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FACULDADE DE DIREITO

DOCENTE:
Prof. Dr. Rui Medeiros

DIREITO
CONSTITUCIONAL – A/B
Sebenta de João Tomás
Prof. Dr. Rui Medeiros Universidade Católica Portuguesa 2019/2020

Índice
ÍNDICE ................................................................................................................................................. 2

CAPÍTULO I: CONSTITUCIONALISMO .................................................................................................... 5

1. SECÇÃO I: ENQUADRAMENTO GERAL ...................................................................................................... 6


1.1. Evolução do Constitucionalismo de Matriz Ocidental .......................................................... 6
1.2. A Universalização do Estado de Direito Democrático e os seus Limites ............................... 7
1.3. A Constituição e os novos constitucionalismos na atual encruzilhada transnacional .......... 9
2. SECÇÃO II: EVOLUÇÃO DO CONSTITUCIONALISMO PORTUGUÊS .................................................................. 10
2.1. As constituições monárquicas ............................................................................................ 10
2.1.1. Constituição de 1822: ................................................................................................................... 10
2.1.2. Carta Constitucional de 1826: ....................................................................................................... 12
2.1.3. Constituição de 1838: ................................................................................................................... 13
2.2. A primeira República .......................................................................................................... 15
2.3. O Estado Novo .................................................................................................................... 17
2.4. A Constituição de 1976: da sua génese à atualidade ......................................................... 21
2.4.1. A revolução do 25 de Abril ............................................................................................................ 21
2.4.2. O processo atribulado de elaboração da Constituição de 1976.................................................... 21
2.4.3. O frenesim constitucional ............................................................................................................. 23

CAPÍTULO II: ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO .............................................................................. 26

1. SECÇÃO I: DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, ESTADO DE DIREITO E DEMOCRACIA ......................................... 27


1.1. Conceito de dignidade da Pessoa Humana: ....................................................................... 27
1.2. Tensão entre ED e Democracia, tendo em vista o PDPH: ................................................... 29
2. SECÇÃO II: ASPETOS NUCLEARES DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO.................................................................. 33
2.1. Soberania Popular e Poder Constituinte ............................................................................. 33
2.1.1. Poder constituinte sendo um poder originário e detentor da soberania ..................................... 33
2.1.2. Poder constituinte cujo titular é o povo ....................................................................................... 35
2.1.3. Como e quando se manifesta este poder?.................................................................................... 35
2.1.4. Quais os limites ao poder constituinte? ........................................................................................ 38
2.2. Poder de Revisão constitucional ......................................................................................... 41
2.2.1. A constituição como projeto inacabado ....................................................................................... 41
2.2.2. Revisão constitucional como forma por excelência de adaptar a CRP.......................................... 41
2.2.3. Constituição hiper-rígida ............................................................................................................... 42
2.2.4. Acentuação do papel fundamental do parlamento ...................................................................... 43
2.2.5. Tribunal Constitucional e os Requisitos de Qualificação ............................................................... 46
2.2.6. Limites Materiais de Revisão......................................................................................................... 47
2.2.7. Poder Constituinte ≠ Poder de Revisão ......................................................................................... 49
2.3. Relevância autónoma do princípio democrático no Estado Constitucional ........................ 50

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2.4. A centralidade da lei e da função legislativa no Estado democrático ................................ 52


2.4.1. Justificação histórica e atual do papel da lei no ordenamento constitucional ............................. 52
2.4.2. Enquadramento constitucional da função legislativa ................................................................... 53
2.4.3. Repartição da competência legislativa entre o Parlamento e o Governo ..................................... 64
1. Conjunto vasto de matérias reservadas à AR................................................................................ 65
1.1. Tipos de Reserva ...................................................................................................................... 65
1.2. Âmbitos da reserva .................................................................................................................. 69
2. Aparente prevalência das LB sobre os DLD ................................................................................... 72
3. Apreciação parlamentar solene dos DL......................................................................................... 73
4. Regime de veto diferenciado ........................................................................................................ 74
5. Regras de aprovação de uma lei ................................................................................................... 75
2.4.4. Relações entre atos legislativos – as leis de valor reforçado ........................................................ 79
3. SECÇÃO III: TRAÇOS IDENTITÁRIOS DO ESTADO DE DIREITO ....................................................................... 82
3.1. Princípios Estruturantes do Estado de Direito .................................................................... 82
3.1.1. Princípio da Igualdade ................................................................................................................... 82
3.1.2. Princípio da Proporcionalidade ..................................................................................................... 90
3.1.3. Princípio da Proteção da Confiança .............................................................................................. 94
3.1.4. Princípio do Estado Social ........................................................................................................... 100
3.1.5. Caso do 3º Estado de Emergência (EEM) .................................................................................... 102
3.2. Separação de poderes ...................................................................................................... 103
3.3. A conquista da força normativa da CRP ........................................................................... 111
3.3.1. A constituição como normação juridicamente vinculativa ......................................................... 111
3.3.2. Normas programáticas, precetivas e diretamente aplicáveis ..................................................... 116
3.3.3. Princípio da interpretação conforme à Constituição .................................................................. 121
3.3.4. A constituição como fundamento de validade de atos jurídico-públicos ................................... 126
3.4. O sistema específico de fiscalização jurisdicional da constitucionalidade........................ 133
3.4.1. Considerações Gerais .................................................................................................................. 133
3.4.2. Objeto do controlo e fiscalização com fundamento em inconstitucionalidade ou ilegalidade
qualificada. .................................................................................................................................................. 137
3.4.3. Fiscalização preventiva................................................................................................................ 141
3.4.4. Fiscalização concreta difusa e concentrada ................................................................................ 146
3.4.5. Fiscalização abstrata sucessiva.................................................................................................... 156
3.4.6. Eficácia temporal das decisões de inconstitucionalidade ........................................................... 159

CAPÍTULO III: UM ESTADO AUTONÓMICO E COSMOPOLITA ............................................................. 163

1. SECÇÃO I: ESTADO UNITÁRIO REGIONAL.............................................................................................. 164


1.1. A autonomia político-administrativa das RA .................................................................... 164
1.2. Os estatutos político administrativos das regiões autónomas ......................................... 164
1.3. Competência legislativa regional ..................................................................................... 165
1.3.1. Revisão Constitucional 2004 ....................................................................................................... 166
1.3.1.1. Âmbito Regional ............................................................................................................... 167

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1.3.1.2. Matérias enunciadas nos estatutos .................................................................................. 169


2. SECÇÃO II: UM ESTADO COSMOPOLITA ............................................................................................... 172
2.1. A nossa Constituição e o direito internacional em geral .................................................. 172
2.2. A especialidade da União Europeia e a receção constitucional ........................................ 175
3. SECÇÃO III: CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 178
3.1. Sentido e funções da constituição .................................................................................... 178
3.2. Constituição como projeto sempre inacabado ................................................................. 180
3.3. Uma constituição parcial num quadro plural ................................................................... 183

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Capítulo I: Constitucionalismo

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1. Secção I: Enquadramento Geral

1.1. Evolução do Constitucionalismo de Matriz Ocidental


Em tempos, o DC era mais ou menos o Direito Romano, pois no dia a dia não era
diretamente aplicável, logo durante muito tempo a constituição não prevalecia perante
a lei. Isto levava à não existência dum sistema de controlo de inconstitucionalidade. Na
prática o que estava na constituição não servia para muito.
Hoje o DC é assumido como verdadeiro direito, que assume o topo hierárquico
das leis estaduais, na medida em que um tribunal pode afastar a lei com base na sua
inconstitucionalidade.
A cadeira centra-se num Estado de direito democrático com base na dignidade da
pessoa humana.

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1.2. A Universalização do Estado de Direito Democrático e


os seus Limites
Estado de direito democrático = estado democrático + estado de direito
Há uma tensão entre a democracia e o estado de direito.
O DC de hoje resulta de um grande corte que ocorreu nos EUA pós-independência
e em França pós-revolução liberal. Estes Estados divergem muito do constitucionalismo
do UK, pois neste não há uma constituição escrita, não há uma lei chamada constituição,
logo não há uma lei com primazia perante as demais leis, contudo há um conjunto de
princípios que estão na base de organização do estado, similar à idade média. “No UK o
parlamento pode fazer tudo menos fazer do homem mulher e da mulher homem”

As revoluções introduziram um corte pois passou a existir uma lei chamada


Constituição que era escrita e que não se confunde com as outras leis.
Este constitucionalismo teve uma grande evolução. Afirmou-se em EUA e França
como um constitucionalismo liberal, as 3 primeiras constituições monárquicas
portuguesas 1822, 1826 e 1838 assumem um ideal liberal (assente em liberdade,
igualdade, segurança, respeito pela propriedade) assim como a primeira republicana de
1911.
Este liberalismo servia para acabar com princípios do antigo regime, de modo a
tornar todos iguais perante a lei.
Não era um constitucionalismo democrático, pois este é o segundo momento. O
estado começou a ser liberal e só depois democrático. (nasceu liberal e tendencialmente
não democrático)
A primeira metade do século XIX foi marcada por 3 grandes questões:
Titular do poder constituinte? quem dita as regras é quem manda, logo quem é o
titular deste poder soberano. A constituição de 1822 revindica que o povo é o soberano,
e a constituição é imposta ao rei pelas cortes: “as cortes decretam”. A vontade soberana
do povo, reunido em cortes, é um pilar deste 1º momento do constitucionalismo.
Começa uma guerra entre D. Miguel e D. Pedro, e D. Pedro estabelece uma monarquia
constitucional através de uma carta constitucional “D. Pedro por graça de deus...” muda

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o titular do poder soberano para o próprio rei. A constituição de 1838 só é constituição


pois as cortes querem e a rainha aceita. (estamos longe da vertente democrática)
Extensão do direito de sufrágio? A primeira é a mais democrática, a segunda exclui
com base na renda líquida anual de 100mil réis, a terceira mantém o sufrágio censitário,
mas reduz a renda para 80mil réis (liberal, mas não necessariamente democrática)
Poderes do rei? A carta constitucional de 1826 atribui o poder moderador, para
adicionar ao executivo.

A dimensão democrática do constitucionalismo tardou até ao século XX, com a


extensão do direito de sufrágio às mulheres.
A dimensão social do constitucionalismo tarda ainda mais, pois a liberal assentava
numa igualdade formal perante a lei, mas o constitucionalismo que vigora hoje e que vem
de 33 (influência de Weymar de 1919) tem rosto humano, com preocupações sociais,
que consagra direitos sociais. Nos EUA a matriz liberal ainda prevalece.

Hoje o constitucionalismo vive numa fórmula de Estado de Direito Democrático


(liberal, social e democrático). Estes 3 princípios podem não coincidir, pois, apesar de não
haver Estado sem organização de poder, a marca de água que a revolução francesa
trouxe está no artigo 16º da declaração dos direitos do homem e do cidadão (Agosto de
1789) = não há constituição se não estiverem assegurados os direitos fundamentais e a
separação de poderes, de modo a limitar o poder do Estado.
O estado de direito é uma forma de limitar o poder.
A democracia serve para legitimar o poder, tornar legítimo o poder que se limita.
A função do estado de direito é diferente da função democracia.
Obama Care – tensão entre um programa legitimado nas urnas e aprovado no
congresso e a dimensão liberal do estado de direito
Eutanásia – tensão entre uma lei que pode ser aprovada pelos representantes do
povo vs. o direito à vida pois a lei pode ser contrária à constituição.

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1.3. A Constituição e os novos constitucionalismos na atual


encruzilhada transnacional
Assumimos, um pouco por todo o mundo, mas com especial enfoque na europa,
a uma constante afirmação do dito “constitucionalismo transnacional”, que vê a sua
origem ser derivada a este recente fenómeno político-jurídico que é a União Europeia.
Este novo paradigma vê 3 traços condutores:
à o sistema jurídico-político internacional visar, não só as relações
horizontais entre Estados, mas as relações Estado-Povo.
à emergência de um jus cogens internacional, materialmente informado
por valores, regras e princípios plasmados, sucessivamente, em
declarações e documentos internacionais.
à elevação da dignidade humana a pressuposto ineliminável de todos os
constitucionalismos.
Contudo, o constitucionalismo nacional, que assenta nos seguintes pressupostos,
está longe de ser neutralizado por este constitucionalismo global:
à soberania de cada Estado, tanto nas relações horizontais externas,
como nas relações verticais internas, onde se afirma um poder com
supremacia e encarregue de exercer competências soberanas.
à centralidade jurídico-política da Constituição como garantia de
soberania e independência externa
à aplicação do Direito Internacional nos termos definidos pela
Constituição interna
à consideração das populações/povos residentes num território como
“povo do Estado”, que lhes confere carta de cidadania

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2. Secção II: Evolução do Constitucionalismo Português

2.1. As constituições monárquicas


O conceito de constituição surgiu na época moderna (Séc. XIV – XV) no sentido de
ordenação sistemática e reacional da comunidade política através de um documento
escrito
• A ideia de Constituição como produto da razão à é o racionalismo iluminista
que olha a razão como uma “alavanca” de uma ordem política à a ideia de
um alei, estatuto ou constituição, criadora e ordenadora de uma
comunidade política
o Lei geral e abstrata surge com esta corrente, entre outros
elementos que surgem com o iluminismo e liberalismo

O movimento do constitucionalismo português não se inicia apenas com a tradição do


vintismo à em 1808 existe a SÚPLICA DE CONSTITUIÇÃO:
• Feita por um grupo de cidadãos (entre os quais docentes universitários)
• Dirigida a Junot, o Duque de Abrantes, general francês: um texto escrito num
ambiente “afrancesado”

2.1.1. Constituição de 1822:


Portugal era uma Monarquia Absoluta, com alguma satisfação no Despotismo
Esclarecido. A monarquia de D. João VI era conservadora. A corte estava no Brasil, e
Beresford, general Britânico, estava no controlo de Portugal à pós-revoluções francesas
que obrigaram a corte a fugir para o brasil
É neste contexto que sucede a Revolução Liberal de 1820, cujo Liberalismo se
demonstra na aprovação de uma Constituição, a primeira Constituição escrita
portuguesa liberal, de 1822.
o Surge pós-revolução liberal de 1820, é produto do liberalismo e da
tradição do Vintismo

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o Põe fim ao absolutismo

Fui elaborada pelas Cortes Constituintes, tinha como principal FONTE a


Constituição Espanhola 1812 – Constituição de Cádis. Visava prosseguir os ideias da
revolução francesa, porém SEM ROMPER com algumas tradições nacionais
à Restabelecimento das leis fundamentais da monarquia
à Invocação da Santíssima Trindade

A Constituição segue a tal tradição do vintismo e o liberalismo:


à Forte peso dos Direitos fundamentais – um título inteiro para estes
direitos e deveres (artigos 1º -19º)
à Soberania da Nação (artigos 26º e 27º) à é à Nação, como um todo,
e não ao Rei, que cabe elaborar a Lei fundamental do Estado
à Princípio da Tripartição dos Poderes à legislativo, executivo e judicial

§ Legislativo à reside nas Cortes – artigo 30º


• Cortes à uma assembleia unicameral eleita bienalmente
– uma eleição indireta e não universal (dado que as
mulheres, menores de 25 anos entre outros não podiam
votar)
§ Executivo à REI com o auxílio de Secretários de Estado
• Tinha o poder de veto, mas apenas suspensivo, não
absoluto – NÃOSOBRE AS LEIS de revisão nem de decisões
politicas da corte
• Não podia dissolver as Cortes
§ Judicial à Tribunais
• Consagrava uma União Real com o Brasil
o Existiam órgãos comuns – Rei, Cortes e o Conselho de Estado

• Supremacia das Cortes à proclamação da SOBERANIA POPULAR

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Em 1823 e 1824 decorre a Vila Francada e a Abrilada, retaliação, reação, das forças
conservadoras ABSOLUTISTAS, que tomam Portugal – a mando de D. Miguel, um general
do exército português

2.1.2. Carta Constitucional de 1826:


Surge ainda em ambiente LIBERAL, mas é outorgada unilateralmente por D. Pedro
IV, dando azo a um conservadorismo Liberal à uma tentativa de reconciliar os
absolutistas e os liberais
A Fonte principal era a Constituição Brasileira 1824, os direitos fundamentais
perdem força, logo há um retrocesso.
Cria um Parlamento Bicameral:
o Câmara dos Deputados à eleita indiretamente
o Câmara dos Pares à hereditária e vitalícia
A autoridade volta a estar no Rei, surge um 4º poder: o poder moderador
o Pertence ao Rei à permite a nomeação dos pares, a sanção dos
decretos das Cortes, a dissolução da Câmara dos Deputados, entre
outras faculdades
Os outros 3 poderes mantêm-se iguais, mas o executivo, pertencendo, ainda, ao
REI, carece de intervenção dos ministros
O Sistema de Governo caracterizava-se pela existência de uma concentração de
Poderes no Rei:
o Porém à regula a revisão constitucional através de deliberação
das Cortes
o Com isto a Carta vem estabelecer um Sistema Misto
o Poder Legislativo – Cortes – sistema bicameral
o Poder Executivo – Rei
o Poder Jurisdicional – Tribunais

Atos adicionais à Carta Constitucional:


• Ato adicional de 1852
o Liberalização da carta constitucional;

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o Passou para a Carta algum texto da constituição de 1838( que


tinha tido pouco tempo de vigência);
o Eleição direta dos deputados
• Ato adicional de 1885
o Limitar o poder do rei
o Supressão da hereditariedade dos Pares e limitação do seu
número;
o Sujeição a referenda ministerial dos atos do poder moderador;
o Consagração de 2 novos direitos fundamenais
o Direito de petição e de reunião
• Decreto de 1895 e ato adicional de 1896
o Aumentar o poder do rei à para tentar impedir a queda da
monarquia
o Substituição dos pares eletivos por pares de nomeação régia;
o Poder de dissolução da Câmara dos deputados

Lei de Banimento - promulgada em 1834 pela Rainha D. Maria II de Portugal na


qual, após a Guerra Civil (1828-1834), se obrigou ao exílio o Ex infante Miguel de
Bragança, então já destituído do estatuto de realeza e dos direitos de sucessão ao trono
de Portugal.
Depois da Guerra Civil Portuguesa, terminada em 1834, é recolocada em vigor a
Carta Constitucional, pela D. Maria II.
Em 1836, com a Revolução de Setembro, foi afastada a carta constitucional, é
reposta em vigor a Constituição de 1822.

2.1.3. Constituição de 1838:


Resulta de um acordo entre as Cortes, que redigem a CRP e a Rainha, D. Maria,
que consente, jura a constituição e promulga-a como lei fundamental do Estado
Aqui existe uma partilha de poder à vontade do povo nas cortes + aceitação do
Rei (acordo entre 2 titulares de poder soberano)

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Tradição do Vintismo à restituir as liberdades e os direitos dos cidadãos, essa


ideia que se pretende alcançar e que, em 1820, foi alcançada com a revolução
Fontes: teve várias fontes estrangeiras, mas é vista quase que como uma síntese
dos textos de 1822 e 1826
o Porém aproxima-se mais da de 1822

Volta a consagrar os direitos fundamentais num título separado:


o Surgem alguns direitos novos como o direito de associação
o MAS à Direito de voto é censitário

Sistema de Governo à Tripartição de poderes :


à Acaba com o poder moderador à volta à tripartição de poderes
o Poder legislativo cabe às das Câmaras – ambas eleitas por sufrágio direto
§ 2 Câmaras (Senadores e Deputados)
§ Eleitas por sufrágio direto e censitário (v. artigos 72o- 73.o)
o Poder executivo à REI – deixa de estar previsto um Conselho de Estado
§ Poder de sanção das leis
§ Poder de dissolução da Câmara dos Deputados (que a haver
implica a renovação de metade da Câmara dos Senadores)
o Poder judicial à Tribunais

Monarquia constitucional à eleição por sufrágio direto do Parlamento + poderes


institucionais do Rei

1842 – 1851 à entra de novo em vigor a Carta Constitucional


1851 – 1852 à Após revolução de 1851 prepara-se a Reforma da Carta
1852 – 1910 à continuação da vigência da Carta, mas com as alterações dos atos
adicionais, inclusive o de 1852

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2.2. A primeira República

Em 1910 à Proclamação da República


A Constituição de 1911 introduz 2 grandes novidades: Nova forma de Estado e
novo Sistema de Governo. O Estado passa a ser laico. Tem como origem a Assembleia
Constituinte, e as suas fontes são as Constituições oitocentistas + prática republicana da
3ª República Francesa
Consagra os Direitos Fundamentais no título II – Artigos 3º e 4º
à Não se tipificam todos os direitos fundamentais, é por isso aqui que se define
a cláusula aberta
à Passa a exigir-se mais igualdade perante a lei – extinção dos títulos da nobreza,
por exemplo
à Consagra-se a liberdade religiosa, mas há um certo anticlericalismo
à Abolição da pena de morte nos crimes militares (passa a ser em todos os casos)

O Sistema de Governo caracterizava-se por:


à Separação de tripartida de poderes
Poder Legislativo à exercido pelo Congresso da República – Senado +
Câmara dos Deputados. Ambos eleitos por sufrágio direto
Poder Executivo à Presidente da República + Ministros
PR tem muito pouco peso à é eleito pelo Congresso, não pode ser reeleito depois
do mandato e pode ser destituído pelo mesmo – um género de impeachment
como no sistema americano atual. Não pode dissolver o Congresso nem tem
poder de veto
Poder Judicial à Tribunais

Surge a fiscalização da constitucionalidade pelos tribunais, muito à semelhança do


modelo Americano, ou seja, apenas nos feitos submetidos a julgamento e quando
qualquer das partes impugnasse a validade da lei ou diplomas invocados

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à Sistema Parlamentar Atípico à o PR não tem poder de veto nem de dissolução


e o Congresso tem poder de destituição
à O PR é quase que uma figura representativa e o cerne da vida política reside
no Parlamento
à Não pode ser presidencialismo – decisões eram cercadas pelo Parlamento
Bicameral

Vivia-se um ambiente instável e, por isso, a CRP sofreu algumas revisões:


A 1º Republica teve um grave problema porque houve imensa instabilidade
devido à intolerância entre o grande pluralismo de partidos que estavam constantemente
a dissolver os governos que não tinham tempo para fazer mudanças a sério. Instabilidade
acrescida com golpes e revoltas porque todos os grupos se tentavam afirmar

Revisão de 1916:
Consequência da participação na I Guerra Mundial
Decreto ditatorial de 1917 (Sidónio Pais)
Instituição de sistema presidencialista + reforma do Senado
Entre outras medidas como o sufrágio universal para cidadãos do sexo masculino
maiores de 21 anos
Revisão de 1919-1921:
Atribuição de subsídios aos membros do congresso
PR passa a poder dissolver as Câmaras “quando assim o exigirem os superiores
interesses da Pátria e da República”
Organização de um Conselho Parlamentar
Bases para a criação de um amplo sistema de administração colonial

A instabilidade resultante do excessivo centralismo no Parlamento levou ao um


Golpe de Estado:
1926 à golpe de Estado Ditadura militar e fim da 1ª republica

Contudo a constituição de 1911 só é verdadeiramente revogada com a entrada


em vigor da constituição de 1933.

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2.3. O Estado Novo

1926 -1933 à ditadura militar


1933 – 1974 à vigência da Constituição de 1933, início do Estado Novo

A Constituição de 1933

Em 1932 Salazar apresentou um projeto de Constituição, com o apoio de um


pequeno grupo. Não foi convocada Assembleia Constituinte, o Governo publicou o
projeto nos jornais diários para discussão pública. Claro está que uma discussão muito
restrita pois as liberdades continuavam restringidas
o Depois em 1933 foi submetido a PLEBISCITO

à Origem: discussão pública + plebiscito


à Fonte: prática constitucional liberal + experiência da ditadura militar + Constituição
Weimar 1919

Principais enfoques da Constituição:


1. Direitos Fundamentais:
o De carácter autoritário com leis especiais que regulavam o exercício
das liberdades de expressão, de ensino, de reunião e de associação
o Salazar era extremamente católico e por isso a CRP 1933 procura
respeitar a moral, os direitos liberdades e garantias, porém tinha um
artigo 8º que permitia as leis especiais restritivas de liberdades
o Surgem DIREITOS SOCIAIS à proteção da família, direito à educação
e à cultura entre outros

2. Estado intervencionista – a clivagem entre o Estado e os cidadãos impediu a


satisfação das necessidades coletivas, o Estado passou a ser visto como entidade que
provê as necessidades do berço até à morte (Estado Social e Paternalista)
o Intervém na economia e em todas as atividades sociais

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o Constituição Económica: Pela 1ª vez uma constituição regula a ordem


económica e social: definem-se programas e estabelecem-se diretivas
para a ordem económica e social

3. Um Estado sem partidos


o Legalmente não existia qualquer proibição à liberdade de associação,
MAS à essa associação, a formação de quaisquer associações
políticas, estava dependente de uma autorização e essa autorização
nunca seria concedida

4. Sistema de Governo
o Órgãos de Soberania – Chefe de Estado, Assembleia Nacional,
Governo e Tribunais

o Chefe de Estado ou PR
§ Eleito por sufrágio direto por 7 anos
§ Nomeia e demite o Presidente do Conselho e os Ministros
§ Os seus atos tinham de ser referendados pelo Governo

o Assembleia Nacional
§ 90 Deputados eleitos por sufrágio direito por 4 anos
§ Fiscaliza a ação do Governo
§ Votava leis da iniciativa dos deputados e do governo
§ Aprovava convenções internacionais
§ Tinha muito pouco trabalho (o governo monopolizava a ação
legislativa) à SÓ LEGISLAM SOBRE AS BASES GERASI DOS
REGIMES JURIDICOS

o Governo
§ Formado pelo Presidente do Conselho e pelos Ministros
§ Presidente do Conselho – coordena e dirige a atividade de
todos os ministros

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§ Governo à referenda os actos do Presidente da República,


elabora DL no uso de autorizações legislativas ou nos casos de
emergência entre outras funções

o Tribunais

5. Órgãos auxiliares:
o Conselho de Estado
§ Composto por: Presidente do Conselho, da Assembleia
Nacional, da Câmara Corporativa, do Supremo Tribunal de
Justiça, o Procurador geral da República e 5 membros vitalícios
nomeados pelo PR
§ Funcionava junto do Chefe de Estado

o Câmara Corporativa
§ Composta pelos Presidentes das Autarquias Locais
§ Onde se debatiam ideias, que seriam apresentadas à
Assembleia Nacional, esta mesma aceitando ou não.
§ Forma engenhosa de legitimar as decisões da Assembleia
Nacional;
§ Passa a ser uma República Corporativa à um pouco do poder
legislativo é descentralizado e é atribuído a corporações

6. Sistema de governo representativo simples de chanceler – Segundo JM


Representativo simples à a pluralidade de órgãos governativos fica encoberta
pela concentração de poderes no Chefe de Estado
Sistema de Chanceler à PR não governa, é acompanhado do Governo e não pode
agir sem o Presidente do Conselho de Ministros que referenda os seus atos

7. Revisões Constitucionais à CRP 1933:


1935-1938 à redução do poder da Assembleia Nacional e ampliação dos poderes
do Governo; mantém-se antiparlamentarismo

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1945 à igual à anterior, adicionando o reconhecimento de competência


legislativa ao Governo; mantém-se antiparlamentarismo
1951 à Assembleia passa a ter reserva e a ratificar DL
1959 à PR passou a ser eleito por um colégio eleitoral
1971 à revisão mais extensa (Marcelo Caetano no poder)
o Define as províncias ultramarinas como regiões autónomas
o Receção geral plena do direito internacional convencional;
o Igualdade como proibição de discriminação com base na raça;
o Reforço dos direitos no campo do processo penal;
o Revigoramento das funções da Assembleia Nacional

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2.4. A Constituição de 1976: da sua génese à atualidade

2.4.1. A revolução do 25 de Abril


Cai o Estado Novo a 25 de abril de 1974: Nova ideia de Direito invocada na
revolução que irá conduzir à Constituição de 1976
à Eleições livres em 1975 para a Assembleia Constituinte, para a elaboração da
nova Constituição;
Programa dos Movimentos das Forças Armadas:
o Liberdade de imprensa;
o PIDE e DGS extintas;
o Separação de poderes;
o Fim da guerra colonial;
o Pluralismo partidário (mais ideias como o socialismo e o comunismo);

A legitimidade do 25 de abril teve como referência, também, a Declaração


Universal dos Direitos do Homem

Entre 1974 – 1976 vigoraram 35 leis constitucionais


• Ex: Lei que prende os funcionários da PIDE e que viola a proibição da
retroatividade da lei penal

2.4.2. O processo atribulado de elaboração da Constituição de 1976


Processo de elaboração:
A Assembleia Constituinte não era um órgão de soberania único – impunha-se a
coexistência do Governo provisório para que fossem salvaguardados os objetivos do
programa das forças armadas.
o Mas só a Assembleia podia “aprovar” a CRP
Para as eleições para a Assembleia foi concedido o direito de voto UNIVERSAL. A
Assembleia Constituinte estava sujeita a um prazo de 3 meses que acabou por ser

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prolongado para 10 meses. O prazo foi cumprido e, às fases de elaboração e aprovação,


seguiu-se a fase de redação final e aprovação global

Foi conturbado porque à Conflitos entre forças opostas: as revolucionárias e as que


queriam democratizar o regime
o Conflito de legitimidade política: legitimidade democrática (membros do
MFA – instaurar democracia do tipo Ocidental) ou revolucionária
(Conselho da Revolução);

A Constituição de 1976:
• PRIMAZIA dos Direitos, liberdades e garantias - aplicabilidade direta;
• Direitos económicos, sociais e culturais (propriedade, direito ao trabalho,
educação, saúde, habitação, etc.)
o A CRP distingue-os claramente dos direitos liberdades e garantias
• Cláusula aberta do artigo 16º CRP
• Liberdade de voto;
• Eleições livres;
• Pluralismo partidário;
• É uma Constituição muito longa e complexa, baseia-se na democracia
representativa e participativa, bem como na liberdade política;
• A fiscalização passou a ser difusa, feita por todos os Tribunais (artigo 204º), para
além de concentrada, feita pelo Tribunal Constitucional;
• O Estado continua a ser unitário, mas passa a ser descentralizado: princípio da
autonomia das autarquias locais e o da descentralização democrática da
administração publica
o Reconhece autonomia político legislativa às regiões autónomas e
autonomia às autarquias locais
Sistema de governo, com 4 órgãos de Soberania:
§ PR: Poderes relativos à CRP e ao funcionamento de outros órgãos
do Estado e das regiões autónomas, poder de promulgar e de

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vetar, declaração estado de sítio ou estado de emergência,


dissolução da AR
• Eleição direta
§ Conselho da Revolução
• Controla os principais atos do PR
• Trata da fiscalização da constitucionalidade, juntamente
com a Comissão Constitucional.
§ AR
• Um parlamento unicameral
• Primado da função legislativa, fiscalização da
administração pública e do Governo
§ Governo
• Formado por ao do PR mediante os resultados eleitorais
• Órgão de condução política geral do país

• COMPROMISSÓRIA:
o Representa um compromisso constitucional, um pacto entre forças
políticas e sociais que, num momento de enorme conturbação, chegaram
a um consenso
o Exemplo desses compromissos:
§ Compromisso entre o princípio da unidade do Estado e o princípio
da autonomia regional e local
§ Compromisso entre o princípio liberal e o princípio socialista

2.4.3. O frenesim constitucional


Revisões constitucionais:
1982 à revisão muito extensa
o Redução das marcas ideológicas de 75
o Aperfeiçoamento dos Direitos Fundamentais
o Economia pluralista

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§ Deixa de ser tão marcada pelo socialismo


o Extinção do Conselho da Revolução e das funções políticas das FA
o Criação de um Tribunal Constitucional
§ Reequilíbrio das relações entre PR, AR, E Governo, atendendo a
extinção do conselho da revolução

1989 à matriz fundamentalmente económica


o Aligeiramento da intervenção do estado a nível económico – dá-se mais
abertura à iniciativa económica
o Supressão da regra a irreversibilidade das nacionalizações

1992
o Revisão para tornar possível a ratificações do Tratado de Maastricht
§ Exige moeda única por exemplo: o Banco de Portugal fica proibido
de emitir moeda
o Artigo 7º + 8º CRP
o Reconhecimento da capacidade eleitoral a cidadãos da EU

1997
o Alteração do regime do referendo
o Reforço da democracia representativa – emigrantes passam a poder votar
para o PR
o Aumento dos poderes da AR e do TC

2001
o Motivada pela criação do Tribunal Penal Internacional
o Permite resolver de forma cirúrgica os problemas suscitados pela
ratificação do Tratado que criou esse Tribunal
o Passa a ser permitida excecionalmente a pena de prisão perpétua

2004
o Revisão ordinária

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o Dar mais autonomia às regiões


§ Mais poder as assembleias regionais
o Atribuição delimitação de mandatos de cargos políticos
o Reforço no princípio da igualdade
§ Acrescentou a orientação sexual como fator de discriminação

2005
o Motivada pelo processo de integração europeia
o Revisão extraordinária

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Capítulo II: Estado de Direito Democrático

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1. Secção I: Dignidade da Pessoa Humana, Estado de


Direito e Democracia

1.1. Conceito de dignidade da Pessoa Humana:


O estado constitucional assenta na dignidade da pessoa humana, que por sua vez
pode ser caracterizada segundo 4 premissas:
1. É globalmente aceite que o respeito pela DPH é um princípio fundamental e
deve ser assegurado, tal como esclarece o preâmbulo e o artigo 1º da DUDH1.
É, então, uma premissa cultural antropológica, que não depende de nenhuma
religião, pois é uma matéria onde convergimos sem grande esforço.

2. Esta dignidade é, não de uma categoria abstrata de ser humano, mas de toda
e qualquer pessoa humana historicamente/concretamente localizada.
Exemplo: lei de bases da saúde: estrangeiro ou apátrida que resida legalmente
no território tem direito ao SNS em condições de reciprocidade. Será que é
legítimo excluir imigrantes ilegais e os legais que os países não consigam
garantir estas condições de reciprocidade. Se calhar é razoável que um
cidadão dos EAU não beneficie em caso de não reciprocidade, logo pode ser
necessário ter em conta caso a caso. Se calhar ainda é legítimo que o Estado
decida onde quer despender o orçamento da saúde. Mas um estrangeiro
ilegal/sem condições de reciprocidade que tem um ataque cardíaco tem ou
não acesso ao SNS. RM: pode ser atendido, pois fugimos de questões de
orçamentos e políticas. Logo em situações não urgentes até pode caber ao
estado essa decisão, mas em situações de urgência a dignidade da pessoa
humana prevalece. (Nota: acesso à proteção de saúde ≠ acesso gratuito à
proteção de saúde)

1
“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de
consciência devem agir uns para os outros em espírito e fraternidade”

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3. Proibição da coisificação do ser humano. Toda e qualquer pessoa humana é


um fim em si mesmo, não pode ser usada, materializada e este valor assume
um carácter absoluto.
Neste contexto surge-nos o caso 4: o TCA admite que se o avião tivesse
apenas terroristas nada impedia a FAA de abater o avião. Argumento do
número de vidas em jogo – visão utilitarista.
Quem defende o abate:
1- Apesar de tudo abdicar de 1 vida para salvar outras 5 pode ser
legítimo = lógica utilitarista
a. é questionada por muitos, uma vez que a dignidade é de toda e
qualquer pessoa, fim em si mesmo, porque toda e qualquer pessoa
tem a mesma dignidade que as demais, logo é um valor absoluto e não
ponderável em quantidade. RM: refuta o argumento utilitarista, que
pode legitimar o abate e a tortura. A dignidade proíbe que se degrade
a pessoa humana para atingir um determinado fim.
2- NOVAIS: não sacrificamos uma vida humana, pois as pessoas estão
condenadas à morte, porque o disparar é tirar segundos às vidas
das pessoas. TCA: é muito difícil saber o que se passa dentro do
avião, logo não é controlável o que se passa lá dentro. (Nota:
princípio da cautela/precaução: polícias só podem abater alguém
se for manifestamente improvável que possa acertar num terceiro
inocente.)

4. O conteúdo e a relevância da dignidade da pessoa humana.


4.1. O que é que verdadeiramente significa este respeito pela dignidade da
pessoa humana?
a. Quando falamos neste princípio há várias opiniões. Este princípio não
é um princípio fundamental pois enforma o ordenamento jurídico, é
um princípio objetivo, absoluto, não ponderável e que está na base de
tudo. Esta dignidade tem que ser compreendida consoante o espaço,
o tempo e a cultura constitucional.
4.2. Onde se procura perceber este princípio?

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a. À luz dos princípios fundamentais. Em larga medida eu sei o que


significa este respeito pela dignidade olhando para o catálogo de
direitos fundamentais. Critica: não podemos trazer para cima da mesa
algo que os direitos fundamentais não consagrem, logo só
limitadamente se pode invocar a dignidade da pessoa humana par
além dos DF.
b. O PDPH está antes dos DF, é absoluto, não ponderável, mas o seu
sentido é estabelecido através do catálogo de DF, logo o PDPH não
pode ser usado contra DF e é essencial para ler o catálogo de DF. (Ex:
Artigo 25º nº2 – não tolera que um preso a morrer fique privado de ir
morrer a casa, pois seria um tratamento desumano de um homem
inofensivo e muito doente.)

O EDD baseia-se todo ele na dignidade da pessoa humana, uma vez que está na base dos
direitos fundamentais da democracia
Proíbem-se 2 coisas:
1) Instrumentalização:
ð Quando o homem é privado de tomar as suas decisões por si (quando vai
casar, quantos filhos vai ter, que livros pode ler) há uma desumanização
do homem. Isto não vale só nas relações com o estado ou com o poder
público, mas também nas relações entre privados. Por exemplo, na
escravatura, não é o estado que escraviza, mas sim outros particulares.
2) Condições de vida degradantes
ð Apesar de todos considerarmos a dignidade da pessoa humana como um
princípio universal, não concordamos todos com o seu significado: é
preciso termos cautela quando invocamos a dignidade da pessoa humana
como parâmetro normativo (pois cada um tem a sua visão)

1.2. Tensão entre ED e Democracia, tendo em vista o PDPH:

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Um caso claro de tensão entre ED e democracia, tendo por base o princípio da


dignidade da pessoa humana é a eutanásia, que remete para o direito à vida,
nomeadamente se podemos dispor, ou não, deste direito.
A partir do direito à vida:
Argumento 1: Os DF são, muitos deles, irrenunciáveis, logo o próprio
titular do direito à vida não pode abdicar dela.
Argumento 2: os DLG como o direito à vida têm uma dupla vertente, que
não passa apenas por não poder tirar a vida, mas sublinha a necessidade
da sua proteção = dever de proteção do Estado.
A partir do princípio da liberdade:
“a nossa ordem jurídica é uma ordem de liberdade (artigo 26º CRP), o
estado não pode impor uma decisão contra a vontade livre e esclarecida
do próprio”

Até que ponto é que a dor e a ausência de cuidados paliativos é ou não passível
de alterar o quadro de discernimento da pessoa. Ou a solidão/depressão podem
contribuir para uma decisão não esclarecida.
à Corre-se o risco de violar o risco de precaução/cautela.

O TC entre estes argumentos não vai tomar decisão, deixando o debate em


aberto. O TC a ponderar estes argumentos vê a sua posição ser mitigada entre a
democracia e o estado de direito.

Estado de direito:
à A limitação do poder decorre da existência de uma constituição. Esta
constituição é assegurada e prevalece sobre os poderes instaurados, através de
mecanismos próprios: os tribunais e o TC. A CRP tem que limitar a lei.

Democracia:
à A legitimação do poder: leis feitas pelos representantes do povo (AR e
governo). Pode tornar-se uma tirania.

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À partida o ED prevalece sobre a Democracia, mas não podemos aceitar esta visão
simplista, porque existe tensão e não supremacia. RM: relação entre iguais, mas há
muitos autores que afirmam que à partida existe uma superioridade do ED.

Aborto:
EUA (1973): pode-se abortar nos 3 primeiros meses.
O tribunal diz que o aborto está esclarecido na constituição, logo retirou esta
questão do plano democrático. Quando se escolhe um novo juiz tem que se ter
em conta os ideais pois isto ficou decidido no plano constitucional, e no modo
como a constituição é lida.

Europa: começaram por dizer que o aborto não era admitido pela constituição,
mas depois houve uma reviravolta pois a RFA foi reunificada e como havia tensão
entre duas fações, cabia ao parlamento fazer uma lei.

Portugal: a lei pode despenalizar, em certos limites = a decisão pertence à maioria

Uniões de facto entre homossexuais:


Tribunal EUA: inconstitucional pois discrimina = resolve-se no plano constitucional

Tribunal PT: analisa as duas vertentes de saber se o casamento é ou não possível


a pessoas do mesmo sexo, não tomou nenhuma posição e atribuiu ao legislador
assumir em que termos se faz estas distinções = vertente democrática.

Os tribunais europeus em questões moralmente controversas que dividem a


opinião pública baseiam as decisões na vertente democrática.

Caso 5: tensão entre poder constituinte e poder legislativo. Por que razão é que a vontade
do povo que fez a constituição prevalece sobre o povo que faz a lei. Até que ponto
podemos limitar gerações futuras? Quando um povo faz uma constituição faz algo que

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possa vigorar durante um período longo, que possa pautar transversalmente cada um e
as gerações futuras.

As questões moralmente controversas fraturam a sociedade, logo os tribunais


afirmam que o consenso de sobreposição não cobre estas questões, pois não há
consenso constitucional. à cabe ao legislador democrático

Estado de direito e estado democrático têm diferentes funções:


Estado de Direitoà visa limitar o poder submetendo-o ao direito: um direito
materialmente justo, com respeito aos direitos fundamentais.
o Submete-se ao Direito que é materialmente justo.
o Um Estado de Direito não é sempre uma Democracia, como por exemplo
as Monarquias Constitucionais que governaram o nosso país no século
XIX.
§ Eixista a igualdade formal apenas
o Dimensões Estado de Direito
§ Princípios
§ Separação de poderes
§ Força normativa da constituição
§ Fiscalização da constitucionalidade

Estado Democráticoà legitimar o poder através da participação direta do povo


na tomada de decisões e feitura das leis
o A maioria pode tornar-se totalitária, a Democracia não garante por si só
que haja Estado de Direito
o Dimensões da Democracia:
o Povo soberano que faz a constituição- poder constituinte
o Poder de revisão constitucional
o Lei
Estado de direito democrático: Estão em causa duas realidades fundamentais do estado
que no plano histórico não estiveram sempre ligadas e que dogmaticamente têm funções
diferentes.

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2. Secção II: Aspetos Nucleares do Princípio Democrático

2.1. Soberania Popular e Poder Constituinte


O Poder constituinte radica do povo, e o estado democrático é legitimado por
esse poder.
Podemos analisar este conceito de soberania segundo quatro dimensões:

2.1.1. Poder constituinte sendo um poder originário e detentor da soberania


O estado constitucional é soberano, mas este conceito é diferente do de JB, este
poder soberano é o poder constituinte, não pode ser tirano ou arbitrário, mas distingue-
se dos outros por ser originário, decidir o “destino” de um país e estar limitado pelos
direitos inalienáveis do ser humano.

O Art1º CRP1 menciona que Portugal é uma República Soberana, mas o que
significa sermos um estado soberano? O que é, então, a soberania?
Para Jean Bodin, a soberania é um poder absoluto e perpétuo, uno e indivisível,
próprio e não delegado, independente, supremo, irrevogável. Este conceito de soberania
abre azo ao Antigo Regime, caracterizado pelo absolutismo.
-Há uma diferença entre a soberania do rei e a soberania popular em que
assenta a CRP?
-Como se articula a separação de poderes (artigo 111º) com a afirmação
de uma soberania una e indivisível (artigo 3º)?

O conceito de soberania sofre, com o constitucionalismo, duas limitações fundamentais,


apesar de ser um conceito essencial:
1ª mutação:
à Rousseau: o titular da soberania não é o monarca, mas é o povo.

1
“Portugal é uma república soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e
empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.”

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à Montesquieu: o estado constitucional deve basear-se na separação de


poderes ≠ primado e concentração de poderes no povo
- A conjugação entre estas duas ideias é feita através da distinção entre o
poder constituinte e os poderes constituídos.
- O poder soberano não reside nos poderes constituídos, pois estes
poderes não são originários, são delegados. Apesar da CRP dizerem que a
AR, o PR, os tribunais e o Governo são órgãos de soberania, os poderes
que desempenham não são soberanos.
- Só há soberania no momento constituinte.

2ª mutação:
à Jean Bodin: a soberania é um poder absoluto e perpétuo. Então este
poder soberano do povo é ou não absoluto e perpétuo?
- Derivada da revolução norte-americana, surge uma visão oposta à forma
como se vê esta soberania.
- O poder soberano do povo tinha que respeitar alguns limites, como os
direitos naturais inalienáveis do ser humano. O poder constituinte não é,
então, absoluto e perpétuo.

à O significa um poder constituinte que já não é absoluto e perpétuo?


àO que distingue então este poder constituinte dos outros poderes?

Se o poder constituinte não pode ser arbitrário, qual é a função dele? O poder
constituinte é um poder originário, logo em cada momento o povo pode redesenhar o
seu destino, respeitando limites dos ius cogens e do positivismo estadual.

Exemplo: As regiões autónomas têm um poder absolutamente derivado, que


apenas resulta do que o poder constituinte originário que as define.
Exemplo: Como funciona a soberania nos USA – dupla limitação (secção 3 do
artigo IV da CEUA), os estados federados estão limitados pela federação, mas a
federação não tem poderes absolutos.

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2.1.2. Poder constituinte cujo titular é o povo


A soberania reside no povo como um todo – artigo 3º CRP.

Como se responde a perguntas como:


-Quem é o soberano?
- Quem é o titular do poder constituinte?

Durante muito tempo o soberano foi o monarca. Hoje a ideia é de que a soberania
reside no povo/nação. Origem desta ideia:
à Construção do contrato social – antes do poder do rei está o poder do
povo.
àJoão das regras disse que havia vários pretendentes ao trono, mas a
nenhum deles pertence esse lugar. Essa decisão deve caber ao povo,
através das cortes.
à Admitindo-se a destituição do rei, quando este for tirano ou déspota
também é uma forma de explicar que a soberania resida no povo.

SOBERANIA NACIONAL (Nação) ≠ SOBERANIA POPULAR (Povo)


Embora esta distinção não seja importante para muitos, alguns acham importante
fazê-la. A ideia de que a soberania reside na Nação e não no povo restringe-a apenas aos
que possuem nacionalidade de um determinado Estado, ao povo em sentido restrito.

2.1.3. Como e quando se manifesta este poder?


Existem 3 momentos em que se manifesta este poder:
- Mudança de regime político
A mudança de regime político pode surgir de duas vias, ambas significam uma nova
constituição e a afirmação do poder constituinte originário:
o Revolução
a) A mudança vem de fora - quem não tem poder conquista-o e altera-o
b) Não é antijurídica, é apenas inconstitucional por oposição à constituição anterior

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c) A força não é senão o ponto de apoio da alavanca revolucionária


d) Procura privar o Direito da sua força, mas para atingir este fim, ela coroa de direito
a força revolucionária
e) É indiferente o autor ou o objectivo da revolução
i) Em qualquer caso, a rev. põe em causa a integridade da ordem constitucional,
rompe-a para a ter de reconstruir de imediato e para, tendo de a reconstruir,
ter de fundar de novo todo o sistema estatal
ii) Representa sempre uma rutura
f) Regra geral, ocorre num momento determinado
i) Pode acontecer que seja precedido dum processo ou ciclo revolucionário , e
só no termo desse período estará fixada a unidade da ordem jurídica, definido
o sentido da constituição material e encerrada a revolução
ii) Inversamente, pode acontecer que antes de se verificar a tal rutura se dê uma
luta revolucionária
g) Há uma necessária sucessão de constituições materiais e formais
i) A rutura com o regime precedente determina logo o nascimento duma nova
constituição material e a consequente formalização

o Transição Constitucional (reforma política)


a) A mudança vem de dentro - quem tem poder decide e altera o
b) Ocorre sempre um dualismo, sendo que, enquanto se prepara a nova constituição
formal, subsiste a anterior a termo resolutivo

- Entrada numa federação


1. Quando um estado altera a sua estrutura fundamental, quando entra ou sai de
uma federação
§ O conteúdo da nova ideia de Direito não é separável do próprio poder
político em si
§ Exemplo: Eu era um Estado independente e aceito estar numa federação
ou vice-versa

- Independência e formação de um novo Estado

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1. Quando um estado se torna independente ou forma um novo Estado


§ A formação do Estado é quando alguém diz: “eu reivindico o poder
originário, e não fico dependente de ninguém”.
§ Segundo Jorge Miranda: “Não há Estado sem Constituição”

Exemplos: Em 1776 nos EUA são 13 colónias que se declaram independentes de


Inglaterra, que se juntaram para combater a Inglaterra e em 1787 constituíram uma
federação. Os estados do Sul revindicaram o poder constituinte para manterem a
soberania, mas perderam a guerra civil. Na carta constitucional de 1826 Pedro IV decidiu
autolimitar os seus poderes absolutos aos súbditos.

Caso 6 – saber se a revolução do 25 de abril viola a constituição? Depende da perspetiva:


à Pela ordem constitucional existente, tudo isto é inconstitucional
à Visto do lado de uma nova ordem constitucional não é inconstitucional,
uma vez que se pretende redefinir o destino de forma originária
Desempata-se segundo o critério do sucesso da revolução, ou se meramente o
titular do poder constituído aceitar mudar o regime.
A transição constitucional é, também, uma forma de manifestação do poder
constituinte

Podemos distinguir um poder constituinte material e um poder constituinte formal


• Há quase sempre dois tempos no processo constituinte - estes sucedem-se e
completam-se
§ Primeiramente, temos apenas o material - triunfo duma ideia de Direito
nova
§ De seguida, temos o formal - formalização dessa ideia

• O poder constituinte formal complementa e especifica a ideia de Direito e é


através dele que se declara e firma a legitimidade em que agora assenta a ordem
constitucional

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§ Confere estabilidade e garantia de permanência e de supremacia


hierárquica ao princípio normativo inerente à Constituição material

o Confere estabilidade - pois a certeza do Direito exige o estatuto da


regra

o Confere garantia - pois só a constituição material coloca o poder


constituinte material ao abrigo das vicissitudes da legislação e da
prática quotidiana do Estado e das forças políticas

2.1.4. Quais os limites ao poder constituinte?


Se este poder se manifesta na constituição, podemos falar dos limites existentes
à constituição à existem, então, limites a este poder
As normas da constituição originárias nunca podem ser inconstitucionais, por
violação de uma outra norma constitucional, pois ambas emanam do mesmo
poder/autoridade e têm a mesma posição hierárquica.

Se este poder se manifesta na constituição, podemos falar dos limites à constituição,


sendo que Jorge Miranda apresenta 3 tipos:
1. Limites transcendentes - dirigem-se ao poder constituinte material e por virtude
deste, ao formal também
ð Impõe-se à vontade do Estado
ð Provêm de imperativos de direito natural, de valores éticos superiores, de
uma consciência jurídica colectiva
ð Contudo, estes têm um alcance limitado: A questão é então, se admitimos
limites transcendentes (que decorrem de qualquer DN) ao poder
constituinte? A resposta depende face à nossa posição sobre o DN
O problema de direito natural não se coloca em questão quando se trata,
por exemplo dum regulamento da católica absurdo
ð Bastava recorrer à hierarquia das fontes, e perceber que estaria a violar
a CRP (lei positiva): Os problemas rigorosamente mais sensíveis, não são

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quando uma lei diz um absurdo, mas sim quando a própria CRP diz ou
permite isso, não sendo possível invocar outra norma da Constituição. O
problema da relação entre jusnaturalismo e Positivismo só se coloca
quando o conflito é entre a lei positiva superior (CRP) e o direito natural
2. Limites imanentes - dirigem-se especificamente ao poder formal
ð Decorrem da noção e do sentido do poder constituinte formal enquanto
poder situado
ð São os limites ligados à configuração do Estado à luz do poder constituinte
material
ð Compreendem limites que se reportam à soberania do Estado, bem como
limites atinentes à legitimidade política em concreto
3. Limites heterónomos - dirigem-se a ambos os poderes
ð Ius Cogens
ð Provenientes da conjugação com outros ordenamentos jurídicos
ð Referem-se a princípios de Direito Internacional donde resultam
obrigações
ð Ninguém contesta estes limites: se houver uma norma da CRP que viole
os princípios imperativos do Direito Internacional, está é ilegítima

Caso 7a: posso ou não afirmar que há um limite que decorre de normas constitucionais
hierarquicamente superiores?
Não há limites à constituição que decorrem da mesma constituição, ou seja, não
há normas constitucionais que são inconstitucionais, pois provêm do mesmo poder
soberano, têm a mesma posição hierárquica = O povo quis as duas coisas.

Em contrapartida ninguém questiona que se uma norma constitucional originária


for contrária a normas ius cogens é ilegítima
Caso 7b: a constituição de 1976 manteve em vigor, através do artigo 292º, uma lei que
violava o princípio da irretroatividade da lei penal. A DUDH não permite as leis penais
retroativas, e o artigo 29º CRP confirma isso. A declaração do 292º é então ilegítima pois
viola os artigos 11º DUDH e 29ºCRP, que é apenas uma mera “declaração”.

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Mas será que a conduta não era considerada crime internacionalmente, indo de
encontro ao nº2 29ºCRP, e 18º DUDH? Ou se meramente o artigo 292º é uma norma
excecional do princípio da irretroatividade da lei penal? É duvidoso que seja, pois apesar
da gravidade das condutas, em nada se assemelham às atrocidades dos meados do século
XX.

Algo diferente trata-se de saber se uma norma constitucional não originária, ou


seja, que resulte de uma revisão constitucional, pode ser declarada inconstitucional. Aqui
torna-se claro, até assumindo a existência de limites materiais de revisão, que as normas
resultantes de leis de revisão constitucional podem ser declaradas inconstitucionais
tendo por base preceitos constitucionais originários.
O poder constituinte também pode ter limites transpositivos: DT natural,
consciência de um povo...

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2.2. Poder de Revisão constitucional


Este poder pode ser estudado segundo 7 dimensões:

2.2.1. A constituição como projeto inacabado


A constituição é um projeto sempre inacabado, que é lido e relido de forma
dinâmica por muitas vias, não necessariamente através da revisão constitucional. A
constituição evolui, mesmo que não haja revisões constitucionais.
O artigo 9ºCC remete para a ideia de que quando interpretamos a lei fazemo-lo
de forma atualista, logo por maioria de razão também devemos interpretar a constituição
da mesma forma.
Exemplo: O fim da segregação racial nos EUA, em 1954, muda o paradigma
constitucional dos EUA.
Um formalista só olha para a revisão constitucional, uma vez que diz que a CRP é
a mesma pois não houve revisão. Mas a CRP postula um entendimento dinâmico, um
documento vivo, inacabado, pois o seu sentido vai ganhando vida própria.

2.2.2. Revisão constitucional como forma por excelência de adaptar a CRP


A revisão constitucional é a forma por excelência de adaptar o texto constitucional
aos sinais dos tempos. Esta revisão é um poder constituído, ou seja, um poder derivado.
Regulada nos artigos 284ºCRP e seguintes.
É um poder constituído sui generis, por ser o primeiro dos poderes constituídos.
Tem uma legitimidade democrática reforçada (artigo 286º/1 CRP).
Tem que respeitar os pilares originários da constituição. O que levanta a questão
de saber: por que razão o povo que fez a constituição vale mais do que o povo que
legitima uma alteração constitucional, ainda que possa pôr em causa um pilar
constitucional originário fundamental?

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2.2.3. Constituição hiper-rígida


Quando falamos de poder de revisão distinguimos:
à constituição rígida (prevê um procedimento específico e agravado de
revisão ≠ procedimento de feitura das leis em geral)
§ O poder de revisão exige a observância de uma forma particular
distinta da forma seguida para a elaboração das leis ordinárias
§ Serve para manter atualizada um processo consensual da
sociedade
§ Constituição como forma de limite às vontades da maioria
§ Exemplo: Estados unidos
à constituição flexível (o processo de revisão constitucional coincide com
o processo de feituras da lei).
§ Não existe constituição em forma escrita/formal, apenas em
forma material
§ Para haver uma mudança de regime basta haver uma mudança
numa lei
§ Exemplo: Inglaterra

A constituição no caso português é híper rígida (opinião da doutrina). Temos uma


constituição muito difícil de rever em termos teóricos, tendo normas específicas sobre a
revisão constitucional, que definem os respetivos processos ou procedimentos em
termos diversos do formalismo das leis ordinárias.

A rigidez normalmente decorre de uma maioria agravada, como nos EUA, (artigo
V CEUA). Em Portugal isto está patente no artigo 286ºn1CRP.

Mas há outros traços relevantes de rigidez para além da maioria, como o limite
mínimo temporal de 5 anos para revisões ordinárias, que comporta uma exceção,
postulada nº2 do artigo 286ºCRP, mediante uma maioria agravadíssima.
àOs 4/5 são o momento alfa para se iniciar o processo

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O processo de revisão extraordinária não está previsto para casos de urgência,


pois na tipologia constitucional, ser extraordinária apenas diz respeito a uma cronologia
temporal.
Ainda de salientar uma terceira característica da híper rigidez: os limites materiais
da revisão (artigo 288ºCRP).

2.2.4. Acentuação do papel fundamental do parlamento


O processo de revisão constitucional acentua o papel fundamental do
parlamento, pois o PR não poder vetar (política ou constitucionalmente). Mas há uma
exceção, que se prende com a existência de requisitos de qualificação.

Algumas características:
1. A iniciativa de revisão provém única e exclusivamente dos deputados,
artigo 285º/1CRP, que é uma exceção ao 167º/1.
2. Só ao parlamento compete a revisão 161º CRP
3. O PR não pode vetar uma lei de revisão constitucional, como resulta do
artigo 286º/3CRP ≠ 136ºCRP:
a. razões políticas (veto e promulgação)
b. 278º/1 razões constitucionais (apreciação preventiva de
constitucionalidade) à isto não excluiu que a lei da revisão seja
fiscalizada à posteriori, sucessivamente (permite que não seja
julgada a quente no processo político)

Mas não é chocante que uma lei de revisão inconstitucional não possa ter
fiscalização preventiva? Não, pois há possibilidade de ser fiscalizada mal entre em vigor.
Exemplo no 281ºCRP em que pode o PR pode enviar para o TC com necessidade de
urgência.
Contudo, há muito que se entende que isto não pode ser tomado à letra. É um
absurdo que uma lei de revisão seja inconstitucional e não provenha do parlamento, mas
tenha que ser publicada. A inconstitucionalidade nestes casos é tão grave que “nada
existe”.

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Desvalores jurídicos:
1. Inexistência – tão grave que “nada existe” (1628ºc) CC)
2. Invalidade – o que, em regra, se verifica quando há uma lei
inconstitucional (1602º e 1631ºCC)
a. Existe uma lei de revisão juridicamente existente que é
inconstitucional, e este ato jurídico pode ser destruído.
b. Não é uma inconstitucionalidade tão gravosa ao ponto de
já nada se considerar uma lei de revisão, sendo que o PR
tem que promulgar, e apenas pode pedir fiscalização
sucessiva
3. Irregularidade – menos grave, e que não afeta a lei (1649ºCC)

Saber que há uma inconstitucionalidade é diferente de saber qual a consequência.


Uma lei de revisão que viola a constituição gera, em regra, invalidade (nulidade).
Como esta é a regra, o 286º/3CRP trata estes casos e diz que a invalidade não justifica
que o PR não promulgue.
à Promulga e depois requer fiscalização sucessiva, 281ºCRP.

Este é o regime regra, mas nos casos excecionais de inexistência?


A doutrina desenvolveu quais os requisitos que a lei tem que verificar, que são
tão relevantes que permitem qualificar aquela lei como lei de revisão constitucional.
Chamamos requisitos constitucionais de qualificação: conjunto de requisitos que se não
se verificarem impedem que qualificar aquela lei como lei de revisão.
• Órgão competente 161ºa) CRP – Assembleia da República
• Aprovação por maioria qualificada de 2/3 dos deputados em efetividade
• Tempo de revisão
• Normalidade constitucional (fora de estado de sítio ou emergência)
• Intenção de revisão, ou seja, tem que ser apresentada a debate como tal

O PR é sempre obrigado a promulgar, mas nestes casos nem há lei logo não se aplica.

O que fica de fora:

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O projeto ser feito por alguém que não um deputado (governo, cidadãos),
pois só tem que ser aprovado por 2/3.
O projeto ser apresentado passado 33 dias.
à não geram inexistência, geram a invalidade (doutrina).
à RM: mera irregularidade, logo não deve haver gravosa consequência.

Prisão perpétua e pena de morte: vem logo um limite material de revisão. Será que
haverá ainda um sexto requisito de qualificação: os limites materiais?
à A generalidade da doutrina considera que não gera inexistência, logo não é
requisito.
ð Esta discussão é relevante porque decide se se aplica o art. 286o/3 CRP
ou não, sendo que há três teses principais:
1) LM são imprescindíveis e insuperáveis
§ Extraem-se do conceito de poder de revisão e do princípio
de identidade da Constituição material
o É um poder constituído, não lhe compete dispor
contra as opções fundamentais do poder
constituinte originário
o Só deve reformar a constituição na medida em que
fique assegurada a identidade e continuidade da
mesma considerada como um todo
2) LM não são legítimos nem têm eficácia jurídica
§ Aduzem a inexistência de diferença de raiz entre poder
constituinte e poder de revisão
o Ambos expressão da soberania do Estado e ambos
exercidos por representantes eleitos
o Não é concebível uma auto-limitação da vontade
nacional (povo tem sempre direito de alterar a
CRP, nenhuma geração pode sujeitar as gerações
futuras às suas leis)
3) LM são admitidos, mas são apenas relativos
§ Afirma-se a validade dos LM’s explícitos

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§ Simultaneamente, entende-se que as normas que os


prevêem (como normas de Direito Positivo que são),
possam ser modificadas
§ As cláusulas de limites materiais são possíveis e efectivas,
contudo, elas próprias podem ser objecto de revisão

2.2.5. Tribunal Constitucional e os Requisitos de Qualificação


- Quando falta um requisito de qualificação o PR recusa a promulgação e ponto final?
- Pode envolver o TC?
- Ele deve mandar para o TC para avaliar se estamos ou não perante uma verdadeira lei
de revisão constitucional, ou se só há uma aparência jurídica?

A visão tradicional:
1. O PR recusa sem mais pois o 278ºCRP não inclui a apreciação da
inconstitucionalidade de leis de revisão constitucional.
a. Crítica:
i. Mas esta não é uma lei de revisão, logo não prevê nem devia prever
ii. há uma lacuna, por maioria de razão as leis de revisão nestes casos
também podem
2. Estes vícios são, para além de graves, evidentes, logo não se justifica requerer ao TC
a. Caso 8: Lei de revisão de 1992 que quer aprovar um tratado, mas não quer
interferir com o tempo a decorrer que antes era independente do tipo da
revisão (1989-1994). JM: Então a lei de 92 que estabelece que o tempo entre
revisões apenas vale nas revisões ordinárias só pode valer para o futuro. Mas
houve um processo em 1994, volvidos apenas 2 anos da última lei de revisão.
RM: crê que a intenção da lei era não interferir com o tempo entre revisões,
logo não existia nenhuma violação de um requisito de qualificação.
à os requisitos de qualificação podem não ser assim tão evidentes

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2.2.6. Limites Materiais de Revisão


Antes demais, importa salientar que os limites a que o próprio poder constituinte
está submetido são, por maioria de razão, limites materiais de revisão constitucional,
como é o caso da proibição da escravatura.
Os limites materiais de revisão, previstos no artigo 288º CRP, geram na doutrina,
no que diz respeito à sua eficácia e possível alteração, uma divergência:
1. Tese da irrelevância dos limites materiais: estarem lá ou não estarem é a
mesma coisa – ninguém aceita esta tese. Mas se há um artigo, ele tem que
ter algum conteúdo útil. Logo de uma só vez não se poderia acabar com a
república e instaurar uma monarquia.
2. Então a grande divergência é entre duas leituras distintas:
a. Limites são irrevisíveis: têm sempre que ser respeitados. posição
do professor Canotilho – tese que prevalece na Alemanha
i. Caso 9: O que está em causa, na minha opinião, não é um
qualquer terceiro retirar uma tabuleta que não lhe
pertence, mas a mesma nação, cujo poder constituinte é
atribuído, retirar ou alterar uma tabuleta que é sua.
i. Permite-se a Dupla Revisão
1. Tese que prevalece em Portugal, pois quem faz a revisão
não é um terceiro, mas é o mesmo povo, e ainda por cima
com uma maioria muito relevante desse povo.

Mas valem todos os limites o mesmo? Admite-se uma dupla revisão a tudo?

Quando falamos destes limites está muita coisa em jogo, nos casos em que haja
limites que o próprio poder constituinte esteja submetido, estes não podem ser revistos.

A aceitação da tese da dupla revisão prende-se por dois argumentos, sabendo


que se admite sempre a existência de limites ao poder constituinte.:
à mesmo povo
à um catálogo muito grande de limites

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Importa, então distinguir limites de 1º e 2º grau, o que é passível de acontecer


segundo o critério do DNA. Ou seja, os preceitos no artigo 288ºCRP que são identitários
da nossa nação, como a forma republicana de governo, e cuja alteração já é mais que
uma mera lei de revisão constitucional, são os LMR de 1º grau. Por outro lado, preceitos
como os programas económicos, por não serem identitários de Portugal, correspondem
aos LMR de 2º grau.
Numa dupla revisão se um limite de 1º grau desaparecer expressamente,
continua implícito, e mesmo que não estejam escritos podem ser implícitos.
Limites de 1º grau a ser alterados (por dupla revisão) fazemos uma transição
constitucional e não uma revisão, como no caso da monarquia.
Limites de revisão ≠ transição constitucional (ainda que o nome seja revisão)
Em suma:
1. Quando está em causa um limite próprio ou de 1º grau, que expressa o código
genético de Portugal:
a. Se numa só revisão se contrariar este limite a revisão é ilegítima
b. Se houver uma dupla revisão (admitindo que não é um limite ao poder
constituinte) pode existir esta transição constitucional (monarquia na
constituição antiga é ilegítima, na constituição nova que se forma não o
é – caso 6)

Um caso específico de um limite material imposto na alínea d) do artigo 288ºCRP: “os


direitos, liberdades e garantias”. Atentemos no caso 10.
alínea a) Será que estas alterações violaram concretamente os direitos,
liberdades e garantias, que são um limite material de revisão? Surgem duas
correntes:
(1) Todos os limites têm que ser respeitados, independentemente do que
esteja em causa. Teoria que imita a liberdade do legislador democrático,
privilegiando o Estado de Direito.
(2) As revisões têm que respeitar o sistema, isto é, um Estado de Direito
fundado no respeito pelos Direitos, Liberdades e garantias. Ou seja, pode
ser suprimido um concreto direito, desde que se possa continuar a verificar

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o sistema vigente. Esta teoria privilegia a liberdade do legislador


democrático.
(a) Para o concreto caso, estas alterações são bastante limitadas e em
nada afetaram o sistema, logo são revisões legítimas.

alínea b) É diferente eu aceitar partilhar poder podendo sair, ou pelo


contrário não possa de todo sair. Mas o próprio legislador de revisão coloca
limites ao primado do DUE:
(1) Na base do DUE estão os tratados, ratificados pelos estados-membros,
logo está a própria vontade de Portugal.
(2) A CRP impõe dois limites:
(a) tratados ratificados
(b) respeito pelo EDD.
Logo, a independência nacional não foi posta em causa
(3) Mas se a UE tivesse exatamente os mesmos limites seria necessário
estarem plasmados na CRP?
(a) Sim, pois o que está em causa é retirar ao TJUE a decisão sobre
princípios que podem ser diferentes dos vigentes em Portugal,
deixando assim a decisão ao TC. A democracia que o artigo 8ºCRP
manda respeitar é a portuguesa, e não a da UE, ou seja a dimensão
democrática não pode ser transferida sem mais para Bruxelas.

2.2.7. Poder Constituinte ≠ Poder de Revisão


Clara é a tensão entre estes dois preceitos, mas logra dizer-se que são realidades
radicalmente distintas. Contudo, quando o poder de revisão extravasa o seu campo de
ação, definido originariamente pelo poder constituinte, podemos vir a ter uma confusão
entre ambos. No entanto, é de salientar que as esferas de atuação, apesar de flexíveis,
têm as suas fronteiras claras, no que toca ao poder de revisão vir assumir, ainda que
muito peculiarmente, um poder constituinte.

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2.3. Relevância autónoma do princípio democrático no Estado


Constitucional

“A soberania popular, enquanto expressão do poder constituinte do povo, não é


necessariamente incompatível com formas de governo não democráticas.”1 Contudo, no
estado constitucional português, este poder assenta na dimensão democrática.
O princípio democrático postula uma organização do poder político, de maneira que, na
sua instituição e exercício, este poder decorre da vontade do povo, e a ela pode ser
reconduzido.
à o povo é soberano e governa
à governo do povo, pelo povo e para o povo (Lincoln)
O que é que fundamenta a democracia?
Ao longo da história a democracia foi muito mal vista, pois era uma forma de deturpação
do poder.
Por que razão a democracia assente no primado da lei é tão importante?
1. Liberdade: tem a dimensão individual, mas a liberdade em comunidade não
pode significar que faço tudo o que quero. Numa comunidade o que interessa
é a liberdade de participação na res publica. Só aceito ser regido por leis nas
quais eu participo. Há um espaço de liberdade individual e um espaço de
sujeição pelas leis em que eu livremente posso participar na sua feitura,
através de representantes.
2. Igualdade: toda e qualquer pessoa tem o mesmo direito de participação.
Igualdade aritmética e não ponderável. ≠eleições num clube de futebol. Todos
nós temos o mesmo direito de voto, sem ponderações. Cada cabeça um voto.
a. Contudo nem toda a população é equiparável em conhecimento e
discernimento para exercer da melhor forma o direito voto.
3. Fraternidade: reconhecemos como iguais entre aqueles que nos pertencem,
o que pode levantar questões como: por que é que estrangeiros não podem
votar?

1
Cit. A constituição portuguesa num contexto global, Rui Medeiros, pg. 171

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i. Com a ideia de fraternidade. Em Portugal eu aceito a vontade


de uma maioria na qual não me revejo num determinado tema,
mas por ser uma mesma nação, no fundo há sempre uma base
unitiva de valores e padrões culturais.
ii. Há uma noção de “nós” e de “outros” que subjaz à democracia.
iii. Lógica de que “eu só aceito a decisão da maioria” pois
reconheço-me nos outros. Caso contrário sinto uma “tirania”
dos outros.
b. Crítica:
i. Num mundo global há cada vez mais pressão para que os
Estados não possam decidir quem é seu cidadão.
ii. A ideia de que um Estado é totalmente e absolutamente
soberano no seu território começa a colocar-se em causa.
iii. Cada vez é mais difícil construir um “nós” homogéneo. Uma
vez que as nações são cada vez mais heterogéneas a nível
étnico, religioso ou político.

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2.4. A centralidade da lei e da função legislativa no Estado


democrático

2.4.1. Justificação histórica e atual do papel da lei no ordenamento


constitucional

Função legislativa:
A lei tem um papel fundamental na atualização da vontade democrática do povo. Numa
democracia não basta que num tempo longínquo uma decisão tenha sido
democraticamente tomada, pois a democracia significa que cada um de nós hoje quer
governar-se segundo as leis mais adequadas. A lei tem um papel fundamental em relação
à função administrativa e jurisdicional.
Divisão na doutrina, no quadro da CRP atual:
- Aqueles que persistem numa visão substancialista de leis
- Aqueles que sustentam ser a lei um ato normativo aberto, embora por vezes,
não deixem de admitir conexão com alguns elementos materiais (recusa, um
critério constitucional à material caracterizador da função legislativa)

O poder legislativo tem um destaque: artigo 112/1º CRP


- Leis da Assembleia da República
- Decretos-lei do Governo
- Decretos legislativos regionais
Existem dois tipos de legitimidade democrática: direta e indireta.
A centralidade da lei vale tanto para as Leis como para os DL (112º/2CRP).
à Leis com legitimidade democrática direita
àEmbora a legitimidade democrática seja indireta no caso dos DL do Governo,
nós sabemos que as eleições são um plebiscito ao primeiro ministro.

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2.4.2. Enquadramento constitucional da função legislativa

Qual a relevância da democracia relacionada com a relevância da lei?


Fora dos períodos extraordinários, como por exemplo, o momento da feitura da
constituição ou de revisão constitucional, o povo manifesta-se principalmente através de
eleições. A democracia, então, vai servir para retratar um conjunto de opções que vão
ser plasmadas num ato legislativo.
ð A lei ordinária (subordinada à CRP), é a expressão por excelência da
vontade atualizada dum povo do modo como se quer autogovernar

Porque é que a lei formal tem um papel mais importante que os regulamentos?
1. O processo de elaboração de leis formais garante uma solenidade e um
envolvimento democrático particularmente relevantes: primeiro têm de ser
debatidas/aprovadas:
a. DL: conselho de ministros (artigo 200º CRP)
b. Leis: assembleia da república (artigo 161º CRP)
c. DLR: assembleias legislativas regionais (artigo 227º e 228º CRP)
2. Leis e decretos de lei carecem de ser promulgados pelo PR ou representantes
da república (artigo 136º CRP)
3. Os decretos-lei, posteriormente à promulgação, só terminam a sua vigência por
requerimento de 10 deputados (artigo 169º/1 CRP)

Qual a diferença entre DL e regulamento do governo?


à O procedimento de elaboração de um DL garante maior legitimidade (tem que
ser aprovado em conselho de ministros artigo200º/d)
à Promulgado por parte do PR, que também tem uma legitimidade democrática
fortíssima.

Três corolários fundamentais desta centralidade da lei


1. Princípio do primado da lei: a lei prevalece sobre todo e qualquer regulamento. Três
dimensões:

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- Expressão primeira da vontade estadual: Lei como ato da vontade


juridicamente mais forte
- Vinculação do executivo: Órgãos e agentes administrativos subordinados
à CRP e à LEI - 266º/2 CRP
- Primazia na hierarquia das fontes
• 112º/7 à pressupõe que a lei está acima dos regulamentos,
ao dizer que regulamento deve indicar expressamente a lei
que visa regular
• Por força do estatuto constitucional da lei a CRP reserva um
espaço especial: as normas legais prevalecem sobre
regulamentos.
Duas dimensões:
- Positiva à exigência da aplicação da lei pela administração e tribunais – 203º +
266/2º CRP
- Negativa à Proibição da administração e tribunais atuarem e decidirem contra
a lei

2. Princípio da precedência de lei/reserva de lei: Conjunto de matérias que deve ser


regulada por lei e não por regulamentos:
A matéria é tão importante que só deve ser regulada por lei – existe reserva de
lei quando a CRP determina que dada matéria seja regulada por lei e só por lei, e não por
outra qualquer fonte normativa.
Exemplo, caso 12b i): postura é um regulamento. Presidente da Câmara diz que
têm certos sítios para fixar, e fora disso têm que pedir autorização à câmara. Esta
postura de Vila do Conde regula uma manifestação da liberdade de expressão,
artigo 27ºCRP, logo versa sobre direitos, liberdades e garantias. Nos termos da
alínea b) do artigo 165ºCRP é de competência relativa da Assembleia da República
legislar sobre esta matéria. Num caso destes temos um ato normativo que versa
sobre uma matéria sobre a competência da Assembleia da República, logo não é
possível a Câmara Municipal de Vila do Conde aprovar esta postura. Não é um
caso de preferência, pois não há lei que regula, mas sim um regulamento.

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Quando podemos afirmar que a matéria é de reserva de lei?


ð Reserva absolutíssima: art.161º, alínea b), c), d), e), f) e g).
ð Reserva absoluta: art.164º + leis orgânicas +bases gerais
ð Reserva relativa: art.165º; art.198º, nº1 alínea b); competência legislativa
regional
ð Competência concorrencial: art.112º, nº2; art.161º, alínea c); art.198º,
nº1, alínea a; desenvolvimento das bases gerais; competência legislativa
regional; lei de bases concorrenciais
ð Reserva do governo: art.198º, nº2; organização e funcionamento próprio;

Exemplo: DL sem autorização legislativa despenaliza infrações nos domínios monetário,


financeiro e cambial
à Regra—governo pode fazer decretos lei sobre qualquer matéria, a
menos que esteja reservada à AR
à A reserva está formulada pela positiva—compete à AR criar os crimes
e os impostos
Despenalizar é também da reserva: penalizar e despenalizar são matérias nas quais se
justifica um debate parlamentar, para que a decisão seja tomada pelo órgão legislativo
competente. Pelo artigo 165º/1, c) CRP e pela razão referida acima não pode
A Reserva de lei obriga a que naquelas matérias a regulação primaria seja tratada
por legislação FORMAL. Isto é, no caso de uma lei das propinas tratar apenas a fixação
dos valores um regulamento poderá depois regular modo de pagamento e de execução

2 DIMENSÕES
Positiva à Se há reserva de lei, é a lei que deve estabelecer o regime jurídico dessa
matéria, não podendo declinar a sua competência a favor de outras fontes
Negativa à Proibição da regulação da matéria por algo que não lei

E nos casos de não haver reserva de lei, pode essa matéria ser alvo de restrições quanto
aos órgãos que podem legislar, por ser especial em algum ponto?

Direito Constitucional – A/B João G da Costa Cabral Tomás FD UCP 55


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Exemplo, caso 12b iii): Pode ou não haver matérias fora deste domínio que
permitem reserva de lei? Estamos ou não perante um domínio de reserva de lei?
Se estivermos um regulamento não pode, se não estivermos o regulamento pode.
Pode haver reserva de lei mesmo em matérias não reservadas? Pela relevância da
matéria, pode discutir-se se isto não podia ser tratado por um ato legislativo. Na
Alemanha diz se que estas questões essenciais à vida em comunidade devem ser
tratadas por leis.

3. Princípio da tipicidade das formas de lei: os atos legislativos estão confinados apenas
a 3 tipos, pelo princípio da centralidade da lei.
o Na vida em geral há liberdade para fazermos o que quisermos: se não
estiver proibido é permitido. No entantoà no direito constitucional o que
não é permitido é porque é proibido
ð A administração pública só pode fazer aquilo que a CRP permitir
o Formas de atos legislativos:
ð 112º/ 1à só há 3 formas de lei ordinárias (Princípio da tipicidade)
o Colmatado no artigo 112º/5 1ª parte
Por isto não se pode criar novas categorias de leis, nem permitir que um ato que
não é lei tenha poderes de atos legislativos.
Em matéria de lei, a nossa tarefa é fácil, pois tudo tem que estar definido na
constituição – Princípio da competência:
i. A competência dos órgãos de soberania está definida na CRP, artigo
110ºCRP.
ii. Artigo 111º/2CRP: mesmo em relação a outros órgãos que não os de
soberania, a possibilidade de os poderes legislativos serem delegados
apenas é permitida nos parâmetros da constituição.
iii. Moral da história: o 112º/5 1ª parte é desnecessário pois a competência
já esta definida e limitada nos artigos 110º e 111º CRP.

Mas então de que serve o artigo 112º/5CRP?


1ª parte: óbvio e desnecessário

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2ª parte: de modo a evitar o chico esperto, proíbe que um ato que não
tenha forma de lei atue com os mesmos poderes que esta. Ou seja, não
posso permitir que regulamento se chame lei nem que atue como lei.
Logo, proíbe-se que um ato tenha a mesma força de lei, logo não pode
integrar, suspender, revogar, interpretar ou modificar um ato legislativo.

Temos que compreender melhor esta segunda parte. Atos de outra natureza podem ser
de muitos tipos, mas a partir de agora vamos limitar-nos a regulamentos da
administração. A doutrina batizou este fenómeno proibitivo como “proibição dos
regulamentos delegados”. Separa-se em dois (falamos daquilo que não é permitido):
1. Modificar, suspender ou revogar:
a) Modificar ou Revogar - Caso 12d ii): considera-se que as condições mais
difíceis nas ilhas são fator para a necessidade de haver um incremento
salarial. Este DLR estabelece um valor e permite ao governo regional
atualizar este valor todos os anos, para que as pessoas nos açores continuem
a ter um poder de compra reforçado e não menor. “nenhum DLR pode
conferir a um regulamento do GR o poder de modificar” o regulamento é
legal, mas a lei que este regulamento regula é inconstitucional, o
regulamento é inconstitucional (inconstitucional por consequência)
i. Mas se o DLR estabelece-se que a atualização automática fosse à taxa
de inflação, a decisão no início tinha cabido também à assembleia. O
que o artigo 112º/5 proíbe é dar a outro ato esse poder, porque através
de um regulamento abre-se azo a bastantes possibilidades de
atualização, pois o Governo Regional ficaria com um amplo poder nos
termos em que quiser agir, tem uma decisão discricionária
b) Suspender - Caso 12d iii): DL a permitir que um despacho o suspenda.
Regulamento delegado aparentemente inconstitucional. Mas este despacho
também provém do governo, mas não reveste a mesma solenidade, dada ao
DL pela centralidade da lei.
i. Contudo, se o dinheiro acabar, o sistema de incentivos está suspenso.
Este despacho está apenas a declarar que não há dinheiro e o sistema
está suspenso. Apenas retrata aquilo que já aconteceu, a verba ter

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acabado. Não é inconstitucional, pois apenas se vem permitir a mera


declaração (≠ decisão discricionária) de insuficiência orçamental.
2. Interpretar ou integrar – casos bastante recorrentes:
a) Caso 12d v): interpretação por parte de um regulamento de um DL, isto pode
fazer o artigo 112º/5 chocar com o 199º/c).
i. Podem esclarecer, o que implica dizer coisas para além da lei, por ser
uma competência do governo.
ii. Uma interpretação restritiva do artigo 112º/5, atendendo ao
elemento sistemático, quando aplicada a regulamentos
interpretativos com eficácia externa, como o do exemplo, pois admite-
se a interpretação oficial. Não sendo uma interpretação autêntica,
esta decisão pode ser sempre questionada, uma vez que a
interpretação oficial pode não vincular
O artigo proíbe a interpretação autêntica, mas admite que os regulamentos
interpretem as leis doutrinalmente.

Falando de outros tipos de “atos de outra natureza”, as decisões dos tribunais:


Caso 12d iv): Os assentos que decidiam qual a verdadeira interpretação da lei,
foram declarados inconstitucionais por, para além de violarem a separação de poderes,
serem atos de natureza externa a interpretar autenticamente uma lei.
Pormenores de execução: são regulamentos interpretativos ou integrativos, são
permitidos desde que não evoquem a interpretação autêntica da lei

Casos em que não se pode aplicar o artigo 112º/5


1. Regulamentos Ilegais
o Regulamento ilegal, que dispuser contra a lei (viola a hierarquia de fontes
e o princípio da legalidade dos regulamentos)
o Regulamentos que dispõe contra a lei porque a lei o permite não é ilegal,
a lei é que é inconstitucional, dado que a lei está a conferir poderes de lei
a atos de outra natureza (são estes atos que o artigo pretende regular e
evitar)

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2. Deslegalização
o Tirar da lei matéria que estava legalizada, emagrecer certa lei: deixa de
existir lei a regular certa matéria; deixa de tratar algo que já tratava
o A matéria da lei é degradada a matéria de regulamento, restringe-se,
passando a matéria da lei a regulamento e o órgão legislativo a órgão
regulamentária
o A lei que deslegaliza não fixa por si só o conteúdo, estava fixada por um
ato legislativo que posteriormente é revogado por um da mesma
hierarquia, permitindo a um ato infra legal regular sobre essa matéria que
deixa de estar legalizada
o É permitida, a menos que estejamos no domínio de reserva de lei.
o Caso 12 d i): mercados debilitados, há uma corrida à batata, só quem tem
mais meios é que comprava, por isso o governo fixa esse preço.

Princípio da democracia participativa – artigo 2º CRP:


Podemos, ainda, falar do princípio da democracia participativa, como sustento do
papel fundamental da democracia nos dias-de-hoje. Contudo, importa salientar que este
princípio não se aplica apenas à lei, uma vez que também pode existir no âmbito da
função executiva, logo não serve para sustentar a centralidade da lei.
Não se prende com a questão de quem decide ou quem tem competência para
tomar a decisão. No campo da função legislativa, a democracia participativa não põe em
causa o princípio fundamental de que só ha três tipos de leis e três respetivos órgãos que
as podem fazer (princípio da tipicidade)
Este princípio, exige que antes de se tomar uma decisão, que esta seja informada,
e que todos os interessados na decisão possam de alguma forma ser ouvidos e explicar
as suas razões, para depois o órgão que decide, decidir.
ð A CRP impõe que os órgãos legislativos competentes aceitem estas
dimensões de participação
ð Não significa, contudo, uma vinculação quanto à decisão
Em termos materiais, a participação é relevante porque:
ð Permite ao interessado defender-se antecipadamente

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ð Contribuir com mais informação para uma melhor decisão (decisões mais
esclarecidas)
ð Confere maior legitimidade procedimental à decisão
Caso 12e i): basicamente pede-se declaração de inconstitucionalidade pois não se
ouviram todos os sindicatos, artigo56º/2ª CRP. Isto é um caso de democracia
participativa, pois quem decide no final é a AR ou o GOV. Em 1975 o PCP bateu-se pela
existência de um único sindicato, mas a CRP garante a todos liberdade sindical, logo este
direito abarca todos os sindicatos e não só o mais representativo.

CASO COVID 19 (ESTADO DE EMERGÊNCIA EM PORTUGAL E PORBLEMAS


CONSTITUCIONAIS PROVENIENTES DAS DECISÕES TOMADAS)
O Estado de Sítio (ES) ou Estado de Emergência (EE) permitem suspender exercício
direitos, liberdades e garantias, artigos 19º e 138º CRP. A CRP no artigo 27º não admite
o confinamento fora de casos de anomalia psíquica. Em EE ou ES a possibilidade de
suspender DLG permite suspender este direito à liberdade e admitir o internamento
compulsivo de infetados.
O artigo 4º da declaração de EE trata os direitos suspensos. Por maioria de razão se
o EE pode suspender DLG e direitos económicos, pode suspender leis. Alínea d),
suspensão do Código Trabalho em certos casos.
Não estaremos a violar o artigo 112º/5 CRP, por ser um ato de natureza externa?
ð Em matéria legislativa tudo tem que estar definido na CRP, por isso uma lei não
pode criar um quarto tipo de lei ou atribuir força de lei a outro ato.
ð No caso em análise não é uma lei que permite que o ato suspenda as leis e os
DLG, mas sim a CRP permite que um ato de outra natureza faça isto. Não é o
que está pensado no 112º/5.
ð Moral da história: a CRP pode atribuir a outros atos força de suspender,
revogar, etc, mas os atos legislativos definidos na CRP não têm nunca esse
poder.

Qual a diferença entre ES e EE? embora estejam previstos CRP 19º e 138º, a lei
44/86 nos artigos 8º e 9º trata isto:

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ð EE suspensão parcial do exercício


ð ES suspensão total ou parcial/restrição do exercício
ð Esta suspensão está sujeita ao crivo da proporcionalidade 19º/4 CRP
Processo para declarar o ES ou EE:
ð Pedir opinião ao Conselho de Estado (algo que por norma o PR faz antes
de tomar qualquer medida) – não é obrigatório
ð Ouvir o Governo, sendo que o Primeiro Ministro não tem que apoiar (mas
não faz sentido o PR não ouvir o PM, porque se este não o apoiar, por
norma a maioria da AR também não apoiaria)
ð Antes de decretar, tem que ser votado na AR

As cinco razões de Marcelo para declarar estado de emergência à Marcelo


adverte ainda que há o risco dos que “esperam do estado de emergência um milagre que
tudo resolva num minuto, num dia, numa semana, num mês”. Mas que mesmo perante
isso entendeu “ser do interesse nacional dar este passo”. E explica-o em cinco razões:
1. “Reforço da solidariedade dos poderes públicos e deles com o povo”. E
explica que os outros países que foram primeiros afetados por este novo
vírus “ensaiaram passos graduais”. “Nós que começámos mais tarde
devemos aprender com os outros e poupar etapas, mesmo parecendo
que pecamos por excesso”. O acordo político entre Governo, Presidente
e Assembleia da República “é uma afirmação de solidariedade
institucional de confiança, determinação para o que tiver de ser feito nos
dias, semanas, meses que estão pela frente”.
2. “Prevenção”: “Foi aprovada uma base para o Governo tomar decisões e
possam ser tomadas com rapidez e em patamares ajustados e todas as
que sejam necessárias no futuro”.
3. “Certeza”: “Esta base de direito dá um quadro geral de intervenção e
garante que mais tarde não venha a ser questionado o fundamento
jurídico” das medidas tomadas.
4. “Contenção”: “Este é o estado de emergência que não atinge o essencial
dos direitos fundamentais”.

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5. “Flexibilidade”. “Dura 15 dias no fim dos quais pode ser reavaliado com
avaliação do Governo do estado da pandemia”.

Foquemo-nos na 3ª razão. O que levará Marcelo a ter ratificado atos anteriormente


tomados em relação à contenção da pandemia? De que atos falamos?

DL 10A/2020 pode restringir o que restringiu?


ð Discotecas, bares ou restaurantes onde se dance pode ser exigido o
encerramento?
§ Temos que ver se estamos perante uma reserva de lei. DLG? Não,
pois a iniciativa económica não é um DLG.
ð Exemplo que mostra bem uma dimensão estruturante da relação entre o
poder legislativo entre Governo e AR. Em Portugal o PL pertence não só à
AR, mas como ao GOV e com grande amplitude por duas razões:
§ Este DL muda várias regras que constam de Leis da AR. O GOV
muda essas regras, pois o 112º/1 permite que Lei e DL tenham o
mesmo valor. Mesmo que se contrariem pertence o posterior, pois
têm o mesmo valor.
§ Não é assim em matérias de reserva de lei. Ou seja, o GOV pode
legislar sobre tudo, exceto pelo que é reserva. 198º/a) e b)
ð Moral da história: nada impede que o GOV aprove este DL antes da
declaração do EM. SIM PODE.

Portaria 71/2020 pode restringir o que restringiu?


ð Surge depois da noite do Cais do Sodré à pinha. Então o ministro da
economia estabelece um número de restrições. Este regulamento
concretiza o DL. Ou seja, um regulamento de execução.
ð Não levanta problema, pois a opção política foi tomada no DL, e permitia
que por portaria se concretizasse o DL.
ð Moral da história: não é nisto que o PR pensa. SIM PODE

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Se não foi nenhuma destas, o que poderá ter sido?


No domingo PM e PM Espanhol fizeram uma videoconferência para o fecho de
fronteiras.
ð Resolução do Conselho de Ministros n.º 10-B/2020. Estamos perante um
regulamento, pois é geral e abstrato, aprovado pelo Conselho de
ministros. Este regulamento vem pelo artigo 199º/g).
ð Mas isto não está no capítulo dos DLG, mais concretamente no artigo
44ºCRP? O DUE permite que se feche, ou seja permite o resultado, mas
não pode dizer quem tem competência para tal.
ð Estamos perante um regulamento inconstitucional, uma vez que se trata
de uma reserva de lei artigo 165º/1b), e que este regulamento não vem
concretizar nenhum DL autorizado.

Moral da história: O PR vem ratificar na declaração de EE o fecho das fronteiras e a


quarentena obrigatória à chegada à Madeira.

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2.4.3. Repartição da competência legislativa entre o Parlamento e o Governo

A relação entre Leis e DL assenta sobre dois eixos:


1. Eixo da paridade – artigos 161º/c) e 198º/1a) CRP:
a. Leis e Decretos-Leis são, exceto em matérias de reserva,
mutuamente revogáveis.
b. Não se tratando de uma matéria reservada, tanto a AR como o GOV
têm iguais poderes legislativos nas demais matérias, matérias
concorrenciais.

2. Eixo de algum primado da AR, quatro manifestações:


a. Conjunto vasto de matérias reservadas à AR
b. Aparente prevalência das Leis de bases (LB) sobre os DLD (desenvolvimento)
c. Os DL podem ser submetidos a uma apreciação parlamentar após a sua
promulgação
d. Regime de veto diferenciado

Que justificação se pode dar à existência deste tendencial primado da AR?

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1. Os debates parlamentares e os debates nas comissões são públicos,


contrariamente às reuniões do Conselho de ministros. Ou seja, o processo na
AR é aberto.
2. A legitimidade democrática no caso da AR é direta, sendo que no GOV é
indireta

Mas vamos, antes de estudar o primado da AR, abordar as funções legislativas do


governo, por ordem decrescente de liberdade:
1. Competência legislativa reservada – orgânica e funcionamento do governo
a. Artigos 198º/2 e 183/3º CRP + artigo 161º/c) 2ª parte CRP
2. Competência legislativa concorrencial – em matérias não reservadas à AR
a. Artigo 198º/1 a)
3. Competência legislativa derivada/autorizada – em matérias de reserva relativa
da competência da AR
a. Artigos 198º/1 b) e 165º CRP
4. Competência legislativa complementar – desenvolvimento das bases gerais
ou dos princípios contidos em leis, a que os DL se circunscrevem
a. Artigo 198º/1 c)
b. Muito questionável se verdadeiramente esta competência existe, uma
vez que as bases que não são competência da AR estão inseridas na
matéria concorrencial, onde Leis e DL são mutuamente revogáveis.
Este aspeto vai ser analisado mais adiante.
O governo exerce a sua função legislativa através do conselho de ministros, como
resulta do artigo 200º CRP.

Voltando ao primado da AR, analisemos os 4 pilares.


1. Conjunto vasto de matérias reservadas à AR
1.1. Tipos de Reserva
A reserva pode ser de dois tipos: absoluta e relativa, sabendo que é questionável
a existência de uma reserva absolutíssima.
Porque é que há matérias de reserva absoluta – artigo 164ºCRP?

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i. Porquê a alínea a)? Uma simples alteração do número de deputados


causaria um favorecimento aos partidos grandes, logo o governo ganharia,
como tal não pode legislar em seu benefício.
ii. Porquê a alínea c)? O TC é uma força de bloqueio, logo o governo impediria
ou atenuava os poderes deste em seu benefício.
iii. Porquê a alínea h)? Para o governo não poder matar os pequenos partidos.
iv. Porquê a alínea i)? são opções políticas fundamentais que tem que caber à
AR pela sua importância.

Importa salientar que o que está em causa nestas reservas são matérias de
extrema importância, que faz com que apenas possam ser tratadas por LEI. Contudo, a
iniciativa de lei pode caber ao Governo, artigo 167º/1, uma vez que iniciar ≠ aprovar.

Mas, de modo a perceber a reserva absolutíssima, que serva está em causa com o OE,
artigo 161º/g)?
à O artigo 164º diz é “exclusiva competência”
à O artigo 161º diz “compete”
Em matéria de competência legislativa ou está definido na CRP ou não se pode
legislar/agir. No artigo 111º/2 CRP esclarece-se que, para se poder delegar o poder um
poder de um órgão a outro órgão, a CRP teria que permitir, tal como acontece no artigo
165ºCRP (uma concretização do 111/2).
Já que tal delegação não é possível, podemos extrair que a reserva absoluta não
consta unicamente do artigo 164º, também pode constar do artigo 161º, quando esteja
em causa a função legislativa.
Faz-se esta referência, uma vez que a alínea a) do artigo 161º CRP trata da revisão
constitucional, o que não é consensual quanto em que reserva pode caber, mas é claro
que não é uma reserva de função legislativa. Como tal, autores afirmam a existência de
uma reserva constitucional (Canotilho), outros inserem este poder numa outra reserva
doutrinalmente criada, a reserva absolutíssima.

Falando agora de outro tipo de reserva: a reserva relativa.

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Quando estamos perante matérias de reserva relativa de competência legislativa,


a AR pode legislar, mas também pode autorizar o GOV a fazer um DL, sendo que esta
delegação de poderes não se encaixa no artigo 112º/5 CRP, mas trata-se de um dos casos
que a CRP prevê de delegação, tal como autoriza o artigo 111º/2 CRP.
A articulação entre um DL autorizado e uma Lei de autorização é complexa, tal
como vem explicitada no artigo 165º/2 CRP. A nota fundamental que se extrai é que a
autorização não é um cheque em branco. A LA tem que definir:
a. a duração (quanto tempo dura essa autorização – para a aprovação)
- Só pode ser usada uma vez, como esclarece o artigo 165º/3 CRP
- Caducam nos termos do artigo 165º/4 CRP, pois a autorização
pressupõe uma relação de confiança com o confiado
b. o objeto e a extensão (sobre que matérias e quais as especificidades
dentro dessas matérias) – não separamos, pois versam sobre a mesma
dimensão
c. o sentido (em que sentido é que se legisla - ex.: punir vs. descriminalizar)
O DLA está sempre subordinado à LA, artigo 112º/2 CRP.

Caso 14, sobre a autorização ao governo:


a) Como se conta o prazo da autorização?
No presente caso, o Governo aprovou um DLA dentro do período que a Lei de
autorização estabelecera para a publicação. Contudo pode a AR estabelecer um prazo
que vá para além do exclusivo controlo do governo, uma vez que a publicação depende
de outros órgãos de soberania? Trocado por miúdos, o que interessa no prazo
estabelecido na LA é a publicação ou a aprovação em sede de ministros?
1. A autorização é dada ao GOV
2. O GOV apenas controla a aprovação
3. Logo, o prazo deve ser aprovação
A AR não pode exigir que seja a publicação, pois a CRP não coloca este critério na
disponibilidade do legislador ordinário.
É uma questão de interpretação, a doutrina e jurisprudência partilham de que a
publicação foge aos poderes do governo, logo como isto é a delegação de um poder,
dentro dos limites, o prazo apenas pode respeitar ao GOV.

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Contudo, JM diz que o que releva não é a aprovação, mas sim a receção do
diploma por parte do PR (≠promulgação):
1. Como na AR o processo é publico nós sabemos o dia em que a lei é
aprovada. No governo não se controla o diploma.
2. Assim o prazo é até ao GOV ficar sem poderes sobre o diploma.
3. Pode-se dizer que se aprova e só sai uns meses depois.
Porém, isto é um argumento probatório, mas se é assim, a prova pode fazer-se
por outras vias. Ou seja, podemos provar publicando o diploma no próprio dia. Então
levanta-se a pergunta: devemos confiar nos órgãos de soberania?
Não devemos tomar como regra que o governo, um órgão de soberania, faz falcatruas.

Em suma: nunca se pode afirmar que o que releva para autorização legislativa é a
publicação, mas pode ser discutida se é mera declaração de aprovação em sede de
conselho de ministros, ou se a aprovação carece de ser provada.

b) Conteúdo material de uma LA


Temos que ver se estamos no âmbito de reserva, neste caso artigo 165º/1 t) CRP.
Logo, visto que se dá um cheque em branco no “sentido” da autorização, pela forma
“natureza específica” ser muito pouco específica, a LA é inconstitucional por não cumprir
os requisitos de delegação dos poderes da AR ao GOV estipulados no artigo 165º/2 CRP.
A LA é uma verdadeira lei, com conteúdo material.

Particularidade das autorizações nos casos de matéria fiscal na Lei do Orçamento:


Se tivermos perante autorizações orçamentais fiscais, o regime é diferente, como
esclarece o artigo 165º/5CRP.
A lei do orçamento admite um agravamento da taxa de IRS, autoriza o GOV a
executar tal agravamento. Esta autorização só caduca no fim do ano económico, porquê?
O orçamento prevê as receitas e as despesas que o estado espera arrecadar. Faz
estas previsões a partir do quadro legal existente no âmbito fiscal. Logo, se se prevê

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alterar o IRS em 1%, essa autorização deve durar o prazo do orçamento para que se a
possa executar e que se obtenha a receita esperada.

1.2. Âmbitos da reserva

Se lermos o artigo o artigo 164º e 165º notamos uma particularidade. Existem


alíneas de reserva de âmbito total, outras que falam em regimes gerais e, ainda, outras
que falam de bases ou bases gerais. Como tal, podemos ter reservas de âmbito total e
reservas de âmbito parcial:
1. Se for só de bases, o que não é base não está reservado
a. Opções políticas fundamentais
2. Se for regime geral, um regime especial não está reservado
a. Opções políticas fundamentais, que carecem de algum
desenvolvimento, uma vez que estabelecem a regra
concretizada ou excecionada nos demais regimes

Esta discussão é independente de reservas absolutas ou reservas relativas, pois


nestas apenas se estabelecem qual o âmbito competência sobre a matéria reservada. Em
regra, a reserva é de âmbito total, exceto em:
Regime geral (alguns exemplos):
165º/1 d) O que a CRP pretende não é a definição de qualquer contraordenação.
O regime geral tem que ser fixado pela AR. DL 433/82. Não se impõe o todo e qualquer
contraordenação, mas tem que respeitar o regime geral 17º. Não se quer tipificar todas
as contraordenações, mas sim o regime geral, ou seja, o quadro em que elas têm que
caber.
165º/1 i) Toda e qualquer criação/ alteração é reserva total da AR, mas isto não
vale para as taxas. A AR no caso das taxas apenas fixa o regime circundante.
165º/1 e) e h) Regime geral aqui quer dizer que não se impede que haja um
regime especial. Aqui quer-se dizer que se estabelecem as regras gerais, que não invalida
a existência de regras especiais.

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Bases (alguns exemplos):


164º i) A decisão sobre a duração da escolaridade, sobre a possibilidade de
cheques escolares, sobre o tipo de ensino superior, sobre a quantidade de cadeiras
necessárias.
165º/1 g) Decisões sobre que tipos de reservas podem existir, sobre quais os
poderes autárquicos dentro de cada reserva, sobre a possibilidade geral de construção

Atentemos no caso 13, que nos ajudará a consolidar melhor toda esta matéria:
a) Bases
iv. Estamos perante uma matéria de reserva absoluta, as bases do ensino,
artigo 164º/i) CRP. O presente DL não versa sobre as bases, nem sobre o
seu desenvolvimento, mas única e exclusivamente sobre um ato
administrativo.
v. A matéria referida cabe no artigo 165º/1 t) CRP, bases gerais do regime
de âmbito da função pública. Como tal, o Governo só pode interferir a
nível de desenvolvimento das opções políticas tomadas na base. Contudo,
extraímos do artigo 198º/1 c) CRP que o Governo só pode legislar nestas
matérias através de DL.
vi. Legislar sobre a criação de uma reserva ecológica nacional, e sobre a
possível construção no território da mesma, é uma opção política
fundamental. Neste caso o DL é inconstitucional, por não resultar de uma
autorização legislativa para poder definir as bases do sistema de proteção
da natureza, artigo 165º/1 g) CRP.
b) Regime geral
A AR, no desenvolvimento do regime geral de punição dos atos ilícitos de mera
ordenação social, artigo 165º/1 d) CRP, estabelece valores máximos e mínimos
para as coimas, bem como as matérias sobre as quais podem incidir. No
entanto, o caso em análise em nada desrespeita tal regime geral, sendo que
apenas podemos discutir se, segundo o artigo 241ºCRP, a câmara goza de tais
poderes, o que é matéria de Direito Administrativo.
c) Reserva de âmbito total

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Este caso que cabe na reserva relativa da competência legislativa da AR, artigo
165º/1 alínea c) CRP. Esta alínea é uma reserva relativa com âmbito total, logo
os poderes legislativos apenas pertencem à AR, ou ao GOV com autorização
legislativa, sendo que descriminalizar também se insere nos poderes
reservados.

A figura da lei de bases surgiu em frança antes da 2ª guerra mundial, com um


governo de esquerda, e a primeira continha 3 artigos, para decretar que os trabalhadores
passam a ter férias pagas. Uma lei que em 3 artigos institui férias pagas dá apenas as
orientações gerais, ou seja, fixa uma opção política fundamental. Isto foi desenvolvido
por outro ato legislativo.
O desenvolvimento das bases não é reservado, apenas tem que se respeitar as
opções políticas fundamentais.
O Governo pode:
a. Concretizar todas as bases, através de um DL de desenvolvimento,
sabendo que tudo o que não é base (em reserva) é matéria concorrencial,
artigo 198º/1c) CRP
b. Fazer as bases – sempre por DL:
i. Em matéria concorrencial, sabendo que é uma discussão doutrinal
sobre a verdadeira competência do governo, ver mais adiante
ii. Em matéria de reserva relativa, com autorização legislativa da AR,
aplicando-se a subordinação do DLA à LA – artigo 112º/2 CRP

O primado da Lei de autorização e o primado da lei de base em matérias


reservadas são corolários do primeiro aspeto que justifica esta primazia da AR na
competência legislativa.

Resumo do ponto 1:
Reserva absoluta e absolutíssima(?)/constitucional(?) são de exclusiva
competência da AR.

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Reserva relativa permite que o GOV legisle, sobre a forma de DL, sendo que a LA
tem que estipular requisitos para o DLA cumprir – objeto e extensão, sentido e duração
(nunca de publicação, resta saber se a aprovação acarreta a necessidade probatória).
As reservas têm um âmbito quanto ao seu alcance, que em regra são totais, ou
seja, cabe à AR, ou ao GOV delegado, o poder de legislar na plenitude sobre aquelas
matérias. Contudo, a CRP admite exceções que são os regimes gerais e as bases. Nas
bases, em matéria de reserva, o DLD está sempre subordinado à LB, e só pode haver um
DLB de uma LA permitir.

2. Aparente prevalência das LB sobre os DLD


Por que razão se fala da prevalência das LB sobre os DLD e não se fala da
prevalência de LA sobre DL autorizados?
O artigo 112º/2 CRP trata de casos relativos ao eixo de paridade, LB, mesmo fora
de matérias de reserva de lei prevalecem sobre o DLD. A prevalência da LA sobre o DLA
já é um corolário da reserva relativa da AR. Esta prevalência de LB sobre DLD não faria
sentido em leis que versem sobre bases reservadas.

Como tal, existe uma aparente prevalência, retirada do elemento literal do artigo
112º/2 CRP, de qualquer Lei de Bases, mesmo em matéria concorrencial, sobre um DLD.

Atentemos no caso 15:


b) O desporto não pertence a nenhuma reserva. Então pergunta-se se o GOV pode
violar a lei de bases com um DLD. Aparentemente não pode, mas há quem defenda
que pode através de um DL estabelecer as novas bases.

Este caso versa exatamente sobre a particularidade do tema. Podem se suscitar 3


respostas:
1. Interpretação literal: o GOV está sempre submetido a toda e qualquer lei de
bases da AR, mesmo em matérias concorrenciais, não as podendo revogar com
um DLB
a. Argumento: elemento literal do artigo 112º/2 CRP + 198º/1 c).

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b. Crítica: se a AR fizer uma LB sobre toda e qualquer matéria o GOV fica


sem qualquer matéria concorrencial, pois estará submetido às opções
políticas fundamentais estabelecidas pela AR, tornando-se limitada a
competência do GOV estipulada no artigo 198º/1a) e exercida pelo 201º
CRP.
2. Interpretação restritiva: o GOV, através de um DLD, está sempre submetido à
LB, contudo nada o impede de exercer a sua competência legislativa em
matéria concorrencial e revogar a LB por um DLB - Jorge Miranda
3. Visão do professor RM: como o problema da insegurança jurídica é bastante
comum entre Leis e DL, qualquer DL, mesmo chamado de DLD, pode revogar
uma LB, em matéria concorrencial. Em última análise, os DL do governo podem
sempre ser apreciados na AR, garantido sempre um poder superior deste
último órgão.

3. Apreciação parlamentar solene dos DL


A existência de um eixo de paridade entre Leis e DL pode levar a uma sucessiva
revogação entre atos legislativos de sinal contrário. Como tal, para combater isto, existe
o instituto de apreciação parlamentar dos DL – artigo 169ºCRP.

Atentemos na resolução da AR 16/2020:


A AR podia ter alterado o diploma, mas decreta a cessação da vigência e a
repristinação das normas por ele revogadas. Como tal, pelo artigo 169º/4 CRP, o governo
fica impedido durante a sessão legislativa de voltar a aprovar este DL.

Mas por que razão este ato da AR é uma resolução?


Resultante do artigo166º/6 CRP, como é uma apreciação feita a quente, nos 30
dias subsequentes à publicação do diploma, se revestisse a forma de lei o PR estaria num
impasse pois:
1. Ou promulgava, fazendo figura de rainha de Inglaterra, pois dizia
que sim a tudo
2. Ou vetava, mantendo-se coerente com a promulgação do DL

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Esta apreciação tem algumas características:


o Prazo para o início do processo - 30 dias, desde a publicação
o O DL pode vir a ser alterado ou revogado.
o Provém de 10 deputados
o Possibilidade de suspensão durante o período em que se debatem alterações
o A cessação da vigência é publicada por uma resolução – artigos 169º/4 e
166º/6 CRP
o Regime urgente, pois prevalece sobre a demais agenda – artigo 169º/6 CRP
o O DL não pode ser promulgado na mesma sessão legislativa – artigo 174º CRP

4. Regime de veto diferenciado


4.1. O veto político das leis é suspensivo – artigo 136º/1 CRP
O PR, no prazo de vinte dias 20 após a receção do diploma, ou da decisão do TC
(cujo prazo para ser requerida são 8 dias, e o prazo normal para o acórdão são 25 dias –
artigo 278º CRP), pode promulgar ou vetar uma lei que não haja sido declarada
inconstitucional, caso contrário o veto é obrigatório – artigo 279ºCRP.

Se o diploma voltar à assembleia,


como esclarece o artigo 136º, a
maioria a ser verificada sofre um
agravamento, e se for confirmada, a lei
tem que ser promulgada.
O quórum e a regra da maioria simples
vêm estabelecidos no artigo 116ºCRP.
Três cenários:
A maioria simples passa a maioria absoluta.
As leis de valor reforçado carecem de uma maioria qualificada de 2/3.
As leis que já carecia, de essa maioria de 2/3 mantém essa mesma maioria

4.2. O veto político dos DL é absoluto – artigo 136º/4 CRP

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5. Regras de aprovação de uma lei


O artigo 116º é um artigo muito importante para a resolução de casos práticos.
Porquê? Porque a constituição, para além do quórum, que corresponde à maioria do
número legal dos membros do órgão (por exemplo, a AR nunca pode delegar com menos
do que 116 deputados presentes) existem as seguintes maiorias possíveis:
• Maioria simples (nº3 do 116º) à decisões tomadas á pluralidade de votos, ou
seja, mais votos a favor do que contra sem contar com as abstenções à é esta a
regra constitucional
• Maioria absoluta à 50% + 1; maioria absoluta dos deputados em efetividade de
funções – exigidas nas leis orgânicas, ou para superar o veto do Presidente da
República
• Maioria de dois terços à sendo que nos dois terços podemos ter: dois terços dos
presentes (mas sempre mais que 116), ou dois terços dos deputados em
efetividade de funções (dois terços de 230, que é 154) – exigida nas leis
consagradas no artigo 168º nº6, incluindo a revisão constitucional (com exceção
da revisão extraordinária)
• Maioria de quatro quintos à para assumir o poder de revisão extraordinária, que
é a revisão quando ainda não passaram 5 anos desde a última (184 deputados)

Maiorias:
• Simples – mais votos a favor do que
contra
• Absoluta – 116 deputados (50% +1)
• Qualificada – 2/3

Procedimento legislativo:
1. Iniciativa
a. Diferente de competência à quem tem iniciativa legislativa é quem pode propor
a lei, quem tem competência é quem a pode decretar
i. Sem iniciativa, não pode exercer-se a competência nem se desencadeia
o procedimento legislativa

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b. 167º CRP à iniciativa legislativa cabe aos deputados, aos grupos parlamentares,
cabe ao Governo, cabe as Assembleias legislativas regionais no que diga respeito
ás regiões autónomas, e pode ainda caber aos cidadãos eleitores (35 mil mínimo)
c. Numa matéria reservada relativa à pode ser a AR a legislar na sequencia de uma
iniciativa de deputados, pode ser o governo a apresentar uma proposta de lei ou
pode ser o governo a apresentar uma proposta de lei de autorização, e depois
com base nessa autorização faz o DL autorizado.
d. Se a matéria for de reserva absoluta à a AR faz sempre a lei
i. No que diz respeito às regiões autónomas, só têm iniciativa nas matérias
que dizem respeito ás regiões autónomas.
e. Há casos de iniciativa legislativa reservada, como por exemplo o orçamento de
Estado. É sempre o Governo que tem de apresentar uma proposta de lei de
orçamento de Estado. A AR não pode apresentar ela própria um projeto de lei
orçamental (artigo 106º nº2 e 3)

2. Apreciação
a. Interna (genérica) à Parlamento (dá-se em todos os casos, quanto a todos os
projetos e propostas de lei);
b. Externa (específica) à outros órgãos constitucionais ou organizações de
sociedades civis (só tem que se dar quanto a matérias previstas na
Constituição – como nas questões do trabalho em que é preciso ouvirem-se
as comissões e sindicatos).
3. Discussão e votação
a. Existem 3 votações: na generalidade, na especialidade, e uma votação final
global.
b. As votações na generalidade são feitas em plenário.
c. As leis ordinárias comuns descem á comissão para fazer a votação na
especialidade (artigo a artigo) e depois volta-se a subir a plenário para fazer a
votação global final em coerência com as conclusões alcançadas em comissão.
i. Há casos em que a votação na especialidade deve ser feita em
plenário – artigo 168º nº4 – são obrigatoriamente votadas na
especialidade pelo plenário as leis das matérias previstas nas

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alíneas a) a f), h), n) e o) do artigo 164º, como como na alínea q)


do nº1 do artigo 165º.

4. Promulgação e veto
a. O diploma passa ainda por uma comissão de redação para que se façam
alguns acertos formais que possam ser necessários, e o Presidente da
Assembleia assina a lei e envia-a par o Presidente da República, que tem três
opções: promulgação, veto, ou fiscalização preventiva da constitucionalidade.
b. Quando há promulgação, segue-se a referenda e a publicação no Diário da
República. A promulgação tem uma função de subsunção. Se pegarmos nos
atos legislativos do governo e da AR, todos eles são chamados de decretos,
até ao momento da promulgação. E é com a promulgação que os decretos
ganham o seu nome definitivo à leis orgânicas, leis, decretos-lei, etc
a. A falta de promulgação ou da referenda ministerial ou existindo veto
do PR à implica a inexistência jurídica
b. Veto político
1. Tem de ser fundamentado pelo Presidente da República
2. A Assembleia pode:
a. Aceitá-lo
b. Reformular o diploma, passando a existir um novo diploma e
o processo começa desde o início
c. Confirmar o diploma vetado que pressupõe uma maioria
superior daquela que foi necessária para aprovar o diploma
em primeira votação. Se a Assembleia da República
confirmar, o Presidente da República é obrigado a promulgar
– promulgação obrigatória (aqui está a diferença – quando se
trata de um Decreto-lei, o veto é definitivo, quando se trata
de uma lei, o veto é suspensivo
c. Quando há fiscalização preventiva da constitucionalidade:
a. O Tribunal Constitucional ou diz que é constitucional ou diz que é
inconstitucional

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1. Sendo constitucional, o Presidente da República pode promulgar


mas pode também vetar politicamente, dizendo no fundo que não
há inconstitucionalidade mas que discorda politicamente do
diploma. Sempre que há veto político, há devolução á Assembleia
da República
2. Sendo inconstitucional, o Presidente da República é obrigado a
vetar e este veto chama-se o veto por inconstitucionalidade – a
fundamentação esgota-se no acórdão do Tribunal Constitucional.
Perante este veto, a Assembleia da República pode, nos termos e
para os feitos do artigo 279º:
a. Aceitar o veto
b. Expurgar a norma inconstitucional, e o diploma segue o
seu percurso em as normas inconstitucionais
c. Reformular o diploma todo – processo começa de novo
d. Confirmar o diploma vetado por maioria de dois terços dos
deputados em efetividade de funções, mas o PR pode
exercer o veto de bolso, deixar passar o passo para
promulgar
O artigo 279º mostra que o Tribunal Constitucional não tem a última palavra. O
Presidente da República pode decidir concordar com a Assembleia da República em vez
de concordar com o Tribunal Constitucional.

O esquema dos Decretos-lei é mais simples.


• No caso do veto político, ele é absoluto, o Governo não pode superar o veto
político.
• No caso da fiscalização preventiva, também não há a possibilidade do governo
superar os Decreto-lei que foram alvo de fiscalização preventiva.

A referenda tem uma função meramente simplificativa. A publicação no Diário da


República, quem a promove é o Governo, uma vez que o Governo é que tem as
competências sobre o Diário da República.

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2.4.4. Relações entre atos legislativos – as leis de valor reforçado

Todas as leis em sentido amplo têm a mesma força, exceto as de valor reforçado.
Esta particularidade legal vem esclarecida no artigo 112º/3 CRP, as 4 categorias:
1. Leis orgânicas
2. Leis com maioria de 2/3
3. Leis que, por força da CRP, são um pressuposto normativo necessário de outras
leis
4. Leis que, por força da CRP, devam ser por outras respeitadas

1. Leis orgânicas:
Do Caso 12 a) extraímos que os conceitos não valem por si só, valem por terem
um certo regime. Não é por se chamar a um alei de “lei orgânica” que assume esse
estatuto constitucional.

As leis orgânicas são tipificadas no artigo 166º/2CRP.


Não interessa se falamos de uma orgânica (organização de um órgão/órgãos)
qualquer, mas sim do que a CRP diz que são as matérias tão relevantes para serem
tratadas por lei reforçada.
Por ser lei orgânica tem um regime específico em sede de aprovação, desde logo
uma maioria absoluta (artigo 168º/5 CRP).
Tem um regime diferente de veto político (artigo 136º/3 CRP).
Tem uma especificidade no requerimento de fiscalização preventiva (ARTIGO
278º/4CRP), pois a regra é que é só pode ser solicitada pelo PR.

2. Leis que carecem de aprovação por 2/3


Falamos das leis tipificadas no artigo 168º/6 CRP. São domínios tão relevantes que
se exige uma maioria destas, para impedir que uma concreta maioria num determinado
momento político, possa ser tentada a alterar as regras a seu favor.
Acrescenta dizer que é de valor reforçado? Não, pois nenhuma outra lei sem esta
maioria teria poderes para tratar tais matérias.

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Crítica a estes dois primeiros tipos: Estes dois primeiros casos são de valor reforçado, pois
têm maiorias agravadas de aprovação. Não são reforçadas em relação a nada pois se não
se cumprisse a maioria pedida a suposta lei era inconstitucional. Logo este valor
reforçado já decorre das exigências de procedimento que exige.
Como tal, neste artigo 112º/3 CRP, a doutrina afirma duas coisas:
- Estão pretensas leis de valor reforçado pelo procedimento, as duas primeiras só podem
ser aprovadas ou alteradas pela maioria exigida. O artigo 112º/3 não acrescenta, pois se
não se respeitar a maioria a lei é inconstitucional pelos artigos 166º e 168º. Ainda, há leis
que têm este agravamento e não vêm aqui referidas, como os estatutos das regiões
autónomas.

- Leis verdadeiramente paramétricas, verdadeiras leis materialmente reforçadas, as:

3. Leis que, por força da CRP, são um pressuposto normativo necessário de outras leis,
sem a 1ªlei não há o segundo ato legislativo
a. Leis de autorização em matéria de reserva relativa da AR, estão acima dos
DL autorizados, 165º/2.
b. Leis de bases em matéria reservada, o DL de desenvolvimento está
subordinado às bases

4. Leis que, por força da CRP, devam ser por outras respeitadas, se houver a 1ª leio 2º
ato legislativo respeita-a, se não houver há liberdade
a. Para quem diga que a LB em matéria concorrencial prevalece sobre qualquer
DL de desenvolvimento, o GOV tem que a respeitar

A dúvida sobre esta matéria prende-se pela lei de enquadramento orçamental,


artigos 106º e 164º/r CRP:
i. Se for pressuposto não pode haver orçamento
ii. Se apenas tiver que ser respeitada, pode haver orçamento sem que
a AR tenha emitido uma lei de enquadramento – a doutrina tende
a admitir isto, uma vez que em casos excecionais em que não exista
esta lei, o país não pode ficar sem orçamento de estado.

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A doutrina tende a compreender, de modo a simplificar, que as leis de valor


reforçado se agrupam em 5 categorias:
a. Leis de enquadramento
b. Leis orçamentais
c. Leis de autorização legislativa
d. Leis de bases
e. Estatutos político-administrativos das regiões autónomas

De salientar que a classificação de uma lei como reforçada não é um critério à


mercê do legislador democrático, pois depende dos requisitos tipificados na CRP, os quais
têm que ver com o objetivo da lei, as matérias em que versa, o procedimento necessário,
entre outros.

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3. Secção III: Traços identitários do Estado de Direito

3.1. Princípios Estruturantes do Estado de Direito


Num Estado Democrático a legitimidade do poder decorre do povo, começando
pelo momento constituinte, e voltando-se a manifestar em sede de revisão
constitucional, ou seja, o povo através dos seus representantes vai ditando o rumo que
quer traçar partindo das leis
Por outro lado, o Estado de Direito é um estado que limita o poder, pois a
democracia pode virar na tirania da maioria. Como tal, o artigo 16º da declaração dos
direitos do homem e do cidadão, resultantes da revolução francesa, em agosto de 1789,
expressa esta ideia clara de limitação de poderes:
“Qualquer sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos, nem
estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição.”

Ao estudar a vertente do Estado de Direito, daqui em diante ED, não iremos tratar
dos direitos fundamentais, mas sim dos princípios estruturantes de um ED, que limitam
o poder do mesmo:
à Princípio da Igualdade
à Princípio da Proporcionalidade
à Princípio da proteção da confiança
à Princípio da Socialidade

3.1.1. Princípio da Igualdade


Este princípio aparece consagrado no artigo 13º CRP, mas a sua interpretação
variou muito ao longo dos anos.
1. A ideia clássica deste princípio, resultante da sua primeira formulação,
bastava-se com uma igualdade formal, através de leis gerais e abstratas.
a. Surge no pós-revolução Francesa, finais do século XVIII, mas dele
apenas resultava um entendimento meramente formal: tratar todos

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por igual, abolindo os grupos privilegiados. Para isto, a igualdade aqui


tida em causa basta-se com uma lei geral e abstrata.
b. Contudo, com o evoluir dos tempos, percebeu-se que esta tendencial
generalidade e abstração não eram suficientes para garantir uma
verdadeira igualdade, uma vez que uma lei que discriminasse uma raça
era geral e abstrata.

Como tal, chega-se à conclusão de que a lei não basta ser geral e abstrata para
ser conforme a este princípio, uma vez que o seu conteúdo também tem que ser
conforme o princípio.

2. É após a perceção deste corolário, que se chega a um novo momento, uma


igualdade forma e material, que consistia na fórmula vazia de “tratar igual o
que é igual e diferente o que é diferente”
a. A fórmula de nada serve, uma vez que não permite limitar o poder do
legislador, nem obrigá-lo a estar vinculado à igualdade, uma vez que a
segregação racial implica uma diferença óbvia, a cor da pele.

3. Como tal, é transversalmente aceite, nos dias de hoje, que tem que se ter em
conta a medida da diferença, ou seja, tem que haver uma justificação material
para o tratamento desigual.

3 pontos fundamentais no princípio da igualdade:


1. Igualdade não é identidade e igualdade jurídica não é igualdade natural ou
naturalística
2. Igualdade significa intenção de racionalidade e, em último caso, intenção de
justiça
3. Igualdade encontra-se inserida com outros princípios, tendo se ser entendida no
plano global dos valores, critérios e opções da constituição material

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Mas dito isto, importa perceber quando é que posso dizer que a lei não é
conforme ao princípio da igualdade:
1. Todos reconhecem que do princípio da igualdade decorre uma proibição do
arbítrio.
a. A decisão é arbitrária quando não tiver um mínimo de fundamento
razoável.
b. Não estão em causa juízos de valor à decisão, mas sim averiguar se o
critério utilizado tem um fundamento material razoável.

2. Mas por que razão se usa o arbítrio como critério da aferição da violação do
Princípio da Igualdade?
a. Quando o critério que o legislador adota tem um mínimo de
fundamento razoável eu, apesar de não concordar, conformo-me que
o GOV/AR têm legitimidade democrática para decidir nestes termos.
b. Não pode ser invocada legitimidade democrática para cometer
arbítrio, mas a legitimidade pode ser usada para, através de um
critério minimamente razoável, discriminar. Logo, este critério proíbe
o arbítrio do legislador.
c. Contudo, este critério parece abranger pouca coisa, pois cada pessoa
tem os seus valores e afere o arbítrio de uma forma diferente.
3. Exemplo: bolsas de mérito. Pode atribuir aquelas que tenham média maior e
com poucos rendimentos. Estes critérios têm o mínimo de razoabilidade. Mas
se disser que só atribui a bolsa aos rapazes com média superior a “X” já não
há o mínimo de fundamento razoável. O legislador democrático não pode
exercer a sua legitimidade arbitrária, mas sim a sua legitimidade
fundamentada.

De modo a concretizar e a densificar o princípio da igualdade, não tendo apenas


o arbítrio como fundamento à sua violação, os legisladores constituintes, ou o USSC,
abarcam uma nova forma de avaliar a violação da igualdade, através das chamadas
categorias suspeitas:

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Nos Estados Unidos da América, existem certas categorias sujeitas, cuja mínima
distinção é tomada, à partida, como inconstitucional. O Supremo Tribunal controla o
princípio da igualdade com uma ampla liberdade, mas pós segregação racial, a raça é uma
categoria muito mais suspeita.
As categorias suspeitas são aquelas que historicamente foram alvo de graves
discriminações e opressões como o sexo ou a raça, cuja sua violação, nos dias de hoje,
apenas acontece quando o grupo que foi historicamente discriminado continua a sê-lo.
Ou seja, se hoje uma lei impuser segregação racial nos estados unidos, rebaixando os de
raça branca, não viola uma categoria suspeita, logo estamos perante um tratamento
arbitrário.

Nos casos de tratamento arbitrário, uma lei só é contra este princípio, ou seja, só
é inconstitucional, se não existir um mínimo de fundamentação razoável.
Porém, no caso de tratamento discriminatório envolvendo uma categoria
suspeita, presume-se logo que há uma violação do PI, a menos que haja um fundamento
materialmente adequado. Como tal, estas leis são inconstitucionais a menos que se
justifique a sua constitucionalidade. Duas visões:
i. Há quem defenda que há sempre uma presunção de
inconstitucionalidade, ou seja, quase como uma inversão do ónus da
prova, partindo do pressuposto que a lei que trate discriminatoriamente
uma categoria suspeita é inconstitucional.
ii. Há quem diga que não há presunção de inconstitucionalidade pois, se
houvesse, o TC não teria que fundamentar a inconstitucionalidade de tal
lei.
Contudo, em qualquer das visões, essa presunção pode ser ilidida sempre que
haja um critério materialmente adequado para o tratamento discriminatório do presente
ato legislativo, ou regulamento.

Por outro lado, na Alemanha, não existem categorias suspeitas cuja


discriminação/privilégio, leva a uma quase certa violação do princípio da igualdade. Como
tal, de modo a complementar o critério da arbitrariedade, existe uma violação do PI
sempre que tal discriminação/privilégio, ponha em causa a dignidade da pessoa humana,

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uma vez que, tal como acontece com as categorias suspeitas, a sua violação dó pode ser
fundamentada com um critério materialmente razoável.

Em Portugal, a vinculação do legislador ao PI não se basta com uma lei geral e


abstrata, nem com a fórmula vazia. A discriminação é permitida quando não seja
arbitrária. Há, porém, casos em que o parâmetro de controlo é mais exigente: as
categorias suspeitas - onde há uma “presunção” de inconstitucionalidade. Contudo, não
estando em causa uma categoria suspeita, mas em que tal diferenciação afete a DPH,
também se tem como uma lei/regulamento inconstitucional.
Por outro lado, as categorias suspeitas têm uma história de discriminação, e não
de privilégio, ou seja, em que não faria sentido historicamente privilegiar uma certa
categoria.
Não obstante, pode sempre haver um critério materialmente atendível para
proceder a tal discriminação/privilégio, se bem que em casos de categorias suspeitas, ou
de aspetos fulcrais que ponham em causa a DPH, tais razões que legitimem a
discriminação/privilégio têm que ser ponderosas e ainda mais atendíveis.
As categorias elencadas na nossa CRP são: Ascendência; Sexo; Raça; Língua;
Território de origem; Religião; Convicções políticas ou ideológicas; Instrução; Situação
económica; Condição social; Orientação sexual (revisão 2004). Visto que uma revisão
constitucional procedeu a um acrescento, estas categorias não são taxativas, e quase
todas, se não todas, podem reconduzir-se à DPH.

Exemplo: Caso 18)


Caso de um pai que é impedido de ver a filha por ser homossexual. Vai contra uma
das dimensões nucleares de dignidade da pessoa humana, já que a pessoa só se
realiza na relação com os outros, sendo a família a forma mais comum desta relação
(pai-filho).
Mas estes critérios são taxativos ou exemplificativos? Na altura o artigo 13º/2 CRP
não incluía a orientação sexual. Voltamos ao princípio, em que não haja este artigo, e
como tal importa saber se ficamos pela forma do arbítrio?

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Há estados que admitem que o critério base é a proibição do arbítrio, e nos casos
em que não há uma categoria suspeita, importa aferir se a discriminação afeta a nossa
condição de seres humanos com dignidade plena que deve ser respeitada.
O presente caso versa sobre uma dimensão absolutamente central que é a relação
pai e filho, como tal este controlo tem que ser particularmente intenso. Por isso, mesmo
à margem das categorias suspeitas, quando estão em causa dimensões que firam a DPH
o critério também tem que ser materialmente adequado.

O artigo 13º CRP: reconduz-nos à ideia de que este PI tem dois sentidos:
1. Negativo: vedação de privilégios (situações de vantagem não fundada) e de
discriminações (situações de desvantagem não fundada).
2. Positivo:
a. Tratamento igual de situações iguais
b. Tratamento desigual de situações desiguais, mas substancialmente e
objetivamente desiguais
c. Tratamento em moldes de proporcionalidade, ou seja, sem arbítrio
d. Tratamento das situações não apenas como existem, mas como devem
existir, ou seja, passar de uma igualdade perante a lei para uma
verdadeira igualdade através da lei

As DISCRIMINAÇÕES POSITIVAS:
Apesar deste princípio vedar discriminações e privilégios que não tenham uma
qualquer razão materialmente atendível, e de até estabelecer categorias suspeitas que,
ao serem diferenciadas, geram logo uma maior desconfiança no sistema, tal princípio
pode impor diferença de tratamento. Ou seja, com o Estado Social, pode fazer sentido
que existam situações de vantagem fundadas, ou de discriminações positivas, uma vez
que prevalece uma ideia de igualdade material.
Dito isto, o PI pode impor um dever de tratar de forma diferente. Mesmo sem
norma constitucional, se o legislador acha que é importante defender os interesses de
dado particular pode fazer, existindo o dever de proteção

Direito Constitucional – A/B João G da Costa Cabral Tomás FD UCP 87


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Esta obrigação de diferenciação consiste em tratar de forma diferente, o que


historicamente foi tratado de forma diferente, de modo a assegurar uma plena igualdade.
Alguns exemplos: artigos 59º/2 c)1ªparte + 68º/3 + 68º/4 (proteger o trabalho
das mulheres após o parto); artigo 59º/3 (garantias especiais dos salários); artigo 59º/2
c)2ªparte (proteção do trabalho dos menores, deficientes, atividades violentas ou tóxicas
ou perigosas). Sobre as cotas, importa salientar que estas tendem a concretizar o artigo
9ªh) CRP e o artigo 109º CRP.

Exemplo: Caso 19
a) O caso em análise refere-se a acidentes de trabalho. Se o Homem morrer, a mulher
tem direito a uma pensão direta, por estar viúva. Se a Mulher morrer, o homem só
tem direito a uma pensão caso esteja em incapacidade permanente e total para
trabalhar ou tenha completado 65 anos à data do falecimento da mulher. Não é
uma categoria suspeita, pois historicamente o sexo é visto para não existir
diferenciação entre homens e mulheres quando estas eram inferiorizadas. Não se
pode usar este critério, logo vai-se pelo arbítrio. Importa ver se na sociedade esta
medida ainda faz sentido, ou se já é meramente arbitrária. Podemos considerar que
as mulheres, nos dias de hoje, já trabalham e são na sua maioria, independentes.
Logo não faz sentido tal distinção
Conclusão: Apenas são casos de violação de categorias suspeitas quando estes violem o
fundamento histórico para a sua existência, e não sempre que está em causa uma
diferenciação dentro delas.

b) Historicamente, as mulheres reformavam-se mais cedo. Isto porque as mulheres que


trabalhavam tinham o encargo adicional de fazer a articulação entre a vida
profissional e familiar (nomeadamente pela educação dos filhos). Portanto, o
princípio da igualdade funciona enquanto justificador ou até impositivo de uma
diferença de tratamento. No fundo, agora, o que estamos a falar é de a lei
diferenciar justificadamente ou até obrigatoriamente para garantir uma plena
igualdade de oportunidades. Pelo art.13º, nº2 não está em causa uma categoria
suspeita, pois o que é suspeito é tratar pior as mulheres, aqui trata-se melhor as
mulheres. O TC retira este argumento. Então analisa se este tratamento é arbitrário.

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No plano da bondade política cada um opina como entender, o que aqui está em
causa é saber se há ou não um fundamento material por esta discriminação. Então
temos que nos colocar no tempo histórico do caso, e saber se as pessoas que se iam
reformar na altura beneficiaram em vida desse percurso/igualdade que hoje existe.
Pode ou não haver um fundamento razoável? Muitas pessoas podem ter trabalhado
durante anos e anos (mais ou menos desde os inícios dos anos 50 até 90/95) em
condições de desigualdades no tratamento das lides domésticas que justifique que
as mulheres se reformem mais cedo. Não há violação do PI, há razão para o arbítrio.
Conclusão: não estando em causa uma categoria suspeita, por não ser sobre a razão
histórica da sua criação que este caso versa, avalia-se se há, ou não arbítrio. No entanto,
nesta análise, temos que atender ao tempo histórico cuja lei tencionava versar e saber
se esse tratamento é justificado pelo que se viveu na altura, e não pelo que se vive agora,
pois este tratamento não faria sentido e seria arbitrário nos dias de hoje, mas na altura
não o era.

c) O artigo 13º, nº2 surge para que a situação económica não seja usada contra os
mais pobres, não estamos neste âmbito, logo não é categoria suspeita, pois
favorece-se os mais pobres em detrimento dos mais ricos. Então, qual é o critério a
ser utilizado? À luz da proibição do arbítrio, há ou não uma justificação razoável?
Nada nos diz que por ter mais ações tenho uma melhor disponibilidade financeira,
logo o critério da quantidade de ações não é, por isso, razoável.
O critério que pode ser utilizado: disponibilidade do estado para pagar, mas mesmo
assim não há o mínimo de razoabilidade, uma vez que segundo a razão da
disponibilidade do estado, ainda que possa ser aceitável, só joga com uma das
dimensões da medida. Até se percebe que demore mais tempo. Mas a mesma
medida difere a taxa.
Qual é a justificação? O estado precisa de tempo para pagar, mas o estado tem de
pagar aquilo que deve. Uma coisa é precisar de mais tempo, outra coisa e pagar a
outra taxa à um entendimento ilegítimo. O estado não tendo dinheiro para pagar
a todos de uma vez só, não tem de pagar mais aos pobres. Não há critério
justificativo da arbitrariedade para pagar mais a uns que a outros. Grande parte da

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doutrina, onde está inserido Rui Medeiros, dizem que não há justificação para esta
diferença tão grande, logo a lei é inconstitucional

e) Estamos perante um caso de Discriminação positiva: tratamento diferenciado para


promover a igualdade plena de oportunidades. Historicamente, a mulher foi
discriminada, logo permite que esta diferenciação produza uma maior igualdade
entre homens e mulheres. Conciliação com o artigo 9º h) CRP.

3.1.2. Princípio da Proporcionalidade


O princípio da proporcionalidade é a base no qual hão de ser resolvidas as colisões
de direitos e entre direitos e deveres, apuradas as restrições ou suspensões
constitucionalmente admissíveis a direitos fundamentais, e feitas as opções relativas à
efetivação dos direitos económicos, sociais e culturais.
Não está explicitamente consagrado num único artigo, mas a CRP fala dele no
artigo 19.º/4 a propósito do estado de sítio e emergência, no artigo 18.º/2 em relação a
leis restritivas dos DLG, no artigo 270.º aquando das restrições especiais aos direitos dos
militares, no artigo 272.º em consequência da atuação da polícia, no artigo 266.º/2 no
que se refere à atuação da administração pública.
Mas o que verdadeiramente significa?
Tradicionalmente a proporcionalidade deriva de princípios estruturantes do
direito penal, no que diz respeito à atribuição de penas, e deve ser construída na mesma
lógica da Legítima defesa:
1. Adequação ou idoneidade
2. Necessidade
3. Proporcionalidade stricto sensu
Contudo, este teste aos 3 crivos necessários, só é possível após definirmos o fim,
pois só aí é possível determinar se a medida é idónea ao fim, se é necessária e se é
proporcional. Ou seja: 1º passo - qual é o fim da lei ao adotar uma medida restritiva?

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Para melhor perceber este princípio, torna-se mais fácil analisar cada um dos seus
requisitos individualmente.
Pensemos no caso do atual estado de emergência, a propósito do coronavírus,
cujo fim é evitar a propagação e mortes pela covid-19.
1. Adequação: à partida é o critério menos relevante, pois sempre que uma
medida é tomada costuma ser adequada ao fim que se propõe a atingir. Logo
vamos avaliar se é, ou não, uma medida idónea a alcançar aquele fim. Como
tal, uma medida restritiva só não passa neste crivo se em si não permitir
alcançar o fim proposto.
a. Neste caso, a restrição de circulação, principalmente dos grupos de
risco, é idónea a evitar a propagação da doença e consequente
mortalidade associada.
b. Se avaliássemos só do prisma da propagação, não faria sentido uma
restrição para as pessoas de idade, mas quando percebemos que o
verdadeiro fim é, também, evitar a mortalidade, temos a noção de que
tal medida permite cumprir o fim a que se propõe.

2. Necessidade: sabendo já que a medida é idónea, será que ela é necessária?


Como tal, importa ponderar se entre as medidas que tenham a mesma
eficácia existe uma menos lesiva. Se houver, não é necessária, se não houver,
esta medida é necessária. De salientar que, mesmo que haja uma medida
menos lesiva, ela não implica que seja necessária, pois a comparação de entre
a lesão causada só pode existir em medidas que, sendo idóneas, tenham a
mesma eficácia. Falamos de uma necessidade relativa (comparação entre as
medidas com a mesma eficácia). Está em causa o direito à menor
desvantagem possível, sendo que a doutrina construiu alguns critérios:
i. Necessidade/exigibilidade material: “meio” mais poupado
possível quanto à limitação de direitos fundamentais.
ii. Necessidade/exigibilidade espacial: limitação do âmbito de
intervenção.
iii. Necessidade/exigibilidade temporal: delimitação no tempo da
medida coativa do poder público.

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iv. Necessidade/exigibilidade pessoal: apenas dirigida a quem


deva ver os seus interesses sacrificados
b. Sabendo que para o fim proposto já avaliámos que o EEM é adequado,
será que é necessário? Há autores que afirmam que não, uma vez que
existe uma confiança no civismo das pessoas. Certamente que é uma
medida menos lesiva, mas também é certo que tem menos eficácia,
logo a comparação não pode ser feita. Como tal, prevalece sempre a
eficácia, exceto se com a mesma eficácia existissem duas medidas não
igualmente lesivas, caso em que prevalecia a menos lesiva.
c. Conformamo-nos com uma medida mais lesiva e mais eficaz pois há
legitimidade democrática. O TC só se pronuncia quando há uma
menos lesiva com o mesmo grau de eficácia.

3. Proporcionalidade ss: está em causa um juízo de ponderação entre o sacrifício


causado pela medida idónea e necessária, e a vantagem do resultado obtido.
a. Imaginemos um caso em que o dono da mercearia, um senhor de
idade, apanha um miúdo a roubar fruta da sua montra. É claro que dar
um tiro ao miúdo é uma medida idónea pois cumpre o fim esperado.
Se tal ação passar pelo crivo da necessidade, por não haver qualquer
outra forma de garantir que o furto da fruta se consuma, é certo que
a balança não está equilibrada, pois o sacrifício causado é muito
superior à vantagem do resultado obtido.

Exemplo: Caso 20
b) PONTO DE PARTIDA - ver o fim desta norma: O interesse público em saber se a
farmácia é ou não bem gerida, e se quem é diretor da mesma não tem interesse
apenas no lucro. O farmacêutico, aconselha como as pessoas se devem
comportar, vende os produtos, etc. Tentar garantir que não existe uma forma
destorcida de utilização da farmácia, pois estas são serviços de grande utilidade
pública, de modo a que não haja uma distorção da função pública que
desempenha. Como tal, um farmacêutico à partida tem mais sensibilidade para a
utilidade pública. Mas será que é preciso que o dono tenha o curso de farmácia,

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ou basta o gestor ou diretor, como é o caso atual. Então eu não posso herdar
apesar de ter lá um diretor com o curso de farmácia? Hoje em dia posso, antes
não podia. Esta medida é ou não conforme o PP?
Violação de direitos:
Transmissão da propriedade (Art. 62º CRP) e Liberdade da empresa (Art.
61º CRP)
Para saber se é proporcional temos de fazer os 3 testes:
1) TESTE DA ADEQUAÇÃO:
adequada, na medida em que visa o interesse público.
A questão está em saber, se esta lei reduz ou não o risco de a farmácia se desviar
das preocupações de interesse público.
O diretor Técnico de uma farmácia já é um farmacêutico, não acrescenta nada
que o proprietário seja farmacêutico à rebatido pela subordinação do diretor
técnico ao proprietário;
Ser farmacêutica não acrescenta nada pois podemos ter a pessoa mais altruísta
do mundo como aquela que só quer saber do lucro à rebatido por
tendencialmente um farmacêutico ser alguém que se preocupa com o público

2) TESTE DE NECESSIDADE:
É a menos lesiva de todas as opções possíveis com a mesma eficácia.
É difícil dizermos que existia uma medida menos lesiva com o mesmo grau de
eficácia: por exemplo, o caso de fazer exames deontológicos não tem a mesma
eficácia, logo não pode ser posto em causa.
Numa clínica médica o proprietário não tem necessariamente de ser um médico,
pode ser um gestor ou outra coisa e dentro dessa clínica existem farmácias
hospitalares e estas são geridas por alguém não farmacêutico -> pode ser
argumento para que não haja necessidade

3) TESTE PROPORCIONALIDADE EM SENTIDO ESTRITO


Não pode ser um “cheque em branco”

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Que risco para a saúde está em causa e o que está a ser afetado (liberdade de
empresa, violação de transmissão), ou seja, é afetado algo substancial inclusive a
parte de sucessão da empresa.
O diretor técnico ter de ser farmacêutico e ter regras deontológicas para tal.
Se esta vantagem de interesse público é superior aos direitos afetados.
Prof. RM diz que o centro está no diretor técnico, o proprietário ser farmacêutico
não acrescenta muito e neste caso há um sacrifício de liberdades e garantias e
pondo ambos na balança acredita-se que a medida é excessiva. (Tribunal não
concordou)

Há, ainda, formas de violação tidas por clássicas do princípio da


proporcionalidade, que são:
1. Arbítrio: forma de violação mais grave, que acontece sempre que se viola o
primeiro requisito, ou seja, uma inadequação do meio para alcance do fim, ou
na própria ilegitimidade do fim.
2. Excesso: forma de violação mais recorrente, que acontece sempre que se viola
um dos outros dois requisitos. No entanto, quando nos referimos a DLG, estes
podem ser violados, também, por insuficiência de meios (o inverso de excesso).
3. Excesso de proteção: forma de violação que existe quando estão em causa
discriminações positivas desproporcionadas em face dos interesses
constitucionalmente protegidos, traduzindo-se num verdadeiro e infundado
privilégio.

Antes de terminar, saliento que só faz sentido aplicar o teste da proporcionalidade


em casos de restrições, e não em casos de concessão de liberdade.

3.1.3. Princípio da Proteção da Confiança


O princípio da proteção da confiança é decorrente, como afirmam jurisprudência
e doutrina, da segurança jurídica, vista no plano subjetivo (relação com cidadãos). Da
ideia de um Estado Direito, em que o poder está limitado, resulta a noção de que
podemos (e devemos) confiar na atuação do estado. Uma vez que este, e não só a

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administração pública (artigo 266º/2), está sujeito, ao atuar, a deveres impostos pela
boa-fé.
A proteção da confiança surge quando se confia em alguma coisa e, entretanto,
essa situação em que confiamos muda, ou seja, há um antes no qual eu confiei e um
depois que atinge a confiança que eu tinha
A base do artigo da proteção da confiança está, implicitamente, no artigo 2º CRP,
uma vez que o princípio decorre, na plenitude, do princípio do estado de direito
O que acontece, muitas vezes, é uma tensão entre a confiança e a vontade
democrática atualizada para mudar as regras do jogo.

O princípio da proteção da confiança só se opera se forem violados requisitos


particularmente exigentes:
1º Nível: afetação de expectativas legitimas (dos particulares) não expectável
i. Comportamento do estado que gera uma expectativa de continuidade
ii. A expectativa de continuidade é legitima
iii. Investimento de confiança: confiando na expectativa de continuidade
legitima, tenha-se objetivamente organizado a vida com base nessa confiança.
a. Exemplo: mobilização de recursos

2º Nível: Inexistência de razões ponderosas de interesse público que justifiquem a quebra


da confiança.

Os problemas de confiança geram-se, sempre, em sucessão de


regimes/leis/práticas no tempo, pois uma anterior expetativa é violada por um certo ato
mais recente frustrante da confiança gerada. Ou seja, só se coloca este problema em
situações de continuidade. A confiança é um limite à vontade do legislador democrático
na atualização de regimes ou leis. Como tal, podemos reconduzir a possível violação da
proteção da confiança em dois casos:
i. Casos de leis retroativas: Quando o novo regime dispõe retroativamente para o
passado – possibilidade maior de ferir o princípio.
Exemplo, caso 20 a i):

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Houve uma crise orçamental grande, e como o Estado não tinha dinheiro,
teve que aumentar os impostos (imposto extraordinário do rendimento auferido
no ano anterior, de 2,8%). Estamos num caso de lei retroativa, de algo que está
estabelecido no passado (rendimento de 1982). Há uma violação do princípio da
proteção da confiança? Analisando:
Comportamento do estado gerador de expetativa de continuidade,
legítima: O comportamento do estado foi haver um quadro fiscal que pagava o
imposto “X” com percentagem “y”. O quadro fiscal de 1982 já tinha sido aplicado
e não é normal esse imposto alterar no ano seguinte
Houve investimento da confiança porque depois de saberem o que tem de
pagar de imposto, utilizam o rendimento que sobrou para diversas atividades
Apesar disso, há fatores que preponderam no caso concreto: o imposto
2,8% É BAIXO, é extraordinário, é retroativo apenas ao ano anterior, e não de há
10 anos por exemplo, o país não tem meios de pagamento para financiar bens
público essenciais e poderá vir a gerar a banca rota, logo a ponderação do superior
interesse público foi considerada superior à tutela da confiança (decisão do
tribunal constitucional)
Moral de história: Bom exemplo que é importante considerar as várias
medidas enão olhar só para a tutela da confiança numa forma singular

ii. Casos de retrospetividade: Quando o novo regime dispõe para o futuro, mas
abrange efeitos futuros de situações passadas – possibilidade menor de ferir o
princípio da proteção da confiança.
Exemplo, caso 20 b ii):
É aprovada uma alteração nas regras de cálculos nas pensões, que reduz
as pensões aos trabalhadores ativos. Crise de 2008: a segurança social não tinha
capacidade para pagar as pensões como estava prevista na lei, divido ao
crescimento significativo da dívida pública Existe violação do princípio da
confiança?
- É preciso que haja uma afetação das expectativas legitimas não
expectáveis. Para tal, tem de haver um comportamento do Estado que gera uma

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situação de confiança, neste caso, seria o facto de existirem regras de cálculo das
pensões que atribuíam às pessoas determinados montantes.
- Essa situação de confiança é legitima, dado que desde sempre existira
este regime.
- E ainda houve um investimento da confiança, ou seja, os trabalhadores
ativos conduzem os seus comportamentos mediante a pensão atribuía. Isto afeta
principalmente os trabalhadores que se encontram no ativo há vários anos,
descontando para a segurança social. Um trabalhador próximo da reforma,
confia e investe numa determinada situação de confiança. É razoável supor que
estas pessoas façam uma ponderação e gastem mais ou menos ponderando o
resultado estimado da sua ponderação. Para estas pessoas há uma situação de
confiança tutelada. Verificados estes pressupostos, existe uma situação de
confiança tutelada. Esta afetação de expectativas legitimas não expectáveis viola
a lei?
Não viola lei, dado que a alteração deste quadro de pensões foi criada
numa altura de crise financeira do Estado português, tendo por este motivo sido
necessário existirem reduções nos salários, aumentos nos impostos, no sentido de
impedir a banca rota e para permitir ao Estado tutelar os interesse dos
desempregados ou em situações de carência financeira. Dai que decide reduzir às
pensões de quem está no ativo. Ou seja, há um interesse público ponderoso que
prevalece.
Para além disso, esta lei só vale para futuros pensionistas e não para os
que já eram pensionistas. Embora haja uma situação de confiança tutelável, há
razões ponderosas de interesse público, para garantir a sustentabilidade da
segurança social – crise 2008.

Exemplo, caso 20 b iii):


Funcionários públicos até 2008 não tinham contratos, eram nomeados
definitivamente (para a vida), não podendo ser despedidos por motivos objetivos,
por exemplo, por não saber utilizar um programa necessário para a execução de
determinada tarefa.

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Após 2008, os funcionários públicos passaram a ter um contrato de


trabalho, mas continuavam a não poder ser despedidos por razões objetivas
Em 2014 existe uma alteração do regime. A partir de então, os funcionários
públicos passam a estar num regime de requalificação, podendo ser despedidos
por causas objetivas. Será que se viola a proteção da confiança? Pressupostos:
Comportamento do estado que estabelece continuidade: regime que o
funcionário público que era nomeado para a vida, não podendo ser despedido
Ser legítimo: é estipulado por lei
Investimento de confiança: Ao optar pela função pública, posso ganhar
menos, mas tenho um emprego seguro, sem riscos para a vida
Admitindo que há proteção da confiança, temos que ver se há ponderação
de interesse público: Apesar de haver proteção de confiança, a restruturação pelos
órgãos legislativos, com vista a melhorar o seu desempenho pesa mais.
TRIBUNAL Constitucional considerou que esta alteração do regime era
inconstitucional e violava o princípio da proteção da confiança (não concordo com
a decisão do tribunal)

Na CRP existem três situações em que é expressamente proibida a retroatividade:


1. Leis Penais incriminadoras (artigo 29º/1)
2. Leis restritivas de DLG (Artigo 18º/3)
3. Leis fiscais prejudiciais aos direitos dos contribuintes (artigo 103º/3)

O princípio da proteção da confiança é, como já referi, decorrência da segurança


jurídica. Como tal, Jorge Miranda aponta 5 requisitos essências à segurança jurídica:
a. Publicidade: dos atos do poder público e dos procedimentos da respetiva
formação.
b. Certeza: como conhecimento exato das normas aplicáveis, da sua vigência,
das suas condições de aplicação e da fixação do comportamento dos
destinatários.
c. Compreensibilidade: como clareza das expressões verbais das normas e
suscetibilidade de compreensão pelos seus destinatários médios.

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d. Razoabilidade: como não arbitrariedade, adequação às necessidades


coletivas e coerência interna das normas.
e. Estabilidade: como garantia de um mínimo de permanência das normas, por
uma parte, e garantia dos atos e dos efeitos jurídicos produzidos, por outra
parte.

Por outro lado, Gomes Canotilho descreve o princípio geral da segurança jurídica
lato sensu (abrangendo proteção da confiança) como: “o indivíduo tem do direito poder
confiar em que aos seus atos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos,
posições ou relações jurídicas alicerçados em normas jurídicas vigentes e válidas, se ligam
os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico”. Depois enuncia
algumas refrações da segurança jurídica:
a. Quanto a atos normativos: proibição de normas retroativas restritivas de
direitos juridicamente protegidos.
b. Quanto a atos jurisdicionais: inalterabilidade do caso transitado em julgado.
i. Estabilidade: dado que as decisões dos poderes públicos adotadas
na forma e procedimento legalmente exigido, não devem ser
modificadas, sem razões materialmente preponderantes.
ii. Previsibilidade: certeza e calculabilidade, por parte dos cidadãos,
em relação aos efeitos jurídicos dos atos normativos
c. Quanto a atos da administração: tendencial imutabilidades dos casos
decididos através de atos administrativos:
i. Auto vinculação da administração, na qualidade de autora do ato.
ii. Tendencial irrevogabilidade: para salvaguardar os interesse dos
particulares destinatários do ato.

Decorrente do princípio da segurança jurídica, e com bastante peso na proteção


da confiança, o professor Gomes Canotilho avança com um outra decorrência
importantíssima: o princípio da determinabilidade das leis.
Este princípio garante a clareza, fiabilidade e determinabilidade que a ordem
jurídica exige para, através das normas, conseguir garantir a segurança. Este princípio
divide-se em:

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a. Exigência de clareza das normas legais: uma lei obscura ou contraditória


pode inviabilizar, através do processo interpretativo, a obtenção de um
sentido inequívoco capaz de solucionar um caso concreto.
b. Exigência de densidade suficiente: um ato normativo que não contenha
disciplina suficientemente concreta (densa), não oferece uma medida
jurídica capaz de:
i. Alicerçar posições juridicamente protegidas dos cidadãos.
ii. Constituir uma norma de atuação para a administração.
iii. Possibilitar, sendo uma norma de controlo, a fiscalização da
legalidade e a defesa dos direitos e interesses dos cidadãos.
Esta ideia de determinabilidade pode ser conduzida aos 5 requisitos identificados
pelo professor JM para garantir a segurança e previsibilidade num Estado de Direito.

3.1.4. Princípio do Estado Social


Para estudar este princípio relevante, mas menos denso, parto do concreto para
o enquadramento teórico.
Exemplo: Caso 24 b)
O que aqui está em causa é responsabilizar o Estado, pois este não protege a
criança, o estado permitiu a situação de um crime contra a integridade física. Criança
entregue ao pai após divórcio e este bateu-lhe até a pôr em coma, apesar das suspeitas
de violência por parte do pai. O que está em causa não é o crime, mas a ação cívil contra
os serviços sociais.
O tribunal diz que o estado tem de proteger a vida e a integridade física do
cidadão. Decorre da Constituição americana como da portuguesa que a vida humana e a
integridade física são invioláveis. A leitura que o SC faz é que o estado, apesar de não
poder privar a vida ou a propriedade de ninguém, não pode ser obrigado a atuar para
proteger a vida quando a perturbação é causada por outro particular, ou seja, não há
dever de proteção de particular contra particular.
Em Portugal tal seria inadmissível. Seria porque o estado socialmente
comprometido tem o dever de atuação, tem o dever de proteger os cidadãos. O estado
tem o dever de tentar pela sua atuação garantir a vida, a integridade física, etc.

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Quando se diz a vida humana é inviolável, não se está apenas a dizer que o estado
não pode tirar a vida, mas está obrigado a adotar medidas necessárias para proteger a
vida e a integridade física. Não podemos ignorar a dimensão de um estado socialmente
comprometido.

Exemplo 2: Caso 24 a)
O estado pode estar passivo ou tem o dever de acudir aqueles que vivem numa
situação mais miserável, garantindo assim um rendimento social de inserção para aqueles
que vêm os seus rendimentos bastantes condicionados pela sua situação, muitas vezes
não lhes imputável?

Na nossa ordem constitucional há um conjunto de manifestações que o estado


deva proteger ativamente os seus cidadãos, nomeadamente, os mais desfavorecidos.
Retira-se tal ideia, não só do princípio da dignidade da pessoa humana, mas do
capítulo direitos e deveres económicos, sociais e culturais da CRP, os chamados direitos
sociais: trabalho, habitação, saúde, segurança social, dos deficientes, dos idosos, dos
jovens, do ambiente.
Durante muito tempo considerou-se que isto eram eras declarações políticas, pois
os direitos não eram vistos com força normativa, mas cada vez mais ganham uma
expressão ativa, em que o Estado se assume com “player” para garantir a maior igualdade
possível no que diz respeito ao acesso a esses direitos.
Em Portugal, é impensável dizer que no caso 24b) não seria responsabilidade da
segurança social agir ativamente, e não só passivamente como veio a dizer o USSC, uma
vez que uma atuação de prevenção à violência seria, na ordem constitucional americana,
uma violação da liberdade. Em Portugal temos um entendimento oposto.
Em relação ao rendimento social de inserção, há muita gente que diz que é dar
dinheiro a quem não faz nada, mas o TC vem dizer que o estado não pode deixar de
proteger quem vive na miséria, que a DPH consagrada na CRP tem uma dimensão social.
O mais oprimido tem uma dignidade que merece ser protegida ativamente pelo
estado. Este entendimento foi baseado no PDPH(1º), e nos respetivos preceitos de
segurança social (63º/3). Temos, então, um estado socialmente comprometido.

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3.1.5. Caso do 3º Estado de Emergência (EEM)


Terminamos os princípios estruturantes de um Estado de Direito. Mas antes de
avançar vamos pegar no caso do novo estado de emergência, de 17 de abril (decreto nº2-
C do conselho de ministros). Este diploma tem duas novidades: eliminação do regime de
páscoa e uma nova exceção que é a possibilidade da participação nas festividades do 1º
de maio. Mas será que esta segunda alteração viola algum princípio dos até agora
estudados? Se sim qual? E porquê?
Pela linha da igualdade atuaríamos tendo em causa a proibição de outras
manifestações ou reuniões de carácter religioso, mas dificilmente conseguimos
identificar uma violação do arbítrio, até porque se poderia considerar que estávamos
perante uma discriminação positiva de uma categoria suspeita.
Mas e se olharmos para os casos dos funerais ou das celebrações religiosas da
páscoa? Podemos atuar com o princípio da proporcionalidade, não esquecendo que a
proporcionalidade só opera em casos de restrições, não em casos de liberdade. Ou seja,
não analisamos a decisão do 1º de maio em si, mas sim se as outras decisões,
individualmente analisadas, são proporcionais.
Logo, fazemos o teste de proporcionalidade para a necessidade das outras
proibições. E vemos que apesar as proibições serem adequadas, não são necessárias, pois
o governo já abre mão no 1º de maio para que as pessoas possam sair à rua, logo pode
abrir mão, mediante precauções, de alguns limites, como o número máximo de pessoas
num funeral, ou a proibição de celebrações religiosas ao ar livre. Estas medidas,
certamente, não passam no teste da necessidade, pois há formas menos lesivas (como o
próprio governo indicou para o 1º de maio) de garantir o mesmo fim, a contenção do
Covid-19.

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3.2. Separação de poderes

Sendo o segundo limite imposto pelo Estado de direito, a separação de poderes


pode ter duas funções principais:
1. Forma de tornar o poder mais eficiente
2. Forma de limitar o poder, assegurar que o poder é limitado

Neste âmbito, aquilo que nos interessa estudar é a perspetiva do estado de direito de
querer limitar o poder, sendo que é disto mesmo que trata o artigo 16º DDHC de 1789:
“Qualquer sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos
direitos, nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição.”
A função do Estado de direito é exatamente esta, de limitar os poderes.

A teoria de separação de poderes foi, fundamentalmente apresenta por


Montesquieu, e representava uma reação contra o absolutismo monárquico e era
associada à filosofia política e iluminista libera.
Esta teoria para além de apresentar uma trilogia de três poderes, configura os
mesmo, com a preocupação de envolver os vários grupos da sociedade na participação
do poder, de modo a tentar a acabar com a estratificação bastante acentuada no antigo
regime, falamos do governo misto. Os vários poderes
1. Poder executivo entregue ao Rei
a. Poder com supremacia em relação aos restantes
2. Poder legislativo, dividido em dois tal com acontece em Inglaterra
a. Câmara dos lordes/Alta (Nobreza e Alto Clero)
b. Câmara dos Comuns/Baixa (Burguesia)
3. Poder Judicial entre aos Tribunais
a. Parente pobre
b. Poder quase nulo
c. Estava nas mãos dos nobres, sendo que o juiz era apenas a boca da lei

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Montesquieu: “Para que ninguém possa abusar do poder, é preciso que pela disposição
das coisas o poder limite o poder”

A Constituição Portuguesa, comporta uma noção destinta da separação de


Poderes, apresentada por Montesquieu:
1. Consagrada no artigo 111º - Princípio tão relevante que:
a. É um limite material de revisão constitucional (artigo 288º/j)
b. Mesmo em Estado de sítio ou Estado de emergência, não pode ser afetado
(artigo 19º/7)
2. Mas em que medidas este princípio vigora na nossa Constituição?
1ª Nota
Hoje, subjacente à separação de poderes, não está a teoria do governo misto, a ideia de
que cada parte do poder pertence a um segmento da sociedade. Hoje todos os poderes
são emanação da vontade do povo, o poder do PR, da AR, indiretamente do Governo, os
próprios tribunais têm de aplicar as leis que os representantes do povo acordam.

2ª Nota
O poder legislativo já não cabe só à AR, cabe também ao Governo.

3ª Nota
Hoje o poder executivo já não existe, pois derivou em duas coisas distintas:
Poder administrativo: poder de toda a administração pública (hospitais, polícia)
aquele poder que lidamos no dia-a-dia, de execução e aplicação das leis
Cabe ao Governo
Poder político: PR quando declara o EM. Tomada de opções políticas
fundamentais e livres de modo a prosseguir o interesse público.
Não cabe só ao PR, cabe também à AR e ao Governo, exemplo do 138ºCRP,
com 161º l).

4ª Nota
Os tribunais deixaram de ser um poder quase nulo, exemplo do tribunal constitucional
ou do tribunal de contas. Os tribunais são, cada vez mais, formas de limitar o poder. Pode

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acontecer que o povo escolha uma maioria e até um PR com a mesma cor política, logo
só o TC pode impedir estas manifestações que podem ser inconstitucionais mais segundo
a vontade democrática.

5ª Nota
Lucas Pires: “milagre da multiplicação dos poderes”, além destes poderes que falamos,
hoje há muitos outros poderes que a CRP acolhe: regiões autónomas, câmaras
municipais, os média, os sindicatos...

Conclui-se que os poderes presentes na constituição Portuguesa são:


1. Legislativo Função Primária: grande liberdade de atuação,
2. Político desde que respeitando a CRP.

3. Administrativo Função secundária: Para além de estar


subordinado à Constituição, estão
4. Jurisdicional
subordinados à lei.

Função Política
Como já foi dito anteriormente, este poder pertence tanto ao Presidente da
República, como ao Governo e à Assembleia
A decisão política apesar de ser livre, está sujeita à Constituição
o Governo: Artigo 197º CRP
o PR: por exemplo, artigo 133º CRP

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o Assembleia: Artigo 161º CRP


Tribunal Constitucional e o Tribunal Administrativo não podem avaliar, pois
estariam a ser chamados a responder perante uma decisão relativamente livre, tirando-
lhe esse papel:
o Âmbito da função política, não há controlo jurisdicional desses atos
o Não há controlo dos atos políticos pelos tribunais
o Em regra, os tribunais não têm competência para controlar atos políticos,
exceto se tiverem relevo normativo
o Significa que não há defesa perante um ato político
§ Artigo 135º CRP/a, em que não se pode impugnar um ato de
nomeação de um embaixador
A doutrina afirma que não basta invocar razões políticas para considerar o ato
político e torná-lo incontrolável, é necessário que sejam os atos a desenvolver a função
política, logo o que apenas releva o que a CRP classifica como competência política.

Função Administrativa
Compete a:
1. Governo
2. Governo das regiões autónomas
3. Autarquias locais

Características:
i. O Governo é o “órgão superior de Administração Pública”, art.182º e 199º da
CRP
ii. 268º/4 e 5 CRPà atos administrativos estão sujeitos a controlo do tribunal.
Um particular na relação com a administração pode ir a tribunal questionar o
que a administração faz ou não faz e devia ter feito.
a. Artigo 4º/1 ETAF
iii. 266º-- administração atua com uma vinculação grande pois está subordinada
não apenas à CRP, mas também há lei: ATUA NA MEDIDA EM QUE A LEI
PERMITE

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a. É uma função secundária, está limitada pela lei ordinária

iv. Artigo 268º/4 CRPà administrado pode impugnar ato administrativo


INDEPENDETEMENE DA SUA FORMA
a. PORQUÊ?àSe não legislador escolheria a melhor forma para
proteger o Estado contra qualquer impugnação dos administrados
v. DIFICULDADEà distinção entre atos administrativos e atos legislativos não é
bem clara.
a. Ex: Pode a função legislativa revogar contrato de concessão? (caso 26);
decidir se vacina qualquer é obrigatória ou não?
b. Posso afirmar que há um reduto da função administrativa e que
PARLAMENTO que não tem essa função não pode fazer isto?
o Se fosse governo não se punha o problema, pois tem
competência administrativa e legislativa
o Qual é o critério que me diz que aquele ato já é função
administrativa?
§ 199/e) – uma reserva especial administrativa
§ É difícil discernir quando estamos perante um caso de
administrativa ou não, se não for de certas reservas
especiais.

Caso da Lei do Orçamento para 2020, artigo 282º/1


Será que uma lei, proveniente da AR, pode ocupar espaços que caberiam à função
administrativa? Casos típicos de penetração:
1. Lei adota a forma de lei para praticar atos individuais e concretos:
i. Atos políticos (dissolver a X assembleia ou nomear o embaixador para
Bruxelas)
ii. Atos administrativos
2. Lei deixa de revestir geral e abstrato e passa a individual e concreta
i. Entendimento TC e da Doutrina (menos o Prof. Jorge Miranda) àlei
individual e concreta é ainda lei e pode ser impugnada na mesma. A lei
caracteriza-se pela forma.

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ii. Artigo 268º/4 “independentemente da sua forma” à garante se que o


governo que utiliza a forma de lei num ato administrativo não consiga
suceder na “marosca”. Isto porque um ato administrativo pode ser
contestado e uma lei tem de esperar pelo entendimento do TC.

Casos em que não se pode penetrar: se estiver na reserva do artigo 199ºCRP.


Conclui-se que distingue-se função administrativa da legislativa, não pela forma, mas pelo
conteúdo:
i. 199º alínea e) à há conteúdo específico para a função administrativa

Função Legislativa
Compete a – 112º, 1 CRP:
1. Governo
2. AR
3. ALR

Baseia-se no princípio da legalidade, não se aplica ao legislador, mas limita os


outros poderes do estado a atuar de acordo com a lei, nenhum outro órgão pode violar
a lei ou agir sem fundamento nela, porque é à função legislativa que cabe a definição
primária do interesse público.
Caracteriza-se pela forma (Leis, Decretos-Leis, Decretos Legislativos Regionais), é
partilhado entre a Assembleia da República, Governo e Assembleias Legislativas das
Regiões Autónomas.

Será que se caracteriza pelo conteúdo (normas gerais e abstratas)? Quando uma
lei é individual e concreta, é função legislativa ou já pertence à função administrativa?
Caso 25:
DL serve para derrogar a lei orgânica das ordens honoríficas porque esta
condecoração servia só para chefes de estado. Igual nos casos de Saramago e de Kofi
Annan.

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Temos uma lei individual e concreta, que são leis com um rosto (com um destino
determinado). ≠ lei medida, que são leis para acudir a uma situação atual que tem um
período de vigência específico.
Será que isto é verdadeiramente uma lei? E qual a relevância de saber se é uma lei
ou um ato administrativo?
a. A relevância passa pela impugnabilidade da decisão em tribunais, uma vez que
o TC só fiscaliza leis e normas, e não atos administrativos
b. O processo de feitura de uma lei também é mais denso que um ato
administrativo.
c. Se considerar um ato administrativo viola-se o princípio da legalidade, só não
o é se for uma lei.
Não temos grandes dúvidas que o DL saramago derroga a lei orgânica das ordens
honoríficas. O regime das lei em Portugal é formal, ou seja, as leis caracterizam-se pela
forma.
O artigo 112º/1 não exige a generalidade e a abstração, a generalidade da
doutrina menos JM concorda que um ato legislativo apenas o é se revestir uma forma
específica, e não releva o seu conteúdo. Significa que uma lei individual e concreta,
compatibilizada com o princípio da igualdade, pode derrogar o regime geral.

Assim, uma lei formal é sempre considerada um ato legislativo. Mas assim o chico
esperto português arranja uma forma de dar a volta e nunca ver as decisões
administrativas impugnadas em tribunal, revestindo-as como atos legislativos.
Mas há uma exceção no regime português, para evitar que o Governo ou a AR
manipulem a forma do ato, e pratiquem um ato administrativo sobre a forma de lei para
impedir os particulares que impugnem a lei, artigo 268º/4CRP.
Ou seja, independentemente da forma, o ato administrativo (que revista a forma
de lei) pode ser impugnado num tribunal administrativo.
Sendo assim, os atos administrativos (sendo leis formais) que são individuais e
concretos, podemos impugnar. O ato legislativo não deixa de ser lei formal, mas permite-
se que os particulares recorram para os Tribunais administrativos.
Ainda é função legislativa fazer uma lei individual e concreta. É importante porque
se for função legislativa, há um regime próprio que se aplica

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i. Hierarquia de leis
ii. Atos que dispõe contra as leis
iii. As leis estão sujeitas a apreciação parlamentar, podem ser fiscalizadas,
tem que se promulgada pelo PR, por exemplo

A AR, tendo o poder legislativa, pode invadir a função administrativa? Não,


contudo é muito difícil caracterizar a função administrativa, até porque a administração
está sujeita à lei para poder atuar. Mas podemos ter leis que ocupam mais ou menos
espaço da administração. Não há uma fronteira clara entre as duas funções, mas pelo
menos algumas das competências administrativas do governo são a base para admitir o
que está reservado ao governo e já não é competência da AR, artigo 199º CRP, mas
mesmo aqui há especialidades:
1. Quando as fronteiras são claras: alíneas a), b), d), e)
a. No caso 26, estamos perante um problema da alínea e), logo a única forma
de delimitar a função administrativa é pelo conteúdo dos atos em causa.
2. Quando as fronteiras são muito ambíguas: alínea g)
a. Aqui parece que cabe tudo, por isso aqui a AR tem mais alguma liberdade
legislativa. A grande questão é perceber se há um núcleo que pertence única
e exclusivamente à função administrativa do Governo. Nos casos em que
parece haver uma violação, temos que saber interpretar os atos legislativos
em causa.

Função Jurisdicional
Reservada aos Tribunais – artigo 202º CRP, sendo o juiz o intérprete da intenção
jurídico-social da comunidade.
Dimensão no exercício da função jurisdicional de reserva total: sancionar pessoas,
reservado absolutamente aos tribunais – casos de fronteira: os policias (administração)
podem passar coimas (sancionar).
i. Ainda assim, os Tribunais não podem ser completamente afastados das
decisões, a última palavra cabe aos Tribunais, pode haver recurso para estes
nestas matérias, pois não estão vinculados aos juízo feito nestas matérias.

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3.3. A conquista da força normativa da CRP

3.3.1. A constituição como normação juridicamente vinculativa


A constituição como norma: “conjunto de normas positivas geralmente
plasmadas num documento escrito e que apresentam relativamente às outras normas
do ordenamento jurídico um caráter fundacional e primazia normativa”.
Três expressões da posição hierárquico-normativa superior da Constituição:
a. Autoprimazia normativa: não derivam de outras normas com dignidade
superior, sendo formada por:
i. Normas democraticamente feitas – legitimidade processual democrática
ii. Estruturas básicas de justiça – legitimidade material
b. Fonte primária de produção jurídica: falamos de “normas de normas”, ou seja,
implica a existência de um procedimento de criação de normas jurídicas no
qual as normas superiores constituem as determinantes positivas (regulação
parcial do conteúdo) e negativas (função de limite hierárquico) das normas
inferiores. Como as normas superiores constituem fundamento de validade
das inferiores, falamos de uma hierarquia de fontes, expressa no artigo 112º.
c. Princípio da constitucionalidade: sendo uma consequência do princípio da
conformidade, artigo 3º/3CRP, tende a ser concretizada como o princípio da
hierarquia, ou seja, conformidade e fundamento das normas inferiores com
as superiores, que em última análise desemboca na CRP.

Por que razão é que estudar hoje DC é diferente de estudar direito romano. Hoje
o direito constitucional nada tem que ver com o direito romano, pois efetivamente limita
o poder. Mas por que razão é que isto acontece hoje? Porque é que o DC está desenhado
para limitar o poder?
Hoje o DC serve mesmo para limitar o poder, efetivamente. Antes, a constituição
não era usada no dia-a-dia (século XVIII e XIX), não vinculava os tribunais, era uma mera
folha de papel. Mas por que razão é que isto terá sido assim no pós-revolução francesa?
Por que razão leis prevaleciam sobre a constituição? As leis eram detentoras de uma
maior legitimidade democrática. Quem fazia o juízo de constitucionalidade era o

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parlamento, que expressava a vontade geral, até porque os juízes eram figuras que não
geravam grande confiança. Como tal, a lei aprovada pela vontade geral tinha-se como
constitucional, pois é o mesmo parlamento que aprova a constituição. Desconfiança do
juiz da aristocracia. Por isso é que o direito constitucional era como é hoje o direito
romano.
A experiência do totalitarismo, aparentemente instrumento da liberdade, pode
tornar-se muito opressora. Depois desta experiência todos nós sabemos que o
parlamento não pode ser alvo de uma confiança cega, até porque o legislador pode ser
muito arbitrário.
Ao contrário do que se sucede no USA, em Portugal os juízes são de carreira,
exceto os juízes do tribunal constitucional, que gozam de alguma legitimidade
democrática. Mas mesmo os juízes de carreira já não são aristocratas, pois o direito ao
ensino é universal, qualquer um de nós pode concorrer à magistratura, com base no seu
mérito.

Caso 27: Pano de fundo: CRP como força normativa imposta, já não é mera letra morta
Propõem-se uma ação do conservador em tribunal 268º/4CRP. O tribunal entende
que há uma incompletude insatisfatória do ordenamento jurídico. Mas o artigo 18º/1, diz
que como os DLG se aplicam diretamente, não há verdadeira lacuna, mas sim a
necessidade de uma interpretação sistemática. Não há lacuna pois a constituição tem
força normativa, e decorre de dois DLG conjugados, que os transsexuais tenham essa
liberdade de mudança de nome. A CRP tem um conteúdo normativo que pode e deve ser
aplicada pelos tribunais nos casos da vida, devia ter logo sido aplicada pela conservatória
do registo civil. Não está em causa uma lacuna, mas sim a necessidade de uma
interpretação conforme a CRP, pois esta tem força normativa.

Primeira manifestação da força normativa da CRP: artigo 18ºCRP como normas


de DLG gozam de aplicabilidade direta.
O artigo 18º tem como fonte a constituição alemã de 1949 e o cenário que se
viveu no Estado Novo, pois a constituição tinha imensos direitos, mas dizia que estavam
sujeitos à lei, e as leis depois limitavam esses direitos. A CRP de 1976 afirma que os DLG
vinculam diretamente as relações.

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Quer isto dizer que as outras normas da constituição não vinculam? O artigo 18º
não é para ser lido à contrário. O sentido do artigo 18º/1 foi dizer que mesmo os direitos
fundamentais vinculam, porque durante muito tempo assim não era. Ao contrário do
passado, os DLG vinculam mesmo sem qualquer lei.
Em suma, posso resolver um caso com aplicação direta da CRP, sendo que a
novidade é que até os DLG vinculam diretamente os particulares.

Mas visto isto, o que são normas constitucionais? Como se subdividem?


O direito não é um conjunto de regras avulsas, sendo dotado de coerência e
consistência. Como tal, temos uma grande figura, as normas, que se podem dividir em
princípios e em regras. Sendo que existem várias classificações, mediante cada autor,
explicarei as posições do professor Jorge Miranda e do professor Gomes Canotilho.

Professor JM:
A Constituição material deve ser vista como um núcleo de princípios e não de
regras, preceitos ou disposições. Características dos princípios:
a) A maior aproximação da ideia de direito ou dos valores do ordenamento
b) A amplitude ou a maior generalidade frente às normas-regras
c) A irradiação ou projeção para um número vasto de regras em sensível
heterogeneidade
d) A adstrição a fins, e não a meios ou à regulação de comportamentos
e) A versatilidade, a suscetibilidade de conteúdos com densificações variáveis
ao longo dos tempos
f) A abertura, sem pretensão de regulamentação exaustiva, de todos os casos
g) A expansibilidade perante situações ou factos novos
h) A relatividade ou a virtualidade de harmonização, sem revogação ou
invalidação recíproca
i) A virtualidade de oferecer critérios de solução a uma pluralidade de
problemas

As regras são aplicáveis no estilo de tudo ou nada dos factos que preveem. Os
princípios, ao invés, não comportam consequências jurídicas que decorram

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automaticamente, sendo mandatos de otimização à normas que ordenam que algo seja
realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes.

a. Exercem uma ação imediata: enquanto diretamente aplicáveis Art 20ºo, 204º
e 277º --inconstitucionais as normas que infrinjam a Constituição ou os
princípios nela consignados
b. Exercem ação mediata: consiste em funcionarem como critérios de
interpretação e de integração, pois são eles que dão a coerência geral do
sistema. O sentido exato dos preceitos constitucionais tem de ser encontrado
na conjugação com os princípios

Tipos de princípios:
1. Princípios constitucionais substantivos
1. Princípios válidos em si mesmos
2. Princípios que espelham os valores básicos a que adere a Constituição
material
3. Podem ser:
1. Princípios axiológicos fundamentais: correspondem ao limites
transcendentes do poder constituinte. São todos reconduzíveis à
dignidade da pessoa humana: exemplo proibição de
discriminações; inviolabilidade da vida humana; não
retroatividade da lei penal incriminatória; integridade moral e
física das pessoas.
2. Princípios político-constitucionais: correspondem aos limites
imanentes do poder constituinte, aos limites específicos da revisão
constitucional, próprios e impróprios, e aos princípios conexos ou
derivados de uns e de outros. São os princípios do Estado de
Direito e os seus subprincípios: princípio democrático,
representativo, republicano, separação de poderes, maioria,
subordinação do poder económico ao poder político.

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3. Princípios constitucionais instrumentais: correspondentes à


estruturação do sistema constitucional, em moldes de
racionalidade e operacionalidade.
2. Princípios constitucionais adjetivos ou instrumentais: de alcance sobretudo
técnico. São complementares dos primeiros e que enquadram e dinamizam as
disposições no seu conjunto

Professor GC:
Formas de distinguir normas de princípios:
a. Grau de abstração:
a. Princípios: grau de abstração elevado
b. Regras: grau de abstração reduzido
b. Grau de determinabilidade:
a. Princípios: carecem de mediações concretizadoras, por serem vagos
b. Regras: suscetíveis de aplicação direta
c. Carácter de fundamentalidade:
a. Princípios: papel fundamental no OJ, como o princípio da igualdade,
proporcionalidade...
d. Proximidade da ideia de direito:
a. Princípios: bases radicadas nas exigências de justiça
b. Regras: normas vinculativas que podem ter um conteúdo funcional
e. Natureza normogenética: princípios são fundamentos de regras.

Tipos de princípios:
1. Princípios jurídicos fundamentais: historicamente objetivados e progressivamente
introduzidos na consciência jurídica geral e encontram uma receção expressa ou
implícita no texto constitucional
2. Princípios políticos constitucionalmente conformadores: explicitam as valorações
políticas fundamentais do legislador constituinte. Condensam as opções políticas
fundamentais e refletem a ideologia inspiradora da constituição. São o cerne
político da constituição

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3. Princípios constitucionais impositivos: subsumem-se todos os princípios que


impõem aos órgãos dos Estados, sobretudo ao legislador, a realização de fins e a
execução de tarefas
4. Princípios-garantia: visam instituir uma garantia dos cidadãos. Exemplo: nullum
crimen sine lege.

3.3.2. Normas programáticas, precetivas e diretamente aplicáveis


Relevante para a cadeira de Direito Constitucional, podemos identificar 3 tipos de
classificações de normas:
a. Normas constitucionais materiais, organizativas e procedimentais
i. Materiais:
ii. Organizativas: apenas precetivas, com um conteúdo estrito de
comando, sendo que definem os órgãos do poder, a sua estrutura,
as suas competências, as suas relações...
iii. Procedimentais: apenas precetivas, com um conteúdo estrito de
comando, sendo relativas aos atos e atividades do poder.
b. Normas constitucionais precetivas e programáticas
i. Precetivas: eficácia incondicionada
ii. Programáticas: dirigidas a certos fins e transformações, não só da
ordem jurídica
c. Normas constitucionais exequíveis e não exequíveis por si mesmas
i. Exequíveis: sem necessidade de lei que as complemente
ii. Não exequíveis por si mesmas: carecem de aplicação por normas

Destas últimas duas categorias passo a tratar com especial cuidado. Sendo que
analisarei, primeiro, a matéria das aulas, passando, no fim, a um apanhado teórico.
Caso 28: artigo 58º/1, nos direitos e deveres económicos, sociais e culturais (segundo tipo
de direitos fundamentais). Será que estes são, também, diretamente aplicáveis?

A força normativa da CRP significa que esta é norma aplicada pelos tribunais,
mesmo no campo dos DLG. Mas os direitos sociais geram um problema, pois acabar com

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o desemprego é algo difícil de garantir, pois tem que haver iniciativa económica. De que
serve o direito à habitação se não há sítio para colocar as pessoas que vivem em bairros
de lata. Todos temos direito à saúde, mas e se não houver médicos ou hospitais?
Isto é tudo fantástico, mas depende de uma transformação que não se faz por lei,
se não todos os políticos eram um sucesso. Tudo isto tem programas sociais por de trás.
Mas tudo isto são normas programáticas, ou seja, um programa político de ação a ser
aplicado não só no campo legal.
As normas dos direitos sociais eram vistas como normas programáticas, que não
se esgotam no campo legislativo, pois não basta uma lei a dizer que todos têm trabalho,
pois se não houver mais dinâmica o emprego não surge. As outras são normas percetivas,
como o direito à vida, que não depende de programas de ação políticos. A generalidade
das normas da CRP são percetivas.

Qual a diferença entre as normas programáticas (direitos sociais) e o número 6


do artigo 41º? O artigo 41º/1 é uma norma percetiva e diretamente aplicável. Contudo,
o número 6 depende da lei, é percetiva, mas não exequível por si mesma, mas depende
só de lei.
O desafio está em perceber como é que as normas programáticas podem ser
levadas a sério, para não serem uma espécie de um aleluia jurídico. Tem sido feito um
trabalho para dar força normativa a estas normas programáticas. Como é o exemplo do
caso 28.
Este programa do artigo 59º/1e) CRP carece de aplicação, o PJ invoca a
inconstitucionalidade por omissão, pois nada fez em relação ao subsídio de desemprego
para os funcionários públicos, pelo artigo 283º.
Se o programa de ação que a legislação consagra for violado pelo legislador, o TC
pode declarar inconstitucionalidade por omissão. Mas a única consequência é a
comunicação ao legislador dessa omissão, nº2. Isto ainda é muito pouco para garantir a
exequibilidade das normas programáticas.
Artigo 74º/2 a) e h), ambas são normas programáticas, mas a h) é muito vaga, a
alínea a) é uma norma muito mais densificada. Mesmo as normas programáticas têm
diferentes graus de exequibilidade.

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Visto isto, as normas programáticas vão ganhando força pois muitas deles têm um
conteúdo denso e apontam numa direção, artigo 74º 2e), que tem uma norma
programática (ser tendencialmente gratuito) e outra precetiva (não poder subir).

A lei ordinária que estabelece que as pessoas com mais de 65 anos não podem
ser despejadas. Isto vem a propósito do direito à habitação. Se esta limitação
desaparecer, há um retrocesso social, reduz-se garantias que já tinham sido conferidos.
Há quem diga que, com limites, pode haver travões à possibilidade de retrocesso. Se já o
concretizou, não pode apagar simplesmente o que fez, a menos que haja razões
ponderosas para tais novas posições.
Os direitos sociais são normas programáticas exigem programas de ação, foram
vistas como o patinho feio do constitucionalismo, pois não serviam para nada. Porém, há
argumentos para a sua tendencial aplicação:
1. Inconstitucionalidade por omissão: argumento fraquíssimo
2. Mas estas normas são muitas vezes já densificadas, logo já pode haver alguma
inconstitucionalidade numa lei que vá ao arrepio destas normas. Exemplo de
aumentar o custo do ensino superior.
3. Pode também ser inconstitucional se já houver concretização por lei, e sem
razão nenhuma haja um retrocesso legislativo no âmbito desse direito social
a. Entendimento muito discutível, pois muitas vezes as leis são resultado
de opiniões políticas, que variam consoante a maioria. Matéria de DF,
esta teoria do não retrocesso social é muito questionada.
4. Os direitos sociais são para levar a sério, pois podem ter um conteúdo mínimo
diretamente aplicável.
a. Exemplo: havia muitos bairros de lata, as autoridades tentaram acabar
com eles. Podiam acabar com estes bairros clandestinos ainda que não
fizessem mais nada para garantir a habitação? Se eu contruir uma
moradia ilegal ela pode ser destruída, mas se demolirmos um bairro
social sem que haja segunda habitação, não se pode destruir sem mais.
Logo o direito à habitação tem um conteúdo mínimo aplicável.
Tudo isto para dizer que no campo dos DS, onde abundam normas programáticas,
a ideia de que a CRP não é para ser levada a sério é um entendimento que pertence à

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história, tendo caindo em desuso. Passando ao entendimento classificativo do professor


Jorge Miranda:
1. Normas programáticas e Normas precetivas: a diferença não reside na natureza
(jurídica) nem no valor (constitucionais), mas sim na estrutura e na projeção no
ordenamento. Ambas são cláusula vinculativa, e não meras proclamações
políticas.
a. Programáticas
i. Definição, sendo requisitos não cumulativos:
1. Não são de aplicação ou execução imediata
2. Por prescreverem obrigações de resultados, e não de meios
3. Por explicitarem comandos-valores
4. Por conferirem elasticidade ao ordenamento constitucional
5. Têm como destino primeiro o legislador, que pondera quando e
como as reveste de eficácia
6. Têm um conteúdo que depende das opções do legislador
ii. Os seguintes traços não lhes retiram juridicidade:
1. Nem a eficácia diferida nem a elasticidade queridas parte do
legislador constitucional
2. Nem o mais próximo contacto com os valores do ordenamento
3. Nem o avultar do legislador como destinatário
4. Nem a abertura ou indeterminação
5. Nem a pretensa impossibilidade de os cidadãos exercerem por si
só os direitos que tais normas atribuam

2. Normas exequíveis e Normas não exequíveis por si mesmas: o critério distintivo


está na própria norma, e estabelece a completude, ou incompletude, desta.
a. Não exequíveis por si mesmas, que podem ser:
i. Prescritivas: necessidade de complementação de uma norma
constitucional por normas legislativas. O legislador acha-se realmente
adstrito a fazer lei necessária à sua plena concretização.
ii. Permissivas: não se verifica tal necessidade, sendo que uma eventual
não realização do disposto não gera inconstitucionalidade

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1. Exemplo: artigo 15º, números 4 e 5, CRP.


3. Normas precetivas exequíveis, Normas precetivas não exequíveis e Normas
programáticas: todas as normas exequíveis podem considerar-se precetivas, mas
o contrário não é necessariamente verdade. As normas programáticas são não
exequíveis, sendo que podem ter conteúdo precetivo que seja exequível.
a. Diferença entre normas não exequíveis, sabendo que ambas necessitam
de concretização (≠regulamentação):
i. Programáticas: exigem não só lei, como providências administrativas e
operações materiais
1. Dependem de fatores jurídicos e políticos, mas mais importante
que isso, de fatores económicos e sociais.
2. Maior grau de liberdade do legislador: pois apenas são alvo de
legislação quando haja sido verificado os pressupostos de facto
inerentes à sua concretização.
ii. Precetivas: postulam apenas a necessidade de intervenção do
legislador, artigo 41º/6 CRP, para as atualizar ou efetivar.
1. Dependem de fatores jurídicos e políticos.
2. Menor grau de liberdade do legislador: pois carecem de ser
reguladas em prazos curtos, decorrentes da norma.
b. Exequíveis: os comandos constitucionais atualizam-se por si só.
c. Grau de efetividade:
i. Normas precetivas exequíveis
ii. Normas precetivas não exequíveis: dependem só de lei
iii. Normas programáticas: dependem, também, de condições
económico-sociais

Aplicabilidade direita das normas constitucionais:


Por serem verdadeiras normas jurídicas, as normas constitucionais são
diretamente aplicáveis. Falamos de aplicação direta na relação entre privados e/ou com
o Estado (artigo 18ºCRP), nas relações entre órgãos do Estado (artigos 133ºCRP e ss) e
nas relações entre os titulares desses órgãos (artigo 157ºCRP). Os próprios princípios,
igualdade, proporcionalidade e proteção da confiança, são, à partida, de aplicação direta.

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Mais ainda, quanto às normas não exequíveis, também podem ter aplicação
direta quando:
1. São emitidas normas legais contrárias, ou que visem comportamentos que
tendam a impedir a produção dos efeitos por elas impostos.
2. Concretizadas por normas legais, estas não podem ser simplesmente revogadas,
havendo um retrocesso social. Este princípio não é, nem pode ser, de
acolhimento absoluto, pois muita concretização é desfeita mediante a cor
partidária e/ou interesses legítimos de ordem pública.
3. Mas mesmo assim, com aplicabilidade direta, mediata, só por constarem na CRP
devem ser tidas em conta no processo interpretativo (sistematicamente); bem
como podem ser alvo de analogia; e fixam critérios para o legislador.

3.3.3. Princípio da interpretação conforme à Constituição


A problemática da interpretação
A interpretação é sempre necessária, não pode haver aplicação de normas sem a
sua interpretação. Passa pela letra, mas deve ir além dela. Existem várias dificuldades de
origem endógena na interpretação das normas constitucionais:
1. A variedade das normas quanto ao objeto e à eficácia
2. A incompleição ou a indeterminação de muitas das normas
3. A sua linguagem
4. A inadequação das técnicas sbsuntivas
5. A proximidade dos factos políticos

Dificuldades de origem exógena:


1. A prevalência, na redação de preceitos, das fórmulas proclamatórias
2. As deficiências de legística ou de técnica legislativa
3. A origem compromissória de constituições de estado social de Direito
4. Os diferentes desígnios por que se movem os órgãos de poder

A interpretação constitucional não é “um evento exclusivamente estatal”, sendo


que o povo é também um elemento pluralista para a interpretação que se faz presente

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de forma legitimadora no processo constitucional. Aceitamos o acesso dos cidadãos à


Constituição como decorrência do direito de acesso ao direito e como exigência do
princípio da cidadania. Contudo, só os tribunais como órgãos com competência para
administrar a justiça em nome do povo, fazem interpretação jurídico-constitucional
vinculativa

Postulados da interpretação constitucional e seus corolários


1. Unidade
A constituição deve ser apreendida como um todo, na procura de coerência e de
harmonia no sentido das normas
É igualmente necessário enquadrar cada norma no seu contexto, numa
perspetiva material que tenha em conta a realidade subjacente às normas

2. Identidade
A unidade da constituição é a chave da sua identidade
A partir da unidade da constituição chega-se à constituição material de cada
Estado em cada momento, permitindo assim saber o sentido de disposições
particulares

3. Adequação
Inseridas num sistema com princípios que identificam, as normas constitucionais
prosseguem os correspondentes fins
Assim, as formulações linguísticas donde constam devem ser interpretadas à luz
desses fins, procurando-se resultados que sejam com eles os mais consentâneos
Este postulado tem particular importância na área dos direitos fundamentais, em
que cabe definir com rigor os bens jurídicos procurando entender
adequadamente as restrições a que estejam, porventura, sujeitos, traçar
fronteiras e, com ponderação entre esses bens jurídicos, conseguir ultrapassar
conflitos;

4. Efetividade
Decorre da incindibilidade da interpretação e da aplicação

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Porque são expressões verbais correspondentes a verdadeiras normas jurídicas,


há que ser encontrada uma função útil no ordenamento, um sentido conformador
dos factos e situações apto a servir de parâmetro de decisão judicial.
A uma norma fundamental tem de lhe ser conferido sentido que maior eficácia
lhe dê
Implica consideração, na inconstitucionalidade material, de fenómenos de desvio
de poder legislativo, traduzimos na contradição entre os fins das normas e dos
atos e os fins das normas constitucionais, de forma a precaver a violação de
princípios

5. Supremacia
Não é a constituição que deve ser interpretada de acordo com a lei; é a lei e todo
o direito infraconstitucional que devem ser interpretados em conformidade com
a Constituição

Referência a conceitos indeterminados:


A sua determinação ou densificação tem de ser pautada pela perspetiva dos
princípios, bens e interesses constitucionalmente relevantes.
Tanto o legislador como o interprete não podem transfigurar o conceito, de modo
a que cubra dimensões essenciais e qualitativas distintas daquelas que caracterizavam a
sua intenção jurídico-normativa

Artigo 9º CC
As regras podem ser aplicadas à constituição uma vez que traduzem uma vontade
legislativa, não havendo nenhuma lei constitucional que não a contrarie “não há
problema”
Regras sobre estas matérias podem considera-se substancialmente
constitucionais, não repugnando, mesmo vê-las dotadas do valor de costume
constitucional.

A interpretação conforme à constituição:

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As leis de revisão constitucional devem ser interpretadas em conformidade com


os princípios constitucionais fundamentais.
Cada norma legal não pode apenas ser captada no conjunto das normas da
mesma lei, mas também tem de ser considerar no contexto da ordem constitucional.
Nota: por uma questão de relações diplomáticas ressalva-se o Direito
Internacional em que embora se imponha o respeito pelos princípios
fundamentais da constituição, a interpretação conforme à constituição
nunca pode afetar o objeto e fim de um tratado
Consiste em discernir um sentido que, mesmo quando não aparente ou não
decorrente de outros elementos de interpretação, seja o sentido necessário e o que se
torna possível por virtude da força conformador da Lei Fundamental

Interpretação integrativa:
Da interpretação conforme com a constituição em sentido estrito distingue-se
aquilo a que pode chamar-se interpretação integrativa da lei com a constituição
Traduz-se em interpretar certa lei (que tenha preceitos insuficientes e, nessa
medida, inconstitucionais) completando-a com preceitos da constituição sobre esse
objeto que lhe são aplicáveis e porque diretamente aplicáveis

Diferentes impactos:
Fiscalização concreta à Cabe ao TC fazer a interpretação conforme a constituição
e ela impor-se-á ao tribunal, devendo a mesma ser aplicada
Fiscalização abstrata:
a. Uma decisão do TC no sentido da não inconstitucionalidade não tem, nem
pode ter eficácia jurídica vinculativa;
b. Apenas a pronúncia ou declaração pela inconstitucionalidade tem força
obrigatória geral
c. Se o TC não concluir pela existência de inconstitucionalidade com base em
certa interpretação conforme com a constituição, esta não obrigará
nenhum tribunal ou nenhuma autoridade e, assim, poderá uma
interpretação não querida pelo TC vir a ser adotada na prática

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As lacunas da constituição e a sua integração


1. A lei constitucional não regula tudo quando dela deve ser objeto. Veja-se:
a. Declaração universal dos Direitos do Homem – art 16º/2
b. A devolução para a lei ordinária e para regras de Direito internacional da previsão
de direitos fundamentais afora os contemplados na constituição (art 16º/1)
2. Há vários tipos de lacunas, intencionais, não intencionais... etc
3. Algumas dúvidas podem suscitar-se perante a Constituição em sentido formal, no
sentido de saber se aqui não haveria apenas situações juridicamente reguladas,
de forma expressa ou tácita, e situações extra constitucionais e não também
lacunas
4. A integração de lacunas de normas formalmente constitucionais deve ser feita no
interior da constituição formal e à luz dos valores da constituição material, sem
recursos a normas da legislação ordinária
a. Deve aplicar-se o art 10º CC

5. Lacunas e omissões legislativas não são a mesma coisa


a. Lacunas:
1. Situações constitucionais relevantes não previstas
2. São detetadas pelo intérprete e pelos órgãos aplicadores do direito
b. Omissões legislativas:
1. Reportam-se a situações previstas, mas a que faltam as estatuições
adequadas a uma plena efetivação das respetivas normas no programa
ordenador global da constituição
2. Só podem ser fiscalizadas especificamente pelos órgãos de fiscalização da
inconstitucionalidade por omissão

6. O preenchimento de lacunas significa a determinação da regra para aplicação ao


caso concreto e é tarefa do intérprete e do órgão de aplicação

Exemplo de lacuna da constituição à a ausência de prazo para o PR promulgar as leis de


revisão constitucional

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3.3.4. A constituição como fundamento de validade de atos jurídico-públicos

Às diversas funções do Estado correspondem diferentes categorias de atos:


a. Leis (constitucionais e ordinárias)
b. Atos do governo
c. Eleições e referendos
d. Regulamentos
e. Atos administrativos
f. Atos jurisdicionais ou sentenças

Conjunto dos atos jurídico-públicos:


a. Atos do Estado (e das demais entidades públicas) no exercício de um poder
público e sujeitos a normas de Direito Público
b. A eles contrapõem-se quer os atos de gestão privada quer os atos de particulares

Os atos jurídico-constitucionais, como tipo de atos jurídico-constitucionais


a. Dizem-se os atos cujo estatuto pertence a título principal ao direito constitucional
b. Atos regulados por normas da constituição
c. Atos provenientes de órgãos constitucionais e com a sua formação adstrita a
normas constitucionais
d. Atos da função política-legislativa e governativa e atos de garantia jurisdicional da
constitucionalidade
e. São os únicos que a Constituição especifica e visa disciplinar em articulação com
as competências próprias dos órgãos e dos colégios eleitorais que institui
f. Estão direta e imediatamente subordinados à CRP
g. Através deles projetam-se, desde logo, as opções politico-constitucionais ou a
ideia de Direito arrimada na Constituição
h. Aqueles a respeito dos quais se suscitam fundamentalmente problemas de
inconstitucionalidade
i. Alguma enumeração no artigo 119ºCRP embora com algum excesso

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Pressupostos, elementos e requisitos


1. Pressupostos
Condições prévias e exteriores ao ato, de que depende a sua existência ou a
sua formação
O pressuposto mais importante e comum a todos os atos jurídico-
constitucionais é a competência que implica:
Que o ato dimane de um órgão do Estado
Que o ato dimane de um órgão competente em razão da matéria
Que o ato dimane de um órgão competente em razão dos outros fatores
de competência (tempo, lugar, pessoas)

2. Elementos
Partes integrantes do ato, definidoras do seu modo de ser ou da sua estrutura.
Qualquer ato jurídico é uma manifestação de vontade juridicamente
relevante, e não há vontade sem objeto e sem forma, podem assim ser
apontados 4 elementos:
a) Vontade
a. Forçosamente funcional
b. O que tem como consequência a necessidade de, pelo menos,
eventuais vícios na sua formação não poderem desenhar-se em
moldes idênticos aos dos vícios do negócio jurídico

b) Objeto
a. Objeto imediato ou conteúdo
i. Efeito ou conjunto de efeitos a que o ato se dirige
ii. A realidade jurídica sobre a qual o ato incide
iii. A transformação da ordem jurídica objetiva ou a
constituição, modificação ou extinção de relações ou
situações jurídicas que determina
b. Objeto mediato
i. A realidade do facto que lhe subjaz

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ii. O conjunto de situações que o ato conforma ou sobre


que faz recair os seus efeitos

c) Fim
d) Que o órgão prossegue através do ato
e) Distinga-se a causa ou função típica objetiva e o fim assumido
especificamente em relação a cada ato em concreto
f) Forma
a. Declaração ou exteriorização da vontade, de ordinário traduzido
numa forma típica consoante o tipo de ato de que se trate e que
comporta as formalidades necessárias a prepará-lo ou a
completá-lo;

3. Requisitos
a) São os pressupostos e os elementos tomados não tanto da perspetiva da
estrutura quanto dada sua conformidade com a norma jurídica e da
apreciação que esta faz sobre eles
b) Aparecem no plano dos valores, interesses e finalidades que a ordem
constitucional liga aos pressupostos e aos elementos do ato
c) Reportam-se à garantia do interesse público como à proteção dos direitos e
interesses dos cidadãos que por ele possam vir a ser atingidos
d) Correspondem à apreciação variável de ato para ato, que a ordem
constitucional faz da presença ou ausência desses pressupostos e
elementos, às vezes também em graus variáveis. Deste prisma:
I. Requisitos orgânicos à prendem-se com a competência
II. Requisitos materiais à prendem-se com a vontade e o objeto
III. . Requisitos formais à prendem-se com a forma
Nota:
Orgânicos + formais à têm que ver com a sua formação e a sua
manifestação
Materiais à opõem-se aos de cima e têm que ver com o sentido e o
conteúdo do ato

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e) A apreciação da ordem constitucional sobre qualquer ato jurídico-


constitucional assenta na ponderação dentro do seu contexto, dos requisitos
enunciados. Essa ponderação envolve uma maior ou menor virtualidade de
subsistência ou de produção de efeitos. Há assim 3 categorias:
1) Requisitos de qualificação
o De recondução ou subsunção do ato em qualquer dos tipos
de constitucionais de ato estabelecidos
ð Exemplo: lei de revisão constitucional, decreto-lei etc
o A preterição destes requisitos conduz a inexistência
jurídica do ato

2) Requisitos de validade
o perfeição do ato ou de plena virtualidade de produção dos
seus efeitos jurídicos típicos
o a sua preterição acarreta invalidade que se desdobra em
nulidade e anulabilidade

3) Requisitos de regularidade
o de adequação do ato às regras constitucionais (formais),
independentemente da produção dos seus efeitos
o A sua preterição conduz a irregularidade do ato

f) Num plano diferente existe o requisito da eficácia à realização prática dos


efeitos do ato, através da obtenção de condições positivas ou da superação
de obstáculos

A CRP contém regras comuns a todos os atos jurídico-constitucionais:


a) Necessário conformidade com a CRP (art 3º/3)
b) Pluralidade de votos, quando se tratem de órgãos colegiais
c) Admissibilidade de delegação só nos casos e nos termos expressamente
previstos na CRP e na lei

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d) Publicidade, através da publicação no DR


e) Responsabilidade civil do Estado e das demais entidades públicas por ações
que resulte em violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para
outrem, bem como da responsabilidade política, civil e criminal dos titulares
de cargos públicos pelas ações que pratiquem no exercício das suas funções

Os valores jurídicos do ato jurídico-constitucional ou graus de apreciação não


significam senão diferentes valorações, tomando os requisitos como critérios de
conformidade com a constituição

Tipologias de atos jurídico-constitucionais


Há inúmeras categorias de atos jurídico-constitucionais que decorrem das
diferentes feições dos seus elementos estruturais.
a) Atos de produção instantânea à certo e determinado momento

b) Atos de produção sucessiva


a) Exemplo: feitura de uma lei- exige todo um conjunto de atos, ao longo do
tempo, indo neste caso desde a iniciativa até à promulgação
b) Relativamente aos atos de produção sucessiva, analisam-se:
a. numa pluralidade de atos simples que se sucedem no tempo,
b. praticados por vários órgãos ou sujeitos onde interferem ou podem
interferir diversos órgãos ou sujeitos,
c. sendo que esses atos são autónomos ou autonomizáveis,
interdependentes e coordenados entre si;
d. o resultado traduz um ato jurídico complexo que congloba ou substitui
os sucessivos atos parcelares precedentes.
Nota:
Relativamente aos atos de produção sucessiva, a doutrina tem feito a distinção entre
processo e procedimento.
Processo à para os atos de produção sucessiva a cabo dos tribunais (C. Processo
Civil)

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Procedimento à relativamente aos atos de produção sucessiva dentro da função


política e dentro desta, da legislativa, mas também da função administrativa.

Cada ato inserido no procedimento ou processo legislativo ou político tem de ser


apreciado, quanto à sua validade e à sua regularidade, de per si; não há que apreciar só
o resultado final ou o ato em que este se traduz.
c) Atos livres
a. o órgão pode escolher se deve ou não praticar esses atos
è Exemplo: feitura das leis, sem contar com as normas não
exequíveis por si mesmas

d) Atos devidos ou obrigatórios


a. atos que a CRP impõe verificados determinados pressupostos são atos
devidos
è Exemplo: apresentação do programa pelo Governo

e) Atos tácitos
a. a norma presume uma vontade ou, doutra perspetiva, liga à não
manifestação de vontade certa consequência.
b. a vontade ainda é relevante no ato tácito, mas não o é na preclusão.
c. preclusão à pelo decurso do tempo, se esgota ou deixa de poder ser
exercido
d. certo poder
è Exemplo: veto político ao fim de x dias

f) Omissões (não é um ato jurídico-constitucional)


a. Uma omissão vai ser assim uma abstenção que o Direito trata
negativamente
b. verifica-se sempre quando, mandando a norma reguladora de certa
relação ou situação praticar certo ato ou certa atividade nas condições
que estabelece, o destinatário não o faça, nos termos exigidos nem em

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c. tempo útil, e a esse comportamento se liguem consequências mais ou


menos adequadas.

Pode haver inconstitucionalidade por omissão de atos legislativos (ex.: normas


não exequíveis por si mesmas).

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3.4. O sistema específico de fiscalização jurisdicional da


constitucionalidade

3.4.1. Considerações Gerais


É, sem dúvida, o instrumento mais forte que a CRP tem para limitar o poder, que
reivindica uma tensão entre a vontade democrática e um juiz que, em nome da CRP,
trava essa lei ou outro atos de poder público relevante.
Historicamente, entendia-se que nenhum tribunal podia declarar nenhuma
norma inconstitucional. Contudo, com o evoluir dos anos, passaram a existir 3 grandes
formas de fiscalização da constitucionalidade: autocontrolo político por parte do
legislador, fiscalização jurisdicional difusa (por todo e qualquer tribunal), fiscalização
jurisdicional concentrada (pelo TC).

Para começar, o caso 30: significados da palavra “inconstitucional”


6. 1ª aceção: na perspetiva do UK, Dicey afirma que se uma lei do parlamento violar
uma qualquer norma que se considera de relevância constitucional, isso apenas
exprime uma opinião de quem afirmou tal coisa, mas não quer dizer que a lei viole
a ordem constitucional (ilegítima) ou que seja nula. Em larga medida isto ainda se
mantém hoje porque não há constituição formal, nem nenhuma rigidez
constitucional, logo para a mudar o processo é o mesmo que de qualquer lei. Um
dos grandes princípios constitucionais é a primazia/soberania do parlamento.
7. 2ª aceção: caso de França, falamos apenas de um juízo político de censura. Os
tribunais continuam a aplicar a lei, como o caso suíço (adiante).
8. 3ª aceção: caso USA, mesmo que alguém concorde com o ato, ser inconstitucional
é declarar que certo ato está para além dos poderes do congresso. Fiscalização
jurisdicional direta.

O que pode explicar o que se passa na suíça em relação a não haver controlo da
fiscalização da constitucionalidade: nenhuma lei nasce inconstitucional, pois a
inconstitucionalidade deriva das opiniões e interpretações feitas. Logo, saber se a lei viola
a constituição carece de um juízo, que não é evidente.

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Uma vez que o legislador faz logo o juízo de que a lei não é inconstitucional. Então
quem é que faz ou deve fazer o juízo que a lei viola a constituição? Temos duas hipóteses:
tribunal (substitui o juízo democrático pelo próprio juízo) ou legislador. Na suíça há um
constante recurso a referendo, que tem modelos de representação direita, logo o povo
é que deve ser o primeiro juiz no que toca aos seus direitos. O juiz não tem nenhuma
autoridade reforçada. Temos um conflito de juízos, sabendo que o primeiro passa o crivo
da opinião pública, logo até pode ser alegado que a lei não é inconstitucional, mas isto
baseia-se numa crença de bondade do legislador democrático, que nem sempre
acontece pois muitas vezes sabe que passa os limites mas legisla à mesma.

Sendo assim, temos três hipóteses para fazer o juízo:


Legislador: modelo de autocontrolo político, pois está consciente das limitações que lhe
são impostas, e está limitado ao eleitorado. O controlo é político, e apenas o legislador o
pode fazer, ou seja, autocontrolo. Assumimos que o legislador é bom, e sempre que faz
uma lei crê que está conforma a constituição.
Qualquer tribunal: modelo de fiscalização jurisdicional difusa. Caso 30 b) Adams perde
eleições para Jefferson, mas antes nomeia imensos juízes, e um dos juízes não recebe a
carta a tempo, mas vem por uma ação pois devia ser eleito juiz contra o secretário de
estado do novo presidente. O caso vai ao supremo, e o Marbury diz que o erro foi de um
oficial do estado, sendo que um particular não pode ser afetado, Madison não se
defendeu grande coisa, pois disse que era o que faltava o USSC pôr em causa o ato do
novo presidente. O tribunal estava encostado à parede pois o juiz tinha argumentos
sólidos, mas o presidente tinha acabado de ser eleito. O tribunal deu razão ao Marbury,
mas isto ia colocar o USSC contra o novo presidente, logo o tribunal decide que a lei em
que se define a sua nomeação era inconstitucional, logo ele não tinha o direito a fazer tal
coisa. Era inconstitucional por uma concretização de uns anos anteriores. Basicamente
diz, se pudesse decidir o juiz ganhava, mas a lei ordinária que me dá competência para
decidir estes casos é inconstitucional, eu não posso decidir. Sempre que há um conflito
entre a lei ordinária e a constituição, o tribunal tem que aplicar a constituição, pois a lei
é nula. Este juiz definiu um pensamento que tem que ser aplicado por todos os juízes.
Logo introduz um modelo de fiscalização jurisdicional difusa, pois todo o tribunal tem que
olhar à lei com o crivo da constituição. Este sistema foi adotado em Portugal em 1911,

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no artigo 63º. Foi a primeira constituição na europa a dotar outro sistema para além do
autocontrolo político, mas este modelo não vingou.

Fiscalização jurisdicional concentrada, controlo apenas por um órgão: então a europa


teve que adotar um sistema nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Foi assim que nasceu,
no século XX, o modelo de Hans Kelsen, embora não foi quem teve a ideia, foi quem a
desenvolveu, na Constituição austríaca de 1920. Passa a admitir um órgão que possa
fiscalizar a fiscalidade das leis, um juiz amigo do legislador, o tribunal constitucional. Este
sistema significa que quando uma lei é aprovada, todos estavam obrigados pela lei
inconstitucional, o que havia era a possibilidade do TC vir a declarar a lei inconstitucional,
mas até lá aplicava-se por todos. Mas como é que a lei chegava ao TC? Só podia ser
requerida por certo número de pessoas, o que veio a evoluir. O próprio Kelsen começou
a alterar caminho em revisões constitucionais, até por causa das guerras, uma vez que a
lei pode ser a maior inimiga da CRP. Houve a confirmação de que não se pode confiar na
lei, nem no juízo do legislador sobre a lei que faz. Temos que ter um sistema que garanta
que as barbaridades não possam voltar a acontecer. O modelo de fiscalização
concentrada já não tem nada que ver com um juiz amigo do legislador, tem que haver
um controlo efetivo da constitucionalidade das leis.

No caso português a resposta está no artigo 282º/2CRP em relação a quem pode


requerer a fiscalização abstrata das leis.
Mas porquê um TC? 221º CRP, um tribunal com juízes independentes, com própria
legitimidade, especializado em assuntos constitucionais.
Como se passa da solução inicial, para um TC que possa controlar o legislador? Dar
grandes portas de acesso ao TC. Sendo assim:
1. Para impedir que a lei constitucional entre em vigor existe
a fiscalização preventiva: artigo 278ºCRP.
2. Artigo 204ºCRP: os tribunais não podem aplicar leis
inconstitucionais, com o artigo 3º/3 CRP.
3. Pode haver fiscalização sucessiva abstrata: artigo 281ºCRP
4. Existe uma fiscalização concreta: artigo 280ºCRP, que é
lido por cima do 204º. Como o tribunal não pode aplicar

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uma norma inconstitucional. Recusa a aplicação e essa


decisão pode ser recorrida para o tribunal constitucional.

Hoje o modelo de fiscalização concentrada num TC já não tem nada que ver com
o modelo original de Kelsen em que a solução ainda protegia o legislador. Pretende-se
que se facilite o acesso a este TC para garantir um sistema eficaz que impeça leis
inconstitucionais. Em Portugal temos duas vias: concreta e abstrata. O TC pode fiscalizar
abstratamente uma lei, ou concretamente uma lei:
a. Abstrata: quando a questão lhe é colocada por um dos órgãos com
competência política, independente de qualquer caso concreto, não quer dizer
que não possa haver um caso concreto que influencie o recurso, contudo o
processo não depende do caso concreto. Esta fiscalização abstrata pode ser de
dois tipos: póstuma à publicação da lei (282º- fiscalização abstrata sucessiva)
ou pode excecionalmente ser preventiva (278º - fiscalização abstrata
preventiva).
b. Concreta: umbilicalmente ligada ao caso concreto, a um feito submetido a
julgamento. Artigos 204º e 280ºCRP. Se se discute uma interpretação de uma
lei, um tribunal pode ter uma interpretação diferente do que outro, por isso é
que à primeira decisão concreta não se declara logo a lei inconstitucional com
força obrigatória geral. Como há formas de os tribunais superiores garantirem
que as interpretações são coerentes, não se pode logo declarar a lei
inconstitucional. Por isso o artigo 280º permite recurso para o TC quer em casos
de não aplicação por ser constitucional, quer por o tribunal ter entendido não
ser inconstitucional, mas a parte ter alegado que era. Esta fiscalização é
concentrada no TC, mas por ser o modelo mais eficaz de controlar as
barbaridades da história e não por ser um amigo do legislador. Há possibilidade
de todo e qualquer tribunal não se sentir vinculado à lei inconstitucional,
colocando a questão ao TC. Isto garante uma tutela muito eficaz da CRP.

Em Portugal, a fiscalização é sempre contra normas, na Alemanha e em Espanha há


a possibilidade da decisão de amparo, ou seja, queixar-se ao TC de decisões de um juiz.

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3.4.2. Objeto do controlo e fiscalização com fundamento em


inconstitucionalidade ou ilegalidade qualificada.
O sistema português contempla a fiscalização da constitucionalidade de atos normativos,
sendo eles:
a. As leis de revisão constitucional, pela violação de limites materiais ou
temporais
b. Direito internacional e direito supranacional, que careçam de ratificação
c. Atos legislativos
d. Regimentos das assembleias
e. Atos normativos da administração
f. Resoluções normativas da AR e das assembleias regionais
g. Atos normativos do PR
h. Normas referendárias
i. Convenções coletivas de trabalho
j. Assentos
k. Estatutos das associações públicas
Por outro lado, os atos que não podem ser alvo de fiscalização de constitucionalidade
são:
a. Atos políticos
b. Atos administrativos
c. Decisões dos tribunais: não contrariamos o artigo 280º/1 CRP pois o que está
em causa é a inconstitucionalidade da norma, aplicada ou não.

O regime de fiscalização abrange:


1. Inconstitucionalidade – artigos 204º e 277º e ss
2. Ilegalidade por violação de leis de valor reforçado e por outras leis – artigos 204º,
280º e 281º.
3. Ilegalidade sui generis por infração por norma de direito interno de norma de
Direito Internacional convencional – artigo 70º/1 i) Lei do TC (fiscalização
concreta)

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4. Ilegalidade sui generis decorrente da contradição entre lei ou tratado e o


resultado de referendo vinculativo – artigo 115º.

A inconstitucionalidade pode ser:


1. Direta: quando um ato normativo viola uma norma da CRP
2. Indireta: quando, em casos de ilegalidade, a constituição é violada indiretamente
1. Estas apenas podem ser fiscalizadas quando são de especial importância,
ilegalidades qualificadas, patentes no artigo 281ºCRP.
2. A administração está sujeita ao princípio da legalidade, artigo 266ºCRP, se
um regulamento viola uma lei, à partida não pode ser fiscalizado pelo TC.
Porém, se um DL de desenvolvimento viola uma lei de bases, pode ser
fiscalizado, até porque há uma violação indireta do artigo 112º/3 CRP.

O tribunal constitucional pode decidir sobre questões moralmente controversas,


apesar de haver limites para tal, ainda que haja doutrina que não concorde.

Âmbito de cada fiscalização (ver artigos do esquema) e fundamento:


a. Preventiva: atos legislativos e convecções internacionais
i. Apenas de inconstitucionalidade (278º/1 e 2)
b. Sucessiva: a quaisquer normas
i. Concreta: inconstitucionalidade ou ilegalidade pelos artigo 204 e
280º, bem como 70º Lei do TC.

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ii. Abstrata: inconstitucionalidade ou ilegalidade, mas não abrange


ilegalidade de normas legislativas com direito internacional
convencional
c. Omissão: a normas legislativas

O regime de fiscalização não abrange:


a. Ilegalidade sui generis por norma de direito interno infringir normas de
DUE.
i. Mecanismos previstos pelo DUE, os tribunais podem não aplicar a
norma de direito interna, mas o TC não pode intervir
b. Ilegalidade sui generis por normas dimanadas de órgão da UE ou outra
organização internacional infringirem normas dos respetivos tratados
constitutivos
i. Os tribunais portugueses não as deverão conhecer
c. Ilegalidade de normas regulamentares, exceto infração direta do estatuto
político-administrativo regional por regulamento emanado de órgão de
soberania ou regional
i. Os mecanismos de fiscalização são os do contencioso
administrativo.

Salvo a fiscalização preventiva, não há prazos para provocar a abertura de


qualquer processo de fiscalização, independentemente da data da emanação da norma.
Tipos de juízos de inconstitucionalidade:
Por ação VS omissão :
Ação à a mais importante e mais verificada
É a inconstitucionalidade positiva.
A que se traduz na prática de um ato jurídico-público que, por
qualquer dos seus elementos, infringe a CRP.
Omissão
Inconstitucionalidade negativa.
Resulta da inercia ou do silêncio de qualquer órgão do poder, o qual
deixa de praticar certo ato exigido pela CRP

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Total VS parcial
Total àquando a inconstitucionalidade inquina todo o diploma ou ato jurídico
Parcial àatinge apenas uma as partes ou normas do diploma ou ato

Material VS formal, dentro da categoria “por ação”


Material à conteúdo infringe a CRP
Formal à forma do ato jurídico-publico não é a exigida pela CRP ou infringe
o procedimento
Quando se fala de FORMAL ORGÂNICA
Norma violada é uma norma Constitucional de competência
Por exemplo um órgão sem competência para legislar
sobre certa matéria fazê-lo

Fiscalização:
Quanto aos órgãos de fiscalização:
Difusa VS Concentrada
Difusa à pluralidade de órgãos dispersos têm competência para
fiscalizar
Todos os tribunais rebem o poder de conhecimento da
inconstitucionalidade
Problema se se aceita ou não que os órgãos não jurisdicionais
poderão ser chamados a fiscalizar
Concentrada à só um órgão tem essa competência
Pode ser um órgão jurisdicional ou político

Quanto ao tempo ou à sua relação com a formação ou execução dos atos:


Preventiva VS Sucessiva
Preventiva àexercida antes de concluído o procedimento de
formação ou da execução do ato
Sucessiva à exercida sobre o comportamento ou atos já perfeitos e
eficazes

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Quanto aos atos normativos:


A partir da publicação dos atos é sucessiva (e não da entrada em vigor)

Quanto às circunstâncias ou modo como se manifesta a fiscalização:


Concreta VS Abstrata
Concreta à surge a propósito da aplicação de normas ou de quaisquer
atos a casos concretos
Incide na garantia de constitucionalidade no espaço
comunitária quotidiano
Abstrata à dirige-se a comportamentos dos órgãos do poder público
ou às normas em si, por aquilo que significam na ordem jurídica,
independentemente da sua incidência em quaisquer relações ou
situações da vida
Inere-se no equilíbrio global dos órgãos do Estado

3.4.3. Fiscalização preventiva


Vem consagrada no artigo 278º e 279º CRP, é uma fiscalização abstrata, a ser
requerida por um conjunto de entidades que consideram norma Inconstitucional, sendo
que TC compara lei com a constituição. Nada melhor que começar com um exemplo, o
caso 35:
AR aprova uma revisão do estatuto dos Açores. O PR pede a fiscalização preventiva
de algumas normas, o TC considera que várias dessas normas são inconstitucionais e
então o PR devolve o diploma à AR, pelo 279º/1CRP. Faz uma declaração ao país falando
do artigo 114º, norma que não havia sido revista pelo TC pois não requereu tal
apreciação. Não colocou ao TC a dúvida maior, este tal artigo, por considerar logo que
era inconstitucional e que se abria um precedente gritante. Cavaco não usa o veto pela
constitucionalidade para dizer que há uma gravíssima inconstitucionalidade, mas sim o
veto político. A AR retirou normas inconstitucionais, e não retira o 114. O PR volta a vetar
politicamente, e a AR volta a superar. O PR não pode vetar politicamente e depois enviar
para o TC. O PR está obrigado a usar primeiro a via de recurso para o TC. Porquê?

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- 278/3 enviar para o TC são 8 dias desde a receção do diploma


- 136/1 são 20 dias após a decisão do TC, mostra que os 20 dias são os iniciais ou a contar
da publicação da declaração do TC
Logo, razões constitucionais prevalecem e tem que ser exercidas primeiro que as políticas.

A fiscalização preventiva tem 3 funções:


a) Atalhar as inconstitucionalidades grosseiras de que estejam feridos os atos
jurídico-públicos mais importantes, evitando factos consumados que só mais
tarde podem ser apagados e cujos efeitos, por razões de segurança jurídica, o TC
tem de preservar (artigo 282º/4).
b) Quanto às convenções internacionais, prevenir problemas graves nas relações
internacionais do Estado, porque a desvinculação de um tratado ou acordo com
fundamento em inconstitucionalidade não compadece com o princípio de ius
cogens de boa fé.
c) Resolver dúvidas sobre a constitucionalidade de certas normas de maneira a
evitar que o problema se ponha com maior delicadeza no futuro
Nota: A não realização da fiscalização preventiva tem levado a agravar o contraditório
político e a provocar o apodrecimento da situação

Alguns aspetos chave, que vou concretizar com o abordar do caso:


a) O PR antes de promulgar manda para o TC à art 134º alínea g) e h)
b) Para evitar danos na hipotese da lei ser inconstitucional e entretanto ter
estado em vigor uns dias
c) Dirige-se a normas constantes de convenções internacionais e atos
legislativos
d) Permite a desistência do pedido ( artigo 53º da lei nº28/82)
e) Não há “providências cautelares” quanto à inconstitucionalidade de normas,
esta figura neste panorama é a fiscalização preventiva
f) Art 278º/5 à O TC tem um prazo de 25 dias para se pronunciar

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a. Já é perigosa por estar tão em cima da discussão política; a justiça deve


ser rápida mas devidamente distanciada da discussão para ser possível
formular um juízo parcial;
b. Já é muito pouco tempo para a complexidade de algumas questões; o
Vê-se de alguma forma o TC a ficar demasiado politizado, a decidir
questões políticas e depois observarem-se conotações dos juízes com
os partidos que os propuseram a eleição parlamentar;
c. Por outro lado, prolonga o processo legislativo e a conclusão de
convenções
d. Há situações em que se não for feita agrava o contraditório político e
provoca o apodrecimento da situação;
É delimitada excecionalmente, ou seja, a fiscalização preventiva tem um âmbito
excecional por oposição.
Nota: Providências cautelares à Não são a decisão final, mas garantem uma solução em
tempo útil para garantir a utilidade da decisão futura.

Fiscalização Preventiva é excecional


1. Não incide sobre quaisquer normas, mas só sobre as normas mais importantes
(artigo 278º/1)
• Tratados e acordos internacionais: entre os acórdãos internacionais em
forma simplificada encontram-se necessariamente os aprovados pela
Assembleia da República
• Atos legislativos (Leis, DL e DLR): entre as leis contam-se as de autorização
legislativa

2. Só pode ser requerida, à partida, pelo PR ou pelo representante da república


• 1/5 dos deputados e não apenas 1/10 e o PM em caso de leis orgânicas,
pelo artigo 278º/4
3. Apenas inconstitucionalidades diretas, ilegalidades não entram
4. Prazo é de 8 dias para ser requerida (artigo 278º/3)

Críticas:

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a) Prolonga demasiado o procedimento legislativo e o de conclusão de


convenções internacionais;
b) Que, feita logo após a aprovação dos diplomas envolve o risco de trazer o TC
para a praça pública, situação em que as conotações dos juízes com os
partidos que os propuseram, mais se observam

Qual o procedimento do PR quando recebe a lei em belém?


a. Promulgar
b. Veto político à leva obrigatoriamente à renúncia da fiscalização preventiva,
exceto se numa 2ª volta for um novo/diferente diploma.
c. Requerer a fiscalização preventiva à não pode ser utilizada se tiver sido vetada
politicamente, a menos que se trate de um novo/alterado diploma.

Vários cenários possíveis:


Veto político
1. Razões políticas e não jurídicas, exclui a iniciativa da fiscalização preventiva o AR
pode superar lei vetada por inconstitucionalidade pelo PR com uma maioria de 2/3
1. Art 136º/2 à O PR é obrigado a promulgar naquela situação

2. Mas isto não impede as seguintes fiscalizações de constitucionalidade sucessiva


na mesma;
1. Até porque, eventualmente, o TC pode mudar de opinião em plenário

3. Exercido o veto político, a AR não fica obrigada a deliberar de novo:


1. A deliberar só o pode fazer a contar do 15º dia posterior ao da receção do
decreto devolvido ou da mensagem de fundamentação do veto político;
2. Se a sessão legislativa terminar ou a Assembleia da República for dissolvida
não há́ impedimento à deliberação sobre o diploma vetado (artigo 167º/5,
6 e 7);
3. Pode reformulá-la ou voltar a aprovar por maioria qualificada;


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4. As modificações têm que ser substanciais, caso não o sejam, incorrem


fraude à Constituição, é preciso obter maioria exigível à confirmação;

1. Geral à absoluta;

2. 2/3 à leis orgânicas, leis sobre matérias tidas como politicamente
significantes;

Veto por inconstitucionalidade


1. Precede o veto político
2. Artigo 279º/2 à PR pode promulgar, mas não é obrigado
1. Se o TC considerar a norma inconstitucional, PR devolve à AR e esta pode
confirmar por maioria de 2/3, mesmo sendo inconstitucional, ela volta a
ser envida para o PR para possível promulgação (CRP não define prazos).
2. No fundo há uma manifestação de grande vontade de assembleia de
aprovar aquela lei, mesmo estando ela a ser considerada inconstitucional
3. É absurdo pois não faz sentido que uma lei inconstitucional possa entrar
em vigor: só faz sentido porque pode haver um confronto entre o juízo do
TC e do parlamento – O juízo do TC tem de ser em menos de 25 dias, logo
decide a quente (Paulo Otero)
4. A doutrina entende que esta situação é a única em que existe veto absoluto
porque no conflito entre estes dois órgãos, acaba por ser o PR a “vencer”
1. Como já foi dito, o PR não pode promulgar se não houver
confirmação de 2/3, no caso de poder, este escolhe se o faz
2. O PR faz de árbito perante um confronto, sendo que se não
promulgar, não entra num círculo vicioso (Veto absoluto, de bolso,
ou seja, deixa passar o tempo)
3. Em confronto com o artigo 136º, no 279º diz-se PODERÁ (≠deverá),
daqui se extraí toda a argumentação exposta

Não se pode recorrer ao veto por inconstitucionalidade depois de já ter havido um veto
político e superado (artigo 278º/3), porquê?
1. Estávamos a colocar o TC numa posição extremamente sensível e no centro do
drama político

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2. Primeiro tem que haver apreciação de constitucionalidade e só depois veto


político
3. Pode primeiro ir ao TC e depois vetar politicamente à PR tem 20 dias para exercer
o veto político (artigo 136º)
4. O veto político pode ser exercido depois da norma não ser declarada
inconstitucional. O contrário já não é verdade pelo 279/1.
5. Porque é que a CRP não permite que após a superação de um veto político a norma
seja apreciada pelo TC? Em rigor, as decisões do TC são tomadas por uma maioria
de juízes, que não obedecem a uma cor partidária. O mesmo não acontece com a
fiscalização preventiva, uma vez que nestes casos a questão está a quente no
mundo. Os juízes nestes casos não se abstraem do processo político em curso. O
TC não conseguirá distanciar-se numa altura em que a AR haja superado o voto do
PR.
a. O mesmo não aconteceria se estivéssemos perante um novo ou alterado
diploma. Só acontece nos caos de superação do veto do PR.

3.4.4. Fiscalização concreta difusa e concentrada


Começo por um caso concreto que vai abordar toda a matéria, sendo que depois
exponho a parte teórica, ainda que o caso trate grande parte do necessário.

Caso sobre o estado de calamidade: O conselho de ministros declarou uma situação de


calamidade para todo o território nacional. Uma das medidas é a proibição de
ajuntamentos superiores a 10 pessoas, exceto se pertencerem ao mesmo agregado
familiar, sendo conferidos poderes às forças de segurança para garantir esta medida. O
ato de dispersar certas pessoas é um ato administrativo (decisão individual e concreta), a
resolução é um regulamento, artigo 18ºCRP. Mas imaginem que um padre quer celebrar
uma missa com mais de 10 pessoas, como é que se pode declarar esta norma
inconstitucional?
1ª via: requerer ao Provedor que requeira a fiscalização abstrata sucessiva, mas
isso vai demorar muito tempo. Como a reconstrução com efeitos retroativos é em termos

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jurídicos, não se apaga a história, e o máximo que se poderia fazer é requerer uma
indemnização.
2ª via: será que se pode recorrer diretamente para o tribunal constitucional? Há
países que admitem recursos de amparo/queixas constitucionais para defesa de DF
diretamente para o tribunal constitucional, como Espanha e Alemanha. Em Portugal isto
não está previsto nos artigos 277º e seguintes, mas o sistema prevê uma resolução a esse
problema, a fiscalização concreta.
A fiscalização concreta começa sempre por ser difusa, só se chega ao TC depois de
se ter passado por outro qualquer tribunal. Temos duas fases: difusa (qualquer tribunal)
e concentrada (TC), artigo 204º e 280º CRP.
Artigo 204º: podem todos os tribunais não aplicar? Ver artigo 209º que especifica
a categoria das leis. Tribunal de contas também pode recusar? Pela letra sim, e pelo
espírito atendendo ao elemento sistemático, ao capítulo e ao artigo 3º como elemento
teleológico também. Corolário: nenhum tribunal deve aplicar uma norma
inconstitucional.
Mas e se o senhor padre celebrar a missa, a polícia entra lá dentro e aplica o artigo
18º do regulamento em causa proibindo a missa, uma vez que a inconstitucionalidade só
pode ser arguida em tribunal.
Será que a administração pública pode fiscalizar a constitucionalidade de uma lei,
sendo que esta inconstitucionalidade podia ser arguida perante as forças de segurança?
Argumentos para só os tribunais poderem recusar e a administração não:
a. 280º e 204º (à contrário), segurança jurídica para não entrarmos numa anarquia,
o juiz tem uma formação académica em direito.
b. Grande parte da doutrina portuguesa defende que o 204º só vale para os
tribunais. Mesmo a doutrina dominante, neste caso podia-se recusar pelo
18º/1CRP por se tratar de um DF, liberdade de culto religioso, em conformidade
com o 21ºCRP. Como há direito de resistência, a administração pública não está
obrigada a atuar em matérias como estas, evitando o exercício do direito de
resistência.
Argumentos para ambos poderem recusar:
a. RM acha que a administração pode recusar a aplicação de normas
inconstitucionais: artigo 266º/2.

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b. A administração pública também está subordinada à CRP, a decisão do juiz


Marshall é que sublinha que a constituição prevalece sobre a lei.

Mas o padre não quer resistir ao polícia, então como é que eu defendo a não
aplicação dessa norma num tribunal. Como é que em tribunal coloco a questão de
inconstitucionalidade? Pode submeter a tribunal administrativo uma ação para declarar
a inconstitucionalidade?
NÃO, assemelhar-se-ia a uma fiscalização abstrata sucessiva que é função do
tribunal constitucional. O que se pretende no 204º não é que o particular peça a
inconstitucionalidade como objetivo fundamental, até porque não é a pretensão do
padre, este apenas quer celebrar uma missa.
Um padre corajoso celebra a missa, e provavelmente e a polícia tenta
desmobilizar. O padre resiste, logo desobedece a uma norma da autoridade. No limite, a
polícia vai detém o padre e é submetido a julgamento pelo crime de desobediência em
flagrante delito. O feito submetido a julgamento é apurar se houve um crime de
desobediência, ou seja, a questão principal. O padre coloca, não sendo o objetivo principal
do feito submetido a julgamento, a questão da inconstitucionalidade. O Código Penal diz
que se há crime de desobediência se desobedecer a uma ordem legítima, mas esta norma
era ilegítima por ser inconstitucional. Moral: a constituição concreta começa sempre num
feito submetido a julgamento não sendo, nunca, a questão primária. Contudo, é a questão
prévia que o tribunal se coloca para decidir o feito principal do julgamento. Não havendo
recurso de amparo, existe esta possibilidade.

Então e se o padre for velhote e não puder resistir, o padre pode lançar mão de
uma ação urgente para defesa de DLG num tribunal administrativo que permita a
autorização da celebração da missa. O que dirá Eduardo Cabrita? Ele diz que o artigo 18º
do regulamento não permite, então o padre requere uma suspensão de eficácia ou uma
impugnação da decisão do ministro. Então o tribunal vai se debater sobre se suspende,
ou não, a eficácia da decisão do ministro. Surge, então, à baila, a decisão sobre a
constitucionalidade da resolução de ministros. A questão prejudicial imprópria
(≠principal, logo é um ponto prévio necessário à decisão; imprópria poque a própria cabe
ao TC) é a decisão sobre a constitucionalidade da norma.

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Mas as partes têm que alegar a inconstitucionalidade?


a. Artigo 63º CRP 1911. Os tribunais só controlavam a constitucionalidade das
leis se as partes invocarem. A fiscalização não era oficiosa, só podia ser
realizada se as partes alegassem tal constitucionalidade.
b. No 204ºCRP não se faz requerimento a nenhuma invocação nem pelo
elemento literal, nem pelo elemento histórico, nem pelo elemento sistemático
e teleológico artigo 3º CRP.

Última noção do controlo difuso: próprio do sistema austríaco, como o sistema é


concentrado num TC, só este é que pode declarar inconstitucionalidade.
a. Se um qualquer juiz achar que a lei é inconstitucional, ele suspende o processo
e pergunta ao TC e o tribunal vem decidir conforme a decisão do TC, na
Alemanha e Espanha.
b. Mas em Portugal, o sistema é misto e tenta fazer um compromisso entre o
modelo americano (fiscalização difusa) e o europeu de TC. O juiz decide, mas
depois abre-se porta para o TC. Mas tem que haver decisão, exatamente por no
280/1 falar-se em “recurso”. O acesso ao TC é por via de recurso, e não por via
suspensiva como noutros países.

Resumo da fiscalização concreta difusa: por qualquer tribunal, não se sabe se a


administração também pode recusar aplicação de normas inconstitucionais, de caracter
oficioso, coloca-se a questão a título prejudicial, o tribunal decide em vez de suspender o
processo.
Feito submetido a julgamento no padre corajoso:
a. Absolvido considerando a norma inconstitucional, sendo esta a primeira hipótese
de recurso 280/1a), neste caso recorre o Ministério Público, que em certos casos
pode ser obrigado a recorrer.
b. Condenado considerando a norma constitucional, sendo esta a segunda forma de
recurso 280/1b), neste caso recorre o padre.
O TC deveria reagir mais facilmente neste segundo caso, pois é mais chocante uma
decisão destas que não seja conforme a constituição. Mas não podemos pensar assim,
porque assumimos que a lei já é inconstitucional.

Direito Constitucional – A/B João G da Costa Cabral Tomás FD UCP 149


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Por isso restringe-se o recurso como manobra dilatória, segundo caso, sendo que
a inconstitucionalidade tem que ser suscitada durante o processo, e não posteriormente.
Por outro lado, se um tribunal recusa a aplicação de uma norma emanada dos
órgãos competentes, é importante que o TC aja mais rapidamente, para analisar a
decisão do juiz.

Análise teórica da fiscalização conreta


Subdivide-se em Difusa (artigo 204º CRP) e Concentrada (artigo 280º CRP) e surge
a propósito de um caso real que carece de uma solução jurídica.
No fundo, o caso começa nos tribunais inferiores e em recurso é que acaba por
poder chegar ao TC. Todo e qualquer tribunal é impossibilitado de aplicar normas
inconstitucionais, seja requerida a inconstitucionalidade por uma das partes ou não, pelo
artigo 204º, 3º e 280ºCRP.
Há um litígio e um pedido para permissão de um ato específico e para chegar a
esta solução aprecia-se a constitucionalidade, sendo o pedido é sempre para satisfazer
um interesse próprio
O pedido ao tribunal é para declarar o ato aplicado ao caso específico
inconstitucional, sendo que não existe, pelo menos logo, uma sentença com força
obrigatória geral a decretar a inconstitucionalidade da norma.
Exemplo: o estatuto da ordem dos advogados exige 2 anos de estágio. Eu só faço
um e peço um requerimento para ser aceite na mesma. O tribunal vai decidir se eu tenho
razão ou não, ou seja, se, pela constituição, eu devo ser admitido só com 1 ano de estágio
ou não, mas a norma em si mantem-se

Para além do que já foi mencionado no caso em relação ao sistema misto


português, importa ainda salientar que a decisão do TC só funciona interpartes o que
significa que na fiscalização concreta, as decisões de inconstitucionalidade só têm
eficácia no caso concreto ≠ erga omnes, que só aconteceria com uma declaração de
inconstitucionalidade com força obrigatória geral.

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DIFUSA CONCENTRADA
• Este tipo de fiscalização começa sempre num • Só há recurso para o Tribunal Cosntitucional de decisões
momento difuso, quando todo e qualquer tribunal, dos tribunais:
nos feitos submetidos a julgamento, é confrontado • Não apenas de decisões não jurisdicionais, mas também
com uma norma que pode ser inconstitucional as não previstas no 280º, bem como decisões incidentes
• O próprio tribunal faz um juízo do próprio Tribunal Constitucional;

• É admissível que alguém lhe dirija propondo uma • Recurso para o tribunal constitucional quando a decisão
ação tendente à declaração, à realização ou à já está tomada.
reparação de um seu direito ou interesse, cuja • Não pode ser uma questão suspendida e enviada para o
procedência depende de uma decisão positiva de Tribunal Constitucional, tem competência para decidir e
inconstitucionalidade; não para suspender, mesmo com dúvidas tem que
• Só pode e só deve ser conhecida e decidida na decidir nos termos do artigo 8º do Código Civil.
medida em que haja um nexo incidível entre ela e a • É sempre interposto pelas partes, para o fazerem têm
questão principal, objeto do processo, entre ela e o que intentar uma ação que invoque a
feito submetido a julgamento; inconstitucionalidade.
• Questão prejudicial imprópria, sendo própria quando • Quando o tribunal é confrontado com uma questão de
haja recurso para o Tribunal Constitucional; inconstitucionalidade tem duas hipóteses (o artigo
• O juiz conhece da questão em qualquer fase do 280º/1 concede recursão para o TC nos dois casos)
processo, pode não ser uma decisão final, suscitada o Inconstitucional à nº2 a) b) c) ou Ilegal à nº3
na primeira instância ou em recurso; (pode ser direto, pela parte que perdeu ou em
• Os tribunais não podem aplicar leis inconstitucionais. alguns casos pelo Ministério Público, há ainda
• A competência de ofício não implica um pedido, está casos em que é obrigatório para o Ministério
em causa preservar a Constituição (artigo 3º da Público se houver partes normativas importantes).
Constituição), é de interesse público, por isso, não se § Regime mais aberto
deve estar dependente de pedidos. § Deve haver sempre presunção da
• Se for um órgão da administração pública não há constitucionalidade da lei, sendo que se um
dever de ofício – argumento do caos, posição tribunal contrariar esta presunção, o recurso
tradicional; tem primazia
• Surge não como uma questão principal, mas como § Tanto a parte vencida como o Ministério
uma questão prejudicial (que prejudica) num feito Público podem recorrer, sendo que as vezes
submetido a julgamento; é obrigatório ser o MP (artigo 280º/3)
• Função instrumental, logo há interesse no seu § Recurso interposto diretamente ( pode
conhecimento, pois há de influenciar a respetiva passar logo do tribunal para TC
decisão final a proferir. o Aplica a norma por ser legal ou constitucional:
artigo 280º/1 b) e 2
§ Deve haver presunção da
constitucionalidade da lei, sendo que se um
tribunal contraria esta presunção, o recurso
tem primazia
§ Só a parte vencida tem legitimidade para
recorrer
§ Tem de ser suscitada a questão de
inconstitucionalidade
§ Recurso interposto indiretamente, tendo
que haver um esgotamento dos recursos
ordinária (artigo 72º Lei TC)

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Decisões recorríveis para o Tribunal Constitucional, são de 3 tipos:


I. Decisão 1: que recusem a aplicação, de certa norma com fundamento em
inconstitucionalidade ou em ilegalidade ou em contradição com uma convenção
internacional
a. Art 280º nº1 a) nº2 a), b), c) CRP e 70º/1 Lei do TC
b. A recusa de aplicação relevante não tem de ser expressa
c. Pode ser uma recusa implícita, como ocorre quando o a decisão do tribunal
extrai consequências correspondentes ao julgamento da norma como
inconstitucional ou ilegal
d. Cabem aqui também as decisões dos tribunais administrativos que
condenem o Estado em ações de responsabilidade civil por atos legislativos
inconstitucionais

II. Decisão 2: que apliquem norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade haja sido
suscitada durante o processo e em que a norma aplicada seja um dos fundamentos
normativos da decisão;
a. Art280º nº1b) e nº2d) CRP e 70º/1 Lei do TC
b. O direito de os interpor pode ser considerado um direito de natureza
análoga à dos direitos, liberdades e garantias
i. Mas os recursos não se configuram em si mesmos como meios
específicos de defesa de direitos, liberdades e garantias

III. Decisão 3: que apliquem norma anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal


pelo próprio TC ou anteriormente julgada inconstitucional pela Comisssão
Constitucional ou que apliquem norma legislativa em desconformidade com o
anteriormente decidido pelo tribunal
a. Art 280º/5 e 70º/1 b) Lei do TC
b. Modo mais objetivo de determinar a anterioridade consiste em aferi-la
pelo trânsito em julgado da decisão do TC à não haverá fundamento para
suspender a instância à espera da decisão do TC

Regime de recursos:

Direito Constitucional – A/B João G da Costa Cabral Tomás FD UCP 152


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1. O caso pode ir logo da 1ª instância para o TC


2. Pode ser interposto não só pela parte vencida (particular) como pelo Ministério
Público
o Ministério público à aproveita a todos os que tenham legitimidade para
recorrer
o As partes à se ambas tiverem saído venidas cda uma delas poderá recorrer na
parte em que lhe for desfavorável
3. Artigo 280º/3 e 5 à casos em que o Ministério Público é obrigado a recorrer
o Normas de convenções internacionais, ato legislativo ou decreto
regulamentar
o Casos que se inserem tanto no artigo 280º alínea a) como b) e 72º/3 lei
do TC.

Recurso específico, em casos de 280º/1 a) e nº2d), para evitar manobras dilatórias:


Alguns casos só podem ser interpostos para o TC pela parte que questiona a
constitucionalidade, sendo que são necessários alguns requisitos.
a. Artigo 280º/4 à a parte vencida pode requerer
b. A questão da inconstitucionalidade tem de ter sido questionada durante o
processo:
i. Para não se tratar de uma manobra dilatória da parte vencida
ii. Para se ter a certeza da seriedade do questionar daquela norma
c. Tem que haver esgotamento dos recursos ordinários à estabelecido pela
lei orgânica que estabelece os procedimentos do TC, artigo 70º/2.

Recurso obrigatório para o Ministério Público:


1. Quando a norma recusada conste de convenção internacional de ato legislativo
ou de decreto regulamentar
• Artigo 280º/2 CRP e 72º/2 lei do TC
• Exceto se a inconstitucionalidade decorrer de um vício de tal sorte grave
que implique inexistência jurídica de norma, e aí o Mnistério pública não
terá de interpor recurso

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2. Aplicada norma anteriormente considerada inconstitucional ou ilegal pelo TC ou


comissão constitucional, ou contrária a Convenção Internacional pelo TC.
• Art 280º/5 CRP e 72º/3 Lei do TC
• O Ministério Público pode abster-se de recorrer de decisões conforme
com a orientação que se encontre já estabelecida, a respeito da questão
em causa, na jurisprudência do TC à artigo 74º/4 Lei do TC

3. Aplicada norma declarada inconstitucional com força obrigatória geral pelo TC


• Quando julgue em sentido divergente do anteriormente adotado à
mesma norma por qualquer das secções e o ministério público intervenha
no processo como recorrente ou recorrido

Finalidade subjetiva do recurso à defesa de direitos e interesses das pessoas, como


explica o artigo 280º da CRP, em que só recorre a parte que haja suscitado.
Finalidade negativa do recurso à defesa da integridade da ordem jurídica, sendo uma
finalidade reforçada quando se torna obrigatório o recurso ( art 280º/3)
ð O recurso só é obrigatório para o Ministério público e para os particulares
há o direito a recorrer, mas nada obsta que estes desistam de recurso que
tenham interposto
ð Pode o Tribunal Constitucional decidir divergentemente de julgado
inconstitucional ou ilegal (exceto declarar com força obrigatória geral).
Pode decidir julgá-la uniformemente como não contrária à CRP.

Possíveis respostas do TC:


1. Dar razão ao requerente fundamentando na inconstitucionalidade da lei
• Artigo 204º à o tribunal não pode aplicar normas contrárias à
constituição
• Artigo 280º a)
• É mais grave esta situação porque se quebra a presunção de
constitucionalidade da lei
2. Declarar que o requerente não tem razão, dizendo que a lei é constitucional

Direito Constitucional – A/B João G da Costa Cabral Tomás FD UCP 154


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• Artigo 280º b)

Algumas notas:
a. O recurso para o TC tem uma função meramente instrumental, aferindo-se a sua
utilidade no concreto processo de que emerge
b. O TC apenas pode considerar a norma ou interpretação normativa que tenha sido
utilizada pelo tribunal recorrido como ratio decidendi, sendo inteiramente inútil a
pronúncia que recaia sobre norma ou dimensão normativa que não tenha sido
efetivamente aplicada u sobre questões que não tenham sido decididas na decisão
recorrida
c. Postulado da Supremacia do Tribunal Constitucional à a primeira palavra cabe ao
tribunal e a última ao Tribunal Constitucional (garantia da Constituição); 

d. A decisão do Tribunal Constitucional não substitui a decisão recorrida por aquela
que devia ser emitida.
e. O Tribunal Constitucional ordena ao tribunal respeitar: violação de caso julgado,
admite-se a possibilidade de uma reação da parte afetada por este incumprimento.
O desrespeito é de conhecimento oficioso à princípio da prevalência das decisões
do Tribunal Constitucional sobre os demais tribunais. 


Exemplo desta última parte, caso 36: Houve uma recolha de sangue contra a vontade do
próprio, A. vem alegar que a prova é inadmissível pelo artigo 32º/8CRP. Estava
inconsciente e retiraram-lhe sangue e concluíram que estava completamente
embriagado. Ele recorre para o TC nos termos da alínea b), 280/1CRP. O que nós sabemos
é que a inconstitucionalidade só foi suscitada por A. depois do recurso, então parece que
é uma mera manobra dilatória. Não pode recorrer, pois não suscitou a questão da
inconstitucionalidade durante o processo, cumprindo os outros dois requisitos.
Sendo assim, o 280/4 surge para dificultar estes processos, em casos que se aplica norma
que a norma contestada é aplicada. Requisitos:
ð Recurso só pode ser interposto pela parte vencida, e não pelo MP.
ð É preciso que a parte tenha suscitado a questão durante o processo.
ð Há regime legal especial que regula este regime, Lei do TC, 70º/2 (só
depois de esgotados os recursos ordinários)

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A passagem da fiscalização concreta à fiscalização abstrata: Art 281º/3 àjurisprudência


normativa
a. Na fiscalização abstrata a decisão produz efeitos para todo o OJ, na fiscalização
concreta a declaração de inconstitucionalidade tem apenas eficácia inter partes.
b. Quando já houve 3 casos de fiscalização concreta no sentido da
inconstitucionalidade, o TC pode declarar com força obrigatória geral pela
inconstitucionalidade ao ilegalidade da norma
c. Este artigo permite perceber que a mera declaração em casos de fiscalização
concreta tem efeitos inter partes, mas quando haja sido julgada 3 vez como
inconstitucional, pode haver uma fiscalização abstrata sucessiva.
i. Artigo 82º da lei do TC

3.4.5. Fiscalização abstrata sucessiva


Fiscalização abstrata sucessiva
Comecemos pelo Caso 38 b): em que já não se trata de um problema de
legitimidade, mas do pedido da declaração de inconstitucionalidade de normas que já não
vigoram. Passar-se-ia o mesmo com os decretos de declaração do estado de emergência.
À partida, não encontramos nenhum prazo para requerer a fiscalização abstrata
sucessiva, ou seja, pode ser requerida a todo o tempo. Pode vir pedir-se a declaração de
inconstitucionalidade de uma norma que vigora há anos. Mas a pergunta que se faz é se
a norma tiver caducado/revogado, ainda é possível requerer a declaração de
inconstitucionalidade de uma norma que já não vigora.
Solução do caso: Em regra, a revogação/caducidade de uma lei opera para o
futuro, se é assim continua a haver relevância em requerer a declaração de
inconstitucionalidade, pois esta tem efeitos retroativos, artigo 282º/1 CRP. Se a lei
ordinária disser algo que a CRP não permite, se esta declaração só produzir efeitos para
o futuro, na prática, no passado prevaleceu a lei ordinária em relação à CRP, violação da
hierarquia e do artigo 3º/3CRP.

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Se, por exemplo, admitirmos que o artigo 27º/3CRP não admite confinamento
obrigatório aos infetados com Covid-19, as medidas do governo são inconstitucionais. Se
o TC só declarar isto para o futuro, na passado prevaleceu a declaração do governo.
Alguns traços notórios deste tipo de fiscalização:
a. Elemento característico do sistema austríaco, que vai variando quanto aos
sujeitos ou entidades titulares do poder de iniciativa.
b. O artigo 281º/1 CRP contempla a apreciação:
i. Inconstitucionalidade de quaisquer normas
ii. Ilegalidade de normas constantes de ato legislativo com fundamento em
violação de lei de valor reforçado
iii. Ilegalidade de quaisquer normas constantes de diploma regional com
fundamento em violação do respetivo estatuto da região
iv. Ilegalidade de normas constantes de diploma emanado de órgãos de
soberania com fundamento em violação dos direitos de uma região,
consagrados no seu estatuto
c. Poder de iniciativa:
i. Entidades que podem requerer a apreciação e declaração da
inconstitucionalidade ou ilegalidade de quaisquer normas, com qualquer
fundamento, artigo 281º/2 a) até f):
a. Presidente da República
b. Primeiro-Ministro
c. Provedor de Justiça
d. Procurador-Geral da República
e. 1/10 dos Deputados à Assembleia da República
ii. Entidades que podem requerer a apreciação e declaração da
inconstitucionalidade ou ilegalidade de certas normas, com certo
fundamento, artigo 281º/2 g):
a. Representantes da República
b. Assembleias Legislativas Regionais
c. Presidentes das Assembleias Legislativas Regionais
d. Presidentes dos Governos Regionais

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e. 1/10 dos Deputados à respetiva Assembleia Legislativa


Regional
f. Falamos de pedidos de apreciação de fiscalização com o
fundamento nos números iii. e iv. da alínea b. deste texto.
d. O requerimento de apreciação não suspende a aplicação, a vigência ou a eficácia
das normas impugnadas, nem pode o TC adotar providências cautelares durante
o processo.
e. Os pedidos podem ser apresentados a todo o tempo, sobre normas já revogadas
ou que já caducaram, como consta do artigo 52º da Lei do TC.

Fiscalização concreta sucessiva para fiscalização abstrata sucessiva


Comecemos pela passagem da fiscalização concreta à fiscalização abstrata,
atendendo ao caso 38 a): caso básico em que não há acesso direto ao TC, mesmo num
caso em que o TC já haja julgado em 3 casos uma norma inconstitucional. Falamos do
artigo 281º/3 em conformidade com o 82º Lei do TC. A terceira decisão de
inconstitucionalidade pode suscitar um novo processo de fiscalização abstrata, porém é à
terceira declaração que se automatiza os efeitos de inconstitucionalidade com força
obrigatória geral. Uma vez que o processo só pode ser iniciado por um dos juízes do
Tribunal Constitucional e pelo Ministério Público.

A nossa CRP separa o juízo de inconstitucionalidade no caso concreto da


declaração com força obrigatória geral, até de modo a impedir uma excessiva influência
da situação da vida na apreciação de inconstitucionalidade na perspetiva global do
sistema jurídico.
No próprio TC a declaração com força obrigatória geral cabe ao plenário,
enquanto a decisão de recursos é avaliada por secção, artigos 224/2ºCRP e 70º Lei TC.
Segundo o artigo 281ª/3 o TC aprecia e declara com força obrigatória geral a
inconstitucionalidade ou ilegalidade de qualquer norma, desde que tenha sido por ele
julgada inconstitucional ou ilegal em três casos concretos.
Pontos a sublinhar desta passagem:
a. A declaração não é automática após julgado o terceiro caso

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b. O TC não está vinculado a proceder à apreciação após julgai o terceiro caso


c. O TC, decidido o terceiro caso, poderá proceder a apreciação abstrata da
inconstitucionalidade
i. A iniciativa de abertura do processo cabe a qualquer juiz do TC ou ao
Ministério Público, artigo 82º Lei do TC
ii. A declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade pode ser apenas de
uma parte, ou de toda, a norma.

3.4.6. Eficácia temporal das decisões de inconstitucionalidade


A nossa constituição estabelece, no artigo 282º, um conjunto de regras mediante
se trate de uma inconstitucionalidade ou ilegalidade originária ou superveniente:
1. Regras comuns:
a. A retroatividade da decisão e, portanto, o seu carácter declarativo de
nulidade da norma inconstitucional ou ilegal. Fundamentação:
i. A CRP (ou lei) como fonte de validade deve prevalecer
incondicionalmente desde o momento em que esta é emitida, ou no
momento em que ocorre a contradição, e não apenas no momento
em que é conhecida.
ii. A mera eficácia futura da declaração pode acarretar diferenças no
tratamento das pessoas ao sentido de uma norma juridicamente
inválida.
iii. A mera eficácia futura da declaração pode acarretar diferenças no
tratamento dos casos sob tal preceito, uns sujeitos ao seu comando
(declaração) e outros (anteriores à declaração) subordinadas ao
sentido da norma inconstitucional ou ilegal.
iv. Uma consequência significativa deste princípio é a relevância da
averiguação da inconstitucionalidade de normas já revogadas ou
que já caducaram.
b. Como limites à retroatividade, a ressalva, em princípio, dos casos julgados

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i. Porém, quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de


ilícito de mera ordenação social e for mais favorável ao arguido, a
decisão pode ser contrária
c. A possibilidade, em certas circunstâncias, de fixação dos efeitos da
inconstitucionalidade ou da ilegalidade do TC com alcance mais restritivo
que o alcance previsto em geral na CRP
2. Regras específicas de inconstitucionalidade ou ilegalidade originária:
a. A produção de efeitos da declaração desde a entrada em vigor da norma
declarada inconstitucional ou ilegal
b. Repristinação de normas que hajam sido revogadas
i. Não é em termos idênticos ao do artigo 7º/4CC, uma vez que opera
automaticamente por força da CRP ao invés de uma intervenção
legislativa
3. Regras específicas de inconstitucionalidade ou ilegalidade superveniente:
a. A produção de efeitos da declaração desde a entrada em vigor da nova
norma constitucional ou legal
b. A ausência de repristinação

Restrição dos efeitos da inconstitucionalidade


Comecemos por um exemplo: “houve um regulamento municipal que obrigava a
pagar uma taxa de proteção civil, como foi declarada inconstitucional, a consequência é
destruir todos os efeitos para o passado, devolvendo as taxas pagas.”
O artigo 282º/4 enuncia as razões que podem permitir a que haja uma restrição
dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade: segurança jurídica, razões de
equidade, razões de interesse público de excecional relevo (devidamente
fundamentado). Fixar efeitos com alcance mais restrito significa:
1. Reduzir ou eliminar o âmbito retroativo da declaração, podendo entender-se
que o TC recorra a limitações temporais apenas quanto a certos dos efeitos
produzidos pela norma
2. Não proceder ou obstar à repristinação da norma anterior

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A fixação dos efeitos mais restritos da inconstitucionalidade do que os previstos


nos números 1 e 2 do artigo 282º CRP tem de constar da própria decisão de
inconstitucionalidade. Contudo há limites à limitação dos efeitos:
1. O TC não pode restringir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou
ilegalidade de norma violadora de direitos insuscetíveis de suspensão em
estado de sítio (artigo 19º/6CRP), uma vez que se em condições tais não é
admitida a limitação, em estado de normalidade constitucional também não o
pode ser.
2. O TC não pode fazer aceção de pessoas ou de situações objetivamente não
fundadas, sob risco de violar o princípio da igualdade.
3. O TC não pode restringir os efeitos da declaração de norma constante do lei do
Estado ou convenção internacional em função do território, sob pena de agredir
a estrutura unitária (artigo 6ºCRP).
4. A restrição de efeitos não pode atingir decisões de inconstitucionalidade
transitada em julgado.
5. O TC não pode diferir para o futuro a produção de efeitos, sob pena de brigar
com o princípio da constitucionalidade, o que é gera a controvérsia do caso
39b) que trato em seguida.
6. Não pode haver limitação de efeitos quanto a atos normativos juridicamente
inexistentes

O ponto 5. era tomado como garantido até ter surgido a decisão do TC no verão
de 2012, durante o período de forte austeridade em Portugal, imposta pelo plano da
troika, que é explicada no caso 39 b): caso do orçamento de 2012 que suspende o
pagamento do 13 e 14 mês da função pública, o TC diz que é inconstitucional, mas
restringe os efeitos da declaração pelo artigo 282º/4. Na prática, seria necessário um
orçamento retificativo em que o Estado pagasse o 13 e 14 mês. Teria que pagar o subsídio
de férias que já tinha passado, fim de junho, e ainda, em dezembro, pagar o subsídio de
natal. A única forma de cumprir a meta do défice da troika era pela via da lei declarada
inconstitucional, sob pena de acabar o programa de ajuda externa e entrarmos em
bancarrota.

Direito Constitucional – A/B João G da Costa Cabral Tomás FD UCP 161


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Esta situação faz com que se pergunte se a declaração com eficácia apenas a
partir de certo momento no futuro pode ser admitida, pois nestes casos seria pior a
emenda que o soneto. De nada adiantava a eficácia retroativa, se o efeito for a banca
rota ou o incumprimento dos programas de ajuda externa. Se as consequências forem
mais gravosas, é preferível limitar os efeitos. Normalmente a doutrina não aceitava isto,
pois apenas permitia a destruição da eficácia retroativa.
Neste caso o TC destrói a eficácia retroativa, e ainda admite um período futuro em
que a lei vigore até ao final do ano. Mas que razão metodológica levou o tribunal a tomar
esta decisão? O princípio da proporcionalidade, na parte da proporcionalidade em sentido
estrito, pois ponderou o custo da declaração de inconstitucionalidade a partir de 5 de
julho seria pagar o 14º mês em dezembro. Como a meio do ano já não há formas de fazer
novos cortes, e a troika pode ir embora e entramos em banca rota, sendo que isso pode
ser excessivo, logo o equilíbrio está em permitir que vigore até ao fim do ano. (exemplo
do médico que não pode escolher um medicamento eficaz se o paciente for alérgico). É
isto que o artigo 282º/4CRP prevê.

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Capítulo III: Um Estado Autonómico e Cosmopolita

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1. Secção I: Estado Unitário Regional

1.1. A autonomia político-administrativa das RA

Portugal é um Estado unitário regional, politicamente descentralizado ou autonómico


o Artigo 6º CRP à respeita a autonomia das regiões autónomas e das autarquias
locais
o Esta autonomia é tão importante que está consagrada no artigo 288º n) e o),
sendo um princípio estruturante da nossa identidade (limite material de revisão)

No âmbito desta cadeira iremos estudar a autonomia das regiões autónomas, sendo que
a autonomia das autarquias locais se enquadra na cadeira de organização e
procedimento administrativo
o Autonomia administrativa e autonomia político-administrativa
• Mais que as autarquias locais pois só partilham da função administrativa.
Portugal, sendo um Estado Autonómico, reconhece autonomia das
regiões autónomas
o Não são estados federados
• Não têm constituição própria
• Não há poder constituinte, um poder soberano e originário que pode
escolher o caminho que cada comunidade quer trilhar, que se traduz na
feitura da constituição. à Portugal é um Estado Unitário, as regiões não
são Estados, não têm soberania
Os Estatutos das regiões autónomas são uma lei do Estado (artigo 161º/b) à Lei
fundamental de cada região, mas um poder limitado e com respeito pela CRP.

1.2. Os estatutos político administrativos das regiões


autónomas

Direito Constitucional – A/B João G da Costa Cabral Tomás FD UCP 164


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Como é que se faz um Estatuto, como é que é elaborado e aprovado?


o A Assembleia legislativa regional (ALR) tem iniciativa para elaborar um estatuto
(artigo 226º) à proposta de estatuto ou revisão de estatuto
o Após votação e aprovação na ALR, é enviada para a AR
o O estatuto é uma lei da AR, que carece de promulgação do PR, mas o
procedimento é distinto, pois a iniciativa cabe às AL. A AR aprova por maioria
simples, em regra, exceto em determinados conjuntos de normas que vamos
estudar adiante. (artigo 161º/b CRP)

O Estatuto é uma lei de valor reforçado, segundo o artigo 112º/3 CRP?


• Em algumas partes sim, pelo procedimento numa parte que é aprovada por 2/#
dos deputados em efetividade de funções (artigo 168º/6 f) CRP)
• Mas mesmo assim é uma lei materialmente paramétrica: por serem parâmetro
normativo (280º/2 b) e c) e 281º/1c) e d)) e por serem pressuposto normativo
necessário 227º/2 a) e 228º/1 CRP.
o Artigo 281º/1 c) à se um diploma regional contrariar o estatuto, a
constituição diz que é ilegal. O estatuto prevalece sobre o diplomas
regionais
o Alínea d) à se uma lei e um decreto-lei violar uma norma consagrada num
estatuto de região autónoma, é considerado ilegal

• O estatuto tem quase o pleno das leis de valor reforçado.


• Não são estados federados, mas os seus estatutos são leis ordinárias
particularmente relevantes

1.3. Competência legislativa regional

Qual é a competência da ALR para emanarem decretos-legislativos regionais?


Competência legislativa regional 112º/1- DLRegionais:

Direito Constitucional – A/B João G da Costa Cabral Tomás FD UCP 165


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• Os Decretos Legislativos Regionais têm que respeitar as leis do Estado: leis de


enquadramento; de autorização; de autorização legislativa; de bases e regimes
gerais;
• Artigo 112º/1
• Artigo 112º/ 4 semelhante ao 227º/1 a)
• Cada revisão Constitucional tem vindo a alargar progressivamente a autonomia
das Regiões Autónomas.

Em 1976 havia 3 limites ao poder de legislar das Regiões autónomas


1. Matérias não reservadas aos órgãos de soberania à Manteve-se depois de
2004
2. Não podiam contrariar leis gerais da república
3. Matérias de interesse específico da região

v Estes requisitos foram interpretados restritivamente, de modo a aferir o interesse


específico, e disse-se que só existia se a matéria em causa tiver interesse exclusivo
na região ou especial particularidade de importância, olhando para o artigo 225º
como fundamento em matérias de especialidade

Exemplo: Quando o código da estrada exigiu que se andasse de cinto de segurança o


Alberto João Jardim disse que o cinto de segurança não era obrigatório. Pode não haver
nenhuma especificidade, mas se reconheço autonomia, tenho que reconhecer que as
decisões cabem à região. Hoje, o fundamento de autonomia é plenamente democrático,
sendo que cada maioria política legisla pela sua autonomia.

1.3.1. Revisão Constitucional 2004


Mudança de paradigma, manteve-se o requisito das matérias reservadas aos
órgãos de soberania, mas passou-se a admitir legislação em matéria de reserva relativa,
mediante autorização à artigo 227º/1 b) CRP

Direito Constitucional – A/B João G da Costa Cabral Tomás FD UCP 166


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O requisito do interesse específico desapareceu, dando origem a dois novos requisitos


(artigo 112º/4 CRP)
1. Âmbito regional
2. Matérias enunciadas no estatuto político-administrativo da respetiva
região autónoma
Passo, agora a analisar cada um destes pontos utilizando sempre um exemplo
para melhor expor o pretendido.

1.3.1.1. Âmbito Regional


Exemplo do caso 40: são estabelecidas regras de protocolo das cerimónias regionais, e o
representante da república requereu a fiscalização da constitucionalidade de algumas
normas, especialmente, na norma que estatui que é o presidente do GR, em detrimento
do representante da república. Ver os requisitos para legislar
1. matéria reservada? Não é matéria reservada por não constar nos artigos
que versam sobre as matérias reservadas. (art.164º/165º)
2. matéria estatutária? Cabe no estatuto: Art. 67º b) do estatuto dos Açores
– inclui o regime do protocolo na região
3. matéria interessante de âmbito regional: Verifica-se que o protocolo para
cerimónias é aplicado na região dos Açores, no território desta região à
critério territorial, por serem pessoas coletivas de território
Visão oposta do TC à é necessário que estejamos sobre o âmbito materialmente regional:
as razões que justifiquem a autonomia valham sobre a especificidade histórica,
económica etc.
o A autonomia foi criada para isso mesmo (autonomia fundamenta-se nas
características específicas das regiões e históricas aspirações) à
art.225º/1 CRP
o Vale ir buscar o interesse específico que antes servia de requisito (matéria
de interesse específico) “mata a anulação deste requisito (em 2004)”. àO
tribunal fez ressuscitar o requisito do interesse específico. Porque o
interesse era essa mesma especificidade que historicamente esteve na
base da autonomia regional: o fundamento da autonomia não é a
especificidade.

Direito Constitucional – A/B João G da Costa Cabral Tomás FD UCP 167


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Nota: O tribunal, apesar de tudo, considera que as matérias reservadas aos órgãos de
soberania compreendem todas as matérias que não sendo reservadas à AR ou ao Gov,
apesar de tudo, pela sua relevância nacional, devem ser reservadas aos órgãos de
soberania no seu conjunto. O tribunal constitucional admite que em matérias
concorrenciais a relevância nacional da questão possa significar que elas estão reservadas
aos órgãos de soberania e não pode a região legislar sobre elas.
O tribunal constitucional diz que podem ser matérias que pela sua importância nacional
só podem ser tratadas pela AR. – está a alargar o âmbito da reserva das leis da república
e a restringir o âmbito regional

Percebemos, então, que o cerne deste caso está em distinguir o que realmente é
caracterizado como âmbito regional, sendo que podem surgir várias visões possíveis.
Matérias de Âmbito Regional, que pode ter 3 aspetos:
I. Territorial
o RA autonomia legisla para dentro da região, a delimitação física do
território é o principal limite
o Impede que haja uma delimitação pessoal

II. Institucional
o ALR não podem emanar legislação cujos efeitos se projetem
noutras pessoas coletivas públicas que se encontrem fora do
âmbito da RA
§ ALR não podem transferir o Estado para a RA ou intervir
unilateralmente nos serviços periféricos do Estado
situados na região
§ Apenas para a região e não o modo como o Estado se
organiza, órgãos ou serviços, instituições do ou que
dependem do Estado;

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o O diploma também regula cerimónias das forças armadas, será


que a região pode legislar sobre o protocolo de outras instituições
estaduais que não de âmbito regional?
§ Não, a região não pode legislar sobre cerimónias que
envolvam representantes do estado.
§ Para além do território, a região não pode legislar para
serviços do estado, mas sim para serviços da região.

III. Material
o A doutrina diverge e concorda pouco com este aspeto, sendo que
TC ainda aplica por vezes
o O que justifica a autonomia é a especificidade
o Só há âmbito regional quando ainda decorre de uma
especificidade cultural, histórica, etc.: é descoberto pelo ANTIGO
interesse específico, logo o TC não matou este requisito
o O âmbito regional tem de ser configurado nos fundamentos da
autonomia das RA – 225º CRP
§ Características geográficas, económicas, especiais e culturais e as
históricas aspirações autonomistas das populações insulares (elemento
sistemático)
o PROBLEMAà alarga o limite, aproximando-se daquilo que era no
passado – o muito geral interesse específico (anterior a 2004)
o É DE SE EXCLUIR ESTA ACEÇÃO

1.3.1.2. Matérias enunciadas nos estatutos


Porém, surge-nos, ainda, outro problema que carece de ser analisado, quais e
como são enunciadas as matérias no estatuto político-administrativo da respetiva região
autónoma.
Segundo o artigo 168º/6 f), as disposições dos estatutos político-administrativos
das regiões autónomas que enunciem as matérias que integram o respetivo poder
legislativo, necessitam de aprovação de 2/3 dos deputados. Mas porquê?

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• Desconstitucionalizar esta matéria da CRP, porque antes a CRP dizia interesse


específico, agora diz que é o estatuto.
• Por ser uma matéria muito relevante, o legislador exige que seja uma matéria de
particular interesse, por ser quase constitucional.
• As matérias, em que a RA Açores pode legislar estão consagradas nos artigos 49º
a 67º do Estatuto da RAA à O Estatuto foi atualizado depois de 2004, sendo que
por essa razão, consagra já os novos requisitos
• O Estatuto da Madeira é de 1991, anterior à revisão constitucional de 2004, logo
não responde a esta questão, pois não há matérias incluídas no estatuto como
exemplifica o artigo 112º/4 CRP. Como resolver este problema?
o O estatuto não apresenta normas estatutárias, pois demonstra os 3
princípio da CRP de 1976, sendo que numa primeira instância, se pense
que é um problema pois consideraríamos que desde 2004 a Madeira não
tem autonomia legislativa
o Pelo artigo 46º da lei constitucional 1/2004 (revisão constitucional),
estabelece as matérias estatutárias para cade região. Até alteração dos
estatutos (norma transitória)
o Logo aplicamos o artigo 40º do Estatuto da RAM

Um exemplo dos estatutos da Madeira:


Caso 41a): madeira decidiu equipar a condução de mota sem licença à condução de mota
sem licença, que constitui crime. Resolvendo no pós-2004. Estamos numa exceção
imposta pelo 227/1b) que excetua o artigo 165/1c).
Uma lei pode ser afastada por um DLR pois foi terminada a obrigatoriamente a
necessidade de respeito pelas leis da república. 228/2 – admite que as regiões se forem
competentes podem afastar as leis da república, quando são competentes, deste
argumento à contrário retira-se que as leis da república serem de aplicação subsidiária.

Caso 41b): Como se resolve, se tivermos um Estatuto (neste caso o da Madeira) que é
anterior à revisão de 2004? A lei de revisão constitucional 1/2004, tem uma disposição
transitória no seu art. 46º: até à eventual alteração das disposições dos estatutos político-
administrativos das regiões autónomas, prevista na alínea f) do nº 6 do artigo 168º, o

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âmbito material da competência legislativa das respectivas regiões é o constante do


artigo 8º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores e do artigo
40º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira.
Critérios:
I. Matéria estatutária: Artigo 40º Estatutos
o Neste caso, a legislação sobre o tabaco nos espaços públicos (restaurantes, etc),
significa estar a legislar sobre turismo e hotelaria
II. Matéria não reservada
o Temos que olhar para os arts. 164º e 165º CRP
§ É duvidoso que se possa invocar o art. 165º/1/b da reserva de direitos,
liberdades e garantias, nomeadamente concretizado no direito à
integridade física (art. 25), porque no fundo é um direito pessoal de defesa,
e neste caso estamos a falar de medidas de promoção em geral das pessoas
§ Por outro lado, segundo o Professor Rui Medeiros, podemos invocar estar
no domínio do art. 64º da saúde, que é um direito social, e como tal, não
há reserva à Não é um direito, liberdade e garantia
§ Contudo, o TC entende que as matérias reservadas aos órgãos de
soberania compreendem não apenas as da reserva da AR, mas também
todas as matérias que não sendo reservadas à AR, apesar de tudo, pela sua
relevância nacional, devem ser reservadas
ð O TC admite que em matérias concorrenciais, por força da relevância

nacional da questão, que isso signifique que estão reservadas aos


órgãos de soberania, e não podem as regiões legislar sobre isso
o Aqui, o TC defende a visão da violação da integridade física. RM discorda e
defende a visão da saúde.

Nota: Então como podemos limitar a lei da madeira sem ser pela reserva, nem pelo
critério que já não existe do respeito pelas leis gerais da república? Também não há uma
violação pelo artigo 64º, por ser uma norma programática muito aberta. Logo com o
quadro constitucional atual é difícil limitar esses poderes legislativos das regiões
autónomas.

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2. Secção II: Um Estado Cosmopolita

2.1. A nossa Constituição e o direito internacional em geral

Um dos grandes paradoxos que vivemos hoje é de um constitucionalismo


triunfante, mas sem dúvida ameaçado, que assiste ao seu crepúsculo.
O constitucionalismo triunfou pela conquista de força normativa das
constituições ao longo destes 300 anos. A constituição deixou de ser apenas um conjunto
de regras que organizavam o poder. Mas com a revolução francesa a constituição passa
a ser uma representação da vontade do povo, artigo 16ºDDHC: não há constituição sem
direitos fundamentais nem sem separação de poderes, forma de organizar e limitar o
poder. Essa funcionalidade de limitar o poder hoje está, sem dúvida, cumprida. Este
modelo constitucional que vingou e se universalizou, que assenta em 3 traços
fundamentais:
a. Primeiras palavras da Constituição EUA: “we, the people”, sistema baseado na
expressão soberania do povo.
b. Que o povo defina o essencial da vida em comunidade, já não é apenas a limitação
nem organização do poder, mas a forma como queremos viver: artigo 36º/1, 3 e
4 CRP. Temos uma constituição que define o quadro básico da nossa vida em
sociedade, exemplo da plena igualdade dos cônjuges, opções fundamentais que
conduzem a nossa vida em comunidade.
c. Constituição que vem do povo e define os princípios da vida em sociedade, mas
com verdadeira força normativa, a verdadeira lei fundamental com primazia
sobre as demais leis. A soberania do povo significa que é o povo que define as
regras fundamentais da vida em sociedade, e que como é soberano, a
constituição que ele faz deve prevalecer sobre tudo o resto.
Este constitucionalismo triunfante não abdica da primazia da vontade do povo e do
primado da Constituição.
Para que tudo isto seja possível, a soberania e primazia da vontade do povo, o que
é que isto pressupõe? Eu posso dizer que o povo é quem mais ordena se tivermos perante

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fronteiras fechadas, perante estados territoriais (controlam o que se passam dentro do


seu território).

Estas premissas do constitucionalismo triunfante ainda são compatíveis com todo


a ideia de globalização? Será que este constitucionalismo está ameaçado?
A globalização é um fenómeno que se joga em muitos domínios, na cultura, no
ambiente, na economia e nas finanças.
Parte desta dinâmica de desnacionalização tem lugar dentro do território do
Estado, em que este e o seu poder tendem a ser ameaçados por poderes locais e
regionais.
Comecemos pela dimensão cultural, onde existem cada vez mais movimentos que
nos unem com interessados por todo o mundo, independentemente de se são, ou não,
nossos vizinhos. Um mundo cada vez mais “nómada”, de constante emigração, de
variadas misturas culturais, de inúmeras relações extra-raciais. É neste, contexto que se
assiste a um “processo de desdobramento de lealdades” uma vez que não é no “estado-
nação” que o povo revê a sua única lealdade.
O que está subjacente a tudo isto, ao falarmos com qualquer pessoa em qualquer
parte do mundo? O mundo virtual é um mundo sem fronteiras terrestres, não
territorialmente fechado, logo cada vez mais “viver num mesmo lugar já não significa
viver juntos e viver juntos já não significa viver no mesmo lugar.

De outra perspetiva, a globalização pode suscitar muitos desafios e problemas,


como o do terrorismo, da criminalidade organizada, das redes sociais. O mesmo se diga
das questões ambientais, que decorrentes de problemas privados, merecem resolução à
escala e com âmbito global.

No contexto económico-financeiro isto ainda mais acontece, onde temos cada vez
mais “comercio transfronteiriço” e fluxos de capitais, sistemas baseados nas conceções
de Bretton Woods, onde o mercado opera 24 sobre 24 horas, com uma moeda cada vez
mais internacional, o dólar, não convertível em ouro.
Mais ainda, as agências de rating (2 nos USA e 1 no Canadá) que controlam as
classificações das dívidas dos estados. Podemos ter uma empresa destas a classificar uma

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dívida como “lixo”, tornando-se insustentável para tal Estado a sobrevivência económica.
Quando isto acontece o Estado não tem qualquer influência nos seus mercados, é a prova
cabal que não é o povo quem mais ordena. Pelo artigo 80º/a) CRP: o povo soberano quis
estabelecer que a economia está dependente da organização política. Só que isto não
consegue ordenar que as agências privadas de rating subam a classificação. Vemos uma
falência de um povo soberano perante um poder privado internacional.

Triunfo dos marxistas e dos neoliberais? De Marx ou de Adam Smith?


Para Marx o poder e o direito são superestruturas que traduzem a separação de
classes e respetivo poder da burguesia sobre a classe trabalhadora.
Para Adam Smith, autor da teoria da mão invisível, o mercado não pode ser
controlado por poderes políticos, mas sim por uma mão invisível, uma autorregulação de
cada mercado.

Como se caracteriza esta amizade da nossa constituição, e de muitas das atuais, com o
direito internacional?
O legislador português, em sucessivas revisões constitucionais, assume uma
posição de um “Estado de soberania internacionalizada e europeizada”. Esta premissa é
clara em vários pontos:
a. Artigo 7º CRP:
a. Países de língua portuguesa
b. Europa e União Europeia
c. Aceitação do Tribunal Penal Internacional
d. Nas relações internacionais
b. Abertura no domínio de direitos fundamentais, artigo 16ºCRP, que remete para
normas da DUDH
a. Número 1: estabelece quase um ius commune ao nível transnacional
b. Número 2: estabelece o princípio da interpretação e integração conforme à
DUDH, sendo que alguns destes limites integram também o ius cogens, que
são limites ao próprio poder constituinte.

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c. O artigo 8º/1 estabelece uma cláusula de abertura ao direito internacional geral


ou comum. Mas importa definir 3 tipos de normas de direito internacional, de
modo a perceber a sua relação com a CRP:
a. Normas que façam parte do ius cogens, que são limites ao próprio poder
constituinte, independentemente da opção do legislador constitucional.
b. Os princípios da DUDH que não pertençam ao ius cogens, mas que são
recebidos pelo artigo 16ºCRP, que estão ali num nível flutuante de
igualdade (ou alguma supremacia) perante as normas constitucionais, uma
vez que o intérprete está vinculado aos primeiros ao interpretar.
c. As demais normas de direito internacional, que têm caracter supralegal,
pelo próprio processo de ratificação e aprovação, mas não é justificável que
lhes seja atribuído relevância equipara à constitucional, nem superior.

2.2. A especialidade da União Europeia e a receção


constitucional
Como podemos redescobrir o papel da política que não de uma forma de pura
subordinação económica? A única forma dos estados pequenos ganharem força, é
criando estruturas de poder abrangentes e que sejam capazes de falar uma só voz, como
a UE.
O contexto da UE é o de criação de uma constelação de vários estados que possa
ser um jogador relevante para ser ouvido em todo o mundo num maior pé de igualdade.
A UE é uma necessidade de redescobrir um espaço para que a política ordene, uma vez
que a política sozinha do povo já não podia controlar nada, como no exemplo da
economia.

Com isto chegamos à decisão do TCFA vs. TJUE: no dia 5 de maio houve uma
importantíssima decisão do tribunal constitucional alemão, que “condena” o BCE a
explicar se o programa de compra de dívida nos mercados secundários, de origem nos
tempos de Mario Dragi, se justifica com razões ponderosas, uma vez que o TCFA crê que
viola o Princípio da Proporcionalidade. O Princípio da proporcionalidade também se

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aplica à UE, como consagrado no artigo 8º/4CRP. Se fosse à luz da nossa CRP, o BCE havia
violado “respetivas competências”. As competências da UE resultam de uma expressão
de vontades do estados membros. A Alemanha vem dizer que as competências que
delegara na UE estão a ser extravasadas, logo o povo alemão não quer que a UE tenha
competências para tal. A UE ameaça processar a Alemanha por incumprimento dos
Tratados. Consequências da decisão do TCFA:
a. Consequência imediata: o BCE ter 3 meses para justificar estas medidas, ou a
Alemanha sai deste tipo de programas.
b. Consequência próxima: os programas de Covid-19 serem afetados
c. Consequência a longo prazo: um TC nacional afirmar que um primado do DUE
não pode prevalecer em situações como esta, e um TC não estar subjugado a um
TJUE em casos de alargamento de poderes da UE em detrimento dos poderes
dos Estados-membros.

Hoje vivemos numa realidade plural, em que há várias ordens que qualquer delas
reivindica o seu primado, aceitando as outras ordens, mas sempre com limites. O TJUE
diz que a única forma de o DUE se impor é impor-se transversalmente em todos os estado
membros. Do outro lado temos um estado membro que é o mestre dos tratados.
A única forma de resolver é através da paz, e não através de um processo, pois
uma guerra apenas vai destruir e ser prejudicial para todos.
O artigo 8º/4CRP diz exatamente o que o TCFA disse, pois não se abdica do primado do
DC português, uma vez que a prevalência do DUE está dependente:
a. Respeito pelos princípios fundamentais do estado democrático
b. Ação dentro das competências transferidas, sem que o TC abdique de poder fazer
o controlo de cada decisão em prol de um TJUE.

Há sem dúvida um paradoxo entre o constitucionalismo com 3 premissas, que


está ameaçado e tem que partilhar o seu poder com outras instituições que em certos
planos, como o económico, podem ter mais poderes que a própria CRP. Temos uma
soberania partilhada com um organização internacional como a UE.

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Uma breve nota sobre o constitucionalismo de hoje, que em muito partilha a sua
primazia (ou pertença de primazia) com este novo fenómeno complexo que é a União
Europeia. Algumas perguntas iniciais.

O que é, então, a União Europeia? Não estamos perante uma organização internacional
no seu termo clássico, mas perante um estado federal sui generis. Não tem nem povo,
nem território, nem poder político como um estado, mas tem força política, toma
medidas vinculativas, tem processos de legitimidade a partir dos próprios cidadãos e
consegue cumprir uma atuação em áreas bastante distintas.
O que é, então, do ponto de vista jurídico a União Europeia? A UE é uma entidade jurídico-
pública com caráter constitucional que, embora nascera de métodos clássicos de
organizações internacionais, tem personalidade jurídica, tem características que se
assemelham a estados federais, mas não é aceite nem compreendida como um estado,
apesar da força das suas normas.

Visto isto, o princípio da abertura (ou amizade) do direito constitucional com o


direito internacional é uma clara evidência desta nova receção que temos ao direito da
UE, pelo artigo 7º CRP.
Em 1982, ainda antes da adesão às comunidades europeias, a revisão
constitucional abriu a porta, no artigo 8º/3 da CRP, à incorporação automática do direito
derivado de organizações internacionais que Portugal fizesse, ou viesse a fazer, parte.
Nos números 5 e 6 do artigo 7º CRP, existe um inequívoco compromisso entre
Portugal e a Europa e União Europeia.
Pelo artigo 8º/4 CRP, não se extraí que a nossa constituição receba “de braços
abertos”, e sem mais, o direito da união europeia. Apesar de na doutrina haver quem
admita que quando uma norma interna viola uma de DUE estamos perante uma
inconstitucionalidade, existe um claro pluralismo de constitucionalismos na UE que não
parece ser coerente com essa visão minoritária.
Logo, é claro que a nossa constituição assume a existência de uma dualidade de
ordenamentos coexistentes e interpenetrados, mas independentes na sua legitimidade
e nos seus atos constitutivos, sendo assim, a ordem jurídica nacional e a ordem jurídica
europeia estão ligadas por uma “interdependência existencial”.

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3. Secção III: Considerações Finais

3.1. Sentido e funções da constituição

Perspetiva Formal à forma e valor formal da Costituição.


Perspetiva Material à conteúdo e funções que a Constituição é chamada a
desempenhar; ideia de direito;

Função da perspetiva material:


• Organizar o poder e a comunidade
• sem esta organização perdura a anarquia;
• Ao longo da história do Constitucionalismo vão-se somando novas funções,
formando o conceito Ocidental de Constituição
I. Limitar o poder: Estado de Direito Democrático
II. Legitimação do poder pelo povo: maior importância da função lesgislativa que é a
vontade do povo (soberano)
III. Aglutinar\Juntar um povo nas conceções mais profundas e nas mundividências:
mundo plural, aberto e laico
I. Consagra os valores ou regras fundamentais da Comunidade propriamente dita
que têm que ser respeitados;

Função da perspetiva formal: surgiu com as Revoluções Francesa e Americana e passou


a coexistir com a perspetiva material:
- Passou a constar num documento escrito;
-Consta numa lei autónoma à Constituição
-Lei fundamental- primeira das leis que tem primazia sobre todas as outras;
Mas, Estas duas perspetivas não são incompatíveis, elas coexistem.

A Constituição é o ato político-jurídico instituidor que dá e garante, ao Estado,


vida. Sem direito o Estado não sobrevive. Constituir um Estado significa dar-lhe uma
Constituição. Algumas outras aceções da palavra constituição:

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à Sentido Amplo: a constituição em sentido institucional


à não há estado sem constituição, um mínimo de um enquadramento
jurídico (essas regras são esta constituição)
à neste sentido, na idade média existe constituição (regras para a
sucessão ao trono, convocar as cortes)

à Sentido Moderno: constituições escritas que surgem após as revoluções


liberais
à vêm estabelecer os direitos fundamentais e a separação de poderes
à expresso no artigo 16º da Declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão de 1789: “Qualquer sociedade em que não esteja
assegurada a garantia dos direitos, nem estabelecida a separação
dos poderes não tem Constituição.”

ð Importa diferenciar dois sentidos de constituição no sentido moderno


o Material: conteúdo da constituição (regras e princípios de direitos
fundamentais e separação de poderes)
o Formal: hierarquia no seio da ordem jurídica (aquele conjunto de
normas que tem uma hierarquia superior às restantes normas jurídica
§ Caso existam regras rígidas de alteração fala-se em
constituições rígidas
ð Pode dar-se o caso de numa constituição material não coincidir
com a formal. Em Portugal, o artigo 16º da CRP reconhecesse
que há normas de direitos fundamentais fora do texto da CRP.
ð A ideia de constituição em sentido formal, é o pressuposto do
princípio da revisão constitucional. A inconstitucionalidade é a
discrepância entre normas legais e constitucionais.

à Sentido Instrumental: a constituição é o texto que tem o nome constituição


à O texto que se designa constituição pode deixar partes materiais ou
formas de fora

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à No caso francês, os direitos fundamentais estão previstos num


documento à parte, e a constituição só trata da organização do
poder político
à não acontece em Portugal

à Sentido Nominal: com a generalização da ideia de constituição, todos os


estados, hoje em dia, possuem uma constituição. Isto conduz-nos a uma ideia de
constituição que não respeita os princípios inerentes ao seu conceito, mas apenas
legitima poderes pessoais e autoritários.
à É importante confronta a realidade com o texto constitucional,
para perceber o regime em causa
à No período das revoluções liberais, a existência de uma constituição
era fator de distinção entre os estados bons e os estados maus.

No século XX, introduzem-se novas matérias na constituição, e surge a ideia de:


àConstituição económica: visa matérias sobre a organização da
economia. Assume-se que o poder económico também deve ser limitado,
pois está sujeito ao poder político. A constituição europeia é um grande
exemplo destes delimitadores económico-sociais (admitindo que a UE tem
uma constituição)

O conteúdo das constituições está mais rico, mas, hoje em dia, ter uma
constituição não significa o verdadeiro papel destas no século XVII e XVIII.

3.2. Constituição como projeto sempre inacabado

“Devemos ter um entendimento dinâmico da Constituição, como projeto sempre


inacabado.” O ponto de partida é perceber que a CRP não é uma lei qualquer, como o
código civil. Nem o modo de interpretação pode ser o mesmo.

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Porquê a insistência da leitura da constituição como projeto inacabado?


a. Alteração das vontades democráticas. A grande diferença entre o CC e a CRP é
que a CRP expressa melhor o “we, the people”. Há correntes originalistas que
defendem que é obrigatório ir buscar o pensamento dos “founding fathers”, e a
interpretação deve ser conforme o pensamento original. Na europa prevalece o
pensamento da evolução do pensamento de quem a fez para o povo que vive
enquanto ela vigora. Se quisermos que o povo de hoje também tenha relevância,
isto significa que a CRP também expressa o que o povo de hoje quer. A leitura da
CRP está sempre limitada pela letra da lei: 24/2 com 25/2, com o caso da
valentina, se todos quisessem pena de morte a CRP antes demais é uma lei, e
destes dois preceitos é impossível retirar que pode haver pena de morte. Quando
se defende uma leitura dinâmica da CRP não se pode largar a letra da lei. logo
dentro dos limites da interpretação, o significado da constituição vai evoluindo de
forma dinâmica para ir fazendo sentido com o que o povo de hoje defende.

Isto, do projeto incabado aberto aos sinais do tempo, é construído através de duas
técnicas muito importantes:
a. Acentuação da abertura da constituição: porque consagra um conjunto de
normas que não querem fechar a discussão pública nem a liberdade do legislador
democrático. Um direito fundamental incompleto e aberto, de forma a não entrar
no detalhe nem no pormenor. Centraliza-se nos grandes marcos da vida em
sociedade, estabelecendo cabeças de cartazes em cada ramo do direito. Tem,
obrigatoriamente que ser concretizado. O DC abre-se ao legislador democrático,
que legitimado nas urnas a cada 4 anos, tem que ter espaço para a partir daquele
quadro geral concretizar as suas medidas mais para a esquerda ou para a direita.
O governo socialista pediu a adesão à CEE que não tolerava as medidas da
constituição portuguesa da altura. Em 1979 ganha Sá Carneiro as eleições com a
aliança democrática. Esta direita altera a constituição, pois mostrou que não se
revia naquela constituição. Sá Carneiro lembrou-se de fazer um golpe de estado,
pois tentou derrubar o PR, para fazer uma nova revisão constitucional aprovada
por referendo. Se a Constituição não se abrir ao legislador democrático, na prática
passamos a ter um problema constitucional. Se a constituição tiver abertura

Direito Constitucional – A/B João G da Costa Cabral Tomás FD UCP 181


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política e económica, abrimos espaço a que a democracia se revele. A constituição


fecha muitas portas, mas há muito espaço para que o legislador vingue as suas
opiniões. O próprio entendimento que temos das normas constitucionais vai
mudando.
a. Artigo 53ºCRP, o TC muitas vezes entendeu que só podiam ser causas
subjetivas (mau profissionalismo, não cumpre, falta ao trabalho). Mas na
década de 80 era preciso que haja justa causa objetiva, de modo a se
poder fechar departamentos. O próprio TC arrepiou caminho, pois de
facto pode haver justa causa objetiva. O TC leu de forma dinâmica o
significado da constituição.
b. Orientação sexual: durante muito tempo o TC disse que não discriminar
homossexuais e estender-lhes direitos eram coisas diferentes. Na
sociedade, com o evoluir dos tempos, o fenómeno foi-se alargando.
c. O STAmericano mudou de posição em 60 anos sobre a segregação racial.
De plessy vs. ferguson para Brown vs. board of education
b. Uma constituição de princípios: dimensão principiológica da constituição, que
significa que a constituição tem um conjunto de regras (artigo 171º/1, 168º/1,
133º/1). Mas sem ser estas regras, muitas normas constitucionais são princípios.
a. Regras: ou se aplicam ou não se aplicam se houver exceções, artigo
49ºCRP.
b. Princípios: 37º/1 CRP, 26º/1 “reserva sobre a intimidade da vida privada”,
duas normas que chocam. Liberdade de expressão vs. RSIVP. Não
aplicamos uma lógica de tudo ou nada. Carece de ser ponderação, mas no
conflito com outros princípios tem que ser ponderado. O resultado final é
muito diferente de pessoa para pessoa.
c. Tortura: artigo 25º/2
i. Regra: em caso algum pode haver tortura, já mais pode haver
tortura
ii. Princípio: em casos flagrantes para salvar milhares de vidas, já
pode haver tortura.
d. Uma constituição com muitos princípios é mais aberta aos sinais dos
tempos, e pode ir sendo ponderada consoante os sinais dos tempos.

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e. Em Portugal, muitos dos DF e dos DLG constam de normas princípios que


se abrem à ponderação. A ponderação é feita pelo legislador e em último
caso pelo tribunal ao nível casuístico. Há algumas regras, mas sem dúvida
que a generalidade são princípios.
f. Esta noção de princípios enfatiza claramente a noção de projeto sempre
inacabado.

Então isto significa que a CRP tem que ser lida não apenas por juízes e juristas,
mas por todos, uma vez que todos eles são destinatários do seu conteúdo. Uma
sociedade aberta ao saber constitucional. Passagem de uma aristocracia constitucional
para uma democracia constitucional. Um povo que tem que ser capaz de perceber o que
a constituição significa. Logo, temos aqui uma constituição quadro, ou seja, um
aglomerado de ponderações, que carecem de interpretação.

Devemos ter um entendimento dinâmico da constituição como projeto sempre


inacabado. Porém, é necessário perceber o que é a constituição significa hoje, como
sendo uma Constituição aberta :
1. a) Trata-se de dar abertura vertical ao legislador ordinário
• Para que este possa trilhar caminhos que a constituição não fecha

2. b) Mas é também uma abertura horizontal aos que interpretam a constituição


Significa que o mesmo texto constitucional pode ser interpretado de diversas
formas ao longo do tempo

3.3. Uma constituição parcial num quadro plural

Enfraquecimento da força normativa da Constituição (fatores de erosão):


• Perda de soberania por parte dos Estados devido à Globalização
o É desejada por estes (aderir à União Europeia), mas coloca problemas como a

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legitimação do poder. Ao Integrarmos o espaço da União Europeia, aceitamos partilhar o


poder e a força da Constituição.
•Pressão geostratégica liberal que acompanha o mundo:
o Meios financeiros escassos; Crise do Estado Social; Globalização.
•Constituição e a crise do Estado Social:
àEstado de Direito só é possível como Estado Social mas não é sustentável nos
termos em que está moldado.

De salientar, ainda, que, como referi na secção anterior, a constituição de hoje


em dia é assente em 3 pilares fundamentais: emana do povo, povo esse que escolhe um
programa social de ação, e é a primeira das leis internas.

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