluralidade de sócios foi rapidamente posta em causa: a dimensão


associativa deu lugar a uma dimensão mais funcional das sociedades comerciais. Não se
justificava que a sociedade fosse logo extinta assim que algum sócio falecia (se só
existissem dois) e compreendeu-se, a partir daí, que não seria necessária a pluralidade de
sócios. Assim, admitiram-se sociedades que são sócias únicas de outras sociedades.

NOTA: muitas destas diretrizes quanto ao Direito Europeu das Sociedades Comerciais
foram compiladas numa única Diretriz, a 2017/1132.

Ø CSC: de onde vem e para onde vai?


O CSC surge fruto de uma série de trabalhos preparatórios para a reforma do Código
Comercial. Durante o período de 1888 até 1976, o legislador percebeu que o Código
Comercial de 1988 estava bastante desatualizado e, por isso, precisava de ser reformado.
Uma matéria que precisava de urgente reforma era o regime das sociedades comerciais.
Ainda assim, não se produziram grandes resultados. Entretanto, foi formada outra
comissão de trabalhos liderada por FERRER CORREIA.

Projeto de RAÚL VENTURA (1983) – há uma série de aspetos que o professor trabalhou
muito bem (de 1983); o seu projeto foi mexido, sendo que a versão de 1986 não é o projeto
do professor RAÚL VENTURA, pelo que a lógica deste projeto foi totalmente alterada.

Em 1983, quando RAÚL VENTURA apresentou o projeto, teve um desafio, uma vez que
Portugal estava no processo de adesão à CEE e incorporou as Diretrizes no Código,
articulando-as com o seu projeto. Contudo, tinha um desafio ainda maior: estava a ser
discutida em Bruxelas uma 5ª Diretriz a propósito da estrutura das sociedades
anónimas. RAÚL VENTURA entendia que as Diretrizes europeias deviam ser
incorporadas desde logo no CSC.

Ø Proposta de 5ª Diretriz
Os alemães, no início do séc. XX, foram instituindo um sistema de
“Mitbestimmen/Mitbestimung” (trabalhadores nos órgãos sociais). A Alemanha tentou
“vender” à UE esta estrutura, mas a Inglaterra (liberdade contratual vs normas injuntivas)
opôs-se. Assim, no nosso CSC, aparece em 1986 esta proposta da 5º Diretriz quanto ao
modelo alemão e passamos a ter uma outra opção de estruturar a sociedade anónima.

Ø Proposta de 9ª Diretriz
Grupos de sociedades: o professor LUTHER (alemão), a propósito dos escândalos
societários, chama a atenção para a necessidade de uma solução a nível europeu para
tratar da questão dos grupos das sociedades, mas a sua proposta (9ª Diretriz) foi recusada.
No entanto, o professor RAÚL VENTURA já tinha incluído os grupos de sociedades no
CSC de 1986.

Fruto da reduzida dimensão do nosso mercado, nós tínhamos muito pouca jurisprudência
e doutrina sobre sociedades comerciais. Quando o legislador é chamado a trabalhar para
o CSC, tinha pouco em que se basear, tendo o Prof. RAÚL VENTURA um grande desafio
e um trabalho difícil para fazer o Código, sendo que muitas das soluções não estavam
devidamente consolidadas no nosso ordenamento jurídico.

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Ø Código das Sociedades Comerciais


O CSC foi aprovado pelo DL 262/86 de 2 de setembro e tem uma estrutura difícil, com
605 artigos divididos em 8 títulos.

As sociedades comerciais obedecem a um princípio de tipicidade, apenas podendo haver


5 tipos de sociedades comerciais – CSC: 1º/2

A sociedade por quotas foi uma invenção legislativa: o legislador desenhou um regime
de sociedades anónimas mais flexível. A história das sociedades comerciais é a história
do paradigma das sociedades anónimas e isto tem consequências ao nível da construção
de uma parte geral do CSC, uma vez que a parte geral contém regras que apenas
funcionam para as sociedades anónimas.

Há ainda matérias que deveriam estar na Parte geral e não se encontram, como as regras
relativas a Grupos de Sociedades e ainda as disposições penais e de mera ordenação
social.

Alterações significativas no CSC desde 1986:


a) Introdução das sociedades unipessoais por quotas pelo DL 267/86;
b) DL 486/99 que aprovou o Código dos Valores Mobiliários, que encontra a sua
génese no Direito das Sociedades.
c) Desformalização de atos societários – medidas destinadas a tornar menos
burocrática a prática de atos societários. Esta ideia de progressiva desformalização
está patente em variados diplomas, como o DL 237/2001 e o DL fundamental
111/2005 que criou o regime especial de constituição de Sociedades (“Empresa
na Hora”).
d) Reforma de 2006, operada pelo DL 76º-A/2006 de 29 de março (que se ocupou
especialmente das sociedades anónimas) que alterou quase 1/3 dos arts. do CSC:
o Desformalização e simplificação dos atos societários;
o Reformulação dos deveres dos administradores;
o Revisão das estruturas de fiscalização e administração das sociedades
anónimas;
o Introdução de novas formas de dissolução e liquidação das entidades
comerciais.
e) Reforma de 2007, operada pelo DL 8/2007 de 17 de janeiro, que visou corrigir
diversos aspetos derivados da grande reforma de 2006.
f) Reformas de 2009 e 2010, operadas pela Lei 19/2009 de 12 de maio (que veio
transpor a 10ª Diretriz) e pelo DL 185/2009 de 12 de agosto, que introduziu
alterações ao regime das fusões e das cisões; e pelo DL 49/2010 de 19 de maio,
que permitiu, entre outras coisas, a introdução nas nossas sociedades das ações
sem valor nominal.
g) A partir de 2012, ocorreram outras diversas reformas.

Resumindo e concluindo, temos um Direito desnecessariamente complexo.

NOTA: devemos articular o CSC com outros diplomas: CVM, Direito da Insolvência; há
alguns aspetos em que se cruzam os vetores do Direito do Trabalho; Direito Fiscal com
os vetores do Direito das sociedades.

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DOGMÁTICA BÁSICA DAS SOCIEDADES

GENERALIDADES, ELEMENTOS E PRINCÍPIOS1

SENTIDO DA DOGMÁTICA SOCIETÁRIA

O sistema de fontes

As fontes aplicáveis às sociedades articulam-se num sistema complexo. Tomando como


arquétipo uma sociedade anónima, haverá que recorrer, sucessivamente, ao Direito
imperativo e, designadamente:
• Regras específicas sobre a sociedade anónima em causa
• Regras contidas no Código das Sociedades Comerciais: 271º e seguintes
• Regras contidas no título I desse mesmo Código
• Regras do Código das Sociedades Comerciais aplicáveis aos casos análogos – 2º,
1ª parte
• Aos princípios gerais do mesmo Código e aos princípios informadores do tipo
adotado – 2º, 3ª parte;
• Regras do Código Civil sobre o contrato de sociedade – 2º, 2ª parte;
• Analogia e à norma criada dentro do espírito do sistema CC: 10º/1 e 3
• Ao contrato de sociedade e aos estatutos, sempre que esteja em causa matéria não
regulada por lei ou tratada em meras normas legais supletivas
• Deliberações dos sócios
• Direito supletivo

O sistema de fontes societários varia, depois de acordo com o tipo concretamente em


causa.

Substrato obrigacional e substrato organizacional

A dogmática básica do Direito das sociedades lida com dois grandes substratos
interligados: o obrigacional e o organizacional.

Quando duas ou mais pessoas se encontram com um projeto societário, elas acuam em
duas vertentes:
• Assumindo obrigações umas para com as outras
• Fixando um quadro de organização que, depois, irá desenvolver novas atuações
produtivas.

O modo por que se conectem estes dois substratos é variável.

Teoricamente, o substrato obrigacional será máximo nas sociedades civis puras, vindo a
diminuir, sucessivamente nas sociedades em nome coletivo, por quotas e anónimas.

1
CORDEIRO, António Menezes, Direito das Sociedades, Parte Geral, 4ª Edição, páginas 227 a 261

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Também teoricamente, esse mesmo substrato varia na razão inversa do substrato


organizacional.

Elementos civis e comerciais

Em termos históricos e culturais, o Direito das sociedades adveio, como vimos, do Direito
comercial.

Resulta daí, que o Direito das sociedades lida, primacialmente, com diplomas
“comerciais”.

O Direito das sociedades apela, ainda e continuamente, ao Direito civil. Desde logo, fá-
lo no plano regulativo:
• Directo: o regime das sociedades civis, previsto nos artigos 980º e seguintes do
Código Civil;
• Indirecto: sempre, que, nos termos do art. 2º, 2ª parte, haja que, subsidiariamente,
recorrer ao Direito civil.

Articulação entre o Direito das sociedades e o Direito civil (Direito subsidiário)

CSC: 2º Na falta de norma diretamente aplicável, será de adotar:


1. Analogia dentro do Código
2. Princípios enformadores do tipo
3. Princípios gerais das sociedades
4. Direito civil.

Trata-se de uma diretriz metodológica que tem uma explicação histórica. A ideia do
recurso ao Direito civil como Direito subsidiário advém das primeiras “levas” de códigos
comerciais. Correspondeu ao ideário de uma época em que se pensou possível erguer,
junto de um sistema geral de Direito civil, um sistema especial de Direito comercial.
Tudo isso regrediu quando se verificou que o Direito comercial tem mera consistência
histórico-cultural e não dogmática. Hoje temos, no Direito civil, normas muito melhor
adaptadas à realidade mercantil do que no clássico Direito comercial (pense- se na tutela
da confiança).

Perante uma lacuna, temos que procurar o caso análogo. Logicamente, a busca principiará
pelas regras mais próximas (as do tipo), passando às dos tipos mais afastados e, depois,
ao Direito civil. Poderá suceder que o caso análogo, valorativamente mais adequado para
a integração, resida no Direito civil.

Articulação entre o Direito das sociedades e o Direito comercial

O Direito das sociedades desprendeu-se do Direito comercial, trata-se de uma operação


fácil, uma vez que o Direito comercial assume uma feição fragmentária, que facilita o
isolamento de áreas inteiras.

CCom: 13º Cabe, no entanto, recordar que as sociedades comerciais são comerciantes.

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Além disso, e dado o princípio da especialidade, no sentido atual por ele assumido, deve
entender-se que os atos das sociedades comerciais, não sendo de natureza exclusivamente
civil, têm natureza comercial.
Finalmente, têm aplicação plena múltiplas regras atinentes ao estatuto do comerciante,
firmas, registo comercial, escrituração, insolvência.

Articulação entre o Direito das sociedades e o Direito dos valores mobiliários

O Direito dos valores mobiliários pode ser tomado como uma emancipação do Direito
das sociedades comerciais.

CVM: 1º/ a) e b) Na verdade, os valores mobiliários paradigmáticos são as ações e as


obrigações, disciplinadas antes de mais pelo Direito das sociedades comerciais.

Há um “trânsito permanente” entre o Direito das sociedades e o Direito mobiliário.

Importantes deveres de certas sociedades e dos seus administradores provêm do CVM.

Para além disto, a grande reforma de 2006, proposta pela própria CMVM, veio subordinar
o essencial dos valores societários a pontos de vista próprios do mercado mobiliário e de
capitais.

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PRINCÍPIOS GERAIS DAS SOCIEDADES

Autonomia Privada

O primeiro e mais significativo dos princípios das sociedades é o da autonomia privada.

As atuais sociedades são entes de Direito privado. Em regra e por defeito, elas derivam
de contratos livremente celebrados entre entidades que se posicionam num plano de
igualdade. Esses contratos elegem o tipo de sociedade pretendido e o seu funcionamento,
com direitos e deveres para os sócios. Uma vez constituídas, as sociedades podem fazer
quanto não lhes seja proibido, tanto no plano interno como externo.

Esta é, contudo, uma autonomia mais reduzida que a prevista no CC: 405º, pois autonomia
privada conhece vários planos de delimitação.
Podemos isolar os seguintes:
1. Limites gerais dos negócios jurídicos: a lei, bons costumes e ordem pública; trata-
se de uma realidade de ordem geral e que emerge no CSC: 56º/1 d) a propósito
de deliberações nulas;
2. Limites induzidos dos vetores profundos de ordem jurídica, expressos pela regra
da boa-fé; eles ocorrem, por exemplo, no CSC: 58º/1 b), ainda que
implicitamente, no campo das deliberações abusivas;
3. Limites derivados de regras injuntivas dirigidas às sociedades em geral;
4. Limites próprios dos tipos societários considerados.

Tais limites justificam-se pela necessidade de proteção dos interesses de terceiros e do


mercado, em geral.

O Direito das sociedades postula ainda que se reconheça, com efetividade, a propriedade
privada, no sentido da intangibilidade dos direitos patrimoniais privados. As posições dos
particulares, tais como as das sociedades, só podem ser sacrificadas com a aquiescência
dos próprios ou nos termos da lei equilibrada e atribuidora de compensações satisfatórias.

A boa-fé e a tutela da confiança

A boa-fé exprime, em cada situação concreta, os valores fundamentais da ordem jurídica.

A boa-fé opera, por vezes, através de princípios mediantes. Destes, o mais significativo é
o da tutela da confiança. Contracenando com a autonomia privada, a tutela da confiança
opera em defesa das representações legítimas de continuidade que os diversos operadores
jurídicos sempre colocam nas múltiplas ocorrências em que assentam a sua atividade.

É relevante no quadro das sociedades comerciais, uma vez que a sociedade comercial é
uma abstração, um regime jurídico que permite modelar o comportamento dos sujeitos de
modo coletivo. Sendo uma abstração, apenas a confiança que os particulares tenham na
sua consistência e na funcionalidade das normas que a rodeiem permite a
operacionalidade do sistema.

A boa-fé e a tutela da confiança operam através de cláusulas gerais:

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CSC: 58º/1 b) Designadamente, elas delimitam o campo das deliberações, vedando as


“abusivas”, ou seja, as que contundam com os valores fundamentais.

A boa-fé e a tutela da confiança operam, ainda em numerosos dispositivos destinados a


proteger terceiros que entrem em contacto com a sociedade e que, sem culpa,
desconheçam aspetos em presença. Vamos referir:
• CSC: 52º/3 A invalidade proveniente dos vícios elencados não pode ser oposta a
terceiro de boa-fé
• CSC: 61º/2 A declaração de nulidade ou a anulação de deliberações sociais não
prejudica os direitos adquiridos de boa-fé por terceiros.
• CSC: 117º/1 A nulidade da fusão não afeta determinados atos.

Para além disto, observa-se que o Direito das sociedades comerciais, pelos vetores
especiais que o animam, é um direito marcadamente formal: preponderam os processos
exteriores, as concordâncias de esquemas e a normalização das condutas. Tal é inevitável,
pelo predomínio económico dos interesses e pela necessidade de proteger o trafego
jurídico. Este vetor deve então ser amenizado pela consideração dos valores subjacentes:
a tutela de terceiros que aceitem as manifestações exteriores só se justifica quando estejam
de boa fé.

A igualdade e a justiça distributiva

No moderno Direito das sociedades, operam vetores de igualdade e de justiça distributiva.

A sociedade deve tratar os sócios igualmente. Mas será que é mesmo assim? Alguém que
investe 1M€ deve ser tratado da mesma forma que alguém que investe 1€? Ora, o
princípio da igualdade implica que se trate de forma igual o que é igual e de forma
desigual o que é desigual: os sócios assumem diferentes níveis riscos, o que terá diferentes
consequências jurídicas. É certo que, em princípio, vigora a regra do voto por capital, por
oposição ao voto por cabeça.

Vamos recordar alguns institutos:


• CSC: 22º/3 A proibição de pactos leoninos
• CSC: 22º/1 A regra de participação nos lucros e perdas de acordo com a
participação no capital
• CSC: 56º/1 a) e b) A necessidade de convocação de todos os sócios para a
assembleia poder deliberar validamente ou de todos terem sido convidados para
haver voto escrito
• CSC: 321º Igual tratamento dos acionistas, no que toca a ações próprias
• CSC: 531º As restrições quanto ao voto plural

Controlo do Direito sobre a economia: a concorrência e tutela das minorias

Deve ficar claro que o Direito, particularmente na área sensível das sociedades, tem
valores próprios e assume-os contrariando, se necessário, reconhecidas leis económicas.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 26


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A lógica do mercado livre leva à concentração das unidades produtivas e, mais latamente,
das empresas. A destruição dos concorrentes mais débeis acaba, no limite, por permitir a
subsistência de um único operador, finalmente instalado numa situação de monopólio,
com todos os inconvenientes daí decorrentes.
O Direito reage contra isto, toda a área dos grupos de sociedades tem a ver com estes
temas e prende-se à descrita preocupação.

Também a tutela das minorias se inscreve nesta perspetiva. A igualdade entre os sócios
poderia levar a um estrangulamento das minorias pelas maiorias. Procurando evitá-lo, a
lei determina diversas soluções que atribuem, a sócios minoritários, poderes que
ultrapassam os que lhes adviriam da mera proporção do capital detido.
Assim e como exemplos:
• CSC: 76º/1 Os sócios que representem 5% do capital social podem requerer a
designação de representantes especiais, em ações de responsabilidade
• CSC: 77º/1 Sócios que representem 5% do capital social podem propor ação
social de responsabilidade contra os administradores
• CSC: 86º/1 Diversas deliberações exigem ou podem exigir maiorias qualificadas
ou, mesmo a unanimidade

Ferreira Gomes sustenta que a economia é relevante, podendo a análise económica do


direito pode ser útil em três perspetivas:
Para compreender um problema;
Como critério de solução de um caso prático;
Como critério de análise das consequências de aplicação do direito ao caso concreto.

Modo coletivo: autonomia funcional e a limitação da responsabilidade

Finalmente, devemos ter presente que as sociedades funcionam em modo coletivo, isto é,
as regras básicas não se dirigem diretamente a seres humanos, os vários que podem
entender e dar execução a comandos ético-jurídicos, mas a entes coletivos. O modo
coletivo implica, na generalidade dos casos, a personalidade coletiva.

Consequência direta do modo coletivo em que funciona o Direito das sociedades é a


existência de autonomia funcional e patrimonial. Assim:
• As sociedades prosseguem fins próprios e detêm objetos formalmente seus, além
disso, dispõem de esquemas destinados à elaboração de uma vontade que lhes é
imputada
• As sociedades dispõem de um património próprio, o qual, preferencial, ou mesmo
exclusivamente, responde pelas suas dívidas.

Em termos práticos e económicos, as sociedades implicam uma limitação do risco ou da


responsabilidade das pessoas nelas envolvidas. Com efeito, a autonomia patrimonial leva
a que CSC: 175º/1 + CC: 997º/2 e 3 os sócios não respondam direita e imediatamente
pelas dívidas ou CSC: 197º/1 + 271º não respondam de todo.
No primeiro grupo teremos sociedades ditas de responsabilidade ilimitada, no segundo,
de responsabilidade limitada.

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ELEMENTOS DAS SOCIEDADES

O Código das Sociedades Comerciais não dá uma definição de sociedade comercial.


CSC: 1º /2 Aponta para uma noção geral de sociedade, desde que com:
1. Um objeto especial “… a prática de atos de comércio …”
2. Uma forma específica “…e adotem o tipo de…”

CC: 980º A noção geral será a civil.

Segundo uma enumeração tradicional, as pessoas coletivas compreenderiam os seguintes


elementos:
• Pessoal (fator humano subjacente à pessoa considerada)
• Patrimonial (conjunto de bens que a sirvam)
• Teleológico (finalidade do ente coletivo)
• Formal (concreta configuração ou organização revestida pela entidade)

A pluralidade de sócios

CC: 980º Relativamente às sociedades comuns, prevê a intervenção de “duas ou mais


pessoas”. A sociedade seria, assim, uma pessoa coletiva de base associativa, à qual
corresponderia uma pluralidade de sócios.

CSC: 7º/2 Regra Geral: Dando corpo a essa regra, o número mínimo de partes de um
contrato de sociedade é de dois
CSC: 7º/3 Esclarece que para o efeito indicado, contam com uma só parte as pessoas cuja
participação social for adquirida em regime de contitularidade.
Os sócios podem, em princípio, ser pessoas singulares ou coletivas, como se infere do
CSC: 9º/1 a), quando refere “nomes” ou “firmas”.

Exceção: Quando a lei exija número superior ou permita que a sociedade seja instituída
por uma só pessoa.
CSC: 273º/1 Para as sociedades anónimas, o mínimo de cinco sócios, salvo
quando a lei o dispense.
Exceção da Exceção: CSC: 273º/2 Basta dois sócios perante sociedades
em que o Estado diretamente ou por intermédio de empresas públicas ou outras
entidades equiparadas por lei para esse efeito fique a deter a maioria do capital.

Decorrência primordial da pluralidade de sócios:

CSC: 9º/1 a) Mostra a pluralidade de sócios determinando que devem constar do contrato
de qualquer tipo de sociedade, os nomes ou firmas de todos os sócios fundadores.

CSC: 53º ss As decisões das sociedades são tomadas por deliberação e para tal, há que
seguir regras específicas de convocação (56º/1 a) e de informação (58º/1 c).

CSC: 189º/1 + 248º/1 + 373º/1 As diversas sociedades preveem uma assembleia geral
equivalente ao coletivo dos sócios sendo o modelo básico constituído pelas assembleias
gerais das sociedades anónimas.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 28


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As sociedades unipessoais

A pluralidade de sócios nem sempre se verifica. Assim poderá suceder, mercê de eventos
naturais (a morte) ou de fenómenos jurídicos (a exoneração), que uma sociedade poderá
ir perdendo os seus sócios, ao ponto de ficar com apenas um.

A solução imediata seria passar-se logo à dissolução da sociedade.


CSC: 142º A lei entendeu, todavia que nessa eventualidade, seria mais indicado conceder
um prazo para que a situação de pluralidade fosse reconstruída. O dispositivo apontado
mostra que, durante um período temporalmente limitado, a sociedade pode subsistir sem
pluralidade de sócios.
CSC: 143º Esse prazo de um ano poderá ainda ser majorado através do “prazo razoável”
a conceder pelo tribunal.

CC: 1007º d) As sociedades civis puras podem manter-se, durante 6 meses, como
sociedades unipessoais.

CSC: 488º/1 No campo dos grupos, a lei admite que uma sociedade possa constituir, por
escritura pública, uma sociedade anónima de cujas ações ela seja inicialmente a única
titular. O advérbio “inicialmente” poderia sugerir que a situação de domínio total é
meramente transitória, contudo não é o que acontece:
• CSC: 489º O domínio total superveniente não deixa dúvidas quanto à sua
subsistência; designadamente, o Nº4 prevendo o fim da relação de grupo sem
prescrever propriamente qualquer esquema que a isso conduza
• CSC: 490º As aquisições potestativas, seja por iniciativa os sócios que alcancem
os 90% e podem provocar a compra das posições dos sócios livres (nº3), seja por
iniciativa destes últimos, que podem levar a maioria a adquirir as suas posições
(nº 5) conduzem – ou podem conduzir, à unipessoalidade.
CSC: 491º Devemos adiantar que, perante o fenómeno dos grupos de sociedades, a lei
prevê mecanismos que tutelem os valores societários em presença:
• CSC: 501º a sociedade dominante responde para com os credores da dominada
• CSC: 502º a sociedade dominante responde para com a dominada pelas perdas
desta
• CSC: 503º a sociedade dominante tem o poder de dar instrução
• CSC: 504º os administradores da sociedade dominante têm deveres e
responsabilidades directamente perante a sociedade dominada

No caminho da unipessoalidade, o último passo foi dado pelo Decreto-Lei nº 257/96 de


31 de Dezembro, que introduziu, no Código das Sociedades Comerciais, o capítulo III,
título III intitulado sociedades por quotas unipessoais

As sociedades por quotas unipessoais podem advir:


• CSC: 270º-A/2 Da concentração, num único sócio, de quotas antes pertencentes
a várias pessoas
• CSC: 270º-A/4 De uma constituição originária por um único sócio
• Da transformação de um estabelecimento individual de responsabilidade limitada

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 29


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CSC: 270º-A/7 Em qualquer dos casos, a situação de unipessoalidade deve constar de


documento (escritura pública, quando estejam em causa bens cuja transmissão exija
forma solene) e está sujeita a registo e a publicações, não produzindo efeitos antes deles.

CSC: 270º-B A própria firma exprime a situação da unipessoalidade: deve conter a


locução “sociedade unipessoal” ou a palavra “unipessoal” antes da palavra “Limitada” ou
da abreviatura “Lda.”

O Património

CC: 980º No contrato de sociedade civil, as partes, os sócios, ficam obrigados a contribuir
com bens ou serviços para o exercício em comum de certa atividade que não seja de mera
fruição. CC: 981º/1 Há assim, uma entrada de bens para a sociedade.
CC: 989º As “coisas sociais” têm um determinado regime de uso e CC: 997º pelas
dívidas sociais respondem a própria sociedade e os sócios, pessoal e solidariamente,
todavia, o sócio demandado pode exigir a prévia execução do património social.
CC: 1010º Dissolvida a sociedade, procede-se à liquidação do seu património

Passemos, agora, às sociedades comerciais.


Estas não são definidas, todavia, não oferecerá dúvidas a aplicabilidade da ideia geral do
artigo 980º do Código Civil, pelo a contribuição com bens ou serviços para a atividade
comum estará sempre presente. CSC: 6º/1 As sociedades comerciais têm a capacidade
necessária para prosseguir o seu fim

CSC: 25º ss A obrigação de entrada vem regulada com algum pormenor, ficando a
sociedade a dispor de bens.
CSC: 146º ss Havendo dissolução da sociedade, passa-se à liquidação que irá dar destino
aos seus bens, ao seu património
CSC: 202º/2 + 277º/2 Diversos preceitos permitem, em certas condições, o diferimento
de entradas ou de parte delas, quanto a sociedades por quotas e anónimas, respetivamente.

O objeto

CC: 980º A sociedade civil pura visa o “exercício em comum de certa atividade
económica”. Trata-se do fator teleológico do ente societário, numa ideia que podemos
ainda exprimir falando no “objeto”, no “escopo” ou no “fim” social.

CC: 980º + CSC: 21º/1 a) A sociedade visa obter lucros.

CSC: 9º/1 d) O objeto da sociedade deve constar obrigatoriamente dos seus estatutos.
E ele deve manter-se, durante toda a vida da sociedade: basta ver que a sua realização
completa ou a sua ilicitude superveniente constituem casos de dissolução imediata dos
entes societários CSC: 141º c) + d)

CSC: 6º/1 Tal objeto irá determinar a própria capacidade da sociedade. O objeto da
sociedade condiciona as deliberações dos sócios, sob pena de violação dos próprios
estatutos e baliza a atuação dos administradores.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 30


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CSC: 1º/2 O objeto das sociedades comerciais deve traduzir-se na prática de atos de
comércio.

O objeto da sociedade pode abranger: uma ou mais atividades principais, atividades


secundárias e atividades acessórias

A atividade principal exprime o objeto essencial da sociedade considerada.


A atividade secundária é consignada nos estatutos sociais, embora subordinadamente.
Quando as atividades principais se tornem impossíveis, as secundárias, não fariam
sentido; a menos que se verificasse uma alteração do objeto social.
As atividades acessórias não estão especificadas nos estatutos.
Todavia, elas incluem-se no objeto social, como exigência das boas regras da
interpretação, à luz da boa-fé.

O elemento formal, a tipicidade

CSC: 1º/3 As sociedades que tenham por objeto a prática de atos de comércio devem
adotar um dos tipos legais previstos2:
• Sociedade em Nome Coletivo
• Sociedade por Quotas
• Sociedade Anónima
• Sociedade em comandita Simples ou Por Ações

Esta obrigatoriedade traduz-se num princípio de tipicidade das sociedades comerciais,


que constitui, por sua vez, uma restrição ao princípio da autonomia privada,
nomeadamente à liberdade contratual, ao contrariar o CC: 405º

Contudo é de notar que observando um tipo e respeitando as normas de carácter


imperativo que o regulam as partes podem conformar livremente o restante conteúdo do
contrato de sociedade, variando este espaço de liberdade conforme o tipo societário.

Este princípio não vigora nas sociedades constituídas por negócio jurídico uniliteral,
nomeadamente as CSC: 270º sociedades unipessoais por quotas e as CSC: 488º
sociedade anónimas unipessoais.

Este princípio justifica-se pela preservação da segurança jurídica, nomeadamente a


proteção dos interesses de terceiros que contratam com a sociedade.
Estes interesses serão mais vincados nas sociedades em que os sócios não respondem
pessoal e ilimitadamente pelas dívidas da sociedade, devido à consagração da
responsabilidade limitada. Tal acontece na sociedade por quotas e na sociedade anónima.

Também para os sócios o princípio da tipicidade é relevante, pois traz certezas jurídicas
sobre a relação jurídica entre estes e a sociedade.

2
Ao longo dos apontamentos iremos adotar uma cor para cada tido de sociedade, sendo os artigos a ela referentes
identificados nessa cor. Deixo nota de que adotei este mesmo esquema para remissões no CSC.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 31


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Apesar da lei estabelecer o princípio da tipicidade não se encontra no CSC uma definição
do que seja o conteúdo essencial de cada tipo societário.

Considerando que o primeiro artigo de cada título destinado a um tipo de sociedade fazer
referência à natureza da responsabilidade assumida pelos sócios podíamos considerar que
este é o elemento essência do tipo.

Apesar do tipo de responsabilidade assumida pelos sócios se revelar um elemento fulcral


para esta caracterização, temos que ter em conta igualmente uma estrutura organizatória.

Da articulação entre este dois fatores surge a caracterização3 dos tipos societários.

A natureza delimitativa de cada tipo recorda que, por uma razão de elementar consciência
jurídica, as regras próprias de cada tipo não podem ser afastadas pela autonomia privada.
Não é possível o recurso à analogia para constituir tipos diferentes dos previstos na lei:
uma situação considerada ou cai no tipo e não há lacuna ou cai fora dele e então, não
sendo comercial, não tem de procurar solução à luz do Direito das Sociedades.

O que sucede se forem desrespeitados os limites impostos pela tipicidade das sociedades?
Se se tratar de uma sociedade congeminada pelas partes que não possa integrar
um tipo societário comercial e que não esteja registada, resta concluir pela sua
natureza não-comercial. A licitude da situação seria, depois, aferida á luz do
Direito civil, este nos diria se se poderia tratar de uma sociedade civil ou se
estaríamos perante uma realidade diversa.

Se estiverem em causa elementos de uma sociedade qualificável como


“comercial”, mas ainda não registada, teremos de verificar se é possível com
recurso às regras da redução ou da conversão dos negócios jurídicos, fazer
desaparecer a solução desviante: isso feito, a sociedade é comercial.

Estando a sociedade registada e tratando-se de uma sociedade de capitais, segue-


se o regime do CSC: 42º

Até onde vão as exigências da tipicidade ou, noutros termos: quais são as normas
conformadoras do tipo societário?
Tratar-se-á de normas imperativas. Mas nem todas as normas imperativas estarão
em causa. Com efeito, há normas que devem ser respeitadas pelas partes, mas que, ou por
serem comuns a todos os tipos sociais ou por se reportarem a aspetos muito particulares
do tipo considerado não integram, propriamente, o tipo societário.

O problema tem consequências práticas: as normas instituidoras do tipo não comportam


aplicação analógica.

O tipo societário é integrado por normas que têm a ver com os pontos seguintes: a
conformação da firma, o regime de responsabilidade por dívidas, as regras básicas
atinentes às participações sociais.

3
Posteriormente esta matéria ser desenvolvida, mas vamos realizar uma caracterização base dos tipos de sociedade

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 32


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o Responsabilidade do sócio perante a sociedade e perante credores sociais

CSC: 175º/1 Responsabilidade pessoal e ilimitada

Os sócios além de responderem perante a sociedade pela sua obrigação


de entrada respondem ainda perante os credores sociais da sociedade
pelas obrigações desta.
Sociedade A responsabilidade pelas dívidas da sociedade é:
em nome Subsidiária em relação à sociedade: os credores só podem exigir o
coletivo cumprimento ao sócio depois de esgotado o património da sociedade;
Solidária entre os sócios: os credores podem exigir a qualquer um deles
a totalidade da dívida.

CSC: 177º/2 Esta responsabilidade é igualmente aplicada a quem, não


sendo sócio, incluía o seu nome ou firma na firma social.

CSC: 197º/1 Responsabilidade solidária dos sócios pela realização das


entradas convencionadas no contrato.
A sua responsabilidade ultrapassa a sua entrada, pois respondem perante
a sociedade pela realização das entradas dos consócios, ou seja, a
sociedade pode exigir a entrada de X a Y.

CSC: 197º/3 Regra Geral: Apenas o património social responde para


com os credores pelas dívidas da sociedade. Carácter supletivo
Sociedade
Contudo a responsabilidade é limitada no que diz respeito às dívidas da
por quotas
sociedade perante credores próprio.

CSC: 198º Exceção: Pode estipular-se contratualmente que um ou mais


sócios respondam perante credores sociais até determinado montante,
pelo que nunca será ilimitada (=/=SNC)
Podem definir no contrato se esta responsabilidade será subsidiária ou
solidária com a sociedade e podem afastar o direito de regresso so sócio
por pagar dívidas sociais.

CSC: 271º Responsabilidade limitada ao valor da entrada, a par da


divisão do capital social em ações.
Sociedades
Existe uma dupla limitação da responsabilidade: externamente, por não
anónimas
responder perante credores da sociedade pelas dividas desta;
internamente, por não responder perante a sociedade por nenhuma dívida
de outro sócio, apenas pela sua obrigação de entrada.
CSC: 465º/1 Existem os sócios comanditados (0 SNC) e os sócios
comanditários (=SA).
Sociedades
em
Pode considerar-se um tipo misto por existirem sócios de
comandita
responsabilidade limitada e outros de responsabilidade ilimitada.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 33


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o Transmissão de participações sociais entre vivos

CSC: 182º/1 A transmissão das participações socias só pode ocorrer com


consentimento dos restantes sócios.
Sociedade
em nome Dá se primazia ao interesse dos sócios subsistentes devido à gravidade das
coletivo consequências que podem advir da inclusão de um sócio não aceite pelos
demais, nomeadamente o risco de insolvência devido ao CSC: 191º/1 direito
de integrar a gerência, CSC: 193º/1 dispondo de poderes iguais aos dos demais.

CSC: 228º/2 A cessão será livre quando seja para cônjuge, ascendente,
descendente ou para outro sócio, mas necessitará de consentimento nos
demais casos.

CSC: 242º-A exige a solicitação para promoção do registo. Coutinho de Abreu


considera que, para não haver choque entre os requisitos impostos, se deve
considerar que o mesmo ato cumprirá, simultaneamente, os requisitos das
diferentes normas, ou seja, a comunicação valerá como solicitação.

O consentimento necessita de ser pela sociedade (=/= SNC (pelos


sócios)) à CSC: 230º/2 à 246º/1 b) à 250º/3
Sociedade
por quotas
Este regime pode ser derrogado:
CSC: 229º/1 Contrato pode proibir a cessão de quotas
CSC: 229º/2 Contrato pode dispensar o consentimento da sociedade
CSC: 229º/3 Contrato pode limitar os casos em que é livre
CSC: 229º/5 à 248º/1 à 386º/1 Contrato pode alterar a maioria simples
para maioria qualificada

O regime supletivo atende ao interesse dos sócios subsistentes, contudo atende-


se ao interesse do sócio a quem é recusado o consentimento. CSC: 231º Impõe
à sociedade que apresente uma proposta de amortização ou de aquisição da
quota, caso contrário a cessão torna-se livre.

CSC: 328º/1 A transmissão é geralmente livre, podendo sofrer restrições


por imposições legais ou contratuais, mas nunca poderá excluir as ações
nominativas (pode as ações ao portador).

Sociedades CSC: 328º/4 A limitação tem de contar dos próprios titulas das ações
anónimas para serem oponíveis a adquirentes de boa-fé.
O regime atende aos interesses do sócio devido à imposição da circulação das
ações para a disseminação do capital social. Mesmo quando atende aos
interesses dos sócios subsistentes, CSC: 329º/3 a recusa tem prazo, e após isso
torna-se livre a transmissão.
CSC: 469º/1 Na transmissão das participações dos sócios comanditados
Sociedades necessita-se que haja deliberação dos sócios, ao não ser que o contrato
em disponha do contrário
comandita
No caso dos sócios comanditários CSC: 475º = SPQ; 478º = SA

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 34


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o Estrutura Organizatória

CSC: 189º O poder supremo pertence à Assembleia de Geral (de


sócios), tendo competência para deliberar sobre todos os assuntos.
CSC: 189º/1 Aplica-se o regime das sociedades por quotas, no que o
contrato não alterar.
Sociedade em
CSC: 191º Salvo disposição do contrato em contrário, são Gerentes
nome coletivo
todos os sócios, mas pode-se por unanimidade designar que um dos
sócios não pode ser gerente.
CSC: 192º/1 Aos gerentes cabe a administração e representação da
sociedade, CSC: 193º tendo todos iguais e separados poderes para o
fazer

Existe uma Assembleia Geral (de sócios) a quem foram atribuídas


CSC: 246º/1 competências imperativas e CSC: 246º/2 supletivas.

CSC: 252º Existe um Gerência, responsável por administrar e


representar a sociedade, composta por pessoas singulares com
Sociedade por
capacidade jurídica plena podendo não ser sócias, sendo designados
quotas
por contrato ou deliberação posterior.
CSC: 261º Quando a gerência é plural funcional por maioria

CSC: 262º Pode existir um órgão de Fiscalização, sendo que em


algumas situações deve existir, sendo aplicável o regime das SA.

CSC: 278º/1 Pode ser composta por uma das três modalidades:
A) Visão monista em que existe apena 1 órgão a administrar
B) Tal como na monista só existe 1 órgão a administrar, contudo este
é integrado por um órgão de fiscalização, composto por membros
C) Visão dualista onde existem 2 órgãos de gestão a administrar
Sociedades
anónimas A Assembleia Geral é composta por sócios, mas não tem necessariamente
de ser por todos os sócios:
CSC: 343º + 379º/2 Pode haver ações preferenciais sem voto e o contrato
afastar os seus titulares da participação na Assembleia.
CSC: 379º/2 + 384º/2 a) O contrato pode exigir que o sócio detenha um
número mínimo de ações para participar na Assembleia.

CSC: 474º Simples aplica-se o regime das Sociedades em nome


Sociedades
coletivo
em comandita
CSC: 478º Por ação aplica-se o regime das Sociedades Anónimas

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 35


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o Número Mínimo de Sócios

Sociedade em
CSC: 7º/2 O número mínimo é sócio para constituir a sociedade é 2
nome coletivo
CSC: 7º/2 Regra Geral: O número mínimo é 2
Sociedade por
quotas
CSC: 270º-A Pode ser apenas 1 sócio
CSC: 273º Regra Geral: Requer-se um número mínimo de 5 sócios
para a sua constituição.
Sociedades
CSC: 273º/2 No caso de o Estado ficar a deter a maioria do capital
anónimas
apenas são exigidos 2 sócios para a sua constituição.

CSC: 488º/1 Pode ser apenas 1 sócio


CSC: 479º Exige-se um número mínimo de 5 sócios comanditários,
Sociedades
pelo que para a constituição necessitam de 6 sócios: 5 comanditários
em comandita
+ 1 comanditado.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 36


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A DOUTRINA DAS PESSOAS COLETIVAS

PERSONALIDADE COLETIVA

A pessoa coletiva é antes de mais, um determinado regime, a aplicar aos seres humanos
implicados. Estes podem ser destinatários diretos de normas, mas podem ser, também,
indiretamente, assim como podem receber normas transformadas pela presença de novas
normas, agrupadas em torno da ideia de “pessoa coletiva”.

No caso de uma pessoa de tipo corporacional, os direitos da corporação são direitos dos
seus membros. Simplesmente, trata-se de direitos que elas detêm de modo diferente do
dos seus direitos individuais.

Em Direito, pessoa é, pois sempre, um centro de imputação de normas jurídicas, isto é:


um polo de direitos subjetivos, que lhe cabem e de obrigações, que lhe competem.

A pessoa é singular, quando esse centro corresponda a um ser humano e é coletiva em


todos os outros casos. Na hipótese da pessoa coletiva, já se sabe que entrarão, depois,
novas normas em ação de modo a concretizar a “imputação” final dos direitos e dos
deveres.

Digamos que tudo se passa, então, em modo coletivo: as regras, de resto infletidas pela
referência a uma “pessoa”, ainda que coletiva, vão seguir canais múltiplos e específicos,
até atingirem o ser presente, necessariamente humano, que as irá executar ou violar.

Personalidade jurídica: suscetibilidade de a sociedade comercial ser titular de direitos


e obrigações.

CSC: 5º De acordo com o CSC, a personalidade adquire-se com o registo definitivo do


contrato de sociedade. No entanto, na verdade, a sociedade começa a funcionar antes do
registo, por isso, discute-se se esta “pré-sociedade” tem ou não personalidade, podendo
chamar-se de “pessoa rudimentar”.

A personalidade jurídica é aquilo que permite à sociedade ter o seu próprio património.
Por isso, muitas vezes associamos personalidade e limitação da responsabilidade, mas
esta associação não é correta, porque há patrimónios que são personalizáveis, mas que
não limitam a personalidade, como os patrimónios de afetação, e há sociedades que têm
personalidade, mas não têm responsabilidade limitada, como as SNC.

Limitação da responsabilidade: pelas dívidas sociais


responde só e apenas o património da sociedade. CSC: 20º Por
outro lado, os sócios respondem pelas perdas, o que quer dizer
que os sócios perdem aquilo que investiram, não quer dizer que
os credores da sociedade podem pedir o pagamento das dívidas
aos sócios. Uma das principais razões pelas quais se forma uma
sociedade é exatamente por esta limitação da responsabilidade,
por isso mesmo é que em Portugal quase não existem SNC.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 37


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Teoria da ficção

Partindo da construção de Savigny (séc. XIX), a pessoa coletiva era todo o sujeito de
relações jurídicas que, tecnicamente, não corresponda a uma “pessoa natural”, mas que
seja tratado como pessoa, através de uma ficção teórica, para permitir determinado escopo
humano. Tratava-se de uma ficção para a realização de interesses específicos de pessoas
humanas.

O pensamento de Savigny passou a constituir ponto de partida obrigatório para os


diversos estudos sobre a dogmática da personalidade coletiva, até aos nossos dias. Essa
leitura foi posta em causa por Flume:

A referência a uma ficção, em sentido próprio, teria resultado de um mal-entendido na


leitura de Savigny; haveria, na verdade, apenas, uma transposição. Savigny parece indicar
que, na verdade, quando ele falava em ficção, não lhe dá o sentido de fingimento, que o
termo adquiriria na literatura posterior. Nesse sentido, Flume tem razão: a verdadeira
teoria da ficção surgiria mais tarde, podendo ainda acrescentar-se que, além disso, ela tem
raízes bem anteriores a Savigny. Não pode, contudo, ignorar-se que o qualificativo ficção
tinha um imediato alcance dogmático. Ao efetuá-lo, Savigny não pretendia lucubrar sobre
teorias mas, pelo contrário, apontar um regime.

Ora há dois pontos do regime das pessoas coletivas que – mau grado o silêncio da doutrina
– derivam da natureza essencialmente ficciosa do fenómeno da responsabilidade coletiva:
a impossibilidade de aplicação analógica das normas ficciosas e a irresponsabilidade,
penal e civil aquiliana, das próprias pessoas coletivas:

Se aplicamos o quadro próprio das pessoas singulares, chega-se a uma segunda ficção:
uma vez que estamos a falar de uma pessoa que não tem capacidade para praticar atos
jurídicos pessoal e livremente e, nesse sentido, é um incapaz, seria então necessário
encontrar esquemas de representação à pessoa coletiva, semelhantes aos esquemas de
representação dos incapazes (menores e maiores acompanhados). Problema: temos de
compreender a discussão à luz das limitações dos quadros dogmáticos dessa altura. Nessa
altura, o representante que pratica um ato ilícito, sofre as consequências pessoalmente,
pois os atos ilícitos dos representantes, na altura, não se repercutiam na esfera do
representado. Ou seja, se a pessoa coletiva era uma ficção, não tinha substrato psicológico
para formar vontade e, consequentemente, era insuscetível de culpa. Isto colocava
problemas ao nível da responsabilidade civil e penal (a sociedade comercial ficaria com
o bom, mas não com o mau).

A jurisprudência veio posteriormente admitir que tal solução não poderia vingar.

Teoria Orgânica

É neste seguimento que surge a doutrina de Von Gierke, que desenvolve a sua construção
sobre a personalidade coletiva na base de uma crítica à teoria da ficção. Von Gierke é
levado a concluir pela efetiva existência, na sociedade, de entidades coletivas que não se
podem reduzir à soma dos indivíduos que as componham.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 38


Direito Comercial | Regente Menezes Cordeiro

A realidade social não permitiria, portanto, concluir pela existência, apenas, de pessoas
singulares: junto a estas operariam as pessoas coletivas. Resultaria, daí, que:

«A pessoa coletiva é uma pessoa efetiva e plena, semelhante à pessoa singular; porém, ao
contrário desta, é uma pessoa composta».

A sociedade corresponde a uma realidade que é muito mais que a soma dos elementos
que a concretizam. É um organismo social, que na sua estrutura orgânica, surge com
cabeça, tronco e membros.

A pessoa coletiva não é assim uma ficção, mas sim uma realidade social: tem uma
determinada consistência social. Estamos perante uma realidade que o Direito vem
regular, a quem o Direito vem oferecer um quadro normativo, mas que lhe é anterior.

Quando o órgão age, quem age é a pessoa coletiva. Significa que a pessoa coletiva não é
incapaz, que interage no comércio jurídico com regras próprias. Os atos dos órgãos da
pessoa coletiva são-lhe imputáveis. A sociedade é, assim, suscetível de culpa, porque a
culpa do seu órgão é a sua culpa. Este foi um passo fundamental.

Contudo, a determinada altura percebeu-se que esta ideia não dá resposta a tudo. Por
exemplo, o governo cria uma pessoa coletiva, mas ainda não lhe atribuiu património nem
funcionários; ou seja, a pessoa coletiva já se constituiu, mas ainda não tem qualquer
substrato – deixa de ser pessoa coletiva? Não. Assim, conclui-se que a pessoa coletiva
pode não ter nenhuma realidade por detrás, é antes um instrumento jurídico para
prosseguir determinado efeito, mas não tendo ainda nenhuma realidade/substrato, sendo
apenas uma realidade jurídica.

Realismo Jurídico

Os esforços no sentido de, para as pessoas coletivas, encontrar um substrato foram,


claramente, esmorecendo. A variedade de situações a que o Direito vinha reconhecendo
a personalidade coletiva inviabilizava qualquer hipótese razoável de construir substratos
unitários ou sequer, classificáveis. Os juristas vieram a refugiar-se em construções cada
vez mais teóricas ou técnico-jurídicas. A teoria da ficção, reportada a Savigny, era
recusada perante a presença efetiva de pessoas coletivas. Porém, também o organicismo
e os diversos substratos eram desamparados, dada a presença irrefutável dos mais diversos
tipos de pessoas coletivas.

A pessoa coletiva veio, então, a ser definida com recurso a pura terminologia jurídica e
por oposição à pessoa singular. Em contrapartida à teoria da ficção, esta orientação é dita
realismo; e por contraposição aos diversos substratos, ela considera-se jurídica.

O realismo jurídico remonta aos aspetos técnicos da noção de Savigny. Tais aspetos foram
sobrevalorizados por alguma pandectística tardia, ao ponto de se tornarem nos únicos
fatores a ter em conta, na definição.

O realismo jurídico tem sido doutrina oficial em França, em Itália e em Portugal. O


realismo jurídico teve, por fim, um influxo muito marcado em Portugal, ao ponto de poder
considerar-se, também aí, como uma verdadeira doutrina oficial.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 39


Direito Comercial | Regente Menezes Cordeiro

José Tavares e Cunha Gonçalves partiam de uma série de classificações de doutrinas, nem
sempre muito ajustadas ao verdadeiro pensamento dos autores classificados, rebatendo
os diversos termos. No fim, a pessoa coletiva, mais ou menos amparada em referências
político-filosóficas, era defendida como uma realidade jurídica ou técnica.

José Dias Marques acaba por fixar-se numa orientação jurídica e realista, definindo a
pessoa coletiva como mera suscetibilidade de direitos e obrigações.

Coutinho de Abreu apenas neste autor e de modo muito sintético se tentaria superar o
realismo mais tradicional.

O realismo jurídico é uma fórmula vazia. Na verdade, a personalidade coletiva é,


seguramente, personalidade jurídica e, daí, uma realidade jurídica. Mas com semelhante
tautológica, pouco teremos avançado, no sentido de determinar a sua natureza. Wieacker
procura apresentar toda esta situação sob cores mais amenas: as diversas teorias não
seriam concorrentes, mas complementares. Contudo, isso não parece possível: de um
modo geral, as diversas teorias apresentam-se globais.

Chegados a este ponto, restaria concluir pelo esvaziamento do conteúdo da pessoa


coletiva: esta assumiria, hoje, um puro conteúdo técnico-jurídico, não tendo qualquer
significado discutir teorias. O panorama atual relativo à determinação da natureza da
personalidade coletiva mantém-se pouco animador: em termos quantitativos, ele mantém-
se dominado pelas orientações realistas, tecnicistas, pragmáticas ou agnósticas. No
entanto, alguns autores, conservando acesa a chama da Ciência do Direito, têm procurado
ir mais longe, aprofundando o problema.

Posição de Menezes Cordeiro

Quando, em Direito, se fala na personalidade coletiva, pretende-se, quando não se teorize,


exprimir um regime jurídico-positivo. A pessoa coletiva é, antes do mais, um determinado
regime, a aplicar aos seres humanos implicados. Estes podem ser destinatários diretos de
normas; mas podem-no ser, também, indiretamente, assim como podem receber normas
transformadas pela presença de novas normas, agrupadas em torno da ideia de pessoa
coletiva.

No caso de uma pessoa de tipo corporacional, os direitos da corporação são direitos dos
seus membros; simplesmente, trata-se de direitos que eles detêm de modo diferente do
dos seus direitos individuais. Referir, em Direito, uma pessoa é considerar a presença de
uma entidade destinatária de normas jurídicas e, portanto, capaz de ser titular de direitos
subjetivos ou de se encontrar adstrita a obrigações.

O modo por que vão ser exercidos os direitos e cumpridas as obrigações já não é
esclarecido pela afirmação sumária da personalidade: isso dependerá de múltiplas outras
normas jurídicas, cuja aplicabilidade, no entanto, postula a personalidade e deriva dela.
Qualquer norma de conduta – permissiva ou de imposição – será sempre, em última
análise, acetada por seres humanos conscientes, o que é dizer, por pessoas singulares
capazes.
A sociedade comercial é então um regime jurídico que permite a conformação de pessoas
singulares em modo coletivo. É um regime jurídico que joga com outras regras jurídicas.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 40


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A ORDENAÇÃO DAS PESSOAS COLETIVAS

Pólos, classificações e tipologias

As pessoas coletivas evoluíram em torno de pólos, ao sabor de problemas concretos.

Um pólo de desenvolvimento autónomo é constituído pelas sociedades comerciais e,


dentro destas, pela sua matriz: as sociedades anónimas.

Boa parte das regras atinentes ao regime interno das pessoas coletivas, com relevo para
as técnicas de funcionamento das assembleias e para a validade e eficácia das deliberações
e que hoje pertence às diversas pessoas coletivas de base associativa, foi aperfeiçoada no
domínio das sociedades anónimas.
Outro tanto seria possível dizer a propósito da fiscalização e das firmas e denominações.

Um segundo pólo, de base contratual, adveio das sociedades civis, mais precisamente do
contrato de sociedade. O papel da vontade das partes, é aí aperfeiçoado.

Um terceiro, de cariz institucional, vem-nos das associações. Deparamos, desta feita, com
coletividades ao serviço de fins que transcendem os interesses dos associados, mas que,
não obstante, repousam neles.

Pessoas coletivas públicas e privadas; a utilidade pública

No tocante à distinção entre pessoas coletivas públicas e privadas, é possível reeditar o


debate tecido em torno da própria distinção do Direito em público e privado.

Encontramos algumas doutrinas, que passamos a recordar:


• Teoria do fim ou do interesse prosseguido: as pessoas coletivas públicas
prosseguiriam fins ou interesses públicos, interessando-se as pessoas coletivas
privadas pelos privados;
• Teoria da titularidade de poderes de autoridade: as pessoas colectivas públicas
teriam ius imperii, podendo praticar atos de autoridade, só discutíveis a posteriori,
enquanto as privadas se moveriam no âmbito igualitário do Direito privado;
• Teoria da integração: as pessoas coletivas públicas integrar-se-iam na organização
do Estado, ao contrário das privadas;
• Teoria da iniciativa: as pessoas coletivas públicas seriam criadas pela Estado,
enquanto as privadas proviriam da iniciativa privada;
• Teoria do regime: as pessoas coletivas públicas subordinar- se- iam a um regime
específico que incluiria a sua sujeição geral do Direito público.

Poderiamos, então dar lugar a um critério jurídico- cultural: são privadas as pessoas
coletivas que se rejam pelo Direito civil ou comercial, assumindo a forma de sociedades
comerciais, de cooperativas, de associações, de fundações ou de sociedades civis e ainda,
de outras figuras, plenas ou rudimentares, que ocorram em sectores civis ou comerciais
extravagantes. As restantes, são públicas.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 41


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Pessoas coletivas associativas e fundacionais

Na pessoa coletiva associativa, o substrato é constituído por uma agremiação de pessoas,


que juntam os eus esforços para um objetivo comum.

Na fundacional, o substrato redunda num valor ou num acervo de bens, que potenciará a
atuação da pessoa considerada. Os exemplos mais restritos serão constituídos pelas
associações e pelas fundações civis.

Deve ficar claro que a contra-posição anunciada, se encontra, hoje, formalizada.


Podemos localizar pessoas coletivas que mais não traduzam do que acervos objetivos
personalizados e que, todavia, não sigam a forma fundacional, mas antes a associativa:
tal o caso das sociedades unipessoais e o das sociedades anónimas de capitais
exclusivamente públicos (Caixa Geral de Depósitos).

A contraposição entre pessoas associativas e fundacionais pode ser seguida entre as


pessoas coletivas públicas. Uma associação pública é, naturalmente uma pessoa coletiva
de tipo associativo, enquanto um instituto público ou uma empresa pública assumem
natureza fundacional. Já as denominadas pessoas coletivas de população e território
assumirão uma natureza mista.

Pessoas coletivas com e sem fins lucrativos; superação

As pessoas coletivas propõem-se desenvolver determinadas atividades, com um objetivo


geral. Quando tal objetivo se analise na busca de lucros, a pessoa coletiva tem fins
lucrativos e, tendo base associativa, surge como sociedade. Quando não assuma tal fim
lucrativo, será uma associação ou, não tendo natureza associativa, uma fundação.

No fundo, esta contraposição permitirá isolar as sociedades das restantes pessoas


coletivas: apenas elas teriam, como objetivo geral, a procura de lucro.

Estas categorias estão hoje francamente ultrapassadas.

Associações, fundações e sociedades

No Direito comum, a triologia clássica de pessoas coletivas é constituída pelas


associações, pelas fundações e pelas sociedades civis.

As associações dão corpo a uma manifestação básica do princípio da liberdade de


associação. As fundações têm o sentido de entregas em vida ou de deixas por morte do
interessado.

As sociedades correspondem ao produto da celebração de contratos de sociedade,


podendo apresentar formas muito multifacetadas.

O Código das Sociedades Comerciais prevê os seguintes tipos de sociedades:

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 42


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• Sociedade em nome coletivo


O sócio responde individualmente pela sua entrada e, ainda, pelas obrigações sociais
subsidiariamente em relação à sociedade e solidariamente com os outros sócios.

A sua firma, quando não individualize todos os sócios, deve conter, pelo menos, o nome
ou firma de um deles, com o aditamento, abreviado ou por extenso, “e Companhia” ou
qualquer um que indique a existência de outros sócios.

• Sociedade por quotas


O capital está dividido em quotas e os sócios são solidariamente responsáveis por todas
as entradas convencionadas no contrato.

A firma poderá ter uma composição variada, mas, em qualquer caso, concluirá pela
palavra “limitada” ou pela abreviatura “Lda.”

• Sociedade anónima
O capital é dividido em acções e cada sócio limita a sua responsabilidade ao valor das
acções que subscreveu

A firma, de composição variada, concluirá com a expressão “sociedade anónima” ou pela


sigla “S.A.”

• Sociedade em comandita
Tem dois tipos de sócios: os sócios comanditários, que respondem apenas pela sua entrada
e os sócios comanditados, que respondem nos mesmos termos dos sócios em nome
colectivo ; na comandita simples não há representação do capital por acções ; na
comandita por acções, só as participações dos sócios comanditários são representados por
acções – art. 465º

O Decreto-Lei nº 257/96 de 31 de Dezembro, introduziu, no Código das Sociedades


Comerciais, a figura das sociedades unipessoais por quotas – art. 270º- A a 270º-G. Trata-
se de um tipo societário não coincidente com o das sociedades por quotas “comuns”.

Pessoas coletivas comuns e especiais

Á partida, a pessoa colectiva comum rege-se pelo regime mais genérico, disponível na
ordem jurídica considerada. As pessoas colectivas especiais dependem de regras
diferenciadas, particularmente previstas para acategoria que elas integrem.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 43


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FIGURAS AFINS DAS PESSOAS COLETIVAS

A personalidade rudimentar e o modo coletivo imperfeito

Às pessoas rudimentares podem aplicar-se regras próprias da personalidade colectiva.


Mas apenas aquelas que surjam, expressamente, com essa dimensão. Fora do que a lei
preveja, a pessoa rudimentar é substituída pelos titulares efectivos dos bens em
presença.O modo colectivo deve ser apurado caso a caso.

A chave da personalidade colectiva reside naquilo que temos vindo a designar o modo
colectivo de regulação jurídica. O direito determina condutas a entidades que, não sendo
humanas e individuais, nunca as poderiam acatar ; todavia, tais regras são imputadas ao
“ente colectivo” determinando, com isso, o funcionamento de numerosas outras regras,
de tal forma que, em última análise, haverá sempre condutas de seres humanos. Quando
o modo colectivo atinja toda a entidade considerada, teremos uma pessoa colectiva.
Quando ele apenas a atinja parcialmente, falaremos em pessoa rudimentar.

Encontramos, agora, uma terceira categoria : a de situações em que o Direito trata, em


conjunto, realidades atinentes a várias pessoas, sem todavia, nem total nem parcialmente,
o fazer como se de uma única se tratasse. Falaremos, então, em modo colectivo
imperfeito. E as entidades daí decorrentes constituirão figuras afins às pessoas colectivas.

A personalidade judiciária, económica, laboral e tributária

O art. 5º/1 do Código de Processo Civil, define a personalidade judiciária como a


susceptibilidade de ser parte. O nº2 explicita que quem tiver capacidade jurídica tem,
igualmente, personalidade judiciária. A contrario, poderá haver entidades com
personalidade judiciária mas sem personalidade jurídica. Confirmando-o o art. 6º do
mesmo Código enumera entidades às quais não é , normalmente reconhecida
personalidade jurídica, mas a que atribui a personalidade judiciária.

A personalidade judiciária não se confunde com a capacidade judiciária : esta traduz a


capacidade de estar, po sí, em juízo, nos termos do art. 9º do Código de Processo Civil.
A capacidade judiciária corresponde à civil – idem, nº2 ; na sua falta, há que recorrer à
representação – art. 10º do mesmo Código.

A personalidade económica traduz a aptidão que determinadas entidades tenham de ser


destinatárias de regras de Direito da economia ou, mais latamente, de regras de Direito
patrimonial.

Também no campo do Direito do trabalho nos aparecem entidades personalizadas,


apenas, para certos efeitos. Tal a situação das comissões de trabalhadores : segundo o art.
17º da Lei nº 68/79 de 9 de Outubro, as comissões de trabalhadores têm personalidade
jdiciária.

Finalmente, no campo fiscal, ocorre a noção de personalidade tributária : a qualidade de


se ser sujeito passivo da obrigação de imposto.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 44


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Associações não reconhecidas, comissões, sociedades rudimentares e sociedades


irregulares

Como novas hipóteses de pessoas rudimentares surgem-nos as associações não


reconhecidas, as comissões, as sociedades civis e as sociedades irregulares. Deve notar-
se que as três primeiras figuras citadas têm personalidade judiciária, por via do art. 6º, al.
b) e c) do Código de Processo Civil. As sociedades irregulares podem tê-la, por via da
alínea d) do mesmo preceito e, ainda e em geral, sempre que dêem azo a um património
autónomo – alínea a).

A associação sem personalidade: associação não reconhecida – dispo~e de um fundo


comum. Embora, teoricamente, esse fundo esteja na titularidade de cada um dos
associados , nenhum deles pode exigir a sua divisão – art. 196º/2 – tal como nenhum
credor dos associados o pode fazer excluir – idem. As liberaklidades feitas a favor de
associação, embora considerando-se feitas aos associados – art. 197º/1 – acrescem ao
fundo comum – art. 197º/2. quanto às comissões especiais : os fundos angariados devem
ser afectos ao fim anunciado, sendo os membros da comissão, pessoal e solidariamente,
responsáveis pela sua conservação – art. 200º/1, todos do Código Civil.

As sociedades irregulares, abrangendo com essa locução as sociedades comerciais que,


por falha ou incompleitude genética, não tenham personalidade colectiva, caem nos
artigos 36º ou 52º do Código das Sociedades Comerciais.

Pessoas colectivas em formação e em extinção

A pessoa colectiva retira a personalidade de um acto formal. Na ordem normal das coisas,
a pessoa colectiva prossegue objectivos práticos, surgindo dotada de um substracto : um
organização de pessoas que a sirvam, bens de afectação e um objectivo geral. Esse
substrato põe-se – ou pode pôr-se – em marcha antes do acto formal atributivo da
personalidade. Do mesmo modo, ele pode manter-se depois de um acto formal de sentido
contrário que, visando a extinção da pessoa colectiva venha suprimir a personalidade
(plena).

A matéria está expressamente regulada a propósito das sociedades comerciais. O regime


destas, expresso nos artigos 36º a 40º, contém algumas regras que traduzem o afloramento
de princípios gerais, com relevo para o art. 36º/2.

No decurso da formação de um acto colectivo e antes de alcançada a personalidade,


havendo logo uma actuação dos interessados, cai-se nesse tipo. A própria sociedade civil
pura é uma pessoa colectiva rudimentar : qualidade em que incorrem as tais sociedades
em formação.

Perante associações ou fundações em formação, o problema resolver-se-á com recurso


aos artigos 195º e seguintes do Código Civil : associações sem personalidade jurídica e
comissões especiais.

A pessoa colectiva em extinção sofre uma evolução, equivalendo ao que temos vindo a
designar “ pessoa rudimentar”. Assim, coma a extinção deveria desaparecer o ente
colectivo. Todavia, há que praticar os actos conservatórios e os necessários, procedendo-

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 45


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se ainda às diversas operações de liquidação – artigos 166º/1, 184º/1 e 194º do Código


Civil e 146º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais.

A mão comum e a comunhão

De entre as figuras afins da personalidade colectiva encontramos a mão comum ou


comunhão em mão comum e a comunhão simples. Na comunhão em mão comum, duas
ou mais pessoas detêm um direito – ou um acervo de direitos – em conjunto, podendo
exercer actuações restritas enquanto membros do grupo. Não podem dispor da sua
“parcela” e não podem pedir a divisão da situação.Além disso, toda a sua actuação sobre
a coisa passa pela mediação do grupo.

Na comunhão ou comunhão simples, duas ou mais pessoas são titulares de direitos sobre
o mesmo objecto, direitos esses representados por quotas. A matéria vem tratada, no
Código Civil, a propósito da compropriedade – artigos 1403º e seguintes – sendo
aplicável a outras formas de comunhão – art. 1404º. Embora haja direitos que só em
conjunto podem ser usados ( a alienação do objecto, a sus reinvindicação ou a sua
transformação), cada titular mantém uma individualidade, podendo alienar a sua quota ou
pedir a divisão da coisa.

Na administração da coisa há que recorrer às regras da sociedade – art.1407º/1 – o que


acentua um aproximação às pessoas rudimentares.

Esferas e patrimónios de afectação

Serão pessoas rudimentares as esferas jirídicas e os patrimónios de afectação, isto é: os


conjuntos de direitos e de obrigações que, em vez de estarem unificados em função de
uma titularidade unitária, o estejam por forçça da afectação que os una. O exemplo mais
claro é o da empresa.

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AS SOCIEDADES COMO ORGANIZAÇÃO

A PERSONALIDADE JURÍDICA DAS SOCIEDADES

O problema das sociedades civis puras

O CC não atribui, com clareza, personalidade coletiva às sociedades civis que regula; mas
também não a nega. O autor do anteprojeto teve a seguinte ideia:
«Foi de caso pensado que não propusemos a inserção no Projeto de qualquer norma
consagrando ou repudiando, neste capítulo das sociedades civis, o conceito de
personalidade coletiva. (...) esse é um problema de dogmática, com que o legislador não
tem de se preocupar».

Na origem da discussão ora em estudo, surge-nos:

Dias Ferreira que, anotando a sociedade civil no Código de Seabra, a considera como:
«pessoa jurídica com direitos e obrigações, não só entre os seus membros, mas em relação
a terceiros».

Guilherme Moreira vem tomar posição diversa. Para ele, a personalidade só surgiria
quando se verificasse uma total independência patrimonial em relação aos sócios ou
associados. Isso leva-o a considerar as sociedades anónimas como pessoas coletivas; já
as sociedades em nome coletivo não o seriam, outro tanto sucedendo com as sociedades
civis puras.

José Tavares vem tomar posição oposta: as sociedades civis puras teriam uma verdadeira
personalidade jurídica. De facto, diversos preceitos do Código de Seabra reconheciam,
na sociedade civil, uma entidade juridicamente diferenciada dos seus sócios.

Cunha Gonçalves vem negar a personalidade coletiva das sociedades puras. Invoca
argumentos de tradição e explica que a sociedade é de tomar como sentido de os diversos
sócios.

Após a publicação do CC 1966, o problema manteve-se: o legislador entendeu, como


vimos – pensamos que bem – não resolver expressamente o problema, remetendo-o para
a doutrina. A doutrina dividiu-se:

Contra a personalidade coletiva das sociedades civis puras manifestaram-se Ferrer


Correia, Pires de Lima/Antunes Varela, Mota Pinto e Isabel Magalhães Collaço.

A favor, com algumas reservas, depunha Paulo Cunha; também com reservas, ele é
propugnada por Marcello Caetano, Castro Mendes, Carvalho Fernandes e Pedro Pais de
Vasconcelos.

Menezes Cordeiro considera que quando a lei, de modo expresso e eficaz, reconheça
personalidade coletiva a uma entidade está, por essa via, a determinar a aplicação de
certas normas: de outro modo, a qualificação pessoa coletiva ficaria no vazio.
A personalização de um ente artificial cria uma entidade oponível erga omnes, com
direitos (incluindo de personalidade) próprios, uma esfera específica e todas as
prerrogativas que acompanham as pessoas, em Direito. Compreende-se, por isso, que as

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pessoas coletivas devam adotar figurinos normalizados, sujeitando-o, ainda, a uma certa
publicidade. De outro modo, não seria curial opor tais pessoas coletivas a terceiros: estes
não podem ser confrontados com a necessidade de respeitar situações que não conheciam
nem podiam conhecer. Mas a lei pode não ser expressa: antes se limitando a prever um
regime que, por razões de harmonia sistemática, obrigue o intérprete- aplicador a formular
o juízo ético-valorativo da personalização. No fundo, é sempre de um regime adequado
que se trata.

A análise do articulado legal vigente mostra, com relevo para o problema, preceitos que:
→ Referem diretamente direitos e deveres como sendo da sociedade;
→ Pressupõem direitos e deveres da sociedade;
→ Mencionam diretamente atos ou atuações da própria sociedade;
→ Admitem consequências para a sociedade;
→ Referem fins da sociedade;
→ Admitem a responsabilidade patrimonial da sociedade.

Parece claro que o CC se exprime, neste complexo, em modo coletivo. Será quimérico
tentar convolar todas as regras em que se refere a sociedade para regras reportadas aos
sócios: é toda uma subsequente questão de regime, comum às diversas pessoas coletivas,
saber como tais regras chegam, depois, aos destinatários últimos que as devam cumprir.
Quando a lei reconhece personalidade jurídica a uma entidade, está a determinar a
aplicação de determinadas regras, está a conformar a sua atuação.

Temos duas hipóteses:


O legislador diz que a sociedade, após o registo, tem personalidade jurídica.
O legislador nada diz – o intérprete é chamado a fazer um juízo ético-valorativo sobre se
deve haver atribuição de personalidade jurídica ou não.

Personalidade das Sociedades Comerciais

CSC: 5º A personalidade coletiva das sociedades comerciais parece não oferecer dúvidas.

A generalidade da Doutrina, ao abrigo do 108º CCom, entendia que, por via deste
preceito, todas as sociedades comerciais eram dotadas de personalidade jurídica.
Guilherme Moreira depunha contra. Segundo este, a referência a «para com terceiros» era
limitativa, traduzindo apenas a autonomia patrimonial. Noutros preceitos transcritos
haveria pois que procurar a personalidade coletiva, sendo certo que este autor acaba por
nega- la às sociedades em nome coletivo.

Paralelamente, no Direito civil, o problema parece ter menor importância. Porque, em


termos de política legislativa, a personalização tinha um triplo aspeto:
1. Impedir os credores individuais do sócio de responsabilizar a sua quota nos bens
sociais, prejudicando a sociedade;
2. Impedir o sócio de transferir essa mesma quota de bens para terceiros;
3. Assegurar aos credores da sociedade uma preferência sobre os bens sociais, no
confronto com os credores individuais dos sócios.

Daqui resulta que a sociedade comercial deixou de ser um conjunto de relações


obrigacionais entre sócios: antes se tornou num novo sujeito de direitos. A orientação do

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Código de Comércio foi considerada excessiva, à luz do Código Civil de 1942. Assim, a
doutrina atual distingue entre:
• Autonomia patrimonial: a lei opera no âmbito objetivo da sociedade.
• Personalidade jurídica: a lei opera também no âmbito subjetivo. Apenas as
sociedades de capitais (as anónimas e as de responsabilidade limitada ou por
quotas) teriam personalidade; as de pessoas (as simples e as em nome coletivo)
não a teriam.

A doutrina mais recente admite, todavia, uma reponderação: esta sociedades aproximam-
se das sociedades de capitais, pelos sucessivos poderes que lhe vêm sendo reconhecidos,
assumindo uma personalidade rudimentar. Como balanço, podemos assinalar que o
Direito Comercial português, na sequência das transferências culturais apontadas e mercê
das críticas generalizadas dirigidas a Guilherme Moreira, acabou por assentar na solução
mais generosamente radical, quanto à atribuição da personalidade coletiva às sociedades
comerciais: a todas.

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CAPACIDADE JURÍDICA

Capacidade jurídica: medida dos direitos e obrigações de que a sociedade é suscetível


de ser titular. Nas sociedades comerciais, e pessoas coletivas em geral, não existe
capacidade de exercício, apenas existe a capacidade de gozo.

Princípio da Especialidade

Foi condicionada, em termos históricos, pelo princípio da especialidade, a capacidade das


pessoas coletivas seria limitada, abrangendo apenas os direitos e obrigações necessários
ou convenientes à prossecução dos seus fins.

A ideia do princípio da especialidade teve uma dupla origem:

Doutrina ultra vires anglo-saxónica: se, na atuação concreta, a entidade praticasse atos
que ultrapassassem o acervo que lhe fora concedido, eles eram ultra vires e não a
vinculavam (teria sido ultrapassada a sua capacidade de gozo);

Restrições continentais aos bens de mão morta:bens deixados a conventos e a ordens


religiosas, entidades pioneiras no domínio da personalidade coletiva. Esses bens saíam
do mercado normal e não produziam riqueza.

Contudo, o princípio da especialidade veio a perder os dois pilares histórico-dogmáticos


em que assentava: a partir do séc. XIX, generalizou-se o sistema de reconhecimento
automático da personalidade coletiva (reunidos os requisitos legais e procedendo-se ao
registo, a personalidade coletiva surgia).

Neste momento, é importante ter em consideração a evolução da constituição das


sociedades:
1. Sistema de outorga: as sociedades só eram constituídas por um ato legislativo
próprio que fixava um regime jurídico próprio para aquela sociedade em
específico (na altura, para aquela Companhia). O Código de Napoleão veio mais
tarde consagrar como regra geral um conjunto de regras que eram comummente
aplicáveis às sociedades; teve mérito porque fixou o primeiro regime geral
aplicável às sociedades anónimas.

2. Com o regime de Napoleão passou-se então para um sistema de concessão –


passamos a ter uma iniciativa dos particulares para a constituição de sociedade
anónima, mas dependente de uma autorização administrativa.

3. Sistema normativo: afirmação dos princípios liberais; desnecessidade de


intervenção do Estado; basta que se cumpram os critérios normativos para que
nasça uma nova pessoa coletiva.

O princípio da especialidade, como elemento limitador da capacidade jurídica das pessoas


coletivas tende, assim, a ser abandonado. A moderna comercialística, acabou por retirar
o papel decisivo do princípio da especialidade, por um lado limitando-o a aspetos

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descritivos e por outro, reportando-o a um objeto final de produzir lucros, assim


legitimando tudo e mais alguma coisa.

Se a capacidade das sociedades fosse limitada ao objeto social, tal causaria uma tremenda
insegurança jurídica, na medida em que qualquer pessoa que se relacionasse com a
sociedade teria o ónus de verificar se o ato que estaria a praticar com ela se enquadraria
ou não no seu objeto social.

CSC: 6º/4 Vem definir que o objeto social não limita a capacidade da sociedade; mas se
os administradores excederem o objeto social e daí advierem prejuízos, terão de responder
perante a sociedade.

Deste modo, o princípio da especialidade acabou por ser abandonado.


Contudo, CC:160º parece provocar um renascimento do princípio da especialidade;
porém, fora de tempo (FG). Por razões de coerência sistemática, Raul Ventura achou
conveniente introduzir no CSC uma regra paralela ao CC: 160º no CSC: 6º/!

Contudo, temos de perceber qual é o “fim” a que se refere o artigo: o fim não é objeto
social (uma vez que o 6º/4 estabelece que o objeto social não limita a capacidade da
sociedade), mas sim o escopo lucrativo.

Assim, o princípio da especialidade encontra-se definitivamente superado, pelo menos


em termos práticos.

Em suma...
A capacidade da sociedade é plena ou é limitada?

o Doutrina tradicional
Limitação da capacidade das pessoas coletivas e das sociedades comerciais, baseando-se
no CSC: 6º e CC: 160º. Entende-se que a capacidade das pessoas coletivas não é igual à
capacidade das pessoas singulares, dizendo que a capacidade das sociedades é limitada
pelo seu fim, ou seja, só pode ser titular dos direitos e obrigações necessários e
convenientes à prossecução dos seus fins.
Atualmente, defendem Coutinho de Abreu e o Sobral Martins.

o Doutrina da superação do princípio da especialidade


Entende-se que o princípio está ultrapassado e que a capacidade das pessoas é ilimitada,
ou melhor, a única limitação que existe é aquela que resulta da natureza das coisas, por
estarem ligadas à personalidade singular (ex: as sociedades não podem casar).
Atualmente, a maioria da doutrina concorda com isto.

Atos Gratuitos CSC: 6º/2

Haveria grandes restrições às capacidades de gozo dos entes coletivos no que toca aos
atos gratuitos, que poderiam ser contrários aos fins da pessoa coletiva. A doutrina tende
a abandonar tais construções. CSC: 6º/2 também não considera contrários ao fim da
sociedade certos donativos.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 51


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A prática de doações ou atuações non profit é hoje, bastante comum.


Nenhuma razão se visualiza para considerar as doações fora da capacidade de qualquer
pessoa coletiva, mesmo tratando-se de uma Sociedade Comercial.
Em casos concretos, determinadas doações poderão ser inválidas: mas por força de regras
específicas que as proíbam.

Se liberalidades são usuais não são doações (CC: 940º/2) sendo permitidas segundo as
circunstâncias da época4 e condições da própria sociedade5 não são contrárias ao fim.
Exemplo: oferecer relógio aos trabalhadores pelo Natal.

Quando não usuais, são admitidas se poderem servir o interesse da sociedade, tal como
definido pelos órgãos competentes.
Exemplo: mecenato, doações com fins publicitários e etc.
Pontualmente podem ser nulas (sendo proibidas, regra geral, o desvalor é a nulidade),
cabendo aos órgãos societários decidir, caso a caso, se elas ainda integram o fim da
sociedade

Prestação de Garantias a terceiros CSC: 6º/3

Tal prestação poderia surgir como um “favor” e, portanto, como um ato gratuito, que iria
depauperar o património do garante, à custa dos sócios e dos credores.

CSC: 6º/3 Proíbe, pura e simplesmente, as sociedades de prestar garantias, salvo nas
condições que ela própria prevê:
1. Justificado interesse próprio da sociedade garante;
2. Sociedade em relação de domínio6 ou de grupo7: as sociedades, enquadradas no
mesmo grupo económico, articulam-se entre si, entreajudando-se. Assim, ao
prestar uma garantia em relação a outra sociedade, a sociedade está a beneficiar-
se a si própria, pois posteriormente poderá vir a ser ajudada pela outra. É por isto
que se presume que haja um interesse justificado no âmbito de sociedades em
relação de domínio ou de grupo.

4
Contexto socio-cultural; casos em que socio-culturalmente se admite o ato de generosidade.
5
Se a sociedade não está insolvente; atendendo ao montante da liberalidade e o lucro da sociedade
(circunstâncias contabilísticas da sociedade)
6
CSC: 486º Sociedades em relação de domínio: delimitação subjetiva (481º/1), delimitação
objetiva (influência dominante 486º/2). Há um poder de facto para controlar a atividade societária;
não existe, contudo, um dever jurídico de cumprir as indicações que receba do sócio dominador.
7
CSC: 488º Sociedades em relação de grupo: tem uma base definida numa relação contratual
previamente definida, o que não existe na relação de domínio:
CSC: 488º Domínio total: uma sociedade detém 100% do capital social da sociedade filha
Contrato de subordinação: só existe na lei, mas nunca existiu na prática. É o contrato pelo
qual uma sociedade aceita subordinar-se a outra, ficando voluntariamente sujeita às instruções
que receba da sociedade mãe.
Contrato de grupo paritário: também não existe na prática. É o contrato pelo qual duas ou
mais sociedades aceitam submeter-se a uma administração conjunta.
Em qualquer dos casos, a ideia é a de que, uma vez que as sociedades estão articuladas entre si,
existe entre elas uma comunhão de interesses.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 52


Direito Comercial | Regente Menezes Cordeiro

Para Menezes Cordeiro estas exceções enunciadas acabam por consumir a regra, pois o
interesse pode ser indireto e os domínios podem ser de facto.
Assim, a proibição acaba apenas por funcionar perante situações escandalosas e, ainda aí,
havendo má fé dos terceiros beneficiários. A responsabilização dos administradores terá
de servir de contrapeso.

Ferreira Gomes não concorda que o artigo enuncie a regra (a sociedade não pode prestar
garantias) e a exceção. Na sua opinião, deve articular-se o 6º/3 com o 6º/1 e, por isso, a
regra é a de que a sociedade pode prestar as garantias, se tal for necessário ao seu fim,
correspondendo este ao seu interesse social, que consubstancia um justificado interesse
próprio, não de cada sócio individualmente, mas da sociedade.

Ferreira Gomes, em relação às relações de domínio ou de grupo, sustenta que, apesar de


o 6º/3 parecer estabelecer que existe um interesse justificado para a prestação de garantias,
tal será apenas uma presunção. Haverá casos em que é possível demonstrar-se que a
garantia prestada numa relação de domínio ou de grupo não tem por detrás um interesse
justificado.

A sociedade mãe pode prestar uma garantia a favor da sociedade filha (garantia em
sentido descendente)? Ou a filha a favor da mãe (garantia em sentido ascendente)?
Pode haver garantias Downstream e Upstream?

Tal leva a questionar a razão de ser das relações de domínio ou de grupo: a razão de ser
poderá ser a de se concluir que se pode prestar garantias, na medida em que tal sirva o
interesse da sociedade, havendo presunção de interesse no caso de relações de domínio
ou de grupo.

Parte da doutrina sustenta que podem ser prestadas garantias em sentido descendente mas
não em sentido ascendente:
Exemplo: Se a sociedade mãe presta uma garantia à sociedade filha em dinheiro, significa
estar a investir 1€ e vir a receber 2€, uma vez que essa garantia fará com que a sociedade
filha se desenvolva e promova lucro que irá distribuir pelos seus sócios, inclusivamente
a sociedade mãe.

Já no caso de ser a sociedade filha que presta garantia a favor da sociedade mãe, a
promoção do lucro que lhe irá permitir não a beneficiará, porque a sociedade filha não
fará parte da divisão do lucro. Ou seja, o dinheiro que sai da sociedade filha para a
sociedade mãe é dinheiro que deixa de responder pelas dívidas da sociedade perante
outros credores.

Contudo, esta visão é criticável, na medida em que o facto de a sociedade filha prestar
garantia a favor da sociedade mãe, irá potenciar a entreajuda entre ambas; ou seja, o facto
de estar a prestar uma garantia a favor da sociedade mãe presumivelmente levará a que a
sociedade mãe, no futuro, venha a prestar uma garantia a seu favor, a ajudá-la.
Caberá às sociedades demonstrarem que é razoável a presunção de que, naquele contexto,
as sociedades se entreajudarão.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 53


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Prestações Assistenciais

Pergunta-se se as pessoas coletivas têm capacidade suficiente para atribuir prestações de


reforma aos antigos administradores.

À partida, a matéria assistencial deve ser gerida por organismos especializados públicos
ou privados. Em regra, a sociedade comum não está apetrechada nesse domínio.

No entanto, a prestação de reforma pode não ser um ato gratuito e sim um ato
remuneratório.
Sociedades podem assumir pensões ou complementos de reforma a trabalhadores,
mas com restrições.
Não são atos gratuitos e têm natureza retributiva.

CSC: 402º/1 permite que o contrato de sociedade anónima possa estabelecer um regime
de reforma por velhice ou invalidez dos administradores.

A reforma a cargo da sociedade não contradiz a sua natureza lucrativa. Todavia, ela deve
estar prevista no pacto societário, não pode ser criada ex novo, pela assembleia geral.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 54


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CAPACIDADE DE EXERCÍCIO E RESPONSABILIDADE DA SOCIEDADE

Mantendo um paralelo dogmático com as pessoas singulares, pergunta-se qual possa ser
a capacidade de exercício das sociedades. Recordamos que, no tocante às pessoas
singulares, a capacidade de exercício dá-nos a medida dos direitos e das obrigações que
elas possam exercer pessoal e livremente.

A regra é a da plena capacidade de exercício: quem tiver direitos, deve poder exercê-los,
por definição, pessoal e livremente. As únicas exceções derivam da natureza das coisas:
têm a ver com a situação dos menores e dos maiores acompanhados. Para estes, o Direito
prevê̂ esquemas de suprimento.

Numa visão muito elementar e empírica, as pessoas coletivas seriam assimiladas a


menores: incapazes, pela natureza, de praticar pessoal e livremente os diversos atos, elas
teriam de ser representadas. Não é assim. A categoria da capacidade de exercício só é
aplicável às pessoas singulares; as pessoas coletivas e, com elas, as sociedades, são tão-
só capazes, nos termos que acima deixámos expressos, e com os limites legais.

Os “representantes” das sociedades

CC: 996º/1 e CSC: 192º/1 + 252º/1 + 405º/2 As sociedades comerciais são representadas
pelos administradores respetivos.

Tratar-se-á de verdadeira representação? A resposta é claramente negativa.


Estamos perante uma representação orgânica, que só um plano muito imediato e empírico
tem a ver com a verdadeira representação (a voluntária) ou com a representação legal (a
que permite suprir incapacidades dos menores e dos interditos). A representação orgânica
não é representação em sentido próprio.

Para que a sociedade se autodetermine e se manifeste para o exterior, ela disporá de


meios: os seus órgãos. Os titulares dos órgãos agem: o que façam, ope legis, é imputado
à pessoa coletiva.

Segundo Savigny, as pessoas coletivas teriam capacidade de gozo: mas não de exercício.
Este pressuporia uma essência pensante e volitiva, apenas concebível na pessoa singular.
O problema teria de ser resolvido de modo semelhante ao dos menores e dos inimputáveis,
requerendo representantes (teoria da representação).

Contrapõe-se-lhe a teoria orgânica, que remonta a Von Gierke. Segundo este autor, a
pessoa coletiva equivale a um organismo, totalmente capaz através de órgãos próprios.
Estes poderiam, evidentemente, designar representantes, tal como qualquer pessoa
singular o poderá fazer.

A teoria orgânica veio a prevalecer: mercê da própria lógica da personificação, a vontade


das pessoas coletivas é expressa, diretamente, pelos órgãos próprios. As maiores
consequências da teoria orgânica refletir-se-iam, todavia, no problema da
responsabilidade.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 55


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A tutela de terceiros

As regras referentes à orgânica das sociedades acabam por se refletir nos poderes de
representação dos seus administradores. Tais regras podem variar em função do tipo
social, dos estatutos e do próprio Direito nacional em causa. Nessas circunstâncias, o
comércio internacional e a própria liberdade de estabelecimento podem ser afetados.

Perante uma sociedade nunca se saberia, precisamente, com que orgânica se lida e, daí,
qual a concreta extensão dos poderes dos administradores. Tudo visto, compreende-se
que logo a 1ª Diretriz do Direito das Sociedades (Diretriz nº 68/251, 9 março), tenha
disposto no sentido de garantir a posição de terceiros perante todas essas eventualidades.

Retemos as seguintes regras:


As eventuais irregularidades registadas na designação de representantes das sociedades
são inoponíveis a terceiros, salvo se a sociedade provar que estes as conheciam (8º).

As sociedades vinculam-se perante terceiros pelos atos praticados pelos seus órgãos,
mesmo quando alheios ao objeto social, exceto se for excedido o que a lei atribuir ou
permitia atribuir a esses órgãos (9º/1).

As limitações estatutárias aos poderes dos órgãos, bem como as derivadas de


deliberações, são sempre inoponíveis a terceiros, mesmo quando publicadas (9º/2).

Para se desencadearem os efeitos próprios da representação (orgânica), basta que o


administrador pratique um ato invocando essa sua qualidade e o estar a agir em nome
(contemplatio domini) e por conta da sociedade.
Não se requer qualquer autorização, para que surja a imputação dos atos à sociedade.

Fica sempre ressalvada a hipótese de má fé do terceiro. A má fé é, aqui, o conhecimento


da falta de poderes orgânicos (de representação) ou a violação de um dever elementar de
indagação de tais deveres.

Assim, e em regra: as sociedades obrigam-se com duas assinaturas. Surgindo apenas uma,
fácil é verificar se, in casu, o pacto estabeleceu um esquema de vinculação por, apenas,
um dos administradores ou, até, se estamos perante um administrador único. A falsa
invocação da qualidade de administrador, não havendo registo, não permite a imputação
à sociedade.

A responsabilidade das pessoas coletivas

CC: 165ºAs pessoas coletivas respondem civilmente pelos atos ou omissões dos seus
representantes, agentes ou mandatários nos mesmos termos em que os comitentes
respondem pelos atos ou omissões dos seus comissários

CC: 998º/1 Repete à letra esse preceito, aplicando-o às sociedades civis puras.

CSC: 6º/5 Usa uma fórmula diferente:

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 56


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«A sociedade responde civilmente pelos atos ou omissões de quem legalmente a


represente, nos termos em que os comitentes respondem pelos atos ou omissões dos
comissários».

A responsabilidade do comitente consta do CC: 500º, enquanto a do representante deriva


do CC: 800º. Adiantamos que estas fórmulas e remissões não são satisfatórias. Todavia,
se forem bem interpretadas, poderemos colocar o Direito civil português dentro dos atuais
parâmetros da responsabilidade civil das pessoas coletivas.

Numa fase inicial, as pessoas coletivas eram consideradas insuscetíveis de incorrer em


responsabilidade civil. Mesmo ultrapassando a ideia de ficção e da não aplicabilidade
analógica de normas e realidades ficciosas, quedavam dificuldades de fundamentação: a
responsabilidade, depois de atormentada evolução, teria de se basear sempre na culpa;
ora a pessoa coletiva não poderia ter culpa. Além disso, foi levantando um segundo
obstáculo: sendo a pessoa coletiva incapaz, ela teria sempre de se fazer representar. E os
poderes de representação não se alargariam a atos ilícitos.

O primeiro avanço consistiria em estabelecer a responsabilidade civil das pessoas


coletivas. Procedeu-se em duas fases:
1. A da responsabilidade contratual
Fácil foi demonstrar que a pessoa coletiva não podia cumprir as suas obrigações; seriam
mesmo injusto ilibá-la, nesse ponto, de responsabilidade, uma vez que isso iria provocar
grave desigualdade nos meios económico-sociais;
2. A da responsabilidade delitual ou aquiliana
Veio originar várias teorias, acabando a doutrina por se fixar na do risco: o comitente, por
beneficiar de condutas alheias,, deveria, também, correr o risco de elas se revelarem
danosas: responderia, pois, objetivamente, isto é: mesmo sem culpa.

A solução de responsabilizar as pessoas coletivas, em termos aquilianos, pelos atos dos


seus representantes e através do esquema da imputação ao comitente, não era satisfatória:
nem em termos jurídico-científicos, nem em termos práticos.

Passa-se, pois, a uma terceira fase: a pessoa coletiva responde diretamente pelos atos
ilícitos dos titulares dos seus órgãos, desde que tenham agido nessa qualidade.
Em Portugal, a responsabilização direta das pessoas coletivas, por atos dos seus órgãos,
foi defendida por Manuel de Andrade.

CC:165º Uniformiza, sob a imputação ao comitente, os atos ou omissões dos


representantes, agentes ou mandatários. Com uma agravante: contagiou as próprias
sociedades.

Hoje, a possibilidade de submeter as sociedades as diversas sanções está adquirida.


Perante o teor literal, que fala em “quem legalmente a represente”, alguma doutrina tem
sido levada a pensar que, para efeitos de responsabilidade civil aquiliana, a pessoa
coletiva é um comitente, sendo o titular do seu órgão um comissário.

Há que procurar uma solução alternativa: fácil, uma vez que beneficiamos da doutrina de
Manuel de Andrade e das de outros países, que se viram na situação de fazer evoluir o
seu pensamento na matéria.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 57


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A pessoa coletiva é uma pessoa, logo, ela pode integrar, de modo direto, “aquele que,
com dolo ou mera culpa”, referido no CC: 483º.
A culpa (juízo de censura) é-lhe diretamente aplicável: nada tem a ver, na conceção atual,
com situações de índole psicológica.

CC: 165º Não tem a ver com a responsabilidade das pessoas coletivas por atos dos seus
órgãos: antes dos seus representantes (voluntários ou legais, porquanto nos termos da lei),
eventualmente constituídos para determinados efeitos, dos seus agentes e dos seus
mandatários. E aí já fará sentido para a imputação ao comitente.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 58


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AS FIGURAS AFINS ÀS SOCIEDADES

Associações, associações públicas e associações sem personalidade

As associações traduzem pessoas colectivas assentes em agremeações de pessoas


singulares ( ou colectivas) : têm uma base ou substracto colectivo. A distinção tradicional
entre associações e sociedades repousava no fim lucrativo assumido por estas e recusado
às primeiras.

A distinção já não é possivel nessa base. Por um lado as sociedades podem constituir-se
sem fins lucrativos, e por outro as associações podem angariar meios económicos.

A distinção entre uma associação e um sociedade não levanta, na prática, a mínima dúvida
: têm designações diferentes, estruturas diversas e regimes distintos de responsabilidade
por dívidas. As associações vêem essa natureza resultar da própria denominação;
apresentam um orgânica estratificada em assembleia geral ( com poderes residuais),
administração e conselho fiscal ; os associados não respodem pelas dívidas da associação
nem, necessariamente, pelas entradas ; as sociedades exibem firmas variáveis com o tipo
que adoptem ; têm um orgânica diversificada, centrada numa administração ; os sócios
respondem, em certos casos, pelas dívidas da sociedade e, noutros, pelas entradas.

A distinção fica mais facilitada perante as associações públicas – maxime as ordens


profissionais – uma vez que estas dispõem de uma aprovação formal por lei e assumam
determinados poderes de autoridade.

Já no tocante às chamadas associações sem personalidade, tratadas genericamente nos


artigos 195º e seguintes do Código Civil, a distinção é melindrosa, para mais perantes as
sociedades civis puras.Uma entidade que vise directamente o lucro para os seus
associados será seguramente um sociedade ; uma outra com aspirações e exclusivos fins
ideais, uma associação ( sem personalidade).

Fundações, empresas públicas e comissões especiais

As fundações são pessoas colectivas de base patrimonial : não assentam em conjuntos de


pessoas mas, antes em núcleos de direitos personalizados. Terão um administração, que
não se confundirá, em regra, com uma massa associativa.

As empresas públicas têm, tal como as fundações, base patrimonial, por oposição a
associativa. Todavia, ao contrário daquelas, elas assumem ibjectivos comerciais e visam
o lucro ou, pelo menos uma gestão maximizadora dos meios de que sejam dotadas.

As comissões especiais traduzem fundações não reconhecidas. Têm, todavia, uma base
humana que pode causar dificuldades de fronteira com as sociedades, particularmente as
civis puras.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 59


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Contratos de organização ( associações em participação, consórcio e outros)

Os contratos de organização são, latamente, contratos comerciais que visam congregar os


esforços de vários interessados, com vista à obtenção de rsultados ou à prossecução de
fins comuns.
Uma associação em participação ou um consórcio serão sociedades ( civis) co uma
especial diferenciação, legalmente prevista.

Na associação em participação, temos um vínculo entre uma pessoa ( o associado) e um


comerciante ( o associante), pelo qual a primeira confere ao segundo determinados meios
para que este exerça o comércio, a troco de uma participação nos lucros ou nos lucros e
perdas.

O Código Veiga Beirão marcou já um distanciamento em relação á sociedade : chamaria


mesmo à figura que nos ocupa, conta em participação, regulando-a nos artigos 224º e
seguintes.

A distinção entre a associação em participação e a sociedade assenta em dois pontos:


- a falta de personalidade jurídica
- a ausência do exercício “ em comum” de uma actividade

O consórcio é apresentado pelo art. 1º do Decreto –Lei nº 231/81 de 28 de Julho.O


consórcio pode ser tomado como uma figura autónoma que corresponde a um contrato de
sociedade especial.

Agrupamentos complementares de empresas e agrupamentos europeus de


interesse económico (ACE e AEIE)

Os agrupamentos complementares de empresas foram introduzidos no Direito português,


pela Lei nº 4/73 de 4 de Junho, regulamentada pelo Decreto Lei nº 430/73 de 25 de
Agosto. Trata-se de entidades com personalidade jurídica, que visam melhorar as
condições de exercício ou de resultado do agrupados. Podem ter, segundo o art. 1º do
Decreto-Lei nº 430/73 : “ por fim acessório a realização e a partilha de lucros apenas
quando autorizado expressamente pelo contrato constitutivo”

Segundo a base IV da Lei nº 4/73, os ACE adquirem personalidade jurídica pela inscrição
no registo comercial : dispõem de uma firma que pode mesmo consistir numa
denominação particular – art. 3º/1 do Decreto-Lei nº 430/73 – e regem-se , pelo regime
das sociedades em nome colectivo – art. 20º, do mesmo diploma.

Cooperativas

As cooperativas são definidas, no art. 2º/1 do Código Cooperativo, como: “pessoas


colectivas autónomas, de livre constituição, de capital e composição variáveis, que
através da cooperação e entreajuda dos seus membros, com obediência aos princípios
cooperativos, visam, sem fins lucrativos, a satisfação das necessidades e aspirações
económicas, sociais e culturais daqueles.”

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 60


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Desde já se regista que os próprios cooperadores poderão ter fins “lucrativos”.

A matéria foi, depois integrada no Código Veiga Beirão, que inseriu, no Livro II, titulo
II, capítulo V: “ Disposições especiais às sociedades cooperativa”: artigos 207º a 223º.

As cooperativas visam o exercício em comum de actividades económicas ou equiparáveis


– art. 2º do Ccoop, descontado o comprometimento da linguagem.Além disso, o artigo 7.º
do CC oop dispõe, lapidarmente: “Desde que respeitem a lei e os príncipios cooperativos,
as cooeperativas podem exercer livremente qualquer actividade ecónómica”.

Têm evidente base associativa e adquirem a personalidada pelo registo – artigo 16.º do
Ccoop – e mais precisamente: pelo registo comercial – artigo 4.º do CRCom.

Não hà razões conceptuais para não considerar as cooperativas como sociedades.O seu
regime, com múltiplas regras especiais é, de todo modo, de clara inspiração comercial,
aplicando-se subsidiariamente – artigo 9.º do Ccoop – o direito das sociedades anónimas.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 61


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AS SOCIEDADES E AS EXIGÊNCIAS DOGMÁTICAS DO SISTEMA

As sociedades são modelos de decisão de casos concretos. Quando articulamos as regras


societárias, considerando-as individualmente, há determinados institutos que são
chamados a intervir para assegurar a subsistência dos valores do sistema: o levantamento
da personalidade coletiva e o princípio da lealdade.

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE COLETIVA

Instituto de enquadramento, baseado no princípio da boa-fé (princípio da


confiança e princípio da primazia da materialidade subjacente), que permite
atingir quem está por detrás da sociedade, ou seja, imputam-se as situações
jurídicas a quem materialmente competem.

Ocorre uma derrogação ou não observância da autonomia jurídico-subjetiva


e/ou patrimonial das sociedades em face dos respetivos sócios.

As exigências do sistema jurídico impõem restrições ao funcionamento das sociedades.


Mercê do sistema, as suas normas societárias perdem aplicação, em certas circunstâncias,
deixando aparecer a realidade subjacente. Estamos perante uma figura que se impôs por
várias ordens de fatores.

Como vimos, os ordenamentos atuais desinteressam-se pelos substratos das pessoas


coletivas, particularmente das sociedades. Estas dependem, na sua constituição e na sua
sobrevivência, de requisitos puramente formais: podem, pois, não apresentar qualquer
significado social, económico ou humano. Mas o Direito Positivo, sempre que encontre
uma sociedade com ou sem substrato, passa a regular as situações a ela inerentes,
reportando-se-lhe como ente autónomo. Funciona, então, em modo coletivo, atingindo as
condutas singulares apenas através das regras complexas da personalidade coletiva e do
seu funcionamento interno. O poder de atuar através de sociedades tem limites
intrínsecos; seria estranho que tal poder fosse absoluto, permitindo contrariar os dados
fundamentais do ordenamento. A doutrina que sustenta, explica e aplica tais limites é a
do levantamento da personalidade.

Em Portugal, o instituto do levantamento da personalidade coletiva foi acolhido por via


doutrinária, devendo-se a Ferrer Correia. Este autor, estudando o problema das sociedades
unipessoais, que apela, para o efeito, à boa fé e ao abuso do direito.

Grupos de Casos Típicos

O levantamento da personalidade trata-se de um instituto surgido para sistematizar e


explicar diversas soluções concretas, estabelecidas para resolver problemas reais, postos
pela personalidade coletiva.

Na sua origem, encontramos uma multiplicidade de casos concretos. Em cada grupo de


casos que se discute, aquilo que está em causa é a desconsideração de uma consequência
específica da personificação. Por exemplo, os atos dos administradores são atos próprios

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 62


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da sociedade; assim, se o ato é ilícito, a ilicitude é imputável à sociedade e não à pessoa


singular por detrás da prática desse ato; porém, há casos em que se “levanta o véu” e se
atinge a própria pessoa singular que praticou o ato.

A doutrina que se tem preocupado com o levantamento procede a classificações.

Grupos de casos de Imputação: determinados conhecimentos, qualidade ou


comportamentos de sócios são referidos ou imputados à sociedade e vice-versa.

Exemplo: Trespassário cria sociedade unipessoal para violar obrigação de não


concorrência; venda da totalidade das participações sociais não se identifica com a venda
da empresa social; venda de bens a filhos ou netos (877º); nulidade ou anulação de certos
negócios jurídicos inoponíveis a terceiros de boa fé (291º) como as exceções extra-
cartulares; conflito de interesses.

Grupo de casos de Responsabilidade: regra da responsabilidade limitada (ou da não


responsabilidade por dívidas sociais) que beneficia certos sócios é afastada.

Existem várias formas de agrupar os casos concretos em jogo, embora seja patente uma
certa estabilização:

o Confusão das Esferas jurídicas

Verifica-se quando, por inobservância de certas regras societárias ou mesmo por


decorrências puramente objetivas, não fique clara, na prática, a separação entre o
património da sociedade e o do sócio ou sócios. Estes casos reportam-se, sobretudo, às
chamadas sociedades unipessoais. Como regra mantém-se, contudo, a da separação:
apenas fatores coadjuvantes poderão levar ao levantamento;

Frequentemente circulam bens de um património pessoal para um património social, sem


registos contabilísticos e etc. tornando-se inviável distinguir com rigor os patrimónios dos
sócios e da sociedade e controlar a observância das regras relativas à conservação do
capital social.
Estando a Sociedade insolvente, não poderão os sócios opor aos
credores sociais a responsabilidade limitada (perante a sociedade) e
irresponsabilidade pelas dívidas societárias por desrespeitaram o princípio
da separação, não havendo que observar a autonomia patrimonial da
sociedade.

CSC: 84º Se uma sociedade ficar reduzida a um único sócio, e se não for respeitada a
afetação do património social aos sócios, podemos atacar o património do sócio. Nestes
casos, podemos aplicar este artigo, em vez do levantamento da personalidade coletiva.

o Subcapitalização

A sociedade, como ente jurídico com património próprio, tem um conjunto de regras que
visam assegurar que o património social é usado sem prejudicar os credores e está
efetivamente afeto à satisfação dos mesmos.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 63


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Para efeitos de levantamento, cumpre distinguir entre a subcapitalização:

• Formal
Traduz a ausência de capital social (capital próprio) suficiente para o desenvolvimento da
atividade. Todavia, ela pode acudir com capitais alheios.

• Material
Ausência de capital próprio8 ou alheio9 para financiar a atividade da sociedade. É esta que
está em causa.

Verifica-se uma subcapitalização relevante, para efeitos de levantamento da


personalidade, sempre que uma sociedade tenha sido constituída com um capital
insuficiente. A insuficiência é aferida em função do seu próprio objeto ou da sua atuação
surgindo, assim, como tecnicamente abusiva (só a abusiva gera levantamento).
Exemplo: caso das sociedades de fachada.
Sócios abusam da personalidade coletiva da sociedade quando a introduzem no comércio
jurídico ou a mantêm nele, apesar de sofrer de subcapitalização material (= evidente,
reconhecível pelos sócios).

Além da inadequação abusiva, exige-se ainda uma explicitação dos seus fundamentos –
como o intento de prejudicar os credores, os administradores praticarem falências
evitáveis ou retardando prejudicialmente falências inevitáveis.

Os credores quando se dirigem à sociedade, não encontram património, então “levanta-


se o véu da personalidade jurídica” e os sócios respondem pelo seu património social.

Mota Pinto discorda desta solução pois a lei apenas exige que a sociedade esteja dotada
com o capital mínimo, sem exigir adequação do capital relativamente ao objeto social.
Coutinho de Abreu responde que a questão não é de legalidade estrita e que tal não impede
o abuso da personalidade coletiva pois o prejuízo é dos credores, sendo a possível
responsabilidade dos sócios para com os credores e não para com a sociedade (é externa).

o Atentado a terceiros

Situação em que a sociedade comercial é criada com o objetivo único de prejudicar


alguém, ou seja, a personalidade coletiva é utilizada de modo ilícito ou abusivo para
prejudicar terceiro.
Exemplo: o pai vender um bem a uma sociedade, sendo um dos filhos sócio dessa
sociedade.

Como resulta da própria fórmula encontrada, não basta uma ocorrência de prejuízo,
causada a terceiros através da pessoa coletiva: para haver levantamento será́ antes

8
Meios de financiamento próprios da sociedade, que não têm de ser reembolsados. Destaca-se
uma rubrica que é o capital social.
9
Meios de financiamento que têm de ser reembolsados. Existe uma obrigação de reembolso por
parte da sociedade.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 64


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necessário que se assista a uma utilização contrária a normas ou princípios gerais,


incluindo a ética dos negócios. Sub-hipótese particular é a do recurso a testas-de-ferro.

No fundo, o comportamento que suscita a penetração vai caracterizar-se por atentar contra
a confiança legítima (venire contra factum proprium, supressio ou surrectio) ou por
defrontar a regra da primazia da materialidade subjacente. É certo que todos os outros
casos de levantamento traduzem, em última instância, situações de abuso; neste, porém,
há uma relativa inorganicidade do grupo, que deixa, mais diretamente, a manifestação de
levantamento, perante a atuação inadmissível.

o Abuso de personalidade
Categoria genérica e residual, todas as situações que não cabem nas outras categorias.
Exemplo: CSC: 254º/3

Teorias Explicativas

Verifica-se que, no seu conjunto, a jurisprudência relativa ao levantamento manteve


típicas características civis.
Não são invocados institutos novos nem especiais princípios societários: os problemas
têm sido resolvidos através do mérito dos factos e com apeto jurídico-positivo às cláusulas
civis de boa- fé e bons costumes.

Apuradas as constelações de casos a propósito dos quais se tem suscitado o problema do


levantamento, cumpre analisar as diversas explicações para ele apresentadas. Existem
várias sistematizações possíveis, sendo de salientar a mais difundida:

o Teoria subjetivista

Defendida pelo próprio Serick, a autonomia da pessoa coletiva deveria ser afastada
quando houvesse um abuso da sua forma jurídica, com vista a fins não permitidos.

Na determinação dos tais fins ou escopos não permitidos, haveria que lidar com a situação
objetiva e, ainda, com a intenção do próprio agente: nesta fórmula, o levantamento
exigiria um abuso consciente da pessoa coletiva, não bastando, em princípio, a não
obtenção do escopo objetivo de uma norma ou de um negócio.

o Teoria objetiva

Rejeitando a teoria subjetivista, entende que a utilização puramente objetiva de uma


pessoa coletiva fora dos limites sistemáticos da sua função seria, só por si, já abusiva.

Além disso, a exigência do elemento subjetivo específico iria provocar insondáveis


dificuldades de prova.

Deveremos ainda atentar na concreta solução pretendida com o levantamento


considerado: (i) se se tratar, simplesmente, de fazer responder o património do sócio por
dívidas da sociedade – e, portanto: de fazer cessar pontualmente o privilégio da

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 65


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responsabilidade limitada, não se requer qualquer culpa subjetiva; (ii) pelo contrário,
visando-se responsabilidade civil por atos ilícitos ou pelo incumprimento das obrigações,
a culpa é requerida.

Não se tratará, todavia e nessa ocasião, do específico elemento subjetivo, próprio do


levantamento: antes dos comuns pressupostos da responsabilidade civil. As teorias
objetivas resultam, à partida, da rejeição de elementos subjetivos para fazer atuar o
levantamento.

o Teoria da aplicação das normas

Apresentada por Müller-Freienfels, o levantamento não traduziria, propriamente, um


problema geral da personalidade coletiva: tratar-se-ia, antes, de uma questão de aplicação
das diversas normas jurídicas. Quando, particularmente por via do seu escopo, elas
tivessem uma pretensão de aplicação absoluta ou visassem atingir a realidade subjacente
à própria pessoa coletiva, aplicar-se-iam.

o Orientações negativistas

Estas teorias negam, direta ou indiretamente, a autonomia ao levantamento da


personalidade, enquanto instituto. O levantamento lidaria com proposições vagas,
conduzindo à insegurança. Assim, haveria antes que determinar os deveres concretos que,
em certos casos, incidam sobre os membros das pessoas coletivas. No limite, apenas
poderíamos responsabilizar os dirigentes ou administradores das pessoas coletivas, por
falta de diligência.

Posição Menezes Cordeiro

O levantamento da personalidade coletiva, seja pela sua origem jurisprudencial casuística,


seja pela riqueza dos contributos jurídico-científicos que encerra, surge, à primeira vista,
com um conteúdo diversificado.

Na verdade, os desenvolvimentos anteriores permitem descobrir, no seu seio:


Situações de violação não-aparente de normas jurídicas: a pretexto da personalidade
coletiva, são descuradas normas de contabilidade, de separação de patrimónios ou de
clareza nas alienações;
Situações de violação de normas indeterminadas ou de princípios: as pessoas que têm a
seu cargo a administração de pessoas coletivas agem sem a diligência legalmente
requerida para tais funções;
Situações de violação de direitos alheios ou de normas destinadas a proteger interesses
alheios, sob invocação da existência de uma pessoa coletiva;
Situações de emulação nas quais, sem razões justificativas, alguém usa uma pessoa
coletiva para causar prejuízos a terceiros;
Situações de violação da confiança ou de atentado às valorações subjacentes, através de
pessoa coletiva;
Situações em que pessoas coletivas são usadas fora dos objetivos que levaram as normas
constituintes respetivas a estabelecê-las;

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 66


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Situações em que jogos de pessoas coletivas são montados ou atuados para além dos
princípios básicos do sistema.

O levantamento é um instituto de enquadramento, de base aparentemente geográfica, mas


com todas as vantagens científicas e pedagógicas dele decorrentes. Guardadas as devidas
distâncias, outro tanto se passa com a própria boa fé: reunindo institutos de origens muito
diversas, culpa in contrahendo, abuso do direito, alteração das circunstâncias,
complexidade intraobrigacional e interpretação do contrato, a boa fé permitiu afeiçoá-los
a todos, inserindo-os, de modo mais cabal, na complexidade do sistema.

Defende então a unidade do instituto do levantamento da personalidade, como um


instituto de enquadramento, em que a articulação entre estes quatro conjuntos de casos
permite limar arestas em casos concretos.

No fundamental, o levantamento traduz uma delimitação negativa da personalidade


coletiva por exigência do sistema ou, se se quiser: ele exprime situações nas quais, mercê
de vetores sistemáticos concretamente mais ponderosos, as normas que firmam a
personalidade coletiva são substituídas por outras normas.

Distingue entre:
Levantamento amplo: abrangia todas as situações de levantamento; Levantamento estrito:
reportar-se-ia apenas àquelas em que isso ocorra por exigência da boa fé.

Em suma, o levantamento da personalidade constitui uma reação do sistema a situações


de abuso, procurando tutelar os valores essenciais do sistema. O abuso, normalmente,
traduz-se numa preterição de uma regra da personificação.
Quando as consequências da personificação sejam postas em causa, não pode o agente
vir prevalecer- se delas.
O que está em causa é saber qual é a consequência da personificação que está em causa,
para saber qual será a consequência a ser afastada e para saber quem será atingido (podem
não ser os sócios, mas sim os gerentes).

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 67


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PRINCÍPIO DA LEALDADE

Diz-se haver lealdade na atuação de quem aja de acordo com uma bitola correta e
previsível. Perante uma pessoa leal, o interessado dispensa a sua confiança.

Se procurarmos decompor os elementos em que assenta a lealdade, encontramos dois:


• A previsibilidade da conduta
Está na base da confiança. Justamente por o interessado poder, subjetivamente,
prognosticar a atuação futura de uma outra pessoa, surge, da parte dele, a convicção que
permite a preferência, a entrega e o investimento. A pessoa imprevisível não é leal.
• A sua correção
O elemento subjetivo da prognose deve, todavia, ser completado com um fator objetivo:
o da correção da conduta na qual se confia. A verdadeira lealdade envolve a observância
de bitolas corretas de atuação.

A lealdade no Direito das sociedades

O contrato de sociedade mais habitual ocorre intuito personae: as partes celebram-no na


medida em que tenham uma especial confiança nas qualidades da outra parte. No âmago
da sociedade ocorrem as previstas interações com vista a um fim comum, e nesse nível
refere-se a lealdade, própria das relações duradouras, com um papel multifacetado.

Esta lealdade é própria das sociedades civis sob forma civil ou das sociedades comerciais
de base pessoal. Ela decresce na sociedade por quotas e, mais ainda, nas sociedades
anónimas. As sociedades anónimas surgiram e desenvolveram-se num ambiente pouco
favorável à confiança inter-individual. A própria designação anónima constitui um início
de explicação. As pessoas aderiam convictas de que todos os intervenientes, pretendendo
lucros, não deixariam de agir nesse sentido. Apenas um aprofundamento subsequente,
com diversos sortilégios humanos, permitiria detetar situações onde a velha lealdade
poderia prestar serviços dogmáticos: por exigência do sistema.

No Direito das sociedades, a lealdade tem uma coloração muito própria:


• Lealdade dos sócios entre si
Fala-se no exercício das posições sociais de acordo com a boa fé, seguindo-se as vias de
concretização deste instituto: tutela da confiança (exemplo: proibição de venire contra
factum proprium) e primazia da materialidade subjacente (exemplo: proibição de atos
emulativos).

• Lealdade dos sócios perante a sociedade


Fala-se no exercício das posições sociais de acordo com a boa fé, seguindo-se as vias de
concretização deste instituto: tutela da confiança (exemplo: proibição de venire contra
factum proprium) e primazia da materialidade subjacente (valores que levaram o
legislador a conferir as inerentes pretensões; ex: proibição de atos emulativos).

• Lealdade dos administradores perante a sociedade

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 68


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• Lealdade dos administradores diretamente para com os sócios ou para com


os trabalhadores é discutível se existe, uma vez que não existe um vínculo
obrigacional entre o administrador e o credor.

O papel que o dever de boa fé assume no Direito civil acaba por ser desempenhado no
Direito das sociedades pelo dever de lealdade.

O papel do princípio de lealdade é assim diferente no Direito das sociedades: o contrato


de sociedade exige uma colaboração entre as partes; para além disto, a discricionariedade
que o caracteriza tem de ser acompanhada de uma tutela. Decorrente desta
discricionariedade, surgem normalmente conflitos de interesses: o princípio da lealdade
assume assim também um papel importante na gestão de conflitos de interesses.

CC: 762º/2 Está pensado para relações de troca: o vendedor vende determinado bem ao
comprador, estando vendedor e comprador sujeitos a determinados comportamentos.
No direito das sociedades, há uma conformação muito mais intensa, o nível de exigência
é superior à deste preceito.

Lealdade dos administradores: havendo interesses conflituantes, o administrador tem de


sobreordenar os interesses da sociedade sobre os demais interesses. Pode haver casos
excecionais de delimitação positiva da atuação do administrador.

A responsabilização de um administrador por violação da obrigação de diligente


administração é mais difícil em termos de prova do que por violação de um dever de
lealdade. Se tivermos de responsabilizar um administrador por não ter agido de acordo
com a diligência de um gestor criterioso, há que provar duas coisas:
• A própria bitola de diligência do gestor criterioso;
• Os atos praticados pelo administrador e a sua não conformidade com a bitola que
se provou anteriormente.

Pelo contrário, se tivermos de provar a violação de um dever de lealdade, a prova é mais


fácil, dado que há proposições concretizadoras do dever de lealdade que são muito mais
claras.

A jurisprudência começou por afirmar a violação do dever de lealdade quando o gestor


provocasse danos à sociedade quando poderia não os ter provocado. Mas mais tarde
evoluiu: a ideia de qualquer sócio que possa causar danos à sociedade deve abster-se de
os causar.

O último ponto de evolução passa da responsabilidade do sócio controlador e chega à


responsabilidade do sócio maioritário que pratica atos de abuso da minoria.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 69


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O CONTRATO DE SOCIEDADE

CELEBRAÇÃO, CONTÉUDO E CAPITAL SOCIAL10

CELEBRAÇÃO, FORMA E NATUREZA

Celebração; contrato, pacto social e estatutos

O contrato de sociedade é um contrato nominado e típico: além de dispor de nomen iuris,


ele vem regulado na lei civil, CC: 980º, e na lei comercial. CSC: 7º ss

O processo normal desdobra-se em 3 atos principais:


1. Contrato de Sociedade
2. Registo
3. Publicação do Contrato

É possível que sociedades comerciais sejam constituídas em termos diversos dos


regulados no CSC: através de Lei ou Decreto-Lei e de facto verificamos que o Estado tem
constituído algumas sociedades anónimas.
Ao constituir estas Sociedades desta forma, como derroga o disposto no CSC
(aprovado por DL), só atos normativos com força idêntica é que o podem fazer.
Pinto Furtado discorda e admite que se possam criar por ato administrativo.

A sociedade comercial forma-se por via de um processo, sendo o registo o ato que atribui
personalidade jurídica à sociedade.
Mas, ela já existe antes do registo como tendo subjetividade, podendo até atuar
antes do registo.

Menezes Cordeiro refere que o Direito português insiste, tradicionalmente, na natureza


contratual da figura e isso mesmo quando contemporize com a sociedade de origem não
contratual. As dúvidas sobre a natureza contratual da sociedade tiveram um reflexo no
CSC: 7º/2 o de fixar o número mínimo de partes num contrato de sociedade em dois,
ressalvando a existência legal específica de um número superior ou a permissão de
sociedades constituídas por uma só pessoa (caso em que o negócio será unilateral).

O contrato de sociedade é um negócio jurídico


Trata-se de um ato marcado pela
liberdade de celebração e pela liberdade de
estipulação
As partes podem não só optar por celebrar ou não o contrato de sociedade como, fazendo-
o, têm a liberdade de nele apor as cláusulas que entenderem (de entre os elementos que
estão na sua disponibilidade conta-se a escolha do tipo societário).

Uma parcela apreciável das regras legais relativas a sociedades tem natureza meramente
supletiva: pode ser afastada por vontade das partes. A prática mostra, todavia, contratos

10
MENEZES, António Menezes, Direito das Sociedades, Parte gera, 4ª Edição, página 419 a 459
ABREU, Jorge Manuel Coutinho de, Curso de Direito Comercial, volume II, 3ª edição, página 94 a 117

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 70


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bastante circunspetos, pelos quais as partes se limitam a consignar os elementos


voluntários necessários, denominação ou firma, sócios, capital social, partes sociais, sede
e tipo, e uma ou outra cláusula que considerem mais relevante.
Tudo o resto cai no regime legal.

O contrato de sociedade não é considerado um negócio corrente.


Assim, a sua celebração é, em regra, precedida de negociações efetivas, salvo quando a
sociedade tenha natureza unilateral. Sucede, porém, que a sociedade encobre, por vezes,
uma mera ordenação de interesses familiares. Quando isso ocorra, não haverá́ em regra
negociações, já que os interesses não são contrapostos.

Põe-se o problema da sociedade formada por adesão a cláusulas contratuais gerais.


Quando isso sucedesse, não haveria dúvidas ou dificuldades em fazer intervir a lei sobre
as cláusulas contratuais gerais.
Este trato de sociedade foi pré-formulado, isto é: apresentado à subscrição de outrem, sem
hipótese de alteração. Com todas as reservas que esse esquema suscita, as cláusulas
abusivas seriam expurgadas. Entre nós, o próprio Estado, ao abrigo do DL nº 111/2005 8
julho (“empresa na hora”), apresenta modelos de estatutos de sociedades, aos particulares
interessados. Materialmente, trata-se de cláusulas contratuais gerais.
Um contrato de sociedade pode, ainda, ocorrer através de uma oferta ao público.
A situação paradigmática é a da constituição de uma sociedade anónima com apelo à
subscrição pública e que vem regulada nos artigos 279º a 283º, do Código das Sociedades
Comerciais e no artigo 168º, do Código dos Valores Mobiliários.
Prevê-se, aí, todo um procedimento algo complexo, que irá desembocar numa assembleia
constitutiva (281º); apenas depois é formalizado o contrato de sociedade, através da
competente escritura (283º)

Na sua configuração, o contrato de sociedade permite distinguir duas áreas:


• A do contrato propriamente dito, na qual as partes se identificam, declinando
elementos comprovativos, estado civil, profissão e residência e manifestam a
intenção de constituir uma sociedade;
• A do pacto social ou estatuto, nos quais as partes, normalmente em moldes
articulados, disciplinam a nova entidade. Quando se recorra a escritura pública,
esta segunda parte pode constar de documento anexo, dispensando-se a sua
leitura. Tecnicamente, os estatutos ou pacto social são parte integrante do
contrato, embora possam apresentar especialidades interpretativas.

As partes: cônjuges e menores

Como referimos, a figura visualizada, em moldes típicos, pelo legislador, foi a da


sociedade instituída por contrato. Donde a referência, já estranhada, do CSC: 7º/2, tem de
haver, pelo menos, duas partes.

Quando as partes estabeleçam, ab initio, uma posição ou participação social em regime


de contitularidade, as pessoas assim envolvidas valem apenas como uma única parte.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 71


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Podem ser partes em contratos de sociedade:


• Pessoas singulares;
• Pessoas coletivas: é o que resulta da lata capacidade de gozo que hoje é
reconhecida às pessoas coletivas;
• O próprio Estado: refere-se aqui o Estado que atua ao abrigo da autonomia
privada, como qualquer particular e não o Estado-legislador que pode, através de
lei, constituir sociedades de que seja sócio, afastando com isso o regime geral;
• Há sociedades que só podem exercer a sua atividade através de outras sociedades
cujas participações detenham: é o que sucede com as sociedades gestoras de
participações sociais (SGPS);
• Também as pessoas rudimentares podem constituir sociedades, desde que estas,
em função do objeto ou de outras circunstâncias, se possam reconduzir à janela
da personalidade que lhes seja reconhecida.

O problema da constituição de uma sociedade, particularmente comercial, entre os


cônjuges, levantava clássicos problemas. Desde que os cônjuges constituíssem uma
sociedade para a qual contribuíssem com os seus bens, ficariam em causa, segundo o
pensamento “tradicional”:
• o regime de bens estipulado para o casamento: as regras próprias desse regime
seriam substituídas pelas do funcionamento da sociedade;
• o então denominado “poder marital”: “a chefia” da família assegurada pelo
marido daria lugar aos esquemas de formação da vontade social, mais igualitária,
logo inadmissíveis;
• o sistema de responsabilidade dos bens dos cônjuges ou do casal, pelas dívidas de
cada um deles ou de ambos: esse sistema seria, naturalmente, substituído pelo
regime do tipo social adotado.

CSC: 8º/1 Veio procurar resolver as dúvidas, revogando o artigo 1714º/2 e 3, ainda que
seja possível compatibilizá-lo com o princípio da imutabilidade das convenções
antenupciais.

A constituição de uma sociedade entre cônjuges pode (ou não) atingir a imutabilidade das
convenções antenupciais. Assim:
• Se ambos os cônjuges entrarem para uma sociedade com todos os seus bens,
presentes e futuros, poderemos estar perante um esquema destinado a postergar
os regimes da separação, ou da comunhão de adquiridos;
• Porém, se subscreverem pequenas quotas ou umas quantas ações, o problema nem
se põe.

Haverá, por isso, que compatibilizar o CSC: 8º com o CC: 1714º/1, verificando, contrato
a contrato, se a imputabilidade das convenções é respeitada.

CSC: 8º/1 A constituição de sociedades entre os cônjuges, assumindo ambos


responsabilidade ilimitada, é proibida

CSC: 8º/2 Mercê do regime de bens, pode acontecer que uma participação social seja
comum a ambos os cônjuges, nesses casos, nas relações com a sociedade, será
considerado sócio aquele que tenha celebrado o contrato de sociedade ou, sendo a

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 72


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participação adquirida posteriormente, aquele por quem a participação tenha vindo ao


casal.

CSC: 8º/3 Ressalva a administração do cônjuge do sócio que se encontrar impossibilitado


e os direitos mortis causa.

Os menores podem ser partes em contratos de sociedade. E poderão fazê-lo pessoal e


livremente sempre que a sociedade em vista esteja ao seu alcance, perante o CC: 127º.
De facto, não é viável, a priori, excluir do campo dos atos facultados pessoal e livremente
ao menor, a celebração de uma sociedade.

Fora isso, os menores poderão celebrar contratos de sociedade, através dos pais, como
representantes legais. CC: 1889º/1 d) Será necessária a autorização do tribunal para
entrarem nas sociedades em nome coletivo ou em comandita simples ou por ações, devido
aos riscos derivados da ilimitação da responsabilidade. CC: 1938º/1 a), b) e d) Tratando-
se de menor sob tutela, a entrada em qualquer sociedade deve ser autorizada.

Nas sociedades em nome coletivo11, no que toca às partes, em grande parte o regime
pode ser remetido para o regime geral da celebração dos contratos comerciais de
sociedades. Contudo importa deixar algumas especificidades.

O contrato pode ser concluído por qualquer pessoa dotada de capacidade de exercício,
contudo a situação de ilimitação de irresponsabilidade levanta algumas exceções.
CSC: 8º/1 Impede-se a formação de sociedades familiares em nome coletivo, o que surge
em termos históricos devido à discriminação da mulher casada.

No caso dos menores, a exigência da autorização do tribunal, resulta, igualmente do risco


de se utilizar um “menor rico” para suportar a sociedade.

Contudo, as sociedades em nome coletivo surgiram precisamente com interesse da ordem


familiar, pelo que as burocracias retiram este significado.

CSC: 11º/5 No mesmo sentido, vem proteger as sociedades de ingressarem como partes
em sociedades em nome coletivo.

CSC: 7º/2 Neste tipo de sociedades, ao contrário do que acontece nas sociedades por
quotas ou sociedades anónimas, não se permite a constituição unilateral, pelo que existirá
sempre a exigência do número mínimo de 2 sócios

No caso das sociedades por quotas12, devido à responsabilidade já ser limitada, não se
verificam as prevenções de ingresso que encontramos nas sociedades em nome coletivo,
sendo, portanto, a sua acessibilidade uma das vantagens.

11
CORDEIRO, António Menezes, Manual de Direito das Sociedades, II Volume, Das Sociedades em
Especial, 2ª Edição, página 147 a 148
12
CORDEIRO, António Menezes, Manual de Direito das Sociedades, II Volume, Das Sociedades em
Especial, 2ª Edição, página 249 a 251

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CSC: 7º/2 Regra Geral: é fixado o número mínimo de 2 sócios


Quando reduzidas a um único sócio temos 4 opções:
CSC: 142º/1 a) Situação pode manter-se se for uma pessoa coletiva pública
Recompor a pluralidade no prazo de 1 ano
Dissolvida administrativamente
CSC: 270º-A/3 Transformada em sociedade unipessoal por quotas
CSC: 270º-A Exceção: Admite-se as sociedades unipessoais por quotas

CSC: 11º/5 Com origem no princípio da especialidade impõem que a fazer parte de uma
sociedade por quotas ela teria que ter o mesmo objeto. Para Menezes cordeiro esta
limitação deve ser afastada através de mecanismos corretivos, como o CSC: 6º/1

CSC: 273º/1 No que toca às sociedades anónimas13, em regra, estas não podem ser
constituídas por um número inferior a 5. Ao longo dos anos este número tem vindo a
diminuir tornando-se mais acessível a criação de sociedades anónimas.

CSC: 273º/2 O número reduz para 2 quando o Estado detenha a maioria do capital.

CSC: 488º/1 Existe a possibilidade de constituir uma sociedade anónima unipessoal,


desde que o sócio seja outra sociedade, o que leva a uma relação de domínio total inicial.

Forma

CSC: 7º/1 O contrato de sociedade comercial é um contrato formal.


Requer forma escrita com reconhecimento presencial das assinaturas dos subscritores,
salvo se forma mais solene for exigida para a transmissão dos bens com que os sócios
entram para a sociedade.

CC: 981º/1 Pelo contrário, a sociedade civil é consensual, apenas se sujeita a escritura
pública quando a natureza dos bens a transferir para a sociedade assim o exija ou CC:
158º/1 + 157º quando se pretenda assumir personalidade jurídica plena.

Se percorrermos os contratos próprios das sociedades comerciais deparamos com as


exigências de forma seguintes:
CSC: 17º Acordos parassociais: não contém qualquer exigência de forma; em regra, são
celebrados por escrito
CSC: 29º/4 A aquisição de bens por sociedades anónimas ou em comandita por acções
deve ser reduzida a escrito
CSC: 85º/4 A alteração do contrato de sociedade deve ser exarada em escritura pública;
CSC: 88º, 93º/1. 274º, 370º/1, 456º/5 fica abrangido o aumento de capital
CSC: 106º/1 A fusão de sociedades dá azo a escritura pública, CSC: 120º numa regra
aplicável à cisão
CSC: 135º/1 A transformação de sociedades deve ser consignada em escritura pública

13
CORDEIRO, António Menezes, Manual de Direito das Sociedades, II Volume, Das Sociedades em
Especial, 2ª Edição, página 545 a 547

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 74


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CSC: 145º/1 A dissolução de sociedade não carece de escritura pública quando tenha
sido deliberada em assembleia geral e a ata da deliberação tenha sido lavrada por notário
ou pelo secretário da sociedade
CSC: 498º O contrato de subordinação exige escritura pública

No tocante aos diversos contratos de sociedade, não são retomados os requisitos de forma,
dado o alcance geral do artigo 7º/1; apenas são referidos aspetos atinentes ao conteúdo
dos contratos: artigos 176º, 199º, 272º e 466º, relativos respetivamente, a sociedades em
nome coletivo, por quotas, anónimas e em comandita.

Já no tocante à transmissão de partes sociais, a lei exige escritura pública:


CSC: 182º/2 Para a transferência das partes de um sócio de sociedade em nome colectivo,
quando a sociedade tiver bens imóveis
CSC: 228º/1 Para a transferência de quotas

As sociedades unipessoais têm regras não totalmente coincidentes. Em princípio, a


transformação de uma sociedade por quotas em sociedade unipessoal exige escritura
pública; CSC: 270º-A/3 basta, todavia, documento particular quando, da sociedade, não
façam parte bens cuja transmissão exija essa forma solene. CSC: 270º-A/4 Uma regra
similar funciona para a constituição originária de uma sociedade unipessoal

CSC: 243º/6 O contrato de suprimento não está sujeito a qualquer forma, o mesmo
sucedendo com outros negócios de adiantamento de fundos pelo sócio à sociedade ou
com convenções de diferimento de créditos de sócios. CSC: 270º-F/2 Tratando-se de
negócio entre o sócio único e a sociedade unipessoal, deve ser observada a forma escrita,
quando outra não esteja prescrita para um negócio em jogo.

Natureza

De acordo com diversa doutrina, não seria seguro que o denominado contrato de
sociedade surja, efetivamente, como um contrato.

No contrato de sociedade, as diversas declarações de vontade são idênticas e confluentes.


Além disso, nos contratos comuns, os efeitos produzem-se, como é de esperar, nas esferas
jurídicas dos intervenientes. De modo diverso, no contrato de sociedade surge uma nova
e terceira entidade: a própria sociedade constituída.

Tudo isto obrigaria a uma evidência: o ato constitutivo da sociedade teria uma natureza
específica, não-contratual.

Como contraprova: ao contrário do que sucederia em qualquer contrato comum, em que


o número de partes é decisivo e depende do figurino visualizado, na sociedade isso seria
secundário: poderia, mesmo, cair para a unidade, como ocorre nas sociedades
unipessoais.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 75


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Nos contratos há sempre pessoas determinadas que por eles


ficam adstritas a certas prestações e cujas vontades,
manifestando-se em direções opostas, se encontram, formando-
se um vínculo jurídico em virtude desse acordo. Não haverá́
Guilherme contrato sempre que, dada uma declaração de vontade pela qual
Moreira se constitua uma obrigação para com qualquer pessoa, o direito
desta não tenha a sua causa numa manifestação da sua vontade
que coopere juntamente com a declaração da vontade de quem
se constituí nessa obrigação. Nestes casos haverá́ um negócio
jurídico unilateral e não bilateral.
Contra pronuncia-se, defendendo que o conceito moderno de
José Tavares
contrato abrange o ato coletivo e a união.
Vem defender a natureza contratual da constituição de
sociedades. Explica, designadamente, que as declarações que
Ferreira Correia integram o contrato de sociedade não são meramente paralelas,
tendentes à formação do novo ente, uma vez que produz,
também, relações entre as partes celebrantes.

Fernando Olavo Acolhe e reforça esta ideia: aquando da celebração de um


contrato de sociedade, as partes podem ter interesses
contrapostos: estaremos, perfeitamente na figura do contrato.
A atual tendência de trabalhar com um conceito amplo de
contrato, capaz de abranger todos os atos plurilaterais, tem
levado à rejeição da doutrina do ato conjunto de Von Gierke ou
do negócio jurídico unilateral, de Guilherme Moreira.
Menezes Cordeiro
A orientação em causa teve, de resto, o cuidado de afeiçoar a lei:
o Código das Sociedades Comerciais refere, de modo contínuo,
contrato. Tal orientação, convertida quase em doutrina oficial,
não deve conduzir a uma perda de capacidade analítica.

Ponto assente: a natureza negocial da constituição de uma sociedade.


Este aspeto é importante porque, além de acentuar as liberdades de celebração e de
estipulação aqui presentes, traduz, ab initio, a colocação das sociedades na área do Direito
privado e da livre iniciativa económica e social.

Para além disso, porém, o contrato de sociedade tem especificidades: não é um contrato
comum:

• Ele é dispensável.

A sociedade pode constituir-se por ato unilateral, no sentido clássico de ter um único
declarante. É o que sucede nas hoje pacíficas sociedades inicialmente unipessoais: 270º-
A/1 e 488o/1. Além disso, pode resultar da dinâmica de uma sociedade preexistente: o
caso da cisão será́ um bom exemplo.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 76


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• O regime do contrato de sociedade não coincide com o dos contratos comuns.

CSC: 41º/2 2ª parte A invalidade resultante de vício da vontade ou de usura, e


independentemente do registo, não é oponível erga omnes mas, apenas, aos demais
sócios.
CSC: 42º/2 + 43º/2 Outras invalidades são sanáveis por (meras) deliberações
maioritárias: solução contratualmente inexplicável.
À reflexão: a presença de uma concreta vontade, na conclusão de um contrato de
sociedade, tem a virtualidade de fazer passar o seu autor a sócio; não a de fazer surgir a
própria sociedade em si. E quem adquira uma participação social não se torna,
propriamente, parte no primitivo contrato de sociedade.

• Um pacto social não regula, simplesmente, um delimitado círculo de interesses


entre as partes que o concluam; ele antes fixa – ou pode fixar – um quadro
normativo capaz de regular múltiplas situações subsequentes.

Concluindo: Na sua configuração mais natural e típica, a sociedade traduz um encontro


de várias vontades que se põem de acordo para concretizar um projeto comum. Trata-se,
necessariamente, de um contrato. Sendo um contrato, nada impede que, aí, se abra uma
especial categoria para o acolher. Na sociedade não há prestações recíprocas: antes uma
atuação conjunta ou confluente, com uma estruturação normativa para futuras ações.
A doutrina atual, incluindo Menezes Cordeiro, fala num contrato de colaboração ou de
organização.

Constituição por negócio unilateral

O CSC prefigura o contrato como o esquema normal de constituição das sociedades,


numa valoração básica tomada pelo CC.
Ele próprio previa, contudo, outros modos de constituição de sociedades. Assim:

• CSC: 7º/4 + 97º A constituição por fusão, cisão ou transformação


No caso de fusão, cisão ou transformação há́ , de facto, uma constituição derivada uma
vez que a(s) nova(s) sociedade(s) resulta(m), de facto, de transformação da(s)
anterior(es). O motor da constituição é, aqui, desempenhado por uma ou mais
deliberações sociais. Esclareça-se que, na hipótese de fusão, não há propriamente um
contrato entre as administrações das sociedades preexistentes: estas limitam-se a executar
o que fora deliberado pelas assembleias gerais das sociedades envolvidas, não tendo
liberdade de celebração (nem de estipulação). Por isso, as regras que se aplicam à fusão
são as previstas para esse instituto e não as da contratação.

• CSC: 279º A constituição de sociedade anónima com apelo a subscrição pública


A constituição deriva de contrato celebrado por dois promotores e pelos subscritores que
entrem com bens diferentes do dinheiro (283º/1) precedendo uma especial deliberação da
assembleia constitutiva (281º/7 a)).
Não há, propriamente, um contrato. De todo o modo, quer neste caso, quer no da
constituição derivada, deparamos com atos marcados pela liberdade de celebração e pela
liberdade de estipulação.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 77


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• CSC: 270º-A/1 A constituição originária de sociedade unipessoal por quotas

• CSC: 488º/1 A constituição originária de sociedades anónimas

Constituição por diploma legal e por decisão judicial

Encontramos sociedades constituídas por DL do Governo, a que podemos acrescentar as


hipóteses de Lei da AR ou de diploma regional.

Encontramos, ainda, a hipótese de constituição de sociedades por decisão judicial. Ela


pode ocorrer no domínio de planos de insolvência, adotados nos termos dos artigos 209º
e ss. CRIE, com homologação pelo juiz.

Às sociedades instituídas por diploma legal ou por decisão judicial passa a aplicar-se,
uma vez constituídas, o regime comum das sociedades. E, designadamente: poderão os
seus estatutos ser modificados por deliberação a tanto dirigida, da assembleia geral e que
observe os requisitos estabelecidos para esse tipo de ocorrência. No caso de diploma legal
pode haver restrições, designadamente quanto à live circulação das ações.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 78


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O CONTEÚDO

Elementos Gerais

Em rigor, o conteúdo de um contrato traduz a regulação jurídica por ele introduzida, no


âmbito delimitado pelas partes. Nas sociedades comerciais, a locução abrange ainda
elementos que, não sendo em si regulativos, se tornam essenciais para depreender o
regime fixado pelo contrato.

O Código das Sociedades Comerciais fala a tal propósito, em “elementos”, que constam
do artigo 9º.

• Os nomes ou firmas de todos os sócios fundadores e os outros dados de


identificação destes
• O tipo de sociedade;
• A firma da sociedade;
• O objeto da sociedade;
• A sede da sociedade;
• O capital social, salvo nas sociedades em nome coletivo em que todos os sócios
contribuam apenas com a sua indústria;
• A quota de capital e a natureza da entrada de cada sócio, bem como os pagamentos
efetuados por conta de cada quota;
• Consistindo a entrada em bens diferentes de dinheiro, a descrição destes e a
especificação dos respetivos valores;
• Quando o exercício anual for diferente do ano civil, a data do respetivo
encerramento, a qual deve coincidir com o último dia de um mês de calendário,
sem prejuízo do previsto no artigo 7.o do Código do Imposto sobre o Rendimento
das Pessoas Coletivas.

CSC: 9º Contém elementos necessários: CSC: 42º/1 a sua eventual ausência conduziria
à invalidade do contrato, que especifica:
• A falta do mínimo de dois sócios fundadores, salvo quando a lei permita a
constituição unipessoal;
• A falta de menção da firma, sede, do objeto, do capital da sociedade, bem como
do valor da entrada de algum sócio ou de prestações realizadas por conta desta.

CSC: 42º/2 Distingue, destes vícios, os sanáveis por deliberação dos sócios, tomada nos
termos prescritos para a alteração do contrato: a falta de firma, de sede ou de valor da
entrada de algum sócio ou de prestações realizadas por conta desta.

A contrário, a falta do objeto ou do capital seriam insuscetíveis de sanação. A não


indicação do tipo de sociedade, quando insuprível com recurso a elementos contratuais,
deve ser considerada, também insanável, tendo o processo de constituição ser retomado.

Menezes Cordeiro considera que os elementos em causa poderão constar implícita ou


explicitamente do contrato, nos termos gerais, contudo, deverão surgir com suficiente
clareza, mesmo perante terceiros.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 79


Direito Comercial | Regente Menezes Cordeiro

A tal propósito, pergunta-se se não seria aplicável, ao contrato de sociedade, o dispositivo


do CC: 238º, designadamente quando admite que, de negócios formais, possa resultar um
sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento.
A resposta é negativa: no contrato de sociedade, caímos precisamente no final do
CC: 238º/2: as razões determinantes da forma do negócio opõem-se a essa
validade.

Diversos preceitos complementam o conteúdo do contrato, a propósito dos vários tipos


sociais: 176º, quanto às sociedades em nome coletivo, 199º, quanto às sociedades por
quotas, 272º, quanto às sociedades anónimas e 466º quanto às sociedades em comandita.

CSC: 176º a) e c) No que toca às sociedades em nome coletivo14, Menezes Cordeiro


considera que estas alíneas são inúteis por resultarem já do CSC: 9º/1 g) e h). No que
toca à alínea b) considera que esta estaria mais bem situada no CSC: 178º
No Direito Português a constituição de uma sociedade em nome coletivo é puramente
formal, podendo não corresponder a um empreendimento real.

No caso das sociedades por quotas15, estas aproximam-se do modelo nuclear tipo em
conta na parte geral, pelo pouco a parte especial vem acrescentar.
CSC: 199º/1 a) Faz com que resulte do contrato de sociedade a identificação dos sócios,
o que aproxima ao tipo de sociedade pessoal.

CSC: 272º Quanto às sociedades anónimas16 o contrato de sociedade necessita de ter


determinados dados quanto: ao capital, às ações, às obrigações e à estrutura, existe uma
panóplia de elementos que o contrato pode incluir.

Interpretação e integração do contrato

A sociedade não pode ser considerada como um contrato comum. Ele não é eficaz inter
partes ou apenas inter partes: originando, pelo registo, um ente coletivo personalizado,
ele vem produzir efeitos erga omnes. Designadamente: efeitos perante os novos sócios,
efeitos perante terceiros estranhos e efeitos perante os credores da sociedade.

Se o contrato de sociedade fosse interpretado segundo as regras negociais comuns:


CC: 236º/2 Poderia haver que dar primazia à vontade real das partes, com a daí resultante
irrelevância da falsa demonstratio.
CC: 238º/2 Sendo formal, o contrato de sociedade poderia dar lugar a um sentido sem o
mínimo de correspondência com o seu texto.

14
CORDEIRO, António Menezes, Manual de Direito das Sociedades, II Volume, Das Sociedades em
Especial, 2ª Edição, página 150 a 152
15
CORDEIRO, António Menezes, Manual de Direito das Sociedades, II Volume, Das Sociedades em
Especial, 2ª Edição, página 257 a 258
16
CORDEIRO, António Menezes, Manual de Direito das Sociedades, II Volume, Das Sociedades em
Especial, 2ª Edição, página 549 a 553

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 80


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CC: 239º E também a integração procuraria uma vontade hipotética de partes, que
poderiam já nada ter a ver com a sociedade em que se pusesse o problema.

As tais regras comuns poderiam conduzir a que um terceiro, tendo contactado com uma
sociedade, deparasse, quanto aos estatutos, com um sentido de todo inexcogitável.

Este simples enunciado de problemas mostra logo que o contrato de sociedade, porquanto
incluindo os estatutos, não pode ser interpretado como um contrato comum (MC):

As regras de interpretação negocial vertidas no Código Civil, pressupõem,


fundamentalmente, um diálogo negocial a dois. Locuções como “declaratório real”,
“comportamento do declarante”, “vontade real” e “vontade real das partes” compreende-
se num mundo bidimensional: seriam impraticáveis em contratos plurilaterais, em que,
provavelmente, cada “declarante” pensou em algo diverso.
Além disso, regras como a do equilíbrio das prestações têm a ver com contratos
comulativos. Logo à partida, todas estas regras surgem impraticáveis em contratos de
organização, como sucede com o de sociedade.

Tal seria impraticável em contratos plurilaterais, em que, provavelmente, cada declarante


pensou em algo diverso.

A sociedade, ao criar um novo sujeito de direitos, é de modo efetivo um contrato oponível


erga omnes. Ora o terceiro que contrate com a sociedade não pode ser confrontado com
sentidos que só a declarantes e declaratórios digam respeito.
O mesmo se diga perante o facto de, particularmente nas sociedades de capitais, as
participações sociais poderem circular. Também o adquirente dessas posições não deve
ser confrontado com realidades que, de todo, se lhe não reportem.

A interpretação dos pactos sociais é fundamentalmente objetiva, devendo seguir o


prescrito para a interpretação da lei, CC: 9º, com as inevitáveis adaptações. Também a
integração deverá seguir o prescrito no CC: 10º, em vez de apelar a uma vontade
hipotética ca das partes.

A doutrina alemã procurou distinguir, para efeitos de interpretação, entre cláusulas


obrigacionais e organizacionais e entre sociedades de pessoas e de capitais :nos primeiros
casos predominaria a interpretação negocial ; nos segundos, a “objetiva” – leia-se : a legal.

Mantemos, pois, a natureza objetiva, de tipo legal, das interpretação e integração do


contrato de sociedade: que não haja receio em assumir as especificidades próprias do
Direito das sociedades.

Apenas cumpre fazer duas cedências aos princípios gerais de interpretação e de


integração, acima enunciados:

• Presença de cláusulas extrassocietárias


Corresponde a um último reduto das pretensas cláusulas meramente obrigacionais.
Para Menezes Cordeiro estas devem ter o mesmo tratamento do das organizacionais.
Todavia, pode suceder que, num contrato de sociedade, haja sido inserida, ao abrigo da

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 81


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liberdade contratual, alguma cláusula que com o contrato de sociedade nada tenha a ver.
Nessa altura, ela seguiria os cânones interpretativos negociais comuns.

• Proibição de venire contra factum proprium


Deriva da boa fé. Não pode uma parte adotar uma atuação societária assente numa
(pretensa) interpretação subjetiva do pacto, convencer outrem da excelência da conduta
e, depois, prevalecer-se da interpretação objetiva. A proibição de comportamentos
contraditórios obrigaria, no limite, o responsável a indemnizar os danos assim causados.

Uma orientação paralela deverá prevalecer no tocante à integração de lacunas.


CC: 239º Faz apelo à vontade hipotética das partes, ora o contrato de sociedade, uma vez
instituído o novo ente coletivo, liberta-se dos seus celebrantes iniciais. Além disso, é
oponível a terceiros, os quais devem poder prever as linhas de integração de lacunas.
Perante a lacuna estatutária, queda recorrer à lei das sociedades comerciais; na falta desta,
caberá seguir as vias subsidiarias do CSC: 2º e, no limite, às regras do CC: 10º

A Firma

CSC: 10º Contém diversas regras relativas à firma das sociedades comerciais. A firma
da sociedade pode ser constituída, consoante CSC: 10º/2 e 3 :
• Por nome ou firmas de algum ou alguns sócios (firmas pessoais ou subjetivas);
• Por denominação particular, quando seja composta por designações materiais,
atinentes à atividade social (firmas materiais ou objetivas) ou por designações de
fantasia (firma de fantasia);
• Por denominação particular e nome ou firma (ou nomes ou firmas),
simultaneamente (firmas mistas).

De acordo com as regras gerais do Direito comercial, a firma obedece aos seguintes
princípios RNPC: 32º ss
• Autonomia privada: a escolha da firma compete aos interessados, ainda que com
os limites do CSC: 10º/5 + RNPC: 32º/4
• Obrigatoriedade e normalização: CSC: 9º/1 c) Prevê a firma como elemento
necessário de qualquer contrato de sociedade; a normalização decorrerá da
natureza das coisas.
• Verdade e exclusividade: CSC: 10º/5 Veda expressões que possam induzir em
erro quanto à caracterização jurídica da sociedade e proíbe as que surgiram, de
forma enganadora, uma capacidade técnica ou financeira ou um âmbito de atuação
manifestamente desproporcionados, relativamente aos meios disponíveis.
• Estabilidade: a firma não muda com a alteração dos titulares do estabelecimento;
• Novidade: a firma deve ser distinta de outras já registadas ou notoriamente
conhecidas. O particular tem de dirigir-se ao Registo Nacional de Pessoas
Coletivas obter um certificado de que a firma adotada pela sociedade obedece aos
parâmetros legais.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 82


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CSC: 177º/1 Nas sociedades em nome coletivo17 a firma é um elemento formalmente


caracterizador deste tipo societário, devendo conter:
• Nomes de t odos os sócios;
• (ou) Nome de um deles, com o aditamento, abreviado ou por extenso “e
Companhia”.
Como se vê, nas sociedades em nome coletivo, apenas se admitem firmas pessoais ou
subjetivas, o que vai ao encontro desse tipo social.

O papel da firma é tão importante que, alguém que não for sócio, incluir o seu nome na
firma, ficará responsável pelas dívidas.
Este preceito não se aplica se alguém abusivamente incluir o nome de terceiro.
Podemos estar perante duas hipóteses:
§ Terceiro logrou construir uma firma que incluísse o seu nome
É a hipótese que se encontra prevista no CSC: 177º/2
§ Terceiro teve artes de num ou mais atos praticados pela sociedade,
fazer inserir o seu nome
Não podemos falar de uma verdadeira inclusão na firma, poderemos estar perante uma
sociedade aparente CSC: 36º/1, pelo que o terceiro ao criar uma falsa aparência de uma
sociedade vai responder solidariamente pela dividas do ente aparente.

No primeiro caso a responsabilidade é subsidiária e no segundo caso é direta.

Segundo Menezes Cordeiro, esta matéria necessita de uma reforma. As especificidades


da firma surgiram para ser fácil de se identificar quem era o responsável ilimitado pelas
dívidas, sendo tal necessário pela falta de registo comercial e pelo reduzido número de
firma que possibilitava a fácil identificação dos devedores. Estes tipos de necessidades já
não se verificam, pelo que Menezes Cordeiro considera que devemos ter a possibilidade
de adotar qualquer nome para a sociedade desde que se seguido de SNC.

CSC: 200º Nas sociedades por quotas18, a firma deve ser formulada, com ou sem sigla:
• Pelo nome ou firma de todos, algum ou alguns dos sócios;
• (ou) Por uma denominação particular;
• (ou) Por ambos, concluindo em qualquer dos casos, pela palavra “Limitada” ou
pela abreviatura “Lda.”

Admitem-se firmas pessoais, firmas objetivas, firmas de fantasia ou firmas mistas.


CSC: 200º/1 e 2 A propósito das firmas das sociedades por quotas, o legislador reforça o
princípio da verdade:
• Na firma não podem ser incluídas ou mantidas expressões indicativas de um
objeto social que não esteja especificamente previsto na respetiva cláusula do
contrato de sociedade;
• Alterando-se o objeto social e deixando-se de incluir a atividade especificada na
firma, a escritura de alteração não pode ser outorgada sem simultânea modificação
da mesma firma.

17
CORDEIRO, António Menezes, Manual de Direito das Sociedades, II Volume, Das Sociedades em
Especial, 2ª Edição, página 152 a 156
18
CORDEIRO, António Menezes, Manual de Direito das Sociedades, II Volume, Das Sociedades em
Especial, 2ª Edição, página 258 a 261

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 83


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CSC: 270º-B Nas sociedades por quotas unipessoais, a firma deve ser formulada pela
expressão “sociedade unipessoal” ou pela palavra “unipessoal” antes da palavra
“Limitada” ou da abreviatura “Lda.”.

CSC: 270º -G Em tudo o mais terão aplicação as regras atinentes às sociedades por quotas
propriamente ditas

CSC: 275º As regras relativas à firma das sociedades anónimas transcrevem,


praticamente à letra, o disposto no artigo 200º, para as sociedades por quotas. Apenas
com a diferença: em vez de “Limitada” ou “Lda” terá de surgir, agora, “sociedade
anónima” ou “S.A”.

CSC: 467º/1 Quanto às sociedades em comandita, devem as respetivas firmas ser


formuladas, pelo menos, pelo nome ou firma de um dos sócios comanditados, aditado
pela expressão “em Comandita” ou “& Comandita” ou – sendo uma comandita por
acções, em “Comandita por Ações ou & Comandita por Ações”

CSC: 467º/2 a 5 O nome dos sócios comanditários não pode surgir na firma, se isso
suceder, esse sócio passa a ser responsável, perante terceiros e pelos negócios em que
figure a firma em causa, nos termos impostos aos sócios comanditados. O mesmo, de
resto sucede a terceiros que facultem o seu nome para a firma.

O objeto; a aquisição de participações

O objeto da sociedade é constituído pelas atividades a desenvolver pelo ente coletivo.

CSC: 11º Tem diversas regras a tanto respeitantes, nomeadamente que objeto da
sociedade deve constar de indicação corretamente redigido em língua portuguesa.
Nº 2 Como objeto devem ser indicadas as atividades que os sócios se proponham para a
sociedade. A lei permite que o contrato indique uma série de atividades não efetivas
Nº3 Compete depois aos sócios, de entre as atividades elencadas no objeto social, escolher
aquela ou aquelas que a sociedade efetivamente exercerá, bem como deliberar sobre a
suspensão ou a cessação de uma atividade que venha sendo exercida. A prática vai, assim,
no sentido de alongar o objeto da sociedade com toda uma série de hipóteses de atuação.

Questão controversa era a aquisição, pela sociedade, de participações sociais noutras


sociedades, a qual teria de ser facultada pelo pacto social. O problema surgia
particularmente candente no tocante a participações em sociedades de responsabilidade
ilimitada, tais participações poderiam pôr em causa o regime de responsabilidade próprio
da sociedade participante. CSC: 11º/4 a 6 Resolve as dúvidas.
• Aquisição de participações em sociedades de responsabilidade limitada cujo
objeto seja igual àquele que a sociedade está exercendo – entenda-se:
efetivamente – não depende de autorização no contrato de sociedade nem de
deliberação dos sócios, salvo cláusula em contrário;
• Aquisição de participações em sociedade de responsabilidade ilimitada pode ser
autorizada livre ou condicionalmente, pelo trato social;

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 84


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• Tal autorização pode reportar-se à aquisição de participações em sociedades com


objeto diferente do efetivamente exercido, em sociedades reguladas por leis
especiais e em agrupamentos complementares de empresas.

O objeto da sociedade tem, assim, a ver primordialmente com o funcionamento da própria


sociedade e com a responsabilidade dos titulares dos seus órgãos.

CSC: 11º/6 Permite que a gestão de uma carteira de títulos pertencentes à sociedade possa
constituir o objeto dela.

A sede e as formas locais de representação

CSC: 12º/1 A sede da sociedade deve ser estabelecida em local concretamente definido.
RNPC: 10º/1 A sede ou domicílio e o endereço postal de pessoas coletivas estão sujeitas
a inscrição no FCPC.

CSC: 42º/1 e 2 Na falta de indicação da sede, surgirá, no caso de sociedades por quotas,
anónimas ou em comandita por ações registadas, a nulidade, ainda que sanável. Não
poderá, assim, recorrer diretamente ao artigo 159º do Código Civil, que permite, na falta
de designação estatutária, recorrer ao lugar em que funcione normalmente a
administração principal.

CSC: 12º/2 Permite que o contrato autorize a administração, com ou sem o consentimento
de outros órgãos, a deslocar a sede dentro do mesmo concelho ou para concelho limítrofe.

CSC: 12º/3 Dispõe que a sede constitua o domicílio da sociedade, sem prejuízo de se
estabelecer domicílio especial para determinados negócios.

CSC: 13º/1 Prevê “formas locais de representação” sucursais, agências, delegações e


outras formas locais, no território nacional ou no estrangeiro.

A representação só pode ser levada a cabo por pessoas. No campo comercial, é de esperar
que a representação de uma sociedade seja assegurada por mandatário, nos termos dos
artigos 231º e seguintes do Código Comercial.
Código Comercial: 248º Temos, finalmente, as figuras dos gerentes, auxiliares e
caixeiros. À partida poderíamos dizer:
• A sucursal traduz um centro autónomo de negócios, podendo mesmo se
personalizada; quando o não seja, ela estará, não obstante, apetrechada para a
celebração de todos e quaisquer negócios, traduzindo como que uma sede
secundária;
• A agência exprimiria, apenas, um local de angariação de clientela; os negócios
assim obtidos seriam encaminhados para a sede propriamente dita, aí sendo
concluídos;
• A delegação envolveria “poderes delegados”, o que incluiria a representação;
ficaria, porém, aquém da sucursal, uma vez que a delegação se limitaria a receber
instruções da sede;
• “outras formas de representação” poderiam incluir: secções, impostos, postos de
venda, postos de distribuição e lojas móveis, como meros exemplos.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 85


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Capital Social19

CSC: 14º Na redação introduzida pelo Decreto-Lei nº 343/98, de 6 de Novembro, dispõe:


“O montante do capital social deve ser sempre e apenas expresso em moeda com curso
legal em Portugal”. Verifica-se, pelo enunciado legal, que o capital social não é um
elemento essencial do contrato de sociedade.

Constitui uma cifra contabilística estável, correspondente à soma do valor nominal das
diferentes participações dos sócios, não se confundindo com o património da sociedade.

Por seu lado, o valor nominal é o valor fixado nos estatutos para cada participação social.
O capital social não se confunde nem com o real património da sociedade em jogo
(expresso pela relação ativo/passivo), nem com o valor de mercado da mesma sociedade
(dependente da sua aptidão para os negócios e fixado segundo as regras da oferta e da
procura).

O património social corresponde ao conjunto de relações jurídicas com valor económico,


isto é, avaliável em dinheiro, de que é sujeito ativo e passivo de uma determinada pessoa.
É a expressão de uma realidade tangível, de um fundo patrimonial, de uma concreta massa
de bens, continuamente variável na sua composição e montante.
Diferentemente o capital social é uma mera cifra, um número ideal e abstrato que
obrigatoriamente consta do pacto social.

Como consequência desta distinção percebemos que o património social é suscetível de


ser penhorável, ao contrário de um simples número a que corresponde o capital social.

Também verificamos que não é possível transmitir o capital social mas sim as
participações sociais.

A participação social enquadra-se na esfera jurídica de cada sócio. É um complexo de


direitos e deveres que ligam o sócio à sociedade e os restantes sócios.A participação social
tem várias designações consoante o tipo de sociedade: partes sociais (sociedade em nome
coletivo), quotas (sociedade por quotas) ou ações (sociedades anónimas).

Quanto ao enquadramento dogmático da participação social: o complexo de direitos e


deveres do sócio pode perceber-se no âmbito do status de sócio, que traduz uma unidade
e variabilidade: ainda que variando no tempo, não deixa de haver uma unidade desse
status.

Em termos materiais, o capital de uma sociedade equivale ao conjunto das entradas a que
os diversos sócios se obrigarem ou irão obrigar. Assim:
• Capital diz-se subscrito ou a subscrever consoante as pessoas interessadas se
tenham, já, vinculado ou não às inerentes entradas;
• Capital considera-se realizado ou não realizado em função de terem sido ou não
concretizadas as entregas à sociedade dos valores que postule;
• Capital é realizado em dinheiro ou em espécie consoante o tipo de entradas a que
dê azo.

19
ABREU, Jorge Manuel Coutinho de, Estudo de Direito das Sociedades, 11ª Edição, página 151 a 191

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 86


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Coutinho de Abreu considera que a noção dada não é rigorosa, pois não há necessária
correspondência entre o capital social e a soma das entradas dos sócios, lembremo-nos
que as entradas em indústria não são computadas no capital social, ou a possibilidade de
ser constituído um prémio de emissão. Em ambos estes casos iremos verificar uma
desigualdade entre a cifra do capital social e o valor resultante da soma das entradas dos
sócios.

O capital social vem a ser apresentado por fatores que traduzem os quinhões dos sócios.
CSC: 176º/1 c) “partes do capital”, nas sociedades em nome coletivo, CSC: 197º/1
“quotas”, nas sociedades por quotas e CSC: 271º “acções” nas sociedades anónimas.

Apesar de ser fundamental nas sociedades de capitais (anonimas e por quotas) o conceito
é menos relevante nas sociedades de pessoas, pelo que ele nem sempre ocorre nas
sociedades em nome coletivo: fica excluído no caso de todos os sócios entrarem com
indústrias.

CSC: 9º/1 g) Tudo isso deve ser expresso no pacto social, quantificando-se a parte
relativa a cada sócio e explicitando-se os pagamentos efetuados por cada um.
CSC: 9º/1 h) Na hipótese de entradas em espécie, cabe ao pacto social a descrição dos
bens em causa e a especificação dos valores respectivos.
CSC: 9º/2 As estipulações de entradas em espécie que não satisfaçam as alíneas g) e h)
do nº1 são consideradas ineficazes.

Devemos ainda contar com outras noções de capital:


Capital contabilístico: cifra que consta do balanço, como passivo, correspondente às
entradas realizadas dos sócios, quando por realizar, surgem no ativo;
Capital estatutário ou nominal: valor inserido nos estatutos e que traduz, de modo
abstrato e formal, o conjunto das entradas dos sócios;
Capital real ou financeiro: expressão dos denominados capitais próprios ou valores de
que a sociedade disponha, como seus;
Capital económico: imagem da capacidade produtiva da sociedade, enquanto empresa
ou conjunto de empresas.

O capital social detém algumas funções:

• Organização
Elemento básico para a determinação da posição jurídica dos sócios, assumindo-se como
um instrumento moderador e regulador dos respetivos direitos e deveres, recorte e
determinação dos direitos sociais. Tutela e proteção dos próprios sócios e dos respetivos
direitos, visa-se assegurar a igualdade de tratamento dos sócios.
• Financiamento
Reunião de meios que permitam o estabelecimento e o desenvolvimento das atividades
económicas que pela via societária se pretendem exercer.
• Avaliação económica
Serve para a determinação do lucro ou da existência de perdas e, de um modo geral, para
a avaliação da situação económica da sociedade.
• Garantia
Capital social é um instrumento jurídico destinado à defesa e tutela dos interesses dos
credores, assume-se para os terceiros que lidam com a sociedade, por virtude do seu

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 87


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regime legal, como o garante do pagamento dos seus créditos. Associado a isto destaca-
se o princípio da intangibilidade: os sócios não podem “tocar” no capital social, i.e., aos
sócios não poderão ser atribuídos bens nem valores que sejam necessários à cobertura do
capital social. Assegura-se que se mantém no património social uma “almofada de bens”
de valor pelo menos idêntico ao do capital social.

Dentro da função de garantia e associado ao princípio da tutela do capital social, devemos


destacar o princípio da intangibilidade. Determina este princípio que o capital social é
intangível, ou seja, aos sócios não poderão ser atribuídos bens nem valores que sejam
necessários à cobertura do capital social, ou seja, o valor das suas entradas não lhes pode
ser devolvido. Evita-se assim que o património líquido da sociedade desça abaixo do
capital social por atribuição de bens aos sócios.

A cifra do capital social funciona assim como uma linha invisível, que sem identificar
bens concretos, retém no ativo bens cujo valor corresponde ao valor do capital social.

Duração

CSC: 15º/2 Às partes cabe, no pacto social, fixar uma duração determinada para a
sociedade, altura em que ela só pode ser aumentada por deliberação tomada antes de o
prazo ter terminado. De outra forma, esse mesmo preceito manda aplicar as regras
referentes ao regresso à atividade, previstas no 161º

A fixação da duração de uma sociedade poderá ainda, ser feita por remissão para termo
certo (por tantos anos ou até tal data) ou para um fator certus an incertus (até à conclusão
da obra ou até à morte de tal sócio). As sociedades fazem surgir, entre os seus membros,
relações tendencialmente perpétuas. Salvo a hipótese de os próprios sócios fixarem, no
pacto social, um prazo para a duração da sociedade, esta vai subsistir indefinidamente,
até que sobrevenha uma causa de extinção. Fixada uma duração para certa sociedade,
surge um elemento objetivo suscetível de concitar a confiança de terceiros. A súbita
alteração desse elemento pode suscitar danos, diretos ou indiretos. Donde a preocupação
legal de só permitir a alteração desse ponto antes de o prazo de duração em causa ter sido
alcançado.

Vantagens, retribuições e indeminizações

CSC: 16º Indicação de vantagens, indemnizações e retribuições.


O elenco desse preceito é o seguinte: Vantagens concedidas a sócios; O montante global
por esta devido a sócios ou a terceiros, a título de indemnização; Idem, a título de
retribuição de serviços prestados, excecionados os emolumentos e as taxas de serviços
oficiais e os honorários de profissionais em regime de atividade liberal, tudo isso desde
que em conexão com a constituição da sociedade.

CSC: 16º/2 Trata-se de conseguir que as inerentes obrigações sejam oponíveis à própria
sociedade. Na falta de indicação, elas apenas serão oponíveis aos fundadores.

Além disso, verifica-se que a sociedade só assume de pleno direito os direitos e


obrigações decorrentes dos negócios jurídicos referidos no art. 16o/1, com o registo
definitivo do contrato (art. 19º/1 a)).

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 88


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SOCIEDADES EM FORMAÇÃO E SOCIEDADES IRREGULARES20

O PROCESSO DE FORMAÇÃO DAS SOCIEDADES

Fases necessárias

Qualquer contrato pode ser antecedido por um processo de formação mais ou menos
alongado ou pode, pelo contrário, ser de celebração instantânea: no caso do contrato de
sociedade, há sempre um prévio processo de formação, uma vez que a lei prevê̂ fases
necessárias que, por definição, se sucedem no tempo e também porque uma sociedade
pressupõe diversos ajustes, desde a firma à duração, passando pelo objeto, pelo capital
social, pela escolha dos sócios e pela redação dos estatutos; seria impossível que tudo isso
ocorresse em termos imediatos.

Para além disto, a demora na obtenção do registo definitivo leva, por vezes, os sócios a
iniciar, de imediato, uma atividade produtiva, que só posteriormente poderá ser imputada,
em termos plenos e absolutos, à própria sociedade.

Em suma: no caso das sociedades, é de lidar com a hipótese de situações prévias de


duração alongada a que se designam sociedades em formação.

Por via dos dispositivos legais em vigor, podemos dizer que, na formação de uma
sociedade, intervêm sempre as seguintes três fases (fases necessárias):
1. Contrato escrito, com assinaturas presencialmente reconhecidas CSC: 7º/1
2. Registo CSC: 18º
3. Publicações obrigatórias CSC: 167º

Poderá ainda suceder que seja exigido um registo prévio (18º/1), antecedente ao contrato
escrito, caso em que o registo que se segue será o definitivo.

Na hipótese de registo prévio, antes de requerer a inscrição pública, as partes terão de


celebrar previamente um duplo acordo:
O relativo aos estatutos, uma vez que o requerimento de registo prévio deve ser instituído
com “um projeto completo do contrato de sociedade”
O referente à própria decisão de requerer o registo prévio em causa.

Negócios eventuais

Para além das fases necessárias, poderão ocorrer determinados negócios eventuais. Em
termos não exaustivos:
• Acordos de princípio
• Negócios instrumentais preparatórios
• Acordo de subscrição pública
• Acordo destinado a fazer funcionar a sociedade antes do registo definitivo.

Todos eles devem ser honrados, sob cominação de responsabilidade civil.

20
CORDEIRO, António Menezes, Direito das Sociedade, Parte Geral, 4ª Edição, página 460 a 507

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 89


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Quando a sociedade definitiva esteja suficientemente prefigurada e as partes se obriguem,


mutuamente, a celebrar o competente contrato, teremos uma promessa de sociedade.

De acordo com o Direito português, a promessa de sociedade está sujeita a simples forma
escrita. Questiona-se se poderá haver uma execução especifica dessa promessa, nos
termos do CC: 830º:

Pinto Furtado responde pela negativa: a sociedade traduziria uma associação voluntária,
à qual ninguém poderia ser obrigado.

Menezes Cordeiro: mesmo na hipótese de execução específica, a associação não deixaria


de ser voluntária; só que a liberdade teria sido exercida previamente, no momento da
conclusão da promessa.
A execução específica de uma promessa de sociedade dependerá, assim:
Da interpretação do próprio contrato-promessa, de modo a verificar se as partes
não terão recorrido à promessa precisamente para se reservarem um direito de recesso ou
de arrependimento
Da natureza da sociedade prefigurada pelas partes: a execução específica não será
possível por a isso se opor a natureza da obrigação assumida nos casos de sociedades de
pessoas e, ainda, naqueles em que não haja livre transmissibilidade das posições dos
sócios ou possibilidade de exoneração por iniciativa do próprio; nos outros casos, ela é
um comum negócio patrimonial: e nem dos mais graves.

Para além da promessa de sociedade, podem ainda surgir diversos negócios instrumentais
preparatórios: tudo isto, em conjunto com a própria promessa, preenche a categoria dos
negócios de vinculação, por oposição aos negócios de organização, que visam já pôr a
funcionar a futura sociedade.

Boa fé in contrahendo

CC: 227º/1 Em todo o processo conducente à definitiva constituição de uma sociedade,


as partes devem observar as regras da boa fé.

A formação de uma sociedade implica, ou pode implicar, negociações demoradas.

Além disso, o processo formativo dá azo a uma atuação jurídica prolongada.

Finalmente e num aspeto da maior importância: a preparação de uma sociedade pode pôr
em campo as mais diversas atuações materiais preparatórias, possibilitando ainda a
antecipação da própria atividade societária. Durante todo esse caminho, as partes
interessadas ficam nas mãos umas das outras.

Em princípio, a culpa in contrahendo é negativamente recortada por quaisquer acordos


preliminares que as partes entendam concluir. Na área destes funcionam as regras próprias
das obrigações contratuais e, sendo esse o caso, as normas correspondentes aos
incumprimentos porventura ocorridos. Ela tornar-se-á, assim, de especial utilidade
sempre que deparemos com situações para as quais as partes nada hajam previsto.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 90


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No domínio da preparação da sociedade poderão, ex bona fide, ocorrer diversos deveres


preliminares, com as seguintes linhas de concretização:

Deveres de segurança: ficam especialmente envolvidas as medidas necessárias para que,


na fase pré-contratual, não ocorram danos nas pessoas ou nos patrimónios dos envolvidos;
na preparação da sociedade podem ocorrer atividades materiais, potencialmente
perigosas;

Deveres de lealdade: implicam diversas atuações com relevo para o dever de sigilo, neste
campo entrará a interrupção injustificada de negociações, quando se tenha dado azo a
uma convicção justificada de que haveria sociedade e quando, na preparação desta, tenha
havido despesas consideráveis e ou perda de negócios alternativos;

Deveres de informação: dependendo da sua natureza, a preparação de uma sociedade


pode exigir uma troca de informações de densidade variável, quer para bem acertar os
interesses dos intervenientes, quer para preparar o futuro ente coletivo; tudo o que tiver
interesse deve ser comunicado. Como contraponto: as informações obtidas ficam cobertas
pelo dever de sigilo ex bona fide, dever esse que será tanto mais denso quanto mais
reservadas forem as informações prestadas.

Situações pré-societárias; a tradição da sociedade irregular

Os sócios podem, antes de completado o processo de constituição de uma sociedade,


iniciar a atividade visada por esta. Estamos no âmbito do Direito privado, onde é
permitido tudo o que não for proibido. Todavia, nessa eventualidade, o Direito predispõe
um regime que, em diversos pontos, é menos favorável do que o aplicável às sociedades
perfeitas.

Usa-se, por vezes, para nominar este fenómeno a locução situações pré-societárias ou pré-
sociedade, isto é, a realidade em funcionamento, antes de completada, pelo registo, a
constituição de uma sociedade.

CSC: 36º a 41º A pré-sociedade dispõe no CSC de um expresso regime legal, que se
molda, quanto possível, pelo das sociedades.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 91


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SOCIEDADES IRREGULARES POR INCOMPLEITUDE

Introdução

A comercialística portuguesa clássica trabalhava uma ideia de sociedade irregular. A ela


era possível reconduzir figuras diversificadas que, em comum, tinham o facto de traduzir
uma situação societária não totalmente conforme com a sociedade perfeita.

A noção de sociedade irregular não tem, no Direito vigente, consagração legal expressa.

CSC: 172º Menciona a hipótese de o contrato de sociedade não ter sido celebrado na
forma legal, permitindo o CSC: 173º/1 que o Ministério Público notifique “por ofício a
sociedade ou os sócios para, em prazo razoável, regularizarem a situação”.

CSC: 174º/1 e) A propósito da contagem do prazo de 5 anos para a prescrição dos direitos
da sociedade contra os fundadores e a dos direitos deste contra aquela, manda que ela se
faça desde “a prática do ato em relação aos atos praticados em nome de sociedade
irregular por falta de forma ou de registo”.

O contrato vitimado por falta de forma é nulo, sem prejuízo de produzir efeitos como ato
diverso, se a lei o permitir ou prescrever. A falta de registo impede a personalização plena.
A referência a sociedade irregular foi apenas uma fórmula cómoda, usada pelo legislador,
para transmitir essas duas realidades e determinar um regime que, com elas, nada tem a
ver: a contagem de um prazo de prescrição.

Todavia, mau grado a falta de precisa consagração legal, a doutrina e, sobretudo, a


jurisprudência, continuam a usar a expressão sociedade irregular para cobrir:
• A sociedade organizada e posta a funcionar independentemente de as partes terem
formalizado qualquer contrato de sociedade;
• A sociedade formalizada por escritura pública (exigida antes de 2006), mas ainda
não registada;
• A sociedade já formalizada, mas cujo contrato seja inválido; será possível aqui
subdistinguir situações consoante haja, ou não, registo.

Tendo em conta os regimes aplicáveis, Menezes Cordeiro reserva a expressão sociedade


irregular para os casos em que haja incompletude do processo, seja por falta da própria
escritura, seja por ausência do registo. As situações a reconduzir às sociedades irregulares
têm, em comum, duas importantes circunstâncias:
• A não-conclusão do processo formativo, o qual pressupõe um acordoo solene e o
registo definitivo;
• A efetiva presença de uma organização societária em funcionamento, com
relações atuantes: quer entre os sócios interessados, quer com terceiros.

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Sociedade material e sociedade aparente

CSC: 36º/1 Prevê-se uma mera situação de sociedade material, sem a cobertura de
qualquer acordo entre as participantes, situações que, no campo da materialidade
correspondam a contribuições de bens ou serviços, feitas por duas ou mais pessoas, para
o exercício em comum de certa atividade económica, que transcenda a mera fruição, com
o fim de repartição dos lucros daí resultantes, faltando, todavia, qualquer contrato ou
outro título legitimador.

Num sentido amplo de sociedade meramente material abrangeria todas as situações


societárias a que faltasse ou um contrato válido, ou o registo, mas que, todavia, tivessem
dado azo a uma organização de tipo societário em efetivo funcionamento.

Fica, pois, o sentido estrito, em que a sociedade material equivale à sociedade aparente.
A sociedade aparente caracteriza-se por não ter, na origem, qualquer contrato ou acordo
societário; assistir-se-ia à presença de uma mera organização societária a qual, por ser
percetiva por terceiros, surgiria como uma aparência.

Semelhante eventualidade é pouco imaginável perante sociedades anónimas, de


montagem complexa e difícil e com várias instâncias de verificação. Também as
sociedades por quotas, dotadas de certo tecnicismo, dificilmente darão azo a situações
meramente aparentes, despidas de qualquer título.

O CSC resolveu solucionar expressamente a problemática, estipulando que se dois ou


mais indivíduos quer pelo uso de uma firma comum quer por qualquer outro meio,
criarem a falsa aparência de que existe entre eles um contrato de sociedade, responderão
solidária e ilimitadamente pelas obrigações contraídas nesses termos por qualquer deles».

Pré-sociedade antes do contrato

CSC: 36º/2 Prefigura já um acordo tendente à constituição de uma sociedade comercial,


mas sem que se tenha celebrado o contrato escrito, este preceito dispõe que se for
acordada a constituição de uma sociedade e antes da celebração do contrato as partes
iniciarem a competente atividade, tem aplicação o regime das sociedades civis.

O legislador parece ter, assim, feito uma distinção radical:


No nº 1, trata-se de uma aparência total de sociedade, em que os responsáveis nem
intenção têm de celebrar um contrato;
No nº 2, trata-se de uma situação em que tal intenção já existiria.

Menezes Cordeiro considera que pelo prisma dos terceiros, não se percebe esta
diferenciação. Tanto num caso como no outro, eles apenas estão convictos da existência
da sociedade, sendo-lhes inacessível o facto de os sócios terem ou não a intenção de
celebrar, no futuro, um contrato que, então, faltava.

Ora, o regime das sociedades civis é mais adequado e pode assegurar superiores níveis de
tutela: basta ver que, perante o regime da sociedade civil, os credores sociais têm uma

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situação de privilégio, perante os bens da sociedade e em relação aos credores pessoais


dos sócios. Além disso, está sempre assegurada a responsabilidade pessoal e solidária dos
sócios, pelas dívidas da sociedade ainda que, é certo, com benefício de excussão.

Para quê diferenciar regimes em função de um acordo de celebração futura, de cuja


existência ninguém pode ajuizar?

A solução normal tenderá, assim, a ser a de aplicação das regras das sociedades civis
puras. A constituição destas sociedades não depende de qualquer forma especial.
Quando duas ou mais pessoas, pelo uso de uma forma comum ou por qualquer outro meio
criem a falsa aparência de uma sociedade (comercial) há, pelo menos, um acordo expresso
ou tácito no sentido de criar a aparência em causa. Será já, em regra, uma sociedade civil.
O campo de aplicação do 36º/1 reduz-se, acantonando-se na parte mais interessante: a da
responsabilidade civil solidária pelos danos causados.

Pré-sociedade depois do contrato, mas antes do registo

o Relações internas CSC: 37º

Havendo contrato, as relações entre os sócios, sejam pessoais, sejam patrimoniais, estão
precisadas. O único óbice resulta da falta de personalidade jurídica (plena) a qual, apenas
surge com o registo definitivo.

No tocante às relações entre os sócios são aplicáveis as regras previstas no próprio


contrato e as legais para o respetivo tipo, com as adaptações necessárias e salvo as que
pressupunham o contrato definitivo registado.

Em qualquer caso, a transmissão inter vivos de posições sociais e as modificações


do contrato social requerem, sempre, o consentimento unânime de todos.

Menezes Cordeiro considera que o Nº2 não tem grandes consequências práticas, pois de
acordo com a lógica da lei, a personalidade (plena) surge apenas com o registo; até lá,
haverá um mero contrato que, só por mútuo consentimento pode ser modificado.
Há valores de fundo em jogo: as partes aceitaram ingressar numa sociedade com certos
parceiros e em face de determinado clausulado: um desejo a respeitar, mesmo que, a
posteriori e mercê das vicissitudes da própria sociedade, uma vez constituída, possa haver
modificações.

o Relações externas nas sociedades de pessoas

• Sociedades em nome coletivo CSC: 38º

CSC: 38º/1 Pelos negócios realizados em seu nome, depois da escritura e antes do registo,
com o acordo expresso ou tácito dos diversos sócios (acordo esse que se presume),
respondem, solidária e ilimitadamente, todos eles.
CSC: 38º/2 Caso não tenham sido autorizados por todos os sócios, respondem apenas
aqueles que os tenham realizado ou autorizado.

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Responder é, aqui, usado no sentido de alguém ser convocado em termos de


responsabilidade patrimonial. Os próprios negócios celebrados em nome das pré-
sociedades visadas devem ser cumpridos por estas. E se o não forem, a pré-sociedade
incorre nas consequências do incumprimento. Havendo que passar à fase da execução
patrimonial: responderá a própria pré-sociedade, com os bens que porventura já tenha
(regime geral, que não tinha de ser repetido) e respondem os sócios que tenham celebrado
ou autorizado os negócios em causa: salvo ilisão: todos.

Para Menezes Cordeiro a responsabilidade solidária e ilimitada referida segue o regime


do CC: 997º/1 e 2 incluindo, designadamente, o benefício da prévia excussão do
património social.

CSC: 38º/3 As cláusulas que limitem objetiva ou subjetivamente os poderes de


representação só são oponíveis aos terceiros que se prove conhecerem-nas, aquando da
celebração dos contratos respetivo.

• Sociedades em nome coletivo CSC: 39º

Pelos negócios celebrados em nome da sociedade, com o acordo de todos os sócios


comanditados (o qual se presume), respondem todos eles, pessoal e solidariamente.

Nos mesmos termos responde o sócio comanditário que tenha consentido no início da
atividade social, salvo se provar que o credor conhecia a sua qualidade.

Se os negócios celebrados não tiverem sido autorizados por todos os sócios comanditados
(ilidindo-se, pois, a presunção), respondem apenas os que realizarem ou aprovarem.

As cláusulas que limitem objetiva ou subjetivamente os poderes de representação só são


oponíveis aos terceiros que se prove conhecerem-nas, aquando da contratação.

No tocante ao sentido da responsabilidade aplicam-se, pelas razões apontadas, as regras


acima apuradas quanto às sociedades em nome coletivo.

o Relações externas nas sociedades de capitais (por quotas, anónimas, em


comandita por ações) CSC: 40º

Nº1 Pelos negócios celebrados em seu nome respondem ilimitada e solidariamente todos
os que intervenham no negócio em representação da sociedade em causa, bem como os
sócios que o autorizem; os restantes sócios respondem apenas até às importâncias das
entradas a que se obrigaram, acrescidas das importâncias que tenham recebido a título de
lucros ou de distribuição de reservas

Nº2 A responsabilidade em causa já não opera se os negócios forem expressamente


condicionados ao registo da sociedade e à assunção por esta, dos respetivos efeitos

Capacidade das sociedades irregulares

CSC: 36º/2 + 39º/1 + 40º/1 As sociedades, particularmente as pré-sociedades, dispõem


de uma capacidade geral similar à que compete às próprias sociedades definitivas.

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O especial óbice reside na responsabilidade de quem pratique os inerentes atos, em termos


acima examinados.

Essa capacidade ampla não causa qualquer surpresa: o mesmo sucede com as sociedades
civis puras, que não dependem de forma especial nem de registo e com as próprias
associações não personalizadas. Esta capacidade de princípio não obsta a que, caso a caso,
se verifique o exato alcance do ato que lhe seja impugnado.

Na concretização da sua capacidade, a sociedade irregular disfruta da representação


orgânica, esta será levada a cabo por CSC: 36º/2 qualquer dos seus promotores (pré-
sociedade anterior à escritura) ou CSC: 38º a 40º pelos órgãos competentes já previstos
nos seus estatutos (pré-sociedades posteriores ao contrato, mas anteriores ao registo).

Apesar desta latitude dada pelo Direito privado, deve ter-se presente que as pré-
sociedades dão lugar a constrangimentos fiscais e, porventura, bancários. Além disso,
diversos negócios formais vão, na prática, estar-lhes vedados, por razões de prática
notarial. Recomenda-se, pois, como regra, a rápida conclusão do processo.

Natureza das sociedades irregulares

Podemos ordenar as diversas teorias explicativas das sociedades irregulares em três


grandes troncos:

o A teoria da sociedade de facto (Von Gierke)

A sociedade poderia ter, na sua origem, não apenas um contrato concluído entre as partes
interessadas, mas também a simples evidência dos seus surgimento e funcionamento, no
campo dos factos.

Em suma: a teoria da sociedade de facto pouco ganharia em ser reconduzida a um


construção mais vasta de relações contratuais de facto, dada a total heterogeneidade desta
última. Isoladamente tomada, a sociedade de facto deixa por explicar a sua positividade
jurídica, não determinando quaisquer regras. É evidente que, embora de facto, a sociedade
aqui em jogo obedece a regras. Aliás, pela natureza da situação, tais regras deverão
mesmo ser mais precisas do que as das sociedades comuns.

o A teoria dos limites da nulidade

Foi inicialmente apontada para explicar a essência das sociedades em contratos inválidos.
Seria fácil, depois, a sua extrapolação para as pré- sociedades, apontando como vícios as
falhas de que ainda padeceriam, por não terem alcançado o estádio definitivo de perfeição.

No cerne, a teoria diz-nos o seguinte: pela natureza das coisas, as regras que determinem
a invalidade e uma sociedade não são radicais, pretendendo afastar o ente visado, como
se não existisse; pelo contrário: têm alguns limites, através dos quais a sociedade irregular
ainda pode exercer certa atividade.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 96


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o A teoria da organização

Parte, em geral, de uma apregoada dupla natureza do contrato de sociedade: uma relação
interna, puramente obrigacional e uma exterior, de tipo organizatório. Esta última tenderia
a transcender a obrigacional: representaria um centro de interesses próprios, dando azo a
um evidente elemento de confiança. O Direito não poderia deixar de o reconhecer.

o Para Menezes Cordeiro

A exposição de diversas doutrinas surgidas para explicar a natureza das sociedades


irregulares é útil: permite esclarecer vários ângulos da dogmática societária, aqui
subjacente. Todavia, há que prevenir transposições apressadas para o Direito português.

Aí, além de dados legislativos próprios, deve-se contar com uma tradição fortemente
contratualista, exacerbada pelo legislador de 1986. A primeira e inevitável constatação é
a de que o CSC trata, com pormenor, das diversas hipóteses abrangendo:
• A sociedade sem contrato;
• A sociedade com contrato informal;
• A sociedade com contrato, mas sem registo;
• A sociedade com contrato, com vício e sem registo;
• A sociedade com registo e com vício.

Tanto basta para que se não possa apelar para uma informe doutrina de relações
contratuais de facto ou sociedade de facto, a resolver por analogia. Antes teremos
soluções claramente baseadas na lei.

Mas a lei fundamenta todas as soluções legítimas. A sociedade irregular por


incompleitude é, muito claramente, uma sociedade assente na vontade das partes. Esta é,
pela lei, aproveitada até aos limites do possível.

Tudo aponta para uma única e inevitável conclusão: as sociedades irregulares retiram a
sua jurídica- positividade da vontade das partes. Nos diversos casos surpreendemos
acordos a tanto destinados, ainda que completados pela tutela da aparência: esta, ligada à
proteção da confiança, segue, ainda que por analogia, o regime negocial.

A questão que se segue é a de saber qual a figura derivada da vontade das partes: de
acordo com as categorias gerais, como são hoje entendidas, tal figura dá azo a um
contrato. Que contrato? Perante a noção geral do 980º CC, confirmada, por quanto ela
representa, tal contrato só poderá ser um contrato de sociedade.

Resta concluir: as sociedades irregulares, que o sejam por incompleitude são, em todo o
caso, verdadeiras sociedades, assentes em equivalentes contratos de sociedade.

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SOCIEDADES IRREGULARES POR INVALIDADE

A capacidade aglutinante da velha figura das sociedades irregulares foi reforçada pela 1ª
Diretriz das sociedades comerciais, que pretendeu coordenar as garantias que, para
proteção dos interesses dos sócios e de terceiros, são exigidas, nos EM às sociedades.

Essa Diretriz foi substituída pela nº 2009/101/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho,


de 16 setembro 1009, que procedeu à codificação das alterações entretanto introduzidas.
De acordo com o corpo do artigo 12º desta Diretriz, aqui em causa, os fundamentos da
invalidade da sociedade são limitados: correspondem, deste modo, a uma exigência
comunitária, que já foi reconhecida pelo TJUE.

Transcendendo as exigências comunitárias, o legislador português consagrou uma


regulação minuciosa para esta matéria CSC: 41º a 52º

Os princípios gerais relativos à ineficácia dos negócios jurídicos são de elaboração civil.

Como pano de fundo, temos a regra de que o negócio jurídico que, por razões extrínsecas
(impossibilidade, indeterminabilidade, ilicitude ou contrariedade à lei ou aos bons
costumes) ou intrínsecas (vício na formação ou na exteriorização) não produza efeitos ou,
pelo menos, todos os efeitos que por lei deveria produzir, é ineficaz.

Dentro da ineficácia, a categoria a reter é a da invalidade.

§1Finalmente, dentro da invalidade e quando a lei não disponha de outro modo, o vício
concretizado é o da nulidade. Todas estas regras são aplicáveis ao contrato de sociedade,
antes de ter ocorrido o registo.

CSC: 41º/1 1ª parte Enquanto o contrato não estiver registado, “a invalidade do


contrato ou de uma das declarações negociais rege-se pelas disposições aplicáveis em
negócios jurídicos nulos ou anuláveis”.
Apenas com duas especificidades:
• CSC: 41º/1 2ª parte As invalidades (nulidade declarada ou anulação
pronunciada) envolvem a liquidação da sociedade, em termos abaixo referidos.
• CSC: 41º/2 A invalidade resultante de incapacidade é oponível também a
terceiros

No domínio das sociedades comerciais, operam regras diversas das comuns.


A nulidade pura e simples iria comprometer todos os atos já praticados pela sociedade em
jogo, desamparando os terceiros e pondo em risco a própria confiança que a comunidade
deve dispensar ao fenómeno societário.
Por isso, encontramos aqui todo um conjunto de regras destinadas a minimizar, por vários
ângulos, a invalidade das sociedades comerciais e as consequências dessa invalidade,
quando ela seja inevitável, trata-se do favor societatis, que se exprime em sete vetores:
1. CSC: 42º/1 Na limitação dos fundamentos da nulidade, o preceito é taxativo, pelo
que, nulidades totais do contrato só são possíveis nas situações previstas
2. CSC: 44º Na introdução de prazos para a invocação dessa nulidade;
3. Na presença de esquemas destinados a sanar as invalidades;
4. Na delimitação da legitimidade para invocar a nulidade;
5. Na limitação dos efeitos da anulabilidade, perante as partes;

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6. Numa certa inoponibilidade das invalidades a terceiros;


7. Na presença de um regime especial, no tocante à execução das consequências da
nulidade.

As razões da nulidade da sociedade comercial são limitadas pelo artigo 11º da Diretriz, a
qual foi transposta pelo CSC: 42º/1. Elas são, ainda, taxativas. Daí resulta uma regra geral
da redução das invalidades, que nos diz o seguinte: a invalidade de algumas cláusulas
societárias não conduz à invalidade de todo o contrato; isso só sucederá se a invalidade
em causa recair sobre alguma cláusula crucial: as elencadas, salvo a exigência de registo,
feita por este e ausente do primeiro.

Perante o contrato de sociedade, quanto à ação de nulidade:

Antes de intentar a ação de nulidade, há que interpelar a sociedade para sanar o vício,
quando este seja sanável; só 90 dias após a interpelação se pode interpor a ação. Opera,
assim, como um ónus.;

CSC: 44º/1 e 2 A ação de nulidade deve ser intentada no prazo de três anos a contar do
registo, salvo tratando-se do Ministério Público; quer isso dizer que, passado esse prazo,
o direito a propor caduca;

Ela pode ser iniciada por qualquer membro da administração, do conselho fiscal ou do
conselho geral e de supervisão da sociedade ou por qualquer terceiro que tenha um
interesse relevante e sério na procedência da ação.

CSC: 44º/3 Mas há, ainda, verdadeiros deveres acessórios, como deveres legais de
informar, os membros da administração devem comunicar, no mais breve prazo, aos
sócios de responsabilidade ilimitada e aos sócios de sociedades por quotas, a proposição
da ação de declaração de nulidade. Entenda-se, para que o preceito seja útil:
independentemente de quem tenha proposto a ação.

CC: 287º A anulabilidade tem requisitos especiais de funcionamento. Na prática, ela


equivale a uma impugnabilidade: coloca nas mãos do interessado um direito potestativo
temporário de provocar o colapso do negócio. Todavia, segundo o Direito comum, uma
vez atuada, ela tem efeitos similares aos da declaração de nulidade.
Aqui intervém o favor societatis:

CSC: 45º/1 e 2 Nas sociedades de capitais, certos fundamentos de anulabilidade


operam (apenas) como justas causas de exoneração dos sócios atingidos; quanto
à incapacidade: ela gera uma anulabilidade limitada ao incapaz

CSC: 46º Nas sociedades de pessoas, a invalidade por determinados fundamentos


provoca anulabilidade apenas perante o atingido, salvo na impossibilidade de
redução prevista no CC: 292º

CSC: 45º/2 + 46º Em qualquer dos casos, o sócio que obtenha a anulação do contrato tem
o direito de rever o que prestou e não pode ser obrigado a completar a sua entrada, mas,
CSC: 47º “se a anulação se fundar em vício da vontade ou usura, não ficará liberto, em
face de terceiros, da responsabilidade que por lei lhe competir quanto às obrigações da

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sociedade anteriores ao registo da ação ou da sentença” CSC: 48º o disposto nos artigo
45º a 47º vale, com as adaptações necessárias, se o “sócio incapaz ou aquele cujo
consentimento foi viciado» ingressar posteriormente na sociedade”.

CSC: 49º A anulabilidade pode ver o seu prazo encurtado pois, qualquer interessado pode
notificar o impugnante para que anule ou confirme o negócio; perante a notificação, tem
o notificado 180 dias para intentar a ação, sob pena de o vício se considerar sanado.

CSC: 50º/1 Quanto aos efeitos: eles podem ser substituídos pela homologação judicial
de medidas, requeridas pela sociedade ou por um dos sócios, e que se mostrem adequadas,
para satisfazer o interesse do autor, em ordem a evitar a consequência jurídica a que a
ação se destine.

Efeitos da invalidade

Em princípio, a invalidade tem os efeitos radicais do CC: 289º, efeitos esses que,
doutrinariamente, têm sido amortecidos, em obrigações duradouras.

No caso das sociedades comerciais, as consequências da declaração de nulidade ou da


anulação do respetivo contrato foram objeto de específico regime legal.

CSC: 52º/1 Desde logo a invalidação do contrato de sociedade determina a entrada da


sociedade em liquidação, nos termos do artigo 165º, devendo esse efeito ser mencionado
na sentença.
A liquidação (146º e ss.) é o conjunto de operações que, dissolvida
uma sociedade, permitem o pagamento dos credores sociais e a repartição
do remanescente pelos sócios, nos termos acordados ou legais.

Ora, a invalidação de uma sociedade não pode saldar-se pelas restituições que,
normalmente, acompanham as comuns declarações de nulidade ou anulação. O simples
facto de poder haver relações com terceiros, traduzidas na existência de credores sociais
ou de devedores à sociedade e a possibilidade de se desenvolverem ainda negócios
pendentes, obriga a uma série de operações ditas de liquidação.

CSC: 165º/1 A liquidação por nulidade ou anulação da sociedade tem especificidades em


relação à liquidação comum, deve-se seguir o regime legal, com as particularidades:
• Devem ser nomeados liquidatários, exceto se a sociedade não tiver iniciado a sua
atividade;
• O prazo de liquidação extrajudicial é de dois anos, a contar da declaração de
nulidade ou anulação de contrato e só pode ser prorrogado pelo tribunal;
• As deliberações dos sócios são tomadas pela forma prescrita para as sociedades
em nome coletivo;
• A partilha será feita de acordo com as regras estipuladas no contrato, salvo se tais
regras forem, em si mesmas, inválidas;
• Só haverá lugar a registo de qualquer ato se estiver registada a constituição da
sociedade.
Além disso, qualquer sócio, credor da sociedade ou credor de sócio de responsabilidade
ilimitada, pode requerer a liquidação judicial, antes de ter sido iniciada a liquidação pelos

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sócios, ou a continuação judicial da liquidação iniciada, se esta não tiver terminado no


prazo legal.

O legislador sentiu a necessidade de se ocupar dos negócios concluídos anteriormente em


nome da sociedade. CSC: 52º/1 A regra básica é a de que esses negócios não são afetados,
na sua eficácia, pela declaração de nulidade ou anulação do contrato social.
Trata-se de uma transposição do artigo 13º/1 da 1ª Diretriz na sua versão de 2009.

Segundo Menezes Cordeiro há que interpretá-lo de modo estrito, permitindo a introdução


de duas delimitações:
• É necessário que o próprio negócio anteriormente concluído com a sociedade não
incorra em nenhum fundamento de invalidade;
• Exigindo-se, ainda, que o terceiro protegido esteja de boa fé, no sentido geral:
desconhecer, sem culpa, o vício que afeta a sociedade.

Este entendimento pode ser perturbado pelo CSC: 52º/3, que dispõe:
«No entanto, se a nulidade proceder de simulação, de ilicitude do objeto ou de
violação de ordem pública ou ofensiva dos bons costumes, o disposto no número
anterior só aproveita a terceiros de boa fé».

A contrario, pareceria que, provindo a nulidade de quaisquer outros vícios, a tutela


referida no 52º/2 aproveitaria mesmo a terceiros de má fé. Contudo, nenhuma Diretriz
pode ser transposta contra os dados basilares da ordem jurídica. No limite, seria possível
recorrer à cláusula geral do abuso de direito.

CSC: 52º/4 Quanto à lógica da tutela de terceiros a invalidade não exonera os sócios da
realização das suas entradas nem da responsabilidade pessoal e solidária que, por lei e
perante terceiros, eventualmente lhes incumba: um aspeto a delucidar na liquidação,
cabendo aos liquidatários cobrar, aos sócios remissivos, as importâncias em falta.

CSC: 52º/5 Naturalmente, cessará a responsabilidade quando se esteja perante um sócio


cuja incapacidade tenha sido causa de anulação do contrato ou quando ela venha a ser
oposta, por via de exceção, às sociedades, aos outros sócios ou a terceiros.

Impõe-se então uma indagação caso a caso e perante os preceitos gerais e específicos. A
sociedade atingida não desaparece: no limite, sujeitar-se-á (apenas) à liquidação. Merece,
assim, a designação tradicional: sociedade irregular.

Especificidades das sociedades de pessoas

A primeira observação é clara: elas caem fora da 1ª Diretriz sobre Sociedades Comerciais.
Segundo o artigo 1º da Diretriz em causa, ela apenas se dirige a sociedades anónimas, a
sociedades em comandita por ações e a sociedades por quotas, isto é: às geralmente
chamadas de sociedades de capitais.
Compreende-se, assim, por que razão as sociedades de pessoas estão um tanto mais
próximas do regime geral.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 101


Direito Comercial | Regente Menezes Cordeiro

Desde logo, CSC: 43º/1 enuncia que as sociedades em nome coletivo e em comandita
simples, são fundamentos de invalidade do contrato, além dos vícios do título
constitutivo, as causas gerais de invalidade dos negócios jurídicos segundo a lei civil.

Os vícios do título constitutivo correspondem aos fundamentos de invalidade admitidos


na 1ª Diretriz, para atingir as sociedades de capitais e que o artigo 42º/1 verteu para a
ordem interna: CSC: 43º/2 que acrescenta ainda a falta de menção do nome ou firma de
algum dos sócios de responsabilidade ilimitada. Tudo isto, contudo, seria alcançável
através dos princípios gerais.

CSC: 43º/3 Os vícios que atinjam o título constitutivo podem ser sanáveis por
deliberações dos sócios, tomadas nos termos estabelecidos para as deliberações sobre
alteração do contrato. De facto: são alterações do contrato.

CSC: 43º/1 Quanto à segunda categoria dos vícios isola-se o que considera vícios da
vontade e incapacidade, enumerando, no CSC: 46º, o erro, o dolo, a coação, a usura e a
incapacidade. Para o seguinte:
• A invalidade daí resultante só opera em relação ao contraente que sofra o erro ou
a usura ou que seja incapaz (1ª parte);
• Podendo, todavia, o negócio ser anulado no seu todo (“quanto a todos os sócios”)
se, perante o CC: 292º, não for possível a sua redução às participações dos outros.

Para Menezes Cordeiro impõem-se dois reparos.

O regime do CSC: 46º acaba por ser o da redução, previsto no artigo 292º, conquanto
que expresso em termos invertidos. Repare-se: a invalidade de uma das declarações
envolve a de todo o negócio, salvo a redução; esta consiste, aqui, na eliminação de um
dos sócios, possível desde que não se mostre que a sociedade não seria concluída sem ele.

Quid iuris quanto aos vícios gerais não referidos no artigo 46º?
O problema poderia descambar num clássico confronto entre o argumento a contrario e a
analogia. Mas neste âmbito, nem sequer isso, uma vez que a especificidade do artigo se
espraia, afinal, no regime comum, bastará fazer a pelo a este.

Nas sociedades de pessoas, os diversos vícios que possam atingir o contrato constitutivo
respetivo dão azo às competentes invalidades; CC: 292º porém, quando toquem, apenas,
num dos sócios (ou mais), os contratos atingidos são recuperáveis pela redução, quando
possível. Pela mesma ordem de ideias, poderemos CC: 241º recuperar sociedades
dissimuladas e construir sociedades por conversão CC: 293º.

Especificidades das sociedades de capitais

CSC: 42º/1 Operado o registo definitivo, apenas se admite a declaração de nulidade do


correspondente contrato, por algum dos fundamentos referidos.
Por maioria de razão e, ainda, por força de uma interpretação conforme com a Diretriz,
tais sociedades não podem ser anuladas sob nenhum fundamento.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 102


Direito Comercial | Regente Menezes Cordeiro

Tão-pouco pode ser suscitada a hipótese de inexistências, que não são admitidas, como
vício autónomo, pelo Direito civil português.

Deve notar-se que a Diretriz transposta não exige o registo da sociedade. Temos assim de
entender, pela lógica do Direito português e para evitar a violação pelo nosso Estado da
Diretriz em causa, que antes do registo, não há sociedade, para efeitos da proteção ora em
jogo. Mas isso suscita outras dificuldades.

Não se vê como se consiga registar uma sociedade cujo contrato não tenha sido reduzido
a escrito, com as assinaturas presencialmente reconhecidas. E quando isso sucede, o
registo em causa seria ilícito, nulo, podendo ser impugnado, o que não é vedado por
nenhuma lei interna ou comunitária. Deixaria, então, de haver registo, seguindo-se o
regime do artigo 41º. O vício de forma só faz sentido quando não se requeira o registo ou
quando o problema se discuta antes de o mesmo ter sido efetivado. Os demais vícios
também são de verificação bem improvável: não vemos como reconhecer assinaturas com
tão patentes insuficiências.

De todo o modo, ao proteger o contrato apenas após o registo, o CSC está a transpor
deficientemente a 1ª Diretriz. No plano interno, nada a fazer; os prejudicados poderão, de
todo o modo, responsabilizar o Estado português por essa falha:

CSC: 42º/2 Considera sanáveis “por deliberação dos sócios, tomada nos termos
estabelecidos para as deliberações sobre alteração do contrato”, alguns dos vícios
elencados como relevantes: a falta ou nulidade da firma e de sede da sociedade, bem como
do valor da entrada de algum sócio e das prestações realizadas por conta desta. Quanto a
estas prestações: não têm de constar do ato constitutivo e, em regra, nem constarão.

CSC: 45º/1 Elenca determinados vícios da vontade (erro, dolo, coação e usura) a que
acrescenta a incapacidade. Tais eventualidades, não podem determinar a anulabilidade de
sociedades de capitais (registadas), visto o CSC: 42º/1, constituiriam, todavia, justa causa
de exoneração do sócio atingido, desde que se verifiquem as circunstâncias de
anulabilidade.

CSC: 45º/2 Tratando-se de incapacidade, teremos uma anulabilidade relativa apenas ao


incapaz.

Para Menezes Cordeiro também aqui cabem dois reparos:

O regime limitador das consequências da anulabilidade abre na regra geral da redução


dos contratos societários com invalidades;

Ficam sem referência legal os outros vícios: simulação parcial, simulação relativa, falta
de consciência da declaração, coação física e incapacidade acidental; desta feita compete,
caso a caso, verificar se tais vícios podem, por analogia, constituir justa causa de
exoneração.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 103


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REGISTO E PUBLICAÇÕES

O registo comercial equivale a um conjunto concatenado de normas e de princípios que


regulam um sistema de publicidade racionalizado e organizado pelo Estado, relativo a
atos comerciais.

O relevo da publicidade dos atos comerciais leva o Direito a tornar obrigatório o seu
registo, em diversas circunstâncias. A efetivação do registo obedece a regras: não podem
ser efetuadas inscrições sem um prévio controlo do que se registe, entre outros aspetos. E
uma vez efetivado, o registo produz efeitos.

Reforma de 2006

O Direito português das sociedades apresentava, nos princípios do século, uma feição
pesada: pejado de formalidades demoradas, com múltiplas instâncias de controlo em
sobreposição, ele representava um colete de forças para o desenvolvimento empresarial.

A partir de 2005, com alguns antecedentes, o legislador empenhou-se em simplificar o


sistema. Ponto alto das reformas foi o Decreto-Lei nº 76º-A/2006, 29 março.

As alterações cisaram, fundamentalmente, as sociedades:


Possibilidade de praticar atos de registo online;
Redução e clarificação dos custos da prática dos atos;
Eliminação da competência territorial das conservatórias do registo comercial;
Possibilidade de praticar atos através de um registo por depósito e não por transcrição.

A impugnação das decisões

Da decisão de recusa da prática do ato de registo cabe:


Recurso hierárquico para o diretor geral dos Registos e do Notariado;
Impugnação judicial.

Impugnada a decisão, o conservador profere, em 10 dias,, despacho a sustentar ou a


reparar a decisão. Sendo sustentada, o Presidente do Instituto dos Registos e do Notariado,
I.P, decide em 90, podendo ser ouvido o Conselho Técnico. Sendo o recurso hierárquico
considerado improcedente, pode ainda o interessado impugnar judicialmente a decisão:
tem 20 dias.

Da sentença cabe recurso, com efeito suspensivo, recurso esse que pode ser interposto
pelo autor, pelo réu, pelo Presidente do Instituto dos Registos e do Notariado, I.O. e pelo
Ministério Público. Do acórdão da Relação não cabe recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça, salvo quando seja sempre admissível.

Princípios

O registo comercial está especialmente vocacionado para as sociedades. De todo o modo,


ele obedece a princípios gerais, que cumpre recordar.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 104


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O princípio da instância: CRC: 28º o registo comercial efetua-se a pedido dos


interessados; apenas haverá registos oficiosos nos casos previstos na lei

O princípio da obrigatoriedade:
Direta: CRC: 15º/1 a inscrição de certos factos referidos é imperativa, sob pena
de coimas;
Indireta: os diversos factos sujeitos a registo só produzem efeitos, perante
terceiros, CRC: 14º/1 depois da inscrição ou CRC: 14º/2 da publicação.

O princípio da legalidade: CRC: 41º a viabilidade do pedido do registo a efetuar por


transcrição deve ser apreciada em face das disposições legais aplicáveis, dos documentos
apresentados e dos registos anteriores, verificando especialmente a legitimidade dos
interessados, a regularidade formal dos títulos e a validade dos atos neles contidos.

Efeitos do registo

O primeiro efeito é o presuntivo.


CRC: 11º O registo por transcrição definitivo constitui presunção de que existe a situação
jurídica, nos precisos termos em que é definida.

O segundo é o da prevalência do registo mais antigo.


CRC: 12º havendo, com referência às mesmas quotas ou partes sociais, inscrições ou
pedidos incompatíveis de inscrições, prevalece o primeiro inscrito. Como se vê, trata-se
de um efeito que releva, apenas, para as sociedades comerciais.

O efeito constitutivo diz-nos que, contrariando o vetor da imediata produção de efeitos


por contrato as leis impõem, por vezes, a ocorrência de um registo, para que determinados
atos produzam todos os efeitos que se destinam a produzir. Tal ocorreria, designadamente,
no tocante às sociedades comerciais. Não se trata, todavia, de um verdadeiro efeito
constitutivo, mas antes de um fator condicionante de eficácia plena.

Finalmente, temos um efeito indutor de eficácia, que se manifesta em duas proposições:


A publicidade negativa: o ato sujeito a registo e não registado não produz os seus efeitos
ou todos os seus efeitos;
A publicidade positiva: o ato indevida ou incorretamente registado pode produzir efeitos,
tal como emerja da aparência registal.

Atos societários sujeitos a registo

Segundo o CRC, estão sujeitos a registo, logo pelo artigo 3º, vinte e um grupos de atos
relativos a sociedades comerciais e civis sob forma comercial, que poderemos ordenar da
forma seguinte:
• O contrato de sociedade e, em geral, as suas modificações;
• As transformação, cisão, fusão, dissolução e liquidação das sociedades;
• As transmissões de partes sociais ou de quotas e as operações a elas relativas;
• A deliberação de amortização, conversão ou remissão de ações e a emissão de
obrigações;

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 105


Direito Comercial | Regente Menezes Cordeiro

• A designação e a cessação de funções dos administradores, dos fiscalizadores e


do secretário, salvo determinadas exceções;
• Determinadas relações de grupo entre sociedades; o A prestação de contas.

Estão ainda sujeitas a registo as ações que tenham como fim, principal ou acessório,
declarar, fazer conhecer, constituir, modificar ou extinguir qualquer dos direitos referidos
nos artigos 3º a 8º e ainda:
• As ações de declaração de nulidade ou de anulação dos contratos de sociedade
• As ações de declaração de nulidade ou anulação de deliberações sociais, bem
como dos procedimentos cautelares de suspensão destas
• As decisões finais obtidas nesses processos
• Diversas ações do domínio da insolvência

Acrescenta o artigo 10º, entre outros factos sujeitos a registo:


• A criação, alteração e encerramento de representações permanentes de sociedades
ou entidades equivalentes
• A prestação de contas de sociedades com sede no estrangeiro e representação
permanente em Portugal

O efeito condicionante de eficácia plena

CSC: 5º Quanto ao registo do contrato de sociedade, o contrato, uma vez celebrado,


produz a generalidade dos seus efeitos, seja inter partes, seja perante terceiros, no fundo,
a grande consequência da falta do registo tem a ver com a não limitação da
responsabilidade dos sócios.

CSC: 112º + 120º Quanto ao registo da fusão e da cisão, a extinção das sociedades
incorporadas na data do registo, pela evidente necessidade de fixar uma fronteira a quo e
ad quem; todavia, antes do registo, temos toda uma série de efeitos, que se desencadeiam
com a elaboração do projeto de fusão (98º) e que se desenvolvem numa série de
procedimentos subsequentes (99º e ss.).

CSC: 160º/2 Também o registo da extinção visa fixar uma data segura para a ocorrência
ou para o seu encerramento, o processo a ela conducente.

No caso de registos constitutivos previstos no CSC, então, a conclusão impõe-se: não são
verdadeiras hipóteses de registo constitutivo. Caso a caso será necessário verificar quais
os efeitos a eles associados. Como fundo genérico, podemos adiantar que os atos sujeitos
a esse registo produzem efeitos antes e independentemente dele. Mas não todos os efeitos
que, segundo o Direito vigente e a natureza das coisas, eles deveriam produzir.

O registo surge, assim, como uma condicionante da sua eficácia plena, ligando-se,
enquanto especificidade, ao efeito indutor de eficácia que resulta da publicidade registas:
negativa e positiva. Este efeito condicionante de eficácia plena tem, todavia, uma
particularidade que justifica a sua manutenção como efeito autónomo. Ao contrário do
que sucede com a comum publicidade indutora de eficácia, não temos, aqui, uma mera
inoponibilidade a terceiros de boa fé; antes ocorrem diversos efeitos especificamente
contemplados pelas normas em presença e que devem ser apurados caso a caso.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 106


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A SITUAÇÃO JURÍDICA DOS SÓCIOS

CONTÉUDOS GERAL21

A QUALIDADE DE SÓCIO COMO UM ESTADO

Titularidade e participação

À partida, os sócios corresponderiam às pessoas que celebram o contrato de sociedade,


dando lugar à organização dele derivada e ingressando, nela, com a posição que tenha
sido acordada.

A qualidade de sócio passa a ser expressa pela titularidade de inerente posição. Essa
titularidade pode ser original, quando o próprio sócio considerado tenha participado na
celebração do contrato constitutivo, ou pode ser adquirida, na hipótese de o interessado
ter vindo, por alguma das vias em Direito conhecidas, a subingressar na posição
considerada.

Relativamente à posição do sócio, falamos em participação social:


• Sociedades de pessoas (em nome coletivo): qualidade assumida por determinada
pessoa.
• Sociedades mistas: o que interessa já não é a qualidade do sócio, mas a
titularidade de uma posição.
• Sociedades puramente de capitais (sociedades anónimas): o que interessa não é
a titularidade de uma posição, mas sim a própria posição.

Enumeração legal de direito e deveres

No Código das Sociedades Comerciais, a matéria relativa aos direitos e deveres dos
sócios, conquanto fundamental, não foi sistematizada.
CSC: 9º/1, g) Menciona “a quota de capital e a natureza da entrada de cada sócio, bem
como os pagamentos efetuados por conta de cada quota”;
CSC: 16º Relativo aos elementos epigrafados, quando concedidos a sócios em conexão
com a constituição da sociedade
CSC: 17º Dirigido aos acordos parassociais, fontes de diversos direitos.
CSC: 20º Enumera a obrigação de entrada e o dever de quinhoar nas perdas;
CSC: 21º Enumera o de quinhoar nos lucros, o de participar nas deliberações sociais, o
de obter informações e o de ser designado para os órgãos sociais;
CSC: 22º Desenvolve esses aspetos, proíbe os pactos leoninos e a remissão para critério
de terceiros;
CSC: 23º Refere a matéria epigrafada, formulando regras;
CSC: 24º Fixa normas sobre o assunto: umas gerais e outras relativas a certos tipos
sociais.
CSC: 25º a 30º Obrigações de entrada
CSC: 31º a 35º Referente à conservação do capital
CSC: 53º a 63º Deliberações dos sócios

21
CORDEIRO, António Menezes, Direito das Sociedade, Parte Geral, 4ª Edição, página 547 a 563

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 107


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A lógica da apropriação privada

As posições jurídicas dos sócios incorporam direitos e deveres de pessoas: trata-se, ainda
que não exclusivamente, de direitos patrimoniais privados. Tais direitos, uma vez
constituídos, não podem ser arbitrariamente suprimidos: nem mesmo por lei, sob pena de
violação da CRP: 62º/1

No sistema das fontes reportado às posições dos sócios, temos de fazer intervir as
valorações próprias da apropriação privada e dos direitos das pessoas. Resulta daqui uma
especial tensão, uma vez que os preceitos estatutários, formalmente contratuais, podem
ser suprimidos ou delimitados por deliberações maioritárias. Proibir essa possibilidade
rigidifica o ser coletivo. Admiti-la pode frustrar expectativas e, no limite, prejudicar os
investimentos e as associações de esforços: prevenindo a hipótese de vir a ser despojado
dos seus bens e direitos, o interessado pode abdicar de sociedades, preferindo
movimentar-se a solo.

Os direitos especiais

A solução de equilíbrio reside no regime das chamados direitos especiais CSC: 24º
Exemplos: direito à gerência nas sociedades por quotas, direitos de voto reforçado
(plural), direitos patrimoniais reforçados

Nº 1 + 5 Por estipulação nos estatutos, admite-se que sejam atribuídos direitos especiais,
que não podem ser suprimidos ou coartados sem o consentimento do respetivo titular

Os direitos especiais são intuitu personae, são estabelecidos em função de um concreto


titular, não sendo por isso transmissíveis a terceiros, em conjunto com a respetiva quota.
Menezes Cordeiro considera que não há, com base no CSC: 24º/3 razão para que uma
cláusula expressa não possa facultar essa possibilidade.
Quando os estatutos atribuam certa posição a uma pessoa, será questão de interpretação
o saber se se trata de um verdadeiro direito especial ou se antes se verifica uma mera
designação em pacto social. Não basta a atribuição de um direito: é necessário uma
atribuição especial.

É então conveniente que se diga expressamente que o direito é especial, ou que o mesmo
só pode ser suprimido com o consentimento do seu titular.

CSC: 24º/2, 3 e 4 Fixa regras para as sociedades em nome coletivo, por quotas e
anónimas.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 108


Direito Comercial | Regente Menezes Cordeiro

CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS E DOS DEVERES DOS SÓCIOS

Direitos

Direitos abstratos
Posição favorável, protegida pelo Direito e que, verificando-se determinadas
ocorrências, permitirá ao sócio ver surgir um direito concreto correspondente; prende-
se com uma ideia de potencialidade. É uma expectativa juridicamente tutelada.
Exemplo: direito aos lucros (só há este direito se houver efetivamente lucros), direito à
informação (pressupõe que exista uma realidade a ser comunicada).

Direitos concretos
Produto da concretização de uma prévia posição favorável, que assistia ao sócio.

O direito abstrato será um verdadeiro direito subjetivo?


À primeira vista, a resposta deveria ser negativa: o direito subjetivo pressupõe sempre um
bem concreto: será́ uma permissão normativa especifica de aproveitamento de um bem.
A permissão de que falamos não resulta, todavia, de meras fórmulas deônticas.

É fundamental ter presente que o direito subjetivo corresponde a uma categoria


compreensiva e não a uma forma analítica. Os diversos direitos subjetivos surgem-nos
com uma configuração que nos é dada pela evolução histórico-dogmática e pelos
condicionamentos linguísticos.

Por isso, pode suceder que um direito subjetivo, quando ponderado lógica e
racionalmente, venha a apresentar, no seu interior, subdireitos, faculdades, poderes,
expectativas e outras realidades ativas e, ainda, obrigações, encargos e deveres diversos;
não deixará de corresponder à definição proposta, com a dimensão existencial própria das
realidades humanas.

Direitos patrimoniais
Têm um conteúdo económico suscetível de avaliação em dinheiro.
Exemplo: direito a quinhoar nos lucros, direito à conservação do património, direito a
pedir indemnizações aos administradores.

Direitos participativos
Direito de participar nas tomadas de decisões, direito a ser designado. Não podem ser
quantificados em dinheiro e prendem-se com o funcionamento da sociedade. Têm a ver
com a possibilidade reconhecida aos sócios de ingressar no modo coletivo de gestão dos
interesses.

Direitos pessoais
Valores pessoais do sócio. Nas associações, por vezes, são mais nítidos.
Exemplo: direito a certas honrarias, direito à lealdade, ao respeito do estado de sócio
(qualidade pessoal), direitos parassociais (art. 17o).

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 109


Direito Comercial | Regente Menezes Cordeiro

Deveres

Os sócios incorrem em situações passivas.


CSC: 20º À partida, serão apenas duas: obrigação de entrada e sujeição às perdas.
A sujeição às perdas tem um duplo alcance:
• Representar a frustração de contrapartidas esperadas pelas entradas;
• Traduzir o funcionamento das regras de responsabilidade dos sócios.

CSC: 209º + 287º Em certos tipos societários, o contrato de sociedade pode impor aos
sócios, ou a alguns deles, a obrigação de efetuar prestações além das entradas.
Será necessário que o contrato fixe os elementos essenciais da obrigação e especifique se
as prestações devem ser efetuadas onerosa ou gratuitamente, prestações acessórias.

CSC: 210º Distinta figura é a das prestações suplementares, que consistem na via de
financiamento complementar das sociedades à disposição dos sócios, consistindo estas
em prestações em dinheiro sem juros que a sociedade exigirá aos sócios quando, havendo
permissão do estatuto, deliberação social o determine. Estas são substitutivas do capital
social. Não vencem juros. São reembolsáveis, nos termos do CSC: 213º

A razão de ser destas prestações suplementares é a de assegurar a capitalização da


sociedade, permitir o financiamento da sociedade com capitais próprios, manter o direito
ao reembolso, que é condicionado à existência de uma situação líquida positiva (superior
à soma do capital mais reservas).

Menezes Cordeiro, discordando de Pedro Pais de Vasconcelos, considera que estas


prestações apenas são admitidas nas sociedades por quotas, não sendo permitidas nas
sociedades anónimas. Isto porque o princípio básico das sociedades anónimas é que cada
sócio limita a sua responsabilidade ao valor das ações que subscreve, ou seja, a partir do
momento em que o capital social está realizado, o sócio já não teria de se preocupar com
mais nada; outras obrigações só com base legal são admissíveis (não havendo base legal
para a admissibilidade de prestações suplementares).

Para além disso, seria excessivo e contraditório admitir que os acionistas devedores de
prestações suplementares ficassem sujeitos ao regime gravoso previsto no artigo 212º/1,
pois a lei tem o propósito da lei de assegurar a transmissibilidade rápida e segura das
ações, bem como a certeza na delimitação da socialidade acionista.

Pinto Duarte e Coutinho Abreu afirmam parecer aceitável, por via de prestações
acessórias pecuniárias, impor aos sócios das sociedades anónimas deveres semelhantes
aos das prestações suplementares, nomeadamente os decorrentes do regime da restituição.
A consideração de diversos deveres sociais permite chamar a atenção para a proliferação
de situações absolutas – situações que não se inserem em relações jurídicas. É o caso de
deveres genéricos (de respeito, por exemplo), que não têm como contrapeso diretos
direitos subjetivos.

o O status de sócio como situação duradoura

O estado de sócio, além de complexo, prolonga-se no tempo e implica obrigações


duradouras. A distinção das obrigações em instantâneas e duradouras remonta a Savigny,
que põe em destaque o facto de, nas primeiras, o cumprimento se efetivar num lapso

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 110


Direito Comercial | Regente Menezes Cordeiro

juridicamente irrelevante; pelo contrário, nas segundas, o cumprimento prolongar-se-ia


no tempo, correspondendo à sua natureza.

Mais tarde, Von Gierke chama a atenção para que, nas obrigações instantâneas, o
cumprimento surge como causa de extinção, e nas duradouras, o cumprimento processa-
se em termos constantes, não as extinguindo.

As obrigações duradouras implicariam, designadamente, abstenções, mas poderiam


redundar, também, em prestações positivas.

Põe-se o problema de saber o que sucede perante obrigações duradouras de duração


indeterminada, quando as partes nada tenham dito sobre a denúncia e quando elas não
possam ser reconduzidas a nenhum tipo contratual que preveja essa figura. Ocorre, por
vezes, a afirmação de que não poderia haver obrigações perpétuas, por contrariar vetores
indisponíveis do ordenamento (ordem pública). A proibição de relações perpétuas, que
justificaria sempre a denúncia, surge apoiada na regra constitucional da liberdade de
atuação.

Naturalmente, isso possibilitaria a livre denunciabilidade de relações duradouras de


duração indeterminada, o que poderia atentar contra legítimas expectativas de
continuação e de estabilidade e contra a regra do respeito pelos contratos. A solução teria
de ser compatibilizada à luz da boa fé, numa ponderação a realizar em concreto.

As obrigações duradouras têm sido abordadas na doutrina portuguesa. À partida, a


obrigação duradoura não se caracteriza pela multiplicidade de atos de cumprimento:
qualquer obrigação instantânea, designadamente se tiver um conteúdo complexo, pode
implicar cumprimentos que se analisem em múltiplos atos.

Pessoa Jorge propõe que, em vez de se atender ao número de atos realizados, se dê


prevalência ao momento (ou momentos) em que é realizado o interesse de credor.

Menezes Cordeiro adota essa ideia básica, embora convolando-a para a concretização
do cumprimento. Nas obrigações duradouras, ao contrário das instantâneas, o
cumprimento vai-se realizando num lapso de tempo alongado, em termos de relevância
jurídica. Na obrigação duradoura, anda podemos encontrar duas situações:
• Ou a prestação permanente é contínua, exigindo uma atividade sem interrupção;
• Ou essa prestação é sucessiva, quando implique condutas distintas, em momentos
diversos.

A aplicação da dogmática geral das relações duradouras no Direito das Sociedades


dependerá da consideração do concreto problema em jogo e da sua ordenação perante o
tipo societário onde ocorra. Todavia, a tendência natural que o sistema revela para o
equilíbrio requer uma certa harmonização de soluções.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 111


Direito Comercial | Regente Menezes Cordeiro

ENTRADAS, LUCROS E PERDAS, DEFESA DO CAPITAL

A OBRIGAÇÃO DE ENTRADA22

CC: 980º + CSC:20º A obrigação de entrada corresponde a um dever essencial dos


sócios. Sem ela, a sociedade não terá meios para poder desempenhar a sua atividade;
paralelamente, os sócios não terão título de legitimidade para recolher lucros e para
pretender intervir na vida da sociedade. A entrada pode consistir em diversas realidades
patrimoniais ou, pelo menos, com alcance patrimonial. Assim, encontramos:

o Entradas em dinheiro
Corresponde à assunção de uma obrigação pecuniária.

o Entradas em espécie
CSC: 28º/1 Entregas “de bens diferentes de dinheiro”. A lei não põe restrições, exigindo,
designadamente, que se trate de bens materiais ou de bens facilmente realizáveis.
CSC: 20º a) Apenas se infere que tais bens devem ser suscetíveis de penhora.

Estas correspondem à transferência para a sociedade de direitos patrimoniais, suscetíveis


de penhora e que não se traduzam em dinheiro.
Exemplo: direito ao uso e fruição, direitos sobre bens imateriais, tais como patentes ou
técnicas de saber-fazer (know-how).

O dinheiro é de fácil avaliação. Já a espécie pode ter valores subjetivos. Não basta, aqui,
revelar o valor que, por acordo, os sócios lhe queiram atribuir: a sociedade tem um
património objetivo, que interessa à comunidade e, em especial, aos credores. Por isso, o
Direito preocupa-se com o conhecimento do valor real dos bens, procurando que seja
devidamente determinado.
CSC: 28º Prevê, com pormenor, a preparação de um relatório elaborado por um revisor
oficial de contas (ROC), devidamente distanciado e que avalie, objetivamente, os bens,
explicando os critérios usados e declarando formalmente se o valor deles atinge o valor
nominal indicado pelos sócios. Ao relatório em causa deve ser dada especial publicidade.

O grande objetivo do trabalho exigido ao ROC é a defesa de terceiros: os credores da


sociedade, os futuros adquirentes de posições sociais e o público em geral. Por isso, os
próprios sócios estão, aqui, perante regras imperativas. Nem por comum acordo podem
ser postergadas.

o Entradas em indústria
Trata-se de prestação de serviços humanos não subordinados, de outro modo, teríamos
trabalho, em sentido estrito e técnico, sujeito a diversa disciplina jurídica.

A sua inadmissibilidade nas sociedades anónimas prende-se com três ordens de razões:
§ Atendendo ao seu conteúdo e projeção temporal, são de difícil avaliação;
§ Apesar de o capital social ser uma cifra contabilística, é uma realidade
normativa que tem de ser acompanhada de uma outra realidade, da variação
patrimonial positiva na esfera da sociedade. Assim, entende-se que tem de
haver uma imediata liberalização das entradas.

22
CORDEIRO, António Menezes, Direito das Sociedade, Parte Geral, 4ª Edição, página 564 a 569

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§ Impraticabilidade de execução forçada. Quem se obrigou a cozinhar pode


dizer que não quer cozinhar mais: como poderão obrigá-lo? Não podem.

CSC: 9º g) e h) O tipo de entrada é definido no contrato de sociedade, quer quantitativa


quer qualitativamente. A entrada tem, ainda, uma dupla apresentação, traduzida em
indicações de valor, ou seja, têm um valor nominal, uma vez que o seu valor permanece
igual ao longo do tempo sem traduzir o valor real das entradas. Cumpre distinguir:

• Valor nominal
Valor a que a participação social corresponde, fixado nos estatutos: pode ser uma parte
social, uma quota ou uma ação, consoante esteja em causa uma sociedade em nome
coletivo, por quotas ou anónima. CSC: 25º/1 Apenas estabelece que o valor nominal da
participação não pode exceder o valor da entrada. Entenda-se: o valor real.

Permite identificar a posição relativa de cada sócio na sociedade, evita a diluição das
participações dos sócios no caso de novas emissões em aumento de capital, já que o valor
nominal é o valor mínimo pelo qual as novas ações têm de ser subscritas e assegura ainda
a igualdade de tratamento entre os acionistas.

• Valor real
Valor correspondente à cifra, em dinheiro, em que ela se traduza, quando pecuniária ou
ao valor dos bens que implique, quando em espécie. É o valor de mercado, que o mercado
entende que vale de acordo com o encontro entre a oferta e a procura.

A obrigação de entrada pode ser cumprida de imediato ou diferidamente, consoante o tipo


de sociedade em jogo. Por isso, CSC: 9º/1 g) distingue quota de capital, natureza da
entrada e pagamento efetuado por conta de cada quota.

Relativamente às entradas em créditos, estas consubstanciam uma entrada em espécie. O


valor objetivo do crédito é encontrado através da sua liquidez. A liquidez de um crédito
é, neste caso, encontrada através da avaliação da possibilidade que a sociedade teria de o
cumprir, antes da realização de novas entradas. Se a sociedade não tiver uma situação
líquida que torne possível o pagamento do crédito, o valor do crédito será́ inferior ao seu
valor nominal.

A entrada em espécie oculta (crédito) como fraude à lei


A lei, com o regime das entradas em espécie, pretende proteger o princípio da efetiva
realização do capital, obrigando que os bens objeto da entrada sejam sujeitos a um
processo de avaliação do seu valor real. Como tal, a lei proíbe que os bens em espécie
sejam tratados como uma entrada em dinheiro. Fica clara a intenção da lei de proibir um
determinado resultado. Trata-se, portanto, de uma norma de conteúdo imperativo e fora
da disponibilidade negocial das partes.

Fernando Sá considera que o cumprimento da obrigação dá-se com a entrega em termos


definitivos da prestação à sociedade. Depois de cumprida a obrigação, se a sociedade
restitui o valor da sua entrada ao sócio, estaremos perante um problema de conservação
do capital social que pressupõe, desde logo, o prévio cumprimento da obrigação de

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entrada. Se a sociedade acorda com o sócio a restituição da sua obrigação de entrada


estaremos perante um negócio nulo

CSC: 32º Estabelece a proibição de distribuição aos sócios de "... bens da sociedade
quando a situação líquida desta for inferior à soma do capital e das reservas ou se tornasse
inferior a esta soma em consequência da distribuição".

O capital social na sua dimensão real, isto é, os bens que o compõem e asseguram a
consistência patrimonial da cifra nominal do capital, estão protegidos por uma regra de
intangibilidade que impede a sua restituição aos sócios e, consequentemente, impede a
restituição das entradas aos sócios.

Requisitos objetivos da fraude:

1. Proximidade objetiva
Deve considerar-se preenchido quando o crédito extinto poderia ter sido trazido para a
sociedade como uma entrada em espécie. Se o crédito é anterior ao aumento de capital, a
sua extinção deveria dar-se no quadro das regras das entradas em espécie. Materialmente
este requisito significa a possibilidade de substituição do processo fraudulento por uma
entrada em espécie.

2. Proximidade temporal
Exprime a unidade que existe entre a entrada em dinheiro e a extinção da dívida. No caso
de uma entrada com créditos ocultos, os dois negócios (aumento de capital e pagamento
da dívida) estão coligados e formam uma unidade tendo em vista a fraude ao regime das
entradas em espécie. A proximidade temporal funciona como limitação dos negócios que
constituem a cisão de uma entrada em espécie e que, portanto, constituem uma unidade
jurídicas, daqueles que não mais indiciam uma fraude ao regime das entradas em espécie
e são meros negócios correntes da sociedade.

A doutrina dominante aponta um prazo de seis meses durante o qual a extinção de um


crédito objetivamente próximo só seria possível através do cumprimento do regime das
entradas em espécie. No entanto, FS pensa que esta não é a perspetiva mais correta do
problema: mais importante do que estabelecer prazos de semanas ou meses é olhar para
as circunstâncias concretas do caso. O estabelecimento a priori de prazos perentórios para
a afirmação de uma situação de fraude é contraproducente, não se devendo, por
conseguinte, erigir um prazo certo e determinado como requisito da situação de fraude,
mas deixar essa determinação para uma análise casuística. O prazo de seis meses poderá
funcionar como um prazo meramente ordenador, suscetível de, perante o caso concreto,
ser alargado.

Regime geral das entradas

o Quanto ao montante

CSC: 25º/1 As entradas não podem ter um valor inferior ao da participação nominal
(parte, quota ou ações) atribuída ao sócio. Poderá, eventualmente, ser superior e nesse
caso teremos um prémio de subscrição ou de emissão, também dito ágio, que passará a
integrar as reservas.

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CSC: 295º/3 A emissão acima do par (em regra nas sociedades anónimas) justifica-se por
três ordens de razões as quais operam muitas vezes em conjunto:
1. A simples ideia de constituir certa sociedade e a congregação de esforços nesse
sentido vale dinheiro e acrescenta uma mais-valia às participações dos sócios,
sendo lógico que a paguem, surgindo o prémio;
2. Independentemente dessa mais-valia, pode a sociedade gerar expectativas de
negócio que conduzam a uma sobrevalorização de mercado: justifica-se o prémio;
3. A sociedade, particularmente quando em funcionamento, pode representar um
valor real que ultrapasse o valor nominal do capital; havendo emissão de novas
ações, isso deve ser tido em conta, sob pena de se depauperarem os sócios antigos
– e a própria sociedade – e de se enriquecerem os novos.

o Quanto ao momento do cumprimento

A obrigação de entrada deve ser realizada no momento da outorga da escritura, salvo


quando o contrato preveja o diferimento das entradas em dinheiro e a lei o permita, o que
sucede:

§ Nas sociedades por quotas

CSC: 202º/2 Até metade das entradas em dinheiro, mas o quantitativo global dos
pagamentos feitos por conta delas, juntamente com a soma dos valores nominais das
quotas correspondentes às entradas em espécie, deve perfazer o capital mínimo fixado na
lei o qual é hoje de 5.000 euros

§ Nas sociedades anónimas

CSC: 277º/2 Pode ser diferida a realização de 70% do valor nominal das ações, mas não
o pagamento do prémio de emissão, quando previsto.

CSC: 203º Aplicação analógica


Havendo diferimento, tem de ser para prazo certo (CC: 777º se não for fixado prazo certo,
a sociedade poderá exigir o cumprimento a todo o tempo).

CSC: 285º/1 O prazo de 5 anos funciona como prazo máximo que pode ser estabelecido.
Se fixarem um prazo para o remanescente de 10 anos, Menezes Cordeiro considera que
esse prazo será́ reduzido para 5 anos, findos os quais a sociedade já pode exigir o
pagamento.

O que está em causa é a proteção dos credores: que haja um substrato patrimonial que
responda perante os credores; assim, seria irrelevante quem pagava os 30% (não seria
necessário cada um pagar 30%, se houvesse um deles que assegurasse os 30% de cada
um). Por outro lado, há quem entenda que não é irrelevante quem assegura os 30%, na
medida em que é importante assegurar que cada sócio sinta na pele o esforço financeiro
que implica aquela obrigação.

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CSC: 26º/1 e 3 Em relação às entradas em espécie, estas devem ser realizadas no


momento de constituição da sociedade, tendo em consideração a probabilidade de
desvalorização/valorização da coisa no caso de haver diferimento da entrega.

o Quanto à forma do cumprimento

CSC: 202º/3 + 277º/3 As obrigações de entrada em dinheiro, a lei apenas a regula quanto
às sociedades por quotas e às sociedades anónimas.

A soma das entradas em dinheiro já realizadas deve ser depositada em instituição de


crédito, antes de celebrado o contrato, numa conta aberta em nome da futura sociedade,
devendo ser exibido ao notário o comprovativo de tal depósito por ocasião da escritura.

Direitos dos credores

CSC: 30º/1 A efetivação das entradas interessa à sociedade: ela carece de meios materiais
para poder levar a cabo os fins a que se destina. Mas interessa ainda aos credores da
sociedade, uma vez que releva para a cobertura patrimonial dos seus direitos.

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SOCIEDADES EM NOME COLETIVO 23

O capital

CSC: 9º/1 f) O capital equivale ao conjunto das entradas dos vários sócios, realizadas ou
por realizar. Apesar de ser fundamental nas sociedades de capitais (anonimas e por
quotas) o conceito é menos relevante nas sociedades de pessoas, pelo que ele nem sempre
ocorre nas sociedades em nome coletivo: fica excluído no caso de todos os sócios
entrarem com indústrias, pois CSC: 178º/1

Não é imposto sequer um capital mínimo, Menezes Cordeiro considera que não se
justifica a referência ao capital social, poderíamos apenas ter uma noção do valor das
entradas para questões de repartição de lucros e perdas, não sendo necessário toda a tutela
que decorre do capital social.

Entradas em dinheiro e em espécie

CSC: 20º a) Como característica fundamental das sociedades, CSC: 9º/1 g) a entrada tem
de constar no contrato de sociedade.

A entrada em dinheiro corresponde a uma obrigação pecuniária do sócio, CSC: 25º/1 não
podendo o seu montante ser inferior ao valor nominal da entrada, vindo a ser superior ao
valor nominal estamos perante um caso de prémio de subscrição.

Não há regras especificas, nunca podemos recorrer ao CSC: 543º, por se destinar a
sociedades de capitais, contudo podemos recorrer:
1. Regras que o contrato insira
2. Regras supletivas do Direito Civil: a todo o tempo pode o sócio apresenta-se a
realizar a entrada ou pode a sociedade exigir-lha, sob pena de mora

A entrada em espécie corresponde a uma transferência para a sociedade de direitos


patrimoniais suscetíveis de penhora que não sejam dinheiro, tendo, portanto, um valor
objetivo discutível.

CSC: 179º Pode se em certos casos afastar o regime CSC: 28º por ser desnecessário e
complexo para as sociedades em nome coletivo.

Os sócios de indústria

As entradas em indústria correspondem a um serviço próprio que o sócio leva para a


sociedade. A lei não especifica que industria pode ser levada, contudo Menezes Cordeiro
defende que deve ser qualquer exercício útil de teor económico.

23
CORDEIRO, António Menezes, Manual de Direito das Sociedade, Volume II, Sociedades em Especial,
2ª Edição, página 163 a 179

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 117


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Existe uma querela doutrinária sobre a admissibilidade da entrada em indústria que


corresponde à assunção da gerência da sociedade.
Alguma doutrina considera que devemos excluir estas entradas, pois segundo o CSC:
191º/1 todos os sócios são gerentes, logo todos seriam sócios de indústria.
Menezes Cordeiro considera que estas entradas são admitidas, pois equipara-as a uma
entrada know how, ficando dependente da livre vontade das partes aceitar o serviço de
gerência de alguém que seja dotado de experiência.

No início a indústria poderá não ser muito útil para a sociedade, contudo, no futuro,
poderá corresponder a grande riqueza, pelo que surge a dificuldade de como computá-la
no capital social.
CSC: 9º f) + 178º/1 Resolve a situação, excluindo a entrada do capital social

CSC: 22º/3 Excetua os sócios de indústria à proibição geral dos pactos leoninos.
CSC: 178º/2 Em regra, os sócios de indústria não respondem, nas relações internas, pelas
perdas sociais.
CSC: 178º/3 Quando houver uma clausula que determina que respondem pelas perdas
sociais, contribuem com capital.

CSC: 175º/1 Nas relações externas, o sócio de indústria responde perante os credores
solidaria e subsidiariamente pelas dividas da sociedade.

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SOCIEDADES POR QUOTAS 24

O diferimento das entradas

CSC: 202º/1 Não são admitidas contribuições em indústria, ficando os sócios restringidos
às entradas em dinheiro e espécie.

CSC: 199º b) A possibilidade de diferimento das entradas e o montante devem constar


do contrato de sociedade, para garantir a proteção de terceiros.

CSC: 26º/3 Impera o regime geral de que apenas podem ser diferidas entradas em
dinheiro.

CSC: 203º/1 O diferimento tem de ficar determinado para uma data certa ou sujeito a
termo, ou seja, um facto certo e determinada, ficando impedido o diferimento
condicionado, ou seja, sujeito a facto futuro e incerto.

Em ambos os casos a entrada pode ser exigida a qualquer momento:


• Após 5 anos da celebração do contrato
• Metade da duração da sociedade caso seja inferior
Esta norma imperativa pretende impedir o diferimento sem limites. O que acontece se as
partes não estipularem um prazo?

• Recorre-se ao regime geral das obrigações sem prazo, CC: 777º/1 podendo a
sociedade solicitar a entrada a todo o tempo e o sócio pode a todo o tempo cumprir

• Entende-se que há um termo legal supletivo de 5 anos ou de metade da duração


da sociedade

Menezes Cordeiro considera que nestas situações existe uma lacuna que deve ser
integrada em termos objetivos com a interpretação do contrato:
Resulta do contrato que as entradas devem coincidir com determinado evento, devedo
aproximar-se o prazo deste momento
Resulta do contrato que as partes não quiseram vincular-se a uma data, pelo que opera os
limites legais máximos do CSC: 203º/1

o Sócio remisso

A ocorrência do termo no qual a entrada diferida deve ser verificada provoca a


exigibilidade fraca da inerente proteção.

De acordo com o Código Civil, o sócio devia incorrer em mora assim que se verificasse
o facto. Contudo no caso previsto no CSC: 203º/3 exige a interpelação da sociedade ao
sócio para que este incorra em mora, prevenindo-se que este entre em mora por
desconhecer que o facto ocorreu, dando-lhe a possibilidade de cumprir e evitando
consequentemente um conflito com a sociedade.

24
CORDEIRO, António Menezes, Manual de Direito das Sociedade, Volume II, Sociedades em Especial,
2ª Edição, página 267 a 299

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 119


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Pelo prazo fixado, o sócio não é apanhado de surpresa, mas também não pode beneficiar
de novos e longos diferimentos.

Após interpelado o sócio pode continuar a não cumprir a obrigação de entrada no prazo
que foi fixado pela interpelação, pelo que passamos a estar perante um sócio remisso.

A mora do sócio nas sociedades por quotas é grave pois coloca em causa o coletivo devido
à responsabilidade solidária dos sócios cumpridores.

A tramitação será a seguinte:

Ocorrência do facto

CSC: 203º/3 Interpelação e fixação de um prazo supletivo para cumprimento

Incumprimento do prazo

CSC: 204º/1 Aviso por carta registada de que após 30 dias da receção da carta fica sujeito
à exclusão ou perda da quota.

Incumprimento do prazo

Sociedade tem duas opções, CSC: 204º/2 4ªparte devendo ambas ser comunicadas ao
interessado.
CSC: 204º/2 3ª parte Pode limitar a perda à parte da quota correspondente à
prestação não efetuada
CSC: 204º/2 1ª parte Pode deliberar excluir o sócio

CSC: 241º/1 Exclusão do sócio por caso previsto na lei


CSC: 246º/1 c) Ocorre por deliberação dos sócios, CSC: 251º/1 c) e d) não
podendo o sócio remisso votar.

Destino da quota do sócio excluído:


1. CSC: 205º/1 1ª parte Venda em hasta pública
2. CSC: 205º/1 2ª parte Vendida a terceiros por modo diverso, exigindo-se o
consentimento do sócio excluído no caso do preço ser inferior à soma do montante
da divida com a prestação já efetuada
Nota: CSC: 208º/1 e 3 Regem o destino das quantias obtidas pela venda
3. CSC: 205º/2 a) A divisão da quota proporcionalmente às dos outros sócios,
vencendo-se a cada um a parte que lhes couber
4. CSC: 205º/2 b) A venda indivisa ou divisão não proporcional seguida de venda,
uma e outra a favor de algum dos sócios. CSC: 265º/1 É necessária a mesma
maioria que para a alteração do contrato

CSC: 206º Versa a responsabilidade do sócio e a dos anteriores titulares da quota, sendo
esta solidária perante a sociedade pela diferença do produto da venda e a parte em dívida.
Contudo o titular anterior que pagar à sociedade tem direito de regresso sobre o sócio
excluído e dos restantes antecessores em regime de conjunção.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 120


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Responsabilidade pelas entradas

Cada sócio é responsável, pela sua entrada e pela parcela cujo cumprimento tenha sido
diferido e responsável solidariamente pela realização do capital diferido.

CSC: 207º Existe responsabilidade subsidiária pelas quotas alheias, com solidariedade
entre os corresponsáveis, na proporção das quotas respetivas.

No caso das sociedade não exercer os seus direitos contra os sócios, CSC: 30º podem os
credores sociais fazê-lo na mesma.

Os outros sócios são os titulares de posições sociais válidas e eficazes, no momento em


que se levanta o problema, ficando excluídos:
Sócio remisso ou excluído
Anteriores titulares da quota do remisso
Adquirente da quota do remisso
A sociedade

CSC: 207º/3 Os sócios que realizem solidariamente a quota podem exigir o reembolso
da quantia paga ao sócio excluído ou seus sucessores.

Responsabilidade direta para com os credores sociais

CSC: 197º/3 Regra Geral Existe uma responsabilidade limitada, pelo que os sócios não
respondem pela dividas da sociedade, pelas suas entradas e solidariamente pelas entradas
dos demais

CSC: 198º Exceção Contudo o Código prevê uma possibilidade de responsabilidade


suplementar dos sócios devido a considerações de ordem prática. Ou seja, na maioria das
vezes, o financiamento das sociedades por quotas provêm dos próprios sócios, através de
suprimentos e prestações suplementares.

Para tal é necessário que a responsabilidade direita dos sócios perante os credores:
1. Esteja prevista no contrato
2. Seja determinado um montante-limite
3. Se determine qual a modalidade: solidária ou subsidiária com a sociedade

É uma responsabilidade pessoal pois abrange apenas as obrigações constituídas enquanto


o sócio a ela pertencer e não são transmissíveis por morte deste.

Responsabilidade por levantamento da personalidade

Em princípio, devido ao princípio da separação de esferas e patrimónios, o sócio não


responde por mais dívidas além das explicadas.

Pode surgir uma situação que justifique o levantamento da personalidade para imputação
de responsabilidade extras ao sócio

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 121


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Obrigação de prestações acessórias

CSC: 209º/1 São obrigações contantes do contrato de sociedade que, adstringem todos
ou alguns sócios, a efetuar, a favor da sociedade, determinadas prestações, além das
entradas.

O contrato de sociedade deve definir os elementos essenciais da obrigação e especificar


se as prestações devem ser fixadas onerosa ou gratuitamente.

São prestações independentes, que advêm da autonomia privada e vinculam


imediatamente os sócios.

São clausulas acidentais facultativas e típicas.

O seu conteúdo depende necessariamente da autonomia das partes, podendo ser


prestações de dare, de facere ou de non-facere. Podem ainda ser instantâneas ou
duradouras, únicas ou fragmentadas, periódicas ou irregulares.

CSC: 209º/2 As prestações acessórias não pecuniárias são intransmissíveis.

CSC: 209º/3 Sendo onerosas a contraprestação pode ser paga mesmo que não haja lucros
de exercícios.

CSC: 209º/4 O incumprimento não afeta a posição do sócio como tal

CSC: 209º/5 Extinguem-se com a dissolução da sociedade

Menezes Cordeiro considera que apesar de só estar expressamente consagrado no nº3 e 4


todas estas regras são supletivas por estarmos no campo da autonomia privada.

Prestações suplementares

Trata-se de uma via de financiamento complementar das sociedades à disposição dos


sócios, assumindo um papel de complemente do património social (não de mero mútuo
como vemos nos suprimentos).

CSC: 210º/2 Tem necessariamente de ter natureza pecuniária, devendo o próprio contrato
esclarecer: o seu montante global, os sócios que ficam obrigados e o critério de repartição
entre eles.

CSC: 210º/4 De acordo com alguma jurisprudência (STJ:13.04.1994) na falta da


indicação do montante global a cláusula é nula. Na falta de indicação dos sócios, ficam
todos obrigados. Não havendo critério de repartição deve ser proporcional à quota

CSC: 210º/5 Não vencem juros.

CSC: 210º/1 Exigem uma dupla base jurídico-normativa pois alem de estarem previstas
no pacto inicial, devem ser deliberadas pelos sócios.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 122


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CSC: 211º/1 A deliberação terá de fixar o montante tornado exigível e o prazo da


prestação, não podendo ser inferior a 30 dias.

Existem duas restrições às deliberações:


CSC: 211º/2 A deliberação só é possível depois de interpelados todos os sócios
para liberação integral das suas quotas de capital
CSC: 211º/3 Não podem ser exigidas depois de dissolvida a sociedade

CSC: 212º/1 à 204º + 205º As prestações suplementares assemelham-se às obrigações


de entrada, podendo o sócio ser excluídos se não as cumprir.

CSC: 212º/2 Ao crédito da sociedade por prestações suplementares não pode ser oposta
compensação

CSC: 212º/3 A sociedade não pode exonerar os sócios da obrigação de as efetuar, estejam
ou não já exigidas.

CSC: 212º/4 O direito de as exigir é intrasmissível e nele não podem subrogar-se os


credores da sociedade.

Apesar de não vencerem juros, CSC: 213º a prestações suplementares podem ser
restituídas, ficando isto dependente da deliberação dos sócios, sendo apenas admissível:
• Se a situação líquida não ficar inferior à soma do capital e da reserva legal CSC:
213º/1
• O sócio já se tiver liberado da sua quota CSC: 213º/1
• Se tiver sido declarada a insolvência da sociedade CSC: 213º/3

o Aplicação Analógica25

MC, CA e Mota Pinto: defendem que não, pela responsabilização dos acionistas pelas
suas ações (A.261o). As prestações suplementares transmitem-se sempre com a
participação social e pode levar à exclusão do sócio, sendo um regime desadequado para
as SA por colocar um grande ónus nos acionistas;

APO, POC e PPV → Defendem que sim, pela autonomia privada das partes (não é
proibido, logo é permitido) e porque este regime protege muito mais os credores do que
as prestações acessórias (aumenta o capital social da SC).

25
OLIVEIRA, Ana Prestelo de, Manual de Corporate Finance, 2015, Almedina, página 64 a 68

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 123


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Quadro Síntese da distinção entre prestações

Prestações Acessórias Prestações Suplementares


CSC: 210º + 211º Contrato
de sociedade, com os
requisitos do 210º, e
deliberação social, que fixa o
montante exigível e o prazo
Forma CSC: 209º/1 Contrato de Sociedade
da prestação.
A deliberação só pode ter
lugar após cumprimento da
obrigação de entrada de
todos os sócios.
A lei não limita o objeto, podendo
ser qualquer prestação, de dare,
facere ou non facere, desde que com
respeito pelos limites gerais.
Não há fundamento para a
restituição do objeto de forma a
Objeto excluir as prestações pecuniárias. Dinheiro
Estas distinguem-se do ágio pois são
prestações para além da entrada,
enquanto o ágio a integra (apesar de
o valo da participação social
atribuída ao sócio ser inferior ao
valor da entrada
CSC: 210º/5 Sempre
Remuneração Podem ser onerosas ou gratuitas
gratuitas
Só pode haver restituição se
a situação líquida não ficar
inferior à soma do capital e
Aplica-se o regime convencionado da reserva legal e o respetivo
Restituição
pelas partes sócio já tiver liberado a sua
quota (aplica-se o princípio
da conservação do capital
social)
Consequências gerais do CSC: 212º/1 Regime do
incumprimento das obrigações. incumprimento da obrigação
Incumprimento
CSC: 209º/4 Só pode haver de entrada existindo
exclusão se convencionada. possibilidade de exclusão.

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Contrato de Suprimento26

As prestações Os suprimentos advêm de


As prestações
suplementares são um contrato celebrado entre
acessórias resultam do
permitidas pelo pacto social o sócio e a sociedade,
pacto social e podem
e resultam de deliberação relativo a dinheiro ou a
envolver dinheiro, bens
dos sócios, recaindo apenas outra coisa fungível,
ou serviços.
sobre dinheiro equivalendo a um mútuo.

Quando uma sociedade por quotas tenha necessidades de financiamento, o mais lógico
será satisfazê-las junto dos seus sócios.
Assim, o suprimento é um financiamento com origem no sócio a favor da sociedade,
visando responder a uma situação de subcapitalização, atuam como sendo capitais
próprios, podendo, em muitos casos, servir de alternativa ao aumento de capital.
Contudo serão considerados capitais alheios em termos contabilísticos

Nota: No caso de existir uma renúncia expressa ao reembolso e se os suprimentos forem


comprovados e avaliados pelo ROC poderão converter-se em aumento de capital.

CSC: 243º/1 Prevê duas modalidades de contrato de suprimento:


• O contrato pelo qual o sócio empresta à sociedade dinheiro ou outra coisa
fungível, ficando esta obrigada a restituir outro tanto do mesmo género ou
qualidade.
• O contrato pelo qual o sócio convenciona com a sociedade o diferimento do
vencimento de créditos seus sobre ela
Desde que, em qualquer dos casos, o crédito tenha caracter de permanência.

O contrato de suprimento distingue-se do mútuo comum pois representa um contributo


permanente do sócio, ou seja, é exigida estabilidade para que seja um suprimento e não
uma comum ajuda monetária.

O legislador estipulou índices, ou melhor dizendo, presunções do carácter de permanência


no CSC: 243º/2 e 3, podendo as presunções ser ilidíveis pelo CSC: 243º/4

Estas condições definidoras de permanência são tanto elementos objetivos, como a


permanência da disponibilidade dos bens prestados, como subjetivos, na intenção do
sócio.

CSC: 243º/5 O crédito de terceiro sobre a sociedade fica sujeito ao regime do


cumprimento desde que o sócio o adquira por negócio entre vivos e no momento da
aquisição se verifique uma das circunstâncias que constituem índice de permanência.

CSC: 243º/6 A validade do contrato de suprimento não está sujeita a forma especial

26
OLIVEIRA, Ana Prestelo de, Manual de Corporate Finance, 2015, Almedina, página 113 a 118

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 125


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CSC: 245º/1 à CC: 777º/2 Não havendo prazo para o reembolso esta é deferida ao
tribunal que terá em conta as consequências que o reembolso acarreta para a sociedade.

CSC: 245º/2 Os credores por suprimento não pode requerer a insolvência da sociedade.

CSC: 245º/3 Decretada a insolvência primeiro são reembolsados os créditos a terceiros e


não se pode compensar créditos da sociedade com suprimentos.

CSC: 245º/5 Existe um regime de impugnabilidade dos reembolso dos suprimentos no


ano anterior à insolvência.

CSC: 245º/6 Sendo nulas as garantias reais prestadas relativamente ao reembolso.

O contrato de suprimento é um negócio interessado, ou seja, o sócio pretende capitalizar


a sociedade para que esta depois lhe dê lucros, assim não se deve presumir a sua
onerosidade, só gerando juros no caso de ser estipulado.

o Aplicação analógica

Cabe por fim averiguar se, apesar de regulado expressa e unicamente no âmbito da
sociedade por quotas, pode o contrato de suprimento aplicado aos demais tipos
societários.

Sociedades em nome coletivo

Segundo Raúl Ventura o regime da responsabilidade ilimitada não justifica a especial


proteção dos credores que as regras do suprimento envolvem, pelo que não fará sentido a
aplicação analógica.

Menezes Cordeiro considera que essa responsabilidade sendo apenas subsidiária não dá
vantagens imediata que o regime do suprimento dá, pelo que devemos considerar a
aplicação caso a caso.

Sociedades Anónimas

Raúl Ventura explica que cumpre distinguir entre o acionista empresário, empenhado na
vida e sucesso da sociedade, pelo que o seu contributo é interessado e o acionista
investidor, não tem a mesma ligação com a sociedade. Desta distinção pode concluir-se
que só no caso do acionista empresário haveria um contrato de suprimento.

Menezes Cordeiro considera que o contrato de suprimento não se funda em


características únicas das sociedades por quotas, pelo que quando reunidos os seus
elementos naturais pode ser aplicado às sociedades anónimas:
• Quando as partes estipulem ou quando o pacto social o preveja e regule
• Quando se gere um empréstimo que materialmente funcione como suprimento.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 126


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REGIME DA QUOTA 27

Unidade, montante e divisão

Existe a quota de participação, correspondente aos direitos e obrigações sociais do sócio,


ou seja, a representação do status social
Exemplo: uma quota de 25%

Existe, ainda a quota de capital, sendo esta a que encontramos no artigo 219º e seguintes,
correspondente à expressão monetária da entrada correspondente a cada sócio.
Exemplo: quota de 1000€

Cada sócio tem uma quota única ou poderá haver várias quotas?
Sistema de unidade inicial: cada sócio pode subscrever apenas uma quota, vindo depois
a adquirir outra, ambas conservam a sua individualidade.
Sistema da unidade permanente: cada sócio subscreve uma única quota, se vierem a
adquirir outra, esta funde-se na primeira.
Sistema da pluralidade: cada sócio pode sempre ser titular de várias quotas

CSC: 219º/1 Opta pelo sistema inicial da quota de cada sócio


CSC: 219º/4 1ª parte Opta pela pluralidade superveniente das que vierem a adquirir
CSC: 219º/4 2ª parte Um sócio com várias quotas pode proceder à sua unificação,
admitindo-se portanto o sistema de unidade permanente, desde que:
1. Estarem as quotas a unificar totalmente liberadas
2. Nãos lhes corresponderem direitos e deveres diversos
Pode o pacto social impedir esta unificação
Podem dois sócios unificar quotas distintas ficando numa situação de contitularidade

CSC: 219º/6 Fixa o princípio básico de que a quota de participação é determinada pela
quota de capital, projetada no capital social.

CSC: 219º/7 Proíbe de forma tradicional a emissão de títulos representativos das quotas,
visando a proteção geral da confiança.

CSC: 219º/3 Os valores nominais das quotas podem ser diversos, contudo nenhum pode
ser inferior a 1€, salvo quando a lei permite.

CSC: 221º Regula a divisão das quotas, estando esta possibilidade ligada à lógica da
unidade do sistema das quotas.

Começa por tipificar os casos em que é admitida divisão de quotas:


• Amortização parcial
• Transmissão parcelada ou parcial
• Partilha ou divisão entre contitulares

CSC: 221º/2 Estípula a forma da divisão

27
CORDEIRO, António Menezes, Manual de Direito das Sociedade, Volume II, Sociedades em
Especial, 2ª Edição, página 337 a

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 127


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CSC: 221º/3 O contrato social pode proibir a divisão das quotas, desde que não impeça
por mais de 5 anos a divisão entre contitulares.

CSC: 221º/ 4 e 6 A divisão por transmissão parcelada ou parcial apenas pode ocorrer com
consentimento dos sócios dado através de deliberação com maioria simples.

CSC: 221º/5 Este consentimento não será necessário em determinados casos, contudo
deve existir uma comunicação à sociedade

CSC: 221º/8 Pode ocorrer divisão da quota quando, perante um sócio remisso, se opte
pela perda da parte da quota não liberada.

CSC: 221º/7 A alteração do contrato do sentido de excluir ou modificar a possibilidade


de divisão só é eficaz com o consentimento de todos os sócios por ela afetados.

Contitularidade e usufruto de quotas

A situação de contitularidade de uma quota ocorre sempre que a posição social por ela
figurada assista a duas ou mais pessoas, podendo ter sido estabelecida no pacto social ou
surgir posteriormente por acordo dos interessados ou herança.

CSC: 223º/1 Necessita de ser designado u representante comum, podendo ser por lei, por
disposição testamentária ou por contitulares.

CSC: 223º/2 Nos casos de ser designado pelos contitulares a designação pode recair:
sobre um dos contitulares, cobre o cônjuge de um deles ou sobre um estranho.

CSC: 223º/1 2ª parte A designação é deliberada por maioria como no CC: 1407º/1

CSC: 223º/3 Quando não houver acordo pode se requerer ao tribunal ou pedida a
destituição do representante, CSC: 223º/4 tendo de ser comunicado à sociedade.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 128


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SOCIEDADES ANÓNIMAS 28

As entradas

CSC: 277º/1 Proíbe as entradas em indústria, pelo que tal como nas sociedades por
quotas, o sócio fica limitado a entradas em dinheiro ou espécie.

A entrada tem um determinado valor nominal, CSC: 25º nunca podendo ser inferior a
este, contudo poderá tanto ser igual como superior.

Quando um subscritor se obriga a pagar por elas uma quantia mais elevada ao montante
do seu valor nominal estamos perante um ágio ou prémio de emissão29.

O prémio de emissão assenta na ideia de que o valor real da sociedade é superior à cifra
expressa pelo seu capital nominal, pelo que os valores das ações são igualmente
superiores ao valor nominal respetivo.

CSC: 295º/3 a) O prémio de emissão fica sujeito às regras da reserva legal, nunca
podendo o seu cumprimento ser diferido.

Ana Perestrelo de Oliveira considera que as reservas de ágios só são indisponíveis até ao
limite do valor da reserva legal: apenas o montante necessário para completar a reserva,
se esta não estiver totalmente integrada, não é, em rigor, de utilização livre.

A subscrição e a realização de ações

A subscrição de ações pode corresponder:


• Ao ato jurídico pelo qual a pessoa manifesta a intenção definitiva de aceitar a
titularidade das ações em jogo, pelo que não acarreta a qualidade sócio, que apenas
ocorre com a outorga do contrato ou com a formalização do aumento de capital.
• Ao ato jurídico pelo qual o interessado se torna titular da posição jurídica
correspondentes à ação em jogo, assumindo os direitos e deveres inerentes.

Distingue-se:

Aquisição de ações é derivada A realização de ações


A liberação de ações é
e incide sobre ações que já equipara-se ao
a realização integral do
estavam subscritas, pois a cumprimento da entrada,
capital correspondente
subscrição é uma aquisição dever que surge com a
à entradas respetivas.
originária. subscrição das ações

A subscrição pode ser inicial ou corresponder a um aumento de capital, pode ainda ser
pública ou particular, simples, reservada a sócios ou reservada a certos interessados.

28
CORDEIRO, António Menezes, Manual de Direito das Sociedade, Volume II, Sociedades em Especial,
2ª Edição, página 563 a 584
29
OLIVEIRA, Ana Perestrelo de, Manual de Corporate Finance, 2015, Almedina, página 62 a 64

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 129


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Acionistas em mora e perda das ações

Ao subscrever uma ação o sócio fica obrigado a realizar a ação, ou seja, a cumprir com o
dever de entrada.

CSC: 285º/1 Apenas podem ser diferidas as entradas em dinheiro, e mesmo assim, este
diferimento é limitado a um prazo máximo de 5 anos.

CSC: 285º/2 O acionista, tal como no caso das sociedades por quotas, só entra em mora
depois de interpelado.

CSC: 285º/3 Além de apresentar as formas a que se podem recorrer para realizar
a interpelação, esclarece que só após esta se entra em mora.

CSC: 285º/4 Os administradores irão fixar um novo prazo para o cumprimento, de


natureza admonitória, sendo que caso seja incumprido o acionista perde para a sociedade
as ações em causa assim como os pagamentos já efetuados.

CSC: 285º/5 Caso se verifique a perda das ações esta deve ser comunicada e anunciada.

CSC: 286º/1 No caso de a ação ser transferida são responsáveis entre si e com o acionista
em mora pelas dividas

CSC: 286º/2 Os antecessores podem adquirir a ação pagando as dívidas, CSC: 286º/3
sendo que no caso de haver mais de um interessado é por ordem de chegada.

No caso de depois de tudo isto as dividas continuarem sem ser pagas:

CSC: 286º/4 A sociedade deve proceder à venda das ações

CSC: 286º/5 Não bastando o preço deve exigir ao último titular e a cada
antecessor, no caso de haver excesso esse pertence ao último titular.

Obrigação de prestações acessórias

CSC: 287º Constam do pacto social, adstringem todos ou alguns sócios e consistem no
dever de efetuar, à sociedade, prestações determinadas, para além das entradas.

Obrigações Suplementares

Menezes Cordeiro considera que não deve haver uma aplicação analógica, pois nestes
casos o sócio só responde pelas ações que subscreve, pelo que não se pode criar novas
responsabilidades

Suprimentos

Menezes Cordeiro considera que se pode aplicar analogicamente pois tem por base um
contrato, sendo que cada sócio pode escolher se empresta ou não dinheiro.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 130


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PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS E NAS PERDAS: PACTOS LEONINOS

CC: 980º A sociedade visa o lucro económico, repartindo-o pelos associados.


CSC: 21º/1 a) Regra Geral Inscreve à cabeça dos direitos dos sócios o de “quinhoar nos
lucros”. Preceitos das partes especiais impõem, à sociedade, a distribuição de, pelo
menos, uma parcela dos seus lucros pelos sócios
CSC: 217º + 294º Exceção Quanto a sociedades por quotas e anónimas, respetivamente.

Proibição histórica dos pactos leoninos

CSC: 22º/3 “É nula a cláusula que exclui um sócio da comunhão nos lucros ou que o
isente de participar nas perdas da sociedade, salvo o disposto quanto a sócios de
indústria.”

CC: 940º “É nula a cláusula que exclui um sócio da comunhão nos lucros ou que o isenta
de participar nas perdas da sociedade.”

Esta proibição corresponde a preocupações materiais profundas do Direito do Ocidente,


que cumpre conhecer:
• Na origem do instituto temos um trecho de Ulpiano. No Direito Romano, as
sociedades leoninas eram proibidas, pois seriam contrárias à natureza das
sociedades.
• A“partedoleão”easocietasleoninaadvêmdavelhafábuladeEsopo,depoisremodelad
aao longo da História. A Fábula mostra que o perigo dos outros torna as pessoas
mais cautelosas.
• Com os antecedentes apontados, a proibição de sociedades leoninas foi-se
mantendo ao longo da História, sendo acolhida nas codificações.

Direito português

A tradição românica da proibição dos pactos leoninos surgiu no artigo 1242º do Código
de Seabra, ainda que em termos reputados deficientes. O preceito era violento, uma vez
que invalidava toda a sociedade.

Na base destes elementos, o CC de 1966 procedeu a uma proibição mais aperfeiçoada no


seu artigo 994º.
A regra foi retomada no CSC: 22º/3

Mantém-se a tendência, nalguma doutrina, de aproximar a proibição do pacto leonino


da própria natureza da sociedade: sem uma participação nos lucros, não haveria
sociedade.

Menezes Cordeiro considera que nessa altura o contrato leonino poderia subsistir como
qualquer outro contrato de não-sociedade, não se percebendo o porquê da proibição.

Quanto às perdas, a explicação para tais doutrinadores, já teria de ser outra: não faz parte
do objetivo de qualquer sociedade comungar em prejuízos.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 131


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Antunes Varela apela, então, a razões justificativas “de ordem moral e social, e não de
ordem jurídica”.

Menezes Cordeiro entende ser aquela uma solução incompreensível, no próprio plano
ético-social: não poderá um pai fazer uma sociedade com os filhos menores,
comprometendo-se a arcar com os prejuízos, se os houve, e isso em nome da moral?!
Além disso, não pode a Ciência do Direito demitir-se de explicar juridicamente as suas
soluções. A razão da invalidade dos pactos leoninos, assente em sólida tradição histórica,
deve ser procurada noutras latitudes. Antes de o fazer importa reafirmar a unidade do
instituto: ele não deve ser esquartejado em, por um lado, não-participação nos lucros e,
por outro, não-participação nas perdas: trata-se de proposições que obedecem,
nitidamente, às mesmas valorações.

Isto dito: o sócio que abdique de lucros vai sujeitar-se a eventuais prejuízos; o que aceite
todos os prejuízos vai submeter-se, eventualmente aos que ocorram. Em qualquer dos
casos, ele está a dispor, para o futuro, das vantagens que poderia obter e está a conceder,
também para o futuro, vantagens aos outros sócios.

A proibição dos pactos leoninos deve inscrever-se na linha dos Direitos do Sul: envolvem
um misto de renúncia antecipada aos direitos e de doação do que (ainda) não se tem. Se
alguém quiser dar lucros ou arcar com prejuízos, tudo bem: fá-lo-á, porém, na altura
concreta em que ocorram e com eficácia limitada aos valores efetivos então em jogo.
Obrigar-se, para todo o tempo, a fazê-lo poderá ir ao encontro dos frígidos valores do
Norte; não ao do calor do Sul. A nulidade dos pactos leoninos não suscita assim dúvidas.

Quanto ao âmbito da proibição, as partes, perante uma tentação leonina, não irão exarar,
expressis verbis, uma cláusula com o inerente teor. Tal cláusula ou é dissimulada em
diversas outras, ou consta de um extra, normalmente sob a forma de um acordo
parassocial.
A valoração é, porém, material: atingirá todos os dispositivos que, seja qual for a sua
localização ou a sua configuração, conduzam à prévia e indeterminada disposição de
lucros ou à também prévia e indeterminada assunção de prejuízos.

Verificada a nulidade do pacto (ou da cláusula) leonino, a doutrina tem reclamado a


aplicação do instituto da redução, ou seja, a sociedade vigoraria sem a parte viciada, salvo
se se demonstrasse que, na sua falta, as partes não teriam contratado.

Menezes Corderio considera que não é tão simples. Uma sociedade leonina não é uma
sociedade comum com uma cláusula leonina: surge antes como um negócio uno e
distorcido em toda a sua conceção.
A redução não o pode salvar, apenas a conversão lhe valeria, desde que verificados os
requisitos: teremos de atender ao fim das partes e à sua vontade hipotética, com uma
diferente distribuição do ónus da prova.

Direito aos lucros

CSC: 21º/1 a) Todo o sócio tem direito a quinhoar nos lucros, isto é, cada sócio tem o
poder de exigir parte dos lucros, quando os mesmos sejam (ou tenham de ser) distribuídos.
CSC: 22º/1 Em regra, na proporção do valor da respetiva participação no capital social.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 132


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Não quer dizer que, quando haja lucros distribuíveis, cada sócio pode exigir da sociedade,
a todo o tempo, o seu quinhão ou quota parte na totalidade desses lucros. Só pode exigi-
lo se e quando os lucros forem (ou devam ser) distribuídos (normalmente por força da
deliberação dos sócios) e tendo em conta a medida da distribuição.

É por isso comum na doutrina contrapor:


• Direito abstrato aos lucros: direito de quinhoar nos lucros, enquanto direito
integrante da participação social;
• Direito concreto aos lucros: direito de crédito à quota-parte dos lucros
distribuídos.

O direito abstrato (potencial) aos lucros não é uma mera expectativa jurídica, pois contém
já direitos concretos (atuais), poderes ou faculdades atualmente exercitáveis. Na verdade,
todo o sócio tem o poder jurídico de exigir permanentemente da sociedade que não seja
excluído da comunhão dos lucros. Menezes Cordeiro considera o direito abstrato aos
lucros um direito subjetivo.

o Passagem de um direito abstrato para um direito concreto

Com a apresentação das contas, das quais resulte um lucro distribuível, com a aprovação
dessas contas e com a aprovação de uma proposta de distribuição de resultados.

Nas Sociedades por Quotas e nas Sociedades Anónimas há que seguir as respetivas regras,
aplicando-se ainda o que disponham os estatutos.

Caso haja lucro, lucro é receitas (despesas (proveitos – custos), este vem expresso na
demonstração de resultados. Quem diz se há lucro ou não é o órgão de administração.
Quando verificamos se há lucro verificamos que situações jurídicas ativas entram e que
situações jurídicas passivas existem (não se trata só de dinheiro).
As contas têm que dar uma Imagem fiel e apropriada da situação da sociedade.

Exemplo: A sociedade tem um crédito de 100 mas há fundadas dúvidas de que a sociedade
consiga vir a cobrar esse crédito, nomeadamente porque o devedor está em risco de ficar
insolvente, então provavelmente só vai conseguir cobrar 80: assim, no registo vai registar
“-20” a título de provisão, que consubstancia a contabilização do risco de incobrabilidade.
O risco de incobrabilidade do crédito é feito através de um juízo de prognose, que é de
certa forma discricionário.

Se o lucro for distribuível


Lucro = prejuízos/resultados transitados – o necessário para reconstituir ou formar
reservas; e saber se esse resultado é superior a capital social + reservas

CSC: 32º Podem distribuir lucros se a situação líquida da sociedade após a distribuição
for superior à soma do capital social mais reservas.

Nas Sociedades Anónimas há que seguir as seguintes regras:


1. Administração fecha as contas e envia para o ROC
2. CSC: 446º + 420º/1 g) ROC vai fechar a certificação legal de contas + parecer de
órgão de fiscalização

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 133


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3. CSC: 289º Tal é disponibilizado aos sócios como informação preparatória da AG


4. CSC: 376º Depois de os sócios serem convocados, têm um prazo de 30 para a
realização da AG

o Renuncia ao direito aos lucros

Menezes Cordeiro considera que o sócio que abdique de lucros vai sujeitar-se a eventuais
prejuízos. Neste caso, ele está a dispor para o futuro das vantagens que poderia obter – há
esta permanente tentação de se dar o que ainda não se tem e, por isso, o legislador toma
medidas coerentes, como a proibição da renúncia antecipada de direitos
CC: 809º Funciona como um limite a uma reserva estatutária que exclua a distribuição
dos lucros aos sócios.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 134


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CONSTRUÇÃO FINANCEIRA E DEFESA DO CAPITAL

O funcionamento de uma sociedade comercial, num fenómeno particularmente visível


nas sociedades anónimas, é suportado por fluxos monetários. Aplicam-se-lhes regras
especializadas a cujo conjunto a moderna comercialística chama a constituição financeira
das sociedades. Nesse domínio, é habitual a distinção entre:

Capitais alheios: dizem-se, inter alia:


Obrigações;
Opções, covertible bonds;
Títulos de participação nos lucros e outros empréstimos.

Capitais próprios: com exemplo nas sociedades anónimas, abrangem, designadamente:


O capital social, correspondente à soma do valor nominal das ações subscritas ou de um
valor fixo, se estiverem em causa ações sem valor nominal, após a reforma introduzida
pelo Decreto-Lei n.o 49/2010, 19 maio;
As reservas de ágio ou de prémio de emissão, correspondentes à soma do sobrevalor por
que, com referência ao valor nominal, as ações tenham sido colocadas;
O montante de outras prestações feitas pelos acionistas;
As reservas livres, constituídas por lucros não distribuídos e para elas encaminhados;
A reserva legal, imposta por lei;
Outras reservas.

Ativo – passivo = capitais próprios


Situação líquida da sociedade, incluindo o
ágio (diferença entre valor real e nominal), reservas,
prestações suplementares e resultados transitados.
Com a exceção das prestações suplementares, nestes
casos a sociedade não está obrigada a reembolsar.

Para bem dos credores temos de ter capitais próprios, mas os sócios não querem realizar
o capital social, porque não são reembolsáveis – tínhamos uma tensão.
CSC: 213º O legislador pensou em arranjar uma maneira de reembolsar: se a situação
líquida descer a até à zona de perigo (soma de capital e reservas), não há reembolso das
prestações suplementares – assim, protege-se a posição dos credores.

No tocante aos capitais próprios, há que lidar com as regras gerais derivadas da
escrituração mercantil e da prestação de contas e, ainda, com regras especialmente
prescritas para este aspeto da vida societária.
O Direito toma diversas medidas destinadas a proteger o capital social. Elas visam a
defesa dos terceiros, particularmente quando credores e, ainda, a tutela das próprias
sociedades, dos sócios do comércio em geral.

Bastante relevantes são as regras atinentes à temática das reservas. Ora, as sociedades
comerciais operam dentro do Direito privado; nessas condições, tem plena aplicação o
aforismo de que é permitido quanto não for proibido por lei.

Todavia, estamos num campo em que se jogam posições que as leis modernas vêm, por
vezes, acautelar.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 135


Direito Comercial | Regente Menezes Cordeiro

Assim:
a) O interesse dos sócios minoritário;
b) Os direitos de terceiros credores da sociedade;
c) O valor social representado pela própria sociedade.

As leis de proteção, para além dos aspetos procedimentais de contabilidade e de prestação


de contas, regulam a hipótese de distribuição de lucros ao sócios. Tal distribuição pode
afetar duplamente as reservas: ora impedindo a sua formação, ora implicando o seu
desaparecimento.

Tendo em consideração que as empresas (especialmente as sociedades comerciais) visam


produzir e captar lucros, pois só assim poderão congregar os capitais necessários para a
subsequente criação de riqueza, há que encontrar uma bissetriz justa e adequada entre a
tutela dos valores em jogo, que exige certas regras atinentes aos capitais próprios e à
proteção do lucro, condição sine qua non de funcionamento do sistema.

Modalidade de lucro

o Lucro final ou de liquidação


É o lucro que se apura no termo da sociedade, quando esta se líquida, e que consiste no
excedente do património social líquido sobre a cifra do capital.

Lucro final = Património líquido da sociedade – Capital social

Se o lucro é um ganho é também um incremento patrimonial conseguido pela sociedade


relativamente aos bens afetados, com carácter permanente, pelos sócios ao exercício da
atividade social, pelo que se deve aferir pelo confronto do capital social e o património
social.

Apesar de ser este lucro que efetivamente permite perceber se a sociedade teve ganhos,
pois noutro momento, os ganhos apurados poderão ser absorvidos pelas perdas de outros
exercícios, este não é o lucro mais relevante, pois seria irrazoável se apenas ocorresse
distribuição de lucros com a morte da sociedade.

o Lucro de balanço, lucro periódico ou distribuível


Este lucro representa o acréscimo patrimonial gerado e acumulado pela sociedade, desde
o início da sua atividade até determinada data e traduz o valor dos lucros que podem ser
distribuídos aos sócios.
Resulta da diferença entre o património líquido da sociedade e a soma do capital e das
reservas indisponíveis.

Lucro de balanço = Património social – (Capital Social + reservas indisponíveis)

Será, portanto, esta noção a relevante para, de acordo como CSC: 32º determinar o limite
da distribuição de bens aos sócios.

o Lucro de exercício
Consiste na expressão monetária do resultado positivo da atividade desenvolvida pela
empresa social durante o mesmo exercício.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 136


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Ou seja, há lucro de exercício quando o valor patrimonial líquido da sociedade no fim do


ano económico é superior ao inico devido à sua atividade, tratando-se por isso apenas do
excedente patrimonial resultante daquele ano.

Lucro de exercício = Património social líquido no fim do exercício – PSL no início

Será esta a noção de lucro adotada na maioria dos preceitos legais, é a noção relevante
para o CSC: 33º, assim como para a constituição de reservas legais.

A distribuição dos bens aos sócios

Consequência direta da personalização das sociedades é a separação patrimonial: os bens


da sociedade não se confundem com os dos sócios. Assim, os sócios têm no seu conjunto
o controlo da sociedade: poderão entender, dentro da sua autonomia privada, que a
sociedade não necessita de determinados bens ou que, de todo o modo, eles ficariam
melhor nas mãos dos diversos sócios.

Não poderão, ainda assim, deliberar uma distribuição, mais ou menos importante, de bens
aos sócios, dada a proteção necessária ao interesse dos credores da sociedade (para os
quais não é indiferente a consistência do património da sociedade e os bens que no mesmo
se encontrem) e a própria confiança do público na estabilidade dos entes coletivos (não
se compreenderia que os bens circulassem, sem mais, entre a sociedade e os sócios).

CSC: 32º/1 Contém uma norma básica para a tutela dos credores fixando o valor máximo
de bens que pode ser distribuído através do cálculo do lucro de balanço.

CSC: 32º/2 Visou uma adaptação às atuais regras contabilísticas.


No fundo pretende que apenas possam ser distribuídos aos sócios, valores que,
tecnicamente, se devam considerar lucros: em princípio, no que a situação líquida
ultrapasse o capital e as reservas não distribuíveis, há “lucro”. Como as dívidas são
encontradas na situação líquida, a posição dos credores fica assegurada.

Na hipótese de o próprio capital ser considerado excessivo, terá de haver uma redução do
capital, que equivale a uma modificação do contrato com regras próprias.
A coerência do sistema é assegurada por um conveniente processo de distribuição de
bens, que consta do CSC: 31º

o Distribuição irregular do lucro

CSC: 34º Os bens indevidamente recebidos pelos sócios devem ser restituídos à
sociedade.

Nº1 Todavia, fica protegida a posição dos sócios de boa fé Nº2 sendo o todo aplicável
aos transmissários dos direitos dos sócios.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 137


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Nº5 alarga o dispositivo da restituição a “qualquer facto que faça beneficiar o património
das referidas pessoas dos valores indevidamente atribuídos”. Temos, aqui, manifestações
do instituto da repetição do indevido.

Lucros e reservas não distribuíveis

A tutela do capital social encontra no CSC um tratamento em duas partes: na parte geral
e na parte especial (relativa às sociedades anónimas, constando de normas que também
são mandadas aplicar às sociedades por quotas). Devendo todas estas regras devem ser
interpretadas e aplicadas em conjunto:

CSC: 33º/1 Proibição de distribuição de lucros do exercício que se mostrem necessários


para cobrir prejuízos transitados ou para formar ou reconstituir reservas obrigatórias, por
lei ou pelos estatutos. A lei não define “lucros de exercício”, sendo de presumir que
recorre ao sentido comum dessa expressão.

A proibição reporta-se a “lucros necessários para cobrir prejuízos transitados ou para


formar ou reconstituir reservas”; a contrário, cabe distribuição de lucros quando os
prejuízos transitados possam, legalmente, ser cobertos de outra forma.
Exemplo: a sociedade ter constituído uma reserva facultativa destinada a enfrentar
determinados prejuízos previsíveis: ocorrendo estes, a sua cobertura está assegurada; os
lucros podem ser distribuídos, nos termos legais.

A reservas imposta pela lei encontra-se no CSC: 295º/1 + 296º


Só pode ser utilizada para:
• Cobrir a parte do prejuízo acusado no balanço do exercício que não possa ser
coberto pela utilização de outras reservas
• Cobrir a parte dos prejuízos transitados do exercício anterior que não possa ser
coberto pelo lucro do exercício nem pela utilização de outras reservas
• Para incorporação no capital
O quadro do regime da reserva legal é claro e preciso: Advém de, pelo menos, 1/20 dos
lucros anuais; Até atingir 1/5 do capital social; E só podendo ser usada para os fins.
As cifras podem ser aumentadas pelo pacto social, mas não diminuídas.

CSC: 295º/3 Explica em que consistem os ágios referidos na al. a): englobam,
designadamente, o chamado prémio de emissão das ações. Pergunta-se: as reservas em
causa ficam sujeitas a todo o regime legal ou apenas a parte dele? Com a seguinte
consequência prática:
• Se for a todo o regime legal, as reservas facultativas elencadas no 295º/2 só
ficariam congeladas até à ocorrência de 1/5 do capital social;
• Se for parte do regime – e sendo a parte o 296º–, ficariam congeladas sem limite
de montante.
Para Menezes Cordeiro a questão nem deveria colocar-se, pois, se a lei remete para o
regime legal, é obviamente todo. Fazer amputações apenas poderá́ conduzir a distorções
em absoluto inimputáveis a qualquer legislador razoável.

Assim, só quando não existirem prejuízos transitados e só depois de retirados montantes


destinados à formação de reservas levais e estatutárias é que o lucro de exercício poderá

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 138


Direito Comercial | Regente Menezes Cordeiro

ser destinado aos sócios, sendo sobre este valor remanescente que os sócios poderão
reclamar a sua distribuição parcial.

É, portanto, consagrado um regime inderrogável de cobertura dos prejuízos da sociedade,


devendo os lucros de exercício ser necessariamente afetados a tal finalidade.

CSC: 217º + 294º Existe, contudo, uma proteção das minorias societárias atribuindo-lhes
o direito à repartição de metade do lucro de exercício distribuível.

CSC: 33º/2 Veda-se, aí, a distribuição de lucros de exercício, enquanto as despesas de


constituição, de investigação e de desenvolvimento não estiverem completamente
amortizadas.
Solução lógica: trata-se de despesas de lançamento de sociedade;
se ainda não estiverem cobertas, não há́ , em bom rigor, lucros a referenciar.
Todavia, a proibição cessa se o montante das reservas livres e dos resultados transitados
for, pelo menos, igual ao dessas despesas não amortizadas. O legislador pretende, de
facto, que certas despesas não sejam deixadas a descoberto, a pretexto de distribuição de
lucros. A proibição já não faz sentido quando existam esquemas reais e efetivos que
assegurem a pretendida cobertura.

CSC: 33º/3 Proíbe a distribuição das chamadas reservas ocultas.


• Sendo ocultas, as reservas escapam ao conhecimento e ao controlo dos sócios e
de credores; a sua distribuição surgiria como uma pura disposição do património
social;
• Não constando da contabilidade, as reservas ocultas põem em crise a verdade do
balanço e da prestação de contas, mais se agravando essa situação com a sua
distribuição.

CSC: 33º/4 Traduz um afloramento do princípio da verdade e da transparência: havendo


distribuição de reservas, seja em que termos for, a deliberação deve mencioná-lo, de modo
expresso.

A manutenção das reservas legais

CSC: 295º/2 Quando sujeita ao regime da reserva legal determinadas reservas livres,
designadamente as constituídas pelos prémios de emissão de ações, fá-lo apenas nos
limites de 1/5 do capital social e isso se essa parcela não estiver já coberta pela reserva
legal e na medida em que isso (não) suceda.

o Elemento gramatical
O artigo sujeita determinadas reservas livres “ao regime da reserva legal”. Não distingue,
logo, é todo o regime.

o Elemento sintático
CSC: 295º/1 Indica os primeiros e mais impressivos traços do regime da reserva legal: o
modo de constituição e o montante. E é nessa sequência que o Nº2 explicita que ficam

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 139


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sujeitas ao regime da reserva legal. Esse aspeto quantitativo do regime estava direta e
necessariamente em causa, parecendo, impensável vir escamoteá-lo, apelando apenas a
aspetos mais distantes.

o Elemento sistemático
Todo o sistema do CSC aponta para um regime de mínimos, os quais são ultrapassados
por expressa disposição estatutária. Alcançados esses mínimos, a própria reserva legal
excedentária fica disponível. Não se compreende como, de modo enviesado, o legislador
iria ampliar a latere, sem limite e à custa da liberdade empresarial, as verbas congeladas.

Neste ponto, a globalidade do sistema, com apoio na autonomia privada e no espaço de


liberdade que necessariamente aflora nas sociedades comerciais, sempre exigiria a
solução que propugnamos. A hipótese inversa, por contrariedade ao sistema e a valores
fundamentais, suscitaria, inclusive, problemas de (in) constitucionalidade, a prevenir pela
interpretação.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 140


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SOCIEDADES POR QUOTAS 30

Colocava-se a questão se existia uma obrigatoriedade de distribuição de lucros, pelo


menos de parte deles, de forma a prevenir que a sociedade crescesse indefinidamente de
acordo com a vontade da maioria sem que a minoria pudesse receber quaisquer vantagens.

CSC: 217º Dá a entender que não foi essa a posição que prevaleceu, ou seja, que, segundo
Menezes Cordeiro não existe uma obrigatoriedade da distribuição de lucros.

Regra Geral: deve ser distribuído aos sócios metade do lucro de exercício, que seja
distribuível.
CSC: 33º/1 A noção de lucro distribuível dada explicita que não são distribuíveis
os lucros de exercício necessários para cobrir a parcela de prejuízos transitados, ou
destinada a formar reservas impostas.
CSC: 33º/2 Não pode igualmente ser distribuído o lucro de exercício enquanto as
despesas de constituição não estiverem amortizadas.
CSC: 33º/3 Não pode ser distribuída as reservas cujo montante não conste do
balanço.

Exceção: Cláusula contratual


Deliberação tomada por maioria de ¾ dos votos

Apurada a existência de lucros distribuíveis é necessária uma deliberação social para


determinar a sua distribuição.

Deliberada a distribuição dos lucros deve a distribuição ser realizada CSC: 22º/1 na
proporção dos valores nominais das quotas de capital.

CSC: 217º/2 Regra Geral: o crédito dos sócios à sua parte dos lucros vence-se após 30
dias da deliberação
Exceção: Diferimento consentido pelo sócio pelo período que este admitir
Sócios podem alargar o diferimento até aos 60 dias

CSC: 217º/3 Visa salvaguardar a posição dos sócios determinando que apenas se pode
distribuir lucros, contratualmente estipulados, a gerentes e fiscais após a distribuição dos
lucros aos sócios.

30
CORDEIRO, António Menezes, Manual de Direito das Sociedade, Volume II, Sociedades em
Especial, 2ª Edição, página 311 a 315

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 141


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SOCIEDADES ANÓNIMAS 31

CSC: 294º/1 Regra Geral: deve ser distribuído aos sócios metade do lucro de exercício,
que seja distribuível.
CSC: 33º Dá-nos o elenco dos lucros não distribuíveis:
• Necessários para cobrir a parcela de prejuízos transitados
• Destinados a formar reservas impostas.
• Necessários para cobrir as despesas de constituição não estiverem amortizadas.

Exceção: Cláusula contratual


Deliberação tomada por maioria de ¾ dos votos

É de notar que existe um direito abstrato aos lucros inerente à qualidade de sócio, em
seguida, existirá um direito potestativo aos lucros, quando se verificar que existem lucros
distribuíveis e por fim um direito de crédito a um determinado lucro, quando se deliberar
a distribuição dos lucros.

CSC: 294º/2 O direito de crédito ao lucro constitui-se numa obrigação pecuniária com as
seguintes regras:
Prevalecem as disposições legais que impeçam o pagamento antes de certas formalidades
Vence-se no prazo de 30 dias após a deliberação social
Pode vencer mais tarde com o consentimento do sócio
Pode vencer mais tarde por deliberação fundada numa exceção

Aditamento sobre os lucros

Em regra, por razões de segurança contabilística, os lucros são distribuídos anualmente,


contudo pode ocorrer uma distribuição antecipada dos lucros.

CSC: 297º/1 O aditamento dos lucros necessita de preencher os requisitos exigidos.

CSC: 297º/2 Impõe um limite para garanti o distanciamento entre os interesses dos sócios
e o aditamento

A reserva legal

A reserva legal corresponde a um valor ideal retido na sociedade por imposição legal e
que se destina à compensação de perdas, à incorporação no capital social ou outro fim.

CSC: 295º + 294º A reserva legal advém de, pelo menos, 1/20 dos lucros anuais, até
atingir 1/5 do capital social e só pode ser usada para os fins previstos.

CSC: 295º/2 Estende o regime das reservas legais a determinados valores.

31
CORDEIRO, António Menezes, Manual de Direito das Sociedade, Volume II, Sociedades em
Especial, 2ª Edição, página 601 a 607

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 142


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A PERDA DE METADE DO CAPITAL SOCIAL

CSC: 35º Dispõe sobre a eventualidade da perda de metade do capital social das
sociedades comerciais.
Trata-se de um preceito muito atormentado, que obteve estudos nossos.

DL 184/87, 21 abril, introduziu no CSC, um novo título VII, referente a disposições gerais
e de mera ordenação social. Contém-se aí o artigo 523º, com o teor seguinte:
“O gerente, administrador ou diretor de sociedade que, verificando pelas contas de
exercício estar perdida metade do capital, não der cumprimento ao disposto no artigo 35º/
1 e 2, deste Código será punido com prisão até três meses e multa até 90 dias.”

DL 237/2001, 30 agosto, veio atingir diversos preceitos do CSC, de modo a reduzir as


exigências de escritura pública. Nesse contexto, dispôs no art. 4º:
“O artigo 34º do Código das Sociedades Comerciais entra em vigor na data da entrada em
vigor do presente diploma.”

A previsão vigente
CSC: 35º

Contas de exercício são as previstas no CSC: 65º/1, com referência a cada exercício anual.
As contas intercalares situam-se entre as contas de exercício, podendo ser requeridas por
lei especial ou pelos estatutos ou, ainda, derivar de mera prática interna.

Prevê ainda a hipótese de fundadas razões levarem a admitir as tais perdas graves.
As fundadas razões serão aquelas que se imponham ao gestor normal, colocado na
posição do gestor real. Para serem fundadas elas deverão, de todo o modo, arrancar de
umas quaisquer contas anteriores. Tudo isto traduz um alargamento em relação à redação
anterior que apenas apresentava, como referencial, as contas de exercício.

Abandonou-se a referência ao capital próprio constante do balanço de exercício, uma vez


que a existência das perdas pode, agora, ser apurada na base dos balanços intercalares ou
das fundadas razões.

Os capitais próprios abrangem, além do capital social, as reservas de ágio, as prestações


dos acionistas, a reserva legal, as reservas livres e outras rubricas. Na lógica da lei, haverá
que lhe subtrair o passivo. Todavia, não é pacífico, entre os peritos, o exato alcance desse
capital e, designadamente, se abrange expectativas de negócio e reavaliações. Em
situações de fronteira e no silêncio do legislador, tudo dependerá das técnicas
contabilísticas utilizadas.

As consequências

CSC: 35º/1 2ª parte Verificadas as tais perdas graves devem os gerentes convocar de
imediato a assembleia geral ou os administradores requerer prontamente a convocação da
mesma, a fim de nela se informar os sócios da situação e de estes tomarem as medidas
julgadas convenientes.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 143


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CSC: 35º/3 Além do dever de convocação, a lei determina a ordem do dia mínima, ainda
que usando uma linguagem menos curial:
• A dissolução por deliberação dos sócios CSC: 141º/1 b).
• A redução do capital social deve observar os artigo 94º e ss.. Tratando-se de cobrir
perdas, ficaria dispensada a autorização judicial (95º/3) suprimida, de todo o
modo, após a reforma de 2007.
• Quanto à realização de entradas: a competente deliberação especificará que tipo
de prestações estarão em jogo e qual o ritmo da sua realização, dentro dos fins da
lei.
Os três pontos elencados são, apenas, pontos para deliberação dos sócios. Nenhum deles
tem de ser aprovado.

Quid iuris se os administradores não executarem o artigo 35º?


Já vimos que desapareceu a dissolução automática e também desapareceu o dever de
propor: tudo se queda, agora, por um dever de convocar ou de fazer convocar a assembleia
geral, com uma certa ordem do dia.

O atual artigo pode operar como fonte de deveres legais, para efeitos de responsabilidade
civil dos administradores para com a sociedade (72º/1 na parte em que refere omissões)
e para com os credores sociais (78º/1).
Perante a fórmula restritiva do art. 79º/1, ao restringir-se aos danos diretos, queda, como
via de responsabilidade perante sócios e terceiros, o apelo às normas de proteção.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 144


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OS ACORDOS PARASSOCIAIS 32

A comparticipação dos sócios na vida societária constitui um dos aspetos básicos do


estado em que se inserem. Aí se concretiza o seu direito ao trabalho e ao seu direito à
iniciativa privada: pessoal e económica.

A comparticipação dos sócios na vida societária obedece à autonomia privada e à sua


livre iniciativa. Esta processa-se, contudo, no quadro da lei, dos estatutos da sociedade e
ainda de determinados acordos celebrados pelos sócios: os chamados acordos
parassociais.

Os acordos parassociais são convénios celebrados por sócios de uma sociedade, nessa
qualidade; visam, além disso, regular relações societárias. Distinguem-se, em abstrato, do
próprio pacto social, uma vez que apenas respeitam aos sócios que os celebrem, sem
interferir no ente coletivo. E distinguem-se igualmente de quaisquer outros acordos que
os sócios possam celebrar entre si por, no seu objeto, respeitarem a verdadeiras relações
societárias.

Compreende-se a delicadeza da figura; através de acordos parassociais, os sócios podem


defraudar todas as regras societárias e, ainda, os próprios estatutos. Por isso, os diversos
ordenamentos têm tecido, em torno dos acordos parassociais, múltiplos esquemas
restritivos.

Os acordos parassociais podem respeitar ao exercício do direito de voto: seja no tocante


a aspetos pontuais, seja no que respeita à estratégia geral da sociedade, no âmbito da
política do pessoal ou da própria empresa. Por vezes, implicam verdadeiras deliberações
prévias. Podem ainda regular o regime das participações sociais, fixando preferências ou
variados processos de alienação. Neles os sócios podem obrigar-se a subscrever aumentos
futuros de capital ou a constituir novas sociedades complementares.

Direito Português

CSC: 17º Veio admitir genericamente os acordos parassociais

Ao admitir os acordos parassociais altera a orientação antes prevalente de os considerar


excluídos, por falta de base legal.

Todavia, o nº 1 desse preceito apenas lhes confere uma eficácia obrigacional: produzem
efeitos entre os sócios intervenientes e, na sua base, não podem ser impugnados atos da
sociedade ou de sócios para com a sociedade.

Retiramos ainda daqui que não é possível a execução específica de acordos parassociais.

Repare-se: o voto tem efeitos societários: não meramente obrigacionais. Admitir uma
ação de cumprimento (que teria aqui, de ser uma execução específica, já que o voto é uma
declaração de vontade que, não sendo emitida pelo próprio, teria de o ser pelo tribunal)
seria conferir, ao acordo parassocial, uma eficácia supra partes.

32
CORDEIRO, António Menezes, Direito das Sociedade, Parte Geral, 4ª Edição, página 611 a 633

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 145


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Querendo conferir uma eficácia absoluta aos acordos parassociais, as partes têm, todavia,
um caminho em aberto: o de estabelecer pesadas cláusulas penais. Cabe agora aos
tribunais, através do exercício prudente e criterioso da faculdade de redução equitativa,
moralizar esse procedimento, lícito à partida.

Modalidades

Os acordos parassociais podem ter objetos diversificados.

o Acordos relativos ao regime das participações sociais

Podem regular os mais diversos aspetos relativos a elas e em especial às ações.


Particularmente em causa estará o regime da sua transmissão, sendo de relevar:
Proibições de alienação: absolutas, temporárias ou fora de um determinado
círculo de pessoas – normalmente, as que hajam subscrito o acordo;
Direitos de preferência mútuos, com regulações mais ou menos explícitas,
sobre o seu exercício;
Direitos de opção, na compra ou venda das participações sociais;
Obrigações de subscrição de determinados aumentos de capital;
Obrigações instrumentais, quanto ao manuseio de ações ou dos títulos que
as representem.
Por vezes, designadamente quanto a preferências, as partes atribuem eficácia real ao
negócio. Será um ponto a referir caso a caso, perante o regime das quotas e das ações.

o Acordos relativos ao exercício do direito de voto

Dos mais variados teores, podem implicar três grandes tipos:

As partes predeterminam, no próprio acordo, o sentido do voto, em termos concretos: na


reunião A, votar-se-á a proposta B;

As partes obrigam-se a uma concertação futura, relativa a determinado tipo de assuntos;


fica entendido que eles não serão aprovados se, ambas (ou todas) não estiverem de acordo;
é a concertação por unanimidade;

As partes obrigam-se a reunir em separado, antes de qualquer assembleia geral, de modo


a concertar o voto; aí, poderá prevalecer a opinião da maioria, ficando a minoria obrigada
a votar com ela;

o Acordos relativos à organização da sociedade

Implicam um misto de regime das participações e de sindicato de voto. Temos, também


aqui, as mais diversas hipóteses, acordadas na prática:
As partes adotam um plano para a empresa e comprometem-se a pô-lo em
prática; ficam implicadas votações concertadas em assembleia geral, indicações
ou eleições de administradores de confiança e, até, influências extrassocietárias;

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 146


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As partes repartem os órgãos societários; posto isto, votam todas, de modo


concertado;
As partes obrigam-se a investir, aumentando – obrigando-se a votar nesse
sentido – o capital e subscrevendo-o;
As partes obrigam-se a enfrentar um concorrente: não lhe alienando ações,
isolando-o na assembleia (ou no conselho de administração, quando lá chegue,
por via do art. 392o) ou acompanhando os seus movimentos (entenda-se: dentro
da sociedade e no que seja oficial e público);
As partes obrigam-se a prever certas auditorias internas ou externas,
votando nesse sentido.

Modalidade de acordo parassocial é ainda a dos acordos omnilaterais – acordos subscritos


por todos os sócios e que assumiriam um especial relevo quando incompatíveis com os
estatutos. Nessa eventualidade, que não poderia atingir os interesses de terceiros, haveria
como que uma desconsideração (levantamento) da personalidade, para efeitos internos.

A tendência é para alargar o leque de acordos parassociais, impondo, todavia,


publicidade.

Acontece muitas vezes que as partes preveem a obrigação de confidencialidade: não dão
a conhecer a existência do acordo.

Menezes Cordeiro não considera que haja inconveniente na confidencialidade dos


negócios, dentro dos limites da lei. Estes devem ser ressalvados em qualquer contrato. A
violação da confidencialidade obriga a indemnizar, salvo o que se dirá sobre as garantias.

Os acordos parassociais são, por vezes, dotados de garantias poderosas. Temos, como
exemplos: O depósito das ações em contas de garantia – escrow accounts; Cláusulas de
rescisão, com ou sem pré-aviso; Cláusulas penais.

Também é frequente a inserção de convenções de arbitragem: pretende-se uma justiça


rápida e eficaz: é evidente que um processo de anos para discutir um acordo parassocial
nada tem a ver com a realidade das sociedades e da vida económica.

A exclusão da administração e da fiscalização

CSC: 17º Contém determinadas restrições.

CSC: 17º/2 É lapidar, dizendo que os acordos parassociais não podem respeitar à conduta
de intervenientes ou de outras pessoas no exercício de funções de administração ou de
fiscalização. A administração e a fiscalização ficam assim fora do universo aberto aos
acordos parassociais.

Quando muito, poderíamos admitir que o acordo visasse aspetos que, sendo da
competência da assembleia geral, pudessem refletir-se na administração e fiscalização: e
poucos serão, no caso das sociedades anónimas, CSC: 373º/3.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 147


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A razão dogmática do artigo prende-se com o facto de as sociedades comerciais se


submetem a um princípio de tipicidade. As sociedades regem-se pelo pacto social sujeito
a reconhecimento das assinaturas das partes e adquirem personalidade pelo seu registo.
Assim ficam acautelados os interesses dos sócios, de terceiros e de toda a comunidade.

As alterações ao pacto dos sócios, de terceiros e de toda a comunidade. As alterações ao


pacto passam, novamente, pelo crivo da escritura e do registo, com diversas instâncias de
fiscalização.

Admitir acordos parassociais com incidência na administração e na fiscalização


equivaleria a permitir, a latere, uma organização diferente da do pacto social. A tipicidade
societária perderia sentido, uma vez que a verdadeira orgânica seria parassocial.

Além disso, seriam iludidos todos os preceitos relativos ao pacto social e às suas
alterações: escritura, registo e diversas fiscalizações.

Esta limitação faz sentido; todavia, pode ser facilmente contornável e vai ao arrepio do
Direito comparado. Não podemos penalizar as já depauperadas empresas portuguesas,
perante as concorrentes estrangeiras. Preconizamos, assim, uma interpretação cuidada e
restritiva, caso a caso, segundo Menezes Cordeiro.

Outras restrições

CSC: 17º/3 Veio, nas suas alíneas a) e b), proibir os acordos segundo os quais o sócio
deveria votar seguindo sempre as instruções dos órgãos sociais ou aprovando sempre as
propostas por eles feitas. No fundo, os sócios delegariam os seus votos, materialmente,
nos órgãos sociais, os quais tomariam as decisões substantivas.

Várias razões foram decantadas, no Direito alemão, para justificar esta proibição:
1. A delegação do sentido do voto nos órgãos sociais equivale à dissociação entre o
capital e o risco: tudo se passaria como se a sociedade, à margem do permitido,
detivesse ações próprias.
2. Por esta via contorna-se, novamente, o princípio da tipicidade societária: o acordo
parassocial iria estabelecer uma orgânica paralela, à margem da oficial.

A evolução das sociedades anónimas mostra que o sistema de reconhecimento automático


teve como contrapeso a divisão dos poderes dentro da sociedade e o estabelecimento de
instâncias de fiscalização. Tudo isto de perde quando o sentido do voto passe a ser
dimanado pela sociedade ou pelos seus órgãos.

Apenas teremos de interpretar restritivamente as locuções “sempre”, sob pena de tirar


qualquer alcance prático aos preceitos.

CSC: 17º/3 c) Proíbe os acordos pelos quais alguém se comprometa a votar (ou a não
votar) em certo sentido, mediante vantagens especiais, proibição da chamada compra de
votos.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 148


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O preceito justifica-se pela necessidade de fazer corresponder o risco à detenção do


capital. De outro modo, a autocontenção subjacente às sociedades modernas perder-se-ia.
Além disso, estaria aberta a porta aos mais graves atentados ao interesse social, isto é, ao
interesse comum dos sócios, garantia do interesse geral.

A doutrina explica que estão em causa quaisquer vantagens especiais, desde que operem
como conexão, direta ou indireta, do voto. Elas nem teriam de apresentar natureza
patrimonial.

Também é seguro que a vantagem pode resultar de um acordo mais vasto. Trata-se, agora,
de interpretar o acordo parassocial, no seu conjunto, de modo a, dele, retirar a eventual
concessão de vantagens, a troco do voto.

Os acordos parassociais na prática societária portuguesa

Os acordos parassociais têm uma grande importância prática, particularmente a nível de


grandes empresas. Assumem várias funções, embora com especificidades nacionais.
Apontam-se três motivos que jogam muitas vezes em conjunto:

o As reprivatizações

Dirigem-se, em geral, ou a pequenos investidores praticamente interessados apenas em


mais valias esperadas ou a grupos descapitalizados de potenciais gestores. Essa
descapitalização teve a ver com as crises sucessivas dos anos 70 e 80 e com as
nacionalizações de 1975, pouco ou nada indemnizadas.

Além disso, por razões quiçá ideológicas, as reprivatizações (ou algumas delas) previam
uma dispersão do capital, procurando manter o poder empresarial em gestores afetos ao
Estado ou a máquinas partidárias. O remédio possível para tudo isto residia no
agrupamento parassocial dos interessados, como modo de contrabalançar a dispersão
nominal do capital. Os pactos ficariam, naturalmente, no limite da legalidade.

o A fraqueza económico-financeira de muitos participantes

Decorre do que foi dito e, ainda, da debilidade do mercado mobiliário: torna-se difícil
captar para a bolsa as pequenas poupanças, numa dificuldade que a burocracia reinante
se encarregou de agravar. Também aqui a associação dos interessados pode ser
compensadora.

o A recomposição mobiliária

Pode requerer novas aquisições, permutas e alienações programadas: os acordos


parassociais dão corpo a tudo isso.

Na prática das empresas surgem muitas vezes acordos parassociais à margem do estrito
esquema do artigo 17º. Os desvios mais comuns são os seguintes:

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 149


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• Acordos parassociais que incluem cláusulas que nada têm a ver com a sociedade
em jogo;
• Acordos parassociais em que intervêm não sócios, normalmente para adquirirem
opções de compra ou para as mais variadas combinações relacionadas com a
sociedade em jogo;
• Acordos parassociais subscritos, também, pela própria sociedade cujos sócios se
concertam.

Note-se que estamos no Direito Privado e, assim, a liberdade contratual tem aqui direta
aplicação. Nada impede as partes de celebrar contratos mistos, que incluam elementos
parassociais e, ainda, outros elementos típicos de outros contratos, em como elementos
totalmente originais.

Os acordos parassociais atípicos não podem, de modo algum, ser invalidades. Há, tão-só,
que interpretá-los, reconstituindo a vontade relevante das partes. Apenas quando se
mostrem violadas normas imperativas, se poderá questionar a sua validade.

Os acordos parassociais estão pouco representados nas decisões dos nossos tribunais. De
facto, o essencial da litigiosidade parassocial tem sido submetida a instâncias arbitrais. E
a esse nível as partes evitam, muitas vezes, qualquer publicidade.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 150


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DIREITO À INFORMAÇÃO 33

A informação em Direito

CSC: 21º/1 c) Inclui, entre os direitos dos sócios, o de obter informações sobre a vida da
sociedade, nos termos da lei e do contrato.

O termo “lei” refere-se ao Direito e à sua Ciência, havendo assim todo um vasto campo
encoberto sob o direito à informação.

O Direito das sociedades só funciona através de intrincada e permanente rede de


informações, trocadas com a maior naturalidade entre todos os intervenientes. Este direito
existe para que os sócios possam exercer a sua posição social de uma forma livre e
esclarecida, habilitando-o a decidir sobre o seu investimento ou desinvestimento (tutela
do investimento).

A dogmática da informação é preenchida fundamentalmente com uma ponderação de


diversas classificações de deveres: dão uma ideia imediata sobre vários parâmetros do seu
regime. Retemos, designadamente, distinções com base nos seguintes critérios:

o A base jurídico-positiva

Os deveres de informação podem resultar:

De regras indeterminadas: ocorrem institutos carecidos de concretização: por exemplo,


o dever de informar pré-contratual, assente na boa fé ou o dever de informar na pendência
do contrato, derivado da mesma bona fides.

De regras estritas: temos prescrições de informação que definem deveres à parte (mais)
densos. Na hipótese das regras estritas, logo se impõe uma subdistinção:
Regras estritas comuns: cobrem uma generalidade indeterminada de situações
hipotéticas
Regras estritas especiais: impõem-se mercê de normas jurídicas destinadas a
contemplar situações regulativas próprias de setores delimitadores.

O regime geral do CC: 573º é importante: ele terá aplicação, em todas as situações
relevantes, em termos de informação, sempre que lei especial não imponha regime
diverso. Trata-se de um regime simples e evidente:
Alguém tem de ter uma dúvida fundada quanto à existência ou ao conteúdo de um direito,
o direito de base, estando outrem em condições de prestar informações necessárias.
Podendo o direito efetivar-se por via judicial, se não for espontaneamente acatado.

o A fonte

Será aqui o facto jurídico que dê azo ao dever de informação. Na origem encontramos,
inevitavelmente, um direito duvidoso, quanto à existência ou ao teor e alguém em posição
de esclarecer. Quem saiba tudo não carece de informação, assim como quem não saiba,
não pode informar.

33
CORDEIRO, António Menezes, Direito das Sociedade, Parte Geral, 4ª Edição, página 635 a 658

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 151


Direito Comercial | Regente Menezes Cordeiro

O facto específico: corresponderá a uma precisa eventualidade que gere o dever de


informar: por exemplo, a ocorrência de negociações pré-contratuais ou o evento de feição
incerta que acione certas regras;

O status: é uma qualidade geral do sujeito que o habilita a colher informações. Neste
caso, o beneficiário poderá ficar isento de provar os concretos elementos que fundariam
o direito à informação: é o que sucede com o sócio.

o O conteúdo

O dever de informação poderá assumir as mais variadas feições: tudo depende do teor da
comunicação a veicular. De todo o modo, são possíveis ordenações e, designadamente,
as que distingam:

Deveres de informação substanciais: o obrigado está adstrito a veicular a verdade que


conheça, descrevendo-a de modo compreensível e explícito. Assim, na boa fé in
contrahendo, o visado deverá descrever correta e cabalmente a situação que conheça;

Deveres de informação formais: compete ao obrigado tão-só transmitir elementos


prefixados ou, se se quiser, informação codificada. Na informação aos sócios, poderá (por
hipótese) haver apenas que lhes entregar as contas: já não cabe ao informador (para o
caso: a própria sociedade) dar lições de contabilidade.

Podemos estabelecer uma tendencial relação inversa entre a substancialidade de uma


informação e a sua precisão inicial: quanto mais precisa for a comunicação, mais formal
é o seu cumprimento.

o A determinação

A autodeterminação: cabe ao próprio obrigado, à medida que a situação progrida, fixando


os termos a informar e a matéria a que eles respeitem; no limite, só ele estará em condições
de poder precisar o universo sobre que deverá recair a informação;

Heterodeterminação: compete ao interessado definir a matéria sobre que deseja ser


informado. Exemplo: as informações a favorecer pelos administradores das sociedades
anónimas, aos sócios e em assembleia geral (290º/1).

o A inserção sistemática

Em prestações principais: perante um vínculo destinado a informar, seja ele contratual


ou legal, a informação integra a prestação principal. Exemplo: o contrato destinado,
precisamente, a informar ou o dever legal de informar (CC: 573º)

Em prestações secundárias: em situações mais amplas que integrem, estruturalmente,


informações, estas preenchem o conteúdo de prestações secundárias: o contrato de
engenharia financeira ou o status de sócio, como exemplos contratual e legal,
respetivamente;

Em deveres acessórios: que podem acompanhar quaisquer vinculações, legais ou


contratuais, ex bona fide. A materialidade do ordenamento exigirá informações

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 152


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Tipos de informação consoante o acesso

Nem sempre os assuntos relativos às sociedades podem, ad nutum, ser dados a conhecer
a todos os sócios: a sociedade poderá ser detentora de segredos vitais.

Por outro lado, a qualidade de sócio pode ser totalmente circunstancial ou passageira:
bastará adquirir em bolsa, uma ação. Por isso, o Direito procura fixar círculos ou âmbitos
de acessibilidade de informações societárias, consoante as pessoas que a elas tenham
acesso.

A matéria tende a ser desenvolvida com base nas sociedades anónimas: aquelas que, pela
sua natureza e pelo relevo que assumem, mais informações poderão ter para dar. Caso a
caso haverá que ponderar a sua aplicabilidade aos outros tipos societários e às próprias
associações.

Pode adiantar-se a existência de quatro círculos de matéria informativa societária,


ordenados em função do acesso que a eles se tenha:

o Informação pública

É disponibilizada a todos os interessados, sócios ou não sócios. Ela resulta do registo


comercial e das publicações obrigatórias. Poderá ainda ser disponibilizada ao balcão de
sociedades que tenham estabelecimentos abertos ao público e nos quais se transacionem
valores que tenham a ver com a própria sociedade, ou produtos para os quais certas
características da sociedade possam ter relevo.
Exemplo: saber se determinada agência de viagens é uma sucursal de uma multinacional
da especialidade.

o Informação reservada

CSC: 21º/1 c) É a que assiste aos sócios, devendo ser colhida nos termos da lei e do
contrato. Tendencialmente, deveria assistir a todos os sócios: CSC: 288º/1 porém, a
extrema dispersão do capital de certas sociedades anónimas, que poderia colocar algumas
dezenas de milhares de pessoas em condições de pedir informações, com grandes custos
para a própria sociedade, levou a limitar, nas anónimas, alguma informação reservada,
aos detentores de 1% do capital social

o Informação qualificada

Assiste apenas a sócios que detenham posições mais consideráveis no capital da


sociedade: participações ditas qualificadas. É o que sucede CSC: 291º com as sociedades
anónimas, onde, para aceder a certos elementos, se requerem 10% do capital social
agrupado ou CSC: 214º com as sociedades por quotas, onde, em princípio, todas as
participações são consideradas, para este efeito, qualificadas.

o Informação secreta

No pode ser disponibilizada aos sócios. Trata-se fundamentalmente de informação sujeita


a sigilo profissional ou de informação que, a ser divulgada, poderia prejudicar os sócios
ou a própria sociedade. Exemplo: receita da coca cola.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 153


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A informação corrente

Tradicionalmente, a informação societária tinha a ver com o acesso às contas e à


escrituração da sociedade.

Hoje limita-se a referir informações sobre a vida da sociedade: parece estarmos perante
um âmbito mais vasto.

O que entender por “vida da sociedade”, tomada em sentido lato, pode ligar-se à vida
particular dos administradores e, até, dos quadros e demais colaboradores: tudo isso é
suscetível de interferir nos negócios sociais.

CSC: 288º/1 Relativo ao direito mínimo à informação, no âmbito das sociedades


anónimas, indica o objeto da informação, acessível aos acionistas que tenham, pelo
menos, ações representativas de 1% do capital social.

CSC: 289º Quanto a informações preparatórias da assembleia geral, vem acrescentar


alguns dados ao objeto da informação, durante os 15 dias anteriores à data da assembleia
geral. Acrescenta ainda, ao rol de elementos a disponibilizar aos acionistas, na sede da
sociedade, os requerimentos de inclusão de assunto na ordem do dia.

CSC: 290º Permite que o acionista requeira, em assembleia geral, que lhe sejam prestadas
informações verdadeiras, completas e elucidativas, que lhe facultem formar uma opinião
fundamentada sobre os assuntos sujeitos a deliberações. De outro modo, a deliberação
poderá ser anulável.

A enumeração legal de elementos, aqui exemplificada com as sociedades anónimas,


sobre que deva recair a informação, é taxativa ou a eles há que acrescentar todos os
outros suscetíveis de integrar a vida da sociedade?

Tanto a jurisprudência como Menezes Cordeiro, ao contrário de Cunha Gonçalves


tendem a considerar que os elementos indicados pela lei como objeto de informação são
taxativos.

A informação intercalar (direito mínimo à informação do 288º) e a preparatória da


assembleia geral (289º), correspondem a comunicações formalizadas. Trata-se de levar
ao conhecimento dos sócios os precisos elementos elencados na lei, sem necessidade de
maiores explicações.

Já as informações a prestar em assembleia geral assumem uma dimensão substantiva


informações verdadeiras, completas e elucidativas que lhe permitam formar opinião
fundamentada sobre os assuntos sujeitos a deliberação (290º/1). Aqui, é inevitável apor
limites:
1. CSC: 290º/1 A informação pedida não se enquadra na previsão
2. A informação pedida é consumida pelo CSC: 289º ou por informações públicas;
3. CSC: 290º/2 A informação pedida é suscetível de ocasionar grave prejuízo à
sociedade ou a outra sociedade com ela coligada
4. CSC: 290º/2 A informação pedida envolve segredo imposto por lei

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 154


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A informação qualificada e secreta

A informação qualificada é a dispensável apenas a sócios que detenham uma participação


significativa no capital social.

CSC: 214º/1 No primeiro caso não há limites, a não ser os que advenham do próprio
contrato ou de aplicação analógica dos 290º/2 e 291º/4.
CSC: 291º No segundo, exige-se uma participação de 10% do capital social; acionistas
que não atinjam essa cifra poderão agrupar-se, para o efeito.

A informação qualificada recai sobre a gestão da sociedade (214º/1) ou sobre assuntos


sociais (291º/1). Apesar da amplidão do dispositivo, sempre há alguma delimitação pela
positiva: não se jogam elementos estranhos à sociedade, numa apreciação que compete
aos administradores.

CSC: 214º/2 A lei dá um direito reforçado de informação quando estejam em causa


elementos capazes de responsabilizar os administradores. Mesmo então, há que ressalvar
dois casos:
• O de, pelo conteúdo do pedido ou por outras circunstâncias, ser patente não ser
esse o fim pelo pedido de informação;
• O de se tratar de informação secreta.

CSC: 291º/4 Parece fazer ceder a informação secreta perante a invocação de se tratar de
efetivar a responsabilidade dos administradores ou de outros titulares de órgãos; contudo,
tem de ser interpretado restritivamente: o segredo profissional não pode ceder a não ser
em casos previstos na lei e com intervenção do juiz.

Além disso, temos de lidar com a intimidade da vida privada, que pode estar envolvida e
que deve ser respeitada. Por outro lado, o valor responsabilizado dos administradores
deve ser ponderado quando conflitue com o prejuízo da sociedade ou dos sócios.

Finalmente, temos a informação secreta. CSC: 291º/4 Fica logo abrangida a informação
coberta pelo segredo profissional. Além disso, está em causa: Informação a usar fora dos
fins da sociedade ou (apenas) para prejudicar, seja a própria sociedade, seja algum
acionista; Informação que, de todo o modo, possa prejudicar relevantemente a sociedade
ou algum acionista

As regras aplicáveis

O escopo deste direito articula-se com as duas grandes dimensões das sociedades: a da
colaboração (os sócios só poderão produzir trabalho útil, em prol da sociedade e no seu
âmbito, se tiverem conhecimento do que se lhes exige e do que é útil) e a da organização.

Quanto a esta última, ela opera:


1. Como pressuposto do voto em assembleia geral, admitindo o direito de voto em
assembleia geral, há que providenciar para um conteúdo efetivo.
2. Como meio de legitimação dos investimentos e do mercado, uma boa informação
levará os sócios a investir com segurança: quer inicialmente, quer em futuros

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 155


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aumentos de capital. Além disso, permite-lhes avaliar corretamente as suas


participações, base de subsequentes decisões de venda adequadas ou de (novas)
aquisições.
3. Como forma de fiscalização da administração, a fiscalização da administração
exige informações capazes. Este aspeto é importante, uma vez que o moderno
Direito das sociedades abandona, aos particulares, o acompanhamento e a
fiscalização dos respetivos organismos.
4. Como tutela de minorias, a tutela das minorias exige o conhecimento da vida das
sociedades. Trata-se de uma dimensão importante, para manter a atratividade das
sociedades.

Os sujeitos da obrigação de informar são os sócios e a própria sociedade. Para o efeito, o


sócio pode-se fazer representar, nos termos gerais. Os estatutos não podem limitar a
representação em assembleia geral (380º): isso vale, ipso iure, para o exercício do direito
à informação em assembleia. Fora isso, há que aplicar as regras gerais, extensivas ao
exercício do direito à informação, nas sociedades por quotas (214º).

O objeto da obrigação é a informação em jogo: autodeterminada ou heterodeterminada,


substancial ou formal, aberta ou reservada, conforme as circunstâncias. A obrigação pode
ser cumprida oralmente ou por escrito quando a lei o preveja e como tal seja pedida.
A regra básica é, sempre, a da não sujeição das declarações a qualquer forma solene, salvo
quando a lei o determine. Admitimos que os estatutos possam impor outras formas mais
solene, designadamente a escrita, para a prestação de certas informações.

O direito à informação é, em princípio, irrenunciável e inderrogável. Não pode haver


renúncias prévias ao seu exercício. Possível é, sim, o seu não exercício in concreto e,
dentro dos limites dos bons costumes e ordem pública, a assunção, subsequente, do dever
de não o exercer. Também não pode haver derrogações: quer pelos estatutos, quer por
deliberação social. CSC: 214º/2 Admite que o pacto social regulamente o direito à
informação, desde que não ponha em causa o seu exercício efetivo ou o seu âmbito.

O direito a informação não se constitui quando impossível; cessa, ainda, por


impossibilidade superveniente e, em especial, pela perda da informação solicitada. Pode,
ainda, ser concretamente inexigível: pense-se em pedidos maciços de informação em
plena assembleia, com catálogos ou listas intermináveis. Ele extingue-se, nos termos
gerais, pelo cumprimento e por renúncia. Também podemos configurar a sua cessação
pela publicitação geral do elemento solicitado.

Natureza e abuso

Além dos casos acima apontados em que o exercício do direito à informação é legalmente
vedado, podemos apontar a possibilidade de o bloquear por abuso ou por violação da
lealdade.

No fundamental e perante o Direito português, estarão em causa as seguintes sub-


hipóteses:
• Venire contra factum proprium: ocorre quando o sócio tenha, com credibilidade,
inculcado na sociedade a convicção de que não iria exercer o seu direito e, depois,
o exerça, provocando danos.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 156


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• Tu quoque: configura-se quando a informação decorra de um ilícito perpetrado


pelo sócio interessado o qual, assim, nada mais faria do que aproveitar o malefício
próprio.
• Desequilíbrio no exercício: o sócio, para uma vantagem mínima, pede elementos
que irão provocar um esforço máximo à sociedade.

Direito à informação é meramente instrumental ou puramente funcional?

A eventual opção por este último termo indigitaria nova hipótese de abuso: a de um
pedido de informação fora do escopo legítimo.
Mas não: o Direito português configura a informação como um elemento a se: autónomo
de quaisquer concretas finalidades. Estas só relevam pela negativa, quando se pretenda
usar a informação para fins estranhos à sociedade ou para prejudicar terceiros. E assim
substancializamos a informação. Parte integrante do status de sócio, ela dá corpo à
propriedade privada, à livre iniciativa económica e à própria liberdade de associação.
Vale por si. Não é instrumental.

Finalmente, uma referência ao abuso da própria informação, quando reservada ou


privilegiada, também conhecida por insider trading. Desta feita, trata-se de usar
informação que se tenha obtido a nível interno e que não seja conhecida pelas outras
pessoas, para conseguir vantagens extraordinárias e, designadamente: vendendo caro o
que se saiba vai descer ou comprando barato o que se conheça ir subir. Hoje, tal prática é
incriminada pelo 378º CVM.

Garantia

O direito à informação é rodeado de diversas garantias:

Desde logo, temos sanções penais, CSC: 518º sanciona a recusa ilícita de informações,
enquanto o CSC: 519º penaliza o autor de informações falsas.

De seguida, temos a CSC: 58º/1 c) anulabilidade das deliberações sociais, causada pela
recusa injustificada de informações.

Também se nos afigura aplicável o esquema geral do incumprimento das obrigações,


com as indemnizações conexas: danos patrimoniais e não patrimoniais.
Embora o direito à informação se inscreva num status essencialmente patrimonial, ele
envolve uma dimensão pessoal. O sócio a quem, para mais em público, seja recusada
informação pertinente vê atingida a sua honra e o seu direito de participar, ativamente,
em iniciativas que lhe competem. Este aspeto deve ser contemplado, até porque, muitas
vezes, não se documentarão danos patrimoniais.

Certas informações dispõem de garantias específicas.


CSC: 67º/1 A não apresentação do relatório de gestão das contas de exercício e dos
demais documentos de contas dá azo ao inquérito. O juiz, ouvidos os administradores,
poderá então adotar uma das medidas previstas.
Este inquérito não se confunde com o inquérito judicial previsto nos CSC: 216º e 292º.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 157


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O inquérito judicial surge como um procedimento complicado e pesado, a usar, somente


quando necessário. Feito o pedido, o juiz tem um lato poder, no tocante à concretização
das medidas a aplicar. Fundamentalmente, ele pode determinar que seja prestada a
informação em falta ou fixar prazo para a apresentação das contas (CPC: 1049º). Pode
optar pelo inquérito à sociedade, fixando os pontos que a diligência deve abranger e
nomeando perito ou peritos para a investigação (CPC: 1049º/2). São possíveis medidas
cautelares (CPC: 1050º).

CSC: 292º/2 Prevê medidas draconianas.

As informações profissionalizadas; a responsabilização

Na atualidade e no que respeita às anónimas cotadas, a informação relevante é


disponibilizada por grandes agências ou consultores de âmbito internacional. A propósito
de cada assembleia geral, elas chegam a preconizar, ponto por ponto, o sentido de voto
recomendado e o porquê.

No que respeita às sociedades portuguesas, e apesar de essas entidades disporem, em


regra, de pessoal habilitado nos Direitos e nas realidades de cada País, a informação assim
disponibilizada é, por vezes, insuficiente. De resto, as recomendações de compra ou de
venda, relativamente aos diversos valores mobiliários e as notações de risco dispensadas
a títulos de dívida primam pela irracionalidade. E todavia, elas contribuem, em larga
medida, para conformar o mercado.

Menezes Cordeiro considera que não é aceitável que o Direito não possa intervir, nesta
situação. Os profissionais de informações societárias, quando atuem com dolo ou
negligência, são responsabilizáveis, nos termos gerais.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 158


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SOCIEDADES EM NOME COLETIVO 34

Nas sociedades em nome coletivo, em regra, todos os sócios são gerentes, e respondem
solidariamente pelas dívidas, pelo que o regime da informação deve ser mais aberto do
que o que encontramos nas sociedades anónimas, acessível, por isso, a todos os sócios.

Elementos das informações

CSC: 181º/1 As informações devem ser verdadeiras, completas e elucidativas, sendo


abrangidas as informações diretas, prestadas verbalmente, informações por escrito,
quando for solicitado e a consulta das escrituras, livros e documento.

CSC: 181º/2 A lei distingue entre informações que tenham por objeto atos já praticados
ou atos cuja praticada seja esperada, quando possam vir a responsabilizar a sociedade.
Nesta distinção está em causa a possibilidade de obter elementos sobre as intenções do
gestor.

CSC: 181º/4 A inspeção dos bens deve ocorrer pessoalmente com a eventual participação
de peritos, sendo que, o sócio interessado suportará as despesas.

No que toca aos negócios da sociedade não pode ser invocado o segredo para negar a
prestação de informações. Segundo Menezes Cordeiro apenas poderemos recorrer ao
segredo quanto a elementos confidenciais relativos a terceiros.

Abuso de informação

CSC: 181º/5 A informação em si, ou seja, o ato de prestar informação, será sempre um
dano, pois retira tempo e pode causar despesas à sociedade. Contudo, obviamente que
não é a este dano que o artigo se refere.
Podemos falar de danos emergentes, danos morais ou lucros cessantes.

Quando se refere a “utilizar informação”, refere-se a situações em que o sócio em vez de


guardar a informação para si vai divulgá-la a terceiros ou encentar na sua base uma
atuação, podendo estas situações ser ilícitas quando advenham:
• Da violação de deveres contratuais expressamente assumidos: quando se acorda
um regime de confidencialidade.
• Da violação de deveres legais específicos, como a proibição da concorrência.
• Da violação de um dever geral de lealdade
• Da inobservância de direitos subjetivos absolutos, como à intimidade da vida
privada.

Pelo que quando se fala em prejudicar injustamente se deveria dizer ilicitamente.

34
CORDEIRO, António Menezes, Manual de Direito das Sociedade, Volume II, Sociedades em
Especial, 2ª Edição, página 189 a 193

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 159


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SOCIEDADES POR QUOTAS 35

Segundo Menezes Cordeiro a regulação do direito de informação na sociedade por quotas


poderia ter sido simplificada por ser amálgama de princípios gerais.

CSC: 214º/1 Os gerentes devem prestar a qualquer sócio que o requeira informações
verdadeiras, completa e elucidativa sobre a gestão da sociedade e bem assim facultar-lhe
a consulta das escrituras, livros e documentos.

Quando se refere a “qualquer sócio” abrange igualmente o CSC: 214º/8 usufrutuário


quando lhe caiba exercer o direito de voto, assim como o sócio-gerente sobre matérias às
quais não teve acesso, desde que estejam identificados.

CSC: 214º/3 A lei distingue entre informações que tenham por objeto atos já praticados
ou atos cuja praticada seja esperada, quando possam vir a responsabilizar a sociedade.

Recusa justificada

CSC: 215º/1 Pode existir uma recusa licita ao direito de informação por:

o Razões de praticabilidade
Menezes Cordeiro considera que esta lista não é taxativa e que devemos incluir casos em
que a informação é recusada porque o funcionário não tem conhecimento para a dar,
quando está impedido de a dar ou ainda quando esteja ao serviço da sociedade e não possa
interromper.

o Razões derivadas do disposto no contrato de sociedade


Desde que o contrato não exclua o direito de sociedade deve ser acatado.

o Receio de utilização da informação para fins estranhos e para prejudicar


Deve ser apreciado em termos objetivos, contudo presume-se o receio quando a
informação requerida seja inútil para o sócio que a pede.

o Violação do segredo imposto por lei para tutela de terceiros.

Sanções pela não prestação

A recusa de informação quando injustificada pode dar lugar:


CSC: 58º/1 c) à anulação da deliberação social
CSC: 215º/2 convocação da assembleia geral
CSC: 216º requerimento de um inquérito em tribunal.

35
CORDEIRO, António Menezes, Manual de Direito das Sociedade, Volume II, Sociedades em
Especial, 2ª Edição, página 301 a 310

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 160


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SOCIEDADES ANÓNIMAS 36

A titularidade do direito de informação é atribuída aos sócios, CSC: 288º/1 ainda que se
requeira um número de capital mínimo para o seu exercício em certos casos.
CSC: 293º Alarga o direito de informação ao representante comum dos obrigacionistas,
ao usufrutuário de ações e ao credor pignoratício de ações.

O facto de as sociedades anónimas poderem compreender dezenas de milhares de sócios


existe uma restrição ao direito à informação para evitar os casos em que a própria
sociedade venha ater prejuízos por a prestar.

Informação indireta

A sociedade é obrigada a prestar genericamente ao público um conjunto de informações


que acabam por aproveitar aos sócios, nomeadamente o CRC: 3º registo comercial, as
CRC: 70º publicações obrigatórias e as CSC: 171º menções obrigatórias de atos externos

Direito mínimo à informação

CSC: 288º Existe um direito mínimo à informação que permite aos interessados consultar
um conjunto de elementos elencados.

Existem 3 requisitos a cumprir:


1. Titularidade de 1% do capital social
Menezes Cordeiro considera que podemos estar perante um conjunto de acionista que
alcancem a cifra indicada.

2. Alegação de motivo justificado


Coutinho de Abreu considera que pode consistir num erro desejo de saber o que se passa.

3. Consulta ocorra em sede de sociedade

Informações preparatórias da Assembleia Geral

CSC: 289º/1 O preceito prevê que nos 15 dias anteriores à reunião devem ser
disponibilizados diversos documentos para consulta dos acionistas.

CSC: 289º/3 e 4 Vem alargar o círculo das pessoas a informar

O artigo tem uma dupla funcionalidade, pois tanto visa permitir o exercício esclarecido
do direito de voto na assembleia, como, promover, junto da assembleia, o cuidado e o
rigor na gestão dos seus valores, habilitando-a, no seio da administração, com os
necessários elementos.

36
CORDEIRO, António Menezes, Manual de Direito das Sociedade, Volume II, Sociedades em
Especial, 2ª Edição, página 585 a 600

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 161


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Informação em Assembleia Geral

CSC: 290º/1 Confere aos acionistas um direito de informação em sentido próprio, ou


seja, que lhe sejam dadas respostas às questões que levantam.

CSC: 290º/2 Especifica as informações que devem ser prestas e quando podem
licitamente ser recusadas.

Direito coletivo à informação

CSC: 291º /1 Existe um direito coletivo à informação que se caracteriza por ser solicitado,
por acionistas cujas ações atinjam 10% do capital social, por escrito, ao conselho de
administração, lhe sejam prestadas informações.

Estas informações só podem ser licitamente recusadas:


CSC: 291º/4 Num dos casos elencados
CSC: 291º/2 in fine

CSC: 291º/5 A presunção resultante pode ser afastada se a sociedade vier provar que a
prestação de informação era impossível.

As sanções

CSC: 518º Incrimina a recusa ilícita de informações

CSC: 519º Incrimina a prestação de informações falsas

CSC: 292º/1 Pode ser requerido um inquérito judicial à empresa no caso de haver recusa
de informação ou desta ter sido prestada, mas seja presumivelmente falsa.

CSC: 292º/3 Existe uma expectativa no administrador nomeado pelo tribunal

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 162


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DELIBERAÇÕES SOCIAIS 37

EVOLUÇÃO E REGIME

A deliberação é uma proposição imputada à decisão de um conjunto de pessoas singulares


ou seres humanos. Colocada nestes termos, a deliberação assenta em pressupostos de
legitimidade e assume, ela própria, uma dimensão legitimadora.

Perante a Ciência do Direito, a deliberação é, simplesmente, a decisão de um órgão


coletivo sobre uma proposta. Para efeitos de deliberação, cada participante nesse órgão
tem um (ou mais) votos. O voto será, tecnicamente, a recusa ou a aceitação de uma
proposta de deliberação.

A própria deliberação surge assimilada a uma manifestação de vontade coletiva. Note-se


que a vontade é, em si, um fenómeno psicológico puramente humano e individual; uma
coletividade não tem “vontade”: apenas esquemas que permitam imputar-lhe uma
proposição a qual, na origem, deverá ter vontades humanas.

Podemos assim afirmar que, embora correspondendo a esquemas de natureza psicológica


e sociológica (e, portanto, naturais), a deliberação social acaba por ser uma criação
jurídico-cultural destinada a atribuir, a um grupo, uma determinada decisão.

Para Menezes Cordeiro, a deliberação é um verdadeiro e próprio negócio jurídico: um


facto relevante para o Direito e marcado pela dupla liberdade: de celebração e de
estipulação. A deliberação não se identifica com as declarações de vontade que lhe
subjazam e não é, ela própria, uma declaração de vontade, singular, coletiva, concertada
ou outra.

REGIME GERAL 38

Tipos de deliberações

O CSC refere “deliberações dos sócios”, evitando expressões como deliberações sociais,
da sociedade, da assembleia ou de quaisquer outros órgãos. Oficialmente: porque os
sócios podem deliberar não só em assembleia, mas também, noutros casos, diretamente,
sem reunião.

De facto, os sócios emitem declarações de vontade; maxime: votam.


A deliberação é do órgão a que pertençam, sendo imputável à sociedade.
As expressões “deliberação da assembleia” e “deliberação social” são corretas: mais
corretas. A deliberação não deixa de ser social pelo facto de os sócios votarem sem se
reunirem em assembleia; já a referência a deliberações dos sócios, nessas circunstâncias,
não parece correta.

No fundo, deriva de um posicionamento radicalmente individualista e contratual, no


campo societário. Isso equivale, aqui, a negar todo um importante antecedente,
institucional e publicista, no campo das sociedades.

37
CORDEIRO, António Menezes, Direito das Sociedade, Parte Geral, 4ª Edição, página 667 a 752
38
ABREU, Jorge Manuel Coutinho de, Estudo de Direito das Sociedades, 11ª Edição, página 223 a 230

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 163


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CSC: 53º/1 Parece impor uma regra de tipicidade no tocante às formas de deliberações
dos sócios, pois consagra que só podem ser tomadas por algum dos modos admitidos por
lei para cada tipo de sociedade.
Na verdade, a lei pretende dizer que os órgãos sociais estão sujeitos ao princípio da
tipicidade. Os sócios não podem, pois, deliberar fora dos figurinos orgânicos previstos
para cada uma delas, ou seja, existe uma taxatividade para as formas de deliberação.

No tocante à forma, mantém-se uma regra de liberdade, assim, os sócios poderão


deliberar, conforme o ajustado, por escrito, de braço levantado, com tarjetas ou
palmatórias, por levantados e sentados, etc..
Quando muito, admitimos que os estatutos fixem regras, nesse domínio. Não o fazendo,
a forma da deliberação será fixada por deliberação dos sócios ou por decisão do presidente
da mesa da assembleia.

Feita esta correção terminológica, torna-se fácil entender que no CSC: 53º/2 as
disposições legais ou estatutárias relativas a deliberações de assembleia geral aplicam-se
aos correspondentes órgãos dos diversos tipos, salvo solução (interpretativa) diversa.

A deliberação social implica uma coordenação entre as distintas pessoas que nela possam
participar. Haverá, assim, sempre um procedimento prévio a seguir. O CSC acabou por
não tratar sistematicamente este aspeto.

CSC: 54º/1 Resulta daqui a possibilidade de dois grandes tipos de procedimento, para
efeitos de deliberação social:
1. A deliberação em assembleia: o grande modelo que presidiu à evolução histórica
e à dogmatização das deliberações sociais é a deliberação em assembleia.
2. A deliberação por escrito.

Processo Deliberativo

A deliberação exige uma coordenação entre diversas pessoas, sendo o processo


deliberativo um conjunto de atos concatenados para a obtenção de um fim: a própria
deliberação. A matéria, versada a propósito das sociedades anónimas, pode explicitar-se
nos pontos seguintes:

1. Uma convocatória cabal

Dependerá das circunstâncias, do órgão e do tipo de sociedade em causa. Ela deverá ser
dirigida a todas as pessoas que tenham o direito de participar na assembleia, indicando o
local, a hora e a ordem de trabalhos. Deverá, ainda, ser assinada pela pessoa com
competência para a convocação. Nalguns casos, CSC: 377º/2 a convocatória deve ser
publicada, podendo bastar-se com esse tipo de comunicação: pense-se nas sociedades
com milhares de sócios.

2. Uma reunião da assembleia, com presidência secretariado, verificação de


presenças e ata: terá de decorrer uma reunião, em termos ordeiros.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 164


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3. Uma ou mais propostas

Na reunião em causa terão de surgir propostas, as quais cairão na matéria da ordem do


dia: apenas sobre propostas se poderá formar a aquiescência ou a rejeição dos sócios.

4. Um debate

Havendo propostas, é normal abrir-se um debate. Aliás, é esse o momento por vezes
indicado para pedidos de informação. Todavia, o debate poderá ser dispensado.

5. Uma votação, com escrutínio e proclamação do resultado

Normalmente, por maioria do capital, representado. Poder-se-á, porém, exigir alguma


maioria qualificada ou, até, a unanimidade. A deliberação corresponderá à proposta
aprovada. A aprovação com modificações é, na realidade, a aprovação de uma proposta
modificada em relação a uma outra, inicialmente apresentada. Feita a votação, haverá que
contar os votos, com as necessárias ponderações: o voto é real: não pessoal; depende do
capital detido ou representado por cada votante

6. A elaboração da ata

CSC: 63º/1 1ª parte o resultado é proclamado, constando da ata

Deliberação por escrito e assembleias universais

CSC: 54º/1 A deliberação pode ser tomada por escrito, independentemente da reunião
dos sócios em assembleia. Admite-se este tipo de procedimento, desde que haja uma
aprovação por unanimidade. Tudo isto deve ser interpretado em termos atualistas.

Menezes Cordeiro admite que os estatutos possam prever uma reunião por
teleconferência: telefónica, por vídeo ou pela Internet. Tratar-se-á de uma verdadeira
assembleia: não há, entre as diversas manifestações de vontade, um lapso de tempo
juridicamente relevante. Fala-se em assembleias virtuais.

A deliberação por escrito corresponde a algo diverso: os sócios prescindem da troca de


opiniões e de argumentos e da obtenção de novas informações. Vão emitindo as vontades
respetivas em separado e podendo ocorrer lapsos de tempo relevantes entre eles. A
referência a escrito pode ser alargada: vontade depositada em gravação, vídeo ou áudio,
vontade por núncio ou vontade teletransmitida, mas sem reunião.

A especialidade reside na exigência de unanimidade, justificada pelo facto de ninguém


poder ser despojado do direito de argumentar e de colocar questões aos proponentes e à
administração. Logo, todos terão de prescindir, livremente, dos inerentes direitos. No
entanto, parece possível que, por unanimidade, se delibere adotar o voto por escrito. Dado
esse passo, os votos podem não ser unânimes: prevalece, então, a maioria.

Dentro de limites, convém ter presente que estamos em Direito privado e que os sócios
detêm posições disponíveis.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 165


Direito Comercial | Regente Menezes Cordeiro

CSC: 54º/1 Surge, ainda, a modalidade das assembleias universais: trata-se de


assembleias gerais que reúnam sem observância de formalidades prévias, desde que todos
estejam presentes e todos manifestem a vontade de que a assembleia se constitua e
delibere sobre determinado assunto.

A assembleia universal dispensa o esquema das convocatórias. Ela é operacional em


sociedades com um pequeno número de sócios, marcada pela confiança mútua. O intiui
da convocatória é chamar todos os sócios a debater determinados temas, no caso de estes
estarem todos reunidos a função da convocatória está cumprida.

A assembleia universal não tem ordem do dia: só pode deliberar (ainda que por maioria)
sobre assuntos que todos os sócios tenham concordado pôr à apreciação do coletivo
societário. Depois de montada e em funcionamento, com o acordo de todos os sócios
quanto à ordem do dia, ela pode funcionar por simples maioria, nos termos gerais.

Para Coutinho de Abreu só ocorre uma Assembleia Universal com a verificação dos
seguintes requisitos:
• Presença de todos os sócios
• Assentimento de todos os sócios para que a Assembleia se constitua
Fica, portanto, excluído um encontro ocasional de todos os sócios ou uma reunião com
todos eles
• Vontade unânime que a Assembleia a constituir delibere sobre certo assunto
CSC: 54º/2 Devido à aplicação do regime geral, acontece que se todos os sócios
concordarem em deliberar, a maioria exigida para a deliberação em si não necessita de
ser a unanimidade.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 166


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A ATA

Noção e conteúdo mínimo

No processo tendente à tomada de deliberações, um papel essencial é assumido pela ata.


Diz-se, em geral, ata o documento de onde conste o relato, mais ou menos pormenorizado,
do decurso de uma reunião. Tratando-se de deliberações dos sócios, a ata reportar-se-á à
assembleia.

CSC: 63º/2 Regula o conteúdo mínimo da ata:


a) A identificação da sociedade, o lugar, o dia e a hora da reunião;
b) O nome do presidente e, se os houver, dos secretários;
c) Os nomes dos sócios presentes ou representados e o valor nominal das partes sociais,
quotas ou ações de cada um, salvo nos casos em que a lei mande organizar lista de
presenças, que deve ser anexada à ata;
d) A ordem do dia constante da conservatória, salvo quando esta seja anexada à ata;
e) A ordem do dia constante da convocatória, salvo quando este seja anexada à ata;
f) Referência aos documentos e relatórios submetidos à assembleia;
g) O teor das deliberações tomadas;
h) Os resultados das votações;
i) O sentido das declarações dos sócios, se estes o requererem.

CSC: 63º/4 1ª parte As atas devem ser lavradas no respetivo livro ou em folhas soltas.
CSC: 63º/5 e 6 A hipótese das folhas soltas datilografadas pode ser completada com uma
numeração seriada de todas as páginas, as quais, serão, depois, encadernadas.
CSC: 63º/4 2ª parte Quando estas constem de escritura pública ou de instrumento fora
de notas, devem os administradores inscrever no livro a sua existência.

CSC: 63º/3 1ª parte A ata deve ser assinada por todos os sócios que tomaram parte na
assembleia. CSC: 388º/2 No caso das sociedades anónimas, onde isso não seria
praticável, a ata é assinada pelo presidente da mesa e pelo secretário.

Quando algum sócio, podendo assinar, o não faça, deve a sociedade notificá-lo
judicialmente para que, em prazo não inferior a oito dias, assine: quando mantenha a
negativa, a ata terá o valor probatório comum, desde que esteja assinada pela maioria dos
sócios que tomaram parte na assembleia, sem prejuízo do direito dos que a não assinaram
de invocarem, em juízo, a sua falsidade.

Note-se que CSC: 63º/8, nenhum sócio tem o dever de assinar atos que não estejam
consignados no respetivo livro ou nas folhas soltas, devidamente numeradas e rubricadas.

Forma solene e aprovação

CSC: 63º/6 As atas podem ser lavradas por notário; mais precisamente, através de
instrumento avulso, quando: a lei o determine, no início da reunião, a assembleia assim o
delibere, em escrito dirigido à administração e entregue na sede social com cinco dias
úteis de antecedência, algum sócio o requeira, suportando, então, as despesas notariais.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 167


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Permitindo a lei escolher a forma notarial da ata, a escolha cabe a quem presidir à reunião:
motu proprio ou a requerimento de alguns sócios; pode ainda a assembleia deliberar nesse
sentido.

A lei portuguesa vigente não prescreve, quanto sabemos, nenhum caso de obrigatoriedade
de atas lavradas pelo notário. Limita-se a prever essa eventualidade, com a consequência,
quando ocorresse, de aligeirar a forma de atos ulteriores.

CSC: 446º-B b) Temos ainda outro tipo de atas: as lavradas pelo secretário da sociedade.
Trata-se de uma figura que deve ser designada pelas sociedades anónimas cotadas em
bolsa de valores ou, na linguagem pós 2006, admitidas à negociação em mercado
regulamentado.

Muitas vezes procede-se, na sessão seguinte à da reunião que lhe deu azo, à aprovação da
ata. CSC: 388º/3 A propósito das sociedades anónimas, fixa uma norma que nos parece
generalizável: a assembleia pode determinar que a ata seja submetida à sua aprovação,
antes de assinada.
Qual o sentido da aprovação? Não se trata de uma declaração social de vontade: essa teve
lugar aquando da própria deliberação em si. Antes será uma constatação ou um controlo
de fidelidade do texto da ata.

Função

A função, e a própria natureza, da ata não estão claras, no nosso Direito.

Perante as indefinições doutrinárias e legais, deu-se atenção aos Direitos estrangeiros. No


âmbito da preparação do Código, Vaz Serra propôs a solução alemã da nulidade por
inobservância da formalização prescrita para a ata.

Esta, no meio de uma multiplicidade de fontes inspiradoras, acabaria por enformar, ainda
que de modo algo indireto, no CSC: 63º/1:
“As deliberações dos sócios só podem ser provadas pelas atas das assembleias ou, quando
sejam admitidas deliberações por escrito, pelos documentos donde elas constem.”

A ata tem, pois, uma função probatória forte: e um meio exclusivo de prova. O artigo
retoma a jurisprudência tradicional, que retirava eficácia às deliberações não reduzidas a
atas.

Natureza

Numa assembleia de sócios podem participar muitas pessoas. Por vezes haverá diversas
opiniões, opiniões essas que poderão, ou não, implicar votos diferentes. Com frequência,
pessoas votam uma mesma proposta dando-lhe alcances diferentes. Por isso, torna-se
difícil, perguntando às pessoas, mesmo partindo do princípio de que são todas honestas e
apenas dizem a verdade, descobrir, afinal, o que se passou numa assembleia.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 168


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Passado algum tempo, as dificuldades aumentam: a memória humana é falaciosa e só


retém ou o que impressiona, ou o que convém. Tudo isto leva a que, no interesse dos
participantes, se deva fixar em documento oficial o que se discutiu e, sobretudo, o que se
decidiu. A partir daí, só vale o que constar do documento em causa.

Em relação a terceiros, estes podem ter um interesse legítimo em conhecer o que foi
deliberado. Aí, só um sistema da ata ajuda, e a ata em questão terá de ter uma especial
estabilidade: quando não assim seja, o terceiro poderia ser surpreendido, em momento
subsequente, por alterações menos unânimes, introduzidas pelos sócios, em nome de uma
verdade histórica que não é, necessariamente, a verdade jurídica.

Estas considerações são suficientes para afastar escolhas de tipo mais solto, segundo as
quais a ata seria um mero documento particular, a apreciar livremente pelo juiz.
Por certo que o juiz pode ser convencido, por qualquer meio ponderoso, de que a ata é
falsa. Mas para tanto, haverá razões sérias e, sobretudo, tem de apurar-se, afinal, o que se
passou na assembleia questionada. Na dúvida, a ata prevalece.

E não havendo, de todo, ata? Nessa altura, a deliberação está incompleta. Embora a fase
da manifestação da vontade social se baste com a votação e o seu apuramento, ela tem de
ser formalizada e exteriorizada. Aí se mostra o papel da ata.

CSC: 63º/7 A lei admite atas sem os requisitos legais e, designadamente, as atas
constantes de documentos particulares avulsos. Estas atas, mesmo quando assinadas por
todos os sócios que participaram na assembleia, constituem (mero) princípio de prova.

Conclui-se, pois:
• Que a ata visa completar a deliberação;
• Que se trata de uma formalidade ad probationem: condiciona a prova da
deliberação;
• Que, na sua falta, a deliberação não é eficaz;
• Que pode ser afastada por falsidade sem que, para o efeito, o Direito limite os
meios de prova.

A ata é, assim, uma formalidade destinada a completar o processo deliberativo. Faltando


requisitos legais, há que recorrer à lei, para verificar o seu valor.

Em certos casos, a lei dispensa a ata, pelo menos para determinados fins CSC: 59º/4, a
proposição da ação de anulação não depende de apresentação da respetiva ata; mas se o
sócio invocar impossibilidade de a obter, o juiz mandará as pessoas que, nos termos da
lei, a devam assinar, para a apresentarem no tribunal, em prazo a fixar até 60 dias: a
instância suspende-se até essa apresentação.

Como se vê, o legislador pretendeu não bloquear a ação de anulação por falta de ata;
todavia, esta mantém o seu poder probatório especial, uma vez que o processo aguarda.

E se não houver ata ou, de todo, ela não for exibida? Aí o juiz deverá concluir que não
houve deliberação, decretando-o. Na falta de deliberação, não pode haver anulação. Este
preceito é aplicável à ação de nulidade: não se percebe porque não foi, antes, colocado no
art. 60o.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 169


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CSC: 59º/5 e 6 Em discutível técnica, o legislador aproveitou para, a propósito da ação


de anulação, fixar ou recordar certos aspetos atinentes à ata. Assim:
1. Para apresentação da ação em juízo, bastará que ela seja assinada por todos os
sócios votantes no sentido que fez vencimento CSC: 63º/3
2. Tendo o voto sido secreto, considera-se que não votaram no sentido que fez
vencimento apenas aqueles sócios que, na própria assembleia, ou perante notário,
nos cinco dias seguintes à assembleia tenham feito consignar que votaram contra
a deliberação tomada.

Esta regra é aplicável noutras situações.

CSC: 62º/2 Finalmente, a deliberação constante de ata goza de proteção; declarada nula
ou anulada a competente deliberação, não pode a sentença prejudicar os direitos
adquiridos de boa fé por terceiros, com fundamento em atos praticados em execução da
deliberação.

A ata registada goza ainda da proteção conferida pelo registo comercial: positiva e
negativa.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 170


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INVALIDADE E INEFICÁCIA

DOGMÁTICA E EVOLUÇÃO

Na atualidade, o tema em análise vive dominado pela contraposição da nulidade à


anulabilidade: enquanto a nulidade implica um não-reconhecimento, pelo Direito, do ato
viciado, o qual escapa à autonomia privada, a anulabilidade traduz a presença, em
determinada esfera jurídica, do poder de impugnar um negócio.

Hoje, e por razões que se prendem com a natureza histórico-cultural do Direito privado,
vícios aparentemente leves originam a nulidade enquanto outros mais pesados dão lugar,
apenas, à anulabilidade; ou vícios paralelos dão lugar à nulidade e à anulabilidade,
consoante a formulação.

Cumpre, pois, caso a caso, ponderar as normas do jogo, com vista a descobrir a sanção
que recaia sobre os atos que as contradigam. Em termos de orientação tendencial, pode-
se considerar que, no Direito Civil, tendo em conta a amplitude do CC: 280º, a regra é a
da nulidade. Esta prevalecerá sempre que a lei não indique um regime diverso.

Quadro das ineficácias

O vício de uma deliberação pode resultar:

• De vícios formais
Verifica-se que a deliberação, em si, é possível; todavia, não foi respeitado o processo
previsto para a sua emissão. CSC: 56º/1 a) Assim sucederá quando a assembleia geral não
tenha sido convocada ou CSC: 56º/1 b) quando se tenha recorrido ao voto escrito sem que
todos os sócios tenham sido convidados a emitir o seu voto.

• De vícios substanciais
O procedimento prescrito foi seguido, mas a própria deliberação defronta a lei ou os
estatutos.

Quanto às consequências jurídicas do vício, podemos distinguir:

• Deliberações aparentes
Aquelas que sejam levadas ao registo comercial e na base das quais certos terceiros
tenham adquirido direitos, de boa fé. Mesmo quando não correspondam a qualquer
materialidade, elas produzirão os seus efeitos, de acordo com as regras do registo;

• Deliberações nulas

• Deliberações anuláveis

• Deliberações ineficazes ou stricto sensu


Não produzem efeitos até certa eventualidade: é o que sucede no CSC: 55º, a propósito
das deliberações que exijam o consentimento de determinado sócio.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 171


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Sistema do Código

CSC: 55º a 62º Matéria das ineficácias das deliberações sociais


CSC: 55º Começa por fixa uma hipótese de ineficácia: a de deliberação tomada sobre
assunto para a qual a lei exija o consentimento de determinado sócio, enquanto este não
o deu.
CSC: 56º Reporta-se às deliberações nulas, enquanto o CSC: 57º obriga o órgão de
fiscalização a, nessa eventualidade, tomar certas providências.
CSC: 58º Sobre situações anuláveis e o CSC: 59º quanto à ação de anulação.
CSC: 60º e 61º Apresentam disposições comuns às ações de nulidade e de anulação,
enquanto o CSC: 62º contém outras regras próprias apenas da nulidade (nº1) e da
anulabilidade (nº2).
CSC: 63º Reporta-se a atas: não tem a ver com a invalidade das deliberações sociais.

Deliberações ineficazes

As deliberações ineficazes (em sentido estrito) são aquelas que, por razões extrínsecas,
não produzam efeitos ou, pelo menos, todos os efeitos que se destinariam a comportar.

CSC: 55º Só se lhe refere, de forma expressa:


“Salvo disposição em contrário, as deliberações tomadas sobre assunto para o qual a lei
exija o consentimento de determinado sócio são ineficazes para todos enquanto o
interessado não der o seu acordo, expressa ou tacitamente.”

A hipótese de a lei exigir, para uma deliberação, o consentimento de determinado sócio


recorda logo os direitos especiais dos sócios, previstos no CSC: 24º
A hipótese inversa, a de se criar um direito especial dos sócios ou de algum ou alguns
deles, sem ser por unanimidade, já conduziria a anulabilidade da deliberação.

Será essa a única hipótese de concretização do preceito?


De facto, o legislador não fez uma remissão direta para o artigo 24º, antes usando uma
fórmula capaz de dar cobertura a outras previsões legais.
Quando ocorram, o artigo 55º terá aplicação.

A solução da lei levanta dúvidas. Poder-se-ia entender, perante as regras gerais, que
quando fosse atingido um direito especial de um sócio:
• CSC: 56º/1 c) Estaria em causa uma nulidade
• CSC: 58º/1 a) Estaria em jogo, além da ineficácia, uma anulabilidade

No silêncio da lei, assim seria. O artigo 55º tem, todavia, o efeito de retirar as situações
nele previstas do regime comum, sujeitando-as à ineficácia.

A previsão visa, unicamente, as deliberações tomadas sobre assunto para o qual a lei exija
o consentimento de determinado sócio. Não permite, todavia, inferir que exista ineficácia
(stricto sensu) apenas nesse caso.
As regras gerais permitem encontrar outras situações de ineficácia de deliberações (ainda)
não reduzidas a ata: serão válidas, mas ineficazes até que isso opere. O mesmo se poderá
dizer das deliberações sujeitas a registo comercial, enquanto não se mostrarem inscritas:
desta feita, a ineficácia não é total; mas existe.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 172


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NULIDADE

Nulidade por vícios de procedimento

No domínio das sociedades, a regra é a anulabilidade. CSC: 58º/1 a) Esta cabe sempre
que a lei não determine a nulidade. Podemos considerar que só ocorrem nulidades nos
casos previstos na lei, sendo estes casos taxativos.
Todavia, eles abrangem situações de grande amplitude, de tal modo que não parece viável
trabalhar aqui com uma verdadeira tipicidade taxativa.

CSC: 56º Fixa diversas hipóteses de deliberações que considera nulas.

o Alínea a) e b) Vícios de processo ou de procedimento


Incluem-se deliberações surgidas no termo de processos em que não foram observadas
formalidades essenciais. A alínea a) explicita a assembleia geral não convocada, salvo se
tiverem estado presentes ou representados todos os sócios e a alíne b) o equivalente vício,
na hipótese de voto escrito.

Poder-se-ia perguntar: e a situação de não ter sido convocado determinado sócio, mas
sendo seguro e confirmado que a sua presença não alteraria o sentido da deliberação?
Mesmo então esta é nula, trata-se da necessidade de respeitar um ritual legitimador, sem
o qual todo o edifício societário ficaria descaracterizado.

CSC: 56º/2 Manda aplicar o mesmo regime à assembleia em cuja base estejam
determinados vícios da convocatória.

A grande diferença entre os vícios de procedimento e os vícios de substância reside na


natureza sanável dos primeiros.
CSC: 56º/3 A sanação opera quando os sócios ausentes e não representados ou não
participantes na deliberação escrita deem, por escrito, o seu assentimento à deliberação.
O facto de os vícios de procedimento previstos na alínea a) e b) poderem ser sanados,
conduz a que não se trate, em rigor, de verdadeiras nulidades ou nulidades puras. De todo
o modo, a figura adere largamente ao tipo nulidade pelo que, como tal, deve ser
considerada, ainda que com um regime especial.

o Alínea c) e d) Vícios de conteúdo ou de substância


Já quando se verifique um vício de substância, a sanação não é possível, haverá que repetir
a deliberação, sem o vício de conteúdo que a aflija.
Em rigor, estaremos já perante uma invalidade mista.

CSC: 62º/1 Além disso, a deliberação com vício de procedimento é renovável por outra
deliberação à qual, ressalvando os direitos de terceiro, se pode atribuir eficácia retroativa.
A contrario, essa atribuição não é possível perante vícios de conteúdo.

Nulidade por vícios de substância

o Não sujeição, por natureza, a deliberação dos sócios

CSC: 56º/1 c) e d) Determina a nulidade por vícios de conteúdo ou substância.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 173


Direito Comercial | Regente Menezes Cordeiro

Mais precisamente, prevê:


§ Deliberações cujo conteúdo não esteja, por natureza, sujeito a
deliberações dos sócios
§ Deliberações cujo conteúdo, diretamente ou por atos de outros órgãos
que determine ou permita, seja ofensivo dos bons costumes ou de
preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por
vontade unânime dos sócios

Que deliberações poderão ter um conteúdo que não esteja, por natureza, sujeito a
deliberações dos sócios? Este preceito levanta dúvidas sérias de interpretação:
1. A da incompetência (Lobo Xavier, Raúl Ventura)
Invalidaria os atos estranhos à competência da assembleia geral e, ainda, atos que
interferissem com terceiros.
2. A da impossibilidade (Pinto Furtado, Menezes Cordeiro)
A mera inobservância de regras internas de competência não poderia ser tão grave que
justifique a nulidade; além disso, quando prejudicados terceiros ou quando atingidas
regras legais de competência, cair-se-ia seja na ineficácia, seja na al. d).

Posto isto, Pinto Furtado apresenta a sua própria teoria: a de impossibilidade física.
O artigo 56º/1 c) consideraria nulas as deliberações fisicamente impossíveis; as
legalmente impossíveis caberiam na alínea d). O pensamento deste autor visa reconstruir,
no quadro das nulidades das deliberações, o CC: 280º.
Fica a pergunta: se o legislador de 1986 pretendeu respeitar o de 1966, para quê recorrer
a enigmas e, designadamente, porquê abandonar conceitos consagrados, para se lançar na
completa aventura de definir novas fórmulas para as nulidades mais profundas?
Não há resposta. Todavia, perante a alínea c) do preceito, a doutrina afiança que se trata
de uma norma residual destinada a acolher situações nas quais a deliberação não possa
subsistir, mas que não se deixem reconduzir a outros fundamentos de nulidade. Não
parece, pois, haver grande hipótese de aclaração, por via da origem do preceito.

Menezes Cordeiro concordando com este autor, diz-nos, porém, que, de todo o modo,
mandam as boas regras que se parta da presunção de acerto da lei e que se procure uma
solução harmónica para tudo isto. A ideia de Pinto Furtado é sedutora: explicaria o porquê
da severa nulidade e daria um alcance plausível à referência natureza. Mas tem óbices,
embora menores do que os da teoria da competência, nomeadamente, o facto de causar
embaraços perante a figura da impossibilidade superveniente: uma deliberação hoje
válida pode ser amanhã nula e revalidar-se a seguir? Inversamente: a deliberação nula
pode validar-se se uma ocorrência impensável a viabilizar?

Mas sobre tudo isto paira uma objeção mais societária: uma deliberação cujo conteúdo
não esteja, por natureza, sujeito a deliberação dos sócios não pode ser, simplesmente, uma
deliberação de conteúdo fisicamente impossível, isso atingiria todo e qualquer ato e não,
somente, as deliberações. A natureza reporta-se à índole do conteúdo questionado e não
à bitola da admissibilidade.

Feita esta precisão, pergunta-se: o que é que, sendo lícito e possível, quando não,
funciona a alínea d), não pode, todavia, e pela sua natureza, surgir como conteúdo de
uma deliberação social?

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 174


Direito Comercial | Regente Menezes Cordeiro

De momento, só vemos uma resposta: o que, pelo seu teor, não caiba na capacidade da
pessoa coletiva considerada.
Os próprios negócios celebrados fora da capacidade natural ou legal da sociedade serão
nulos, por impossibilidade legal ou por ilicitude.
As deliberações que lhes estejam na origem são-no, igualmente, por via do 56º/1 c).

o Contrariedade aos bons costumes

CSC: 56º/1 d) 1ª parte São nulas as deliberações:


“Cujo conteúdo, diretamente ou por atos de outros órgãos que determine ou permita, seja
ofensivo dos bons costumes.”

Menezes Cordeiro propõe que na pesquisa dos bons costumes se reconheçam e se adotem
os seguintes postulados:
1. O CSC utiliza a noção comum de bons costumes, tal como resulta do CC;
2. Essa noção não se confunde com a de ordem pública; tão-pouco absorve esta
última;
3. Não é lícito recorrer ao Direito estrangeiro sem fazer Direito comparado, isto é:
sem verificar, perante as coordenadas científicas da ordem dadora e da ordem
recetora, se a transposição é possível.

No domínio societário, fala-se em deontologia societária, correspondente ao conjunto de


valores essenciais que têm uma coloração própria no Direito societário.
Exemplos típicos: o negócio pelo qual o gerente vende à mulher o estabelecimento
comercial por um valor inferior ao valor de mercado é nulo; o negócio pelo qual o gerente
vende à prima o único ativo da sociedade é nulo.

Note-se que o conceito de bons costumes (noção técnico-jurídica há muito conquistada)


não se confunde com moral social. Incorre na previsão da nulidade por atentado aos bons
costumes, qualquer deliberação social que:
• Assuma um conteúdo sexual ou venha bulir com relações reservadas ao Direito
da Família;
• Atente contra deontologias profissionais;

A jurisprudência portuguesa, mau grado a confusão de conceitos que advém da doutrina,


tem vindo, mesmo sem o assumir, a detetar uma deontologia comercial que deve presidir
às deliberações sociais, sob pena de nulidade. Assim:
• É ofensiva dos bons costumes a deliberação de distribuir lucros por dois fundos e
uma conta nova, prosseguindo há vinte e cinco anos com uma prática de não
distribuir lucros aos sócios (STJ, 7 janeiro 1993);
• Idem quanto à deliberação unânime de vender a uma irmã de um sócio o único
imóvel da sociedade por um preço muito inferior ao valor real (RPt 13 abril 1999);
• Idem quanto à deliberação de trespassar um estabelecimento e vender terrenos por
menos de metade do seu valor real: «não realiza o fim social, choca o senso
comum de justiça e briga pois com a consciência social, mesmo quando
considerada apenas no âmbito mais restrito da ética dos negócios» (STJ 15
dezembro 2005).

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 175


Direito Comercial | Regente Menezes Cordeiro

Se o negócio é contrário aos bons costumes, a deliberação (negócio jurídico deliberativo


que reflete os seus efeitos jurídicos sobre todos os sócios, independentemente de uns
terem votado a favor ou contra) em si é nula.

CSC: 260º A deliberação vincula o órgão de administração (gerentes nas SPQ) à


celebração do negócio jurídico. Os gerentes, em representação da sociedade, celebram o
negócio com terceiros.

Há assim duas dimensões:


Dimensão interna: deliberação dos sócios que cria um dever na esfera jurídico dos
gerentes de celebração do contrato;
Dimensão externa: negócio jurídico a celebrar com terceiros.

o Conteúdo contrário a preceitos inderrogáveis

CSC: 56º/1 d) 2ª parte prevê um terceiro vício de substância indutor de nulidade das
deliberações. Assim, são nulas as deliberações cujo conteúdo, direta ou indiretamente:
“(...) seja ofensivo (...) de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer
por vontade unânime dos sócios.”

Este preceito visa as deliberações contrárias a normas legais, imperativas. A sua redação
presta-se a críticas, pela confusa fórmula que veio adotar.

O preceito que possa ser afastado por deliberações dos sócios é meramente supletivo. Em
casos especiais exigir-se-á a unanimidade: não deixará de haver supletividade. Por isso,
a deliberação que não respeite a regra da unanimidade não é nula: apenas anulável.
O que está simplesmente em causa é a determinação da natureza imperativa da norma
afastada pela deliberação social. Como proceder? Não parece que o tema seja
fundamentalmente diferente da determinação equivalente a fazer no Direito das
Obrigações.

Como pano de fundo, deveremos ter presente que o Direito das Sociedades é Direito
Privado. Nessa medida, ele é tendencialmente supletivo: visa ocupar-se das matérias que
os interessados não quiseram regular diferentemente. Infere-se daqui que, quando outra
coisa se não conclua, não há nulidade por atentado à lei, quando esta não seja imperativa.

A natureza imperativa de um dispositivo pode impor-se:


Explicitamente: o próprio preceito dirá salvo cláusula em contrário (supletivo) ou mau
grado cláusula em contrário (injuntivo), ou expressões equivalentes;
Implicitamente: o preceito é mudo, devendo ser delucidado com recurso a regras
exógenas.

Grosso modo, podemos dizer que uma regra societária é imperativa:


Quando integre a ordem pública: a ordem pública é composta por vetores constituintes
do sistema considerado e, como tais, inderrogáveis. Além da ordem pública geral estará
aqui em jogo a ordem pública societária, que integra, entre outros, os elementos
necessários do contrato e os factos integrativos dos tipos de sociedades.
Quando concretize princípios injuntivos: os princípios injuntivos desenvolvem-se em
normas elas próprias injuntivas.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 176


Direito Comercial | Regente Menezes Cordeiro

Quando institua ou defenda posições de terceiros: as posições de terceiros não podem,


por fim, ser atingidas por deliberações sociais.

A jurisprudência confirma as asserções acima produzidas, ainda que recorrendo, em


certos casos, a outras terminologias.

o A contrariedade indireta

CSC: 56º/1 d) Prevê ainda, quer em relação ao atentado aos bons costumes, quer perante
a violação de norma injuntiva, a hipótese de tal suceder em termos indiretos. Usa a
perífrase de a prevaricação ocorrer “por atos de outros órgãos que determine ou permita”.

Em bom rigor, porém, a deliberação que determine ou que permita que outro órgão atente
contra os bons costumes ou viole normas injuntivas é diretamente nula, nos mesmos e
precisos termos em que o seria a congénere mais frontal. Aliás: a deliberação, salvo
quando potestativa, não passa de uma abstração exarada em ata: os seus eventuais
malefícios manifestar-se-ão, mais tarde, a propósito da execução.

Tem interesse atentar no CSC: 58º/2 contém, fora do contexto, uma importante regra
sobre nulidades. Pode acontecer que um contrato de sociedade reproduza, particularmente
nos estatutos, regras legais injuntivas.
Quando isso suceda, considera-se que, havendo violação, tais regras são diretamente
violadas e não (apenas), as contratuais. Com a consequência de se aplicar a nulidade e
não, como decorreria do final do artigo 58º/1 a), a mera anulabilidade.

Consequências

CSC: 59º/1 e 2 a contrario A nulidade de uma deliberação pode ser invocada a todo o
tempo e por qualquer interessado.

CSC: 58º/1 a) Assim, ela faz pairar grave incerteza sobre a sociedade, o que explica as
restrições legais e o facto de, por defeito, prevalecer a anulabilidade.

Perante deliberações nulas, CSC: 57º faculta a iniciativa do órgão de fiscalização:


Nº1 O órgão de fiscalização deve dar a conhecer aos sócios, em assembleia geral, a
nulidade de qualquer deliberação, para eles a renovarem, sendo possível, ou para
promoverem a declaração judicial respetiva

Nº2 Se eles não a renovarem ou se a sociedade não for citada para a ação de nulidade no
prazo de dois meses, deve o órgão de fiscalização promover sem demora a declaração
judicial de nulidade em causa

Nº3 O órgão de fiscalização deve então propor ao tribunal a nomeação de um sócio para
representar a sociedade

Nº4 Nas sociedades sem órgãos de fiscalização, cabe o poder referido a qualquer gerente

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 177


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ANULABILIDADE

Anulabilidade por violação de lei (não gera nulidade)

CSC: 58º/1 a) Traduz a cláusula geral da invalidade das deliberações sociais: havendo
violação da lei, quando não caiba nulidade, as deliberações em falta são anuláveis.

Este artigo move-se entre dois valores, aparentemente contraditórios: a necessidade de


segurança jurídica, que leva a restringir quanto possível a invalidade das deliberações
sociais e a justiça, que permite aos sócios vítimas de ilegalidades perpetuadas pela
assembleia geral fazer valer as suas posições.

A primeira fonte de anulabilidade deriva da violação da lei. A sobreposição com a


nulidade é resolvida através da consunção por esta: quando ocorra, prevalece a nulidade.
Qual a bitola?

Tratando-se de vícios de forma ou de omissão de formalidades, haverá que seguir o CSC:


56º/1: as hipóteses neste inseridas geram nulidade; todas as outras, mera anulabilidade.
Mesmo então impõe-se o raciocínio substancial, apoiado na jurisprudência e que
corresponde a uma regra geral do processo: só haverá anulabilidade quando a falha
verificada possa influenciar o sentido da deliberação. Nalguns casos, tal sucederá
fatalmente: assim a hipótese de se impedir a participação de um sócio minoritário na
assembleia; temos de admitir que, apesar da irrelevância dos seus votos, a sua presença
na assembleia, através de questões e de intervenções persuasivas, seria de molde a fazer
bascular a maioria. Evidentemente: exige um cripto-juízo de ilegitimidade, que tem
também o seu peso.

Segundo a jurisprudência exemplificativa, encontramos os seguintes casos de vícios de


forma capazes de induzir anulabilidade:
• Convocação sem a antecedência é fonte de anulabilidade;
• A violação de normas imperativas de (mero) procedimento, por oposição ao
conteúdo, gera simples anulabilidade: tal o caso do aumento de capital votado sem
atingir a maioria de 3⁄4 dos votos correspondentes ao capital social;
• A convocação da assembleia por aviso postal, quando era exigível a publicação
do competente aviso no Diário da República, conduz a anulabilidade por ser vício
meramente formal;
• A falta, na convocatória, de referência à destituição do gerente, a qual ocorreu de
modo não unânime, conduz à anulabilidade.

o Vício de substância

A nulidade das deliberações sociais ocorre sempre que elas defrontem normas jurídicas
injuntivas; assim, haverá anulabilidade quando as normas atingidas sejam dispositivas ou
supletivas. A supletividade significa que a norma pode ser afastada pelo contrato de
sociedade: não por mera deliberação dos sócios.

Isto porque, ao contratar, as partes assentaram na aplicabilidade dos estatutos e, ainda, no


de um conjunto de regras que, podendo afastar, elas mantiveram. Não devem por isso ser

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 178


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surpreendidas com deliberações maioritárias que equivalham à alteração do jogo


inicialmente fixado.

A contraprova reside no próprio CSC: 56º/1 d) 2ª parte quando a norma possa ser
afastada pela unanimidade dos sócios, há supletividade; a correspondente deliberação
será impugnável; não nula.

Veremos aliás que, por esta via, se torna possível alterar estatutos, fora do formalismo a
tanto dirigido.

A referência a “lei” deve ser entendida em termos amplos: violação do Direito. Fica
incluída: A norma legal expressa; O princípio; O conceito indeterminado; O Direito
consuetudinário.

Entre os princípios societários cuja violação pode gerar anulabilidade temos, quando
eficazes, o do igual tratamento e o da lealdade. Entre nós, eles operam como manifestação
de boa fé e, em certos casos, do exercício inadmissível de posições jurídicas, dito abuso
do direito. Quer isso dizer que o abuso do direito, quando não seja consumido pelo artigo
58º/1 b), pode ser sancionado através da alínea a) do mesmo preceito.

As exigências da segurança são satisfeitas através da mera anulabilidade e do regime


restritivo que lhe dá corpo. Os exemplos judiciais de anulabilidade, por violação do
conteúdo não-imperativo dos preceitos, é impressivo.

o Violação dos estatutos e a modificação informal unânime

CSC: 58º/1 a) in fine Prevê a anulabilidade pela violação do contrato de sociedade; em


regra: dos estatutos.

Quando a “violação” seja decidida por unanimidade, nenhum dos sócios a poderá
impugnar, devendo-se então entender que o órgão de fiscalização também não o pode
fazer. Salvo a inoponibilidade eventualmente consubstanciada perante terceiros, deverá
então entender-se que os estatutos foram modificados, de modo informal, pela
unanimidade dos sócios. Só assim não será quando se defronte uma norma imperativa,
altura em que se seguirá a nulidade ex artigo 56º/1 d) 2ª parte.

A justificação para a invalidade é clara: tendo-se os sócios vinculado a determinado pacto,


não podem desviar-se dele a não ser nos termos previstos nele próprio ou na lei. Salvo
unanimidade, a deliberação está em falta. Todavia, não há, pela lógica societária, razões
para a nulidade, uma vez que não se jogam regras injuntivas.

As violações insignificantes não são causa de anulabilidade.

Não são causas de anulabilidade simples violações de acordos parassociais: a sua eficácia
é meramente obrigacional.

Ainda no tocante à violação de estatutos, a jurisprudência dá-nos exemplos


essencialmente de natureza formal.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 179


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Anulabilidade por votos abusivos

CSC: 58º/1 b) São anuláveis as deliberações que:


“Sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do
exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da
sociedade ou de outros sócios ou, simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos
que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos.”

Podemos decompor o preceito nos seguintes elementos:


1. O propósito de um dos sócios;
2. De conseguir através do exercício do direito de voto;
3. Vantagens especiais para si ou para terceiros;
4. Em prejuízo da sociedade ou de outos sócios.

Estes dois últimos elementos podem ser substituídos por uma única proposição: O
propósito de, simplesmente, prejudicar a sociedade ou (os) outros sócios.

Surgindo um pressuposto negativo: A menos que se prove que as deliberações seriam


tomadas mesmo sem os votos abusivos.

Historicamente, este preceito foi adotado para cobrir as hipóteses de invalidade


engendradas por elementos exteriores à própria deliberação. De todo o modo, exigia-se
uma adequação objetiva; tal adequação está presente no art. 58o/1 b). Tomando o preceito
tal como está, ele atinge as deliberações que tenham subjacentes denominados “votos
abusivos” os quais, objetiva e subjetivamente:
Acarretem vantagens especiais para o próprio, em detrimento da sociedade ou de
terceiros – vantagens especiais opõe-se a gerais; traduz, assim, as vantagens que
assistam particularmente a um sócio ou a terceiros, e não a todos os sócios ou a
uma grande generalidade de terceiros. Nos termos gerais, a intenção terá de se
inferir da conduta exterior do sócio, ou o instituto ficará inviabilizado.

Tenham natureza emulativa, visando prejudicar a sociedade ou outros sócios – ato


emulativo, na tradição romana, é o que vise provocar danos gratuitos a outrem.

Como alinhar este instituto perante o abuso do direito? Logo à partida, devemos o
conceito aqui de abuso do direito: o abuso do direito ou exercício inadmissível de
posições jurídicas equivale, simplesmente, a um exercício contrário à boa fé. A boa fé
exprime, em cada situação, valores fundamentais do ordenamento. Para tanto, usam-se
princípios mediantes, com relevo para a tutela da confiança e a primazia da materialidade
subjacente.

Finalmente: tudo isto se caracteriza em grupos de casos típicos perfeitamente conhecidos


e experimentados pela doutrina e pela jurisprudência: Inalegabilidades formais; Venire
contra factum proprium; Suppressio; Surrectio; Tu quoque; Exercício em desequilíbrio.

Isto dito: os votos abusivos, na vertente vantagens especiais, traduzem uma falta de
direito. Uma melhor interpretação dos atos em jogo permitirá determinar se o efeito
pretendido está ou não coberto pela norma legitimadora. Os votos emulativos já serão
abusivos na versão desequilíbrio no exercício.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 180


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Uma interpretação rigorosa do artigo permitiria assim concluir que, salvo o aditamento
emulativo, não está em causa um verdadeiro abuso do direito; apenas a necessidade de
recordar que certos votos não podem prosseguir finalidades “extra societárias”.
Poderá haver verdadeiras deliberações abusivas, por contrariedade à boa fé; elas cairão,
todavia, no CSC: 58º/1 a)

CSC: 58º/1 c) Considera anuláveis as deliberações que não tenham sido precedidas do
fornecimento, ao sócio, de elementos mínimos de informação.
CSC: 58º/4 Explicita os elementos mínimos de informação:
• As menções do CSC: 377º/8, pois este preceito tem a ver com o aviso
convocatório de assembleias em sociedades anónimas, sendo aplicável às
sociedades por quotas, nos termos do art. 248o/1;
• A colocação de documentos para exame dos sócios no local e durante o tempo
prescritos pela lei ou pelo contrato.

Em rigor, a violação das regras sobre informação prévia tem a ver com a inobservância
das normas de processo, caindo no CSC: 58º/1 a)

Menezes Cordeiro inclui no elenco situações de inobservância do direito à informação


que não se enquadrem no 58º/1 c) e 58º/4. Em rigor, elas cairiam na alínea a) do no 1
desse preceito. Todavia, parece razoável proceder a uma unificação sistemática da
matéria. A própria jurisprudência enceta passos nesse sentido.

Ação de anulação

o Legitimidade

CSC: 59º/1 A legitimidade para a ação de anulação é conferida:

1. Órgão de fiscalização
A intervenção do órgão de fiscalização em questões de mera anulabilidade obrigaria a
repensar dogmaticamente este instituto: já não se trataria da concessão ao sócio de um
direito potestativo de impugnar a deliberação, mas antes de algo mais profundo.

O preceito deve assim ser entendido em termos restritivos: se todos os sócios aprovarem
uma deliberação anulável ou se o sócio prejudicado vier confirmá-la, como explicar uma
impugnação deduzida pelo órgão de fiscalização? A atuação do órgão de fiscalização só
se admite, mesmo perante a lei em vigor, quando a deliberação não tenha sido
integralmente adotada ou confirmada. Para além disso, há aqui um erro legislativo: a
anulabilidade fica na disponibilidade dos sócios, não se entendendo a concessão, aos
fiscalizadores, de poderes funcionais nesse domínio.

2. A qualquer sócio que não tenha votado no sentido do vencimento nem,


posteriormente, tenha aprovado a deliberação, expressa ou tacitamente

Surge de modo a prevenir o venire contra factum proprium.


CSC: 59º/6 Ocupa-se, a tal propósito, do voto secreto. Sendo esse o caso, considera-se
que não votaram no sentido que fez vencimento apenas aqueles sócios que, na própria

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 181


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assembleia ou perante notário, nos 5 dias seguintes à assembleia, tenham feito consignar
que votaram contra a deliberação tomada.

Quer isso dizer que, havendo voto secreto, a deliberação tornar-se-á inimpugnável, se não
tiver sido, por algum sócio, seguido este procedimento.

o Prazo

CSC: 59º/2 O prazo para intentar a ação de anulação é de 30 dias contados


• Da data em que foi encerrada a assembleia geral;
• Do 3º dia subsequente à data do envio da ata da deliberação por voto escrito;
• Da data em que o sócio tenha tido conhecimento da deliberação, se esta incidir
sobre assunto que não constava da convocatória.

A assembleia geral pode sofrer interrupções, desdobrando-se em várias sessões.


CSC: 59º/3 Durando a interrupção mais de quinze dias a ação de anulação de deliberação
anterior à interrupção pode ser proposta nos 30 dias seguintes àquele em que ela tinha
sido tomada. Trata-se, porém, de uma possibilidade que fica na mão do interessado: este
pode escolher deixar seguir a assembleia até ao fim, antes de intentar a ação, poderá,
assim, colher novos elementos e fundamentar com mais eficácia a sua pretensão.

Na contagem dos prazos, há que ter o maior cuidado, evitando proposituras de última
hora. Eis algumas precisões jurisprudenciais:

O prazo de trinta dias tem natureza substantiva, aplicando-se-lhe o regime da caducidade.

Havendo irregularidades na convocatória, por aplicação analógica do 59º/2 c), o prazo


conta-se a partir do momento em que o sócio teve conhecimento da deliberação.

A prova de já ter decorrido o prazo dos 3 dias incumbe à sociedade ré

O direito de pedir a suspensão da deliberação não se confunde com o de pedir a sua


anulação: as caducidades respetivas são diferentes.

Consequência importante da natureza do prazo de 30 dias é o facto de ele só ser impedido


pela prática tempestiva do ato em jogo, isto é: pela interposição da ação de anulação.
Assim, a simples interposição de um procedimento cautelar de suspensão de deliberação
social não impede o decurso de prazo do 59º/2. E se tal decurso se consumar, o próprio
procedimento cautelar irá naufragar por inutilidade superveniente da lide.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 182


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DISPOSIÇÕES COMUNS

Direito à ação e legitimidade

CSC: 60º + 61º + 62º Contém regras relativas às disposições comuns às ações de nulidade
e de anulação

Recorde-se que este tipo de ações decorre perante os tribunais de comércio.

CSC: 60º/1 Determina que tanto a ação de nulidade como a de anulabilidade sejam
propostas contra a sociedade, quer isso dizer que qualquer sociedade corre o risco, só por
sê-lo, de ser demandada em ações relativas às deliberações tomadas pelos seus sócios.

Pergunta-se se as ações de ineficácia ou de inexistência de deliberações sociais também


são intentadas contra a sociedade: a resposta é positiva, por interpretação extensiva ou
por aplicação analógica do preceito em causa, mas isso na medida em que faça sentido
admitir tais ações:
A ineficácia paralisa a deliberação, não tendo de ser declarada. Se houver interesse em
fazê- lo, a ação será meramente declarativa.
Quanto à inexistência: não deve ser considerada um vício autónomo. Assim, perante a
ausência de certa deliberação, só faria sentido uma ação de simples apreciação negativa,
contra a própria sociedade.
Em qualquer dos casos, impugnam-se deliberações e não simples votações.
O voto, só por si, não representa uma posição da sociedade. Além disso, não tem
relevância societária quando desinserido da deliberação que origine. O “vício” do
voto comunica-se à deliberação, quando se enquadre nas previsões de nulidade ou de
anulabilidade.

o Apensação e iniciativa do órgão fiscalizador

Pode acontecer que, perante uma deliberação social especialmente controversa surjam
diversas ações de invalidade. Por razões de racionalização processual e visando prevenir
soluções judiciais díspares, o CSC: 60º/2 determina a sua apensação.

As ações podem ser propostas pelo órgão de fiscalização ou, na sua falta, por qualquer
gerente. Explicam os tribunais que neste âmbito, o conselho fiscal tem personalidade
judiciária para intentar ações, mas não para pedir a confirmação da sua validade.
Tais ações podem dar lugar a encargos. CSC: 60º/3 Tais encargos são suportados pela
sociedade, mesmo que as ações sejam julgadas improcedentes. Por aplicação dos
princípios gerais, assim não deverá ser quando haja condenação por litigância de má fé
ou quando se verifique abuso do direito de ação.

o Ações abusivas

As ações de anulação ou de declaração de nulidade de uma deliberação social podem ser


abusivas. Assim sucederá, nos termos gerais quando, por defrontar a confiança ou a
materialidade subjacente, elas se apresentem contrárias à boa fé. A jurisprudência tem
sancionado ocorrências desse tipo.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 183


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Além das situações de abuso, podemos ainda computar as hipóteses de condenação do


seu autor como litigante de má fé e de ele incorrer em responsabilidade civil por culpa in
petendo. Ambas as eventualidades devem ser reconduzidas aos princípios gerais que
norteiam esses institutos.

Eficácia do caso julgado

CSC: 61º Fixa a eficácia do caso julgado que se forme em ação de declaração de nulidade
ou de anulação de deliberação social: o nº 1 reporta-se à eficácia interna e o nº 2 à externa.

o Eficácia interna

Pergunta-se se o juiz tem jurisdição de mérito ou apenas, de legalidade: no primeiro caso,


ele apreciaria a oportunidade e a valia de determinada deliberação; no segundo, estarão
em jogo, apenas, juízos de legalidade. À partida, a jurisdição será aqui de mera legalidade.

Desde logo porque o juiz apenas pode invalidar deliberações; não as pode substituir por
outras, mais oportunas. De seguida porque não lhe são pedidos juízos técnicos, no plano
da gestão: apenas uma verificação de conformidade com as regras aplicáveis. Todavia, o
juiz poderá ter de concretizar conceitos indeterminados.
Assim sucederá em três eventualidades exemplificativas:
1. Na de a própria ação de invalidação ser abusiva
2. Na de se jogar a violação da boa fé;
3. Na de estarem em causa votos abusivos.
Em suma: temos um contencioso de legalidade, mas no qual o mérito pode fazer a sua
aparição.

CSC: 61º/1 Duas delimitações: o caso julgado assim formado não opera quando a causa
de invalidação seja diversa; todavia, isso funciona para causas de pedir diferentes e não
para fundamentações distintas, uma vez que estas não são cobertas pelo caso julgado.

o Eficácia externa

As sociedades constituem pessoas coletivas autónomas. Opõem-se, só por si, erga omnes.
As suas deliberações e as ações que se lhe reportem tendem também a contundir com
terceiros. Vem daqui a necessidade de, aos casos julgados que se formem nesse âmbito,
atribuir eficácia perante terceiros

CSC: 61º/2 O preceito visa tutelar a confiança de terceiros. As ações de declaração de


nulidade ou de anulação de deliberações sociais estão sujeitas a registo comercial. De
todo o modo, compreende-se ser inexigível, a qualquer particular que contrate com uma
sociedade, o ir indagar, junto do registo comercial, se não estará alguma ação de
invalidação de uma deliberação em cujo prolongamento surja o negócio que lhe interesse.
O registo da ação não impede assim a boa fé de terceiros.
Por força de vetores gerais do ordenamento, a boa fé terá de o ser na sua dimensão ética.
De todo o modo, não há, em princípio e no que tanja a terceiros estranhos, quaisquer
especiais deveres de indagação.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 184


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Renovação de deliberações

o Deliberação nula

O Direito das sociedades revela uma acentuada preocupação com as perturbações que a
pendência de ações de invalidade de deliberações sempre representa para os entes
coletivos. A essa luz, compreende-se o papel proeminente dado à anulabilidade e o
estabelecimento de um prazo curto para a sua propositura: 30 dias. Todavia: uma vez
intentada, a ação de invalidação poderá pender durante anos, com tudo o que isso
representa de incerteza e de publicidade negativa para a sociedade e os seus sócios.

O problema tem uma saída através da renovação da deliberação inválida, renovação essa
que poderá operar ad cautelam: afirmada a presença de certo vício e independentemente
de se aceitar tal asserção, poder-se-ia retomar a deliberação sem o ponto questionado.

A primeira previsão do CSC: 62º é a de uma deliberação nula CSC: 56º/1 a) ou b), isto é,
inquinada por vício de procedimento grave. Compreende-se que possa ser tomada uma
segunda deliberação com o mesmo conteúdo, mas que corrija o óbice antes verificado. A
essa deliberação pode a assembleia atribuir eficácia retroativa, ressalvados os direitos de
terceiros. Fica claro que não se trata de uma convalidação ou de uma sanação da primeira
deliberação; antes ocorre uma segunda e própria deliberação, que visa produzir os
mesmos efeitos jurídicos da anterior, mas agora sem a pendência da invalidação.

A contrario sensu, não é possível renovar deliberações nulas CSC: 56º/1 c) e d): desta
feita, o vício é substantivo; nova deliberação, para ser válida, teria forçosamente de ser
diferente da anterior.

o Deliberação anulável

CSC: 62º/2 Não se distinguem vícios formais e vícios substantivos. No entanto, há uma
lógica subjacente irrecusável: uma verdadeira renovação postula que a segunda
deliberação tenha um conteúdo idêntico ao da primeira, sob pena de lidarmos com algo
de distinto, que se suceda no tempo.

Ora um conteúdo idêntico e sem vícios só será compaginável com problemas de ordem
formal. Todavia, a indistinção da lei pode ser proveitosa: pode haver vícios substanciais
que, em nova deliberação, não mais possam ser invocados; basta, para tanto, a aprovação
unânime dos sócios.

Também aqui se pode atribuir eficácia retroativa, que permite ao sócio, que nisso tenha
um interesse atendível, obter a anulação da primeira deliberação, relativamente ao
período anterior ao da deliberação renovatória. A retroatividade já não será aplicável
quando estejam em causa institutos de Direito Civil, como, por exemplo, uma assembleia
de condóminos.

CSC: 62º/3 Permite que a sociedade, ré numa ação de impugnação, requeira ao tribunal
um prazo para renovar a deliberação. O prazo a requerer deve ser razoável; todavia, o
tribunal só o concederá quando a deliberação em jogo for renovável. Encontramos, aqui,
um novo elemento de favor societatis.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 185


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SOCIEDADES EM NOME COLETIVO 39

Há que aplicar em primeira linha a parte geral do código, e CSC: 189º/1 o regime
aplicável à sociedades por quotas, que por sua vez, CSC: 248º/1 remete para o regime das
sociedade anónimas.

CSC: 189º/2 Regra supletiva é a da maioria simples

CSC: 189º/4 Possibilidade de representação do sócio

CSC: 189º/5 Atas assinadas por todos os participantes

CSC: 190º/1 Regra supletiva é que cada sócio tem 1 voto não podendo ser suprimido

CSC: 190º/2 O sócio de indústria tem no mínimo o mesmo número de votos que o sócio
de capital

CSC: 248º/2 Qualquer sócio pode requerer a convocação da Assembleia

CSC: 248º/3 Convocação por parte do gerente

CSC: 248º/4 Assembleia presidida pelo sócio com a maior fração de capital e para
desempatar o mais velho

CSC: 251º Não se pode votar quando haja conflito de interesses

CSC: 377º/5 b), a) e nº6

A competência da sociedade abrange:


CSC: 189º/3
• Apreciação do relatório de gestão e dos documentos de prestação de contas
• Aplicação dos resultados
• Propositura e gestão de ações da sociedade contra sócios
• Nomeação de gerente de comércio
• Consentimento para algum sócio concorrer contra a sociedade

Por deliberação unânime


• CSC: 191º/2 Designação de pessoa estranha como gerente
• CSC: 187º/2 Criação de partes sociais livres
• CSC: 192º/3 Confirmação de atos praticados sem poderes
• CSC: 194º/1 Alterações do contrato
• CSC: 194º/2 Admissão de novos sócios

Por maioria
• CSC: 192º/5 Fixação da remuneração dos gerentes

39
CORDEIRO, António Menezes, Manual de Direito das Sociedade, Volume II, Sociedades em
Especial, 2ª Edição, página 195 a 198

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 186


Direito Comercial | Regente Menezes Cordeiro

SOCIEDADES POR QUOTAS 40

CSC: 246º Este preceito distingue os atos sujeitos necessariamente a deliberação dos
sócios (nº1) e os atos supletivamente sujeitos a esse tipo de deliberação, ou seja, se o
contrato social não atribuir essa competência a outro órgão (nº2).

Atos auto-suficientes, onde, a deliberação dos sócios é suficiente para produzir o efeito
pretendido: consentimento para divisão e para cessão de quotas, amortização de quotas,
exclusão de sócios, designação e destituição de gerentes e membros de fiscal, aprovação
do relatório de gestão e exoneração de responsabilidade

Atos que exigem subsequente execução pela gerência: alteração do contrato social,
transformação e dissolução da sociedade e regresso à atividade da sociedade dissolvida

Atos a concretizar pela gerência: chamada e restituição de prestações suplementares,


aquisição, alienação e oneração da quota própria, proposição de ações contra sócios.

Pergunta-se se os sócios têm competência pra avocar matérias atinentes à gestão da


sociedade para dar instruções nesses domínios.
Apesar do Código não responder de forma clara, Menezes Cordeiro considera que a
resposta deve ser positiva, pelo que, a menos que o estatuto disponha diferente, podem os
sócios dar instruções à gerência, não havendo em princípio responsabilidade dos gerentes.

Formas de deliberações

Há que aplicar em primeira linha a parte geral do código, em seguidas as regras


especificas das sociedades por quotas, mas ainda CSC: 248º/1 o regime das sociedades
anónimas.

o CSC: 54º/1 1ª parte Deliberações unânimes por escrito


Todos os sócios emitirem por escrito, prescindindo-se do momento de debate, uma
vontade confluente.

o CSC: 54º/1 2ª parte Deliberações em assembleias universais


Apesar de se assemelhar à assembleia geral, surge de um processo deliberativo autónomo

o CSC: 247º Deliberações por concordância com proposta remetida por escrito
Distinguem-se das deliberações unânimes por escrito e tem o seu procedimento regulado
Nº2 Exige-se que seja permitida por lei ou contrato e um acordo dos sócios
Nº3 Os gerentes devem fazer uma consulta com o objeto da deliberação, sendo que a falta
de resposta corresponde a assentimento de dispensa da assembleia
Nº4 Cas não haja oposição o gerente envia a concreta deliberação
Nº5 Conteúdo que deve constar do voto escrito
Nº6 A ata deve conter todo o procedimento
Nº7 A deliberação considera-se tomada

40
CORDEIRO, António Menezes, Manual de Direito das Sociedade, Volume II, Sociedades em
Especial, 2ª Edição, página 401 a 416

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 187


Direito Comercial | Regente Menezes Cordeiro

o CSC: 247º/1 Deliberações em assembleia geral

São por excelência o esquema de deliberação dos sócios. Em larga medida termos que
aplicar o regime das sociedades anónimas, contudo este é extenso pelo que temos que
verificar caso a caso se é viável a transposição.

CSC: 248º/2 Qualquer sócio pode requerer a convocação da Assembleia

CSC: 248º/3 Convocação por parte do gerente

CSC: 248º/4 Assembleia presidida pelo sócio com a maior fração de capital e para
desempatar o mais velho

CSC: 248º/5 Nenhum sócio pode ser privado de participar na assembleia, mesmo que
esteja impedido de votar

CSC: 248º/6 Atas devem ser assinadas por todos os que participam

Era tradição das sociedades pro quotas restringir-se o poder de representação de um sócio
na assembleia, contudo Menezes Cordeiro não vê justificação nem vantagens nessa ideia,
contudo o CSC: 249º não largou essa conceção, pelo que se mantêm fortes restrições
quanto à representação voluntária.

Apuremos agora a aplicação do regime das sociedades anónimas

Aplicáveis Não aplicáveis


375º, com as adaptações do 248º/2
376º, com adaptação dos órgãos
377º/ 5 a 8, com adaptação dos órgãos 373º, prevalece o 247º e 246º
378º, com as adaptações do 248º/2 374º e 374º-A prevalece o 248º/4
379º, com as adaptações do 248º/2 377º /1 a 4, prevalece o 248º/3
381º 380º, prevalece o 249º
382º 384º, prevalece o 250º
383º 386º/1 a 4, prevalece o 250º
385º 388º/2 e 3 prevalece o 248º/6
386º/5 389º
387º
388º/1

Votos e impedimentos

A matéria apresenta-se desdobrada em dois preceitos devido à experiência da aplicação


da anterior legislação.

Em regra, o voto será simples, sim ou não, correspondendo o voto condicionado a um


voto contra.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 188


Direito Comercial | Regente Menezes Cordeiro

CSC: 250º/1 Um voto por cada centavo do valor nominal da quota

CSC: 250º/2 Pode o pacto social atribuir 2 votos a cada centavo até ao limite de 20% do
capital social

CSC: 250º/3 Regra geral para aprovação é a maioria simples, não se contando com a
abstenção.

CSC: 251º/2 A matéria do impedimento do voto tem natureza imperativa.

CSC: 251º/1 1ª parte Estabelece um principio geral

CSC: 251º/1 2ª parte e alínea Apresenta a título exemplificativo várias hipóteses

A concretização jurisprudência permite-nos perceber que um sócio pode tomar parte na


sua própria eleição como gerente, quanto à fixação do seu vencimento na gerência, a
relações entre a sociedade e um terceiro, mesmo que familiar, à aprovação das contas
anuais e à amortização da própria quota. Contudo não poderá votar para a sua exclusão.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 189


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SOCIEDADES ANÓNIMAS 41

Assembleia Geral das Sociedades

CSC: 54º/1 1ª parte Deliberações unânimes por escrito


Todos os sócios emitirem por escrito, prescindindo-se do momento de debate, uma
vontade confluente.

CSC: 54º/1 2ª parte Deliberações em assembleias universais


Apesar de se assemelhar à assembleia geral, surge de um processo deliberativo autónomo

CSC: 373º/1 Deliberações em assembleias gerais regulares

o Competência

CSC: 373º/2 Indica as matérias sobre que podem incidir as deliberações, sendo estas as
atribuídas por lei, pelo contrato e todas as que não sejam de competência de outro órgão.

CSC: 376º/1 Fixa uma competência limitada para a assembleia.


CSC: 373º/3 Os acionistas só podem deliberar sobre matérias de gestão com autorização
do órgão de administração.

o Composição

CSC: 379º/1 Tem lugar na assembleia os acionistas que tenha direito a voto

CSC: 379º/5 No caso de o contrato de sociedade estipular que o voto se adquire com um
certo número de ações, diversos acionistas podem se juntar ate perfazer esse valor e ser
representados na assembleia por 1 elemento do agrupamento.

CSC: 380º/1 Qualquer acionista se pode fazer representar nos termos gerais

CSC: 380º/2 A forma de representação é uma carta dirigida ao Presidente da Mesa

CSC: 381º Será o regime a aplicar no caso de alguém estar em representação de mais de
5 acionistas.

Além dos acionistas com direito de voto existem outras presenças na Assembleia:
Obrigatórias CSC: 379º/4

Facultativas com direito à palavra CSC: 379º/2

Facultativas sem direito à palavra CSC: 379º/3 e 6

41
CORDEIRO, António Menezes, Manual de Direito das Sociedade, Volume II, Sociedades em
Especial, 2ª Edição, página 733 a 768

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 190


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o Quórum, votos e maioria

CSC: 383º/1 e 3 Regra geral: Quando ao quórum constitutivo é a de que se pode deliberar
em primeira convocatória e em segunda convocatórias independemente do número de
sócios presentes.

CSC: 383º/2 Exceção: Tratando-se de certas matérias, em primeira convocatória apenas


se pode deliberar se reunido 1/3 do capital social.

CSC: 284º/1 Regra Geral: A cada ação corresponde 1 voto

CSC: 284º/2 Exceção

CSC: 384º/4, 5 e 6 Introduzem limitações ao direito de voto, absolutas, quando o


acionista não pode votar, relativas, quando não pode votar em certos assuntos, objetivas,
quando determinada ação não o permite votar e subjetivas, quando o problema reside no
titular das ações.

CSC: 384º/9 É permitido o voto por correspondência

CSC: 385º Um acionista com direito a mais que um voto deve utilizá-los todo no mesmo
sentido, sob pena de nulidade de todos eles.

CSC: 386º/1 Regra geral: O quórum deliberativo é de maioria simples de votos emitidos,
sendo que as abstenções não contam

CSC: 386º/3 Exceção: em certos assuntos é exigida uma maioria de 2/3 dos votos
emitidos

CSC: 386º/4 Exceção da exceção: caso exista uma segunda convocatória, esses mesmos
assuntos podem ser deliberados por maioria simples

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 191


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A ADMINISTRAÇÃO DAS SOCIEDADES

GESTÃO E REPRESENTAÇÃO

Em termos societários, a administração traduz:

O conjunto das pessoas que têm a seu cargo a função de administrar uma sociedade; em
certos casos, poderá tratar-se de uma pessoa singular única (administração subjetiva),
cobre as figuras dos gerentes, dos administradores stricto sensu e dos administradores
executivos, em função do concreto tipo societário em jogo.

O ato ou o efeito de administrar essa mesma sociedade (administração objetiva).

Pois bem: o que façam ou deixem de fazer as sociedades, nas mais diversas
circunstâncias, lícita ou ilicitamente, é obra dos administradores. As regras destinadas às
sociedades são, no fundo, comandos dirigidos às administrações. A administração das
sociedades constitui o cerne do Direito das sociedades: ponto em torno do qual tudo orbita
e destino final de todas as construções e institutos.

O problema dos interesses

Questão importante é a de saber se o administrador está ao serviço dos sócios ou da


sociedade, ou que interesses serve ou deve servir.

Deixaremos de parte as hipóteses de, formalmente, o administrador estar ao seu próprio


serviço ou ao de terceiros. É evidente que o está, ou pode estar; todavia, quando tais
atuações conflituem com normas destinadas à defesa da sociedade ou dos sócios, estas
prevalecem.

Esta discussão entronca, com facilidade, numa outra: a de saber se há interesses próprios
da sociedade e se tais interesses são distintos dos dos sócios:

Não há nenhuma definição constitucional ou meramente legal de interesse, de acordo com


Menezes Cordeiro:
• Em sentido subjetivo: o interesse traduz uma relação de apetência entre o sujeito
considerado e as realidades ou os seus desejos;
• Em sentido objetivo: o interesse traduz a relação entre o sujeito com necessidades
e os bens aptos a satisfazê-las.
Exemplo: para um jogador compulsivo, o interesse (subjetivo) será o de encontrar um
casino onde passar a noite; em termos objetivos, o seu interesse seria ir para casa
descansar, com vista ao trabalho do dia seguinte.

Se releva o interesse subjetivo, caberá ao próprio interessado defini-lo; o Direito apenas


fixará limites às atuações resultantes das opções que ele faça.
Se predominar o interesse objetivo, terá de haver alguém exterior que o defina. Tal
definição não poderá ser arbitrária. Quer isso dizer que a explicitação do interesse
objetivo deverá ser feita por normas de conduta, dirigidas ao sujeito.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 192


Direito Comercial | Regente Menezes Cordeiro

No exemplo do jogador: é proibida a permanência de jogadores compulsivos nos casinos,


depois da meia-noite.

Algumas leis, incluindo o CC, utilizam o termo interesse. Aí, teremos de lhe atribuir um
sentido útil. Por exclusão, não está em causa o interesse subjetivo: este pode ser qualquer
um, conforme as pessoas, pelo que não tem operacionalidade dogmática.

Resta uma saída objetiva, sendo de eleger uma fórmula que possa ser usada pelo Direito:

Menezes Cordeiro acolhe a noção desenvolvida por Mota Pinto: uma realidade protegida
por normas jurídicas as quais, quando violadas, dão azo a um dano.

Quando a Lei refira interesses, remete o intérprete-aplicador para realidades


juridicamente relevantes e que tenham a tutela jurídica. Mais precisamente, ela visualiza
ou o conteúdo de um direito subjetivo ou a área acautelada por normas de proteção.

Ao serviço dos sócios, da sociedade ou de terceiros?

O administrador serve a sociedade ou os sócios? Se regressarmos à técnica anterior,


perguntaríamos se o administrador serve os interesses da sociedade ou os dos sócios.

Admitamos que sejam os da sociedade:


• Em sentido subjetivo: esses interesses terão de ser selecionados dentro dos órgãos
sociais, o que acabará por descambar na decisão dos sócios;
• Em sentido objetivo: tais interesses seriam escalonados pelo tribunal, de acordo
com regras jurídicas; tais regras teriam de ser claras, estritas e constitucionais, já
que elas viriam cercear a livre iniciativa dos sócios.

Admitindo agora que o administrador sirva os interesses dos sócios:


• Em sentido subjetivo: a sua definição caber-lhes-ia;
• Em sentido objetivo: surgem as tais regras injuntivas que se fundirão com as que
definam o interesse objetivo da própria sociedade.

Confirma-se, assim, o círculo: no que a lei permita, cabe aos sócios definir os interesses
da sociedade e os seus próprios; fora disso, funcionará o Direito objetivo.

O problema resolve-se com a noção jurídica de interesse: o administrador deve respeitar


as posições protegidas pelo Direito (interesses); quer dos sócios, quer das sociedades.

De facto, a referência aos interesses da sociedade encobre uma outra questão e da maior
importância:
Deve o administrador atender, em cada momento, às indicações dos sócios ou, pelo
contrário, caber-lhe-á decidir com vista ao médio e ao longo prazo, de tal modo que o
interesse objetivo da sociedade e dos sócios, definido na base do lucro, do crescimento
ou do êxito empresariais, prevaleça sobre quaisquer outras bitolas?

A lei dá grande margem aos administradores, particularmente no campo das sociedades


anónimas: veja-se o CSC: 373º/3, que veda à assembleia geral a interferência na gestão
da sociedade, salvo se por iniciativa dos próprios administradores. Tal margem destina-

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 193


Direito Comercial | Regente Menezes Cordeiro

se, justamente, a permitir aos administradores pensarem no tal médio e no longo prazo.
Isto dito, recoloca-se o tema: médio e longo prazo tendo em vista as vantagens sociais ou
as dos sócios?

A sociedade é sempre um regime jurídico. Ela não sofre nem ri: apenas o ser humano o
pode fazer. Separar a sociedade dos sócios é má escolha: despersonaliza um instituto que
uma longa experiência mostrou melhor estar no Direito privado. O administrador
servirá, pois, os sócios. Mas não enquanto pessoas singulares: antes enquanto partes
que puseram a gestão dos seus valores num modo coletivo de tutela e de proteção.

Nesse modo coletivo interferem normas que recordarão, entre outros aspetos:
Que a boa saúde das sociedades é vantajosa para o mercado;
Que há setores sensíveis onde regras técnicas e prudenciais devem ser seguidas; banca e
seguros;
Que as sociedades a que se acolhem empresas dão emprego e criam riqueza para o País.

Poderemos exprimi-lo dizendo que os administradores servem a sociedade, na qual os


sócios têm um papel importante, mas não exclusivo. E as vantagens dos sócios são
prosseguidas em modo coletivo, o que é dizer, de acordo com as regras societárias
aplicáveis.

A nova redação do artigo 64º/1 b), que determina atender aos interesses da sociedade, dos
sócios, dos trabalhadores, dos clientes e dos credores, manda, no fundo, respeitar as regras
que tutelam as inerentes posições. Nem de outro modo poderia ser, pois os conflitos de
interesses entre essas entidades são tais que nenhum administrador poderia decidir fosse
o que fosse.

Poder de gestão

Apesar da natureza básica desta matéria, o CSC não a considerou na sua parte geral.
Recorrendo aos diversos tipos societários, encontramos:

CSC: 192º/1 Nas sociedades em nome coletivo a administração e a representação da


sociedade competem aos gerentes

CSC: 252º/1 Nas sociedades por quotas a sociedade é administrada e representada por
um ou mais gerentes

CSC: 405º/1 e 2 Nas sociedades anónimas de tipo latino compete ao conselho de


administração gerir as atividades da sociedade e o conselho de administração tem
exclusivos e plenos poderes de representação da sociedade.

CSC: 431º/1 e 2 Nas sociedades anónimas de tipo germânico compete ao conselho de


administração executivo gerir as atividades da sociedade e o conselho de administração
executivo tem plenos poderes de representação da sociedade perante terceiros

Nas sociedades em comandita haverá que aplicar as regras das sociedades em nome
coletivo (474º) ou anónimas (478º) conforme se trata de comandita simples ou de
comandita por ações.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 194


Direito Comercial | Regente Menezes Cordeiro

O CSC não dá uma noção explícita de administração das sociedades:

CSC: 192º/2 Nas sociedades em nome coletivo, diz-se que a competência dos gerentes,
tanto para administrar como para representar a sociedade, deve ser sempre exercida dentro
dos limites do objeto social.

CSC: 259º Nas sociedades por quotas determina-se que os gerentes devem praticar os
atos que forem necessários ou convenientes para a realização do objeto social, com
respeito pelas deliberações dos sócios;

CSC: 405º/1 A propósito das sociedades anónimas, já se anotou a fórmula ampla que fala
em gerir as atividades da sociedade.
CSC: 406º enumera os poderes de gestão: “compete ao conselho de administração
deliberar sobre qualquer assunto de administração da sociedade, nomeadamente”;
seguem-se 13 pontos, que vão desde a escolha do presidente até qualquer outro assunto
sobre o qual algum administrador requeira deliberação do conselho. A enumeração é,
assumidamente, exemplificativa, de tal modo que o próprio CSC acrescenta, em preceitos
dispersos, outros pontos; como exemplo: compete ao conselho de administração, em
certos casos, deliberar a emissão de obrigações (350º/1).

Cumpre retirar a ideia básica da indeterminação dos poderes ou potencialidades de


atuação, a incluir na administração. Esta apenas pode ser determinada pela negativa,
retirando-lhe faculdades, como sejam a disposição ou a administração extraordinária; e
pelo objeto, de acordo com a realidade a que respeite e pela finalidade.

As sociedades comerciais têm personalidade e capacidade jurídica, que compreende os


direitos e as obrigações necessárias ou convenientes à prossecução do seu fim.
Diremos que a administração abrange o conjunto de atuações materiais e jurídicas
imputáveis a uma sociedade que não estejam, por lei, reservadas a outros órgãos.
A competência genérica e residual para agir, pela sociedade, cabe à administração: é o
que se infere dos regimes especiais. A prática jurídica e societária tem reservado a ideia
de administração para a atuação dos próprios administradores; CSC: 80º mas ela poderia
ser alargada a outras pessoas a quem sejam confiadas funções de administração.

Resta acrescentar que, também na prática, surgem, como sinónimas, as locuções


administração, gerência e gestão. Tecnicamente, a administração é um direito potestativo,
traduz a permissão normativa que os administradores têm de decidir e de agir, em termos
materiais e jurídicos, no âmbito dos direitos e dos deveres da sociedade.
Embora se trate de um direito, é um direito funcional ou fiduciário: os administradores
devem observar regras e agir na base da lealdade.

Poder de representação

O administrador tem, como segundo pilar da sua posição, o de representar a sociedade.


A representação é uniformemente CSC: 192º/1 + 252º/1 atribuída aos gerentes, CSC:
405º/2 ao conselho de administração e ao CSC: 431º/2 conselho de administração
executivo.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 195


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Trata-se do vínculo jurídico, de base legal, que permite imputar à pessoa coletiva os atos
dos seus órgãos e, para o caso, à sociedade, a atuação dos administradores.

CSC: 6º/4 A tutela da confiança levou o legislador português a estabelecer um esquema


nos termos do qual, quando, no uso formal de poderes de representação, o administrador
ultrapasse o que lhe caberia, a imputação funciona, “não limitam a capacidade da
sociedade...”.

Conectada com a imputação de atos provenientes do vínculo de representação, surge a


imputação ao ente coletivo de factos ilícitos. CSC: 6º/5 não fala aqui em representação,
apenas remetendo para o regime da comissão.

A representação aqui figurada não equivale à representação em sentido técnico; antes se


trata de um modo cómodo sugestivo de exprimir os nexos de organicidade que imputam
ao ser coletivo a atuação dos titulares dos seus órgãos.
Por isso, quando a lei fale em representantes da sociedade, teremos de ver, pela
interpretação, se estamos perante representantes voluntários para a prática de certos atos
(Menezes Cordeiro considera que são estas as situações reguladas no 6º/5) ou se, pelo
contrário, estão em causa os verdadeiros e próprios administradores.
Os efeitos de uma ou de outra dessas duas possibilidades são distintos.

Em termos técnicos, também a representação dos administradores se apresenta como um


direito potestativo. Ela envolve a permissão de, agindo em nome e por conta da sociedade,
produzir efeitos jurídicos que se projetam imediata e automaticamente na esfera desta.

A representação orgânica tem subjacente a administração e os condimentos que a


norteiam.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 196


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OS DEVERES FUNDAMENTAIS DOS ADMINISTRADORES

O artigo 64º

Os administradores dispõem dos poderes básicos de gestão e de representação; tais


poderes não devem ser exercidos arbitrariamente.

CSC: 64º A propósito desse preceito, da sua evolução, da sua crítica e daquilo que ele
representa, podemos expor a matéria dos deveres fundamentais dos administradores.

Este artigo não corresponde a quaisquer desenvolvimentos nacionais doutrinários ou


jurisprudenciais. Ele traduz uma série de aportações retiradas de fontes exteriores,
desinseridas dos sistemas que as originaram.

Este preceito, mesmo quando aquém da desmesurada importância que lhe deu o legislador
histórico, tem um relevo inegável, que justifica alguma atenção.

A doutrina sublinhou a necessidade de reformular o artigo, o preceito emblemático na


regulação dos deveres emergentes da especial relação de confiança depositada nos
membros dos órgãos sociais. Em síntese, mostrava-se excessivamente breve, era de
censurar o silêncio legislativo quanto ao dever de lealdade, acumulava ambiguidades,
evidenciava inaptidão para um tratamento cabal dos deveres fiduciários dos
administradores; havia que o renovar, atenta a ampla vocação aplicativa e o seu elevado
potencial poder conformador de comportamentos dos titulares de órgãos de administra-
ção; deveria tornar-se numa regra popular.

Mas nem todos aceitaram a bondade da almejada “popularização”: o pre- ceito resultou
muito complexo, em função de uma redacção bastante mais complicada; constitui uma
justaposição de massas jurídicas de origens e tempos diversos, que reclama interpretação
com o fim de alcançar um preceito harmónico e funcional. Na verdade, preceitos deste
tipo, de tão grande generalidade, exigem esforços de precisão por parte da jurisprudência
e da doutrina para uma mais segura aplicação aos casos concretos.

Na versão definitiva proveniente da reforma de 2006 veio:


• Articular, em alíneas separadas, os deveres de cuidado e de lealdade;
• Explicitar o conteúdo dos deveres de cuidado e rematar com a diligência de um
gestor criterioso e ordenado;
• Desenvolver o teor dos deveres de lealdade, aí inserindo, entre os elementos a
atender, a referência a diversos interesses.

Os deveres de cuidado são de origem anglo-saxónica. As concretizações de tais deveres,


bem como os desenvolvimentos levados a cabo a propósito da lealdade, corresponderiam
a ideias da CMVM, tanto quanto veio a público. Mais precisamente, às ideias destinadas
a dar forma ao denominado governo das sociedades ou corporate governance, de cepa
norte-americana.

Também a contraposição entre deveres de cuidado e deveres de lealdade (Estados Unidos)


ou fiduciários (Inglaterra) é típica dos manuais de Direito das sociedades de além-
Atlântico ou de além- Mancha. Ao já colorido Direito português soma-se assim uma
massa de língua inglesa.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 197


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o As componentes jurídico-científicas

O primeiro passo para a reconstrução do artigo terá de consistir no levantamento das


parcelas que o compõem e no seu estudo, à luz dos sistemas dadores.

Considera-se, para o efeito:


1. A diligência de um gestor criterioso;
2. Os interesses da sociedade, dos sócios e dos trabalhadores;
3. Os deveres de lealdade;
4. Os deveres de cuidado;
5. O governo das sociedades.

Como assinala Coutinho de Abreu, os administradores têm ‘poderes-função’, poderes-


deveres, gerem no interesse da sociedade, têm os poderes necessários para promover este
interesse. Na parcela obrigacional, os deveres dos administradores e gerentes são
orientados pela relação fiduciária que a gestão de bens e interesses alheios do ente jurídico
social implica. Por natureza, essa gestão implica a assunção de riscos para tornar possível
a obtenção de lucros. O risco, que se associa à inovação e à criatividade, é um elemento
natural e intrínseco das decisões empresariais, que favorecem o interesse social e, assim,
beneficiam a sociedade e os sócios (as possibilidades de ganho derivadas de uma escolha
arriscada são quase sempre mais consideráveis do que as derivadas de uma esco- lha
menos arriscada). Mas essa assunção deve estar balizada desde logo pelo quadro de
obrigações que devem nortear a actuação dos administradores. Por isso, esses deveres
emergem fundamentalmente da relação interna do administrador com a sociedade, ainda
que possam ter reflexos (nomeadamente a sua omissão ou cumprimento defeituoso) na
rela ção externa com outros sujeitos (credores, Estado, sócios, trabalhadores e outros
terceiros especialmente interessados).

Deveres de cuidado

O dever de cuidado consiste na obrigação de os administradores cumprirem com


diligência as obrigações derivadas do seu ofício-função, de acordo com o máximo
interesse da sociedade e com o cuidado que se espera de uma pessoa medianamente
prudente em circunstâncias e situações similares.
Tal obrigação implica que, de acordo com Coutinho de Abreu, os administradores hão-
de aplicar nas actividades de organização, decisão e controlo societários o tempo, esforço
e conhecimento requeridos pela natureza das funções, as competências específicas e as
circunstâncias

O legislador de 2006, o referir os deveres de cuidado, especificou:


• A disponibilidade;
• A competência técnica;
• O conhecimento da atividade da sociedade.

Alguns destes elementos surgem nas exposições britânicas, a propósito dos deveres de
cuidado. Trata-se, nos termos apontados, de deveres que acompanham a atuação do
administrador, prevenindo situações de negligência.
Apresentam um grau de abstração muito elevado, a concretizar nos meandros do case
law, estranha ao nosso Direito.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 198


Direito Comercial | Regente Menezes Cordeiro

As principais manifestações (ou subdeveres) do dever de cuidado consistem no:


1. Dever de controlar, ou vigiar, a organização e a condução da actividade da
sociedade, as suas políticas, práticas, etc
2. Dever de se informar e de realizar uma investigação sobre a atendibilidade das
informações que são adquiridas e que podem ser causa de danos, seja por via dos
normais sistemas de vigilância, seja por vias ocasionais (produzindo informação
ou solicitando-a por sua iniciativa
3. Dever de se comportar razoavelmente no iter de formação de uma decisão,
obtendo a informação suficiente para o habilitar a tomar uma boa decisão
(obtenção razoável de informação no processo de tomada de decisão)
4. Dever de tomar decisões substancialmente razoáveis, dentro de um catálogo mais
ou menos discricionário de alternativas pos- síveis e adequadas.

Não parece fácil a ligação feita entre os deveres de cuidado, típicos do negligence law e
a bitola do gestor criterioso e ordenado. Aparentemente, esses dois elementos dizem o
mesmo: um em linguagem anglo-saxónica e outro em termos continentais.

Também não se entende porque inserir um claro elemento de responsabilidade civil: seria
lógico colocar tal norma (a ser necessária) no 72º CSC.

Finalmente: a bitola da diligência, que antes acompanhava todos os deveres dos


administradores, parece agora confinada aos deveres de cuidado, o que não é brilhante.

Como saída interpretativa, teremos de esquecer as origens, úteis apenas para fins
expositivos, de clarificação e de crítica ao procedimento legislativo. Essa alínea deverá
ser interpretada no seu conjunto, exprimindo a boa velha bitola de diligência,
acompanhada por algumas precisões.

o Padrão da diligência de um gestor criterioso e ordenado

Nas palavras da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, a al. a) divide-se em duas


partes: na primeira temos uma “cláusula geral de actuação cuidadosa”; na segunda dispõe-
-se o “critério de actuação diligente que serve de bitola do cumprimento daquela”.
Esse é a “diligência de um gestor criterioso e ordenado”: é à luz deste parâmetro de
esforço e procedimento que, imediatamente, as manifestações do dever de cuidado,
mormente, o dever de tomar decisões razoáveis, se realizam, com o fito de verificar se
um administrador foi cuidadoso em concreto na gestão social.

Mas como classificá-la: Regra de conduta ou bitola de culpa?

A resposta é complexa e exige uma prévia ponderação metodológica. Perante a realidade


jurídica nacional e considerando os comuns e elementares aspirações de coerência
jurídico- científica, não vemos qualquer utilidade em duplicar (ou multiplicar) os sistemas
de responsabilidade civil.

Isto dito: em sentido normativo, a diligência equivale ao grau de esforço exigível para
determinar e executar a conduta que integra o cumprimento de um dever. Trata-se de

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 199


Direito Comercial | Regente Menezes Cordeiro

parte de uma regra de conduta, que deve ser determinada independentemente de qualquer
responsabilidade e, logo: de culpa.

A violação do dever de diligência dá azo a responsabilidade e, logo, de culpa. A violação


do dever de diligência dá azo a ilicitude: não a mera medida de culpa. A bitola de
diligência é, nos termos gerais, uma regra de conduta; mas incompleta: apenas em
conjunto com outras normas, ela poderá ter um conteúdo útil e preciso. Com efeito,
ninguém atua diligentemente, tout court: há que saber de que conduta se trata para então,
fixar o grau de esforço exigido na atuação em jogo.

Na anterior formulação do artigo, o critério do gestor criterioso e ordenado surgia, parece,


como uma bitola objetiva de esforço e diligência sobre como fazer na execução (ou
omissão) de tarefas concretas de administração.
Assim continuará para a medida de exigência no cumprimento do dever geral de cuidado
imposto ao administrador e, se for o caso, de uma corresponde ilicitude por
incumprimento do dever.

Simultaneamente, fornecia o padrão geral para ajuizar da culpa (em abstrato) relativa ao
comportamento do administrador, imputando censura ou reprovação à possibilidade de
poder ter atuado de maneira diferente, de acordo com as circunstâncias concretas e em
função desse critério mais exigente do «gestor criterioso e ordenado. Mais exigente
porque, em vez do critério comum civilístico da diligência de “um bom pai de família”,
homem normal e medianamente cuidadoso e prudente, temos no artigo agora quanto à
imputação subjectiva do acto ao agente, uma bitola que nos remete para, nas palavras de
Raúl Ventura, “um gestor dotado de certas qualidades”

Apesar do aggiornamento da lei, esta duplicidade deve continuar a ser aceite com o actual
preceito.

Menezes Cordeiro configurar a “bitola de diligência” como regra de conduta (ainda que
incompleta, porque o seu conteúdo útil preciso necessita da conjugação com outras
normas; logo, “parte de uma regra de conduta”) que, violada, dá azo a ilicitude, sem que
se refira a uma bitola de culpa.
No que é seguido por Trigo dos Reis, conclui a final pela dupla função do critério
legal: a bitola de diligência “reporta-se ao conjunto” em que, no que toca à
responsabilidade obrigacional do art. 72º/1, “‘culpa’ e ‘ilicitude’ surgem incindíveis”.

Evoluindo contra os tradiocinais e atuais entendimentos de ver o artigo como refleco de


ilicitude ou de culpa temos Coutinho de Abreu.

Seja para a ilicitude, seja para o juízo de culpa, o administrador qualificado apontado pela
lei pressupõe uma certa profissionalização e especialização próprias da classe dos
gestores, uma competência assente em habilitações técnicas e profissionais (ainda que a
lei não exija qualquer capacidade técnica ou académica particular ou experiência
profissional para o exercício do cargo, excepto para certas categorias de sociedades)

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 200


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• O business judgement rule

Como explica Carneiro da Frada, é no dever geral de cuidado que a actuação dos
administradores acaba por estar mais exposta à incerteza e à insegurança, já que é nele
que se envolve a autonomia de julgamento que assiste ao administrador. As decisões
empresariais são peculiares porque, quase sempre ou muitas vezes, são tomadas em
situação de risco e debaixo de uma grande pressão temporal. Por isso, tomam-se
frequentemente sem que seja possível ter em conta todos os factores que importavam para
o sucesso da decisão.

Como nos diz Coutinho de Abreu, não há guide line, cada decisão é única, na maior parte
dos casos há várias alternativas, não há a priori uma decisão óptima.

Seria prejudicial para a própria sociedade que as decisões tomadas pelos administradores
pudessem ser constantemente questionadas em tribunal com o desiderato de obter a
consequente responsabilidade por actuação ilícita decorrente do incumprimento do dever
de cuidado. Tal acabaria por transferir a autoridade decisória, típica dos administradores,
do órgão de administração para os sujeitos que lhes podem pedir responsabilidade.

Interessa fazer aqui uma referência ao business judgement rule, introduzindo no §93/I, 2
AKtG, em 2005. Esse diploma, depois da consagração da bitola de diligência, que se
mantém, veio acrescentar:
“Não há um violação de dever quando o membro da direção, na base de informação
adequada, devesse razoavelmente aceitar que, aquando da decisão empresarial, agia em
prol da sociedade.”

Em sínteses, na base de um enérgico sistema de responsabilidade civil, a responsabilidade


dos administradores era transferida para as seguradoras; estas negociavam com os
queixosos; todavia, o incremento das indemnizações levou as seguradoras a retraírem-se,
excluindo numerosas hipóteses de responsabilidade.

O sistema reagiu através do business judgement rule, segundo a qual os administradores


não seriam demandáveis quando mostrassem que agiram, com os elementos disponíveis,
dentro das margens que lhes competiriam, em termos de negócios. Com a seguinte
consequência prática: nos casos de negligência, a responsabilidade é excluída quando se
mostre que o administrador agiu dentro da razoabilidade dos negócios.

CSC: 72º/2 O business judgement rule também foi transposto para o nosso Direito.
De acordo com Menezes Cordeiro, é estranho, pois não logra no Direito português
nenhum surto de responsabilização dos administradores que pudesse justificar tal cautela.

Contudo o preceito indica que a responsabilidade do administrador ou gerente é excluída


se provar que atuou em termos informados, livre de qualquer interesse pessoal e segundo
critérios de racionalidade empresarial.

Deste modo, a regra da business judgment conduz a uma não imputação de


responsabilidade pelos danos causados à sociedade por actos e omissões verificados no
exercício do cargo desde que, no exercício da sua função, o administrador respeite o

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 201


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conteúdo mínimo e suficiente do dever geral de cuidado – obrigação de tomar uma


decisão informada e não irracional. Ainda que aquele dever seja mais rico, só o seu
conteúdo essencial, traduzido nas manifestações-condições vistas, será fiscalizado, por
esta via, para o efeito último de responsabilizar o administrador da sociedade.

Por outras palavras. Na pauta suficiente de comportamento exigido ao administrador pelo


artigo poderá ver-se ainda um dever jurídico mínimo do administrador, que surge como
sucedâneo do dever de tomar decisões razoáveis para o efeito de ser julgada a sua
responsabilidade pela inobservância dessa obrigação: o dever de actuação
procedimentalmente correcta e razoável em termos informativos e de tomar decisões não
irracionais.

A análise dos seus vastos trabalhos preparatórios permite algumas conclusões


interessantes. O legislador material conhecia bem os diversos sistemas europeus, tendo
optado pela fórmula do AktG alemão: tecnicamente mais apurada e consonante com a
tradição nacional. Além disso, apercebeu-se do dilema culpa/ilicitude, tendo acabado por
aproximar a diligência de uma norma de conduta e, portanto: de fonte de ilicitude, quando
violada, sujeita a subsequente e eventual juízo de culpa.

Torna-se evidente que a mera transposição de 1969 nunca poderia assegurar a deslocação,
para o nosso Direito, de todos os desenvolvimentos alemães do que acima demos conta.
De resto: muitos deles são subsequentes a essa data. Registamos, todavia, que o preceito
manteve a lógica da origem, surgindo como uma regra de responsabilidade civil dos
administradores.

Deve entender-se que, se assim for, os administradores respeitaram as suas obrigações


legais e a sua conduta, no que respeita ao mérito das suas escolhas, é insindicável pelo
juiz. É ao administrador que cabe provar os factos extintivos do direito indemnizatório
invocado.
Mesmo que se trate de erros consideráveis de gestão e evitáveis por outros
administradores, mas justificados por escolhas imprudentes ou por deficiências de juízo
(valorações incorrectas, equívocos técnicos, etc.), terá ao seu alcance a demonstração que,
não obstante o mau resultado, o erro cometido, protagonizou um exercício minimamente
cuidadoso dos seus poderes discricionários, seja quanto ao dever de obtenção razoável de
informação no processo de tomada de decisão, seja quanto ao dever de tomar decisões
razoáveis e adequadas (só não podem ser irracionais, isto é, incompreensíveis, sem
explicação coerente ou fundamento plausível).

Numa outra perspectiva, terá o administrador a possibilidade de demonstrar que cumpriu


a obrigação de meios para com a sociedade e que o resultado (consequência final da sua
acção) – a cujo êxito não está obrigado – não lhe trará responsabilidade.

Exemplos: A administração de uma sociedade dedicada à instalação e actualização de


software de gestão a profissionais liberais aprova um contrato exclusivo de três anos com
o fornecedor de programas a profissionais liberais A, quando o fornecedor B lhe
apresentava o mesmo produto mais barato 40%, só porque, e sem mais nenhum
argumento, os sócios da sociedade fornecedora A eram antigos colegas da Universidade

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 202


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de Coimbra (sem que daí, todavia, se retire qualquer vantagem pessoal). Esta decisão não
é explicável em relação ao interesse lucrativo da sociedade.

Em contraponto, não será o caso de os administradores da sociedade de metalomecânica


C adquirirem grandes quantidades de ferro (matéria-prima essencial para a actividade
empresarial), tendo em conta a escas- sez anunciada do produto e o consequente aumento
de preço. Depois de obterem várias informações junto do mercado, apelando à sua
experiência no sector e intuição, adquiriram quantidades para um ano de produção.
Passados dois meses, o preço do ferro reduz-se drasticamente por causa de um súbito
aumento da oferta. A sociedade perdeu competitividade em face dos concorrentes que
não adquiriram quantidades para além das necessidades previstas para a continuidade do
processo produtivo. Mas a decisão, ainda que produtora de prejuízos, não foi irracional –
até, pelo contrário, foi adequada ao contexto e zelosa no tempo em que foi adoptada.

Deveres de Lealdade

o Atuações vedadas

Conduta desleal é aquela que promove ou potencia, de forma direta ou indirecta, situações
de benefício ou proveito próprio dos administradores (ou de terceiros, por si
influenciados, ou de familiares), em prejuízo ou sem consideração pelo conjunto dos
interesses diversos atinentes à sociedade, neles englobando-se desde logo os interesses
comuns de sócios enquanto tais, e também os de trabalhadores e demais stakeholders
relacionados com a sociedade.

A jurisprudência e a literatura permitem apontar diversas situações em que, por referência


à lealdade, surgem atuações proibidas aos administradores. Incluem-se, aqui, proibições
legais que, por razões sistemáticas e valorativas, fazem parte desta constelação
problemática.

• A proibição de concorrência CSC: 254º/1 + 389º/3 + 428º


• A proibição de divulgar segredos societários.
• A proibição (ou severa restrição) de aceitar crédito da própria sociedade;
• A proibição e aproveitamento das oportunidades de negócio: o
aproveitamento não pode considerar-se legitimado com a mera
autorização para a concorrência;
• A proibição de tomar decisões ou de colaborar nelas, quando se verifiquem
situações de conflito de interesses CSC: 410º
• A proibição ou a forte restrição no tocante a negócios a celebrar com a
própria sociedade;
• A proibição de discriminação de acionistas, mantendo-se, pela positiva,
um dever de neutralidade;
• A proibição de empatar OPAs consideradas hostis (a menos que tais OPAs,
sendo nocivas para a sociedade, para os sócios em modo coletivo,
obriguem, por outras vias, a agir);
• O dever de informar os negócios que faça com títulos da sociedade.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 203


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o Condutas devidas

Na origem, a lealdade ganha conteúdo positivo mercê da própria aproximação ao sistema


e à boa fé, na vertente (segundo a terminologia de Menezes Cordeiro) da primazia da
materialidade subjacente. O dever de lealdade implica a prossecução efetiva de um
escopo: não meras atuações formais.

A doutrina e a jurisprudência têm feito precisões úteis:


O administrador deve consagrar, à sua função, as energias necessárias, abstendo-se de
aceitar cargos laterais que esgotem as suas forças.
Deve trabalhar colegialmente com os outros administradores.
Na atuação dos administradores, está em causa uma gestão de bens alheios. Tal gestão
pressupõe uma especifica lealdade, à qual podemos conferir uma natureza fiduciária:
todos os poderes que lhes sejam concedidos devem ser exercidos não no seu próprio
interesse, mas por conta da sociedade.

O dever de lealdade não se confunde:


Com o dever de diligência: este traduz a medida de esforço exigível aos administradores,
no cumprimento dos deveres que lhes incumbam;
Com o dever de cuidado: este implica concretizações do dever geral de respeito, de modo
a evitar situações de responsabilidade aquiliana; normalmente fala-se em deveres de
prevenção do perigo.

Uma coisa é importante saber: a lealdade é-o para com a sociedade, não para acionistas
ou para stakeholders.

o Atuação no interesse da sociedade

O termo “interesse” é ambíguo, não sendo dogmatizável. Quando muito, podemos adotar
uma noção objetiva e normativa, segundo a qual o interesse representa a porção de
realidade protegida e que, quando violada, dá lugar um dano. Mas com isso perde-se um
pouco do alcance normativo do preceito.

O papel útil da referência a interesses da sociedade cifra-se em determinar que os


administradores, ao agir no âmbito das suas funções, o façam em prol dos sócios: mas em
modo coletivo. Não se trata, pois, de propugnar vantagens caso a caso, mas antes, numa
panorâmica possibilitada pelo conhecimento do cenário global, de defender,
societariamente, as saídas mais promissoras.

Na concretização do esforço exigível (da diligência), haverá que ter em conta as


dimensões sociais da sociedade. Ou seja: o universo dos administradores deveria atender,
para além da dimensão societária pura, também ao Direito do trabalho.

A atual alínea b), aparentemente imaginada ex novo pelo legislador de 2006, não parece
corresponder a conexões coerentes, perante qualquer Direito societário:

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 204


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1. O legislador começou por subordinar o tema aos deveres de lealdade.


Exigir lealdade no interesse da sociedade e, ainda, atentando aos interesses (a longo
prazo) dos sócios e, ponderando os de outros sujeitos, entre os quais os trabalhadores, os
clientes e os credores, é permitir deslealdades sucessivas. Quem é leal a todos,
particularmente havendo sujeitos em conflito, acaba desleal perante toda gente.

2. Mantém-se uma referência aos interesses da sociedade.


Ora, estes, segundo a doutrina portuguesa dominante, já haviam sido reconduzidos os
interesses dos sócios. Acresce, in casu, que os interesses da sociedade (dos sócios!)
surgem ainda complementados: Atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios;
Ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da
sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 205


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GOVERNO DAS SOCIEDADES

Corporate Governance

Corporate Governance pode abranger duas diferentes realidades:

• A organização da sociedade: reportar-se-ia ao que chamamos a administração e a


fiscalização da sociedade. Ela abrangeria:
A orgânica societária, suscetível de integrar diversos modelos; no caso das sociedades
anónimas, teríamos, à escolha.
A ordenação interna do conselho de administração.
A articulação com a assembleia geral.
O modo de designação e de substituição dos administradores.

• As regras aplicáveis ao funcionamento da sociedade:


Os direitos e os deveres dos administradores.
As regras de gestão e de representação.
As regras de fiscalização.
Os deveres atinentes às relações públicas.

A primeira, e, porventura, fundamental, subtileza do governo das sociedades reside na


não separação entre essas duas vertentes.

O governo das sociedades tem penetrado, na realidade do Direito português das


sociedades, por seis vias:

Através de práticos do Direito, com especial capacidade na área das relações


internacionais. Em especial contacto com a realidade dos outros países, particularmente
anglo-saxónicos, tiveram a possibilidade de transmitir conhecimentos adquiridos,
publicando-os.

Mercê dos estudiosos que exercem funções no âmbito da CMVM, têm uma
apetência de princípio pelos temas do governo das sociedades. Cabe-lhes, em especial,
preparar os regulamentos e as recomendações que irão enquadrar o mercado mobiliário.

Por via dos especialistas em técnicas de gestão, hoje de governo das sociedades,
num plano próximo ao anterior, podemos colocar estes especialistas, muitas vezes de
formação anglo- saxónica. Organizados no ICPG (Instituto Português de Corporate
Governance), eles são responsáveis pela penetração do pensamento subjacente nas
grandes empresas nacionais. Deve-se-lhes, em especial, a publicação do livro branco
sobre corporate governance em Portugal (2006). A partir de 2009, o IPCG pôs em
circulação um anteprojeto de Código de Bom Governo das Sociedades, relativamente ao
qual há elementos datados do início de 2011;

Pela pressão do Direito Europeu, temos, desde logo presente a Comunicação da


Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu: Modernizar o Direito das sociedades e
reforçar o governo das sociedades na União Europeia – Uma estratégia para o futuro. Não
podemos ainda falar numa legislação direta europeia sobre governo das sociedades, mas
a pressão existe e é efetiva.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 206


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Pelo ensino universitário, são feitas, há anos, referências básicas em obras gerais
surgindo, mais recentemente, planos de estudos relativos a disciplinas especializadas de
processo das sociedades, nos cursos de mestrado. Pelas características do nosso País: a
matéria não terá de ser aprofundada a esse nível;

Mediante reformas legislativas


A projeção na reforma de 2006 – De acordo com o estudo preparatório elaborado pela
CMVM, a reformulação global e coerente do regime das sociedades anónimas em
Portugal implica os objetivos seguintes:
Promover a competitividade das empresas portuguesas, permitindo o seu alinhamento
com modelos organizativos avançados;
Ampliação da autonomia societária, designadamente através da abertura do leque de
opções quanto a soluções de governação;
Eliminar distorções injustificadas entre modelos de governação;
Aproveitar os textos comunitários em relevo direto sobre a questão dos modelos de
governação e direção de sociedades anónimas;
Atender às especificidades das pequenas sociedades anónimas;
Aproveitar as novas tecnologias da sociedade da informação em benefício do
funcionamento dos órgãos sociais dos mecanismos de comunicação entre os sócios e as
sociedades.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 207


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SITUAÇÃO JURÍDICA DOS ADMINISTRADORES

DIREITO COMPARADO

Orientação Contratual

Como construir a situação jurídica da administração, depois de perdido o referencial do


mandato, dado que existe, no nosso direito, uma separação entre mandato e
representação?

A situação jurídica dos administradores de sociedades privadas será, com probabilidade,


uma situação jurídica privada. Por isso, parece razoável admitir que, na sua base, esteja
um contrato: a sociedade pretende uma determinada pessoa em funções de administração
e essa pessoa dá o seu assentimento.
O contrato subjacente poderia não ser, propriamente, um mandato; não seria de excluir,
contudo, algo de próximo:

Segundo Minervi a estrutura da relação de administração seria contratual, ou seja, ela


surgiria depois de a designação do interessado, feita pela assembleia geral, lhe ser
comunicada e de ele a aceitar, expressa ou tacitamente. Tratar-se-ia de uma relação de
trabalho em sentido amplo já que haveria uma prestação de serviço por conta de outrem
em termos não autónomos; por fim, dados os múltiplos elementos específicos disponíveis,
seria possível avançar individualizando um contrato típico de administração.

Menezes Cordeiro considera que se a situação jurídica de administração tiver uma base
contratual, haverá que procurar um contrato de administração ou qualquer outra figura
contratual sui generis: é manifesto que ela não se coaduna, precisamente, com nenhuma
outra figura preexistente. A aproximação ao contrato de trabalho teria o aliciante de
corresponder à profissionalização dos administradores, num fenómeno universal. Mas
levanta problemas de regime de enorme complexidade, que não são minimamente
ponderados pelos autores que propugnam semelhante aproximação.
O aspeto mais complicado é o da determinação concreta, na relação de administração, de
uma estrutura contratual, em sentido próprio:
Em abstrato, parece inteiramente possível e até razoável, que se possa fazer tal opção.
O Direito privado, porém, na sua lógica assenta em fatores estruturalmente culturais,
dados por atormentada evolução histórica e marcados por transposições conceituais muito
variadas.
A natureza contratual da relação de administração não pode, assim, ser afirmada ou
defendia em abstrato. Joga-se, antes de mais, um problema de Direito positivo e de
regime: há que verificar se o procedimento, relativo à colocação de administradores,
comporta uma redução contratual.

Orientações Unilaterais

As teorias unilaterais contrapõem-se globalmente às contratuais. Na sua promoção,


jogaram fatores de ordem diversa que podem ser ordenados em:
o Técnicos: os fatores técnicos prendem-se com a estrutura da designação dos
administradores e com a via pela qual eles entram em funções: não haveria aí
qualquer contrato.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 208


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Os administradores são designados por deliberação dos sócios. A deliberação é, na


sequência de VON THUR, autonomizada como uma especial categoria de atos jurídicos,
genericamente contraposta a atos não deliberativos. Ela própria depende de um processo,
no qual surge uma proposta, sujeita a votos; o voto exprime uma recusa ou a aceitação da
proposta. Os participantes, na assembleia deliberativa, funcionariam como representantes
do ente coletivo, a quem a deliberação vai ser imputada.

Contrapondo-se aos atos jurídicos não deliberativos, verifica-se que a deliberação se


distingue, por três particularidades:
Comporta várias declarações de vontade idênticas, por oposição a confluentes – os
participantes na deliberação de escolha do administrador, p. ex., dirão “quero determinada
pessoa como administrador” e não, por hipótese, um deles, “quero mandatar” e outro
“quero ser mandatado”;
As declarações de vontade não se dirigem a outrem reciprocamente, mas sim à
agremiação;
A deliberação pode vincular quem com ela não tenha concordado.

o Significativo-ideológicos: as construções institucionalistas filiam-se, de um


modo geral, no realismo de Von Gierke

A pessoa coletiva tem uma existência própria, diferente do somatório dos seus membros,
enquanto os seus órgãos traduzem algo que lhes é próprio. A concreta designação da
pessoa ou pessoas que irão preencher esses órgãos é um ato interno, de natureza
corporacional ou institucional. Esta orientação foi reforçada pelas correntes
institucionalistas que, detetando no ente coletivo uma vida própria, diferente da dos seus
membros, nela inserem a designação dos administradores.

Orientações Analíticas

No essencial, estas construções descobrem, na génese da posição jurídica aqui em jogo,


um ato duplo: por um lado, a nomeação, pela sociedade, da pessoa eleita para
administradora – a Bestellung (nomeação ou designado); por outro, a celebração, com
essa pessoa, de um contrato de emprego – Anstellung (colocação).

Esta orientação deriva de uma análise mais aprofundada da posição jurídica do


administração. A contraposição entre a nomeação e a colocação iria obedecer a uma
ordem de considerações jurídico- científicas, paralelas às que levaram a distinguir o
mandato da procuração. Além disso, ela permite a salvaguarda das pretensões derivadas
dos contratos celebrados, sem prejudicar a livre destituição dos administradores.

A Bestellung é um ato deliberativo e, nesse sentido, unilateral, embora com um


destinatário. Ela pode ser revogada a todo o tempo, nos termos legais. A Anstellung
pressupõe um contrato com certas cláusulas. Quando outra coisa não se disponha, ela
pode ser objeto de denúncia ordinária (ou seria de duração perpétua) e de denúncia
extraordinária, ou melhor, de resolução, perante um motivo justificado.

Dos diversos problemas que esta técnica analítica permite estudar com apuro cumpre
salientar, em primeira linha, a assimilação da Anstallung a um contrato de trabalho:

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 209


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A jurisprudência e a doutrina têm respondido pela negativa: não há que aplicar aos
titulares dos órgãos sociais o regime da tutela laboral; além disso, eles estão, em termos
sócioculturais, mais próximos dos empregadores do que dos trabalhadores.
Também se verifica que, de facto, os titulares dos órgãos de direção não surgem numa
posição de subordinação jurídica, em sentido técnico: ninguém lhes dá instruções sobre o
modo de concretizar os serviços que devam prestar – ou ter-se-ia de ir procurar, algures,
a direção.
Não obstante, a evolução laboral tem permitido, nalguns casos, fazer transposição de
normas do Direito do trabalho, para os titulares dos órgãos sociais. O Direito do trabalho
não mais tem sido entendido como um Direito de exceção. É, simplesmente, um Direito
especial. Logo, torna-se possível, caso a caso e quando a analogia das situações o permita,
transpor normas laborais para outros setores, entre os quais o aqui em causa.

Valores Laborais

A lógica do confronto de classes, muito viva no princípio do séc. XX teve como efeito o
retirar os administradores do universo imediatista dos trabalhadores. Mas como não eram
(necessariamente) detentores do capital, ficaram em “terra de ninguém”, numa
indefinição que se estendeu à realidade jurídica.

A doutrina laboral dos nossos dias trata o tema com alguma cautela: reafirma as
especificidades da relação de administração, reconhecendo embora a situação particular,
de tipo sujeição, a que dá azo; finalmente, admite uma aplicação, a ponderar em cada
caso, de normativos laborais. Essa orientação poderia ainda ser complementada com a
societarização das relações de trabalho clássicas.

Partindo das soluções, parece evidente que a doutrina e a jurisprudência dos diversos
ordenamentos (francês, alemão e italiano) se inclinam para a necessidade de proteção
social dos administradores, proteção essa que historicamente é prosseguida pelo Direito
do Trabalho.

Em termos quantitativos, a discussão em torno da laboralidade da administração tem


vindo a centrar-se nos gerentes das sociedades por quotas. Ora, estas, no início, foram
concebidas como sociedades de capitais, portanto, como pequenas empresas anónimas,
aptas a suportar administradores profissionalizados e, como tal, assalariáveis. Evoluíram,
porém, para sociedades de pessoas em moldes que, até por razões de ordem económica,
já não se compadecem com tutelas laborais alargadas. Paradoxalmente, porém, seria em
sociedades deste tipo que ainda se poderia intentar descobrir uma subordinação, em
sentido jurídico-laboral, pelo menos sempre que o administrador (o gerente) não seja ele
próprio sócio.

Já nas sociedades anónimas, a problemática inverte-se: o administrador tenderá a ser


contratado como um empregado dirigente, especialmente habilitado, mas ligado apenas
por uma relação de serviço remunerada; porém, já não há paradoxalmente quem lhe dê
instruções. Tais instruções, consideradas possíveis nas sociedades de tipo germânico,
através do conselho de vigilância ou conselho geral, seriam impensáveis, nas sociedades
anónimas de tipo latino. A própria lei exclui, aliás, a gestão corrente, do âmbito da
competência da assembleia geral.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 210


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NO DIREITO PORTUGUÊS

Inadequação do contratualismo puro

A doutrina portuguesa tem procurado, de um modo geral, reconduzir a situação jurídica


de administração a um contrato: o contrato de administração ou outro similar. Esta
orientação deve ser revista: ela não tem, por si, nem a colocação histórica do instituto,
nem a atual Ciência do Direito nem, sobretudo, o Direito positivo aplicável:

O Direito vigente mostra que a situação jurídica de administração pode ter alguma das
seguintes formas:
a) Imanência à qualidade de sócio;
b) Designação inter partes no contrato de sociedade;
c) Designação a favor de terceiro nesse mesmo contrato;
d) Designação pelos sócios ou por minorias especiais;
e) Eleição pelo conselho geral e de supervisão;
f) Designação pelo Estado;
g) Substituição automática;
h) Cooptação;
i) Designação pelo conselho fiscal;
j) Designação judicial.

Apenas na hipótese de designação pelo conselho geral e de supervisão se poderia


configurar um contrato: em todos os outros casos, o único contrato que surge é o da
sociedade, o qual nem visa de modo específico designar administradores.

O Direito português vigente aponta a eleição, tomada como deliberação unilateral, como
a via mais típica de constituição da situação de administração.

A natureza da situação jurídica da administração há de ser fixada pelo seu conteúdo e não
pela forma da sua constituição.

Direitos dos administradores

O primeiro direito do administrador será o direito à retribuição. Nos restantes tipos


societários, o papel de administrador, ainda que de modo não tão claro, mantém-se
estritamente patrimonial. A retribuição faz parte do seu conteúdo natural.

CSC: 192º/5 Presume remunerada a gerência das sociedades em nome coletivo, sendo o
montante da remuneração é fixado por deliberação dos sócios

CSC: 255º As sociedades por quotas merecem nesse domínio uma regulamentação mais
complexa

CSC: 399º + 429º Esta é fixada pelo conselho geral e de supervisão ou, no caso de assim
estar previsto no contrato de sociedade, pela assembleia geral ou por uma comissão por
esta nomeada.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 211


Direito Comercial | Regente Menezes Cordeiro

A remuneração dos administradores, designadamente no caso das sociedades anónimas,


apresenta uma estrutura ainda mais complexa. Por razões de ordem social e fiscal, elas
têm vindo a assumir composições parcial e crescentemente não-monetárias. Acresce que,
por vezes, o desempenho de funções de administração numa sociedade implica o
desempenho de funções semelhantes, em empresas participadas, desempenho esse que é
remunerado.

O exercício das funções de administração pode ainda facultar diversas regalias sociais.

CSC: 402º (Menezes Cordeiro considera que pode ser estendido a toso os tipos
societários) Para além das regras gerais de segurança social, os administradores podem
desfrutar de esquemas específicos, previstos nos estatutos da sociedade ou em
regulamentos a ele anexos

A prática exemplifica esquemas de reforma, de subsídios de doença e de invalidez,


seguros profissionais, esquemas de apoio na aquisição de habitação e outros. Pois bem:
todas as vantagens patrimoniais dispensadas aos administrador nessa qualidade têm
natureza retributiva. São, assim de ter em conta, para a precisa definição dos seus direitos
e jogam para o cálculo de hipotéticas indemnizações, que os devam ter em causa.

Resta acrescentar que a política de remuneração dos administradores integra um capítulo


dedicado da corporate governance. Cada vez mais ela dá azo a disciplinas especializadas,
que requererem um estudo autónomo e alargado de conhecimentos comparatísticos.

Noutro plano, a CMVM, no Código de Governo das Sociedades da CMVM de 2010


(recomendações), preconizou que as sociedades cotadas divulgassem individualmente as
remunerações dos administradores.
A novidade reside no seguinte: CSC: 288º/1 c) apenas obriga a divulgar os montantes
globais pagos em cada ano, aos membros: não os montantes individuais.
De facto, em certos casos, o montante individual pode estar associado a índices de
produtividade setorial que não convenha tornar públicos, por razões de negócio.
Obviamente: os montantes exatos são sempre conhecidos pela Administração fiscal. A
divulgação individual permite comparações dentro da empresa e conduz ao nivelamento
e, portanto: ao fim da recompensa pelo mérito.

O Direito vigente tem instrumentos para lidar com situações de excesso. Para além da
cláusula CSC: 255º/2 geral do abuso do direito, que permite a redução da remuneração
dos sócios gerentes, pelo tribunal, a requerimento de qualquer sócio, em processo de
inquérito judicial, quando forem gravemente desproporcionadas quer ao trabalho
prestado, quer à situação da sociedade.

Deveres dos Administradores

De acordo com a fonte, os deveres dos administradores podem ser:


• Legais: provêm de preceitos legais;
• Estatutários: provêm do pacto social;
• Contratuais: provêm de contrato;

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 212


Direito Comercial | Regente Menezes Cordeiro

• Deliberativos: provêm de deliberação dos sócios ou do próprio conselho de


administração.

As normas em causa podem originar deveres fiscais, de segurança social, laborais,


cambiários, societários.

Muito importante é a contraposição entre:


Deveres genéricos: resultam da mera existência de direitos alheios ou de normas de
proteção
Deveres específicos: têm a ver com obrigações legais, estatutárias ou convencionais.

Perante situações relativas, os deveres dos administradores podem equacionar-se em


deveres para com a sociedade, para com os credores desta, para com os sócios ou para
com terceiros.

Tomados na sua configuração, os deveres poderão ser diretamente de conduta ou redundar


em meros deveres de diligência.

De resto, a complexidade da situação permite aplicar as diversas classificações de


obrigações: há deveres solidários, deveres de meios e de resultado e obrigações de facere,
de dare e de pati.

Em obediência aos conceitos usados para os explicitar, os deveres dos administradores


podem ser determinados ou indeterminados. Estes últimos, que carecem em cada caso de
atravessar um competente processo de concretização, abrangem, em particular, deveres
de cuidado, de lealdade e de informação.

A constituição da situação de administrador

O CSC omitiu o tratamento geral da constituição da situação da administração das


sociedades. Somos assim obrigados a procurar regras nas partes dedicadas aos diversos
tipos societários. Essas regras correspondem, no essencial, a um regime comum.

o Sociedades em nome coletivo

CSC: 191º/1 Não havendo estipulação em contrário e salvo o disposto no nº 3, são


gerentes todos os sócios, quer tenham constituído a sociedade, quer tenham adquirido
essa qualidade posteriormente
CSC: 191º/2 Por deliberação unânime dos sócios podem ser designadas gerentes pessoas
estranhas à sociedade
CSC: 191º/3 Uma pessoa coletiva sócia não pode ser gerente, mas, salvo proibição
contratual, pode nomear uma pessoa singular para, em nome próprio, exercer esse cargo.

Aqui, a posição de gerente é uma decorrência da de sócio: estamos próximos da solução


vigente, para as sociedades civis puras. O facto constitutivo essencial e, supletivamente,
predominante é o contrato de sociedade. Quando a gerência recaia sobre um não-sócio, o
facto constitutivo é a própria deliberação dos sócios.
Finalmente, prefigura-se uma terceira situação: a da eficácia conjunta do pacto social e
de deliberação de entidade terceira, na hipótese da pessoa coletiva sócia.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 213


Direito Comercial | Regente Menezes Cordeiro

o Sociedades por quotas

CSC: 252º Aparentemente, verifica-se um distanciamento em relação à imanência da


administração aos sócios. Os gerentes são designados no pacto ou escolhidos,
posteriormente, por deliberação dos sócios, podendo ser estranhos.

CSC: 252º/3 A gerência é sempre personalizada CSC: 252º/4 não sendo transmissível
por morte

CSC: 253º/1 Faltando definitivamente os gerentes, todos os sócios assumem, por força
da lei, os poderes de gerência, até à designação de novos gerentes.

CSC: 253º/3 Admite, finalmente, a nomeação judicial quando decorram 30 dias sobre a
falta de um gerente, não nominalmente designado, cuja intervenção seja, pelo contrato,
necessária para a representação da sociedade.

o Sociedades Anónimas

Prevê um esquema complexo de designação dos administradores.

CSC: 391º/1 Estes podem ser designados no contrato de sociedade ou eleitos pela
assembleia, referindo ainda CSC: 391º/5 a necessidade de aceitação, expressa ou tácita.

CSC: 392º/1 O contrato de sociedade pode prever administradores eleitos, por certas
minorias, CSC: 392º/11 havendo ainda e eventualmente, que contar com administradores
por parte do Estado.

CSC: 393º/3 Nas hipóteses de substituição pode haver, após a chamada de suplentes,
quando os haja, designações por cooptação ou, na falta desta, por deliberação do conselho
fiscal ou do conselho de auditoria.

CSC: 394º Prevê a nomeação judicial, quando decorram determinados períodos de


tempo, sem que tenha sido possível eleger o conselho de administração.

CSC: 425º Nas sociedades anónimas de modelo germânico: com conselho geral e de
supervisão e com conselho de administração executivo, os administradores são
designados ou no contrato de sociedade ou pelo conselho geral e de supervisão ou, ainda,
pela assembleia geral, se os estatutos assim o determinarem CSC: 425º/6 podendo não
ser acionistas.

CSC: 425º/4 O conselho geral e de supervisão providencia quanto à sua substituição


podendo CSC: 426º haver nomeação judicial, por aplicação, com as necessárias
adaptações, das regras atinentes às sociedades de estrutura latina.

Um tanto contra a corrente do CSC: 430º/3, na sua redação inicial, a propósito da


destituição sem justa causa do diretor, refere o contrato com ele celebrado.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 214


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o Sociedades em comandita

CSC: 470º/1 Salvo se o contrato de sociedade permitir a atribuição da gerência aos sócios
comanditários, só os comanditados podem ser gerentes.

CSC: 474º Têm aplicação nas sociedades em comandita simples o dispositivo relativo às
sociedades em nome coletivo, e CSC: 478º nas comanditas por ações as regras previstas
para as sociedades anónimas.

Finalmente, cumpre aludir a situações especiais, como as que envolvem a nomeação de


administradores por parte do Estado. Tais administradores, que ocupam por lei a precisa
posição orgânica e estatutária dos seus pares, designados pelos estatutos ou eleitos em
assembleia geral, como que completam uma rica panóplia de factos constitutivos da
situação de administração.

O termo da situação de administrador

A situação jurídica de administração não é, por natureza, perpétua: a vicissitude da sua


cessação está sempre no horizonte. Diversas formas de cessação das situações jurídicas
têm aqui aplicação, designadamente:

o Caducidade

Sobrevém por morte, interdição, incapacitação, inabilitação ou reforma do administrador.

Quanto à inabilitação, é de relevar a situação correspondente, por exemplo, à cassação


da carteira ou à não autorização de entidade competente para o desempenho do lugar.

Também há caducidade quando expire o prazo por que foi feita a designação
CSC: 391º/3 No caso das sociedades anónimas, releva o prazo máximo de quatro anos,
prazo esse acrescido do lapso necessário, para que haja nova designação
CSC: 391º/4 Noutros termos, a caducidade opera aqui apenas quando haja nova
designação, mas não antes de decorrido o período dos quatro anos; se este não for
respeitado, temos, já a destituição.

CSC: 151º/1 Outra hipótese de caducidade é a extinção da sociedade; a passagem do


administrador a liquidatário, puramente supletiva, representa, já, uma posição
qualitativamente diversa.

Também podemos falar em caducidade, na hipótese de extinção do órgão ou do lugar;


aqui, a materialidade da situação subjacente poderá requerer a aplicação do regime da
destituição.

o Resolução

Sempre unilateral, exige fundamento e previsão legal. As exigências próprias do Direito


societário levaram a que, neste ponto, revogação e resolução tenham sido fundidas numa

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 215


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figura própria e autónoma: a destituição dos administradores. A reforma de 2006


introduziu alguma clarificação.
A situação dispersiva aconselha uma prévia recolha, a nível de fontes:

• Sociedades em nome coletivo

CSC: 191º/4 O sócio foi designado por cláusula especial do contrato de sociedade: só
pode ser destituído da gerência em ação intentada pela sociedade ou por outro sócio,
contra ele e contra a sociedade, com fundamento em justa causa.

CSC: 191º/5 O sócio é gerente por inerência à qualidade de sócio ou foi designado
gerente por deliberação dos sócios: só pode ser destituído da gerência por deliberação dos
sócios e com fundamento em justa causa, salvo se o contrato de sociedade dispuser
diferentemente.

CSC: 191º/6 O gerente não é sócio: pode ser destituído por deliberação dos sócios,
independentemente de justa causa.

A sociedade tem apenas dois sócios: a destituição de qualquer deles da gerência, com
fundamento sem justa causa, só pode ser decidida pelo tribunal, em ação intentada pelo
outro contra a sociedade.

• Sociedades por quotas

CSC: 257º/1 Em princípio, os sócios podem deliberar, a todo o tempo, a destituição dos
gerentes.

CSC: 257º/2 O contrato de sociedade pode exigir, para o efeito, maioria qualificada, ou
exigir outros requisitos; porém, se a destituição se fundar em justa causa, pode ser sempre
deliberada por maioria simples

CSC: 257º/3 Quando uma cláusula do contrato atribua a um sócio um direito especial à
gerência, requer-se o consentimento deste; podem, porém, os sócios deliberar que a
sociedade requeira a suspensão e destituição judicial do gerente por justa causa

CSC: 257º/4 Existindo justa causa, qualquer sócio pode requerer a suspensão e a
destituição do gerente, em ação intentada contra a sociedade

A sociedade tem apenas dois sócios: a destituição da gerência, com fundamento em justa
causa, só pode ser decidida pelo Tribunal, em ação intentada pelo outro.

• Sociedades anónimas

CSC: 403º/1 A assembleia geral pode deliberar, a todo o momento, a destituição de


qualquer membro do conselho de administração.

CSC: 403º/2 O administrador foi eleito de acordo com as regras especiais do 392º: a
deliberação sem justa causa não procede se contra ela tiverem votado acionistas que
representem pelo menos 20% do capital social.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 216


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CSC: 403º/3 Enquanto não for convocada a assembleia geral para deliberar sobre o
assunto: um ou mais acionistas titulares de ações correspondentes, pelo menos, a 10% do
capital social podem requerer a destituição judicial de um administrador, com fundamento
em justa causa.

CSC: 403º/4 O administrador é nomeado pelo Estado ou entidade equiparada: a


assembleia geral apenas pode, na apreciação anual da sociedade, manifestar a sua
desconfiança, em deliberação que deve ser transmitida ao ministro competente.

CSC: 404º/4 Constituem designadamente justa causa de destituição a violação grave dos
deveres do administrador e a sua inaptidão para o exercício normal das suas funções

CSC: 404º/5 Se a destituição não se fundar em justa causa, cabe indemnização

CSC: 430º/1 Os administradores podem ser destituídos, a todo o tempo, pelo conselho
geral e de supervisão ou pela assembleia geral, consoante o órgão competente para
a eleição

Aplicando-se, quanto à noção de justa causa e quanto às consequência da sua inexistência


o disposto para as sociedades de tipo latino.

o Revogação

Corresponderia à cessação da situação jurídica de administração, por acordo das partes.


Porém, um verdadeiro acordo exigiria aqui que a constituição da situação fosse contratual,
o que é tudo menos seguro à luz do Direito português. Fica-nos a revogação unilateral,
por decisão de entidade competente para a designação, numa posição duvidosa por, de
toda a forma, a designação criar direitos.

o Denúncia

A livre destituibilidade e a exigência de justa causa

O princípio da livre destituibilidade dos administradores é tradicional: provinha do


Direito francês e tinha expressa consagração, no revogado artigo 172º CCom.

O CSC conserva o princípio da destituibilidade livre dos administradores. A justa causa


apenas serve para decidir se a destituição opera ou não com indemnização. Isto assente,
verifica-se que a lei dá duas definições próximas de justa causa de destituição:

CSC: 257º/6 A propósito da sociedade por quotas, esta é definida nestes termos:
“Constituem justa causa de destituição, designadamente, a violação grave dos deveres do
gerente e a sua incapacidade para o exercício normal das respetivas funções.”

CSC: 403º/4 + 430º/2 No tocante às sociedades anónimas aparece uma noção semelhante,
mas em que incapacidade é substituída por ineptidão.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 217


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Temos, ainda, certos exemplos concretos de justa causa:


CSC: 254º/5 Considera justa causa de destituição do gerente a violação da proibição da
concorrência

CSC: 447º/8 Afirma como tal a falta culposa de cumprimento do disposto no nº1 e 2
relativos à publicidade de participações dos membros de órgãos de administração e
fiscalização.

Perante estas fórmulas, não restam dúvidas de que a justa causa implica a violação grave,
com dolo ou negligência grosseira – dos deveres do administrador.

A “incapacidade para o exercício normal” não é incapacitação: esta conduz à caducidade;


trata-se, antes, da incompetência profissional grave, a qual implica, sempre, um nível
normativo, e, daí, a violação, necessariamente grave dos deveres de estudo e de
atualização exigíveis.

A noção mais laboral (mais restritiva) que tem na lei uma base suscetível de alargamento,
merece ser acolhida – ela foi desenvolvida por Raúl Ventura, a propósito dos gerentes das
sociedades por quotas; a argumentação em causa pode, porém, ser transposta para os
administradores das sociedades anónimas.

Há boas razões de fundo para dispensar, aos administradores das sociedades, uma
certa proteção semelhante à que a lei concede aos trabalhadores subordinados. Não pode
ter a mesma intensidade, sob pena de subverter a própria lógica intrínseca do Direito
societário; mas sempre será alguma: a total desproteção dos administradores ir-se-ia
repercutir no seu profissionalismo, com danos para a própria sociedade.

A qualificação de uma deliberação como tendo justa causa comporta, sobretudo,


virtualidade de dispensar a indemnização e outros institutos de proteção aos
administradores: a liberdade da própria sociedade não está em jogo, uma vez que a
destituição é sempre possível, com ou sem justa causa. Por isso, a justa causa assume um
perfil totalmente imputável ao administrador; se não houver culpa e ilicitude por parte
deste, ela não se justifica.

Particularmente em jogo, está o problema da mudança de orientação da


sociedade.Tal mudança de orientação é sempre possível, sobretudo quando se venha a
formar uma nova maioria de sócios. Poderá, então, haver que dispensar os
administradores. Mas o risco é da sociedade: se os administradores estiverem ainda dentro
do mandato para que foram designados, eles têm direito a diversas compensações: não há
justa causa.

Em termos processuais, os factos relativos à existência de justa causa devem ser


invocados e provados pela sociedade que dela se queira prevalecer. É uma decorrência
das regras gerais sobre o ónus da prova. Os fundamentos da destituição devem constar da
competente ata; único meio de prova quanto ao deliberado.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 218


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A indeminização

O direito à indemnização eventualmente envolvido pela cessação do mandato dos


administradores, numa dogmática responsiva, dá-nos um auxiliar de entendimento da
justa causa e da própria destituição.

Na vigência do CCom, o direito dos administradores destituídos, antes do termo do


mandato, a receber uma indemnização da sociedade, veio a ser reconhecido, na doutrina
e na jurisprudência.

Para tanto, aduzia-se o seguinte argumento: 172º CCom, a propósito dos diretores das
sociedades comerciais, falava em revogabilidade do mandato.

Por seu turno, o 245º CCom dispunha que a revogação e a renúncia do mandato, não
justificadas, dão causa, na falta de pena convencional, à indemnização de perdas e danos.

Assim, embora se soubesse que o mandato dos administradores não era o mandato
comercial fazia-se a transposição da regra.
A jurisprudência veio, contudo, colocar a questão na dependência da natureza jurídica
do vínculo que une os administradores à sociedade:
• Se a posição dos administradores assentasse num vínculo unilateral, a sua
destituição não daria lugar a qualquer indemnização;
• Se, pelo contrário, ela fosse contratual, impor-se-ia a analogia com o
mandato e, daí, a indemnização, no caso de destituição sem justa causa.

Pode, pois, dizer-se que a predominância jurisprudencial ia no sentido de haver direito a


indemnização; toda a doutrina alinha, aliás, nesse sentido.

Menezes Cordeiro não é correto fazer derivar o direito a uma indemnização da natureza
do vínculo de administração. Para além da manifesta inversão que consiste em retirar um
regime de uma qualificação que deveria ser subsequente, fácil é constatar que, quando
aquele vínculo fosse unilateral, nem por isso deixaria de existir tal direito. Com efeito, o
ato unilateral deve ser respeitado pelo próprio; nada impede que ele dê lugar a direitos,
na esfera de terceiros, direitos esses que, sendo violados, abram as portas ao
ressarcimento.

Exemplo utilizado, no domínio das sociedades comerciais, tem sido o direito aos
dividendos: eles são arbitrados, pela assembleia geral, num ato claramente unilateral; no
entanto, posteriormente, a assembleia já não pode deliberar não os distribuir: seria uma
pura decisão de não cumprimento de uma obrigação.

Quando destituídos, antes do termo e sem justa causa, os administradores das sociedades
anónimas têm direito a uma indemnização, seja qual for a natureza do vínculo que os una
à sociedade. Não obstante o silêncio do CSC, não oferecia dúvidas que a solução, já antes
alcançada, também no silêncio da lei se mantinha. Após a reforma de 2006, as dúvidas
foram claramente resolvidas no bom sentido: também nas sociedades anónimas, a
destituição sem justa causa dos administradores obriga a indemnizar.

Problema gravoso é o da pretensa limitação apriorística do montante das indemnizações.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 219


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CSC: 257º/7 A propósito da indemnização devida ao gerente destituído sem justa causa,
acrescenta que entendendo-se, porém, que ele não se manteria no cargo ainda por mais
de quatro anos ou do tempo que faltar para perfazer o prazo por que fora designado.
Havia, aqui, uma sugestão de que esse lapso de tempo condicionava a indemnização.

Indo ainda mais longe, o CSC: 403º/5 pretende limitar ad nutum a indemnização. Dizendo
que sem que a indemnização possa exceder o montante das remunerações que
presumivelmente receberia até ao final do período para que foi eleito.

Este preceito envolve um grave erro de Direito e surge claramente inconstitucional:


perante a responsabilidade por atos ilícitos, todos os danos devem ser ressarcidos; de
outro modo, estarmos a admitir o desrespeito pela propriedade privada, perante danos
patrimoniais e a desconsideração pela dignidade da pessoa, perante danos morais.

A limitação às indemnizações só é possível perante situações de responsabilidade


objetiva. Ora, o legislador parece partir do princípio que a destituição é sempre lícita,
envolvendo responsabilidade objetiva (sem culpa), faltando justa causa. Não é assim: a
destituição sem justa causa é mesmo ilícita: o combinado é para cumprir. O facto de não
haver reintegrações não limita a indemnização.

A jurisprudência é muito parca em indemnizações, enquanto a figura dos administradores


é hoje malquista. Muitas das decisões restritivas têm a ver com particularidades dos casos
concretos que resolveram:
• A indemnização traduz os lucros cessantes, os quais, na falta de outros elementos,
correspondem ao que o administrador deixou de ganhar;
• Não chega dizer que perdeu remunerações: o gerente destituído deve provar os
danos;
• À indemnização haveria que descontar o que o destituído foi ganhar alhures
(aliunde perceptum): uma orientação que, sendo um apelo à preguiça, não
podemos subscrever
• O montante previsto no CSC: 403º/5 é o máximo: uma tese que MC reputa
inconstitucional.

Desenha-se, no entanto, uma linha que merece total apoio: a que admite ainda o cômputo
dos danos morais, que podem ser gravíssimos.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 220


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RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES

O CSC compreende no seu Título I (Parte Geral) um Capítulo VII, intitulado


responsabilidade civil pela constituição, administração e fiscalização da sociedade.
Esse capítulo abrange 14 artigos. Dos preceitos aí presentes, logo se verifica que:

CSC: 80º a 84º Não dizem respeito à responsabilidade dos administradores, gerentes ou
diretores, estes prendem-se com a responsabilidade de outras pessoas com funções de
administração, de membros dos órgãos pessoas com funções de administração, de
membros dos órgãos de fiscalização e dos revisores oficiais de contas, respetivamente.

CSC: 83º e 84º Nem sequer têm a ver com o instituto da responsabilidade civil, estes
contêm regras não de responsabilidade civil, mas de responsabilidade patrimonial:
verificadas as condições legalmente previstas, os bens dos implicados respondem,
independentemente de qualquer atuação. Aflora aqui o instituto da responsabilidade
patrimonial, cuja ligações com a responsabilidade civil são, antes de mais, linguísticas. A
sua inserção sistemática não tem justificação científica.

O Capítulo VII da Parte Geral apresenta uma lógica interna:

CSC: 71º Principia pela responsabilidade quanto à constituição


CSC: 72º Passa depois à dos membros da administração, portanto já no período de
funcionamento normal da sociedade. De seguida, fixa alguns aspetos dos termos dessa
responsabilidade: CSC: 73º solidariedade e CSC: 74º cláusulas nulas.

Versados esses aspetos substantivos, o CSC veio precisar diversos pontos processuais:
CSC: 75º e 76º Ação social e os representantes especiais
CSC: 77º Ação social dita

Temos aqui situações de responsabilidade obrigacional, uma vez que estão em causa
violações de deveres (específicos) contratuais ou legais.

Seguem-se situações de responsabilidade aquiliana:


CSC: 78º A responsabilidade perante os credores sociais
CSC: 79º Perante os sócios e terceiros

Responsabilidade por declarações prestadas com vista à constituição da sociedade

Os deveres dos fundadores, administradores, gerentes ou diretores de sociedades


comerciais, surgem, designadamente, no artigo 71º CSC.

Os diversos preceitos do Capítulo VII, aqui em análise, pressupõem normas de conduta


que, sendo violadas em determinadas circunstâncias, conduzam à responsabilidade. Mas
essas normas ficam subentendidas, pois fala-se apenas de deveres legais ou contratuais.

CSC: 71º/1 Contém, na realidade, uma norma que obriga os visados a prestar as referidas
declarações, com exatidão e sem deficiência. A presença do preceito em estudo simplifica
a matéria e modifica-a, de facto, em substância. O referido dever legal de exatidão e

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 221


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completude dá azo a uma obrigação legal específica; a sua violação envolve uma linear
responsabilidade obrigacional, com presunção de culpa, contra o prevaricador.

CSC: 71º/2 Na realidade, este preceito pretendia excluir de responsabilidade os agentes


de boa fé, na sua aceção subjetiva e ética. Mas fazendo-o, ele acaba por comportar uma
diretriz de relevo: ele impõe a todos os fundadores, gerentes ou administradores, o dever
legal e específico de se inteirarem do andamento e do teor das indicações e declarações
prestadas. De outra forma, já haverá culpa na ignorância.

CSC: 71º/3 Comina também uma obrigação legal específica, a cargo dos fundadores, de
não causar danos, com as operações nele descritas.
Aparece, depois, uma discutível exclusão da responsabilidade nos casos de negligência
simples. A interpretação deste passo terá de ser tão restritiva quanto possível.

CSC: 16º/2 Ressalva ainda a responsabilidade dos fundadores na hipótese de não fazerem
exarar no contrato de sociedade as vantagens concedidas aos sócios em conexão com a
constituição, bem como o montante global por ela devida a sócios ou a terceiros.
Nessa eventualidade, tais direitos e acordos são ineficazes para com a sociedade, mas isso
sem prejuízo dos eventuais direitos contra os fundadores. Esses eventuais direitos têm
precisamente a ver com indemnizações.

Responsabilidade para com a sociedade

o Responsabilidade Obrigacional

CSC: 72º/1 Contém uma previsão geral de responsabilidade obrigacional para com a
sociedade: os administradores respondem para com esta pelos danos que lhe causem com
a preterição dos deveres legais ou contratuais, salvo se provarem que procederam sem
culpa.

Não é correto falar aqui em responsabilidade contratual, pois o quadro de deveres dos
administradores não tem fonte contratual e sim fonte legal.

Nota: CC: 483º/1 o administrador também pode responder perante a sociedade por
responsabilidade delitual. Por exemplo, se for para os jornais falar mal da sociedade em
que trabalha; estará a violar o direito ao bom nome da sociedade.

E o administrador obriga-se perante a sociedade a quê? A administrar diligentemente.


CSC: 64º Fala em Deveres de cuidado e Deveres de lealdade

O dever de administrar não resulta deste artigo, mas sim das normas de competência
previstas para cada tipo societário:
CSC: 405º + 431º Para as sociedades anónimas.
CSC: 259º Para as sociedades por quotas.
Estas são normas que imputam o dever de administração ao órgão coletivo de
administração e não individualmente aos seus membros.

Entre os deveres específicos suscetíveis de, quando violados, causarem responsabilidade


dos administradores para com a sociedade temos:

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 222


Direito Comercial | Regente Menezes Cordeiro

CSC: 6º/4 Violação de cláusulas contratuais ou de deliberações sociais que fixem à


sociedade determinado objeto ou que proíbam a prática de certos atos
CSC: 31º/2 Execução de deliberações relativas à distribuição de bens aos sócios, quando
tais deliberações sejam ilícitas ou enformem de vícios
CSC: 35º/1 Não convocação ou não requerimento da assembleia geral, quando se esteja
perante a perda de metade do capital social
CSC: 65º/1 Incumprimento do dever de relatar a gestão e de apresentar contas ou CSC:
70º de proceder ao competentes depósitos
CSC: 93º/1 Inobservância do dever de declarar por escrito que, havendo aumento de
capital, não têm conhecimento de ter havido, entre o dia do balanço que servir de base à
competente deliberação e o dia da deliberação em si, um diminuição patrimonial que
obste ao aumento ou, a fortiori, efetivação de uma declaração falsa.

A violação dos deveres específicos envolve uma presunção de culpa


Para Mnezes Cordeiro a culpa que é referida deve ser ser entendida em sentido amplo, ou
seja, existe uma presunção de faute (que é um misto de culpa e ilicitude). Considera que
só faz sentido presumir a culpa se o sujeito tiver atuado ilicitamente (daí que se presuma
a ilicitude e a culpa, sendo faute).
Seguindo esta posição o ónus da prova recai sobre o réu (administrador), caberá a este
ilidir a presunção, seja demonstrando uma causa de justificação, seja provando um
fundamento de desculpabilidade.

Qual a medida de culpa ou a quantidade de esforço exigível aos administradores? Isto é,


o administrador obriga- se a administrar como?

No Direito civil, apela-se à bitola do bonus pater famílias.


CSC: 64º/1 a) no Direito das sociedades vai-se mais longe, remetendo-se para a
“diligência do gestor criterioso e ordenado”. Em bom rigor, estes factos não têm a ver
(apenas) com a culpa: antes com a própria conduta em si. A explicação é fácil: estamos
perante uma responsabilidade obrigacional em que culpa e ilicitude surgem incindíveis.
A bitola de diligência reporta-se ao conjunto.

A bitola de diligência concretiza a obrigação; o administrador, colocado perante uma


concreta situação da sociedade, tem de saber o que é que um gestor criterioso e ordenado,
colocado naquelas concretas circunstâncias, faria. Tal implica dois juízos:
1. Um juízo ex ante: o próprio devedor tem de identificar o que tem de fazer no caso
concreto – juízo de o que é que um gestor criterioso e ordenado faria naquelas
circunstâncias.
2. Um segundo juízo ex post: esta conduta do administrador, na própria descoberta
da conduta devida, é sindicável no tribunal. Este, chamado a decidir, vai ter de
apreciar e ver se efetivamente o gestor fez B quando deveria ter feito A, de acordo
com o que um gestor criterioso e ordenado teria feito naquelas circunstâncias.

Fica-nos, de seguida, o nexo de causalidade. Perante responsabilidade obrigacional, cabe


verificar qual era o bem representado pela prestação incumprida, tal bem traduz o
quantum do dano, eventualmente acrescido de danos colaterais ou de lucros cessantes.
No domínio das sociedades pode haver “danos em bola de neve”.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 223


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A delimitação pressuposta pelo nexo causal assenta na clara determinação do bem


jurídico tutelado pela norma que se mostrou violada. Apenas os danos provocados nesse
bem são, em princípio, indemnizáveis.

o O problema da atuação informada, isenta e racional

A aparente perturbação no quadro da responsabilidade resultou da introdução, pela


reforma de 2006, no 72º/2, do business judgement rule. Pela sua inserção, tal regra tem a
ver com a responsabilidade obrigacional prevista no nº 1.

Esse preceito, uma vez introduzido no Direito português, que sentido vem ganhar?

No caso americano, o rule delimita a culpa/ilicitude, no conjunto: o Common Law não


faz a destrinça. E no Direito alemão, temos uma delimitação das próprias regras de
conduta, pelo que fica afastada a ilicitude. Mas no Direito português, o caso é diverso: o
business judgement rule constitui uma específica via de exclusão de culpa.

Menezes Cordeiro considera que seria absolutamente contrário a dados básicos do


sistema admitir que, ratione societatis, o administrador pudesse ficar isento dos seus
deveres legais ou estatutários. É certo que o business judgement rule só opera nas relações
com a sociedade: ela nunca poderia isentar o administrador dos seus deveres para com o
fisco, os trabalhadores ou a segurança social. Além disso, o rule exige critérios de
racionalidade empresarial. Ora, tais critérios englobam sempre as vantagens de bem
cumprir a lei: os ganhos que se obtenham à margem desta jogam, a prazo, contra a
sociedade, sendo alheios a uma boa gestão. O rule requer, ainda, uma compatibilização
com o princípio da colegiabilidade e com eventuais conflitos de interesses que se
reportem a, apenas, algum ou alguns administradores.

Mas mesmo com estas delimitações, os deveres legais e estatutários, porventura


subsequentes à Lei de 2006, não se podem de modo algum considerar revogados pelo
novo 72º/2 ou, sequer, de incumprimento genericamente justificado. Apenas no caso
concreto o apelo ao business judgement rule permitirá isentar o administrador do juízo de
censura que sobre ele iria incidir. Há exclusão de culpa/ilicitude.

Segundo a doutrina, o CSC: 72º/2 consubstancia:


• Um privilégio de limitação de responsabilidade civil que opera ao nível do dever
de indemnização;
• Um padrão de apreciação judicial;
• Uma causa de exclusão de ilicitude;
• Uma causa de exclusão de faute (ou, insistindo-se na dissociação entre ilicitude e
culpa, causa de exclusão de culpa);
• Uma presunção de ilicitude;
• Uma concretização do dever de administrar, contribuindo para fixar a ilicitude.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 224


Direito Comercial | Regente Menezes Cordeiro

o Responsabilidade Aquiliana (extracontratual)

A lei não refere, de modo expresso, a hipótese de uma responsabilidade aquiliana dos
administradores para com a própria sociedade. Apenas o faz relativamente aos credores
sociais, aos sócios e a terceiros, não há um vício obrigacional entre estes e a sociedade.
Todavia, essa responsabilidade é possível, nos termos gerais.

Assim sucederá, desde logo, nos casos em que o administrador atinja direitos
absolutos da sociedade (reais ou de personalidade, como exemplo), independentemente
de deveres específicos que lhe incumbam; nesses casos, responde nos termos do CC:
483º/1

Seguindo as regras gerais, a responsabilidade aquiliana por violação de direitos subjetivos


da sociedade deverá efetivar-se através de outros administradores que representem a
sociedade. Não estão em causa situações jurídicas especificamente societárias, pelo que
não faz sentido vir discutir o assunto em assembleia geral.

De seguida, devemos contar com normas de proteção. Particularmente nos arts.


509º e ss., surgem diversas disposições penais que visam os administradores. Essas
disposições penais dobram, por vezes, as obrigações específicas que incumbem aos
próprios administradores. Noutros caso, elas surgem isoladas, visando proteger
simplesmente os interesses da sociedade ou de terceiros. A violação de tais normas obriga
a indemnizar em termos aquilianos e por via do CC: 483º/1 2ª parte
CSC: 509º A falta de cobrança de entradas de capital
CSC: 510º Aquisição ilícita de quotas ou ações
CSC: 511º Amortização de quota não liberada
CSC: 512º Amortização ilícita de quota dada em penhor ou objeto de usufruto
CSC: 518º Recusa ilícita de informações ou CSC: 519º informações falsas
CSC: 523º Violação ilícita das medidas a empreender perante a perda de metade do
capital social
CSC: 525º Irregularidades na emissão de títulos

Em todos estes casos, não podemos falar em obrigações específicas no sentido civil do
termo. A sua violação não envolve presunção de culpa; a censura em que incorra o agente
deve ser especificamente alegada e demonstrada por quem queira uma sua
responsabilização.

CC: 483º/1 Em compensação, tais normas de proteção asseguram uma tutela aquiliana
em caso de mera negligência.
CSC: 527º/1 A específica exigência do dolo só vale para as sanções penais

o Violação de direitos de cuidado ou deveres incompletos

Os deveres incompletos são, fundamentalmente, os que se inscrevem no CSC: 64º. Desse


preceito, emergem os deveres de cuidado, os quais englobam: Deveres de
disponibilidade; Deveres de competência técnica; Deveres de conhecimento da atividade
da sociedade.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 225


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Todos esses deveres devem ser calibrados de acordo com as suas funções, operando sobre
o conjunto a bitola de esforço dada pela diligência do bom pai de família.

Os deveres jurídicos impõem condutas. Mas para tanto devem tais deveres comportar um
conteúdo comunicativo útil; de outro modo, o destinatário nem se aperceberá do que dele
se pretende.

Faz todo o sentido dizer que os administradores devem revelar disponibilidade,


competência técnica e conhecimento da atividade da sociedade. Mas daí nenhum
operador vai retirar condutas concretas, em termos de dever ser.
Quedam dois caminhos possíveis:
1. Ou imaginar que os elencados deveres, genericamente ditos de cuidado, sofrem
um processo de autoconcretização;
2. Ou entender que esses deveres só se concretizam em conjugação com outras
normas.

Temos por mais útil o tratamento dos deveres de cuidado como normas parcelares ou
incompletas. Com este sentido:
• Exige-se, em primeiro lugar, uma norma de conduta de onde emerja um qualquer
dever, a cargo dos administradores;
• Apurado esse dever, a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento
da sociedade serão úteis para o complementar e precisar.

Ninguém pode ser responsabilizado por, em abstrato, não ter disponibilidade, mas poderá
sê-lo se, perante determinado desempenho, se verificar que o administrador não
organizou a sua vida de modo a poder honrá-lo. Os deveres de cuidado operam assim
como deveres incompletos: só por si não são violáveis, em termos de responsabilidade
civil, mas em conjunto com outras normas, a violação torna-se possível, seguindo-se um
regime operacional.

o Violação de deveres de lealdade

Uma área delicada é a da eventual existência de responsabilidade, para com a sociedade,


perante a violação de deveres genéricos concretizados. A lógica da responsabilidade civil
é simples: Quando sejam violadas obrigações específicas, a situação é grave: o agente
incorre numa presunção de culpa/ilicitude; Tratando-se de deveres genéricos (respeito por
direitos absolutos) ou de normas de proteção, a situação não é tão gravosa, estando em
causa a liberdade do agente: este já não incorre em presunção de culpa.

Põe-se a hipótese de uma “terceira via”: a da violação de deveres genéricos


concretizados, de tal modo que não chegue a operar tal presunção de culpa/ilicitude.
Qual o papel dessa teoria para o delucidar do CSC: 64º?

Os desenvolvimentos mais recentes, na área do Direito das obrigações, apontam para a


hipótese de vínculos obrigacionais sem deveres de prestação principais. Tais vínculos
explicariam situações de culpa in contrahendo, de deveres de atuação perante a nulidade
ou a anulação de contratos, de culpa post pactum finitum e outras. Tal solução é preferível

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 226


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entre nós, uma vez que reforça a responsabilidade civil: área em que os tribunais são
demasiado parcos.

A ideia das obrigações sem dever de prestar principal pode ser útil para enquadrar, em
termos de responsabilidade civil, parte do artigo 64º CSC, tal como emergiu da reforma
de 2006 – quanto aos deveres de lealdade, estes devem, pela dogmática continental, ser
reconduzidos a concretizações societárias do princípio da boa fé e das suas exigências.
Tais concretizações determinam que, em cada caso, sejam respeitados os valores
fundamentais da OJ, designadamente nas vertentes da tutela da confiança e da primazia
da materialidade subjacente.

Na concretização desses valores fundamentais, releva-se a enumeração do CSC: 64º/1 b).


Manda atender (e/ou ponderar) aos: Interesses de longo prazo dos sócios; Interesses dos
outos sujeitos relevantes: trabalhadores, clientes e credores.

Ou seja, perante esse preceito (e, pelos princípios gerais), os administradores devem
respeitar as situações de confiança legítima e a materialidade subjacente que ocorram nas
exemplificadas dimensões.
A prática documenta linhas de concretização, como os deveres de não concorrência, de
não aproveitamento das oportunidades de negócio surgidas para a sociedade e outras.
Consoante as eventualidades, o dever (geral) de lealdade daria azo:
A deveres acessórios de segurança, de tutela da confiança ou de informação;
A verdadeiras prestações principais de facere ou de non facere.

o Ações sociais

A efetivação da responsabilidade dos administradores perante a sociedade consegue-se


através das denominadas ações sociais: a matéria das ações consta:
CSC: 75º Ocupa-se da ação social intentada pela própria sociedade contra os
administradores (ut universi);
CSC: 76º Prevê que, na hipótese de tal ação, possa haver representantes especiais da
sociedade, escolhidos por sócios;
CSC: 77º Admite a ação social de grupo (ut singuli imprópria).

CSC: 75º/1 A ação social ut universi depende de uma deliberação da assembleia geral,
tomada por maioria simples.

CSC: 75º/2 1ª parte Tal deliberação pode provir de prévio agendamento ou,
independentemente dele, em qualquer reunião que aprecie as contas de exercício.

CSC: 75º/3 Nessa deliberação e nos termos gerais, não podem votar as pessoas cuja
responsabilidade esteja em causa.

CSC: 75º/1 2ª parte A ação deve ser proposta no prazo de seis meses a contar da
deliberação da assembleia e, enquanto estiver pendente, CSC: 75º/2 2ª parte não podem
os administradores voltar a ser designados.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 227


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A ação social ut universis é intentada pelos representantes da sociedade. Estes, de acordo


com as regras comuns, são designados pela administração a qual incluirá as pessoas que
pretenda responsabilizar.

Perante o melindre, que pode traduzir conflitos de interesses, a lei prevê:


CSC: 75º/1 parte final Que os próprios sócios (leia-se: a sua maioria) possam designar
representantes especiais.

CSC: 76º/1 Que o tribunal, a requerimento de sócios que detenham pelo menos 5% do
capital social, nomeie pessoa ou pessoas diferentes das que habitualmente representem a
sociedade quando os sócios (a maioria) não os tenham designado ou sempre que se
justifique a sua substituição.

CSC: 76º/2 Tais representantes podem pedir, da sociedade e no mesmo processo, o


reembolso de despesas e uma remuneração, fixada pelo tribunal.
Todavia, caso a sociedade decaia totalmente na ação, cabe à minoria que haja requerido
a nomeação de representantes especiais reembolsar a sociedade das custas e outras
despesas.
A lei visa simplificar o sistema, permitindo ações sociais de grupo ou ut singuli
impróprias

CSC: 77º/1 Sócios que detenham 5% do capital social ou 2% quando de trate de ações
cotadas podem intentar a ação social.

CSC: 77º/2 Podem, para o efeito, encarregar algum ou alguns dos sócios de os representar

CSC: 77º/3 A ação prossegue mesmo que algum ou alguns dos sócios, na pendência dela,
percam essa sua qualidade

CSC: 77º/4 A sociedade é chamada à causa pelos seus representantes

CSC: 77º/5 O réu pode pedir decisão prévia, quando os interessados visados não
correspondam aos defendidos por lei ou requerer que o autor preste caução.

A ação ut singuli faz sentido quando a própria sociedade, através da assembleia geral, não
intente a ação ut universi. Tem, nesta medida, natureza subsidiária. Apenas caberá
ressalvar a hipótese de se tratar de ações com diversos conteúdos ou causas de pedir,
cabendo ao juiz arbitrar ações concorrentes, designadamente da decisão prévia referida.

Responsabilidade para com os credores

CSC: 78º A lei contempla uma expressa previsão de responsabilidade para com os
credores sociais. Trata-se de uma previsão aquiliana, que transpõe para o plano societário
o final do CC: 483º/1, que se refere a danos patrimoniais puros: danos que não se refletem
na violação de um direito subjetivo (norma de proteção).
Está em causa a violação culposa (com dolo ou mera culpa) de normas de proteção.

O preceito só se entende à luz da lógica do Direito das sociedades. Na verdade, qualquer


inobservância culposa de normas de proteção conduz à responsabilidade aquiliana, desde

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 228


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que haja danos. E os danos para os credores não emergem apenas de uma eventual
insuficiência patrimonial: poderíamos ainda computar delongas, incómodos, maiores
despesas, danos à imagem e, em geral, danos morais.

Tudo isso é, porém, imputado à própria sociedade, mercê do nexo de organicidade. É à


sociedade, e não aos administradores, que cumpre indemnizar.
O problema de uma direta responsabilidade dos administradores só surge quando a
culposa inobservância das normas de proteção provoque uma insuficiência patrimonial.

Estamos fora de obrigações específicas, razão pela qual lidamos com uma
responsabilidade aquiliana, ainda que assente em normas de proteção.
CSC: 78º/3 Segundo esse preceito, o dever de indemnizar os credores, a cargo dos
administradores, não é excluído por quaisquer situações da sociedade: renúncia, transação
ou qualquer deliberação justificativa.

CSC: 78º/2 Aos credores é ainda reconhecida a possibilidade de agir em sub-rogação.

Que normas estão então em causa?


• Normas relativas à realização do capital social: entradas;
• Da intangibilidade do capital social: distribuição de bens a sócios.

Se o gerente não puser em causa nenhuma destas normas, não responde perante os
credores.

Temos de ter em consideração que, sendo o projeto empresarial bem-sucedido, quem


beneficia são os sócios (não o gerente; sem prejuízo de este receber outras vantagens).

Responsabilidade para com os sócios e terceiros

A responsabilidade dos administradores para com os sócios e terceiros é remetida para o


regime geral da responsabilidade aquiliana.

CSC: 79º/1 Os gerentes ou administradores respondem também, nos termos gerais, para
com os sócios e terceiros pelos danos que diretamente lhes causarem no exercício das
suas funções.

À primeira vista, temos uma responsabilidade por violação de direitos absolutos ou por
inobservância de normas de proteção, nos termos do CC: 483º/1.

Todavia, tal responsabilidade sofre uma especial delimitação: apenas cobre os danos
diretamente causados: é o caso de o administrador lesar a integridade física do
sócio/terceiro.

Pode acontecer que administradores, no exercício das suas funções, causem danos a
sócios e a terceiros. Estes terceiros englobam, designadamente, o Estado, os
trabalhadores, os fornecedores e stakeholders em geral e os próprios credores, agora por
outra via. Quando isso suceda, a sociedade é a responsável, mercê dos nexos de imputação
orgânica. O administrador, enquanto tal, não é incomodado.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 229


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Num desvio à lógica da personalidade coletiva, a Lei admite, porém que os


administradores sejam demandados quanto a danos que causem diretamente:

A responsabilidade é direta quando os danos resultem do facto ilícito, sem


nenhuma intervenção de quaisquer outros eventos. Em termos valorativos, isso
redundará:
Ou em práticas dolosas dirigidas à consecução do prejuízo
verificado;
Ou em práticas negligentes grosseiras, cujo resultado seja
inelutavelmente a verificação do dano em causa.

Nestas condições, compreende-se que seja difícil a verificação da hipótese prevista no


CSC: 79º/1. Logicamente: pois a assim não ser, de pouco valeria a própria ideia de
personalidade coletiva. Digamos que existe aqui uma hipótese de levantamento da
personalidade ex lege.

Outras Responsabilidades

CSC: 81º Responsabilidade dos membros de órgãos de fiscalização

CSC: 82º Responsabilidade do ROC

CSC: 83º Responsabilidade solidária do sócio

CSC: 84º Responsabilidade do sócio único

CSC: 80º Responsabilidade dos administradores de facto

Sendo um administrador de facto, está sujeito aos mesmos direitos e deveres dos
administradores de direito. por esta razão temos de ter cuidado quanto a afirmação de que
certa pessoa é administrador de facto.

Ricardo Costa fala sobre isto:


1. quem não título bastante, ou seja, quem não foi validamente designado como
administrador. Há uma omissão de título formal;
2. atuação típica e positiva – intensidade qualificativa, ou seja, os atos que ele pratica
são atos próprios e típicos de um administrador de direito, de administração de
sociedades comerciais. Por isso o que interessa é olhar para o sujeito fez,
verificando se aqueles atos configuram atuação de administrador;
3. atuação exercida com autonomia – existência de autonomia decisório – intensa
conversão da esfera de livre decisor; ricardo costa diz que a pessoa tem um poder
ilimitado, atuando com o mesmo poder atribuído ao administrador de direito;
4. é administrador de facto quem tem uma atuação diferida no tempo, não sendo uma
atuação pontual. Podemos usar aqui um lugar paralelo da qualificação de prática
continuada no caso dos comerciais por MC. Se tivermos uma atuação pontual,
decidida exclusivamente por alguém, que parece ser administrador: mas é só uma

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 230


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atuação, não sendo diferido no tempo, se que não temos administrador de facto?
Temos de saber qual é a dimensão e intensidade daquele ato. Se for uma decisão
que onera 80% do património da sociedade, será que esta atuação tem de ser
diferida no tempo? NÃO, diz David Reis. Mas é um ponto discutido.
5. Atuação de conhecimento da sociedade – atuação tem de ser pelo menos tolerada
pela sociedade. Mas como medir este consentimento da sociedade? Exige-se
maioria dos votos, ou número de assinaturas necessário para vinculação da
sociedade? Ricardo Costa fala de maioria dos votos.

Pergunta-se então se o artigo 80º permite a aplicação direta quanto aos artigos 70º e
ss.CC?
Ricardo Costa diz que não, se assim fosse estaríamos a aligeirar os requisitos do
administrador de facto. Se permitíssemos a aplicação direta com aplicação do artigo 80.o
aligeirava-se verificação dos requisitos. Por isso, há um perigo na aplicação direta.
MaS depois diz que o próprio artigo 80º seria insuficiente, porque diz “a quem sejam
confiadas funções”, ou seja, tem de haver um ato de atribuição, tendo alguém de conferir
a outrem poderes. Vimos que isso não corresponde aos casos de alguns administradores
de facto, como os “shadow directors”.

Elisabete Ramos entende contra Ricardo Costa que há uma sujeição direta, assim como
Tânia Meireles da Cunha.

A posição de Fátima Ribeiro diz que a letra da lei não tranquiliza o interprete, mas usa
argumento de maioria de razão: se a lei manda aplicar o regime dos 72º e ss. aos sujeitos
a quem foram confiadas funções de administração, aplicar-se-ão esses artigos a quem por
sua conta se arrogar poderes de administração.

David Reis diz que não é imprescindível, mas é um artigo útil. O próprio sistema optou
por um sistema funcional na alocação da repsosnabildiade dos administradores – porque
entende que não interessa se ele é ou não. Prescinde do vínculo formal, optando pelo
funcional. Vale aqui o argumento usado a fortiori pela professora Fátima.

É curioso ver como o próprio artigo 80º CSC foi tido pela CMVM, em 2006, como
abrindo a porta aos administradores de facto, sendo esta mais uma confirmação de o artigo
80º CSC nota uma responsabilização dos administradores de facto. A
ssim, não há aplicação direta do artigo 80º, mas por interpretação extensiva – segundo
Miguel Teixeira de Sousa entende que é quando o espírito vai além da sua letra. Da fonte
permite-se inferir uma regra que estava na sua letra. Assim, salta-se por cima da discussão
de saber se o artigo 80º CSC abrange todos os tipos de administrador de facto, ficando
com a ratio de saber se se vai responsabilizá-los.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 231


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FISCALIZAÇÃO DAS SOCIEDADES42

ASPETOS GERAIS

A fiscalização exprime a ideia de constatar o efetivo cumprimento de determinadas


regras. Pressupõe, por parte de quem a leve a cabo, poderes de autoridade.

No Direito privado, a fiscalização adstringe-se ao seu núcleo estrito: o de observar, de


verificar e de acompanhar o estado de um determinada atuação. Sendo um poder
conferido pelo Direito, envolve a disponibilidade dos diversos meios instrumentais
necessários para que possa ser exercida com utilidade e eficácia. Designadamente:
• Poder de aceder ao local e, aí, de fazer as observações necessárias: tirar medidas,
fazer testes e verificar os materiais, por exemplo;
• Poder de fazer perguntas, a responder com verdade: ao fiscalizado ou ao seu
pessoal;
• O poder de conferir documentos pertinentes: planos, faturas, comprovativos e
outros.

A fiscalização nas sociedades civis puras

CC: 988º Nenhum sócio pode ser privado, nem sequer por cláusula do contrato, do direito
de obter dos administradores as informações que necessite sobre os negócios da
sociedade, de consultar os documentos a eles pertinentes e de exigir a prestação de contas.

Este artigo veio distinguir:


• O direito à informação;
• O direito de consulta de documentos;
• O direito à prestação de contas.

A fiscalização pode ser:


Orgânica: os inerentes poderes são encabeçados por um órgão especializado.
Inorgânica: o seu exercício cabe genericamente aos sócios, isolados ou em grupo.

Nas sociedades civis puras e nas sociedades comerciais mais simples, a fiscalização é
inorgânica. Pelo contrário, nas sociedades anónimas, ela dispõe de órgãos específicos,
dotados de regras próprias e de poderes autonomizados.

Fiscalização nas Sociedades Comerciais

O tema da fiscalização, pautado por sucessivas reformas, ditadas por crises sucessivas,
constituiu um dos motores da evolução do Direito das sociedades ao longo dos sécs. XIX
e XX. Parte significativa do tema da corporate governance tem a ver com a fiscalização.

42
CORDEIRO, António Menezes, Direito das Sociedades, Parte Geral, 4ª Edição, página 907 a 922

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 232


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Com a reforma de 2006, passámos a ter:


• Sistema monista de tipo latino, com um conselho de administração e o conselho
fiscal;
• Sistema monista de tipo anglo-saxónico, com a comissão de auditoria integrada
no conselho de administração;
• Sistema dualista, com um conselho de vigilância (ou conselho geral e de
supervisão) e a direção.

Menezes Cordeiro considera que a terceira opção parece a melhor, em termos de eficácia:
Conselho fiscal apresenta-se como uma instância exterior ao management, sem uma
atuação permanente e, através de diversos expedientes, possível de contornar
Comissão de auditoria opera paredes-meias com a administração, podendo
comprometer-se com ela.
Conselho de vigilância, sempre em funções e podendo especializar os seus membros,
de acordo com os pelouros da sociedade, tem outras hipóteses, sobretudo quando a
direção dependa dele.

Outras vias de fiscalização

Fiscalização exercida por um corpo profissional independente, devidamente habilitado: o


dos revisores oficiais de contas.

CSC: 172º + 173º Fiscalização pelo MP

Fiscalização levada a cabo pelas entidades de supervisão, nos âmbitos respetivos: Banco
de Portugal, Instituto de Seguros de Portugal e Comissão de Mercado dos Valores
Mobiliários.

Substância da fiscalização

A fiscalização pode incidir sobre campos distintos. Tomando como ponto de partida a
competência conferida pela Lei aos órgãos de fiscalização podemos distinguir as
seguintes áreas:
• Legalidade estrita: observância pela administração das regras legais e estatutárias
e com a sua aplicação pelos diversos órgãos;
• Legalidade contabilística e patrimonial: implica a supervisão de todos os suportes
de contas e similares e a ponderação dos elementos apresentados pela
administração, à luz da realidade da empresa;
• Políticas contabilísticas e valorimétricas: são possíveis vários critérios de
avaliação da realidade, cabendo à sociedade escolher os concretamente mais
adequados. Trata-se de um domínio técnico, mas no qual jogam já opções político-
empresariais próximas da gestão;
• Sistemas de gestão de riscos, de controlo interno e de auditoria interna: próprios
das grandes sociedades. A sua montagem e o seu funcionamento requerem o
domínio das leges artis, isto é, o know how próprio da sociedade onde o problema
se ponha. Compete, também, formular juízos de oportunidade empresarial, no
sentido mais amplo;

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 233


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• Gestão lato sensu: as políticas da empresa são as mais convenientes? A efetivação


de certo investimento é oportuna? O pessoal está dimensionado às necessidades
da empresa?

Levada ao extremo, a fiscalização poderia aproximar-se da própria gestão. Distingue-se


dela pelo ângulo de abordagem:
Embora a gestão tenha de se preocupar, em permanência, com a legalidade e com
a regularidade do que faça, corrigindo os desvios, o seu papel é o de conduzir a atuação
empresarial, descobrindo oportunidades de negócio e incrementando as existentes;
Já a fiscalização sindica as opções, assegurando a confiança exterior e corrigindo,
no plano interno, o que deva ser corrigido.

A compliance (agir de acordo com uma regra/instrução) abrange o conjunto dos


procedimentos que:
1. Identifiquem as atuações devidas, derivadas de leis, regulamentos, contratos,
estratégias e opções políticas;
2. Acompanhem o estado de execução;
3. Avaliem os riscos e os custos potenciais do não cumprimento;
4. Definam prioridades;
5. Preconizem corretivos para as falhas que ocorram.

Responsabilidade dos fiscalizadores

CSC: 81º/1 A responsabilidade dos membros do órgão de fiscalização rege-se pelo CSC
que opera uma remissão para as normas aplicáveis à responsabilidade dos
administradores.
CSC: 81º/2 Diz-nos que os membros do órgão de fiscalização respondem solidariamente
com os gerentes ou administradores perante a sociedade.

Aqui está em causa uma responsabilidade por culpa própria in vigilando (e não uma
responsabilidade por facto de outrem). Isto é, se os danos se tivessem verificado
independentemente do cumprimento das obrigações de vigilância, não existirá
responsabilidade, ou seja, exige-se um nexo causal entre a violação de obrigações de
fiscalização e o dano.

Não obstante a remissão feita abranger aparentemente o CSC: 72º/2, podemos colocar em
dúvida a suscetibilidade de afastamento da responsabilidade de membros dos órgãos de
fiscalização através da BJR, na medida em que esta cláusula de exclusão de ilicitude
pressupõe que estejamos diante de deveres que implicam uma margem de liberdade de
decisão.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 234


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MODIFICAÇÃO DAS SOCIEDADES 43

As sociedades podem não se manter estáticas e dispõe de mecanismos para se adaptar,


evoluindo e modificando-se.

O CSC, após uma longa evolução, dá relevo aos temas da modificação e extinção das
sociedades, que são matérias que têm sofrido diversas alterações legislativas, muito por
força do direito europeu (mais de 10 diretivas têm sido emitidas nos últimos anos acerca
desta matéria).

Esta matéria tem alguma prolixidade, uma vez que obriga a compatibilizar os interesses
dos sócios maioritários, que decidem, em princípio, as diversas operações, dos
minoritários que se lhes oponham e dos terceiros, credores da sociedade.

Os temas de fusões, cisões e transformações estão numa área sensível onde se movem
junto de interesses muito significativos para os quais a segurança jurídica é decisiva, a
facilidade com que seja possível realizar operações de concentração ou de recomposição
empresariais constitui um trunfo decisivo para os países que as comportem, devido ao
grande relevo económico das modificações das sociedades.

AS ALTERAÇÕES DO CONTRATO

Sentido estreito de modificação dos estatutos que não tem eficácia subjetiva, reduzindo
(fusão) ou ampliando (cisão) as pessoas e que não conduz à adoção, por uma sociedade
de certo tipo, de um tipo diverso.

A possibilidade de proceder a alterações no pacto social que não ponham em crise a


identidade da pessoa coletiva em jogo foi alcançada ao longo de uma evolução, legislativa
e dogmática, complexa.

Alteração do contrato de sociedade pode operar por modificação, supressão ou


aditamento de cláusulas no pacto social.

CSC: 85º/1 Qualquer alteração do contrato deve ser deliberada pelos sócios, CSC: 85º/2
tem de respeitar o tipo social em jogo e CSC: 85º/3 reduzida a escrito.

CSC: 86º/1 Só por unanimidade pode ser atribuído efeito retroativo à alteração do
contrato e, ainda então e como é lógico, apenas nas relações entre sócios.

CSC: 86º/2 Se a alteração impuser o aumento das prestações dos sócios, ela é ineficaz
para os que, nele, não tenham consentido

Esta pormenorizada matéria foi pensada para as sociedades anónimas, pelo que ao ser
colocada na parte geral vem subcarregar pequenas e médias empresas (sociedades por
quotas) com ónus burocráticos que entravam a ação.

43
CORDEIRO, António Menezes, Direito das Sociedades, Parte Geral, 4ª Edição, página 985 a 1030

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 235


Direito Comercial | Regente Menezes Cordeiro

Aumento do Capital

As modalidades de aumento do capital abrangem:

o Transformação de dívidas em capital, passando os credores a sócios

Prevista na Lei 7/2018

o Novas entradas de sócios ou de terceiros, que se tornam sócios

CSC: 87º/4 Conversão de suprimentos em capital

CSC: 87º/1 A deliberação do aumento de capital tem de conter determinados requisitos

CSC: 87º/3 Situação de proibição do aumento de capital por novas entradas que se destina
a prevenir a capitalização artificial das sociedade.

CSC: 88º Determina o momento em que se considera aumentado o capital


Nº1 A partir da data da deliberação se constar na ata as entradas já realizadas e não se
exigir mais entradas
Nº2 Se a ata não tiver esse conteúdo, considera-se aumentado a partir do momento em
que um administrador faça uma declaração com esse conteúdo

CSC: 266º/1 Nas sociedades por quotas 44 quando ocorra um aumento de capital em
dinheiro, o sócio tem direito de preferência, ou seja, CSC: 266º/2 tem direito:
• A uma importância proporcional à quota de que for titular
• Ao sobrante no caso de pedidos superiores

A preferência dos sócios visa proteger a percentagem de capital que cada um detenha,
pois caso contrário esta desaparecia com o aumento, assegurar a manutenção do direito
às reservas e proteger ainda a sociedade da entrada de estranhos.

CSC: 266º/ 3 a 5 Prevê aspetos regulamentares

Se a Assembleia aprovar condições diferentes das inseridas na convocatória ou das


comunicadas pelos gerentes? Menezes Cordeiro considera que teremos que abrir um
período de 10 dias depois da assembleia para que os sócios se pronunciem.

CSC: 267º/1 O direito de preferência pode ser alienado, mas apenas com autorização da
sociedade.

CSC: 268º Determina o processamento do aumento de capital com ou sem admissão de


novos sócios.

CSC: 269º Eventualidade de aumento do capital havendo um direito de usufruto,


pretende-se distribuir os poderes em jogo pelo titular e o usufrutuário.

44
CORDEIRO, António Menezes, Manual de Direito das Sociedade, Volume II, Sociedades em
Especial, 2ª Edição, página 453 a 458

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 236


Direito Comercial | Regente Menezes Cordeiro

CSC: 456º/1 No que toca às sociedades anónimas 45 o contrato pode autorizar que a
administração aumente o capital através de entradas em dinheiro várias vezes.
CSC: 456º/4 A assembleia geral pode alterar os poderes conferido à administração
com uma maioria qualificada igual à exigida para alteração do contrato.

CSC: 456º/2 O contrato de sociedade deve estabelecer as condições para o aumento a


decidir pela administração, ou seja, fixa um limite máximo de aumento, um prazo durante
o qual a competência pode ser exercida e mencionar os direitos atribuídos à ações a emitir.

CSC: 456º/3 Tem de existir um parecer favorável do órgão de fiscalização, do caso do


parecer ser negativo pode se submeter o pedido à Assembleia Geral

CSC: 458º Existe um direito de preferência dos acionistas, pelo que estes, à data da
deliberação do aumento de capital podem subscrever ações, tendo prioridade em relação
a quem não for acionista.

Este direito à preferência justifica-se pelo interesse dos sócios na conservação do peso
relativo de que disfrutavam desde sócios e na manutenção na esfera da sociedade e mais-
valias que correspondem ao valor de mercado das ações.

CSC: 460º Admite-se que os sócios possam deliberar a exclusão de tal preferência, sendo
compreendia a supressão por estar em causa uma posição patrimonial, disponível e que
coloca em causa a vida da sociedade, contudo são fixadas condições para essa supressão,
tendo em vista a proteção da posição dos sócios.

CSC: 460º/2 Admite a supressão da preferência concreta, ou seja, do direito que equivale
à posição especifica de certo sócio, perante um aumento de capital já deliberado e em
curso de verificação, vir a adquirir ações.

Apesar de existir uma reserva de competência à Assembleia Geral para a supressão do


direito de preferência, Menezes Cordeiro considera que:
• O conselho de administração pode ser autorizado a aumentar o capital, definindo
as condições desse aumento, o que abrange a possibilidade de exclusão ou
limitação da preferência dos acionistas, no termos do CSC: 87º/1 g) + 456º/1.
• Os estatutos, como manifestação máxima da autonomia privada, que prevejam um
concreto aumento de capital podem também prever uma concreta limitação da
preferência dos acionistas.

CSC: 460º/3 Depois de deliberado um aumento de capital pela administração pode a


assembleia geral decidir a exclusão da preferência dos acionistas.

CSC: 461º É possível uma subscrição indireta, ou seja, deliberar-se que as novas ações
sejam subscritas por uma instituição financeira que assumirá a obrigação de as oferecer a
acionistas ou terceiros.

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CORDEIRO, António Menezes, Manual de Direito das Sociedade, Volume II, Sociedades em
Especial, 2ª Edição, página 839 a 850

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 237


Direito Comercial | Regente Menezes Cordeiro

o Incorporação de reservas quando se dá um aproveitando o valor real do


património da sociedade para formalizar capital

CSC: 91º a 93º Não há novos ativos a entrar na sociedade, há é uma operação
contabilística em que as contas que figuram como reserva passam a ser capital.

Redução do Capital

A redução do capital de uma sociedade, para libertar fundos para os sócios, pode pôr em
crise os direitos e as expetativas de terceiros, compreendendo-se que a lei a rodeie de
cuidados vincados.

A convocatória de Assembleia Geral cuja ordem de trabalhos inclua a redução do capital


deve ter as especificações do CSC: 94º. Faltando a deliberação é nula.

CSC: 95º/2 Redução pode conduzir a um capital inferior ao mínimo legal, desde que
fique expressamente condicionada a um aumento igual ou superior a esse mínimo, chama-
se a isto uma operação acordeão

CSC: 96º Tutela os credores pois permite que no prazo de 1 mês após a publicação da
redução possam requerer a distribuição das reservas ou lucros disponíveis

CSC: 463º No âmbito das sociedades anónimas pode ocorrer a redução do capital social
pela extinção das ações próprias deliberada pela assembleia.

Sofia Cunha FDUL 2021/2022 238

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