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Estes apontamentos foram realizados com base nos manuais de Direito das
Obrigações dos professores ANTUNES VARELA E MENEZES LEITÃO.
Bom Estudo!
O que carateriza o contrato enquanto negócio jurídico é que ambas as partes estão
de acordo em relação aos efeitos jurídicos produzidos, estabelecendo assim, através
de duas declarações negociais harmonizáveis entre si, uma disciplina jurídica comum
com repercussão nas respetivas esferas jurídicas. Esta autovinculação de cada uma
das partes é sempre, segundo a doutrina fundamental do contrato, um ato de
liberdade, considerando-se que o contrato se baseia sempre na livre determinação de
cada uma das partes, uma vez que exige o consenso de ambas para se poder formar
(art.º 232.º). A liberdade contratual é assim a possibilidade conferida pela ordem
jurídica a cada uma das partes de autorregular, através de um acordo mútuo, as suas
relações para com a outra, por ela livremente escolhida, em termos vinculativos para
ambas (art.º 406.º/n.º1). a liberdade contratual é a parte mais importante da
autonomia privada, enquanto principio fundamental do Direito das Obrigações.
Sabe-se que a igualdade jurídica não tem correspondência no plano económico, dado
que em certos contratos uma das partes (como o produtor, ou o empregador) tem
maior força económica e maior domínio da informação do que a outra parte (o
consumidor ou o trabalhador). Nesse caso, a parte mais fraca pode ver-se
constrangida, por fraqueza negocial ou deficiente informação, a aceitar celebrar
negócios em condições que normalmente não seriam por si aceites. Daí que a ordem
jurídica tenha de abandonar um paradigma de tutela absoluta da autonomia privada
para estabelecer, em certos casos igualmente uma tutela da parte mais fraca, o que
implica aceitar restrições pontuais à liberdade contratual.
Atualmente, não pode aceitar-se que genericamente todo e qualquer contrato seja
sempre efetivamente baseado na livre determinação de ambos os sujeitos. Tal só
sucederá se as partes estiverem constrangidas de forma idêntica à celebração
daquele contrato, o que na nossa sociedade é um fenómeno raro. A maior parte dos
membros da nossa sociedade precisa de celebrar contratos para satisfação das suas
necessidades, sendo que essa dependência não se verifica no lado da contraparte do
contrato (empresa prestadora do serviço, p. ex.). A parte economicamente mais fraca
é faticamente constrangida à celebração do contrato, mesmo em condições que ela
não aceitaria se tivesse outra possibilidade de satisfação das suas necessidades
económicas.
Desde sempre se admitiu uma restrição à autonomia das partes, que consiste na
proibição da celebração de negócios usurários, em que uma das partes consegue obter
Em termos gerais, esse principio pode ser enunciado pela forma seguinte: sempre
que exista uma razão de justiça, da qual resulte que o dano deva ser suportado por
outrem, que não o lesado, de ser aquele e não este a suportar esse dano. A
transferência do dano do lesado para outrem opera-se mediante a constituição de
uma obrigação de indemnização, através da qual se deve reconstituir a situação que
existiria se não tivesse ocorrido o evento lesivo (art.º 562.º).
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Imputação pelo risco, o fundamento que lhe está na base baseia-se numa conceção
de justiça distributiva, segundo as doutrinas do risco-proveito, risco profissional ou
de atividade e risco de autoridade. Segundo a primeira doutrina, aquele que tira
proveito de uma situação deve também suportar os prejuízos dela eventualmente
resultantes de harmonia com o principio ubi commoda ibi incommoda. De acordo
com a segunda conceção, aquele que exerce uma atividade ou profissão que seja
eventualmente fonte de riscos deve suportar os prejuízos que dela resultem para
terceiros. Na terceira conceção, sempre que alguém tenha poderes de autoridade ou
direção relativamente a condutas alheias deve suportar também os prejuízos que dai
resultem.
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1. Generalidades
Sendo o direito de credito um direito subjetivo, a definição do seu conceito terá de ser
traçada a partir do seu objeto, que conforme resulta do art.º 397.º vem a ser a
prestação, ou seja o comportamento que o devedor está vinculado a adotar em
beneficio do credor.
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É esta aliás a conceção adotada pelo legislador que no art.º 397.º consagra a teoria
clássica, definindo a obrigação como o vinculo jurídico por virtude do qual uma pessoa
fica adstrita para com outra à realização de uma prestação. É também a posição
adotada pela grande maioria da doutrina portuguesa, que entende o direito de
crédito como tendo por objeto a prestação, negando a existência de qualquer direito
do credor sobre o património do devedor. Efetivamente, a ação executiva representa
apenas a aplicação pelo Estado de uma sanção pelo incumprimento das obrigações,
através da qual se assegura a proteção jurídica ao direito de crédito. Assim, no
processo de execução, o Estado substitui-se ao devedor na satisfação do direito de
crédito, obtendo para o efeito os meios necessários através da execução do seu
património. Ao credor não é, porém, reconhecido qualquer direito sobre os bens do
devedor.
Reconhecendo-se que o credor não tem qualquer direito sobre os bens do devedor,
parece claro que tem de se reconhecer-lhe um direito subjetivo à prestação, uma vez
que o devedor está vinculado ao cumprimento, sendo que a existência de um direito
apenas depende do seu reconhecimento por uma norma, independentemente de ser
garantido por uma sanção e muito menos por uma sanção com plena eficácia.
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2. A patrimonialidade
Por patrimonialidade entende-se a suscetibilidade de a obrigação ser avaliável em
dinheiro, tendo, portanto, conteúdo económico. A doutrina mais antiga entendia que
a obrigação não se poderia constituir se não fosse suscetível de avaliação pecuniária.
Como argumentos em defesa desta tese invocava-se o facto de a execução apenas se
poder exercer sobre o património do devedor e, como esta execução pressupõe sempre
a liquidação do crédito numa soma pecuniária, daí resultaria a necessidade de a
prestação ter valor pecuniário. Para além disso, estaria em principio excluída a
ressarcibilidade dos danos morais causados pelo incumprimento das obrigações.
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Para ANTUNES VARELA, esta norma pretende excluir do âmbito da obrigação dois
tipos de prestações: a) as prestações que correspondam a simples caprichos ou
manias do devedor; b) as prestações que correspondem a situações tuteladas por
outras ordens normativas, como a religião a moral ou no trato social, e que não
merecem, por esse motivo, a tutela do direito. Para MENEZES CORDEIRO não há
obstáculos a que se constituam obrigações relativas a meros caprichos ou manias,
desde que se refiram a situações jurídicas. Apenas se corresponderem a situações
tuteladas por outras ordens normativas, como a religião, a moral ou o trato social, e
que não merecem, por esse motivo, a tutela do direito. Para MENEZES CORDEIRO
não há obstáculos a que se constituam obrigações relativas a meros caprichos ou
manias, desde que se refiram a situações jurídicas. Apenas se corresponderem a
situações oriundas de outros complexos normativos, é que não será admissível a
constituição de obrigações com esse objeto.
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A mediação tem sido apontada pela doutrina como uma das qualidades das
obrigações que permite estabelecer a sua distinção dos direitos reais, uma vez que a
estes faltaria essa característica, na medida em que consistiriam num poder direto e
imediato sobre uma coisa.
É manifesto que a mediação existe nas obrigações e falta nos direitos reais, já que
enquanto nestes o direito do credor se exerce diretamente sobre coisas, naquelas o
direito à prestação só é realizável através de um intermediário, que é o devedor, que
se vincula assim a prestar a colaboração necessária para que o credor obtenha a
satisfação do seu interesse.
Em certos casos, pode suceder que, perante a recusa do devedor em prestar, o credor
possa obter a satisfação do seu direito à prestação por via coerciva, como sucede na
execução especifica (art.º 827.º e ss.). tal não justifica, que se deixe de considerar a
mediação como característica das obrigações, já que, se por via judicial se pode
substituir a conduta do devedor em ordem a obter a satisfação do direito do credor,
tal ocorre precisamente porque o devedor se vinculou a prestar essa conduta para
esse efeito. Daí que, como refere MENEZES CORDEIRO, na obrigação exista sempre
uma vinculação à colaboração por parte do devedor, sendo a colaboração devida o
verdadeiro entendimento da mediação como característica do direito de crédito.
4. A relatividade
A relatividade costuma ser igualmente apontada como característica das obrigações.
Esta caraterística é, no entanto, suscetível de ser entendida em dois sentidos
diferentes:
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Essa doutrina clássica teve desde sempre forte oposição na doutrina nacional, já que
inúmeros autores entendiam que o dever geral de respeito, que todos têm, de não
lesar os direitos alheios (neminem laedere), também abrangeria os direitos de crédito,
que consequentemente teriam tutela delitual (art.º 483.º). Nesse sentido: Entre
outros, GALVÃO TELLES, MENEZES CORDEIRO.
Uma posição intermédia neste debate é aquela que, embora não aceite a existência
de um dever geral de respeito dos direitos de credito, admite alguma oponibilidade
dos créditos perante terceiros, através da aplicação do principio do abuso de direito
(art.º334.º). O terceiro poderia ser assim responsabilizado nos casos em que a sua
atuação lesiva do direito de crédito se possa considerar como um exercício
inadmissível da sua liberdade de ação ou da sua autonomia privada. Nesse sentido:
ANTUNES VARELA, entre outros.
MENEZES LEITÃO: deve ser adotada esta solução intermédia. É certo que na
maioria dos casos o terceiro que contrata com o devedor não deve ser
responsabilizado pelo facto de este violar as suas obrigações, uma vez que faz parte
da autonomia privada de cada um a possibilidade de contrair sucessivas obrigações,
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5. A autonomia
A autonomização de uma obrigação não impede a sua regulação pelo Direito das
Obrigações nas partes não sujeitas ao seu regime especifico. Efetivamente, a
estrutura da obrigação autónoma e não autónoma é idêntica. O regime das duas é
que pode divergir em maior ou menos medida, o que não impede a qualificação de
ambas como verdadeiras obrigações. Ora, o Direito das Obrigações é um ramo do
Direito Civil cuja autonomização assenta precisamente em caraterísticas
estruturais, uma vez que a classificação germânica do Direito Civil não tem um
critério homogéneo. A autonomização das disciplinas de Direitos Reais e de Direito
das Obrigações tem por base as características estruturais dos direitos a que se
referem. Já o Direito da Família e das Sucessões são autonomizados em função da
fonte de onde resultam as relações de que tratam. É, por isso, perfeitamente natural
que surjam situações estruturalmente obrigacionais noutros ramos do direito, mas
estas não perdem a sua natureza de obrigação em virtude de aí serem inseridas. Daí
que a autonomia não deva ser considerada como uma caraterística das obrigações.
6. Conclusão
São três as características das obrigações: a patrimonialidade tendencial, a mediação
e a relatividade.
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Este distinto objeto tem reflexos em termos das características dos direitos. Se o
crédito é um direito à prestação, ele carateriza-se por necessitar da mediação ou
colaboração do devedor para ser exercido. Assim, mesmo quando a prestação tem por
objeto uma coisa, o credor não possui qualquer direito direto sobre ela, o que só
sucederia se possuísse um direito real. Tem apenas o direito a que o devedor lhe
entregue essa coisa. O credor necessita assim da colaboração do devedor para
satisfazer esse seu interesse. Nada disto acontece nos direitos reais. Neles o credor
não necessita da colaboração de ninguém para exercer o seu direito, já que o seu
direito incide direta e imediatamente sobre uma coisa, não necessitando da
colaboração de outrem para ser exercido.
A inerência tem uma sua manifestação dinâmica que é a sequela, a qual significa
que o titular de um direito real pode perseguir a coisa onde quer que ela se encontre.
Assim, se alguém é proprietário de um determinado bem e outrem o vende a um
terceiro, que por sua vez o torna a revender, para reclamar a coisa do seu possuidor
atual o proprietário não necessita de demonstrar a invalidade de todas as
transmissões, bastando-lhe demonstrar a sua propriedade para obter a restituição
da coisa, através da ação de reivindicação (art.º 1311.º). isto significa que apesar de
ter existido toda uma série de transmissões, se alguém demonstrar a titularidade de
um direito real sobre a coisa pode sempre exercê-lo. É isto o que se denomina a
sequela. O direito real persegue a coisa onde quer que ela se encontre e pode sempre
ser exercido.
O direito de crédito já não tem essa característica. Se alguém tem direito a uma
prestação o devedor aliena o objeto da mesma, o credor já não o pode exigir. Só lhe
resta pedir uma indemnização ao devedor por ter impossibilitado culposamente a
prestação.
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Essa caraterística não existe nos direitos de crédito, que não se hierarquizam entre
si pela ordem da constituição, antes concorrem em pé de igualdade sobre o
património do devedor que, se não for suficiente, é rateado para se efetuar um
pagamento proporcional a todos os credores (art.º 604.º/n.º1). Assim, se alguém tiver
um património no valor de 1000 euros, e assumir sucessivamente duas obrigações de
pagar 1000 euros a dois credores distintos, as duas obrigações foram validamente
assumidas, tendo o património do devedor ser dividido para pagar a cada um dos
credores metade do seu crédito. A regra é assim a do rateio do património do devedor.
Desta forma, os direitos de crédito não se hierarquizam entre si pela ordem da
constituição ou do registo. Têm todos uma posição equivalente sobre o património do
devedor, a não ser que surjam acompanhados de um direito real que atribua
prevalência no pagamento (art.º 604.º/n.º2). Efetivamente, os direitos reais têm mais
força do que os direitos de crédito, será aquele que prevalecerá.
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No entanto, a verdade é que o regime dos direitos pessoais de gozo tem muitas
carateristicas que os aproximam dos direitos reais, como seja o facto de admitirem
uma tutela que extravasa da simples ação de cumprimento e execução (art.º 817.º).
Efetivamente, a lei admite a utilização das ações possessórias contra terceiros que
privem o titular do direito pessoal de gozo da coisa ou o perturbem o exercício do seu
direito, aos quais equipara a outra parte no contrato (art.º 1037.º/n.º2, 1125.º/n.º2,
1133.º/n.º2 e 1188.º/n.º2). Quem é assim qualificado pela lei como devedor de uma
obrigação de gozo, vem a ser tratado pela mesma lei como qualquer lesante em caso
de violação desse direito de gozo. Parceria faltar, por isso, aos direitos pessoais de
gozo a relatividade estrutural que carateriza os direitos de crédito, sendo o direito
pessoal de gozo estruturado em termos absolutos como os direitos reais.
Para além disso, o exercício do gozo sobre a coisa normalmente realiza-se sem a
intervenção de qualquer pessoa. O locatário, o comodatário, o parceiro pensador e o
depositário não necessitam de recorrer à outra parte para obter a satisfação dos seus
direitos. Podem obter diretamente o gozo da coisa, a partir do momento em que esta
lhes é entregue.
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De acordo com o art.º 398.º/n.º1, a prestação pode tanto consistir numa ação como
numa omissão, sendo o seu conteúdo determinado pelas partes, dentro dos limites da
lei. A prestação muitas vezes pode consistir não propriamente na atividade que o
devedor desenvolve, mas antes no resultado dessa atividade, tendo nessa medida a
expressão prestação um duplo significado. Confrontem-se, por exemplo, os art.º
1152.º e 1154.º do CC.
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O legislador não deixou de voltar a referir-se aos requisitos da prestação nos art.º
400.º e 401.º, que terão assim de ser articulados com o art.º 280.º.
A impossibilidade deve ser objetiva e não apenas subjetiva. O art.º 401.º/n.º3, refere-
nos que apenas se considera impossível a prestação que o seja em relação ao objeto e
não em relação à pessoa do devedor. A mesma regra aplica-se à impossibilidade
superveniente, por força do art.º 791.º. Efetivamente, as prestações são em principio
fungíveis, pelo que o seu cumprimento pode ser efetuado por qualquer pessoa (art.º
767.º/n.º1). Assim, se só o devedor estiver impossibilitado de prestar, ele deve fazer-
se substituir no cumprimento da obrigação. Não há por isso qualquer obstáculo à
constituição da obrigação se a impossibilidade for meramente subjetiva, exigindo-se
uma impossibilidade que o seja em relação ao objeto e não meramente em relação à
pessoa do devedor. Daí a possibilidade reconhecida de a obrigação ter por objeto
coisas relativamente futuras (art.º 211.º), bem como a circunstância de a denominada
impossibilidade económica não ser considerada como verdadeira impossibilidade, por
ser apenas referida à pessoa do devedor.
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Salienta MENEZES CORDEIRO que, não deve ser, porém, confundida com a
ilicitude de resulta a situação em que apenas o fim subjetivo de quem celebra o
negócio é ilícito (ex.: a aquisição de um arma para cometer um homicídio). Nestes
casos, uma vez que cada uma das partes pode ter um fim subjetivo distinto em
relação ao negócio, o negócio só será nulo, no caso de o fim ser comum a ambas as
partes (art.º 281.º).
2.4. Determinabilidade
A prestação tem de ser determinável. Esta regra resulta do art.º 280.º, que estabelece
a nulidade do negócio jurídico cujo objeto seja indeterminável. Deve esclarecer-se que
indeterminável não deve ser confundido com indeterminado, já que a obrigação pode
constituir-se estando ainda a prestação indeterminada, desde que ela seja
determinável. São exemplos de prestações indeterminadas as obrigações genéricas
(art.º 539.º e ss.) e as obrigações alternativas (art.º 543.º e ss.).
Caso, porém, não resulta do negocio qualquer critério que permita realizar a
determinação da prestação, ele terá de ser considerado nulo por indeterminável (art.º
280.º/n.º1), não podendo o art.º 400.º servir para suprir essa nulidade.
À semelhança do que acontece com a ilicitude, também apenas o fim subjetivo das
partes pode ser contrário à ordem pública ou aos bons costumes. Nesse caso, o negócio
só será nulo, se o fim for comum a ambas as partes (art.º 281.º).
1) O dever de efetuar a prestação principal, que por sua vez pode analiticamente
ainda ser decomposto em sub-deveres relativos a diversas condutas materiais
ou jurídicas;
2) Os deveres secundários de prestação, que correspondem a prestações
autónomas ainda que especificamente acordadas com o fim de complementar
a prestação principal, sem a qual não fazem sentido;
3) Os deveres acessórios, impostos através do principio da boa-fé, que se
destinam a permitir que a execução da prestação corresponda à plena
satisfação do interesse do credor e que essa execução não implique danos para
qualquer das partes;
4) Sujeições, como contraponto a algumas situações jurídicas potestativas que
competem ao credor;
5) Poderes ou faculdades, que o devedor pode exercer perante o credor;
6) Exceções que consistem na faculdade de paralisar eficazmente o direito de
crédito.
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Podem ainda surgir para as partes outros deveres específicos de conduta, e que
normalmente desempenham apenas uma função acessória do dever principal: são os
chamados deveres acessórios de conduta. É o que sucede designadamente nas
relações contratuais duradouras como a sociedade ou o trabalho, em ordem a não
frustrar a intensa relação de confiança e colaboração que deve vigorar entre as
partes, mas também em todas as relações obrigacionais em que se justifique a tutela
de uma situação de confiança. De acordo com a sistematização de MENEZES
CORDEIRO, os deveres acessórios podem classificar-se em deveres acessórios de
informação, proteção e lealdade. Estes deveres resultam do principio da boa-fé e têm
por função assegurar a realização do dever de prestação principal, em termos que
permitam tutelar o interesse do credor, mas também evitar que a realização da
prestação possa provocar danos para as partes. Assim, o devedor não estaria
unicamente vinculado ao dever de prestar, mas também a outros deveres de proteção,
informação e lealdade perante o credor em ordem a permitir a satisfação do seu
interesse e assegurar a não existência de danos. Por sua vez, o credor também estaria
vinculado a deveres acessórios perante o devedor, por forma a evitar a verificação de
danos para este. No exemplo acima referido, relativo ao fornecimento de um
automóvel novo, o devedor teria o dever de informar o credor do seu funcionamento
adequado. Mas se o credor pedisse a reparação em virtude de ter ocorrido um curto-
circuito no motor, deveria informar o devedor dos risco que a sua ligação poderia
acarretar. Em relação aos deveres acessórios, não se concebe a ação de cumprimento,
mas apenas outras sanções como a indemnização pelos danos sofridos com a violação
ou eventualmente a resolução do contrato (art.º 1003.º a)). Os deveres acessórios são,
alias, independentes do dever de prestação principal, pelo que pode surgir antes ou
após a sua extinção (deveres pré-contratuais e pós-contratuais) e inclusivamente
tutelar a situação de terceiros ao contrato (eficácia de proteção em relação a
terceiros).
Quanto às exceções, elas podem incluir a prescrição (art.º 303.º) a exceção de não
cumprimento do contrato (art.º 428.º), o beneficio da excussão (art.º 638.º) e o direito
de retenção (art.º 754.º).
Modalidades de Obrigações
Elas são definidas pelo art.º 402.º como as obrigações que se fundam “num mero dever
de ordem moral ou social, cujo cumprimento não é judicialmente exigível, mas
corresponde a um dever de justiça”. O que carateriza as obrigações naturais é assim
a não exigibilidade judicial da prestação, resumindo-se a sua tutela jurídica à
possibilidade de o credor conservar a prestação espontaneamente realizada (soluti
retentio) a que se refere o art.º 403.º. Como consequência exclui-se a possibilidade de
repetição do indevido, referida no art.º 476.º, salvo no caso de o devedor não ter
capacidade para realizar a prestação.
A solução que nos parece adequada, é, porém, a de que a obrigação natural não
constitui uma verdadeira obrigação jurídica, na medida em que nela não existe um
vinculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fique adstrita para com outra à
realização da prestação (art.º 397.º). A simples existência de um dever moral e social,
que corresponda a um dever de justiça não basta para se considerar subsistente na
obrigação natural um vinculo jurídico, uma vez que é a própria lei que recusa ao
credor natural a tutela jurídica desse direito ao negar-lhe a faculdade de exigir
judicialmente o cumprimento. Ora essa faculdade integra o conteúdo do direito de
crédito e não é dele concetualmente separável (e justamente por isso a lei proíbe que
o credor a ela renuncie antecipadamente – art.º 809.º). Por outro lado, nas obrigações
civis o cumprimento da obrigação não aumento o património do credor, uma vez que
o devedor se limita a solver um crédito, que já consistia um valor patrimonial no
âmbito desse património. Na obrigação natural a situação é radicalmente distinta.
Sem a faculdade de exigir o cumprimento, o direito de crédito não tem conteúdo, não
podendo nunca considerar-se como um valor no ativo patrimonial. Justamente por
isso o cumprimento da obrigação representa um incremento do património do credor
natural à custa do património do respetivo devedor, o que leva a que a situação se
aproxime da doação, apenas dela se distinguindo pela ausência de espirito de
liberdade (art.º 940.º). É aliás essa proximidade às liberdades e a consequente
diferenciação das obrigações civis que justifica que o art.º 615.º/n.º2 exclua da
impugnação pauliana o cumprimento das obrigações civis e o admita quanto às
obrigações naturais.
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Os bens futuros são aqueles que, não tendo existência, não possuindo autonomia
própria ou não se encontrando na disponibilidade do sujeito, são objeto de negócio
jurídico na perspetiva da aquisição futura destas caraterísticas. – GALVÃO
TELLES.
O art.º 767.º/n.º1, determina que a prestação pode ser realizada por terceiro,
interessado ou não no cumprimento da obrigação. Desta norma, resulta que, regra
geral, as prestações são fungíveis. Mas já o art.º 767.º/n.º2, refere os casos em que a
prestação é infungível: quando a substituição do devedor no cumprimento prejudica
o credor (infungibilidade natural), ou quando se tenha acordado expressamente que
a prestação só pode ser realizada pelo devedor (infungibilidade convencional).
A fungibilidade da prestação é em regra, pelo que o devedor pode em principio fazer-
se substituir no cumprimento. Por exemplo, um advogado encarregado de um
processo pode fazer-se substituir por um colega na realização do julgamento, sem que
o cliente a isso possa obstar. Sempre que, a substituição prejudique o credor, a
realização da prestação pelo terceiro não é admitida, pelo que a prestação é
naturalmente infungível.
O facto de estes contratos se poderem prolongar no tempo implica que a lei deva
assegurar também alguma limitação à sua duração, sob pena de a liberdade
económica das partes poder ficar seriamente comprometida. Efetivamente, a
vinculação absoluta a um contrato de execução duradoura não delimitado
temporalmente implicaria que as partes não pudessem celebrar durante um período
longo e indefinido contratos semelhantes com outros concorrentes, limitando assim
a sua autonomia privada e pondo em causa a liberdade de concorrência em que
assenta o nosso sistema económico.
A lei tem assim de assegurar uma delimitação temporal aos contratos de execução
duradoura, o que é realizado através do acordo prévio das partes fixando um limite
temporal ao contrato – caso em que o decurso do tempo importa a extinção do
contrato por caducidade – ou, quando isso não sucede, através do instituto da
denuncia do contrato. A denuncia do contrato é um instituto típico dos contratos de
execução duradoura e carateriza-se por permitir, quando as partes não fixaram a
duração do contrato, que qualquer delas proceda à sua extinção para o futuro,
através de um negócio jurídico unilateral recetício. Assim, se alguém celebra um
contrato de execução duradoura, o contrato pode manter-se durante um certo lapso
de tempo, mas não vigora ilimitadamente, uma vez que ambas as partes têm o direito
de o denunciar para o futuro (denúncia do contrato).
Não está excluída neles a aplicação de resolução do contrato, para o que se exigem
fundamentos específicos, correspondentes à inexigibilidade de manutenção por mais
tempo do vinculo contratual, distintos do genérico incumprimento das obrigações da
outra parte.
Resulta dos artigos 280.º e 400.º que a prestação, enquanto objeto da obrigação, não
necessita de se encontrar determinada no momento da conclusão do negócio,
bastando que seja determinável. Assim sucede quando, por exemplo, as partes
celebram um negócio sem estabelecer integralmente a forma da prestação ou o
montante da contraprestação.
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CONTRATOS, GENERALIDADES
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O contrato pode ser hoje, por conseguinte, não só fonte de obrigações (da sua
constituição, transferência, modificação ou extinção), mas de direitos reais,
familiares e sucessórios.
A velha máxima pacta sunt servanda aparece já defendida pelos antigos canonistas,
embora tendo especialmente em vista as relações entre Estados.
À ação conjugada desses três fatores se deve a nova fisionomia jurídica do contrato.
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Para que haja contrato, em obediência à livre determinação das partes que está na
base do conceito, torna-se indispensável que o acordo das vontades, resultante do
encontro da proposta de uma das partes com a aceitação da outra, cubra todos os
pontos da negociação (art.º 232.º).
À interpretação e integração das normas jurídicas são, por isso, aplicáveis as regras
(art.º 9.º e 15.º) muito diferentes daquelas que vigoram para as declarações
contratuais (236.º e 239.º).
Enquanto as normas jurídicas podem, em principio, ser alteradas por nova lei, com
eficácia retroativa, o mesmo não sucede com as clausulas contratuais, cuja
interpretação e integração devem sempre ser realizadas à luz do direito vigente na
data da conclusão do contrato. Se as partes, por acordo, alterarem a convenção por
elas anteriormente estabelecida, é do novo contrato, e não do precedente, que a
alteração procede, ao invés do que sucede se uma nova lei imperativa modificar o seu
conteúdo.
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A primeira das categorias apontadas pelo autor engloba os casos em que a disciplina
contratual se aplica às relações nascidas do simples contacto social entre as pessoas,
antes da celebração, ou independentemente até da celebração de qualquer negócio
jurídico. Trata-se dos casos típicos da culpa in contrahendo, entre os quais avulta o
da responsabilidade na preparação e formação do contrato.
Não se demonstra, porém, que seja indispensável recorrer a uma figura especial,
distinta do contrato, como seja a das relações contratuais de facto para cobrir as
soluções fundadamente propugnadas por HAUPT e seus continuadores.
É o caso típico do cliente que faz uma reserva para determinado dia num hotel ou do
livreiro que mando ao advogado, seu comprador habitual, uma novidade jurídica,
com o pedido de devolução imediata, se o destinatário já tiver o livro ou livro lhe não
interessar.
A lei inclui hoje abertamente no conceito das declarações negociais (art.º 217.º) todas
as formas de comportamento do homem (palavra, escrito ou outro meio) que
exteriorizam uma vontade (independentemente do intento da sua notificação). Nele
cabem, por conseguinte, a mera colocação de cabines telefónicas ou das máquinas
automáticas de jogo à disposição do público, mediante acionamento mecânico do
respetivo engenho e outras formas análogas de proposta contratual.
Por outro lado, quem pratica qualquer daqueles atos a que LARENZ chamava formas
de comportamento social típico não pode naturalmente pretender que o ato não seja
interpretado (e qualificado) de harmonia com o sentido que ele reveste aos olhos do
grande público (e da contraparte), visto que a sua reação não passaria de uma
protestatio facto contraria (ou de um venire contra factum proprium, condenado no
art.º 334.º do CC).
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Quanto à lei civil vigente, a maior parte do regime comum aos diferentes contratos -
no que designadamente se refere à sua formação: capacidade dos contraentes, forma
de declaração, perfeição do acordo, requisitos substanciais de validade, cláusulas
acessórias, etc. - é fixada na parte geral do Código dentro do capitulo que tem por
objeto o negócio jurídico (art.º 217.º e ss.).
À teoria geral das obrigações, porém, interessam apenas os efeitos do contrato como
fonte de relações jurídicas creditórias. E esse aspeto importante da vida dos contratos
desdobra-o a lei em duas partes: numa delas (que se estende desde o art.º 874.º até
ao 1250.º) estabelece a disciplina de cada um dos vários contratos em especial (típicos
ou nominados) que, sendo as especiais mais concorrentes no comércio jurídico,
servem de padrão ou modelo na grande massa das operações negociais; na outra, que
vai do art.º 405.º ao artigo 456.º, traça uma espécie de teoria geral do contrato, com
as regras aplicáveis, em principio, não só aos contratos em especial regulados na lei,
mas a quaisquer outros contratos celebrados pelas partes.
43
Prescrevia o art.º 702.º do CC de 1867 que “os contratos legalmente celebrados devem
ser pontualmente cumpridos; nem podem ser revogados ou alterados, senão por
mutuo consentimento dos contraentes…”. E doutrina análoga consigna o art.º
406.º/n.º1 do CC vigente, ao proclamar que “o contrato deve ser pontualmente
cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos
contraentes ou nos casos admitidos na lei”.
Promessa negocial de contratar. Assim sucede, desde logo, quando uma das
partes ou ambas hajam assumido (previamente) em contrato-promessa (art.º 410.º e
ss.) a obrigação de celebrar determinado contrato. Quando exista uma convenção
desta natureza (promessa de compra e venda, de locação, de sociedade, etc.), o
promitente já não é livre de contratar; tem o dever de fazê-lo, sob pena da contraparte
poder exigir judicialmente o cumprimento da promessa ou a indemnização pelo dano
proveniente da violação desta.
Ao lado dos casos em que a obrigação de contratar resulta das convenções celebradas
entre as partes, cabe mencionar aqueles em que a obrigação procede diretamente da
lei. É o caso do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel e dos contratos
de arrendamento impostos ao dono do imóvel nalguns países estrangeiros, logo após
o termo da guerra ou durante ela e que entre nos foram impostos, após a revolução
de 25/04. E é ainda o caso especial previsto e regulado no art.º 1793.º
Assim sucede nomeadamente com os médicos, que não podem, salvo caso de força
maior, recusar a prestação de assistência, quanto a socorros “de extrema urgência a
um doente ou sinistrado em perigo imediato” e que são igualmente obrigados a
prestar os serviços da sua especialidade, sempre que não haja outro medico a quem
o doente possa facilmente recorrer.
46
Venda de bens essenciais à vida das pessoas? Não haverá uma obrigação de
contratar, por exemplo, quanto aos estabelecimento fornecedores de bens destinados
a satisfazer necessidade vitais do cliente?
Há, todavia, uma disposição constitucional com manifesto interesse para o problema
em exame. Trata-se do principio da igualdade (art.º 13.º CRP), que parece condenar,
pelo seu espirito, toda a recusa de contratar que envolva caráter discriminatório, em
termos que ofendam o preceito constitucional.
Essa faculdade reveste uma importância especial nos negócios realizados intuitu
personae, nos contratos a crédito ou nos contratos destinados a criar relações de
cooperação ou de colaboração (obrigacionais, corporativas ou de outra ordem) entre
os contraentes.
48
50
Ao tipo de contratos assim forjados, bem próprios das sociedades de consumo e bem
distanciados do modelo clássico da época liberal, e que na doutrina e na pratica dos
países latinos começou-se a partir de certa altura a dar o nome sugestivo de contratos
de adesão.
Diz-se, por conseguinte, contrato de adesão aquele em que um dos contraente como
sucede, por exemplo, na generalidade dos contratos de seguro e de transporte por via
aérea, férrea ou marítima ou dos contratos bancários, não tendo a menor participação
na preparação e redação das respetivas clausulas, limita-se a aceitar o texto que o
outro contraente oferece, em massa, ao público interessado.
Não há aqui, por conseguinte, a livre discussão entre as duas partes, que
salutarmente costumava preceder a fixação do conteúdo do contrato e da qual nascia
a seiva ético-jurídico do negocio bilateral.
Daí precisamente o nome de contratos de adesão, dado a esse tipo de convenções, que
entre nós continuam a ter os seus exemplos mais vulgarizados nas varias
modalidades do contrato de seguro, em algumas variantes dos contratos de
transporte (aéreo, marítimo ou terrestre), de fornecimento (água, gás, eletricidade e
comunicações), em certas operações bancárias e nas promessas de compra e venda
de imóveis.
Embora sempre haja quem possa observar que as cláusulas destes contratos só
obrigam porque e na medida em que, apesar de elaboradas por uma das partes, são
aceites pela outra. Foram-se, no entanto, avolumando cada vez mais as reservas
suscitadas por este tipo de contratação, atendendo à situação precária em que muitas
vezes se encontra o contraente mais fraco (necessitado de contratar) e menos
prevenido.
Entre as diversas tentativas levadas a cabo nas legislações europeias para conciliar
o legitimo interesse das empresas na racionalização dos seus negócios e na adequação
dos regimes dos contratos à crescente especialização da sua atividade comercial, com
as exigências da justiça comutativa e a proteção devida à parte económica ou
socialmente mais fraca, destacou-se sob vários aspetos a lei alemã.
Por outro lado, fez-se menção expressa e minuciosa dos tipos de clausulas cuja
inserção passou a ser proibida como condições gerais da contratação de uma empresa
ou grupo de empresas, nuns casos com possibilidade de valoração concreta das
circunstancias, noutros sem essa possibilidade de valoração.
Por último, reconheceu-se aos tribunais (e não à Administração como noutros países)
o poder de uma fiscalização preventiva contra as clausulas gerais abusivas: a
requerimento de certas entidades, os tribunais podem condenar as empresas e
eliminar para futuro determinadas clausulas que elas tenham usado ou
recomendado como condições gerais da sua contratação, independentemente de
qualquer ação destinada a apreciar a sua validade num contrato concreto.
11. A responsabilidade pré-contratual, a culpa in contrahendo e o
principio da boa-fé
À questão da liberdade contratual, no período anterior à conclusão do contrato,
acresce o problema da eventual responsabilidade dos contraentes pela sua deficiente
conduta (ou dos seus representantes ou auxiliares) ao longo do período de preparação
do contrato.
52
Em terceiro lugar, alem de indicar o critério, pelo qual se deve pautar a conduta
de ambas as partes (a boa-fé), a lei portuguesa aponta concretamente a sanção
aplicável à parte que, sob qualquer forma, se afasta da conduta exigível: a reparação
dos danos causados à contraparte.
Por outro lado, embora uma das vertentes da boa-fé abranja, sem dúvida, a cobertura
das legitimas expetativas criadas no espírito da outra parte, o artigo 227.º não aponta
deliberadamente para a execução especifica do contrato, no caso de a conduta ilícita
da parte ter consistido na frustração inesperada da conclusão do contrato. A lei
respeita assim até o derradeiro momento da conclusão do contrato (art.º 232.º), salvo
se houver contrato-promessa (art.º 830.º), um valor fundamental, transcendente do
direito dos contratos: a liberdade de contratar.
E da ideia de que a lei, por mais censurável que seja a rutura das negociações na
eminência da celebração do contrato, intencionalmente não vai ao extremo da
obrigatoriedade de celebração ou da execução especifica do contrato, decorre como
corolário lógico que a indemnização prescrita na parte final do art.º 227.º, destinada
a cobrir (no caso de frustração injustificada do negócio) o interesse negocial negativo
da parte lesada, não pode exceder o limite do interesse contratual positivo (ou seja,
do beneficio que a conclusão do contrato traria à parte prejudicada nas suas
expetativas).
O interesse que o faltoso tem de ressarcir é sempre, porém, quando tenha havido
futura injustificado do contrato, o chamado interesse contratual negativo (id quod
interest contractum initum non fuisse); a perda patrimonial que não teria sido se não
fosse a expetativa na conclusão do contrato frustrado ou a vantagem que não
alcançou por causa da mesma expetativa gerada (teria vendido a terceiro por melhor
preço ou teria comprado por melhor preço a terceiro).
Desde que a própria lei, no art.º 227.º, impõe às partes o dever (jurídico) de agir de
boa-fé no período das negociações, nenhuma razão há para considerarmos legal (ex
lege) a relação jurídica que se estabelece entre as partes, antes da conclusão do
contrato, logo que elas iniciam as relações tendentes à sua preparação.
Dado, porém, o nexo teleológico existente entre esta relação ex lege e a relação
contratual para que ela tende, nada repugna aceitar a aplicabilidade à primeira
relação, no caso de violação dos deveres dela decorrentes para qualquer das partes,
das regras próprias da responsabilidade contratual. Apesar de não haver ainda
nenhum vinculo contratual entre as pessoas que iniciam negociações para a
realização do contrato, a verdade é que a relação criada entre essas pessoas
determinadas está muito mais próxima da relação contratual do que da existente
entre o titular do direito absoluto e o autor da violação ilícita dele.
A disciplina especifica traçada na lei para cada um deles obedece, pelo menos, a um
tríplice objetivo do legislador.
Por um lado, exatamente porque se trata dos acordos negociais mais vulgarizados na
prática, a lei pretende auxiliar as partes e os tribunais, fixando subsidiariamente a
disciplina jurídica aplicável aos pontos em que, não obstante a importância que
revestem, as convenções redigidas pelas partes são frequentes vezes omissas.
Por outro lado, a lei aproveita o esquema negocial típico do contrato nominado para,
a propósito do conflito de interesses particulares subjacente a cada um deles, ficar as
normas imperativas ditadas pelos princípios básicos do sistema.
54
Nessa zona típica das lacunas dos contratos (at.º 762.º a 830.º e ss.), a lei continua a
procurar a solução de cada problema posto (do prazo para a realização da prestação,
do lugar para essa prestação, da distinção entre a impossibilidade temporária e a
impossibilidade definitiva, entre a impossibilidade parcial e a impossibilidade total,
etc.). Simplesmente, uma vez apurada a existência da lacuna (por omissão ou por
colisão), a solução passou a ser adotada na lei, não por presuntivamente corresponder
à vontade mais provável em face das circunstancias concretas da situação real, mas
por ser a mais razoável, a mais justa, a mais equilibrada em face do ponto lacunoso
ou omisso previsto na lei sem ressalva, portanto de presunção concreta de vontade
em contrário.
Quando assim não suceda, a convenção negocial das partes navegará já no gurgite
vasto dos contratos atípicos ou inominados.
55
Diz-se misto o contrato no qual se reúnem elementos de dois ou mais negócios, total
ou parcialmente regulados na lei. Em lugar de realizarem um ou mais dos tipos ou
modelos de convenção contratual incluídos no catalogo da lei (contratos típicos ou
nominados), as partes, porque os seus interesses o impõem a cada passo, celebram
por vezes contratos com prestações de natureza diversa ou com uma articulação de
prestações diferente da prevista na lei, mas encontrando-se ambas as prestações ou
todas elas compreendidas em espécies típicas diretamente reguladas na lei.
Verdadeiro contrato misto terá constituído, entre nós e noutros países europeus,
durante algum tempo, o chamado contrato de leasing que, numa das suas
56
Trata-se, nestes casos, de dois ou mais contratos que, sem perda da sua
individualidade, se acham ligados entre si por certo nexo.
Quando assim seja, como os contratos são não só distintos, mas autónomos, aplicar-
se-á a cada um deles o regime que lhe compete.
57
A questão pode ter interesse prático na aplicação, quer do art.º 292.º (que consagra o
principio da redução para os casos de nulidade parcial do negócio), quer do art.º 232.º,
que só considera o contrato concluído quando houver acordo das partes sobre todas
as clausulas que o integram.
Para que as diversas prestações a cargo de uma das partes façam partes de um só e
o mesmo contrato, e não de dois ou mais contratos, é necessário que elas integrem
um processo unitário e autónomo de composição de interesses.
Não são as partes que decidem, dentro ou fora das cláusulas do contrato, sobre a
qualificação singular ou plural do acordo que estabeleceram. Mas é sobre a natureza
do acordo por elas estabelecido, à luz do pensamento sistemático denunciado na
classificação e definição dos diferentes contratos típicos, que as duvidas na matéria
hão-de ser solucionadas.
E o mesmo se diga, quando na base das prestações prometidas por uma e outra das
partes haja um esquema ou acerto económico unitário, de tal modo que a parte
obrigada a realizar várias prestações as não queira negociar separada ou
isoladamente, mas apenas em conjunto. É o caso típico da viagem em cruzeiro.
Há casos em que a prestação global de uma das partes se compõe de duas ou mais
prestações, integradoras de contratos (típicos) diferentes, enquanto a outra se
vincula a uma contraprestação unitária (contratos combinados). Assim sucede
também no contrato realizado entre o campista e a entidade titular do parque de
58
Outras vezes, uma das partes obriga-se a uma prestação de certo tipo contratual,
mas a contraprestação do outro contraente pertence a um tipo contratual diferente.
A cede a B uma casa para habitação em troca da prestação de serviços que integram,
por exemplo, o contrato de trabalho. C, obriga-se a realizar uma obra para certa
empresa, que em contraprestação lhe promete uma quota na sociedade que vai
explorar economicamente a obra. A estes tipos negociais chamam os autores
contratos de tipo duplo.
Por último, há casos, como o da doação mista, em que o contrato de certo tipo é o
instrumento de realização de um outro. O contrato que serve de meio ou instrumento
(que, no caso da doação mista, é as mais das vezes o contrato de compra e venda)
conserva a estrutura que lhe é própria; mas esta é afeiçoada de modo que o contrato
sirva, ao lado da função que lhe compete, a função própria de um outro contrato
(naquele caso a doação). Estes dão pelo nome de contratos mistos em sentido estrito
4. Regime
A fixação do regime destas espécies híbridas da intensa floração contratual tem dado
lugar a muitas hesitações na jurisprudência e a largas divergências de orientação na
doutrina.
5. Teoria da absorção
Alguns autores procuram saber qual seja, entre as diversas prestações reunidas no
contrato misto, aquela que prepondera dentro da economia do negócio, para
definirem pela prestação principal, com as necessárias acomodações, o regime geral
da espécie concreta. Esse tipo contratual preponderante absorveria assim os
restantes elementos na qualificação e na disciplina do negócio (teoria da absorção).
Assim é que se mandava aplicar aos contratos mistos de arrendamento rural e outro
ou outros negócios jurídicos as normas próprias de cada um deles; quando isso,
porém, não fosse possível, funcionaria o regime do negócio jurídico que, dados os
termos do contrato, devesse considerar-se predominante.
6. Teoria da combinação
Com fundamento de que nem sempre é possível determinar o elemento principal do
contrato e de que não se justifica de qualquer modo a extensão indiscriminada do
regime que corresponde a esse elemento preponderante a outras partes da relação,
tentam harmonizar ou combinar, na regulamentação do contrato, as normas
aplicáveis a cada um dos elementos típicos que o integram (teoria da combinação). A
disciplina legal de cada contrato típico não se justifica apenas nos casos que integram
todos os seus elementos constitutivos, mas também nas espécies em que cada um
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1. Noção
O contrato não se limita a constituir, modificar ou extinguir relações de obrigação.
Dele nascem também relações de família (art.º 1576.º e 1577.º) e direitos sucessórios
(art.º 1700.º e ss.). E dele podem nascer ainda direitos reais.
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São três as principais diferenças existentes entre os regimes (opostos) da eficácia real
e da eficácia meramente obrigacional dos contratos de alienação ou oneração de coisa
determinada:
A transferência imediata do domínio, por mero efeito do contrato, não impede que,
subjacente a ela, se mantenha sempre latente a obrigação correlativa de o alienante
transferir, não apenas a posse, mas também o domínio da coisa para o adquirente.
Só assim se explica, aliás, a responsabilidade em que incorre o alienante se, por
qualquer razão (p. Ex., porque a coisa alienada lhe não pertença ou porque não possa
dispor dela), o domínio se não transferir com o contrato. Haja em vista o regime
fixado para a venda de coisa alheia, nomeadamente a obrigação de convalidação da
venda prescrita nos artigos 895.º e 900.º.
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Tendo a alienação por objeto coisas móveis não sujeitas a registo, a reserva vale,
mesmo em relação a terceiros, por simples convenção das partes. A solução pode lesar
as compreensíveis expetativas, quer dos credores do adquirente, quer dos próprios
subadquirentes (pois não vigora entre nós o principio posse vale titulo), que
suponham, p. Ex., na ignorância da clausula, pertencerem desde logo ao adquirente
as mercadorias por ele compradas, que se encontrem em seu poder; mas explica-se
principalmente pelo intuito de facilitar a concessão de crédito ao adquirente e ainda
pela possibilidade que, em regra, não faltará a um contraente prudente e cauteloso
de com Becker a real situação das coisas. Aliás, só mediante esta clausula ou a
reserva da resolução do contrato o vendedor poderá recuperar o domínio da coisa
vendida, depois de efetuada a entrega dela, com fundamento na falta de pagamento
do preço, dada a disposição excecional do art.º 886.º.
Contrato-Promessa
1. Noção e regime aplicável. O principio da equiparação
De acordo com a definição prevista no art.º 410.º/n.º1, o contrato-promessa é a
convenção pela qual alguém se obriga a celebrar novo contrato. Estamos assim
perante um contrato preliminar de outro contrato que, por sua vez, se designa de
contrato definitivo. O contrato-promessa caracterizasse especificamente pelo seu
objeto, uma obrigação de contratar, a qual pode ser relativa a qualquer outro
contrato.
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Apesar desta autonomia entre os dois contratos, a lei não deixou de sujeitar o
contrato-promessa ao mesmo regime do contrato definitivo (art.º 410.º/n.º1). É o que
se denomina de principio da equiparação. Efetua-se uma extensão do regime do
contrato definitivo ao contrato-promessa, sujeitando-se este, em principio, às
mesmas regras que vigoram para o contrato definitivo. Assim se a lei proíbe a venda
a filhos e netos (art.º 877.º), naturalmente que também proibirá a celebração de
contratos-promessa entre ambos, ou se a lei determina um critério supletivo para a
determinação do preço na compra e venda (art.º 883.º), naturalmente que esse critério
é também aplicável para a determinação do preço por que se promete vender.
2. Modalidades de contrato-promessa
O contrato-promessa pode ser classificado em contrato-promessa unilateral ou
bilateral, consoante apenas uma das partes se vincule à celebração do contrato-
futuro ou essa vinculação ocorra para ambas as partes. Como exemplo de contrato-
promessa bilateral, teríamos o caso de alguém prometer vender a outrem
determinado imóvel por certo preço e esse outrem, simultaneamente, se
comprometer a comprar-lhe. Como exemplo de contrato-promessa unilateral,
teríamos o caso de alguém se comprometer, da mesma forma, a vender o imóvel por
um certo preço, mas a outra parte não se comprometer a comprar-lhe, ficando livre
de o fazer ou não.
3. Forma do contrato-promessa
A forma do contrato-promessa é precisamente um dos campos não abrangidos pelo
principio da equiparação de regime com o contrato definitivo (art.º 410.º/n.º1).
Relativamente à forma, o contrato-promessa segue, por esse motivo, o regime geral,
que se baseia precisamente na liberdade de forma (art.º 219.º).
Há uma importante exceção, referida no art.º 410.º/n.º2, que nos refere que quando a
lei exige um documento, autêntico ou particular, para o contrato prometido é também
exigido documento para o contrato-promessa, bastando, porém, um documento
particular, ainda que o contrato-prometido exija um documento autêntico. Assim, o
contrato-promessa de compra e venda de um imóvel, sujeita por lei a escritura
pública ou documento particular autenticado (art.º 875.º), pode realizar-se por
simples documento particular. A exigência de forma escrita para o contrato-
promessa não é naturalmente preenchida com a simples outorga de um recibo de
sinal.
Nos termos do art.º 410.º/n.º2, o referido documento tem de ser apenas assinado pela
parte que se vincula à celebração do contrato definitivo. Assim, se o contrato-
promessa for unilateral, só terá quer ser assinado pelo promitente, apenas se
exigindo a assinatura de ambos nos contratos promessa bilaterais.
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A tese da nulidade total do contrato veio a ser sufragada pelo STJ numa segunda
fase, a partir de 1977, passando então a defender-se que a falta da assinatura de
uma das partes é um elemento essencial para a forma do contrato-promessa bilateral
e que atenta a natureza sinalagmática deste contrato, a invalidade de uma das
obrigações tem de afetar igualmente a outra, uma vez que o sinalagma genético não
pode ser válido apenas em metade. Não se justificaria, ponderar hipóteses de redução
ou conversão, já que a vontade das partes no sentido da sua aplicação teria de ser
inequivocamente demonstrada. Esta tese foi também defendida por GALVÃO
TELLES até 1986, como consequência da sua posição, face à legislação anterior, de
que o próprio contrato promessa unilateral deveria ser assinado por ambas as partes.
66
Daqui resulta que a referida invalidade não pode ser invocada por terceiros, nem
conhecida oficiosamente pelo tribunal.
5. A execução especifica
No contrato-promessa os promitentes vinculam-se a uma prestação de facto jurídico.
Está é incoercível, não podendo o devedor ser coagido pela força a emitir a declaração
negocial a que se obrigou. No entanto, a lei admite a execução especifica desta
obrigação, que consiste em o devedor ser substituído no cumprimento, obtendo o
67
Desta norma resulta que o não cumprimento da promessa atribui à outra parte do
direito recorrer à execução especifica. A referência legal a “não cumprimento” deve
ser entendida em sentido amplo, uma vez que para efeitos da execução especifica é
suficiente a simples mora, já que o credor mantém interesse na prestação, exercendo
o seu direito a ela.
A lei procura ainda resolver dois problemas que a execução especifica poderia
desencadear. O primeiro diz respeito à hipótese de o bem ter sido prometido vender
livre de ónus ou encargos, mas se encontrar presentemente hipotecado. Nesse caso,
a execução especifica não protegeria adequadamente os interesses do adquirente,
que ficaria sujeito a ver o bem posteriormente executado para pagamento da divida
ao credor hipotecário. Por esse motivo, admite-se que na ação de execução especifica
seja simultaneamente pedida a condenação do promitente faltoso na quantia
necessária para expurgar a hipoteca, assim se conseguindo a sua extinção, sem
prejuízo para o beneficiário da promessa (art.º 830.º/n.º4).
O sinal representa um caso típico de datio rei que transmite a propriedade com uma
função confirmatória-penal, podendo nessa medida qualificar-se como um contrato
real simultaneamente quod constitutionem e quod effectum. Efetivamente, o sinal só
se constitui com a tradição da coisa que é seu objeto. Uma vez constituído o sinal, a
propriedade é adquirida pelo accipiens, mas este pode vir a ser reforçado a restituí-
la ao dans, em caso de não ser possível imputar o sinal à prestação devida. Sendo
possível essa imputação, a coisa objeto do sinal fica definitivamente no património
do accipiens, em caso de cumprimento do contrato. Verificando-se, porém, o
incumprimento deste, há lugar à aplicação dos efeitos penais, que passam ou pela
perda do sinal ou pela sua restituição em dobro. Uma vez que envolve uma
estipulação de indemnização em caso de incumprimento, o sinal aproxima-se da
cláusula penal (art.º 810.º/n.º1), desta se distinguindo apenas pelo facto de pressupor
a entrega previa de uma coisa fungível.
Sendo uma figura de aplicação geral, o sinal tem um campo de aplicação privilegiado
no âmbito dos contratos-promessa. Efetivamente, o art.º 440.º, vem esclarecer que
“se, ao celebrar-se o contrato ou em momento posterior, um dos contraentes entregar
ao outro coisa que coincida, no todo ou em parte, com a prestação a que fica adstrito,
é a entrega havido como antecipação total ou parcial do cumprimento, salvo se as
partes quiseres atribuir à coisa entregue caráter de sinal”. Desta norma resulta que
normalmente a realização de uma datio rei, por uma das partes, na altura da
celebração do contrato ou em data posterior, não implica presunção de constituição
de sinal, sempre que se verifique coincidência entre a datio realizada e o objeto da
obrigação a que aquela parte está adstrita. Nesta situação, entende-se que o que se
visou com a datio foi antecipar o cumprimento da obrigação e não a constituição do
sinal. Se as partes quiserem que a prestação entregue tenha caráter de sinal, deverão
atribuir-lhe especificamente essa natureza.
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O art.º 442.º/n.º3, primeira parte, vem referir que, “em qualquer dos casos previstos
no número anterior, o contraente não faltoso pode, em alternativa, requerer a
execução especifica do contrato, nos termos do art.º 830.º”. Trata-se de uma
disposição igualmente exclusiva dos contratos promessa
O art.º 442.º/n.º3, segunda parte, prevê ainda que “se o contraente não faltoso optar
pelo aumento da coisa ou do direito, conforme se refere no numero anterior, pode a
outra parte opor-se ao exercício dessa faculdade, oferecendo-se para cumprir a
promessa, salvo o disposto no art.º 808.º”. O legislador consagrou expressamente a
solução defendida por MENEZES CORDEIRO, que consistiria em admitir que a
71
8. Funções do Sinal
Para MENEZES CORDEIRO, o regime vigente procedeu à junção de diversas
funções do sinal, uma vez que o sinal tem natureza confirmatório-penal, “na medida
em que da consistência ao contrato e funciona como indemnização” e natureza
penitencial, “quando funcione como “preço de arrependimento”, permitindo ao
interessado resolver o contrato, mediante o pagamento que resulte do próprio sinal”.
A seu ver, a primeira situação ocorre sempre que a possibilidade de execução
especifica coexista com a convenção de sinal, tendo o sinal natureza penitencial,
quando a sua estipulação funcione como convenção contrária à execução especifica.
Cabe tomar posição nesta querela. Parece-nos que a lei nunca considera o sinal como
penitencial, mesmo quando admite que este funcione como convenção contrária à
execução especifica. Efetivamente, como se demonstrou, o sinal só pode ser exigido
em caso de incumprimento definitivo da obrigação pela outra parte, funcionando
como predeterminação das consequências desse incumprimento. Não é, por isso, um
preço de arrependimento, não se podendo assim qualificar como penitencial. Defende
MENEZES LEITÃO, por isso, a sua natureza confirmatório-penal.
72
73
1. Conceito
Suponhamos que A, imprevistamente necessitado de dinheiro, se dispõe a vender um
prédio; confiado, porém, na futura melhoria da sua situação, só quer fazê-lo se o
comprador lhe prometer que, no caso de mais tarde alienar o prédio, o preferirá na
compra, em igualdade preço, a qualquer outro comprador. B só está disposto a entrar
na constituição de uma nova sociedade por quotas se os outros sócios lhe concederem
preferência na futura alienação das suas quotas. E os outros sócios, interessados na
colaboração pessoal de B, concordam com a exigência. C, D e E, herdeiros de F,
interessados em manter na família os bens que herdam deste, sem prescindirem da
faculdade de os alienar, concedem reciprocamente direitos de preferência nas
alienações que venham a realizar. É às convenções deste estilo que na lei e na
doutrina se dá o nome de pactos de preferência (art.º 414.º)
Pactos de preferência são os contratos pelos quais alguém assume a obrigação de, em
igualdade de condições, escolher determinada pessoa (a outra parte ou terceiro) como
seu contraente, no caso de se decidir a celebrar determinado negócio.
Os pactos de preferência não têm apenas por objeto a compra e venda - onde são mais
vulgares, como pactos de prelação (pacta praelationis) ou preempção -, mas também
outros contratos, como o arrendamento, o aluguer, o antigo aforamento, o contrato
de fornecimento, a sociedade, a parceria pecuniária, etc… De modo geral, pode dizer-
se que os pactos de preferência são admitidos em relação à compra e venda (art.º
414.º) e relativamente a todos os contratos onerosos em que tenha sentido a opção
por certa pessoa sobre quaisquer outros concorrentes (art.º 423.º).
Do pacto de preferência nasce uma obrigação típica: para uns autores, a de o devedor
não contratar com terceiro (non facere), se o outro contraente se dispuser a contratar
em iguais condições; para outros, a de, querendo contratar, o obrigado escolher a
74
2. Figuras próximas
O pacto de preferência distingue-se do contrato-promessa. Na promessa bilateral há
uma obrigação reciproca de contratar, enquanto no pacto de preferência só um dos
contraentes se vincula. Na promessa unilateral, o promitente compromete-se a
contratar, enquanto no pacto de preferência a obrigação é diferente: o vinculado não
se obriga a contratar, promete apenas, se contratar, preferir certa pessoa (tanto por
tanto; em igualdade de condições) a qualquer outro interessado, havendo assim,
quando muito, uma promessa unilateral condicional.
Distingue-se igualmente da venda a retro (art.º 927.º e ss.), que assenta sobre uma
cláusula resolutiva. A venda a retro implica a faculdade de resolução da venda
anterior por simples declaração de vontade do vendedor, obrigando por isso à entrega
do preço primitivo e determinando, a caducidade dos direitos entretanto constituídos
sobre a coisa. O pacto de preferência prevê a realização eventual de um futuro
contrato de venda (ou de outra natureza), sobre o qual se exerce então o direito
conferido ao titular da preferência, tendo este de pagar o preço (ou a contraprestação)
que o terceiro deu ou estaria disposto a dar.
3. Requisitos e Efeitos
Quanto à forma, se a preferência respeita ao contrato para cuja celebração a lei exija
documento (autentico ou particular), como seja a venda de bens imóveis, o pacto só é
válido se constar de documento escrito, assinado pelo obrigado. Não é necessária a
assinatura da outra parte, visto esta não ser promitente. É a solução decorrente do
disposto no art.º 415.º, que manda aplicar ao pacto de preferência o disposto no art.º
410.º/n.º2 para o contrato-promessa em geral.
Mas pode produzir efeitos em relação a terceiros, gozar de eficácia real, quando se
reporte a bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, desde que se verifiquem os
requisitos exigidos para o caso paralelo do contrato-promessa (art.º 421.º/n.º1).
Quando assim suceda, a preferência torna-se um verdadeiro direito real de aquisição.
A preferência será oponível ao terceiro adquirente da coisa e é igualmente atendível
nos processos de execução, ou de liquidação, como a falência e a insolvência, onde os
direitos de origem convencional, devido à sua eficácia erga omnes, serão tratados
então como os direitos legais de preferência, sem prejuízo da prioridade devida em
qualquer caso a estes últimos (art.º 422.º). Havendo, direitos reais de gozo ou de
garantia anteriormente registados sobre a mesma coisa, o direito de preferência,
embora goze de eficácia real, não os pode afetar. Assim, se houver hipoteca já
registada sobre o prédio que, em seguida, é objeto do pacto de preferência, o titular
desta, se quiser adquirir o prédio na execução hipotecária, terá de habilitar-se como
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Quando assim suceda, não existe ainda notificação para preferir, mas simples
proposta para contratar, independentemente da designação que o autor dê à sua
notificação.
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A lei considera sucessivamente, nos art.º 417.º e 418.º, uma e outra hipóteses
formuladas.
No caso de as coisas serem separáveis, mas terem sido alienadas por um preço global,
sem discriminação do preço atribuído a cada uma delas, importa saber quando
começa a correr o prazo de caducidade da ação de preferência e qual o preço que o
autor deve depositar, nos termos do art.º 1410.º.
A primeira é aquela em que a preferência deve ser exercida conjuntamente por todos
os seus titulares, como no caso de dois ou mais herdeiros haver sucedido ao titular
de direito que os interessados consideram transmissível por morte (art.º 420.º). Nesse
caso, se algum dos interessados não puder ou não quiser usar da preferência, o direito
dos restantes amplia-se imediatamente a todo o objeto do pacto, por um fenómeno
semelhante ao que no capitulo das sucessões se dá o nome de direito de não decrescer.
A segunda hipótese é aquela em que a preferência deve ser exercida por um só dos
titulares, e não por todos em conjunto.
Se, em tal caso, o pacto (ou o legado) tiver estabelecido qualquer ordem de prioridade,
esse será o critério que cumpre observar. Na falta de crédito estabelecido e de
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O objeto típico do pacto de preferência está na obrigação de escolha daquele que há-
de ser o futuro contraente, se o obrigado vier a contratar. O obrigado compromete-se
a escolher determinada pessoa (que tanto pode ser o outro contraente, como um
terceiro), de preferência a qualquer outra, na realização eventual do contrato.
É, assim, um contrato sui generis, com prestação de facto positiva, a que o CC, com
fundadas razões, concedeu um lugar próprio na disciplina dos contratos em geral.
Trata-se da promessa de escolher determinada pessoa, no caso de o obrigado se
decidir a realizar o negócio. Se o obrigado à preferência, violando o pacto, alienar a
coisa a terceiro, passa o titular da preferência, tendo ela eficácia real, a gozar de um
verdadeiro direito potestativo, por virtude do qual, mediante uma simples declaração
unilateral de vontade (integrada pela sentença judicial), ele se pode substituir ao
adquirente.
Mas não é essa a conceção que melhor se ajusta ao esquema das soluções consagradas
na lei, tendo em vista a composição de interesses que está na base da generalidade
das convenções de preferência.
O tribunal não se limita, por conseguinte (desde que se preencheu a condição de que
depende a obrigação do adstrito à preferência, que é a de ele querer realizar o
contrato) , a condenar o obrigado a não alienar a coisa a terceiro, uma vez que o
titular da preferência a quereria tanto por tanto; efetua ou sanciona a alienação,
mediante uma verdadeira execução específica da prestação positiva a que o
inadimplente se encontrava vinculado.
Pode assim dizer-se que, quando o obrigado, violando o pacto de preferência, aliena
a coisa a terceiro, e o direito do preferente goza de eficácia real, ou quando o obrigado
comunica judicial ou extrajudicialmente o projeto do contrato de alienação, a
contraparte passa a dispor de um verdadeiro direito potestativo, na medida em que,
mediante uma simples declaração da sua vontade (coadjuvada pela decisão judicial),
ela pode constituir-se titular de um direito sobre a coisa.
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