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MARTA CRISTINA CURY SAAD GIMENES

AS MEDIDAS ASSECURATÓRIAS DO CÓDIGO DE


PROCESSO PENAL COMO FORMA DE TUTELA
CAUTELAR DESTINADA À REPARAÇÃO DO DANO
CAUSADO PELO DELITO

TESE DE DOUTORADO

ORIENTADORA: PROFª. DRª. MARIA THEREZA ROCHA DE ASSIS MOURA

FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

SÃO PAULO, 2007


1

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................................06

CAPÍTULO I
TUTELA CAUTELAR DA REPARAÇÃO DO DANO NO PROCESSO PENAL: MODELO,
PRESSUPOSTOS, REQUISITOS, CARACTERÍSTICAS, LIMITES..............................................08

1. Reparação do dano decorrente de ato ilícito............................................................... 08


1.1. Panorama dos principais modelos jurídicos de sistemas de coordenação entre as
instâncias civil e penal: da autonomia à união de instâncias, até a justiça
restaurativa.......................................................................................................... 15
1.1.1. Sistema da separação, ou independência das instâncias.......................... 16
1.1.2. Sistema da confusão................................................................................. 17
1.1.3. Sistema da solidariedade, unidade ou interdependência das
instâncias...................................................................................................... 17
1.1.4. Sistema da livre escolha........................................................................... 18
1.2. O sistema brasileiro de coordenação de instâncias civil e penal........................ 21
1.2.1. Histórico................................................................................................... 21
1.2.2. Sistema vigente......................................................................................... 23
1.2.3. Efeitos automáticos da sentença penal condenatória............................... 32
2. A tutela cautelar dos efeitos automáticos da sentença penal condenatória................ 34
2.1. Cautelaridade no processo penal......................................................................... 35
2.2. Pressupostos e requisitos..................................................................................... 39
2.2.1. Fumus boni iuris....................................................................................... 41
2.2.1.1. Configuração no processo civil.................................................... 41
2

2.2.1.2. Fumus commissi delicti…………………………………………. 44


2.2.2. Periculum in mora…………………………………………………........ 45
2.2.3. Impropriedade do uso das expressões fumus boni iuris e periculum in mora como
pressupostos para a decretação das medidas cautelares patrimoniais no processo
penal: preferência por justa causa....................... 57
2.2.3.1. Pressupostos.................................................................................. 59
2.2.3.1.1. Pressupostos formais.............................................................. 59
2.2.3.1.2. Pressupostos materiais............................................................ 60
2.2.3.1.2.1. Justa causa remota...................................................... 60
2.2.3.2. Requisitos: justa causa próxima.................................................... 65
2.3. Características: instrumentalidade e provisoriedade........................................... 68
2.4. Limites................................................................................................................. 73
2.4.1. Proporcionalidade..................................................................................... 73
2.4.1.1. Adequação.................................................................................... 75
2.4.1.2. Necessidade.................................................................................. 76
2.4.1.3. Proporcionalidade em sentido estrito........................................... 77
2.4.2. Exercício do direito de defesa.................................................................. 79
2.4.3. Motivação................................................................................................. 85
2.5. Contexto de inserção, no direito brasileiro, das medidas cautelares
patrimoniais......................................................................................................... 91

CAPÍTULO II
ANÁLISE DAS MODALIDADES DE MEDIDAS CAUTELARES PATRIMONIAIS, NO PROCESSO
PENAL...................................................................................................................................93

3. Sistematização da disciplina legal: seqüestro de bens, especialização da hipoteca


legal, arresto.............................................................................................................. 97
3.1. Confusão histórica............................................................................................. 97
4. Finalidades................................................................................................................ 106
5. Objeto....................................................................................................................... 109
3

5.1. Bens imóveis...................................................................................................... 110


5.2. Bens móveis....................................................................................................... 117
6. Momento................................................................................................................... 122
7. Iniciativa................................................................................................................... 126
7.1. Decretação ex officio......................................................................................... 126
7.2. Autoridade policial............................................................................................ 129
7.3. Particular ofendido............................................................................................ 130
7.4. Ministério Público............................................................................................. 131
8. Sujeito passivo......................................................................................................... 134
8.1. Acusados em geral e terceiros........................................................................... 134
8.2. Autores, co-autores e partícipes......................................................................... 135
8.3. Responsável civil............................................................................................... 137
9. Processamento.......................................................................................................... 138
9.1. Seqüestro........................................................................................................... 138
9.1.1. Meios de defesa...................................................................................... 141
9.1.1.1. Embargos.................................................................................... 142
9.1.1.1.1. Embargos de terceiro............................................................ 142
9.1.1.1.2. Embargos do acusado........................................................... 145
9.1.1.1.3. Embargos do terceiro de boa-fé............................................ 147
9.1.1.2. Mandado de segurança............................................................... 150
9.1.2. Levantamento......................................................................................... 151
9.1.2.1. Esgotamento do prazo.............................................................. 151
9.1.2.2. Caução........................................................................................ 153
9.1.2.3. Absolvição e extinção da punibilidade....................................... 154
9.1.3. Execução................................................................................................ 156
9.2. Especialização da hipoteca legal....................................................................... 158
9.3. Arresto............................................................................................................... 166
10. Coordenação entre as instâncias civil e penal, quanto às medidas cautelares
patrimoniais............................................................................................................. 168
11. Consolidação: as medidas cautelares patrimoniais em espécie................................ 171
11.1. Seqüestro................................................................................................. 171
11.2. Especialização da hipoteca legal............................................................. 174
11.3. Arresto..................................................................................................... 177
4

CAPÍTULO III
DIREITO ESTRANGEIRO, COMPROMISSOS INTERNACIONAIS, PROPOSTAS DE

ALTERAÇÃO.......................................................................................................................180

12. Tratamento da matéria nos sistemas italiano, espanhol e português........................ 180


12.1. Itália........................................................................................................ 180
12.1. Espanha................................................................................................... 184
12.2. Portugal................................................................................................... 188
13. Cooperação jurídica internacional............................................................................ 190
13.1. Tratados internacionais........................................................................... 191
13.1.1. Convenção contra o tráfico ilícito e entorpecentes e substâncias
psicotrópicas.............................................................................................. 191
13.1.2. Convenção sobre o combate da corrupção de funcionários públicos
estrangeiros em transações comerciais internacionais............................... 192
13.1.3. Convenção sobre os direitos da criança.................................................. 193
13.1.4. Convenção das Nações Unidas contra o crime organizado
transnacional.............................................................................................. 193
13.1.5. Convenção das Nações Unidas contra corrupção.................................. 195
13.2. Tratados de âmbito regional................................................................... 196
13.2.1. Convenção interamericana contra a corrupção...................................... 196
13.2.2. Convenção interamericana sobre assistência mútua em matéria
penal........................................................................................................... 197
13.2.3. Convenção interamericana contra o terrorismo...................................... 197
13.2.4. Mercosul................................................................................................. 197
13.2.4.1. Protocolo de medidas cautelares................................................. 197
13.2.4.2. Protocolo de San Luis................................................................. 198
13.3. Tratados bilaterais................................................................................... 198
13.3.1. Brasil – Portugal..................................................................................... 199
13.3.2. Brasil – Itália........................................................................................... 199
13.3.3. Brasil – França........................................................................................ 199
13.3.4. Brasil – Estados Unidos......................................................................... 200
5

13.3.5. Brasil – Peru........................................................................................... 200


13.3.6. Brasil – Colômbia................................................................................... 202
13.3.7. Brasil – Coréia do Sul............................................................................. 202
14. Propostas de alteração legislativa............................................................................. 203
14.1. Propostas existentes................................................................................ 203
14.1.1. Projetos de Lei........................................................................................ 203
14.1.2. Propostas para os casos de lavagem de dinheiro.................................... 209
14.2. Sugestões de lege ferenda....................................................................... 212

CONCLUSÃO.......................................................................................................................218

BIBLIOGRAFIA....................................................................................................................220

ABSTRACT...........................................................................................................................233

RESUMÉ..............................................................................................................................234
6

INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa à análise das medidas assecuratórias, do Código de


Processo Penal, como medidas cautelares destinadas à reparação do dano causado pelo
delito.

O Código de Processo Penal discorre sobre toda esta matéria em escassos vinte
artigos, situados no Capítulo VI, intitulado “Das medidas assecuratórias”, do Título VI
“Das questões e processos incidentes”, do Livro I. A redação e a estruturação da lei,
todavia, são falhas e o tema é raramente tratado na doutrina moderna do processo penal
brasileiro, razão talvez de as medidas serem tão pouco utilizadas na prática forense.

Diferentemente do processo civil, onde a disciplina das medidas cautelares


mereceu Livro próprio e sistematizado (Livro III, do Código de Processo Civil), o Código
de Processo Penal nem mesmo apartava, com clareza, até muito recentemente, as
diferentes espécies de medidas. E sequer diz que cuida de medidas cautelares, dificultando
a análise dos pressupostos e requisitos autorizadores para sua decretação.

Desde “Do seqüestro no processo penal brasileiro”, datado de 1973 e de autoria


do Professor Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, pouco se cuidou do assunto. Enquanto no
âmbito do processo civil as cautelares foram exaustivamente analisadas, no processo penal
relegaram-se tais institutos praticamente ao esquecimento.

Esta mesma ausência de interesse pelo tema foi verificada em países europeus,
mas as medidas cautelares patrimoniais têm voltado a ser alvo de modificações legislativas
e estudos – notadamente na Itália, Espanha e Portugal.

O trabalho pretende a harmonizar os dispositivos, varrendo as imprecisões


terminológicas, a fim de dar coerência ao sistema como um todo, visto que as falhas
indicadas no Código se repetem, por exemplo, na disciplina conferida pela Lei n.º
9.613/98, que dispõe sobre os crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores.

Daí a importância de análise sistemática, que permita clarear as situações que


possibilitem a decretação das medidas, procurando conciliar os dispositivos normativos
existentes, situando-os entre as medidas cautelares no processo penal e propiciando sua
utilização mais precisa na prática forense.
7

O trabalho parte do modelo brasileiro de tutela cautelar da reparação do dano


causado pelo delito e da tutela cautelar no processo penal, verificando os pressupostos e
requisitos necessários à decretação das medidas. Examina as características e as relações
entre as cautelares patrimoniais e as garantias constitucionais do processo, notadamente a
proporcionalidade, o exercício do direito de defesa e a motivação.

Depois, no segundo capítulo, analisa objeto, momento, iniciativa, sujeito passivo


e processamento das cautelares patrimoniais, e verifica cada uma das medidas, em espécie.

O terceiro capítulo é destinado à análise dos modelos adotados no direito


estrangeiro, ao exame dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, nesta área,
e, por fim, à verificação das propostas de alteração hoje existentes e à formulação de
sugestões de lege ferenda, que busquem simplificar o trato da matéria, para torná-la
sistemática.
8

CAPÍTULO I

TUTELA CAUTELAR DA REPARAÇÃO DO DANO NO PROCESSO PENAL:

MODELO, PRESSUPOSTOS, REQUISITOS, CARACTERÍSTICAS, LIMITES

1. REPARAÇÃO DO DANO DECORRENTE DE ATO ILÍCITO

O conceito de ilícito é muito mais amplo do que o de crime: ilícito é todo ato que
está em oposição a um preceito legal e que, portanto, viola um dever jurídico. O direito
penal, porém, só admite como crime – fato típico, antijurídico e culpável – aquela conduta
previamente contida na lei, ali prevista como proibida1.

Nada impede, porém, que o mesmo fato integre elementos do suporte fático de
duas ou mais regras de campos distintos do direito2, denominado este fenômeno de
incidência múltipla3. Se considerado que a reação penal deveria ter caráter subsidiário4, o
ilícito penal necessariamente configuraria também ilícito extrapenal5. Nem sempre é

1
Vicente de Paula Vicente de Azevedo, Crime, dano, reparação, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1934, p.
59.
2
“É trivial a observação de que um mesmo e único fato ou comportamento humano pode surtir efeitos vários
no mundo do direito. Basta, para tanto, que mais de uma regra jurídica o preveja como suporte de sua
incidência, ou como elemento desse suporte. Assim, por exemplo, a morte de determinada pessoa, que de um
lado acarreta a abertura da sucessão, com a transmissão imediata do domínio e da posse da herança aos
herdeiros legítimos e testamentários (Código Civil, art. 1.572), extingue, por outro, a punibilidade de
qualquer delito por ela praticado (Código Penal, art. 108, n.º I), produz a suspensão do processo civil em que
ela seja parte (Código de Processo Civil, art. 265, n.º I), ou até a respectiva extinção, caso – para usarmos a
linguagem legal – seja a ação considerada intransmissível (Código de Processo Civil, art. 267, n.º IX), e
assim por diante” (José Carlos Barbosa Moreira, Apontamentos para um estudo sobre a reparação do dano
causado pelo crime e os meios de promovê-la em juízo, Revista de Direito da Procuradoria-Geral da Justiça
do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, ano V, n. 10, p. 42-61, jul.-dez. 1979, p. 42).
3
Araken de Assis, Eficácia civil da sentença penal, 2. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000, p. 17. De
fato, “por diversos meios a lei menciona os comportamentos antijurídicos – iniuria. Pode impor sanção penal,
quando a conduta fere os interesses da sociedade; o direito penal arrola os atos atentatórios da ordem jurídica
social, independentemente de como ofendem um bem jurídico da vítima, e estabelece as respectivas
punições. Pode a ordem jurídica prescindir da responsabilidade criminal, contentando-se com a consideração
se o fato humano lesa um interesse individual. Dá-se, então, a responsabilidade civil. E pode, ainda, cogitar
de que o comportamento lesivo rompe o equilíbrio social e simultaneamente ofende um bem jurídico
individual, ocorrendo a responsabilidade criminal associada à responsabilidade civil” (Caio Maio da Silva
Pereira, Responsabilidade civil, 9. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2001, p. 37).
4
José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, 10. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1997,v. 1, p. 9.
5
“A ilicitude penal não se restringe ao campo do direito penal: projeta-se para o todo do direito. Por isso é
que Welzel define a ilicitude como sendo a ‘contradição da realização do tipo de uma norma proibitiva com o
ordenamento jurídico como um todo’. Disso resulta que um fato ilícito penal não pode deixar de ser
igualmente ilícito em outras áreas do direito, pois um ato lícito civil, administrativo etc., não pode ser ao
9

assim6, contudo, e a explicação conferida a este fenômeno, por Antolisei, é a de que o mal
inerente a alguns atos ilícitos não encontra no dano a sua expressão, de forma que seria
ineficaz a sua previsão em ramos outros do direito: somente a pena lhe é a sanção cabível e
adequada7.

Ao cuidar dos atos ilícitos, o Código Civil, no artigo 186, preceitua que “aquele
que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar
dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Associa, assim, a
existência do ato ilícito à ocorrência de dano. Orlando Gomes assinala que seria preferível
dizer que a ocorrência de dano é um requisito da responsabilidade civil, e não
propriamente de caracterização do ato ilícito8.

Esta discussão remonta à questão da análise do que seja propriamente dano,


conceito presente em vários ramos do direito, com acepções diferentes. No campo do
direito civil, o dano, como se vê, é requisito obrigatório do ressarcimento, em matéria de
responsabilidade contratual e extracontratual. Dano é definido ora como privação ou
diminuição do patrimônio, ora como lesão de direito patrimonial ou moral, ou, mais
genericamente, como lesão de direito subjetivo. No direito penal, dano contrapõe-se a
perigo.

mesmo tempo um ilícito penal. [...] Apenas o injusto típico penal não dispensa a nota da contrariedade com o
ordenamento jurídico total, pelo que não pode deixar de ser, igualmente, um ilícito global” (Francisco de
Assis Toledo, Princípios básicos de direito penal, 5. ed., São Paulo, Atlas, 2002, p. 165). Ou, ainda,
lembrando a imagem dos círculos concêntricos, afirma Vicente de Paula Vicente de Azevedo que “o primeiro
e menor, circunscrito pela lei rígida e interpretação restritiva do direito penal, é abrangido pelo do direito
civil, e este pelo da moral. Todo crime é um ato ilícito: dá lugar à imposição de pena e à indenização. O ato
ilícito, condenado pelo direito civil, motiva a reparação. O ato simplesmente reprovado pela moral não dá
lugar a uma nem a outra sanção, sendo apenas reprovada pelo consenso geral” (Vicente de Paula Vicente de
Azevedo, Crime..., op. cit., p. 14-15).
6
Francesco Antolisei, L’offesa e il danno nel reato, Bergamo, Istituto Italiano D’Arti Grafiche, 1930, p. 152.
Lembra José Carlos Barbosa Moreira que “as normas incriminadoras podem conter preceitos exclusivos do
direito penal, que, nesse sentido, não é meramente sancionatório: basta pensar no delito de omissão de
socorro (Código Penal, art. 135), em que o preceito não é comum a qualquer outro ramo do direito, e por isso
mesmo a pena é a única sanção cabível” (José Carlos Barbosa Moreira, Apontamentos para um estudo sobre
a reparação do dano causado pelo crime e os meios de promovê-la em juízo, Revista de Direito da
Procuradoria-Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, ano V, n. 10, p. 42-61, jul.-dez.
1979, p. 47-48). Ou, ainda, o delito de quadrilha, previsto no artigo 288 do Código Penal.
7
Francesco Antolisei, L’offesa..., op. cit., p. 39.
8
“O dano integra-se na própria estrutura do ilícito civil. Não é de boa lógica, seguramente, introduzir a
função no conceito. Talvez fosse preferível dizer que a produção do dano é, antes, um requisito da
responsabilidade, do que do ato ilícito. Seria este simplesmente a conduta contra jus, numa palavra, a injúria,
fosse qual fosse a conseqüência” (Orlando Gomes, Obrigações, 8. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1994, p. 313-
314).
10

Procurado, todavia, um conceito geral de dano, que não fosse próprio deste ou
daquele ramo do direito, mas comum a todos, Francesco Carnelutti propôs que dano fosse
entendido como lesão de interesse9. Sem dano, ou seja, sem lesão de interesse, não haveria
ilícito. Carnelutti nega qualquer diferença entre o dano criminal (imediato ou direto) e o
dano civil ou privado (dano ressarcível). Não é concebível, para ele, crime sem dano;
ilícito é sempre um fato lesivo ou perigoso. O dano se encontra em todos os crimes, sem
distinção, nos crimes imperfeitos e tentados10. Para Carnelutti, o perigo não é diverso do
dano, nem menos que o dano; é, em verdade, uma espécie de dano11. A substância do
crime, para Carnelutti, reside, pois, na lesão de interesse. Crime e dano ressarcível são a
mesma coisa, sendo que a diferença encontra-se unicamente na sanção atribuída a um e
outro ilícito12.

Em contrapartida, Antolisei indagou se o dano que se ressarce, ou seja, o prejuízo


que é tomado em consideração quando se trata de conceder à vítima uma indenização, seria
o mesmo prejuízo que os criminalistas dizem caracterizar o dano imediato, ou direto, do
crime. A esta pergunta, Antolisei respondeu negativamente, estabelecendo então a
concepção, muito esclarecedora, de que dano e ofensa são conceitos distintos.

Lembra Antolisei que os penalistas já distinguiam o dano imediato ou direto –


que chamam de dano criminal, em contraposição ao perigo – do dano ressarcível, chamado
de dano privado, afirmando que as noções são diversas e não podem, de fato, ser
confundidas13.

9
Francesco Carnelutti, Il danno e il reato, Padova, Cedam, 1930, p. 14.
10
“Ma anche qui si vede subito che il dano carateristico non sta nella assenza del danno, bensì nella
sufficienza di un danno diverso (e, eventualmente minore), di quelle che l’agente si propone de cagionare”
(Francesco Carnelutti, Il danno..., op. cit., p. 24-25).
11
Já dizia Carnelutti que “il periculo è un danno” e “reato di pericolo non è un reato senza danno”
(Francesco Carnelutti, Il danno..., op. cit., p. 27 e 28).
12
Sem aceitar a diferença ontológica que caracterizaria o crime, sustenta Carnelutti que não existe, em
verdade, divergência substancial ou intrínseca entre ilícito civil e penal, mas tão-só de sanção (“Atto illecito e
danno no sono che due facce di un medesimo prisma; la lesione di un interesse si considera como atto illecito
in quanto il diritto proibisce l’atto, che la cagiona. Si considera como danno risarcibile in quanto il diritto
dispone la eliminazione delle conseguenze dell’atto medesimo. La diversità non è, dunque, nel fatto, ma può
essere nella sanzione. [...] La diferenza non sta nel fatto, ma nella sanzione” (Francesco Carnelutti, Il
danno..., op. cit., p. 21-22 e 29). Os escopos das mencionadas sanções são sempre dois: prevenção do ilícito e
reparação da conseqüência (Francesco Carnelutti, Il danno..., op. cit., p. 32). No mesmo sentido, asseverando,
entre nós, que, intrinsecamente, não há diferença substancial entre o ilícito civil e o penal, sendo a diferença
apenas formal, de sanção, cf. Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, Rio de Janeiro, Borsoi, 1966, v.
53, § 5.506, p. 178-179, e Vicente de Paula Vicente de Azevedo, Crime..., op. cit., p. 14.
13
Francesco Antolisei, L’offesa..., cit. p. 11. A este respeito, também assinala Barbosa Moreira: “A palavra
‘dano’, bastante equívoca na linguagem jurídica, nenhuma relação tem aí, convém desde logo advertir, com a
conhecida classificação das figuras delituosas em ‘crimes de dano’ e ‘crimes de perigo’” (José Carlos
11

Antolisei sustenta a necessidade de não confundir, em um único conceito, em


uma só noção, todos os males. Propõe então a distinção entre ofensa e dano. Ofensa é o
mal ínsito, o conteúdo do crime e do ato ilícito em geral, a lesão ou colocação em perigo de
um interesse, enquanto dano é o particular prejuízo que é objeto de ressarcimento, a
conseqüência nociva do ato ilícito, o verdadeiro e próprio dano, em sentido técnico.

Assim, a ofensa constitui a natureza intrínseca do ato ilícito, não a sua


conseqüência14. Quando se trata de ressarcir a vítima, não é a ofensa, e sim o dano, o
prejuízo advindo das conseqüências nocivas do fato, que é o seu objeto. São ressarcidos os
efeitos do ilícito.

A ofensa é a agressão do interesse protegido pelo direito, que pode assumir duas
formas: lesão ou colocação em perigo. O dano, por sua vez, é a conseqüência nociva do
fato, o mal (patrimonial ou não patrimonial) que lhe é derivado.

A ofensa é ínsita ao ato ilícito e constitui sua natureza intrínseca. Existe onde há
fato ilícito. O dano, ao contrário, é elemento extrínseco ao conceito de ilícito e, portanto,
eventual. O fato ilícito pode subsistir sem o dano. O dano é o efeito, o resultado do fato, e
não é da essência do ato ilícito; é um elemento acidental do ilícito.

Em suma, as conseqüências danosas, consistentes em perda patrimonial ou em


prejuízos de outro gênero, não devem ser confundidas com a ofensa: são coisas diversas15.

Voltando à disciplina conferida pelo Código Civil: o ato ilícito faz nascer, aos
prejudicados, direito de exigir a reparação dos danos sofridos. Também, assim, o ilícito
penal, se houver dano a reparar16. A responsabilidade civil surge, então, quando presentes

Barbosa Moreira, Apontamentos..., op. cit., p. 42). Cf., também, Vicente de Paula Vicente de Azevedo,
Crime..., op. cit., p. 64-65.
14
Francesco Antolisei, L’offesa..., op. cit., p. 39.
15
Francesco Antolisei, L’offesa..., op. cit., p. 30 e seguintes. No mesmo sentido, cf. Roberto Lyra: “A ofensa
é a agressão do interesse juridicamente protegido (lesão ou perigo). O dano é a conseqüência nociva do
crime, o prejuízo (patrimonial ou não) que dele deriva. A ofensa pertence à natureza intrínseca do crime,
coexistindo sempre com este. O dano é elemento extrínseco ao conceito do delito e, portanto, eventual. Pode
haver crime sem dano. [...] A reparabilidade do dano, para a lei penal, que não admite exceção, tem sentido
abstrato. O dano, e não a ofensa, pode ser sempre compensado ou removido, variando os meios de acordo
com a sua natureza. Não se pode falar, pois, em irreparabilidade do dano. O dano moral comporta
indenização, não tendo cabimento, em face do art. 74, qualquer discussão a respeito. [...] Somente a medida
concreta do dano, patrimonial ou não, é deixada ao direito privado. O delito tem largas e indefinidas
repercussões, que escapam à previsão legal e mais se oferecem ao poder de concentração, de pesquisa e de
crítica, hoje prodigalizado à experiência especial do juiz cível” (Roberto Lyra, Comentários ao Código
Penal, 2. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1955, v. 2, p. 522-524).
16
Francesco Antolisei, L’offesa..., op. cit., p. 207. Não se trata, porém, de afirmar que a obrigação de reparar
o dano nasce do delito, mas sim de uma ação ou omissão que também é tipificada penalmente (Ricardo Juan
12

conduta, dano e nexo de causalidade entre uma e outro, ainda que o fato configure ilícito
de incidência múltipla e, portanto, configure também crime. E pode, portanto, haver crime
sem que haja dano17, o que nada tem que ver com a natureza privada ou pública do bem
jurídico tutelado pela norma penal infringida, como equivocadamente se poderia pensar18.

É preciso que não se confunda o dano, aqui, tido como prejuízo, ou, como alguns
preferem, dano em sentido civil, com o dano formulado na teoria do crime. Nos crimes em
que não há resultado, nos crimes formais ou nos crimes de perigo, nos crimes tentados, em
que há apenas colocação do bem jurídico em perigo, há sempre ofensa (o ato é ilícito) e
pode haver dano, material ou moral, a reparar.

Assim, crimes formais e crimes tentados, crimes de perigo, todos geram


obrigação de reparação, se houver dano a ressarcir19, inclusive reparar o dano moral20, em

Sánchez, La responsabilidad civil en el proceso penal, Madrid, La Ley, 2004, p. 33). No mesmo sentido, cf.
Aníbal Bruno: “Na realidade, as sanções civis resultam do ilícito civil que o criminoso realiza ao mesmo
tempo que o ilícito penal. Sobre isso insiste particularmente Battaglini, opondo-se a que se afirme que são
conseqüências do crime. Mas pode-se bem dizer que resultam do crime como fato em si mesmo que encerra
várias espécies de ilícito” (Aníbal Bruno, Direito penal, 3. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1967, v. 1, t. 3, p.
247). O fato, portanto, contrário ao direito penal e ao direito civil, leva à imposição de pena e obrigação de
reparação (Vicente de Paula Vicente de Azevedo, Crime..., op. cit., p. 15).
17
Não obstante a ofensa, ou seja, a configuração de ilícito penal, pode não haver dano a ressarcir. Assim
dizia Pontes de Miranda: “O ato pode ser criminoso e incorrer em pena quem o pratique sem que daí resulte
dever de indenizar (falta ao suporte fáctico o elemento do dano) e o de restituir aquilo com que se aproveitou
(não houve enriquecimento injustificado)” (Pontes de Miranda, Tratado..., op. cit., v. 53, § 5.502, p. 103).
Igualmente, José Carlos Barbosa Moreira: “Não é unicamente a relação jurídica obrigacional, aí, que tem
excluído, a título de exceção, o seu nascimento: o que se nega é o próprio efeito civilmente danoso do
comportamento penalmente punível. Seria inexato dizer apenas que não há dano suscetível de obrigar à
reparação: a verdade é que, pelo prisma civil, pura e simplesmente não há dano” (José Carlos Barbosa
Moreira, Apontamentos..., op. cit., p. 44). Ainda, Vicente de Paula Vicente de Azevedo: “Nem sempre a
infração da lei penal (crime) dá lugar à ação de indenização, por isto que nem sempre do crime resulta um
dano privado, real e apreciável. Não só nos casos das tentativas, pois as mais graves tentativas se podam dar
sem dano, mas em muitos crimes consumados. Exemplos são os crimes de falso, em que não é essencial a
verificação de uma lesão ao patrimônio; a ofensa ao pudor público, o duelo, o porte de armas, o apresentar-se
em público em estado de notória embriaguez, o ultraje aos cadáveres, etc., e em geral naqueles crimes e
contravenções (observa com a habitual proficiência Dias da Silva) que tendem a violar antes um direito
social, do que um direito individual. O conceito de dano difere, pois, conforme o direito penal ou o direito
civil. Para o direito penal, o dano é efetivo ou potencial, isto é, o mal causado, ou que podia ter sido causado,
v.g. nos crimes formais, como o de falso, na tentativa de morte sem lesão, etc. Dano potencial é o perigo do
mal ou da ofensa aos direitos. Para o direito civil é mister que o dano seja real, atual e certo, quer resulte de
um dano emergente, quer provenha de um lucro cessante. Real, isto é, estimável, em moeda; atual e certo,
porque não pode constituir direito à indenização um ato que eu considero ilícito porque algum dia, em tempo
mais ou menos remoto, pode vir a me prejudicar. Como ainda nem todo dano dá lugar à indenização”
(Vicente de Paula Vicente de Azevedo, Crime..., op. cit., p. 64-65). Ainda, cf. Basileu Garcia, Instituições de
direito penal, 2. ed., São Paulo, Max Limonad, 1952, v. 1, t. 2, p. 584.
18
A ressalva é feita por José Carlos Barbosa Moreira, Apontamentos..., op. cit., p. 44-45.
19
“Es la ausencia de daño lo que permite afirmar que en el caso de los delitos de contenido inmaterial, delitos
de peligro y en los supuestos de tentativa y frustración no nace responsabilidad civil, pero es errónea la
afirmación de que en estos casos no puede existir un daño reparable. Así, por ejemplo, en los casos de
tentativa, el daño puede ser otro al que hubiera resultado de la comisión plena del delito, pero al fin y al cabo
puede existir un daño reparable” (Ricardo Juan Sánchez, La responsabilidad…, op. cit., p. 35).
13

razão de o delito impingir à vítima, no mais das vezes, sofrimento, ansiedade, preocupação,
medo21.

Em síntese, no nosso ordenamento, que contempla a reparação do dano moral


(artigo 5o, incisos V e X da Constituição da República e artigo 186 do Código Civil), é
possível a existência de (i) crime que não configura ilícito civil, ou extrapenal, como, por
exemplo, o caso de omissão de socorro, ou formação de quadrilha; (ii) crime que também
configura ilícito civil, mas não produz dano, no caso, por exemplo, de invasão de domicílio
ou tentativa de furto em que não ocorra prejuízo para o proprietário do bem imóvel; (iii)
crime que constitui ilícito extrapenal e causa dano ressarcível22, o que configura a grande
maioria dos ilícitos, em verdade.

A composição civil dos danos causados pela infração pode se dar por diversas
modalidades: (i) restituição, (ii) ressarcimento, (iii) reparação e (iv) indenização. A
restituição visa à obtenção do próprio bem subtraído ou indevidamente apropriado23; o
ressarcimento, à satisfação de maior dano, ou seja, além do dano emergente, os lucros
cessantes, aquilo que o ofendido deixou de receber em razão da não-fruição do bem24;

20
Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 2, p. 380. Assinala, ainda, José de Aguiar Dias que, “na
Argentina, é reconhecida, sem discussão, a reparabilidade do dano moral em caso de ilícito penal” (José de
Aguiar Dias, Da responsabilidade..., op. cit., v. 2, p. 750). Ainda: “Quando ao dano não correspondem as
características do dano patrimonial, dizemos que estamos em presença do dano moral. A distinção, contrário
do que parece, não decorre da natureza do direito, bem ou interesse lesado, mas do efeito da lesão, do caráter
da sua repercussão sobre o lesado. De forma que tanto é possível ocorrer dano patrimonial em conseqüência
de lesão a um bem não patrimonial como dano moral em resultado de ofensa a bem material” (José de Aguiar
Dias, Da responsabilidade..., op. cit., v. 2, p. 729). Ainda, Aníbal Bruno: “As sanções civis são também
meios pelos quais o Direito assegura o domínio dos seus preceitos. Uma das fontes de que podem derivar é a
prática de um fato definido como crime, quando resulta em dano, economicamente apreciável, seja de
natureza material, seja de natureza moral” (Aníbal Bruno, Direito..., op. cit., v. 1, t. 3, p. 247).
21
A vítima oscila entre sentimentos de vingança, cólera, dor, abandono, vergonha e perda de confiança
(Howard Zehr, Changing lenses: a new focus for crime and justice, Scottdale, Herald Press, 1990).
22
A síntese é apresentada por José Carlos Barbosa Moreira, Apontamentos..., op. cit., p. 46.
23
Esta é, no dizer de Tornaghi, a mais singela forma de satisfação do dano (Hélio Tornaghi, Instituições de
processo penal, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1977, v. 2, p. 380). Vicente de Paula Vicente de Azevedo,
Crime..., op. cit., p. 73. Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo penal, 27. ed., São Paulo, Saraiva, 2005,
v. 3, p., 27.
24
“O ressarcimento é o pagamento do dano patrimonial sofrido, de todo o dano, isto é, do prejuízo emergente
e do lucro cessante, do principal e dos acréscimos que lhe adviriam com o tempo e com o emprego da coisa”
(Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 2, p. 380). “O dano, enquanto considerado como ‘diminuição do
patrimônio’, e, portanto, como dano econômico, material, pode apresentar-se sob duas formas ou aspectos
especiais: ou é diminuição efetiva, ou é impedimento de aumento do patrimônio; ou seja, empregando as
expressões habituais: dano emergente e lucro cessante. [...] O dano patrimonial, para ser indenizado, deve ser
atual, certo e positivo – e não hipotético, possível ou futuro” (Vicente de Paula Vicente de Azevedo,
Crime..., op. cit., p. 67). Para Carnelutti, a restituição age mais pela eliminação do que pela prevenção do
dano e não dá conta do dano experimentado no período que transcorre entre a prática do ilícito e a restituição
do bem; por isso, deve ao menos ser integrada pelo ressarcimento (Francesco Carnelutti, Il danno..., op. cit.,
p. 34-35).
14

configura uma “compensação do prejuízo sofrido pela vítima do ato ilícito”25; a reparação
consiste na “equivalência”26, ou refere-se aos danos morais, vez que podem ser atingidos
valores relativos à dignidade, individualidade e personalidade da vítima27; e a indenização
é a modalidade de composição patrimonial do dano causado por ato lícito do Estado28.

No Brasil, a Constituição da República, todavia, não obedece a tais rigores


terminológicos, e trata por indenização qualquer pedido de natureza ressarcitória ou
reparatória (artigo 5o, inciso X). Igualmente, o Código de Processo Penal emprega sem
apego técnico o termo “reparação”, no artigo 63, e “ressarcimento”, no artigo 6429.

A obrigação de reparar o dano em decorrência de ilícito penal, bem como o


perdimento de bens, gozam de regramento constitucional. Com efeito, a Constituição da
República assegura, no artigo 5o, inciso XLV, que “nenhuma pena passará da pessoa do
condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens
ser, nos termos da lei, estendidas aos seus sucessores e contra eles executadas até o limite
do valor do patrimônio transferido”30.

Quando da edição do Código de Processo Penal, já havia a preocupação de


estabelecer formas que assegurassem a reparação do dano nascente do delito, eis que a
própria Exposição de Motivos, no item VI, assinala: “O projeto não descurou de evitar que

25
Vicente de Paula Vicente de Azevedo, Crime..., op. cit., p. 73.
26
“A reparação consistirá, então, no pagamento de importância equivalente à diminuição do valor do objeto
ou do animal” (Vicente de Paula Vicente de Azevedo, Crime..., op. cit., p. 73).
27
“Quando, porém, o dano não for ressarcível por não poder ser estimado em dinheiro, por não ter caráter
patrimonial, há mister uma compensação, que sirva para repará-lo, para conformar a dor, para contrabalançá-
la” (Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 2, p. 380). A distinção entre ressarcimento e reparação reside
na diferença entre equivalência e compensação dos interesses (Francesco Carnelutti, Il danno..., op. cit., p.
39): “dove il risarcimento non giunge, per la eliminazione del danno serve la riparazione” (Francesco
Carnelutti, Il danno..., op. cit., p. 43).
28
Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 2, p. 381.
29
“Na linguagem comum, o vocábulo reparação, em sentido amplo, é gênero que abraça o ressarcimento e a
reparação (stricto sensu)” (Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 2, p. 383). No mesmo sentido, cf.
Ricardo Juan Sánchez, La responsabilidad..., op. cit., p. 183, que afirma que, em que pese a distinção entre
reparação do dano e indenização dos prejuízos, a doutrina e a jurisprudência espanholas, de maneira quase
unânime, englobam os dois conceitos em um único e geral de reparação do dano, que alcança tanto o dano
emergente como o lucro cessante, o dano material, corporal e moral ou psíquico ou qualquer outro dano com
relevância jurídica, qualquer que seja o modo de classificação.
30
“A preocupação foi a de tornar constitucional a regra, antes firmada na lei ordinária, de que a condenação
penal tem como efeito a reparação do dano e, ainda, de expressamente consignar a responsabilidade do
patrimônio do autor da infração pelo ressarcimento devido à vítima. O fato de a reparação ter obtido
consagração constitucional representou, isso sim, afirmação de sua relevância social, constituindo-se
providência que extravasa o interesse individual da vítima” (Antonio Scarance Fernandes, O papel da vítima
no processo criminal, São Paulo, Malheiros, 1995, p. 164). Cf., ainda, Marcellus Polastri Lima, A tutela
cautelar no processo penal, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 32.
15

se torne ilusório o direito à reparação do dano, instituindo ou regulando eficientemente


medidas assecuratórias (seqüestro e hipoteca legal dos bens do indiciado ou responsável
civil), antes mesmo do início da ação ou do julgamento definitivo, e determinando a
intervenção do Ministério Público, quando o titular do direito à indenização não disponha
de recursos pecuniários para exercê-lo. Ficará, assim, sem fundamento a crítica, segundo
a qual, pelo sistema do direito pátrio, a reparação do dano ex delicto não passa de uma
promessa vã ou platônica da lei”.

A responsabilidade civil e a responsabilidade penal proporcionam as respectivas


ações, uma tendente à reparação, outra à punição. As formas de coordenação31 entre as
instâncias civil e penal, todavia, podem ser múltiplas, como será analisado no próximo
item.

1.1. PANORAMA DOS PRINCIPAIS MODELOS JURÍDICOS DE SISTEMAS DE

COORDENAÇÃO ENTRE AS INSTÂNCIAS CIVIL E PENAL: DA AUTONOMIA À UNIÃO DE

INSTÂNCIAS, ATÉ A JUSTIÇA RESTAURATIVA

Como bem assinala Tornaghi, “uma coisa é o problema das relações entre a
responsabilidade civil e a penal, e outra, o da sede em que deve ocorrer a ação civil”32.

Há grandes linhas que agrupam legislações que disciplinam o processo onde deve
tramitar a ação civil, ou as relações existentes entre as ações, civil e penal, que apuram o
mesmo fato33. Estes sistemas, todavia, “apenas podem ser aceitos em suas grandes linhas,
pois as leis que seguem cada um deles diferem a tal ponto nas minúcias que só com muita
dificuldade chegariam a constituir realmente sistemas (isto é, conjuntos harmônicos em

31
“Seja como for, aqui se sublinha que o ilícito absoluto recebe a notória designação de delito. E, quando o
suporte fático respectivo incide, concomitante, em regra penal – fato definido, legalmente, como crime – e
civil, provoca profunda necessidade de coordenação dos juízos que se estabeleçam em seguida” (Araken de
Assis, Eficácia civil..., op. cit., p. 22).
32
Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 2, p. 380. Acentua Araken de Assis que “razão de princípio
alguma impede que a incidência múltipla estudada – delito penal e ilícito civil – seja resolvida
concomitantemente. Somente critérios de competência apartam o juízo civil do penal, e motivos de
conveniência duplicam as demandas” (Araken de Assis, Eficácia civil..., op. cit., p. 30).
33
Vicente de Paula Vicente de Azevedo, Crime..., op. cit., p. 19.
16

que os atributos essenciais do todo convêm a cada uma das partes) se se levassem em
conta os pormenores”34. Não há, pois, sistema puro, nem perfeito35.

Em linhas gerais, são concebidos quatro grandes sistemas36: separação, confusão,


solidariedade e livre escolha, entre as instâncias civil e penal.

1.1.1. SISTEMA DA SEPARAÇÃO, OU INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS

No sistema da separação, ou da independência das instâncias37, o procedimento


penal exercerá nenhuma, ou limitadíssima, influência na área civil. No juízo penal, obsta-
se o julgamento de matéria diversa do crime e rejeita-se, em conseqüência, a possibilidade
de a vítima postular, nesta sede, indenização a qualquer título38. As ações civil e penal têm,
assim, curso apartado, não se relacionam nem se influenciam. Há completa independência
entre as ações39. É o sistema anglo-saxônico, seguido, com algum temperamento, pelo
direito estadunidense e holandês40. Em sua pureza, todavia, não existe em nenhum país, em
decorrência do temor de que se obtenham julgados conflitantes sobre uma única conduta
humana no mundo fático41. Apontam-se como razões para o acolhimento deste sistema a
natureza profundamente diversa dos processos civil e penal, a possível demora, o tumulto e
a paralisação do processo quando as causas civis são complexas ou, ainda, de difícil
determinação do valor do dano42.

34
Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 2, p. 387. Araken de Assis, Eficácia civil..., op. cit., p. 43-45.
35
Cf. Ruy Sérgio Rebello Pinho, A reparação do dano causado pelo crime e o processo penal, São Paulo,
Atlas, 1987, p. 183-185.
36
Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 2, p. 387.
37
Vicente de Paula Vicente de Azevedo, Crime..., op. cit., p. 19.
38
Araken de Assis, Eficácia civil..., op. cit., p. 45.
39
“Gerando a infração penal duas ordens de danos, o dano causado à tranqüilidade social e o dano causado à
vítima do delito, surgem, daí, duas categorias de conseqüências: a aplicação da pena ao delinqüente e o
ressarcimento do dano patrimonial, ou moral, ao ofendido. Para a escola clássica, a obrigação de ressarcir o
dano ao ofendido entende estritamente com a esfera do direito privado; é uma obrigação civil como outra
obrigação civil qualquer; e, em face desta conceituação do dano, afigura-se perfeitamente lógico o postulado
da referida escola, segundo o qual da infração penal se originam duas ações marcadamente distintas: a da
sociedade, para aplicação da pena ao delinqüente; a do ofendido, para a satisfação do dano causado à sua
pessoa, ao seu patrimônio, à sua honra” (Florêncio de Abreu, Reparação do dano, Revista Forense, Rio de
Janeiro, ano XL, n. XCIII, Fascículo 475, p. 16-20, jan. 1943, p. 16).
40
Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 2, p. 387.
41
Ruy Sérgio Rebello Pinho, A reparação do dano..., op. cit., p. 34-35.
42
Antonio Scarance Fernandes, O papel da vítima..., op. cit., p. 170-171.
17

1.1.2. SISTEMA DA CONFUSÃO

No modelo da confusão, uma mesma ação visa à imposição de pena e de


reparação, como ocorria no sistema romano43. Uma única ação, civil e penal, ao mesmo
tempo, levaria à aplicação de pena e à reparação do dano causado pelo crime, satisfazendo,
a um só tempo, o interesse geral e o particular44. Na sentença condenatória, o juiz deveria
impor a satisfação integral, penal e civil. Tal sistema foi adotado pelo Código de Processo
Penal italiano de 191345.

1.1.3. SISTEMA DA SOLIDARIEDADE, UNIDADE OU INTERDEPENDÊNCIA DAS

INSTÂNCIAS

No sistema da solidariedade, unidade ou interdependência das instâncias, no


mesmo processo há duas ações, uma civil e uma penal, diante do mesmo juiz penal.
Caracteriza-se pela oportunidade, conferida à vítima ou a seus herdeiros e sucessores, de,
em nome próprio, ou ao Ministério Público, substituto processual, pleitear a reparação do
dano juntamente com a aplicação da pena ou medida de segurança.46 Pode haver acúmulo
de duas ações no juízo penal, mas “é uma acumulação facultativa”47. É o sistema mais
comum, mas não em sua pureza, adotado pela Espanha, México, Argentina, Colômbia,
Portugal, França, Alemanha, Bélgica, Espanha48 e Itália49. Suas formas de organização são

43
O procedimento criminal era assemelhado ao procedimento privado relativo ao dano patrimonial e sua
finalidade era mais a restituição do dano infligido à vítima do que a persecução de um crime (Rogério Lauria
Tucci, Lineamentos do processo penal romano, São Paulo, José Bushatsky, 1976, p. 69-71; Bernardo
Santalucia. Diritto e processo penale nell’antica Roma, 2. ed. Milano, Giuffrè, 1989, p. 109). Não obstante,
havia previsão de imposição de incapacidades, como perda de direitos políticos, remoção do Senado e
ineligibilidade (Jorge Alberto Romeiro, O processo como fonte do direito penal romano, Revista de Direito
Penal e Criminologia, Rio de Janeiro, n. 35, p. 71-75, jan./jul. 1983.
44
“Não se acumulam duas ações, uma civil e uma penal, no mesmo processo, mas duas obrigações na mesma
ação” (Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 2, p. 390).
45
Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 2, p. 389.
46
Araken de Assis, Eficácia civil..., op. cit., p. 49.
47
Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 2, p. 390.
48
Na Espanha, permite-se a cumulação das ações civil e penal em um mesmo processo. Entende-se que a
responsabilidade civil, neste caso, nasce de um fato que também é tipificado como crime, cf. Jaume Sole
Riera, La tutela de la víctima en el proceso penal, Barcelona, Bosch, 1997.
49
Antonio Scarance Fernandes, O papel da vítima..., op. cit., p. 167-169.
18

as mais variadas: poder haver constituição de parte civil no processo penal50; união de
juízos; diversidade de legitimados ativos; faculdade ou obrigatoriedade de se escolher a
sede penal para promover a reparação do dano; pode haver, ou não, prejudicialidade51;
nomeação de defensor para o ofendido do crime que pretenda se constituir parte civil;
obrigação de o juiz penal manifestar-se, em caso de condenação, sobre a ação civil e de
liquidar o dano52.

O sistema goza de de vantagens e desvantagens. Como vantagens, mencionam-se


agilidade, economia, facilidade probatória, soma de esforços com a ajuda do ofendido na
repressão penal, eficácia da decisão contra co-autores e partícipes e uniformidade de
decisões53, posto que se evitam decisões contraditórias54. São apontadas como
desvantagens o fato de que a vítima ficaria exposta a represálias da parte acusada que
termina absolvida, e que parte civil, em certos sistemas, não pode ser ouvida como
testemunha, o que pode enfraquecer a acusação naqueles casos em que é a principal
testemunha55.

1.1.4. SISTEMA DA LIVRE ESCOLHA

Por fim, no sistema da livre escolha, é facultativo cumular ações no juízo penal
ou fazê-las correr separadamente, nas instâncias civil e penal56.

Ante a inexistência dos sistemas da solidariedade e da confusão em sua pureza57,


podem-se reduzir os sistemas a dois grandes quadros: separação e acumulação de ações em

50
“Na atualidade, a maneira mais comum de se obter a reparação do dano através do processo criminal
consiste, contudo, em se admitir o ajuizamento em sede penal da ação civil, formando-se um litisconsórcio
ativo entre o prejudicado e o Ministério Público. O primeiro pretende a reparação do dano, de interesse civil;
o segundo busca a condenação do agente, manifestando interesse público. Mas, apesar de ostentarem
pretensões diversas, o fato de estarem juntos em uma mesma relação jurídica leva a que a prova, por eles
produzida, influa no resultado das duas ações” (Antonio Scarance Fernandes, O papel da vítima..., op. cit., p.
154).
51
Gerard Lopez, Serge Portelli e Shopie Clément, Les droits de victimes: victimologie et psychotramatologie,
Paris, Dalloz, 2003, p. 55-66.
52
Mario Pisani, Problema speciali del processo penale, In: Studi in onore di Enrico Tullio Liebman, Milano,
Giuffrè, 1979, v. 4, p. 2938.
53
Ruy Sérgio Rebello Pinho, A reparação do dano..., op. cit., p. 44-45.
54
Antonio Scarance Fernandes, O papel da vítima..., op. cit., p. 170.
55
Ruy Sérgio Rebello Pinho, A reparação do dano..., op. cit., p. 45.
56
Araken de Assis, Eficácia civil..., op. cit., p. 44.
19

um só processo58. Assim, levando-se em conta a sede em que será julgada a reparação do


dano, no sistema da união o juiz penal resolve sobre o crime e a reparação do dano. Se isto
ocorre em uma só ação, tem-se o sistema da confusão. Se exigidas duas ações, uma penal e
outra civil, serão formuladas no juízo penal (cumulação obrigatória) ou se permitirá que o
titular do direito à reparação opte pelo ajuizamento da ação civil no juízo penal (sistema da
livre escolha). No sistema da independência, a reparação deve ser requerida no juízo civil,
separadas as ações civil e penal59.

A favor do divórcio das duas ações, pondera-se que a reparação do dano é matéria
civil e a repressão, que deve ser célere, sofreria se fosse pleiteada a reparação na instância
criminal60; que é cada vez maior a necessidade de especialização dos órgãos judiciais e que
muito diferem, na estrutura, os processos civil e penal; e, ainda, que o acusado se colocaria
em “situação de inferioridade, atacado que se vê por dois flancos e forçado a combater,
ao mesmo tempo, pretensões heterogêneas”61.

A favor da cumulação, alegam-se a economia processual, coerência das decisões,


reforço da repressão e vantagem em aceitar a colaboração do acusado; o fato sobre que
versam as duas ações é o mesmo e a jurisdição é única62.

Por fim, muito em voga hoje a chamada justiça restaurativa, em que a reparação
do dano chega a ter eficácia penal despenalizadora. Encaixar-se-ia no sistema da adesão?
Não, mais do que isto. Adotada paulatinamente em países como Inglaterra, Escócia, Suíça,

57
Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 2, p. 388.
58
Ou, na nomenclatura usada por Araken de Assis, sistemas de separação e adesão, este último
compartimentado em obrigatoriedade da demanda conjunta ou faculdade de opção pela via civil, a chamada
livre escolha, ou livre ou obrigatória adesão (Araken de Assis, Eficácia civil..., op. cit., p. 44-45 e 49). Ou,
como prefere Scarance Fernandes, os sistemas são essencialmente dois, da união e separação (O papel da
vítima..., op. cit., p. 166, assim como José Carlos Barbosa Moreira, Apontamentos..., op. cit., p. 51).
59
Antonio Scarance Fernandes, O papel da vítima..., op. cit., p. 166-167.
60
Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 2, p. 388.
61
José Carlos Barbosa Moreira, Apontamentos..., op. cit., p. 51.
62
“Em prol do julgamento conjunto diz-se, por exemplo, que ele atende à economia processual, porque de
ordinário a atividade de instrução relevante para uma das causas também o é para a outra, e assim se evita a
inútil repetição de diligências; que, portanto, favorece o interesse do lesado; que preexclui o risco de
julgamentos logicamente contraditórios; que torna mais eficiente a repressão graças à colaboração do
ofendido com o órgão estatal incumbido de promovê-lo, pois embora cada qual persiga objetivo específico,
os esforços de um e de outro acabam praticamente por somar-se. A distinção que se costuma fazer entre o
exercício da jurisdição em matéria penal e em matéria civil é, afinal, contingente, decorre de razões práticas,
deixando intacta a unidade substancial dessa função do Estado, cuja natureza não varia de um para outro
setor; nada impede, portanto, que o ordenamento a despreza, sempre que nisso houver vantagem” (José
Carlos Barbosa Moreira, Apontamentos..., op. cit., p. 50). Menciona-os, também, Hélio Tornaghi,
Instituições..., op. cit., v. 2, p. 388.
20

Holanda, Canadá, Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia63, nasce da constatação dos
efeitos devastadores do sistema penal. John Braithwaite, australiano, apresenta um modelo
que representa a ruptura com o modelo retributivo de justiça penal64. Se a justiça penal
impinge pena proporcional à violação de infração, a justiça restaurativa leva em conta a
totalidade de danos sofridos pela vítima, pela comunidade e pelo próprio autor. Além
disso, a demanda por reparação pode também existir paralelamente ao sistema penal e ser
com ele articulada65.

A obra de Howard Zehr, publicada em 1990, nos Estados Unidos, é considerada


refundadora do movimento de justiça restaurativa66. A justiça restaurativa não é orientada
ao perdão e à reconciliação, nem se destina a substituir o modelo atual. Ela aumenta o
círculo de interesses no processo penal, para as vítimas e a comunidade. A reparação, para
a vítima, é essencial, tanto no plano material como no simbólico67. O primeiro princípio é
centrar e focalizar sobre o ilícito e suas conseqüências às vítimas, à comunidade e ao
infrator e determinar as sanções decorrentes do ilícito. No direito brasileiro, pode-se dizer
que a Lei n.º 9.099/95 abre pequena janela para este modelo68, que vai, todavia, muito
além.

63
Antonio Scarance Fernandes, O papel da vítima..., op. cit., p. 167.
64
John Braithwaite, Crime, shame and reintegration, New York, Cambridge University Press, 1989.
Ainda,cf. Jacques Faget, Reintegrative shimming: à propos de la théorie de John Braithwaite, Le cahiers de
la justice, Paris, Dalloz, 2006, p. 59-70.
65
Defendendo a política criminal que privilegia a reparação dos danos, cf. Antonio García-Pablos de Molina
e Luiz Flávio Gomes: “Não existe, em suma, nenhum obstáculo sério, seja do ponto de vista penal, seja do
ponto de vista político-criminal, para impedir a renúncia da pena de prisão, total ou parcial (às vezes até
mesmo o nascimento ou desenvolvimento do processo), em casos taxativamente determinados, mas
principalmente nos delitos patrimoniais e econômicos cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa,
nos delitos contra a honra, sexuais etc. Já se fala, portanto, claramente, na ‘civilização do processo penal’,
para expressar essa tendência político-criminal de conferir a maior importância possível à reparação dos
danos. Nota-se, assim, dentro do âmbito penal, o retorno do ‘contratualismo’, que entendemos ser salutar,
enquanto respeitados alguns limites, porque atende aos interesses da vítima (reparação civil), da comunidade
(menos custo), do infrator (favorecendo sua ressocialização), da própria Justiça (agilização) etc” (Antonio
García-Pablos de Molina e Luiz Flávio Gomes, Criminologia, 4. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002,
p. 630-631). Os autores afirmam que, no Brasil, a Lei n.º 9.099/95 introduziu o chamado modelo consensual
de justiça criminal, onde a prioridade não é o castigo, mas a indenização dos danos e prejuízos causados pelo
delito à vítima (Antonio García-Pablos de Molina e Luiz Flávio Gomes, Criminologia..., op. cit., p. 646). O
paradigma restaurativo, todavia, vai além do procedimento dos juizados especiais (cf. Renato Sócrates
Gomes Pinto, Justiça restaurativa é possível no Brasil?, In: C. Slakmon, R. de Vitto, R. Gomes Pinto (Org.),
Justiça restaurativa, Brasília, Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidads para o Desenvolvimento
– PNUD, 2005, p. 20).
66
Howard Zehr, Changing lenses…, op. cit.
67
No mesmo sentido, cf. Gonzalo Quintero Olivares, La responsabilidad civil y la reparación en la política
criminal contemporánea, Responsabilidad civil “ex delicto”, Cuadernos de Derecho Judicial, Madrid,
Consejo General del Poder Judicial, ano XVI, p. 13-46, 2004.
68
Renato Sócrates Gomes Pinto, Justiça restaurativa..., op. cit., p. 29.
21

Em resumo: a forma de coordenação entre as instâncias civil e penal pode ocorrer


de diversas formas. Como isto se dá no Brasil, é o objeto do próximo tópico.

1.2. O SISTEMA BRASILEIRO DE COORDENAÇÃO DE INSTÂNCIAS CIVIL E PENAL

1.2.1. HISTÓRICO

O Código Criminal do Império cuidou da reparação do dano em capítulo


intitulado “Da satisfação”. Ao prever, no artigo 22, que a satisfação do dano seria sempre a
mais completa possível, sendo, no caso de dúvida, a favor do ofendido, ostentava sistema
avançado para a época69. Diante do disposto no artigo 3170, que estabelecia que a satisfação
do dano não teria lugar “antes da condenação do delinqüente” por sentença passada em
julgado no juízo criminal, diz-se que o sistema adotado pela lei material, o Código
Criminal do Império, era o da solidariedade facultativa entre a ação civil e a ação penal71,
ou sistema de adesão facultativa72.

Assim, enquanto o Código Criminal do Império, no artigo 31, § 3o, permitia ao


ofendido optar pela ação em sede civil, sem ter, então, que esperar pela decisão criminal; e,
no artigo 31, § 1o, facultava ação civil nos casos de ausência e falecimento do acusado
depois da decisão de pronúncia73; e os juízes, ainda, independentemente da propositura da
ação civil, decidiam acerca do ressarcimento do dano patrimonial74, o Código de Processo
Criminal de Primeira Instância, de 1832, mudou o sistema vigente e impôs a adesão

69
O Código era considerado “adiantadíssimo, encerrando idéias cujo apanágio Garofalo pretendeu, meio
século depois, atribuir à Escola Positiva” (Vicente de Paula Vicente de Azevedo, Crime..., op. cit., p. 37).
70
Artigo 31. A satisfação do dano não terá lugar antes da condenação do delinqüente por sentença em juízo
criminal, passada em julgado. Excetua-se:
§ 1o. O caso da ausência do delinqüente em que se poderá demandar e haver a satisfação por meio de ação
civil.
§ 2o. O caso em que o delinqüente tiver falecido depois da pronúncia, no qual poderá haver-se dos herdeiros
a satisfação por meio de ação civil.
§ 3o. O caso em que o ofendido preferir usar da ação civil contra o delinqüente.
71
Joaquim Canuto Mendes de Almeida, Processo penal, ação e jurisdição, São Paulo, Revista dos Tribunais,
1975, p. 260-263.
72
Araken de Assis, Eficácia civil..., op. cit., p. 47.
73
Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Do seqüestro no processo penal brasileiro, São Paulo, José Bushatsky,
1973, p. 92-93.
74
Hélio Tornaghi, Instituições de processo penal, 2. ed., São Paulo, Saraiva,1977, v. 2, p. 395.
22

obrigatória75, ou confusão76, ou sistema da união77, ao estabelecer, no artigo 269, § 4o e §


5o, que os presidentes das juntas de paz deveriam propor aos juízes, além dos quesitos
sobre a evidência do crime e da responsabilidade do acusado e da pena cabível, dois
outros, relativos ao an e ao quantum da responsabilidade civil. Previa, ainda, como um dos
quesitos da denúncia, no artigo 79, o apontamento do valor provável do dano sofrido78.

Posteriormente, a Lei n.º 261, de 03 de dezembro de 1841, revogou o artigo 31 do


Código Criminal do Império e, no artigo 68, determinou que a indenização deveria ser
pleiteada em ação civil própria79, mas estabelecia que não se poderia mais questionar sobre
a existência do fato e sobre quem seria o autor do delito quando tais questões estivessem
resolvidas no juízo criminal80, tal como ocorre hoje81.

Depois, o Código Penal de 1890, de forma singela, determinou, no artigo 79, que
a obrigação de reparar o dano dependeria de lei civil e conferiu, no artigo 69, b, à sentença
penal condenatória transitada em julgado o efeito de obrigação à reparação do dano.

Durante a República, em que se facultou aos estados elaborar seus próprios


Códigos de Processo Penal, o Distrito Federal, seguindo o modelo italiano então vigente,
adotou sistema diverso, o da livre escolha: nos crimes cujo processamento se deste
mediante ação penal de iniciativa pública, se a ação ainda não houvesse entrado no período
probatório, a ação civil para satisfação do dano causado pela infração poderia ser
transportada para o processo criminal (artigos 61 e 67, § 1o). Já nas ações penais de

75
Araken de Assis, Eficácia civil..., op. cit., p. 47.
76
Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 2, p. 395.
77
José Carlos Barbosa Moreira, Apontamentos..., op. cit., p. 57.
78
Ruy Sérgio Rebello Pinho, A reparação do dano..., op. cit., p. 79. Ainda, “O advento do Código de
Processo Criminal, de 1832, marcou o triunfo do princípio da união. Salvo se estivesse o infrator ausente do
território nacional, ou em lugar não sabido – hipótese em que, tratando-se de crime afiançável, era
inadmissível a ação penal, podendo então ser proposta a civil (arts. 233 e 234) –, no próprio processo-crime é
que se apreciava a matéria referente às conseqüências civis do fato delituoso. Assim, cumpria ao juiz de
direito submeter aos jurados, além dos concernentes à responsabilidade penal do réu, quesitos relativos à
obrigação de reparar o dano (art. 269, § 5o). Rezava ainda o art. 338: ‘A mesma sentença que condenar o réu
na pena o condenará na reparação da injúria e prejuízos, que se liquidarão no Foro comum, se tal liquidação
for necessária” (José Carlos Barbosa Moreira, Apontamentos..., op. cit., p. 57).
79
Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Do seqüestro..., op. cit., p. 94.
80
José de Aguiar Dias, Da responsabilidade..., op. cit., 1, p. 23. Vicente de Paula Vicente de Azevedo,
Crime..., op. cit., p. 400.
81
Antonio Scarance Fernandes, O papel da vítima..., op. cit., p. 160.
23

iniciativa privada, caso a parte já houvesse intentado ação de reparação no juízo civil,
ficava proibida de intentá-la na esfera penal82.

O Código de Processo Penal do Rio Grande do Sul adotou o sistema da parte


civil83, ou adesão obrigatória84. Cyrillo reputava tal disciplina “inconstitucional, diante do
disposto nos Códigos Penal e Civil então vigentes, que previam a independência das
ações85. Pontes de Miranda, todavia, entendia válidas tais normas86.

A disciplina conferida à matéria pelo Código de Processo Penal de 1941 é tratada


no item seguinte.

1.2.2. SISTEMA VIGENTE

No direito vigente, “não existe ação civil no juízo criminal, nem em confusão nem
em solidariedade com a ação penal e não se permite sequer a livre escolha. Em outras
palavras: não há comistão nem acumulação, obrigatória ou facultativa”87. O sistema
adotado é o da independência, “temperado pela influência da coisa julgada penal,
estendida além dos lindes originais”88.

Na Exposição de Motivos do Código de Processo Penal, item 6, vem dito: “O


projeto, ajustando-se ao Código civil e ao novo Código penal, mantém a separação entre a
ação penal e a ação civil ex delicto, rejeitado o instituto ambíguo da constituição de ‘parte
civil’ no processo penal. A obrigação de reparar o dano resultante do crime não é uma
conseqüência de caráter penal, embora se torne certa quando haja sentença condenatória
no juízo criminal. A invocada conveniência prática da economia de juízo não compensa o
desfavor que acarretaria ao interesse de repressão a interferência de questões de caráter
patrimonial, no curso do processo penal. É inadmissível o mérito da argumentação de Sá

82
Hélio Tornaghi, Instituições de processo penal, 2. ed., São Paulo, Saraiva,1977, v. 2, p. 396.
83
Ruy Sérgio Rebello Pinho, A reparação do dano..., op. cit., p. 82.
84
Araken de Assis, Eficácia civil..., op. cit., p. 48.
85
Alcides Cyrillo, Estudo sobre a parte civil nos processos penais, São Paulo, [s.ed.] 1939.
86
Pontes de Miranda, Comentários à Constituição de 1967, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1967, t. 2, p.
60-61.
87
Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 2, p. 398.
88
Araken de Assis, Eficácia civil..., op. cit., p. 49.
24

Pereira na ‘Exposição de Motivos’ do seu ‘projeto de Código Penal’, refutando as razões


com que se defende o deslocamento da reparação do dano ex delicto para o campo do
direto público: ‘A meu ver, o que há de verdade nessas alegações não atinge os dois
pontos seguintes: 1) que a reparação do dano é matéria de direito civil, e 2) que a
repressão sofreria, se, no crime, a pleiteássemos. Se há lesão patrimonial, a reparação há
de ser pedida a um outro patrimônio, e se me afigura impossível deslocar esta relação
entre dois patrimônios do campo do direito privado para o do direito público, como
querem os positivistas. Abrir no processo-crime a necessária margem à ação reparadora
seria ou fazer marcharem simultaneamente as duas ações no mesmo processo, o que se
tornaria tumultuário, ou paralisar o processo-crime para que o cível o alcançasse no
momento final de pronunciamento da sentença que aplicasse a pena e fixasse a
indenização. Não creio que a repressão ganhasse com isso alguma coisa ao contrário,
perderia muito de sua prontidão e rapidez’. Limita-se o projeto ao outorgar ao juiz de
actio civilis ex delicto a faculdade de sobrestar no curso desta até o pronunciamento do
juízo penal. Desde que exista julgamento definitivo no processo-crime, prevalece o
disposto no art. 1.525 do Código civil, isto é, a prejudicialidade daquele sobre o
julgamento no cível, relativamente à existência do fato, ou quem seja o seu autor. É
expressamente declarado que faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer,
no caso concreto, qualquer das hipóteses do art. 19 do Código penal. Não será prejudicial
da ação cível a decisão que, no juízo penal: 1) absolver o acusado, sem reconhecer,
categoricamente, a inexistência material do fato; 2) ordenar o arquivamento do inquérito
ou das peças de informação, por insuficiência de prova quanto a existência do crime ou
sua autoria. 3) declarar extinta a punibilidade; ou 4) declarar que o fato imputado não é
definido como crime”. A única exceção a esta regra, apregoada na Exposição de Motivos,
vem agora prevista no artigo 74 da Lei n.º 9.099/05, como será analisado adiante.

O Brasil adota, assim, o sistema da independência89, relativa90 ou mitigada91, no


que se refere à vinculação das instâncias civil e penal sobre o mesmo fato. E o faz

89
Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 2, p. 398. Vicente de Paula Vicente de Azevedo, Crime..., op.
cit., p. 20. Alcides Cyrillo, Estudo..., op. cit., p. 94. Eduardo Espínola Filho, Código de Processo Penal
brasileiro anotado, 6. ed., Rio de Janeiro, Borsoi, 1965, v. 2, p. 398. Sérgio Rosenthal, A punibilidade e sua
extinção pela reparação do dano, São Paulo, Dialética, 2005, p. 70.
90
Roberto Abreu, A sentença criminal e a responsabilidade civil, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1987, p.
113.
91
Eugênio Pacelli de Oliveira, Curso de processo penal, 4. ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2005, p. 143.
25

declaradamente para evitar o tumulto do processo penal com questões patrimoniais, que
poderiam levar à perda de celeridade92.

Se a independência relativa dos dois tipos de responsabilidade fez com que o


sistema jurídico brasileiro adotasse a dualidade de instâncias de jurisdição para apurá-las,
ao contrário de outros países, tal opção – que aceita a influência da coisa julgada penal
sobre a esfera civil, a gerar prejudicialidade – poderia vir a criar alguns problemas na
prática, a respeito do relacionamento dos respectivos processos, questões que poderiam
inclusive se tornar mais complexas no tocante às cautelas próprias a cada um deles.

Em regra, a responsabilidade civil independe da criminal, como dispõe o artigo


935 do Código Civil, mesmo porque a extensão da responsabilidade civil é mais ampla do
que a penal. Nada impede que, no juízo cível, sejam movidas ação principal de
ressarcimento, com vistas à indenização resultante do ilícito penal, e cautelares civis a ela
pertinentes, antes ou no curso da ação penal, contra o pretenso autor do ilícito.

Além disso, é certo que as cautelares patrimoniais, no juízo penal, têm muito que
ver com a responsabilidade civil, advinda do fato também delituoso.

Por isso, a regra da independência, acima mencionada, comporta exceções,


impostas pela primazia, nesta matéria, do juízo criminal sobre o civil, como juízo
prejudicial necessário, quando se tratar da existência do fato ou da autoria, exceções estas
previstas no próprio artigo 935 do Código Civil, no artigo 188 também do Código Civil e
no artigo 65 do Código de Processo Penal. São regras específicas, estatuídas em ambos os
Códigos, destinadas a resolver os problemas decorrentes do equacionamento dos dois
processos.

E, na verdade, “bem examinadas, as normas contidas no Código de Processo


Penal sob a epígrafe ‘Da ação civil’ (Liv. I, Tít. IV) são de Direito substantivo, dizem
respeito às obrigações decorrentes de fato ilícito, ao direito de ação, à força vinculatória
da sentença, ou melhor, da coisa julgada”93. Cuida dos reflexos da coisa julgada penal
sobre a civil94.

São assim adotados os critérios de eficiência ou suficiência probatória e de


extensão material do julgamento para a determinação da subordinação temática, o que até

92
Antonio Scarance Fernandes, O papel da vítima..., op. cit., p. 173.
93
Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 2, p. 398.
94
Ruy Sérgio Rebello Pinho, A reparação do dano..., op. cit., p. 86.
26

torna nosso sistema intermediário entre o anglo-saxônico da independência e o francês da


interdependência, dada a ampla atribuição de eficácia civil às sentenças penais95.

Um único e mesmo fato é submetido a competências distintas, civil e penal.


Pretendendo-se una a jurisdição, há de se ter uniformidade de soluções judiciais para os
mesmos casos.

Em razão deste inter-relacionamento, os Códigos processuais autorizam o juiz


civil a suspender o curso da respectiva ação à espera do julgamento definitivo da ação
penal96, conforme preceituam o artigo 64 do Código de Processo Penal e artigo 110 do
Código de Processo Civil, ainda que possa revogar o despacho de sobrestamento, de ofício
ou a pedido da parte, se considerar excessiva a demora no processamento da ação penal.
Admite-se subordinação da instância civil à penal, em razão do próprio rigor do sistema
penal97.

No que toca à sentença absolutória, a conseqüência na esfera civil é variável,


conforme o motivo da absolvição. Vicente de Paulo Vicente de Azevedo já ponderava, ao
analisar o Código Penal de 1890, que “o valor da sentença absolutória no crime sobre o
civil depende da natureza e fundamento da sentença. Qual seja o fundamento, tal será a
influência”98.

O Código de Processo Penal, no artigo 66, estabelece que, “não obstante a


sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta quando não tiver
sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato”. Isto significa que,
provada a inexistência material do fato (artigo 386, inciso I, do Código de Processo Penal),
fica obstada a propositura de ação civil reparatória99. Por sua vez, a absolvição por não

95
Antonio Scarance Fernandes, O papel da vítima..., op. cit., p. 173.
96
O caso é, de fato, de discricionariedade judicial, avaliada a conveniência ou não da suspensão do curso do
processos na instância civil (cf. José Frederico Marques, Prejudicial penal, In: José Frederico Marques,
Estudos de direito processual penal, Rio de Janeiro, Forense, 1960, p. 175-176). Ainda: “somente a partir do
estágio de desenvolvimento procedimental de um e outro processo (a ação cível e a penal) é que se poderá
avaliar a conveniência de se suspender o processo no cível. Assim, quando já estiver encerrada a instrução na
ação civil, não haverá, segundo nos parece, qualquer razão para a suspensão do processo se, por exemplo,
estiver ainda no início o procedimento criminal. A questão da suspensão, até porque a própria lei prevê prazo
limitado (art. 265, CPC) deve, pois, se situar em nível de discricionariedade e não de obrigatoriedade”
(Eugênio Pacelli de Oliveira, Curso..., op. cit., p. 146).
97
Eugênio Pacelli de Oliveira, Curso..., op. cit., p. 145.
98
Vicente de Paula Vicente de Azevedo, Crime..., op. cit., p. 250.
99
Antonio Scarance Fernandes critica este sistema, porque a coisa julgada acaba produzindo efeito sobre os
direitos do ofendido, que pode nem ter participado processo penal: “Entretanto, o ofendido pode não ter
participado do processo criminal; pode mesmo sequer ter sabido da sua instauração; mais grave ainda, pode
27

existir prova suficiente para a condenação, fundada no artigo 386, inciso VI, do Código de
Processo Penal, não impede a propositura de ação civil.

A absolvição por não haver prova da existência do fato (artigo 386, inciso II, do
Código de Processo Penal) e aquela proferida em razão de o fato não constituir infração
penal (artigo 386, inciso III e artigo 67, inciso III, do Código de Processo Penal) não
impedem a propositura de ação civil reparatória.

No caso do inciso IV do artigo 386 do Código de Processo Penal, em que a


absolvição se funda na inexistência de prova de ter o acusado concorrido para a prática da
infração penal, a via civil reparatória fica ou não aberta, dependendo da fundamentação
adotada pelo juiz.

O artigo 386, inciso V, do Código de Processo Penal, cuida da absolvição


fundada em circunstância que exclua o crime ou isente o acusado de pena. Abrange, pois,
as causas justificativas, de exclusão da ilicitude, contidas no artigo 23 do Código Penal:
estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal e exercício
regular de direito; as causas de exclusão de dolo, por erro sobre os elementos do tipo
(artigo 20, caput, do Código Penal) ou em razão das discriminantes putativas (artigo 20, §
1º, do Código Penal); e as causas de exclusão da culpabilidade, previstas no artigo 22
(coação irresistível e obediência hierárquica), no artigo 26, caput (inimputabilidade por
doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado), e no artigo 28, § 1º, do
Código Penal (embriaguez fortuita completa).

Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhece que o ato foi praticado
em estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal ou exercício
regular do direito (artigo 65 do Código de Processo Penal), as chamadas causas de
justificação ou excludentes de ilicitude100.

ter requerido sua intervenção como assistente e não ter sido ela admitida. Nestes casos, não pode ficar
impedido de exercer a ação civil. Não tem sentido, ante os postulados constitucionais do devido processo
legal e do contraditório, que alguém, sem ter sido parte, sofra os efeitos da sentença. Justas, por isso, as
críticas de Pisani ao sistema brasileiro nesse ponto. A solução correta é apontada por Ada Pellegrini
Grinover: entende que a harmonização do artigo 62 do Código de Processo Penal com o artigo 472 do
Código de Processo Civil e com os postulados constitucionais do devido processo penal e do contraditório
permite concluir que ‘o impedimento não pode dirigir-se senão ao ofendido que tiver participado do processo
criminal, e que foi, conseqüentemente, como parte, atingido pela autoridade da coisa julgada’” (Antonio
Scarance Fernandes, O papel da vítima..., op. cit., p. 175).

100
A descriminante putativa, todavia, não dispõe de tal eficácia (Eugênio Pacelli de Oliveira, Curso..., op.
cit., p. 149).
28

Reconhecido o estado de necessidade, porém, não se elimina a possibilidade de


reparação, porque o sacrifício do direito alheio, ou a lesão à pessoa, para remover perigo
iminente (artigo 188, inciso II, do Código Civil), embora considerado ato lícito, gera, ao
autor do dano, dever de indenização (artigos 929 e 930 do Código Civil) e pretensão
regressiva deste contra o terceiro causador do perigo (artigo 930, caput, do Código Civil) e
contra aquele em defesa de quem se causou o dano (artigo 930, parágrafo único, do Código
Civil)101. Da mesma forma, estes dispositivos do Código Civil levam a que, no caso de
reconhecimento de exercício regular de direito, legítima defesa (artigo 188, incisos I e II,
do Código Civil) e estrito cumprimento do dever legal102, o agente causador do dano à
coisa deva indenizar o seu proprietário, desde que não seja o dono da coisa culpado pelo
perigo ou responsável pela agressão, e que tenha, efetivamente, sofrido prejuízo.

Quanto às demais hipóteses de exclusão do dolo, discriminantes putativas e


exclusão da culpabilidade, a sentença absolutória igualmente não obsta a demanda civil103.

Também o arquivamento do inquérito ou peças de informação e a decisão que


julga extinta punibilidade não obstam o desenvolvimento da demanda civil reparatória
(artigo 67, incisos I e II, do Código de Processo Penal). São irrelevantes, para a ação civil.

No tocante à influência, na esfera cível, da decisão penal condenatória transitada


em julgado, tem-se que esta torna certa a obrigação de reparar o dano, ou seja, resolve o an
debeatur, mas deixa para a sede civil a questão acerca do quantum debeatur. Se a sentença
penal for condenatória, daí advém também responsabilidade civil, oriunda do mesmo fato.

A sentença penal condenatória é declaratória da obrigação de ressarcir e reparar o


dano patrimonial, segundo o que dispõe o artigo 91, inciso I, do Código Penal. Não é
correto, porém, dizer que ela é fonte da obrigação, como fazia o Código Penal de 1890, que
estabelecia, no artigo 69, b, que a condenação transitada em julgado trazia como efeito a
obrigação de reparar o dano. Em verdade, o fato constitutivo da obrigação de reparar é o

101
Comentado a mesma disciplina, que era conferida pelo antigo Código Civil, cf. Araken de Assis, Eficácia
civil..., op. cit., p. 109.
102
Neste caso, “lícito que seja o ato, permanece íntegra a referida pretensão perante o agente: não há regra
jurídica civil que exclua, no caso, o dever de indenizar” (Araken de Assis, Eficácia civil..., op. cit., p. 110).
103
Araken de Assis, Eficácia civil..., op. cit., p. 110.
29

próprio ato ilícito, tanto que o artigo 91, inciso I, afirma que a condenação apenas torna
certa a obrigação de indenizar o dano resultante do crime104.

A via judicial escolhida visando à reparação do dano poderá ser a executória – no


caso de execução da sentença penal condenatória (artigo 584, inciso II, do Código de
Processo Penal e artigo 91, inciso I, do Código Penal)105 – ou o processo de conhecimento,
ambos processados no juízo cível, de acordo com o disposto no artigo 63 do Código de
Processo Penal.

Comprovada no juízo criminal a existência do fato, definida a autoria, tais


questões não poderão mais ser decididas no cível, a teor do disposto no artigo 935 do
Código Civil.

Excepcionalmente, defere-se à instância cível certo poder subordinante em


relação à penal, no caso de a decisão sobre a existência da infração depender de solução de
controvérsia, séria e fundada, de questão atinente ao estado das pessoas. Neste caso, o juiz
penal deverá necessariamente suspender a ação até solução definitiva, passada em julgado,
no cível (artigo 92, do Código de Processo Penal), período durante o qual não corre prazo
prescricional da ação penal, nos termos do artigo 116, inciso I, do Código Penal.

Por fim, nada obstante a independência das instâncias destinadas à aplicação da


pena e da reparação do dano, cumpre consignar que existe, na legislação pátria, constante
preocupação com os reflexos, em sede penal, da reparação do dano. Assim, o artigo 16 do
Código Penal, estabelece que a reparação do dano, até o recebimento da denúncia, por ato
voluntário do agente, é causa de diminuição da pena; o artigo 65, inciso III, b, indica, entre
as causas que sempre atenuam a pena, ter o agente, antes do julgamento, reparado o
dano106; o artigo 78, § 2o, sujeita o sursis especial, em que há substituição da prestação de

104
Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit. Curso..., op. cit., v. 2, p. 399. E, “com o trânsito em julgado do
decreto condenatório verifica-se, como efeito deste, a produção de um título executivo judicial (art. 63 CPP e
475-N, II, CPC)” (José Rogério Cruz e Tucci, Limites subjetivos da eficácia da sentença e da coisa julgada
civil, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2006, p. 297).
105
Embora título executivo, a sentença penal deve passar pela liquidação por artigos, para, depois, ser
executada.
106
Comentando a antiga parte geral do Código Penal, Roberto Lyra: “É, também, atenuada a pena, se o
agente, antes do julgamento, reparou o dano (art. 72, I). O Código italiano, redundantemente, exige que a
reparação seja completa, mediante ressarcimento e, quando possível, restituição. Quem diz reparação, diz
reparação completa. A forma e a suficiência desta serão apuradas pelo juiz, segundo a natureza do dano, que
pode não ser patrimonial. [...] Não assiste ao réu o direito de pedir a liquidação do dano antes do julgamento
para obter a atenuante, Mas, merece a atenuante mesmo que haja indenizado o titular do direito, por força de
sentença no juízo cível. Essa intervenção judicial é, muitas vezes, aguardada para apurar a quem se deve
pagar (Código Civil, art. 934) e fazê-lo, segundo as formalidades legais. A expressão ‘antes do julgamento’
equivale a ‘antes da sentença’ (art. 143). Depois da condenação em primeira instância, que torna certa a
30

serviços à comunidade ou limitação de fim de semana, durante o primeiro ano, à reparação


do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo; o artigo 81, inciso II, estabelece a frustração da
reparação do dano como causa obrigatória de revogação do sursis, e o artigo 83, inciso IV,
aponta a reparação como condição para a concessão do livramento condicional; o artigo
94, inciso III, condiciona o pedido de reabilitação ao ressarcimento do dano causado pelo
crime ou à demonstração de absoluta impossibilidade de fazê-lo, ou à comprovação da
renúncia da vítima ou novação da dívida; o artigo 107, inciso VI, cuida da retratação como
causa extintiva da punibilidade (nos casos de crimes contra a honra e falso testemunho ou
falsa perícia); o artigo 312, § 3o, indica que a reparação precedente ao trânsito em julgado
de sentença penal condenatória extingue a punibilidade pelo delito de peculato, e, se lhe é
posterior, reduz da metade a pena imposta; o pagamento do tributo é causa de extinção da
punibilidade, de acordo com o disposto no artigo 168-A, § 2o, do Código Penal; pode
extrair, contrario sensu, da súmula 554 do Supremo Tribunal Federal, que, no tocante ao
artigo 171, § 2o, inciso VI, do Código Penal, o pagamento antes do recebimento da
denúncia obsta a persecução penal.

A Lei n.° 9.099/95 demonstra especial preocupação com a reparação do dano: no


artigo 74, trata da composição civil dos danos. Homologada, mediante decisão irrecorrível,
tem eficácia de título a ser executado no juízo civil competente, e acarreta, de acordo com
o que dispõe o parágrafo único do artigo 74, a renúncia ao direito de queixa ou
representação. Trata-se de um caso único, onde uma mesma decisão declara extinta a
punibilidade e forma título a ser executado no cível. O artigo 89, que cuida da suspensão
condicional do processo, sujeita a extinção da punibilidade, prevista ao fim do período de
prova da suspensão, à reparação do dano, ou à comprovação da impossibilidade de fazê-lo
(artigo 90, § 1o, inciso I, da Lei n.° 9.099/95), sendo a frustração da reparação, sem motivo
justificado, razão para a revogação da suspensão (artigo 89, § 3o, da Lei n.° 9.099/95).

O Código de Trânsito – Lei n.° 9.503/97 – prevê, no artigo 297, a chamada multa
reparatória, consistente no pagamento do valor da condenação a ser entregue pelo
condenado à vítima ou seus herdeiros, não prejudicada a possibilidade de ação civil ex

obrigação de indenizar o dano resultante do crime, não mais se pode pleitear a atenuante. Nos delitos contra o
Estado, não basta reparar o dano do funcionário, mas, também, o do Estado, não como sujeito passivo de
todo crime e sim como sujeito passivo direto no crime em espécie. Não cabe qualquer indagação sobre a
origem dos recursos, salvo se ilícitos, com que foi feita a reparação do dano. A pesquisa do juiz reduz-se,
pois, apurar o fato da reparação e a sua oportunidade” (Roberto Lyra, Comentários..., op. cit., v. 2, p. 372).
31

delicto107. Trata-se de indenização pelo prejuízo material resultante do crime, mas há


dúvida quanto à natureza desta sanção – se civil ou penal108.

A Lei n.° 9.605/98, ambiental, estabelece, no artigo 12, a prestação pecuniária,


consistente no “pagamento em dinheiro à vítima ou à entidade pública ou privada com fim
social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a um salário mínimo nem superior a
trezentos e sessenta salários mínimos. O valor pago será deduzido do montante de
eventual reparação civil a que for condenado o infrator”. No artigo 27, dispõe que a
transação penal depende de prévia composição do dano ambiental, salvo impossibilidade
de fazê-lo. No caso de suspensão condicional do processo, a extinção da punibilidade
depende de laudo de constatação de reparação ambiental. Se o laudo atestar que a
reparação não foi total, o prazo da suspensão é prorrogado por duas vezes e, esgotado o
prazo máximo de prorrogação, a declaração de extinção da punibilidade depende de laudo
que ateste que o acusado tomou todas as providências necessárias à reparação integral do
dano. Prevê, ainda, no artigo 20, que a sentença penal condenatória conterá o valor mínimo
dos danos, que poderá ser executado após o trânsito em julgado, sem prejuízo de valor
superior a ser apurado.

Ainda, o parágrafo 1o do artigo 45 do Código Penal, introduzido pela Lei n.º


9.714/98, prevê a prestação pecuniária como pena restritiva de direitos.

No tocante aos delitos tributários, o artigo 9o, da Lei n. o 10.684/2003, determina


a extinção da punibilidade no caso de pagamento integral dos débitos oriundos de tributos
e contribuições sociais, inclusive acessórios. A mesma disciplina veio referendada pela
Medida Provisória 303/06, que instituiu parcelamento que vem sendo chamado de “Refis
3”.

O Projeto de Lei n.º 4.207/01, em tramitação, acresce um inciso ao artigo 387 do


Código de Processo Penal, para instituir o dever de o juiz, ao proferir sentença
107
Rogério Felipeto, Reparação do dano causado por crime, Belo Horizonte, Del Rey, 2001, p. 47.
108
A dúvida reside exatamente em saber se se trata de pena criminal ou de penalidade civil ou, ainda, se é
efeito da condenação (Ana Sofia Schmidt de Oliveira, A vítima e o direito penal, São Paulo, Revista dos
Tribunais, 1999, p. 162). Advoga-se a sua inconstitucionalidade, sob argumento de que não se sabe a qual
prejuízo se refere, se material ou moral, argumentando-se que o processo penal não é a seara adequada para
tal discussão (William Terra de Oliveira, CTB [Código de Trânsito Brasileiro]: controvertido natimorto
tumultuado, Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, São Paulo, ano 5, n. 61, dez. 1997, p. 5-
6). Para Damásio, trata-se de pena sem crime, e, portanto, sem aplicação (Damásio Evangelista de Jesus,
Dois temas da parte penal do Código de Trânsito Brasileiro, Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências
Criminais, São Paulo, ano 5, n. 61, dez. 1997, p. 10). Para Cezar Roberto Bittencourt, não há qualquer
empecilho à aplicação da multa reparatória no processo penal (Alguns aspectos controvertidos do Código de
Trânsito, Revista dos Tribunais, ano 87, n. 754, p. 480-494, ago. 1998).
32

condenatória, fixar o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração. E
insere parágrafo único ao artigo 63, para estabelecer que, transitada em julgado a sentença
condenatória, é permitida a execução pelo valor apurado em sede penal, resguardada a
oportunidade de liqüidação para apuração do dano efetivamente sofrido.

Desta forma, tem-se que, apesar de independentes as responsabilidades civil e


penal, bem como processadas em instâncias diversas, a reparação, própria da
responsabilidade civil, não deixa de ter reflexos de extrema relevância no deslinde da causa
penal109.

O que interessa de perto ao objeto do presente trabalho, porém, é o disposto no


artigo 91, inciso I, do Código Penal, que indica que a condenação transitada em julgado
torna certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime, a qual deverá ser buscada
no juízo cível, a teor do que dispõe o artigo 63 do Código de Processo Penal.

Como e por que assegurá-la, todavia, já no processo penal, é o objeto dos itens
seguintes.

1.2.3. EFEITOS AUTOMÁTICOS DA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA

O principal efeito da decisão condenatória transitada em julgado é o de sujeitar o


agente à pena que lhe foi imposta. Ao lado deste efeito, produz outros, nomeadamente de
âmbito extrapenal, e que são regulados no Capítulo do Código Penal denominado “Dos
efeitos da condenação”.

Assim, o Código Penal, nos artigos 91 e 92, estabelece quais são os efeitos da
condenação. Segundo dispõe o artigo 92, parágrafo único, do Código Penal, os efeitos ali
mencionados precisam estar motivadamente declarados na sentença. Já os outros, previstos
no artigo 91, emergem, a contrário senso, da sentença in re ipsa, são automáticos de toda e
qualquer condenação. A rubrica lateral os chama de efeitos genéricos (artigo 91) e
específicos (artigo 92).

Em razão de não demandarem declaração expressa na sentença, os efeitos


genéricos também podem ser chamados de automáticos. São eles tornar certa a obrigação
de reparar o dano causado pelo crime e a perda em favor da União, ressalvado o direito do
109
Ruy Sérgio Rebello Pinho, A reparação do dano..., op. cit., p. 99.
33

lesado e de terceiro de boa-fé, do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que


constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso. Esta já era a
disciplina conferida pelo artigo 74 da anterior parte geral do Código Penal.

Quanto ao dano, a sentença condenatória transitada em julgado apenas torna certa


a obrigação de repará-lo (artigo 91, inciso I, do Código Penal e artigo 584, inciso II, do
Código Penal). Compete, todavia, ao juiz civil apurar o quantum é devido110, nos termos do
disposto nos artigos 944 a 954 do Código Civil), mesmo porque, em razão até mesmo da
previsão constitucional da reparação do dano moral (artigo 5o, incisos V e X, da
Constituição da República), este também poderá ser pleiteado no âmbito civil, na execução
do título que ora se forma na esfera penal111.

Além disso, o Código Penal, fazendo ressalva ao direito do lesado e do terceiro


de boa-fé, considera efeito da condenação a perda, em favor da União, dos instrumentos do
crime (artigo 91, inciso II, a) e do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que
constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso (artigo 91, inciso
II, b)112. Igual disposição é prevista no artigo 7º, inciso I, da Lei n.º 9.613/98.

O confisco é a perda de bens do particular, em favor do Estado. Este previsto no


artigo 91, inciso II, trata-se do chamado confisco especial113, ou queda em comisso, efeito
extrapenal da sentença condenatória114. É diferente da pena de confisco dos bens do
condenado115. E também diverso do seqüestro: o seqüestro é medida cautelar patrimonial,

110
Roberto Lyra, Comentários..., op. cit., v. 2, p. 524.
111
Quanto às formas de satisfação do dano, que são muitas e todas genericamente chamadas de reparação, cf.
item 1. Reparação do dano será aqui utilizada de forma genérica, referindo-se indistintamente às suas
modalidades.
112
Antonio Scarance Fernandes, O papel da vítima..., op. cit., p. 203.
113
Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, 2. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1955, v. 3, p. 270. Aníbal
Bruno, Direito..., op. cit., v. 1, t. 3, p. 250.
114
Zaffaroni e Pierangeli, todavia, entendem que o confisco especial possui natureza penal, sendo verdadeira
pena acessória, muito embora, na sistemática do Código Penal, venha previsto como efeito da condenação
(Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangelli, Manual de direito penal brasileiro: parte geral, 2. ed.,
São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, p. 818).
115
O efeito extrapenal da condenação criminal que impôs determinada sanção penal, o confisco especial ou
queda em comisso do instrumento ou produto do delito, é diferente da pena de confisco dos bens do
condenado (Alceu Corrêa Junior, Confisco penal: alternativa à prisão e aplicação aos delitos econômicos, São
Paulo, IBCCRIM, 2006, p. 38). Assim já decidiu o Supremo Tribunal Federal: “O perdimento, em favor da
União, de dinheiro que foi considerado, na sentença condenatória, como proveito auferido pelo agente com a
prática de tráfico de substância entorpecente, é efeito da condenação, não se confundindo com pena de
confisco (STF – HC n.° 59.375 – Rel. Min. Cordeiro Guerra – DJ de 05.03.1982).
34

que assegura, entre outras finalidades, o confisco, que, como dito, é efeito automático da
decisão penal condenatória.

O que interessa ao trabalho são os efeitos automáticos da decisão condenatória,


que devem ser assegurados, no curso do processo penal, por meio de medidas cautelares
patrimoniais, as quais não podem ser tomadas de forma desmotivada, porque devem
obedecer a pressupostos e requisitos delimitados, em respeito à garantia da proibição de
prévia consideração da culpabilidade.

2. A TUTELA CAUTELAR DOS EFEITOS AUTOMÁTICOS DA SENTENÇA PENAL


CONDENATÓRIA

No Código de Processo Penal, são previstas medidas destinadas a assegurar


resultado útil de eventual decisão condenatória transitada em julgado, no que tange ao
efeito automático de tornar certa a obrigação de reparar o dano116 e ao efeito de perdimento
de proveito da infração. Garantem, assim, a eficácia dos efeitos do processo penal117, em
caso de sentença penal condenatória.

Estas medidas, as chamadas medidas assecuratórias, previstas no Capítulo VI, do


Título VI, do Livro I, do Código de Processo Penal, precisam ser analisadas como medidas
cautelares118, sujeitas, portanto, a rigorosos pressupostos e requisitos.

116
José Frederico Marques, Elementos de direito processual penal, 2. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1965, v.
1, p. 142. Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Breves notas em torno da coação processual penal, Ciência
Penal, São Paulo, Bushatsky, v. 1, p. 107-110, 1973. Ainda: “Embora não adotemos a figura da parte civil no
Processo Penal, como ocorre na Itália, na França e em várias legislações, permitindo-se, destarte, a satisfação
do dano na própria esfera penal, o legislador pátrio, entretanto, autoriza à vítima do crime ou a quem
legalmente a represente requerer, na sede penal, medidas cautelares visando-lhe à satisfação. Realizada a
providência assecuratória e uma vez proferida sentença penal condenatória com trânsito em julgado, os autos
do incidente devem ser remetidos ao juízo cível competente, conforme determina o art. 143 do CPP. Evidente
que a remessa será feita após o início da execução da sentença penal na sede civil, quando se saberá a que
Juiz devem ser encaminhados os autos” (Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo..., op. cit., v. 3, p. 27).
117
Rogério Lauria Tucci et al., Sistematização das medidas cautelares processuais penais, Revista do
Advogado, São Paulo, ano XXIV, n. 78, p. 111-122, set. 2004, p. 116. No mesmo sentido, ao cuidar do
sistema espanhol, cf. Jaume Solé Riera, La tutela..., op. cit., p. 123.
118
“Si può dunque affermare che le garanzie patrimoniali penale sono le misure preventive funzionalmente
preordinate alla tutela degl’interessi patrimoniali connessi al reato” (Ennio Amodio, Le cautele patrimoniali
nel processo penale, Milano, Giuffrè, 1971, p. 6). No mesmo sentido: “Em face dos efeitos secundários da
condenação penal, também poderá ser considerada cautelar uma medida para assegurar a reparação do dano
que o delito pode ter causado ao ofendido. Aliás, é cada vez maior a preocupação do processualista penal
com a vítima” (Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró, A tutela cautelar no processo penal e a restituição de
35

Isso se faz necessário, a fim de que tais medidas não sejam decretadas de forma
automática, o que poderia levar à sua inconstitucionalidade, diante da proibição de prévia
consideração de culpabilidade. Faltantes os pressupostos da cautelaridade, tais medidas
configurar-se-iam como antecipação de efeitos automáticos de decisão que considera o
acusado culpado119, o que é inadmissível em razão da proibição de prévia consideração da
culpabilidade.

Para conciliar o regramento do Código de Processo Penal à Constituição da


República é, pois, necessário dar às medidas o caráter de cautelares, com os pressupostos,
requisitos, características e limites que lhe são próprios. Assim, mesmo sem a referência
expressa no Código, esta análise é essencial, sob pena de se ferir o devido processo
legal120. É disto que trata o presente item.

2.1 CAUTELARIDADE NO PROCESSO PENAL

No processo penal, não obstante opinião em contrário121, não há ação cautelar,


não existe nesta seara a divisão que o Código de Processo Civil escolheu ter: processo de
conhecimento, processo de execução e cautelar122.

coisa apreendida, Revista do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, São Paulo, ano 14, n. 59, p. 260-286,
abril 2006, p. 269). Ainda, José Frederico Marques, Elementos..., op. cit., v. 1, p. 412.
119
No processo civil, anota Dinamarco, “as antecipações de tutela não são instrumentais ao processo, não se
destinam a outorgar-lhe capacidade de ser justo e útil (o que constitui missão das cautelares), mas a fornecer
ao sujeito aquilo mesmo que ele pretende obter ao fim, ou seja, a coisa ou situação da vida pleiteada: os
alimentos provisionais são antecipações dos próprios alimentos a serem obtidos afinal; a sustação do protesto
cambial é o mesmo impedimento à realização deste, imposto desde logo e sem esperar o fim do processo
etc.” (Cândido Rangel Dinamarco, Nova era do processo civil, São Paulo, Malheiros, 2004, p. 53).
120
No mesmo sentido, tratando da lei de ação direta de inconstitucionalidade, que também é omissa sobre os
pressupostos próprios das medidas cautelares, cf. Cândido Rangel Dinamarco, Nova era..., op. cit., p. 99.
121
V., por todos, Romeu Pires de Campos Barros, Processo penal cautelar, Rio de Janeiro, Forense, 1982, p.
3.
122
Francesco Carnelutti, Principi del processo penale, Napoli, Morano, 1960, p. 182. “Com efeito, e
diferentemente do que ocorre no processo extrapenal, especialmente no civil, em cujo âmbito se propugna
por um ‘tratamento separado e independente das medidas cautelares’, num processo cautelar autônomo; em
âmbito penal há lugar, somente, para a adoção de medidas cautelares, efetiváveis, quer no processo de
conhecimento, quer no de execução, sendo neles, por certo, de todo dispensáveis atuações especificadas ao
exercício do direito à jurisdição (ação da parte)” (Rogério Lauria Tucci, Teoria do direito processual penal:
jurisdição, ação e processo penal (estudo sistemático), São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, São Paulo,
Revista dos Tribunais, 2002, p. 237). “No processo penal a tutela cautelar é prestada independentemente do
exercício de uma ação da mesma natureza, que daria origem a um processo cautelar, mas sim por meio de
simples medidas cautelares, sem a necessidade de um processo cautelar autônomo, com base procedimental
própria” (Gustavo Henrique Ivahy Badaró, Ônus da prova no processo penal, São Paulo, Revista dos
36

Em verdade, a cautelaridade, no processo penal, se exercita por meio de


medidas123, incidentais124, com vistas à proteção do processo de conhecimento ou de
execução. São pleiteadas mediante requerimento, sem necessidade de petição inicial e
correspondente sentença125.

No processo penal, as medidas cautelares são sempre típicas126. Existem na


configuração que o legislador lhes deu, irrompem da lei. Os tribunais e juízes não podem
criar medidas cautelares inominadas, pois isto equivaleria a criar forma nova de
constrangimento, o que é inadmissível no campo do direito e do processo penal127.

Tribunais, 2003, p. 414). No mesmo sentido, cf.:“Podemos ter uma medida cautelar, sem que,
necessariamente, se pressuponha existência de um processo cautelar originado de uma ação cautelar. E é o
que realmente acontece, em regra, com o processo penal, mas isto não significa dizer que devemos nos abster
dos requisitos e fundamentos próprios de tais providências cautelares, que são os mesmos existentes no
processo cautelar propriamente dito” (Marcellus Polastri Lima, A tutela cautelar..., op. cit., 2005, p. 64).
123
Medida e provimento cautelar, embora compartilhem o mesmo fim – proteção dos escopos do processo
penal de conhecimento ou de execução – não são institutos idênticos. A medida cautelar é meio de proteção,
enquanto o provimento é a decisão judicial que visa à proteção dos escopos processuais. Desta forma,
provimento cautelar é uma das formas mediante a qual se instrumentaliza a medida cautelar (cf. Leslie
Shérida Ferraz, Prisão preventiva e direitos e garantias individuais, Dissertação de mestrado apresentada na
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003, p. 16-17).
124
Porque se inserem em outro procedimento, já em curso (Gaetano Foschini, Sistema del diritto processuale
penale, 2. ed., Milano, Giuffrè, 1965, v. 1, p. 508). Algumas medidas patrimoniais podem ser decretadas
desde o início da persecução penal – ainda na fase pré-processual; outras, somente depois de iniciada a ação
penal. No processo civil, utiliza-se a classificação das medidas em dois grupos, definidos pelo momento de
adoção em relação à ação principal: são as medidas antecedentes e medidas incidentes, conforme requeridas e
deferidas anteriormente à propositura da ação principal ou incidam no processo desta (Alfredo de Araújo
Lopes da Costa, Medidas preventivas: medidas preparatórias, medidas de conservação, 2. ed., Belo
Horizonte, Livr. Bernardo Álvares, 1958, p. 18). Podem ser chamadas de preparatórias ou antecedentes
(Alfredo de Araújo Lopes da Costa, Medidas preventivas..., op. cit., p. 18) e podem ainda ser conservativas e
inovativas. No processo penal, não há medida cautelar patrimonial preparatória, em razão dos próprios
pressupostos autorizadores das medidas, como veremos no item 2.3.2.2.
125
“Na Justiça Criminal [...], as medidas cautelares são pleiteadas mediante simples requerimento, e
concedidas até independentemente de iniciativa do interessado, no mesmo iter procedimental; sem
necessidade, portanto, de petição inicial e de correspondente sentença, feita resposta do juiz ao pedido do
autor” (Rogério Lauria Tucci, Seqüestro prévio e seqüestro no CPC: distinção, Revista Brasileira de Ciências
Criminais, São Paulo, ano 2, n. 5, p. 137-147, jan-mar. 1994, p. 142).
126
Rogério Lauria Tucci et al., Sistematização..., op. cit., p. 119-120. Antonio Magalhães Gomes Filho,
Presunção de inocência e prisão cautelar, São Paulo, Saraiva, 1991, p. 57. Ercole Aprile, Le misure
cautelari nel processo penale, Milano, Giuffrè, 2003, p. 62-63 e 471.
127
Entendimento diverso é esposado por Rogério Pacheco Alves, para quem “a decretação de tais medidas
atípicas deve se dar em casos excepcionais, pois a restrição de direitos só deve ser admitida em casos de
extrema necessidade e na medida correta, na forma do princípio da não-culpabilidade e, obviamente, não se
poderá conceder a título de cautelar atípica mais que se alcançaria no processo principal. Havendo, por outro
lado, medidas cautelares típicas adequadas à hipótese, não se poderá se socorrer a uma cautelar inominada,
de forma substitutiva” (Rogério Pacheco Alves, O poder geral de cautela no processo penal, Revista dos
Tribunais, ano 91, n. 799, p. 423-447, maio 2002, p. 431). Também para Marcellus Polastri Lima, é possível
a decretação de medidas cautelares inominadas, com base no poder geral de cautela: “No processo penal,
assim, para decretação de medida cautelar com base no poder geral de cautela, será necessária a existência de
um processo, onde tal medida poderá ser decretada, em regra, a pedido das partes e, somente
excepcionalmente, de ofício pelo juiz. Sim. Até de ofício, mas sempre de forma incidente, na existência de
37

Esta assertiva, todavia, não se contrapõe ao fato de que existe, sim, no processo
penal, função jurisdicional cautelar, exercida de forma permanente pelo magistrado no
curso da persecução penal, o que lhe permite, inclusive, decretar medidas cautelares
patrimoniais ex officio, desde que típicas128.

Ademais, no processo civil, a tutela jurisdicional de urgência se divide em tutela


cautelar e antecipação do julgamento129. Esta divisão, todavia, não pode ser transportada
para o campo do processo penal, porque não é admissível que a tutela de urgência se
identifique com a antecipação dos efeitos de eventual provimento final condenatório, sob
pena de desobediência à garantia de não-consideração prévia da culpabilidade130.

A tutela cautelar, no processo penal, visa ao devido procedimento legal ou a


assegurar o resultado final – resultado útil e justo – e a eficácia de seus efeitos. É, assim,
acessória ao processo131, de conhecimento ou execução, de modo que não se tutela, no

um processo” (Marcellus Polastri Lima, A tutela cautelar..., op. cit., 2005, p. 128 e 130). Ao cuidar das
medidas cautelares pessoais, Rogério Schietti Machado Cruz também defende a possibilidade de adoção de
medidas alternativas à prisão processual, ainda que atípicas, na trilha do que sustenta Nicolas Gonzáles-
Cuellar Serrano, na Espanha, que afirma que essas são possíveis, desde que observadas três condições, de
modo a evitar a arbitrariedade judicial: (i) idoneidade e menor lesividade da medida alternativa, (ii) cobertura
legal suficiente da limitação dos direitos que a medida restrinja e (iii) existência de infra-estrutura necessária
à sua aplicação (Rogério Schietti Machado Cruz, Prisão cautelar: dramas, princípio e alternativas, Rio de
Janeiro, Lumen Juris, 2006, p. 178-181).
128
É o que sustenta Rogério Lauria Tucci, que explica que não se pode confundir o poder-dever de
resguardar a eficiência e utilidade à persecução penal, que se exterioriza em um plano genérico, na função
cautelar permanente do magistrado, com o plano específico, das medidas cautelares processuais penais,
necessariamente típicas (Rogério Lauria Tucci et al., Sistematização..., op. cit., p. 119-120).
129
Cândido Rangel Dinamarco, Nova era..., op. cit., p. 49: “Cautelares e antecipatórias são as duas faces de
uma moeda só, elas são dois irmãos gêmeos ligados por um veio comum que é o empenho em neutralizar os
males do tempo-inimigo, esse dilapidador de direitos de que falou Francesco Carnelutti – mas essa grande
similitude ainda não foi bem compreendida”. Dinamarco distingue as medidas cautelares das medidas
antecipatórias – frisando que a busca por tal distinção não guarda grande importância, porque ambas inserem-
se no campo das chamadas medidas urgentes –, em razão do objeto de incidência dos males do tempo: “são
cautelares as medidas com que a ordem jurídica visa a evitar que o passar do tempo prive o processo de
algum meio exterior que poderia ser útil ao correto exercício da jurisdição e conseqüente produção, no futuro,
de resultados justos e úteis; e são antecipações de tutela aquelas que vão diretamente à vida das pessoas e,
antes do julgamento final da causa, oferecem a algum dos sujeitos em litígio o próprio bem pelo qual ele
pugna ou algum benefício que a obtenção do bem poderá proporcionar-lhe. As primeiras são medidas de
apoio ao processo e as segundas, às pessoas” (Cândido Rangel Dinamarco, Nova era..., op. cit., p. 58).
Cumpre assinalar que José Roberto dos Santos Bedaque, não obstante utilize terminologia distinta, examina a
tutela antecipatória e a tutela conservativa, incluindo ambas entre as cautelares (José Roberto dos Santos
Bedaque, Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização), 3.
ed., São Paulo, Malheiros, 2003)
130
Jaume Solé Riera, La tutela..., op. cit., p. 122.
131
Humberto Theodoro Júnior, aliás, pondera que, também no processo civil, a tutela cautelar deve ser vista
como “uma tutela do processo, a fim de assegurar-lhe eficácia e utilidade práticas”, razão pela qual “não se
deve exacerbar o condicionamento da tutela preventiva à verossimilhança do direito substancial da parte”
(Humberto Theodoro Júnior, Processo cautelar, 22. ed., São Paulo, LEUD, 2005, p. 61-62).
38

processo penal, por meio das chamadas medidas cautelares, o direito material do
acusador132. Tutela-se, sim, o processo, mas não o direito material em jogo133.

Muitas vezes as medidas vêm chamadas de provisórias ou conservadoras.


Melhor, todavia, denominá-las cautelares, ou acautelatórias, porque se destinam a
resguardar o caminho processual em direção ao resultado útil e justo, e assegurar seu
efeito. Se nominadas provisórias, é certo que podem, depois, se tornar definitivas, quando
proferida a decisão firme; e nem sempre se limitam a conservar o estado das coisas,
podendo, v.g., acarretar, mesmo que de forma temporária, a inibição do exercício pleno de
determinado direito, como a propriedade.

Cautela significa, genericamente, cuidado, proteção134. No campo do direito,


significa “formalidade observada na prática de atos forenses ou processuais para que
fiquem asseguradas suas validades jurídicas”135 .

Não há, no Código de Processo Penal, sistematização adequada das medidas


cautelares, mas estas são identificáveis ao longo do Código e de leis especiais: são as
prisões processuais, as medidas de busca e de apreensão (incluídas impropriamente no
capítulo destinado às provas) e as chamadas medidas assecuratórias.

As medidas cautelares podem ser agrupadas segundo (i) o objeto sobre que
recaem e (ii) a finalidade que encerram.

As providências que recaem sobre pessoas ou coisas são as buscas e apreensões;


as que recaem sobre coisas são o seqüestro de bens, a hipoteca legal, o arresto de bens; e,
ainda, as providências que recaem sobre pessoas são a prisão em flagrante, prisão
temporária, prisão preventiva em sentido estrito, prisão decorrente de pronúncia, prisão
nascente em condenação recorrível.

132
Segundo Dinamarco, assegurar o direito material da parte é função da medida antecipatória (Cândido
Rangel Dinamarco, Nova era..., op. cit., p. 70). Não se admite, no processo penal, medida antecipatória, por
implicar violação à garantia de não-consideração prévia de culpabilidade.
133
Ovídio Baptista repudia, no campo do processo civil, a idéia de que a proteção cautelar tutela o processo.
Para ele, “o objeto da proteção cautelar há de ser sempre, primariamente, um direito da parte, ou uma
pretensão ou ação, ou até mesmo uma simples execução substancial” (Ovídio A. Baptista da Silva, Do
processo cautelar, 3. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2001, p. 92).
134
Ovídio A. Baptista da Silva, Do processo..., op. cit., p. 10.
135
Antonio de Macedo Campos, Medidas cautelares, 5. ed., São Paulo, Sugestões Literárias, 1983, p. 4.
39

Quanto à finalidade, destinam-se ou a preservar elementos de convicção (meios


de prova) ou a garantir o resultado prático do processo de conhecimento e de execução
(recaindo sobre pessoas, coisas, semoventes).

Abstração feita das classificações, que pouco importam para este estudo, as
medidas cautelares devem (i) nascer da lei, (ii) voltar-se a fins legítimos (e com isto afasta-
se, pois, o mau uso da cautelar) e (iii) ser proporcionais ao escopo almejado.

2.2. PRESSUPOSTOS E REQUISITOS

Embora o Código de Processo Penal silencie a respeito, as medidas assecuratórias


previstas no Capítulo VI, do Título VI, entre as questões e processos incidentes, devem ser
tomadas como cautelares.

E somente se admitindo que as medidas cautelares têm pressupostos e requisitos


diversos dos da ação penal e, portanto, objetivam efeitos distintos dos da sentença de
mérito, torna-se possível compatibilizá-las com o preceito constitucional da proibição de
prévia consideração de culpabilidade136. Caso fossem assumidas como antecipação do
julgamento, violariam tal garantia, prevista no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição da
República.

A tutela cautelar destina-se a garantir que o resultado do processo possa ser


eficiente, não se prestando a produzir efeito definitivo no âmbito material. E as medidas
cautelares são instrumentos a serem utilizados de forma excepcional, tão somente quando
houver risco à segurança do processo.

Este risco é ditado por fatores extrínsecos ao mérito do processo, dos quais pode
decorrer dano grave ao reconhecimento e posterior satisfação do direito. Assim, somente
quando houver probabilidade de dano irreparável ao processo137 ou, no âmbito do processo
civil, ao direito que por meio dele se pleiteia, é que se pode decretar a medida cautelar. Se
a providência for determinada sem que se avalie a necessidade de segurança, não se cuida
mais de medida cautelar autêntica, mas de antecipação dos efeitos da condenação, o que

136
Rogério Lauria Tucci et al., Sistematização..., op. cit., p. 114.
137
Melhor chamado de risco de dano iminente, para Ovídio A. Baptista da Silva, Do processo..., op. cit., p.
81).
40

afronta, como já mencionado, a garantia constitucional da proibição de prévia consideração


de culpabilidade138.

No processo penal, as medidas cautelares patrimoniais, em tutela dos


prejudicados, são duplamente vinculadas139: primeiro, à própria previsão legal – são, como
já se disse, típicas140 –, e, depois, à existência de justa causa para a sua decretação – ou, se
transportados do processo civil para o processo penal, à concorrência de fumus boni iuris e
periculum in mora.

Existe desencontro doutrinário acerca da sistematização das exigências


necessárias à atuação e concessão das medidas cautelares, inclusive no campo processual
civil. Por vezes, o binômio fumus boni iuris e periculum in mora, usado no processo civil,
é classificado como pressuposto para a decretação das medidas cautelares141, sendo
pressuposto o antecedente necessário de outro fato. Ora é visto como requisito, ou seja,
condição imposta ou reclamada para a decretação da medida142. Por vezes, o binômio é,
ainda, referido como um ou outro, indistintamente143. Ou, também, o fumus boni iuris é
tomado como pressuposto da medida cautelar, ao passo que o periculum in mora é visto

138
“Dalla presunzione di non colpevolezza si irradia una direttiva di fondo per il legislatore ordinario che
mette decisamente fuori causa ogni velleità di attribuire una funzione anticipatamente punitiva alle cautele
patrimoniali nel solco della concezione positivista” (Enio Amodio, Le cautele..., op. cit., p. 300).
139
Nesse sentido, Coral Arangüena Fanego: “La potestad cautelar que se atribuye al Organo jurisdiccional
para ser utilizada en el proceso penal en tutela de los perjudicados por el delito, no es, en modo alguno, una
potestad indeterminada o autónoma sino, antes al contrario, una potestad vinculada. Hablamos de potestad
vinculada, en un doble sentido. En primer lugar, porque el Juez, a la hora de decretar la tutela cautelar real,
no puede disponer más medidas que aquéllas legalmente previstas en el caso concreto, como por el contrario
sí sucede en el ámbito del proceso civil: piénsese en las medidas cautelares indeterminadas o innominadas del
art. 1428 L.E.C. En segundo lugar y, especialmente, calificamos de vinculada a esta potestad, habida cuenta
de que para actuarla el órgano jurisdiccional deberá acreditar la concurrencia de dos requisitos que
normativamente resultan exigibles para ello: ‘fumus boni iuris’ y ‘periculum in mora’” (Coral Arangüena
Fanego, Teoría general de las medidas cautelares reales en el proceso penal español, Barcelona, Bosch,
1991, p. 21).
140
Cf. Ercole Aprile, Le misure..., op. cit., p. 62-63 e 471, para quem a taxatividade ou legalidade constitui
norte que governa as medidas cautelares. Ainda, Rogério Lauria Tucci et al., Sistematização..., op. cit., p.
119-120.
141
Referem-se ao fumus boni iuris e ao periculum in mora como pressupostos Rogério Lauria Tucci,
Teoria..., op. cit., p. 107; Paola Balducci, Il sequestro preventivo nel processo penale, 2. ed., Milano, Giuffrè,
1991, p. 134.
142
Requisito “consiste naquilo que se requer ou exige para que a coisa se mostre perfeita ou que tenha o fim
desejado” (Leslie Shérida Ferraz, Prisão preventiva..., op. cit., p. 59, nota 81). Referem-se ao binômio fumus
boni iuris e periculum in mora como requisitos Antonio Magalhães Gomes Filho, Presunção de inocência...,
op. cit., p. 54; Humberto Thedoro Jr., Requisitos de tutela cautelar, Revista de Processo, São Paulo, ano XIII,
n. 50, p. 129-142, abr.-jun. 1988, p. 136.
143
Romeu Pires de Campos Barros, Processo..., op. cit., p. 191.
41

como requisito144, como circunstância autorizadora145, ou mesmo como finalidade ou


fundamento da medida146.

Frise-se, porém, desde já, que as idéias de fumus boni iuris e periculum in mora,
consagradas no direito processual civil, não podem, como veremos adiante, ser carregadas
sem temperamento para o processo penal147, sendo mais adequado, em verdade, falar-se
em justa causa remota e próxima para a decretação das medidas cautelares patrimoniais:
seqüestro de bens, especialização da hipoteca legal e arresto.

2.2.1. FUMUS BONI IURIS

2.2.1.1. CONFIGURAÇÃO NO PROCESSO CIVIL

Costuma-se colocar, ao lado do periculum in mora, o fumus boni iuris como


pressuposto concorrente para a decretação de medida cautelar no processo civil.

Para a adoção de determinada medida cautelar, o fumus boni iuris, ou aparência


de direito, supõe – na lição de Calamandrei148 – um cálculo preventivo de probabilidade de
que a pessoa que solicita a medida cautelar obterá também a medida definitiva.

A cognição cautelar se limitaria, em todo caso, a um juízo de probabilidade e


verossimilhança149, com caráter hipotético, intimamente relacionado à própria natureza da
medida cautelar.150

144
Roberto Delmanto Júnior, As modalidades de prisão preventiva e seu prazo de duração, 2. ed., Rio de
Janeiro, Renovar, 2001, p. 161.
145
Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo..., op. cit.
146
A respeito das classificações usuais neste campo, cf. Leslie Shérida Ferraz, Prisão preventiva..., op. cit., p.
57-58.
147
Para a decretação de medida cautelar no âmbito civil, dois pressupostos são necessários: “a) provável
existência de um direito, de que se requer a tutela no processo principal (fumus boni iuris) e b) fundado temor
de que, enquanto se espera a tutela, faltem as circunstâncias de fato favoráveis à mesma tutela (periculum in
mora). Sobre o primeiro ponto, não se trata de acertar a existência do direito, que é propriamente o objeto do
processo principal, mas sobretudo de formular um juízo de probabilidade da sua existência, sobre a base de
cognição sumária e superficial; sobre o segundo ponto, se deve indagar em torno da verossimilhança do
perigo, que pode sobrevir a tornar difícil ou impossível a tutela do direito” (Enrico Tullio Liebman, Manuale
di diritto processuale civile, Milano, Giuffrè, 1973, p. 172). Mas “não se satisfaz o processo penal com
aparência do direito, ou com a plausibilidade da existência do direito à tutela. Muito menos, o perigo da
demora, sempre, guarda relevância. Daí, se precisar, hoje, de reexame da função e da estrutura da
cautelaridade, no processo penal” (Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Procedimento cautelar e medidas
cautelares, disponível em: <www.sergio.pitombo.nom.br>, acesso em 24.09.2006).
148
Piero Calamandrei, Introduzione allo studio sistematico dei provvedimenti cautelari, Padova, Cedam,
1936, p. 58.
42

No âmbito do processo, é possível identificar diversos graus ou estados de


conhecimento, os quais podem ser ordenados em possibilidade, probabilidade e certeza,
segundo Carnelutti151. Por isso, a expressão “juízo de probabilidade e de verossimilhança”
seria acertada, e até útil, para marcar terminologicamente as diferenças que cercam o grau
de conhecimento suficiente para que possa ser adotada a medida cautelar152, porque a
decisão definitiva sobre a causa exige, na realidade, grau de certeza.

Assim, no processo civil, o fumus boni iuris equivale à existência de um juízo de


probabilidade, segundo o qual o órgão jurisdicional pode prever que a decisão a ser
proferida ao final será favorável àquele que solicita a medida cautelar. Alguns dos efeitos
do julgamento meritório, declaratórios, constitutivos ou condenatórios, podem, até mesmo,
ser antecipados, em razão da concessão de medidas cautelares153.

Esta formulação do fumus, como pressuposto das medidas cautelares – aparência


de direito de quem se verá favorecido pela tutela cautelar, isto é, como exigência de que
para sua adoção se proceda a juízo por meio do qual o órgão jurisdicional possa prever que
a resolução final resultará favorável àquele que solicita a medida cautelar –, se é válida no
processo civil, não pode ser transportada pura e simplesmente para o processo penal.

Seria absurdo entender-se que o juízo a que se procede, no processo penal, para a
decretação da medida cautelar, seria um juízo do provável sucesso do direito afirmado pelo
acusador. Primeiro, porque só ao fim da ação penal de conhecimento, de natureza

149
Piero Calamandrei, Introduzione..., op. cit., p. 63.
150
O caráter hipotético desse juízo é ligado à natureza do provimento cautelar e configura aspecto necessário
da sua instrumentalidade (Piero Calamandrei, Introduzione..., op. cit., p. 64).
151
Francesco Carnelutti, Lecciones..., op. cit., v. 2, p. 181 e v. 3, p. 47.
152
Cautela é a “aparência de um juízo favorável de probabilidade sobre a verificação da futura situação que
se pretende acautelar” (Gaetano Foschini, Sistema..., op. cit. v. 1, p. 508-509). Sustenta, ainda, Foschini, que
cautela é diferente de garantia: a garantia tutela uma situação já existente e certa, enquanto a cautela tutela
uma situação futura e eventual, que vem se revelando, e que é, portanto, aparente (Gaetano Foschini,
Sistema..., op. cit., v. 1, p. 509). Sustenta Mariângela Montagna que, para a adoção de uma medida cautelar, é
necessária a verossimilhança da existência de um direito cautelar, a fim de que se possa dizer que o juízo de
mérito é ao menos reconhecível (Mariangela Montagna, I sequestri nel sistema delle cautele penali, Padova,
Cedam, 2005, p. 16).
153
Rogério Lauria Tucci et al., Sistematização..., op. cit., p. 113-114. Isso porque Calamandrei inclui, dentre
provimentos cautelares, os provimentos instrutórios antecipados, os provimentos destinados a assegurar a
execução forçada, as antecipações de provimentos decisórios e as cauções processuais (Piero Calamandrei,
Introduzione..., op. cit., p. 29). Por isso, anota Dinamarco que, ao exemplificar o poder geral de cautela
conferido ao juiz, Calamandrei fornece, em verdade, um exemplo clássico de tutela antecipada (Cândido
Rangel Dinamarco, Nova era..., op. cit., p. 51). Cf., ainda, a respeito, Ovídio A. Baptista da Silva, Do
processo..., op. cit., p. 34.
43

condenatória, é que se pode avaliar se a acusação é ou não procedente154. Depois, porque o


juízo que se vai formando, ao longo do processo, é diverso do juízo da causa, definitivo,
que não se antecipa, nem se tem como provável155.

Assim, no processo penal, que possui pressupostos, natureza e fins diversos, não
há como se admitir o fumus boni iuris como pressuposto para a decretação das medidas
cautelares patrimoniais, não ao menos nos termos como proposto no âmbito do processo
civil156. Isto leva a que, no âmbito penal, o fumus boni iuris apresente configuração
própria157, em essência nada semelhante à formulação originalmente pensada, sobre o qual
deverá recair a valoração do órgão jurisdicional.

As diferenças apontadas158 e a formulação que se procede são tão marcantes, que


parece melhor, inclusive, prescindir de tal pressuposto, encontrando um mais apropriado a
este sistema159. É do que cuida o próximo item.

154
Afirma Ada Pellegrini Grinover, versando sobre o interesse de agir no processo penal, que “somente após
o exame do mérito da causa, por parte do juiz, verificar-se-á se o autor é efetivamente titular do direito
afirmado” (Ada Pellegrini Grinover, As condições de ação penal: uma tentativa de revisão, São Paulo,
Bushatsky, 1977, p. 127).
155
Tal afirmação pode ser deduzida da lição de Joaquim Canuto Mendes de Almeida, acerca das diferenças
que marcam o juízo de acusação, de delibação, e o juízo da causa, que não se antecipa, nem se tem como
provável: “(a pronúncia) não declara que o ato examinado é passível de punição, mas decide, no caso, da
legitimidade de se instaurar a ação penal. Assentando sobre elementos probatórios comuns aos do futuro e
possível julgamento criminal propriamente dito, a pronúncia não lhe esgota, nem lhe diminui, todavia, o
conteúdo. Não determina o fundamento condenatório ou absolutório, mas apenas o fundamento acusatório.
Suas premissas são, como o juízo da causa, a lei e um fato concreto; mas, enquanto a lei que este aplica
exprime o direito de punir, a pronúncia declara, tão-só, o direito de acusar; e, ao passo que o fato sobre que
recai o juízo da causa é o pretenso crime ou contravenção, o fato que a pronúncia aprecia é a existência de
prova do pretenso crime ou contravenção, quanto baste legalmente para justificar uma ação penal” (Joaquim
Canuto Mendes de Almeida, Processo penal..., op. cit., p. 174).
156
É o que afirma Maria Thereza Rocha de Assis Moura: “tampouco deve ser transportado para o processo
penal a expressão genérica e fluida do fumus boni iuris. O significado da ‘fumaça do bom direito’, no
processo civil, não tem correspondência no processo penal, porque o delito não é uma ‘fumaça do bom
direito’. Os autores modernos têm preferido utilizar a expressão fumus delicti, ou seja, ‘a probabilidade da
ocorrência de um delito e nunca de um direito’, como um dos pressupostos para a decretação de medida
cautelar de caráter pessoal, significando prova da existência material do crime e indícios suficientes de
autoria” (Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Justa causa para a ação penal: doutrina e jurisprudência,
São Paulo, Revista dos Tribunais, 2001, p. 208).
157
A mais marcante das diferenças reside no fato de que não há lide no processo penal (Rogério Lauria
Tucci, Teoria..., op. cit.,;. Jacinto Nelson Miranda Coutinho, A lide e o conteúdo do processo penal, Curitiba,
Juruá, 1998). Com efeito, no processo penal, não existe pretensão não satisfeita, mas aplicação da regra nulla
poena sine iudicio (Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Justa causa..., op. cit., p. 208).
158
Coral Arangüena Fanego cuida de apontar tais diferenças, ao seu juízo. A primeira delas reside no próprio
objeto a valorar em um e outro processo: no processo civil, o objeto da medida cautelar se consubstancia no
reconhecimento da probabilidade do direito de quem pleiteia a medida; no penal, o que vai ser levado em
consideração é a prova da existência do delito e indícios de autoria, ou seja, o cometimento de um ilícito
penal e sua atribuição a pessoa determinada. A segunda diferença reside no fato de que, em âmbito civil, o
juiz procede à valoração positiva sobre a situação daquele que requer a medida cautelar, devendo, pois, para
decretá-la, considerar como provável o direito que assiste à pessoa que solicita a medida cautelar, por
44

2.2.1.2. FUMUS COMMISSI DELICTI

A circunstância de as medidas cautelares penais patrimoniais se dirigirem a


assegurar a satisfação de créditos ou interesses derivados do delito leva a supor que a
chamada “aparência do direito” deveria se identificar, ao menos legalmente, com a
existência de prova da existência do delito160.

Deveria, então, haver um juízo positivo a respeito da materialidade delitiva e,


ainda que indiciário, sobre a autoria. Exigir-se-ia prova do fato e da autoria, baseada em
indícios161. Este juízo, todavia, não implica prévia consideração da culpabilidade, vedada
que é a antecipação de efeitos de eventual sentença condenatória que poderá,
eventualmente, ser proferida em desfavor do acusado.

O juiz penal não pode, e nem deve, se precipitar, violando a garantia da proibição
de prévia consideração da culpabilidade, o que ocorreria caso se pronunciasse sobre a
decisão de mérito da causa, afirmando, por exemplo, que ela seria favorável a quem
solicita a medida cautelar, ou contrária àquele que a suporta, porque tem seus bens
constritos. Além disso, no processo penal, nem mesmo é necessária petição de parte,

entender que a resolução final lhe resultaria favorável; em sede penal, ao contrário, é preciso que a valoração
judicial resulte negativa para que a medida possa ser decretada, ou seja, o juiz deve decidir que o sujeito,
sobre cujo bem o decreto vai recair, não tem o direito a seu favor. Por fim, enquanto no processo civil a tutela
cautelar visa a atender primordialmente ao interesse daquele que a solicita, em proteção de interesses
privados, em sede penal a tutela cautelar, se bem que se dirija a proteger os interesses do prejudicado pelo
delito, não esgota aí sua atuação, e tutela igualmente interesse público (Coral Arangüena Fanego, Teoría...,
op. cit., p. 27-29).
159
Enio Amodio e Pedraz Penalva excluem o fumus boni iuris, que não pode ser um cálculo sobre o
fundamento da acusação, como pressuposto das cautelares penais. Propõem a substituição por outro
pressuposto: a exigência de que tais medidas cautelares se achem subordinadas à pendência de um processo
verificável mediante a imputação (Ennio Amodio, Le cautele..., op. cit., p. 57-63). Para Pedraz Penalva, não
existe, ao menos no plano imediato, relação direta entre a pretensão ao ressarcimento e o fumus boni iuris.
Este se volta, em um primeiro momento, à análise da existência material do fato típico e indícios de autoria.
Somente depois, superado tal pressuposto, analisa-se a existência ou não da pretensão ao ressarcimento do
dano. Por isso, prefere excluir o fumus boni iuris como pressuposto à decretação de tais medidas (Ernesto
Pedraz Penalva, Las medidas cautelares reales en el proceso penal ordinario español, Madrid, Trivium,
1985).
160
Na Espanha, sustenta Coral Arangüena Fanego, o fumus boni iuris identifica-se, no processo penal, com
“indícios de criminalidade”, expressão usada na Ley de Enjuiciamiento Criminal: possível cometimento de
um delito e atribuição a pessoa determinada (Coral Arangüena Fanego, Teoría..., op. cit., p. 26-27. Depende,
como assinala Jaume Solé Riera, da natureza e dos resultados do conjunto de atos de investigação da fase
instrutória, de forma que é possível valorar a presença do fumus boni iuris independentemente do início da
ação penal, permitindo-se a adoção da medida desde o início da persecução penal (Jaume Solé Riera, La
tutela..., op. cit., p. 132).
161
Luiz Antonio Câmara, Prisão e liberdade provisória: lineamentos e princípios do processo penal cautelar,
Curitiba, Juruá, 1997, p. 114.
45

porque o juiz pode decretar estas medidas patrimoniais de ofício. O que o juiz deve
considerar, em sede penal, é, portanto, a prova da existência material do fato típico e
indícios de autoria.

Assim, dada a insuficiência da expressão fumus boni iuris para designar o


pressuposto que possibilitaria a decretação de determinada medida cautelar no processo
penal, tem-se preferido a utilização das expressões fumus mali iuris162, fumus commissi
delicti163 ou fumus delicti164, ao menos em relação às medidas cautelares pessoais165, a teor
do disposto no artigo 312 do Código de Processo Penal.

Tal é a diferença de concepção que parece melhor excluir, no processo penal, a


utilização do conceito de fumus boni iuris como pressuposto necessário e válido à
decretação das medidas cautelares penais patrimoniais166, preferindo nominar tal
pressuposto como justa causa remota para a decretação de tais medidas, como veremos
adiante.

2.2.2. PERICULUM IN MORA

Foi também Calamandrei quem precisou o periculum in mora, base das medidas
cautelares, especificando-o como o dano que poderia advir da natural lentidão do processo
ordinário167.

162
Menciona a utilização dessa expressão Coral Arangüena Fanego, Teoría..., op. cit., p. 47.
163
Daniele Negri, Fumus commissi delicti: la prova per le fattispecie cautelari, Torino, Giappichelli, 2004.
Aniello Nappi, Guida ao nuovo Codice di Procedura Penale, Milano, Giuffrè, 1997, p. 557. Mariangela
Montagna, I sequestri..., op. cit., p. 99. Rogério Lauria Tucci et al., Sistematização..., op. cit., p. 121, nota 47.
Coral Arangüena Fanego anota que a expressão fumus commissi delicti recebe críticas doutrinárias, porque se
refere unicamente à prova da existência material do fato típico, mas não à autoria (Coral Arangüena Fanego,
Teoría..., op. cit., p. 48, nota 109).
164
Refere-se à expressão Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Justa causa..., op. cit., p. 208. Paola
Balducci, Il sequestro..., op. cit., p. 140. E Coral Arangüena Fanego, Teoría..., op. cit., p. 27.
165
Nesse sentido, cf. Aury Celso Lima Lopes Junior: “As medidas cautelares têm como requisito o fumus
delicti e como fundamento o perigo de fuga ou ao normal desenvolvimento do processo” (Aury Celso Lima
Lopes Jr., Fundamento, requisito e princípios gerais das prisões cautelares, São Paulo, Revista dos Tribunais,
ano 87, n. 748, p. 449-467, fev. 1998, p. 452).
166
Ainda assim, Coral Arangüena Fanego entende que as objeções feitas, na Espanha e Itália, não são
suficientes para afastar o fumus que justifica a adoção da medida cautelar. Para ela, este pressuposto viria
identificado como “indícios de criminalidade” (Coral Arangüena Fanego, Teoría..., op. cit., p. 38.) deve-se
estimar se o fato é provavelmente constitutivo de um delito e se o sujeito é presumivelmente seu autor. O juiz
pode também revogar a medida, se entender ter incorrido em erro ao apreciar a ocorrência de tais indícios
(Coral Arangüena Fanego, Teoría..., op. cit., p. 38), sem, contudo, incorrer em pré-julgamento
167
Piero Calamandrei, Introduzione..., op. cit., p. 18.
46

O conceito aprimorou-se: não se trata propriamente de um atraso, mas do tempo


necessário ao desenvolvimento da atividade e função jurisdicional, fundamentadamente
para que o exercício desta atividade venha acompanhado das garantias que o sistema de
direito exige168.

Existe, assim, um dano marginal169, natural, ínsito à simples passagem do tempo


necessário ao desenvolvimento do processo170. E o periculum in mora consiste na
probabilidade de que, no transcurso do tempo necessário à duração do processo, ocorra um
evento, natural ou voluntário, que suprima ou restrinja os interesses, tornando-os
impossíveis de serem satisfeitos ou limitando sua realização pelos órgãos jurisdicionais.

Abrandando e restringindo esta concepção de perigo suficiente e necessário à


decretação de medidas cautelares, acresce-se que, para estar justificada a atuação da
cautela, não se pode considerar suficiente o genérico e possível perigo derivado do fato
mesmo da duração do processo, mas é preciso que o perigo se manifeste por meio de
concretos e efetivos dados171, dos quais se possa racionalmente deduzir a probabilidade de
se transformar o dano temido em efetivo172.

Assim, pode-se dizer que o conceito de periculum in mora se determina pela


concorrência de dois elementos: “perigo de retardamento”173 e “perigo de
infrutuosidade”174. O primeiro decorre da necessidade de que à sentença final preceda um
período de tempo para que possam ser realizados atos indispensáveis às garantias do
processo; e o segundo supõe a possibilidade de que, durante este lapso de tempo, ocorram

168
Não se pode negar, todavia, que a excessiva duração do processo vulnera o devido processo legal,
constituindo a razoável duração do processo garantia constitucional, prevista no art. 5o, inciso LXXVIII.
Sobre o tema, cf. Aury Lopes Jr. e Gustavo Henrique Badaró, Direito ao processo penal no prazo razoável,
Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2006 e José Rogério Cruz e Tucci, Tempo e processo: uma análise empírica das
repercussões do tempo na fenomenologia processual (civil e penal), São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997.
169
A expressão foi cunhada foi Enrico Finzi (Rivista di Dirito Processuale Civile, n. 2, 1926, p. 50, apud
Piero Calamandrei, Introduzione..., op. cit., p. 18).
170
O dano ínsito “é aquele natural, decorrente apenas do tempo necessário a que a prestação jurisdicional
possa ser fornecida, respeitadas todas as garantias do devido processo legal. É o dano marginal, diverso
daquele perigo causado por determinado acontecimento concreto e específico, que vem a ameaçar a utilidade
da tutela” (José Roberto dos Santos Bedaque, Tutela cautelar..., op. cit., p. 267).
171
Mario Garavelli, Il sequestro nel processo penale, Torino, Utet, 2002, p. 88. Ercole Aprile, Le misure...,
op. cit., p. 491.
172
Gaetano Foschini, Sistema..., op. cit., v. 1, p. 507.
173
Piero Calamandrei, Introduzione..., op. cit., p. 55-58. Isabel Celeste M. Fonseca, Introdução ao estudo
sistemático da tutela cautelar no processo administrativo, Coimbra, Almedina, 2002, p. 116.
174
Piero Calamandrei, Introduzione..., op. cit., p. 55 a 58. Isabel Celeste M. Fonseca, Isabel Celeste M.
Fonseca, Introdução..., op. cit., p. 116.
47

fatos ou ações que impossibilitem ou dificultem a efetividade prática da decisão final, pela
diminuição ou desaparecimento dos bens175.

Sobre o modo de medir ou determinar o grau de probabilidade de que se


materialize este “perigo de infrutuosidade”, podem ser adotados dois critérios diversos, e,
assim, em alguns casos, exige-se que este dano marginal se concretize na ocorrência de
determinadas circunstâncias previstas ou tipificadas em lei, para poder considerar
justificada a medida cautelar.

Ortells Ramos entende que somente assim este pressuposto é obedecido.


Reconhece que, nas situações em que o legislador considera suficiente, para a concessão de
uma medida cautelar, o mero transcurso do tempo necessário para a decisão final,
oportunidade em que se podem produzir fatos ou ações que impossibilitariam ou
dificultariam a efetiva prática da decisão final, bastaria ao magistrado a avaliação do fumus
boni iuris, e o periculum in mora não seria, então, um pressuposto fundamental para a
adoção da medida. Contrariamente, a segunda situação estaria constituída por aqueles
casos em que o legislador, para justificar a adoção da medida, não considera condição
bastante este mero transcurso do tempo, exigindo ainda que este perigo se tenha atualizado
por meio de um determinado comportamento do acusado, previsto legalmente. Só então o
periculum se converteria em autêntico pressuposto, cuja concorrência deve ser verificada
para a concessão da medida176.

Para Coral Arangüena Fanego, o periculum configura um verdadeiro pressuposto


para a decretação de medidas cautelares patrimoniais. Ocorre que, algumas vezes, o
legislador objetiva ou tipifica as condutas que evidenciam o perigo e, em outras, ao
contrário, permite que o juiz determine o grau de perigo existente, em atenção às
circunstâncias alegadas pela parte que solicita a medida. Esta peculiaridade, todavia, não
permite concluir que no primeiro caso o pressuposto seja autêntico e no segundo não o
seja. O perigo é formado de dois componentes: perigo de retardamento e perigo de
infrutuosidade. Centrar-se apenas no último seria discriminar a atenção que se deve dar à
margem de apreciação concedida ao juiz, o que conduziria a negar validade ao periculum
para praticamente a totalidade das medidas cautelares177.

175
Coral Arangüena Fanego, Teoría..., op. cit., p. 50-51.
176
Manuel Ortells Ramos, El embargo preventivo, Barcelona, Bosch, 1984, p. 40.
177
Coral Arangüena Fanego, Teoría..., op. cit., p. 52, nota 125. Já Isabel Celeste M. Fonseca sustenta que,
deste duplo tipo de prejuízos – infrutuosidade e retardamento – resulta a dupla função cautelar: a
48

Em síntese, a discussão aqui repousa em saber se este pressuposto se configura


apenas e tão somente em decorrência do genérico e possível perigo derivado da natural e
esperada duração do processo – o dano marginal – ou se, além disso, é preciso que o juízo
se manifeste sobre concretos e efetivos dados dos quais se possa deduzir a probabilidade de
transformação do dano temido em dano efetivo ali onde não se intervenha sem atraso e, em
conseqüência com urgência – ou seja, o dano concreto.

Aqueles que defendem que o dano marginal e, portanto, o perigo genérico é


suficiente, enquanto pressuposto para a decretação das medidas cautelares, sustentam que
há necessidade de, tempestivamente, se evitar o perigo de dano que ameaça o direito até a
vinda da decisão firme sobre a causa, diante da lentidão ou demora da tutela jurisdicional
ordinária. Neste caso, a medida cautelar iria impedir que, nesse meio tempo, se verificasse
ou se agravasse o dano irreparável ou de difícil reparação. É a impossibilidade prática de se
acelerar a emanação de um provimento definitivo que determina o surgimento do interesse
para a decretação da medida cautelar. Em outras palavras: no retardo do provimento final,
se entrevê a necessidade de se recorrer à adoção de uma medida cautelar capaz de
antecipar provisoriamente os efeitos da conclusão do processo178.

O cumprimento, pois, deste pressuposto não precisa nem de alegação nem de


demonstração alguma de periculum, nem tampouco que este se encontre materializado em
determinada conduta fraudulenta do provável responsável, legalmente prevista179. O
periculum é dado simplesmente pelo transcurso do tempo até que advenha a resolução

asseguradora, de simples garantia, e antecipatória, que realiza a satisfação interina do direito ameaçado
(Isabel Celeste M. Fonseca, Introdução..., op. cit., p. 117).
178
“A demora do processo pode acarretar o perigo de que a satisfação do direito venha demasiado tarde e o
risco de que não haja satisfação. Por vezes, o autor necessita que o dano produzido lhe seja imediatamente
reparado e não poderia esperar as providências ordenadas na sentença definitiva, que viriam demasiado tarde.
A mulher que foi abandonada pelo marido e está absolutamente sem meios de subsistência pede alimentos
provisionais, não por temer que os bens do casal em poder do marido pereçam ou sejam alienados, mas
porque não tem como esperar. De outras vezes, o interessado pode aguardar, mas receia que o
desaparecimento dos bens torne infrutífera a execução e por isso pede a providência acautelatória. A esses
dois tipos de periculum in mora correspondem duas modalidades de providências acauteladoras: na primeira,
o que se antecipa é a decisão do mérito, embora em caráter provisório; na outra, apenas se adiantam
providências que tendem a preservar a instrução do processo (como no caso de apreensão de objetos
destinados à prova), ou a assegurar a execução (como no caso do arresto dos bens do devedor)” (Hélio
Tornaghi, Instituições de processo penal, 2. ed. rev. e atual., São Paulo, Saraiva, 1978, v. 3, p. 7).
179
“A concessão de medidas liminares não é estritamente condicionada à previsão de uma conduta maliciosa
do réu, mas, bem mais amplamente, ao risco de que o decurso do tempo frustre a tutela jurisdicional – com
ou sem o concurso de malícia daquele” (Cândido Rangel Dinamarco, Nova era..., op. cit., p. 81).
49

final, sendo indiferente, para efeitos de decretar a medida cautelar, que durante este lapso
ocorram fatos ou atos que possam fazer ineficaz a resolução final180 .

Já aqueles que defendem a necessidade de perigo concreto sustentam que não se


pode ter periculum in mora, como pressuposto necessário à decretação da medida cautelar,
unicamente em decorrência do genérico perigo que deriva da duração do iter
procedimental. Ao temor de um prejuízo devem-se juntar circunstâncias concretas das
quais se possa razoavelmente deduzir uma provável transformação do dano temido em
efetivo, o qual seria derivado de uma decisão intempestiva.

A crítica que se faz à aceitação única e exclusiva do dano marginal como


suficiente à decretação da medida cautelar repousa no fato de que esta seria um paliativo,
em razão da demora do processo, a qual, em verdade, deve ser combatida na sua origem.
Não se pode, por outro lado, negar que existe uma demora natural, até mesmo em respeito
ao cumprimento das garantias constitucionais do processo181, e que tal demora do processo
pode reduzir ou aniquilar a eficácia do efeito do resultado útil da decisão182.

Se entendido como o genérico e possível perigo de atraso na prolação da decisão


final183, tem-se que o periculum in mora é, em essência, um pressuposto desnecessário.
Aliás, Coral Arangüena Fanego, sem negá-lo, sustenta que, em verdade, ele é presumido,
em razão da própria previsão legal de medidas cautelares.

Analisado o sistema processual brasileiro, no que toca, agora, especificamente às


medidas cautelares patrimoniais, verifica-se que a disciplina chega a ser incoerente: no
180
Coral Arangüena Fanego, Teoría..., op. cit., p. 108.
181
Existe, assim, uma “luta contra o tempo, que se dá de duas maneiras: de um lado, procurando exaurir o
processo com a máxima solicitude e pela concentração de atos processuais; de outro, considerando
juridicamente irrelevantes as modificações das situações materiais ocorridas durante o processo e do qual é
expressão o princípio da retroatividade da decisão. Mas há limites. O limite à concentração é dado pela
necessidade de bem judicar: fazer direito sem comprometer que se faça bem. E a retroatividade não pode
ocorrer ali onde ocorreram situações irreversíveis, que o processo imaginava qualificadas de certa forma
como postulava” (Gaetano Foschini, Sistema..., op. cit., v. 1, p. 501). Por isso, a previsão de medidas
cautelares. No mesmo sentido, cf. Romeu Pires de Campos Barros, Processo..., op. cit., p. 12.
182
Para Carnelutti, o tempo é um inimigo do processo (Francesco Carnelutti, Diritto e processo, Napoli,
Morano, 1958, p. 354. Ao analisar o Código de Processo Civil e interpretar as chamadas medidas urgentes,
Dinamarco, lembrando essa lição de Carnelutti, assinala que os dispositivos ali previstos operam sobre o
“tempo como fator de corrosão de direitos, à qual se associa o empenho em oferecer meios de combate à
força corrosiva do tempo-inimigo” (Cândido Rangel Dinamarco, Nova era..., op. cit., p. 55).
183
“Essas medidas assecuratórias destinam-se a prevenir o dano ou prejuízo que adviria fatalmente da
demora, da espera até que se pudesse tomar uma solução definitiva, em prol dos interesses do ofendido.
Graças às medidas aqui previstas, garante-se, através da guarda judicial da coisa, o ressarcimento do prejuízo
causado pelo delito. É, pois, de natureza eminentemente preventiva a medida cautelar, já que se destina a
evitar o dano que a morosidade, procrastinação ou delonga podia causar” (Edgard Magalhães Noronha,
Curso de direito processual penal, 23. ed., São Paulo, Saraiva, 1995, p. 73).
50

processo civil, exige-se a ocorrência de dano concreto, enquanto o Código de Processo


Penal silencia a respeito, no capítulo destinado às medidas assecuratórias. Não se pode,
todavia, aceitar que, no processo penal, a concessão da medida cautelar se dê de forma
automática184.

No âmbito do processo civil, apenas de modo excepcional e em casos


expressamente previstos em lei, é possível a adoção de medidas cautelares destinadas a
evitar o dano marginal, que não são adotadas, portanto, de forma genérica185. Tudo o mais
é dano concreto.

Com efeito, o Código de Processo Civil, no artigo 813, determina que o arresto
tem lugar quando o devedor sem domicílio certo intenta ausentar-se ou alienar os bens que
possui, ou deixa de pagar a obrigação no prazo estipulado (inciso I), ou quando o devedor,
que tem domicílio, se ausenta ou tenta ausentar-se furtivamente (inciso II, a), quando,
caindo em insolvência, aliena ou tenta alienar bens que possui, contrai ou tenta contrair
dívidas extraordinárias, põe ou tenta por os seus bens em nome de terceiros, ou comete
outro qualquer artifício fraudulento, a fim de frustrar a execução ou lesar credores (inciso
II, b), ou, ainda, quando o devedor, que possui bens de raiz, intenta aliená-los, hipotecá-los
ou dá-los em anticrese, sem ficar com algum ou alguns livres e desembargados,
equivalentes às dívidas (inciso II, c).

No artigo 822, o Código de Processo Civil estabelece que o seqüestro é cabível


quando houver fundado receio de rixas e danificações (inciso I) ou quando, condenado por
sentença ainda sujeita a recurso, tenta dissipar os frutos e rendimentos do imóvel
reivindicando (inciso II). Quanto à produção antecipada de provas, determina o artigo 848
que o requerente justifique sumariamente a necessidade da antecipação. Para colheita de
prova testemunhal ou interrogatório antes da propositura da ação ou na pendência desta,
mas antes da instrução (artigo 847), há necessidade de justo receio de que ao tempo da

184
“Também restam vedadas as restrições de direitos, principalmente à liberdade física do acusado, que
sejam de concessão automática, as quais não se indague a ocorrência de probabilidade de dano. Isso, até por
exigência de motivação (art. 93, IX, da Carta Magna), de todo incompatível com presunções da necessidade
de qualquer medida constritiva de direitos. Somente quando houver probabilidade de dano irreparável ao
processo ou ao direito que por meio dele se pleiteia, é que se pode deferir a medida cautelar. Se a providência
for determinada sem que se avalie a necessidade de segurança, não estaremos diante de autêntica medida
cautelar, mas de odiosa antecipação dos efeitos da condenação” (Rogério Lauria Tucci et al.,
Sistematização..., op. cit., p. 115).
185
Assinala Bedaque: “A tutela sumária, definitiva ou provisória, destinada a evitar o dano marginal, sem
qualquer nexo com algum perigo concreto, é absolutamente excepcional e só pode ser admitida se
expressamente prevista. [...] sua concessão depende de previsão específica. Não pode ser admitida de forma
genérica” (José Roberto dos Santos Bedaque, Tutela cautelar..., op. cit., p. 268).
51

prova já não exista ou esteja impossibilitada de depor (artigo 847, inciso II), ou se tiver de
ausentar-se (artigo 847, inciso I). Para a antecipação do exame pericial, exige-se fundado
receio de que venha a se tornar impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na
pendência da ação (artigo 849).

Além disso, o artigo 798 do Código de Processo Civil consagra o poder geral de
cautela, e fala em fundado receio de dano ao direito de uma das partes186. O receio de dano,
portanto, deve ser fundado, ou seja, não apenas possível, mas objetivamente analisado e
calculado187.

É certo que não se exige prova do perigo188, mas tão somente justificação; não se
exige certeza, mas plausibilidade189 – mesmo porque as medidas cautelares são revogáveis.
No âmbito do processo civil, a tipificação e a objetivação de circunstâncias que
caracterizam perigo de dano exigem alegação e demonstração, por sumária que seja, do
perigo190. O temor, que justifica a medida cautelar real, deve ser objetivo191.

No processo penal, decretam-se, em caráter provisório, providências que


acautelam a futura execução de eventual decisão condenatória ou a eficácia de seus efeitos,
e não o mérito da causa192.

186
Humberto Theodoro Júnior aponta a impropriedade terminológica da lei, porque, “se não houve o
julgamento da ação principal, que visa a solucionar a lide, não se pode, ainda, falar em direito da parte, pois
nem sequer se sabe ao certo se ele existe ou não” (Humberto Theodoro Júnior, Processo..., op. cit., p. 65).
187
Deve ser “analisado objetivamente, calculado pelo exame das causas já postas em existência, capazes de
realizar o efeito temido” (Humberto Theodoro Júnior, Processo..., op. cit., p. 66).
188
“Realmente, não é possível chegar-se à certeza do ‘perigo de dano’. Como se trata de dano futuro e não de
dano já consumado, não se pode realizar uma verdadeira ‘prova’, que sempre tem por objeto a alegação de
um fato passado, isto é, de algo que já ocorreu. De uma maneira geral, no campo probatório, quanto à
reconstrução dos fatos, o trabalho do juiz se aproxima do trabalho do historiador. A análise da situação de
perigo certamente difere dessa forma de atuação. O juiz terá de fazer um juízo para o futuro, um prognóstico
diante da situação atual. O futuro não se acerta, prevê-se. Não é possível se exigir a prova plena ou a certeza
de um ‘perigo’ de dano, ou de um dano em potencial. Seria buscar a certeza de um dano futuro e não de um
acontecimento passado, de um dano que já teria ocorrido. O que se pode exigir do juiz em tal caso é uma
previsão, um prognóstico sobre um dano futuro” (Gustavo Henrique Ivahy Badaró, Ônus da prova..., op. cit.,
p. 426-427).
189
Humberto Theodoro Júnior, Processo..., op. cit., p. 66.
190
Igualmente deveria ser assim no processo penal, afirma Ernesto Pedraz Penalva, Las medidas..., op. cit., p.
95.
191
Para Ugo Dinacci, também no processo penal (Ugo Dinacci, Sequestro conservativo penale: nuovi profili
sostanziali e processuali, Padova, Cedam, 1979, p. 34).
192
Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 7. E, ainda, “Il giudizio de probabilità va dunque inteso in
un senso diverso risguardo ai due elementi che formano oggetto della decisione: sul diritto deve formarsi una
semplice opinione di credibilità, senza attardarsi a raggiungere una vera sicurezza della sua esistenza; sul
pericolo nel ritardo invece si tratta di considerare sufficientemente verosimile la minaccia di un evento
dannoso futuro, allo scopo di prevenirlo e impedirne l’accadimento. Sul primo punto un giudizio di certezza
52

Da leitura, todavia, do Código de Processo Penal, pode-se deduzir que a adoção


de medidas assecuratórias não se condiciona à ocorrência de fatos que possam tornar
ineficaz a garantia da reparação do dano causado pelo delito193. Interpretação literal dos
dispositivos constantes deste Capítulo leva a que não seja necessária nem alegação,
tampouco demonstração, de periculum in mora, tal como acontece no processo civil194.

Unicamente no caso de seqüestro, que se volta, além da reparação do dano,


também ao perdimento de bens, o Código de Processo Penal exige, para a decretação da
medida, que recai sobre o proveito da infração, que haja indícios da proveniência ilícita do
bem. Quanto às demais medidas, em razão da disciplina conferida pelo Código de Processo
Penal, não se exige fundado temor de que o sujeito passivo dissipe ou disperse seu
patrimônio; não se precisa alegar nem provar a suficiência ou insuficiência patrimonial do
acusado para fazer frente à reparação do dano que se decrete a medida judicial195.

sarebbe possibile, ma inopportuno, data la finalità di provvedere con urgenza; sul secondo punto esse non
sarebbe nemmeno possibile, dovendo riguardare fatti non ancora avvenuti, di cui può e deve misurarsi
soltanto la possibilità che abbiano ad accadere. In ogni caso il giudizio di probabilità differisce
essenzialmente da un giudizio di certezza; è del tutto naturale che possa bastare a giustifiare una misura
cautelare, ma sarebbe assurdo invece atribuirgli una qualunque diversa efficacia. È infatti un giudizio di
valore limitato, che può essere sufficiente a concedere o negare la tutela cautelare, mas sarebbe insufficiente
a qualsiasi altro scopo; esse è destinado perciò a motivare l’atto del giudice che provvede, ma non può uscire,
per così dire, dal suo foro interno, né manifestarsi in una decisione destinada a valere oggettivamente fuori
del processo in cui ebbe a formarsi. Correlativamente, l’interesse della parte richiedente può essere
soddisfatto dal provvedimento di autorizzazione solo nella misura in cui è un mezzo per l’attuazione della
cautela” (Enrico Tullio Liebman, Unità del procedimento cautelare, Problemi del processo civile, Napoli,
Morano, 1962, p. 108-109).
193
Do mesmo modo na Espanha, como assinala Coral Arangüena Fanego: “do teor da norma processual
penal aplicável, poder-se-ia deduzir que o legislador penal não considerou conveniente submeter a adoção da
tutela cautelar aos mesmos requisitos a que está condicionada no processo civil. Assim, caberia afirmar que,
para adoção de uma medida cautelar real, exige-se, em primeiro lugar, imediatamente a concorrência de
fumus boni iuris e, de modo mediato, que deve transcorrer um lapso de tempo até que recaia a resolução que
ponha fim ao processo. E que ademais, nesse período, podem ocorrer fatos ou atos bastantes para fazer
ineficaz essa resolução final é um acréscimo que não condiciona a adoção da medida cautelar real” (Coral
Arangüena Fanego, Teoría..., op. cit., p. 57).
194
Aliás, até mesmo no processo civil, Ovídio A. Baptista da Silva critica a insistência em se ver o periculum
in mora como pressuposto para a tutela cautelar. Para ele, “os que ainda perseveram no equívoco jamais
poderão fazer, adequadamente e com a necessária coerência, a distinção entre uma medida cautelar e uma
outra provisão de natureza satisfativa, concedida como medida antecipatória, que corresponda à execução
provisional urgente, fundada no periculum in mora”. Por isso, prefere ele o uso da categoria “iminência de
dano irreparável ao direito a que se dá tutela jurisdicional, como pressuposto da medida cautelar. A outra
categoria processual a que a doutrina denomina periculum in mora [...] sugere a idéia de antecipação da
tutela satisfativa, precisamente porque o direito não se concilia com a demora. E isto não passa de execução
provisória” (Ovídio A. Baptista da Silva, Do processo..., op. cit., p. 81 e 83).
195
Coral Arangüena Fanego, Teoría..., op. cit., p. 58-59. A autora ainda sustenta que, no processo penal, a
obrigação de ressarcir somente surge com a decisão condenatória que a declara; no processo civil, este
pressuposto revela incumprimento do devedor da obrigação contraída; em último lugar, não há contracautelas
pelo prejudicado do delito.
53

Na Espanha, a disciplina é semelhante, e alega-se que, no processo penal, o


periculum in mora é um princípio informador das medidas cautelares reais196. Não é
necessária sua alegação nem demonstração, como ocorre no processo civil, porque o perigo
está presente na intenção do legislador ao regular as medidas cautelares197: em razão do
transcurso do tempo, presume-se perigo suficiente para que devam ser adotadas medidas
cautelares patrimoniais que tornem possível a efetividade prática da futura resolução
final198.

No sistema espanhol, assim, o periculum é princípio informador. Não precisa ser


alegado nem demonstrado, como ocorre no processo civil, porque basta que o perigo esteja
presente na proposta do legislador, ao regular as cautelares.

Mas “toda prevenção é tomada contra um risco. [...] Em processo, esse dano
previsto deve ser provável. Se o prejuízo já não se houver manifestado, em série, ao menos
deve pender, mais ou menos próximo”199. Tal entendimento é difuso entre os penalistas,
mas o problema resta aberto a várias soluções200. Por isso, no direito comparado, há
regulamentações diversas desta adotada.

Na Alemanha, exige-se demonstração de perigo de infrutuosidade. Na Itália, é


sempre necessária a alegação e a demonstração do perigo201. Para a decretação do
seqüestro conservativo, os modos pelos quais se pode apresentar o periculum são dois:
depauperamento (insuficiência ou inadequação) e dispersão de bens202. Muito embora a
doutrina pugne pela existência de um periculum objetivo, reconhece-se que, ainda que a lei
faça referência a “fundadas razões” de perda ou dispersão da garantia, reclama a
conjugação de elementos que possam determinar a verificação do evento danoso –
elemento objetivo – e um juízo – elemento subjetivo – que associe tais condições ao evento
temido, estabelecendo a possibilidade de sua produção203.

196
Coral Arangüena Fanego, Teoría..., op. cit., p. 59.
197
Coral Arangüena Fanego, Teoría..., op. cit., p. 59.
198
Coral Arangüena Fanego, Teoría..., op. cit., p. 59.
199
Alfredo de Araújo Lopes da Costa, Medidas preventivas..., op. cit., p. 16-17.
200
Ugo Dinacci, Sequestro..., op. cit., p. 34.
201
Coral Arangüena Fanego, Teoría..., op. cit., p. 60.
202
Mariangela Montagna, I sequestri..., op. cit., p. 67.
203
Mario D’Onofrio, Il sequestro conservativo penale, Padova, Cedam, 1997, p. 15-17. Ugo Dinacci,
Sequestro..., op. cit., p. 34. Mario Garavelli, Il sequestro..., op. cit., p. 88.
54

Em Portugal, também se exige demonstração do perigo204. O Código de Processo


Penal Português, no artigo 227, estabelece que, “1. Havendo fundado receio de que faltem
ou diminuam substancialmente as garantias de pagamento da pena pecuniária, das custas
do processo ou de qualquer outra dívida para com o estado relacionada com o crime, o
Ministério Público requer que o argüido preste caução econômica. O requerimento indica
os termos e modalidades em que deve ser prestada. 2. Havendo fundado receio de que
faltem ou diminuam substancialmente as garantias de pagamento da indenização ou de
outras obrigações civis derivadas do crime, o lesado pode requerer que o argüido ou o
civilmente responsável prestem caução econômica, nos termos do número anterior. 3. A
caução econômica mantém-se distinta e autônoma relativamente à caução referida no
artigo 197 e subsiste até à decisão final absolutória ou até à extinção das obrigações. Em
caso de condenação são pagos pelo valor, sucessivamente, a multa, o imposto de justiça,
as custas do processo e outras obrigações civis”205.

Ora, se se exige, no processo civil, algo mais do que o dano marginal206, com
mais razão no processo penal. Para a decretação da medida cautelar patrimonial, no
processo penal, seria necessário o perigo de dano concreto.

Assim, é preciso circunscrever o conteúdo do conceito de periculum in mora a


fim de que não constitua o perigo genérico, derivado simplesmente da duração do iter
procedimental207. É necessária informação sobre medidas concretas das quais se possa
deduzir uma provável transformação de dano temido em dano efetivo, decorrente da
demora da prestação jurisdicional208. Por isso, o periculum in mora deve se fundar em fatos
objetivos, e não em conjecturas subjetivas209.

204
Coral Arangüena Fanego, Teoría..., op. cit., p. 62.
205
Vicente Greco Filho, Manual de processo penal, 6. ed., São Paulo, Saraiva, 1999, p. 188.
206
“Não se pode ter como suficiente o genérico e possível perigo derivado da duração do processo, mas deve
se manifestar mediante concretos e efetivos elementos dos quais se possa razoavelmente desumir a
probabilidade de transformação do dano temido em dano efetivo se não se intervir sem retardo e com
urgência” (Gaetano Foschini, Sistema..., op. cit., v. 1, p. 507). Em idêntico sentido, cf. Romeu Pires de
Campos Barros, Processo..., op. cit., p. 42.
207
Mariangela Montagna, I sequestri..., op. cit., p. 17.
208
Mariangela Montagna, I sequestri..., op. cit., p. 17.
209
Cuidando da prisão processual e, portanto, do chamado periculum libertatis, afirma Gustavo Henrique
Ivahy Badaró que é “necessário que o juiz fundamente sua decisão em fatos concretos, que demonstrem que a
manutenção do acusado em liberdade colocará em risco a instrução criminal ou a provável condenação penal.
Não bastam, pois, meras conjecturas, temores infundados, ou simples suspeitas. Muito menos poderá o juiz
limitar-se a repetir as palavras da lei ou utilizar fórmulas vazias e sem amparo em fatos concretos. Em suma,
a concessão de uma medida cautelar exige, quanto ao periculum in mora, prova plena dos fatos com base nos
55

Parece excessivo exigir que o perigo de perda ou dispersão de garantia do crédito


se deva resolver em uma quase-certeza objetiva, porque a rigorosa objetividade do perigo
não é concebível, nem é uma conseqüência da razão de fundo da tutela cautelar210. Mas
isto também não significa que o perigo deva ser identificado com o estado subjetivo do
credor; deve-se proceder a uma investigação, caso a caso, tendo-se em conta numerosos
coeficientes, aos quais concernem, afirma Dinacci, algumas qualidades morais do devedor,
como a lealdade, retidão, pontualidade, boa fé211. Somente a valoração no caso concreto
destes coeficientes pode dar a idéia de perigo, e da possibilidade de se verificar o dano,
possibilidade que inspira o temor e a necessidade de adequada medida cautelar212.

A avaliação demandada do juiz penal a fim de verificar a oportunidade de


decretar determinada medida cautelar patrimonial poderia se fundar, assim, sobre três
situações: inadequação do patrimônio do imputado quanto à avaliação provisória do
montante de causado à vítima; a insuficiência do seu patrimônio frente aos possíveis
credores; e o temor de dispersão ou diminuição do patrimônio, que faz surgir a exigência
de um vínculo patrimonial capaz de assegurar a conservação da garantia patrimonial213.

A demora, como pressuposto para a decretação das medidas cautelares, deve ser
ligada à prova e à entrega da prestação jurisdicional. Deve-se mostrar a ocorrência de um

quais o juiz irá inferir o perigo de dano” (Gustavo Henrique Ivahy Badaró, Ônus da prova..., op. cit., p. 428-
429). No mesmo sentido, cf. Antonio Magalhães Gomes Filho, Presunção de inocência..., op. cit., p. 79. Ada
Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho, As nulidades no
processo penal, 8. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2004. Fernando da Costa Tourinho Filho,
Processo..., op. cit., v. 3, p. 494. Nesse sentido, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: “1. Prisão
preventiva. Medida cautelar. Natureza instrumental. Sacrifício da liberdade individual. Necessidade de se ater
às hipóteses legais. Sentido do art. 312 do CPP. Medida extrema que implica sacrifício à liberdade individual,
a prisão preventiva deve ordenar-se com redobrada cautela, à vista, sobretudo, da sua função meramente
instrumental, enquanto tende a garantir a eficácia de eventual provimento definitivo de caráter condenatório,
bem como perante a garantia constitucional da proibição de juízo precário de culpabilidade, devendo fundar-
se em razões objetivas e concretas, capazes de corresponder às hipóteses legais (fattispecie abstratas) que a
autorizem” (STF – HC n.° 87.041 – Rel. Min. Cezar Peluso – DJ de 24.11.2006). No mesmo sentido, cf.,
ainda, RHC n.° 68.631 – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – DJ de 23.08.1991; HC n.° 85.036 – Rel. Min. Eros
Grau – DJ de 25.02.2005; HC n.° 85.268 – Rel. Min. Gilmar Mendes – DJ de 15.04.2005.
210
Ugo Dinacci, Sequestro..., op. cit., p. 34. Gustavo Henrique Ivahy Badaró, Ônus da prova..., op. cit., p.
426-427.
211
Ugo Dinacci, Sequestro..., op. cit., p. 34-35.
212
Ugo Dinacci, Sequestro..., op. cit., p. 35.
213
Nesse sentido, cf. Mario D’Onofrio, Il sequestro..., op. cit., p. 19. Ugo Dinacci, Sequestro..., op. cit., p.
33-36. Enio Amodio, Le cautele..., op. cit., p. 49-50.
56

dano irreparável ou de difícil reparação, ligada à morosidade, o que deve ser evitado no
processo penal214.

O Código de Processo Penal não oferece, porém, indicação explícita para a


decretação das medidas cautelares patrimoniais. Por isso, no direito brasileiro, ante a
ausência de expressa previsão no Código de Processo Penal, poder-se-iam transplantar,
dentro do que for possível e compatível, para o processo penal, os requisitos de
configuração de fraude à execução, prevista no artigo 593 do Código de Processo Civil,
porque, em larga medida, não deixa a medida cautelar patrimonial de atuar para evitá-la,
visto que assegura a futura reparação do dano decorrente da prática do delito. Pelo artigo
593 do Código de Processo Civil, considera-se em fraude de execução a alienação ou
oneração de bens quando sobre eles pender ação fundada em direito real (inciso I); quando,
ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à
insolvência (inciso II) ou, ainda, nos demais casos expressos em lei (inciso III), tais como a
aquisição de bem com penhora já registrada no cartório imobiliário (artigo 240, da Lei n.º.
6.015/73). Trata-se, no caso, de uso da analogia para interpretar restritivamente a aplicação
da medida cautelar penal, que afeta direitos assegurados constitucionalmente.

Ainda, poder-se-ia transplantar o previsto no Código de Processo Penal Militar,


que, ao cuidar do arresto, prevê, no artigo 215, a e b, as situações em que este poderá ser
ordenado: se recair sobre imóveis, o arresto pode ser decretado “para evitar artifício
fraudulento que os transfira ou grave, antes da inscrição e especialização da hipoteca
legal” (artigo 215, a, do Código de Processo Penal Militar); ou, se móveis, “e

214
“Perigo é a possibilidade de dano. A lei no seu intuito protetor procura não apenas corrigir o dano (tutela
repressiva), mas até evitá-lo (tutela preventiva), coarctando-lhe toda possibilidade, fazendo-o abortar in ovo,
in causa. Mas as providências que ela enseja, quer para remediar, quer para frustrar o dano, dependem
freqüentemente de um processo cuidadoso e por isso mesmo demorado, e dessa mora advém novo perigo
(periculum in mora): o de que pereça o objeto da providência definitiva. Por isso, há mister uma provisória
que dê alento, que mantenha em vida o que vai ser alvo da outra. Para ressarcir o dano causado por Tício ao
patrimônio de Caio faz-se um processo, ao fim do qual os bens de Caio serão penhorados e vendidos e o
produto será entregue a Tício. Mas pode acontecer que a demora do processo dê ensejo a desvio, a destruição
dos bens, depois irreparável. Uma providência, é claro, tem de ser tomada, embora em caráter provisório,
para acautelar os bens e evitar a lesão que a demora do remédio definitivo poderia acarretar. Ao chegar à
cabeceira do cliente, o médico verifica que precisa examiná-lo para lhe dar o medicamento específico e
decisivo. Mas o exame vai consumir algum tempo e é preciso evitar que o doente morra antes que ele,
médico, chegue a uma conclusão e seja possível tomar uma providência definitiva. Para isso dá-lhe uma
injeção de óleo canforado, precaução, remédio provisório contra o perigo da demora. Pudesse o médico fazer
desde logo o tratamento definitivo e não usaria o provisório. Para alcançar a certeza sobre a situação do
doente tem de gastar tempo e contra o perigo de demora (periculum in mora) é preciso acautelar-se. O ato
provisório, para usar de outro símile, grosseiro mas que bem ilumina o assunto, é o torniquete aplicado no
sujeito que se esvai em sangue até que seja possível suturar os vasos. A providência definitiva, ditada após
cuidadoso estudo da matéria de fato e de direito, atende às exigências da justiça; a provisória, ordenada com
presteza e celeridade, responde aos reclamos da justiça” (Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 6-7).
57

representaram valor apreciável, tentar ocultá-los ou deles tentar realizar tradição que
burle a possibilidade da satisfação do dano, referida no preâmbulo deste artigo” (artigo
215, b, do Código de Processo Penal Militar).

Enfim, deve-se procurar precisar elementos que indiquem que se possa tornar
concreto o dano temido: indícios de depauperamento ou dispersão de bens, que dificultem
as finalidades que as medidas cautelares patrimoniais são dispostas a assegurar.

2.2.3. IMPROPRIEDADE DO USO DAS EXPRESSÕES FUMUS BONI IURIS E PERICULUM IN


MORA COMO PRESSUPOSTOS PARA A DECRETAÇÃO DAS MEDIDAS CAUTELARES
PATRIMONIAIS NO PROCESSO PENAL: PREFERÊNCIA POR JUSTA CAUSA

Guardadas as diferenças substanciais entre o conceito de fumus boni iuris, no


processo civil e no processo penal, bem como a inespecificação de situações que
configurariam periculum in mora no âmbito das medidas cautelares patrimoniais no
processo penal, é desaconselhável, além de tecnicamente impróprio – porque efetivamente
não se ajustam – tentar transferi-los para o direito processual penal215. Neste âmbito,
melhor falar-se, então, em justa causa, remota e próxima, para a decretação das medidas
cautelares patrimoniais.

As medidas cautelares patrimoniais somente se legitimam se houver justa causa


para a sua decretação216. Isso porque são medidas de coação processual penal217, que

215
Fumus boni iuris e periculum in mora são “expressões com as quais não concordam sejam usadas,
correntemente, no processo penal. Quanto à primeira, fumus boni iuris, mais apropriada seria a denominação
de fumus commissi delicti. No que concerne à segunda, periculum in mora, ela é totalmente inadequada,
como ensinava Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, em aulas proferidas no curso de pós-graduação da
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, referido por Roberto Delmanto Junior (As
Modalidades..., op. cit., p. 155, nota 202). Sem dúvida, o conceito de periculum in mora está atrelado ao
dano irreparável ao direito que o autor deseja ver reconhecido, assegurado e satisfeito, que a natural demora
da prestação jurisdicional acarretaria, tornando o provimento jurisdicional praticamente ineficaz, como
ocorre no pedido de liminar em mandado de segurança (Lei nº 1.533, de 31/12/1951, art. 7o, II; Constituição
da República, art. 5o, LXIX). Ora, a prisão do acusado não pode estar atrelada à antecipação da prestação
jurisdicional, sob pena de violação das garantias da desconsideração prévia de culpabilidade (Constituição da
República, art. 5o, LVII) e da presunção de inocência (Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de
Nova Iorque, art. 14, 2; Convenção Americana sobre Direitos Humanos, art. 8o, 2, 1a parte)” (Rogério Lauria
Tucci et al., Sistematização..., op. cit., p. 121, nota 47).
216
Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Justa causa..., op. cit., p. 122.
217
Coação processual penal é a “restrição de direito, ordenada ou permitida por lei, com observância das
garantias constitucionais, e estatuída, ou decretada por autoridade competente, para acautelar satisfação ao
escopo específico do processo. Visa, assim, a impedir que se impossibilite ou mesmo, apenas, se dificulte, a
perfeição da prova criminal e do julgamento da pretensão punitiva do Estado [mais tarde, o autor
58

afetam direitos individuais – propriedade, patrimônio, posse. São, assim, de concessão


excepcional218, de forma que se deve analisar a justa causa para sua decretação219,
observadas, ainda, as garantias individuais do processo220.

Diante do caso concreto, deve-se então indagar se, segundo a ordem jurídica
vigente, existe causa legítima à decretação da medida cautelar patrimonial, coação
processual221.

No plano jurídico, justa causa equivale à legalidade. E, no plano axiológico, à


legitimidade da coação222, ou seja, não é apenas a causa legal que autoriza a decretação da
medida, mas a causa que a ordem jurídica legitima223, porque, às vezes, “malgrado a
aparência de legalidade, inexiste justa causa para o constrangimento”224.

Justa causa, de modo geral, “pode ser definida, de modo amplo, em sentido
processual, como a causa conforme o ordenamento jurídico, ou ‘secundum ius’”225.

abandonaria a aceitação de pretensão, no processo penal], bem como da eventual execução do julgado
condenatório. Arreda, portanto, o dano jurídico, que adviria, ao se frustrar o fim culminado” (Sérgio Marcos
de Moraes Pitombo, Breves notas..., op. cit., p. 108). Cf., ainda, Joaquim Canuto Mendes de Almeida,
Princípios constitucionais da coação processual, Revista Forense, Rio de Janeiro, ano XXXVII, n. LXXXIV,
fascículo 450, p. 576-581, dez. 1940.
218
Rogério Lauria Tucci et al., Sistematização..., op. cit., p. 118.
219
“A análise, em cada caso, da injustiça ou justiça da razão determinante da coação, a fim de considerar
legal ou não o constrangimento, a violência, deve ser feita pelo julgador, mas sempre a partir do conceito de
‘justa causa’. E não poderia ser diferente” (Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Justa causa..., op. cit., p.
172).
220
“Tríade de valores – que a experiência tornou possível eleger – emerge, no referido processo: tutela da
liberdade jurídica do acusado; proteção do direito à reparação do dano, nascente na infração penal; e amparo
coadjuvante à mantença ou recuperação da paz pública. É por isso que a todos importa a decisão justa, não só
a derradeira, ou final. Várias interlocutórias, assim, exsurgem, guardando pertinência com os valores
mencionados: liberdade, propriedade e segurança. [...] Todos exibem a coercitividade jurídica, que irrompe,
ou pode despontar, no processo da ação penal condenatória. Todos exigem justa causa, ou razão suficiente,
para constranger, de modo legal” (Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Prefácio, In: Maria Thereza Rocha de
Assis Moura, Justa causa para a ação penal: doutrina e jurisprudência, São Paulo, Revista dos Tribunais,
2001, p. 10).
221
Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Justa causa..., op. cit., p. 173.
222
Cuidando especificamente da acusação, cf. Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Justa causa..., op. cit.,
p. 222.
223
Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Justa causa..., op. cit., p. 222. Assim, justa causa, como qualidade
da acusação, “compreendida sob juízo positivo, é a qualidade que torna legítima a acusação. E em sua forma
negativa, é a falta deste imprescindível atributo, que torna ilícita, infundada, temerária, caluniosa e, acima de
tudo, profundamente imoral a imputação” (Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Justa causa..., op. cit., p.
250).
224
Mauro Cunha e Roberto Geraldo Coelho Silva, Habeas corpus, no direito brasileiro, Rio de Janeiro,
AIDE, 1990, p. 77-78.
225
Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Justa causa..., op. cit., p. 172.
59

De forma mais analítica, pode-se dizer que, para a decretação de medidas


cautelares patrimoniais, deve haver o preenchimento de determinados pressupostos e
requisitos, como veremos adiante.

2.2.3.1 PRESSUPOSTOS

Os pressupostos necessários à decretação das medidas cautelares são formais e


materiais, positivos e negativos226.

2.2.3.1.1 PRESSUPOSTOS FORMAIS

Os pressupostos formais positivos relacionam-se à necessidade de a medida


substanciar-se em provimento, fundamentado227 – este tema é objeto específico do item
2.4.3, mais adiante – e emitido por juiz competente, em razão do disposto no artigo 5º,
inciso LXI, da Constituição da República.

A competência jurisdicional, hierárquica e recursal vem disciplinada na


Constituição da República. A medida cautelar patrimonial decretada por juiz
constitucionalmente incompetente para o ato leva ao reconhecimento de inexistência do
provimento. Quando o ato é decretado com inobservância da competência de foro, deve ser
considerado nulo, nos termos do disposto no artigo 567 do Código de Processo Penal228.

Já os pressupostos formais negativos dizem com a ausência de causas de


impedimento e suspeição do juiz que decreta a medida cautelar (artigos 251 a 254 do
Código de Processo Penal). Decretado por juiz suspeito ou impedido, o provimento é nulo,
nos termos do previsto no artigo 564, inciso I, do Código de Processo Penal.

226
Tal modo de ver estruturalmente as medidas cautelares, então pessoais, foi feito por Leslie Shérida Ferraz,
Prisão preventiva..., op. cit., p. 55 e seguintes.
227
Coral Arangüena Fanego, Teoría..., op. cit., p. 273.
228
Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho, As nulidades...,
op. cit..
60

2.2.3.1.2. PRESSUPOSTOS MATERIAIS

Os pressupostos materiais negativos consistem na verificação da ausência de


excludentes da ilicitude (artigo 23, do Código Penal), de culpabilidade, de extinção da
punibilidade e até de causas supralegais de exclusão de tipicidade229, porque, afastam, ao
fim, sentença penal condenatória e, em conseqüência, não existe motivo a justificar a
adoção de medidas cautelares que visam exatamente a assegurar o efeito automático de
decisão condenatória. Para isto, todavia, deve o juiz ser cauteloso, a fim de não adiantar o
provimento final ao analisar requerimento de decretação de medida cautelar.

Os pressupostos materiais positivos relacionam-se ao fumus commissi delicti, em


grau necessário e suficiente à adoção de cada uma das medidas cautelares patrimoniais,
como veremos adiante. Como dizia Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, trata-se da
chamada justa causa remota – prova da materialidade do crime e indícios de autoria, na
medida necessária, o que é objeto específico do item seguinte.

2.2.3.1.2.1. JUSTA CAUSA REMOTA

Para a decretação do seqüestro, a justa causa remota encontra-se na prova da


existência de material do crime e indícios de autoria, tanto que o artigo 125 do Código de
Processo Penal estabelece que caberá o seqüestro dos bens imóveis, adquiridos pelo
“indiciado”. Igualmente o seqüestro sobre bens móveis, previsto no artigo 132 e decretado
nas mesmas condições previstas no artigo 125 do Código de Processo Penal.

Nem todo envolvido em inquérito policial é indiciado. Este é a pessoa sobre


quem se reuniram indícios230, meios de prova, que o façam passar da categoria de suspeito
da prática de determinada infração penal a indiciado.

O indiciamento, ato pelo qual o suspeito passa à categoria jurídica de indiciado,


deve ocorrer tão logo se reúnam os indícios, ou outros elementos de convicção, que

229
Nesse sentido, cf. Leslie Shérida Ferraz, Prisão preventiva..., op. cit., p. 70-71.
230
“Indício é todo rastro, vestígio, sinal e, em geral, todo fato conhecido devidamente provado, suscetível de
conduzir ao conhecimento de um fato desconhecido, a ele relacionado, por meio de um raciocínio indutivo-
dedutivo” (Maria Thereza Rocha de Assis Moura, A prova por indícios no processo penal, São Paulo,
Saraiva, 1994, p. 38).
61

incriminem o suspeito como praticante de ato ilícito e típico; se o conjunto probatório


incrimina o suspeito, revelando que sua conduta se desenha típica, antijurídica e culpável,
deve ele ser indiciado231.

Indispensável e necessário, portanto, desde quando reunida prova que aponte o


suspeito como provável autor do delito232, o indiciamento deve ser visto como um marco, a
partir do qual uma série de deveres e direitos podem ser exercidos233.

Entre as implicações trazidas pelo indiciamento, tem-se a possibilidade de


decretação do seqüestro234, como indicam os artigos 125 e 132, do Código de Processo
Penal.

Todavia, muito embora o Código de Processo Penal se refira várias vezes ao


indiciado (artigo 6º, incisos V, VIII, IX, artigos 10, 21, 23, 125), não cuida propriamente
do ato de indiciamento, deixando de prever o momento e a forma própria de realizá-lo235.
Não marca, a situação que o enseja, qual a forma que deve ter, quais as implicações, em
termos de direitos, que o indiciamento traz para o acusado236. Isto dificulta sobremaneira a
delimitação do momento a partir do qual o seqüestro pode ser decretado, bem como o

231
Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Inquérito policial: novas tendências, Belém, CEJUP, 1987, p. 40-42.
Indiciamento, porém, não é sinônimo de identificação ou de qualificação, direta ou indireta. Enquanto o
indiciamento responde à indagação de qual é o provável autor da infração penal, a identificação responde ao
questionamento de quem é tal pessoa, sendo então conseqüência do indiciamento. A qualificação, por fim,
diz respeito à individuação da pessoa mencionada no desenrolar na investigação, com a reunião dos dados
componentes da identidade civil da pessoa, como filiação, nome completo, data e local de nascimento etc.
(Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, A identificação processual penal e a Constituição de 1988, Revista dos
Tribunais, São Paulo, ano 77, n. 635, p. 172-183, set. 1988, p. 179; Mário Sérgio Sobrinho, A identificação
criminal, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2003, p. 101-102).
232
O indiciamento “não deve surgir como qual ato arbitrário, ou de tarifa, da autoridade, mas, sempre
legítimo. Não se funda, também, no uso de poder discricionário, visto que inexiste, tecnicamente, a
possibilidade legal de escolher entre indiciar ou não. A questão situa-se na legalidade estrita do ato. O
suspeito, sobre o qual se reuniu prova da infração, tem que ser indiciado. Já aquele que, contra si, possui
frágeis indícios, ou outro meio de prova esgarçado, não pode ser indiciado. Em outras palavras, a pessoa
suspeita da prática de infração penal passa a figurar como indiciada, a contar do instante em que no inquérito
policial instaurado se verificou a probabilidade real de ser o agente” (Sérgio Marcos de Moraes Pitombo,
Mais de cento e vinte e seis anos de inquérito policial: perspectivas para o futuro, Revista ADPESP –
Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo, São Paulo, ano 19, n. 25, p. 9-19, mar. 1998,
p. 17-19).
233
Fábio Konder Comparato, Comissões Parlamentares de Inquérito: limites. Revista Trimestral de Direito
Público, São Paulo, ano 2, n. 5, p. 66-74, 1994, 73.
234
Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Inquérito policial: novas tendências...,. cit., p. 42-45.
235
Por isso, com acerto, Projeto de Lei n.° 4.209/2001, em tramitação, regula o indiciamento, determinando,
no art. 8º, que reunidos os elementos informativos tidos como suficientes, a autoridade policial cientificará o
investigado, atribuindo-lhe, fundamentadamente, a situação jurídica de indiciado, com as garantias dele
decorrentes.
236
Nesse mesmo sentido, Aury Lopes Jr., Sistemas de investigação preliminar no processo penal, Rio de
Janeiro, Lumen Juris, 2001, p. 2, nota 49.
62

direito de defesa ser exercido – tirante, por óbvio, o caso de prisão em flagrante delito,
onde há relativa certeza visual ou presumida da autoria e deve ocorrer o imediato
indiciamento237.

Exatamente por isso, tem-se que, independentemente do formal indiciamento do


acusado, o seqüestro pode ser decretado, mas se deve, em contrapartida, assegurar ao
sujeito que teve seus bens constritos pela medida todos os direitos que seriam assegurados
ao indiciado, notadamente a garantia do exercício do direito de defesa.

A pessoa suspeita do cometimento de infração penal passa a figurar como


indiciada a partir do momento em que se lhe constata a probabilidade de ser o agente do
fato apurado. A circunstância de a autoridade policial, que dirige o inquérito policial, não
promover desde logo o indiciamento quando tal feixe de indícios já se encontra presente,
não pode ser causa de restrição de direitos do acusado, pelo não-indiciamento ou pelo
indiciamento tardio, ao fim do inquérito policial. Nem tampouco esta omissão pode
impedir a decretação judicial do seqüestro, quer ex officio, quer por requisição do
Ministério Público ou requerimento do ofendido.

Se há indícios de autoria, ainda que não tenha havido indiciamento, pode ser
decretada seqüestro, medida que restringe a fruição do direito de propriedade. A partir daí,
contudo, o suspeito adquire status equivalente ao de indiciado, posto que é tido, de fato,
como provável autor do delito.

Em síntese: melhor seria se a decretação do seqüestro ocorresse após o


indiciamento; mas, dada a inexistência de regulamentação legal sobre sua forma, tem-se
que o seqüestro pode ser decretado quando, provada a materialidade, o feixe de indícios
convergirem para determinada pessoa. A partir de então, porém, devem lhe ser garantidos
os direitos inerentes à condição de acusado, notadamente o direito de defesa. A acusação se
revela seja por ato formal (indiciamento), seja pela maneira como a pessoa é tratada, de
fato, ou pelas medidas que lhe são impostas.

237
Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Inquérito policial: novas tendências..., cit., p. 38-41. Afirma Aury
Lopes Júnior que “o grande problema está na mais absoluta imprecisão em torno ao nascimento da situação
de indiciado, principalmente quando não existe uma prisão cautelar. Em outras palavras, o CPP não define de
forma clara quando uma pessoa passa a ser considerada como indiciada e tampouco define claramente que
conseqüências endoprocedimentais produz o indiciamento” (Sistemas..., cit., p. 274).
63

Assim, para a decretação do seqüestro de bens, a justa causa remota reside no


encontro da prova da materialidade e indícios de autoria, o que pode ocorrer já no curso do
inquérito policial.

Quanto à especialização da hipoteca legal, o Código de Processo Penal exige,


igualmente, que haja “certeza da infração e indícios suficientes da autoria” 238. Mas não é
só. Dispõe, ainda, o artigo 134 do Código de Processo Penal que a medida “poderá ser
requerida pelo ofendido em qualquer fase do processo”, ou seja, a especialização da
hipoteca legal somente pode ser decretada sobre os bens imóveis daquele que é
formalmente acusado, em juízo, em ação penal em curso. A justa causa remota, para a
especialização da hipoteca legal, reside, pois, na necessidade de processo-crime instaurado,
onde se possa aferir a prova da existência material do delito e indícios de autoria.

Por fim, quanto ao arresto, é preciso igualmente que haja “certeza da infração e
indícios suficientes de autoria”239, tal como ocorre com a especialização da hipoteca legal,
quer porque o arresto prévio, previsto no artigo 136, do Código de Processo Penal,
assegura a especialização da hipoteca legal durante o lapso de tempo em que ainda não
houve o recebimento da acusação, não obstante o preenchimento dos demais pressupostos
que permitiriam a decretação da especialização da hipoteca, quer porque o arresto de bens

238
“Tal certeza significa ser verificável, pelo magistrado, a existência de infração penal, a simples ocorrência
do fato delituoso; o haver fato, que constitua crime. O dado, portanto, é, meramente, fático: inexistir dúvidas,
quanto à ocorrência, quanto ao evento. Indícios suficientes da autoria, como antes se disse, são os meios de
prova indireta que, apenas, bastem para o convencimento relativo. Surgem como suficientes à aparência, à
probabilidade de autoria, ao juiz” (Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Do seqüestro..., op. cit., p. 47). “O
pedido só terá cabimento se houver certeza da infração e indícios suficientes de autoria (art. 134 do CPP),
valendo, aqui, as considerações feitas em relação ao seqüestro e ao arresto no tocante à existência de indícios.
Não é preciso, portanto, que o juiz esteja convicto da autoria, mas é necessário que existam indícios que
bastem para um convencimento acerca da sua probabilidade” (Maria Thereza Rocha de Assis Moura,
Medidas assecuratórias, In: Alberto Silva Franco e Rui Stocco (coords.), Código de Processo Penal e sua
interpretação jurisprudencial: doutrina e jurisprudência, 2. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2005, v. 2,
p. 1514). Hélio Tornaghi critica, aqui, a redação legal, porque o Código de Processo Penal determina que a
hipoteca “poderá” ser requerida desde que haja certeza da infração etc. Não: o ofendido é livre de requerer o
que quiser, como quiser. O juiz é que não mandará inscrever se não houver certeza da infração. Esta certeza é
a do fato, é a da infração enquanto fato. Não é preciso que o juiz esteja convicto da culpa (lato sensu). Isso é
matéria para a sentença [...] não é necessária a certeza da responsabilidade. Basta a aparência desta. Toma-se
então a cautelar para assegurar a execução” (Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 39). Sebastião de
Oliveira Castro Filho, Medidas cautelares reais no processo penal brasileiro, Revista de Processo, São Paulo,
ano 7, n. 25, p. 145-180, jan.-mar. 1982, p. 166.
239
Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Do seqüestro..., op. cit., p. 57. Ainda: “A lei processual penal exige,
para a decretação do arresto, a certeza da infração e a presença de ‘indícios suficientes’ de autoria. De acordo
com a doutrina, os indícios suficientes situam-se entre os veementes e os mais leves, provocando estado de
convencimento relativo” (Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Medidas..., op. cit., p. 1509). Hélio
Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 49. Sobre a necessidade de certeza da materialidade do delito para a
decretação do arresto subsidiário ou complementar, cf. TJSP – 4a C. – AP n.° 313.629-3/9 – Rel. Des. Hélio
de Freitas – DJ de 27.03.2002.
64

móveis, previsto no artigo 137, do Código de Processo Penal, é subsidiário e complementar


à especialização da hipoteca legal, que recai unicamente sobre bens imóveis.

Assim, para a decretação do arresto prévio, do artigo 136 do Código de Processo


Penal, a justa causa remota encontra-se na “prova da existência do crime e indícios de
autoria”, ocorrentes antes do recebimento da denúncia. Volta-se a bens imóveis, que ainda
não podem ser objeto de especialização da hipoteca legal porque não há denúncia ou
queixa-crime recebida. Em razão desta precariedade, todavia, o Código de Processo Penal
prevê que o arresto será levantado caso a acusação não seja recebida em 15 (quinze) dias.

Quanto ao arresto de bens móveis, tal como para a especialização da hipoteca


legal, cuja disciplina lhe é aplicável, por força do disposto no artigo 137, caput, do Código
Penal, a justa causa remota reside na necessidade de processo-crime instaurado, onde se
possa aferir a prova da existência material do delito e indícios de autoria. Além disso,
ainda na justa causa remota, é preciso que se comprove a falta ou insuficiência de bens
imóveis, ou a existência de gravame sobre os bens imóveis encontrados no patrimônio do
acusado, porque o arresto de bens móveis é medida subsidiária e complementar, e ainda
mais onerosa do que a própria especialização de hipoteca, porque retira do acusado a posse
do bem240.

Note-se, portanto, que há previsão de pluralidade de medidas, cada qual com justa
causa própria, que autoriza cada uma delas.

O que é falha no Código de Processo Penal, em verdade, é a disciplina acerca da


justa causa próxima, como será analisado no item 2.2.5. Não se varia – porque em verdade
nem mesmo se prevê – o grau de perigo e da urgência necessária para a decretação das
medidas de especialização da hipoteca legal e arresto241, o que deveria ocorrer, em razão
do próprio custo da medida restritiva242. O que se previu, em verdade, foi apenas a justa
causa remota, o fumus commissi delicti.

Assim, os pressupostos para a decretação das medidas cautelares pessoais,


previstos no artigo 312, do Código de Processo Penal – prova da existência do crime e
indícios de autoria –, valem também para as medidas cautelares patrimoniais. Às vezes,

240
Sebastião de Oliveira Castro Filho, Medidas cautelares..., op. cit., p. 172.
241
“O periculum in mora é, em primeira instância, a verdadeira causa ou fundamento que autoriza a adopção
de qualquer medida cautelar, contudo, o legislador pode graduar ou qualificar o tipo de periculum in mora
que merece proteção” (Isabel Celeste M. Fonseca, Introdução..., op. cit., p. 115).
242
Gaetano Foschini, Sistema..., op. cit., v. 1, p. 507
65

porém, acrescem-lhes outros243, como a necessidade de denúncia ou queixa recebida, no


caso da especialização da hipoteca legal e do arresto de móveis. Isto é avaliado como justa
causa remota. No caso de seqüestro, em que os bens são, na origem, ilícitos, os
pressupostos e requisitos são mais elásticos: pode-se decretar a medida já no curso do
inquérito policial, sem necessidade de denúncia ou queixa recebida, ou em vias de ser
recebida. No caso da hipoteca, somente pode ser especializada no curso da ação penal244 e
o arresto prévio é levantado, caso a acusação não seja recebida dentro do prazo de 15
(quinze) dias, depois da sua decretação.

De acordo com a medida cautelar patrimonial a ser imposta, os pressupostos são


variáveis: os critérios são elásticos, expansivos, extensivos, conforme a medida cautelar
patrimonial apropriada para o caso.

2.2.3.2. REQUISITOS: JUSTA CAUSA PRÓXIMA

Avaliados os pressupostos, ou seja, os antecedentes necessários à decretação da


medida cautelar processual penal, necessária, ainda, a verificação dos requisitos, ou seja,
das condições impostas ou reclamadas para a adoção de cada uma das medidas. Esta seria a
justa causa próxima, que pode dizer com a urgência da medida.

Para a decretação de medidas cautelares pessoais, a justa causa próxima encontra-


se na necessidade de se assegurar a aplicação da lei penal ou a instrução do processo245.

243
Paola Balducci, Il sequestro..., op. cit., p. 144.
244
Ao tratar das medidas cautelares no processo penal, Gimeno Sendra sintetiza que “por tales medidas cabe
entender las resoluciones motivadas del órgano jurisdiccional, que pueden adoptarse contra el presunto
responsable de la acción delictuosa, como consecuencia, de un lado, del surgimiento de su cualidad de
imputado y, de otro, de la fundada probabilidad de su ocultación personal o patrimonial en el curso de un
procedimiento penal, por las que se limita provisionalmente la libertad ou la libre disposición de sus bienes
con el fin de garantizar los efectos, penales e civiles, de la sentencia” (Almagro Nosete, Gimeno Sendra,
Moreno Catena e Cortés Dominguez, Derecho procesal. Proceso penal, Valencia, Tirant lo Blanch,1992, v.
2, p. 345).
245
“É que a prisão preventiva, em sentido estrito – tanto quanto a temporária, em flagrante delito, em virtude
de pronúncia e a emergente em condenação recorrível – exsurgem todas dotadas de especial caráter cautelar.
Cifram-se no assegurar resultado proveitoso do processo de conhecimento, de índole condenatória. Dele são
instrumentos necessários e transitórios. Nascem e se conservam da e na precisão e utilidade, submetendo-se
ao due process of law (art. 5º, inc. LIV, da Const. da República), respeitada a proporcionalidade da medida.
A chamada presunção de inocência – em verdade status de inocência, posto que inexiste ilação a tirar, para
firmar fato desconhecido – não impede, de modo isolado, a tutela cautelar processual penal, por óbvio (art.
5º, inc. LVII, da Const. da República) . Não consiste a prisão, dita provisória, em antecipada admissão da
culpabilidade do suspeito, indiciado ou acusado. Nem jamais hão de servir as prisões processuais como
iníquas formas antecipadoras de castigo. A ação penal condenatória exsurge, em si mesmo, sancionatória;
66

Nas medidas cautelares patrimoniais, a justa causa próxima encontra-se na


necessidade de se assegurar efeito automático de eventual e futura decisão condenatória
transitada em julgado, que se vê ameaçado, tanto assim que sua disciplina se encontra sob
a rubrica “medidas assecuratórias”.

No que se refere ao seqüestro, a justa causa próxima encontra-se na “existência


de indícios veementes da proveniência ilícita dos bens”, o que é previsto no artigo 126, do
Código de Processo Penal246. O Código de Processo Penal Militar é ainda mais claro,
porque, no artigo 200, sob a rubrica “requisito para o seqüestro”, prevê exatamente que,
“para a decretação do seqüestro é necessária a existência de indícios veementes da
proveniência ilícita dos bens”.

Os indícios “surgem veementes, quando intensos, fortíssimos; capazes, pois, de


provocar estado de quase certeza”247. A expressão indício veemente, utilizada pelo Código
de Processo Penal, é, assim, resquício do sistema das provas legais248, e bastaria, portanto,
referir-se a indício249, sem adjetivá-lo.

O seqüestro, além de assegurar a reparação do dano, volta-se também ao


perdimento de bens (artigo 91, inciso II, b e artigo 133, do Código de Processo Penal),
porque recai sobre proveitos da infração. Por isso, a justa causa próxima, para o seqüestro,
reside nos indícios de que se trata de bem obtido com o produto da infração penal. Não
haveria necessidade de comprovação de depauperamento ou dispersão de bens; a
constatação indiciária de que o sujeito transformou o produto direto do delito em proveito
da infração é o quanto basta a justificar decretação do seqüestro.

abstração de seu resultado final. O acusado sofre o processo, ainda que termine absoluto. Descabido lhe
piorar a situação e sem justa causa”. (Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Prisão preventiva..., op. cit.).
246
“O indício constitui o elemento mínimo, sem o qual não se pode seqüestrar bens. Por indícios veementes a
doutrina entenda aqueles que sejam intensos, fortíssimos, capazes de provar estado de quase-certeza” (Maria
Thereza Rocha de Assis Moura, Medidas assecuratórias, In: Alberto Silva Franco e Rui Stoco (coords.),
Código de Processo Penal e sua interpretação jurisprudencial: doutrina e jurisprudência, 2. ed., São Paulo,
Revista dos Tribunais, 2005, v. 2, p. 1490-1491). Mas os indícios veementes são suficientes unicamente para
a decretação do seqüestro; para a perda total da propriedade ou posse, necessária decisão condenatória com
trânsito em julgado: “enquanto para efetivar-se a desapropriação será preciso provar a origem criminosa dos
recursos que possibilitaram a aquisição do bem, para a decretação do seqüestro bastam indícios veementes de
que o bem se originou do produto do crime” (João Gualberto Garcez Ramos, A tutela de urgência no
processo penal brasileiro: doutrina e jurisprudência, Belo Horizonte, Del Rey, 1998, p. 291).
247
Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Do seqüestro..., op. cit., p. 30.
248
Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 21.
249
Maria Thereza Rocha de Assis Moura, A prova por indícios no processo penal, São Paulo, Saraiva, 1994,
p. 101.
67

O Código de Processo Penal se refere à justa causa remota para a decretação das
demais medidas, des especialização da hipoteca legal e arresto. É, contudo, falho, por não
se referir expressamente à justa causa próxima para a tomada destas medidas. Poderia se
dizer, em uma interpretação muito condescendente, que a justa causa próxima poderia ser
inferida da rubrica “medidas assecuratórias” – porque somente se assegura aquilo que
corre risco. O periculum in mora constituiria, simplesmente, a ratio da norma que as
estabelece250.

Mas, por não estar expressa, corre-se o risco de atribuir ao juiz, investido do
pedido de decretação das medidas de arresto e especialização da hipoteca legal, poder
discricionário muito amplo, que contrasta com o que é esperado em matéria de medidas
cautelares, que seria a tipificação de parâmetros para a incidência da constrição. Os
pressupostos das medidas pessoais, por exemplo, permitem verificar se o legislador foi
mais ou menos rigoroso na previsão de aplicação das medidas, restritivas de direitos
fundamentais. Da forma como redigido o Código de Processo Penal, todavia, não se
indicam, explicitamente nem implicitamente, quais requisitos o legislador deveria exigir,
de maneira estrita, para a decretação das medidas cautelares patrimoniais de arresto e
especialização da hipoteca legal251.

Por isso, andou bem o Código de Processo Penal Militar, ao dispor que podem ser
arrestados bens imóveis, “para evitar artifício fraudulento que os transfira ou grave, antes
da inscrição e especialização da hipoteca legal”, e bens móveis, se representarem valor
apreciável, e o acusado “para tentar ocultá-los ou deles tentar realização tradição que
burle a possibilidade da satisfação do dano” (artigo 215, a e b, do Código de Processo
Penal Militar).

É dever do intérprete, portanto, precisar o significado que a lacônica referência a


medidas assecuratórias significa, buscando o elemento que legitime a adoção da cautelar
real. Caso contrário, haveria uso indiscriminado de tais medidas, restritivas de direitos
fundamentais.

Por isso, sugere-se, como já visto no item 2.2.2., que a justa causa próxima, para
a decretação das medidas de especialização da hipoteca legal e arresto, que visam

250
Aury Celso Lima Lopes Jr., Medidas cautelares no direito processual penal espanhol, São Paulo, Revista
de Processo, ano 23, n. 89, p. 158-190, jan.-mar. 1998, p. 185.
251
As mesmas críticas, mas no tocante ao seqüestro preventivo no sistema italiano, foi feita por Paola
Balducci, Il sequestro..., op. cit., p. 134.
68

primordialmente à reparação do dano causado pelo delito, possa ser buscada pela análise,
feita pelo juiz, de ocorrência de fraude à execução, aplicando-se subsidiariamente o Código
de Processo Civil, ou, ainda, o Código de Processo Penal Militar. Se não se tipifica na lei,
nem se exige apreciação concreta do julgador destes requisitos, não haveria relevância
concreta que pudesse ser aferida para conceder ou denegar a medida.

2.3. CARACTERÍSTICAS: INSTRUMENTALIDADE E PROVISORIEDADE

As medidas cautelares apresentam duas características fundamentais, elementos


essenciais e indispensáveis à sua caracterização: instrumentalidade e provisoriedade252.

A instrumentalidade é nota que constitui uma das características mais peculiares e


significativas das medidas cautelares: não são um fim em si mesmas253, mas estão
preordenadas a uma resolução futura, cuja possibilidade de execução prática asseguram
preventivamente254.

Voltadas a tutelar os interesses civis nascentes do delito, as cautelares


patrimoniais são instrumentais em relação à decisão definitiva, que, se condenatória, torna
certa a obrigação de reparar o dano255.

252
Gaetano Foschini, Sistema..., op. cit., v. 1, p. 501. No mesmo sentido, dizendo que estes são elementos
indispensáveis das cautelares, cf. Romeu Pires de Campos Barros, Processo..., op. cit., p. 44. E, ainda,
Sydney Sanches, Poder cautelar geral do juiz (no processo civil brasileiro). São Paulo, Revista dos
Tribunais, 1978, p. 29-32. Mariangela Montagna, I sequestri..., op. cit., p. 11.
253
Piero Calamandrei, Introduzione..., op. cit., p. 21. “Por outro lado – e nisso reside a instrumentalidade – as
providências cautelares não são um fim em si, mas um meio de assegurar a execução das definitivas. O
arresto dos bens do devedor, v. g., é o meio de evitar que ele desvie os bens que hão de ser penhorados,
vendidos, etc.” (Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 5). Ainda, Jaume Solé Riera, La tutela..., op.
cit., p. 124.
254
Piero Calamandrei, Introduzione..., op. cit., p. 21-22. As medidas cautelares podem ser conservativas ou
preventivas, ou antecipatórias (Gaetano Foschini, Sistema..., op. cit., v. 1, p. 501; Alfredo de Araújo Lopes da
Costa, Medidas preventivas..., op. cit., p. 17), sendo, neste caso específico, conservativa (Gaetano Foschini,
Sistema..., op. cit., v. 1, p. 506). A cautelar “consiste em conservar uma situação atual impedindo que esta se
modifique durante o tempo necessário ao desenvolvimento do processo e assim no assegurar a permanência
até o momento em que servirá a tornar possível ou eficaz a futura ação situação processual. Não é uma
função exclusiva mas prevalente, podendo sob outro aspecto a mesma cautelar ter ainda função preventiva
isto é antecipativa dos efeitos da futura situação processual” (Gaetano Foschini, Sistema..., op. cit., v. 1, p.
512). Bedaque sustenta que “a característica mais marcante da tutela cautelar, portanto, é acessoriedade ou
instrumentalidade, presente quer na modalidade conservartiva, quer na antecipatória” (José Roberto dos
Santos Bedaque, Tutela cautelar..., op. cit., p. 145). Verifica-se, ainda, que a medida cautelar é preventiva,
enquanto a definitiva é repressiva. E, ainda, que é assecuratória, enquanto a principal é alienatória (Antonio
de Macedo Campos, Medidas..., op. cit., p. 5).
255
“As medidas cautelares são instrumentos do processo. Galeno Lacerda ensina que ‘instrumento não é,
assim, nem adjetivo ou qualidade, nem forma da matéria que modele ou defina, mas ente ontologicamente
69

Existem, assim, diversos termos para expressar esta relação entre a medida
cautelar e a decisão definitiva da causa a que está preordenada: subsidiariedade,
relatividade, acessoriedade ou vicariedade256.

Trata-se, em verdade, de uma “instrumentalidade qualificada, elevada ao


quadrado”257; a medida cautelar é um “instrumento do instrumento” 258, porque é meio que
se destina a assegurar outro meio de tutela – o processo259. Deste modo, no âmbito jurídico,
é possível distinguir tutela imediata e tutela mediata, formada por instrumento de que a
primeira se serve para atender plenamente à sua própria função260.

Quanto às cautelares patrimoniais, encontram seu fundamento e justificativa na


necessidade de garantir preventivamente a eficácia do efeito civil decorrente da decisão
definitiva da causa261, evitando que se tenham diminuído, ou inclusive desaparecido, os
bens que devem assegurar a reparação do dano decorrente do ilícito, efeito automático da
decisão condenatória transitada em julgado.

Nas medidas cautelares penais patrimoniais está presente, portanto, a


característica típica da instrumentalidade, em razão da clara dependência que guardam em
relação à decisão definitiva da causa, dependência evidenciada pelo fato de que estas
medidas ou bem se extinguem, no caso de a decisão final ser absolutória ou extintiva da
punibilidade, ou, em caso de decisão condenatória, se transmudam, tornando-se definitivas
e podendo então ser executadas262.

distinto, embora a esta vinculado por um nexo de causalidade’” (Rogério Lauria Tucci et al.,
Sistematização..., op. cit., p. 117-118). Ainda, “la strumentalità rappresenta per la dottrina del processo civile
il carattere tipico dei provvedimenti cautelari che si ritengono immancabilmente preordinati all’emanazione
di un ulteriore provvedimento definitivo (provvedimento principale) del quale mirano a garantire la
fruttuosità pratica” (Ennio Amodio, Le cautele..., op. cit., p. 25-26).
256
Coral Arangüena Fanego, Teoría..., op. cit., p. 72. Isabel Celeste M. Fonseca, Introdução..., op. cit., p. 86-
87.
257
Piero Calamandrei, Introduzione..., op. cit., p. 22. Calamandrei fala em instrumentalidade hipotética:
instrumentalidade, porque a medida é concedida com o fim de assegurar a efetividade da sentença do
processo principal; e hipotética porque se funda em juízo de probabilidade quanto à existência do direito que
é protegido, objeto do processo principal (Piero Calamandrei, Introduzione..., op. cit., p. 58). No mesmo
sentido, cf. Isabel Celeste M. Fonseca, Introdução..., op. cit., p. 90 e Humberto Theodoro Junior, Processo...,
op. cit., p. 52.
258
Piero Calamandrei, Introduzione..., op. cit., p. 21. Mariangela Montagna, I sequestri..., op. cit., p. 10.
259
“As cautelares são instrumentos que sevem precisamente a garantir esta correspondência entre a forma
abstrata do processo e a sua matéria concreta” (Gaetano Foschini, Sistema..., op. cit., v. 1, p. 500).
260
Mariangela Montagna, I sequestri..., op. cit., p. 10.
261
Gaetano Foschini, Sistema..., op. cit., v. 1, p. 499-500.
262
Jaume Solé Riera, La tutela..., op. cit., p. 124.
70

Por isso, à instrumentalidade se liga a provisoriedade, porque a medida cautelar


perde a eficácia no momento da emanação da decisão definitiva263.

Para Calamandrei, a provisoriedade contém a idéia de temporariedade, mas não


coincide com este conceito, por ser este mais restrito. Temporal é aquilo que simplesmente
não dura sempre, o que, independentemente de sobrevir outro evento, tem por si mesmo
duração limitada. Provisório é o que está destinado a durar até que sobrevenha evento
sucessivo, em vista e atenção ao qual o estado de provisoriedade permanece durante este
tempo264. Por esta razão, Calamandrei prefere, para caracterizar as cautelares, o uso do
termo provisoriedade, ou interinidade, a temporariedade265, porque temporário é apenas o
que dura determinado tempo266.

Provisoriedade seria, então, temporariedade condicionada à verificação de


situação futura267.

Esta situação futura pode ser dada pela medida definitiva268, ou então por evento
que retire a instrumentalidade da medida cautelar269, ou seja, a medida deve durar enquanto

263
Ugo Dinacci, Sequestro..., op. cit., p. 28. Em verdade, como assinala Humberto Theodoro Júnior, as
medidas cautelares “estão destinadas a ser absorvidas ou substituídas pela solução definitiva do mérito”
(Humberto Theodoro Júnior, Processo..., op. cit., p. 53). “La provvisorietà è concepita como limitazione
della durata degli effetti del provvedimento cautelare recollegata non già al modo di formazione del
provvedimento, ma alla natura stessa del rapporto cui esso dà vita, destinato ad esaurirsi nel momento in cui
sarà emanata la pronuncia sul merito della controversia. E ciò tanto nel caso in cui venga accertata
l’inesistenza del diritto a cautela del quale è stato emanato il provvedimento, tanto nel caso inverso. Infatti
nella prima evventualità viene smentita quella ipotese di fondatezza della pretesa posta a base della misura
cuatelare, mente l’accertamento del diritto cautelato comporta, col subentrare del provvedimento principal,
l’inutilità della misura preventiva” (Ennio Amodio, Le cautele..., op. cit., p. 26).
264
Temporariedade é um conceito que se relaciona a um fato de duração limitada no tempo, desvinculado da
superveniência de um evento futuro, enquanto a primeira locução faz referência a um fenômeno cujos efeitos
se produzem até que sobrevenha um evento sucessivo até o qual o estado de provisoriedade permanece, nesse
meio tempo. Nesse sentido, cf. Piero Calamandrei, Introduzione..., op. cit., p. 136. Mario D’Onofrio, Il
sequestro..., op. cit., p. 15-17. Mario Garavelli, Il sequestro..., op. cit., p. 84.
265
Piero Calamandrei, Introduzione..., op. cit., p. 10-12. No mesmo sentido, cf. Mariangela Montagna, I
sequestri..., op. cit., p. 11.
266
“‘Provisório’, porém, é o que, por algum tempo, serve até que venha o ‘definitivo’. O temporário se define
em absoluto, apenas em face do tempo; ‘provisório’, além do tempo, exige a previsão de outra cousa em que
se sub-rogue. [...] O provisório é sempre trocado por um definitivo” (Alfredo de Araújo Lopes da Costa.
Medidas preventivas..., op. cit., p. 16). Ainda, “A temporariedade de uma situação somente, isto é, a sua
duração limitada no tempo, não é suficiente para caracterizá-la como provisória, e assim como cautelar,
sendo necessário que o limite dessa duração seja em função do surgimento ou não de uma outra situação, a
qual, com a sua relevância jurídica, absorva por si aquela cautelar, ou a faça cessar” (Romeu Pires de
Campos Barros, Processo..., op. cit., p. 45-46). Ainda, Mariangela Montagna, I sequestri..., op. cit., p. 11.
267
Coral Arangüena Fanego, Teoría..., op. cit., p. 80.
268
“Se, porventura, a sentença penal for absolutória, ou julgada extinta a punibilidade pela prescrição ou por
outra qualquer causa, desde que tais decisões se tornem inimpugnáveis, as providências cautelares tomadas
na Justiça repressiva se desfazem, como se vê pela redação do art. 141 do CPP. Nada impede, contudo,
dependendo do fundamento da absolvição ou da causa que motivou a extinção da punibilidade, possa a
71

dure a situação de perigo270, subsistentes também seus pressupostos. Se, v.g., o dano vier a
ser integralmente reparado no curso da persecução penal, a especialização da hipoteca
legal não se mantém. Ademais, novas diligências podem levar ao desaparecimento da
possibilidade de se considerar autor do delito o sujeito sobre cujos bens se decretou a
medida, ou, ainda, outro suspeito pode despontar das investigações. Nestes casos, a medida
cautelar também não se mantém.

Por isso, junto à provisoriedade, ou até mesmo fazendo parte dela, está situada a
revogabilidade271. Isto significa que as medidas podem ser modificadas ou revogadas
durante o processo pelo órgão jurisdicional, atendendo à variação das circunstâncias que
foram tomadas em conta pelo juízo no momento da sua decretação272, e, até mesmo, em
razão do postergado exercício do direito de defesa273. A medida subsiste, então, enquanto
se faz necessária à assecuração do efeito automático de eventual decisão penal
condenatória274.

vítima ingressar com a ação civil, nos termos do art. 64 do CPP, na Justiça Cível e, aí, nada obsta, uma vez
entrevisto o periculum in mora, sejam requeridas medidas cautelares, de acordo com os arts. 796 e s. do
diploma processual civil” (Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo..., op. cit., v. 3, p. 28). Assim, as
medidas cautelares patrimoniais se mantêm até o momento em que haja decisão definitiva sobre a causa,
quando então são substituídas ou desaparecem. O conceito de provisoriedade supõe que os efeitos derivados
das medidas cautelares têm duração limitada no tempo: com a decisão definitiva sobre a causa, as cautelares
ou se extinguem definitivamente, caso a decisão seja absolutória, ou se transformam em medidas executivas,
caso haja condenação firme, mas, como cautelares, não mais subsistem.
269
“Medida cautelar não se reveste de caráter definitivo, durando apenas determinado espaço de tempo,
cessando seus efeitos não só pelo advento da decisão definitiva proferida no processo principal, mas desde
que ocorra a ausência de qualquer dos seus pressupostos, por ex.: não subsistir periculum in mora” (Romeu
Pires de Campos Barros, Processo..., op. cit., p. 45).
270
Ovídio A. Baptista da Silva, Do processo..., op. cit., p. 86.
271
“Decorrência natural da provisoriedade da cautelar é a possibilidade de revogação, caso no curso do
processo surjam novos elementos que revelem o não cabimento da medida. Como a concessão da tutela
cautelar pressupõe cognição superficial, pode ocorrer que a dilação probatória inerente à tutela definitiva
afaste a plausibilidade do direito. Também é possível que o perigo de ineficácia do provimento final deixe de
existir. Tais circunstâncias, surgidas após a concessão da medida provisória, revelam o seu não cabimento e
acarretam sua revogação” (José Roberto dos Santos Bedaque, Tutela cautelar..., op. cit., p. 150).
272
Rogério Lauria Tucci et al., Sistematização..., op. cit., p. 104. Ainda, Humberto Theodoro Júnior,
Processo..., op. cit., p. 54. A medida deve se manter adequada, sem causar prejuízos desnecessários a quem é
por ela afetado (Roland Arazi, Medidas cautelares, Buenos Aires, Editorial Astrea, 1997, p. 31.
273
Roland Arazi, Medidas..., op. cit., p. 6.
274
Ou, como prefere Mariangela Montagna, enquanto há periculum in mora (Mariangela Montagna, I
sequestri..., op. cit., p. 13).
72

A revogabilidade, pois, situa-se junto à provisoriedade275. As cautelares


caracterizam-se, assim, pela (i) duração limitada, resolúvel, reversível, no tempo e (ii) pela
possibilidade de revogação276.

Enquanto o principal é definitivo, o cautelar é provisório, sendo tipicamente


instrumental, porque visa a garantir a integridade do principal277. De fato, definitiva é tão-
só a sentença firme, de fundo, e não a medida cautelar. Esta é provisória e, portanto,
também revogável, mesmo porque é preciso temperar a excepcionalidade e a gravidade
que a invasão da esfera individual, ainda que patrimonial, decorrente da medida cautelar,
implica278. E, mesmo porque não há certeza sobre o juízo da causa, e sim plausibilidade
para a decretação da cautelar, as medidas devem ser revogáveis279, e reversíveis, sob o
ponto de vista do direito280.

O problema reside, todavia, em saber se, não obstante instrumentais e provisórias,


o melhor a fazer é não fixar lapso de tempo para sua duração ou, ao contrário, limitar
temporalmente tais medidas. Foschini dizia que, em razão da instrumentalidade e da
provisoriedade, a duração da cautelar “não é prefixada em função de um simples lapso de
tempo, mas sempre em função de verificar-se ou não uma sucessiva situação processual
durante o dito lapso de tempo”281. A duração destas medidas deveria ficar, assim,
dependente do pleno atingimento desta função, não fazendo sentido limitá-la a duração
pré-determinada. O legislador, todavia, às vezes tem em conta que esta restrição temporal
seria desejável em situações-limite (como hoje ocorre nos casos previstos nos artigos 131,
inciso I e 136, do Código de Processo Penal, e no artigo 4º, § 1º, da Lei n.° 9.613/98), em
razão da própria gravidade da medida cautelar patrimonial imposta.

275
“Como instrumentos para garantia contra perigo de dano grave, as medidas devem ser revogadas quando
tal perigo desapareça; e, portanto, são provisórias; e seus efeitos devem ser reversíveis, não se admitindo
possam implicar, em regra, alteração definitiva dos direitos atingidos. A revogabilidade é elemento do
controle jurisdicional justo, conforme ensinamento de Rogério Lauria Tucci” (Rogério Lauria Tucci et al.,
Sistematização..., op. cit., p. 119).
276
“Com efeito, como instrumentos para garantia contra perigo de dano grave, as medidas devem ser
revogadas quando tal perigo desapareça; e, portanto, são provisórias, e seus efeitos devem ser reversíveis,
não se admitindo possam implicar, em regra, alteração definitiva dos direitos atingidos. A revogabilidade é
elemento do controle jurisdicional justo, conforme ensinamento de Rogério Lauria Tucci” (Rogério Lauria
Tucci et al., Sistematização..., op. cit., p. 119).
277
Antonio de Macedo Campos, Medidas..., op. cit., p. 5.
278
Coral Arangüena Fanego, Teoría..., op. cit., p. 84.
279
Humberto Theodoro Júnior, Processo..., op. cit., p. 66.
280
Isabel Celeste M. Fonseca, Introdução..., op. cit., p. 97.
281
Gaetano Foschini, Sistema..., op. cit., v. 1, p. 506.
73

Os provimentos cautelares são, assim, limitados no tempo e revogáveis. A esta


nota dá-se o nome de provisoriedade ou interinidade282.

2.4. LIMITES

As medidas cautelares patrimoniais incidem sobre direitos constitucionalmente


assegurados, como o direito à propriedade e à liberdade de iniciativa econômica283.

Porque restringem direitos assegurados constitucionalmente – patrimônio,


propriedade, posse –, é necessária a análise das relações estabelecidas entre as medidas
cautelares patrimoniais e as garantias individuais no processo, em especial a
proporcionalidade, o direito de defesa e a motivação das decisões judiciais. Tais garantias
limitam a atuação judicial, impedindo a discricionariedade na adoção das medidas
cautelares. Devem ser asseguradas, no iter procedimental, todas as garantias ínsitas ao
devido processo legal284.

2.4.1. PROPORCIONALIDADE

Além de típica, como já vimos, é preciso que a medida cautelar patrimonial seja
também proporcional285, em razão das graves conseqüências advindas da sua tomada286.

282
“O que realmente caracteriza as providências acautelatórias e as distingue das demais é o fato de elas
serem provisórias e instrumentais. Destinam-se a vigorar enquanto não se tomam as definitivas, e nisso
consiste sua provisoriedade. Assim, por exemplo, a apreensão da res furtiva é provisória e a restituição dela
ao legítimo dono definitiva. A interdição de direito na fase da instrução é provisória e a aplicada na sentença
condenatória é definitiva desde o trânsito em julgado. O seqüestro dos bens adquiridos com os proventos da
infração é provisória e a venda dos bens em leilão e consecutivos pagamentos e recolhimentos são
definitivos” (Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 5).
283
Mariangela Montagna, I sequestri..., op. cit., p. 49.
284
“Após a vigência da CF/88 o seqüestro autorizado pelos arts. 125 e 126, do CPP, está submetido ao
devido processo legal. Há, assim, necessidade de se instaurar procedimento sumaríssimo onde se permita a
defesa do proprietário do bem. A decisão há de ser fundamentada e vinculada aos fatos demonstrados no
referido procedimento” (TRF 5ª R – MS n.° 44.760 – Rel. Des. José Delgado – DJ de 28.07.1995).
285
“Uma lei restritiva, mesmo adequada e necessária, pode ser inconstitucional, quando adote ‘cargas
coativas’ de direitos, liberdades e garantias ‘desmedidas’, ‘desajustadas’, ‘excessivas’ ou ‘desproporcionais’,
em relação aos resultados obtidos” (Joaquim José Gomes Canotilho, Direito constitucional, 4. ed., Coimbra,
Almedina, 1989, p. 488).
286
Exatamente por isso, “o princípio da proporcionalidade tem seu principal campo de atuação no âmbito dos
direitos fundamentais, enquanto critério valorativo constitucional determinante das máximas restrições que
podem ser impostas na esfera individual dos cidadãos pelo Estado, e para consecução de seus fins. Assim,
integra uma exigência ínsita no Estado de Direito enquanto tal, que impõe a proteção do indivíduo contra
intervenções estatais desnecessárias ou excessivas que gravem o cidadão mais do que o indispensável para a
74

As medidas cautelares patrimoniais, porque restritivas da plena fruição da


propriedade, direito individual, são de concessão excepcional. Não devem ser tomadas
somente por sua utilidade ao processo ou por estarem presentes os seus pressupostos e
requisito, mas é necessário, ainda, que sua decretação esteja conforme as especificações do
devido processo penal.

A proporcionalidade é, desta forma, modo de obstar o excesso de tutela cautelar.


A medida deve ser proporcional ao seu escopo, ao seu objetivo, sob pena de se tornar
iníqua, injusta.

Legislações que passaram por reforma recente, como a portuguesa e a italiana,


consagram expressamente a proporcionalidade como critério a ser observado na adoção da
medida cautelar no processo penal. Em Portugal, o Código de Processo Penal é explícito:
no artigo 193, 1, estabelece que “as medidas de coação e de garantia patrimonial a aplicar
em concreto devem ser adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e
proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser
aplicadas”, dispondo, ainda, no item 2, que a prisão preventiva somente pode ser aplicada
quando as outras medidas de coação se mostrarem inadequadas ou insuficientes.

O Código de Processo Penal italiano, ao cuidar dos critérios de escolha da medida


cautelar pessoal, igualmente prevê, no artigo 275, que o juiz, ao dispor da medida, deve ter
em conta a específica idoneidade de cada uma em relação à natureza e ao grau de
exigências cautelares a satisfazer no caso concreto, sendo que cada medida deve ser
proporcional ao fato e à sanção, e, por fim, a prisão cautelar só pode ser imposta quando as
outras medidas resultarem inadequadas.

A proporcionalidade não é regra explícita no ordenamento constitucional


brasileiro, mas um princípio geral de direito, que norteia a hermenêutica da Constituição e
permeia, pois, todo o sistema287. Assim, é possível extrair a proporcionalidade da
expressão contida já no caput do artigo 1º, da Constituição da República: Estado
Democrático de Direito288; constatá-la a partir do reconhecimento da dignidade da pessoa
humana (artigo 1º, inciso III, da Constituição da República), do princípio da igualdade

proteção dos interesses públicos” (Mariângela Gama de Magalhães Gomes, O princípio da


proporcionalidade no direito penal, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2003, p. 35).
287
Mariângela Gama de Magalhães Gomes, O princípio da proporcionalidade..., op. cit., p. 61-62.
288
“O princípio da proporcionalidade comporta um juízo de ponderação entre os interesses individuais dos
cidadãos e os interesses da coletividade, a ser efetuado a partir de uma hierarquia de valores que o legislador
deve respeitar” (Mariângela Gama de Magalhães Gomes, O princípio da proporcionalidade..., op. cit., p. 63).
75

(artigo 5º, caput, da Constituição da República), da proibição de penas cruéis e degradantes


(artigo 5º, inciso III, da Constituição da República), da proporcionalidade do direito de
resposta (artigo 5º, inciso V, da Constituição da República), e, por fim, e mais de perto
ligado às medidas cautelares patrimoniais, do devido processo legal (artigo 5º, inciso LIV,
da Constituição da República)289.

Daí a importância da verificação das três exigências, ou máximas, parciais que


compõem o conceito de proporcionalidade: adequação – ou idoneidade –, necessidade e
proporcionalidade em sentido estrito290.

2.4.1.1. ADEQUAÇÃO

Quanto à adequação, ou idoneidade, cuida-se de averiguar a relação medida-fim,


ou seja, a aptidão e conformidade da cautelar com os fins que justifiquem a sua adoção. A
medida cautelar se legitima quando é capaz de produzir o resultado esperado, ou seja,
quando se mostra adequada e idônea para proteger o direito que está ameaçado em
concreto291.

Pressupõe, então, que se sabia, conceitualmente, o que meio e fim significam, e


se identifique, de forma clara, o meio e o fim que estruturam a restrição ao direito
fundamental292.

A adequação, todavia, limita-se a este juízo de idoneidade, e nada diz sobre qual é
o meio mais, ou menos, eficaz, que deve nortear a escolha da medida, entre as igualmente
idôneas.

289
Todos apontados por Mariângela Gama de Magalhães Gomes, O princípio da proporcionalidade..., op.
cit., p. 61-72.
290
Tais fases foram estabelecidas a fim de se criar um procedimento transparente, racional e controlável, de
aferição da proporcionalidade. Cf. Mariângela Gama de Magalhães Gomes, O princípio da
proporcionalidade..., op. cit., p. 78.
291
Mariângela Gama de Magalhães Gomes, O princípio da proporcionalidade..., op. cit., p. 126. Rogério
Schietti Machado Cruz, Prisão cautelar..., op. cit., p. 95-96. Gilmar Ferreira Mendes, O princípio da
proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: novas leituras, Repertório IOB de
Jurisprudência: tributário, constitucional, administrativo, São Paulo, n. 14, caderno 2, p. 361-372, 2ª
quinzena de julho de 2000.
292
Wilson Antônio Steinmetz, Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade, Porto
Alegre, Livraria do Advogado, 2001, p. 149.
76

Esta escolha, entre as medidas igualmente idôneas ao atingimento do fim


almejado, deve resultar da análise de qual escolha representa o menor gravame ao direito
sacrificado293, e tem-se então a outra máxima da proporcionalidade, consubstanciada na
subsidiariedade ou necessidade294.

2.4.1.2. NECESSIDADE

A subsidiariedade ou necessidade, também chamada de princípio da intervenção


mínima, indispensabilidade ou proibição de excesso295, leva a que a medida, além de
adequada ou idônea ao fim almejado, deve figurar a alternativa menos gravosa ou onerosa,
sob a ótica do sujeito passivo. Por isso, por exemplo, no caso de hipoteca legal, em que o
bem onerado não tem origem ilícita, deve-se permitir caução, por parte do acusado, a fim
de desonerar o bem (artigo 135, § 6o, do Código de Processo Penal). Opta-se pela medida
que representa menor lesão, sem prejuízo da efetividade e do resultado concreto da
iniciativa296. O meio, pois, não precisa ser o mais eficaz, mas o suficientemente eficaz297.

No processo civil, esta regra é clara: dispõe o artigo 805 do Código de Processo
Civil que “a medida cautelar poderá ser substituída, de ofício ou a requerimento de
qualquer das partes, pela prestação de caução ou outra qualquer garantia menos gravosa

293
“‘Il canone di proporzionalità rappresenta il criterio ordinatore dell’insieme di mezzi che in diversa misura
comprimono i diritti soggettivi dell’imputato – anch’essi graduabili per importanza – a fronte dell´interesse
oggettivo all’efficienza della giutizia. Nell’ambito di una valutazione comparativa dei beni coinvolti
dall’attività di repressione dei reati, i lnucleo minimo del criterio di proporzionalità consiste nel divieto per
l’autorità di servirsi dello strumento poiù afflittivo quando sia lieve la situazione probatoria che gava
sull´accusato, esendo ancaro ridotta la probabilità di pervenire ad un´affermazione di colpevolezza a suo
carico” (Daniele Negri, Fumus commissi..., op. cit., p. 12-13).
294
Necessidade não é sinônimo de indispensabilidade, nem contém a flexibilidade de expressões como
admissível, útil, razoável ou desejável (Mariângela Gama de Magalhães Gomes, O princípio da
proporcionalidade..., op. cit., p. 82).
295
Rogério Schietti Machado Cruz, Prisão cautelar..., op. cit., p. 97.
296
Rogério Schietti Machado Cruz, Prisão cautelar..., op. cit., p. 98.
297
“A medida mais gravosa assegura com maior intensidade que a medida mais benigna a consecução do fim
perseguido, de sorte que o juízo de necessidade simplesmente deixaria de existir, sendo substituído pelo
critério da maior eficácia” (Luciano Feldens, A Constituição penal: a dupla face da proporcionalidade no
controle de normas penais, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2005, p. 164). Cf., ainda, Rogério Schietti
Machado Cruz, Prisão cautelar..., op. cit., p. 98.
77

para o requerente, sempre que adequada e suficiente para evitar a lesão ou repará-la
integralmente”298.

2.4.1.2. PROPORCIONALIDADE EM SENTIDO ESTRITO

Quanto à proporcionalidade em sentido estrito, ou proporcionalidade material,


existe uma “relação justa e adequada entre os benefícios obtidos com a medida e os meios
empregados para levá-la a termo”299. Avalia-se se o intervento é proporcional, em sentido
estrito, ao escopo, por meio de balanceamento dos bens em jogo300.

Desta forma, é importante a análise, ainda que provisória, do prejuízo, material e


moral, experimentado pela vítima, a fim de se evitar a imposição de medidas cautelares
patrimoniais exageradas.

Assim, as medidas cautelares devem estar em adequada relação ao fato que se


imputa ao acusado; devem ser as precisamente necessárias para alcançar, de modo eficaz, o
objetivo previsto; e devem, ainda, ser as menos gravosas ao sujeito passivo, que também
tem direito a uma decisão motivada que lhe permita tomar ciência dos motivos pelos quais
se limita seu direito, possibilitando, assim, eventual fiscalização pelos tribunais301.

As medidas cautelares devem guardar adequação e proporcionalidade em face das


finalidades perseguidas, de maneira a concretizarem constrições idôneas à salvaguarda dos
interesses em conflito no processo penal. Busca-se equilíbrio entre os interesses gerais e os
individuais, que, somente de forma excepcional, taxativa, e também fundamentadamente,
podem ser excepcionados302.

298
Trata-se da fungibilidade entre medidas cautelares (Ovídio A. Baptista da Silva, Do processo..., op. cit., p.
192).
299
Rogério Schietti Machado Cruz, Prisão cautelar..., op. cit., p. 99.
300
Mariângela Gama de Magalhães Gomes, O princípio da proporcionalidade..., op. cit., p. 78.
301
Coral Arangüena Fanego, Teoría..., op. cit., p. 132-133.
302
“Devem guardar adequação e proporcionalidade em face das finalidades perseguidas, do crime objeto da
persecução, e da sanção a ser imposta, de maneira a concretizarem constrições idôneas à salvaguarda dos
interesses em conflito no processo penal – ius puniendi e ius libertatis. Além da adequação, a
proporcionalidade é um dos critérios mais relevantes para a apreciação da legalidade das medidas que
restringem direitos. Nesse sentido, a concessão de medidas cautelares processuais penais deve ser
proporcional ao fato ensejador da medida, sua gravidade, alcance e intensidade. Não se pode restringir
direitos, por meio de medida cautelar, além do estritamente necessário para a proteção do processo e de seu
eventual resultado. A restrição deve ser adequada e suficiente ao referido dano, que se busca evitar. Se
78

No tocante ao seqüestro, permite-se ao terceiro de boa-fé oferecer caução (artigo


131, inciso II, do Código de Processo Penal) e o seqüestro é então levantado.

Quanto à especialização da hipoteca legal, o Código de Processo Penal é taxativo,


no artigo 135, § 3o, ao estabelecer que o juiz deve corrigir o arbitramento do valor da
responsabilidade que lhe pareça excessivo ou deficiente, em clara homenagem à
proporcionalidade303, ou seja, os bens “devem ser – suficientes, isto é, de valor
presumidamente igual ao que tiver sido fixado para o efeito da inscrição. Assim, o titular
do direito a questionada hipoteca, ou quem legalmente o represente, mostrando a
insuficiência dos imóveis especializados, poderá exigir que seja reforçada com outros,
pertencentes ao responsável”304.

É previsto, ainda, no artigo 135, § 6º, que o juiz deixe de mandar proceder ao
registro da hipoteca no caso de o acusado prestar caução, medida menos gravosa.

Ademais, deve haver exame da proporcionalidade não só no que toca à aplicação


da medida305, mas também à sua duração, extensão306 e também execução307. Até por isso,
novo arbitramento pode ser requerido, até mesmo na liquidação da execução308 (artigos
475-A e 475-L, do Código de Processo Civil). Ademais, se a vítima falece, por exemplo,

houver excesso, ele importará ilegalidade por ausência de justa causa para a imposição da medida, decorrente
da não-observância do critério da proporcionalidade. Nesse sentido, o juiz deve sempre indagar se outra
medida cautelar, menos grave, seria suficiente para a proteção do processo e de seu eventual resultado. Ou se
é a mais adequada. Havendo outra medida, que importe menor restrição, suficiente, é esta que deve
prevalecer” (Rogério Lauria Tucci et al., Sistematização..., op. cit., p. 118).
303
Com efeito, “não há por que gravar bens que excedam o valor da responsabilidade. [...] a lei acautela o
interesse do acusado e lhe evita a injustiça de ver onerados mais bens do que os necessários para satisfação
do débito, ordenando que o juiz só permite a inscrição de hipoteca sobre os imóveis necessários à garantia da
responsabilidade ” (Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 40 e 43).
304
Bento de Faria, Código de processo penal. 2. ed, Rio de Janeiro, Record, 1960, v. 1, p. 240.
305
Por isso, “é extravagante a decisão judicial que concede seqüestro em bens de um hospital constituído sob
a forma de sociedade por responsabilidade limitada, com fundamento em acusação de ilícito penal que teria
sido cometido por um de seus sócios, pessoa física, na gerência de verbas públicas” (TRF 5ª R. – MS n.°
44.760 – Rel. Des. José Delgado – DJ de 28.07.1995).
306
“O seqüestro, medida cautelar assecuratória dos direitos do ofendido, não deve ser deferido com extensão
além do razoável. Já tendo sido seqüestrados inúmeros bens móveis e imóveis da empresa, a conta do
andamento de ação penal por sonegação fiscal, representa um exagero a constrição também a 20% (vinte por
cento) do seu faturamento diário, pois tal medida, em si mesmo danosa à higidez financeira da pessoa
jurídica, poderá, de resto, levá-la à falência. Presentes a relevância da fundamentação e a possibilidade atual e
objetiva de dano irreparável, informadas por um traço de abuso de poder no ato judicial do seqüestro, impõe-
se o deferimento da segurança, para amparar o direito líquido e certo da empresa a sua própria existência.
Mandado de segurança concedido” (TRF 1ª R – 2ª S. – MS n.° 95.01.10935-6 – Rel. Des. Olindo Menezes –
DJ de 16.10.1995).
307
Coral Arangüena Fanego, Teoría..., op. cit., p. 135. Mario D’Onofrio, Il sequestro…, op. cit., p. 84.
308
Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 44.
79

em razão do fato apurado na persecução penal, deve-se reforçar a medida309, aumentando a


constrição, porque o efeito civil decorrente da condenação será maior.

2.4.2. EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEFESA

No processo penal, a tutela cautelar se dá por meio de medidas e, portanto, na


forma de incidentes310, e não propriamente como ações cautelares, conforme já tivemos
oportunidade de verificar, no item 2.1.

Inserem-se em outro procedimento, já em curso – entendido aqui como a


persecução penal, em seu todo. Algumas medidas patrimoniais podem ser decretadas desde
o início da persecução penal – ainda que na fase pré-processual (artigos 127 e 136, do
Código de Processo Penal). Outras, somente depois de incoada a ação penal.

No processo civil, costumam-se classificar as medidas preventivas em dois


grupos, definidos por critério extrínseco, qual seja, o momento em que são tomadas, em
relação ao da ação principal. São as medidas antecedentes e as medidas incidentes,
conforme pedidas e deferidas anteriormente à propositura da ação principal ou incidam no
processo desta311.

No processo penal, somente se poderia aceitar a medida antecedente como aquela


decretada antes do aforamento da ação penal condenatória. Mas ela será sempre incidente à
persecução penal, porque necessária a averiguação de pressupostos e requisitos que
somente poder ser aferidos quando já houver instauração de persecução penal, ou ainda,
concomitantemente a ela312.

Pois bem. Decretada no curso do processo penal, em sentido largo, deve-se


permitir a quem sofre a medida o exercício do direito de defesa313.

309
Por exemplo, “a desapropriação do imóvel extingue a hipoteca, e, por isso, embora a garantia passe a ser
representada pela indenização arbitrada (Revista de Direito, vol. 83, pág. 331), pode ser especializado outro
bem quando a importância depositada não for equivalente ao valor do dano, já fixado para o efeito da
inscrição” (Bento de Faria, Código..., op. cit., v. 1, p. 242).
310
Gaetano Foschini, Sistema..., op. cit., v. 1, p. 508.
311
Alfredo de Araújo Lopes da Costa, Medidas preventivas..., op. cit., p. 18.
312
De fato, as medidas cautelares, também no processo civil, não têm conteúdo de ação e, portanto, são
decretáveis sempre no curso de outro processo (Ovídio A. Baptista da Silva, Do processo..., op. cit., p. 106).
313
Nesse sentido, cf. TRF 5ª R – MS n.° 44.760 – Rel. Des. José Delgado – DJ de 28.07.1995.
80

Em razão de as medidas cautelares patrimoniais acarretarem restrições a direitos


constitucionalmente assegurados, notadamente a plena fruição da propriedade (artigo 5º,
inciso XXII, da Constituição da República), deve-se franquear ao acusado o direito de se
defender ante a decretação de tais medidas, questionando o seu cabimento e/ou a sua
extensão.

Muitas destas medidas, em razão da urgência, são tomadas já no curso do


inquérito policial, tal como o seqüestro e o arresto de bens. Tal fato, todavia, não obsta a
possibilidade de exercício do direito de defesa, nesta fase do procedimento.

Há quem sustente, inclusive, a possibilidade do exercício do contraditório no


inquérito policial314. Contraditório, na lição clássica de Joaquim Canuto Mendes de
Almeida, “é a ciência bilateral dos atos do processo e a possibilidade de contrariá-los”315.
Exige, assim, partes e um sujeito imparcial. No inquérito policial, todavia, não se pode
estabelecer contraditório, em sentido técnico, porque ainda não há parte acusadora, em
sentido formal, ou seja, não há parte e contraparte, tampouco há sujeito imparcial
destinatário do resultado. Mas o delegado de polícia concentra em si poderes e funções
que, depois, serão bipartidos entre o acusador – público ou privado – e o juiz316.

Por isso, melhor se permitir, nesta fase do procedimento, o exercício do direito de


defesa317, que não se confunde com o contraditório318.

314
Rogério Lauria Tucci, Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro, 2. ed., São Paulo,
Revista dos Tribunais, 2004, p. 211 e 224-226. Ada Pellegrini Grinover, A eficácia dos atos processuais à luz
da Constituição Federal, Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, São Paulo, ano 21, n. 37, p.
33-47, jun. 1992, p. 41-42. Antonio Scarance Fernandes, Processo penal constitucional, São Paulo, Revista
dos Tribunais, 2001, p. 60.
315
Joaquim Canuto Mendes de Almeida, Princípios fundamentais do processo penal, São Paulo, Revista dos
Tribunais, 1973, p. 82. E, “se na sua acepção lógico-filosófica o contraditório é entendido como o contraste
dialético entre posições assertivas opostas, dirigidas a se elidirem reciprocamente, no esquema processual
essa contraposição só adquire sentido quando destinada à persuasão de um terceiro imparcial, ainda que não
necessariamente inerte ou passivo; assim, embora se desenvolva entre dois pólos dialéticos, o contraditório
processual implica uma relação triádica, que constitui afinal a essência da idéia de processo” (Antonio
Magalhães Gomes Filho, A motivação das decisões penais, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2001, p. 39).
316
Joaquim Canuto Mendes de Almeida, Princípios..., op. cit., p. 214.
317
Conforme já sustentamos (O direito de defesa no inquérito policial, São Paulo, Revista dos Tribunais,
2004). A Constituição da República, em verdade, aparta não só litigantes de acusados (Rogério Lauria Tucci,
Direitos e garantias..., op. cit., p. 174 e seguintes; Jacinto Nelson Miranda Coutinho, A lide e o conteúdo do
processo penal, Curitiba, Juruá, 1998), mas também contraditório de ampla defesa, de forma que cada qual é
exercido de acordo com o instante e a natureza do procedimento que lhe seja compatível, o que não impede
que, desde que possível, sejam atuados conjuntamente. Assim, se é certo que no processo penal não há
litigantes, mas sim acusador e acusado, no inquérito policial, procedimento administrativo com fins judiciais,
não há possibilidade de se estabelecer contraditório, mas sim exercício do direito de defesa (Sérgio Marcos
de Moraes Pitombo, Inquérito policial: exercício do direito de defesa, Boletim do Instituto Brasileiro de
Ciências Criminais, São Paulo, ano 7, n. 83, edição especial, p. 14, out. 1999, p. 14). Cf., ainda, Antonio
81

A Constituição da República assegura, no artigo 5º, inciso LV, que, “aos


litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Estabelece, assim, a possibilidade de exercício do direito de defesa aos acusados em geral,
nos processos administrativos.

A fim de não deixar dúvidas, a Constituição da República utilizou a expressão


“acusados em geral”, o que significa que há pelo menos duas espécies de acusados (o
restrito e o amplo, ou o formal e o informal). Acolheu, então, o significado amplo da
expressão, e não o restrito, que apenas admite a acusação formal319. Com efeito, “acusados
em geral” é expressão que envolve toda sorte de acusados, acusados em juízo ou fora dele,
abrangendo, então, o indiciado, o acusado e o condenado320 – sem esquecer, ainda, do
suspeito, que tem interesse em não se tornar indiciado. Há diversos graus de incriminação,
passando-se por diferentes juízos, sempre em um crescendo de certeza jurídica acerca da

Scarance Fernandes, Processo penal..., op. cit., p. 59 e 255. José Barcelos de Souza, A defesa na polícia e em
juízo: teoria e prática do processo penal. Belo Horizonte, Bernardo Álvares, 1963, p. 29.
318
Embora a doutrina sustente que ampla defesa e contraditório não se confundem, afirma a maior parte,
todavia, que ambos são indissociáveis, variando apenas o entendimento acerca da relação que se estabelece
entre eles. Alguns entendem que o direito de defesa deriva do contraditório (Paulo Roberto da Silva Passos,
Aspectos princípiológicos no inquérito policial, In: Paulo Roberto da Silva Passos e Thales Cezar de
Oliveira, Princípios constitucionais no inquérito e no processo penal, São Paulo, Themis, 2001, p. 42;
Luciano Marques Leite, O princípio “audiatur et altera pars” e o processo penal, dissertação de mestrado
apresentada na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, [s.d.], p. 101). Outros, no oposto,
entendem que a ampla defesa engloba o contraditório (José Cretella Júnior, Comentários à Constituição
brasileira de 1988, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1992, v. 1, p. 534; Celso Ribeiro Bastos e Ives
Gandra Martins, Comentários à Constituição do Brasil, São Paulo, Saraiva, 1989, v. 2, p. 267). Há, ainda,
aqueles que sustentam que entre contraditório e ampla defesa não existe “relação de primazia ou de
derivação” (Antonio Scarance Fernandes, Processo penal..., op. cit., p. 249), sendo que “defesa e
contraditório estão indissoluvelmente ligados, porquanto é do contraditório (visto em seu primeiro momento,
da informação) que brota o exercício da defesa; mas é essa – como poder correlato ao de ação – que garante o
contraditório. A defesa, assim, garante o contraditório, mas também por este se manifesta e é garantida. Eis a
íntima relação e interação da defesa e do contraditório” (Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance
Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho, As nulidades..., op. cit., p. 90). Contraditório e defesa devem,
porém, ser vistos separadamente. Se é certo que para o exercício da defesa exige-se prévia ciência dos fatos e
imputação, tal como ocorre para a efetivação do contraditório, nem por isso ambos se confundem. O
contraditório exige partes, em sentidos opostos. Mas, se essas não existem e não se instala o contraditório,
nem por isso se pode deixar de dar oportunidade, ao acusado informalmente ou acusado sob o ângulo
substancial, de exercício do direito de defesa. Por isso, com razão Pontes de Miranda quando, ao comentar a
Constituição Brasileira de 1967, afirmava que o princípio da contraditoriedade processual nada tem com o
direito de defesa (Pontes de Miranda, Comentários..., op. cit., t. 5, p. 208-209).
319
Rogério Lauria Tucci, Direitos e garantias..., op. cit., p. 179-180. Carlos Roberto Siqueira de Castro, O
devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova Constituição do Brasil. Rio de Janeiro, Forense,
1989, p. 272. Marcelo Fortes Barbosa, Garantias constitucionais de direito penal e de processo penal na
Constituição de 1988, São Paulo, Malheiros, 1993, p. 83. Romeu Felipe Bacellar Filho, Princípios
constitucionais do processo administrativo disciplinar, São Paulo, Max Limonad, 1998, p. 72.
320
Rogério Lauria Tucci, Direitos e garantias..., op. cit., p. 180. Aury Lopes Jr., Sistemas de investigação
preliminar no processo penal. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2001, p. 283-284.
82

autoria do delito321. As categorias de acusados (indiciado, acusado e condenado)


correspondem a sucessivas passagens de juízo até se atingir a certeza atingível. Portanto,
acusados em geral, expressão contemplada pela Constituição, abarca todas as formas de
acusados, formais e informais, incluindo-se aí o sujeito investigado no inquérito policial.

Ainda, deve-se entender a expressão processo administrativo como procedimento


administrativo, englobante do inquérito policial, portanto, eis que se trata de procedimento
administrativo, com finalidade judiciária322.

Assim, é de se reconhecer que já há acusação, em senso largo, entendida como


afirmação, ou atribuição de ato ou fato a pessoa autora, coatora ou partícipe, em diversos
atos do inquérito policial, como na prisão em flagrante delito; na nota de culpa; no boletim
de ocorrência de autoria conhecida; no requerimento, requisição e na portaria de
instauração do inquérito policial; ou, ainda, no indiciamento realizado pela autoridade
policial, bem como nas medidas cautelares, decretadas e realizadas nesta primeira fase da
persecução penal.

Tal qual o contraditório, o direito de defesa, para seu exercício, pressupõe o


direito à informação323.

A finalidade das cautelares patrimoniais, todavia, consiste em garantir a eficácia


ou resultado prático do efeito civil da decisão definitiva da causa, de sorte que a rapidez,
ou urgência, deve presidir sua adoção.

Somente nos casos em que é necessária a decretação de uma providência


imediata, porque a definitiva tardaria, é que tem ensejo a cautelar324. A nota de urgência
está presente no perigo de que durante o transcurso do tempo necessário para que haja a

321
Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Inquérito policial: novas tendências...,. cit.
322
Paulo Cláudio Tovo, Abolição do inquérito policial: uma imposição lógica e democrática, Revista da
Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, ano 20, n. 57, p. 188-91, mar. 1993, p. 189. É
manifesto que elementos de convencimento são colhidos na fase extrajudicial do procedimento da persecução
penal, ensejando acusação formal. Processo é entidade abstrata, que se corporifica sempre em procedimento.
O procedimento do inquérito policial, por sua própria natureza, é e precisa ser flexível. Não obedece a uma
ordem determinada, rígida, de atos, mas, nem por isso, deixa o inquérito de ser procedimento, visto que o
procedimento pode seguir esquema rígido ou flexível. O direito de defesa integra o devido processo legal. E
se assim o é em todos os procedimentos administrativos, não há por que se negar o exercício do direito de
defesa no inquérito policial, que também é procedimento administrativo, muito embora ostente finalidade
judiciária.
323
Rogério Lauria Tucci, Direitos e garantias..., op. cit., p. 177.
324
“Pode, é certo, haver providências urgentes sem caráter de cautela, mas a recíproca não é verdadeira: não
há motivo para providências assecuratórias onde não exista urgência e possam sem perigo esperar-se as
definitivas” (Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 2, p. 6).
83

decisão definitiva sobre a causa se produzam efeitos ou se sucedam ações que frustrem a
eficácia daquela decisão. O fundamento último das medidas cautelares serve, pois, a
driblar tal risco. Caso contrário, o resultado prático do processo poderia ser ilusório, ou
nulo.

Pel própria necessidade de garantia contra fatos ou atos que possam implicar
dano grave ao processo ou ao direito que nele se busca reconhecer, a maioria das medidas
cautelares é indissociável da idéia de urgência, e, sempre que esta se fizer presente, as
medidas cautelares patrimoniais são concedidas sem dilação probatória, precedidas apenas
de cognição imediata325.

A principal implicação da urgência coloca-se, muitas vezes, na impossibilidade


de se estabelecer contraditório prévio.

Mas é certo, como visto até aqui, que se deve garantir ao acusado o exercício do
direito defesa, quando da tomada de tais medidas cautelares patrimoniais. O problema põe-
se, desta forma, no momento adequado para franquear tal exercício ao acusado326, visto
que a ciência anterior à tomada da decisão, necessária ao exercício do direito de defesa327,
pode frustrar o resultado da medida328.

325
“Até pela necessidade de garantia contra fatos ou atos que possam implicar dano grave ao processo ou ao
direito que nele se busca reconhecer, a maioria das medidas cautelares são indissociáveis da idéia de
urgência, e, sempre que esta se fizer presente, são concedidas sem dilação probatória, precedidas apenas de
cognição imediata. O contraditório é diferido. Por certo, isso não obsta a que o juiz ouça previamente a parte
interessada, quando não houver urgência e o prévio conhecimento da parte interessada não for incompatível
com a medida (v.g., a prévia oitiva do acusado acerca da quebra do seu sigilo bancário)” (Rogério Lauria
Tucci et al., Sistematização..., op. cit., p. 119).
326
Por isso, a solução deve mirar diversas exigências: de um lado, celeridade e eficácia da atividade e, de
outro, salvaguarda dos direitos do interessado no provimento, tendo em conta que, inclusive, pode tratar-se
de terceiro, não indiciado ou acusado (Mariangela Montagna, I sequestri..., op. cit., p. 138).
327
“A primeira manifestação do contraditório e pressuposto básico da referida participação é a informação,
uma vez que sem a ciência efetiva a respeito de tudo o que se passa no processo seria inviável o exercício
daquele complexo de atividades pelos interessados no provimento. Daí a grande relevância para o
contraditório dos atos de comunicação processual – citação, intimações, notificações –, por meio dos quais se
propicia o completo e adequado conhecimento dos vários atos praticados, das provas produzidas, dos
argumentos apresentados pelo adversário, das decisões proferidas etc.. Sem eles, a participação seria
impraticável ou, no mínimo, deficiente” (Antonio Magalhães Gomes Filho, A motivação..., op. cit., p. 40-41).
328
“Medida assecuratória. Arresto de bens móveis. Pretendida citação do réu ou de terceiro que detenha as
coisas. Dispensabilidade. Efetivação do ato citatório que, em tal hipótese, poderia prejudicar a eficácia da
medida, notadamente em se tratando de bens móveis. Princípio do contraditório que, no processamento deste
pedido, sofre certas derrogações. No processamento do pedido de medida assecuratória, prevista no Código
de Processo Penal, o princípio do contraditório sofre certas derrogações, pois tal providência se caracteriza
pela sua natureza urgente e breve, resultando de juízos despidos do rigorismo de provas ou do convencimento
do juiz, eis que destinada a evitar o perigo de dano que se apresente com possibilidade. Assim, o rito
processual do pedido de arresto de bens moveis dispensa a citação da parte contraria, não se aplicando,
subsidiariamente, o Código de Processo Civil, pois dar conhecimento prévio ao réu ou ao terceiro que
84

A sumariedade e urgência requeridas pelas medidas levam a que sejam tomadas


inaudita altera pars. Isto não obsta que o juiz ouça previamente a parte interessada, que irá
sofrer os efeitos da medida cautelar penal, desde que esta ciência não seja incompatível
com a eficácia da medida.

Caso, todavia, estas medidas cautelares, restritivas de ordem patrimonial, sejam


de fato decretadas inaudita altera pars329, em razão da urgência330, e sob pena de
frustração331 – o que é excepcional no nosso sistema332 –, deve-se ofertar ao acusado ao
menos o exercício diferido ou postergado do direito de defesa333, em respeito à garantia
constante do artigo 5º, inciso LV, da Constituição da República.

Nestes casos, em que a medida a ser tomada necessita ser efetivada sem a ciência
ou presença do acusado, há necessidade de controle diferido, exercido por defensor334,
mesmo no caso de serem decretadas já no curso do inquérito policial335.

detenha as coisas da existência da medida poderá prejudicar a sua eficácia, notadamente em se tratando de
bens móveis” (TJSP – 4a C. – AP n.° 313.629-3/9 – Rel. Des. Hélio de Freitas – DJ de 27.03.2002).
329
João Gualberto Garcez Ramos, A tutela de urgência..., op. cit., p. 295.
330
Também na Espanha, onde se faculta a cumulação de ação civil, as medidas cautelares são adotadas sem
prévia audiência da parte contra quem são decretadas (Ricardo Juan Sánchez, La responsabilidad..., op. cit.,
p. 472).
331
Por exemplo: a Resolução nº 9, de 04 de maio de 2005, do Superior Tribunal de Justiça, estabelece, no
artigo 8o, que a parte interessada será intimada para, no prazo de 15 (quinze) dias, impugnar a carta rogatória.
No parágrafo único, todavia, abre-se exceção à regra: a medida solicitada por carta rogatória poderá realizar-
se sem prévia audiência da parte interessada, quando sua intimação puder resultar na ineficácia do ato ou atos
de cooperação internacional. Trata-se, assim de cautelar que necessita ser efetivada sem a ciência ou a
presença do sujeito, porque poderia frustrar-se com sua prévia intimação, pondo em perigo a eficácia prática
da medida. Isso não significa, todavia, que, tão logo realizada e documentada nos autos a diligência, não se
deva assegurar ao interessado a possibilidade de defesa, o contraditório diferido, retardado, ou postergado, a
fim de fazer valer a regra contida no artigo 5o, inciso LIV, da Constituição da República.
332
“As medidas judiciais inaudita altera parte são excepcionais no sistema, porque arranham a garantia
constitucional do contraditório e só devem ser concedidas quando o retardamento puder importar restrição ou
sacrifício à possibilidade de acesso à justiça. É compreensível que, sem haver uma urgência extrema, o juiz
prudentemente aguarde a citação do réu e sua resposta, com o que terá melhores condições para formular
com mais segurança o seu juízo sobre a necessidade de antecipar. Mas, sendo preciso, que antecipe desde
logo” (Cândido Rangel Dinamarco, Nova era..., op. cit., p. 80-81).
333
“Entre nós, as medidas cautelares são, em regra, determinadas sem audiência do titular do direito
restringido, de ofício ou em atenção a requerimento do Ministério Público, do ofendido ou representação da
autoridade policial. As perícias são realizadas também sem participação do investigado ou de seu advogado.
A observância do contraditório, nesses casos, é feita depois, dando-se oportunidade ao suspeito ou réu de
contestar a providência cautelar ou de combater, no processo, a prova pericial realizada no inquérito. Fala-se
em contraditório diferido ou postergado” (Antonio Scarance Fernandes, Processo penal..., op. cit., p. 60).
Ainda, do mesmo autor, A reação defensiva à imputação, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, p. 122.
Posicionando-se, ainda, de forma favorável ao controle diferido, cf. Ada Pellegrini Grinover, A eficácia dos
atos..., op. cit., p. 41-2. Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes
Filho, As nulidades..., op. cit., p. 181-183. Rogério Lauria Tucci, Direitos e garantias..., op. cit., p. 193-194).
334
“Em situações que tais, de contraditório denominado ‘posticipato’, ou ‘diferito’, não há violação à
garantia da bilateralidade da audiência, que, firme, se vê apenas diferida para momento ulterior à
85

Cabe ao juiz, na qualidade de principal responsável pela regularidade dos atos


processuais, nos termos do artigo 251 do Código de Processo Penal, exercer rigorosa
fiscalização sobre tais atos.

Por isso, no caso de seqüestro de bens, o Código de Processo Penal prevê a


possibilidade de oposição de embargos, quer do próprio acusado, quer de terceiro senhor
ou possuir do bem ou terceiro de boa-fé, sendo que este último pode, inclusive, prestar
caução, nos termos do previsto no artigo 131, inciso II, do Código de Processo Penal.

No caso de especialização da hipoteca legal, a defesa é intimada para se


manifestar e pode, também, apresentar caução, como contracautela à medida restritiva,
conforme previsto no artigo 135, § 6º, do Código de Processo Penal. Já no processo
executivo, é-lhe permitido impugnar a execução, ventilando as matérias constantes do
artigo 475-L, do Código de Processo Civil.

A não-observância da garantia de defesa eiva de nulidade a decisão que decretou


a medida cautelar336. E o mandado de segurança, no mais das vezes, é o instrumento
adequado para impugná-la337.

2.4.3. MOTIVAÇÃO

O dever de motivação das decisões judiciais, previsto no artigo 93, inciso IX, da
Constituição da República, permite a garantia da atuação imparcial e secundum legis do
julgador338.

A motivação das decisões judiciais é chamada de garantia de segundo grau, ou


garantia das garantias339, porque por meio dela se pode aferir a efetividade de outras

pronunciação de ato decisório liminar, prosseguindo-se regularmente no procedimento instaurado” (Rogério


Lauria Tucci, Direitos e garantias..., op. cit., p. 194).
335
Porque perpassam essa fase, transferindo-se para o bojo de eventual ação penal, e “não podem ser
repetidas em juízo, pois captaram algo em determinado momento histórico, às vezes até com finalidade
cautelar – que não lhes retira o caráter probatório –, mas podem ser objeto de críticas, contestações,
impugnações, requerimentos e debates, sendo passíveis de complementação ou de esclarecimentos durante o
processo judicial” (Carlos Frederico Coelho Nogueira, Comentários ao Código de Processo Penal, São
Paulo, EDIPRO, 2002, p. 134).
336
Mario Garavelli, Il sequestro..., op. cit., p. 30-31.
337
Rogério Lauria Tucci, Direitos e garantias..., op. cit., p. 194.
338
Rogério Schietti Machado Cruz, Prisão cautelar..., op. cit., p. 89.
86

garantias no processo penal, avaliando então se foram obedecidas as regras do devido


processo legal, como, por exemplo, se as alegações das partes foram observadas pelo
julgador340.

A motivação das decisões judiciais constitui, ao mesmo tempo, (i) garantia


341
política , porque, entre outras funções, impõe limites ao exercício da jurisdição e exige
que o magistrado submeta à opinião pública as razões que o levaram a decidir de
determinada forma, e (ii) garantia processual342, por assegurar a concreta apreciação das
questões, de fato e de direito, discutidas no processo, e, com isso, a efetividade da cognição
judicial.

A regra constitucional aplica-se a toda e qualquer manifestação judicial de cunho


decisório343 e, por óbvio, também às decisões que impõem medidas cautelares
patrimoniais344.

No âmbito do processo civil, costuma-se dizer que tutela jurisdicional cautelar se


diferencia das demais pelo tipo de cognição a que o juiz procede em relação ao mérito da
causa, dizendo-se então que a tomada de decisão cautelar pressupõe apreciação
perfunctória, sumária e provisória da lide345, redundando em juízo de verossimilhança.

339
Luigi Ferrajoli, Diritto e ragione, 8. ed., Roma, Laterza, 2004, p. 632-641.
340
Antonio Magalhães Gomes Filho, A motivação..., op. cit., p. 240. O dever de motivação “permite saber,
pelo exame das razões indicadas na decisão, se os demais direitos e garantias do acusado (as garantias
primárias, que seriam o contraditório, o ônus da prova da acusação e a defesa) foram observadas, até para que
se viabilize o controle recursal do ato supressor da liberdade, quer por meio de habeas corpus, quer por meio
de recurso previsto na legislação processual” (Rogério Schietti Machado Cruz, Prisão cautelar..., op. cit., p.
89).
341
Antonio Magalhães Gomes Filho aponta que, como garantia política, a motivação impõe limites ao
exercício da jurisdição no estado democrático, possibilita a participação popular na administração da justiça,
vincula os pronunciamentos judiciais à legalidade, permite o controle da racionalidade das decisões, assegura
as limitações decorrentes da separação do poder e constitui barreira eficiente de proteção do indivíduo contra
violações arbitrárias a direitos fundamentais (Antonio Magalhães Gomes Filho, A motivação..., op. cit., p. 79-
94).
342
Impede, assim, que a decisão seja produto da vontade pessoal do juiz, e permite constatar se a decisão foi
adotada com independência e imparcialidade. Representa, ainda, a última manifestação do contraditório e
permite às partes e aos tribunais superiores identificar eventuais vícios, erros e injustiças que encerram,
garantindo, ainda, a publicidade processual (Antonio Magalhães Gomes Filho, A motivação..., op. cit., p. 95-
105). Rogério Lauria Tucci, Direitos e garantias..., op. cit., p. 227.
343
“Ao dizer que serão fundamentadas ‘todas’ as decisões, a Constituição brasileira não expressa apenas a
extensão do dever de motivar; mais do que isso, prescreve um único modelo de decisão judicial – a decisão
fundamentada –, em que tal exigência deve condicionar o próprio raciocínio decisório” (Antonio Magalhães
Gomes Filho, A motivação..., op. cit., p. 242). Cf., ainda, Rogério Lauria Tucci, Direitos e garantias..., op.
cit., p. 233.
344
Antonio Magalhães Gomes Filho, A motivação..., op. cit., p. 218-219.
345
Isabel Celeste M. Fonseca, Introdução..., op. cit., p. 98.
87

Também aqui Calamandrei adverte que, se para a medida cautelar fosse


necessária cognição completa sobre o mesmo objeto da causa, melhor seria ocupar-se da
decisão de mérito da causa e não complicar o processo com duplicidade de investigação,
que ainda por cima não teria a vantagem da prontidão. Por isso, e para poder cumprir sua
função de prevenção urgente, as medidas cautelares devem-se contentar com a aparência,
que pode resultar de uma cognição muito mais rápida e superficial do que a ordinária346.

Summaria cognitio, prima facie cognitio ou semi plena probatio são expressões
utilizadas para indicar a limitação do conhecimento judicial na adoção de medidas
cautelares.

Para Kasuo Watanabe, a cognição pode ser vista em dois planos: horizontal
(extensão, amplitude) e vertical (profundidade). No plano horizontal, a cognição tem por
limites os elementos objetivos do processo: pressupostos processuais, condições da ação e
mérito. Pode ser, neste plano, plena ou limitada, ou parcial, segundo a extensão. No plano
vertical, pode ser classificada, segundo o grau de profundidade, em exauriente ou
completa, ou sumária347. No caso da tutela cautelar, diz-se que a cognição é sumária, ou
seja, limitada no plano vertical.

Em verdade, a cognição incide sobre um thema decidendum distinto, de modo


que “não tem pretensão nem para substituir nem para ser confirmada pela cognição no
processo principal. Ela tão só visa acautelar o efeito útil da posterior cognição
ordinária”348. Por isso, analisada em relação ao processo principal, pode-se considerar que
há sumariedade na cognição, em razão até mesmo do seu caráter de urgência. Em relação
ao próprio tema da cautela, todavia, a cognição é exauriente, sem qualquer restrição em sua
profundidade349. No âmbito a que se propõe a conhecer, é completa350.

346
Piero Calamandrei, Introduzione..., op. cit., p. 62-65. Ovídio A. Baptista da Silva, Do processo..., op. cit.,
p. 76. Ainda, “A rapidez na decisão poderá ser a única forma de atingir a finalidade cautelar, que é evitar a
modificação irremediável de uma situação, enquanto se aguarda a decisão de fundo para essa situação.
Existindo urgência, prefere o legislador que os processos que realizam esse objectivo sejam expedidos a
ponderados, já que nestes casos ‘julgar bem é, antes de tudo, julgar rápido’. Por isso, as providências
cautelares implicam, necessariamente, um processo simplificado e rápido, sob pena de a sua tramitação estar
em flagrante desarmonia com a função, pois, como refere Alberto dos Reis, a medida cautelar ou ‘actua
rapidamente ou deixa de cumprir o fim a que se destina’” (Isabel Celeste M. Fonseca, Introdução..., op. cit.,
p. 99).
347
Kazuo Watanabe, Da cognição no processo civil, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1987. p. 83.
348
Isabel Celeste M. Fonseca, Introdução..., op. cit., p. 108.
349
“Analisando a cognição cautelar em relação ao próprio processo cautelar, isto é, em relação tão-somente
aos requisitos necessários para a concessão da tutela cautelar, se verifica que tal cognição não sofre, em si,
qualquer limitação quanto à sua profundidade. Na verdade, a limitação está no thema decidendum e não na
88

Sumariedade, portanto, não equivale à superficialidade351: a diferença encontra-se


na especificidade do objeto a valorar em uma e outra, especificidade que determina que a
ordinária tenha uma cognição mais extensa, pela maior amplitude de seu objeto. A
cautelar, porém, por limitar seu objeto de apreciação, não deve ser considerada superficial
ou pouco profunda352. Nem pode se identificar com automaticidade, porque o juiz está
adstrito a verificar a ocorrência dos pressupostos da medida353.

Necessário, portanto, que o magistrado explicite as razões pelas quais decreta a


medida cautelar patrimonial: deve manifestar-se sobre a justa causa, indicando razões
concretas354, sem automatismo355, principalmente porque, sem explicitação das razões de

cognição exercida para a análise do tema. No processo cautelar o thema decidendum – diferentemente do
processo ‘principal’ – não é caracterizado pela existência dos fatos que o integram, mas tem por objeto a
mera probabilidade de sua existência. Para que o juiz possa conceder a tutela cautelar não é necessária a
prova da existência do dano ou a certeza do direito. Basta a probabilidade de dano (periculum in mora) e a
probabilidade do direito (fumus boni iuris). Em suma, o thema decidendum do processo cautelar não é um
tema de certeza, mas um tema de probabilidade. Porém, com relação ao próprio tema do processo cautelar –
probabilidade de dano e probabilidade do direito –, a cognição é exauriente, porque não sofre qualquer
restrição em sua profundidade. Assim, o juiz somente pode conceder a tutela cautelar quando existir prova
plena dos requisitos exigidos pela lei: fumus boni iuris e periculum in mora. Tais requisitos, contudo, não são
requisitos de certeza, mas sim de probabilidade” (Gustavo Henrique Ivahy Badaró, Ônus da prova..., op. cit.,
p. 421).
350
“Em tempos de conceitualismo processual acirrado, questionava-se se a suficiência do fumus boni juris
significa que no processo cautelar se exige cognição menos profunda sobre os próprios fatos constitutivos do
direito do autor ou se a cognição, sem ser mais ou menos profunda que a ordinária, se desloca para os fatos
indicadores da probabilidade, deixando de enfocar diretamente os fatos constitutivos. Na prática, essa
bizantina questão não conduz a qualquer resultado útil, quer em relação à tutela cautelar, quer à antecipação
de tutela” (Cândido Rangel Dinamarco, Nova era..., op. cit., p. 63).
351
Tampouco com o arbítrio ou automatismo em relação a medidas restritivas de direitos fundamentais (Ada
Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho, As nulidades..., op. cit.,
p. 357).
352
Por isso, para a concessão da medida cautelar, é preciso plena e profunda aferição acerca do perigo
(Antonio Magalhães Gomes Filho, Presunção de inocência..., op. cit., p. 54-55).
353
Coral Arangüena Fanego, Teoría..., op. cit., p. 152.
354
Ao cuidar da prisão cautelar, disse Sérgio Marcos de Moraes Pitombo: “Irrompe precário, apenas,
asseverar, no ato decisório, que a prisão cautelar decreta-se para garantia da ordem pública, pela
conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal (art. 312, do Cód. de Proc.
Penal). Cumpre apontar as razões, os motivos, as causas determinantes do encarceramento processual, com
vistas a sua indispensabilidade e utilidade definidas. Vale afirmar, no decreto de prisão preventiva, emerge
imprescindível a demonstração de que, no caso, desponta verdadeira precisão de tutelar-se a ordem pública e
a econômica, a instrução criminal ou a futura e contingente execução penal, assim atendendo ao processo da
ação condenatória. Não há lugar para decisum oco. Envolve, pois, questões de fato e de direito, justificantes
da medida. Indicação, portanto, da ocorrência, ou circunstância, em que aflorou, que leva a por, ao menos,
em real ameaça qualquer dos motivos legais do encarceramento preventivo, operando-se a adequação. Não há
discricionariedade técnica, mas, legalidade estrita. É ato processual penal típico. Ou se acham presentes os
pressupostos e os supostos e o Juiz guarda o poder-dever de determinar a prisão, bem como de mantê-la; ou
não se encontram e não é caso de decretá-la; ou, ainda, surge a hipótese de precisar revogá-la (art. 316, do
Cód. de Proc. Penal). Não se tolera, por isso, justificação implícita, nem per relationem. Já, a fundamentação
aliunde desmerece, até, cogitação, tal sua manifesta impropriedade, no ato decisório, decretante de prisão, ou
de mantença. (arts. 5º, inc. LXI e 93, inc. IX da Const. da República c/c art. 315, do Cód. de Proc. Penal)”
(Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Prisão preventiva..., op. cit.). Igualmente, Hélio Tornaghi: “o juiz deve
89

fato e de direito em que se apóia356, a medida pode se chocar com a garantia de não-
consideração prévia de culpabilidade 357.

Por isso, a motivação deve revelar a cognição do magistrado. É preciso dizer em


que medida a supressão da fruição do direito de propriedade ou posse importa à garantia de
um dos efeitos automáticos da sentença penal condenatória358 – a reparação do dano e o
perdimento de bens.

mencionar de maneira clara e precisa os fatos que o levam a considerar necessária a prisão para garantia da
ordem pública ou para assegurar a instrução criminal ou a aplicação da lei penal substantiva. Não basta de
maneira alguma, não é fundamentação, frauda a finalidade da lei e ilude as garantias da liberdade o fato de o
juiz dizer apenas: ‘considerando que a prisão é necessária para a garantia da ordem pública ...’. Ou então: ‘a
prova dos autos revela que a prisão é conveniente para a instrução criminal...’. Fórmulas como essas são as
mais rematada expressão da prepotência, do arbítrio e da opressão. Revelam displicência, tirania ou
ignorância, pois além de tudo envolvem petição de princípio: com elas o juiz toma por base exatamente
aquilo que deveria demonstrar. [...] Se o juiz decreta a prisão preventiva em qualquer das hipóteses previstas
em lei, não há excesso de poder. O que não significa que não possa existir abuso de poder. O juiz excede seus
poderes se decreta a prisão em casos não previstos em lei. Mas abusa do poder se, mesmo em hipótese
prevista em lei, age por motivos diversos dos que a inspiraram” (Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3,
p. 334-335). E também Rogério Schietti: “Ao decidir acerca da prisão cautelar de indiciado ou acusado, a
autoridade judiciária competente deve, portanto, indicar os fundamentos fáticos e jurídicos que alicerçam sua
decisão, cuidando para explicitar: 1º a existência dos pressupostos fáticos para crer na existência de um
crime, sujeito ao encarceramento cautelar objeto da decisão, e na existência de indícios suficientes de autoria
(expressão utilizada para a decretação da prisão preventiva, conforme o art. 312 do CPP), ou fundadas razões
de autoria ou participação do indiciado (expressão utilizada para a decretação da prisão temporária, conforme
o art. 1º da Lei 7.960/89); 2º a necessidade concreta da medida cautelar, i.e., o periculum libertatis, traduzido
em alguma ou algumas das expressões referidas no art. 312 do Código de Processo Penal, que indicam os fins
legítimos da prisão ante tempus, a saber, a necessidade de garantir a ordem econômica, a conveniência
(rectius: necessidade) de preservar a instrução criminal, e/ou a necessidade de assegurar a aplicação da lei
penal” (Rogério Schietti Machado Cruz, Prisão cautelar..., op. cit., p. 93).
355
Ao cuidar das prisões processuais, afirma Antonio Magalhães Gomes Filho que “é exatamente por meio
de uma adequada motivação dos provimentos relativos a esse tipo de prisão que se torna possível verificar,
em cada caso, se o exercício do poder cautelar conferido pela lei ao juiz não se transformou numa forma de
justiça sumária, inconcebível num Estado de direito. Como sublinha Grevi, a demonstração das apontadas
exigências cautelares constitui o núcleo fundamental e imprescindível da motivação dos provimentos, até
porque é dessa demonstração que se pode inferir a legitimidade de uma providência que, afinal, pode
comprometer valores essenciais consagrados no texto constitucional” (Antonio Magalhães Gomes Filho, A
motivação..., op. cit., p. 224).
356
“Assim, na motivação de direito cuida-se da apresentação de argumentos que tendem a demonstrar a
justiça, correção, validade etc. das prescrições que o juiz extrai do ordenamento para a solução da hipótese
submetida a julgamento (escolha da norma, interpretação, superação das lacunas e antinomias); na motivação
do fato trata-se de aduzir razões sobre a verdade, probabilidade, verossimilhança etc. de uma afirmação sobre
cada um dos acontecimentos históricos postos como base da decisão” (Antonio Magalhães Gomes Filho, A
motivação..., op. cit., p. 129-130).
357
A medida patrimonial pode assumir um papel de “strumento di repressione immediata destinato a funzioni
intimidatorie, e gestito com la piú absoluta discrecionalità” (Giulio Illuminati, La presunzione d’innocenza,
Bologna, Zanichelli, 1979, p. 62).
358
“Com relação ao direito que fundamenta a cautela, trata-se de apresentar argumentos que mostrem a sua
probabilidade, ao passo que em relação ao periculum in mora deve ser convenientemente demonstrada a sua
efetiva ocorrência” (Antonio Magalhães Gomes Filho, A motivação..., op. cit., p. 219).
90

Repetir o disposto no Código de Processo Penal não basta359. Ainda que a


fundamentação nas interlocutórias seja, por natureza, breve, é preciso que lá esteja.

Por isso, diz-se que a motivação tem natureza de um discurso justificativo, não
bastando simplesmente indicar os motivos para explicar a decisão, mas explicitar as razões
que justifiquem a solução encontrada360. O juiz deve, assim, demonstrar a presença, na
situação que lhe é posta, dos pressupostos autorizadores das medidas361.

Para a adoção de medida cautelar patrimonial, o juiz deve, portanto, examinar se


existe justa causa para a sua decretação, tal como analisado no item 2.2.3.

Quanto à prova da materialidade, deve-se justificar, com base em elementos de


convicção induvidosos, a ocorrência do fato e sua tipificação legal362. Quanto à autoria,
basta a valoração de indício suficiente363.

No que toca aos indícios, que são meio de prova importante na decretação das
cautelares, pessoais ou patrimoniais, cabe ao juiz demonstrar, na motivação do juízo de
fato, “a) que as inferências empregadas foram realizadas com base em máximas de
experiência de reconhecida validez, resultando daí um elevado grau de relevância e
pertinência em relação ao fato a ser provado, o que acarreta uma apreciável intensidade
persuasiva dos elementos obtidos (gravidade); b) que o fato constatado pela prova
indireta tem um sentido único e definido, autorizando uma só conclusão a respeito do fato
que deve ser provado, ao contrário do que sucederia com um indício vago ou equívoco

359
Antonio Magalhães Gomes Filho, A motivação..., op. cit., p. 224-225. Ainda, “Embora a Constituição da
República, em seu artigo 93, IX, imponha ao juiz o dever de motivar todos os seus atos decisórios, não é raro
encontrarmos, na prática, decisões cautelares, sobretudo no âmbito das prisões provisórias, que apenas fazem
menção à presença do fumus boni iuris e do periculum in mora, ou que, simplesmente, limitam-se a repetir os
dispositivos legais. E é na seara das medidas cautelares que a discussão torna-se mais importante,
principalmente quando se trata de direitos indisponíveis, conforme salienta Confalonieri. A motivação
cumpre essencialmente duas finalidades, uma política e outra processual. [...] Portanto, a motivação garante a
ampla defesa e a realização do efetivo contraditório, pois conhecendo-se os motivos pelos quais o juiz decide
acerca da medida cautelar, torna-se possível a realização do debate no processo acerca da concorrência da
cautelaridade, da necessidade e da adequação da medida decretada. A motivação, outrossim, legitima os atos
decisórios do Poder Judiciário” (Rogério Lauria Tucci et al., Sistematização..., op. cit., p. 122).
360
Antonio Magalhães Gomes Filho, A motivação..., op. cit., p. 116.
361
Mario D’Onofrio, Il sequestro…, op. cit., p. 76.
362
Antonio Magalhães Gomes Filho, A motivação..., op. cit., p. 222.
363
Antonio Magalhães Gomes Filho, A motivação..., op. cit., p. 222-223. Mas “não se trata simplesmente de
enunciar o indício ou indícios existentes, mas de demonstrar como e por que eles são suficientes para
autorizar um prognóstico de um julgamento positivo sobre a autoria ou a participação” (A motivação..., op.
cit., p. 223).
91

(precisão), c) finalmente, quando há mais de um indício, que todos os elementos obtidos


convergem para uma reconstrução unitária do fato a que se referem (concordância)”364.

No caso de seqüestro de bens, é preciso que seja apontada a origem do bem


seqüestrado, demonstrado o liame que faz caracterizar indícios de que o bem seja proveito
da infração penal.

O decreto das medidas de especialização da hipoteca legal e arresto deve ainda


estimar o valor do dano, um valor aproximativo365, inclusive para poder determinar a
medida em termos proporcionais. Para isso, no caso da especialização da hipoteca legal
(disciplina que se aplica igualmente ao seqüestro), o juiz deve corrigir o arbitramento do
valor da responsabilidade, se lhe parecer excessivo ou deficiente (artigo 135, § 3º, do
Código de Processo Penal).

A decisão, que decreta a cautelar patrimonial e que ostente inexistência ou vício


de motivação, é eivada de nulidade absoluta366, e, portanto, insanável367.

2.5. CONTEXTO DE INSERÇÃO, NO DIREITO BRASILEIRO, DAS MEDIDAS


CAUTELARES PATRIMONIAIS

Como visto, o crime, como ato ilícito, pode causar dano, material e/ou moral. A
reparação dos danos causados pode se dar por restituição, ressarcimento, reparação ou
indenização. Genericamente, são todas chamadas de reparação.

No direito brasileiro, as ações civil e penal correm em juízos distintos, muito


embora seja reconhecida a influência da coisa julgada penal no âmbito civil. Assim, a

364
Antonio Magalhães Gomes Filho, A motivação..., op. cit., p. 109. Ainda: “A plausibilidade do dano é
avaliada pelo juiz, segundo as regras do livre convencimento, de modo que não dispensa a fundamentação ou
motivação de seu reconhecimento; mas isso se dará com muito maior liberdade de ação do que na formação
de certeza que se exige no processo definitivo” (Humberto Theodoro Júnior, Processo..., op. cit., p. 66).
365
Jaume Solé Riera, La tutela..., op. cit., p. 136.
366
Antonio Magalhães Gomes Filho, A motivação..., op. cit., p. 202-204. Ainda, “especialmente no processo
penal, em que mais avulta a inadmissibilidade de motivação implícita – aquela em que a fundamentação do
julgamento carece de um raciocínio lógico e direto, reclamando, para sua compreensão, análise conjunta de
argumentos principais e subsidiários; aliunde – aquela em que há simples referência a atos produzidos em
outro processo; ou per relationem – aquela repousante em fundamentação outra, porém constante do mesmo
processo, sendo mais freqüente a hipótese em que o órgão recursal se reporta aos argumentos decisórios
expendidos pelo inferior no julgamento recorrido” (Rogério Lauria Tucci, Direitos e garantias..., op. cit., p.
236-237).
367
Rogério Lauria Tucci, Direitos e garantias..., op. cit., p. 234.
92

sentença penal condenatória traz como efeitos automáticos tornar certa a obrigação de
reparar o dano causado pelo crime e a perda, em favor da União, ressalvado o direito do
lesado ou do terceiro de boa-fé, do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que
constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.

No Código de Processo Penal, as medidas assecuratórias devem ser tomadas


como cautelares, porque visam a assegurar a eficácia dos efeitos automáticos da decisão
condenatória transitada em julgado.

É, todavia, impróprio o uso, no processo penal, das expressões fumus boni iuris e
periculum in mora, cunhadas no processo civil. A decretação das medidas cautelares
patrimoniais se sujeita à justa causa, ao preenchimento de pressupostos e requisitos
próprios.

Quanto à justa causa remota, há necessidade de prova da materialidade e indícios


de autoria, e da existência ou não de ação penal em curso, dependendo da medida que se
pretende tomar. No tocante à justa causa próxima, é contemplada unicamente no caso de
seqüestro, em que se exigem indícios da proveniência ilícita dos bens. Quanto às demais
medidas, embora o Código de Processo Penal seja silente, seria necessário dispositivo que
determinasse alegação e demonstração, tanto quanto possível, de situações concretas que
indicassem a provável transformação do dano temido em dano efetivo, ou seja, a provável
burla à futura reparação do dano, por meio do depauperamento ou dispersão dos bens,
móveis e imóveis, que a pudessem garantir.

As medidas cautelares têm a instrumentalidade e a provisoriedade como


elementos intrínsecos, essenciais. São revogáveis e reversíveis. Ao fim do processo, se não
tiverem sido revogadas, ou bem se extinguem, no caso de a decisão final ser absolutória ou
for declarada extinta a punibilidade, ou, no caso de inquérito, tenha havido o
arquivamento, ou, em caso de decisão condenatória transitada em julgado, se transmudam,
tornando-se definitivas e podendo então ser executadas.

Por fim, a decretação das medidas cautelares patrimoniais, que restringem


direitos assegurados constitucionalmente, deve obedecer às garantias do processo, em
especial a proporcionalidade, o direito de defesa e a motivação das decisões judiciais.
93

CAPÍTULO II

ANÁLISE DAS MODALIDADES DE MEDIDAS CAUTELARES PATRIMONIAIS, NO


PROCESSO PENAL

3. SISTEMATIZAÇÃO DA DISCIPLINA LEGAL: SEQÜESTRO DE BENS,


ESPECIALIZAÇÃO DA HIPOTECA LEGAL, ARRESTO

Esta segunda parte do trabalho se destina a analisar a atual sistematização


conferida pelo Código de Processo Penal às chamadas medidas assecuratórias, previstas
para acautelar, entre outras finalidades368, os direitos do lesado pelo delito. A disciplina
procedimental destas medidas, todavia, encontra-se mal formulada no diploma processual
penal.

A recente Lei n.º 11.435, de 28 de dezembro de 2006, substituiu, nos artigos 136
a 139 e 141 e 143 do Código de Processo Penal, a expressão “seqüestro” por arresto, e
também corrigiu falha, no artigo 137, para se referir à hipoteca legal dos imóveis, e não
móveis, como constava da redação original do Código de Processo Penal369.

Com a aprovação desta alteração, algumas imperfeições foram, é certo, sanadas,


mas ainda persistem outras tantas, como será analisado a seguir. Detectadas e suprimidas
as falhas, por meio de interpretação sistemática, pode-se colher material suficiente a (i)
permitir maior utilização dos institutos, com o clareamento das hipóteses de incidência de
cada uma das medidas e (ii) analisar criticamente o atual sistema de forma a propiciar que,
na terceira parte do trabalho, sejam propostas soluções de lege ferenda, para que não se
torne sem efeito a previsão de reparação do dano, decorrente da decisão penal condenatória
e, ao mesmo tempo, por se tratar de medida restritiva, tornem-se mais claros e precisos
seus pressupostos e requisitos para decretação.

Daí a importância de analisar as modalidades de medidas cautelares patrimoniais


previstas pelo Código de Processo Penal, que, no Capítulo VI, do Título VI, do Livro I,

368
É certo que os créditos assegurados alcançam também as despesas processuais e as penas pecuniárias, mas
a reparação do dano ao ofendido tem preferência sobre essas, conforme preceitua o artigo 140 do Código de
Processo Penal (Ruy Sérgio Rebello Pinho, A reparação do dano..., op. cit., p. 106).
369
Era evidente o descuido da redação original. A este respeito, cf. Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v.
3, p. 50-51. Sebastião de Oliveira Castro Filho, Medidas cautelares..., op. cit., p. 164.
94

disciplina as chamadas medidas assecuratórias. Muito embora a redação original parecesse


tratar apenas de duas figuras – seqüestro e hipoteca legal –, em verdade são previstas três
espécies de medidas, como, aliás, foi estabelecido pela recente Lei n.º 11.435/2006, que
atribuiu o nomem juris de arresto àquilo que boa parte doutrina já assim o chamava.

O Código de Processo Penal trata do seqüestro nos artigos 125 a 133; do arresto,
nos artigos 136 a 139 e 141 a 144; e da hipoteca legal (em verdade, especialização da
hipoteca legal), nos artigos 134 e 135. São as chamadas providências cautelares
patrimoniais, ou medidas cautelares reais, porque recaem sobre coisas.

Como já afirmado, as medidas cautelares patrimoniais são típicas370. Hoje, no


sistema brasileiro, as medidas assecuratórias vêm previstas no Código de Processo Penal e,
no caso de lavagem de dinheiro, na Lei n.º 9.613/98.

A Lei n.º 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, instituiu


mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e previu, no
artigo 24, inciso IV, entre as medidas protetivas de urgência, a caução provisória, nos
seguintes termos: “para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou
daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as
seguintes medidas, entre outras: prestação de caução provisória, mediante depósito
judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e
familiar contra a ofendida”. Não se sabe, ao certo, a natureza da medida, bem como se
deve ser tomada no curso do processo penal ou extrapenal. Determina ainda o artigo 33 da
referida lei que, “enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularão as competências cível e
criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e
familiar contra a mulher”. Assim, se considerada como asseguradora da reparação do dano
decorrente da violência doméstica ou familiar que configure ilícito penal, a medida, de
prestação de caução provisória, que constitui medida cautelar patrimonial, é inédita no
sistema processual penal, mas a lei não traz maiores suportes sobre os pressupostos e
requisitos para a sua decretação. Por isso, embora seja aqui trazida a notícia, esta medida
não será objeto do presente trabalho.

370
Ou seja, “necessariamente sujeita ao crivo da Justiça Criminal, só pode ser admitida tal medida cautelar,
ou, segundo a terminologia do legislador, ‘assecuratória’, nas hipóteses e formas preconizadas pela aludida
Codificação nacional” (Rogério Lauria Tucci, Seqüestro prévio..., op. cit., p. 140).
95

Não se há tampouco de falar que, em se tratando de crime contra a ordem


tributária, ainda vigeria a disciplina conferida pelo Decreto-Lei n.º 3.240/41. Anterior à
edição do atual Código de Processo Penal, o Decreto-Lei n.º 3.240/41 cuidava do seqüestro
de bens em razão de crime praticado contra a Fazenda Pública. No regime estabelecido
pelos artigos 1º e 3º do referido decreto-lei, o seqüestro poderia ser decretado quando os
seguintes requisitos estivessem presentes: “a) indiciamento do indivíduo enredado na
persecutio criminis; b) efetivação desta em decorrência da prática de crime de que
resultasse prejuízo para a Fazenda Pública, ou, menos à falta de dano para o erário
público, cometido ‘contra a boa ordem e administração pública’, ‘contra a fé pública’, ou
‘contra a fazenda pública’; c) locupletamento ilícito do indiciado, resultante da prática da
infração penal; d) existência de ‘indícios veementes de responsabilidade do indigitado
autor do crime; e) comunicação secreta, escrita ou oral (reduzida a termo), ao juiz, com a
indicação dos bens a serem seqüestrados”371. Nos termos do artigo 2º do Decreto-Lei n.º
3.240/41, o Ministério Público deveria requerer ao juiz a decretação da medida, sendo o
requerimento fundado em representação formulada pela autoridade responsável pelo
processo administrativo ou pelo inquérito policial.

A disciplina conferida pelo Decreto-Lei n.° 3.420/41 foi, todavia, revogada em


razão da edição do Código de Processo Penal, lei posterior372. O Superior Tribunal de
Justiça, porém, já entendeu que, mesmo após a edição do Código de Processo Penal, o
Decreto-Lei n.º 3.240/41 continua em vigor373, por se tratar de diploma legal específico em

371
Rogério Lauria Tucci, Seqüestro prévio..., op. cit., p. 137.
372
“Tão só enquanto não adveio a vigência das suas novas normas, penais e processuais penais, valeram,
plenamente as dos Decretos-Leis n. 3240 e 3415” (Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Do seqüestro..., op.
cit., p. 108-109). Rogério Lauria Tucci, Seqüestro prévio..., op. cit., p. 138-139. E “tanto isso é certo que os
mais autorizados especialistas, ao versarem sobre a matéria, cogitam dos dispositivos daquele [Código de
Processo Penal], sem nenhuma preocupação com os deste” (Rogério Lauria Tucci, Seqüestro prévio..., op.
cit., p. 138).
373
“O art. 1º do Decreto-Lei n.° 4.240/41, por ser norma especial, prevalece sobre o art. 125 do CPP e não foi
por este revogado eis que a legislação especial não versa sobre a mesma apreensão do produto do crime, mas,
sim, configura específico meio acautelatório de ressarcimento da Fazenda Pública, de crimes contra ela
praticados. Os tipos penais em questão regulam assuntos diversos e têm existência compatível” (STJ – REsp
n.° 149.516 – Rel. Min. Gilson Dipp – DJ de 17.06.2002). No mesmo sentido, cf., ainda, STJ – REsp n.°
132.539 – Rel. Min. William Patterson – DJU de 09.02.1998; STJ – RMS n.° 4.161 – Rel. Min. Pedro Acioli
– DJU de 05.08.1996. Havia, no entanto, no próprio Superior Tribunal de Justiça, posição diversa,
entendendo revogada a disciplina conferida pelo Decreto-Lei n.° 3.240/41, em razão da edição do Código de
Processo Penal: “O CPP, por sua natureza jurídica, promoveu revogação das normas processuais penais,
recepcionando, porém, as que não colidirem com o diploma legal. No capítulo ‘Das Medidas Assecuratórias’
trata do seqüestro de bens. Conseqüentemente, ofertou disciplina orgânica ao instituto. Em outras palavras,
superior a anterior norma específica” (STJ – RMS n.° 6.728 – Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro – DJ de
06.12.1996).
96

relação aos prejuízos causados à Fazenda Pública374. Neste caso, o prazo marcado no artigo
136 do Código de Processo Penal não se aplica aos crimes praticados contra a Fazenda
Pública, para os quais incidiria a regra do artigo 4o, § 2o, do Decreto-Lei n.º 3.240/41. Por
tê-lo como revogado, o Decreto-Lei n.° 3.420/41 não será objeto deste trabalho.

A medida prevista no artigo 2o da Lei n.º 8.397/92375 não configura medida


cautelar processual penal. Trata-se de medida cautelar fiscal, que tem natureza civil e é
aplicável para fins de execução fiscal e não propriamente indenização do dano ex
delicto376.

Igualmente, não se aplica ao processo penal a disciplina conferida pela Lei n.º
8.429/92, que dispõe “sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de
enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na
374
Nesse sentido, sustentando que o Decreto-Lei nº 3.240/41 continua em vigor porque trata de situação
diversa da disciplinada no Código de Processo Penal, cf. Francisco Bissoli Filho e Rudson Marcos, O
Ministério Público é legitimado ativo para requerer o seqüestro de bens dos autores de crimes contra a ordem
tributária, Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, São Paulo, ano 8, n. 88, p. 427-429, mar.
2000, p. 427; e Aureo Rogério Gil Braga, O seqüestro de bens e a hipoteca legal no âmbito dos crimes contra
a ordem tributária, Revista do Ministério Público, Porto Alegre, n. 51, p. 219-245, ago.-dez. 2003, p. 224-
225.
375
Artigo 2º. A medida cautelar fiscal poderá ser requerida contra o sujeito passivo de crédito tributário ou
não tributário, quando o devedor:
I - sem domicílio certo, intenta ausentar-se ou alienar bens que possui ou deixa de pagar a obrigação no
prazo fixado;
II - tendo domicílio certo, ausenta-se ou tenta se ausentar, visando a elidir o adimplemento da obrigação;
III - caindo em insolvência, aliena ou tenta alienar bens;
IV - contrai ou tenta contrair dívidas que comprometam a liquidez do seu patrimônio;
V - notificado pela Fazenda Pública para que proceda ao recolhimento do crédito fiscal:
a) deixa de pagá-lo no prazo legal, salvo se suspensa sua exigibilidade;
b) põe ou tenta por seus bens em nome de terceiros;
VI - possui débitos, inscritos ou não em Dívida Ativa, que somados ultrapassem trinta por cento do seu
patrimônio conhecido;
VII - aliena bens ou direitos sem proceder à devida comunicação ao órgão da Fazenda Pública competente,
quando exigível em virtude de lei;
VIII - em sua inscrição no cadastro de contribuintes declarada inapta, pelo órgão fazendário;
IX - pratica outros atos que dificultem ou impeçam a satisfação do crédito.
Artigo 3°. Para a concessão da medida cautelar fiscal é essencial:
I - prova literal da constituição do crédito fiscal;
II - prova documental de algum dos casos mencionados no artigo antecedente.
Artigo 4°. A decretação da medida cautelar fiscal produzirá, de imediato, a indisponibilidade dos bens do
requerido, até o limite da satisfação da obrigação.
376
Andreas Eisele, Crimes contra a ordem tributária, São Paulo, Dialética, 1998, p. 210. Aureo Rogério Gil
Braga, O seqüestro..., op. cit., p. 223.
97

administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências”. Trata dos


atos de improbidade administrativa que importam enriquecimento ilícito, dos que causam
prejuízo ao erário e dos que atentam contra os princípios da Administração Pública. A lei
prevê penas; cuida da apresentação da declaração de bens anterior a posse e exercício de
agente público e, por fim, do procedimento administrativo e do processo judicial
destinados a apurar a prática de ato de improbidade.

Prevê o perdimento de bens (artigo 6º), a indisponibilidade (artigo 7º), o


seqüestro (artigo 16, caput e § 1º) e o bloqueio de bens, contas e aplicações no exterior
(artigo 16, § 2º). No artigo 16, dispõe que, “havendo fundados indícios de
responsabilidade, a comissão representará ao Ministério Público, ou à procuradoria do
órgão para que requeira ao juízo competente a decretação do seqüestro dos bens do
agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio
público”. No § 1º do mencionado artigo, prevê que “o pedido de seqüestro será processado
de acordo com o disposto nos arts. 822 e 825 do CPC” e, no § 2º, que “quando for o caso,
o pedido incluirá a investigação, o exame e o bloqueio de bens, contras bancárias e
aplicações financeiras mantidas pelo indiciado no exterior, nos termos da lei e dos
tratados internacionais”. Estabelece, no artigo 17, que, dentro de 30 (trinta) dias contados
a partir da efetivação da medida, será proposta a ação principal pelo Ministério Público ou
pela pessoa jurídica interessada, obedecido o rito ordinário.

Não se cuida, portanto, de medida cautelar tomada no curso da persecução penal,


tampouco visa a garantir a reparação do dano ex delicto.

Diante disso, os itens seguintes cuidam somente da análise da sistemática atual


conferida às medidas cautelares patrimoniais no processo penal pelo Código de Processo
Penal e pela Lei n.° 9.613/98, com vistas à reparação do dano decorrente do delito.

3.1. CONFUSÃO HISTÓRICA

No processo civil, é clássica a distinção entre arresto e seqüestro de bens. Ambas


são modalidades de medidas cautelares patrimoniais constritivas377, que limitam a

377
“Ambas têm em comum a característica de cautelaridade precedente à execução forçada, cuja finalidade é
a de assegurar, por antecipação, o direito do exeqüente, a ser satisfeito no âmbito desta” (Rogério Lauria
98

disponibilidade sobre o bem. A diferença reside justamente na determinação, ou


indeterminação, dos bens objeto da constrição: o arresto dirige-se ao patrimônio do
devedor, enquanto o seqüestro tem em vista determinado bem, qual seja, o próprio objeto
da relação jurídica litigiosa378.

Assim, o arresto, ou embargo379, consiste na tomada judicial de bens


indeterminados do patrimônio do devedor e assegura futura execução por quantia certa380.
Para a sua concessão, faz-se necessária prova literal da dívida líquida e certa, que
demonstre a ocorrência de uma das situações previstas no artigo 813 do Código de
Processo Civil. O artigo 814 do Código de Processo Civil equipara à prova líquida e certa a
“sentença líquida e ilíquida, pendente de recurso, ou o laudo arbitral, pendente de
homologação, condenando o devedor no pagamento de dinheiro ou de prestação que em
dinheiro possa converter-se”381. Ademais, o credor deve demonstrar a possibilidade de
frustração de seu direito caso a medida constritiva não venha a ser tomada.

Tucci, Medidas cautelares constritivas patrimoniais, Revista de Processo, São Paulo, ano 17, n. 67, p. 40-61,
jul.-set. 1992, p. 49).
378
“A contrário do arresto, que, como vimos, visa indiscriminadamente ao patrimônio do devedor (qualquer
bem serve para a apreensão), o seqüestro se dirige, entre vários bens daquele patrimônio, a uma coisa
determinada” (Alfredo de Araújo Lopes da Costa, Medidas preventivas..., op. cit., p. 90). Ainda, Rogério
Lauria Tucci, Medidas cautelares..., op. cit., p. 49.
379
“O arresto é definido como a apreensão judicial de bens suficientes para segurança da dívida até decidir-se
a questão dela, ou já pendente, a propor-se. É um impedimento, um embargo – como diz João Mendes – para
forçar o devedor a pagar quanto solvável. Daí o chamar-se o arresto também embargo, no singular” (Joaquim
Cândido de Azevedo Marques, Arresto, Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 27, p. 449-445, set. 1918,
republicado na Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 90, v. 792, p. 763-767, out. 2001, p. 763).
380
“O que caracteriza o arresto é ser a garantia de execução futura por quantia certa. Crédito de dinheiro ou
que em crédito de dinheiro se possa transformar (satisfação de perdas e danos), com a condição, porém, em
nossa lei, de já ser líquida e certa a dívida” (Alfredo de Araújo Lopes da Costa, Medidas preventivas..., op.
cit., p. 64-65). “Arresto ou embargo, como diziam os antigos praxistas, é a medida cautelar de garantia da
futura execução por quantia certa. Consiste na apreensão judicial de bens indeterminados do patrimônio do
devedor. Assegura a viabilidade da futura penhora (ou arrecadação, se se tratar de insolvência), na qual virá a
converter-se ao tempo da efetiva execução” (Humberto Theodoro Júnior, Processo..., op. cit., p. 179).
381
“[...] torna-se essencial à concessão do arresto prova literal de dívida líquida e certa; e, assim também, a
documental, ou espécie outra, justificativa da ocorrência de uma das situações elencadas no art. 813 do CPC.
É o que expressa, circunstanciadamente, o art. 814, cujo parágrafo único equipara à prova literal da dívida
líquida e certa’, para tal efeito, ‘a sentença líquida e ilíquida, pendente de recurso, ou o laudo arbitral,
pendente de homologação, condenando o devedor no pagamento de dinheiro ou de prestação que em dinheiro
possa converter-se’. Abstração feita, portanto, do requisito da exigibilidade, ínsito à execução e conseqüente
penhora, para que possa ensejar o aforamento do arresto o título deve ser líquido, isto é, não deixar dúvida
referentemente ao seu objeto, restando determinada a importância da prestação (quantum), e certo, qual seja o
que ‘não deixa dúvida quanto à sua existência’. Do mesmo modo, deverá ser objetivada, pelo credor, outra
prova, de natureza diversa, especialmente a documental, através da qual fique demonstrada a possibilidade de
restar frustrada a satisfação do seu direito se não objetivar, de plano, a medida constritiva por ele colimada,
tudo nos termos do já mencionado art. 813” (Rogério Lauria Tucci, Medidas cautelares..., op. cit., p. 50).
99

O seqüestro, por sua vez, assegura futura execução para entrega de coisa certa e,
por isso, tem objeto determinado382. Neste caso, existe dúvida acerca da titularidade do
direito subjetivo material sobre o bem que constitui o objeto da relação jurídica tornada
litigiosa, de sorte que, nos termos do artigo 822 do Código de Processo Civil, além da
demonstração dos pressupostos genéricos, é necessária a demonstração da litigiosidade da
coisa, do interesse do requerente e da necessidade da manutenção de igualdade das partes
no curso do processo383.

O Código de Processo Penal, todavia, até a recente modificação operada pela Lei
n.º 11.435/2006, usava indistintamente o termo seqüestro para se referir às duas figuras,
seqüestro e arresto. Esta confusão foi herdada das Ordenações Filipinas384, onde o arresto
civil era denominado de seqüestro385, tendo esta sinonímia também sido usada para o
arresto penal.

382
“O seqüestro é o depósito, guarda, conservação e administração da coisa determinada sobre a qual se
pretende um direito à entrega, fundado num direito real ou obrigacional (obrigação de restituir, ao estado
anterior, por força de nulidade do negócio). O seqüestro tem direção determinada: sobre determinada coisa. O
arresto se dirige indiscriminadamente contra o patrimônio do devedor” (Alfredo de Araújo Lopes da Costa,
Medidas preventivas..., op. cit., p. 64-65). “Seqüestro é a medida cautelar que assegura futura execução para
entrega de coisa, e que consiste na apreensão de bem determinado, objeto do litígio, para lhe assegurar
entrega, em bom estado, ao que vencer a causa. Atua o seqüestro, praticamente, através de desapossamento,
com o escopo de conservar a integridade de uma coisa sobre que versa a disputa judicial, preservando-a de
danos, de depreciação ou deterioração” (Humberto Theodoro Júnior, Processo..., op. cit., p. 233). O
seqüestro é a “tomada judicial e o conseqüente depósito da coisa litigiosa em mãos de terceiro estranho à
lide, com o fim de preservar o direito sobre ela. Tem, pois, por objeto coisa certa e determinada, acerca da
qual se discute, seja sua propriedade, seja sua posse” (Edgard Magalhães Noronha, Curso..., op. cit., p. 74).
383
“O seqüestro, ao que se pode dessumir do enunciado do art. 822, cinge-se às situações em que haja dúvida
acerca da titularidade do direito subjetivo material sobre bem (de qualquer natureza) constitutivo do objeto de
relação jurídica tornada litigiosa. Daí por que basta, para a sua concessão, a par dos requisitos genéricos
(fumus boni iuris e periculum in mora) a demonstração da litigiosidade da coisa, do interesse do requerente
da medida sobre ela e da necessidade da mantença de igualdade das partes enquanto pendente a lide”
(Rogério Lauria Tucci, Medidas cautelares..., op. cit., p. 50).
384
Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Do seqüestro..., op. cit., p. 91. Ainda, “o processo penal comum
brasileiro não conseguiu se liberar do uso indistinto da palavra ‘seqüestro’, herdado das Ordenações, para
significar também casos típicos de arresto, como se verifica dos arts. 136 e 137 do CPP. A confusão provém
do disposto na Ordenação, Lº 3o, T. 31, § 2o, onde o arresto civil era denominado seqüestro, sinonímia
mantida, para o arresto penal, no Lº 5o, T., 126, § 11. Apesar de Almeida e Souza, na esteira de autores mais
antigos, ter estabelecido a nítida distinção entre as duas figuras (‘Ações Sumárias’, 1867, §§ 73 e 109, I/64 e
88), nosso processo penal, por curioso equívoco, ficou preso à confusão. É que a Ordenação, Lº 5o, T., 127,
tratara do processo cautelar penal de ‘anotações de bens’, análogo ao arrolamento, como medida prévia ao
confisco” (Galeno Lacerda, Seqüestro penal, Ajuris Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul,
Porto Alegre, ano XIV, n. 40, p. 53-63, jul. 1987, p. 54).
385
“Muito embora, nas Ordenações Afonsinas e Manuelinas, a distinção entre seqüestro e arresto não se
mostrasse clara, parece que as Ordenações Filipinas incumbiram-se de misturar os dois institutos, em todo o
Título XXXI, do Livro III. O arresto é, pois, conhecido em tais Ordenações, sob a denominação genérica de
seqüestro” (Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Do seqüestro..., op. cit., p. 87).
100

De fato, nas Ordenações Filipinas, Livro V, Título CXVI, § 11, e Título CXXVII,
sob a denominação de seqüestro, permitia-se o arresto dos bens do acusado, em crimes
graves, ou quando se ausentasse do juízo da causa386. Também se estabelecia que o
seqüestro era um dos efeitos da pronúncia, quando o crime em que se achava indiciado o
acusado era punido com confiscação, como, por exemplo, lesa-majestade, moeda falsa,
deserção, falsificação de sinais ou selos, quebra dolosa e outros387. Este seqüestro foi
abolido, de maneira implícita, pela Constituição de 1826388.

O Código Criminal do Império previu, então, no artigo 27, que os bens do


acusado ficassem hipotecados desde o cometimento do crime389. Inexistia, então, arresto ou
seqüestro em processo penal390.

Depois, o Projeto de Código de Processo Penal Vicente Ráo, cuidou, no título


VIII, denominado “processos preparatórios, preventivos e incidentes”, nos Capítulos VII,
VIII e IX, da hipoteca legal, do arresto e do seqüestro, e buscou, de forma até então inédita,
distinguir arresto de seqüestro391.

386
Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Do seqüestro..., op. cit., p. 89, nota 119. Como se vê, nas Ordenações
Filipinas, a denominação genérica de seqüestro abrangia ambas as medidas cautelares (Romeu Pires de
Campos Barros, Processo..., op. cit., p. 416).
387
Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Do seqüestro..., op. cit., p. 91.
388
Galeno Lacerda critica este entendimento e vislumbra aí o motivo pelo qual as leis do Império e do início
da República deixaram de mencionar tal medida constritiva: “ocorre que a Constituição do Império, no art.
145, § 19, aboliu a confiscação de bens, com o que passou a considerar-se derrogado não só o aludido T 127
do Lº 5o das Ordenações, como, de modo evidentemente errôneo e abusivo, o próprio instituto do seqüestro
(ou arresto) penal. Neste sentido, dispôs o Aviso n. 132, de 15.1.1839, da Regência, e assim o entenderam
também renomados juristas da época (Cândido Mendes de Almeida, ‘Ordenações’, 14a. ed., p. 1.299, nota 6;
Nazareth, ‘Processo Criminal’, 1870, § 137, p. 139). Por esse motivo, as leis sobre processo penal do Império
e no início da República não mencionaram essa medida constritiva” (Galeno Lacerda, Seqüestro..., op. cit., p.
54).
389
Antonio Scarance Fernandes, O papel da vítima..., op. cit., p. 196. Ainda, “esta hipoteca especial foi
conservada em nosso direito, discutindo-se, porém, em relação à data, pois o Código Civil (art. 827, VI) não
esclarece, nem o faz ao declarar a quem compete a inscrição da hipoteca legal (art. 842). Parece-nos que,
nada havendo de expresso em contrário, sendo antes, mais harmônico com o sistema de satisfação do dano, a
hipoteca legal deve ser desde a data do crime. Quando, porém, deve ser requerida? Apenas denunciado o
crime? Antes mesmo da denúncia? Depois da pronúncia?” (Vicente de Paula Vicente de Azevedo, Crime...,
op. cit., p. 39).
390
Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Do seqüestro..., op. cit., p. 94-95.
391
“Na própria divisão da matéria se nota a intenção de bem separar arresto e seqüestro. O arresto incidente
sobre quaisquer bens móveis do réu destinado a, de modo subsidiário, garantir a reparação do dano,
insuficientemente, acautelada pela hipoteca legal O seqüestro para cair nos bens possuídos pelo réu, quando
existente a prova de terem sido adquiridos com o produto (direto ou indireto) do crime” (Sérgio Marcos de
Moraes Pitombo, Do seqüestro..., op. cit., p. 104). Ainda: “Esse projeto continha um título (VIII), com a
denominação: Processos preparatórios, Preventivos e Incidentes, e neste, nos Capítulos VII, VIII e IX,
regulou-se a hipoteca legal (arts. 193/197), o arresto (art. 201 e arts. 202/204) e o seqüestro. Este recaía sobre
os bens possuídos pelo réu, quando existisse provas de terem sido adquiridos como produto do crime, direto
ou indireto. O arresto consistia em garantia subsidiária, quando a hipoteca legal sobre imóveis não fosse
101

Os Decretos-Leis n.° 3.240/41 e 3.415/41, anteriores à entrada em vigor do


Código Penal e do Código de Processo Penal hoje vigentes, incorreram na mesma confusão
terminológica entre arresto e seqüestro392. O Decreto-Lei n.° 3.240/41, como se disse,
sujeitou a seqüestro “os bens de pessoas indiciadas por crime de que resulta prejuízo para
a Fazenda Pública, e outros”. E o Decreto-Lei n.° 3.415/41 dispôs sobre “a prisão
administrativa e sobre o depósito e guarda dos bens apreendidos aos acusados de crimes
contra a Fazenda Nacional”, medidas administrativas de urgência, preliminares ao
seqüestro, a ser depois requerido pelo Ministério Público393.

O Código de Processo Penal manteve a confusão histórica394, chamando


genericamente de seqüestro casos de arresto, previstos nos artigos 136 e 137395. Isto até a
edição da Lei n.º 11.435/2006, que veio para tirar a confusão, ao substituir o termo
seqüestro, usado impropriamente nos artigos 136 a 139 e 141 e 143, por arresto.

Assim, o seqüestro de bens vem disciplinado nos artigos 125 a 133 do Código de
Processo Penal396. O artigo 125 dispõe que “caberá o seqüestro dos bens imóveis

possível ou insuficiente, e poderia recair sobre quaisquer bens do réu. No entanto, o golpe de estado de 1937,
com o advento da respectiva Constituição, impossibilitou a discussão pelo Congresso dessa proposta
legislativa” (Romeu Pires de Campos Barros, Processo..., op. cit., p. 416-417).
392
Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Do seqüestro..., op. cit., p. 105-109.
393
“Se ambos os Decretos-Leis referem casos de seqüestro de todos os bens do acusado, isto é, de quaisquer
bens, indeterminados portanto. Se o seqüestro surge assestado contra o patrimônio do devedor, como garantia
geral de reparação do dano, para a Fazenda Pública, então, os casos são de arresto” (Sérgio Marcos de
Moraes Pitombo, Do seqüestro..., op. cit., p. 109). Ainda, Antonio Scarance Fernandes, O papel da vítima...,
op. cit., 1995, p. 197.
394
Sobre a confusão dos termos, cf. Antonio Scarance Fernandes, O papel da vítima..., op. cit., p. 193. Sérgio
Marcos de Moraes Pitombo, Do seqüestro..., op. cit., p. 137-8.
395
“O primeiro CPP, promulgado no Brasil depois da República, o do Rio Grande do Sul (Lei n. 24, de
5.8.1898), rompeu o silêncio e o equívoco. Fê-lo, porém, como não poderia deixar de ser, mantendo a
confusão das Ordenações, ao denominar de seqüestro hipótese clara de arresto, no art. 220: ‘Se o criminoso
não possui imóveis suficientes para garantia de todas as suas responsabilidades (caso de hipoteca legal), tem
lugar o seqüestro de bens móveis, guardada a ordem e a forma que se observam no processo civil’. As
primeiras leis federais rezaram pela mesma cartilha, ao disporem sobre o ‘seqüestro’ de bens de responsáveis
perante a Fazenda Pública (Decretos-Leis nº 3.240, de 8.5.41, e 3.415, de 10.7.41). Não admira, assim, que o
CPP, promulgado na época, tenha permanecido retrógrado em relação ao Direito Processual Civil” (Galeno
Lacerda, Seqüestro..., op. cit., p. 54).
396
“O seqüestro do art. 125 do Código de Processo Penal é um misto de seqüestro e arresto. Tal como o
primeiro, recai sobre determinados bens, isto é, sobre os bens adquiridos com os proventos da infração, e não
sobre qualquer bem do indiciado. Mas aqui a propriedade não é controvertida. Os bens são ou foram do
indiciado, mas adquiridos e pagos com algo obtido criminosamente. De sorte que a propriedade das coisas
(ou dinheiro) dadas em pagamento é que pode ser contestada. É como se a lei estendesse o conceito de res
litigiosa ao que é adquirido com o proveito do crime. Da mesma forma que o arresto, portanto, a providência
recai sobre bens cuja propriedade é incontrovertida. E mais, tal como esta última cautela, também se destina a
assegurar as obrigações que nascem do crime e se tornam certas com a sentença condenatória, como se infere
de várias disposições legais” (Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 17). Fernando da Costa
Tourinho Filho, seguindo lição de Tornaghi, entende que o artigo 125 do Código de Processo Penal
102

adquiridos pelo indiciado com os proventos da infração, ainda que já tenham sido
transferidos a terceiro”. E o artigo 132 do Código de Processo Penal estabelece que
“proceder-se-á ao seqüestro de bens móveis se, verificadas as condições previstas no art.
125, não for cabível a medida regulada no Capítulo XI do Título VII deste Livro” – busca e
apreensão397 .

O Código cuida de hipótese de aquisição, pelo acusado (em sentido amplo, desde
o indiciado até o acusado judicialmente), com o produto da infração, de bens móveis e
imóveis – estes sim proventos da infração, como veremos mais adiante –, mesmo que já
transferidos a terceiros398. Não obstante se identifique o seqüestro nos artigos 125 a 133, é
certo que o termo era usado, nos artigos 136 a 139 e 141 a 144, do Código de Processo
Penal, para se referir também à figura que, hoje, depois da edição da Lei n.° 11.435/2006, é
identificada como arresto. E por isso se afirmava que o Código de Processo Penal havia
empregado o termo seqüestro de forma demasiadamente larga, além do seu sentido estrito
e técnico, abarcando, com isso, além do tradicional seqüestro, o arresto399.

contempla figura que seria misto de arresto e seqüestro: “Embora não se trate, a rigor, de coisa sobre cuja
propriedade haja controvérsia, e só assim seria seqüestro, por outro lado, não podem ser seqüestrados
quaisquer bens do indiciado. Apenas aqueles imóveis adquiridos por ele com os proventos da infração”
(Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo..., op. cit., v. 3, p. 28).
397
“A razão de ser admitido o seqüestro de bens móveis é óbvia, uma vez que o agente do crime pode com os
proventos da infração ao invés de adquirir imóveis, cuja transferência a terceiros é mais difícil, poderá
adquirir coisas móveis, cujo desvio e sonegação torna-se mais fácil” (Romeu Pires de Campos Barros,
Processo..., op. cit., p. 424).
398
O Projeto Vicente Ráo, no artigo 202, de forma razoável, falava em bens adquiridos com o produto do
crime (Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Do seqüestro..., op. cit., p. 137).
399
“O Código de Processo Penal não empregou a palavra seqüestro em seu sentido estrito e técnico; deu-lhe
compreensão demasiadamente grande, fazendo entrar nela não apenas o que tradicionalmente se costuma
denominar seqüestro, mas também outros institutos afins e, especialmente, o arresto. Isso se deve talvez ao
fato de que o Código italiano, um dos modelos seguidos nesta matéria, de acordo com a linguagem jurídica
peninsular, usar a palavra seqüestro tanto para designar o que entre nós sempre recebeu esse nome quanto o
que denominamos arresto. Por motivos que adiante exporei, chama ao primeiro sequestro giudiziario e ao
outro sequestro conservativo. Não tínhamos razão para abandonar nossos usos e locuções, desprezando uma
opulência vocabular que ministra nomes diferentes para coisas diversas, aderindo à maneira de expressar de
uma língua, neste particular, mais pobre. A distinção que fazemos existe em outros idiomas altamente
importantes para as letras jurídicas, como o alemão, que usa as palavras Sequestration e Arrest; o francês, que
distingue entre o sequestre ou dépot juridiciaire e a saisie conservatoire. E parece que a confusão não foi
apenas terminológica. Misturam-se, por vezes, no mesmo instituto caracteres do seqüestro com outros que
são peculiares ao arresto. Conquanto na interpretação da lei seja necessário ver o que ela diz e não o que ela
deveria ter dito para ser melhor e mais técnica, nada impede que o trabalho da exegese e da dogmática seja
acompanhado pelo da crítica. Assim, ao mesmo tempo em que se inferem da lei aquelas princípios que a
governam, revelam-se aqueles outros preceitos teóricos que devem ser adotados de lege ferenda. Por isso,
antes mesmo de encarar o Código de Processo Penal, mostrarei o que se deveria ter consignado nele e o que
se deverá assentar em lei porvindoura. Isso não apenas será útil para uma futura modificação da lei, mas até
ajudará a compreender melhor o direito vigente. O Projeto nº 663, como foi dito no início destas Instituições,
corrige os defeitos do Código vigente, neste ponto” (Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 15-16).
No mesmo sentido, cf. Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Medidas..., op. cit., p. 1490 e 1509.
103

Em verdade, o arresto, que era impropriamente denominado pelo Código de


Processo Penal também como seqüestro, é medida cautelar prevista para os casos em que
não existe proveito da infração a ser seqüestrado, ou há em valor insuficiente para garantir
a reparação do dano, e, por outro lado, no caso de imóveis, ainda não há denúncia recebida
que permitiria a decretação da especialização da hipoteca legal; além disso, pode ocorrer
que o acusado possua unicamente bens móveis, que podem, então, ser objeto desta medida
cautelar400. Figura-se, pois, como: (i) providência, ou medida, preparatória da
especialização da hipoteca legal, se a ação penal condenatória, ainda, não foi proposta; (ii)
medida cautelar, destinada a assegurar bens móveis, se o acusado não tem imóvel, ou os
têm insuficientes, para reparar o dano401. Tem por objeto indistintamente coisas suficientes
que garantam o pagamento da dívida402.

O arresto pode ser destinado a ser substituído pela hipoteca403, ou permanecer


como arresto404, no caso de recair sobre bens móveis405.

O Anteprojeto de Hélio Tornaghi406 e depois o Anteprojeto de Código de


Processo Penal de Frederico Marques407 procuraram aperfeiçoar o uso da linguagem: o

400
No processo penal italiano, o seqüestro conservativo penal poderia ser decretado quando faltassem
condições para a inscrição da hipoteca legal ou quando esta não era suficiente para garantir a obrigação
surgida do crime (cf. Gaetano Foschini, Sistema..., op. cit., v. 1, p. 522).
401
“No Código de Processo Penal em vigor, o arresto, como visto, é referido, por vezes, como seqüestro, e
será cabível em dois casos: a) como medida preparatória à hipoteca legal, na forma do art. 136, evitando-se,
assim, seja frustrada tal medida através da dilapidação patrimonial; b) na hipótese do acusado não possuir
bens imóveis, ou os que possuir forem insuficientes para a reparação do dano proveniente do crime. Neste
caso poderá incidir o arresto sobre bens móveis penhoráveis do acusado” (Marcellus Polastri Lima, A tutela
cautelar..., op. cit., 2005, p. 173-174).
402
Edgard Magalhães Noronha, Curso..., op. cit., p. 78.
403
João Gualberto Garcez Ramos, A tutela de urgência..., op. cit., p. 306.
404
“Não é um seqüestro provisório, a ser substituído pela hipoteca legal, mas uma medida assecuratória que
permanece de pé, até ser decidida a questão da responsabilidade civil; e, assim, se houver condenação,
deverão ser vendidos em leilão, nos termos do art. 133, ficando depositado o líquido apurado, para, no cível,
lhe dar o juiz, que solucionar a questão da responsabilidade civil, o destino competente” (Eduardo Espínola
Filho, Código..., op. cit., v. 2, p. 408).
405
Magalhães Noronha sustenta que se o arresto recai sobre bens móveis, termina em leilão público,
conforme determina o artigo 133 do Código de Processo Penal (Edgard Magalhães Noronha, Curso..., op.
cit., p. 78). Tal disciplina, todavia, aplica-se tão-somente ao seqüestro, o que demonstra a necessidade de
precisão terminológica, visto que a confusão decorre do uso indiscriminado da palavra seqüestro, para
nomear medidas diversas.
406
Dispunha o Anteprojeto Hélio Tornaghi:
Artigo 415. Caberá o seqüestro dos bens adquiridos pelo indiciado com os proventos da infração, ainda que
já tenham sido transferidos a terceiros por alienação, renúncia ou abandono.
Parágrafo único. Não poderão ser seqüestrados os bens expropriados pelo Poder Público.
Artigo 416. Para a decretação do seqüestro bastará a fundada suspeita de proveniência ilícita dos bens.
104

seqüestro se destinaria à tomada dos bens adquiridos pelo indiciado com os proventos da
infração e o arresto objetivaria assegurar a futura hipoteca legal de bens imóveis ou realizar
a tomada de bens móveis pertencentes ao indiciado408.

No Código de Processo Penal Militar, fundado no Anteprojeto de Hélio Tornaghi,


a distinção entre as figuras do seqüestro (artigos 199 a 205) e do arresto (artigo 215 a 219)
é clara409. Estão sujeitos a seqüestro os bens adquiridos com os proventos da infração,
quando desta haja resultado, de qualquer modo, lesão a patrimônio sob administração
militar, ainda que já tenham sido transferidos a terceiros por qualquer forma de alienação,
ou por abandono ou renúncia (artigo 199), e, ainda, os bens de responsáveis por
contrabando, ou outro ato ilícito, em aeronave ou embarcação militar. O arresto poderá ser
decretado para satisfação do dano causado pela infração penal ao patrimônio sob
administração militar, recaindo sobre imóveis, para evitar artifício fraudulento que os
transfira ou grave, antes da inscrição e especialização da hipoteca legal, ou sobre móveis,
se representarem valor apreciável e houver tentativa de ocultá-los ou tentativa de
realização de tradição que burle a possibilidade de satisfação do dano (artigo 215).

Em verdade, por meio da identificação das figuras arresto civil/penhora e arresto


penal/especialização da hipoteca legal, podia se verificar que também o Código de

Artigo 434. Poderá ser decretado pelo juiz do processo o arresto de imóvel pertencente ao indiciado a fim
de evitar o perigo que adviria com a demora da inscrição e especialização da hipoteca legal.
Parágrafo único. O arresto, que poderá ser pedido ainda na fase do inquérito, será revogado se dentro de
quinze dias, a contar de sua decretação, não for requerida a inscrição e especialização da hipoteca legal.
Artigo 435. Se o indiciado não tiver bens imóveis ou os tiver de valor insuficiente, poderão ser arrestados
bens móveis desde que haja certeza da infração e, pelo menos, fundada suspeita de autoria.
407
Artigo 809. Caberá o seqüestro dos bens adquiridos pelo indiciado com os proventos da infração ainda
que já tenham sido transferidos a terceiros.
Artigo 810. Para a decretação do seqüestro bastará a fundada suspeita de proveniência ilícita dos bens.
Artigo 828. Pode o juiz do processo, a requerimento do ofendido, decretar o arresto do imóvel pertencente
ao indiciado a fim de evitar os riscos que adviriam com a demora da inscrição e especialização da hipoteca
legal.
Artigo 829. O arresto poderá ser requerido ainda na fase do inquérito policial.
Artigo 831. Se o indiciado não tiver bens imóveis ou os tiver de valor insuficiente, poderão ser arrestados
bens móveis desde que haja certeza da infração e fundada suspeita de autoria.
408
O aperfeiçoamento técnico, em termos de linguagem, é, de fato, desejável. Ao analisar o Projeto de
Código de Processo Penal Frederico Marques, que procurou ordenar a matéria, Moniz de Aragão (E. D.
Moniz de Aragão, Da reparação do dano causado pelo crime, Revista dos Tribunais, ano 60, n. 424, p. 11-20,
fev. 1971, p. 17) indaga se não seria mais simples e útil reduzir tudo ao seqüestro, permitindo-lhe a
decretação liminar em caso de urgência, porque, afirma, “a jurisprudência contém casos tão poucos da
aplicação dessas medidas cautelares que se chega a pensar que a ausência resulta de lhes faltar flexibilidade,
posto que a criminalidade está bem longe de haver diminuído”.
409
Antonio Scarance Fernandes, O papel da vítima..., op. cit., p. 197.
105

Processo Penal se referia, nos artigos 136 a 139 e 141 e 143, ao arresto penal, tanto que a
Lei n.º 11.435/2006 cuidou de substituir, nestes artigos mencionados, o termo seqüestro
por arresto.

No processo civil, o arresto de bens móveis constitui o primeiro passo para


ensejar a penhora. Isto é multissecular, o arresto sempre se converte em penhora410, para a
qual reservou bens necessários411: é o que dispõe o artigo 818 do Código de Processo Civil.

Da mesma forma, o arresto penal enseja a especialização da hipoteca legal, sendo


decretado quando esta ainda não pode ter lugar. E a similitude com a figura do processo
civil é clara, tanto que o artigo 137 do Código de Processo Penal estabelece que só podem
ser arrestados bens móveis suscetíveis de penhora.

Na doutrina, Rogério Lauria Tucci entende que o Código de Processo Penal havia
andando bem, ao nomear de seqüestro a figura prevista no artigo 136, porque a medida não
se volta à totalidade dos bens do acusado, posto que é preciso, no campo do processo
penal, individualizar o bem, estimando-lhe o valor, o que não permitiria denominar tal
figura de arresto, como a generalidade da doutrina fazia412. A fim de distinguir a hipótese
de aplicação deste dispositivo da medida prevista no artigo 125 do Código de Processo
Penal, adjetivava este seqüestro de prévio413. A afirmação era feita à luz da antiga redação

410
“O arresto é uma figura típica da medida cautelar, cujos caracteres manifesta acentuadamente. Providência
provisória à espera da providência definitiva – a penhora. Garantindo a existência de bens em que ela recaia,
assegura a execução da futura sentença. Garantia forçada à execução da decisão que mais tarde vier. É a
apreensão, no patrimônio do devedor, de bens, com aquele destino” (Alfredo de Araújo Lopes da Costa,
Medidas preventivas..., op. cit., p. 62).
411
Alfredo de Araújo Lopes da Costa, Medidas preventivas..., op. cit., p. 15.
412
Igualmente Renato Luís Benucci: “Não cabe em sede processual penal a comparação com institutos
processuais civis, pois o seqüestro contém, em sede processual penal, características próprias que o
diferenciam do seqüestro no processo civil. Também não se trata de tentar uma adaptação do ‘arresto’ do
processo civil para o processo penal, pois as hipóteses aventadas também não caracterizam o arresto puro. A
solução mais técnica e consentânea com a realidade de nosso ordenamento jurídico positivo parece ser a de
aceitar a denominação de seqüestro dada pelo legislador, sem se cogitar que em certos casos há semelhanças
com o arresto, pois deve-se ter sempre em mente que o seqüestro, em sede penal, é um instituto próprio e sui
generis, que não possui a mesma natureza das medidas de seqüestro a arresto preconizadas no Código de
Processo Civil” (Renato Luís Benucci, A cautelaridade no processo penal: medidas cautelares reais, Revista
dos Tribunais, São Paulo, ano 90, n. 785, p. 471-479, mar. 2001, p. 475).
413
“Resta induvidoso que o analisado art. 125 prevê medida cautelar, corretamente denominada seqüestro, e
mediante a qual se dá a constrição de bem imóvel, ou bens imóveis, constitutivos de produto direto ou
indireto da infração penal, com a finalidade precípua de propiciar ao ofendido a reparação do dano causado
pelo crime, bem como de garantir o pagamento das despesas processuais e da pena pecuniária fixada em
sentença. [...] Verifica-se que a estatuída no transcrito art. 136 é, por assim dizer, uma ‘pré-cautela relativa à
hipoteca legal’, cuja finalidade ‘é restrita a evitar o perigo que poderá advir com a não inscrição’ desta (cf.,
paradoxalmente que seja, Romeu Pires de Campos Barros, Processo penal cautelar, cit., p. 429). […] Por via
de conseqüência, inconcebível resta, com o devido respeito dos doutos que se ocuparam do tema, a afirmação
de que a medida prevista no artigo 136 consiste em arresto, dirigido, indiscriminadamente, a todo e qualquer
106

do Código de Processo Penal, anterior à mudança operada pela Lei n.º 11.435, de 28 de
dezembro de 2006, que sagrou como arresto as medidas previstas nos artigos 136 e 137 do
Código de Processo Penal.

Por fim, cumpre assinalar que a terceira figura prevista entre as medidas
assecuratórias é a especialização da hipoteca legal, que se volta à tomada de bens imóveis
do acusado. O artigo 1.489, inciso III, do Código Civil, confere hipoteca legal ao ofendido,
ou aos seus herdeiros, sobre os imóveis do acusado, para satisfação do dano causado pelo
delito e pagamento das despesas judiciais. O procedimento de especialização desta
hipoteca vem previsto no Código de Processo Penal, nos artigos 134 e 135, como será
analisado adiante.

4. FINALIDADES

As medidas assecuratórias previstas no Código de Processo Penal voltam-se,


primordialmente, à reparação do dano causado pelo delito, a qual também abarca, nos
termos do artigo 141, as despesas processuais e as penas pecuniárias414. Volta-se, ainda, no
caso de seqüestro, ao perdimento de bens, o qual encontra seu primeiro limite no direito do
lesado e do terceiro de boa-fé, sendo, portanto, residual (artigo 91, inciso II, b, Código
Penal e artigo 133 do Código de Processo Penal)415.

Como já assinalado na primeira parte deste estudo, a reparação do dano moral


também pode ser assegurada por meio das medidas cautelares patrimoniais. Havendo dano,

bem integrante do patrimônio do indiciado ou acusado: tanto quanto no pedido de especialização (hipoteca
legal), se quiser precedê-lo do de seqüestro penal, o ofendido deverá indicar, expressamente, o bem ou os
bens sobre os quais ele deverá recair” (Rogério Lauria Tucci, Seqüestro prévio..., op. cit., p. 143-145).No
mesmo sentido, Eduardo Espínola Filho, Código..., op. cit., v. 2, p. 404.
414
Hélio Tornaghi, tratando do antigo Código Civil, vigente quando da edição do Código de Processo Penal,
sustenta que a hipoteca legal era conferida ao ofendido para assegurar o ressarcimento e a reparação do dano,
e à Fazenda Pública para acautelar o pagamento das custas e penas pecuniárias (Hélio Tornaghi,
Instituições..., op. cit., v. 3, p. 12).
415
Vicente Greco Filho entende que o seqüestro, fundado no interesse público, visa ao perdimento ou
confisco de bens como efeito da condenação. Por isso, caso o ofendido objetive indenização, deve,
concomitantemente ao seqüestro, promover o arresto ou especialização da hipoteca legal. Já a especialização
da hipoteca legal e o arresto têm por finalidade acautelar a reparação civil do dano causado pelo delito
(Vicente Greco Filho, Manual..., op. ct., p. 185-186 e 188). Este posicionamento não parece, todavia,
acertado, em razão até mesmo do disposto no parágrafo único do artigo 133 do Código de Processo Penal,
que dispõe que, feita a avaliação e a venda dos bens seqüestrados em leilão público, somente o que não
couber ao lesado ou ao terceiro de boa-fé será recolhido ao Tesouro Nacional. A menção ao lesado leva a
supor que o seqüestro visa, também, à reparação do dano causado pelo delito.
107

de qualquer natureza, surge obrigação de repará-lo e, em conseqüência, de garanti-lo, se


houver justa causa para tanto no curso da persecução penal. Por isso, importante distinguir
dano de ofensa, na linha do preconizado por Antolisei416. A ofensa supõe ataque, agressão
ao bem jurídico protegido pelo direito, ou seja, o mal próprio do fato ilícito. O dano é a
conseqüência eventual, o prejuízo derivado do ato ilícito417. Ofensa, portanto, haverá
sempre, em qualquer delito. Já o dano é variável, não se podendo fixar, de antemão, a
hipótese de sua ocorrência, ou não418, sendo, portanto, casuística.

Assim, pode haver dano decorrente de crime tentado419; pode haver crime
consumado sem dano; dano decorrente de delito formal420 ou de perigo421.

A finalidade das medidas cautelares patrimoniais reside em assegurar a


responsabilidade civil ex delicto, ou seja, a reparação do dano cuja causa direta ou indireta
seja a infração penal.

Há, portanto, figuras criminosas, não obstante a ofensa que encerram, que não
produzem dano. Caso, todavia, o ilícito penal gere dano, estabelece o artigo 91, inciso I, do

416
Francesco Antolisei, L’offesa..., op. cit., p. 30 e seguintes.
417
Coral Arangüena Fanego, Teoría..., op. cit., p. 228.
418
“[...] Ao exemplo da tentativa de homicídio, existem delitos penais inteiramente despojados de dano civil.
Efeito dessa magnitude, capaz de perturbar o leigo e desacreditar o douto, possui explicação fácil: inexistiu
incidência múltipla do fato ilícito ou a contrariedade a direito não provoca dano. Realmente, depara-se na
figura delituosa de ‘acusar-se, perante a autoridade, de crime inexistente ou praticado por outrem’ (art. 341
do Cód. Penal), completa irrelevância no ângulo civil; e destituída de tipicidade nesse terreno, obviamente
não produz qualquer dano. Logo, a opinião, haurida de fontes conspícuas, de que o delito penal somente
perde, em raras e limitadas hipóteses, a obrigação de reparar o dano, por seu turno sempre verificável no
plano civil, se revela equívoca e inaceitável. No argumento convincente de Barbosa Moreira, ‘seria inexato
dizer apenas que não há dano ‘suscetível de obrigar à reparação’: a verdade é que, pelo prisma civil, pura e
simplesmente ‘não há dano’” (Araken de Assis, Eficácia civil..., op. cit., p. 27-28).
419
Ainda, Francesco Carnelutti, Il danno e il reato, Padova, Cedam, 1930, p. 24-25. Francesco Antolisei,
L’offesa..., op. cit., p. 210-214. Ricardo Juan Sánchez, La responsabilidad..., op. cit., p. 35. Como exemplo
dessa hipótese, menciona Araken de Assis: “Poderá haver ilícito em princípio conjugado a dever
indenizativo, inclusive placitado por sentença penal condenatória, e, todavia, desprovido de dano reparável. É
o caso do ladrão preso no momento em que ia apossar-se da coisa alheia” (Araken de Assis, Eficácia civil...,
op. cit., p. 28-29). Assim, consumado ou tentado, se o crime houver causado dano, haverá dever de indenizar
(Vicente de Paula Vicente de Azevedo, Crime..., op. cit., p. 16). Em sentido contrário, entendendo que o
delito que não chegou a consumar não produz prejuízo, e, portanto, dano ressarcível, cf. Julio Márquez de
Prado Pérez, Efectos de la responsabilidad civil “ex delicto”; indemnización de los daños materiales,
corporales y morales, Responsabilidad civil “ex delicto”, Cuadernos de Derecho Judicial, Madrid, Consejo
General del Poder Judicial, ano XVI, p. 147-200, 2004, p. 153.
420
Francesco Carnelutti, Il danno..., op. cit., p. 27 e 28.
421
O exemplo é dado por Antolisei: se, depois de uma grave ameaça, a vítima é obrigada a abster-se, por
vários dias, de freqüentar o trabalho, há perda econômica e, consequentemente, direito à reparação
(Francesco Antolisei, L’offesa..., op. cit., p. 212). Prado Pérez, todavia, entende que os delitos formais e de
perigo, ou os de resultado que não chegam a se consumar, como já se disse, são hipóteses de delito que não
produz prejuízo (Julio Márquez de Prado Pérez, Efectos..., op. cit., p. 153).
108

Código Penal, que a sentença condenatória tem por efeito tornar certa a obrigação de
indenizar o dano causado pelo crime.

O artigo 140 do Código de Processo Penal, porém, vai além e determina que “as
garantias do ressarcimento do dano alcançarão também as despesas processuais e as
penas pecuniárias, tendo preferência sobre estas a reparação do dano ao ofendido”422. Em
razão deste espectro mais largo, melhor chamar os interesses protegidos pelas medidas
assecuratórias de interesses patrimoniais, ao invés de civis, expressão mais restrita, ligada à
responsabilidade civil423.

Por isso, além do prejuízo, material ou moral, experimentado pela vítima,


também as despesas processuais, que se dividem em custas424 e outros encargos e ônus que
venham a ser despendidos pela vítima, seu representante legal e herdeiros, e as penas
pecuniárias, podem ser asseguradas por meio das medidas cautelares patrimoniais425. Note-
se que tanto o Código Civil, ao tratar da hipoteca legal (artigo 1.489, inciso III), como o
Código de Processo Penal (artigo 140), utilizam a mesma expressão: despesas. O antigo
Código Civil falava em custas processuais, expressão mais restrita. “Despesas” é termo
que envolve quaisquer gastos exigidos pela atividade processual426. Sua origem reside,
pois, no procedimento, enquanto a multa decorre do reconhecimento da prática do injusto
tipificado criminalmente427.

Ademais, a multa destina-se ao Estado. Enquanto a reparação se dirige à


eliminação do dano causado à vítima, a multa é um pena imposta ao acusado condenado428.

422
Disposição similar consta do artigo 111 do Código Penal espanhol (cf. comentários de Coral Arangüena
Fanego, Teoría..., op. cit., p. 256). A regra da preferência, todavia, fazia sentido à luz do Código Civil de
1916, que também conferia, no artigo 827, inciso VII, hipoteca legal à Fazenda Pública, federal, estadual ou
municipal, sobre os imóveis do delinqüente, para o cumprimento das penas pecuniárias e o pagamento das
custas, hipótese que não foi contemplada pelo atual Código Civil. Hoje, o Código Civil, no artigo 1.489,
inciso III, confere hipoteca ao ofendido, ou aos seus herdeiros, para satisfação do dano causado pelo delito e
pagamento das despesas judiciais.
423
Ennio Amodio, Le cautele..., op. cit., p. 7-8.
424
Dispõe o artigo 805 do Código de Processo Penal que as custas serão cobradas de acordo com os
regulamentos e expedidos pela União e pelos Estados.
425
Igualmente, na legislação espanhola, sob a denominação “responsabilidades pecuniárias”, inserem-se a
responsabilidade civil (restituição, reparação do dano e indenização dos prejuízos), custas processuais e
multa (Coral Arangüena Fanego, Teoría..., op. cit., p. 183 e 225).
426
Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 12. Sebastião de Oliveira Castro Filho, Medidas
cautelares..., op. cit., p. 152.
427
Coral Arangüena Fanego, Teoría..., op. cit, p. 255.
428
Coral Arangüena Fanego, Teoría..., op. cit, p. 254-255.
109

Assim, mesmo nas hipóteses em que não haja prejudicado direto pela prática da
infração penal, tampouco dano a ser ressarcido à vítima da infração penal, é possível a
decretação de medidas cautelares, destinadas a garantir o pagamento das despesas
processuais e das penas pecuniárias.

Para a restituição, que visa à obtenção do próprio bem subtraído ou


indevidamente apropriado, e não tem por função eliminar ou neutralizar o dano causado
mediante a prestação de um equivalente, mas sim restabelecer o status quo ante429, a
medida adequada é a apreensão430, prevista no Código de Processo no título destinado à
prova431, e foge, portanto, do âmbito deste estudo.

Para o ressarcimento do dano, em sentido lato – excluída, portanto, a apreensão e


também a conseqüente restituição dos bens apreendidos –, patrimonial ou moral432, são
cabíveis as medidas previstas no Capítulo VI, do Título VI, do Livro I, do Código de
Processo Penal. Cada uma deles, como será analisado nos itens seguintes, opera sobre bens
e em oportunidades variadas, bem como dispõe de processamento próprio.

5. OBJETO

As medidas cautelares patrimoniais podem atingir bens imóveis e bens móveis.


Antes de mencioná-las e especificá-las a cada situação, convém assinalar que o produto do
crime, ou seja, as coisas móveis achadas, obtidas, produzidas ou tidas pelo infrator, por
meio criminoso, são objeto de apreensão (artigo 240 do Código de Processo Penal)433 –

429
Coral Arangüena Fanego, Teoría..., op. cit, p. 243-244.
430
Igualmente no sistema espanhol (Coral Arangüena Fanego, Teoría..., op. cit, p. 246), onde, inclusive, este
asseguramento deve operar-se de ofício.
431
Sobre a natureza jurídica multifária da apreensão, cf. Cleunice Bastos Pitombo, Da busca e da apreensão
no processo penal, 2. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2005, p. 230-240.
432
Ou, então, patrimonial e não-patrimonial, como explica Coral Arangüena Fanego, para quem seria melhor
o emprego da expressão “não-patrimonial”, ao invés de dano moral, porque o conceito de dano moral
somente pode ser estabelecido por oposição ao de dano patrimonial – é moral todo dano que não consiste em
diminuição patrimonial. Em sendo assim, preferível chamá-lo de dano “não-patrimonial” (Coral Arangüena
Fanego, Teoría..., op. cit., p. 250).
433
“Os bens, produtos de crime, quando móveis, hão de ser objeto de apreensão pura e simples, com ou sem
busca, conforme o caso ocorrente (arts. 240/50 e art. 132, in fine, do Cód. de Proc. Penal): isto é, há busca,
procura, se escondida a coisa” (Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Do seqüestro..., op. cit., p. 10).
110

porque produto, e não proveito, do crime434 – e depois restituídas ao seu legítimo dono ou
possuidor (artigo 118 a 124 do Código de Processo Penal), a não ser que sejam coisas cujo
fabrico, detenção, porte, uso ou alienação constituem fato ilícito e que, por isso, são, ao
fim, confiscadas pela União435.

Podem ser objeto de medidas cautelares patrimoniais bens móveis e imóveis436. E


é o Código Civil que dá a noção do que sejam um e outro.

5.1. BENS IMÓVEIS

Bens imóveis, verdadeiros, segundo o Código Civil, é o solo e tudo quanto se lhe
incorporar natural ou artificialmente (artigo 79). Bens imóveis fictos (artigo 80, do Código
Civil), aqueles a que a lei entendeu conveniente conferir as mesmas garantias dadas aos
imóveis, são os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram e o direito à
sucessão aberta. Dispõe ainda o Código Civil que não perdem o caráter de imóveis as
edificações que, separadas do solo, mas conservando a sua unidade, forem removidas para
outro local, bem como os materiais provisoriamente separados de um prédio, para nele se
reempregarem.

Pois bem. Quanto aos bens imóveis, é preciso distinguir aqueles que foram
adquiridos com o produto da infração, daqueloutros.

As leis penal (artigo 91, inciso II, b) e processual penal (artigo 125 do Código de
Processo Penal) distinguem produto da infração e proveito ou provento da infração437; ou

434
“Ao produto direto, ou apenas produto da infração, corresponde o resultado útil imediato da operação
delinquencial: bens, ou bem, produzidos pela indústria do infrator. Aqueles, que, por causa do delito, foram
ter às mãos do delinqüente, como o veículo furtado e o dinheiro roubado. Ao produto indireto, provento da
infração ou proveito do crime corresponde o resultado útil mediato da operação delinquencial: o ganho, o
lucro, o benefício que ao delinqüente adveio da utilização econômica do produto direto do crime.
Constituem, pois, proventos da infração o numerário obtido com a venda do veículo furtado, bem assim o
imóvel comprado com dinheiro roubado” (Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Do seqüestro..., op. cit., p. 9-
10)
435
Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Do seqüestro..., op. cit., p. 58-59.
436
“O bem consiste em utilidade, ou valor, material ou imaterial, que integrando o patrimônio do sujeito ou
não, interessa ao mundo do direito, Interessam os bens porque úteis e raros, suscetíveis de apropriação e de
manifesto valor econômico” (Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Do seqüestro..., op. cit., p. 3).
437
Eduardo Espínola Filho, Código..., op. cit., v. 2, p. 374-375.
111

produto direto e indireto438. Produto da infração consiste naquilo que é obtido pelo infrator
pelo ato delituoso em si, diretamente, v.g., dinheiro roubado, carro furtado. O proveito, ou
provento da infração, é aquilo que o infrator obtém agindo economicamente sobre o
produto439. Por esta razão, quaisquer bens imóveis com tal origem podem ser seqüestrados,
não se opondo restrições, como se faz, por exemplo, no caso de arresto440.

Assim, o que pode ser objeto de seqüestro é o proveito da infração441. O Código


de Processo Penal, no artigo 125, fala, todavia, em “bens adquiridos com o provento”,
quando o correto seria “bens adquiridos com o produto da infração”, estes sim proventos
da infração.

Os proveitos, ou proventos, da infração devem ser objeto de seqüestro, que


poderá ser decretado desde o início da persecução penal442 – portanto, desde a instauração
de inquérito policial –, se presentes justa causa, próxima e remota. Quanto à justa causa
próxima, cumpre recordar que a expressão indício veemente, utilizada pelo Código de
Processo Penal, é resquício do sistema das provas legais443 e bastaria, portanto, referir-se a
indício, sendo este “todo rastro, vestígio, sinal e, em geral, todo fato conhecimento,

438
Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Do seqüestro..., op. cit., p. 9-10. Sebastião de Oliveira Castro Filho,
Medidas cautelares..., op. cit., p. 156.
439
“‘Provento da infração’, ou proveito da infração, é o ganho, ou o benefício que adveio ao autor do crime
pela utilização econômica do produto direto do crime” (Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Medidas...,
op. cit., p. 1490). “Já o provento ou proveito do crime é o que indiretamente passa para o patrimônio do
criminoso, em vista da prática da infração penal. Ou seja, a forma imediata de aquisição é lícita, pois é a
causa mediata ou remota que é espúria, como, v.g., o imóvel adquirido com a venda do produto do crime”
(Marcellus Polastri Lima, A tutela cautelar..., op. cit., 2005, p. 167). Roberto Lyra usa distinção diversa entre
produto e proveito do crime. Para ele, produtos do crime são “as coisas adquiridas diretamente com o crime
(coisa roubada), ou mediante sucessiva especificação (pois feita com o ouro roubado), ou conseguidas
mediante alienação (dinheiro da venda do objeto roubado) ou criadas com o crime (moeda falsa)”, enquanto
proveito seria “qualquer bem ou valor, que importe proveito, desde que haja sido auferido pelo agente, e não
por terceiros, com a prática do crime. Assim, o preço deste, os bens economicamente apreciáveis dados ou
prometidos ao agente para que cometa o crime, a contraprestação que corresponde à prestação da atividade
criminosa, a retribuição desta (arts. 45, IV, e 121, § 1o, I)” (Roberto Lyra, Comentários..., op. cit., v. 2, p.
524).
440
Assim, como já decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, “na decretação da medida
assecuratória de seqüestro de bens, meação da mulher do réu não pode ser defendida, eis que, se o imóvel
adquirido com dinheiro proveniente de crime beneficiou a esposa do acusado, deverá ela devolver o que
ilicitamente adquiriu” (TJSP – 5ª C. – AP n.° 276.472-3/3 – Rel. Celso Limongi – j. 13.09.2001 – RT
796/582). Em sentido contrário, entendendo que os bens do casal não podem responder pelas conseqüências
da infração penal, cf. STF – RE n.° 40.253 – Rel. Min. Cândido Lobo – DJ de 30.01.1960).
441
“Os – proventos ou resultados – referidos no dispositivo supra, são as coisas produzidas pela infração. [...]
Conseguintemente, esse proveito, representado por bens adquiridos com o produto do crime, é passível de
seqüestro para o fim aqui indicado” (Bento de Faria, Código..., op. cit., v. 1, p. 234).
442
Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 21-22.
443
Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 21.
112

devidamente provado, suscetível de conduzir ao conhecimento de um fato desconhecido, a


ele relacionado, por meio de um raciocínio indutivo-dedutivo”444.

Os bens imóveis, adquiridos com o produto da infração, podem ser seqüestrados


ainda que já tenham sido transferidos a terceiro, por alienação, renúncia ou abandono445
(artigo 1.275, incisos I, II e III, do Código Civil)446. No caso de desapropriação (artigo
1.275, inciso V, do Código Civil), não é possível o seqüestro do bem, mas a indenização
pode ser seqüestrada447, porque “o imóvel teria sido desapropriado qualquer que fosse o
proprietário, e o seqüestro e, posteriormente, a venda em leilão público, frustraria o ato
expropriatório”448. Disposição expressa neste sentido consta do Código de Processo Penal
Militar, mas com a ressalva de que a desapropriação deve ter sido anterior à data da prática
da infração penal (artigo 199, § 2º, do Código de Processo Penal Militar). Ainda, a este
elenco do Código Civil, deve-se acrescer, como formas de perda da propriedade mobiliária
e imobiliária, o usucapião, a acessão, a dissolução da sociedade conjugal e a sentença
judicial, sobre a qual já se formou coisa julgada449.

O Código de Processo Penal, todavia, silencia a respeito dos imóveis que são
produto mesmo da infração. Neste caso, a providência cabível será também o seqüestro450,
porque impossível a realização de apreensão.

444
Maria Thereza Rocha de Assis Moura, A prova por indícios no processo penal, São Paulo, Saraiva, 1994,
p. 101.
445
“Se a expressão bens transferidos a terceiro (arts. 125 e 132, do Cód. de Proc. Penal) for atendida, no
maior rigor técnico, só nos alienados cabe seqüestro. Os bens renunciados e os abandonados não se
transferem, nem se transmitem, unicamente se perdem. Os doutos admitem, entretanto, o seqüestro penal dos
bens que foram objeto de renúncia e abandono. A interpretação do Código de Processo Penal, aqui, vem
aflorando a mais larga. Ao terceiro sobra o direito de regresso ou reversivo, contra aquele de quem houve o
bem, resultando da responsabilidade civil” (Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Do seqüestro..., op. cit., p.
19).
446
Em tramitação, o Projeto de Lei n.º 7.387/2006, hoje apensado ao Projeto de Lei n. º 7.226/2006, prevê a
seguinte redação para o artigo 125, do Código de Processo Penal: “Caberá seqüestro de bens imóveis,
adquiridos pelo indiciado com os proventos da infração, ainda que tenham sido registrados diretamente em
nome de terceiros ou a estes transferidos, ou misturados com o patrimônio legalmente constituído”.
447
Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Do seqüestro..., op. cit., p. 19. Antonio Scarance Fernandes, O papel
da vítima..., op. cit., p. 201.
448
Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 19. No mesmo sentido, cf. Sebastião de Oliveira Castro
Filho, Medidas cautelares..., op. cit., p. 157.
449
Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Do seqüestro..., op. cit., p. 15. Sebastião de Oliveira Castro Filho,
Medidas cautelares..., op. cit., p. 157.
450
“Tratando-se de bem imóvel, enquanto produto direto, ou mesmo dos proventos da infração (produto
indireto), a providência cabível será o seqüestro, porque, no primeiro caso, impossível a apreensão, embora a
lei seja silente quanto ao destino do bem imóvel produto direto da infração” (Maria Thereza Rocha de Assis
Moura, Medidas..., op. cit., p. 1490). Ainda, Sebastião de Oliveira Castro Filho, Medidas cautelares..., op.
cit., p. 156. Antonio Scarance Fernandes, O papel da vítima..., op. cit., p. 201.
113

Quanto aos bens imóveis que não foram adquiridos com o produto da infração,
podem ser objeto de especialização de hipoteca legal, já no curso da ação penal (artigo
134). Ainda no inquérito policial, os bens imóveis, desde que pertencentes ao acusado,
podem ser objeto de arresto (artigo 136), por curto período – 15 (quinze) dias.

A especialização da hipoteca legal vem disciplinada nos artigos 134, 135, 138 e
141, do Código de Processo Penal. A hipoteca legal, direito real sobre coisa alheia,
segundo dispõe o artigo 1489, inciso III, do Código Civil, é conferida ao ofendido, ou aos
seus herdeiros, sobre os imóveis451 do “delinqüente”452, para satisfação do dano causado
pelo delito e pagamento das despesas judiciais453. O direito à hipoteca legal surge a partir
do cometimento da infração penal454. O que o Código de Processo Penal disciplina é, em
verdade, o procedimento de especialização da hipoteca legal455, que somente pode ter
início depois de recebida a acusação formal, e, portanto, já durante o curso do processo.

451
“A hipoteca legal alcança o imóvel na situação, em que está ao ser ela especializada, e, pois, sofrerá o
prejuízo advindo da circunstâncias de estar, então, gravado de ônus real o bem em questão. Só terá o vigor
integral de primeira hipoteca, se recair sobre imóveis livres e desembaraçados” (Eduardo Espínola Filho,
Código..., op. cit., v. 2, p. 397).
452
Em razão da proibição de prévia consideração culpabilidade, é impróprio denominar o acusado na
persecução penal de delinqüente, porque ainda não se está diante de sentença penal transitada em julgado e,
antes disso, o que há é acusado, vigorando a garantia da proibição de prévia consideração de culpabilidade. O
Código Civil não poderia, por isso, continuar usando a expressão delinqüente. Onde está escrito delinqüente,
deve-se ler, pois, acusado, porque, “com efeito, delinqüente é, por definição, aquele que delinqüiu. Tal
certeza jurídica só advém da sentença penal firme, irrecorrível. Ora, o pedido de inscrição da hipoteca legal
se faz, depois da denúncia, ou queixa, mas em qualquer fase do processo judicial (art. 134, do Cód. de Proc.
Penal). Logo, se não requer a inscrição da hipoteca, apenas quando, na ação penal, por sentença, transitada
em julgado, resta reconhecida a autoria e a existência do fato criminoso, em conexão causal. Emerge, em tal
momento, por certo, a figura do delinqüente, que antes era acusado, ou réu penal. Em um dos adjetivos, por
isso, devera cair a preferência do legislador” (Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Do seqüestro..., op. cit., p.
43-44). Ainda, asseverando que o termo empregado pelo legislador é infeliz, cf. Maria Thereza Rocha de
Assis Moura, Medidas..., op. cit., p. 1513 e Sebastião de Oliveira Castro Filho, Medidas cautelares..., op. cit.,
p. 166.
453
Romeu Pires de Campos Barros, Processo..., op. cit., p. 425. Trata-se da chamada hipoteca legal, espécie
do gênero hipoteca, ao lado da convencional e da judiciária (Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Do
seqüestro..., op. cit., p. 41). O antigo Código Civil previa a hipoteca legal no artigo 827, ao ofendido ou a
seus herdeiros, sobre os imóveis do delinqüente, para a satisfação do dano causado pelo delito e pagamento
das custas, e à Fazenda Pública, federal, estadual ou municipal, sobre os imóveis do delinqüente, para o
cumprimento das penas pecuniárias e o pagamento das custas.
454
“Todos os bens do delinqüente, desde o instante do cometimento do crime, passam, portanto, a responder
por essa justa reparação” (Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Do seqüestro..., op. cit., p. 34).
455
O que se requer é a especialização, não a hipoteca, que é legal (Eduardo Espínola Filho, Código..., op. cit.,
v. 2, p. 396; Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 38). “Não tem, contudo, o ofendido o direito de
requerer a hipoteca, que decorre da lei, mas o de solicitar a sua inscrição (CC, arts. 831 e seguintes) e a
especialização (arts. 824, 828)” (Antonio Scarance Fernandes, O papel da vítima..., op. cit., p. 194). “Por
outro lado, o art. 134 esclarece que a hipoteca legal pode ser requerida... Com bastante acerto, Tornaghi
critica a redação. Se a hipoteca já existe ope legis, então o que se requer não é a hipoteca, mas a sua
especialização e inscrição” (Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo..., op. cit., v. 3, p. 38). Ainda,
Sebastião de Oliveira Castro Filho, Medidas cautelares..., op. cit., p. 165. De fato, o regime hipotecário é
114

Cumpre assinalar que se discute se tal medida seria de fato cautelar. Para João
Gualberto Garcez Ramos456 e Marcellus Polastri Lima457, a hipoteca não ostenta natureza
cautelar, porque direito real458. O fato de a hipoteca constituir direito real não exclui a
configuração cautelar da medida que se decreta no curso do processo. Parece nítido que a
especialização da hipoteca legal é medida assecuratória da futura reparação do dano459, é
provisória e revogável, tanto que, em caso de sobrevinda de decisão absolutória transitada
em julgado, seus efeitos são cancelados, conforme determina o artigo 141 do Código de

regido pela especialização e pela publicidade, de forma que “o valer a constituição do vínculo real, em
relação a terceiros, bem como o surgimento, para o credor, dos direitos de seqüela e prelação resultam da
obediência a ambos” (Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Do seqüestro..., op. cit., p. 40).
456
“A hipoteca legal é um direito material. É um direito material de garantia, é verdade, mas não perde a
característica de direito material. Logo, sua instituição não atende mandamento de ordem processual mas,
isto sim, a mandamento de ordem material. [...] na medida em que é um direito direito real de garantia – que
pode, em todo o caso, ser cancelado no caso da absolvição ou da extinção da punibilidade – tende a se
estabilizar e não nasce com a finalidade de ser, depois, substituído por uma outra medida” (João Gualberto
Garcez Ramos, A tutela de urgência..., op. cit., p. 306). Para o autor, a especialização da hipoteca legal não
tem natureza de medida cautelar porque não é marcada pela “temporariedade”; porque seu procedimento,
apesar de célere, não é sumário, eis que se permite a oitiva da defesa previamente; e porque “há uma relativa
sumariedade material e a medida é parcialmente baseada na aparência”, e somente são constritos os bens
necessários à garantia da responsabilidade (João Gualberto Garcez Ramos, A tutela de urgência..., op. cit., p.
306). Afirma ainda que a medida é satisfativa e, portanto, melhor entendê-la como “uma forma de tutela
antecipatória no processo penal condenatório” (João Gualberto Garcez Ramos, A tutela de urgência..., op.
cit., p. 307).
457
“Acontece que a hipoteca penal não tem a característica da temporariedade, pois se trata de um direito real
de garantia, e, sobretudo, tem marcante característica satisfativa. [...] Assim, à toda evidência, apesar de ser
medida assecuratória, a hipoteca legal não é medida cautelar. Uma vez praticado o crime, a hipoteca legal
poderá ser instituída, em favor do ofendido ou seus sucessores, recaindo sobre os bens imóveis do acusado”
(Marcellus Polastri Lima, A tutela cautelar..., op. cit., 2005, p. 180-181).
458
Sebastião de Oliveira Castro Filho, Medidas cautelares..., op. cit., p. 150.
459
“A – hipoteca legal – é concedida diretamente pela lei, independentemente de qualquer convenção, para o
fim de assegurar ao ofendido ou aos seus herdeiros a satisfação do dano causado pelo delito e o pagamento
das custas. [...] Traduz uma providência assecuratória de tal obrigação, desde que ao juízo cível compete
resolver sobre o pedido de indenização e a condenação no quantum que for realmente apurado. A fixação do
valor do dano, feita previamente, não é, portanto, definitiva, nem vale como decisão condenatória, mas é feita
tão-somente para permitir a inscrição da hipoteca. Conseguintemente, essa estimativa, não podendo ser
objeto de controvérsia a ser dirimida no curso da ação penal, há de ficar afeta ao prudente arbítrio do Juiz,
tendo unicamente em vista a natureza do delito e a extensão presumida dos seus efeitos” (Bento de Faria,
Código..., op. cit., v. 1, p. 238). Ainda: “hipoteca legal é instrumento protetivo. Emerge como favor legal,
outorgado a certas pessoas, em dada situação jurídica, merecedoras do amparo. Na lei, pois, lhes nasce o
direito real de garantia” (Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Do seqüestro..., op. cit., p. 42). Ao comentar o
Projeto de Código de Processo Penal Frederico Marques, Moniz de Aragão salientava que eram previstas,
entre as medidas preventivas de reparação do dano, o seqüestro, o arresto e a hipoteca legal e, “se os dois
primeiros mantêm paralelismo, a última apresenta determinadas particularidades. Sendo, embora, medida
cautelar pela função e efeitos, a hipoteca legal difere do arresto e do seqüestro quanto à decisão, a qual nesses
dois é indispensável à sua existência como outorga da prestação jurisdicional cautelar. Daí Calamandrei
haver escrito que ela mais se aproxima dos efeitos que a lei fizer derivar da sentença, como há certos casos
em que os efeitos derivam mais da própria sentença do que das ações cautelares propriamente consideradas.
Mas é, indubitavelmente, providência acautelatória e está bem situada no lugar que a coloca o Anteprojeto”
(E. D. Moniz de Aragão, Da reparação..., op. cit., p. 16).
115

Processo Penal. O pedido de especialização da hipoteca460, o seu registro, é, portanto,


cautelar, e tutela o processo, ou melhor, a eficácia dos efeitos de decisão porventura
condenatória461. E somente pode ser decretada quando houver justa causa para tanto462,
como já visto.

Conforme já afirmado linhas atrás, o arresto de bens imóveis do acusado, que não
constituam proveito da infração e sejam pertencentes ao acusado, pode ser decretado já no
curso de inquérito policial, segundo dispõe o artigo 136 do Código de Processo Penal: “o
arresto do imóvel poderá se decretado de início, revogando-se, porém, se no prazo de 15
dias não for promovido o processo de inscrição da hipoteca legal”.

Esta é a primeira hipótese de arresto, também chamada de arresto prévio463, que


tem lugar para assegurar bens imóveis enquanto não puder se especificar a hipoteca legal,
porque não há ação penal em curso464. Incide sobre imóvel completamente estranho ao
crime465 e se trata de atividade cautelar preparatória da especialização da hipoteca legal,

460
“As hipotecas convencionais são especiais: o próprio contrato de hipoteca diz qual o bem dado em
garantia. As judiciais e as legais precisam ser especializadas relativamente ao quantum da responsabilidade
civil e aos bens que vão responder pela obrigação. Sem a especialização, a hipoteca não vale contra terceiros”
(Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 40).
461
Por isso, não se pode concordar com João Gualberto Garcez Ramos, para quem a hipoteca, porque direito
real, tem natureza material e não processual (João Gualberto Garcez Ramos, A tutela de urgência..., op. cit.,
p. 307).
462
“A possibilidade da hipoteca está subordinada a duas condições: certeza da infração e indícios suficientes
da autoria. É mister, conseqüentemente, que o fato esteja demonstrado, seja certa sua ocorrência, não haja
contestação. Relativamente à autoria, não se exige essa liquidez; basta haver indícios suficientes, isto é,
circunstâncias que autorizem supor o denunciado autor da infração” (Edgard Magalhães Noronha, Curso...,
op. cit., p. 76-77).
463
João Gualberto Garcez Ramos, A tutela de urgência..., op. cit., p. 75.
464
Como o processo de especialização consome tempo (Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 49), e
porque “pode surgir a necessidade de acautelar os interesses do ofendido ou da Fazenda pública, enquanto se
não efetivar a especialização e inscrição da hipoteca, pois é de recear desvie o responsável e desbarate os
frutos ou rendas do imóvel, ou imóveis da sua propriedade, cuja hipoteca se individualizará, retirando a plena
eficácia da garantia, por diminuir o valor do bem, que a formará” (Eduardo Espínola Filho, Código..., op. cit.,
v. 2, p. 404), pode-se decretar o arresto. Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, que se referia à figura do artigo
136 como seqüestro, sustentava que “a posição ancilar desta modalidade de seqüestro, em relação à hipoteca
legal, surge manifesta. Se a inscrição demora, pela observância necessária da lei (art. 135, e seus parágrafos,
do Cód. de Proc. Penal), o seqüestro apanha e conserva os bens imóveis, tornando-a praticável. Afasta,
portanto, o perigo de se frustrar a hipoteca, pelo desbaratamento dos bens” (Sérgio Marcos de Moraes
Pitombo, Do seqüestro..., op. cit., p. 48).
465
Edgard Magalhães Noronha, Curso..., op. cit., p. 78.
116

que não pode ocorrer porque não há processo instaurado466. É cautela de cautela, tutela
cautelar de tutela cautelar467, porque acautela a especificação da hipoteca legal468.

Muito embora o Código de Processo Penal não faça qualquer referência aos bens
que podem ou não ser arrestados, tem-se que até mesmo o bem de família (artigos 1.711 a
1.722 do Código Civil) pode ser hipotecado, em razão do disposto no artigo 3º, inciso VI,
da Lei n.º 8.009/1990, que dispõe que “a impenhorabilidade é oponível em qualquer
processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo
se movido por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença

466
“O arresto é, no caso, providência que visa simplesmente a acautelar bens especializáveis para, com isso,
tornar possível a inscrição da hipoteca legal. Cumpre, pois, requerê-la desde logo” (Hélio Tornaghi,
Instituições..., op. cit., v. 3, p. 49).
467
Para Hélio Tornaghi, isso mostra que o Código de Processo Penal “chega ao extremo da prudência,
estabelecendo meios preventivos que asseguram a realização de atos também acautelatórios, como no caso de
arresto dos bens do devedor, para evitar que se frustre a penhora ou a hipoteca legal” (Hélio Tornaghi,
Instituições..., op. cit., v. 3, p. 3). “ O seqüestro de que trata o art. 136, do C.P.P., constitui uma pré-cautela
com relação a hipoteca legal, visto que é concedido por um limite temporal, dentro do qual deverá ser
promovida a hipoteca legal. No entanto, não é seqüestro, e sim arresto” (Romeu Pires de Campos Barros,
Processo..., op. cit., p. 427).
468
“Muitas vezes o processo de especialização e registro da hipoteca legal se alonga no tempo, e, com o
intuito de oferecer maiores garantias à vítima do crime, ou ao Ministério Público, na hipótese do art. 142,
permite o art. 136 do CPP às pessoas a tanto legitimadas a formulação de pedido no sentido de serem
seqüestrados os bens sobre os quais se pretenda recaia a hipoteca, até que essa medida constritiva se
concretize. Trata-se de excelente expediente para julgar possível fraude por parte do acusado. O pedido do
‘seqüestro’ fica, contudo, e como sempre, à discrição do Juiz penal. Uma vez deferida a petição, nesse
sentido, e efetivada a diligência, deverá a parte interessada promover o processo de registro e especialização
da hipoteca legal, dentro do prazo de 15 dias, sob pena de ser revogada a medida preliminar, isto é, aquele
seqüestro prévio, como lhe chama, acertadamente, Walter Acosta (cf. O processo, cit., p. 216). A lei
estabelece o prazo de 15 dias, a partir da efetivação do seqüestro prévio, para o interessado promover o
processo de registro e especialização da hipoteca legal. Quer isso dizer que, se a parte não ingressar com o
pedido a que se refere o art. 134 do CPP dentro daquele prazo, será revogada aquela medida que se tomou
antecipadamente. Por outro lado, se, dentro do prazo fixado, o pedido der entrada em juízo, o seqüestro
prévio subsistirá até que se efetive o registro da hipoteca. Cumpre assinalar que o art. 136 do CPP empregou
mal, e muito mal, a palavra seqüestro. Se este consiste na retenção da coisa litigiosa e se o imóvel ou imóveis
do réu que se pretende seqüestrar, para, em seguida, sobre eles fazer incidir a hipoteca, são coisas
absolutamente estranhas à infração penal, obviamente não podem ser objeto de seqüestro. Melhor seria se se
falasse de arresto. Enquanto seqüestro significa retenção de determinado objeto, do objeto sobre o qual se
litiga, o arresto é medida que se toma para conservar o que for suficiente para o cumprimento do que é
devido, conforme definição de Pontes de Miranda (cf. comentários ao CPC, v. 8, p. 327). Assim, quaisquer
bens podem ser objeto do arresto. Na hipótese do art. 136 do CPP, o que se permite é arresto e não seqüestro.
Todavia, mesmo que se queira falar em seqüestro (embora não seja correto), não se deve confundi-lo com
aqueloutro a que se referem os arts. 125 e 126 do CPP, porquanto, naquelas hipóteses, a coisa seqüestrável
foi adquirida com os proventos do crime. Na outra (e p.e. a hipótese do art. 136), a coisa nada tem que ver
coma infração penal. Quaisquer bens imóveis do réu, desde que bastante para o cumprimento da
responsabilidade civil, despesas processuais e eventuais penas pecuniárias, podem ser seqüestrados (rectius:
arrestados)” (Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo..., op. cit., v. 3, p. 42). Ainda, “o arresto de que
trata o art. 136, nada mais é que uma pré-cautela relativa a hipoteca legal, visto que é concedido mediante um
limite temporal, e desde que não se proceda à inscrição imobiliária, dentro do prazo de 15 dias, será a medida
revogada. A sua finalidade é restrita a evitar o perigo que poderá advir com a não inscrição da hipoteca legal”
(Romeu Pires de Campos Barros, Processo..., op. cit., p. 430).
117

penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens”469. Neste caso,


excepcional, os bens de um dos cônjuges respondem por obrigações do outro470. Como a
medida assecuratória visa à reparação do dano, o bem de família pode ser hipotecado e,
portanto, também previamente arrestado.

5.2. BENS MÓVEIS

Quanto aos bens móveis, se obtidos com o produto da infração, também serão
objeto de seqüestro (artigo 132 do Código de Processo Penal). Se se cuidar, porém, de
produto direto do crime, o bem móvel deverá ser apreendido, nos termos do disposto no
artigo 240 do Código de Processo Penal.

Assim, serão apreendidos bens móveis se houverem sido obtidos por meios
criminosos, se forem instrumentos de falsificação ou contrafação, ou forem, eles próprios,
falsificados ou contrafeitos, ou, ainda, se forem armas ou munições ou instrumentos
utilizados na prática de crime ou destinados a fins delituosos. Os bens móveis da vítima,
objeto do delito e, portanto, produto direto de crime, também devem ser apreendidos,
sendo a apreensão precedida ou não de busca (artigo 240, § 1o, e artigo 132, in fine, do
Código de Processo Penal)471.

469
Sustenta Fernando da Costa Tourinho Filho que, “tratando-se de bem de família, não mais se admite a
penhora e, obviamente, o arresto de que trata o art. 137 do CPP” (Fernando da Costa Tourinho Filho,
Processo..., op. cit., v. 3, p. 45). Calca tal entendimento no julgamento realizado pelo Supremo Tribunal
Federal, nos autos do RE n.º 352.940, que, por unanimidade, havia reconhecido que, em razão da Emenda
Constitucional n.º 26/2000, que incluiu, no artigo 6o da Constituição da República, a moradia entre os direitos
sociais, o bem de família havia se tornado impenhorável em qualquer circunstância. A base para tal
entendimento, todavia, desfaleceu, porque o Supremo Tribunal Federal recentemente alterou este
entendimento, a partir do julgamento do RE n.º 407.688, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ de 06.10.2006: “Fiador.
Locação. Ação de despejo. Sentença de procedência. Execução. Responsabilidade solidária pelos débitos do
afiançado. Penhora de seu imóvel residencial. Bem de família. Admissibilidade. Inexistência de afronta ao
direito de moradia, previsto no art. 6º da CF. Constitucionalidade do art. 3º, inc. VII, da Lei nº 8.009/90, com
a redação da Lei n.º 8.245/91. Recurso extraordinário desprovido. Votos vencidos. A penhorabilidade do bem
de família do fiador do contrato de locação, objeto do art. 3º, inciso VII, da Lei n.º 8.009, de 23 de março de
1990, com a redação da Lei n.º 8.245, de 15 de outubro de 1991, não ofende o art. 6º da Constituição da
República”, de forma que o bem de família pode ser penhorado e, em conseqüência, arrestado. De toda sorte,
a exceção à impenhorabilidade, no caso, é expressa, por disposição constante do artigo 3º, inciso VI, da Lei
n.º 8.009/90, o que afasta qualquer alegação em sentido contrário.
470
Cândido Rangel Dinamarco, Responsabilidade patrimonial por atos do cônjuge, In: Cândido Rangel
Dinamarco, Fundamentos do processo civil moderno, 5. ed., São Paulo, Malheiros, 2002, v. 2, p. 1178.
471
“Quando se trata de bem do suspeito ou réu, adquirido com os proventos da infração, se móvel, comporta
busca e apreensão (art. 240, § 1o, b, do CPP). Se não for possível essa medida, cabível então o seqüestro (art.
132 do CPP)” (Antonio Scarance Fernandes, A vítima no processo criminal, São Paulo, Saraiva, 1995, p.
201).
118

Fora destas hipóteses mencionadas, não cabe apreensão, e os bens móveis devem
então ser seqüestrados. Frise-se apenas que, para fins de seqüestro, os bens devem ser, ou
já devem ter sido, do acusado, e adquiridos por este com algo obtido de forma delituosa472,
ainda que estejam em poder de terceiro.

Quanto ao dinheiro obtido com o produto do crime, pode também ser


seqüestrado, porque as medidas assecuratórias (seqüestro, especialização da hipoteca legal,
arresto) objetivam resguardar os lesados a recuperarem o equivalente ao dano
experimentado, em caso de impossibilidade de apreensão e restituição do próprio bem.
Quando se trata de ilícito que envolve valores, se estes forem proveito da infração, a
quantia deve ser seqüestrada; se produto da infração e houver possibilidade de tomada
física do dinheiro, deve ser apreendido; se não houver esta possibilidade, deverá
igualmente ser seqüestrado. Se, porém, como será visto abaixo, os valores não tiverem
proveniência ilícita, deverão ser arrestados. O Código de Processo Penal, ao cuidar do
seqüestro, fala em bens, e o crédito, embora não corpóreo, compõe o patrimônio do
sujeito473 e subsume-se ao conceito de bem móvel, constante do artigo 82 do Código Civil.
O Projeto de Lei n.º 7.387/2006, hoje apensado e tramitando em conjunto com o Projeto n.º
7.226/2006, prevê a inserção de parágrafo único ao artigo 132, que teria a seguinte
redação: “O seqüestro de que trata o caput deste artigo poderá recair sobre bens, direitos
e valores provenientes de atos ilícitos, ainda que registrados diretamente em nome de
terceiros ou a estes transferidos, ou convertidos em ativos lícitos ou misturados ao
patrimônio legalmente constituído, até o valor do produto e dos rendimentos auferidos
com a prática do crime”.

Voltao à legislação em vigor: se não forem proveito da infração, os bens móveis


poderão ser arrestados, no caso em que não houver imóveis ou se os imóveis existentes
forem insuficientes à reparação do dano474. Esta é a segunda hipótese de arresto, que, até a
mudança recentemente operada pela Lei n.º 11.435, de 28 de dezembro de 2006, era

472
“Se não dermos tal interpretação aos arts. 132 e 121 do CPP, haverá indisfarçável antinomia entre as
regras contidas naqueles dispositivos. Entretanto, como na lei não há palavras inúteis, concluímos que o art.
132 se refere: 1o) às coisas adquiridas com o delito, mediante sucessiva especificação; 2o) às coisas
adquiridas com o delito mediante alienação” (Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo..., op. cit., v. 3, p.
35).
473
Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 18.
474
Assim, “mesmo que não tenho o imputado bens imóveis ou que os tenha de valor insuficiente, o princípio
da responsabilidade patrimonial há de ter aplicação plena. Pela mesma ordem de razões, o ofendido necessita
de garantia nessa hipótese. Cabe à lei lançar mão de mecanismos apropriados, que equivalham ao da hipoteca
penal” (João Gualberto Garcez Ramos, A tutela de urgência..., op. cit., p. 308)
119

erroneamente denominada pelo Código de Processo Penal como seqüestro, no artigo


137475: se o acusado, chamado pelo Código de Processo Penal de “responsável”476, não
possuir bens imóveis, ou os possuir insuficientes, poderão ser arrestados bens móveis
suscetíveis de penhora477, nos termos em que é facultada a hipoteca legal de bens imóveis.

O artigo 137, na redação original do Código de Processo Penal, falava, por


descuido, “nas mesmas condições da hipoteca legal de móveis”478, mas a Lei n.º
11.435/2006 corrigiu tal equívoco, conferindo, ao artigo 137 do Código de Processo Penal,
a seguinte redação: “se o responsável não possuir bens imóveis ou os possuir de valor
insuficiente, poderão ser arrestados bens móveis suscetíveis de penhora, nos termos em
que é facultada a hipoteca legal dos imóveis”.

Ademais, estabelece parágrafo único do artigo 137, que, se estes bens forem
coisas fungíveis – dispõe o artigo 85 do Código Civil que são fungíveis os móveis que
podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade – e facilmente
deterioráveis, deve-se proceder na forma do disposto no artigo 120, que prevê, no caso de
coisas facilmente deterioráveis, que estas serão avaliadas e levadas a leilão público,
depositando-se o dinheiro apurado, ou entregues ao terceiro que as detinha, se este for
pessoa idônea e assinar termo de responsabilidade – esta parte final não se aplica ao caso.
O artigo 137 deveria, ao invés de usar a expressão bens fungíveis, falar em consumíveis, os
quais, segundo o Código Civil, são os bens móveis cujo uso importa destruição imediata da
própria substância, sendo também considerados tais os destinados à alienação479.

475
Artigo 137. Se o responsável não possuir bens imóveis ou os possuir de valor insuficiente, poderão ser
seqüestrados bens móveis suscetíveis de penhora, nos termos em que é facultada a hipoteca legal dos móveis.
476
Hélio Tornaghi chama a atenção para a imprecisão terminológica do artigo 137, que fala em
“responsável”, de sorte que “não é feliz o emprego da palavra responsável neste artigo. Que responsável? O
civil? Mas a hipoteca legal só recai sobre os bens dele quando ele é o próprio acusado. Quando é outro,
como, por exemplo, o preponente do acusado, não incide sobre seu patrimônio hipoteca legal. É o
responsável penal? Mas a lei não exige tanto: a hipoteca recai sobre os bens daquele de quem se supõe que é
responsável, daquele contra quem há indícios de autoria. Se ele é responsável realmente, só a sentença final
vai dizer” (Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 51). Da mesma forma, Sérgio Marcos de Moraes
Pitombo: “ser o responsável equivale a já se achar julgado finalmente. Antes da sentença, existe, apenas,
pretensa responsabilidade. Tudo quanto se afirmou antes, ao se criticar o uso das expressões imóveis do
delinqüente […] e imóveis do indiciado […] emerge suficiente para por de manifesto a cinca, em se dizer: se
o responsável não possuir bens imóveis... (Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Do seqüestro..., op. cit., p. 57-
58).
477
Eduardo Espínola Filho, Código..., op. cit., v. 2, p. 408.
478
Eduardo Espínola Filho, Código..., op. cit., v. 2, p. 407. Romeu Pires de Campos Barros, Processo..., op.
cit., p. 431. Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo penal, 27. ed., São Paulo, Saraiva, 2005, p. 44.
Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 50-51.
479
Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Do seqüestro..., op. cit., p. 8.
120

O arresto, previsto no artigo 137 do Código de Processo Penal, é medida


subsidiária480 e complementar481, como se vê, e nem todos os bens do acusado, em sentido
lato, poderão ser arrestados, mas apenas aqueles suscetíveis de penhora. Daí porque se
deve socorrer da lei processual civil, para delimitá-los482.

Prevê o Código de Processo Civil, no artigo 649, com as mudanças recentemente


operadas pela Lei n.º 11.382/2006, que são absolutamente impenhoráveis os bens
inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução (inciso I), os
móveis, pertences e utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo
os de elevado valor ou que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um
médio padrão de vida (inciso II); os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do
executado, salvo se de elevado valor (inciso III); os vencimentos, subsídios, soldos,
salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as
quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua
família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal,
observado o disposto no § 3º deste artigo (inciso IV); os livros, as máquinas, as
ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao
exercício de qualquer profissão (inciso V); o seguro de vida (inciso VI); os materiais
necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas (inciso VII); a
pequena propriedade rural, asssim definida em lei, desde que trabalhada pela família
(inciso VIII); os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação
compulsória em educação, saúde ou assistência social (inciso IX); até o limite de 40
(quarenta) salários mínimos, a quantia depositada em caderneta de poupança (inciso X).
Prevê, ainda, que a impenhorabilidade não é oponível à cobrança do crédito concedido
para a aquisição do próprio bem (artigo 649, § 1º). Além disso, podem ser penhorados, à

480
Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Do seqüestro..., op. cit., p. 57. João Gualberto Garcez Ramos, A tutela
de urgência..., op. cit., p. 77. Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 49.
481
“Já o arresto previsto no art. 137 é subsidiário e complementar. Tanto assim que se o réu ou indiciado,
tiver imóveis que bastem para assegurar a satisfação do dano resultante do delito, multas e custas, somente a
hipoteca legal será efetuada, visto que esta cautela é menos onerosa, continuando o proprietário a usufruir o
imóvel hipotecado. Enquanto que o arresto importa no desapossamento dos bens, com a entrega deste a um
depositário” (Romeu Pires de Campos Barros, Processo..., op. cit., p. 430). No mesmo sentido, cf. Maria
Thereza Rocha de Assis Moura, Medidas..., op. cit., p. 1509. Ainda, Renato Luís Benucci, A cautelaridade...,
op. cit., p. 477.
482
“Nem todos os bens do réu ou indiciado poderão ser arrestados. Apenas os bens ‘móveis suscetíveis de
penhora’. Daí a necessidade do exame, na lei processual civil, dos bens impenhoráveis” (Romeu Pires de
Campos Barros, Processo..., op. cit., p. 430). Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo..., op. cit., v. 3, p.
44-45.
121

falta de outros bens, os frutos e rendimentos dos bens inalienáveis, salvo se destinados à
satisfação de prestação alimentícia (artigo 650, do Código de Processo Civil).

Pode, ademais, haver arresto de créditos que o acusado possua em relação a


terceiros, nos mesmos moldes do previsto para a penhora no artigo 671 do Código de
Processo Civil483.

Para a decretação do arresto de bens móveis são necessárias, pois, duas


condições: que os imóveis do acusado sejam insuficientes para garantir a
484 485
responsabilidade e que móveis arrestados sejam suscetíveis de penhora .

Além disso, é preciso atentar à proporcionalidade da medida, porque “o arresto é


medida mais onerosa que a hipoteca legal para o obrigado à reparação dos danos e
demais conseqüências do crime, dado que o proprietário é desapossado dos seus bens
móveis, os quais, em certos casos, representam a única fonte de renda de sua manutenção”
486
.

Em resumo: podem ser arrestados bens imóveis e móveis, pertencentes ao


indiciado, ainda que não adquiridos com o produto direto ou indireto do crime. Quanto aos
bens imóveis, o arresto é decretado como medida preparatória da especialização da
hipoteca legal, que só pode ter lugar no curso da ação penal. No que toca aos bens móveis,
o arresto é medida vinculável à penhora, subsidiária e complementar, para a hipótese de o
“responsável” não possuir bens imóveis ou os possuir de valor insuficiente à reparação do
dano.

Por fim, a Lei n.º 9.613/98 prevê, no artigo 4º, seqüestro com objeto mais amplo,
porque atinge bens, direitos e valores do acusado, assim como bens, direitos ou valores
483
Ovídio A. Baptista da Silva, Do processo..., op. cit., p. 286.
484
“O arresto subsidiário tem um requisito a mais do que a hipoteca penal. Para obtê-lo, é preciso que o
requerente demonstre que o imputado não possui bens imóveis ou os possui de valor insuficiente para
fornecer garantia ao ressarcimento do dano” (João Gualberto Garcez Ramos, A tutela de urgência..., op. cit.,
p. 309). Em razão da ausência de um cadastro nacional de próprios de bens imóveis, entende João Gualberto
Garcez Ramos que “o mais razoável é admitir-se uma mitigação do requisito e entender-se que o requerente
há de provar que o criminoso não possui bens imóveis ou os possui de valor insuficiente, no seu domicílio.
Feita essa prova, com as demais válidas para a hipoteca penal, há que se deferir o arresto subsidiário” (João
Gualberto Garcez Ramos, A tutela de urgência..., op. cit., p. 309).
485
Edgard Magalhães Noronha, Curso..., op. cit., p. 78.
486
Romeu Pires de Campos Barros, Processo..., op. cit., p. 432.Na hipoteca, todavia, o bem permanece nas
mãos do devedor garante (Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Do seqüestro..., op. cit., p. 38). Por isso, se “o
acusado tiver imóveis que bastem para responder pela obrigação, não poderá o requerente preferir o arresto à
hipoteca”, de sorte que ‘o pedido deve fazer-se acompanhar das imprescindíveis provas de falta ou
insuficiência de bens, ou da existência de gravame sobre aqueles encontrados no patrimônio do réu’”
(Sebastião de Oliveira Castro Filho, Medidas cautelares..., op. cit., p. 171-172).
122

existentes em nome do acusado. Não especifica se se trata de bens móveis ou imóveis.


Determina que os bens seqüestráveis são aqueles “objeto dos crimes previstos na lei de
lavagem”: a lavagem de dinheiro consiste na previsão, como crime, do processo de
transformação do produto do delito antecedente em proveito. Este, que configura, enfim, o
produto da lavagem de dinheiro, tecnicamente deve ser apreendido; mas deve ser, enquanto
proveito da infração antecedente, seqüestrado. Por isso, a lei especial é ainda mais confusa
do que o próprio Código de Processo Penal, porque fala em “apreensão ou seqüestro”,
como se fossem medidas cambiáveis, confundindo o proveito da infração antecedente com
o produto da própria lavagem de dinheiro. Todavia, a parte final do dispositivo determina
que se proceda “na forma dos arts. 125 a 144 do Decreto-Lei n.º 3.689, de 3 de outubro de
1941 – Código de Processo Penal”, o que remete a tudo quanto exposto até o momento.

Enfim, as distinções quanto ao objeto, que podem ser feitas a partir da varredura
das imprecisões terminológicas da lei processual penal, permitem o uso adequado de cada
medida cautelar, que deve ter âmbito de atuação claramente determinado por lei, o que
hoje não ocorre, sendo a delimitação dos institutos dada por esforço interpretativo, o que
dificulta, por óbvio, sua maior aplicação prática.

6. MOMENTO

O Código de Processo Penal aparta as medidas cautelares patrimoniais que


podem ser decretadas ao longo de toda a persecução penal daquelas que somente podem
ser tomadas quando incoada ação penal.

Segundo o que preceitua o artigo 127 do Código de Processo Penal, o provento


do crime pode ser seqüestrado desde o inquérito policial487, durante toda a ação penal e até
mesmo em segundo instância. Pode, e às vezes até deve, ocorrer antes do recebimento
formal da acusação: o que importa é constringir os proveitos do delito, a fim de assegurar

487
Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Do seqüestro..., op. cit., p. 33. Eduardo Espínola Filho, Código..., op.
cit., v. 2, p. 377. “Atentando à natureza cautelar da medida, o Código permite que se realize em qualquer fase
do procedimento, isto é, mesmo antes de oferecida a queixa ou denúncia” (Edgard Magalhães Noronha,
Curso..., op. cit., p. 74). Ainda, “falando o art. 125 em indiciado, e este só existe na fase do inquérito, dúvida
não há de que tal medida poderá ser tomada mesmo na fase do procedimento preparatório da ação penal, que
é o inquérito policial. E tanto é verdade que, mais adiante, na segunda parte do art. 127, salienta o legislador
que o seqüestro poderá ser ordenado ‘em qualquer fase do processo ou ainda antes de oferecida a denúncia ou
queixa” (Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo..., op. cit., v. 3, p. 29).
123

bens que ensejam a reparação do dano, em sentido lato, e possam ser objeto de perdimento
de bens.

Curiosamente, a Lei n.º 9.613/98 determina que “a apreensão ou seqüestro dos


bens, direitos ou valores, poderá ser suspensa pelo juiz, ouvido o Ministério Público,
quando a sua execução imediata possa comprometer as investigações”. No caso, a
urgência da medida acaba sendo desconsiderada, em razão do sucesso das investigações
para apuração do delito de lavagem de dinheiro, o que merece crítica. Não obstante, igual
disciplina vem disposta no Projeto de Lei n.º 7.226/2006 e no projeto a ele apensado –
Projeto de Lei n.º 7.226/2006 –, bem como no substitutivo a eles apresentado pela
Comissão Permanente de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado ao Projeto
de Lei n.º 7.226/2006, que acrescentaria, ao Código de Processo Penal, o artigo 23-A, § 4º,
nos seguintes termos: “a ordem de prisão de pessoas, apreensão, seqüestro ou
indisponibilidade de bens, direitos ou valores, poderá ser suspensa pelo juiz, ouvido o
Ministério Público, quando a sua execução imediata puder comprometer as investigações
ou quando se tornarem desnecessárias”.

Voltando à disciplina hoje em vigor, os bens imóveis, que não possuem origem
ilícita, podem ser arrestados antes do recebimento da denúncia ou queixa, mas a medida
será revogada se, dentro de 15 (quinze) dias, não houver recebimento da acusação, de
forma a permitir o registro da hipoteca legal. É o que estabelece o artigo 137 do Código de
Processo Penal.

Os bens que servem unicamente à reparação do dano e que não possuem origem
ilícita somente podem ser constritos, quer por meio da especialização da hipoteca legal, no
caso de imóveis (artigo 134), quer por arresto subsidiário, no caso de móveis (artigo 137),
depois do recebimento da denúncia, ou queixa.

A especialização da hipoteca legal visa primordialmente ao asseguramento da


reparação do dano ex delicto e, secundariamente, ao pagamento das despesas judiciais,
decorrentes do trâmite do processo, e à multa. A sua especialização só pode ter início
depois de recebida a denúncia ou queixa, em qualquer fase do processo (artigo 134, do
Código de Processo Penal)488.

488
Basta comparar a redação do artigo 127 (“em qualquer fase do processo ou ainda antes de oferecida a
denúncia ou queixa”) com a redação do artigo 134, que fala “em qualquer fase do processo”, para se perceber
que “o Código usa a palavra processo apenas para designar o processo judicial” (Hélio Tornaghi,
Instituições..., op. cit., v. 3, p. 39). Assim, a especialização da hipoteca “só pode ser promovida depois de
124

Até por isso, inadequada a expressão utilizada pelo Código de Processo Penal na
redação do artigo 134, “imóveis do indiciado”, porque a especialização da hipoteca legal só
pode ocorrer no curso de ação penal, onde já há acusado propriamente dito, em sentido
estrito, e não apenas indiciado489.

Há quem sustente, todavia, que a medida de especialização da hipoteca legal pode


se dar já no curso do inquérito policial490. Não há, porém, como concordar com esta
doutrina, porque, se a especialização da hipoteca puder ocorrer antes do recebimento da
denúncia ou queixa, a previsão constante do artigo 136 do Código de Processo Penal, que
contempla o arresto prévio, perderia todo o sentido.

De fato, conforme dito acima, o Código de Processo Penal, no artigo 136, prevê
medida destinada nomeadamente a acautelar a futura especialização da hipoteca legal: o
arresto de bens imóveis pode ser decretado antes do recebimento da denúncia, sendo
exatamente esta uma das notas distintivas dessa figura em relação à especialização da
hipoteca legal.

No tocante aos bens móveis, que não sejam proveito da infração penal, serão
objeto de arresto subsidiário, na hipótese de o acusado não possuir imóveis ou os possuir
de valor insuficiente. O artigo 137 menciona que tal arresto terá lugar “nos mesmos termos
em que é facultada a hipoteca legal dos imóveis”. Tendo em conta que se trata de medida

instaurado o processo com o oferecimento da queixa ou da denúncia; não no inquérito, já que este não é o
processo, mas procedimento, e a lei fala expressamente ‘em qualquer fase do processo’. Cumpre, aliás, notar
que, para o seqüestro, explicitamente ela disse ‘em qualquer fase do processo ou ainda antes de oferecida a
denúncia ou queixa’ (art. 127)” (Edgard Magalhães Noronha, Curso..., op. cit., p. 76). No mesmo sentido, cf.
Eduardo Espínola Filho, Código..., op. cit., v. 2, p. 397, e Romeu Pires de Campos Barros, Processo..., op.
cit., p. 426.
489
Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Do seqüestro..., op. cit., p. 44. Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit.,
v. 3, p. 39. Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Medidas..., op. cit., p. 1513. Cf., também, Renato Luís
Benucci, A cautelaridade..., op. cit., p. 477.
490
Fernando da Costa Tourinho entende que a especialização da hipoteca legal pode se dar já no curso do
inquérito policial: “embora o art. 134 fale em imóveis do indiciado e, mais adiante, no próprio corpo, diga
que a medida pode ser requerida em qualquer fase do processo, conclui-se que o legislador empregou a
palavra processo no seu sentido mais amplo, para abranger a fase pré-processual. Usa-se o termo indiciado
para significar o sujeito passivo da pretensão punitiva antes do ajuizamento da ação. Daí dizer o inc. V do art.
6o do CPP que a Autoridade Policial deve ouvir o indiciado. Já o art. 41 esclarece que a denúncia deve conter
a qualificação do réu” (Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo..., op. cit., v. 3, p. 38). Do mesmo modo,
João Gualberto Garcez Ramos: “enquanto o vocábulo indiciado leva ao inquérito policial, o vocábulo
processo dele se afasta, para exigir a denúncia recebida. Vislumbrando a confusão redacional, os referidos
autores parecem ter aplicado o princípio in dubio pro reo em sede hermenêutica para concluir que o
momento é posterior. Embora não se possa negar que a redação é sumamente infeliz, a interpretação
sistemática do disposto não conduz à mesma conclusão. Isso, desde logo, porque a especialização da hipoteca
legal é procedimento destinado a dar garantia ao ofendido. Não priva nem desapropria bem imóvel de
propriedade do imputado” (João Gualberto Garcez Ramos, A tutela de urgência..., op. cit., p. 302). Cf., ainda,
Marcellus Polastri Lima, A tutela cautelar..., op. cit., 2005, p. 183.
125

extremamente gravosa, porque o proprietário é desapossado de seus bens, que podem


inclusive representar a sua única fonte de renda491 – lembre-se que o arresto de bens
móveis somente pode ser decretado se o acusado não possuir bens imóveis ou os possuir de
valor insuficiente – a interpretação ao dispositivo deve ser a mais restrita possível. Assim,
“nos mesmos termos em que é facultada a hipoteca legal dos imóveis” deve ser
interpretado de modo a permitir que o arresto subsidiário, ou complementar, somente pode
ser decretado depois do recebimento da denúncia, ou queixa.

A diferença de tratamento que se estabelece, entre o seqüestro e a especialização


da hipoteca legal, pode ser objeto de críticas: se é fato que comungam da mesma finalidade
– e o seqüestro se distingue unicamente porque visa também ao perdimento de bens –, não
haveria razão a justificar a diferença de tratamento quanto ao possível momento de
decretação, tanto mais que ambas são constritivas/restritivas do direito à propriedade e
visam à reparação do dano decorrente do delito.

Ao que tudo indica, todavia, o que justifica esta diferença de disciplina, entre o
seqüestro e a especialização da hipoteca legal, reside no fato de que os bens que podem ser
seqüestrados são marcados pela sua proveniência ilícita492.

Assinale-se, por fim, que o Projeto de Lei n.º 7.226/2006, em tramitação, inova a
disciplina desta matéria, porque, além de repetir que o seqüestro de bens pode ser
decretado a qualquer tempo, estende tal possibilidade à indisponibilidade de bens, direitos
e valores do acusado, que não tenham relação com a prática delituosa. O projeto não
explica no que consiste a indisponibilidade, mas pode-se dizer, genericamente, que a
indisponibilidade é a proibição estabelecida ao proprietário do bem ou direito de aliená-lo
ou onerá-lo, muito embora possa permanecer na posse e utilização do bem ou direito,
percebendo os frutos dele advindos. O Projeto de Lei n.º 7.387/2006, apensado ao Projeto
de Lei n.º 7.226/2006, também prevê a indisponibilidade dos bens, no artigo 144-A, caput.
Estabelece, ainda, que, depois de identificados todos os bens, direitos ou valores adquiridos
ilicitamente, o juiz determinaria a conversão da indisponibilidade em seqüestro (artigo
144-A, § 2º). O substitutivo apresentado pela Comissão Permanente de Segurança Pública

491
Romeu Pires de Campos Barros Processo..., op. cit., p. 432.
492
“Os bens alcançados por meio do produto da infração penal, sejam producta sceleris, sejam fructi sceleris,
marcam-se pela proveniência ilícita (art. 126, do Cód. de Proc. Penal)” (Sérgio Marcos de Moraes Pitombo,
Do seqüestro..., op. cit., p. 10). Assim, “provado que parte de seu patrimônio é provento de uma infração
penal, justifica-se a desapropriação dessa parte, e entregue ao ofendido e ao terceiro de boa-fé o produto
auferido com a venda, revertidas as sobras para o patrimônio da União Federal” (João Gualberto Garcez
Ramos, A tutela de urgência..., op. cit., p. 291).
126

e Combate ao Crime Organizado estabelece, no artigo 23-A, que o seqüestro e a


indisponibilidade dos bens poderão ser decretados a qualquer tempo, desde que em
procedimento que apure a prática de crime doloso, restrição que não ocorre na legislação
hoje em vigor. O projeto original falava, inclusive, em crime doloso punido com reclusão,
ainda mais restrito, portanto, o âmbito de aplicação. Estes projetos serão mais detidamente
analisados no item 14.11.

7. INICIATIVA

Em razão da tutela constitucional da propriedade (artigo 5º, inciso XXII, da


Constituição da República), e da própria codificação infraconstitucional (artigos 127 e 135
do Código de Processo Penal e artigo 4º, da Lei n.º 9.613/98), somente a autoridade
judiciária pode ordenar medidas cautelares patrimoniais. A decretação de medidas
restritivas de direito fundamental, no curso do procedimento, constitui atividade exclusiva
do Poder Judiciário.

Assim, as medidas cautelares patrimoniais, no processo penal, somente podem ser


decretadas pela autoridade judicial competente. O decreto pode ser emitido mediante
provocação ou, em algumas hipóteses, de ofício.

Neste ponto específico, contudo, o Código de Processo Penal é extremamente


confuso e assistemático.

7.1. DECRETAÇÃO EX OFFICIO

O Código de Processo Penal prevê expressamente que o juiz, de ofício, pode


decretar o seqüestro. Igualmente, pode decretar de ofício o seqüestro previsto na Lei n.º
9.613/98. Quanto às demais medidas, todavia, a legislação nada estabelece493.

Questiona-se se deveria ser imposta alguma limitação a tal poder do juízo, tendo
em conta que os direitos patrimoniais da vítima são renunciáveis e, portanto, nada

493
Ainda assim, Maria Thereza Rocha de Assis Moura sustenta que “o arresto pode ser decretado de ofício,
embora costume ser requerido pelo ofendido, seu representante legal ou sucessores” (Medidas..., op. cit., p.
1509).
127

guardariam com o poder-dever de punir do Estado. Por isso, críticas são feitas aos poderes
conferidos ao magistrado no curso da persecução penal494, principalmente porque a ordem
oficiosa poderia ser considerada providência típica do sistema inquisitivo495. Ademais, por
outro lado, poderia se questionar se este poder do magistrado deveria se estender a todas as
demais medidas cautelares patrimoniais.

Na Espanha, o juiz pode, de ofício, no procedimento abreviado, decretar medidas


reais. No processo ordinário, se a medida for adotada em relação ao imputado, pode ser
decretada de ofício, mas, se frente a um terceiro responsável civil, deve haver petição da
parte. Esta disciplina é criticada, porque haveria aí incoerência sistemática, visto que as
medidas cautelares pessoais, que dizem mais de perto com o interesse público, não podem
ser adotadas de ofício, enquanto as de índole patrimonial podem. Propugna-se, assim, por
um maior protagonismo das partes, nesta matéria496.

Favoravelmente ao poder do juiz de decretar, de ofício, medidas cautelares,


alega-se que a ele cumpre tutelar pela efetividade de suas decisões497 e que, ademais, existe
interesse público na reparação do dano498, dentro da idéia de punição integral do autor do

494
“Tendo-se em vista o interesse público, o seqüestro pode resultar do próprio interesse estatal, dispondo a
lei que o seqüestro pode, inclusive, ser decretado de ofício pelo juiz. Neste ponto, entretanto, queremos crer
que, mormente em se tratando de investigação criminal, o dispositivo seria de duvidosa constitucionalidade,
não podendo, a nosso ver, o juiz abandonar sua imparcialidade para, violando o princípio ne procedat ex
officio, substituir a parte” (Marcellus Polastri Lima, A tutela cautelar..., op. cit., 2005, p. 168).
495
Em linhas muito gerais, o modelo acusatório de processo penal pressupõe a existência de partes
processuais titulares de direitos e deveres recíprocos e um julgador imparcial e situado acima das partes. O
sistema inquisitivo prescinde de tais elementos e caracteriza-se pela investigação unilateral, por parte do
magistrado inquisidor, o que restringe a participação do acusado no processo. O sistema acusatório, todavia,
não se confunde com o adversarial system. A dicotomia se estabelece, em verdade, em dois planos: entre os
sistemas acusatório e inquisitivo, e entre o adversarial system e o inquisitorial system. Pode, assim,
perfeitamente, o sistema acusatório apresentar desenvolvimento oficial, tendo a ordem política adotado a
escolha por tal sistema, sem que, por isso, se desnature. Dessa forma, o poder cautelar, exercido pelo juiz de
ofício, nada tem com o sistema acusatório, mas sim com o inquisitorial system, em que o papel do juiz é
necessariamente ativo (cf. Ada Pellegrini Grinover, A iniciativa instrutória do juiz no processo penal
acusatório, Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 7, n. 27, p. 71-79, jul.-set. 1999, p. 71-
73.
496
Ricardo Juan Sánchez, La responsabilidad..., op. cit., p. 474-475.
497
Ao cuidar do processo civil, assinala Dinamarco: “É dever do juiz determinar cautelas incidentes ao
processo, porque a ele cumpre, mais do que a ninguém, preservar a imperatividade e a eficácia de suas
próprias decisões e dos comandos que através do processo prepara e depois emite; e ao perceber que o fluir
do tempo poderá comprometer o correto e útil exercício da jurisdição, ele determinará o que for necessário
para evitar que isso aconteça, sob pena de figurar na relação processual como mero autômato, ou espectador
irresponsável, permitindo a degradação de seu próprio mister” (Cândido Rangel Dinamarco, Nova era..., op.
cit., p. 77-78).
498
“Posto che l’interesse alla cautela è un interesse pubblico e pubblico viene pure considerado, nel settore
delle cautele patrimoniali penali, l’interesse del privado al risarcimetno del danno da reato, si deve ritenere
che il sistema vigente miri ad assicurare il più sollecito ed indefettibile esercizio dell’iniziativa cautelare a
128

delito. E vigora, no processo penal, a regra da oficialidade499, podendo-se, a partir daí,


entender que o asseguramento das responsabilidades pecuniárias é dever dos órgãos
jurisdicionais, posto que efeito automático das decisões condenatórias, devendo, então, o
juiz atuar de ofício, tendo em conta particularmente a restauração da ordem jurídica
perturbada – um dos fins do processo penal – e a situação em que se encontra o
prejudicado, que precisa, ao fim, em caso de decisão condenatória, ter seu direito
reintegrado.

E, se é certo que o prejudicado é quem mais sofre, em sua pessoa ou seus bens, as
conseqüências danosas da infração, cabendo à justiça restaurar, dentro do possível, o
estado de direito perturbado pelo delito, alega-se, ainda, que as medidas cautelares
patrimoniais não tutelam apenas interesses privados, decorrentes da reparação do dano,
mas também o interesse público, entendido em duas acepções: quer como interesse público
na punição integral do seu autor500, quer como interesse público de que a atividade
criminosa não traga qualquer vantagem econômica ao acusado501. Ainda, afirma-se que o
efeito civil da sentença penal condenatória existe quer o ofendido deseje ou não executá-
lo502. E o próprio Código de Processo Penal prevê, no artigo 140, que as garantias da
reparação do dano alcançam também as despesas processuais e as penas pecuniárias, ao
lado da reparação do dano ao ofendido, o que igualmente caracterizaria interesse público.

Se fosse, todavia, o interesse público na reparação – que envolve despesas e pena


pecuniária, como visto – o motor da previsão legal de decretação ex officio do seqüestro, a
disciplina conferida pelo Código de Processo Penal seria incompleta, porque, igualmente,
deveria ser facultado ao juiz, de ofício, decretar as medidas de especialização da hipoteca

favore del danneggiato, a maggior ragioneo quando questi si sia constituito parte civile” (Enio Amodio, Le
cautele..., op. cit., p. 301).
499
Rogério Lauria Tucci et al., Princípio e regras orientadoras do novo processo penal brasileiro, Rio de
Janeiro, Forense, 1986.

500
Vicente de Paulo Vicente de Azevedo ardorosamente defende a idéia de que “o dano causado pelo crime a
um cidadão reflete sobre os demais; donde: a reparação é função de ordem social” (Vicente de Paulo Vicente
de Azevedo, Crime..., op. cit., 1934). E vai além: “também há um fundo de prevenção na efetiva
responsabilidade civil do dano causado pelo crime: se a pena não atemoriza o criminoso em potencial, - que o
amedronte a certeza de que seus bens responderão pelo dano causado” (Vicente de Paula Vicente de
Azevedo, Crime..., op. cit., p. 21).
501
Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Medidas..., op. cit., p. 1490. No mesmo sentido, João Gualberto
Garcez Ramos, A tutela de urgência..., op. cit., p. 292.
502
“O efeito civil da sentença condenatória ocorrerá sempre, repetimos, quer o ofendido o deseja, e se tenha,
inclusive, constituído assistente de acusação, quer o ofendido desconheça a própria existência da ação, ou não
deseja solicitar qualquer reparação” (Ruy Sérgio Rebello Pinho, A reparação do dano..., op. cit., p. 122).
129

legal e arresto, o que não ocorre na atual sistemática. De sorte que, na forma como previsto
no Código de Processo Penal, somente se encontra justificativa na previsão legal de
decretação de ofício do seqüestro de bens na finalidade que lhe é própria em relação às
outras duas medidas: o asseguramento do perdimento de bens, previsto como efeito
automático da decisão condenatória (artigo 91, inciso II, b, do Código Penal e artigo 131
do Código de Processo Penal), o que, todavia, não parece adequado.

De acordo com o disposto no Código de Processo Penal, o juiz não poderia a


decretar medida cautelar patrimonial tendo em conta os interesses civis da vítima na
reparação do dano ou tendo por finalidade assegurar as despesas processuais e as penas
pecuniárias, o que não parece adequado e merece ser revisitado, conforme será visto no
item 14.2.

7.2. AUTORIDADE POLICIAL

A autoridade policial, a qualquer tempo, antes mesmo de concluído o inquérito


policial, pode representar pela conveniência do seqüestro, nos termos do previsto no artigo
127 do Código de Processo Penal, cabendo ao juiz ordenar ou não a medida503. Pode
também representar, nos termos do artigo 4o da Lei n.º 9.613/98, pelo seqüestro de bens,
direitos ou valores do acusado, ou existentes em seu nome, no caso de lavagem ou
ocultação de bens, direitos e valores.

503
“Pode ordená-lo de ofício o juiz, ou a requerimento do Ministério Público ou do ofendido, como também
mediante representação da autoridade policial. Claro que o juiz não é obrigado a decretá-lo. Fá-lo-á, aqui,
como sempre, de acordo com sua convicção que se formará diante da exposição feita pelo interessado,
apontado os indícios veementes da origem ilícita do bem” (Edgard Magalhães Noronha, Curso..., op. cit., p.
74). Ainda, “em qualquer caso, fica sempre à prudência, à discrição do juiz ordenar ou não o seqüestro. Diz a
lei que ele poderá fazê-lo. Não o obriga. Ainda que se entenda ter sido usado o verbo poder, no art. 127,
apenas para referir a possibilidade de tomar a providência em qualquer fase do processo, não há dúvida de
que a lei deixa ao critério do juiz mandar que se seqüestre ou não, pois só pode julgar se existem indícios
veementes da proveniência ilícita dos bens” (Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 22). No mesmo
sentido, “o art. 127 do CPP confere legitimidade: [...] c) à Autoridade Policial que estiver à frente do
inquérito. Embora não possa requerer, poderá fazer representação ao Juiz, mostrando a conveniência de ser
decretada a medida cautelar. [...] Evidente que se trata de mera faculdade. Mesmo quando a Autoridade
Policial representa nesse sentido, ou há requerimento do órgão do Ministério Público ou do ofendido, restará
ao Magistrado,a quem compete julgar da existência ou não daqueles indícios veementes da proveniência
ilícita do imóvel seqüestrando, deferir ou não o pedido. Tal decisão é apelável, nos termos do art. 593, II, do
CPP” (Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo..., op. cit., v. 3, p. 30).
130

Na representação, devem estar demonstrados os pressupostos necessários à


decretação da medida: prova da existência do crime e indícios de autoria, além de dados
concretos acerca da justa causa próxima.

A legitimidade da autoridade policial restringe-se, pois, ao seqüestro de bens,


quer porque só o seqüestro é admitido sem restrições no curso do inquérito policial, quer
porque recai, como já visto, sobre o proveito da infração penal.

7.3. PARTICULAR OFENDIDO

O ofendido pode requerer ao juiz da causa o seqüestro de bens, nos termos do


artigo 127 do Código de Processo Penal504. Não há necessidade de habilitação como
assistente de acusação, se já estiver em curso a ação penal, para que a vítima, ou seu
representante, possam formular pedido de seqüestro, tampouco se limita tal faculdade à
ação penal de iniciativa privada. Se o ofendido for incapaz, supõe-se – porque o Código de
Processo Penal nada diz – que o representante legal do incapaz, assim como os herdeiros
do ofendido, em caso de morte, possam requerer a medida, nos mesmos moldes do
estabelecido no artigo 63, do Código de Processo Penal, para a iniciativa da ação civil ex
delicto505.

O ofendido pode também requerer, nos termos dos artigos 134 e 135 do Código
de Processo Penal, a especialização da hipoteca legal506. Não apenas o ofendido, mas
também seus herdeiros507, em caso de sucessão (artigo 1.489, inciso III, do Código Civil),
bem como o representante do ofendido ou dos herdeiros (artigo 1.490 do Código Civil)508.

Embora o Código de Processo Penal silencie a respeito, deve-se admitir que o


particular ofendido possa requerer também o arresto. Igual direito assiste a seus herdeiros e

504
Eduardo Espínola Filho, Código..., op. cit., v. 2, p. 378.
505
Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo..., op. cit., v. 3, p. 30.
506
É o ofendido, inclusive, quem indica o bem que deve ficar hipotecado (Hélio Tornaghi, Instituições..., op.
cit., v. 3, p. 40).
507
“A hipoteca legal, neste caso, compete ao ofendido, entendendo-se como tal a pessoa física ou jurídica
imediatamente atingida pelo delito, e na sua falta, por morte, os demais já referidos” (Bento de Faria,
Código..., op. cit., v. 1, p. 239). Edgard Magalhães Noronha, Curso..., op. cit., p. 76.
508
Eduardo Espínola Filho, Código..., op. cit., v. 2, p. 398.
131

ao seu representante, bem como ao representante dos herdeiros, visto que o arresto
assegura ou complementa a especialização da hipoteca legal.

7.4. MINISTÉRIO PÚBLICO

O artigo 127 expressamente confere ao Ministério Público legitimidade para


requerer o seqüestro de bens. Da mesma forma, o seqüestro previsto no artigo 4o da Lei n.º
9.613/98.

Dispõe ainda o Código de Processo Penal, no artigo 142, que, nos casos de
especialização da hipoteca legal (artigo 134) e arresto de bens móveis (artigo 137), o
Ministério Público é legitimado para solicitar a decretação de tais medidas, se houver
interesse da Fazenda Pública509 ou se o ofendido for pobre e o requerer.

A legitimidade conferida ao Ministério Público no artigo 142, do Código de


Processo Penal, é, todavia, inconstitucional.

Com efeito, quem defende os interesses da Fazenda Pública em juízo é a


Procuradoria do Município, a do Estado ou a Procuradoria da Fazenda Nacional, conforme
o caso. O Ministério Público não é mais, pois, defensor da Fazenda Pública, de sorte que
parte, portanto, do artigo 142 do Código de Processo Penal, é certo, não foi recepcionada
pela Constituição da República.

No que toca à legitimidade para requerer as medidas de especialização da


hipoteca legal e arresto com vista exclusivamente à reparação do dano do particular
ofendido, o Ministério Público não pode pleitear, em nome do particular ou em razão do
suposto interesse público envolvido na reparação, estas medidas cautelares patrimoniais,
mesmo no caso de o ofendido ser pobre e ter requerido a participação do Ministério
Público510.

509
“O Estado, observa Lacerda de Almeida, pelo interesse geral de manter ilesa a ordem jurídica não é o
ofendido de que trata a lei civil, mas pode sê-lo nos casos em que o crime afete imediatamente a Fazenda
Pública, v. g. – roubo de dinheiros ou coisas que lhe são pertencentes, dano às coisas do domínio do
município, etc.” (Bento de Faria, Código..., op. cit., v. 1, p. 239). No mesmo sentido, cf. Eduardo Espínola
Filho, Código..., op. cit., v. 2, p. 395.
510
“A vítima pode requerer o seqüestro, arresto ou também a inscrição e a especialização da hipoteca legal
(arts. 127, 132, 134 do CPP). Se for pobre, pode o Ministério Público requerer em seu interesse (arts. 142,
144)” (Antonio Scarance Fernandes, O papel da vítima..., op. cit., p. 202). Edgard Magalhães Noronha,
Curso..., op. cit., p. 76.
132

No direito brasileiro infraconstitucional, permite-se ao Ministério Público ajuizar


a ação civil ou executar sentença condenatória criminal quando, sendo pobre o titular do
direito à reparação do dano, ele requeira sua atuação (artigo 68 do Código de Processo
Penal). Por isso, poderia também o Ministério Público, no interesse do ofendido pobre,
requerer a especialização da hipoteca legal ou arresto no juízo penal (artigo 142), ou na
esfera cível, contra o responsável civil (artigo 144)511.

Neste caso, o Ministério Público agiria então como representante da vítima, única
parte legitimada a pleitear a reparação. O Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil
(artigo 2º) e o Código de Processo Civil (artigo 36), todavia, determinam que a
representação do ofendido somente pode ser feita, em juízo, por advogado. E a
Constituição da República atribuiu, no seu artigo 134, caput, à Defensoria Pública, órgão
essencial à função jurisdicional do Estado, a orientação jurídica e a defesa, em todos os
graus, dos necessitados, razão pela qual a legitimação do Ministério Público, que tem
funções institucionais diversas, deixou de existir, não podendo mais exercer ação civil ou
promover execução de sentença condenatória, e, tampouco, em conseqüência, pleitear a
decretação de medidas cautelares patrimoniais.

Por isso, o Supremo Tribunal Federal vem reconhecendo a inconstitucionalidade


progressiva do disposto no artigo 68 do Código de Processo Penal, em razão da criação e
paulatina e organização das Defensorias Públicas nos Estados512.

Desta forma, até a criação da Defensoria em todos os estados da federação –


atualmente, apenas Santa Catarina não organizou a sua – o artigo 142, do Código de
Processo Penal, no que toca à representação da vítima pobre pelo Ministério Público,
padece igualmente de inconstitucionalidade, dita progressiva513.

511
Antonio Scarance Fernandes, O papel da vítima..., op. cit., p. 188.
512
Ênio Santarelli Zuliani, Jurisdição penal e civil: integração e conflitos, Revista da Escola Paulista da
Magistratura, ano 6, n. 1, p. 135-173, jul.-dez. 2005, p. 141-142.
513
“A especialização de hipoteca legal pode ser requerida pelo ofendido, pelo seu representante legal ou até
mesmo pelos herdeiros. Nesse sentido, o art. 134 do CPP. Pode também ser requerida pelo órgão do
Ministério Público, desde que: a) o ofendido seja pobre e o requerer, sendo que o conceito de pobreza é
aquele fornecido pelo art. 32, § 1o, do CPP: ‘considerar-se-á pobre a pessoa que não puder prover às despesas
do processo, sem privar-se dos recursos indispensáveis ao próprio sustento ou da família’; b) se houver
interesse da Fazenda Pública. É como soa o art. 141 do CPP. Vale consignar aqui a mesma observar feita no
2o volume deste curso, Capítulo 10, n. 16, no verbete ‘Atividade do Ministério Público’: em face do art. 134
da Constituição da República, os arts. 68 e 142 do CPP (no que respeito à defesa de pessoas pobres) estão
passando por uma progressiva inconstitucionalidade. Onde houver Defensor Público, a legitimidade para as
atividades de que cuidam essas disposições é da usa exclusividade. Onde não houver, ela se desloca para o
Ministério Público” (Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo..., op. cit., v. 3, p. 39). Ainda: “No que diz
respeito ao Ministério Público, contudo, entendemos que tais dispositivos não têm mais a amplitude que lhe
133

Visando a manter tal atribuição do Ministério Público, há quem sustente que, em


verdade, o caso previsto no artigo 142 do Código de Processo Penal não seria de
representação, mas sim de verdadeira legitimidade ad causam do Ministério Público514, em
razão do interesse público envolvido na reparação do dano515. Em razão de tal interesse
público, o Ministério Público seria, ele próprio, legitimado ativo, atuando como substituto
processual na defesa do interesse do ofendido à reparação do dano. A solução não parece
adequada, porque o interesse na reparação do dano é renunciável.

Assim, com fundamento no artigo 142, do Código de Processo Penal, o


Ministério Público somente possui legitimidade para requerer, em favor da vítima que for
pobre e o requerer, a especialização da hipoteca legal e o arresto com vistas à reparação do
dano causado ao ofendido pelo delito, apenas onde não houver Defensoria Pública
instalada.

Note-se que, quanto ao arresto prévio, aquele previsto no artigo 136, o Código de
Processo Penal é silente no que toca à legitimidade ativa para requerê-lo. Tendo-se em

deu o Código somente tendo aplicabilidade nos Estados onde a Defensoria Pública ainda não foi instalada, já
que a esta cabe, nos termos do art. 134 da Constituição da República em vigor, ‘a orientação jurídica e a
defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV” (Maria Thereza Rocha de Assis
Moura, Medidas..., op. cit., p. 1509).
514
Antonio Scarance Fernandes entende, de fato, que a reparação envolve, além de interesse privado,
interesse público, de sorte que o Ministério Público poderia pleitear a medida não na qualidade de
representante da vítima, usurpando atribuição própria da Defensoria Pública, mas da defesa de interesses
sociais: “O Código deu à reparação do dano tratamento especial, diferenciado, tanto assim que admitiu possa
a sentença condenatória constituir título executivo civil independentemente de ter o ofendido atuado como
assistente. Em outras palavras, a formação do título executivo decorre, na grande maioria das vezes, da
atuação exclusiva do Ministério Público que promove a acusação e obtém a condenação. Teria, assim, o
Código considerado que a reparação interessa a toda a sociedade, na linha do pensamento positiva que tanto
influiu nas legislações da primeira metade do século. Admitiu, então, que o Ministério Público, como
substituto processual, pudesse promover a execução da sentença condenatória ou promover a ação civil.
Preferiu o legislador, contudo, ante a conjugação de interesses público e privado, que só agisse após
provocação e, assim mesmo, na defesa de ofendido pobre, em relação ao qual mais se manifesta a função
pública da reparação, pois o dano, além da própria vítima, acaba atingindo de forma grave pessoas que dela
dependem financeiramente. Age o Ministério Público por motivação semelhante àquela que o autoriza a
funcionar em processos de acidentes do trabalho. O artigo 68 do Código de Processo Penal, dentro dessa
interpretação, está em harmonia como artigo 129, IX, da Constituição Federal, que, além das funções
institucionais do Ministério Público especificadas nos incisos I a VIII, ainda admitiu outras ‘que lhe forem
conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade’, ou seja, a defesa de interesses sociais (art. 127,
‘caput’). Ainda, como acima salientado, a Constituição Federal, no artigo 5o, XLV, cuidou de maneira
especial da obrigação de reparar o dano, aproximando-a da pena, e, com isso, revelando que constitui, além
de satisfação individual à vítima, medida de relevância social” (Antonio Scarance Fernandes, O papel da
vítima..., op. cit., p. 189-190).
515
E. D. Moniz de Aragão, Da reparação..., op. cit., p. 18. Ricardo Juan Sánchez lembra, todavia, que é cada
dia maior o número de doutrinadores que apontam que a reparação do dano causado pelo delito não atende
exclusivamente a interesses privados e patrimoniais, mas persegue igualmente um interesse público (Ricardo
Juan Sánchez, La responsabilidad..., op. cit., p. 23). A reparação do dano é problema de interesse público,
notadamente nos casos em que o acusado é insolvente ou condenado muitos anos após a prática do crime
(Pisani, n. 2). Nesse sentido, já opinava Vicente de Paula Vicente de Azevedo, Crime..., op. cit., p. 15).
134

conta que é cautela da especialização da hipoteca legal, valem, para ele, as mesmas
considerações aqui traçadas.

Por fim, em razão do disposto no artigo 140, do Código de Processo Penal, que
prevê que a reparação do dano alcança as despesas do processo e as penas pecuniárias,
pode-se, por meio de interpretação sistemática, entender que o Ministério Público também
possui legitimidade para requerer a decretação da especialização da hipoteca legal e do
arresto para assegurar o pagamento de multa, enquanto pena516. Não lhe caberia
legitimidade para requerer as medidas para assegurar despesas processuais, porque estas,
em regra, somente podem ser cobradas em ação penal de iniciativa privada. Este ponto será
novamente, analisado no item 14.2.

8. SUJEITO PASSIVO

8.1.1. ACUSADOS EM GERAL E TERCEIROS

Quanto aos legitimados passivos, tem-se que o acusado, em sentido largo, pode
ter seus bens constritos por seqüestro ou arresto de bens imóveis, já no curso do inquérito
policial. Quanto à especialização da hipoteca legal e arresto de bens móveis, apenas depois
de recebida a denúncia ou queixa.

No caso de seqüestro, igualmente terceiros que tenham adquirido o bem, ainda


que de boa-fé, podem tê-lo seqüestrado517, posto que se trata de proveito da infração penal,
bem adquirido, na origem, com o produto da infração.

Legitimados passivos do seqüestro são, pois, o acusado – em sentido amplo – e o


terceiro adquirente do bem obtido com o produto da infração.

516
Em razão do disposto no artigo 51, do Código Penal, que estabelece que “transitada em julgado a
sentenca condenatória, a multa será considerada dívida de valor, aplicando-se-lhe as normas da legislação
relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerce às causas interruptivas e suspensas da
prescrição”, o Superior Tribunal de Justiça vem decidindo que o Ministério Público não possui legitimidade
para propor ação de execução de pena de multa, tendo a titularidade passado para a Fazenda Pública. Nesse
sentido, entre outros, cf. STJ – Resp n.º 804.143 – Rel. Min. Felix Fischer – DJ de 29.05 2006. Isso, porém,
não leva a que se reconheça sua ilegitimidade para requerer as medidas cautelares patrimoniais, no curso do
processo de conhecimento, visando a garantir o futuro pagamento da pena pecuniária.
517
“Para ordenar o seqüestro, é necessário se baseie o juiz em prova, ao menos indiciária, de se tratar de
bens, que o infrator, ou terceiro com ele mancomunado, adquiriu com o produto ou os proventos do crime, ou
de bens nestas condições, transferidos a terceiro, a título de liberalidade, ou mesmo a título oneroso, sem se
patentear, com evidência sensível, a boa-fé do último” (Eduardo Espínola Filho, Código..., op. cit., v. 2, p.
377).
135

8.1.2. AUTORES, CO-AUTORES E PARTÍCIPES

É da tradição do nosso direito que, se a ofensa tiver mais de um autor, todos


respondem solidariamente pela reparação518.

Na vigência do Código Civil de 1916, e de acordo com a Parte Geral então


vigente do Código Penal, responderiam pelo dano, em primeiro lugar, os autores do delito.
Solidariamente, os autores e cúmplices, pela totalidade do dano causado519. O antigo
Código Civil, de alguma forma, se relacionava melhor à lei penal, porque usava a
expressão cúmplice, tal como a Consolidação das Leis Penais que então vigorava quando
da sua edição.

O Código Civil hoje em vigor, todavia, merece atenção. O artigo 264 trata das
obrigações solidárias: na mesma obrigação, concorrem mais de um credor ou devedor com
direito à dívida toda. E, de acordo com o disposto no artigo 265, do Código Civil, a
solidariedade não se presume, mas nasce da lei ou da vontade das partes.

518
“Se tiver mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação” (Código Civil, art.
1.518). Atente-se ao Código Criminal do Império que, no artigo 27, dispôs sobre a solidariedade na
responsabilidade, sem distinguir entre autores e cúmplices, “considerando-os, portanto, todos obrigados”
(Vicente de Paula Vicente de Azevedo, Crime..., op. cit., p. 39).
519
“Pela lei penal, a responsabilidade dos cúmplices é reduzida, isto é, corresponde à pena do crime, menos a
terça parte em cada um de seus graus. Perante o direito civil, a responsabilidade é igual: autores e cúmplices
acham-se na mesma plana, em pé de igualdade. Duas razões de vária natureza ditam o preceito: A
cooperação culposa para a consumação do ato ilícito: desde que alguém foi considerado cúmplice, é que
concorreu para o dano, e nesta cooperação houve culpa. Deve responder pelo dano, pela totalidade do dano,
pois, ainda que o seu auxílio haja sido dispensável, ainda que a cumplicidade haja sido posterior ao ato
delituoso. E responderão solidariamente, vale dizer: responderão, cada um, pela totalidade do dano. Não que
o ofendido possa reclamar a totalidade do dano a cada um dos autores e cúmplices: seria locupletar-se com o
alheio. Mas, poderá reclamar de qualquer deles daquele que tiver meio, que oferecer maiores garantias.
Desde que um seja acionado e indenize o dano, os outros se acharão exonerados; responderão, porém, em
partes iguais, perante o que indenizou. A outra razão que justifica a medida da solidariedade é a maior
possibilidade reconhecida à vítima ou ofendido para ser ressarcido do seu prejuízo. De regra, os criminosos
não possuem bens. Mas, responsabilizados os co-autores, os mandantes, os cúmplices, é possível que dentre
eles algum seja abonado, e possua bens, e possa ressarcir o dano. Não há injustiça nessa orientação: muitas
vezes é o cúmplice quem mais vantagens lucra com o crime. Haja vista o receptador, nos crimes contra a
propriedade: paga uma miséria pelo objeto subtraído e, com a capa de comércio lícito, colhe os maiores
proveitos. Em primeira plana temos, pois, entre os que respondem pelo dano, os próprios autores e aqueles
aos quais a lei civil os equipara” (Vicente de Paula Vicente de Azevedo, Crime..., op. cit., p. 326-327). No
mesmo sentido, cf. Bento de Faria: “Assim, doutrina Affonso Fraga: - o ato ilícito, lesivo à pessoa do
ofendido, pode ser cometido por um ou mais de um agente ativo, e, nesse caso, todos são solidariamente
responsáveis pelo dano, donde resulta que o ofendido pode especializar e inscrever a sua hipoteca legal sobre
o imóvel de qualquer dos co-delinquentes. Esse direito a hipoteca legal, como decorrente da obrigação ex-
delicto, se integra no patrimônio do ofendido que o transmite aos seus herdeiros, assim como a mesma
hipoteca passa aos herdeiros do delinqüente, os quais, entretanto, respondem até o valor dos bens herdados”
(Bento de Faria, Código..., op. cit., v. 1, p. 238-239).
136

O problema criado reside no disposto no artigo 942, do Código Civil, que


estabelece que “os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam
sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos
responderão solidariamente pela reparação”. Como se percebe, não mencionou o
partícipe – que é aquele que não participa dos atos de execução do delito. Se a
solidariedade nasce da lei e não há menção ao partícipe, a presunção é de inexistência de
solidariedade para o partícipe. Em suma, a presunção se inverte: a não-solidariedade se
presume, porque a solidariedade não se presume.

Na disciplina que deu à solidariedade, no artigo 264, combinado com o artigo 942
e seu parágrafo único, o Código Civil não atentou para o Código Penal. Segundo a nova
disciplina estabelecida, se a solidariedade não se presume, mas nasce da lei ou da vontade
das partes, e tendo o partícipe ficado excluído da redação, a presunção, hoje vigorante, é de
inexistência de solidariedade para o partícipe, o que pode gerar iniqüidade na tomada das
medidas cautelares patrimoniais, no processo penal.

Isto porque o partícipe só pode responder pelos danos causados na medida de sua
participação, da intensidade da sua conduta, conforme dispõe o Código Penal (artigo 29), e
não solidariamente pela dívida toda. Esta regra, de que todos respondem pela dívida toda,
não abarca o partícipe. Não houve, como se percebe, preocupação sistemática na redação
da lei civil520.

De toda sorte, ao decretar as medidas patrimoniais, no processo penal, deve-se


atentar a tais regras, a fim de que a medida adotada sobre os bens do partícipe seja
proporcional. Contra os autores e co-autores, podem ser constritos bem que respondam
pela dívida toda. Já em relação aos partícipes, a decretação das medidas deve ser
proporcional à sua participação no evento danoso.

520
O Código Penal espanhol, ao contrário, é bem mais detalhado e exibe preocupação sistemática. Assim,
dispõe, no artigo 116, que:
1. Toda pessoa criminalmente responsável por um delito ou falta também o é civilmente se do fato derivam
danos ou prejuízos. Se são dois ou mais os responsáveis por um delito ou falta, os juízes ou Tribunais
assinalarão a cota pela qual cada um deve responder.
2. Os autores e os cúmplices, cada um dentro de sua respectiva classe, serão responsáveis solidariamente
entre si por suas cotas, e subsidiariamente pelas correspondentes às dos demais responsáveis.
A responsabilidade subsidiária se efetivará: primeiro, sobre os bens dos autores e, depois, dos cúmplices.
Tanto nos casos em que se tenha efetiva a responsabilidade solidária como a subsidiária, estará a salvo o
direito de regresso daquele que houver pago contra os demais pelas cotas correspondente de cada um.
137

8.1.3 RESPONSÁVEL CIVIL

As responsabilidades civil e penal são independentes, conforme preceitua o artigo


935 do Código Civil, de modo que pode ser responsável civil aquele que não é responsável
penal.

Por isso, no caso de o responsável civil ser um terceiro521, ele não é parte no
processo penal e, portanto, não pode ser atingido pela sentença penal condenatória522. O
título que se forma a partir da sentença penal condenatória transitada em julgado não pode
ser levado à execução contra ele523 e, então, outro título deverá ser formado no cível. Trata-
se de caso de se propor contra ele ação de reparação do dano pelo ato ilícito, cujo
responsável não é o acusado na ação penal, porque não é autor, co-autor ou partícipe524.

Assim, o título, contra o responsável civil, vai ser formado exclusivamente na


esfera cível, tendo como tema o ato ilícito que é uma infração penal. De sorte que, contra
seus bens, não pode ser tomada, na esfera penal, qualquer medida assecuratória. E, no caso
de necessidade de se demandar o responsável civil, a especialização da hipoteca legal e o
arresto devem ser requeridos no juízo cível, como ato preparatório ou incidental do
processo de conhecimento, naquela esfera525.

Assim, não obstante o Código Civil confira hipoteca sobre os imóveis do


acusado, silenciando sobre os bens do responsável civil, o artigo 144 do Código de

521
Trata-se da chamada responsabilidade por fato de terceiro, pela qual se pode considerar legitimadas
passivas pessoas que não praticaram o fato danoso (Orlando Gomes, Obrigações..., op. cit., p. 346).
522
“É evidente que o devedor certificado no título somente pode ser o réu condenado, que participou do
processo penal e contra quem se instaurará, na esfera cível, o incidente de liquidação (ex vi dos arts. 475-A e
ss., cf. Lei 11.232/2005) para apurar o quantum debeatur e, em seguida, a execução” (José Rogério Cruz e
Tucci, Limites subjetivos..., op. cit., p. 297).
523
“Isto se dá porque o terceiro responsável civil, não sendo parte no processo penal, não terá contra si título
executivo judicial decorrente de sentença penal” (Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Medidas..., op. cit.,
p. 1509).
524
“Observa-se que, na atualidade, há consenso praticamente generalizado no sentido de que o legitimado
passivo para a execução é apenas o ‘devedor reconhecido como tal no título executivo’ (art. 568, I, CPC).
Desse modo, todas as pessoas que respondem, na esfera civil (arts. 927 e ss, CC), pelo crime, seja no âmbito
da responsabilidade objetiva, seja com base na culpa, não se vinculam à coisa julgada penal. Em relação a
estas, a vítima terá de obter título executivo, vale dizer, deverá ajuizar ação de cognição exauriente, de
natureza reparatória” (José Rogério Cruz e Tucci, Limites subjetivos..., op. cit., p. 297-298).
525
“No caso de necessidade de se demandar o responsável civil (terceiro responsável civilmente), a hipoteca
legal, a exemplo do arresto, deverá ser requerida no juízo cível, como ato preparatório ou mesmo incidental
do processo de conhecimento. Como visto no tópico anterior, o terceiro responsável civil, não sendo parte no
processo penal, não terá contra si título executivo judicial penal, uma vez que não participou do contraditório
no juízo penal” (Marcellus Polastri Lima, A tutela cautelar..., op. cit., 2005, p. 184).
138

Processo Penal determina que tal medida seja requerida contra o responsável civil apenas
no juízo cível, porque o responsável não é parte no processo penal, não se formando contra
ele título executivo, caso a sentença penal seja condenatória526.

No cível, podem ser requeridas, contra outras pessoas que não o autor da
infração, a especialização da hipoteca legal e o arresto, tanto aquele que a previne como
aquele que a completa, ou lhe é subsidiário. São solidariamente responsáveis as pessoas
designadas no artigo 932 do Código Civil, que são os pais, pelos filhos menores que
estiverem sob sua autoridade e em sua companhia (inciso I), o tutor e o curador, pelos
pupilos e curatelados, que se acharem sob sua autoridade e em sua companhia (inciso II), o
empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do
trabalho que lhes competir, ou em razão dele (inciso III), os donos de hotéis, hospedarias,
casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação,
pelos seus hóspedes, moradores e educandos (inciso IV), os que gratuitamente houverem
participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia (inciso V).

9. PROCESSAMENTO

As medidas cautelares patrimoniais previstas no Código de Processo Penal


possuem processamento bem diverso umas das outras. Transitada em julgado a sentença
penal condenatória, o bem seqüestrado é levado a leilão no próprio juízo penal, enquanto a
liquidação da especialização da hipoteca legal ocorre no juízo cível, entre outras distinções.
A conveniência de se manter a disparidade de processamento das medidas cautelares passa,
necessariamente, pelo estudo destes procedimentos, como será visto neste item.

9.1. SEQÜESTRO

O seqüestro é incidente, procedimento que se insere em outro já em curso. Autua-


se, em regra, em apartado, conforme dispõe o artigo 129, do Código de Processo Penal,
para que seu processamento não retarde ou tumultue o andamento do processo penal527.

526
Para Tornaghi, a redação do dispositivo é inadequada, porque falar em “interessado”, quando “deveria ter
falado em ofendido (ou lesado), seus representantes, substitutos ou sucessores” (Hélio Tornaghi,
Instituições..., op. cit., v. 3, p. 46).
139

Em razão de requerimento formulado pelo ofendido, representação feita pela


autoridade policial ou pelo Ministério Público, ou ainda em decorrência de informações
prestadas por testemunhas, o juiz pode oficiar aos cartórios de registro de imóveis, para
obter informações que facultem saber se houve aquisição de imóveis pelo acusado, depois
da ocorrência do delito, ou se, por exemplo, houve a realização de alguma transmissão
suspeita528.

Decretado então o seqüestro, até mesmo de ofício pelo juiz, o Código de Processo
Penal nada diz a respeito do modo como será executado. Deve, porém, ser feito sempre
mediante ordem do juiz competente. O mandado, expedido a partir do decreto, deve conter
a descrição e as características das coisas a seqüestrar529.

Sustenta Espínola Filho que se deve aplicar ao processamento do seqüestro, por


analogia, o Código de Processo Civil, e, portanto, o mandado deverá ser executado no
prazo de 5 (cinco) dias, por dois oficiais de justiça, porque é o número exigido para as
penhoras, considerando-se feita a diligência mediante a tomada dos bens – no caso de
móveis. Deve-se então lavrar um auto, abrangendo todas as diligências efetuadas referentes
ao seqüestro. Há sempre necessidade de duas testemunhas, cuja assinatura, no auto de
diligência, a autentica. De acordo com o disposto no artigo 239 da Lei n.º 6.015/1973, o
auto conterá a indicação do dia, ano e lugar em que foi feito o seqüestro, dos nomes das
partes, e trará a descrição dos bens seqüestrados, com as características de cada um530.

Se recair sobre imóvel, depois de realizado o seqüestro, o juiz ordenará, conforme


preceitua o artigo 128, do Código de Processo Penal, seja registrado no cartório de registro
de imóveis531, para que possa valer contra terceiros e, assim, impeça a eficácia de qualquer
ato de alienação ou gravame que o acusado ou terceiro venha a praticar sobre este imóvel,

527
Hélio Tornaghi entende que a razão que determina que as providências cautelares que recaem sobre coisas
corram em autos apartados reside no fato de que tais providências têm que ver com a responsabilidade civil,
e, por isso, não devem interferir no processo penal, sem o retardar ou tumultuar (Hélio Tornaghi,
Instituições..., op. cit., v. 3, p. 11. Eduardo Espínola Filho, Código..., op. cit., v. 2, p. 380. Sebastião de
Oliveira Castro Filho, Medidas cautelares..., op. cit., p. 149.
528
Eduardo Espínola Filho, Código..., op. cit., v. 2, p. 380.
529
Eduardo Espínola Filho, Código..., op. cit., v. 2, p. 378. Sebastião de Oliveira Castro Filho, Medidas
cautelares..., op. cit., p. 159.
530
Eduardo Espínola Filho, Código..., op. cit., v. 2, p. 378-379.
531
“Destina-se o registro: a documentar atos jurídicos, acertando-lhes a autenticidade e cercando-os da fé
pública, da credibilidade que o Estado empresta a tudo quanto passa pelo crivo de uma verificação formal: a
assegurar a validade de certos atos; a permitir o conhecimento por terceiros, fazendo, inclusive, que
determinados direitos valham erga omnes” (Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 22-23).
140

durante o período em que estiver constrito pelo seqüestro532. O registro se faz na forma
como dispõe a Lei de Registros Públicos. Assim, para se efetive ao registro no cartório de
imóveis, em cumprimento à decisão que a ordena, o escrivão fará constar do ofício, em que
é determinada, a declaração do fim a que se destina, após a entrega, em cartório, do
mandado devidamente cumprido. Ainda, da certidão do escrivão devem constar os nomes
do juiz, do depositário, das partes e a natureza do processo.

Já os bens móveis, depois de seqüestrados, devem ser guardados no depositário


público533. A lei de lavagem de dinheiro foi mais específica e previu que, quando as
circunstâncias o aconselharem, o juiz, depois de ouvir o Ministério Público, nomeará
pessoa qualificada para a administração dos bens, direitos ou valores apreendidos ou
seqüestrados, mediante termo de compromisso (artigo 5º da Lei n.º 9.613/98), e
determinou, ainda, que o administrador de bens fará jus a uma remuneração, fixada pelo
juiz, que será satisfeita com o produto dos bens objeto da administração. Determinou ainda
que o administrador prestará, por determinação judicial, informações periódicas – sem,
todavia, fixar-lhe a periodicidade – sobre a situação dos bens sob sua administração, bem
como explicações e detalhamentos sobre investimentos e reinvestimentos realizados (artigo
6o, da Lei n.º 9.613/98). Estes atos, relativos à administração dos bens apreendidos ou
seqüestrados, deverão ser levados ao conhecimento do Ministério Público (artigo 6o,
parágrafo único, da Lei n.º 9.613/98).

De se mencionar que, entre as metas da ENCCLA – Estratégia Nacional de


Combate à Lavagem de Dinheiro –, encontra-se a elaboração de projeto de lei a ser
preparado pelo Poder Executivo, destinado a alterar a lei de lavagem de dinheiro, com o
fim de aprovar a permissão de alienação antecipada dos bens apreendidos ou

532
“Determinando a lei se proceda à inscrição do seqüestro (rectius: registro), outra coisa não fez senão
acautelar mais ainda interesse do ofendido e de terceiros. Estes, se viessem a adquirir o imóvel, não poderiam
ignorar que sobre ela havia a incidência de um direito sobre coisa alheia, vale dizer, não poderiam alegar
ignorância quanto à existência daquela medida constritiva-patrimonial” (Fernando da Costa Tourinho Filho,
Processo..., op. cit., v. 3, p. 31). No mesmo sentido, cf. Eduardo Espínola Filho, Código..., op. cit., v. 2, p.
379.
533
“O Código não indica qual o modo por que se fará o seqüestro, declarando apenas que ele será autuado em
apartado. Com Espínola Filho, cremos que se procederá como para a penhora. Realizado o seqüestro, é o bem
depositado. Tratando-se de móvel, seu destino é o depositário judicial. Sendo imóvel, o juiz do processo
ordenará, para efeito de documentação, validade e conhecimento por terceiros do seqüestro, e seu registro no
Cartório de Registro de Imóveis, na forma do art. 239 da Lei n. 6.015, Lei dos Registros Públicos” (Edgard
Magalhães Noronha, Curso..., op. cit., p. 74). Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Medidas..., op. cit., p.
1491. Em sentido contrário, entendendo que o é aconselhável o depósito do bem em mãos do depositário
público, ou então do ofendido, de terceiro ou mesmo do próprio acusado, sendo que qualquer dessas pessoas
ficará responsável pelo bem e não poderá dele se desfazer, cf. João Gualberto Garcez Ramos, A tutela de
urgência..., op. cit., p. 293.
141

indisponibilizados, para que seja preservado o valor do bem. A venda ocorreria por meio
de leilão ou pregão eletrônico e a quantia seria então depositada em conta judicial
remunerada, deduzidos tributos e multa. No caso de bens cuja venda fosse desaconselhada,
o juiz nomearia então um administrador. A alienação poderia, inclusive, ser determinada
pelo juiz ainda no curso do inquérito policial. A idéia merece críticas, em razão de as
medidas patrimoniais, tomadas no curso do processo, serem cautelares e, portanto,
provisórias, sujeitas à revogação a qualquer tempo. Ademais, tomá-las como definitivas
fere, indubitavelmente, a proibição de prévia consideração de culpabilidade. Com mais
vagar, no item 14.1, analisaremos estas e outras propostas.

9.1.1. MEIOS DE DEFESA

Parcela da doutrina534 e alguma jurisprudência535 sustentam que a decisão que


decreta o seqüestro, ou o indefere, pode ainda ser objeto de apelação residual, com
fundamento no artigo 593, inciso II, do Código de Processo Penal. A decisão, porém, que
decreta o seqüestro, medida e não processo cautelar, não é definitiva, nem tem força de

534
Eduardo Espínola Filho, Código..., op. cit., v. 2, p. 388. Romeu Pires de Campos Barros, Processo..., op.
cit., p. 435. Para Marcellus Polastri Lima, essa é a melhor posição, “uma vez que se trata de decisão
definitiva em verdadeiro processo cautelar, não podendo ficar sem o meio de impugnação” (Marcellus
Polastri Lima, A tutela cautelar..., op. cit., 2005, p. 172). A premissa, todavia, não é assente, porque não se
trata de processo autônomo, mas medida cautelar
535
STF – RE n.° 106.738 – Rel. Min. Rafael Mayer – DJ de 01.08.1986; STJ – REsp n.° 258.167 – Rel. Min.
José Arnaldo da Fonseca – DJ de 02.05.2002; TRF 1ª R. – 3ª T – ACR n.° 2002.32.00.004611-5/AM – Rel.
Des. Tourinho Neto – DJ de 10.08.2006; TRF 4ª R. – 7ª T. – MS n.° 2000.04.01.089226-6 – Rel. José Luiz
B. Germano da Silva –DJ de 17.10.2001; TJSP – 5ª C. – AP 276.472-3/3 – Rel. Celso Limongi – j.
13.09.2001 – RT 796/582. Assim, “a decisão que defere pedido de seqüestro, como medida assecuratória
processual penal, é apelável, pois encerra a relação processual, com julgamento de mérito (o pedido
assecuratório), porém sem absolver nem condenar (art. 593, II, do CPP)” (TRF 1ª R. – 3ª T. – AgRgAi n.°
96.01.564349-9/DF – Rel. Des. Olindo Menezes – DJ de 30.05.1997). Ainda, curiosa a distinção feita no
Tribunal Regional Federal da 4ª Região: “se o seqüestro dos bens adquiridos com os proventos da infração
tiver sido decretado em autos apartados, o remédio jurídico adequado para a defesa do réu serão os embargos,
previstos no art. 130 do CPP. Todavia, se a decisão tiver sido prolatada nos próprios autos da ação penal,
nesse caso será admissível o recurso de apelação (CPP, art. 593, II). Em qualquer caso, recomenda-se a
aplicação do princípio da fungibilidade, a fim de garantir ao prejudicado o direito de ampla defesa, conforme
o devido processo legal” (TRF 4ª R. – 8ª T. – AP n.° 2000.70.00.019278-9 – Rel. Des. Volkmer de Castilho –
DJ de 8.08.2002).
142

definitiva, de sorte que é irrecorrível536, não sujeita a apelação537. Tampouco é apelável a


decisão que julga os embargos538, opostos à decretação do sequestro.

Contra a decretação do seqüestro, podem ser opostos embargos. Pode, ainda, ser
utilizado o mandado de segurança.

9.1.1.1. EMBARGOS

Como já dito, a prévia ciência, pelo acusado, acerca da decretação de determinada


medida cautelar patrimonial, poderia comprometer seu sucesso539. Por isso, a defesa pode
se opor, posteriormente à decretação e à realização do seqüestro, por meio de embargos. O
Código de Processo Penal admite, em verdade, três espécies de embargos, mas não traz
minúcias sobre o seu processamento540. Os embargos são conferidos ao terceiro, ao
acusado e ao terceiro de boa-fé541.

9.1.1.1.2. EMBARGOS DE TERCEIRO

Os embargos de terceiro são opostos por aquele que se afirma senhor ou


possuidor do bem, e que é, por tudo, absolutamente alheio à infração penal542. O artigo 125

536
Vicente Greco Filho, Manual..., op. cit., p. 188.
537
Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Medidas..., op. cit., p. 1491.
538
Sebastião de Oliveira Castro Filho sustenta que da decisão que julga os embargos, a que ele chama de
“sentença”, cabe apelação (Sebastião de Oliveira Castro Filho, Medidas cautelares..., op. cit., p. 161).
539
“Poderá prejudicar a eficácia da medida, principalmente se se tratar de bens móveis, o prévio
conhecimento dado ao réu ou ao terceiro, que detenha as coisas a seqüestrar. Têm eles o recurso de oferecer
embargos contra o seqüestro” (Eduardo Espínola Filho, Código..., op. cit., v. 2, p. 380).
540
Até mesmo por isso, Eduardo Espínola Filho entende que a matéria é de direito civil, daí a razão de o
Código de Processo Penal não lhe ter dedicado regulamentação (Eduardo Espínola Filho, Código..., op. cit.,
v. 2, p. 387).
541
Edgard Magalhães Noronha, Curso..., op. cit., p. 74; Eduardo Espínola Filho, Código..., op. cit., v. 2, p.
3380-381; Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 23. Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo...,
op. cit., v. 3, p. 31).
542
“O terceiro é o dono ou possuidor da coisa seqüestrada, mas totalmente estranho ao delito” (Edgard
Magalhães Noronha, Curso..., op. cit., p. 74). “Simples terceiro seria o senhor e possuidor do bem
seqüestrado, estranho ele ao delito, por completo alheio à infração penal” (Sérgio Marcos de Moraes
Pitombo, Do seqüestro..., op. cit., p. 20). “Simples terceiro é o senhor e possuidor do bem seqüestrado, que
seja absolutamente estranho à infração penal. Nesse caso, o terceiro poderá embargar o seqüestro sob o
fundamento de haverem sido alcançados bens que não pertencem ao acusado. Supôs-se, erroneamente, que os
143

do Código de Processo Penal dá arrimo ao seqüestro e, nos embargos previstos no artigo


129 do Código de Processo Penal, o terceiro nega que aquele bem lhe tenha sido
transferido pelo acusado ou, então, que a aquisição se deu muito antes da prática da
infração penal543, afirmando-se então estranho aos fatos apurados544. Para Tourinho Filho,
esta é a hipótese de verdadeiros embargos, devendo as outras hipóteses ser chamadas de
“contestação”545.

Porque a lei processual penal não define o procedimento a se adotar no caso dos
embargos, entende a doutrina que este devem ser opostos nos termos do artigo 1.046 e
seguintes do Código de Processo Civil546. Determina o artigo 1.048 deste diploma que os
embargos podem ser opostos a qualquer tempo, no processo de conhecimento, enquanto
não transitada em julgado a sentença. Caso perdure a medida em razão de o seqüestro não
ter sido levantado em razão de absolvição ou extinção da punibilidade, ocorrendo então o
trânsito em julgado da decisão penal condenatória, os bens poderão ser levados a leilão;
mas, então, o terceiro poderá, até 5 (cinco) dias depois da arrematação, mas sempre antes
da assinatura da respectiva carta, opor embargos547.

Os embargos podem ser contestados, no prazo de 10 (dez) dias, consoante a regra


do artigo 1.053 do Código de Processo Civil. Assim, se o seqüestro for requerido pelo
ofendido, a este cabe contestar os embargos. Se ordenado pelo juiz de ofício, ou em razão
de representação da autoridade policial ou do Ministério Público, caberia ao Ministério

bem seriam do acusado, quando, em verdade, eram do embargante” (Maria Thereza Rocha de Assis Moura,
Medidas..., op. cit., p. 1491). Por isso, “é preciso não confundir embargos de terceiro, com os embargos que,
como meio de defesa do embargado, são previstos no art. 130, nºs. I e II” (Romeu Pires de Campos Barros,
Processo..., op. cit., p. 418).
543
“Assim, por exemplo, se, por equívoco ou má informação, seqüestrou-se um imóvel não adquirido do
indiciado ou réu, ou, se o foi, a aquisição ocorreu muito antes do crime que se lhe imputa, o seu proprietário e
possuidor poderá opor embargos” (Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo..., op. cit., v. 3, p. 32).
544
Entende Romeu Pires de Campos Barros que tais embargos são, em verdade, do executado, e não
propriamente de terceiro: “Nessa conformidade, os embargos do adquirente dos bens, que constituem
proveito do crime, não são, em sentido próprio, embargos de terceiro, mas sim embargos do executado, visto
que o seqüestro alcança tais bens não como bens do delinqüente, e, sim, como bens pertencentes a terceiro,
mas cuja procedência é ilícita” (Romeu Pires de Campos Barros, Processo..., op. cit., p. 419).
545
“Haveria então uma imprecisão terminológica; o correto seria contestação, devendo-se falar em embargos
somente no caso de o seqüestro ter sido decretado sobre bens de terceiro absolutamente estranho ao delito”
(Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo..., op. cit., v. 3, p. 31).
546
Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo..., op. cit., v. 3, p. 31-32. Eduardo Espínola Filho, Código...,
op. cit., v. 2, p. 383.
547
Eduardo Espínola Filho, Código..., op. cit., v. 2, p. 382.
144

Público contestar os embargos548. Deveria, ainda, neste último caso, ser ofertada ao
ofendido a possibilidade de se manifestar.

Ademais, como o Código de Processo Penal não estabelece o conceito de


terceiro, pode-se buscá-lo no Código de Processo Civil, que, no artigo 1.046, § 3º,
estabelece que também se considera terceiro o cônjuge, quando defende bens dotais,
próprios, reservados ou de sua meação549.

Os embargos de terceiro são opostos à própria conservação da medida550, de


maneira que o seqüestro fica suspenso e os embargos podem ser julgados a qualquer
tempo, desde que antes do trânsito em julgado da decisão condenatória, se opostos no
curso da ação penal de conhecimento de natureza condenatória551. Preferencialmente, os
embargos devem ser julgados prontamente, quer porque a regra de que os embargos devem
ser apreciados apenas depois do trânsito em julgado não se aplica a esta espécie de
embargos (artigo 130, parágrafo único, do Código de Processo Penal), quer porque o
terceiro afirma que é de todo estranho à infração penal apurada, não sendo razoável fazer-
lhe aguardar o julgamento do processo com os bens constritos552.

Os embargos são julgados pelo próprio juiz penal553 e, se procedentes, o


seqüestro será levantado.

548
Nesse sentido, cf. Eduardo Espínola Filho: “opostos embargos de terceiro a seqüestro ordenado pelo juiz
criminal, a requerimento do ofendido, este será, evidentemente, o embargado, mas tomará tal posição o
ministério público, quando concedida a medida a seu pedido; se determinada ex officio, ou sob representação
da autoridade policial, embora não haja propriamente embargado, o ministério público deve assumir-lhe a
posição” (Eduardo Espínola Filho, Código..., op. cit., v. 2, p. 383). Ou, como prefere Tourinho Filho, na
hipótese de não ter sido o Ministério Público o requerente da medida, deveria ser ouvido ao menos como
custos legis (Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo..., op. cit., v. 3, p. 31-32).
549
Por isso, já decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que “a mulher é parte legítima para
interpor os embargos de terceiro previstos no art. 129 do CPP, para o fim de defender sua meação. Saber se
os bens foram adquiridos com produto do crime, se a requerente não concorreu em nada para que os mesmos
passassem a integrar o patrimônio comum é questão de mérito, a ser solucionada ao final” (TJSP – AP – Rel.
Mendes Pereira – j. 05.04.1976 – RT 477/307).
550
Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 24.
551
Edgard Magalhães Noronha, Curso..., op. cit., p. 74. João Gualberto Garcez Ramos, A tutela de
urgência..., op. cit., p. 294-295.
552
Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo..., op. cit., v. 3, p. 32. Eduardo Espínola Filho, Código..., op.
cit., v. 2, p. 383. Marcellus Polastri Lima, A tutela cautelar..., op. cit., 2005, p. 172.
553
Em sentido contrário, Romeu Pires de Campos Barros entende os embargos previstos no artigo 129, do
Código Penal, devem ser propostos perante o juízo cível competente, sendo esta ação desprovida de qualquer
vínculo com o procedimento do qual se originou seqüestro (Romeu Pires de Campos Barros, Processo..., op.
cit., p. 418-419).
145

9.1.1.1.2. EMBARGOS DO ACUSADO

O Código de Processo Penal prevê segunda espécie de embargos. São aqueles


opostos pelo acusado, sob fundamento de que os bens não foram por ele adquiridos com o
produto da infração (artigo 130, inciso I, do Código de Processo Penal) 554. O acusado pode
também alegar que não há indícios de que o bem tenha sido adquirido com o produto da
infração555, ou, ainda, alegar que imóvel foi adquirido antes mesmo da ocorrência dos fatos
de que está sendo acusado556. O acusado pode, ainda, sustentar que possui os bens em outra
qualidade, como, v.g., alegar que é meramente depositário ou detentor do bem, mas em
nome de outrem557.

A Lei n.º 9.613/98, apesar de não mencionar expressamente os embargos, manda


que se obedeça ao procedimento previsto neste Capítulo do Código de Processo Penal.
Todavia, prevê expressamente, no artigo 4o, § 2o, que o “juiz determinará a liberação dos
bens, direitos e valores apreendidos ou seqüestrados quando comprovada a licitude de sua
origem”. Discute-se se este dispositivo teria invertido o ônus da prova relativamente à
licitude dos bens, direitos ou valores que tenham sido objeto de seqüestro558. Em verdade,
cabe à acusação se desincumbir do ônus de provar a ilicitude da origem do objeto do
seqüestro. Ao acusado, somente cabe alegar, para obter a liberação, a licitude da origem do
bem, o que não é diverso do disposto no Código de Processo Penal, que determina que os
embargos podem ser opostos pelo acusado sob alegação de que o bem não foi adquirido
com o produto da infração559. Note-se, ademais, que o procedimento previsto na Lei n.º
9.613/98 condiciona a defesa do acusado, o por ela chamado “pedido de restituição”, ao

554
Espínola Filho entende que, na dicção expressa da lei, esta seria a única alegação possível, em termos de
defesa (Eduardo Espínola Filho, Código..., op. cit., v. 2, p. 398). No mesmo sentido Magalhães Noronha: “A
defesa do acusado consistirá em que os bens não foram adquiridos com os proventos do crime. É a única que
pode opor” (Edgard Magalhães Noronha, Curso..., op. cit., p. 74).
555
Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Medidas..., op. cit., p. 1491.
556
“Os bens adquiridos antes da prática do ato ilícito não são passíveis de seqüestro” (STF – RE n.° 40.253 –
Rel. Min. Cândido Lobo – DJ de 30.01.1960).
557
Sebastião de Oliveira Castro Filho, Medidas cautelares..., op. cit., p. 160.
558
William Terra de Oliveira, O crime de lavagem de dinheiro, Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências
Criminais, São Paulo, ano 6, n. 65, ed. especial, p. 09-10, abril 1998.
559
Nesse sentido, cf. Luiz Flávio Gomes, Lei de lavagem de capitais: aspectos processuais, Boletim do
Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, São Paulo, ano 6, n. 65, ed. especial, p. 10-11, abril 198. Pedro de
Jesus Juliotti, Inversão do ônus da prova e a convenção das Nações Unidas sobre o combate ao Tráfico de
Entorpecentes, Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, São Paulo, ano 6, n. 71, out. 1998.
146

comparecimento pessoal do acusado (artigo 4o, § 3o), o que não ocorre na disciplina
conferida pelo Código de Processo Penal.

Idêntica disciplina é conferida pelo substitutivo apresentado pela Comissão


Permanente de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado ao Projeto de Lei n.º
7.226/2006, que pretende acrescentar, ao Código de Processo Penal, a previsão de que o
pedido de restituição ou disponibilidade somente será conhecido com o comparecimento
pessoal do acusado (artigo 23-A, § 3º) e que a liberação dos bens será feita quando
comprovada a licitude de sua origem, ou – acresce o substitutivo – quando hipotecados,
empenhados ou penhorados em execução em favor de credores de boa-fé (artigo 23-A, §
2º). O Projeto de Lei n.º 7.387/2006, apensado ao Projeto de Lei n.º 7.226/2006, também
prevê, no artigo 144-B, caput, que os bens, direitos ou valores seqüestrados, apreendidos
ou declarados indisponíveis sejam liberados pelo juiz, quando comprovada a licitude da
sua origem, desde que haja o comparecimento pessoal do acusado (artigo 144-B, § 1º).

Mas, diferentemente dos embargos do terceiro, os embargos opostos pelo acusado


somente serão julgados depois do trânsito em julgado da sentença condenatória560, de sorte
que são hábeis unicamente para obstar as providências definitivas, dispostas no artigo 133,
parágrafo único, do Código de Processo Penal561. E, no caso de absolvição ou extinção da
punibilidade, ficam naturalmente prejudicados562.

O processamento e o julgamento destes embargos se dão no juízo penal563 e, se


procedentes, o bem será desonerado564.

560
“Tanto no caso de embargos opostos pelo terceiro de boa-fé como pelo acusado, a lei não manda
suspender o seqüestro, mas ordena que sobre os embargos seja pronunciada decisão após o trânsito em
julgado da sentença condenatória (art. 130, parágrafo único). Portanto, não impedem o seqüestro, tal como
acontece nos embargos de terceiro, mas obstam as providências posteriores à sentença, previstas no art. 133,
parágrafo único, do CPP” (Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Medidas..., op. cit., p. 1491).
561
Tais embargos “não são meio hábil, para evitar a conservação do seqüestro, não logram impedi-la, pois só
ao fim do processo principal serão julgados (Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 24). “Tanto no
caso de embargos opostos pelo terceiro de boa-fé como pelo acusado, a lei não manda suspender o seqüestro,
mas ordena que sobre os embargos seja pronunciada decisão após o trânsito em julgado da sentença
condenatória (art. 130, parágrafo único). Portanto, não impedem o seqüestro, tal como acontece nos
embargos de terceiro, mas obstam as providências posteriores à sentença, previstas no art. 133, parágrafo
único, do CPP” (Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Medidas..., op. cit., p. 1491).
562
Eduardo Espínola Filho, Código..., op. cit., v. 2, p. 380-381.
563
Novamente, entende Romeu Pires de Campos Barros que a discussão da matéria sobre que versam os
embargos é remetida ao juízo cível, com o que não concordamos: “a regra contido no art. 130, § único, do
C.P.P., segundo a qual nos embargos opostos pelo acusado ou pelo terceiro adquirente dos bens que o mesmo
comprou com os proventos da infração, somente poderá ser proferida decisão depois de transitar em julgado
a sentença condenatória, remete a discussão da matéria contida em tais embargos para o juízo cível, onde será
processada a ação para a liquidação e a execução dos danos resultante do delito. Esse entendimento resulta do
comando contido no art. 143, do C.P.P.” (Romeu Pires de Campos Barros, Processo..., op. cit., p. 422).
147

9.1.1.1.2. EMBARGOS DO TERCEIRO DE BOA-FÉ

Por fim, o Código de Processo Penal em vigor prevê, no artigo 130, inciso II,
terceira espécie de embargos: embargos do terceiro de boa-fé, opostos por aquele que
adquiriu o bem, de origem ilícita, a título oneroso e de boa-fé. A definição legal de
possuidor de boa-fé é dada pelo Código Civil, no artigo 1.201: “é de boa-fé a posse, se o
possuidor ignora o vício, ou obstáculo que impede a aquisição da coisa”. A boa-fé “não
consiste, apenas, em ignorar a origem ilícita da coisa, o vício e o óbice, mas também
poder acreditar na perfeição do negócio jurídico, na habilidade da transferência do
bem”565. E a aquisição deve ter ocorrido a título oneroso566. Podem ser opostos, v.g., por

564
Afirma Marcellus Polastri Lima que então “se dará a exclusão dos bens do perdimento (artigo 133 do
CPP) ou será excluída parcela sobre a qual não deve recair o perdimento” (Marcellus Polastri Lima, A tutela
cautelar..., op. cit., 2005, p. 172).
565
Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Do seqüestro..., op. cit., p. 23. Ainda, o mesmo autor afirma que pode
ser considerado terceiro de boa-fé “apenas aquele que adquiriu, ao menos a justo preço, bens do acusado,
resultantes da infração, ignorando-lhes, de modo invencível, a proveniência ilícita” (Sérgio Marcos de
Moraes Pitombo, Do seqüestro..., op. cit., p. 20-21). “O terceiro de boa-fé é o que adquiriu a coisa do
acusado, fazendo-o, porém, inconsciente da proveniência delituosa, crente de agir licitamente. Quanto ao
terceiro de boa-fé, o Código restringe-a – nisto preferindo às disposições do Código Civil, pois, no caso, é lei
especial – à aquisição a titulo oneroso e ao erro invencível, que é o substrato da boa-fé” (Edgard Magalhães
Noronha, Curso..., op. cit., p. 74). “O terceiro de boa-fé é aquele que adquiriu, a justo preço, os bens do
acusado, ignorando por completo que eram resultantes da infração. Desconhece, portanto, a origem ilícita dos
bens. O terceiro de boa-fé que seja possuidor do bem seqüestrado também pode embargar (art. 130, II, do
CPP), necessitando, porém, provar a sua boa-fé na aquisição da posse. É claro que, se tiver justo título, terá
em seu favor a presunção de boa-fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admitir
esta presunção (art. 1.201 do CC/2002, que, neste passo, repete a disposição do art. 490 do CC anterior)”
(Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Medidas..., op. cit., p. 1491). “Se há negligência, tornando culposos o
erro ou a ignorância, não se pode escusar o ato, sob pretexto de boa-fé. Assim, quem adquire os produtos da
infração, ou proventos do crime, ao infrator, que pede ou aceita preço vil, não age de boa-fé, pois não é
acolhível a sua pretensão de não ter desconfiado da procedência ilícita dessas coisas. Não vinga, igualmente,
a invocação de boa-fé, quando são adquiridos bens a um indivíduo, cuja situação financeira torne patente a
impossibilidade de serem tais bens propriedade sua, oriunda de fonte legítima, ou quando esses bens sejam de
um grande valor, incompatível com o estado precário das finanças do transmitente. Não basta a ignorância
sobe a verdadeira situação deste último, é preciso também que não ocorram motivos para suspeitadas da má
procedência dos objetos” (Eduardo Espínola Filho, Código..., op. cit., v. 2, p. 384-385). “Não basta apenas a
boa-fé; é preciso que o bem lhe tenha sido transferido a título oneroso. Satisfeita essa condição, deverá
provar, na contestação (CPC, art. 802), a sua inciência quanto à proveniência ilícita do imóvel, isto é, seu
total desconhecimento de que o pretenso culpado o adquirira com os proventos da infração e, por isso
mesmo, certo da licitude da aquisição” (Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo..., op. cit., v. 3, p. 32).
“É justamente a boa-fé o único fundamento da pretensão, que pode alimentar alguém, de conservar bens
sobre os quais adquiriu direito, pagando-os ou transferindo outros bens ao delinqüente, porque não somente
são inteiramente inoperantes as liberalidades feitas pelo infrator, a respeito de bens postos À sua disposição
pelo crime, ou obtidos com emprego dos produtos do delito, como também sucede que as transferências
onerosas são as únicas cujo efeito é passar à propriedade do criminoso dinheiro ou bens, sobre os quais,
poderá recair a ação da justiça” (Eduardo Espínola Filho, Código..., op. cit., v. 2, p. 385). Romeu Pires de
Campos Barros, Processo..., op. cit., p. 419.
148

aquele que adquiriu o bem por leilão, ou, ainda, muito antes da prática do delito que se
imputa ao acusado (artigo 130, inciso II, do Código de Processo Pena e artigo 91, II, do
Código Penal). Se, todavia, o terceiro adquiriu o bem de pessoa cuja menoridade é
manifesta; de alguém cuja posição sócio-econômica faz presumir, de plano, não seja dona
do bem; ainda, se a aquisição de seu a preço irrazoável; ou, por fim, sob condições
extraordinárias567, tudo isto descaracteriza a boa-fé do terceiro, que não terá sucesso nos
embargos porventura opostos.

Questão importante se estabelece, nesta espécie de embargos, em relação ao ônus


da prova. A boa-fé não se presume, tampouco a onerosidade da aquisição do bem568.
Precisam ficar provadas, a fim de permitir a revogação do seqüestro, e cabe ao embargante
fazê-lo569.

Note-se que, ao fixar estes dois requisitos para os embargos (boa-fé e onerosidade
da aquisição), o Código de Processo Penal acaba impondo à matéria disciplina diversa à
conferida pelo Código Civil, porque trata como nulo negócio jurídico considerado anulável
pela lei civil. Com efeito, no artigo 145, o Código Civil estabelece que os negócios
jurídicos são anuláveis por dolo, quando este for a sua causa. O Código de Processo Penal,
todavia, ao prever que somente o terceiro de boa-fé, que adquiriu o bem a título oneroso,
pode se opor, com sucesso, ao seqüestro, prevê, a contrario sensu, que os imóveis
adquiridos pelo acusado com o produto da infração, e depois transferidos a terceiros a
título gratuito, ou sem boa-fé por parte do terceiro, podem ser vendidos em leilão, “ainda
que o lesado não peça a anulação da transferência ao terceiro, e sem necessidade de

566
“Como se vê, a alegação de boa-fé pressupõe a aquisição a título oneroso, uma vez que, em se tratando de
doação, não se admitirá tal alegação” (Marcellus Polastri Lima, A tutela cautelar..., op. cit., 2005, p. 172).
“Intuitivo que uma transferência onerosa somente na aparência, mas simulada, buscando encobrir
liberalidade, não servirá de fundamento, de modo algum, aos embargos, revelando, ao contrário, só por si, a
má fé do adquirente” (Eduardo Espínola Filho, Código..., op. cit., v. 2, p. 385).
567
Todos os exemplos mencionados são de Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Do seqüestro..., op. cit., p.
24.
568
João Gualberto Garcez Ramos, A tutela de urgência..., op. cit., p. 294. Sebastião de Oliveira Castro Filho,
Medidas cautelares..., op. cit., p. 161.
569
“A boa-fé, cumpre notar, se não presume. Ao terceiro, adquirente de bens de ilícita proveniência, não
basta alegar boa-fé, na aquisição e posse. Necessita prová-las nos embargos. Se o possuidor, contudo, tem, ou
cuida ter, título hábil a lhe transferir o domínio, existe presunção juris tantum de boa-fé” (Sérgio Marcos de
Moraes Pitombo, Do seqüestro..., op. cit., p. 22).
149

prévia sentença anulatória”570, exatamente porque se trata bens adquiridos com o produto
da infração penal.

Por fim, de se ter claro que se liga ao tema da boa-fé do terceiro a questão da
receptação. A receptação, praticada de forma dolosa (artigo 180, caput, do Código Penal)
ou culposa (artigo 180, § 3º, do Código Penal), arreda, por óbvio, a boa-fé571; e, mais do
que isso, quando o juiz, ao decretar o seqüestro ou analisar os embargos, toma ciência da
possível ocorrência de receptação, crime apurado mediante ação penal de iniciativa
pública, deve remeter as cópias e os documentos necessários à apuração do fato ao
Ministério Público, nos termos do que determina o artigo 40 do Código de Processo Penal.

Uma particularidade, única em caso de seqüestro: o terceiro de boa-fé pode, para


desonerar o bem constrito e levantar o seqüestro, além ou alternativamente à oposição de
embargos, prestar caução, nos termos do previsto no artigo 131, inciso II, do Código de
Processo Penal.

Quanto ao processamento, o Código de Processo Penal não prevê prazo para a


interposição dos embargos oferecidos pelo acusado e pelo terceiro de boa-fé. Aplicando-se
por analogia o artigo 1.048 do Código de Processo Civil, tem-se que os embargos podem
ser opostos a qualquer tempo, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. E,
caso a condenação passe em julgado, ainda assim poderá haver oposição de embargos, até
5 (cinco) dias depois da arrematação, mas sempre antes da assinatura da respectiva carta572.

Assim como os embargos opostos pelo acusado, os embargos do terceiro de boa-


fé somente serão julgados depois do trânsito em julgado da sentença condenatória e são,
assim, hábeis apenas para impedir as providências definitivas, previstas no artigo 133,

570
Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 26. No mesmo sentido, cf. Sebastião de Oliveira Castro
Filho, que, aliás, lembra que a penhora, no processo civil, também leva à expropriação do bem sem
necessidade de prévia anulação (Sebastião de Oliveira Castro Filho, Medidas cautelares..., op. cit., p. 163-
164).
571
Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Do seqüestro..., op. cit., p. 24-25.
572
Há quem limite tal elasticidade, entendendo que os embargos podem ser oferecidos a qualquer tempo,
desde que antes de transitar em julgado a sentença condenatória (Eduardo Espínola Filho, Código..., op. cit.,
v. 2, p. 386; Romeu Pires de Campos Barros, Processo..., op. cit., p. 419). O Superior Tribunal de Justiça,
todavia, já entendeu tempestivos embargos opostos no processo de liqüidação e execução de sentença penal:
“O Código de Processo Civil não fixa o marco inicial para o oferecimento dos embargos de terceiro, de modo
que o adquirente do imóvel objeto de seqüestro decretado no Juízo Criminal pode opor embargos de terceiro
no processo de liqüidação e de execução, para defender direito seu, até cinco dias depois da arrematação,
adjudicação ou remição, mas sempre antes da assinatura da respectiva carta (art. 1.048 CPC). Recurso
especial conhecido, em parte, e provido” (STJ – Resp n.° 110.297– Rel. Min. Barros Monteiro – DJ de
05.05.2003).
150

parágrafo único, do Código de Processo Penal. E ficam prejudicados, em caso de


absolvição ou extinção da punibilidade.

9.1.1.2 MANDADO DE SEGURANÇA

De se notar que, em razão de os embargos opostos pelo acusado e pelo terceiro de


boa-fé serem julgados somente depois do trânsito em julgado da decisão condenatória, e de
os embargos opostos pelo terceiro não disporem de prazo, assinalado na lei, para
julgamento, é freqüente o uso de mandado de segurança, com a finalidade de desonerar os
bens que sofreram a medida cautelar patrimonial.

A possibilidade jurídica do mandado de segurança reside na manifesta, evidente


ilegalidade ou abuso de poder, ferindo direito líquido e certo, e na impossibilidade de se
afastar a irreparabilidade do dano, causado pelo fato, ou sua difícil reparação, por via dos
remédios processuais comuns, pelos motivos mencionados acima.

Assim, é cabível mandado de segurança, previsto no artigo 5o, inciso LXIX, da


Constituição da República e disciplinado pela Lei n.º 1.533/51, contra decisão que
determina o seqüestro de bens, podendo ser impetrado pelo terceiro senhor ou possuidor do
bem, pelo próprio acusado ou por terceiro de boa-fé que teve seu bem seqüestrado, não
obstante a previsão legal de embargos (artigos 129 e 130, do Código de Processo Penal),
bem como contra as medidas cautelares previstas na lei de lavagem de dinheiro (artigo 4º,
da Lei n.º 9.613/98).

O mandado de segurança pode ser utilizado para atacar decreto de seqüestro


proferido por juiz incompetente, excesso na execução da decisão judicial, indeferimento de
pedido de levantamento. Nestes casos, o mandado de segurança não é usado como
sucedâneo dos embargos, o que faria incidir o enunciado da súmula 268 do Supremo
Tribunal Federal573, mas como forma de obter a prestação jurisdicional abreviadamente, se
manifesta a ilegalidade do decreto ou da sua execução574, tendo-se em conta que os
embargos opostos pelo acusado e pelo terceiro adquirente de boa-fé não servem à
573
Súmula 268. Não cabe mandado de segurança contra decisão judicial com trânsito em julgado.
574
Há julgados, todavia, que entendem que, porque a decisão seria apelável – com o que não concordamos –
ou porque comportaria embargos, não cabe mandado de segurança, na espécie. Cf. STJ –– RMS n.° 14.621 –
Rel. Min. Gilson Dipp – DJ de 11.11.2002; MS n.° 2000.04.01.089226-6 – Rel. José Luiz B. Germano da
Silva –DJ de 17.10.2001; TRF 1a R. – 2a S. – MS n.° 1999.01.0043643-2/MG – Rel. Des. Plauto Ribeiro –DJ
de 17.06.2002.
151

contraposição da manutenção das medidas, mas unicamente obstam as providências


definitivas de venda575, porque julgados somente depois de decidida a questão penal.

9.1.2. LEVANTAMENTO

Em razão de as medidas cautelares serem provisórias, o Código de Processo


Penal, no artigo 131, estabelece as hipóteses em que o seqüestro será levantado, ou seja,
perderá sua eficácia576.

9.1.2.1. ESGOTAMENTO DO PRAZO

A primeira hipótese de levantamento, prevista no inciso I do artigo 131, ocorre se


a ação penal não for intentada no prazo de 60 (sessenta) dias, contado da data em que ficar
concluída a diligência.

Trata-se da hipótese em que a medida é decretada ainda no curso do inquérito


policial. O prazo se conta a partir da colheita do bem, e não do registro do seqüestro577, e o
seqüestro é levantado independentemente de requerimento do indiciado, podendo o juiz
agir de ofício578.

A Lei n.º 9.613/98 prevê prazo maior: 120 (cento e vinte) dias. Assim, o
seqüestro decretado em razão da prática do crime de lavagem de dinheiro será levantado se
a ação penal não for iniciada no prazo de 120 (cento e vinte) dias, contados da data em que
ficar concluída a diligência. É o que determina o artigo 4o, § 1º, da mencionada lei.

Igual prazo, de 120 (cento e vinte) dias, é previsto pelo Projeto de Lei n.º
7.226/2006 e pelo substitutivo apresentado pela Comissão Permanente de Segurança

575
Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 24.
576
Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo..., op. cit., v. 3, p. 34.
577
“O terminus a quo do prazo de 60 dias não é a data da inscrição do seqüestro no Registro de Imóveis. Esta
não faz parte da diligência de seqüestro, mas, ao contrário, tem lugar depois de ser ela realizada (art. 128) e
não é ato constitutivo do seqüestro, mas se destina apenas a documentá-lo e a publicá-lo, dando dele
conhecimento aos terceiros a acarretando todos os efeitos que decorrem da inscrição apontados
anteriormente” (Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 26-27). No mesmo sentido, cf. Edgard
Magalhães Noronha, Curso..., op. cit.,. Romeu Pires de Campos Barros, Processo..., op. cit., p. 423.
578
Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 26.
152

Pública e Combate ao Crime Organizado, antes mencionados: visando a modificar o


Código de Processo Penal, dispõem que as medidas assecuratórias serão levantadas se a
ação penal não for iniciada no prazo de 120 (cento e vinte) dias. O Projeto de Lei n.º
7.387/2006, apensado ao Projeto de Lei n.º 7.226/2006, também prevê que a
indisponibilidade perderá seus efeitos se a ação penal não for intentada neste mesmo prazo,
de 120 (cento e vinte) dias, mas contados da decretação – e não da conclusão – da
diligência (artigo 144-A, § 1º). Já no curso da ação penal, se não houver suspensão do
processo em razão do não-comparecimento do acusado (artigo 366, do Código de Processo
Penal), a indisponibilidade dos bens não poderá ultrapassar o prazo de 180 (cento e oitenta)
dias, admitida uma única prorrogação, por igual prazo (artigo 144-A, § 3º), e se permite
ainda que, na vigência da medida, o juiz possa admitir, em caráter excepcional, a
disposição de parte dos bens como forma de evitar a depreciação do patrimônio como um
todo (artigo 144-A, § 4º).

O fato é que o prazo hoje estabelecido no Código de Processo Penal – 60


(sessenta) dias – é considerado curto, dada a finalidade da medida de servir ao processo,
resguardando os efeitos de eventual decisão condenatória. Por isso, tem-se permitido a
prorrogação do prazo original – de 60 (sessenta) dias, e até mesmo do prazo previsto na lei
de lavagem de dinheiro, de 120 (cento e vinte) dias –, caso haja motivos justificados e não
imputáveis ao requerente, como, por exemplo, a dificuldade no cumprimento de diligências
que visem à apuração dos fatos havidos por delituosos579. A solução, como se vê, é
casuística, o que não é desejável, porque a razão do dispositivo que fixa prazo determinado
reside exatamente na índole cautelar da medida, que não se pode eternizar580. Melhor seria
a revisão da disciplina legal, ou com a exclusão do prazo ou com hipóteses taxativas de

579
“Apesar de não ter sido intentada a ação penal no prazo descrito no artigo 131, I, do CPP, o seqüestro
merece ser mantido, considerando a excepcionalidade do caso e as informações ministeriais no sentido de
não se tratar de inércia daquele órgão, mas, sim, de dificuldades no cumprimento de certas diligências e na
apuração dos fatos” (STJ – RMS n.° 9.999 – Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca – DJU de 28.06.1999).
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar questão de ordem suscitada nos autos do Inquérito
Policial n.º 2248, alargando ainda mais o entendimento, indeferiu o pedido de restituição dos bens que
haviam sido apreendidos, sob fundamento de que, se as diligências de investigação requeridas pelo
Ministério Público não haviam sido cumpridas, o prazo, de 120 (cento e vinte) dias, nem mesmo poderia ser
contado. Mudou, como se vê, o dies a quo da contagem do prazo: “não se deve considerar vencido o prazo a
que alude o § 1º do art. 4º da Lei n.º 9.613/9, que é de 120 dias, pois ainda se encontram inconclusas as
diligências requeridas pelo Ministério Público Federal em ordem a não se poder iniciar a contagem do lapso
temporal” (STF – Inq-QO n.° 2248/DF – Tribunal Pleno – Rel. Min. Carlos Britto – DJU de 20.10.2006). A
confusão, na lei de lavagem de dinheiro, é ainda maior, porque trata como idênticas medidas que são
essencialmente diversas, a apreensão e o seqüestro. A apreensão, que se volta ao próprio corpo do delito,
deve perdurar enquanto houver interesse ao processo, nos termos do que dispõe o artigo 118 do Código de
Processo Penal.
580
Edgard Magalhães Noronha, Curso..., op. cit., p. 75.
153

permissão de prorrogação, bem como de tempo global permitido de constrição sobre o


bem.

Além disso, depois de recebida a denúncia, segundo a legislação hoje em vigor, a


medida pode ser renovada indefinidamente no curso da ação penal, porque não há qualquer
limitação temporal581. Isto em termos, porque o seqüestro, como medida cautelar, é
provisório e há, ademais, exigência à obediência de prazo razoável.

Ademais, mesmo se levantado o seqüestro, o juiz pode vir a novamente decretá-


lo, sobre os mesmos bens582, se houver justa causa para tanto.

9.1.2.2 CAUÇÃO

A segunda hipótese de levantamento de seqüestro (artigo 131, inciso II, do


Código de Processo Penal) ocorre no caso de o terceiro de boa-fé, a quem tiverem sido
transferidos os bens, prestar caução. Trata-se de contracautela583, porque, neste caso, a
caução mantém a garantia assegurada pelo seqüestro584, que se destina a acautelar bens do
acusado que assegurem o disposto no artigo 91, inciso II, a, do Código Penal585. Mas
somente o terceiro, de boa-fé586, aquele a que se refere o artigo 130, inciso II, do Código de
Processo Penal, pode oferecer caução, e não o acusado587.

581
Pode, inclusive, depois de cessada a medida, novo decreto recair sobre o mesmo bem. Igualmente, no
direito italiano: Mario Garavelli, Il sequestro..., op. cit., p. 42-43.
582
Antonio Scarance Fernandes, O papel da vítima..., op. cit., p. 203. O Supremo Tribunal Federal já decidiu
que o juiz pode, até mesmo, fazê-lo de ofício: “Seqüestro de bens móveis, cuja aquisição teria sido feita
como produto da apropriação indébita. Medida assecuratória decretada com fundamento no artigo 127 do
CPP. Levantado o seqüestro, decretado a requerimento do Ministério Público, por não ter sido a ação penal
intentada dentro do prazo, pode o juiz, de ofício, ao receber a denúncia, renovar essa medida assecuratória.
Interpretação do art. 131, I, do CPP, em combinação com o art. 127, do mesmo estatuto processual” (STF –
RE n.° 86.635 – Rel. Min. Leitão de Abreu – DJ de 01.07.1977). No mesmo sentido, cf. STF – AI n.° 65.482
– Rel. Min. Moreira Alves – DJ de 12.03.1976.
583
Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Medidas..., op. cit., p. 1489.
584
“Embora não diga a lei as coisas que poderão ser caucionadas, nada obsta a que se aplique por analogia a
norma do art. 330, do C.P., com relação a fiança, podendo essa caução consistir em dinheiro, coisas preciosas
ou título da dívida pública não onerados. É certo que quanto ao valor deste prevalecerá a sua cotação na
Bolsa (§ 1º e 2 º, do art. 330, comb. com o art. 3º), sendo que dos demais objetos a avaliação será feita por
perito nomeado pelo juiz” (Romeu Pires de Campos Barros, Processo..., op. cit., p. 423).
585
Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 27.
586
“Assim, se o terceiro de boa-fé quiser levantar a medida constritiva (pois o julgamento dos embargos se
dará após o trânsito em julgado de eventual sentença condenatória), poderá fazê-lo, conquanto preste caução
idônea de molde a assegurar o que dispõe a segunda parte do inc. II do art. 91 do CP, isto é, qualquer bem ou
valor que constitua provento auferido pelo agente com a prática do faro criminoso reverterá aos cofres da
154

O Código de Processo Penal, todavia, é silente acerca das coisas que podem ser
caucionadas. Há quem sustente que a caução deve ser prestada nos termos previstos no
Código de Processo Civil588.

Parece mais correto, todavia, o uso, por analogia, da disciplina conferida pelo
próprio Código de Processo Penal à fiança589, espécie de caução. Assim, nos termos do
artigo 330, a caução pode consistir em dinheiro, pedras, objetos ou metais preciosos, títulos
da dívida pública, federal, estadual ou municipal, ou em hipoteca inscrita em primeiro
lugar. Ou, ainda de forma mais restrita, nos termos do que previsto como caução à hipoteca
legal (artigo 135, § 6º, do Código de Processo Penal): caução em dinheiro e títulos da
dívida pública.

9.1.2.3 ABSOLVIÇÃO E EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE

O seqüestro também será levantado, nos termos do inciso III do artigo 131 do
Código de Processo Penal, se for julgada extinta a punibilidade ou absolvido o acusado,
por sentença, na dicção da lei, irrecorrível, ou seja, transitada em julgado590. Estes são
também motivo de levantamento de arresto e cancelamento de hipoteca legal591, conforme
previsto no artigo 141 do Código de Processo Penal.

União, ressalvado o direito do lesado ou terceiro de boa-fé” (Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo...,
op. cit., v. 3, p. 34-35).
587
“Explica-se essa possibilidade pela circunstância da caução manter a garantia consistente no seqüestro.
[...] Tal caução somente é admitida pelo terceiro, não podendo usar da medida o acusado ou indicado, ainda
quando tenha oferecido embargos ao seqüestro, mediante o fundamento de que os bens não foram adquiridos
com os proventos da infração” (Romeu Pires de Campos Barros, Processo..., op. cit., p. 423). Hélio
Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 27.
588
Eduardo Espínola Filho, Código..., op. cit., v. 2, p. 390. Igualmente, Fernando da Costa Tourinho Filho:
“então, ad cautelam, deve este fazer a caução, que consistirá em deposito em dinheiro, papeis de créditos,
títulos da União ou dos Estados, pedras e metais preciosos, hipoteca, penhor ou fiança, tudo nos termos do
art. 827 do CPC. Claro. Se um dos efeitos secundários da sentença condenatória com trânsito em julgado
consiste na perda, em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou terceiro de boa-fé, dos instrumentos
do crime, producta sceleris ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a
prática da infração penal, natural, pois, deva ser tomada a cautela do levantamento do seqüestro mediante a
caução” (Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo..., op. cit., v. 3, p. 34-35).
589
Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 27 e Edgard Magalhães Noronha, Curso..., op. cit., p. 75.
590
Hélio Tornaghi entende que o recurso extraordinário não deve ser levado em consideração, para tal fim.
Todavia, deve-se entender decisão “irrecorrível” por “decisão transitada em julgado” (Hélio Tornaghi,
Instituições..., op. cit., v. 3, p. 28), de sorte que, quando ainda pendentes recursos especial ou extraordinário,
bem como seus agravos, o seqüestro não pode ainda ser levantado.
591
Edgard Magalhães Noronha, Curso..., op. cit., p. 75.
155

Espínola Filho critica esta terceira hipótese de levantamento, sustentando que o


seqüestro deveria, em verdade, ficar subordinado às providências tomadas pelo ofendido
no juízo cível, sendo que, se existente ação ressarcitória, o juiz criminal deveria consultar o
juiz do cível para decretar o levantamento e, não o levantando, remeter os autos respectivos
ao juiz cível592.

É certo, contudo, que o seqüestro visa tão-somente a assegurar a aplicação do


disposto no artigo 91, incisos I e II, b, do Código Penal, ou seja, assegurar a eficácia dos
efeitos de eventual decisão condenatória, evitando que se frustrem. Desta sorte, a medida
cautelar patrimonial não pode subsistir em caso de decisão que definitivamente não
condena o acusado593, porque não é certa a obrigação de reparar o dano decorrente do
delito594. E, se o acusado pode ter responsabilidade civil, o ofendido dispõe de medidas
previstas no próprio Código de Processo Civil para acautelar a execução naquela esfera595.

Ademais, como o seqüestro pode ser decretado no curso do inquérito policial, o


Código de Processo Penal falhou, ao não mencionar que, em caso de arquivamento do
inquérito policial, o seqüestro também deverá ser levantado.

Por fim, deixou o Código de Processo Penal de mencionar que, julgados


procedentes os embargos opostos, o seqüestro também será levantado596.

592
Eduardo Espínola Filho, Código..., op. cit., v. 2, p. 391-392.
593
Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 27-28. No mesmo sentido, Fernando da Costa Tourinho
Filho: “Levantada também será a medida, se for julgada extinta a punibilidade ou absolvido o réu por
sentença transitada em julgado. Se a sentença penal condenatória torna certa a obrigação de satisfazer o dano
ex delicto e, ao mesmo tempo, produz aqueles efeitos a que se refere o art. 91 do CP, já o mesmo não
acontece com a sentença absolutória e a que julga extinta a punibilidade. É certo que a sentença de
absolvição, em princípio, e a que julga extinta punibilidade não impedem a propositura da ação civil para
satisfação do dano. Contudo, uma vez que a sentença no juízo penal não foi condenatória, teria o ofendido de
promover no cível (e assim mesmo dependendo do fundamento da absolvição) a competente ação com vistas
ao ressarcimento do dano, e, mesmo que já o houvesse feito (art. 64), não teria sentido perdurasse o
seqüestro, porquanto a certeza quanto à obrigação de satisfazer o dano que a sentença penal condenatória
traduz se dissipou. Por outro lado, como se trata de providência tomada em caráter provisório e excepcional,
pela Justiça Penal, tendo em vista os efeitos civis da sentença penal condenatória, entendeu o legislador não
devesse a medida perdurar se absolutória a decisão, ou se a punibilidade fosse julgada extinta, tanto mais
quanto, no cível, o ofendido poderá requerer a mesma providência, que será devidamente apreciada pelo
órgão competente” (Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo..., op. cit., v. 3, p. 34-35).
594
Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 13.
595
Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 28.
596
Eduardo Espínola Filho, Código..., op. cit., v. 2, p. 389. Sebastião de Oliveira Castro Filho, Medidas
cautelares..., op. cit., p. 161.
156

9.1.3. EXECUÇÃO

Transitada em julgado a decisão condenatória, tem-se então a execução do


seqüestro, se este não houver sido levantado, nos termos do disposto no artigo 131 do
Código de Processo Penal, ou em conseqüência da procedência dos embargos opostos pelo
terceiro, senhor ou possuidor (artigo 129)597.

O juiz criminal fará o julgamento dos embargos porventura opostos pelo acusado
ou pelo terceiro de boa-fé e, se concluir pela improcedência dos embargos, determinará a
avaliação dos bens e a sua venda em leilão público598. O seqüestro, de medida cautelar e
provisória, transmuda-se então em definitiva.

Se estamos acostumados à autonomia do processo de execução, no qual o título é


levado ao juízo cível para reparação do dano, o artigo 133, do Código de Processo Penal, é
exceção a isso. Trata-se de processo sincrético de execução, porque mistura, em um
mesmo processo, conhecimento e execução599.

A questão do juízo onde se deva processar o leilão, todavia, não é pacífica. A


origem da confusão reside no fato de que o artigo 143, do Código de Processo Penal, até
ter sua redação recentemente alterada pela Lei n.º 11.435/2006, determinava que,
“passando em julgado a sentença condenatória, serão os autos de hipoteca ou seqüestro
remetidos ao juiz do cível” e colocava-se, assim, em choque com o disposto no artigo 133
do Código de Processo Penal600. Queria dizer, em verdade, como hoje diz, “autos de
hipoteca ou arresto”, preservada, portanto, a disciplina diferenciada atribuída ao seqüestro
(artigo 133, do Código de Processo Penal). Como falava, todavia, em seqüestro, muitos
597
Eduardo Espínola Filho, Código..., op. cit., v. 2, p. 393.
598
Eduardo Espínola Filho, Código..., op. cit., v. 2, p. 393. Edgard Magalhães Noronha, Curso..., op. cit., p.
75.
599
Sobre as ações sincréticas, cf. Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, São
Paulo, Malheiros, 2004, v. 4, p. 444-446. Cf., ainda, Luis Guilherme Aidar Bondioli, O novo CPC: a terceira
etapa da reforma, São Paulo, Saraiva, 2006, p. 56.
600
“Mas que juiz determinará a avaliação e venda dos bens em leilão? Há incerteza a respeito. Pela leitura do
art. 133, não parece restar dúvida de que é o do processo criminal. Entretanto, não é assim. Com efeito, o art.
143 diz expressamente que os autos em apartado da hipoteca ou seqüestro serão, depois de transitada em
julgado a sentença, remetidos ao juiz do cível, e o art. 63 fala que a execução se fará nesse juízo. Ora, se no
criminal fosse realizado o leilão e pagos os interessados, não sabemos por que os autos seriam depois
enviados ao outro juízo. Por essa razão, não concordamos com Helio Tornaghi. Acresce que a uniformidade
ainda aconselha a intervenção do juiz do cível, porque há a hipoteca também e, quanto a esta, o art. 809 do
Código Civil diz que sua lei é a civil e civil a jurisdição. Por fim, considere-se que a hipoteca, como também
as medidas assecuratórias dos arts. 136 e 137, pode ser requerida no juízo civil, ex vi do art. 144” (Edgard
Magalhães Noronha, Curso..., op. cit., p. 75).
157

sustentavam que o juízo competente para a execução do seqüestro era o cível601, mas hoje a
confusão foi desfeita.

Assim, no caso específico do seqüestro, depois de proferida decisão condenatória


definitiva, já com trânsito em julgado, não é preciso que se tire o título e o leve para o juízo
cível. O juiz de primeiro grau, que decretou o seqüestro, promove, de ofício ou a
requerimento do interessado602, a avaliação603, por meio de cognição breve, e depois
executa a venda dos bens em leilão, tudo no juízo penal604, o que, inclusive, distingue o
seqüestro das medidas de especialização da hipoteca legal e arresto605.

O Código de Processo Penal, porém, nada diz acerca do procedimento de leilão,


sobre os editais, lugar de realização, forma de pagamento, comissão do leiloeiro, maneira
de documentar os atos relativos ao leilão, razão pela qual Hélio Tornaghi entende que o
leilão deve ser autorizado pelo juiz civil e feito de acordo com as regras estabelecidas pelo
Código de Processo Civil606. As regras, de fato, podem ser as da lei processual civil,
aplicadas por analogia, mas o juízo competente, segundo clara disposição constante do
artigo 133 do Código de Processo Penal, é o penal.
601
Entendendo que o juiz competente para determinar a avaliação e venda dos bens em leilão é o juiz cível,
nos termos do artigo 143 do Código de Processo Penal (redação original), cf. Hélio Tornaghi, Instituições...,
op. cit., v. 3, p. 11-12. Edgard Magalhães Noronha, Curso de direito processual penal, 23. ed., São Paulo,
Saraiva, 1995, p. 75. No mesmo sentido, cf. Sebastião de Oliveira Castro Filho, Medidas cautelares..., op.
cit., p. 149-150. Igualmente, Sérgio Seiji Shimura, para quem o disposto no artigo 133 é apenas regra
programática a ser seguida pelo juiz competente, não necessariamente o criminal (Sérgio Seiji Shimura,
Competência para processar o seqüestro penal após o trânsito em julgado da decisão condenatória, Ajuris,
Porto Alegre, ano XVIII, n. 53, p. 285-288, nov. 1991, p. 288); Fernando Antonio Barbosa Romeiro,
Reparação do dano causado pelo crime, Justitia, São Paulo, ano XVI, n. 104, p. 187-198, 1º trimestre 1979,
p. 191. Eduardo Espínola Filho traz, ainda, terceira opinião, porque sustenta que o leilão é da competência do
juiz criminal, mas o juiz competente para a aplicação do saldo do leilão dos bens seqüestrados é o juiz cível,
nos termos do disposto no artigo 143 do Código de Processo Penal (Eduardo Espínola Filho, Código..., op.
cit., v. 2, p. 394-395).
602
Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Do seqüestro..., op. cit., p. 33.
603
“A lei não diz quem deve fazer a avaliação, mas o juiz pode aplicar por analogia as regras dos §§ 1º e 2º,
princípio do art. 330” (Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 29).
604
“Frise-se que, de acordo com o autor supracitado (Greco), o leilão será ato do juiz criminal” (Marcellus
Polastri Lima, A tutela cautelar..., op. cit., 2005, p. 169).
605
“Tais providências ditadas pelo art. 133 e seu parágrafo do CPP devem ser tomadas pelo Juiz penal. A
princípio pareceu-nos devesse ser observada a regra contida no art. 143 do CPP. Agora, com absoluta
firmeza, concluímos que aquele dispositivo se refere à hipoteca legal e ao seqüestro tratado no art. 137 do
mesmo diploma, porquanto o saldo do leilão servirá, apenas, para o ressarcimento ou reparação do dano. Na
hipótese do art. 133 do CPP, não; o que não couber ao lesado será recolhido ao Tesouro Nacional, como
efeito secundário da sentença penal condenatória, ex vi do art. 91, II, b, do CP. Se é o Juiz penal quem
determina o leilão, na hipótese de produtos de crime, por que razão não poderá fazê-lo quando se trata de
coisas adquiridas com o produto da infração? Ademais, devesse o Juiz penal remeter os autos ao juízo cível,
o art. 133 teria redação idêntica àquela do art. 143” (Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo..., op. cit.,
v. 3, p. 37).
606
Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 30.
158

O produto obtido da praça destina-se ao ressarcimento do dano experimentado


pelo ofendido, depois ao terceiro de boa-fé607; depois, ao pagamento das despesas
processuais e pena pecuniária, de acordo com o previsto no artigo 140 do Código de
Processo Penal, sendo o saldo recolhido, então, ao Tesouro Nacional608. O saldo da venda
só é perdido, em favor da União, contados noventa dias do trânsito em julgado da sentença
condenatória (artigo 122 do Código de Processo Penal)609. O Código de Processo Penal
silenciou acerca da possibilidade de os bens não serem vendidos em razão da falta de
licitante610.

9.2. ESPECIALIZAÇÃO DA HIPOTECA LEGAL

Antes de tudo, é preciso que o bem a ser hipotecado não esteja onerado, conforme
determina o artigo 135, do Código de Processo Penal.

O bem que garante a obrigação deve, também, ser individualizado e levado a


registro, para conhecimento de todos. Ist porque o artigo 1.497 do Código Civil determina
que as hipotecas legais, de qualquer natureza, deverão ser especializadas e registradas.

O registro pressupõe a especialização, ou seja, a individualização do bem que vai


assegurar o pagamento de quantia certa; por isso, o ofendido deve requerer a
especialização da hipoteca, estimando o valor da responsabilidade civil e designando o
imóvel ou imóveis sobre os quais recairá a hipoteca611.

Segundo o disposto no artigo 135, § 1o, do Código de Processo Penal, o pedido de


especialização da hipoteca legal, formulado pelo ofendido, deve expor a justa causa que

607
Neste caso, o pagamento ao terceiro de boa-fé somente pode ocorrer no caso de seqüestro de bens móveis.
Isso porque, no caso de imóveis, o terceiro adquirente de boa-fé fez de duas uma: ou recebeu o imóvel a
título gratuito, e então nada há que receber; ou o adquiriu a título oneroso, e então pode embargar a venda em
leilão. E, ainda, se o apurado não basta ao pagamento do terceiro de boa-fé, ele tem direito regressivo contra
quem lhe transferiu o bem (Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 31). No mesmo sentido, cf.
Sebastião de Oliveira Castro Filho, Medidas cautelares..., op. cit., p. 163.
608
Edgard Magalhães Noronha, Curso..., op. cit., p. 75. Eduardo Espínola Filho, Código..., op. cit., v. 2, p.
393-394. Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 31.
609
Eduardo Espínola Filho, Código..., op. cit., v. 2, p. 371 e 394.
610
Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 29-30.
611
Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 40.
159

autoriza a medida612 e deve vir acompanhado de documentos que comprovem a estimativa


da responsabilidade, feita pelo ofendido, e a prova relativa à propriedade dos imóveis que
forem indicados, ou ao menos indicá-la, para que possa ser trazida aos autos613, com o
esclarecimento de estarem os imóveis livres e desembaraçados614.

A estimativa feita no pedido não é definitiva615. Requerida a especialização da


hipoteca legal, o juiz determinará a autuação do pedido, que correrá em autos apartados616,
conforme determina o artigo 138 do Código de Processo Penal. Determinará ainda que se
proceda ao arbitramento do valor da responsabilidade civil e a avaliação dos bens.

Estabelece o artigo 135, § 2o, do Código de Processo Penal que a avaliação dos
imóveis designados será feita por perito nomeado pelo juiz, onde não houver avaliador
judicial. O arbitramento do valor da responsabilidade e a avaliação do imóvel são, todavia,
verdadeiras perícias, e o avaliador é perito, de sorte que a disciplina conferida pelo Código
de Processo Penal, originalmente, no artigo 135, choca-se com aquela que agora, por força
da modificação realizada pela Lei n.º 8.862/94, que deu nova redação do artigo 159 do
Código de Processo Penal, exige que os exames do corpo do delito e as outras perícias –
como a avaliação – sejam realizados por dois peritos oficiais; e, no caso de não haver
peritos oficiais, o exame será realizado por duas pessoas idôneas, portadoras de diploma de
curso superior, escolhidas, de preferência, entre as que tiverem habilitação técnica
relacionada à natureza do exame, desde que prestem compromisso de bem e fielmente
desempenharem o encargo (artigo 135, § 2o, do Código de Processo Penal).

612
“A pessoa interessada no pedido de especialização de hipoteca legal, ao se dirigir ao Juiz penal
competente, em petição que deve ser fundamentada quanto aos pressupostos da medida constritiva (prova da
materialidade delitiva e indícios suficientes de autoria), estimará os prejuízos, isto é, calculará o valor da
responsabilidade civil a cargo do réu e individualizará o imóvel ou imóveis de sua propriedade, que deverão
constituir o garante, pronunciando-se sobre o valor que se lhes atribuir. Deve, por outro lado, o interessado
juntar documentos comprobatórios da estimativa da responsabilidade civil, bem como certidões dos títulos
dominiais. Se o réu tiver outros imóveis, cumpre ao interessado, na petição, indicá-los, tal como determina o
§ 1o do art. 135” (Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo..., op. cit., v. 3, p. 39-41).
613
“Na petição inicial o requerente estimará o valor da responsabilidade civil, apontará o imóvel ou imóveis
do réu sobre os quais incidirão a hipoteca, estimando-lhes também os valores, devendo essa petição ser
instruída com as provas de tais estimativas e do domínio do réu, bem como da descrição de todos os bens
imóveis a ele pertencentes” (Romeu Pires de Campos Barros, Processo..., op. cit., p. 426). Hélio Tornaghi,
Instituições..., op. cit., v. 3, p. 41.
614
Sebastião de Oliveira Castro Filho, Medidas cautelares..., op. cit., p. 167.
615
“Pelo que se infere do art. 135 do CPP, essa estimativa da responsabilidade civil e dos imóveis indicados
como garantia, feita na petição do interessado, não é definitiva, mesmo porque cumprirá ao Juiz, de imediato,
nomear perito (ou, dependendo da hipótese, o próprio contador judicial), a fim de proceder ao cálculo do
valor da responsabilidade e determinar, também, que se proceda à avaliação dos imóveis especializados, isto
é, dos imóveis indicados” (Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo..., op. cit., v. 3, p. 39-41).
616
Eduardo Espínola Filho, Código..., op. cit., v. 2, p. 398.
160

A avaliação é necessária, até para que o valor não exceda o montante da


responsabilidade (artigo 135, do Código de Processo Penal)617, respeitada, portanto, a
proporcionalidade; e só será registrada a hipoteca do imóvel ou imóveis necessários à
garantia da responsabilidade.

O artigo 135, § 3º, determina que o juiz ouça as partes618, no prazo de 2 (dois)
dias619, para que possa “corrigir o arbitramento do valor da responsabilidade, se lhe
parecer excessivo ou deficiente”. Vê-se aí o resultado da possibilidade de defesa620. Devem
ser ouvidos acusado e ofendido621. Entende Tourinho Filho que, além do ofendido e do
acusado, também o Ministério Público deve ser ouvido, porque o artigo 140 do Código de

617
“A avaliação prévia feita pelo avaliador judicial, ou, onde não houver, por perito de nomeação do juiz,
abrangerá tanto o arbitramento da responsabilidade do infrator penal, no tocante à indenização do dano
causado ao ofendido, às penas pecuniárias e às custas, quanto a apreciação estimativa dos imóveis, de que o
réu é proprietário, e não somente os indicado como devendo constituir objeto da hipoteca especializada”
(Eduardo Espínola Filho, Código..., op. cit., v. 2, p. 399).
618
“Realizadas as diligências ordenadas pelo Juiz e conclusos os autos, determinará ele que se abra vista às
partes, para, no prazo comum de 2 dias, manifestarem-se sobre a estimativa da responsabilidade e avaliação
do ou dos imóveis. Em seguida, com a sua prudência, corrigirá o arbitramento do valor da responsabilidade,
colocando-a nos seus devidos limites, aumentando-a, se deficiente aquele, u restringindo-a, se excessivo.
Malgrado a obviedade, insta esclarecer que se o ofendido, com o mesmo propósito, já requereu obteve no
cível mediadas cautelares, não terá sentido postulá-las no juízo criminal. Haveria um bis in idem de todo
injustificável” (Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo..., op. cit., v. 3, p. 39-41).
619
“3) Depois de tais providências, serão as partes ouvidas no prazo de dois dias, que correrá em cartório,
podendo o juiz corrigir o arbitramento do valor da responsabilidade, se lhe parecer excessivo ou deficiente”
(Romeu Pires de Campos Barros, Processo..., op. cit., p. 426-427).
620
João Gualberto Garcez Ramos, A tutela de urgência..., op. cit., p. 303-305.
621
“Sobre o laudo em que se arbitra a responsabilidade civil e avaliam os bens, o juiz deve ouvir as partes:
acusado e ofendido. Podem elas opor-se, quer às conclusões do perito, quer aos seus fundamentos.
Conquanto a lei não o diga expressamente, nada impede que qualquer delas comprove com documentos as
próprias alegações: o que pode ser dito gratuitamente, com mais forte razão pode ser afirmado com provas.
Dir-se-á que uma das partes está em condições de surpreender a outra, já que esta não fala sobre o
documento. Mas o que lei quis não foi estabelecer o contraditório e sim permitir que cada uma das partes se
pronuncie sobre afirmações de terceiro, isto é, do perito. Para isso ela dá às duas o mesmo prazo, de dois
dias” (Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 42-43). Sustenta Castro Filho que o autor ou autores da
infração devem ser desde logo chamados a falar, antes mesmo da avaliação. Se houver acordo em relação aos
valores dados pelo requerente da medida, o laudo pericial pode até ser dispensado, porque “é providência
vantajosa para ambas as partes: ao requerente da especialização, tendo em vista a celeridade; ao provável
autor da ilicitude redunda em barateamento, pois os avaliadores são remunerados, de acordo com os
regimentos de custa de cada estado, sendo seus honorários encargos do vencido na demanda. Ademais, a
possibilidade de prejuízo às partes é mínima ou nenhuma, porque, mesmo esse arbitramento ainda não tem
caráter definitivo, Por época da liquidação do valor da responsabilidade (§ 5º do art. 135), já no juízo civil,
novo arbitramento poderá ser requerido, se qualquer das partes não se conformar com aquele feito antes da
sentença condenatória. Por outro lado, também a avaliação dos imóveis é, ainda provisória. Os bens serão
apenas garantia de uma possível execução futura, incidindo sobre eles a penhora, após o que – e antes de
serem levados à praça – novamente serão objeto de avaliação que, agora sim, será definitiva (exceção feita às
ressalvas do art. 683, do CPC) e servirá de base à arrematação. Não tendo havido acordo com os valores
constantes na inicial, nem com aqueles oferecidos pelo perito, sobre os quais devem as partes falar, em dois
dias, o juiz poderá corrigir o arbitramento do valor da responsabilidade, segundo lhe parecer mais justo. E,
apesar de o Código não dizê-lo, é intuito que poderá, igualmente reajustar a avaliação dos bens” (Sebastião
de Oliveira Castro Filho, Medidas cautelares..., op. cit., p. 167-168).
161

Processo Penal determina que as garantias do ressarcimento do dano alcançam também as


as penas pecuniárias e as despesas do processo622.

Dispõe o artigo 135, § 3º, do Código de Processo Penal, todavia, que este prazo
corre em cartório. A previsão de não-intimação é criticável, porque a finalidade do
contraditório pode se frustrar. Ainda, o próprio Código de Processo Penal, no § 6º deste
mesmo dispositivo, prevê a possibilidade de o acusado “oferecer caução suficiente, em
dinheiro ou em títulos de dívida pública, pelo valor de sua cotação em Bolsa”, permitindo
ao juiz deixar de mandar proceder ao registro (o Código de Processo Penal fala ainda em
inscrição, como fazia o Código Civil de 1916, nos artigos 828 e 848) da hipoteca legal623;
tal direito se vê ameaçado diante da previsão de que o prazo para manifestação corra em
cartório.

O artigo 182 do Código de Processo Penal dispõe que o juiz não está adstrito ao
laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte. E o artigo 135, § 3o permite ao
juiz, ouvidas as partes, e “se tiver elementos, reduzir ou aumentar o valor dos imóveis,
aceitando em parte e em parte rejeitando o laudo pericial, ou, se o rejeitar integralmente,
mandar fazer novo exame”624.

Verificada a justa causa, o juiz autorizará, então, o registro da hipoteca do imóvel


ou imóveis625, mas somente dos necessários à garantia da responsabilidade626. Na decisão,
sobre o requerimento de especialização da hipoteca legal, o juiz deve designar o imóvel

622
“Quais as partes que se manifestam no prazo comum de 2 dias e que correrá, por isso mesmo, em
Cartório? A que solicitou a medida e o réu. Intuitivo deva também manifestar-se o órgão do Ministério
Público, como fiscal da lei, mesmo porque a garantia do ressarcimento do dano que a hipoteca traz alcança,
também, as despesas processuais e as penas pecuniárias (CPP, art. 140)” (Fernando da Costa Tourinho Filho,
Processo..., op. cit., v. 3, p. 39-41).
623
“Poderá, ainda, o réu obstar a efetivação da hipoteca legal, oferecendo caução suficiente, em dinheiro ou
em títulos da dívida pública, pelo valor da sua cotação em Bolsa, ocorrência esta com a qual o juiz poderá
admitir a modificação da garantia” (Romeu Pires de Campos Barros, Processo..., op. cit., p. 426-427).
624
Eduardo Espínola Filho, Código..., op. cit., v. 2, p. 401. Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 43.
625
“Estabelecido o valor da responsabilidade, o Juiz então determinará se proceda à inscrição (rectius:
registro) da hipoteca do imóvel ou imóveis que forem necessários àquela garantia, fazendo expedir ofício ao
Oficial do Cartório de Registro de Imóveis, nesse sentido. A inscrição (rectius: registro) da hipoteca é
requisito indispensável a fim de valer contra terceiros. Deve estar registrada e especializada. Especializar é
individuar o imóvel sobre o qual vai incidir a medida de coerção real e precisar o valor da responsabilidade.
Nem seria possível a inscrição (rectius: registro) se não houvesse esses dados. A inscrição (rectius: registro)
da hipoteca, legal ou convencional, declarará: a) o nome, o domicílio e a profissão do credor e do devedor; b)
a data, a natureza do título, o valor do crédito (valor da responsabilidade); c) a situação, a denominação e os
característicos da coisa hipotecada” (Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo..., op. cit., v. 3, p. 39-41).
626
“4) O juiz limitará, nessa decisão, a sua autorização a inscrição da hipoteca do imóvel ou imóveis somente
aos necessários à garantia da responsabilidade” (Romeu Pires de Campos Barros, Processo..., op. cit., p. 426-
427). Eduardo Espínola Filho, Código..., op. cit., v. 2, p. 402.
162

sobre o qual recairá a hipoteca. Sustenta Cândido Rangel Dinamarco que o patrimônio
comum dos cônjuges não pode sofrer especialização da hipoteca legal, porque, depois, não
se poderá mover sobre eles execução, fundada em futura e hipotética condenação criminal
do cônjuge que é acusado no processo penal, porque esta sentença, como título executivo
judicial, apenas produz efeito em relação ao acusado, e não sobre quem não tenha sido
parte no processo-crime627. A exceção seria o bem de família628, mas unicamente até o
limite da meação.

Da mesma forma, no caso de parte ideal de imóvel que cabe ao acusado, pode ser
o caso de não se decretar a especialização da hipoteca legal, porque deve ser resguardado o
direito de terceiros de boa-fé e a medida patrimonial somente se resolveria pela cessação
da indivisão do bem, convertendo-o em dinheiro629.

Pode ocorrer que os bens hipotecados venham a se deteriorar, ou, pode ocorrer,
por exemplo, a desapropriação do imóvel. Deve-se então reforçar a garantia, nos termos do
artigo 1.490, do Código Civil, e por isso Eduardo Espínola Filho sustenta que se deve,
desde logo, proceder à avaliação de todos os bens do acusado, não só dos indicados no
pedido, porque, se houver necessidade de reforço da garantia, não se necessita onerar o
requerente com as despesas de outro procedimento de especialização, com nova
avaliação630.

627
“O raciocínio inteiro é este: a) a hipoteca legal visa a assegurar bens para uma futura execução sobre o
patrimônio do condenado com fundamento na sentença penal condenatória; b) os cônjuges dos acusados não
figuram como partes no processo criminal; c) logo, eventual sentença condenatória criminal não os atingirá,
nem para efeitos penais nem para efeitos civis (garantia constitucional do contraditório); d) não figurando os
cônjuges no possível título executivo esperado pelo Ministério Público, a eles não poderá ser movida
execução civil com base neles (CPC, art. 568, inc. I); e) ora, a hipoteca legal é institucionalmente destinada a
conservar o patrimônio da pessoa para futura execução; f) concluindo, é ilegítima essa hipoteca sobre o
patrimônio dos cônjuges” (Cândido Rangel Dinamarco, Responsabilidade patrimonial..., op. cit., p. 1178).
628
Cândido Rangel Dinamarco, Responsabilidade patrimonial..., op. cit., p. 1178.
629
“Exclusão de parte ideal (1/20) de imóvel que coube ao primeiro acusado por sucessão, ao qual teriam
sido por este incorporadas valiosas benfeitorias após a sucessão de fatos criminosos narrados na denúncia, em
face da impossibilidade física de serem estas destacadas, para fim de concretização do confisco, medida que,
de outra parte, não se poderia executar sobre o respectivo valor, sem prejuízo para os demais condôminos,
terceiros de boa-fé, cujos direitos se acham expressamente ressalvados no art. 91, II, do CP, já que exigiria a
cessão da indivisão do bem, por meio de sua conversão em dinheiro” (STF – AgRg no Inq. n.° 705 – Rel.
Min. Ilmar Galvão – DJU de 20.10.1995).
630
Eduardo Espínola Filho, Código..., op. cit., v. 2, p. 399-400.
163

Somente depois de ocorrido o trânsito em julgado da sentença condenatória é que


o valor da responsabilidade civil será liqüidado definitivamente631, porque a obrigação de
reparar o dano surge como título executivo judicial.

Em razão de a especialização da hipoteca legal recair sobre bens outros do


acusado, que não são proveito da infração, admite caução, desde que garantida a
responsabilidade civil, que abrange as despesas e as penas pecuniárias. A caução pode ser
oferecida em dinheiro ou em títulos de dívida pública, desde que ouvidos os interessados e
o juízo a admitir (artigo 135, § 6o, do Código de Processo Penal e artigo 1.491 do Código
Civil) 632.

Haverá cancelamento da hipoteca caso sobrevenha sentença absolutória ou


extintiva da punibilidade, conforme dispõe o artigo 141, do Código de Processo Penal633.
Neste caso, não se permite a remessa ao juízo cível, para que lá aguarde o desfecho de
eventual ação civil634, porque, como já se disse em relação seqüestro, a especialização da
hipoteca legal é medida cautelar destinada a assegurar a eficácia dos efeitos de eventual
decisão penal condenatória. Se esta inexiste, em razão da absolvição, a hipoteca deve ser
cancelada, não obstante a possibilidade de tomada das medidas judiciais próprias, na esfera
cível.

A fim de se insurgir contra a medida, o acusado pode valer-se do mandado de


segurança, alegando que a medida foi decretada sem a presença dos pressupostos
necessários635 ou, ainda, que houve irregularidade no procedimento de especialização. Não

631
“O valor da responsabilidade será liqüidado definitivamente após a condenação, podendo, nesta
oportunidade, ser requerido novo arbitramento se qualquer das partes não se conformar com o arbitramento
anterior à sentença condenatória. Por forca da norma contida no art. 143, tal providência somente poderá ser
tomada no juízo cível, onde se liquida e executa a indenização resultante do ilícito penal” (Romeu Pires de
Campos Barros, Processo..., op. cit., p. 427).
632
“Não terá lugar a inscrição quando o réu: a) depositar a importância fixada como valor do dano; b) ou
prestar caução suficiente e idônea” (Bento de Faria, Código..., op. cit., v. 1, p. 242).
633
“A absolvição por sentença irrevogável faz cessar os efeitos da hipoteca legal e autoriza o cancelamento
da respectiva inscrição. Tal deve ocorrer, igualmente, quando, em recurso, a sentença condenatória for
declarada insubsistente, v.g. por motivo de anistia ou qualquer outra causa extintiva do delito” (Bento de
Faria, Código..., op. cit., v. 1, p. 241).
634
“Se a sentença penal for absolutória ou mesmo se julgada extinta a punibilidade, embora devesse o
legislador autorizar, também, a remessa ao juízo cível, onde se aguardaria o desfecho de eventual ação civil
ex delicto, preferiu, contudo, autorizar o cancelamento da hipoteca, uma vez transitadas em julgado tais
decisões. É a regra contida no art. 141 do CPP. Talvez entendesse o legislador que, uma vez absolvido o réu
ou julgada extinta a punibilidade, as perspectivas de êxito numa eventual civil seriam muito remotas, e, para
evitar que a medida constritiva, consistente na hipoteca dos imóveis do réu, se prolongasse por mais tempo,
‘eternizando-se e se transformando em meio de opressão contra o acusado’, preferiu autorizar o
cancelamento” (Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo..., op. cit., v. 3, p. 43).
635
João Gualberto Garcez Ramos, A tutela de urgência..., op. cit., p. 305.
164

pode, todavia, alegar que a especialização não pode atingir determinado bem por ser
considerado bem de família636.

A sentença penal condenatória, como se disse, é título judicial (artigos 63 e 91,


inciso II, b, do Código de Processo Penal e artigo 475-N, inciso II, do Código de Processo
Civil), e, portanto, exigível. Mas não é líquida, ou seja, não traz o dimensionamento da
obrigação reconhecida pela sentença, porque este é um assunto estranho ao processo-
crime, no modelo utilizado pelo sistema brasileiro637.

Assim, por ser ilíquida a decisão condenatória transitada em julgado638, os autos


da hipoteca (artigo 135) – e também do arresto (artigo 137), como será visto mais adiante –
devem ser remetidos ao juízo cível competente639, para execução, nos termos do disposto
nos artigos 63 e 143 do Código de Processo Penal, e artigo 575, inciso IV, do Código de
Processo Civil. O juiz competente para a execução da sentença penal condenatória, para
satisfação do dano ex delicto, é o cível, do domicílio do autor ou do lugar da infração,
como estabelece o artigo 100, parágrafo único, do Código de Processo Civil.

No cível, poderá ser tomada a providência a que alude o § 5o do artigo 135, do


Código de Processo Penal, que determina que “o valor da responsabilidade será liqüidado
definitivamente após a condenação, podendo ser requerido novo arbitramento se qualquer
das partes não se conformar com o arbitramento anterior à sentença condenatória”640.

636
“O argumento de que se trata de bem de família não se aplica à reparação do dano causado por fato
criminoso. Logo, especializa-se e inscreve-se a hipoteca legal, mesmo que o bem imóvel em questão seja
definível como bem de família. Não há direito líquido e cerro de evitar essas providências” (João Gualberto
Garcez Ramos, A tutela de urgência..., op. cit., p. 305-306).
637
Araken de Assis, Cumprimento da sentença, Rio de Janeiro, Forense, 2006, p. 103. Marcelo Abelha,
Manual de execução civil, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2006, p. 127. Assinale-se que, como já dito,
o Projeto de Lei nº 4.207/01, em tramitação, acresce um inciso ao artigo 387 do Código de Processo Penal,
para instituir o dever de o juiz, ao proferir sentença condenatória, fixar o valor mínimo para reparação dos
danos causados pela infração. E insere parágrafo único ao artigo 63, para estabelecer que, transitada em
julgado a sentença condenatória, é permitida a execução pelo valor apurado em sede penal, resguardada a
oportunidade de liquidação para apuração do dano efetivamente sofrido.
638
“Líquida se afigura a obrigação cujo valor se encontre individualizado (art. 475-A, caput). Tratando-se de
obrigação prevista em título judicial (art. 475-N), proporciona-se ao exeqüente (e também ao executado
interessado em solver a obrigação) a ação de liquidação, se ele próprio, em se tratando de prestação
pecuniária, não a realizar (art. 475-B)” (Araken de Assis, Cumprimento..., op. cit., p. 29).
639
“Evidente que a remessa se fará uma vez conhecido o Juiz competente. Se a ação civil já foi proposta e se
encontrava sobrestada aguardando o julgamento da causa penal, far-se-á sem maiores delongas. Do contrário,
o Juiz penal terá de aguardar o início da execução no cível para, fixada a competência, proceder nos termos
do art. 143 do CPP” (Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo..., op. cit., v. 3, p. 42-43).
640
Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 44. “Note-se, ademais, que o Ministro Francisco Campos,
na Exposição de Motivos que acompanha o CPP, cuidando da reparação do dano ex delicto, criticou aqueles
sistemas que permitem a satisfação do dano na esfera penal, e acentuou: ‘A obrigação de reparar o dano
resultante do crime não é uma conseqüência de caráter penal, embora se torne certa quando haja sentença
165

Havendo necessidade de provar fato novo – aquele “que resulta da obrigação e


não foi objeto de indicium no provimento sob liquidação, ou surgiu durante ou após a
demanda condenatória, a despeito de essencial à apuração do quantum debeatur”641 – a
liquidação se realizará mediante artigos (artigo 475-E, do Código de Processo Civil).

Para a instauração da liquidação de sentença, há necessidade de requerimento da


642
parte e, não sendo requerida a execução no prazo de 6 (seis) meses, o juiz mandará
arquivar os autos, sem prejuízo de seu desarquivamento a pedido da parte (artigo 475-J, §.
5º, do Código de Processo Civil). E o executado deve ser citado, nos termos do artigo 475-
A, do Código de Processo Civil.

Na liquidação por artigos, vai-se permitir prova nova, tanto do valor do imóvel
como da reparação do dano.

São previstas hipóteses de impugnação à execução no artigo 475-L, do Código de


Processo Civil643. Assim, pode-se impugnar a execução, para sustação dos efeitos civis da
sentença penal condenatória, caso haja defeito ou falta de citação para a execução (artigo
475-L, inciso I, do Código de Processo Civil); o executado pode alegar imperfeições na
avaliação dos bens (artigo 475-L, inciso III, do Código de Processo Civil); pode haver
impugnação por ilegitimidade de partes (artigo 475-L, inciso IV, do Código de Processo
Civil), no caso, v.g., de legitimidade do sucessor para promover ou dar prosseguimento à
execução ou daquele em face de quem se promove a execução (o responsável civil, por
exemplo, não pode ser desde logo executado, com base em título que se formou no
processo penal em que não figurou como parte). O executado pode alegar, ainda, excesso
de execução (artigo 475-L, inciso V), quando o credor “pleiteia quantia superior à do
título” (artigo 743, inciso I, do Código de Processo Civil), mas, para tal impugnação, o
executado deve declarar de imediato o valor que entende correto, sob pena de rejeição
liminar desta impugnação (artigo 475-L, §. 2º, do Código de Processo Civil). Por fim, o

condenatória no juízo criminal. A invocada conveniência prática da economia de juízo não compensa o
desfavor que acarretaria ao interesse da repressão a interferência de questões de caráter patrimonial no curso
do processo penal’ (Exposição de Motivos, n. VI). Constituem tais palavras um argumento a mais a favor do
nosso entendimento’, razão pela qual é inaplicável, na sede penal, o disposto no artigo 135, § 5o, do Código
de Processo Penal. A liquidação é ato de execução e se faz no cível” (Fernando da Costa Tourinho Filho,
Processo..., op. cit., v. 3, p. 42-43).
641
Araken de Assis, Cumprimento..., op. cit., p. 127.
642
Luis Guilherme Aidar Bondioli, O novo CPC..., op. cit., p. 57 e 69.
643
Araken de Assis, Cumprimento..., op. cit., p. 315. Luis Guilherme Aidar Bondioli sustenta, porém, que
esse rol não é taxativo, porque deixou de prever, entre outras hipóteses, o caso de nulidade da execução (Luis
Guilherme Aidar Bondioli, O novo CPC..., op. cit., p. 117-119).
166

artigo 475-L, inciso VI, do Código de Processo Civil fala em impugnação fundada em
qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, sendo esta
superveniente à sentença exeqüenda644, como por exemplo, a renúncia ao crédito pelo
ofendido ou seus sucessores, a ulterior absolvição do executado645, em razão, v.g., de
revisão criminal.

Ultimadas as atividades avaliadoras, passa-se então à arrematação e ao


pagamento ao credor. A alienação, a arrematação e a adjudicação também podem ser
impugnadas, nos termos do artigo 746 do Código de Processo Civil.

Do que foi apurado, primeiro se procede à reparação do dano ao ofendido e


depois são pagas as despesas e a pena pecuniária, nos termos do disposto no artigo 140 do
Código de Processo Penal.

9.3. ARRESTO

O Código de Processo Penal pouco diz sobre o processamento do arresto.


Determina, no artigo 139, que será autuado em apartado.

Quanto ao arresto prévio, do artigo 136, o Código de Processo Penal estabelece


que será revogado se o pedido de registro de hipoteca legal não for formulado no prazo de
15 (quinze) dias646.

Este prazo fazia sentido quando da edição do Código de Processo Penal, quando
era viável, inclusive, o término do inquérito policial, estando o acusado solto, em 30
(trinta) dias (artigo 10 do Código de Processo Penal). Nos dias atuais, o prazo estabelecido
merece críticas, porque torna sem efeito prático a medida prevista exatamente para
assegurar a reparação do dano enquanto não puder ser realizada a especialização da
hipoteca legal, porque não há acusação formalmente recebida.

644
Luis Guilherme Aidar Bondioli, O novo CPC..., op. cit., p. 127.
645
Luis Guilherme Aidar Bondioli, O novo CPC..., op. cit., p. 128.
646
Porque visa a acautelar a especialização da hipoteca legal, “cumpre, pois, requerê-la desde logo. Se o for,
o arresto subsistirá até que ela seja feita. Se não o for, o arresto será insubsistente e poderá ser levantado. E o
mesmo acontecerá se o juiz negar a inscrição da hipoteca por faltarem os requisitos do art. 134” (Hélio
Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 49). Cf., ainda, Eduardo Espínola Filho, Código..., op. cit., v. 2, p.
406.
167

Nem por isso se pode concordar com a posição que sustenta que, se houver justo
motivo, como não ter sido instaurada a ação penal que possibilitaria a especialização da
hipoteca, este prazo pode ser prorrogado. Espínola Filho entende, inclusive, que, se
levantado, por este motivo, o juiz não deve atender a novo pedido de arresto647.

Como já se disse acerca do prazo de duração do seqüestro, a casuística, a


avaliação de possibilidade de prorrogação, caso a caso, é prática indesejável, notadamente
porque existe, na lei, prazo assinalado. Se inadequado, melhor pensar em modificá-lo.
Enquanto, porém, não houver a mudança legislativa, de duas uma: o arresto “ou se
converte em hipoteca legal, por meio de hábil e tempestivo requerimento de especialização
e inscrição; ou se desvanece, no prazo assinado”648.

A disciplina referente ao arresto prévio, previsto no artigo 136 do Código de


Processo Penal, é escassa, talvez em razão de ter sido pensado como medida de curta
duração – passados os quinze dias, ou o se resolve em especialização da hipoteca legal, ou
é levantado, em razão do decurso do prazo.

Quanto ao arresto dito subsidiário, o artigo 137 do Código de Processo Penal


estabelece que o arresto se dá nos mesmos temros em que é facultada a especialização da
hipoteca legal dos imóveis. Assim, está sujeito às mesmas condições de legitimidade e
oportunidade e aos mesmos pressupostos do pedido de registro e especialização da
hipoteca legal649. Assim, deve-se também estimar a responsabilidade e o valor dos bens
móveis cujo arresto se requer650.

Se os bens móveis arrestados forem fungíveis e facilmente deterioráveis, deverão


ser avaliados e levados a leilão público, depositando-se o dinheiro apurado. O artigo 137, §
1º, do Código de Processo Penal, que prevê tal venda, manda proceder na forma do
disposto no artigo 120, § 5º, do mesmo diploma legal, mas a parte final deste não se aplica
ao caso, porque prevê, alternativamente, que tais bens possam ser entregues ao terceiro que
as detinha, se este for pessoa idônea e assinar termo de responsabilidade. Não é o caso.

647
Eduardo Espínola Filho, Código..., op. cit., v. 2, p. 406.
648
Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Do seqüestro..., op. cit., p. 48.
649
Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo..., op. cit., v. 3, p. 45-46.
650
“É necessário faça o ofendido ou o Ministério Público, requerendo-o, a prévia estima, de que trata o artigo
135, designando, outrossim, os móveis, cujo seqüestro deseja, com a prova, ainda, de não possuir o
delinqüente imóveis; ou, então, pleitear o seqüestro dos imóveis, como complemento da especialização da
hipoteca lega sobre imóvel insuficiente para garantir a responsabilidade civil do agente” (Eduardo Espínola
Filho, Código..., op. cit., v. 2, p. 409). Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo..., op. cit., v. 3, p. 46.
168

Prevê, ainda, o Código de Processo Penal, no § 2º do artigo 137, que “das rendas
dos bens móveis poderão ser fornecidos recursos arbitrados pelo juiz, para a manutenção
do indiciado e de sua família”. Assim, no caso arresto prévio, e até no caso da própria
especialização da hipoteca legal, o acusado continua na posse do imóvel e percebe os
frutos e rendimentos deste651. No caso de arresto subsidiário, o bem é retirado da posse do
acusado, estabelecendo então o Código de Processo Penal sejam providas as necessidade
mínimas do acusado e de sua família, por meio de recursos tirados das rendas dos bens
arrestados652. O quantum desta concessão é deixado ao arbítrio do juiz, que a fixará tendo
em conta as possibilidades das rendas, as necessidades do acusado e da sua família, bem
como a estimativa da responsabilidade civil653.

Quanto ao mais, o mesmo procedimento, previsto no artigo 135 do Código de


Processo Penal para o processamento da especialização da hipoteca legal, é aplicável ao
arresto subsidiário, nos termos do artigo 137 do Código de Processo Penal, feitas as
adaptações necessárias ao fato de que se trata de bem móvel654.

Da mesma forma como na especialização da hipoteca legal, deve-se permitir ao


acusado oferecer depósito em dinheiro, ou caução de títulos da dívida pública, para evitar o
arresto, ou levantar o arresto já realizado655.

O arresto será levantado após o trânsito em julgado da sentença penal que


absolver ou julgar extinta a punibilidade do acusado, nos termos do artigo 141 do Código
de Processo Penal. Espínola Filho, como se disse, defende que o arresto só pode ser
levantado, nestas condições, se não for o caso de remetê-lo ao juízo cível656, entendimento
com o qual não se pode concordar, como já visto.

651
Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 51.
652
Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 51.
653
Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 51-52.
654
João Gualberto Garcez Ramos, A tutela de urgência..., op. cit., p. 309.
655
Eduardo Espínola Filho, Código..., op. cit., v. 2, p. 410.
656
“O juiz criminal não deverá levantar o seqüestro, ou cancelar a hipoteca legal, sem mais, pelo simples fato
da absolvição do réu, ou da extinção da sua punibilidade, uma vez que pode perdurar a responsabilidade civil
de reparação do dano, com interesse, para o juízo cível, onde corre a respectiva ação, de manter tais medidas
assecuratórias. Seria um absurdo, desatendendo à economia do processo e impondo um dispêndio inútil de
tempo e de dinheiro, aos interessados, o formalismo do levantamento do seqüestro ou do cancelamento da
hipoteca, no juízo criminal, para serem essas medidas restabelecidas, por determinação do juiz cível,
mediante novo processo” (Eduardo Espínola Filho, Código..., op. cit., v. 2, p. 414).
169

Em caso, porém de decisão condenatória transitada em julgado, os autos do


arresto devem ser remetidos ao juízo cível, nos termos do artigo 143 do Código de
Processo Penal657, onde então será feita a liquidação definitiva658.

Do quanto apurado, a vítima será primeiro ressarcida, e depois pagas as despesas


e multa, como determina o artigo 140 do Código de Processo Penal.

10. COORDENAÇÃO ENTRE AS INSTÂNCIAS CIVIL E PENAL, QUANTO ÀS MEDIDAS


CAUTELARES PATRIMONIAIS

Deve haver, no trato da matéria, preocupação com o inter-relacionamento das


medidas cautelares patrimoniais, que podem ser tomadas no juízo cível e no juízo penal.
Quando visam ao mesmo objetivo – a garantia da reparação do dano causado pelo delito –,
devem ser obedecidas as seguintes regras: (i) se a ação penal anteceder a civil, o
interessado poderá valer-se das cautelas penais contra o acusado, na vigência das quais
ficarão excluídas, por falta de interesse, as cautelares civis, se coincidentes; (ii) se, por
qualquer motivo, a cautelar civil for concedida antes da penal, esta ficará afastada, mas
apenas se for idêntica a garantia659. Porque não é prevista a especialização da hipoteca
legal no curso da ação civil de reparação, esta medida será sempre possível, no juízo penal,
ainda que outra medida, de menor alcance, haja sido decretada no curso da ação civil.

Estas regras se referem às cautelas sobre bens do acusado não vinculados aos
proventos da infração. Quanto a estes, são pertencentes à jurisdição criminal. Se acaso o
juiz criminal não tomar as providências prescritas pelo Código de Processo Penal, então se
poderá admitir a competência supletiva do juízo cível para as cautelas civis sobre ditos
bens, ligadas à ação civil de ressarcimento, ou à eventual execução, seja da sentença civil,
seja da penal660.

657
“A medida justifica-se porque se trata de medida assecuratória de reparação civil em favor da vítima, e a
sentença condenatória torna certa, mas não líquida, a obrigação de ressarcir e reparar. A liquidação será feita
no juízo cível (art. 63 do CPP)” (Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Medidas..., op. cit., p. 1510).
658
Eduardo Espínola Filho, Código..., op. cit., v. 2, p. 409.
659
Galeno Lacerda, Seqüestro..., op. cit., p. 63.
660
Galeno Lacerda, Seqüestro..., op. cit., p. 61-63.
170

O seqüestro dos bens adquiridos pelo acusado com proventos da infração, e o


arresto de seus próprios bens, seguido de especialização de hipoteca legal, correrão em
autos apartados perante o juízo criminal. A administração dos bens hipotecados poderá
permanecer com o acusado, uma vez que o vínculo real já representa garantia suficiente de
eventual e futura indenização.

O seqüestro será levantado e a hipoteca cancelada se, por sentença irrecorrível, o


acusado for absolvido ou for julgada extinta a punibilidade (artigos 131, inciso III, e artigo
141, do Código de Processo Penal). Se o fundamento desta sentença, todavia, não
prejudicar a responsabilidade civil, o lesado poderá ainda se valer das cautelares civis
próprias, no respectivo âmbito de jurisdição, embora incidentes sobre os mesmos bens
liberados na esfera penal. Não haverá, neste caso, conflito de jurisdição, tampouco ofensa à
coisa julgada, porque a hipótese tem por pressuposto os casos em que a responsabilidade
civil é mais ampla do que a criminal. Se houver, porém, prejudicialidade necessária, a
absolvição penal opera a extinção das ações civis, principal ou cautelar.

Em se tratando de bens do próprio acusado, objeto de hipoteca legal, se imóveis


(artigo 136 do Código de Processo Penal), ou de arresto, se móveis (artigo 137 do Código
de Processo Penal), julgada procedente a ação penal, extingue-se a competência do
respectivo juízo sobre a execução civil e sobre as cautelas, destinadas à garantia desta
execução. Por isso, determina o artigo 143 do Código de Processo Penal que, passando em
julgado a sentença condenatória, os autos de hipoteca sejam remetidos ao juiz do cível,
perante o qual a mesma sentença funciona como título executivo (artigo 475-N, inciso II,
do Código de Processo Civil).

No âmbito civil, estas cautelas penais se resolvem em penhora, a ser ordenada


pelo juiz civil, por aplicação analógica do disposto no artigo 818 do Código de Processo
Civil, relativo ao arresto, seguindo-se a execução nos termos do processo civil. Se houver
necessidade de liqüidação prévia, perduram as medidas decretadas na esfera criminal até a
apuração de quantia certa, apta à conversão destas medidas em penhora. Mas a demora na
execução civil não implica a perda de eficácia das cautelares penais – mesmo porque já
transmudaram de natureza jurídica, em razão do trânsito em julgado –, em razão da
predominância dos valores públicos que as revestem, não se aplicando à espécie, pois, o
disposto nos artigos 806 a 808, inciso I, do Código de Processo Civil.
171

11. CONSOLIDAÇÃO: AS MEDIDAS CAUTELARES PATRIMONIAIS EM ESPÉCIE

Ao fim desta análise, convém consolidar cada uma das medidas cautelares
patrimoniais, no sistema hoje em vigor. É disto que trata o presente item.

11.1. SEQÜESTRO

O seqüestro vem disciplinado nos artigos 125 a 133 do Código de Processo Penal.
Justa causa remota, para sua decretação, reside na prova da existência material do delito e
em indícios de autoria. A justa causa próxima, na “existência de indícios veementes da
proveniência ilícita dos bens”.

Incide, desde o inquérito policial, sobre bens imóveis ou móveis adquiridos pelo
acusado com os produtos da infração, ainda que já tenham sido transferidos a terceiro.
Recai, igualmente, sobre bens imóveis que sejam produto direto da infração penal, porque
não podem ser apreendidos.

O seqüestro previsto no artigo 4º, da Lei n.º 9.613/98, atinge bens, direitos e
valores do acusado, assim como bens, direitos ou valores existentes em nome do acusado.
A lei fala em apreensão ou seqüestro, como se fossem medidas cambiáveis, confundindo o
proveito da infração antecedente com o produto da própria lavagem de dinheiro. Aplica-se,
todavia, subsidiariamente, a disciplina do Código de Processo Penal.

O seqüestro pode ser decretado desde o inquérito policial, durante toda a ação
penal e até mesmo em segunda instância. A Lei n.º 9.613/98, contudo, determina que o
seqüestro poderá ser suspenso pelo juiz quando a sua execução imediata puder
comprometer as investigações.

O seqüestro é sempre determinado por ordem judicial, inclusive de ofício. Pode


ser requerido pelo ofendido, seu representante ou herdeiros, e a autoridade policial e o
Ministério Público podem representar pela sua decretação.

Podem ter seus bens seqüestrados o acusado, bem como terceiros que tenham
adquirido o bem, ainda que de boa-fé e a título oneroso.
172

O seqüestro é incidente e se autua, em regra, em apartado. Ao seu processamento,


aplica-se subsidiariamente a disciplina do Código de Processo Civil: o mandado de
seqüestro deve ser executado no prazo de 5 (cinco) dias, por dois oficiais de justiça,
considerando-se feita a diligência mediante a tomada dos bens. Da diligência será lavrado
um auto. Se recair sobre imóvel, depois de realizado o seqüestro, o juiz ordenará seja
registrado no cartório de registro de imóveis, para que possa valer contra terceiros.

Os bens móveis, depois de seqüestrados, devem ser guardados no depositário


público. A lei de lavagem de dinheiro previu que, quando as circunstâncias o
aconselharem, o juiz, depois de ouvir o Ministério Público, nomeará pessoa qualificada
para a administração dos bens, direitos ou valores apreendidos ou seqüestrados, mediante
termo de compromisso, e determinou, ainda, que o administrador de bens fará jus a uma
remuneração, fixada pelo juiz, que será satisfeita com o produto dos bens objeto da
administração. Determinou ainda que o administrador prestará, por determinação judicial,
informações periódicas sobre a situação dos bens sob sua administração, bem como
explicações e detalhamentos sobre investimentos e reinvestimentos realizados.

O Código de Processo Penal prevê três espécies de embargos, mas não traz
minúcias sobre o seu processamento: embargos de terceiro, embargos do acusado e
embargos do terceiro de boa-fé.

Os embargos de terceiro são opostos por aquele que se afirma senhor ou


possuidor do bem, e é, por tudo, absolutamente alheio à infração penal. Podem ser opostos
a qualquer tempo, no processo de conhecimento, enquanto não transitada em julgado a
sentença e, na execução, até 5 (cinco) dias depois da arrematação, mas sempre antes da
assinatura da respectiva carta. A regra de que os embargos devem ser apreciados apenas
depois do trânsito em julgado não se aplica a esta espécie de embargos, de sorte que devem
ser julgados prontamente pelo juiz penal e, se procedentes, o seqüestro será levantado.

Os embargos podem ser opostos pelo acusado, sob fundamento de que os bens
não foram por ele adquiridos com o produto da infração. A Lei n.º 9.613/98 sujeita a
liberação dos bens seqüestrados à comprovação da licitude de sua origem, mas nem por
isso se deve entender que a lei estabeleceu a inversão do ônus da prova. A lei condiciona,
ainda, o pedido ao comparecimento pessoal do acusado.
173

Há, ainda, os embargos opostos pelo terceiro de boa-fé, que adquiriu o bem a
título oneroso. O terceiro de boa-fé pode também, para desonerar o bem constrito e
levantar o seqüestro, oferecer caução.

Os embargos do acusado e do terceiro de boa-fé podem ser opostos a qualquer


tempo, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. E, caso a condenação passe
em julgado, ainda assim poderá haver oposição de embargos, até 5 (cinco) dias depois da
arrematação, mas sempre antes da assinatura da respectiva carta. Mas, diferentemente dos
embargos do terceiro, os embargos opostos pelo acusado e pelo terceiro de boa-fé somente
serão julgados depois do trânsito em julgado da sentença condenatória, de sorte que são
hábeis unicamente para obstar as providências definitivas. O processamento e julgamento
destes embargos dá-se no juízo penal e, se procedentes, o bem será desonerado.

É também freqüente o uso do mandado de segurança com a finalidade de


desonerar os bens que sofreram a medida cautelar patrimonial. A possibilidade do pedido
reside na manifesta, evidente ilegalidade ou abuso de poder, ferindo direito líquido e certo,
e na impossibilidade de se afastar a irreparabilidade do dano, causado pelo fato, ou sua
difícil reparação, por via dos remédios processuais comuns – os embargos. O mandado de
segurança pode ser utilizado pelo acusado ou por terceiro para atacar, v.g., decreto de
seqüestro proferido por juiz incompetente, excesso na execução da decisão judicial,
indeferimento de pedido de levantamento.

O seqüestro será levantado se a ação penal não for intentada no prazo de 60


(sessenta) dias, contado da data em que ficar concluída a diligência. Ou, no caso de
lavagem de dinheiro, no prazo de 120 (cento e vinte) dias. A jurisprudência tem prorrogado
este prazo, desde que haja motivos justificados, notadamente no que se refere à dificuldade
no cumprimento de diligências que visem à apuração dos fatos havidos por delituosos.

O seqüestro também pode ser levantado se o terceiro de boa-fé, que adquiriu o


bem a título oneroso, prestar caução.

O seqüestro será levantado se for julgada extinta a punibilidade ou absolvido o


acusado, por sentença, na dicção da lei, irrecorrível, ou seja, transitada em julgado. Deveria
ter tido que o seqüestro também será levantado em caso de arquivamento do inquérito
policial.

Ainda, julgados procedentes os embargos, o seqüestro será levantado.


174

Transitada em julgado a decisão condenatória e julgados improcedentes os


embargos porventura opostos, tem-se então que a medida, por força da coisa julgada, pode
ser executada. Os bens devem ser avaliados e vendidos em leilão, sendo todas as
providências realizadas no juízo penal.

O produto obtido da praça destina-se ao ressarcimento do dano experimentado


pelo ofendido, depois ao terceiro de boa-fé; depois, ao pagamento das despesas processuais
e pena pecuniária, e o saldo é então recolhido ao Tesouro Nacional.

11.2. ESPECIALIZAÇÃO DA HIPOTECA LEGAL

O Código de Processo Penal se refere à hipoteca legal, muito embora a medida


cautelar seja verdadeiramente a especialização da hipoteca legal.

A especialização da hipoteca legal recai sobre bens imóveis do acusado, que não
foram adquiridos com o produto da infração. Só pode ser decretada no curso da ação penal,
depois do recebimento da denúncia ou da queixa. Até por isso, inadequada a referência a
imóveis do indiciado, no Código de Processo Penal, porque recai sobre bens do
formalmente acusado.

A hipoteca legal, direito real sobre coisa alheia, é conferida ao ofendido, ou aos
seus herdeiros, sobre os imóveis do acusado. O Código Civil fala em delinqüente, termo
impróprio, em razão da proibição de prévia consideração de culpabilidade.

A especialização da hipoteca legal visa primordialmente à reparação do dano ex


delicto e, secundariamente, ao pagamento das despesas judiciais, decorrentes, portanto, do
trâmite do processo, bem como ao pagamento da multa.

São legitimados a requerer a especialização da hipoteca legal o ofendido ou seus


herdeiros, em caso de sucessão, bem como seus representantes legais.

O Ministério Público não possui legitimidade para requerer a medida em favor da


Fazenda Pública. Pode requerer a medida a favor do ofendido que for pobre e o requerer,
apenas no Estado de Santa Catarina, que ainda não organizou sua Defensoria Pública.
175

O Código de Processo Penal não prevê expressamente que o juiz possa decretar a
medida de ofício, mas a regra da oficialidade permita que o faça, a fim de assegurar a
eficácia dos efeitos da futura decisão penal.

Somente o acusado pode ter seus bens constritos por especialização da hipoteca
legal. O bem a ser hipotecado não pode estar onerado. Deve, também, ser individualizado e
levado a registro, para conhecimento de todos. Por isso, o ofendido, ou quem o represente,
ou seus herdeiros, podem requerer a especialização da hipoteca, estimando o valor da
responsabilidade civil e designando o imóvel ou imóveis sobre os quais recairá a hipoteca.

Ao formular o pedido, deve-se expor a justa causa que autoriza a medida – prova
da existência do crime e indícios de autoria, no curso de ação penal, e, ainda, como aqui
propugnado, indícios de probabilidade de diminuição ou desaparecimento dos bens do
acusado – e deve vir acompanhado de documentos que comprovem a estimativa da
responsabilidade, feita pelo ofendido, e a prova relativa à propriedade dos imóveis que
forem indicados, ou ao menos indicá-la, para que possa ser trazida aos autos, com o
esclarecimento de estarem os imóveis livres e desembaraçados.

A estimativa feita no pedido não é definitiva. Depois de requerida a


especialização da hipoteca legal, o juiz determinará a autuação do pedido, que correrá em
autos apartados. Determinará ainda que se proceda ao arbitramento do valor da
responsabilidade civil e a avaliação dos bens.

A avaliação dos imóveis designados deverá ser feita por dois peritos oficiais e é
necessária para que não exceda o montante da responsabilidade estimada.

O juiz deve então ouvir as partes, no prazo de 2 (dois) dias, para corrigir o
arbitramento do valor da responsabilidade, se lhe parecer excessivo ou deficiente.

Verificada a justa causa, o juiz autorizará, então, o registro da hipoteca do imóvel


ou imóveis, mas somente dos necessários à garantia da responsabilidade. O patrimônio
comum dos cônjuges não pode sofrer especialização da hipoteca legal, salvo o bem de
família, até o limite da meação.

Somente depois de ocorrido o trânsito em julgado da sentença condenatória é que


o valor da responsabilidade civil será liqüidado definitivamente, porque a obrigação de
reparar o dano surge como título executivo judicial.
176

Em razão de a especialização da hipoteca legal recair sobre bens outros do


acusado, que não são proveito da infração, admite caução, desde que garantida a
responsabilidade civil, que abrange, além da reparação do dano ao ofendido, as despesas e
as penas pecuniárias. A caução pode ser oferecida em dinheiro ou em títulos de dívida
pública, desde que ouvidos os interessados e o juízo a admitir.

Haverá cancelamento da hipoteca caso sobrevenha sentença absolutória ou


extintiva da punibilidade, conforme dispõe o artigo 141, do Código de Processo Penal.

A fim de se insurgir contra a medida, o acusado pode se valer do mandado de


segurança, alegando que a medida foi decretada sem a presença dos pressupostos
necessários ou, ainda, com irregularidade no procedimento de especialização.

A sentença penal condenatória é título judicial, e, portanto, exigível, mas não é


líquida, ou seja, não traz o dimensionamento da obrigação reconhecida pela sentença,
porque este é um assunto estranho ao processo-crime, no modelo utilizado pelo sistema
brasileiro.

Assim, por ser ilíquida a decisão condenatória transitada em julgado, os autos da


hipoteca devem ser remetidos ao juízo cível competente para execução. O juiz competente
para a execução da sentença penal condenatória, para satisfação do dano ex delicto, é o
cível, do domicílio do autor ou do lugar da infração.

No cível, poderá ser requerido novo arbitramento. Havendo necessidade de


provar fato novo, a liquidação se realizará mediante artigos. Para a instauração da
liquidação de sentença, há necessidade de requerimento da parte e, não sendo requerida a
execução no prazo de 6 (seis) meses, o juiz mandará arquivar os autos, sem prejuízo de seu
desarquivamento a pedido da parte.

O executado deve ser citado. Na liquidação por artigos, vai-se permitir prova
nova, tanto do valor do imóvel como da reparação do dano. Pode-se impugnar a execução.

Ultimadas as atividades avaliadoras, passa-se então à arrematação e ao


pagamento ao credor. A arrematação e a adjudicação também podem ser impugnadas. A
vítima é então ressarcida e o saldo se destina ao pagamento das despesas e penas
pecuniárias.
177

11.3. ARRESTO

O arresto figura no processo penal como providência, ou medida, preparatória da


especialização da hipoteca legal, se a ação penal condenatória, ainda, não foi proposta, ou
então como medida destinada a assegurar bens móveis, se o acusado não tem imóvel, ou os
têm insuficientes, para reparar o dano.

Pode, portanto, ser destinado a ser substituído pela hipoteca, ou permanecer como
arresto, no caso de recair sobre bens móveis.

Somente os bens do acusado podem sofrer a incidência do arresto.

O arresto de bens imóveis do acusado, que não constituam proveito da infração e


sejam pertencentes ao acusado, pode ser decretado já e só no curso de inquérito policial.
Este é o chamado arresto prévio, que tem lugar para assegurar bens imóveis enquanto não
puder se especificar a hipoteca legal, porque não há ação penal em curso. Incide sobre
imóvel completamente estranho ao crime e se trata de atividade cautelar preparatória da
especialização da hipoteca legal. Tão logo seja recebida a denúncia, deve haver o
requerimento de especialização da hipoteca legal, que substituirá o arresto.

No caso de não haver imóveis, ou os imóveis existentes serem insuficientes à


reparação do dano, pode ser decretado o arresto de bens sobre bens móveis do acusado,
erroneamente denominado pelo Código de Processo Penal como responsável.

O Código de Processo Penal determina que esta segunda forma de arresto, o


arresto subsidiário ou complementar, deve se dar nas mesmas condições da hipoteca legal
dos imóveis. Deve, pois, haver certeza da infração penal, e estimativa acerca do valor da
responsabilidade e avaliação dos bens indicados661.

A lei não fixa, todavia, o momento em que a medida pode ser decretada. Dada a
restrição que impõe – o bem é tolhido do seu proprietário – e o fato de o Código de
Processo Penal detemrinar que a medida se dê nos termos em que é facultada a
especialização da hipoteca legal dos imóveis, deve-se entender que o arresto subsidiário ou
661
Assim já decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: “Arresto de bens. Processamento do
pedido que depende da certeza da materialidade do delito, bem como que o requerente aponte, em sua inicial,
o valor estimado dos danos morais que pretende ver reparados, designando e estimando os bens a serem
arrestados. Para o processamento da medida assecuratória, prevista no art. 137 do CPP é necessária a certeza
da materialidade do delito, bem como que o requerente aponte, em sua inicial, o valor estimado dos danos
morais que pretende ver reparados, designando e estimando os bens a serem arrestados” (TJSP – 4a C. – AP
n.° 313.629-3/9 – Rel. Des. Hélio de Freitas – DJ de 27.03.2002).
178

complementar pode ser decretado unicamente durante o curso da ação penal. Para a
decretação do arresto são necessárias duas condições: que os imóveis do acusado sejam
insuficientes para garantir a responsabilidade e que móveis arrestados sejam suscetíveis de
penhora.

Se os bens arrestados forem facilmente deterioráveis e consumíveis – o Código


de Processo Penal fala em fungíveis –, deverão ser avaliados e levados a leilão público,
depositando-se o dinheiro apurado.

No que toca aos bens móveis, o arresto é medida vinculável à penhora,


subsidiária e complementar, para a hipótese do “responsável” não possuir bens imóveis ou
os possuir de valor insuficiente à reparação do dano.

Embora o Código de Processo Penal silencie acerca da legitimidade, deve-se


admitir que o particular ofendido pode requerer também o arresto. Igual direito assiste a
seus herdeiros e ao seu representante, bem como ao representante dos herdeiros.

O Ministério Público pode requerer a medida tão-somente para assegurar o


pagamento das penas pecuniárias. Quanto ao mais, ou seja, o disposto no artigo 142, do
Código de Processo Penal, a legitimidade ali conferida ao Ministério Público é
inconstitucional. Apenas onde e enquanto não houver Defensoria Pública instalada, é
permitido ao Ministério Público requerer o arresto e a especialização da hipoteca legal,
quando o acusado for pobre e o requerer.

O juiz, de ofício, também poderia decretar a medida, embora o Código de


Processo Penal nada diga a respeito.

O Código de Processo Penal pouco diz sobre o processamento do arresto.


Determina, no artigo 139, que será autuado em apartado.

Quanto ao arresto prévio, do artigo 136, o Código de Processo Penal estabelece


que será revogado se o pedido de registro de hipoteca legal não for formulado no prazo de
15 (quinze) dias. A disciplina referente ao arresto prévio é escassa, porque ou se resolve
em especialização da hipoteca, ou é levantado.

Quanto ao arresto dito subsidiário, está sujeito às mesmas condições de


legitimidade, oportunidade e pressupostos para o pedido de inscrição e especialização da
hipoteca legal. Assim, deve-se também estimar a responsabilidade e o valor dos bens
móveis cujo arresto se requer.
179

Se os bens móveis arrestados forem fungíveis e facilmente deterioráveis, deverão


ser avaliados e levados a leilão público, depositando-se o dinheiro apurado.

O juiz pode ainda arbitrar recursos advindos das rendas dos bens, que serão
fornecidos para a manutenção do acusado e de sua família. Quanto ao mais, o mesmo
procedimento para o processamento da especialização da hipoteca legal, é aplicável ao
arresto subsidiário, feitas as adaptações necessárias ao fato de que se trata de bem móvel.

Da mesma forma como na especialização da hipoteca legal, deve-se permitir ao


acusado oferecer depósito em dinheiro, ou caução de títulos da dívida pública, para evitar o
arresto, ou levantar o arresto já realizado.

O arresto será levantado após o trânsito em julgado da sentença penal que


absolver ou julgar extinta a punibilidade do acusado.

Em caso, porém de decisão condenatória transitada em julgado, os autos do


arresto devem ser remetidos ao juízo cível, onde então será feita a liquidação definitiva.
Feita venda, o quanto apurado será destinado à reparação do dano ao ofendido e, o saldo,
ao pagamento das despesas e da multa.
180

CAPÍTULO III

DIREITO ESTRANGEIRO, COMPROMISSOS INTERNACIONAIS, PROPOSTAS DE


ALTERAÇÃO

12. TRATAMENTO DA MATÉRIA NOS SISTEMAS ITALIANO, ESPANHOL E PORTUGUÊS

Ao que tudo indica, a disciplina confusa conferida às medidas cautelares


patrimonais, no processo penal, fez com que, na prática, acabassem pouco utilizadas.

Movimento de recuperação de tais institutos, todavia, se desenha, como se verá


no item 14. No direito estrangeiro, as mudanças operadas no trato da matéria buscam, a um
só tempo, simplificar/clarear as hipóteses de aplicação de cada uma das modalidades de
cautelares patrimoniais no processo penal e sujeitar as medidas a pressupostos mais
rigorosos. Aqui, foram eleitos, a título de exemplo, os sistemas de três países, que
recentemente enfrentaram a matéria: Itália, Espanha e Portugal.

12.1. ITÁLIA

Na Itália, antes da reforma do Código de Processo Penal, havia previsão de


hipoteca legal dos bens imóveis do acusado. Se não houvesse imóveis, ou fossem
insuficientes, caberia então o chamado seqüestro conservativo, equivalente ao arresto no
direito brasileiro662. Além disso, havia o seqüestro penal, equivalente à nossa apreensão. O
seqüestro penal poderia ser convertido em seqüestro conservativo porque as coisas
apreendidas para fins probatórios poderiam, quando não fossem mais necessárias à
demonstração do crime, servir como garantia patrimonial.

O novo Código de Processo Penal italiano eliminou a hipoteca legal e previu,


agora, três formas de seqüestro: seqüestro probatório (artigos 253 a 265), seqüestro
conservativo (artigos 316 a 320) e seqüestro preventivo (artigos 321 a 323), sendo apenas

662
Antonio Scarance Fernandes, O papel da vítima..., op. cit., p. 198.
181

os dois últimos considerados medidas cautelares reais propriamente ditas, colocadas ao


lado das medidas cautelares pessoais, na disciplina legal663.

O seqüestro probatório tem a finalidade de assegurar a prova do delito, incidindo


sobre o corpo do delito e sobre as coisas pertinentes ao crime664. Sua decretação deve ser
motivada665. Ele se mantém pelo tempo necessário a satisfazer as exigências de natureza
investigativa. Quando não mais interessa a fins probatórios, o bem deve ser restituído a
quem de direito, salvo quando o juiz não o transforma em seqüestro conservativo666 ou
preventivo667, nem tampouco ordene o confisco, ao fim668. Como meio de realização de
provas, equipara-se à nossa apreensão.

A disciplina do seqüestro conservativo, por sua vez, está inserida no título


dedicado às medidas cautelares reais. Exerce função de garantia patrimonial669. Na lei
processual anterior, os créditos da justiça eram garantidos, quanto aos bens imóveis, pela
hipoteca legal e, quanto aos móveis, pelo seqüestro conservativo670. A hipoteca foi então
substituída pelo seqüestro conservativo671: a previsão de hipoteca foi eliminada, ante a
possibilidade de seqüestro conservativo civil sobre bens imóveis, pelo Código de Processo
Civil de 1940, porque, “com a criação de um único provimento cautelar idôneo para
operar sobre bens imóveis, limpa-se o terreno de todas as dificuldades interpretativas
originadas da atual dualidade de instrumentos e se alinha o sistema aos princípios da lei

663
Mencione-se, ainda, a disciplina própria conferida à matéria por leis especiais, tais como o seqüestro em
matéria de criminalidade organizada, em matéria de substâncias estupefacientes, entre outras (Mariangela
Montagna, I sequestri..., op. cit., p. 275 e seguintes; Mario Garavelli, Il sequestro..., op. cit., p. 187 e
seguintes; Alfredo Gaito, Sui rapporti tra fallimento e sequsetro antimafia in funzione di confisca, Rivista de
Diritto Processuale, Milano, anno LI (seconda serie), n. 2, p. p. 393-410, aprile-giugno 1996; Marco Morici e
Guglielmo Nicastro, Opponibilità allo Stato dell’ipoteca gravante su beni sequestrate e confiscate ai sensi
della legge antimafia, Rivista di Diritto Civile, Padova, anno XLII, n. 6, p. 667-673, novembre-dicembre
1996).
664
Sergio Ramajoli, Le misure cautelari (personali e reali) nel Códice di Procedura Penal, 2. ed., Padova,
Cedam, 1996, p. 196. Mario Garavelli, Il sequestro..., op. cit., p. 15-24. Paola Balducci, Il sequestro..., op.
cit., p. 174-175. No sistema anterior, cf. Giuseppe Bellantoni, L’oggetto del sequestro penale, L’Indice
Penale, Padova, anno VIII, p. 621-636, 1974.
665
Mario Garavelli, Il sequestro..., op. cit., p. 26-27. Paola Balducci, Il sequestro..., op. cit., p. 180-188.
Marco Maniscalco, Il sequestro probatorio nella giurisprudezan della Corte de Cassazione, L’Indice Penale,
Padova, n. 3, p. 745-755, primmo quadrimestri 1995, p. 748-750.
666
Mario Garavelli, Il sequestro..., op. cit., p. 45-46. Mario D’Onofrio, Il sequestro…, op. cit., p. 103.
667
Mariangela Montagna, I sequestri..., op. cit., p. 200.
668
Ercole Aprile, Le misure..., op. cit., p. 484.
669
Sergio Ramajoli, Le misure cautelari..., op. cit., p. 197.
670
Sergio Ramajoli, Le misure cautelari..., op. cit., p. 197-198.
671
Ercole Aprile, Le misure..., op. cit., p. 473. Mariangela Montagna, I sequestri..., op. cit., p. 61-65.
182

delegada que privou o Ministério Público de todos os poderes cautelares em matéria de


liberdade pessoal, deixando entrever que não poderia sobreviver um poder assim incisivo
como aquele de inscrever hipoteca, hoje reconhecido ao Ministério Público pelo artigo
616 CPP”672.

O seqüestro conservativo volta-se a bens móveis ou imóveis do acusado673. São


exigidas fundadas razões de que haja depauperamento (insuficiência ou inadequação) ou
dispersão dos bens674 que possam garantir o pagamento das penas pecuniárias, das
despesas do processo e das obrigações civis decorrentes do crime.

Quanto à legitimidade, o Ministério Público pode requerer o seqüestro para o


pagamento da pena pecuniária, das despesas processuais e de outras somas devidas ao
erário ou ao Estado; o ofendido só tem legitimidade para pedir o seqüestro quando
constituído parte civil. O seqüestro requerido pelo Ministério Público, porém, aproveita ao
ofendido, quando constituído parte civil (artigo 316, n. 1, 2 e 3)675. Convertido o seqüestro
em penhora676, quando do trânsito em julgado da sentença condenatória ao pagamento de
uma pena pecuniária ou quando se torna executiva a sentença que condena o imputado e o
responsável civil ao ressarcimento do dano em favor da parte civil, permanece o privilégio
da pretensão ressarcitória civil ao pagamento da pena pecuniária (artigo 320 e 316, n. 4)677.

O seqüestro conservativo pode ser requerido em qualquer estado ou grau do


processo678. É tomado inaudita altera pars679 e seu decreto deve ser motivado, referindo a
dados concretos, sendo insuficiente a alusão a genérico e indeterminado perigo de

672
Antonio Scarance Fernandes, O papel da vítima..., op. cit., p. 199-200.
673
Antonio Scarance Fernandes, O papel da vítima..., op. cit., p. 199.
674
Mariangela Montagna, I sequestri..., op. cit., p. 67. Rossano Adorno, Il riesame delle misure cautelari
reali, Milano, Giuffrè, 2004, p. 39. Fabio Maria Grifantini, Riesame del seqüestro e valutazione di
presupposti nella giurisprudenza sul C.P.P. del 1930 e nel C.P.P. del 1988, Rivistta italiana di diritto e
procedura penale, Milano, nuova serie, anno XXXIII, p. 164-216, 1990.
675
Ercole Aprile, Le misure..., op. cit., p. 474-475. Mario D’Onofrio, Il sequestro…, op. cit., p. 26.
676
Ercole Aprile, Le misure..., op. cit., p. 481-482. Mariangela Montagna, I sequestri..., op. cit., p. 92. Mario
D’Onofrio, Il sequestro…, op. cit., p. 121.
677
Antonio Scarance Fernandes, O papel da vítima..., op. cit., p. 199.
678
Ercole Aprile, Le misure..., op. cit., p. 475.
679
Ercole Aprile, Le misure..., op. cit., p. 477.
183

dispersão do patrimônio680. O acusado ou o responsável civil podem oferecer soma de


dinheiro, a título de caução, visando à substituição do seqüestro conservativo681.

Podem ser seqüestrados todos os bens suscetíveis de penhora: dinheiro, ações e


cotas sociais, conta corrente682; não se pode seqüestrar bem de pessoa física por violação
de norma tributária imputada a pessoa jurídica683.

Quanto ao seqüestro preventivo, cujas hipóteses vêem previstas no artigo 321,


incide sobre o corpo do delito e coisas pertinentes ao crime684, cuja disponibilidade poderia
agravar ou protrair as conseqüências do ilícito investigado, ou facilitar o cometimento de
outros crimes, ou, ainda, sobre bens destinados ao confisco685. Trata-se, assim, de
seqüestro para fins de prevenção e de confisco686. Consagração legislativa de elaboração
jurisprudencial687, recai sobre coisas relacionadas ao crime, as quais, permanecendo em
poder de seu proprietário, podem agravar ou prolongar as conseqüências do próprio delito
ou estimular a prática de outros. O pedido poder ser formulado pelo Ministério Público688 e
pela polícia judiciária689 e a decretação, pelo juiz, deve ser motivada, sob pena de
nulidade690. Pode ser convertido em seqüestro conservativo691.

12.2. ESPANHA

680
Mariangela Montagna, I sequestri..., op. cit., p. 80.
681
Ercole Aprile, Le misure..., op. cit., p. 480.
682
Mario Garavelli, Il sequestro..., op. cit., p. 93-94. Ercole Aprile, Le misure..., op. cit., p. 485-486.
683
Ercole Aprile, Le misure..., op. cit., p. 485-486.
684
Critica a elasticidade e abrangência dessas locuções Paola Balducci, Il sequestro..., op. cit., p. 63-74.
685
Ercole Aprile, Le misure..., op. cit., p. 487.
686
Mariangela Montagna, I sequestri..., op. cit., p. 119-125.
687
Mario Garavelli, Il sequestro..., op. cit., p. 107-108. Mais especificamente sobre a tendência
jurisprudencial, nos idos de 1970, de atribuir ao seqüestro penal não somente finalidades endoprocessuais,
mas também cautela substancial, cf; Paola Balducci, Il sequestro..., op. cit., p. 74-76. E, ainda, Pio Ferrone, Il
sequestro no processo penale, Milano, Giuffrè, 1974, p. 53.
688
Ercole Aprile, Le misure..., op. cit., p. 518.
689
Sergio Ramajoli, Le misure cautelari..., op. cit., p. 205.
690
Mariangela Montagna, I sequestri..., op. cit., p. 142-144.
691
Ercole Aprile, Le misure..., op. cit., p. 528-529. Mariangela Montagna, I sequestri..., op. cit., p. 162-164.
Paola Balducci, Il sequestro..., op. cit., p. 225-230. Mario D’Onofrio, Il sequestro…, op. cit., p. 101.
184

Na Espanha, onde o processo civil é cumulado ao penal, duas são as medidas


cautelares reais previstas: fiança692 e embargo.

O artigo 589 estabelece que, quando do sumário resultem indícios de


criminalidade contra uma pessoa, o juiz ordenará que preste fiança bastante para assegurar
as responsabilidades pecuniárias que, em definitivo, podem ser declaradas procedentes,
decretando-se, no mesmo auto, o embargo de bens suficientes para cobrir tais
responsabilidades caso a fiança não seja prestada. A quantia da fiança será fixada no
mesmo auto e deverá ser suficiente para cobrir ao menos um terço de todo o importe
provável da responsabilidade pecuniária. Da decisão que a decreta, cabe apelação, nos
termos do artigo 596.

Para a decretação de tais medidas, é necessária a existência de indícios de


criminalidade693. É preciso, igualmente, se verificar o risco de insolvência ou de
indisponibilidade de um bem específico, ainda que a norma não estabeleça um pressuposto
típico de periculum in mora que o julgador deva comprovar, senão que este pressuposto é a
própria ratio da norma que permite adotar estas medidas694.

As medidas cautelares reais servem não só para assegurar a responsabilidade civil


ex delicto, mas também o pagamento das despesas judiciais e da multa695. São decretadas
em relação a bens do imputado e também do terceiro responsável civil, direto ou
subsidiário696, conforme dispõe o artigo 615 da Ley de Enjuiciamiento Criminal. No caso
do responsável subsidiário, é imprescindível a declaração de insolvência total ou parcial do
presumido responsável criminal; no caso de responsável civil direto, há necessidade de um
específico vínculo entre a pessoa que está sendo acusada como autora, cúmplice ou

692
Ricardo Juan Sánchez sustenta que a lei empregou o termo fiança em sentido amplo e não técnico, porque,
em verdade, trata-se de uma caução substitutiva, similar à regulada no artigo 746 da Ley de Enjuiciamiento
Civil (Ricardo Juan Sánchez, La responsabilidad..., op. cit., p. 488). Aury Celso Lima Lopes Jr. anota que a
fiança, “medida de caráter patrimonial, nada tem a ver com a garantia do juízo, apontada como uma das
condições para concessão da liberdade provisória. O objeto de ambas é totalmente distinto. Aqui se busca a
garantia do ressarcimento civil e lá a presença do réu o pagamento das despesas processuais” (Aury Celso
Lima Lopes Jr., Medidas cautelares..., op. cit., p. 184-185).
693
Jaume Solé Riera, La tutela..., op. cit., p. 131.
694
Jaume Solé Riera, La tutela..., op. cit., p. 134.
695
Jaume Solé Riera, La tutela..., op. cit., p. 135.
696
Ricardo Juan Sánchez, La responsabilidad..., op. cit., p. 496 e seguintes. Jaume Solé Riera, La tutela...,
op. cit., p. 139 e seguintes. Coral Arangüena Fanego, Teoría..., op. cit., p. 185-186.
185

partícipe do fato delitivo, e aquele que se presume deva responder civilmente por ele e não
a título subsidiário, se não direto697.

O momento adequado à adoção de tais medidas depende do preenchimento do


pressuposto de “existência de indícios de criminalidade”. Assim, na medida em que das
diligências praticadas na instrução da causa surjam indícios de criminalidade acerca do
provável autor do ilícito penal, o juiz de instrução, de ofício ou a requerimento da parte,
poderá adotar, mediante decisão motivada, medidas cautelares reais698, decidindo acerca de
seu alcance e quantia699, que deve se aproximar daquilo que a sentença penal, estima-se,
vai fixar como responsabilidade pecuniária que deriva do delito, uma vez que sua
finalidade é exatamente assegurá-la. Estabelece o artigo 589, inciso II, da Ley de
Enjuiciamiento Criminal, que tal medida deve cobrir, no mínimo, um terço de todo o
importe provável das responsabilidades pecuniárias derivadas do fato delituoso apurado700.

Dado o caráter revogável da medida, se, durante o curso do processo,


sobrevierem motivos bastantes para se acreditar que as responsabilidade pecuniárias que,
em definitivo, podem ser exigidas, excederam a quantidade pré-fixada para assegurá-las,
ou se estas foram superiores àquelas que, ao fim, poderão ser impostas ao acusado,
mandar-se-á ampliar ou reduzir a fiança ou embargo701. Assim, poderão ampliar-se ou
reduzir-se em função de novos motivos sobre o verdadeiro alcance da responsabilidade
civil ou do valor que os bens já embargados conservem702. É o que dispõem os artigos 611
e 612 da Ley de Enjuiciamiento Criminal.

A fiança e o embargo são processados em autos apartados (artigo 590). A fiança


poderá ser pessoal, pignoratícia ou hipotecária (artigo 591).

697
Coral Arangüena Fanego, Teoría..., op. cit., p. 280-281.
698
Coisa distinta é afirmar que o auto de processamento determine o fumus boni iuris das medidas cautelares
e outra, sustentar que constitui um pressuposto das medidas. Assim, se há recebimento da denúncia, se terá
verificado a concorrência de indícios razoáveis de criminalidade, pelo que, logicamente, se ao tempo ou
depois se adotam medidas cautelares reais, a existência de fumus já está delimitada, dado que o fumus do auto
de processamento e o fumus da medida cautelar coincidem (Coral Arangüena Fanego, Teoría..., op. cit., p.
262-263). O mesmo sentido, cf. Jaume Solé Riera, La tutela..., op. cit., p. 127.
699
Jaume Solé Riera, La tutela..., op. cit., p. 136.
700
Jaume Solé Riera, La tutela..., op. cit., p. 136-137.
701
Aury Celso Lima Lopes Jr., Medidas cautelares..., op. cit., p. 185.
702
Ricardo Juan Sánchez, La responsabilidad..., op. cit., p. 489.
186

Quanto ao embargo de imóveis, o juiz determinará se é ou não extensivo aos


frutos e rendas (artigo 603). E determina, ainda, a aplicação subsidiária da legislação civil
sobre fianças e embargos (artigo 614).

De se notar que, de acordo com o disposto no artigo 843 da Ley de


Enjuiciamiento Criminal, ainda que o processo seja suspenso, em conseqüência do não-
comparecimento do acusado, e se mantenha reservado o exercício da ação civil ao
ofendido, os embargos já realizados e as fianças prestadas não serão cancelados, de modo
que o embargo fica vinculado, sem necessidade de ratificação mediante a apresentação da
demanda, para uma posterior ação civil703.

Na ordem das medidas a serem adotadas para assegurar a responsabilidade


pecuniária derivada do delito, a fiança tem caráter preferencial em relação ao embargo, na
medida em que libera do embargo e evita os prejuízos que este sempre supõe704. Ambas as
medidas, de caráter cautelar, apresentam fim assecuratório a respeito da futura e hipotética
execução, já que impedem que o obrigado ao cumprimento da obrigação ex delito frustre a
posterior execução705.

A fiança é uma medida assecuratória direta, que busca a disponibilidade de


valores de forma imediata ou através da afetação de bens móveis ou imóveis de fácil
realização e de valor conhecido. Deve ser prestada no dia seguinte à notificação para tanto
(artigo 597); caso contrário, proceder-se-á ao embargo dos bens do processado. A fiança
poderá ser pignoratícia, hipotecária ou pessoal (artigo 591), como se disse, sendo que a
pessoal não constitui, em verdade, um terceiro tipo de fiança, mas é aquela oferecida por
terceira pessoa, em nome do obrigado pelas responsabilidades pecuniárias do delito706.

No caso de não terem sido afiançadas as responsabilidade pecuniárias derivadas


do ilícito penal, se procederá ao embargo de bens do patrimônio da pessoa obrigada a
responder pelas conseqüências econômicas do delito, segundo preceitua o artigo 597 da
Ley de Enjuiciamiento Criminal. O embargo, que aqui chamaríamos de penhora forçada707,
é uma medida subsidiária da fiança, e é utilizado quando, esgotado o prazo de 24 (vinte e
703
Ricardo Juan Sánchez, La responsabilidad..., op. cit., p. 489-490. Este dispositivo se explica porque não
existe uma “desacumulação” automática das ações civil e penal, ainda existe possibilidade de reabertura do
processo civil, e, de toda forma, ainda está presente o prazo de prescrição da ação civil.
704
Jaume Solé Riera, La tutela..., op. cit., p. 145.
705
Jaume Solé Riera, La tutela..., op. cit., p. 145.
706
Jaume Solé Riera, La tutela..., op. cit., p. 148.
707
Aury Celso Lima Lopes Jr., Medidas cautelares..., op. cit., p. 185.
187

quatro) horas concedido para prestá-la, o acusado nada faz, sendo então embargados tantos
bens quanto suficientes à garantia do pagamento dos danos e prejuízos causados708.

Para a localização dos bens a embargar, o juiz penal, em um primeiro momento,


deve dizer quem aparece como responsável do ilícito penal e chamá-lo a se manifestar para
indicar qual é seu patrimônio, que tipo de bens possui, e onde se encontram (artigo 598)709.
Diz-se que poucas vezes o acusado colabora nas tarefas de identificação e seleção dos bens
que devem ser embargados, e que este seria um problema. Mas isto não deve ser obstáculo
à concreção da medida, porque o juiz deve, de ofício, ou a requerimento da parte, com
colaboração efetiva do Ministério Público e da autoridade policial, investigar de forma
ampla a situação patrimonial do imputado e então decretar o embargo dos bens que
entenda objetivamente de propriedade do imputado ou, em caso de dúvida a respeito de sua
pertinência, apurar a existência de indícios de que assim o seja.

Em resumo: a fiança destina-se a assegurar as responsabilidades pecuniárias. O


embargo pode ser decretado quando não houver prestação de fiança, devendo, em caso de
incidência sobre bens móveis, ser determinada a anotação710. Interessante notar que, nos
delitos derivados de uso e circulação de veículo automotor, pode ser fixada uma pensão
provisional em favor da vítima e das pessoas sob seu encargo, ainda que a responsabilidade
civil esteja garantida por seguro (artigo 785, d)711.

Para a restituição do bem propriamente subtraído, são feitos apreensão e


seqüestro. A apreensão se distingue do seqüestro probatório, que pode ter finalidade
cautelar unicamente no caso de seqüestro de instrumento e objetos do delito pertencentes
ao imputado, em relação ao quais há pena de comisso, prevista no artigo 127712.

Critica-se tal formulação do sistema espanhol, reputando-a excessivamente


rigorosa e antiquada, fazendo com o que o interesse da vítima seja submetido a uma

708
Aury Celso Lima Lopes Jr., Medidas cautelares..., op. cit., p. 185.
709
Jaume Solé Riera, La tutela..., op. cit., p. 149. Somente no caso de o acusado, ou, na sua omissão ou
ausência de seus familiares diretos (mulher, filho ou pessoas que se encontrem em seu domicílio), não
indiciarem os bens, será feita a escolha pelo funcionário da justiça a quem incumbir a execução da ordem
(Aury Celso Lima Lopes Jr., Medidas cautelares..., op. cit., p. 185-186).
710
Antonio Scarance Fernandes, O papel da vítima..., op. cit., p. 200.
711
Antonio Scarance Fernandes, O papel da vítima..., op. cit., p. 200. Sustenta Jaume Solé Riera que, por ser
uma medida atípica, que pretende antecipar em favor da vítima os efeitos pecuniários da sentença
condenatória, para aliviar os efeitos derivados do ato, essa medida somente poderá ser exigida do responsável
civil, ou seja, da companhia seguradora, e não do causador do dano ou do responsável criminal (Jaume Solé
Riera, La tutela..., op. cit., p. 157).
712
Ricardo Juan Sánchez, La responsabilidad..., op. cit., p. 490.
188

regulação complexa e nada ágil: pugnam que uma interpretação ampla e não limitativa dos
preceitos legais sobre esta matéria deveria permitir que se cumprisse a finalidade de se
assegurar à vítima suas expectativas, no processo penal713.

12.3. PORTUGAL

O Código de Processo Penal português prevê duas medidas de garantia


patrimonial: a caução econômica (artigo 227) e o arresto preventivo (artigo 228).

Dispõe o artigo 227 que, havendo fundado receio de que faltem ou diminuam
substancialmente as garantias da pena pecuniária, das custas do processo ou de qualquer
outra dívida para com o Estado relacionada com o crime, o Ministério Público pode
requerer que o argüido preste caução econômica. Também o lesado, havendo fundado
receio de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias de pagamento de
indenização ou de outras obrigações civis derivadas do crime, pode requerer que o argüido
ou o civilmente responsável prestem caução econômica. O requerimento indica os termos e
modalidades em que deve ser prestada.

Estabelece ainda o Código de Processo Penal que a caução econômica prestada a


requerimento do Ministério Público aproveita também ao lesado. A caução econômica
mantém-se distinta e autônoma relativamente à caução referida no artigo 197714 e subsiste
até a decisão final absolutória ou a extinção das obrigações. Em caso de condenação, a
multa, a taxa de justiça, as custas do processo, a indenização e outras obrigações civis, são,
sucessivamente, pagas pelo seu valor.

O arresto preventivo é contemplado no artigo 228: a requerimento do Ministério


Público ou do lesado, o juiz pode decretar o arresto, nos termos da lei do processo civil.

713
Jaume Solé Riera, La tutela..., op. cit., p. 148-149.
714
Estabelece o artigo 197, entre as medidas de coação:
1. Se o crime imputado for punível com pena de prisão, o juiz pode impor ao argüido a obrigação de prestar
caução.
2. Se o argüido estiver impossibilitado de prestar caução ou tiver graves dificuldades ou inconvenientes em
prestá-la, pode o juiz, oficiosamente ou a requerimento, substituí-la por qualquer ou quaisquer outras
medidas de coação, à exceção da prisão preventiva ou de obrigação de permanência na habitação, legalmente
cabidas ao caso, as quais acrescerão a outras que já tenham sido impostas.
3. Na fixação do montante da caução tomam-se em conta os fins de natureza cautelar a que se destina, a
gravidade do crime imputado, o dano por este causado e a condição sócio-econômica do argüido.
189

Estabelece o Código de Processo Civil português, no artigo 406, que o credor que tenha
justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto
dos bens do devedor. O arresto consiste em tomada judicial de bens, à qual são aplicáveis
as disposições relativas à penhora em tudo o que não contrariar o preceituado na disciplina
própria conferida ao arresto. O requerente do arresto deve deduzir os fatos que tornam
provável a existência do crédito e justificam o receio invocado, e relacionar os bens que
devem ser apreendidos, com todas as indicações necessárias à realização da diligência. Se
o arresto se volta contra o adquirente dos bens do devedor, deve demonstrar que a
aquisição foi judicialmente impugnada ou deduzir fatos que tornam provável a procedência
da impugnação (artigo 407).

Examinadas as provas, o arresto é decretado, inaudita altera pars. A garantia


deve ser reduzida aos limites suficientes para a segurança normal do crédito, e o arrestado
não pode ser privado dos rendimentos estritamente indispensáveis aos seus alimentos e da
sua família (artigo 408). No caso de arresto de navio e sua carga (artigo 409), deve-se
demonstrar que a penhora é admissível; se o devedor oferecer caução, que o credor aceitar
e o juiz julgar idônea, fica sustada a saída do navio até a prestação da caução. Há
caducidade do arresto se, depois do trânsito em julgado, o credor não promover a execução
dentro nos dois meses subseqüentes, ou, se promovida a execução, o processo ficar sem
andamento durante mais de trinta dias, por negligência do exeqüente.

Além disso, se tiver sido previamente fixada e não prestada caução econômica, o
requerente fica dispensado da prova do fundado receio de perda da garantia patrimonial715,
e o arresto preventivo pode ser decretado mesmo em relação a comerciante.

A oposição à decisão que houver decretado arresto não possui efeito suspensivo
e, em caso de controvérsia sobre a propriedade dos bens arrestados, pode o juiz remeter a
decisão para a esfera civil, mantendo-se, entretanto, o arresto decretado. Em qualquer
tempo, o arresto pode ser revogado, se o argüido ou o civilmente responsável prestarem a
caução econômica imposta. Requerida a caução, ou não sendo esta prestada, e solicitado

715
“Fixada a prestação de caução econômica, e não observada pelo argüido, o legislador presume ‘iuris
tantum’ a existência de um fundado receio de perda da garantia patrimonial, pelo que o Ministério Público,
ou o lesado, ficam dispensados de fazer prova da existência de tal perigo, para que seja decretado o arresto de
bens que garantam as obrigações decorrentes da responsabilização pelo fato criminoso” (Carlos Alberto
Simões de Almeida, Medidas cautelares e de polícia no processo penal, em direito comparado, Coimbra,
Almedina, 2006, p. 41).
190

então o arresto preventivo, forma-se privilégio a favor dos créditos ex delicto em relação a
todos os outros, inclusive com preferência sobre o pagamento da multa penal716.

A apreensão também pode ser mantida a título de arresto preventivo, nos termos
do que dispõe o artigo 186.3. São objetos suscetíveis de apreensão aqueles que tiverem
servido ou estivessem destinados a servir à prática de um crime, os que constituírem o seu
produto, lucro, preço ou recompensa, e bem assim todos os objetos que tiverem sido
deixados no local do crime, ou ainda quaisquer outros suscetíveis de servir como prova.

13. COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL

No Brasil, as medidas cautelares patrimoniais são pouco utilizadas. Em


contrapartida, o país vem assumindo compromissos internacionais, sendo signatário de
acordos para adotar providências visando ao seqüestro de bens, em cooperação
internacional.

A Lei n.º 9.613/98 prevê, no artigo 8o, que o juiz determinará, na hipótese de
existência de tratado ou convenção internacional e por solicitação da autoridade estrangeira
competente, a apreensão e o seqüestro de bens, direitos ou valores oriundos de crimes
praticados no estrangeiro. Igualmente no caso de, não obstante a inexistência de tratado ou
convenção internacional, o governo do país da autoridade solicitante prometer
reciprocidade ao Brasil (artigo 8o, § 1o); neste caso, os bens, direitos ou valores
apreendidos ou seqüestrados serão repartidos entre o Estado requerente e o Brasil, na
proporção da metade, ressalvado o direito do lesado e de terceiro de boa-fé (artigo 8o, §
2o).

Este é um exemplo, de incorporação de compromissos assumidos


internacionalmente. Veremos, nos itens que seguem, os tratados de que o Brasil é
signatário.

13.1. TRATADOS INTERNACIONAIS

716
Antonio Scarance Fernandes, O papel da vítima..., op. cit., p. 200-201.
191

Antes de analisar os tratados internacionais de que o Brasil é signatário, convém


assinalar que a assinatura destes instrumentos internacionais pouco resultou, na prática. O
Brasil tem se limitado a assumir compromissos internacionais no sentido de adotar as
medidas cautelares patrimoniais, entre outras providências, mas quase nada, na prática
forense, tem sido feito. E as mudanças legislativas advindas da incorporação de tais
tratados – a Lei n.° 9.034/ 95 e a Lei n.° 9.613/98 – vêm sendo alvo de críticas, em razão
da diminuição de garantias fundamentais que comportam.

13.1.1. CONVENÇÃO CONTRA O TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E SUBSTÂNCIAS


PSICOTRÓPICAS

O Brasil é signatário da Convenção contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e


Substâncias Psicotrópicas, concluída em 1988 e promulgada por meio do Decreto n.º 154,
de 26 de junho de 1991.

Esta convenção prevê, no artigo 5º, que cada Parte adotará as medidas necessárias
para autorizar o confisco do produto derivado de delitos estabelecidos na Convenção, ou de
bens cujo valor seja equivalente ao deste produto, cuidando, ainda, da cooperação
internacional.

O confisco poderá ter lugar mesmo quando o produto haja sido transformado ou
convertido em outros bens (artigo 5º.6.a), ou ainda quando o produto haja sido misturado
com bens adquiridos de fontes lícitas, sem prejuízo de qualquer outra medida de apreensão
ou confisco preventivo aplicável, até o valor estimativo do produto misturado (artigo
5º.6.b). Tais medidas se aplicarão à renda ou a outros benefícios derivados do produto, dos
bens, nos quais o produto tenha sido transformado ou convertido, ou dos bens com os quais
o produto tenha sido misturado, do mesmo modo a na mesma medida em que o produto o
foi (artigo 5º. 6.c).

Fica ainda facultado a cada Estado Parte considerar a faculdade de inverter o ônus
da prova com respeito à origem lícita do suposto produto ou outros bens sujeitos a
confisco, na medida em que isso seja compatível com os princípios do direito interno e
com a natureza de seus procedimentos jurídicos (artigo 5º.7).
192

Por fim, estabelece a Convenção que a interpretação dos dispositivos não poderá
prejudicar direitos de terceiros de boa-fé, nem afetará o princípio de que tais medidas serão
definidas e implementadas de acordo com o direito interno de cada Estado Parte.

13.1.2. CONVENÇÃO SOBRE O COMBATE DA CORRUPÇÃO DE FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS


ESTRANGEIROS EM TRANSAÇÕES COMERCIAIS INTERNACIONAIS

Dentre tais instrumentos multilaterais de que o Brasil é signatário, tem-se, no


âmbito do combate à corrupção, a Convenção sobre o Combate da Corrupção de
Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, concluída
em Paris em 17 de dezembro de 1997 e aprovada no Brasil por meio do Decreto n.° 3.678,
de 30 de novembro 2000.

Esta convenção prevê, no artigo 3º, que cada Estado Parte zelará pelo confisco do
proveito da infração717.

13.1.3. CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA

O Decreto n.° 5.007, de 08 de março de 2004, promulgou o Protocolo Facultativo


à Convenção sobre os Direitos da Criança, referente à venda de crianças, à prostituição
infantil e à pornografia infantil.

Prevê, no artigo 7º, que o Brasil adotará medidas para permitir o seqüestro de
rendas decorrentes do cometimento de tais delitos e atenderá a solicitações de outros
Estados-Partes referentes ao seqüestro de bens ou rendas.

13.1.4. CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA O CRIME ORGANIZADO


TRANSNACIONAL

717
Artigo 3º. Cada Parte deverá tomar todas as medidas necessárias a garantir que o suborno e o produto da
corrupção de um funcionário público estrangeiro, ou o valor dos bens correspondentes a tal produto, estejam
sujeitos a retenção e confisco ou que sanções financeiras de efeito equivalente sejam aplicadas.
193

O Brasil é signatário da Convenção das Nações Unidas contra o Crime


Organizado Transacional, adotada em Nova York em 15 de novembro de 2000 e
promulgada no Brasil por meio do Decreto n.° 5.015, de 12 de março de 2004. Há, ainda,
protocolos adicionais a tal Convenção, relativos ao Combate ao Tráfico de Migrantes por
Via Terrestre, Marítima e Aérea (Decreto n.° 5.016, de 12 de março de 2004), e à
Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças
(Decreto n.° 5.017, de 12 de março de 2004).

De início, a Convenção já fixa que, para seus efeitos, entende-se por “bens” os
ativos de qualquer tipo, corpóreos ou incorpóreos, móveis ou imóveis, tangíveis ou
intangíveis, e os documentos ou instrumentos jurídicos que atestem a propriedade ou
outros direitos sobre os referidos ativos. Por “produto de crime”, os bens de qualquer tipo,
provenientes, direta ou indiretamente, da prática de um crime. “Bloqueio” ou “apreensão”,
a proibição temporária de transferir, converter, dispor ou movimentar bens, ou a custódia
ou controle temporário de bens, por decisão de um tribunal ou de outra autoridade
competente. Por fim, “confisco” é a privação com caráter definitivo de bens, por decisão de
um tribunal ou outra autoridade competente.

Prevê, no artigo 12.1, que cada Estado Parte adotará, no maior grau permitido em
seu ordenamento jurídico interno, as medidas que sejam necessárias para autorizar o
confisco a) do produto das infrações previstas na Convenção ou de bens cujo valor
corresponda ao deste produto, e b) dos bens, equipamentos e outros instrumentos utilizados
ou destinados a ser utilizados na prática das infrações previstas na Convenção.

Prevê, ainda, no artigo 12.2, que os Estados Partes adotarão as medidas


necessárias para permitir a identificação, a localização, o embargo e a apreensão dos bens
referidos no artigo 12.1, para efeitos de eventual confisco.

Ademais, no que mais de perto interessa ao tema, a Convenção estabelece que se


o produto houver sido convertido, total ou parcialmente, noutros bens, estes últimos podem
ser objeto das medidas previstas, em substituição do referido produto (artigo 12.3).

Dispõe, ainda, que se o produto houver sido misturado com bens adquiridos
legalmente, estes bens poderão, sem prejuízo das competências de embargo ou apreensão,
ser confiscados até o valor calculado do produto com que foram misturados (artigo 12.4),
assim como podem também ser objeto de tais medidas as receitas ou outros benefícios
obtidos com o produto do crime, os bens nos quais o produto tenha sido transformado ou
194

convertido ou os bens com que tenha sido misturado, tudo da mesma forma e na mesma
medida que o produto do crime (artigo 12.5).

Os Estados Partes ainda se comprometeram a habilitar seus tribunais, ou outras


autoridades competentes, a ordenar a apresentação ou apreensão de documentos bancários,
financeiros e comerciais, não podendo os Estados Partes abster-se de aplicar tais
disposições amparando-se no sigilo bancário (artigo 12.6).

Por fim, “os Estados Partes poderão considerar a possibilidade de exigir que o
autor de uma infração demonstre a proveniência lícita do presumido produto do crime ou
de outros bens que posam ser objeto de confisco, na medida em que esta exigência esteja
em conformidade com os princípios do seu direito interno e com a natureza do processo
ou outros procedimentos judiciais” (artigo 12.7).

Tais disposições não podem ser interpretadas em prejuízo do direito de terceiros


de boa-fé (artigo 12.8) e nenhuma disposição prejudica o princípio segundo o qual tais
medidas são definidas e aplicadas de acordo com a legislação interna dos Estados Partes
(artigo 12.9).

A Convenção trata também, com minúcias, da cooperação internacional para


efeitos de confisco (artigo 13) e contempla regras sobre a disposição do produto do crime
ou dos bens confiscados (artigo 14), sempre respeitando o que dispõe o direito interno de
cada Estado Parte.

13.1.5. CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA CORRUPÇÃO

O Brasil assinou a Convenção das Nações Unidas contra Corrupção, de 2003,


embora ainda não a tenha incorporado ao ordenamento.

A disciplina conferida à matéria é de todo semelhante à Convenção das Nações


Unidas contra o Crime Organizado Transnacional.

Prevê, no artigo 31.1, que cada Estado Parte adotará, no maior grau permitido em
seu ordenamento jurídico interno, as medidas que sejam necessárias para autorizar o
confisco a) do produto do delito qualificado de acordo com a Convenção ou de bens cujo
valor corresponda ao de tal produto, e b) dos bens, equipamentos ou outros instrumentos
utilizados ou destinados utilizados na prática dos delitos qualificados de acordo com a
Convenção.
195

Prevê, ainda, no artigo 31.2, que cada Estado Parte adotará as medidas
necessárias para permitir a identificação, localização, embargo preventivo e a apreensão de
qualquer bem referido no artigo 31.1., com vistas ao seu eventual confisco.

Determina, também, que cada Estado Parte adotará, de acordo com a legislação
interna, as medidas legislativas necessárias a regular a administração, pelas autoridades
competentes, dos bens embargados, incautados ou confiscados

No que interessa ao tema deste estudo, estabelece, no artigo 31.4, que “quando
este produto de delito se tiver transformado ou convertido parcialmente ou totalmente em
outros bens, estes serão objeto das medidas aplicáveis a tal produto de acordo com o
presente artigo”, e, no artigo 31.5, dispõe que “quando esse produto de delito se houver
mesclado com bens adquiridos de fontes lícitas, esses bens serão objeto de confisco até o
valor estimado do produto mesclado, sem menosprezo de qualquer outra faculdade de
embargo preventivo ou apreensão”.

Ainda, “os ingressos e outros benefícios derivados desse produto de delito, de


bens nos quais se tenham transformado ou convertido tal produto ou de bens que se
tenham mesclado a esse produto de delito também serão objeto das medidas previstas no
presente artigo, da mesma maneira e no mesmo grau que o produto do delito” (artigo
31.6).

Os Estados Partes ainda se comprometeram a facultar a seus tribunais, ou outras


autoridades competentes, a ordem para apresentação ou apreensão de documentos
bancários, financeiros e comercias, não podendo os Estados Partes abster-se de aplicar tais
disposições amparando-se no sigilo bancário (artigo 31.7).

Por fim, “os Estados Partes poderão considerar a possibilidade de exigir de um


delinqüente que demonstre a origem lícita do alegado produto de delito ou de outros bens
expostos ao confisco, na medida em que ele seja conforme com os princípios fundamentais
de usa legislação interna e com a índole do processo judicial ou outros processos” (artigo
31.8).

Tais disposições não podem ser interpretadas em prejuízo do direito de terceiros


que atuem de boa-fé (artigo 31.9) e nada do disposto afetará o princípio de que as medidas
se definirão e serão aplicadas de acordo com a legislação interna dos estados Partes e com
sujeito a estes (artigo 31.10).
196

Prevê, ainda, no artigo 35, que cada Estado Parte adotará as medidas necessárias
para garantir que as entidades ou pessoas prejudicadas como conseqüência de um ato de
corrupção tenham direito a iniciar uma ação legal contra os responsáveis destes danos e
prejuízos, a fim de obter indenização.

Cuida, ainda, da recuperação de ativos, com a mais ampla cooperação e


assistência entre si dos Estados Partes (Capítulo V), prevendo cooperação internacional
para fins de confisco (artigos 55 e 56).

14.2. TRATADOS DE ÂMBITO REGIONAL

13.1.1. CONVENÇÃO INTERAMERICANA CONTRA A CORRUPÇÃO

O Decreto n.º 4.410/2002, que promulgou a Convenção Interamericana contra a


Corrupção em nível nacional, estabelece, no artigo 15, que os Estados-Partes prestarão
mutuamente a mais ampla assistência possível para identificar, localizar, bloquear,
apreender e confiscar o produto oriundo dos bens provenientes da prática dos delitos
tipificados naquela convenção.

Prevê também que, na medida em que a legislação interna permitir, o Estado


Parte poderá transferir estes bens para outro Estado Parte que o tenha assistido na
investigação ou nas diligências judiciais.

13.2.2. CONVENÇÃO INTERAMERICANA SOBRE ASSISTÊNCIA MÚTUA EM MATÉRIA


PENAL

Desde 1994, o Brasil é também signatário da Convenção Interamericana sobre


Assistência Mútua em Matéria Penal, mas tal convenção ainda não foi incorporada ao
ordenamento.

Prevê, no artigo 13, busca, embargo, seqüestro e entrega de objetos e, nos artigos
14 e 15, medidas cautelares sobre bens – receitas, produtos ou instrumentos de um delito –,
por meio de assistência mútua.
197

13.2.3. CONVENÇÃO INTERAMERICANA CONTRA O TERRORISMO

Por fim, o Brasil é signatário da Convenção Interamericana contra o Terrorismo –


Decreto n.° 5.639/2005 –, que estipula, no artigo 5º, a obrigação do Estado Parte de adotar
medidas necessárias para identificar, congelar, embargar e, se for o caso, confiscar fundos
ou outros bens que sejam produto da cometimento ou tenham como propósito financiar ou
tenham facilitado ou financiado o cometimento de qualquer dos delitos enumerados na
Convenção.

13.2.4. MERCOSUL

13.2.4.1. PROTOCOLO DE MEDIDAS CAUTELARES

No âmbito do Mercosul, o Brasil é signatário do Protocolo de Medidas Cautelares


– Decreto n.° 27/94 –, o qual prevê cooperação inclusive em matéria penal, quanto à
reparação civil, conforme dispõe o artigo 2º: “a medida cautelar poderá ser solicitada em
processos ordinários, de execução, especiais ou extraordinários, de natureza civil,
comercial, trabalhista e em processos penais, quanto à reparação civil”.

13.2.4.2. PROTOCOLO DE SAN LUIS

Ainda no Mercosul, há o Protocolo de San Luis – Protocolo Assistência Jurídica


Mútua em Assuntos Penais –, entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, assinado em
San Luis, Argentina, em 25 de julho de 1996, aprovado pelo Decreto Legislativo n.º 03, de
26 de janeiro de 2000 e promulgado pelo Decreto n.º 3.468, de 17 de maio de 2000.

Dispõe que assistência mútua em assuntos penais compreende as medidas


acautelatórias sobre bens (artigo 2º, f), as quais são previstas no artigo 22, que estabelece
que a autoridade competente do Estado requerido diligenciará a solicitação de cooperação
acautelatória se esta contiver informação suficiente que justifique a procedência da medida
solicitada, e que será efetivada de acordo com a lei processual e substantiva do Estado
requerido.
198

Prevê, ainda, que quando um Estado Parte tiver conhecimento da existência dos
instrumentos, do objeto ou dos frutos do delito, no território de outro Estado Parte, que
possam ser objeto de medidas acautelatórias, segundo as leis deste Estado, informe à
Autoridade Central do referido Estado, e esta remeterá a informação recebida a suas
autoridades competentes para efeitos de determinar a adoção das medidas cabíveis.

Ainda, o Estado requerido resolverá, segundo sua lei, qualquer solicitação relativa
à proteção dos direitos de terceiros sobre os objetos que sejam matéria das medidas
solicitadas.

13.3. TRATADOS BILATERAIS

Notícia do Ministério da Justiça dá conta de que, além dos acordos, firmados com
dez países (Estados Unidos, Argentina, Uruguai, Paraguai, Colômbia, França, Itália, Peru,
Coréia do Sul e Portugal), aguardam promulgação, para entrar em vigor, acordos assinados
com o Líbano e a Ucrânia. Outros, já firmados, aguardam aprovação no Congresso
Nacional: Angola, Canadá, China, Cuba, Grã-Bretanha, Suíça e Suriname718.

13.3.1. BRASIL – PORTUGAL

O Tratado de Auxílio Mútuo em Matéria Penal entre Brasil e Portugal foi


assinado em 07 de maio de 1991, aprovado pelo Decreto Legislativo n.º 77, de 19 de
novembro de 1992 e promulgado pelo Decreto n.º 1.320, de 30 de novembro de 1994.

Prevê, no artigo 11.3, que quando a Parte requerente comunicar a sua intenção de
pretender a execução de uma decisão de apreensão ou de medida similar, a Parte requerida
deverá tomar as medidas permitidas pela sua lei para prevenir qualquer transação,
transmissão ou disposição de bens que sejam ou possam ser afetados por esta decisão.

13.3.2. BRASIL – ITÁLIA

718
Notícia disponível em http://www.mj.gov.br, acesso em 27.dezembro.2006.
199

O Tratado de Auxílio Mútuo em Matéria Penal entre Brasil e Itália, assinado em


17 de outubro de 1989, aprovado pelo Decreto Legislativo n.º 78, de 20 de novembro de
1992 e promulgado pelo Decreto n.º 862, de 09 de julho de 1993, nada previa acerca de
cooperação em relação às medidas cautelares patrimoniais.

Outro tratado foi firmado entre Brasil e Itália: o Acordo de Cooperação na Luta
contra o Crime Organizado e o Tráfico de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas.
Firmado, em Roma, em 12 de fevereiro de 1997, aprovado pelo Decreto Legislativo n.º 34,
de 07 de abril de 1998 e promulgado pelo Decreto n.º 2.649, de 1º de julho de 1998, este
acordo consagra a colaboração na execução de medidas de apreensão dos bens
provenientes dos fatos delituosos em questão (artigo VI).

13.3.3. BRASIL – FRANÇA

O Tratado de Auxílio Mútuo em Matéria Penal entre Brasil e França foi assinado
em Paris, em 28 de maio de 1996, aprovado pelo Decreto Legislativo n.º 74, de 03 de
setembro de 1999 e promulgado pelo Decreto n.º 3.324, de 30 de dezembro de 1999, mas
nada prevê, expressamente, acerca das medidas cautelares patrimoniais, apenas referindo-
se aos pedidos de busca e apreensão (artigo 3º.3).

13.3.4. BRASIL – ESTADOS UNIDOS

O Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal entre Brasil e Estados


Unidos da América foi assinado em Brasília, em 14 de outubro de 1997, aprovado pelo
Decreto-Legislativo n.º 262, de 18 de dezembro de 2000 e promulgado pelo Decreto n.º
3.810, de 02 de maio de 2001.

Prevê assistência mútua em procedimentos relacionados a imobilização e


confisco de bens, restituição e cobrança de multas (artigo I.1.g). Especifica que as Partes
prestarão assistência mútua na medida em que seja permitida pelas respectivas leis que
regulam o procedimento para os casos de apreensão de produtos e instrumentos de crime,
de restituição às vítimas do crime, e de cobrança de multas impostas por sentenças penais e
200

inclui-se entre as ações possíveis o congelamento temporário destes produtos ou


instrumentos de crime, enquanto se aguarda julgamento de outro processo (artigo XVI.2).

13.3.5. BRASIL – PERU

O Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal entre Brasil e Peru foi


celebrado em Lima, em 21 de julho de 1999, aprovado pelo Decreto-Legislativo n.º 181, de
07 de julho de 2001 e promulgado pelo Decreto n.º 3.988, de 29 de outubro de 2001.

Parte de definições, para efeitos do acordo: “confisco” significa a privação, em


caráter definitivo, de bens, produtos ou instrumentos do delito, por decisão de um tribunal
ou de outra autoridade competente (artigo 1.a); “produto do delito” são bens, ou valores
equivalentes aos mesmos, de qualquer natureza, derivados ou obtidos direta ou
indiretamente da prática de um delito (artigo 1.b); “bens” são ativos de qualquer tipo,
corpóreos ou incorpóreos, móveis ou imóveis, tangíveis ou intangíveis, e os documentos
ou instrumentos legais que atestam a propriedade ou outros direitos sobre tais ativos (artigo
1.c); por fim, “seqüestro, arresto, indisponibilidade ou apreensão de bens” significa a
proibição temporária de transferir, converter, alienar ou mobilizar bens, assim como a
custódia e o controle temporário de bens, por ordem expedida por um tribunal ou
autoridade competente (artigo 1.d).

Prevê, no artigo 13, que a autoridade competente de uma das Partes poderá
solicitar à outra que obtenha ordem judicial para tornar indisponível, seqüestrar, arrestar ou
bloquear bens a fim de assegurar que estejam disponíveis para a execução de uma ordem
de confisco. Tal requerimento deve conter cópia da ordem judicial que determine a
indisponibilidade, seqüestro, arresto ou bloqueio dos bens; resumo dos fatos, com
descrição do delito, onde e quando foi cometido e referência aos dispositivos legais
pertinentes; se possível, descrição dos bens e de seu valor comercial, sobre os quais se
pretenda adotar a medida cautelar ou que se considere possam ser indisponibilizados,
seqüestrados, arrestados ou bloqueados, bem como a relação dos bens com a pessoa que
será ou já é processada judicialmente; declaração do montante que se pretende
indisponibilizar, seqüestrar, arrestar ou bloquear e dos fundamentos deste cálculo;e, por
fim, a estimativa do tempo até que o caso seja submetido a juízo e do tempo que
transcorrerá até a decisão judicial definitiva (artigo 13.2.a a e).
201

Qualquer modificação nesse prazo deve ser informada à Parte requerida e, ao


fazê-lo, a autoridade competente da Parte requerente deverá indicar a etapa de
procedimento até então alcançada.

A autoridade requerida poderá impor condição que restrinja a duração da medida


solicitada, o que deve ser informado à autoridade competente da Parte requerente, com a
devida justificação (artigo 13.5).

Ainda quanto aos produtos do delito, determina o artigo 15 que a Parte requerida,
ao encontrar produtos ou instrumentos do delito objeto da solicitação de assistência
jurídica, deverá tomar as providências necessárias permitidas em sua legislação para evitar
qualquer transação, transferência ou alienação dos mesmos enquanto esteja pendente
decisão definitiva sobre tais produtos ou instrumentos.

Serão tomadas, ainda, as medidas necessárias para proteger os interesses e os


direitos de terceiro de boa-fé (artigo 17).

13.3.6. BRASIL – COLÔMBIA

O Acordo de Cooperação Judiciária e Assistência Mútua em Matéria Penal entre


Brasil e Colômbia foi celebrado em Cartagena de Índias, em 07 de novembro de 1997,
aprovado pelo Decreto-Legislativo n.º 41, de 18 de junho de 1999 e promulgado pelo
Decreto n.º 3.895, de 23 de agosto de 2001.

Estipula que a assistência compreende medidas cautelares sobre bens (artigo II.f)
e cumprimento de outros pedidos relativos a bens, inclusive a eventual transferência
definitiva do valor dos bens confiscados (artigo II.g).

O artigo XVII cuida das medidas cautelares: quando houver conhecimento da


existência de instrumentos, objeto ou frutos do delito, no território da outra Parte, que
possam ser sujeitos a medidas cautelares, a Parte interessada informará à Autoridade
Central daquele Estado (artigo XVII.2), devendo o pedido incluir cópia da decisão sobre
medida cautelar, resumo dos fatos do caso, inclusive descrição do delito, onde e quando foi
cometido e referência às disposições legais pertinentes; se for o caso, descrição dos bens
acerca dos quais se pretende efetuar a medida, seu valor comercial, e a relação deles com a
202

pessoa processada e a estimativa dos valores que se dá à medida cautelar e os fundamentos


do respectivo cálculo (artigo XVII.4). A autoridade competente da parte requerida poderá
impor prazo que limite a duração da medida solicitada, o que será informado à Parte
requerente com os motivos de tal decisão (artigo XVII.6).

De acordo com sua legislação interna, a Parte que tenha sob sua custódia
instrumentos, objeto ou frutos do delito, poderá dividir com a outra os bens confiscados ou
o produto de sua venda (artigo XIX).

13.3.7. BRASIL – CORÉIA DO SUL

O Acordo entre Brasil e República da Coréia sobre Assistência Judiciária Mútua


em Matéria Penal foi celebrado em Brasília, em 13 de dezembro de 2002, aprovado pelo
Decreto-Legislativo n.º 768, de 08 de julho de 2005 e promulgado pelo Decreto n.º 5.721,
de 13 de março de 2006.

Inclui medidas de assistência em relação a produtos de crimes, tais como


bloqueio, confisco e transferência (artigo 1.3.g)

Quando da localização de bens que supostamente sejam produtos de crimes, a


Parte Requerida deverá tomar todas as medidas permitidas por sua legislação para
imobilizar e confiscar tais bens, particularmente visando à sua transferência para a Parte
Requerente (artigo 17.2). Os direitos do terceiro de boa-fé devem ser resguardados. (artigo
17.3).

14. PROPOSTAS DE ALTERAÇÃO LEGISLATIVA

De tudo quanto já exposto acerca da disciplina conferida às medidas cautelares


patrimoniais, necessária a sugestão de alterações, que apresentem melhor a matéria e
ordenem, de maneira mais adequada, os dispositivos.

Os itens seguintes cuidam das propostas hoje existentes e de sugestões de


alterações de lege ferenda.
203

14.1. PROPOSTAS EXISTENTES

14.1.1. PROJETOS DE LEI

Visando à alteração do Código de Processo Penal, estão em tramitação conjunta,


na Câmara dos Deputados, os Projetos de Lei n.º 7.226/2006 e n.º 7.387/2006, ambos já
aprovados no Senado Federal, onde tramitaram, respectivamente, como PL n.º 138/06,
apresentado pelo Senador Antonio Carlos Magalhães, e PL n.º 258/06, apresentado pela
Senadora Serys Slhessarenko.

O Projeto de Lei n.º 7.226/2006 pretende acrescentar, no Código de Processo


Penal, a previsão de indisponibilidade de bens do indiciado ou acusado e a necessidade de
comparecimento pessoal do acusado em juízo, para apresentação do pedido de restituição
ou indisponibilidade.

A razão da proposição reside no fato de que não há previsão de indisponibilidade


de bens no processo penal, o que seria injustificável em razão de esta mesma medida estar
contemplada na Lei de Improbidade Administrativa.

A este projeto foi apensado o Projeto de Lei n.º 7.387/2006, que pretende a
alteração dos artigos 125, 126, 131, inciso II e 132, do Código de Processo Penal;
acrescenta-lhe os artigos 144-A e 144-B, modificando, ainda, o caput do artigo 4º da Lei
n.º 9.613/98, tudo para introduzir a indisponibilidade dos bens no rol das medidas
assecuratórias.

Já apensados, a Comissão Permanente de Segurança Pública e Combate ao Crime


Organizado da Câmara dos Deputados ofereceu parecer favorável à aprovação, em razão
de a nova disciplina dificultar o “desfazimento e a pulverização do patrimônio” do
acusado. A Comissão apresentou, todavia, substitutivo aos Projetos de Lei n.º 7.226/2006 e
n.º 7.387/06, nos seguintes termos:

O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público, ou mediante


representação da autoridade policial, ouvido o Ministério Público em 24 (vinte e quatro)
horas, havendo indícios suficientes de ocorrência de crime doloso, poderá decretar, a
qualquer tempo: (i) a apreensão ou o seqüestro de bens, direitos ou valores do indiciado ou
acusado obtidos de forma ilícita, ainda que transferidos ou mantidos em nome de terceiros
ou confundidos ao patrimônio legalmente constituído, até o valor total estimado na prática
204

criminosa ou do produto e dos rendimentos auferidos, procedendo-se na forma dos arts.


125 a 144 do Código de Processo Penal; (ii) a indisponibilidade total ou parcial dos bens,
direitos ou valores do indiciado ou acusado ou de terceiro, que deverá abranger o valor
integral estimado envolvido na prática criminosa, assegurando, no mínimo, na
impossibilidade desta estimativa, o completo ressarcimento do dano causado ao Erário
(artigo 23-A, incisos I e II).

Estas medidas serão levantadas se a ação penal não for iniciada no prazo de 120
(cento e vinte) dias, contados da data em que ficar concluída a diligência (artigo 23-A, §
1º).

O juiz determinará a liberação dos bens, direitos e valores apreendidos,


seqüestrados ou declarados indisponíveis, quando comprovada a licitude de sua origem ou
hipotecados, empenhados ou penhorados em execução em favor de credores de boa-fé
(artigo 23-A, § 2º).

Para o pedido de restituição ou disponibilidade dos bens ser conhecido, o acusado


deverá comparecer pessoalmente, perante o juiz, que pode ainda determinar a prática de
atos necessários à conservação dos bens, direitos ou valores (artigo 23-A, § 3º).

Se a execução imediata de tais medidas comprometer as investigações ou se estas


tornarem desnecessárias, sua ordem poderá ser suspensa pelo juiz (artigo 23-A, § 4º).

Dispõe, ainda, que a indisponibilidade será levantada no caso de absolvição ou de


extinção da punibilidade, por decisão transitada em julgado, e prevê que, pendente decisão
de extradição, o Supremo Tribunal Federal pode, igualmente, decretar a indisponibilidade
de bens, valores ou direitos (artigo 23-A, § 5º).

Aguarda-se, agora, parecer da Comissão de Constituição e Justiça.

Pelo que se percebe, os projetos parecem ter sido apresentados ante a


necessidade, verificada na prática, de tornar efetivas as medidas cautelares patrimoniais, no
processo penal. Revelam, por outro lado, que o trato da matéria, pelo Código de Processo
Penal, é de fato tão confuso que se preferiu introduzir não se sabe se quarta espécie de
medida cautelar patrimonial, algo genérico, chamado pelos projetos de
“indisponibilidade”, ou se esta medida veio, em verdade, substituir a especialização da
hipoteca legal e o arresto. No Projeto de Lei n.° 7.226/2006, bem como no substitutivo
apresentado pela Comissão Permanente de Segurança Pública e Combate ao Crime
Organizado da Câmara dos Deputados, a disciplina não fica clara, porque, inclusive, no
205

artigo 23-A, inciso I, se manda proceder na forma dos artigos 125 a 144 do Código de
Processo Penal, capítulo que contem as medidas de arresto e especialização da hipoteca. Já
no Projeto de Lei n.° 7.387/2006, ao menos, a indisponibilidade vem prevista como quarta
medida719.

Não houve, como se vê, preocupação sistemática. Pelo substitutivo apresentado,


na esteira do previsto no Projeto de Lei n.º 7.226/2006, as alterações seriam feitas no
Título II, do Livro I, destinado ao inquérito policial. Distante, portanto, do Capítulo das
medidas assecuratórias.

O substitutivo, e o Projeto de Lei n.º 7.226/2006, conferem, no caput do artigo


23-A, legitimidade para o requerimento das medidas à autoridade policial e ao Ministério
Público, nada dizendo acerca do ofendido (igualmente, o disposto no artigo 144-A, do
Projeto de Lei n.° 7.387/2006). Talvez se pudesse interpretar que foi conferida
legitimidade ao ofendido razão de o inciso I do artigo 23-A do Projeto de Lei n.º
7.226/2006 e do substitutivo mandar proceder, no caso, na forma dos artigos 125 a 144 do
Código de Processo Penal. Mas isto não é posto de forma clara. Relembre-se, ademais, que
as medidas cautelares patrimoniais visam não só ao perdimento de bens, mas igualmente à
reparação do dano causado pelo delito, ao particular ofendido. Com isso, o projeto deixou
de conceder ao ofendido, maior interessado na reparação do dano, legitimidade para
requerer a decretação do seqüestro e, agora, da indisponibilidade.

Para a decretação das medidas previstas no artigo 23-A do substitutivo, são


exigidos “indícios suficientes de ocorrência de crime doloso”, sendo a redação original do
Projeto de Lei n.º 7.226/2006 ainda mais restrita: “indícios suficientes de crime doloso
apenado com reclusão”. No processamento de crimes culposos, pois, não se poderiam
decretar medidas com vistas a assegurar a reparação do dano. Ademais, o texto não parece
adequado: ao se referir a “indícios suficientes da ocorrência de crime”, não se sabe se há
necessidade de prova da materialidade e indícios de autoria, ou se unicamente indícios de
materialidade. Não se pode esquecer, porém, que as medidas cautelares patrimoniais
precisam ter pressupostos e requisitos claramente previstos em lei, porque importam

719
O Projeto de Lei n.° 7.387/06 pretende acrescentar o artigo 144-A, ao Código de Processo Penal, com a
seguinte redação: “Sem prejuízo das medidas assecuratórias anteriores, o juiz, de ofício, a requerimento do
Ministério Público em 24 (vinte e quatro) horas, havendo indícios suficientes da materialidade e da autoria do
crime, poderá decretar, a qualquer tempo, a indisponibilidade, total ou parcial, dos bens, direitos ou valores
do indiciado, ou de terceiros favorecedores, desde que a medida seja necessária à recuperação dos montantes
ou à diminuição do prejuízo econômico causado diretamente pela ação criminosa”.
206

restrição a direitos e garantias individuais. A legislação projetada perdeu, assim, chance de


corrigir erro histórico na disciplina desta matéria, sempre vaga e imprecisa.

Além disso, o Projeto de Lei n.º 7.226/2006 e o substitutivo apresentado parecem


ter como cambiáveis as medidas de apreensão e seqüestro (usa, inclusive, a conjunção
alternativa “ou” na previsão de ambas) para a tomada de “bens obtidos de forma ilícita”.
Como já visto no item 5 deste trabalho, apreensão e seqüestro se voltam a bens diversos,
conforme constituam produto ou proveito da infração.

Ademais, as três medidas previstas no artigo 23-A podem, segundo o disposto no


caput, ser decretadas, todas, a qualquer tempo, não exigindo, assim, pressupostos e
requisitos específicos, para cada uma delas.

Soa impróprio, também, o disposto no artigo 23-A, inciso II, do Projeto de Lei n.º
7.226/2006: os bens devem ser declarados indisponíveis “na medida necessária a abranger
o valor integral estimado envolvido na prática delituosa”. Isto seria o dano? Na
impossibilidade desta estimativa, fala o projeto, deve ser garantido “o completo
ressarcimento do dano causado ao Erário”. Seriam as custas do processo e a multa, ou o
projeto se refere aos crimes em que o sujeito passivo direto é o Estado? E a reparação ao
particular ofendido parece, assim, ter ficado de fora. No Projeto de Lei n.° 7.347/2006,
fala-se que a indisponibilidade deve ser decretada desde que “seja necessária à
recuperação dos montantes ou à diminuição do prejuízo econômico causado diretamente
pela ação criminosa”. Esquece, como se percebe, o dano moral.

Padece também de boa técnica a previsão de que as medidas cautelares poderão


ser suspensas quando sua execução imediata puder comprometer as investigações,
constantes nos dois projetos e no substitutivo. Igual regra é contemplada na Lei n.°
9.613/98, o que já foi objeto de críticas no item 6 deste trabalho. Aqui, porém, a
imprecisão vai além, com a previsão de que a ordem de seqüestro e de indisponibilidade de
bens, direitos ou valores poderá ser suspensa quando se tornar desnecessária. Ora, se as
medidas se tornam desnecessárias, como cautelares que são, devem ser, em verdade,
revogadas, e não suspensas.

Também se estabelece, no artigo 23, § 5º, do Projeto de Lei n.º 7.226/2006 e do


substitutivo apresentado, que a indisponibilidade será levantada em caso de absolvição ou
extinção da punibilidade, por decisão transitada em julgado. Deveria ter sido dito,
expressamente, o mesmo acerca do seqüestro e da apreensão (artigo 23-A, inciso I), muito
207

embora se tenha determinado que se proceda na forma do estabelecido nos artigo 125 a
144, do Código de Processo Penal.

Mais que tudo, não parece adequada a previsão de indisponibilidade dos bens
(artigo 23-A, inciso II, do Projeto de Lei n.º 7.226/2006 e artigo 144-A, do Projeto de Lei
n.º 7.387/2006). A indisponibilidade é, em verdade, conseqüência direta das medidas hoje
especificadas720; talvez pudesse ser medida preparatória da especialização da hipoteca legal
e do arresto subsidiário e complementar, mas não é isto o que os projetos prevêem. Aliás, a
única alusão a que a indisponibilidade seria uma “cautela de cautela” está no artigo 144-A,
§ 2º, previsto no Projeto de Lei n.º 7.387/2006, que determina que, “identificados todos os
bens, direitos ou valores adquiridos ilicitamente, o juiz determinará a conversão da
indisponibilidade em seqüestro”. Seria, assim, cautela do seqüestro, mas, sobre a
conversão em arresto e especialização da hipoteca legal, não há qualquer dispositivo.

Hoje, o seqüestro produz duplo efeito: torna indisponível o bem, jurídica e


materialmente721. Quanto à especialização da hipoteca legal, muito embora não retire do
proprietário do imóvel o direito de uso e gozo do bem, o gravame que impõe sobre o bem o
acompanha, garantindo, pois, a eficácia de efeitos decorrentes de eventual decisão
condenatória722. E o arresto de bens móveis retira, do acusado, a posse do bem tomado.

Da forma como foram elaborados os projetos, não há razão para se prever a


indisponibilidade como quarta medida cautelar patrimonial, no processo penal. Trata-se de
redução metonímica, empregando-se o efeito (indisponibilidade) pela causa (uma das
medidas cautelares patrimoniais hoje já previstas). Talvez, como será analisado no item
14.2, a indisponibilidade pudesse ser prevista como medida alternativa ao arresto prévio,
bem como medida destinada a preencher lacuna hoje verificada, na etapa da persecução
penal anterior ao recebimento da denúncia ou queixa, para a constrição de bens móveis,
que não sejam produto ou proveito do delito.
720
“A indisponibilidade é a característica comum do gênero seqüestro” (Paola Balducci, Il sequestro..., op.
cit., p. 111). “Isto porque, se está o bem seqüestrado sujeito a constrição judicial, é evidente que dele não
pode o demandado dispor livremente, enquanto o bem permanece seqüestrado” (Eduardo P. de Arruda
Alvim, Anotações..., op. cit., p. 85).
721
Mariangela Montagna, I sequestri..., op. cit., p. 86. Mario D’Onofrio, Il sequestro…, op. cit., p. 115.
722
Por isso, o proprietário “pode até dispor da coisa, só que o gravame a acompanha. É lícito, porém, ao
adquirente do imóvel remi-lo, nos termos do art. 815 e seus parágrafos, do CC” (Sebastião de Oliveira Castro
Filho, Medidas cautelares..., op. cit., p. 169). O Código de Processo Civil é mais claro: porque de índole
provisória, a sanção à alienação dos bens constritos não pode ser a nulidade ou inexistência, porque, cessada
a medida, o ato de alienação continua existente e válido. A sanção se dá, pois, no plano da eficácia: a
alienação é ineficaz (sobre o direito processual civil, cf. Eduardo P. de Arruda Alvim, Anotações sobre o
seqüestro no direito brasileiro, Revista de Processo, ano 18, n. 69, p. 82-90, jan.-mar. 1993, p. 85).
208

A disciplina projetada não permite saber, porém, se a indisponibilidade seria


consagrada como medida destinada a substituir as medidas hoje existentes (especialização
da hipoteca legal e arresto), como parecem prever o Projeto de Lei n.° 7.226/2006 e o
substitutivo apresentado, ou se vem contemplada como quarta medida (Projeto de Lei n.°
7.387/2006).

Ademais, cumpre assinalar que o Projeto de Lei n.° 7.387/2006 prevê que, salvo
nos casos de suspensão do processo em razão do não-comparecimento do acusado, a
indisponibilidade dos bens não passará de 180 (cento e oitenta) dias, admitida uma única
prorrogação (artigo 44-A, § 3º). Prevê, ainda, no artigo 44-A, § 4º que, “na vigência da
medida, o juiz poderá admitir, em caráter excepcional, a disposição de parte dos bens
como forma de evitar a depreciação do patrimônio como um todo”. Esta previsão, de
possibilidade de venda antecipada de bens constritos, será analisada mais detalhadamente
no item seguinte.

14.1.2. PROPOSTAS PARA OS CASOS DE LAVAGEM DE DINHEIRO

Em 2003, foram criados, por iniciativa do Ministério da Justiça, o Gabinete de


Gestão Integrada de Prevenção e Combate à Lavagem de Dinheiro (DDI-LD), bem como a
Estratégia Nacional de Combate à Lavagem de Dinheiro (ENCLA), como instrumentos de
coordenação e atuação conjunta dos órgãos envolvidos na apuração do delito de lavagem
de dinheiro.

Entre as metas propostas ENCLA para 2004, estava o avaliar e propor alterações
nos projetos que lei que ampliassem a tipificação do crime de lavagem de dinheiro,
desvinculando-o de rol exaustivo de crimes antecedentes; introduzir o bloqueio
administrativo de ativos ilícitos; conceituar organização criminosa; tipificar o terrorismo e
o financiamento ao terrorismo; e modificar a Lei n.° 9.613/98723.

Para 2005, a ENCLA estabeleceu, entre os objetivos, a recuperação de ativos724, o


que de perto interessa ao tema deste trabalho. Para isso, previu como metas: (i) a
elaboração de anteprojeto de lei instituindo ação civil de perdimento de bens de origem

723
Relatório de metas disponível em http://www.mj.gov.br/drci/documentos/ENCLA_2004.pdf.
724
Relatório de objetivos estratégicos e metas estabelecidos pela Estratégia Nacional de Combate à Lavagem
de Dinheiro – ENCLA 2005, disponível em http//www.mj.gov.br/drci/lavagem/encla2005.htm.
209

ilícita; (ii) a elaboração de projeto de lei para alteração do Código de Processo Penal e do
Código Penal, para dinamizar os procedimentos de apreensão, arresto, seqüestro,
destinação e alienação de bens, direitos e valores; para instituir a alienação antecipada para
preservação do valor dos bens indisponibilizados, sempre que necessária; e, ainda, para
destinar aos Estados e Distrito Federal os bens, direitos e valores cuja perda tiver sido
decretada no âmbito dos processos de sua competência; (iii) avaliação e elaboração de
proposta normativa para disciplinar a administração e destinação de bens, direitos e valores
indisponibilizados ou expropriados no curso do processo penal, bem como após o trânsito
em julgado da sentença condenatória; a proposta deveria prever o afastamento dos ônus
existentes sobre os bens alienados ou destinados e o repasse de recursos para atividades de
prevenção e repressão ao crime; (iv) desenvolvimento de sistema de cadastramento e
alienação de bens, direitos e valores apreendidos, seqüestrados e arrestados; (v) início do
cadastramento de bens, direitos e valores apreendidos, seqüestrados e arrestados em
procedimentos criminais e processos judiciais; (vi) sugestão aos órgãos do Ministério
Público e do Judiciário, de melhor aproveitamento de bens apreendidos, seqüestrados,
arrestados, dentro das possibilidades legais existentes, inclusive com a alienação
antecipada, se necessário.

Depois, para 2006, previu como meta apresentar projeto de apoio à gestão de
ativos sujeitos a constrição judicial, até final destinação725.

Constata-se, assim, que, no próprio âmbito do Ministério da Justiça, é recorrente


a idéia de dar maior eficiência sobre a administração de bens sob constrição, otimizando o
sistema de recuperação de ativos e de sua capacidade de auto-financiamento.

O princípio reitor das alterações está na idéia de repressão e combate à lavagem


de dinheiro por meio do bloqueio eficiente da aquisição e fruição de produtos ilícitos do
crime. Por isso, o Relatório da ENCLA para 2004 já sugeria as seguintes alterações, no que
interessa ao tema em estudo:

(i) substituição das regras do Código de Processo Penal, que tratam de arresto e
seqüestro de bens, por disposição que prevê unicamente a indisponibilidade de bens, de

725
Relatório disponível em http:// www.mj.gov.br/lavagem/encla2006.
210

incidência mais ampla, e também a instituição de possibilidade de decretar a


indisponibilidade de bens, direitos e valores existentes em nome interpostas pessoas726;

(ii) inclusão da possibilidade de alienação antecipada, para preservação do valor


dos bens apreendidos ou indisponibilizados727. O procedimento de alienação antecipada de
bens sujeitos a qualquer grau de deterioração ou depreciação, ou quando houver
dificuldade para sua manutenção, seria mais detalhadamente especificado em projeto de lei
a ser proposto pelo Executivo;

(iii) exigência da presença do acusado no processo, ou da interposta pessoa, para


liberação dos bens;

(iv) criação de cadastro nacional de bens indisponibilizados, com o objetivo de


quantificar, avaliar e facilitar a alienação de bens sob constrição.

Não obstante louvável a iniciativa no sentido de aprimorar o trato da matéria –


que, como visto ao longo deste estudo, merece, de fato, modificações pontuais –, algumas
alterações sugeridas não parecem as mais adequadas, e isto em relação a dois pontos
norteadores das reformas propostas:

Nada ganha o sistema jurídico com a substituição das medidas cautelares


patrimoniais, hoje existentes, por outra – indisponibilidade –, mais genérica. O
ordenamento jurídico brasileiro sempre conferiu disciplina própria a cada uma das
medidas728 e não há por que agrupá-las, todas, sob uma única denominação, mais pobre.
Ademais, como se disse, a indisponibilidade é efeito das medidas hoje já previstas. Dentro

726
Expõe o relatório, disponível em http://www.mj.gov.br/drci: “O atual art. 4º da Lei nº 9.613/98 adota,
quanto ao acautelamento de bens, direitos ou valores do acusado, objeto dos crimes de lavagem de dinheiro,
os institutos e procedimentos previstos nos arts. 125 a 144 do CPP. Os institutos ali previstos, que se
destinam a preservar principalmente bens imóveis, estão francamente obsoletos e alimentam embates
doutrinários e jurisprudenciais estéreis. Propõe-se, assim, a adoção de expressão de conteúdo genérico, que
alcança não só os bens de expressão corporal (móveis e imóveis), bem como valores e direitos que têm
reflexo imaterial, mas que correspondem a alguma forma de vantagem econômica auferida pelo agente.
Trata-se da indisponibilidade, que significa simplesmente a impossibilidade de disposição sobre aquela
vantagem de natureza econômica, preservando o direito da vítima, do Estado, e também impedindo que algo
frutifique do ilícito. Em razão da mudança estabelecida no caput do art. 4º, alteram-se os arts. 5º, § único, 6º,
8º, caput e seu § 2º, substituindo-se ‘seqüestrados’ por ‘indisponibilizados;’ em atenção à mudança
estabelecida no caput do artigo 4º”.
727
Prossegue o relatório: “Com a proposta de revogação do atual § 1º do art. 4º, retira-se o atrelamento da
indisponibilidade ao exercício da ação penal em prazo certo (cento e vinte dias), o que se deve à natural
complexidade das questões envolvidas. No lugar da regra que exige o exercício da ação penal em 120 dias
para a manutenção da cautela sobre os bens, propõe-se a adoção da alienação antecipada para preservação do
valor dos bens apreendidos ou indisponibilizados” (relatório disponível em http://www.mj.gov.br/drci).
728
Ainda que, até a recente alteração do Código de Processo Penal pela Lei n.° 11.435/2006, chamasse a
figura de arresto, assim identificada pela doutrina, como seqüestro.
211

do possível, deve-se ser específico no trato das cautelares patrimoniais, levando-se em


conta as particularidades necessárias em termos de pressupostos, requisitos e momento
para a decretação, sempre lembrando que devem ser tomadas levando em consideração a
proibição de prévia consideração da culpabilidade.

Exatamente por isso, merece igualmente críticas a idéia de se permitir a alienação


antecipada dos bens ou criação de ação civil de perdimento de bens de origem ilícita, cujo
objetivo é fazer o bloqueio e uso de bens em poder de organizações criminosas sem a
necessidade de aguardar o trânsito em julgado de eventual condenação. É somente depois
do trânsito em julgado de eventual decisão condenatória que o juiz terá apurado,
efetivamente, a proveniência ilícita dos bens, no caso do seqüestro, e a responsabilidade
penal do sujeito, cujos bens foram arrestados ou sofreram especialização da hipoteca legal,
ou, como agora se pretende prever, dos bens indisponibilizados. Mesmo no caso onde haja
perigo de perda, ou desvalorização do bem, ou sua conservação seja gravosa e difícil, não
se deve permitir desde logo a venda729, sob pena de transformação das medidas
constritivas, que são cautelares – e, portanto, devem ser necessariamente reversíveis –, em
pena de confisco ou em perdimento de bens, efeito automático da decisão condenatória
transitada em julgado, o que é inadmissível em razão da proibição de prévia consideração
da culpabilidade.

14.2. PROPOSTAS DE LEGE FERENDA

As propostas aqui formuladas buscam, em primeiro lugar, sistematizar, de


maneira clara, as espécies de medidas cautelares patrimoniais. Depois, estabelecer
pressupostos e requisitos específicos para incidência de cada uma delas, de forma que,
durante toda a persecução penal, seja possível a decretação de alguma medida cautelar
patrimonial, apropriada à situação concreta, obedecida a justa causa para a sua adoção.

As medidas devem ser de decretação possível durante toda a persecução penal –


desde que presentes os pressupostos e requisitos. Devem ter, assim, cada qual, âmbito
próprio de incidência, bem como momento adequado à sua decretação, de acordo com o

729
Roland Arazi, Medidas..., op. cit., p. 33.
212

grau de restrição que imponham, o que também leva à obediência, para cada uma delas, de
requisitos e pressupostos próprios.

A primeira questão reside em estabelecer onde, mais adequadamente, as medidas


cautelares patrimoniais devem ser inseridas na lei. Um dos modelos possíveis consiste em
aglutinar as medidas cautelares – pessoais e patrimoniais – em um só Título, como fazia o
Anteprojeto de Hélio Tornaghi e como hoje faz o Código de Processo Penal italiano. Este
modelo facilita o exame da matéria, ensejando a adoção de normas gerais sobre o assunto.
O outro consiste em separar as cautelares pessoais das patrimoniais, incluindo estas no
livro pertinente à reparação do dano causado pelo delito, como fazia o Anteprojeto de
Código de Processo Penal de Frederico Marques, em que as medidas de natureza pessoal
foram colocadas no livro relativo ao processo de conhecimento e as patrimoniais no livro
destinado à reparação dos danos causados pelo crime730.

Dos modelos, parece melhor inserir a matéria próxima à disciplina das outras
medidas cautelares. Antes de ser adjetivada como patrimonial, a medida restritiva de
direitos, tomada no curso do processo, e, portanto, anteriormente ao trânsito em julgado da
decisão condenatória, precisa ser cautelar, sujeita a pressupostos e requisitos próprios.

Outro ponto a ser enfrentado consiste na escolha entre manter as espécies de


medidas cautelares patrimoniais hoje existentes ou reduzi-las a uma única medida. Neste
sentido, Moniz de Aragão indagava se não seria mais simples e útil reduzir tudo a
seqüestro, permitindo-lhe a decretação liminar em caso de urgência, porque, afirmava, “a
jurisprudência contém casos tão poucos da aplicação dessas medidas cautelares que se
chega a pensar que a ausência resulta de lhes faltar flexibilidade, posto que a
criminalidade está bem longe de haver diminuído”731.

Com a redução, ou aglutinação, em uma só medida, o sistema perderia, porque as


medidas se voltam para objetos e momentos distintos. O vocabulário do nosso sistema
jurídico, como já dizia Tornaghi, “ministra nomes diferentes para coisas diversas”732, e
não há, portanto, razão para aderir à maneira simples e genérica de designar com um único
nome situações que requerem medidas diversas. Ademais, como já visto nos itens 14.1.1 e

730
Romeu Pires de Campos Barros, Processo..., op. cit., p. 440.
731
E. D. Moniz de Aragão, Da reparação..., op. cit., p. 17.
732
Hélio Tornaghi, Instituições..., op. cit., v. 3, p. 15.
213

14.1.2. do trabalho, chamá-las todas de “indisponibilidade” equivale a redução


metonímica, empregando-se o efeito para nominar a causa.

Melhor, assim, manter as três medidas hoje existentes, aprimorando a disciplina e


a redação legal, de forma a permitir o uso das cautelares patrimoniais. Destinam-se a
hipóteses diversas e, se bem esclarecidas as condições de incidência de cada uma, não há
razão para reduzi-las sob uma única rubrica. A previsão de hipóteses de incidência mais
amplas e de outras mais limitadas interessa ao tema, visto que as medidas cautelares
patrimoniais importam restrição a direitos constitucionalmente assegurados: se
escalonadas, pode-se permitir a melhor adequação na decretação.

Propomos, destarte, que a matéria seja incluída em techo destinado às medidas


cautelares, e que se operem as seguintes mudanças, muito na linha, aliás, do que hoje já
prevê o Código de Processo Penal Militar.

Deve-se, na redação legal, deixar claro que o seqüestro recai sobre os proventos
da infração – bens móveis e imóveis –, ainda que transferidos ou mantidos em nome de
terceiros, ou fundidos ao patrimônio legalmente constituído. O seqüestro pode ser
decretado no curso de toda a persecução penal, desde que haja justa causa: prova da
materialidade, indícios de autoria e indícios da proveniência ilícita dos bens.

Devem ser mantidos como legitimados ativos para requerer o seqüestro os


mesmos hoje previstos: o ofendido – acrescentando aí seus herdeiros e seu representante
legal –, a autoridade policial e o Ministério Público, bem como mantida a possibilidade de
decretação de ofício da medida.

Realizado o seqüestro, se imóvel o bem a ele sujeitado, será feito o registro no


cartório de imóveis, e, se móvel, será nomeado depositário.

Devem igualmente ser conservadas as três hipóteses de embargos ao seqüestro,


permitindo-se, no entanto, o julgamento de todas as espécies de embargos ainda no curso
da persecução penal, sem que o acusado e o terceiro de boa-fé tenham que aguardar o
trânsito em julgado da decisão condenatória, ou lançar mão do mandado de segurança, para
que sua defesa seja analisada. É esta a disciplina conferida pelo Código de Processo Penal
Militar, no artigo 203, § 1º.

Quanto ao levantamento do seqüestro, aquele previsto em razão do simples


decurso do prazo (assinalado no Código de Processo Penal em 60 dias, e na Lei n.°
9.613/98 em 120 dias), parece não fazer sentido, porque, levantado, o seqüestro pode ser
214

renovado, como medida cautelar que é, ainda mais porque voltada a tomar os bens que
figuram como proveito da infração, assegurando não apenas a reparação dos danos, mas
igualmente o perdimento de bens, ambos efeitos da decisão penal condenatória. Como
medida cautelar, é certo, o seqüestro deve se sujeitar à revogação; mas esta não de deve
operar em razão apenas do decurso do prazo pois o tempo é parâmetro estranho aos
fundamentos de cabência da medida, isto é, à sua justa causa. Assim pugnava Foschini733.
O que se deveria exigir, em verdade, do juiz, é a verificação permanente dos pressupostos
da medida, da justa causa que a mantém, que, com efeito, podem não subsistir, ante a
demora da parte acusadora em oferecer denúncia ou queixa.

Ademais, deveriam ser acrescidas às hipóteses de levantamento outras duas:


levantamento em razão de os embargos opostos haverem sido aceitos – como prevê o
Código de Processo Penal Militar (artigo 204, a) – e também em razão da decisão de
arquivamento do inquérito policial, decretado o seqüestro antes da ação penal.

Em razão de o seqüestro recair sobre bens de origem ilícita, o que leva ao


perdimento, ainda que residual, destes bens, deve-se deixar claro que o juízo penal é o
competente para venda e leilão dos bens, depois do trânsito em julgado da decisão
condenatória.

Quanto à especialização da hipoteca legal, deve-se, primeiro, corrigir a redação


legal, referindo-se textualmente ao procedimento da “especialização da hipoteca legal”
como medida cautelar patrimonial, porque a hipoteca, no caso, nasce mesmo da lei,
conforme prevê o Código Civil.

A especialização da hipoteca legal sobre bens imóveis do acusado continuaria


tendo lugar quando houvesse prova da existência material do fato típico e indícios de
autoria, e somente no curso da ação penal. Seria importante prever que, ainda que os
imóveis do acusado estivessem registrados em nome de terceiros, a fim de ocultar a
verdadeira propriedade, poderiam, desde que houvesse prova de tal circunstância, ser
objeto de especialização da hipoteca legal.

Da mesma forma, o arresto deve ser mantido, mas com alterações na sua
disciplina, porque, na sistemática atual, resta o problema da primeira fase da persecução
penal, desguarnecido de medidas cautelares patrimoniais efetivas: o arresto prévio,
contemplado no artigo 136, possui curto prazo de duração – 15 (quinze) dias –, o que o

733
Gaetano Foschini, Sistemas..., op. cit., v. 1, p. 506.
215

torna inoperante e ineficaz, como medida destinada a acautelar a especialização da


hipoteca legal. Ademais, o disposto no artigo 137, que manda decretar o arresto de bens
móveis “nos termos em que é facultada a hipoteca legal dos móveis”, não permite que se
interprete o dispositivo de forma expansiva, a fim de possibilitar a decretação desta medida
já no curso do inquérito policial. Admite-se o arresto de bem imóvel, no inquérito policial,
mas o de bens móveis não é permitido, nesta fase, na atual sistemática.

Deve-se prever o arresto como medida cautelar patrimonial que pode ser
decretada durante todo o curso da ação penal, desde o inquérito policial, sobre bens móveis
e imóveis do acusado, ainda que registrados em nome de terceiro. Em caso de imóveis,
quando houver o recebimento da denúncia ou queixa, o arresto se converteria em
especialização da hipoteca legal. Se se descobre a origem ilícita do bem, o arresto se
transmuda em seqüestro (que tem finalidades diversas, como já visto: o saldo da sua venda
e leilão se destina ao perdimento, sendo que esta etapa se processa no próprio juízo penal).

A justa causa para a decretação do arresto residiria na prova da existência


material do fato típico e indícios de autoria e, ainda, em indícios de depauperamento –
insuficiência ou inadequação do patrimônio do acusado para fazer frente à reparação do
dano, despesas do processo (em caso de ação penal de iniciativa privada) e pena de multa –
ou dispersão dos bens, móveis ou imóveis, existentes em seu nome ou fraudulentamente
registrados ou transferidos a terceiros.

Como hoje já se prevê em relação à especialização da hipoteca legal, para a


decretação do arresto deve haver estimativa do dano e avaliação dos bens, de modo a que a
medida seja proporcional ao fim a que destina assegurar.

Em obediência à garantia da proporcionalidade, deve ser mantida a possibilidade


de prestação de caução, em dinheiro ou títulos da dívida pública, que permita garantir as
mesmas finalidades do arresto.

Aliás, deve-se suprimir do texto legal a idéia de que o arresto de bens móveis é
medida subsidiária, que somente pode ser decretada quando não houver imóveis, ou forem
insuficientes. Em verdade, o Código de Processo Civil prevê ordem preferencial para a
penhora, que poderia, igualmente, ser transportada para o arresto, no processo penal. Prevê
o artigo 655 do Código de Processo Civil que a penhora observará, preferencialmente, a
seguinte ordem: dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição
financeira; veículos de via terrestre; bens móveis em geral; navios e aeronaves; ações e
216

quotas de sociedades empresárias; percentual do faturamento de empresa devedora; pedras


e metais preciosos; títulos da dívida pública da União, Estados e Distrito Federal com
cotação em mercado; títulos e valores mobiliários com cotação em mercados; e, ainda,
outros direitos.

Hoje, já se prevê que o arresto e a especialização da hipoteca legal devem ser


levantados quando o acusado for absolvido ou houver extinção da punibilidade, com
decisão transitada em julgado. Caberia acrescentar, dada a largueza do arresto que ora se
propõe, que também no caso de arquivamento de inquérito policial este seria levantado.

Por fim, uma nota acerca da legitimidade, para o arresto e a especialização da


hipoteca legal, porque do seqüestro já foi tratado acima.

Deve ser previsto de forma expressa que o ofendido, seu representante legal, bem
como seus herdeiros, têm legitimidade para requerer o arresto e a especialização da
hipoteca legal, fundado seu interesse na reparação do dano causado pelo delito e no
pagamento das despesas do processo, em caso de ação penal de iniciativa privada.

O Ministério Público teria legitimidade para requerer o arresto e a especialização


da hipoteca legal, mas seu interesse residiria apenas no assegurar o pagamento da multa,
visto que não são cobradas despesas processuais na ação penal de iniciativa pública,
condicionada ou incondicionada.

Quanto ao juiz, poderia decretar de ofício, além do seqüestro, como hoje já


expressamente previsto, também o arresto e a especialização da hipoteca legal, tendo em
conta que lhe cumpre garantir a eficácia dos efeitos de eventual decisão penal
condenatória. A medida poderia ser por ele decretada tendo em vista a garantia da
reparação do dano à vítima, o asseguramento do pagamento das despesas e/ou o pagamento
de multa.

Ademais, a redação da lei deve ser aprimorada, excluídas, assim, como já visto ao
longo do trabalho, a referência a indícios “veementes”, “coisas fungíveis” e a referência ao
acusado como “responsável”.

Este o contexto dentro do qual é razoável propor, como tarefa urgente e


necessária, seja a disciplina das medidas cautelares patrimoniais repensada, efetiva e
cuidadosamente remodelada, com preocupação sistemática. Não se trata, como se vê, de
atenuar o rigor necessário nesta matéria, mas prendê-lo a critérios objetivos, o que se é
sempre esperado quando se trata de medidas restritivas de direitos fundamentais, tomadas
217

no curso da persecução penal, onde vigora a proibição de prévia consideração de


culpabilidade.
218

CONCLUSÃO

As medidas assecuratórias, previstas no Capítulo VI, do Título VI, do Código de


Processo Penal, devem ser tomadas como medidas cautelares destinadas à reparação do
dano causado pelo delito.

Verificada que a disciplina legal conferida ao tema é defeituosa, razão talvez de


serem pouco utilizadas na prática, constata-se que é preciso que se varram do texto
imprecisões terminológicas e se preencham vazios – não há, na disciplina hoje vigente,
medida cautelar patrimonial que vise, ainda na fase do inquérito policial, à constrição de
bens móveis do acusado, que não sejam produto ou proveito da infração.

Os projetos de lei em tramitação, ao invés de jogar luz sobre a matéria, tornam-na


mais confusa, ao preverem, sem qualquer preocupação sistemática, a indisponibilidade de
bens. Além disso, dispõem de procedimentos de duvidosa constitucionalidade – como a
venda antecipada de bens constritos judicialmente, prevista no Projeto de Lei n.°
7.347/2006.

Feitas tais observações, constata-se que seria necessária a reformulação desta


matéria na legislação pátria, para prever medidas cautelares patrimoniais capazes de serem
decretadas ao longo de toda a persecução penal, desde que preenchidos pressupostos e
requisitos próprios, expressamente previstos em lei, de forma que a adoção destas medidas
não incorresse em violação à proibição de prévia consideração da culpabilidade.

Na sistemática proposta, o seqüestro continuaria recaindo sobre os proveitos da


infração, desde que houvesse prova da existência do crime, indícios de autoria e indícios da
proveniência do bem, móvel ou imóvel, ainda que já transferido a terceiro.

A especialização da hipoteca legal igualmente permaneceria como medida a ser


decretada sobre bens imóveis do acusado, somente depois do recebimento da denúncia ou
queixa, com prova da materialidade e indícios de autoria.

O arresto, porém, seria reformulado. Configuraria, assim, a medida destinada à


constrição de bens, móveis e imóveis, durante toda a persecução penal. Poderia ser
decretado desde que houve prova da existência do crime, indícios de autoria e indícios de
depauperamento ou dispersão de bens do acusado. Caso, no curso da persecução penal,
surgissem indícios da proveniência ilícita do bem, o arresto se converteria em seqüestro. Se
219

voltado a bens imóveis, depois do recebimento da denúncia ou queixa, dar-se-ia início ao


procedimento de especialização da hipoteca legal. E, caso se voltasse a bens móveis,
permaneceria como arresto mesmo até o julgamento definitivo da causa penal, ou sua
revogação.

Com isto, observadas as garantias ínsitas do devido processo legal, se permitiria


trato homogêneo da matéria, prevendo-se medidas destinadas a assegurar, no curso de todo
o procedimento penal, medidas destinadas a assegurar a eficácia dos efeitos de eventual
decisão condenatória, sem automatismo nem imprecisões.
220

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ABSTRACT

This paper addresses the preservative measures (medidas assecuratórias) of the


Brazilian Code of Criminal Procedure, precautionary remedies directed at securing
indemnification of damages caused by crime.

The legal discipline of the subject is flawed, perhaps because little use has been
made of criminal preservative measures in Brazilian courts. Thus the importance of wiping
out imprecision and shedding light on where and when to use them.

The work includes a study of precautionary procedural treatment of damage


compensation, premises and conditions of the preservative measures, features and relations
between the several typical measures, as well as their relations with constitutional rights
(proportionality, defense, motivated decision).

Object, timing, initiative, subject and proceeding are analyzed comparatively, and
the discipline of each preservative measure is then consolidated.

The paper addresses also the legal treatment in other countries and multinational
cooperative efforts. Lastly, it analyzes proposed amendments to Brazilian legislation, and
ends with a proposal of our own for systematization of the matter.
234

RESUMÉ

Ce travail vise à l’analyse des mesures prévues au Chapitre VI, du Titre VI du


Code de Procédure Pénale du Brésil, comme des mesures provisoires destinées à la
réparation du dommage causé par le délit.

Le règlement légal du thème est imparfait, raison, peut-être, par laquelle ces
mesures sont peu utilisées dans la pratique juridique. De là, l’importance d’une analyse qui
élimine les imprécisions terminologiques et permette d’éclairer les situations qui rendent
possible la décrétation des mesures.

Dans ce travail, qui part du modèle brésilien de la réparation du dommage, on


vérifie les préssuposés et les conditions requises à la décrétation des mesures. On examine
les caractéristiques et les relations entre les mesures provisoires patrimoniales et les
garanties constitutionnelles, notamment la proportionnalité, la motivation et l’exercice du
droit de la défense.

On analyse l’objet, le moment, l’initiative, le sujet passif et le traitement des


mesures provisoires patrimoniales, et vérifie spécifiquement chacune des mesures.

On examine, encore, les tendences présentes dans le droit étranger et fait


référence aux compromis internationaux assumés par le Brésil dans ce domaine.
Finalement, on analyse les propositions déjà existantes et suggère des modifications de
lege ferenda qui cherchent à simplifier le traitement de cette matière afin de la rendre
systématique.

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