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O r l a n d o d e A l m e id a S e c c o

Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro,


titular da Í63 Câmara Cível.
Professor de Direito Civil da Fhculdade de Direito Cândido Mendes.
Ex-Professor de Introdução à Ciência do Direito
da Universidade Gama Filho - UGF.
Professor da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro - EMEBJ.
Membro da Uniáo dos Juristas Católicos do Rio de Janeiro
da Arquidiocese de S. Sebastião do Rio de Janeiro- UJUCARJ

In t r o d u ç ã o ao E stu d o
do D ireito 1/

11a edição

E d it o r a L u m e n J u ris
Rio de Janeiro
2009
Copyright © 2009 by Orlando De Almeida Secco

P r o d u ç ã o E d it o r ia l
Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.

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Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.

Impresso no Brasil
Prínted in Brazil
“Preito de gratidão e am or."

A meu pai,
CESÁRIO SECCO,
"in m em oriam ”.

À minha mâe,
VICTORINA DE JESUS SECCO,
“in memoriam

A minha esposa,
MARLY LUSTOSA SECCO,
eterna com panheira, inspiração e susten-
táculo de
m eus ideais.

A os nossos filhos,
LUÍS CARLOS LUSTOSA SECCO,
LILIANE LUSTOSA SECCO e
CRISTIANE LUSTOSA SECCO;
e à nossa neta,
CAROLINA SECCO LEITÃO DE
ALBUQUERQUE MELO.
Sumário

Prefácio.................................................................................. xiii

Capítulo I
INTRODUÇÃO AO DIREITO: DISCIPLINA
FUNDAMENTAL

1. A Introdução ao Direito e a sua relação com o currí­


culo do Ensino Jurídico................................................. 1
2. A apresentação, as denominações e o caráter prope­
dêutico da disciplina..................................................... 2

Capítulo n
SOCIEDADE E DIREITO

3. O homem como animal gregário................................ 11


4. O mundo natural e o munto cultural......................... 12
5. As relações sociais: cooperação e concorrência...... 12
6. Ordenamento social.................................................... 14
7. Normas técnicas e normas éticas.............................. 16
8. Instituições fundamentais.......................................... 20

Capítulo m
AS DIVERSAS CONCEPÇÕES DO DIREITO

9. Direito Natural............................................................... 31
10. Direito Positivo.............................................................. 35
11. Direito Objetivo e Direito Subjetivo........................... 36


Capítulo IV
ORDENAMENTO JURÍDICO

12. Conceito........................................................................... 41
13. Princípios......................................................................... 43
14. Elementos........................................................................ 44
15. O Ordenamento Jurídico Brasileiro.............................. 45
16. Dever jurídico.................................................................. 48
17. Conflitos de interesses e suas com posições......... . 52

Capítulo V
A NORMA JURÍDICA

18. Conceito........................................................................... 57
19. Estrutura....................................................................... 58
20. Natureza........................................................... ............... 66
21. Características................................................................ 66
22. Funções............................................................................ 68
23. Classificação.................................................................... 71
24. Destinátirio..................................................................... 85
25. Validade........................................................................... 88

Capítulo VI
RELAÇÃO JURÍDICA

26. Conceito........................................................................... 91
27. Elementos.............................................. ......................... 93
28. Fonte................................................ ................................ 100
29. Espécies....................................... ................................... 101
30. Efeitos.............................................................................. 103

Capítulo VH
FATO JURÍDICO EM SENTIDO AMPLO

31. Noção.......... ..................................................................... 105


32. Classificação.................................................................... 105
33. Conceituações................................................................. 107

viii
34. Caracteres........................................................................ 111
35. Eficácia.......................................................... .................. 113

Capítulo VIU
ATO JURÍDICO EM SENTIDO AMPLO

36. N oção............... ................................................................ 115


37. Espécies............................................. ...................... ....... 115
38. Condições de validade.................................................. 117
39. Princípio da autonomia da vontade. Teoria da vonta­
de e da declaração......................................................... 123
40. Prqya, publicidade e modalidades............................... 130
41. Defeitos. Nulos, anuláveis e inexistentes.................. 147

Capítulo IX
ATO ILÍCITO

42. Noção................................................................................ 159


43. Elementos........................................................................ 161
44. Ilícito civil e Ilícito penal........................................... . 164
45. Responsabilidade civil e responsabilidade criminal. 166

Capítulo X
COERÇÃO E SANÇÃO

46. N oções........ ..................................................................... 175


47. Conceitos.......................................................................... 176
48. Classificação.................................................................... 179
49. Ação judicial................................................................... 182

Capítulo XI
CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR

50. N oção............................................................................... 189


51. Sinoníraia e diferenciação............................................. 190
52. Efeitos jurídicos............................................................... 192

ix
Capítuto XH
AS CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE E
O ABUSO DO DIREITO

53. Legítima d efesa .............................................................. 195


54. Estado de necessidade................................................. 201
55. Estrito cumprimento de dever legal............................ 206
56. Exercício regular de direito........................................... 207
57. Abuso do direito............................................................. 209

Capítulo XM
A AQUISIÇÃO DOS DIREITOS E O SEU EXERCÍCIO

58. Aquisição......................................................................... 213


59. M odificação..................................................................... 218
60. Exercício........................................................................... 220
61. Defesa e conservação.................................................... 222

Capítulo XIV
A EXTINÇÃO DOS DIREITOS

62. Perecimento do objeto................................................. 225


63. Alienação......................................................................... 226
64. Renúncia.......................................................................... 226
65. Decadência..................................................................... 228
66. Prescrição......................................................................... 235

Capítulo XV
FORMAÇÃO DA LEI

67. Elaboração da Constituição.......................................... 243


68. As fases do processo legislativo................... ,............. 244
69. "Ifecatio legis"................................................................. 254
70. Formação da lei estadual e da lei municipal............. 255
71. Atos legislativos.............................................................. 256
72. Lei e Regulamento......................................................... 260
Capítulo XVI
HIERARQUIA E CONSTITUCIONALEDADE DAS LEIS

73. Noções de hierarquia..................................................... 263


74. Sistema hierárquico piramidal de Kelsen................... 264
75. Razões justificativas da hierarquia das leis e da Or­
dem Jurídica................................................................... 266
76. Constitucionalidade e inconstitucionalidade............ 267
77. Obrigatoriedade e aplicação das leis...................... 268

Capítulo XVII
INTERPRETAÇÃO DA LEI

78. N oções.................... ......................................................... 271


79. Espécies........................................................................... 272
80. M étodos.... ......................... ............................................. 275
81. Resultados....................................................................... 281
82. Hermenêutica Jurídica.................................................. 283

Capítulo XVIII
LACUNAS NO DIREITO E FONTES DO DIREITO

83. Considerações prévias.................................................. 287


84. Analogia........ .................................................................. 291
85. Costumes......................................................................... 294
86. Princípios gerais do Direito........................................... 299
87. Doutrina........................................................................... 302
88. Jurisprudência............................................................... 304
89. Eqüidade, Tratados Internacionais, Atos e Negócios
Jurídicos......................................... ................................. 309

Capítulo XJX
CONFLITO DE LEIS NO TEMPO

90. Vigência tempordria da l e i ........................................... 313


91. Revogação da lei............................................................ 314
92. Lei ripristinatária........................................................... 318
93. Os conflitos de leis no tempo e suas soluções.......... 319
94. Princípig da irretroatividade da lei.............................. 322
95. Retroatividade e ultratividade da lei........................... 327

Capítulo XX
CONFLITO DE LEIS NO ESPAÇO

96. Limites da lei no espaço........................................... . 331


97. O conflito de leis no espaço........................................ 333
98. Direito Internacional Privado (DIP)............................ 334
99. Princípios b á sico s........................................................ 335
100. O sistema adotado no Brasil....................................... 338

Capítulo XXI
A TOTALIDADE DOS SABERES JURÍDICOS

101. As quatro dimensões................................................... 341


102. Os ramos principais do Direito................................... 347

Bibliografia............................................................................. 355
Prefácio

A Ia edição desta obra, em 1981, teve com o justificati­


va do seu lançamento o fato de que naquela época nos
dedicávam os ao ensino da disciplina “Introdução ao Es­
tudo do Direito” na Faculdade de Ciências Jurídicas da
Universidade Gama Filho e percebíam os o freqüente dile­
ma dos nossos alunos, os quais gostariam de possuir em
mãos, para estudo e aprofundamento, tudo aquilo que lhes
era ministrado durante as aulas e que, por motivos óbvios,
não podia ser integralmente anotado nos momentos apro­
priados.
Uma aula expositiva, realmente, por mais pausada
que seja, impossibilita a sua literal transcrição. Aos alunos
era muito mais importante prestar atenção no que lhes era
transmitido do que registrar por escrito todas as palavras
proferidas em aula.
Passaram-se os anos e 10 (dez) novas edições foram
lançadas, na seguinte ordem cronológica: em 1988, a segun­
da edição; em 1995, a terceira; em 1998, a quarta; em 1999,
a quinta; em 2000, a sexta; em 2001, a sétima; em 2002, a
oitava e em 2004, a nona, sendo que esta mereceu novas
tiragens em 2005 e 2006, a décima, em 2007, sempre aten­
dendo aos pedidos feitos e assim que se esgotavam os
exemplares disponíveis nas livrarias especializadas.
O lançamento desta 11a edição segue essas mesmas
motivações, sendo que mais uma vez optamos por manter
inalterada a estrutura original da obra. Atualizamos,
porém, o seu conteúdo!
Fizemos isso em decorrência dos novos diplomas
legais surgidos a partir da Constituição da República Fede­
rativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988, den­

xiii
tre eles ressaltando-se o novo Código Civil (Lei n2 10.406, de
10 de janeiro de 2002), cuja vigência se iniciou na data de
11 de janeiro de 2003, com o também em razão da jurispru­
dência consolidada em várias decisões de nossos egrégios
Tribunais Superiores e Estaduais, com a sua inegável
influência no tocante à própria disciplina fundamental a
que nos dedicaremos nesta reedição.
À s professoras e professores de “ Introdução ao
Direito” , que vêm com habitualidade recom endando este
livro aos seus alunos, sentimo-nos especialm ente reconhe­
cidos e com muita honra dedicam os esta 10a edição.

O AUTOR

xiv
Capítulo I
Introdução ao Direito:
Disciplina Fundamental

1. A "Introdução ao Direito" e a sua relação com o currículo do ensino


jurídico -2 . A apresentação, as denominações e o caráter propedêuti­
co da disciplina.

1. A “Introdução à Ciência do Direito" ou “Introdução


ao Estudo do Direito” , atualmente denominada “Introdu­
ção ao Direito", é uma disciplina fundamental e, com o o
próprio nome está a indicar, introdutória. Por isso mesmo,
tal matéria constitui o primeiro contato dos estudantes de
Direito com os ensinamentos jurídicos transmitidos nas
diversas Faculdades de Direito do país.
No Brasil, nós devem os a instituição obrigatória dessa
Disciplina no limiar do curso de graduação, bacharelado
em Direito, ao Decreto n2 19.852, de 11 de abril de 1931.
Esse Decreto, assinado por Getúlio Vargas e Francisco
Campos, respectivam ente, Presidente da República e
Ministro da Justiça e N egócios Interiores, dispõe sobre a
organização da Universidade do Rio de Janeiro, e diz, em
seu artigo 27, “ipsis litteris” ('pelas mesmas letras’):

“O curso de bacharelado em direito com preenderá o


ensino das segu in tes m atérias: INTRODUCÇÃO Á
SCIENCIA DO DIREITO;...".

Adiante, no artigo 29, o m esm o Decreto complementa:

“Salvo tam bém o disposto no artigo seguinte, no


curso de bacharelado o ensino far-se-á na seguinte

1
Orlando de Almeida Secco

ordem : U anno - INTRODUCÇÃO Á SCIENCIA DO


DIREITO (aulas diarias)...".

Praticamente em torno desse m esmo ano de 1931 ini-


ciam -se no País as edições das primeiras obras didáticas
concernentes à Disciplina.
No currículo do curso de graduação em Direito (bacha­
relado), a título apenas de exemplificação, e por semelhan­
ça, a Introdução ao Direito é a cadeira professoral universi­
tária que prepara o solo e que promove a colocação das fun­
dações da grande edificação de saber jurídico que se lhe
seguirá. Em outras palavras, toda a estrutura, isto é, todas
as colunas e as vigas do saber jurídico que será ministrado
na Faculdade de Direito ao futuro bacharel, estará apoiada
na disciplina Introdução ao Direito, que é por assim dizer-
se um instrumento centralizador dos conhecim entos jurídi­
cos básicos, sem os quais difícil será a com preensão das
particularidades e da interligação existente entre as maté­
rias profissionalizantes que com põem o curso jurídico, das
quais são exem plos o Direito Constitucional, o Direito
Administrativo, o Direito Tributário, o Direito Civil, o Direito
Penal, o Direito Comercial, e assim por diante.

2 . A “Introdução ao Direito" é conhecida, ainda, por ou­


tras denominações, destacando-se dentre elas as seguintes:

- “ Introdução ao Estudo do Direito” ;


- “ Introdução à Ciência do Direito";
- "Tteoria Geral do Direito";
- "Enciclopédia Jurídica";
- “Filosofia do Direito” ;
- “ Sociologia Jurídica".

Das diversas denominações apontadas, predominou


durante décadas a tradicional “Introdução à Ciência do

2
Introdução ao Estudo do Direito

Direito” , cujo nome serviu, inclusive, de título para inúme­


ras obras didáticas correlacionadas.
Tbdavia, a Resolução n2 03, de 25 de fevereiro de 1972,
do Conselho Federal de Educação, publicada no "Diário
Oficial da União” (Seção 1, Parte 1), de 26 de julho de 1972,
consagrou a nova denom inação da Disciplina, que passou
desde então a ser: “INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREI­
TO ” .
Diz a m encionada Resolução, em seu artigo l fl:

"O currículo mínimo do curso de graduação em Direito


com preenderá as segu in tes m atérias:

A - .Básicas:

1. Introdução ao Estudo do D ireito;...".


Mais recentemente, o Ministro da Educação e do Des­
porto, no uso das atribuições do Conselho Nacional de Edu­
cação, na forma do artigo 4a da Medida Provisória na 765, de
16 de dezembro de 1994, através da Portaria n2 1.886/94,
publicada na página 238 do Diário Oficial da República
Federativa do Brasil, Seção I, do dia 4 de janeiro de 1995,
atendendo às recomendações decorrentes dos Seminários
Regionais e Nacional dos Cursos Jurídicos e da Comissão de
Especialistas de Ensino de Direito da SESu-MEC, fixou as
diretrizes curriculares e o conteúdo mínimo do curso jurídico.
No artigo 6fi da referida Portaria, lê-se:

“O conteúdo mínimo do curso jurídico, além do está­


gio, compreenderá as seguintes matérias, que podem estar
contidas em uma ou mais disciplinas do currículo pleno de
cada curso:

I - Fundamentais: Introdução ao Direito. Filosofia


(geral e jurídica), Ética (geral e profissional), Socio-

3
* >
Orlando de Almeida Secco

logia (geral e jurídica), Economia e Ciência Política


(com teoria do Estado). (Grifamos).
II - Profissionalizantes: Direito Constitucional,
, }1
Direito Civil, Direito Administrativo, Direito Tributário,
Direito Penal, Direito Processual Civil, Direito Proces­
sual Penal, Direito do Trabalho, Direito Comercial e
Direito Internacional” .

Tem-se, portanto, alterada a denominação da Disci­


plina, que passou a ser desde então “Introdução ao Direito” . *'
Sendo a Introdução ao Direito uma Disciplina introdu­
tória aos cursos jurídicos do País, sendo ela uma introdução
ao estudo da ciência jurídica, será ela uma ciência?
Tal indagação, aparentemente sem muita importância,
é fundamental!
A resposta a ser obtida dar-nos-á uma visão geral e 1
perfeita do cam po da Disciplina, ou seja, dirá a verdadeira
extensão dos seus ensinamentos, fixando então os seus
limites.
É por isso que necessitam os saber se a Introdução ao
Direito é parte de uma ciência, se ela por si só constitui
uma ciência autônoma ou então se ela é mais do que uma
ciência. Conforme seja a resposta obtida, teremos uma gra­
dação dos seus limites de ação.
Entretanto, primeiramente há que se definir o que seja
ciência.
Afinal, o que vem a ser ciência?
Em síntese, ciência é um conjunto de conhecimentos
harmonicamente coordenados e relacionados com determi­
nado objeto, o qual constitui, por assim dizer, o ‘centro’
para o qual se dirigem as observações e as experimenta­
ções. Por isso, quando se fala em ciência tem -se sempre em
vista um ‘núcleo central’ que é o seu objeto. Sobre tal
núcleo faremos maiores considerações adiante.

4
Introdução ao Estudo do Direito

Mas a Introdução ao Direito não é uma ciência!


Também não é filosofia, nem sociologia, nem história!
Não vai nenhum desprestígio à Disciplina dizermos
que ela não é ciência, nem filosofia, nem sociologia, nem
história, porque ela é, no mínimo, a adição de tudo isso a
mais alguma coisa.
A Introdução ao Direito, segundo o saudoso tratadista
ANTÔNIO LUÍS MACHADO NETO, em sua obra “Compên­
dio de Introdução à Ciência do Direito” :

“É, tal com o ocorre com a sua irmã gêm ea, 1horia
Geral do .Estado, uma ENCICLOPÉDIA de conhecim en­
tos científicos, filosóficos, gerais e introdutórios ao estu ­
do da ciência jurídica".

Assim, a Introdução ao Direito não é uma ciência; ela


é uma enciclopédia! Mas, o que é então a enciclopédia?
Enciclopédia é um conjunto de conhecimentos relati­
vos a todas as ciências. É uma obra que abrange e englo­
ba, o quanto possível, todos os ramos da ciência ou mesmo
da arte.
Assim, enciclopédia é adição, isto é, um somatório de
conhecim entos relativos a todas as ciências.
O eminente mestre PAULO CONDORCET BARBOSA
FERREIRA declarou:

“A Introdução ao Estudo do Direito é m ais do que sim ­


p les enciclopédia, não se constituindo em m era adição,
m as, efetivam en te, em uma superadição. É uma
Disciplina propedêutica, eclética e enciclopédica".

Portanto, segundo o grande catedrático, a Introdução


ao Direito, além de ser enciclopédica, ou seja, englobado-
ra d os conhecim entos relativos às diversas ciências, é
também:

5
Orlando de Almeida Secco

a) propedêutica, quer dizer preliminar, introdutória.


Isto é, que prepara para receber conhecimentos
mais com pletos futuros;
b) eclética, ou seja, absorvedora do que parece mais
consentâneo com a verdade, colhido da doutrina
e do confronto feito entre ela e as doutrinas con­
correntes, em geral divergentes.

Diante do exposto, podem os afirmar que a Introdução


ao Direito é de conteúdo sociológico, histórico, filosófico e )
jurídico.
Entretanto, apesar de conter conhecim entos altamen­
te científicos, ainda assim, ela, a Introdução ao Direito, não
é uma ciência! Não é uma ciência por faltar-lhe a 'unicida-
de epistem ológica’ , ou seja, a unicidade objetiva, ou melhor
esclarecendo, por faltar-lhe a 'unidade de objeto’. Não é
ciência pelo fato de não conter o 'núcleo central’ a que nos
referimos anteriormente.
Epistemologia significa “teoria, ou estudo, da ciên-
cia". Origina-se de "epistem e” , que quer dizer ciência, e
“logia", que quer dizer teoria, estudo.
Quando afirmamos que falta à Introdução ao Direito a
unicidade epistem ológica, queremos dizer que lhe falta a
peculiaridade que diferencia, por exemplo, a matemática
da física e, ambas, da biologia.
A m atem ática é uma ‘ciência exata’ . A física e a b io­
logia são ‘ciências naturais'. Na matemática, a unidade
de objeto é “ a m edida e a determ inação das proprieda­
d es das gran dezas” . Daí dizer-se que é um a ciência de
objeto ideal. Na física, são “ as leis que regem os fenôm e­
nos naturais susceptíveis de serem exam inados pela
ob se rv a çã o ” . Na biologia, é “o estudo dos seres vivos e
das suas rela ções” .
Há, pois, essencialmente, três cam pos científicos dife­
rentes, a saber:

6
Introdução ao Estudo do Direito

a) ciências exatas;
b) ciências naturais;
c) ciências sociais.

Entendemos que o Direito, com o ciência que é (ciência


jurídica), se enquadre com o ramo de uma típica ‘ciência
social’ .
Ora, sabem os que o 'núcleo central’ das denominadas
ciências sociais é a ‘práxis social’ . Esta, por sua vez, enten­
dida com o sendo o conjunto das atividades humanas ten­
dentes a criar condições indispensáveis e essenciais à pró­
pria existência da sociedade.
A s ciências sociais têm com o tarefa primordial elabo­
rar normas de conduta e sistemas de objetivos, pautados
em fundamentados métodos, tudo isso colocado dentro de
um contexto de desenvolvimento, que vem a constituir a
sua gên ese histórica.
O Direito, portanto, há que ser tido com o uma ciência
social, essencialmente normativa, posto que visa elaborar
normas de conduta a serem respeitadas por cada indivíduo
e voltadas para o interesse e bem -estar da coletividade. Ele
tem por núcleo central o estudo da necessidade, ao qual se
segue a elaboração, a aplicação e a verificação dos resulta­
dos das normas de conduta coercitivamente im postas pelo
Estado aos membros d e uma sociedade, o que em última
análise vem a ser propriamente ‘práxis social’ .
Todavia, apesar de o Direito ser indubitavelmente uma
ciência, não se pode dizer o m esm o acerca da ‘Introdução
ao Direito'.
A Introdução ao Direito não é uma ciência! Ela é um
somatório de conhecimentos científicos, uma superadição.
Exemplifiquemos: se o currículo dessa Disciplina falar
de Sociologia Jurídica, de Filosofia do Direito e de História
do Direito, mas for omisso quanto aos conceitos e princí­
pios fundamentais do Direito (fato jurídico, relação jurídica,

7
Orlando de Almeida Secco

fontes do Direito, hermenêutica jurídica etc.) não se poderá


dizer que se trate de uma verdadeira “Introdução ao
Direito". Se, ao contrário, o currículo dessa Disciplina falar
dos conceitos e princípios fundamentais do Direito, mas
omitir a Sociologia Jurídica, a Filosofia do Direito ou a
História do Direito, será, sem dúvida, “Introdução ao Direi­
t o ” . Neste caso, um currículo manifestamente incompleto,
é verdade, mas inegavelmente um currículo de Introdução
ao Direito. Isto porque em nossa Disciplina o cerne está em
dizer-se: I) que coisa é a ciência do Direito à qual se intro­
duzirá o estudante? II) quais são os princípios fundamen­
tais e os conceitos básicos que o futuro jurista irá manipu­
lar com o um cientista ou um operador da expressiva e dinâ­
mica ciência do Direito? Aí está o mínimo indispensável!
Evidente que as respostas a essas duas perguntas
poderiam ser dadas tratando-se dos princípios fundamen­
tais do Direito e dos conceitos jurídicos. Mas a Introdução
ao Direito não fica somente aí! Ensinando-se apenas sobre
esses dois aspectos já se teria chegado a um bom resulta­
do. Se, porém, acrescentarmos-lhes a Sociologia Jurídica, a
Filosofia do Direito e a História do Direito, tanto melhor. A
conseqüência disso será altamente benéfica, pelo enrique­
cimento cultural daí decorrente.
Embora não seja ciência, por não ter unicidade episte­
mológica, tem a Introdução ao Direito caráter epistem ológi-
co? Dedica-se a Introdução ao Direito, com o enciclopédia
que é, com o superadição que é, ao estudo da teoria da ciên­
cia jurídica?
Obviamente que sim!
Basta atentar-se para os dois temas fundamentais de
que já falamos. Dizendo-se que Direito é ciência já se com e­
ça por emitir um conceito, que é epistemologia pura, na
verdadeira acepção da palavra. Aprofundando-se no estu­
do dos conceitos fundamentais da ciência do Direito, então
melhor se afigurará o ângulo epistem ológico da Disciplina.

8
Introdução ao Estudo do Direito

De fato, quando se trata da ciência jurídica, da ciência


do Direito, faz-se epistemologia (estudo da teoria da ciên­
cia). A Introdução ao Direito, com o dissem os, também
cuida desse aspecto, embora sem dar-lhe exclusividade.
A Introdução ao Direito, que não é ciência, tem, assim,
um caráter eminentemente epistem ológico, porque atua
propedeuticamente, ou seja, atua preparando o estudante
que inicia o seu curso superior para que p ossa receber futu­
ramente os conhecim entos mais pormenorizados e especí­
ficos dos diversos ramos do Direito. Abrange, assim, a
Teoria Geral do Direito.
Essa abrangência chega a ponto de até ser a mesma
D isciplina con h ecida por essa s duas denom inações
('Introdução ao Direito’ e ‘Teoria Geral do Direito’), as quais
são tidas com o sinônimos por alguns renomados autores.
Conforme assinalado, a Introdução ao Direito age
com o sustentáculo sobre o qual se apoiará toda a edifica­
ção cultural jurídica que se lhe seguirá, sendo notória a sua
magnificência e patente a sua imprescindibilidade.
Daí justificar-se a sua posição com o sendo uma
Disciplina fundamental, de acordo com o preceituado pela
m encionada Portaria nfl 1.886/94, de 30 de dezem bro de
1994, do Ministro da Educação e do Desporto.
E interessante destacar-se uma particularidade por si
só capaz de fixar bem a importância da “Introdução ao
Direito" nos anos 60 (sessenta).
Naquela época (anos de 1960 até 1969), o aluno da la
série das Faculdades de Direito, visto que o curso era seria­
do, isto é, era com posto de 5 séries a serem concluídas
após cinco anos, no mínimo, de estudos, dizíamos então, o
aluno da primeira série tinha em geral na grade curricular
quatro matérias para estudar. Elas eram: “Introdução à
Ciência do Direito” (atual “ Introdução ao Direito” ),
“ Economia Política”, “Teoria Geral do Estado" e “Direito
Romano". Essa grade variava de acordo com cada Facul-

9
1

Orlando de Almeida Secco

dade de Direito, mas a Introdução à Ciência do Direito esta­


va presente em todas elas.
Curiosam ente, se o aluno fosse reprovado em
“Introdução à Ciência do Direito” , ainda que aprovado
tivesse sido nas três outras Disciplinas que compunham o
currículo, verdade é que seria considerado reprovado em
todas elas. Conseqüência disso é que o aluno teria que se
submeter a novas provas de todas as cinco matérias, o que
se denominava então: “2a ép oca ” .
Atualmente, em que se passou a adotar nas Faculdades
de Direito o sistema de créditos em substituição ao seriado,
tornou-se inaplicável tal modo rigoroso de proceder.
Verdade é que os tempos mudaram! Com eles novos
critérios passaram a ser adotados, mostrando claramente o
dinamismo que acompanha todos os cam pos das ativida­
des humanas, não podendo o Direito ficar à margem dessa
natural evolução.
Se os novos tem pos mudaram as situações anteriores
para melhor, ou se houve m odificações para pior, que faça
cada um a sua própria análise e reflexão, para extrair em
seguida uma conclusão pessoal.
E importante se ter uma opinião própria quando se
pretende exercer no futuro uma profissão de tamanha res­
ponsabilidade, com o é o caso dos denom inados ‘operado­
res do direito’.

10
Capítulo II
Sociedade e Direito

3. O homem como animal gregário - 4 . 0 mundo natural e o mundo cul­


tural - S. A s relações sociais: cooperação e concorrência - 6. Orde­
namento social - 7, Normas técnicas e normas éticas - 8. Instituições
fundamentais.

3 . Podemos afirmar com absoluta segurança que o ho­


m em é um animal gregário, essencialmente. Significa dizer-
se que não só é próprio da sua natureza, com o também ine­
rente às suas condicionantes de sobrevivência o inter-rela-
cionamento com os semelhantes.
De fato, o hom em sendo dotado de sentim entos e de
razão precisa comunicar-se, permutar experiências, pro­
duzir bens para si e para outrem e, em contrapartida, d es­
frutar do produto d o trabalho alheio, posto que lhe é abso­
lutamente im possível gerar sozinho tudo o que necessita
para viver.
A expressão latina “unushom o, nullus hom o" ("homem
só, homem nenhum") já tantas vezes repetida por renoma-
dos autores, bem caracteriza e define os aspectos da ques­
tão. Sem dúvida, o homem só, absolutamente isolado, eqüi­
vale a dizer-se homem nenhum, isto é, uma nulidade no
verdadeiro sentido da palavra, porque o homem somente
vive e sobrevive em bando. Citando MARTINS FONTES ém
“Terras da Fantasia":

"O homem... ob ed ece ao espírito gregário, é um ser que


vive em bandos, com o os pássaros

E o homem, gregário por índole, está vinculado a dois


mundos: o mundo natural e o mundo cultural.

li
Orlando de Almeida Secco

4 . Mundo natural - ou com o costumam chamar al­


guns: o mundo da natureza - é o constituído pelos reinos
animal, vegetal e mineral, ou seja, pelas três grandes divi­
sões em que se agregam todos os seres do Universo.
N esse mundo, o homem se encontra incorporado,
com o uma parte constituinte do todo, em bora indubitavel­
mente seja ele uma das parcelas mais importantes, senão
a principal delas.
Mas, apesar de o homem sobressair-se em relação a
todos os demais com ponentes do mundo natural, ainda
assim, aí ele está inserido de maneira totalmente incorpora-
tiva. No mundo natural o homem está congregado, não está
destacado. Ele forma com os demais seres uma unidade só.
Entretanto, o hom em - com o único ser dotado de qua­
lidades biopsíquicas de tal ordem que o fazem dominador
da natureza - acaba por constituir um outro mundo, som en­
te seu, o m undo cultural.
Mundo cultural é o elaborado pelo homem, fruto da
sua inteligência e do seu trabalho. É o mundo constituído
pelos seres humanos e pelas coisas que estes produzem
não só para viver com o também para conseguir melhores
condições de vida; é o mundo da produção de bens, o que
só ao homem é dado fazer.
O mundo cultural caracteriza a vitória do homem na
sua luta tenaz para desmembrar-se da natureza, destacar-
se dela. Enquanto os demais animais, pela irracionalidade
inata de que são portadores, não conseguem se separar da
natureza, vindo a formar com ela uma unidade, o homem, ao
contrário, se evidencia, se separa, e forma então uma duali­
dade, em que ele fica de um lado e os demais seres do outro.
Assim sendo, o homem é parte reino da natureza (animal
racional) e parte mundo cultural (pela produção de bens).

.
5 Com o vimos, o mundo cultural caracteriza-se pelas
realizações do homem, tudo quanto ele venha a criar ou
Introdução ao Estudo do Direito

produzir, agindo sempre voltado para retirar da natureza


aquilo que possa atender as suas necessidades mais pre­
mentes e propiciar-lhe maiores com odidades.
A s necessidades humanas, contudo, sempre crescen­
tes, exigiam cada vez mais o relacionamento com os outros
indivíduos sob a forma de cooperação.
A colaboração mútua, a simples troca de bens e a mer-
cancia se intensificavam, passando a constituir formas
necessárias, indispensáveis m esm o à convivência, formas
enfim de participação grupai. Confirma-se assim com o
sendo totalmente inexpressiva e inviável a vida do homem
só, do homem isolado, com o afirmamos anteriormente.
A convivência social, única forma cabível de sobrevi­
vência da espécie humana, consolidou-se, aprimorou-se.
Contudo, não tardaram a surgir os primeiros problemas
resultantes da convergência de interesses de dois ou mais
homens por um mesmo bem, por uma só coisa capaz de
satisfazer apenas a um deles. No princípio prevaleceu a
vontade do mais forte. Solucionava-se então o conflito,
nessa forma rudimentar de concorrência humana, pela sub­
m issão dos mais fracos aos mais fortes. Era um processo
seletivo perfeitamente natural, pautado tão-som ente na
desigualdade das forças em disputa.
Destarte, o desenvolvimento cultural do homem, ini­
cialmente voltado apenas paia o domínio da natureza, pre­
cisou estender-se então a um outro plano, o do relaciona­
mento humano, o social.
A vida social, assim entendida com o sendo os seres
humanos dispostos em estado gregário, passou a exigir
normas a serem obedecidas por todos, normas comuns
especialm ente criadas e a serem seguidas por vontade pró­
pria, ou m esm o involuntariamente, por cada membro com ­
ponente da coletividade. Daí resultaram então diversos
procedim entos, amoldando cada indivíduo ao interesse do
grupo, aparando as arestas da personalidade, do tempera­

13
Orlando de Almeida Secco

mento, do m odo de agir de cada um em proveito de todos.


Em decorrência surgiram os diferentes m eios de efetuar-se
o ordenamento social, ora impondo e ora restabelecendo o
equilíbrio de todo o sistema.

6 . O ordenamento social se caracteriza por m étodos e


conjuntos de preceitos prescritos pelo grupo sempre bus­
cando padronizar as condutas individuais dos membros
que o constituem, num processo constante de socialização
destes. É na realidade uma forma típica de controle social,
partindo da uniformização das atitudes de cada indivíduo
voltada para o benefício de todos. A socialização nada mais
é do que uma forma de adaptação de cada indivíduo ao seu
grupo. Fala-se então de uma conduta coletiva, assim defi­
nida por FLÓSCOLO DA NÓBREGA:

"A conduta coletiva é a que o indivíduo adota, não


com o pessoa, m as com o m em bro do grupo. É a condu­
ta comum - seguida p or todos - o que faz a maioria, a
gen te, o povo, as p essoa s bem educadas, com o m em ­
bros de um círculo, de uma classe, religião, profissão,
partido, ou na qualidade de a gen te de certa função, tal
com o industrial, com erciante, funcionário, militar,
m édico, advogado, professor, estudante, trabalhador.
Quem segu e esses padrões coletivos, pratica atos que
não provêm de si próprio, m as que, sâo repetição de
conduta anônima, im pessoal, comum a todo m undo".

A conduta coletiva, portanto, é o resultado dos m éto­


dos e o conjunto de preceitos que determinam os padrões
de atitudes a serem seguidos por todos os membros de
uma sociedade. Ela é conseqüentem ente uma resultante
do próprio ordenam ento social. Quando a conduta coleti­
va segue uma m esm a diretriz traçada, atinge-se então um
perfeito ordenam ento social com todos os indivíduos

14
Introdução ao Estudo do Direito

agindo de maneira idêntica. Contudo, numa coletividade


nem sempre isso acontece! É grande a possibilidade de
ocorrerem ca sos d e p essoas inadaptáveis a qualquer pro-
j ce s s o d e uniform ização d e atitudes, d e socialização
enfim. Pessoas essas cujos atos refletem exatamente o
propósito de praticarem não o socialm ente recomendável,
mas, sim, o anti-social. Pessoas que vivem constantem en­
te ao arrepio d e quaisquer padrões de conduta. Daí partir
a sociedade, paralelamente, em sua própria defesa, para
o estabelecim ento de um conjunto de preceitos que se
destinam a serem aplicados a todo e qualquer indivíduo
que, destoando dos dem ais membros do grupo, resolva
seguir os obscuros caminhos da insociabilidade e da
misantropia.
N esse passo é que o ordenamento social se faz incisi-
! vo, exercendo através de preceitos, denominados normas,
um amplo e sistemático controle social. Atua procurando
estabelecer o equilíbrio e a paz da coletividade mediante
normas.
A s normas são representações, ideações das condutas
humanas.
Usando as palavras de AFTALIÓN, OLANO e VILA-
NOVA:

“Am bas, conduta e norma, levam em seu seio um dever


ser, porém enquanto a conduta, em sua direção rumo
ao fim visado realiza dito dever ser (dever ser existen ­
cial), à norma o pensa (dever ser lógico). A ação faz-se,
i existe no tem po e no espaço: é um ob jeto real; a norma
não se faz, se pensa, e com o pensam ento ou conceito
não ‘ex iste’ na realidade espaço-tem poral p osto que
'con siste' em algo: é um objeto ideal",

Tendo-se por enfoque a conduta, as normas podem ser


de duas categorias: normas técnicas e normas éticas.

15
Orlando de Almeida Secco

7 . As normas técnicas resultam de observações e


experiências que culminam por permitir a formulação de
enunciados específicos e precisos acerca da maneira pela
qual realmente ocorrem os fatos e os fenômenos. Por isso,
elas indicam o m odo de agir para que se possa atingir um
fim determinado. Vias de regra, são normas destinadas não
só ao estabelecim ento do domínio do homem sobre a natu­
reza, com o também voltadas à obtenção de melhores con ­
dições de segurança, de conforto e, ainda, de maior rendi­
mento na produção de bens, no trabalho, na atividade indi­
vidual ou m esm o coletiva. A s normas técnicas, portanto,
estabelecem o que se deve fazer e com o proceder para
atingir-se um resultado pretendido, sendo infalivelmente
certo que a não obediência aos seus preceitos acarretará
sempre conseqüências previstas e que poderiam ter sido
perfeitamente evitadas.
Nos dizeres do saudoso Ministro HERMES LIMA:

“A s norm as técnicas sáo as que resultam do estudo, da


observação, e que se destinam ao reforço do domínio
dos hom ens sobre a natureza, ao aprim oram ento das
com odidades".

Resultando, com o ficou acentuado, de observações e


experimentações, as normas técnicas determinam com o
“têm de ser" as coisas, culminando por enunciarem o pro­
cedim ento necessário para que seja alcançado o fim em
vista. São denom inadas normas técnicas justamente por­
que determinam o m odo pelo qual têm de ser feitas as coi­
sas para atingir-se um resultado perfeito, partindo do pres­
suposto de que fora dessa determinação haverá sempre
riscos e até m esm o conseqüências maléficas com resulta-
dos desastrosos conhecidos por antecipação.

16
Introdução ao Estudo do Direito

São exem plos típicos de normas técnicas os vincula­


das principalmente à engenharia, arquitetura, medicina,
agronomia, econom ia e educação.
Apenas para ilustrar-se bem, se tivermos a intenção
de construir um edifício teremos de sujeitar-nos às diversas
normas técnicas de engenharia, especialm ente as que tra­
tam do rebaixamento do lençol de água, da resistência e da
dilatação dos materiais a serem utilizados etc. Sem pairar
qualquer dúvida, todos nós sabem os que a solidez da cons­
trução dependerá intrinsecamente da obediência aos pre­
ceitos de tais normas técnicas.
Normas éticas, por outro lado, são as estabelecidas
para determinarem um tipo de comportamento individual
uniforme e adequado ao interesse e bem-estar da coletivi­
dade. Diferentemente das normas técnicas que nos m os­
tram com o executar um objetivo pretendido, as normas éti­
cas nos indicam para que se executa esse determinado
objetivo.
As normas éticas são precipuamente voltadas para o
comportamento de cada indivíduo, para a integração do
homem ao grupo social. São elas que asseguram direitos,
impõem deveres, atribuem responsabilidades e por último
corainam sanções. São, com o facilmente se pode deduzir,
normas basicam ente reguladoras do inter-relacionamento
humano. Normas que estabelecem deveres, obrigações,
para garantirem direitos.
Mais uma vez citando HERMES LIMA:

"Cada sociedade humana possui seu s valores éticos.


São exatam ente aqueles con ceitos e juízos que lhe defi­
nem as exigências relacionadas com certo tipo de con ­
duta, ou certo tipo de organização, ou ainda, com os
padrões ideais da vida individual ou coletiva".

A s normas de religião, moral e direito são éticas.

17
Orlando de Almeida Secco

Apenas para ilustrar, a norma jurídica que nos obriga


a cumprir o que foi por nós contratado, sob pena de uma
sanção para o caso de inadimplemento, é uma perfeita
amostragem de norma ética.
Diversos autores têm procurado diferenciar as normas
técnicas das normas éticas sustentando com o pontos dis­
tintivos os seguintes:

a) as normas técnicas são facultativas, enquanto


que as normas éticas são obrigatórias. Significa
que as primeiras serão obedecidas ou não de
acordo com a nossa vontade, enquanto as segun­
das serão sempre obedecidas, queiramos ou não;
b) as normas técnicas têm um fim determinado,
enquanto as normas éticas prescindem de qual­
quer finalidade específica;
c) as normas técnicas não têm sanção, ao passo que
as normas éticas as possuem e em grande e
variada escala.

Devemos de plano salientar que, segundo a boa dou­


trina, tais argumentações são falhas e conseqüentem ente
inaproveitáveis. Na verdade, todas as normas, querem
sejam técnicas ou éticas, são obrigatórias, têm uma finali­
dade determinada e, de uma forma ou de outra, atribuem
sanções quando descumpridas.
A diferença mais patente está no fato de que a norma
técnica está voltada para a realização de um objetivo, o
m odo de proceder para atingir um resultado que se preten­
da. A norma ética, por outro lado, está voltada para a fun­
dam entação ou justificação de realizar tal objetivo.
Seguindo AFTALIÓN, OLANO e VILANOVA, encontra­
remos a solução:

“A técnica é a realização do pretendido enquanto reali­


zação, e a ética é isso m esm o enquanto pretendido. Por

18
Introdução ao Estudo do Direito

conseguinte, norma técnica é a que encontra sua justifi­


cação ou fundamenta seu dever ser na realização do fim
concreto da vontade, e a norma ética é a que encontra a
sua justificação na fundam entação do fim concreto da
vontade. Portanto, cada ação adm ite uma norm ação téc­
nica e, ao mesmo tem po, uma normação é tic a ".

Para concluir, argumentemos com o tradicional exem ­


plo dos explosivos. Sabe-se que a dinamite p od e ser
usada para eliminar obstáculos e propiciar a construção
de estrada. Entretanto, tam bém p od e ser utilizada para
fins criminosos.
A norma técnica esclarecerá com o lidar com a dinami­
te para obter o resultado desejado. A norma ética indicará
quais os fins lícitos e justos que admitem a utilização da
dinamite, bem com o assinalará quais os fins ilícitos e injus­
tos que tornam punível a sua utilização.
De tudo o que até aqui ficou exposto, constata-se cla­
ramente que o controle social é feito principalmente atra­
vés de normas.
A s normas, em última análise, são representações de
condutas.
Tanto a conduta quanto a norma estratificam um
“ dever ser" para o indivíduo. Mas são diferentes os concei­
tos de norma e de conduta'.
A norma é o “dever ser” idealizado, pensado, imagina­
do. O “ dever ser” em consonância com o interesse coletivo.
Da norma, transformada de um pensamento para uma
regra, resultam as obrigatoriedades dos indivíduos quanto
às suas maneiras de agir, quanto aos seus comportamentos.
A conduta, portanto, nada mais é do que a própria rea­
lização e efetivação do “dever ser". A conduta é o "dever
ser" real, exercido na prática. É a atitude, a ação no tem po
e no espaço. É até mesmo a omissão, m odo de agir que se
caracteriza por uma inércia, uma passividade.

19
Orlando de Almeida Secco

Da norma (ideação) é que se obtém uma conduta indi­


vidual (realização). A norma idealiza a maneira de proceder,
configura a conduta adequada de um indivíduo para o bene­
fício da coletividade. Nesse aspecto, impondo maneiras de
agir idênticas para todos, acaba por realizar um verdadeiro
controle social, o qual se concentra na desejada uniformida­
de das atitudes a serem seguidas por cada indivíduo.
Sendo a norma uniformizadora e obrigatória, o “ dever
ser” impor-se-á igualmente a todos os indivíduos, punindo
todos aqueles que decidam se afastar ou descumprir os
preceitos estabelecidos.
Sem dúvida, provada está a importância relevante das
normas na efetivação do controle social.
“A fortiori” (‘por mais forte razão'), demonstrado está
o desem penho do Direito, com o norma ética que é, no dis-
ciplinamento desse controle.
Mas, a sociedade humana cujo controle se procura
estabelecer de forma normativa, tem um arcabouço natural,
uma estrutura sólida simples, sem a qual falhariam quais­
quer tentativas de organizá-la, ainda que as normas fossem
as mais atualizadas, adequadas e perfeitas possíveis.
Esse arcabouço, essa estrutura mínima, indispensável
mesmo, na qual se efetuarão os aperfeiçoamentos e se
introduzirão os princípios organizatórios adequados, deno­
mina-se “instituição” .
A sociedade está alicerçada não em uma, mas, sim,
em diversas instituições.

8. A s instituições são o conjunto de pilares estabele­


cidos pelo costume, pela razão e pelos sentimentos que ali­
cerçam a sociedade, sustentando-a.
Dentre as instituições existentes, três delas m erecem
ser destacadas e são tidas com o fundamentais: FAMÍLIA,
PROPRIEDADE e ESTADO.

20
Introdução ao Estudo do Direito

Família é a instituição básica, pioneira, ponto de parti­


da para todas as demais. É a instituição mais antiga de que
se tem notícia. Acompanha o ser humano desde as suas
origens, podendo-se afirmar com absoluta certeza jamais
ter existido sociedade, por mais rudimentar, constituída
sem a família.
A família tem a sua base e justificação, fundamental­
mente, na reprodução da espécie humana e nas suas inú­
meras conseqüências de ordem jurídica, moral, religiosa,
educacional, cultural, assistencial, psicológica, econômica,
financeira e social.
Entre nós ela se estabelece pelo casamento civil com o
tam bém pelo casamento religioso de efeito civil. O primei­
ro regido pela Lei n2 6.015 (Lei de Registros Públicos), de 31
de dezembro de 1973, em seu artigo 70, e pelo novo Código
Civil, nos artigos 1.511 a 1.514. O segundo pela Lei na 1.110
(Lei que regula o reconhecimento dos efeitos civis do casa­
mento religioso), de 23 de maio de 1950, e pelos artigos
1.515 e 1.516 do novo Código Civil.
D esse modo, casamento e família formam juntos uma
única instituição fundamental. Há, porém, quem considere
o casamento um contrato e não uma instituição. Há ainda
outros que o consideram com o um contrato-instituição ou
com o um acordo ou ainda com o um ato-condição.
Fugiríamos ao nosso tema se aqui retratássemos as teses
que consideram o casamento com o contrato ou o casamen­
to com o instituição. Fiquemos com a segunda hipótese,
casam ento com o sendo juntamente com a família as duas
m etades de uma m esma instituição.
Atualmente deve ser dada ênfase ao que se denomina
‘entidade familiar'. Ela se acha expressamente referida nos
parágrafos 3a e 4a, do artigo 226, da Constituição Federal.
A s hipóteses ali elencadas são as seguintes: l â) a ‘união
está vel’ entre o homem e a mulher; 2a) a ‘com unidade' for­

21
Orlando de Almeida Secco

mada pela mãe e os seus descendentes; 3â) a ‘com unidade’


formada pelo pai e os seus descendentes.
A família, com o tradicionalmente sempre tem sido
concebida, isto é, constituída pelo casam ento civil ou pelo
casamento religioso de efeitos civis, não sofreu grandes
alterações diante das inovações acima m encionadas e nem
mesmo em face da nova codificação civil. Sob este último
aspecto, parece-nos até mesmo que o seu sentido jurídico
resultou grandemente fortificado e bem mais prestigiado.
O novo C ódigo Civil dá bem a idéia disso! Vejam-se alguns
exemplos: a) o estabelecim ento da comunhão plena de vida
com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges
(art. 1.511); b) o estímulo para a realização do casamento
desde a idade de 16 anos, tanto para a mulher quanto, a
partir do novo C ódigo Civil, para o homem (art. 1.517); (obs.
Pelo Código Civil anterior, a idade mínima para o hom em
casar-se era de 18 anos); c) a assunção mútua pelos cônju­
ges da condição de consortes, companheiros e responsá­
veis pelos encargos de família (art. 1.565); d) os deveres de
ambos os cônjuges no tocante a: fidelidade recíproca; vida
em comum no domicílio conjugal; mútua assistência; sus­
tento, guarda e educação dos filhos; respeito e considera­
ção mútuos (art. 1.566); e) a direção da sociedade conjugal
(art. 1.567); f) as obrigações de cada um dos cônjuges (art.
1.568); g) os regimes de bens entre os cônjuges (arts. 1.639
e seguintes).
Vale ressaltar-se que cônjuge é uma palavra de gran­
de magnitude e de definição restrita, porque significa cada
um dos casados em relação ao outro. Ninguém mais além
deles, nem m esm o os companheiros da chamada união
estável!
Questiona-se ainda acerca da família resultante da
união estável e companheirismo entre pessoas do mesm o
sexo, tema que vem merecendo em alguns países euro­
peus, e mesmo nos Estados Unidos da América do Norte,

22
Introdução ao Estudo do Direito

certo reconhecimento social, com o também alguma forma


de proteção legal, o que se sabe em decorrência de deci­
sões tornadas mundialmente conhecidas, mormente a par­
tir do ano 2000. São exemplos disso, a Holanda, particular­
mente em Amsterdam, onde é adotado o contrato de vida
em conjunto (“Sam enleven"), a Dinamarca e a Bélgica.
Mais recentemente, passaram a reconhecer a união
entre pessoas do m esm o sexo o Remo Unido (United
Kingdom - UK), com a “ Civil Partnership” (‘Parceria Civil'),
além da Espanha e do Canadá.
Nos Estados Unidos, com o afirmamos acima, já despon­
ta também um certo reconhecimento dessas uniões apesar
da forte resistência política e governamental! E a denomina­
da “parceria dom éstica", que é reconhecida e pode ser regis­
trada na Califórnia, no Havaí e em Massachusetts. Já
Vermont e Connecticut apenas aprovaram a legalização da
união civil entre pessoas do mesmo sexo. Em Nova York é
reconhecida a parceria doméstica para fins de direitos e
benefícios, desde que o registro tenha sido feito em outra
cidade ou em outro estado norte-americano.
Aqui no Brasil, país de religião predominantemente
Católica Apostólica Romana, esse tema continua sendo
bastante polêmico, daí porque preferimos apenas transcre­
ver um trecho do pronunciamento elucidativo feito pelo
carismático Papa João Paulo II, falecido em 2005, publicado
no “L’Osservatore Romano" do dia 25/11/2000:

“Si registrano sem pre piü casi in cui il legislatore e il


m agistrato perdono la consapevolezza dei valore giuri-
dico e sociale specifico delia famiglia, e in cui se m os-
trano pronti a porre sullo stesso piano legale altre form e
di vita com une...".

(“ V êem -se cada vez m ais casos em que o legislador e o


m agistrado perdem a consciência dos valores jurídico e

23
Orlando de Almeida Secco

social esp ecíficos da família, e outros que se demons­


tram dispostos a p or em um m esm o plano legal outras
form as de vida em comum... ”).

E prossegue Sua Santidade:

“...form as de vida em com um essas que geram num ero­


sas confusões no âm bito das relações conjugais, fam i­
liares e sociais, negando de certa form a o valor do
em penho específico de um hom em e de uma mulher, e
o valor social fundador de um em penho com o esse".

Dito isso, eis porque optam os por remeter todos os


interessados às nossas obras jurídicas específicas do
“ Direito de Família” bem com o à jurisprudência (decisões
judiciais de órgãos colegiados, os Tribunais) especializada
a respeito d esse tema, já que por enquanto interessa-nos
apenas a família constituída pelo casamento civil válido,
com o instituição fundamental que ela é.
Quanto à quantidade de casamentos, a família pode
ser de dois gêneros: monogâmica e poligâmica.
A família m onogâm ica é a usual, constituindo-se pelo
casam ento de um homem com uma mulher, a perdurar até
a morte de um dos cônjuges ou até que ocorra uma das
demais hipóteses previstas em lei para a dissolução da
sociedade conjugal.
No Brasil adotamos a família monogâmica. Ela se acha
amparada pela Constituição Federal, em seu artigo 226 e
parágrafos, nos seguintes termos:

“A família, base da sociedade, tem especial proteção do


estado. Parágrafo í 2 - O casam ento é civil e gratuita a
celebração; Parágrafo 22 - O casam ento religioso tem
efeito civil, n os term os da lei; Parágrafo 3a - Para efeito
da p roteçã o do Estado, é reconhecida a união estável

24
Introdução ao Estudo do Direito

entre o hom em e a m ulher com o entidade familiar,


devendo a lei facilitar sua conversão em casam ento” .

Família poligâmica é aquela em que um homem p od e­


rá simultânea ou sucessivamente se casar com duas ou
mais mulheres, e vice-versa.
A poligamia admite, pois, duas espécies:

1. Poliginia - casamento de um homem com duas ou


mais mulheres, o que era encontrado em povos
antigos para os quais prevalecia a idéia de que a
mulher era uma propriedade do marido e de que
este, quanto mais rico fosse, maior número de
esposas poderia possuir com o formas de poder e
de ostentação. Na Grécia e na Roma antigas era
com um a poliginia. Tribos africanas e indígenas
americanos também a adotavam. Já os muçulma­
nos até hoje a adotam.
2. Poliandria - casamento de uma mulher com dois
ou mais homens, encontrado também em povos
antigos e onde era constatada uma preponderân­
cia numérica de nascimentos de filhos homens.
Porque nasciam mais homens do que mulheres,
em alguns povos era prática habitual o infanticí-
dio feminino, isto é, a morte provocada das crian­
ça s que n ascessem com o sexo feminino.
Adeptos da poliandria eram os tibetanos (Tibete),
os cingaleses (Ceilão) e os indianos (índia) e
ainda são até hoje os esquim ós (Groenlândia).

Propriedade é a segunda instituição fundamental.


A o abordarmos o tema mundo cultural, afirmamos ser
o m esm o constituído por seres humanos e pelas coisas que
estes produzem para viver com o também para lhes propi­

25
Orlando de Almeida Secco

ciar melhores condições de vida; é o mundo da produção de


bens, que só ao homem é dado fazer.
Uma vez produzidos os bens, fica ressaltado de plano
o problema da propriedade, pois tudo aquilo que se realize
há de ter um dono.
Muitos autores já disseram, e com fundadas razões,
que a propriedade, pelas suas naturais im plicações, é o
sustentáculo não só do sistema social com o até m esm o do
sistema político de um povo.
HERMES LIMA, inclusive, afirma:

*'Atribuir a propriedade, usufruir a propriedade, con sti­


tuem problem as em tom o dos quais a opção política se
p rocessa ."
(...) “No sistem a legal da propriedade está a espinha
dorsal dos sistem as sociais e dos regim es p o lítico s".

O renomado autor, concluindo o seu pensamento,


esclarece que no mundo contem porâneo há a prevalência
da forma privada no que se refere à propriedade dos bens
de uso (móveis, imóveis etc.) e dos bens de consum o (ali­
mentos, vestuário etc.) e, da forma socializada, no que con ­
cerne aos bens de produção (usinas, fábricas, terras em
zonas rurais, m eios de transporte etc.).
Neste século XXI, entretanto, dadas as crescentes difi­
culdades de natureza econôm ica pelas quais passam
quase todos os países desenvolvidos e industrializados, a
tendência observada está sendo no sentido de os Estados
(nações soberanas) desfazerem-se dos pesados encargos
que têm sufocado os seus orçamentos, e por isso m esm o
vem sendo adotada a chamada desestatização ou privati­
zação, que nada mais é do que a passagem para a iniciati­
va privada de tudo aquilo que tradicionalmente ficava cen ­
tralizado em poder do Estado.

26
Introdução ao Estudo do Direito

N essa linha de pensamento, aqui no Brasil, por exem ­


plo, o artigo 173 da Constituição Federal passou a discipli­
nar o seguinte:

"Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a


exploração direta de atividade econôm ica pelo Estado
só será perm itida quando necessária aos im perativos
da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo,
conform e definidos em lei

No artigo 21, incisos X e XI, do texto constitucional


federal, vêem -se exem plos das atividades que ainda são
m antidas ou exploradas pela União, diretam ente ou
mediante autorização, concessão ou permissão.
Por sua vez, o artigo 177 declara:

"Constituem m onopólio da União:


I - a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e
gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos;
I I - a refinação do p etróleo nacional ou estrangeiro;
III - a im portação e a exportação dos produtos e
derivados básicos resultantes das atividades previstas
n os incisos anteriores;
IV - o transporte m arítim o do petróleo bruto de
origem nacional ou de derivados básicos de p etróleo
produzidos no País, bem assim o transporte, p or m eio
de conduto, de p etróleo bruto, seu s derivados e gás
natural de qualquer origem ;
V - a pesquisa, a lavra, o enriquecim ento, o repro-
cessam ento, a industrialização e o com ércio de m iné­
rios e m inerais nucleares e seu s derivados" .

Estado é a terceira instituição fundamental.


No conceito moderno Estado é a centralização, dentre
outros, dos poderes político, administrativo, legislativo,

27
Orlando de Almeida Secco

judiciário, econôm ico, financeiro, orçamentário e militar de


um povo, com território próprio e dentro do qual prevalece a
sua soberania, que deve ser respeitada pelos demais povos.
O Estado configura-se assim com o sendo um organis­
mo complexo, centralizado, com governo e território pró­
prios, constituindo-se, destarte, em uma nação política e
juridicamente organizada, dotada de soberania de tal
ordem que deve ser reconhecida e respeitada pelas demais
nações.
Fácil é observar-se que o Estado com põe-se, no míni­
mo, de três elementos distintos: povo (população), governo
(vínculo político) e território (espaço físico).
Povo é o conglom erado de pessoas interligadas por
origem racial, tradição, sentimento e idioma comum, e às
vezes até m esm o com uma religião igualmente comum, e
que por tais circunstâncias, aliadas as inúmeras outras,
diferencia-o de outros conglom erados populacionais de
características distintas.
Governo é o vínculo político desse conglom erado de
pessoas; é a sujeição desse conglom erado a um poder
maior dotado de autoridade legalmente constituída para
fins de administração e de condução aos seus propósitos e
desenvolvimento.
Iferritório é a delimitação geográfica até a qual poderá
ser exercida a soberania, sem gerar conflitos, São os limi­
tes territoriais, melhor dizendo, é o espaço físico até o qual
a soberania prevalece e se faz respeitar pelos demais
Estados soberanos, aí incluídos e igualmente considerados
a superfície (solo), o subsolo, rios, lagos, mares interiores,
golfos, baías, portos, o espaço aéreo e o mar territorial.
Este, aliás, é o denominado ‘território real’ . Há ainda a ser
considerado o ‘território ficto’, representado pelos navios e
em barcações de guerra onde quer que se encontrem,
desde que ostentando o pavilhão do país; os navios mer­
cantes em alto-mar; as aeronaves de guerra onde quer que

28
Introdução ao Estudo do Direito

se encontrem; as aeronaves comerciais sobrevoando o alto-


mar e a grande altura os territórios de outros povos; as
sedes das embaixadas e dos consulados.
A s instituições fundamentais da sociedade humana
fazem então pressupor a existência de outras de importân­
cia m enos relevante.
De fato, família, propriedade e Estado são as institui­
ções que, segundo A. MACHADO PAUPÉRIO:

“Correspondem , respectivam ente, às necessidades de


reprodução, manutenção e deíesa dos hom ens",

São, justamente por isso, consideradas fundamentais.


Mas há instituições secundárias, das quais são exem ­
plos a Constituição, o Parlamento, os Partidos Políticos, os
Tfrbunais, o Ministério Público, a Escola, a Universidade, a
Igreja, os Sindicatos, as A sso cia çõ e s de Classe, as
Academ ias de Letras, de Belas-Artes e de Ciências, todas
elas voltadas para a com plem entação da instituição funda­
mental Estado. O divórcio e a separação judicial para a ins­
tituição fundamental família/casamento. O contrato para a
instituição propriedade.
A diferença entre ambas é que as fundamentais se
fazem presentes em praticamente todo e qualquer tipo de
sociedade humana por mais rudimentar que seja, enquan­
to as secundárias, com o com plem entos que são daquelas,
podem ser encontradas em uma sociedade e, no entanto,
faltarem em outra.
Inegável, porém, é que juntas essas instituições - fun­
damentais e secundárias - são as responsáveis pela orga­
nização da sociedade, alicerçando-a e estruturando-a,
com o inicialmente dissemos.
Cumpre ainda assinalar-se a existência de uma teoria
acerca da instituição, atribuída ao francês Maurice Jean
Claude Hauriou, autor de “ La theorie de 1’institution et de

29
Orlando de Almeida Secco

fondations", obra datada de 1925. Estamos referindo-nos à


“Teoria da Instituição” .
Para Maurice Hauriou o Direito tem a sua origem na
'instituição', esta exercendo influência em seu próprio inte­
resse. Significa dizer-se que a instituição cria um ambiente
propício ao surgimento da Ordem Jurídica, cuja finalidade
é justamente torná-la realidade, protegê-la, e até m esm o
perpetuá-la.

30
Capítulo III
As Diversas Concepções do Direito

9. Direito Natural - 10. Direito Positivo -11 . Direito Objetivo e Direito


Subjetivo.

9 . A expressão “Direito Natural" teve a sua origem na


Antigüidade.
Os filósofos gregos aprimoraram-na (Teoria Jusnatu-
ralista do Estoicismo). Foram, porém, os jurisconsultos roma­
nos que a consagraram quando promoveram a divisão trico-
tômica do Direito Romano em: “ius civile" (‘Direito Civü’),
“íus gentium” (‘Direito das Gentes') e “ius naturale” (‘Direito
Natural’). Nessa tripartição, o “ius civile" era o direito priva­
tivo dos cidadãos romanos, o “ius gentium” era o extensivo
aos estrangeiros, e o “ius naturale” eram os princípios nor-
teadores, colocados acima do arbítrio do homem, extraídos
filosoficamente da natureza das coisas, visando solucionar
ou inspirar a solução dos casos concretos.
O Direito Natural, sem dúvida, foi um fator essencial
ao progresso das instituições jurídicas da velha Roma.
Posteriormente, sob a influência da Igreja e permane­
cendo durante toda a Idade Média, prevaleceu a idéia de
que os princípios com ponentes do Direito Natural decor­
riam da inteligência e da vontade divinas (Teoria
Jusnaturalista do Teologismo). Assim, passou-se a admitir
serem tais princípios atribuídos a Deus, com base na con­
cepção de Santo Tomás de Aquino acerca da existência de
uma "Lei Eterna” , própria do conhecimento de Deus, atra­
vés da qual foi ordenado o Universo.
O Direito Natural era, pois, uma versão parcial da “Lei
Eterna” relativa à conduta humana.

31
Orlando do Almeida Secco

Nos tem pos modernos, inicialmente com HUGO GRO-


TIUS e, mais tarde, com EMMANUEL KANT, a nova con cep ­
ção adotada foi no sentido de que os fundamentos do
Direito Natural não decorriam nem da natureza das coisas,
nem de Deus, mas, sim, da razão humana (Tteoria Jusnatu-
ralista do Racionalismo).
HERMES LIMA atento e sensível às existências das
con cepções estóica, teológica e racional, definiu então o
“Direito Natural” com o sendo:

"... princípios que, atribuídos a Deus, à Razão ou havi­


dos com o d ecorrentes da“natureza das coisas", inde­
pendem de convenção ou legislação, e que seriam
determ inantes, inform ativos ou condicionantes das leis
positivas. ”

Na época contemporânea, como bem assinalou A. L.


MACHADO NETO, o novo Direito Natural, sofrendo o em ba­
te da crítica histórica, dos estudos etnográficos, da
Sociologia, não teve alternativa para estar à altura dos tem­
pos, senão a de fazer uma teoria de conteúdo variável.
Significa dizer-se que os princípios do Direito Natural até
então tidos com o Universais, eternos e imutáveis, passa­
ram a serem concebidos sob a forma evolutiva, com dina­
mismo, portanto.
A RUDOLF STAMMLER deve a atual concepção do
Direito Natural possuindo conteúdo variável.
Em resumo, podem os dizer que o “Direito Natural” são
princípios imanentes à razão do homem, independentes da
sua vontade, atuando com o fonte de inspiração, de orienta­
ção e de com plem entação ao ordenamento jurídico de
todos os povos e aos seus direitos positivos.
Na realidade, os princípios que constituem o chamado
"Direito Natural” formam a idéia do que seja, segundo a
razão humana, o “justo por natureza” .

32
Introdução ao Estudo do Direito

É justo por natureza, por exemplo, com o acentua


MIGUEL REALE, que as crianças não podem se casar, ou
firmar contratos válidos.
A realização da justiça decorrerá, pois, de atingirem-
se valores racionalmente concebidos e aceitos, com o os
dos exemplos indicados. Caberá então aos homens, apli­
cando na prática tais princípios inspiradores e norteadores,
ensejarem a criação de preceitos normativos da conduta
humana, vindo a constituir o chamado “justo por lei” ou
“justo legal” .
Entretanto, em nossos dias, a determinação desses
valores passou a ser objeto de profundos estudos que vêm
a constituir a chamada “Axiologia” ou “Teoria dos Valores".
MACHADO NETO dá com o totalmente superado, face
à moderna axiologia fenomenológica, todo e qualquer jus-
naturalismo. Entende que:

"O direito natural, lon ge de ser ciência, era apenas


ideologia, tolerável num tem po em que os instrum entos
teóricos da filosofia nâo tinham ainda sido conveniente­
m en te elaborados para a exploração fecunda do proble­
ma dos valores, e hoje inteiram ente superada pela fun­
dam entação axiológica jurídica (■■■)".

MIGUEL REALE, em linha de raciocínio diversa, colo­


ca o “Direito Natural” em termos de axiologia e diz:

“A experiência histórica dem onstra que há determ ina­


dos valores que, uma vez trazidos à consciência históri­
ca, se revelam ser constantes ética s inam ovíveis que,
em bora ainda não percebidas p elo intelecto, já condi­
cionavam e davam sentido à práxis hum ana".

Assim, para REALE, são constantes axiológicas que


formam o cerne do “Direito Natural” , deles se originando os

33
Orlando de Almeida Secco

Princípios Gerais do Direito, comuns a todos os ordenamen­


tos jurídicos. Para ele, a axiologia não torna o “ Direito
Natural” superado, ao contrário, dá-lhe essência.
Ao nosso m odo de ver, d e fato, não pode ser negada
ainda nos dias atuais a existência do "Direito Natural” , ao
m enos com o sendo um complemento do “Direito Positivo” ,
ambos constituindo uma só unidade para integração do
direito vigente.
Na verdade, a partir do século XVIII observou-se um
declínio do jusnaturalismo, visto ter sido a corrente cristã
colocada em flagrante desprestígio pela corrente raciona-
lista e, ainda, pelo engrandecimento então observado do
positivismo.
Na ép oca Contemporânea, entretanto, após o longo
período de regência pura do sociologism o positivista, ve­
mos ressurgir o Direito Natural com força e vigor universal.
Assim, em bora reconheçam os ter havido um declínio
do jusnaturalismo no passado, há nesta época um sensível
florescimento. Corroborando tal afirmação, basta que se
mencionem os seguintes nomes de relevo; STAMMLER
(Alemanha), DEL VECCHIO (Itália), LEGAZ Y LACAMBRA
e GALÁN Y GUTIÉRREZ (Espanha), MONCADA (Portugal),
GUISAN (Suíça), GÉNY, DELOS, DE LA PRIERE, MARC
REGLADE e LE FUR (França), DABIN e LECLERCQ
(Bélgica), ADLER, HUTCHINS e LUCEY (Estados Unidos),
PAULINO JACQUES e F. MONTORO (Brasil),
Ratificando ainda mais o nosso ponto de vista, com ­
provam a existência do “Direito Natural" em nossos dias
atuais:

1. “Declaração dos Direitos do Homem” , na ONU,


em 10 de dezembro de 1948.
2. “ VII C ongresso Internacional do Direito
Comparado", em Upsala, no ano de 1966, quando

34
Introdução ao Estudo do Direito

um dos temas tratados foi a contribuição do Direi­


to Natural para o Direito Positivo.

10 . "Direito Positivo" são normas de conduta, legisla­


das ou provenientes do costume, que estando em vigor ou
tendo vigorado em certa época, disciplinam ou disciplina­
ram o inter-relacionamento, a convivência do homem.
O conceito de “Direito Positivo” que damos, bastante
amplo com o pode ser constatado, abrange não só o direito
em vigor (direito vigente) com o o já fora de vigor (direito
histórico), o direito escrito (direito codificado e legislado)
com o também o direito não escrito (direito costumeiro ou
consuetudinário).
Na realidade, o “Direito Positivo” apresenta-se com o
sendo o verdadeiro objeto do estudo do jurista. Daí a sua
importância vital para o aluno iniciante em um curso jurídico.
A lgu n s autores preferem considerar o “ Direito
Positivo” apenas o direito vigente e o direito legislado,
excluindo o direito histórico e o costumeiro. Partem certa­
m ente da confusão usual entre positividade e vigência.
Convenhamos que o direito histórico, embora não
mais estando em vigor, reconhecidamente terá vigorado
em algum período, daí concluir-se ter sido ele eficaz no pas­
sado. N essa eficácia é que está a positividade. Embora ce s ­
sada a vigência, a positividade permanece. A lei que não
mais vigora, não mais produz qualquer efeito. Tbdavia, per­
m anece com o um marco histórico dentro da conjuntura jurí­
dica do País. Tànto isso é verdade, que o direito histórico
muita vez é utilizado para fins de interpretar-se uma lei
nova. Vai-se buscar na lei já revogada o provável sentido da
lei posterior. Se a positividade não perm anecesse, tal m éto­
do comparativo seria uma inutilidade.
Por outro lado, embora em nosso País o direito seja o
legislado, temos que admitir que há povos cujo direito se

35
Orlando de Almeida Secco

apresenta sob a forma costumeira ou consuetudinária. Para


tais povos o "Direito Positivo” é não-escrito.
Pelas razões acima expostas, o nosso conceito de
"Direito Positivo” é amplo, abrangendo, além do direito
vigente e legislado, o direito histórico e o costumeiro.
Na m esma linha de entendimento, DOURADO DE
GUSMÃO, para quem o "Direito Positivo” é:

“o direito histórico e objetivam ente estabelecido, efeti­


vam ente observado, encontrado em leis, códigos, trata­
dos internacionais, costum es, regulam entos, decretos
etc. (...) É o sistem a de normas objetivam ente esta bele­
cidas, seja na forma legislada, seja na consuetudinária".

O m esm o renomado jurista compara então o "Direito


Positivo” com o “Direito Natural” e assim se expressa:

"O D ireito Positivo é o direito que depende da vontade


humana, seja na forma legislada (lei, estatuto, regula­
m ento, tratado internacional etc.) seja na consuetudi­
nária (costum e), em am bas objetivam ente esta beleci­
do, enquanto o Direito Natural é o que independe de
ato de vontade, p or refletir exigências sociais da natu­
reza humana, com uns a todos os hom ens, razâo pela
qual o direito positivo seria histórico e válido em espa­
ços geográficos determ inados ou determ ináveis, isto é,
para determinado Estado ('direito brasileiro, direito
norte-am ericano etc.) ou para vários Estados (direito
internacional), podendo perder a sua validade por d eci­
são legislativa do governo (lei, decreto-lei etc.), enquan­
to o direito natural seria válido no espaço social (...)
cuja validade não pod e ser afetada p or qualquer l e i " .

11 . “Direito O bjetivo” e “Direito Subjetivo” , à luz da


moderna ciência jurídica, devem ser tratados conjuntamen­

36
Introdução ao Estudo do Direito

te, por se tratar de uma m esm a coisa vista por ângulos dife­
rentes.
Há entre ambos total correspondência, porque são na
realidade posições distintas do Direito e este é um único
sistema lógico e normativo.
O direito sob o ponto de vista objetivo é a norma ou o
conjunto de normas de conduta, enquanto que sob o ponto
de vista subjetivo é o conjunto de relações jurídicas, aí
implícitos o dever jurídico e a faculdade de agir.
Esclarecendo melhor: ninguém admitirá a possibilida­
de de existir direito para uma pessoa independentemente
de uma norma criadora desse direito. Esta é sempre o pres­
suposto lógico daquele justamente porque é a norma jurí­
dica que gera e que garante direitos. Para que a subjetivi­
dade se p ossa manifestar, faz-se mister que a pretensão
esteja objetivamente prevista e garantida. A vinculação
que há entre a subjetividade e a objetividade do direito é
patente, com o se pode facilmente constatar.
O “Direito Objetivo", portanto, é o conjunto de normas
em vigor e que constituem o ordenamento jurídico. Sendo
normas, é ele - Direito Objetivo - que dispõe acerca da con­
duta de cada um, regulando-a, disciplinando-a. Assim,
“Direito Objetivo” , com o os romanos chamavam, é “norma
agendi” (‘norma de ação', ‘norma de conduta’).
Toda e qualquer norma ou regra jurídica é essencial­
mente um direito no sentido objetivo porque estabelece e
ordena acerca de determinada conduta, isto é, a respeito
de determinada maneira de agir.
O Direito, objetivamente considerando-se, é o visto sob
o seu ângulo externo, dirigindo-se a todos os homens e a
estes impondo coercitivamente formas de comportamento.
O “Direito Subjetivo” , em contrapartida, sendo a nor­
ma tomada em relação ao sujeito, ao indivíduo, é a própria
conduta deste, regulada, disciplinada. O Direito, subjetiva­
mente apreciado, é, portanto, o visto sob o seu ângulo inter­

37
Orlando de Almeida Secco

no; é o caracterizado pela atitude pessoal de cada indivíduo


de acordo com o que ficara estabelecido pela norma de agir,
pela norma de conduta. É o poder de cada sujeito atuar em
consonância com o disposto pela norma jurídica.
Assim, o “Direito Subjetivo” é “facultas agendi” (‘fa­
culdade de ação', ‘faculdade d e conduta’), conforme enten­
diam os romanos.
O “Direito Subjetivo” sendo, com o dissem os antes, o
conjunto de relações jurídicas, há que ser forçosamente
examinado sob dois aspectos: do dever jurídico e o da
faculdade jurídica.
De fato, ao fazerem-se quaisquer referências às rela­
ções jurídicas, implicitamente deverão ser considerados,
de um lado, o dever jurídico e, do outro lado, a faculdade
jurídica. Esclareçamos melhor: se o proprietário de um imó­
vel resolve alugá-lo a alguém, surge entre ambos, proprie­
tário e inquilino, uma relação jurídica. É relação jurídica
porque a locação ob ed ece aos ditames das normas jurídi­
cas específicas. O inquilino (locatário) assume através do
Contrato de Locação a obrigação de pagar mensalmente os
aluguéis. Isso é um exemplo típico de dever jurídico. O pro­
prietário do imóvel (locador), por sua vez, em razão do
mesmo contrato, passa a ter o direito - previsto e garanti­
do por uma norma jurídica (Direito Objetivo) - de exigir
desse seu inquilino o cumprimento da obrigação assumida,
ou seja, o pagam ento dos aluguéis. Esse direito é o que
chamamos d e faculdade jurídica. Assim, para que o locador
possa exercer a faculdade jurídica de cobrar o que lhe é
devido, é necessário antes de tudo que uma norma não só
preveja com o também assegure esse seu direito e, em con ­
seqüência, imponha a outrem, no caso o locatário, a obriga­
ção, o dever jurídico. Aí está configurada, claramente, a
vinculação d o “Direito Subjetivo” ao “Direito O bjetivo” . No
exemplo que acabam os de oferecer, não poderia haver o
"Direito Subjetivo” se a pretensão do locador não estivesse

38
Introdução ao Estudo do Direito

devidamente tutelada por uma norma jurídica, norma essa


que vem a ser propriamente o “Direito Objetivo".
A mesma norma que determina a faculdade jurídica
de uma parte faz com que, concomitantemente, correspon­
da um dever jurídico para a outra parte. No exemplo dado,
à pretensão do locador deverá forçosamente corresponder
um dever, uma obrigação do locatário.
Mas por que o termo faculdade jurídica (“facultas
agendi")?
Utilizando-se o m esm o exem plo dado, notamos que
duas hipóteses se evidenciam. O locador, embora possua o
direito de exigir do locatário o pagam ento dos alugueres
(aluguéis), isto é, o cumprimento do dever assumido por
este, poderá, ou não, exercer tal direito - previsto e garan­
tido - conforme o seu livre arbítrio.
Nada absolutamente o pressiona. Assim, embora o
locador possua um direito, ele poderá exercê-lo ou não. É
mera opção sua a de agir ou de simplesmente manter-se
inerte, sem nada cobrar do inquilino.
O “Direito Subjetivo” é uma faculdade jurídica porque
caracteriza uma possibilidade do seu titular de exigir o
cumprimento de um dever, mas não impõe, absolutamente,
que assim proceda. Dá a possibilidade de agir, mas não
exige tal ação. E, assim, opcional, facultativo; daí a termi­
nologia usual.
A falta de interesse do titular em agir não acarreta
com o se possa presumir a extinção do “Direito Subjetivo” ,
o qual persiste. Até porque, há casos em que esse direito
prevalece mesmo contra a vontade do titular, a exemplo do
que ocorre com o empregado que trabalha em um horário
noturno e que não se interessa por receber a sua remune­
ração acrescida de vinte por cento, pelo menos, sobre a
hora diurna, com o dispõe a respeito a Consolidação das
Leis do Trabalho, no artigo 73. Se o empregado não deseja

39
Orlando de Almeida Secco

receber esse acréscimo, não tem vontade ou não tem inte­


resse, ainda assim o seu direito subsiste, não perece.
O "Direito Subjetivo” , pois, nos dizeres de FLÓSCOLO
DA NÓBREGA, é:

“Esse p od er conferido p elo direito para a realização de


in teresses hum anos (...) .
Ifem um direito subjetivo, todo aquele que p od e utilizar
a garantia do direito objetivo para a realização de um
interesse próprio (...).
Direito subjetivo é o pod er de agir, garantido p elo direi­
to objetivo, para a realização de um interesse vital. É a
faculdade de adotar um com portam ento conform e o
direito objetivo: ou, em term os m ais precisos, o pod er
de fazer o que a lei não proíbe e de não fazer o que a lei
não ordena".

40
Capítulo IV
Ordenamento Jurídico

12. Conceito - 13. Princípios - 14. Elementos - 15. Ordenamento


Jurídico Brasileiro -1 6 . Dever jurídico - 17. Conflitos de interesses e
suas composições.

12. São inúmeras e com plexas as relações estabeleci­


das entre os indivíduos que integram a sociedade. E com o
se não bastasse que assim fosse, a cada dia, a cada
momento, novas situações surgem, trazendo sempre a p os­
sibilidade de conflitos incomuns e, em conseqüência,
ameaçando a harmonia, a paz enfim da coletividade.
Daí afirmar-se que à m edida que se multiplicam as
hipóteses de relacionamento dos indivíduos, maiores são
as possibilidades de conflitos e mais extensos se tornam os
horizontes do Ordenamento Social. Esse ordenamento deve
e precisa acompanhar a evolução dos relacionamentos dos
indivíduos, lado a lado.
Basicamente voltado para a manutenção ou o restabe­
lecimento do equilíbrio das relações intersubjetivas, o
Ordenamento Social exerce um verdadeiro poderio e con­
trola tais relacionam entos através da Educação, da
Religião, da Moral etc.
Ibdavia, por mais variadas e com plexas que sejam as
relações entre os indivíduos, há o Direito de acompanhá-las
também, não mensurando dificuldades nem visualizando
quaisquer limitações, por maiores que elas sejam.
Há, assim, uma Ordem Social ou um Ordenamento So­
cial, que se caracteriza por uma complexa estrutura de
princípios, regras, conceitos e m étodos que todos os mem­
bros integrantes de uma sociedade devem observar e res­

41
Orlando de Almeida Secco

peitar, tornando possível a coexistência de maneira pacífi­


ca, organizada e progressista.
Paralelamente a essa Ordem Social há então uma
Ordem Jurídica, isto é, um Ordenamento Jurídico.
Mas a Ordem Jurídica difere da Ordem Social, embora
tenham em comum a mesma finalidade: organização e dis-
ciplinamento da sociedade.
Na realidade, a Ordem Jurídica é uma das partes inte­
grantes da Ordem Social e pode ser conceituada com o
sendo a organização e disciplinamento da sociedade reali­
zada por intermédio do Direito. É a organização e o discipli­
namento da sociedade concretizada através de normas
exclusivamente jurídicas.
Implicitamente, no conceito de Ordem Jurídica está a
idéia da manutenção da paz e da ordem pela lei. Até onde
consigam chegar as relações sociais, nas suas mais varia­
das formas e independentemente dos seus graus de com ­
plexidades, haverá o Direito de fazer-se também presente,
disciplinando-as, regulamentando-as, ordenando-as. Nada
absolutamente poderá escapar ao seu controle e à sua efi­
cácia normativa. Há então uma coincidente linha demarca-
tória, de m odo que o Direito sempre atinge o ponto mais
longínquo até o qual as relações sociais tenham alcançado.
Variam os autores ao procurarem conceituar o que
venha a ser a Ordem Jurídica. Ponto comum, contudo, entre
os mais renomados, é a afirmativa de que a Ordem Jurídica
é “o sistem a de legalidade do Estado".
De fato, não há que se negar que ela constitua um ver­
dadeiro sistema legal com preendendo não só os atos legis­
lativos (leis ordinárias, medidas provisórias etc.) com o
todas as demais fontes à disposição do Direito, estando
implícitos os tratados internacionais, as sentenças, os con ­
tratos, a analogia, os costumes, os princípios gerais de
direito etc.

42
Introdução ao Estudo do Direito

Somente com tal amplitude poder-se-á considerar a


Ordem Jurídica. Ela não pode m esmo ficar restrita apenas
às leis. Tbndo a incumbência de dar solução a todos os con­
flitos de interesses, se se pautasse exclusivamente nas
leis, certamente a Ordem Jurídica não poderia cumprir pre­
cisamente a sua missão. Isso porque nem sempre existe lei
que p ossa ser aplicada ao caso concreto surgido no vasto e
com plexo cam po do relacionamento dos indivíduos. E,
com o é óbvio, na ausência da lei, outros recursos terão que
ser utilizados.
Variam também os autores, ora referindo-se à “Ordem
Jurídica" e ora ao “Ordenamento Jurídico” . Entendemos
que entre elas não haja diferença considerável, podendo as
expressões ser tidas com o idênticas, pois se referem a uma
m esm a objetividade.
“Ordenamento Jurídico” ou “Ordem Jurídica” é o sis­
tema de legalidade do Estado. É a organização e discipli-
namento da sociedade através do Direito. É a parte do
Ordenamento Social que estabelece ou restabelece a
ordem e a segurança, o equilíbrio enfim das relações inter-
subjetivas, pelo Direito, neste com preendidas não só as
normas jurídicas com o todas as demais fontes com ponen­
tes do sistema de legalidade do Estado.

13 . Sendo o “Ordenamento Jurídico" um sistema,


imperioso torna-se dizermos que ele possui uma estrutura­
ção. Não poderiam as leis, os contratos, os tratados e todos
os demais com ponentes permanecer sem qualquer cone­
xão entre si.
Por essa razão, ADOLF MERKEL expôs, e HANS KEL-
SEN adotou, uma teoria pela qual se admite que as normas
que dão sentido ao Direito de um país são entrelaçadas e
mantêm entre si relações de fundamentação ou derivação,
vindo a constituir uma estrutura específica que é o
“Ordenamento Jurídico” .

43
Orlando de Almeida Secco

Do exposto, pode-se concluir que a estruturação do


“Ordenamento Jurídico" se faz em obediência a dois prin­
cípios:

a) entrelaçamento;
b) fundamentação ou derivação.

Pelo princípio do entrelaçamento, as leis, contratos,


tratados, sentenças e todas as demais fontes, não se encon­
tram livres e em estado de isolamento; estão, isto sim, inter­
ligadas e entrelaçadas, constituindo um todo harmonioso.
É fácil concluir que, se não houvesse tal interligação, os
conflitos entre leis e contratos, entre sentenças e leis etc.,
seriam reiterados e constantes, acarretando conseqüente­
mente o desequilíbrio e a desintegração do próprio sistema.
O princípio da fundamentação ou derivação estabele­
ce que as normas se fundam ou derivam de outras normas,
constituindo uma verdadeira linha de descendentes suces­
sivos a partir de um ascendente comum. O ascendente
comum que dá origem a tudo é a norma fundante ou funda­
mental. Os descendentes são as normas fundadas.
A importância desse princípio, que será mais aprofun-
dadamente estudado quando tratarmos da hierarquia das
leis, é que, derivando uma norma das outras e todas de um
ascendente comum, elas seguem uma linha lógica e formal
de idéias básicas, eliminando assim toda sorte de incom ­
patibilidades que certamente ocorreriam se não houvesse
tal fundamentação.

14 . O “ Ordenamento Jurídico” há que se apresentar


estruturado de uma forma tal que possa dar solução a
todos os casos e questões suscitadas na prática.
Devendo o Direito acompanhar, com o já dissem os
anteriormente, o evoluir das relações sociais, não poderá,
pois, deixar a descoberto, sem dar solução, qualquer litígio

44
Introdução ao Estudo do Direito

ou conflito capaz de abalar o equilíbrio, a harmonia, a


ordem e a segurança da sociedade.
Mas, com o se sabe, nem sempre a lei abrange a tota­
lidade das hipóteses possíveis na prática. Como se vê,
pod e ocorrer que num dado momento surja um conflito
resultante de uma situação ainda não prevista em lei.
Sendo a lei omissa, isto é, lacunosa acerca da hipótese,
ficará o conflito suscitado sem solução? Logicamente que
não! Somos daqueles que entendem poder existir lacunas
na lei, mas o Direito terá sempre que dispor de outros
m eios para promover a com posição de um conflito, por
mais inédito que este seja. Logo, pode haver lacunas na lei,
mas, no Direito, não haverá jamais!
O "Ordenamento Jurídico" é, pois, completo, auto-
suficiente.
Como o “Ordenamento Jurídico’’ não se constitui
somente de leis, podem os então afirmar que a sua estrutu­
ra, a sua sistemática, possui diversos elementos essen­
ciais. Enumeremos então os principais elementos que com ­
põem a estrutura do "Ordenamento Jurídico” , independen­
tem ente da importância ou prevalência que possa existir
entre eles, assinalando desde já que a relação não está
completa:

a) Constituição;
b) Leis Constitucionais (Emendas e Leis
Complementares à Constituição);
c) Leis Ordinárias;
d) Tratados, Acordos, Atos e Convenções Interna­
cionais;
e) Leis Delegadas;
f) Decretos-leis. (Obs.: ver o art. 25, §§ 1- e 2-, do
“Ato das Disposições Constitucionais Transitó­
rias” , convertendo-os em ‘M edidas Provisórias' );
g) Regulamentos;

45
Orlando de Almeida Secco

Ta) Decretos, Medidas Provisórias, Decretos Legisla­


tivos, Resoluções;
i) Portarias, Atos Normativos, Circulares etc.;
i) Contratos em geral, inclusive os Contratos Cole­
tivos de Trabalho;
D Analogia;
m) Costumes;
n) Princípios Gerais de Direito;
o) Doutrina;
P) Jurisprudência.

Pode-se assim ter idéia, ainda que superficial, de


quantos elementos contribuem para a formação estrutural
de um "Ordenamento Jurídico” , permitindo ao Direito atin­
gir sua finalidade precípua.

15 . O "Ordenamento Jurídico” brasileiro está funda­


mentalmente estruturado com os elementos que acabam os
de mencionar. Tais elementos, contudo, para terem eficá­
cia, há que atender a uma condição indispensável: ob e­
diência aos ditames da Constituição. Isso porque o nosso
sistema de legalidade é do tipo constitucionalista. Vale
dizer que todo o nosso Direito Positivo, para ter validade,
deve fundamentar-se ou derivar-se dos princípios prescri­
tos pela Constituição Federal, lei fundante ou fundamental,
e que vai estabelecer os lineamentos gerais a serem obri­
gatoriamente seguidos.
Assim, no nosso Ordenamento Jurídico os dispositivos
constitucionais assumem a regência de todo o sistema.
O nosso País é uma República Federativa. Nele os
Estados têm poderes para se organizar e se reger pelas
Constituições (estaduais) e leis (também estaduais) que
venham a adotar; mas as suas autonomias não são ilimita­
das, pois os princípios estabelecidos pela Constituição
Federal terão que ser obrigatoriamente aceitos e respeitados.

46
Introdução ao Estudo do Direito

Os Estados da Federação têm, então, uma autonomia condi­


cionada, com todos os poderes que, explícita ou implicita­
mente, não lhes sejam vedados pela Constituição Federal.
Com o podem os facilmente vislumbrar, há então um
ordenamento jurídico de âmbito federal, com eficácia em
todo o País, assim com o há um ordenamento jurídico de
âmbito estadual, exclusivo para cada Estado da Federação.
Mas, sem dúvida, em ambos a supremacia da Constituição
Federal é questão imperativa e indiscutível.
Os municípios, "eadem ratione” (‘pela mesma razão'),
desfrutam de autonomias também condicionadas. As suas
legislações, identicamente, devem seguir os ditames da
Constituição do Estado a que pertença e, por via de con se­
qüência, da própria Constituição Federal.
Portanto, no Ordenamento Jurídico brasileiro ressalta
uma perfeita hierarquia, tendo-se na Constituição Federal o
ponto culminante do sistema, a exercer a regência do todo.
Para exemplificar-se o entrosamento existente, tom e­
m os por m odelo um “Contrato Individual de Trabalho” . A s
cláusulas desse tipo de contrato - para serem válidas - há
que seguir, de plano, as normas contidas na Consolidação
das Leis do 'Erabalho (C.L.T.), especialm ente o artigo 442 e
seguintes. Há, porém, determinados aspectos desse con­
trato que deverão - além de obedecer à C.L.T. - seguir
legislações paralelamente existentes e que disciplinam
especificam ente algumas matérias, tais como: as férias, os
reajustamentos salariais, o salário mínimo profissional, a
indenização ou o fundo de garantia no caso da cessação
das relações empregatícias, dentre inúmeras outras. Mas,
não só o Contrato Individual d e Trabalho, com o a
Consolidação das Leis do Trabalho e as demais leis especí­
ficas pertinentes, por serem integrantes do Ordenamento
Jurídico, todos, sem distinção, terão que obedecer aos pre­
ceitos da Constituição Federal, enumerados no artigo 7fl e
seus incisos I a XXXIV; no artigo 8a, seus incisos I a VIII, e

47
Orlando de Almeida Secco

seu parágrafo único; e, nos artigos 9a, 10 e 11. A propósito,


artigos esses que asseguram os mais contemporâneos
direitos conquistados pela classe trabalhadora urbana e
rural do País.
Como se vê, a Constituição Federal é que dá os linea-
mentos gerais, os quais são particularizados pelas diversas
leis sem que estas jamais fujam à idéia central básica e
sem conflitarem com ela, até chegar-se ao contrato indivi­
dual, cujas cláusulas refletirão, necessariamente, a harmo­
nia de todo o conjunto jurídico e a interligação dos seus
diversos institutos e aspectos.

16 . Quanto à conceituação do que venha a ser o dever


jurídico, cumpre esclarecer que ele é fundamental à própria
idéia de direito, com o também é essencial aos propósitos
do Ordenamento Jurídico.
Não há direito que não corresponda a um dever, a uma
obrigação. O direito de alguém há de ser exercido sempre
contra outrem, que em últim a análise é o responsável pela
obrigação ou pelo dever correspondente. E mais, o direito
há de estar totalmente amparado e tutelado pelo Ordena­
mento Jurídico.
Assim, o dever jurídico é a conduta a que está sujeito
o responsável por uma obrigação em decorrência do que
estabelece a lei. É a obrigação imposta pela lei, cujo cum­
primento esta garante e assegura, sob pena de uma sanção.
O dever jurídico, pois, é fundamental à própria idéia
do direito porque não se pode conceber a existência deste
sem que, em contrapartida, exista uma obrigação. Também
é essencial aos propósitos do Ordenamento Jurídico, por­
que a organização da sociedade pelo Direito exige que a
obrigação seja determinada por lei, justamente para que o
seu cumprimento se torne obrigatório e garantido.
Na idéia de dever jurídico está implícita conduta
imposta por lei, consistente em se fazer ou em se deixar de

48
Introdução ao Estudo do Direito

fazer alguma coisa. Há, portanto, um dever jurídico positi­


vo e um dever jurídico negativo.
O dever jurídico é positivo quando a lei determina que
se deva agir, que se deva fazer alguma coisa; é negativo
quando a lei determina que se deva omitir, isto é, deixar de
fazer alguma coisa. Exemplo de dever jurídico positivo tem
com a obrigação de se fazer o pagamento, no vencimento,
de uma dívida contraída. (Novo Código Civil, artigo 397.)
E, de dever jurídico negativo, com a obrigação do marido
de não prestar fiança sem a autorização da sua esposa, e
vice-versa. (Novo Código Civil, artigo 1.647, inciso III.)
Adem ais, com o bem salientou HERMES LIMA, todos os
deveres penais são negativos. De fato, é nosso dever "não
matar” , "não caluniar", “não furtar” , “não danificar” , den­
tre muitos outros.
Estando todos os elementos do Ordenamento Jurídico
voltado precipuamente para a tutela dos direitos, logica­
m ente culminam por impor deveres jurídicos. Os direitos
são garantidos e assegurados porque o descumprimento
d os deveres jurídicos acarreta sem pre conseqüências
maléficas a que chamamos sanções.
Basicamente, ainda dentro da temática do dever jurí­
dico, estão as noções do lícito e do ilícito. É a lei que forne­
ce os critérios diferenciadores, os conceitos de um e do
outro. Na realidade, o dever jurídico im põe ora uma ação,
ora uma omissão. Será lícito fazer ou deixar de fazer, con ­
forme determinado pela lei. Será ilícito não fazer quando a
lei determinar que se faça, e vice-versa.
Fundamentalmente, a distinção existente entre o líci­
to e o ilícito está no fato de que o primeiro representa tudo
aquilo que não é vedado pelo Direito, logo, tudo aquilo que
é juridicamente permitido, enquanto o segundo, o ilícito,
em sentido exatamente oposto, caracteriza tudo o que seja
juridicamente defeso, proibido.

49
Orlando de Almeida Secco

Era termos de extensão, o cam po do lícito é muito


amplo, abrangendo não só o que seja permitido pelo
Direito, com o tam bém o que lhe seja totalmente indiferen­
te. Assim, também, tudo o que não chegue a ser expressa­
mente permitido nem tam pouco vedado. Vale dizer que se
terá com o lícito o que a lei não tenha demonstrado qual­
quer interesse em disciplinar, ficando ao arbítrio de cada
indivíduo, consoante a sua conveniência pessoal, fazer ou
deixar de fazer. Exemplificando: não há lei que obrigue o
indivíduo a se casar. O estado civil de solteiro é, pois, líci­
to. Ao Direito é totalmente indiferente que uma pessoa
passe a vida inteira sem se casar.
No Código Penal até recentemente estava prevista
uma hipótese de extinção da punibilidade pelo casamento
do agente (autor do crime) com a ofendida (vítima) nos cri­
mes contra os costum es (artigo 107, inciso VII). N esse caso
o casamento era facultativo, podendo o agente preferir per­
manecer solteiro, embora se sujeitando ao cumprimento da
pena que lhe fosse imposta pelo Juiz criminal.
Ocorre que o m encionado artigo 107, inciso VII, do
Código Penal, foi revogado pela Lei nfl 11.106/05.
O ilícito caracteriza a ação ou a om issão contrária ao
disposto pela lei a respeito. A extensão do ilícito é bem
menor do que a do lícito, circunscrevendo-se apenas ao
que a lei disciplinou, permitindo, facultando ou proibindo.
Na ilicitude está implícito um procedimento antijurídico,
isto é, uma ação ou mesmo uma omissão opostas ao que a
lei determine.
O ilícito pode-se apresentar de dupla maneira: ilícito
civil e ilícito penal.
O ilícito civil está definido pelo artigo 186 do novo
Código Civil, caracterizando a ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência, que violar direito ou causar
prejuízo a outrem, obrigando a reparar o dano.

50
Introdução ao Estudo do Direito

O ilícito penal é a ofensa à lei penal, representando


ações ou omissões típicas, definidas com o sendo crimes, con­
travenções, ou ainda, atos infracionais análogos a crimes.
Os crimes basicamente estão previstos no Código
Penal. Vez por outra surgem em leis específicas, a exemplo
da chamada “Lei dos Tóxicos" (Lei nfi 6.368/76, esta atual­
mente já revogada, vigorando agora em seu lugar a Lei na
11.343, de 2006.
As contravenções constam da “Lei das Contravenções
Penais" (Decreto-lei na 3.688/41).
Os atos infracionais análogos a crimes estão vincula­
dos ao “Estatuto da Criança e do A dolescente", o conheci­
do ”ECA” , Lei nfl 8.069/90, aplicável aos menores quando
na situação de infratores, de que é exem plo o adolescente
que rouba ou furta.
Concluindo, por esclarecedor, cumpre ser aqui inseri­
da a afirmação de LEVI, m encionada por HERMES LIMA
em sua obra “ Introdução à Ciência do Direito".

"O direito divide o cam po das a ções humanas em duas


zonas bem distintas: tudo que está aquém da linha tra­
çada p elo direito é lícito; tudo que estiver além dessa
linha é ilícito. O lícito é o cam po das p reten sões garan­
tidas p elo direito; o ilícito é o campo das responsabili­
dades sancionadas p elo direito ”.

Portanto, se for, imaginariamente, traçada uma linha


divisória para delimitar com precisão as áreas do lícito e
do ilícito, surgirão zonas distintas e perfeitamente caracte­
rizadas:

a) aquém dessa linha estará o lícito, representado


por tudo aquilo que seja expressamente permiti­
do, aprovado ou tom ado possível pelo Direito;

51
Orlando de Almeida Secco

b) coincidentemente com essa linha ainda estará o


lícito, constituído por tudo aquilo que não foi con ­
tem plado pelo Direito, sendo-lhe totalmente indi­
ferente;
c) além dessa linha estará o ilícito, com tudo o que
seja vedado, rejeitado ou condenado pelo Direito.

17. PAULO CONDORCET afirma de maneira resoluta


e incisiva:

"Onde há hom ens, há interesses; onde há interesses, há


conflitos; e, onde há conflitos, surge a necessidade de
com pô-los”.

Complementa o seu pensamento, citando o conceito


de Direito formulado por SAN TIAGO DANTAS e por este
tantas vezes repetido em suas memoráveis aulas:

"Direito é a técnica de com posição de conflitos".

Sem dúvida, é através do Direito que os conflitos de


interesses são equacionados e solucionados. Logo, haven­
do tais conflitos, caberá ao Ordenamento Jurídico restabe­
lecer a harmonia, fazendo as indispensáveis com posições.
O conflito de interesses com preende então as diver­
gências ou disputas por duas ou mais pessoas acerca de
um bem ou direito incapaz de pertencer ou de ser atribuí­
do a todas simultaneamente. Desse modo, há conflito de
interesses quando duas pessoas, por exemplo, se dizem
proprietárias de um m esm o imóvel, sem que haja co-pro-
priedade entre elas; ou, ainda exemplificando, quando uma
pessoa se diz credora de uma segunda pessoa e esta alega
nada mais dever à primeira.
Quaisquer que sejam os exemplos de conflitos de inte­
resses apresentados, é certo que o Direito não poderá per­

52
Introdução ao Estudo do Direito

manecer indiferente a nenhum deles. A inércia se houves­


se iria quebrantar a paz social e gerar o descrédito do pró­
prio Ordenamento Jurídico. Ato contínuo, a ordem cederia
lugar ao caos!
Havendo conflito de interesses, terão que ser restabe­
lecidos o equilíbrio e a harmonia mediante a aplicação da
lei cabível à espécie. E, se a lei não for suficiente, ou
mesmo se inexistir lei a respeito, terá, com o de fato tem, o
Ordenamento Jurídico, que dispor de outros meios, de
outras fontes, para atingir a sua finalidade.
Segundo a Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro
- Decreto-lei n2 4.657, de 4 de setembro de 1942 -, em seu
artigo 4a, lei essa que não foi expressamente revogada pelo
novo Código Civil, o que se conclui lendo o disposto pelo
artigo 2.045 do mesmo. Diz o aludido artigo 4~:

"Quando a lei for omissa, o ju iz decidirá o caso de acor­


do com a analogia, os costumes e os princípios gerais
de direito”.

O mesmo diploma legal mencionado, no artigo 5a, diz:

“Na aplicação da lei, o ju iz atenderá aos fins sociais a


que ela se dirige e às exigências do bem comum".

Compulsando simultaneamente esses dois dispositi­


vos legais, podem os tirar as seguintes ilações:

1. Os conflitos de interesses deverão ser apreciados


pelo Poder Judiciário, a quem com pete decidi-los
e solucioná-los; prerrogativa, aliás, prevista na
Constituição Federal, no artigo 5a, inciso XXXV.
2. Se a lei for lacunosa ou omissa, o juiz não p od e­
rá deixar de julgar o ca so com fulcro nessa justi­
ficação, devendo então recorrer às demais fontes

53
(Mando de Almeida Secco

colocadas à sua disposição pela Ordem Jurídica


e decidir.
3, A o aplicar a lei, deverão ser observados dois prin­
cípios básicos; o da normalidade e o da suprema­
cia do interesse público. Pelo primeiro, toda lei
sempre possuí uma finalidade social e dirige-se
normalmente a um objetivo certo. Esse objetivo é
a “mens legis" (a ‘intenção da lei’, o 'espírito da
lei’), ou seja, a sua finalidade, o seu propósito.
Pelo segundo, a lei condiciona e subordina o inte­
resse privado ou individual ao interesse público
ou da coletividade. Assim sendo, quaisquer solu­
çõ es que satisfaçam aos interesses das partes
envolvidas mas que venham a contrariar interes­
se público não poderão prevalecer, porque este
tem sempre supremacia sobre aqueles. Por outro
lado, as soluções que satisfaçam os interesses
das partes sem ferir qualquer interesse público,
em regra, não sofrem restrições, sendo eficazes,
salvo a eventualidade de portarem alguma irre­
gularidade insanável.

O conflito de interesses, em geral, encerra-se, judicial­


mente, com a publicação da sentença de mérito, proferida
pelo juiz competente, pela qual é acolhido ou rejeitado, no
todo ou em parte, o pedido formulado pelo autor. Encerra-se
nessa fase (julgamento de primeira instância ou de primei­
ro grau), caso não haja a interposição de nenhum recurso,
tempestivo, isto é, dentro do prazo permitido para recorrer.
É através da sentença que o juiz presta e cumpre o ofí­
cio jurisdicional, atribuindo justiça.
Pode, todavia, o conflito de interesses ser encerrado
de inúmeras outras maneiras, bastando, para ilustrar, que
se m encionem as seguintes: acordo celebrado pelas par­
tes; renúncia ao direito; desistência da ação pela parte

54
Introdução ao Estudo do Direito

autora; reconhecim ento pela parte ré quanto à procedên­


cia do pedido; pronunciamento judicial no tocante à pres­
crição ou à decadência; perecím ento do objeto; cumpri­
m ento da obrigação.
Decidido o conflito, solucionado o caso, prevalecerá
incontestavelmente a máxima latina;

“Sententia quae in rem judicatam transit, pro verítate


habetur1'.

ÇA sentença transitada em julgad o, tem-se por


verdade’) .

Por oportuno, esclarece-se que senten ça transitada


em julgado é aquela contra a qual não caiba mais qualquer
recurso, de m odo que é tida com o sendo uma sentença
definitiva e, portanto, imutável! Exemplo: se o réu foi con ­
denado a uma pena de 12 (doze) anos de reclusão e a sen­
tença condenatória transitou em julgado, não existe mais
qualquer possibilidade de diminuir-se a pena contra ele
aplicada, bem com o se torna.im possível reverter o julga­
mento a fim de absolver-se o acusado. N esse particular, a
bem da verdade, a legislação processual penal, mais pre­
cisamente o Código de Processo Penal (C.EP), até que
admite o reexame dos processos criminais já julgados e,
portanto, já findos e com sentenças transitadas em julga­
do. Prevê o artigo 621 três situações distintas, que são as
seguintes: Ia) quando a sentença condenatória for contrá­
ria ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos;
2â) quando a sentença condenatória se fundar em depoi­
mentos, exames ou docum entos comprovadam ente falsos;
3â) quando, após a sentença, se descobrirem novas provas
de inocência do condenado ou de circunstância que deter­
mine ou autorize a diminuição especial da pena. E a cha­
mada ’revisão criminal'.

55
Capítulo V
A Norma Jurídica

38. Conceito - 19. Estrutura - 20. Natureza - 2 1 . Características -


22. Junções - 23, Classificação - 24. Destinatário - 25. Validade.

18. Toda norma está circunscrita à idéia de com o se


deve proceder para atingir determinada finalidade.
As normas jurídicas, com o regras de conduta e de
organização que são, prescrevem a maneira de agir de
cada indivíduo de m odo que se consiga estabelecer harmo­
nia, ordem e secjurança numa sociedade humana.
Variados são os conceitos de norma jurídica, mas
quase todos têm convergência para um ponto comum que
é o amoldamento da conduta de cada indivíduo ao interes­
se e bem-estar da sociedade.
Segundo MACHADO PAUPÉRIO:

"A ordem jurídica expressa-se através d e normas, que


têm sem pre a forma im perativa e que se podem decom ­
p or em ordens ou p roibições"
(...) “O im perativo jurídico, traduzido pela norm a,
im põe padrões de com portam ento ou de organização
aceitos p elo grupo social, que é m ister respeitar".
(...) “A s noúnas jurídicas são regras que im põem o com ­
portam ento adequado à consecução da ordem e da
segurança na sociedade".

Para J. FLÓSCOLO DA NÓBREGA:

"Normas jurídicas são regras que prescrevem a condu­


ta adequada para conseguir-se ordem e segurança nas
relações sociais".

57
Orlando de Almeida Secco

Para PAULO DOURADO DE GUSMÃO:

“Norma jurídica é a proposição norm ativa inserida em


uma ordem jurídica, garantida p elo pod er pu blico
(direito interno) ou pelas organizações internacionais
(direito internacional). Proposição que pod e disciplinar
condutas ou atos (regras de conduta), com o p od e não
as ter p or objeto, coercitivas e providas de sanção.
Visam garantir a ordem e a p a z social e internacional".

Assim, as normas jurídicas são as regras imperativas


pelas quais o Direito se manifesta, e que estabelecem as
maneiras de agir ou de organizar, impostas coercitivamen-
te aos indivíduos, destinando-se ao estabelecim ento da
harmonia, da ordem e da segurança da sociedade humana.

19. A s normas impõem regras de conduta para que


possam ser atingidas condições ideais de ordem e de segu­
rança, indispensáveis ao convívio do homem numa socie­
dade. Vale dízer-se que elas estabelecem uma linha ideal
de comportamento que, sendo obedecida criteriosamente
por todos os indivíduos - ou punindo todos aqueles que
prefiram se desviar dela influirá de maneira decisiva,
amoldando o m odo de agir de cada pessoa e, assim, esta­
belecendo uma sociedade organizada.
Pela própria finalidade, toda norma é dotada de impe-
ratividade, isto é, de comando. Dela em erge sempre uma
ordem, cuja obediência se impõe, tendo em vista principal­
mente o fim colimado, que é a paz e a segurança de todos
os indivíduos que constituem a coletividade, o grupamen­
to social.
No que concerne à imperatividade da norma, há que
se fazer, todavia, uma bipartição, tendo em vista o maior ou
menor rigor do seu enunciado, a dependência ou não em
relação a um fato.
introdução ao Estudo do Direito

Assim é que ressaltam dois tipos de comandos, perfei­


tamente caracterizados, denominados, respectivam ente,
"imperativo categórico” e “imperativo hipotético” .
O imperativo categórico, com o a própria denominação
nos faz concluir, é taxativo, não permite qualquer flexibili­
dade quanto ao entendimento de sua aplicação. Ele deter­
mina incisivamente que se deve agir de uma determinada
maneira e não dá margem a qualquer alternativa.
A s normas de imperativo categórico são geralmente
expressas pela fórmula: DEVE SER “A ”.
É uma fórmula simples, ou seja, constituída de um só
elemento, denominado: enunciado, dispositivo ou co n se­
qüência.
Assim, há uma obrigação, um dever a ser cumprido
incondicionalmente pelo destinatário da norma. Essa obri­
gação, esse dever, tanto poderá ser no sentido positivo,
fazer alguma coisa, com o no sentido negativo, não fazer
alguma coisa, isto é, deixar de fazer alguma coisa.
É m issão fácil exemplificar-se uma norma de imperati­
vo categórico positivo ou de imperativo categórico negati­
vo, tom ando-se por base a moral,, os costum es e a religião,
Quando as normas dizem: “ Respeite a fila” , “Silên­
cio!", “Honrar pai e mãe" etc., praticamente está determi­
nando uma forma de conduta pela qual alguém deverá agir
da maneira indicada em relação a outrem.
É imperativo categórico positivo, porque ordena ao
destinatário da norma que proceda com o indicado pela
mesma, sem quaisquer alternativas. Deve ser assim, dessa
maneirai
Quando, por outro lado, a norma diz que: “É proibido
fumar” , "É proibido falar com o m otorista” etc., está exigin­
do, exatamente, que o sujeito deixe de fazer; que se abste­
nha d e realizar algo em relação a alguém, daí o imperativo
categórico negativo.

59
Orlando de Almeida Secco

Transportemos tais exem plos para a fórmula indicada


(DEVE SER “A” ), encontraremos então os correspondentes
imperativos categóricos, quais sejam: ‘DEVE SER “respei­
tada a fila” ; DEVE SER “feito silêncio” ; DEVEM SER “hon­
rados pai e m ãe”; NÃO SE DEVE “fumar”; NÁO SE DEVE
“falar com o m otorista".’
O imperativo hipotético é m enos taxativo, já admitin­
do certa flexibilidade, pois o comando que em erge da
norma som ente se aplica à hipótese prevista pela mesma.
Isso significa que a maneira de agir somente tom ar-se-á
obrigatória quando perfeitamente enquadrado na hipótese
correspondente, ou nas demais hipóteses previstas. Fora
isso não há obrigatoriedade por parte do destinatário da
norma. Há, portanto, com o dissem os razoável flexibilidade
do com ando normativo.
Também as normas de imperativo hipotético têm a sua
fórmula, que é a seguinte: SE FOR “B ”, DEVE SER "A".
Trata-se nesse caso de uma fórmula composta, isto é,
constituída de mais de um elemento ou partes.
Há, na fórmula, duas partes. Cada uma dessas partes
possui denom inação própria. SE FOR “B” , é a hipótese,
suposto ou fato, enquanto que DEVE SER “A” , é o enuncia­
do, dispositivo ou conseqüência.
A diferença entre as duas fórmulas é que na de im pe­
rativo hipotético o enunciado ou dispositivo fica na depen­
dência de ocorrer uma hipótese ou fato, enquanto na de
imperativo categórico não depende de nenhuma ocorrên­
cia, havendo uma ordem pura e simples para ser obedeci­
da em quaisquer circunstâncias.
Inspirados na concepção formalista do Direito, expos­
ta magnificamente por HANS KELSEN, segundo a qual o
Direito é norma e, com o tal, uma vinculação íntima e lógica
de um fato a uma conseqüência, vários autores atribuem
ser a norma jurídica um exemplo típico de norma de im pe­

60
Introdução ao Estudo do Direito

rativo hipotético, no que têm razão, pois, em regra, é assim,


embora sejam conhecidas exceções.
Não resta a menor dúvida de que a maioria das nor­
mas jurídicas se enquadra no tipo representado pela fórmu­
la do imperativo hipotético; não, porém, a totalidade delas.
Para ilustrar o acima dito, analisemos algumas normas
jurídicas rigorosamente de imperativo hipotético:

a) Diz o artigo 1.223, do novo C ódigo Civil:


“Perde-se a p osse quando cessa, em bora contra a
vontade do possuidor, o pod er sobre o bem

Usando a fórmula SE FOR “B” , DEVE SER “A” , conclui-


se que, se for cessado o poder sobre o bem, ainda que contra
a vontade do possuidor, deve ser perdida a posse desse bem.
Nesse caso, a perda da posse dependerá de ocorrer a
hipótese ou o fato que é a cessação do poder sobre a coisa.
Não havendo cessação desse poder sobre a coisa, perda da
posse não haverá, no exemplo dado. Logo, a cessação do
poder sobre o bem é a hipótese, suposto ou fato, enquanto
que a conseqüência, dispositivo ou enunciado é a perda da
posse.
Ainda utilizando o m esm o novo C ódigo Civil, consta­
ta-se outro exemplo:

b) Diz o artigo 1.521, inciso I:


“Não podem casar: I. os ascen d en tes com os d escen­
dentes, seja o parentesco naturaJ ou civil

Temos agora o exemplo de imperativo hipotético de


sentido negativo, isto é, ordem hipotética proibitiva.
Transportemos o exemplo à fórmula SE FOR "B", DEVE
SER “A” . Constatamos então a presença, nesse caso, de
duas hipóteses ou fatos distintos para uma única conse­
qüência ou dispositivo. Se for “ascendente e o parentesco

61
Orlando de Almeida Secco

natural" (ia hipótese), ou se “for ascendente e o parentesco


civil” (2a hipótese), “ não pode casar” , ou seja, deve ser
“proibido o casam ento" com o descendente (conseqüência).
Em todos o s demais ramos d o Direito, e náo apenas no
Direito Civil, encontraremos normas predominantemente
d e imperativo hipotético- Citemos, apenas para ilustrar,
dois deles:

a) Diz o artigo 14, parágrafo 2fl, da Constituição Fe­


deral'.
“Náo podem alístar-se com o eleitores os estrangei­
ros,

Logo, “ se for estrangeiro” (hipótese ou fato), “ deve ser


proibido alistar-se com o eleitor” (conseqüência).

b ) Diz o artigo 121, do Código Penal, ao tipificar o


crime de hom icídio simples:
“M atar alguém : pena - reclusão, de seis a vinte
anos".

Assim, se “ se matar alguém" (hipótese ou fato), “ deve


ser imposta a pena de reclusão de seis a vinte anos” (con­
seqüência).
Quando dissem os que há, contudo, exceções quanto
ao fato de serem as normas jurídicas exem plos típicos de
imperativos hipotéticos, assim fizemos porque existem
algumas delas, em bora minoritárias, que som ente se
enquadram na fórmula das normas d e imperativo categóri­
co.
Vejamos alguns exemplos:

a) Constituição Federal, artigo 153, inciso VI:


"Com pete á União in stitu ir im p ostos sob re (...);
VI - propriedade territorial rural".

62
Introdução ao Estudo dó Direito

N esse caso, a fórmula então aplicável é: DEVE SER


“A", isto é f deve ser da “ com petência da Uniao a instituição
d o im posto sobre a propriedade territorial rural” .

b ) Novo Código Civil, artigo 472:


"O distrato fa z-se pela m esm a forma exigida para o
contrato".

Logo, deve ser “feito o distrato pela mesma forma exi­


gida para o contrato” .

c) Novo Código Civil, artigo 1.183 (artigo esse discipli­


nando a matéria que anteriormente era tratada pelo
artigo 14 do Código Comercial, código este revogado -
em parte - pelo novo C ódigo Civil):
"A escrituração será feita em idioma e m oeda corren­
te nacionais e em forma contábil

Assim, deve ser “feita a escrituração em idioma e


m oeda corrente nacionais e em íoim a contábil” .
A norma jurídica, quando ajustada à fórmula d o impe­
rativo categórico, tem apenas o dispositivo ao qual habi­
tualmente se denomina “enunciado da lei” ou “dispositivo
legal” .
Quando, porém, enquadrada na fórmula d o imperativo
hipotético, passa a ter duas partes com ponentes, quais
sejam:

1. Hipótese, suposto jurídico ou fato jurídico (SE FOR


“ B” ).
2. Conseqüência, enunciado da lei ou dispositivo legal
(DEVE SER “A” ).

Reiterando o que já ficara salientado, as normas jurídi­


cas são predominantemente d e imperativo hipotético, teo­

63
Orlando de Almeida Secco

ria, aliás, amplamente sustentada por HANS KELSEN e que


o levou a impugnar, decididamente, a tese de que as leis
seriam ordens partidas do Estado, pelas quais este expres­
saria a sua vontade por meio de um juízo categórico.
Segundo KELSEN, a vontade do Estado em aplicar
sanções não é incondicionada. Na realidade, ele - o Estado
- quer aplicar sanções unicamente se ocorrerem determi­
nadas situações; se acontecerem determinadas hipóteses.
Dai, expressar o seu pensam ento e fixar a sua posição de
que a norma jurídica não é outra coisa senão um juízo
hipotético.
No Brasil, MIGUEL REALE, recentemente falecido,
sustentava e demonstrava que há também normas jurídi­
cas de imperativo categórico, mormente “as de organiza­
ção, as dirigidas aos órgãos do Estado e as que fixam atri­
buições, na ordem pública e privada". Já exemplificamos
inclusive alguns casos em que a norma é taxativa e inde­
pendente de qualquer condicionante.
CARLOS COSSIO, partindo para o que denom inou
juízo disjuntivo, admite, entretanto, que a norma jurídica
nem é de imperativo categórico, nem é de imperativo
hipotético. Para ele, a norma jurídica é de imperativo dis­
juntivo.
Explica, então, que os imperativos disjuntivos, como,
aliás, também os imperativos hipotéticos, são condicionais.
A diferença entre eles, todavia, está no fato de que enquan­
to no juízo hipotético a condicionante é uma situação pré­
via, exterior ao juízo propriamente dita, no disjuntivo há
duas ou mais determinações, duas ou mais condicionantes
internas que se excluem mutuamente, de m odo que
somente uma delas poderá ser a verdadeira, a final. Assim,
a verdade de uma induz a falsidade da outra ou de todas as
demais condicionantes.
A teoria de COSSIO é expressa pela fórmula:

64
Introdução ao Estudo do Direito

SE FOR “B ”, DEVE SER “A " OU SE NÃO FOR “B ”, DEVE


SER “S”.

N essa fórmula a conjunção "ou ” separa, de um lado, a


conduta humana lícita, à qual COSSIO chamou “endonor-
m a” e, do outro lado, a conduta humana ilícita chamada
“perinorma” .
A ilicitude acarretará sempre uma sanção, expressa
nessa fórmula por “ S".
Exemplifiquemos, então, para que fique bem esclare­
cida a posição de CARLOS COSSIO. Tbmemos o mesmo
exemplo que nos dão AFTALIÓN, OLANO e VILANOVA:
O legislador ao tipificar o crime de homicídio (matar
alguém), não faz outra coisa senão formular um pensam en­
to acerca de certa conduta, mediante o par de conceitos
relativos “lícito-ilícito” . Por essa razão, resulta que tal pen­
samento é, indubitavelmente, disjuntivo (separativo). A
configuração do homicídio com o crime significa, assim, em
termos normativos, o seguinte: Se for “uma relação de con­
vivência, respeito e liberdade entre os homens em socieda­
d e ” , deve ser então “não matar” - ou - se não for “ob ed e­
cida tal relação” , deve ser então “ aplicada uma sanção ao
crim inoso” .
Em outras palavras:

“Dada uma certa situação de convivência, respeito e


liberdade, deve ser não matar, ou dado o homicídio,
deve ser a prisão do réu".

Como se vê, na primeira fórmula (endonorma) está o


que é lícito fazer, isto é, não matar; na segunda parte (peri­
norma) está o que se considera ilícito, o homicídio, com a
conseqüente cominação de uma sanção ao criminoso, ou
seja, a prisão do assassino.

65
Orlaado de Almeida Secco

Do exposto, não se pode realmente negar, há normas


jurídicas que se enquadram perfeitamente nas fórmulas
ora de imperativo hipotético, ora categórico e ora disjunti-
vo. Entendemos, contudo, que a predominância ocorre com
o imperativo hipotético, limitando-se os imperativos cate­
górico e disjuntivo a casos de menor freqüência.
Por isso, para nós, a estrutura predominante das nor­
mas jurídicas está mais ajustada à fórmula d o imperativo
hipotético pelo qual, com o dissem os antes, o com ando que
emerge da norma somente se aplica à hipótese, fato ou
suposto, previstos pela mesma.

20. Quanto à natureza, as normas jurídicas são essen­


cialmente sociais e éticas, posto que visam estabelecer
padrões de condutas, isto é, linhas ideais de com portam en­
to, amoldando o m odo de agir d e cada indivíduo perante o
seu grupo para fins de estabelecer uma sociedade harmo­
niosa, organizada e ordenada.
Digamos, ainda, que são normas éticas imperativas,
normas dotadas de com andos, dos quais em ergem ordens
- positivas ou negativas - a serem obrigatoriamente respei­
tadas, com o já afirmadas anteriormente.
São, finalmente, normas éticas predominantemente d e
imperativo hipotético, ou seja, cujos com andos se aplicam
apenas às hipóteses previstas pelas mesmas.
Sendo as normas jurídicas essencialm ente éticas, lógi­
co é que mantenham íntimas vinculações com as demais
normas do m esm o tipo - morais e religiosas delas rece­
bendo uma grande influência.
Estaríamos bem próximos da realidade se d issésse­
mos então que o Direito germina e se desenvolve tendo a
Moral com o sem ente e a Religião com o fertilizante.

21. Quanto às principais características das normas


jurídicas, devem ser ressaltadas as seguintes:

66
Introdução ao Estudo do Direito

a) coercitividade ou im peratividade - nada mais é do


que o próprio sustentáculo da obrigatoriedade da
norma. O com ando emanado de uma norma jurí­
dica há que ser cumprido de qualquer maneira.
Para tanto, faz-se mister o em prego da força, da
coação. A coercitividade é, assim, um poder ine­
rente à própria norma jurídica e pelo qual ela se
impõe, se faz obedecer. Prova disso está no fato
de que a desobediência aos ditames da norma
jurídica acarretará sempre uma punição, uma
sanção. Não fosse ela coercitiva tal não ocorreria
e nem m esm o se justificaria;
b) heterogeneidade ou heteronom ia - que é a predo­
minância da norma jurídica independentemente
da vontade do destinatário da mesma. Vale dizei
que tanto faz se o indivíduo está inclinado a o b e­
decer a norma, se não tem qualquer vontade de
cumpri-la, ou até m esm o se tem vontade de des-
cumpri-la. A norma jurídica prevalece em quais­
quer circunstâncias dessas; subsiste, ainda que
os indivíduos discordem dela. A heterogeneidade
é, pois, essa indiferença da noxxna jurídica à von ­
tade individual. É essa prevalência da norma,
apesar de eventuais rejeições por parte dos d e s ­
tinatários;
c) bilateralidade - que é a correspondência entre as
duas partes sempre interligadas pela norma jurí­
dica. Não há direito d e alguém que não tenha o
correspondente dever ou obrigação de outrem.
Logo, ao direito de uma parte há que estar sem ­
pre vinculado o dever da outra parte. Daí a bilate­
ralidade, resultante do envolvimento d e duas par­
tes, obrigatoriamente, em face d o teor da norma;
d) generalidade ou abstração - que é a sua destina-
çã o abstrata, isto é, dirigida indistintamente a

67
Orlando de Almeida Secco

todos e não a alguém em particular. Sendo todos


Iguais perante a lei, ela não se volta para ninguém
especificamente; o seu propósito é estabelecer
uma fórmula-padrão de conduta aplicável a qual­
quer membro componente da sociedade humana.

Em síntese, a coercitividade, a heterogeneidade, a


bilateralidade e a generalidade reunidas são as caracterís­
ticas que estabelecem a diferença existente entre as nor­
mas jurídicas e as demais normas. É possível que qualquer
outra norma possua uma ou mais dessas características,
contudo, apenas as normas jurídicas possuem todas elas
simultaneamente.

22. Vislumbrando-se a norma jurídica sob o sentido


funcional, constata-se que ela tem por escop o estabelecer
uma definição das relações do homem em sociedade. É jus­
tamente voltada para tal propósito que ela se põe em evi­
dência, constituindo direitos, impondo obrigações e fixan­
do sanções.
A norma jurídica atua sempre coercitivamente; ela
coage, impõe, é imperativa! Através dela a maneira de agir
(“modus agendi” ) - de cada indivíduo sofre um rígido pro­
cesso de amoldamento, adaptando-se destarte ao convívio
com os semelhantes.
Para o bem da coletividade é preciso que sejam apara­
das as arestas do comportamento individual. É necessário
que se estabeleça uma conduta individual adequada aos
interesses coletivos.
Mas a obediência à norma jurídica nem sempre decor­
re pura e simplesmente da vontade natural e consciente de
cada um em assim proceder - atitude que seria, quando
muito, a eticamente aconselhável.
Muita vez a obediência à mesma resulta do próprio
receio que o indivíduo tem de vir a sofrer a punição aplicá­

68
Introdução ao Estudo do Direito

vel em face do seu descumprimento, pois, com o se sabe,


agir ao arrepio da lei é sujeitar-se, infalivelmente, a sérias
conseqüências.
Desse modo, constata-se que se cumprem as normas
jurídicas, basicamente, por três motivos distintos e inde­
pendentes entre si:

a) porque se tem plena consciência do dever (exem­


plo: alistar-se eleitor);
b) porque se é com pelido a satisfazer a obrigação a
fim de garantir qualquer interesse à m esma vin­
culada (exemplo: promover o registro da escritura
de aquisição de imóvel no Registro de Imóveis
para então se tornar efetivamente o proprietário,
o titular do domínio);
c) porque se temem as sanções inevitáveis que tal
desobediência acarretará (exemplo: pagar alu­
guéis em diar para não vir a sofrer um despejo).

Com o vimos - e apenas para exemplifícação -, a nor­


ma jurídica exigindo três maneiras de agir: “alistar-se elei­
tor", “registrar a escritura no órgão com petente", “pagar
em dia o aluguel” , obteve três diferentes formas de obe­
diências, sendo: uma espontânea, outra por interesse e
uma última por receio de sofrer a punição cabível.
Do exposto, pode-se concluir que a norma jurídica, a
lei, tem perfeitamente ressaltadas duas funções principais:
a atributiva e a organizatória.
A função atributiva da norma jurídica é aquela pela
qual, na manifestação ampla de sua imperatividade e
com ando, ela estabelece uma definição das relações dos
indivíduos em sociedade, mediante a constituição de pode-
res-direitos, a imposição de deveres-obrigações, e fixação
de sanções-pum ções.

69
Orlando de Almeida Secco

É pautado na função atributiva da lei que se afirma


corresponder sempre ao direito de alguém um dever de
outrem, posta que não há direito que não esteja correlacio­
nado a um dever, a uma obrigação.
Assim, a m esm a lei que atribui direitos, estabelece em
contrapartida obrigações, deveres.
Direitos e poderes, deveres e obrigações, sanções e
punições, nada mais são do que decorrências da função
atributiva da lei.
Todavia, a lei necessita seguir mais adiante, assegu­
rando eficazmente tudo aquilo que atribui. M esm o porque
d e nada valeria estabelècerem -se direitos e obrigações e
fixarem-se sanções se não fossem assegurados, respectiva­
mente, o® seus exercícios, os seus cumprimentos e as suas
aplicações.
Exatamente nesse particular é que se aloja a função
orgamzatória da lei,, credenciando determinadas pessoas,
às quais são outorgados os poderes necessários e indis­
pensáveis para garantir o exercício dos direitos, para exigir
que se cumpram os deveres e, finalmente, para aplicar e
executar as sanções impostas.
A função organizatória, portanto, é aquela pela qual
são investidas determinadas pessoas de autoridade para
no exercício d esse “ munus pubKcum” (‘encargo público')
zelarem pela aplicação da lei em toda a sua extensão, fina­
lidade e conseqüências. A í está» manifestada e presente, a
força organizada e estruturada em total apoio à aplicabili­
dade dos dispositivos legais aos casos concretos.
A norma jurídica, que dispõe, que atribui, que deter­
mina com o será aplicada, também organiza, isto é, consti­
tui um verdadeiro aparato para garantir a sua execução na
prática. Não fosse assim, improcedente seria term os afir­
m ado antes que há coercitívidade, imposição, imperativi-
dade enfim, na lei.

70
Introdução ao Êgtudo do Direito

A propósito, nos têm indagado s© vemos alguma dife­


rença entre eoatividade e coercitividade da norma jurídica,
aspecto esse que está intimamente ligado ao tema ora trata­
do. Respondendo, entendemos que coação é o ato de coagir.
Coagir, por sua vez, é constranger, é forçar. Coerção, porém,
parece-nos ser alguma coisa a mais! Coerção é repressão.
Todas as normas éticas, com maior ou menor intensi­
dade, coagem . Mais especificam ente coagem psicologica­
mente. Entretanto, som ente as normas jurídicas têm
repressão; som ente elas têm coerção, portanto.
Coerção é a força que emana da soberania do Estado
e que é capaz de impor o respeito a uma norma jurídica.
Assim, em nosso m odesto m odo d e ver, coerção - em
vez de ser sinônimo de coação - juridicamente falando - é
mais do que isso!
Por tais argumentos, sempre dem os preferência ao
termo coercitividade, em vez d e eoatividade, por entendê-
lo muito mais abrangente da força que está armazenada
em uma norma jurídica.
Na realidade, a coerção envolve, simultânea e basica­
mente, os dois tipos de coação: a psicológica, que está
implícita em todas as normas éticas, e a física, que só as
normas jurídicas exercem.
Apenas para complementar, com o exem plos de coa­
çã o psicológica têm: despejo, penhora, busca e apreensão
(Direito); excom unhão, censura e im olação (Religião);
expurgo e expulsão (Moral); com o exemplos de coação físi­
ca temos: prisão simples, detenção, reclusão, pena de
morte (Direito).
Com o somente a norma jurídica coage psicológica e
fisicamente, somente ela reprime, logo, é coercitiva.

23. Classificai as normas jurídicas não é tarefa muito


simples uma vez que existem inúmeros aspectos a serem
considerados.

71
Orlando de Almeida Secco

Na prática, constata-se a inexistência de uniformidade


de critério usado pelos mais conceituados autores. Isso é
plenamente justificável face à variedade de possibilidades
de classificação da norma jurídica, que pode ser, por exem ­
plo: quanto à natureza, quanto ao conteúdo, quanto à san­
ção, quanto à eficácia, quanto à fonte, quanto à aplicação
no tempo ou no espaço, quanto à hierarquia etc.
Procurando-se dar uma seqüência lógica ao tema, ini­
ciem os a nossa apreciação desvinculada propriamente das
normas jurídicas. Façamos, primeiramente, um breve estu­
do classificatório das leis em geral.
Muitas são as espécies de leis, mas, em princípio,
podem ser restringidas a dois únicos gêneros: leis consta-
tativas e leis normativas.
Em linhas gerais as constatativas dizem com o as coi­
sas “ são", enquanto as normativas expressam com o as coi­
sas “devem ser". A diferença conceituai é muito relevante
no caso.
Leis constatativas, com o o próprio nome está a indi­
car, são aquelas cujos enunciados refletem uma constata­
ção, uma comprovação, e o conseqüente registro de fatos
ou fenômenos que, face às suas habitualidades e repeti­
ções em determinadas condições, permitem fazer-se uma
afirmação prévia e concreta de com o as coisas realmente
acontecem, de com o as coisas são na realidade.
Nos dizeres seguros de PAULO CONDORCET:

“Permitem saber previamente o efeito exa to de um sis­


tema constante de fatores ou causas".

As leis constatativas admitem duas espécies princi­


pais:

a) leis científicas;
b) leis sociológicas.

72
Introdução ao Estudo do Direito

A s leis científicas exprimem as relações entre fenôm e­


nos naturais, isto é, fatos ou acontecim entos provenientes
ou em anados da própria natureza das coisas. Baseiam-se
essencialm ente na ocorrência, devidamente comprovada,
de fatos naturais.
Exemplos típicos de leis científicas são os enunciados
que se seguem:

“Dois corpos não podem ocupar, sim ultaneam ente, o


m esm o lugar no espaço".

"Na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se


transforma

"A toda a ação corresponde uma reação de intensidade


igual e de sentido contrário".

A s leis sociológicas, por sua vez, exprimem as relações


entre fenômenos sociais, isto é, fatos ou acontecimentos
tipicamente originários do inter-relacionamento humano; do
relacionamento estabelecido consciente ou inconsciente­
mente entre pessoas que vivem em uma comunidade.
Exemplifiquemos com alguns enunciados da estatísti­
ca social: “ a criminalidade aumenta na proporção direta do
crescimento da miséria e da promiscuidade"; “ a falha
humana é a responsável, percentualmente, pela maioria
dos acidentes que ocorrem ” .
Como se pôde observar nos exemplos dados, as leis
constatativas, quer sejam científicas, quer sejam sociológi­
cas, preceituam com o as coisas realmente “sã o ” , com o elas
de fato acontecem sistematicamente. Ninguém duvidará
da impossibilidade de dois corpos ocuparem simultanea­
mente o m esm o lugar no espaço, ou de que a criminalida­
de é tanto mais incidente quanto maior for o estado de

73
Orlando de Aíniéidá Secco

miserábilidade das pessoas é mais tiòtóriò o desordena-


fiièiitò sòcíál.
Tais enunciados, portarito, expressam que os fatos ou
fenômenos ocorrem assim, dessa maneira. Nunca é demais
repetir, declaram comO são às coisas.
Leis normativas, colocadas num outro extremo, pres­
crevem não com o as coisas são, não com o elas existem,
mas, sim, com o as coisas “devem sét” .
Tais leis devem -se ressaltar de plano, não possuem
tantã precisão em seus dispositivos com o as anteriores.
Ademais, não ousam faíar de quaisquer previsões. Vòltam-
sé precipuamente para a enunciação dás maneiras de ágir
individuais, das atitudes é condutas de cada membro de
lirna coletividade ou grupo social, dirigidas sempre para
um objetivoi o dà consecução do bem-estar comum.
Á s leis normativas admitem três espécies principais:

a) leis jurídicíâs;
b) leis religiosas;
c) leis morais.

Destaquemos apenas as primeiras indicadas, por­


quanto som ente as leis jurídícas interessam ao nosso estu­
do atual.
As leis jurídicas* também chamadas normas jurídicas,
são essencialmente leis normativas. São leis portadoras de
preceitos de caráter imperativo -atributivo, coercitivamente
impostos, visando determinar maneiras de agir e estabele­
cer postulados de organização perfeitamente adequados
ao interesse da sociedade humana.
A s normas jurídicas pertencem , pois, ao gênero de leis
normativas, vindo a ser uma das suas espécies.
Entendido o posicionamento que ocupam na generali­
dade das leis, procuremos então, agora, determinar as prin­

74
Intxodução 90 Estudo do Direito

cipais classificações das normas jurídicas. Vamos limitar-


nos, com o dito, apenas às principais:

I - Quanto à vontade das partes, ao poder de imposi­


ção ou eficácia, elas podem ser:

a) coercitivas, taxativas ou cogentes (“ius co g e n s” );


b) dispositivas ou permissivas (“ius dispositivum” ).

A diferença entre normas coercitivas e normas disposi­


tivas está no fato de que as primeiras limitam a autonomia da
vontade individual, por repressão, ora mandando, ora proi­
bindo, enquanto as segundas facultam, auxiliam ou até
mesmo completam essa manifestação de vontade individual.
Enquanto as normas coercitivas são taxativas, ora
ordenando, ora proibindo, as normas dispositivas limitam-
se a dispor, com grande parcela de liberdade.
As normas coercitivas subdividem-se em: imperativas
ou impositivas e proibitivas. As imperativas ordenam, im­
põem. As proibitivas vedam, proíbem. Exemplificando-as:

- Normas coercitivas imperativas, também chamadas


impositivas:
1) artigo 118, do novo Código Civil: "O representante é
obrigado a provar às pessoas, com quem tratar em
nom e do representado, a sua qualidade e a exten ­
são de seus poderes,
2) artigo 1.867, do novo Código Civil: "Ao ceg o só se
perm ite o testam ento público,
3) artigo 667, do novo C ódigo Civil: “O m andatário é
obrigado a aplicar toda a sua diligência habitual
na execu ção do m andato,

- Normas coercitivas proibitivas:

75
Orlando de Almeida Secco

a) artigo 412, do novo Código Civil: "O valor da com i-


naçâo im posta na cláusula penal não p od e exced er
o da obrigação principal”;
b) artigo 1.650, do Código Civil: "Não podem ser tes­
tem unhas em testam ento: I. Os m enores de 16
anos. (...) ” ;
c) artigo 580, do novo Código Civil: “Os tutores, cura­
dores, e em geral, todos os adm inistradores de b en s
alheios não poderão dar em com odato, sem autori­
zação especial, os b en s confiados à sua guarda."

As normas dispositivas, por sua vez, subdividem -se


em: interpretativas e integrativas ou supletivas. A s primei­
ras buscam esclarecer a vontade do indivíduo, manifestada
de maneira duvidosa ou obscura. Dão, portanto, o entendi­
mento apropriado e, por conseguinte, operam interpretati-
vamente. Já as segundas procuram preencher lacunas dei­
xadas por ocasião da manifestação da vontade. Atuam for­
necendo as correspondentes com plem entações. Integram
ou suprem a vontade. Exemplificando-as:

- Normas dispositivas interpretativas:


a) artigo 1.899, do novo Código Civil: "Quancfo a
cláusula testam entária for suscetível de interpre­
ta ções diferentes, prevaiecerá, a que m elhor asse­
gure a observância da vontade do testador";
b) artigo 1,902, do novo Código Civil: “A disposição
geral em favor dos pobres, dos estabelecim entos
particulares de caridade, ou dos de assistência
pública, entender-se-á relativa aos p ob res do lugar
do dom icílio do testador ao tem po de sua m orte,
ou dos estabelecim entos aí sitos, salvo se m anifes­
tam ente constar que tinha em m en te beneficiar os
de outra localidade";

76
Introdução ao Estudo do Direito

c) artigo 114, do novo C ódigo Civil: "Os n egócios jurí­


dicos ben éficos e a renúncia interpretam -se estritam en te”.

- Normas dispositivas integrativas, também chama­


das supletivas:
a) artigo 1.640, do novo C ódigo Civil: “Não havendo
convenção, ou sendo nula ou ineficaz, vigorará,
quanto aos b en s en tre o s cônjuges, o regim e da
com unhão parcial".
b) artigo 1.348, do velho Código Civil: “Não havendo
term o fixado para a entrega da obra, entende-se
que o autor p od e entregá-la quando lhe convier
( • :) " ■
(Observação: Não só este artigo 1.348, com o
também os artigos 1.346 a 1.358 do velho Código
Civil foram revogados pela Lei nfi 9.610, de 19 de
fevereiro de 1998, em seu artigo 115, lei essa que
promoveu a atualização e a consolidação da legis­
lação sobre D ireitos A utorais);
c) artigo 355, do novo Código Civil: "Se o devedor
não fizer a indicação do artigo 352, e a quitação for
omissa quanto à im putação, esta se fará nas dívi­
das líquidas e vencidas em prim eiro lugar”.

II - Quanto à flexibilidade do que disponham, as nor­


mas jurídicas podem ser:

a) rígidas;
b) elásticas.

Em princípio, as normas jurídicas estabelecem manei­


ras de agir perfeitamente determinada, inadmitindo qual­
quer flexibilidade por parte de quem deva obedecê-las e
por quem tenha de aplicá-las.

77
Orlando de Almeida Secço

São denom inadas normas rígidas as que inadmitem


qualquer maleabilidade, dotadas que são d e um rigor
implacável; os seus enunciados não permitem a menor
variação em torno d o que expressam. O destinatário da
norma deve agir, ou deixar d e agir, conforme esta precei-
tue; o juiz deve aplicá-la com o determinado textualmente.
São, pois, as normas rígidas essencialmente inflexíveis.
Entretanto, há situações específicas em que o Direito
não deva se manter inflexível; situações que exijam um
abrandamento d o rigor normativo, autorizando um proce­
der do juiz mais coerente e compatível com a realidade,
com o caso concreto que se lhe apresente; uma certa liber­
dade, para que se faça de fato justiça.
Denominam-se normas elásticas as que admitem
maleabilidade, permitindo ao seu aplicador, o juiz, atuar
conform e os aspectos e as circunstâncias específicas de
cada caso.
As normas relativas a prazo, por princípio, são rígidas,
com o rígidas quase sempre são também as que determi­
nam maneiras de proceder, maneiras de agir.
A s normas conceituadoras de aspectos meramente
circunstanciais e subjetivos, em geral são elásticas, a
exemplo do que ocorre quanto ao entendimento jurídico de
"má-fé", “d olo” , “culpa", “ fraude” , “justa causa” etc. Veja­
mos exem plos de cada uma delas.

- Normas rígidas:
a) artigo 10, do C ódigo de Processo Penal: "O íngué-
rito deverá terminar no prazo de 10 (dez) dias, se o
indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver
preso preventivam ente, contado o prazo, nesta
hipótese, a partir do dia em que se executar a
ordem de prisão, ou no prazo de 30 (trinta) dias,
quando estiver solto m ediante fiança ou sem ela";
Introdução ao Estudo do Direito

b) artigo 739, do Código de Processo Civil: “O ju iz


rejeitará lim inarm ente os em bargos: I - quando
apresentados fora do prazo legal";
c) artigo 319, do Código d e Processo Civil: "Se o réu
não contestar a ação, reputar-se-ão verdadeiros os
fatos afirmados p elo a u to r",

- Normas elásticas:
a) artigo 436, do Código de Processo Civil: "O juiz
não está adstrito ao laudo pericial, podendo for­
m ar a sua convicção com outros elem entos ou
fatos provados nos autos";
b) artigo 246, do Código Penal: “Deixar, sem justa
causa, de prover à instrução primária de filho em
idade escolar" .
Nesse caso, caberá ao juiz apreciar livremen­
te se a causa alegada pelo réu em sua defesa
pode ou não ser considerada justa.
c) artigo 180, § 5a, do Código Penal: “Na hipótese do
§ 3a, se o crim inoso é primário, p od e o juiz, tendo
em consideração as circunstâncias, deixar de apli­
car a pen a” .

III - Quanto ao conteúdo, ou seja, quanto às matérias


que estejam corporificadas nos seus preceitos, as normas
jurídicas podem ser:

a) declarativas;
b) explicativas;
c) limitativas;
d) modificativas;
e) supressivas ou negativas;
f) remissivas ou de retorno;
g) conflitivas ou de colisão.

Examinemos cada uma dessas subdivisões:

79
Orlando de Almeida Secco

1. Declarativas, quando a norma, de maneira clara e


precisa, faz uma afirmativa, dando então um
entendimento definitivo (declaração ou esclareci­
mento) acerca de com o solucionar determinada
situação jurídica. Exemplo: artigo 1.966 do novo
C ódigo Civil: “O rem anescente perten cerá aos h er­
deiros legítim os, quando o testador só em p a rte
dispuser da quota hereditária disponível".
2. Explicativas, quando a norma tem por finalidade
expressar o verdadeiro significado (explicação)
de um determinado termo ou m esm o de um dis­
positivo qualquer. Exemplo: artigo 139 do novo
Código Civil: "O erro é substancial quando: I - i n ­
teressa à natureza do negócio, ao ob jeto principal
da declaração ou a alguma das qualidades a ele
essenciais;
3. Limitativas, quando a norma estabelece parâme­
tros a serem obedecidos, delimitando a eficácia e
a validade dos atos ao que circunscreve.
Exemplo: artigo 4a do novo Código Civil: "São
incapazes, relativam ente a certo s atos, ou à
m aneira de o s exercer: I - Os m aiores de 16 (d ezes­
seis) e m enores de 18 (dezoito) anos” .
4. Modificativas, quando a norma estabelece um
novo critério a ser adotado a partir de sua vigên­
cia, alterando o que anteriormente existia.
Exemplo: artigo 2.029 do novo Código Civil (das
d isposições finais e transitórias): "Até 2 (dois)
anos após a entrada em vigor d este Código, os pra­
zos estabelecidos no parágrafo único do art. 1.238
e no parágrafo único do art. 1.242 serão acrescidos
de 2 (dois) anos, qualquer que seja o tem po trans­
corrido na vigência do anterior, Lei nQ 3.071, de 1-
de janeiro de 1916”.

80
Introdução ao Estudo do Direito

5. Supressivas ou negativas, quando a norma jurídi­


ca suprime algo ou alguma pessoa daquilo que
preceitua. Exemplos: 1) parágrafo único do artigo
1.399 do novo Código Civil: “Os il, IV e V não
se aplicam às sociedades de fins não econôm icos".
2) artigo 736 do novo Código Civil: "Não se subor­
dina às norm as do contrato de transporte o feito
gratuitam ente, p or am izade ou cortesia"
6. Remissivas ou de retorno, quando a norma jurídi­
ca, em parte vazia, faz remissão a uma outra
norma que integraliza o seu preceito. Exemplos:
1) artigo 1.896 do novo Código Civil: 'A s pessoas
designadas no artigo 1.893, estando em penhadas
em com bate, 2) artigo 929 do novo Código
Civil; “Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no
caso do inciso II, do art. 188, não forem culpados
do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do
prejuízo que sofreram".
7. Conflitivas ou de colisão, quando a norma jurídica
visa especificamente dirimir conflitos entre nor­
mas que sejam ou se suponham ser igualmente
aplicáveis a um determinado caso concreto. A
norma de colisão é a que determina qual a lei apli­
cável quando duas ou mais leis disputam essa pri­
mazia. Exemplo: artigo 82, da Lei de Introdução ao
Código Civil: “Para qualificar os ben s e regular as
relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do
país em que estiverem situados."

IV - Quanto à sanção, podem ser:

a) leis perfeitas (“leges perfectae”);


b) leis mais que perfeitas (“leges plus quam perfec­
tae” );

81
Orlando de Almeida Secco

c) leis m enos que perfeitas (“leges minus quam per-


fectae” );
d) leis imperfeitas (“leges im perfectae” ).

1. Leis perfeitas são as que estabelecem a sanção


na exata proporção do ato praticado e que seja
resultante de transgressão a uma norma jurídica.
Assim, se o ato praticado transgride uma norma
jurídica, a lei perfeita im pede que ele produza
quaisquer efeitos jurídicos, declarando, sim ples­
mente, a sua nuüdade, A punição, no caso, está
na m edida equivalente à ação antijurídica.
As leis perfeitas são, pois, aquelas que inva­
lidam quaisquer atos quando resultantes de
transgressões a dispositivos legais.
Exemplos: 1) artigo 124 do novo Código Civil:

"Têm -se por in existen tes as condições im pos­


síveis, quando resolutivas, e as de não fazer
coisa im possível”.

2) artigo 166 e seus incisos, d o novo Código


Civil:
“É nulo o negócio jurídico quando; I - celebra­
do p or pessoa absolutam ente incapaz; II - Fbr
ilícito, im possível ou indeterm inável o seu obje­
to; III - o m otivo determinante, comum a
ambas as partes, for ilícito; IV - não revestir a
forma prescrita em lei; V - for preterida algu­
ma solenidade que a lei considere essencial
para a sua validade; VI - tiver p or objetivo
fraudar lei imperativa; VII—a lei taxativam en­
te declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem
cominar sanção".

82
Introdução ao Estudo do Direito

2. Leis mais que perfeitas são as que estabelecem


sanções em proporções maiores do que os atos
praticados mediante transgressão de normas jurí­
dicas. Há, portanto, certa desproporcionalidade
entre a transgressão e a sanção, sendo esta últi­
ma de maior intensidade do que aquela.
A lei mais que perfeita não se contenta ape­
nas em intervir no ato praticado e que tenha
transgredido uma norma jurídica; ela vai mais
longe, punindo o agente transgressor. Exemplos:
1) artigo 949 do novo Código Civil:

“No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o


ofensor indenizará o ofendido das despesas
do tratam ento e dos lucros cessantes, a té ao
fim da convalescença, além de algum outro
prejuízo que o ofendido prove haver sofrido".

2) artigo 950 do novo C ódigo Civil:

"Se da ofensa resultar defeito p elo qual o


ofendido não possa exercer o seu ofício ou
profissão, ou se lhe diminua a capacidade de
trabalho, a indenização, além das despesas
de tratam ento e lucros cessantes até ao fim
da convalescença, incluirá pen são correspon­
dente à im portância do trabalho para que se
inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu ”.

3. Leis m enos que perfeitas são as que não invali­


dam o ato, mas impõem uma sanção ao agente
transgressor.
Exemplo: artigo 1.366 do novo C ódigo Civil:

83
Orlando de Almeida Secco

“Quando vendida a coisa, o produto não bastar


para o pagam ento da dívida e das d espesas de
cobrança, continuará o d evedor obrigado p elo
resta n te”.
No exem plo dado, se o devedor vender bens de
sua propriedade para com o dinheiro apurado nessa
venda pagar as suas próprias dívidas e, apesar disso,
o valor obtido na venda não tiver sido suficiente para
quitar todos os seus débitos, a venda feita será válida,
mas ele continuará obrigado pelo saldo remanescente.
Assim, apesar de somente pagar uma parte ou até
m esm o a maior parte da sua dívida, o devedor não fica
desobrigado, porque ainda há débito restante a ser
pago. A venda feita, portanto, embora tenha sido insu­
ficiente para pagar as dívidas, é válida! Mas a obriga­
ção do devedor persiste até ser totalmente quitada.

4. Leis imperfeitas representam um caso muitíssi­


mo especial. Elas nem invalidam o ato nem esta­
belecem sanção ao transgressor. Mas isso não é
por acaso! Tal procedim ento justifica-se, por
razões relevantes de natureza social e, particu­
larmente, ética. O exemplo dado a seguir, por si
só, esclarece o assunto. Diz o artigo 1.551 do
novo C ódigo Civil:

“Não se anulará, por m otivo de idade, o casa­


m ento de que resultou gravidez”.

Assim, embora o contraente tenha-se casado fora do


limite de idade estipulado por lei, não será invalidado o ato,
nem punido o agente, desde que tenha resultado gravidez
dessa união. A justificativa da não-invalidação e não-puni-
ção é dar-se garantia, principalmente, àquele já concebido

84
Introdução ao Estudo do Direito

e que irá nascer (nascituro). A razão é, antes de tudo, ética


e social.

24. As normas jurídicas, vistas sob a angularidade


dos seus destinatários, apresentam-se de dupla maneira.
Uma relacionada ao titular do direito e a outra referente ao
responsável pela obrigação.
Indubitavelmente, quando uma norma jurídica entra
em vigor, atinge ao m esmo tem po os dois pólos da relação
jurídica, garantindo direitos e poderes de um lado e impon­
do obrigações e deveres do outro.
Com o destinatários da norma jurídica são tidas, por­
tanto, aquelas pessoas às quais ela se dirige. Do lado cor­
respondente aos direitos e poderes, destinatários podem
ser quaisquer pessoas dotadas de capacidade, ou até
m esm o incapazes, que se apresentem, segundo a norma,
com a qualidade de titulares desses direitos e poderes.
Diz, inclusive, o novo Código Civil no artigo 116, que:

“A m anifestação de vontade p elo representante, nos


lim ites de seu s poderes, produz efeitos em relação ao
representado".

Vale lembrar que representante é a pessoa que atua,


por exemplo, em nome dos absolutamente incapazes, aos
quais representa. É o caso do pai representando seu filho
menor de idade ou do tutor representando o menor órfão ou
cujos pais decaíram do poder familiar.
O m esm o Código complementa esse dispositivo com o
artigo 120, que assim se expressa:

"Os requisitos e os efeitos da representação legal são os


estabelecidos nas norm as respectivas; os da represen­
taçã o voluntária são o s da Parte E special d este
Código",

85
Orlando de Almeida Secco

e com o artigo 118, onde se lê:

"O representante é obrigado a provar às pessoas, com


quem tratar em nom e do representado, a sua qualida­
de e a exten são de seu s poderes; sob pena de, não o
fazendo, responder p elos atos que a estes excederem

Logo, mediante representação, os incapazes podem


perfeitamente adquirir direitos.
Do lado que corresponde aos deveres e obrigações,
fácil é entender-se que não possa haver dúvida quanto a
serem igualmente destinatárias da norma jurídica as p es­
soas capazes. Com relação aos incapazes, contudo, é que a
questão não é pacífica! MERKEL, dentre alguns outros,
exclui os incapazes com o destinatários da norma jurídica
sob o ângulo dos deveres, obrigações e sanções.
Em nosso Direito, todavia, há alguns dispositivos que
prevêem os incapazes com o destinatários da norma jurídi­
ca, na qualidade de obrigados ou devedores, podendo
inclusive sofrer determinadas sanções, apesar de brandas.
Vejamos alguns exemplos:
Dispõe o novo Código Civil, no artigo 276:

“Se um dos devedores solidários falecer, deixando h er­


deiros, nenhum d estes será obrigado a pagar senão a
quota que corresponder ao seu quinhão hereditário,
salvo se a obrigação for indivisível; m as todos reunidos
serão considerados com o um devedor solidário em rela­
ção aos dem ais devedores

Completa o mesmo Código, no artigo 1.997:

“A herança respon d e p elo pagam ento das dívidas do


falecido; m as, feita a partilha, só respondem os h erd ei­

86
Introdução ao Estudo do Direito

ros, cada qual em proporção da p a rte que na herança


lh e cou be".

Como se vê, o herdeiro, m esm o incapaz, responde,


proporcionalmente, com a parte correspondente ao seu
quinhão hereditário, o que é, de certo modo, uma forma de
obrigação. É um dever jurídico.
Ainda acerca dos incapazes, diz o artigo 27, do Código
Penal:

"Os m enores de 18 (dezoito) anos são penalm ente inim-


putáveis, ficando su jeitos às norm as estabelecidas na
legislação especial'’.

Complementa, então, a Lei nfl 8.069, de 13 de julho de


1990, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu
artigo 112:

"Verificada a prática de ato infracional, a autoridade


com petente poderá aplicar ao adolescente as seguintes
m edidas: I - advertência' H - obrigação de reparar o da­
no; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liber­
dade assistida; V - inserção em regim e de semilíberda-
de; VI - internação em estabelecim ento educacional;
VII - qualquer uma das previstas no artigo 101, Ia VI."

Como demonstrado, em nosso Direito, os incapazes


podem perfeitamente figurar com o destinatários da norma
jurídica sob o ângulo de obrigações, deveres e mesmo de
sanções. Ratificando o nosso ponto de vista, PAULO DOU­
RADO DE GUSMÃO declara:

"Os incapazes não estão fora da ordem jurídica."

Há em nosso Direito uma outra peculiaridade, caracte­


rizada por situações específicas nas quais os destinatários

87
Orlando de Almeida Secco

das normas jurídicas são exclusivos, inadmitindo outros em


face das circunstâncias ou dos aspectos envolvidos. No
Direito Penal, por exemplo, os destinatários serão sempre
pessoas físicas, isso porque as pessoas jurídicas não com e­
tem crimes. No Direito de Família, que é uma parte do
Direito Civil, os destinatários também são as pessoas físi­
cas, inadmitíndo-se, por motivos óbvios, as pessoas jurídi­
cas. No Direito Falimentar, que é parte do Direito Comercial,
os destinatários são as pessoas físicas ou jurídicas, comer­
ciantes. A caracterização e declaração da falência fazem
pressupor a figura do comerciante assim com o o registro na
Junta Comercial local. Para as pessoas físicas e para os não
comerciantes ao invés da falência tem os a correspondente
insolvência civil (artigo 955, do novo Código Civil).

25. Quanto à validade das normas jurídicas, isto é, as


validades das leis, devem ser atendidos três requisitos
básicos:

a) legitimidade do órgão elaborador da norma, se­


gundo as com petências atribuídas pela Consti­
tuição Federal;
b) com petência desse órgão em razão da matéria
("ratione materiae” ) que constitui a essência da
norma;
c) regularidade d o processo de formação da norma.

A legitimidade do órgão elaborador, também chamada


legitimidade subjetiva, refere-se à com petência determina­
da pela Constituição Federal a quem elabora a norma. Para
exemplificar, é da com petên cia exclusiva do Poder
Legislativo (Congresso Nacional) autorizar o Presidente da
República a declarar guerra, a celebrar a paz, a permitir
que forças estrangeiras transitem pelo território nacional

88
Introdução ao Estudo do Direito

(...), enquanto que cabe ao Poder Executivo (Presidente da


República) decretar e executar a intervenção federal.
A com petência em razão da matéria refere-se ao pró­
prio conteúdo ou essência da norma. É também a Cons­
tituição Federal que assinala quem pode legislar e acerca
de quais assuntos. Exemplificando, com pete ao Congresso
Nacional dispor sobre tributos, arrecadação e distribuição
de rendas; com pete ao Presidente da República dispor
sobre a estruturação, atribuições e funcionamento dos
órgãos da administração federal.
Finalmente, quanto à regularidade do processo de for­
m ação da norma, há que ser seguida uma sucessão de atos
que vão d esde a apresentação de um projeto de lei até a
publicação da lei já sancionada e promulgada. Cada fase é
essencial e se encontra também assinalada na Constitui­
ção Federal.
Portanto, a validade das normas jurídicas está condi­
cionada à obediência a esses três requisitos, sobre os quais
ainda teremos oportunidade de falar detalhadamente em
capítulos mais adiante.

89
Capítulo VI
Relação Jurídica

26. Conceito - 27. Elementos - 28. Fbnte - 29. Espécies - 30. Efeitos.

26. A relação jurídica é antes de tudo uma relação


social. Não é, porém, uma relação social comum. É, na rea­
lidade, uma relação social especial, estabelecendo uma
correlatividade entre os direitos e poderes e as obrigações
e deveres. E especial justamente porque nasce de um fato
jurídico “lato sensu" (‘em sentido amplo’ ), decorrendo daí
estarem plenamente garantidos os seus efeitos em virtude
da lei. Se n ascesse de um fato qualquer, não-jurídico, os
efeitos não teriam nenhuma garantia.
Existem, portanto, relações sociais comuns, nas quais
não há qualquer interferência do Direito. Ele é em tais casos
totalmente indiferente ao que se passa ou ocorre. A s rela­
ções sociais comuns quando muito giram em torno do plano
moral, ou do plano religioso, ou de um outro plano qualquer,
exceto do legal. Por isso, não estabelecem nenhum vínculo
jurídico entre as partes envolvidas, não sendo garantidos os
seus efeitos. Assim é, por exemplo, nas relações de amiza­
de, de namoro e de mero favor. Em casos com o esses não
existe qualquer interferência do Direito. São, pois, relações
sociais comuns. Se a amizade terminar porque uma das par­
tes não correspondeu à sinceridade ou ao desinteresse
material da outra; se o namoro for inexplicavelmente desfei­
to após alguns m eses ou até mesmo anos de espera e de
planos; se ao favor realizado não eqüivaler a quase sempre
idealizada parcela de reconhecim ento e gratidão; em
nenhum desses casos há que se falar de direitos e de obri­
gações de uma parte ou da outra. O desfazimento da amiza­
de, o rompimento do namoro ou a ingratidão não geram

91
Orlando de Almeida Secco

deveres e, com o sói acontecer, também não atribuem quais­


quer direitos, juridicamente falando. Assim sendo, não
teria, por exemplo, o menor cabimento alguém propor uma
ação para punir a insinceridade do amigo, ou para reatar o
namoro desfeito, ou ainda, para obrigar alguém a retribuir
os favores que lhe tenham sido prestados.
Em outro plano, tem os que o casam ento é um exem ­
plo típico de relação jurídica desde o mom ento em que
seja celebrado, passando imediatamente a produzir efei­
tos. Gera instantaneamente direitos e obrigações, exigí-
veis de uma parte em relação à outra, face à interferência
do Direito.
A relação jurídica, portanto, não deixa de ser uma rela­
ção social, apenas é do tipo especial, isto é, na qual existe
a interferência do Direito para a garantia dos efeitos dela
resultantes.
Segundo HERMES LIMA, as relações jurídicas são:

"R elações da vida social, entre p essoas consideradas


su jeitos de direito, e cujos efeitos a lei garante (...).
Assim, a relação de direito com põe-se de dois elem entos:
primeiro, a matéria dada, ou seja, a relação em si m esm a;
segundo, a idéia de direito que regula esta re/ação"

As relações jurídicas são, então, as oriundas de um


fato ou acontecimento que a lei considerou em todas, ou
m esmo em apenas algumas conseqüências, relevante para
a proteção do Direito.
É desse fato, essencialmente jurídico em seu sentido
amplo, que se origina o direito, decorrendo daí a garantia
dos efeitos pela tutela legal. A propósito, “ex facto oritur
ju s" ('do fato nasce o direito’).
Sobre o assunto indagou e respondeu MIGUEL
REALE:

92
Introdução ao Estudo do Direito

“Quais das relações sociais devem ser lidas com o jurí­


dicas?".
“Podem os dizer que há dois efeitos principais a consi­
derar. D e acordo com a teoria tradicional, baseada
numa con cepção individualista do Direito, as relações
jurídicas seriam relações sociais p osta s p or si m esm as,
apenas reconhecidas p elo Estado, com a finalidade de
protegê-la s
“Prevalece, hoje em dia, uma con cepção operacional do
Direito, não se atribuindo m ais ao Estado a m era fun­
ção de recon h ecer e amparar algo já estabelecido pelo
livre jog o dos in teresses individuais. A o contrário, o
Estado, baseado, é claro, nos dados do processo social,
instaura m odelos jurídicos que condicionam e orientam
o constituir-se das relações jurídicas (...)".
"Quando uma relação de hom em para hom em se subsu-
m e ao m odelo norm ativo instaurado p elo legislador,
essa realidade concreta é reconhecida com o sendo rela­
ção jurídica"

27. Basicamente, constitui-se a relação jurídica de


quatro elementos essenciais, que são:

a) sujeito ativo;
b) sujeito passivo;
c) vínculo jurídico ou vínculo de atributividade;
d) objeto.

Havendo necessariamente dois sujeitos, um ativo e


outro passivo, diríamos que uma das condicionantes da
relação jurídica é que haja relação intersubjetiva, ou seja,
entre pessoas consideradas sujeitos de direito.
A outra condicionante é que essa relação intersubjeti­
va resulte de um fato jurídico “ lato sensu” (‘em sentido
amplo'), isto é, de uma hipótese ou suposto jurídico, esta­

93
Orlando de Almeida Secco

belecendo um vínculo entre as partes de tal maneira eficaz


que imponham direitos e deveres recíprocos. Denominemo-
lo: vínculo jurídico ou vínculo de atributividade.
Com as duas condicionantes acima, a relação jurídica
torna-se caracterizada, distinguindo-se de uma relação
social comum, na qual há intersubjetividade, mas inexiste
o vínculo jurídico, ou seja, o elo correspondente a uma hipó­
tese normativa e conseqüentem ente a obrigatoriedade do
cumprimento de deveres impostos por lei.
Sujeito ativo é o primordial de uma relação jurídica em
virtude de ser o titular do direito e conseqüentem ente o cre­
dor da obrigação principal a ser cumprida pela outra parte.
Sujeito passivo, obviamente, é o devedor ou responsá­
vel pelo cumprimento da obrigação principal; é aquele que
tem um dever a ser cumprido em relação a outrem.
Mas, na verdade, não existem direitos que não gerem
concomitantemente obrigações, e vice-versa. Portanto, o
próprio devedor da obrigação principal (sujeito passivo)
possuirá outras obrigações e até m esmo alguns direitos,
embora sejam secundários; da mesma forma, o credor
dessa obrigação (sujeito ativo) terá outros direitos e tam­
bém alguns deveres igualmente secundários.
Quando, por exemplo, um imóvel é alugado, o locador
(sujeito ativo) tem o direito de receber pontualmente o alu­
guel mensal, que é a obrigação principal dessa relação jurí­
dica a ser cumprida pelo locatário (sujeito passivo). Entre­
tanto, esse locatário, mais conhecido pelo termo ‘inquilino’,
apesar de ter tal obrigação, tem o direito de som ente pagar
o aluguel na data de seu vencimento, ficando qualquer
antecipação de pagam ento a seu exclusivo critério; tem o
direito de permanecer no imóvel sem ser molestado, en­
quanto persistir o prazo da locação, desde que esteja cum­
prindo com os seus deveres etc. Mas, apesar de possuir
tais direitos secundários, tem ainda o locatário obrigações
também secundárias, tais com o: manter o imóvel em per­

94
Introdução ao Estudo do Direito

feito estado de conservação; não usá-lo para outro fim que


não seja o previsto contratualmente; não sublocar etc.
Já o locador, obrigado a respeitar o prazo contratual,
desde que o locatário esteja cumprindo com os seus deve­
res; obrigado a somente cobrar o aluguel na data do venci­
mento; obrigado a passar um recibo discriminativo, corres­
pondente aos valores que lhe sejam pagos etc.; apesar de
tudo isso, tem também direitos secundários, tais com o: o
de exigir que, findo o prazo contratual, o imóvel lhe seja
restituído e em perfeito estado de conservação; o de exigir
que somente sejam feitas obras no imóvel locado com a sua
autorização expressa e por escrito; proibir cessão ou trans­
ferência d o contrato sem que haja a sua interveniência etc.
Como vim os o sujeito ativo, na qualidade de credor da
obrigação principal, possui, ainda, outros créditos oriundos
de obrigações secundárias, assim com o possui também
deveres para com a outra parte. O sujeito passivo, por sua
vez, muito embora seja o devedor da obrigação principal e
possua ainda deveres secundários, tem também direitos a
serem cumpridos pelo outro sujeito.
Sendo a relação jurídica essencialm ente uma relação
intersubjetiva, isto é, constituída entre dois sujeitos de
direito, não há que se falar de relação jurídica entre pessoa
e coisa, mas apenas entre pessoas, com o já se pronunciara
a respeito FERRARA..
Quando a relação é de direito real, com o acontece
quando alguém se torna proprietário de uma coisa, quer
seja ela móvel ou imóvel, mesmo nesse caso há dois sujei­
tos inter-relacionando-se. De um lado o titular do direito
real, que é o sujeito ativo; e, do outro lado, todas as demais
pessoas, sujeitos passivos, obrigadas a respeitar a proprie­
dade daquele. Em ca sos com o esse, diz-se que o direito é
exercido em relação a todos os demais membros da socie­
dade. É exercido “erga om nes" (‘para com tod os’ ou 'em
face de todos').

95
Orlando de Almeida Secco

A relação jurídica, embora tenha apenas dois sujeitos,


um ativo e outro passivo, poderá possuir uma ou mais p e s­
soas constituindo cada uma dessas partes ou até mesmo
ambas as partes.
Pode, por exemplo, ocorrer que num contrato de loca­
ção sejam dois ou mais os locadores (co-proprietários do
imóvel locado). N esse caso, teremos então sujeito ativo
constituído de duas ou mais pessoas.
Pode ocorrer que, num contrato de mútuo (empréstimo
de dinheiro, por exemplo), existam dois ou mais indivíduos
com o devedores solidários (mutuários). Teremos então
sujeito passivo, bi ou pluripessoal.
Da m esma forma, numa relação jurídica poderão exis­
tir duas ou mais pessoas de um lado - ativo - , e duas ou
mais pessoas do outro lado - passivo -, simultaneamente.
Exemplo: um cavalo de corrida, pertencente a três irmãos,
é vendido a quatro capitalistas, contribuindo cada um d es­
tes com a quarta parte do preço do animal e tornando-se
assim co-proprietários do mesmo.
Os sujeitos que com põem a relação jurídica tanto
poderão ser pessoas físicas (seres humanos) com o pessoas
jurídicas (empresas), indiferentemente.
Portanto, não se desfigura a relação jurídica se o sujei­
to ativo ou o sujeito passivo for uma pessoa jurídica.
Dotada de personalidade, pode a pessoa jurídica adquirir
direitos e contrair obrigações com o qualquer pessoa física
dotada de capacidade.
Num contrato de locação, por exemplo, pode ocorrer
que esteja de um lado, com o locadora, uma empresa (pes­
soa jurídica com o sujeito ativo) e que a locatária seja até
m esmo uma outra empresa (sujeito passivo também p es­
soa jurídica). É uma relação jurídica com o outra qualquer,
produzindo efeitos perfeitamente tutelados pelo Direito. A s
pessoas jurídicas fazem-se representar nesse ato por p es­

96
Introdução ao Estudo do Direito

soas físicas legalmente constituídas e que são os seus dire­


tores, sócios-gerentes ou procuradores.
Como dissemos antes, a segunda condicionante de
uma relação jurídica era que esta resultasse de um fato jurí­
dico “lato sensu” (‘em sentido amplo’), isto é, de uma hipó­
tese ou suposto jurídico, estabelecendo um vínculo entre as
partes de tal maneira que fossem impostos direitos e deve­
res recíprocos. Aí está o que se entende por vínculo jurídico,
também chamado vínculo de atributividade. É ele que atri­
bui o poder ou direito de um sujeito (ativo) e, em conseqüên­
cia, o dever ou obrigação do outro (passivo). Não houvesse
tal liame, unindo os dois sujeitos da relação jurídica, impos­
sível seria exigir o cumprimento da obrigação, de m odo que
a relação cairia fatalmente no plano comum, exatamente
aquele cujos efeitos não são legalmente amparados.
É, pois, o vínculo jurídico ou de atributividade que
garante a pretensão do titular do direito, ainda que o deve­
dor insista em não cumprir a sua obrigação.
Na locação, por exemplo, o vínculo jurídico é represen­
tado pelo contrato, no qual as partes estabelecem por
assim dizer os direitos e deveres recíprocos. Na compra e
venda de imóvel tal vínculo é a escritura pública. Na cons­
tituição de uma sociedade anônima é a respectiva ata da
A ssem bléia Geral dos Acionistas com os Estatutos Sociais
aprovados. Na venda de automóveis é o recibo de acordo
com o m odelo oficialmente padronizado. Em todos os
casos, portanto, o vínculo de atributividade é a ligação
amparada por lei e feita segundo esta entre os dois sujei­
tos: ativo e passivo.
Quanto ao último elemento essencial, objeto, diremos
que ele é a figura central em torno da qual se constitui a
própria relação jurídica. Se alguém possui um direito e
outro alguém possui uma obrigação, há que se supor, forço­
samente, a existência de algo concreto em torno do que
venha a se constituir o relacionamento desses sujeitos. O

97
Orlando de Almeida Seoco

objeto é, assim, o meio pelo qual se procura atingir um


determinado fim.
O vínculo jurídico está sempre alicerçado em algo, a que
se denomina objeto. E em torno desse objeto que se estabe­
lece o direito de um sujeito e a obrigação do outro, bem como
todos os demais direitos e obrigações secundários.
Na compra e venda d e imóvel, ou na locação, o objeto
é o próprio imóvel vendido, ou locado. No contrato de
mútuo citado, o objeto é o montante de dinheiro correspon­
dente ao empréstimo feito. Na doação, o objeto é a coisa
doada e que passa a enriquecer o patrimônio de quem a
recebe gratuitamente.
Indaga-se, freqüentemente, sobre a possibilidade de
um ser humano vir a ser objeto d e uma relação jurídica em
casos com o os de pátrio poder, adoção, tutela, curatela etc.
FLÓSCOLO DA NÓBREGA opina que não é possível e
o faz nos seguintes termos, filiado que está, talvez, ao pen­
samento de LEGAZ Y LACAMBRA:

“A o contrário do que m uitos supõem , não p od e a p e s ­


soa ser ob jeto d e relação jurídica, não sendo con ceb í­
vel um direito sob re a própria pessoa, ou sobre p essoa
estranha".

Em linha oposta de pensamento, MACHADO PAUPÉ-


RIO diz:

'‘Tais pod eres jurídicos>entretanto, podem não só recair


sobre a pessoa e sobre outras pessoas, com o tam bém
sobre coisas.
Os prim eiros decorrem dos cham ados direitos da perso­
nalidade humana; os segundos, dos deveres im postos a
determ inadas pessoas, obrigadas a certas prestações;
os terceiros, finalm ente, dos ben s sobre os quais recaem
os chama dos direitos r e a is ".

98
Introdução ao Estudo do Direito

Também MIGUEL REALE admitia que pudesse ser obje­


to de uma relação jurídica a própria pessoa, com o nos direi­
tos pessoais. E demonstrava com o seguinte argumento:

“ Tlzdo está em considerar a palavra ■ o b jeto' apenas no


seu sentido lógico, ou seja, com o a razão em virtude da
qual o vínculo se estabelece. Assim, a lei civil atribui ao
pai uma som a de pod eres e deveres quanto à pessoa do
filho menor, q u e é a razão do instituto do pátrio p od er”.

Concordamos com estes últimos autores. Assim, p os­


sível será tam bém ser objeto, no sentido meramente jurídi­
co da palavra, uma pessoa física. Tal acontece, por exem ­
plo, na adoção em que o objeto é o próprio indivíduo a ser
adotado; na interdição em que o objeto é a própria pessoa
a ser interditada; na em ancipação em que o objeto é o
menor a ser em ancipado etc.
A penas para consolidar bem os exem plos d e elemen­
tos essenciais d e uma relação jurídica, reafirmemos:

a) na com pra e venda de imóvel tem os: sujeito ativo:


vendedor ou transmitente; sujeito passivo: com ­
prador ou adquirente; vínculo jurídico: escritura
pública de compra e venda; objeto: o imóvel
(Artigos 481 a 520, do novo Código Civil);
b) no com odato temos: sujeito ativo: comodante;
sujeito passivo: comodatário; vínculo jurídico: o
contrato de comodato; objeto: a coisa não fungí­
vel (infungível) emprestada gratuitamente, isto é,
a coisa que não p ossa substituir-se por outra da
m esm a espécie, qualidade e quantidade e que
seja emprestada (Artigos 85 e 579 a 585, do novo
C ódigo Civil);
c) no mútuo temos: sujeito ativo: mutuante; sujeito
passivo: mutuário; vínculo jurídico: o contrato de

99
Orlando de Almeida Secco

mútuo; objeto: a coisa fungível emprestada gra­


tuitamente (artigos 85 e 586 a 592, do novo
Código Civil).

28 . Fonte, com o se pode configurar mentalmente, é a


nascente de algo; é aquilo que dá origem ou que produz
alguma coisa. N essa linha de raciocínio, fonte de uma rela­
ção jurídica é aquilo a partir do que ela se origina. E o nas­
cedouro, é a causa da própria relação jurídica.
A o estudarmos a estrutura das normas jurídicas (Ca­
pítulo V, item nfi 19), mostramos que a fórmula do imperati­
vo hipotético se compunha de duas partes, a primeira das
quais era denominada hipótese, suposto ou fato (jurídico).
Agora, com pletando a idéia, dizem os que exatamente
nessa hipótese, suposto ou fato jurídico é que se encontra
a fonte das relações jurídicas.
O fato jurídico é um acontecimento que, dependente
ou não da nossa vontade, dá origem a uma relação jurídica.
Examinando-se, apenas para exemplificar, o teor do
artigo 379 do velho Código Civil, verificamos que ali estão
quatro fatos, hipóteses ou supostos dos quais se originam
relações jurídicas. Dizia o m encionado artigo:

"Os filhos legítim os, os legitim ados, os legalm ente reco-


nhecidos e os adotivos estáo sujeitos ao pátrio poder,
enquanto m e n o r e s (O b s este artigo foi revogado
pelo novo Código Civil).

Colocando-se na fórmula correspondente, ou seja, na


do imperativo hipotético, concluímos: “ se for filho legítimo,
enquanto menor (Ia hipótese); ou, se for filho legitimado,
enquanto menor (2a hipótese); ou, se for filho legalmente
reconhecido, enquanto menor (3a hipótese); ou, ainda, se for
filho adotivo, enquanto menor (4a hipótese), deve sujeitar-se
ão pátrio poder (conseqüência, enunciado ou dispositivo)” .

100
Introdução ao Estudo do Direito

Gomo se pode constatar facilmente, as quatro hipóte­


ses identificadas, dadas apenas a título de exemplificação,
constituem fatos jurídicos dos quais se originam relações,
também jurídicas, entre os pais e os filhos.
Cabe uma consideração especial no tocante ao artigo
379 do Código Civil atualmente já fora de vigor, acima
transcrito. A Constituição Federal, em seu artigo 226, § 6a,
passou a proibir quaisquer designações discriminatórias
relativas à filiação. Portanto, não tem mais qualquer propó­
sito falar-se de: “filhos legítim os” ; “legitimados"; “legal­
mente reconhecidos" e “ adotivos” , isso porque, na verda­
de, são eles simplesmente “filhos” . O novo Código Civil,
adaptando-se ao texto constitucional, deu nova redação e
mudou a numeração do artigo 379 do velho código. Agora
se trata do artigo 1.630, com o seguinte teor: “ os filhos
estão sujeitos ao poder familiar, enquanto m enores".
Os fatos jurídicos, produzindo efeitos jurídicos, ense­
jam relações intersubjetivas às quais denominamos rela­
ções jurídicas.
Concluindo, a fonte das relações jurídicas é o fato jurí­
dico, no sentido amplo da palavra.

29. As relações jurídicas podem ser englobadas em


apenas duas espécies, como, aliás, propusera FERRARA,
quais sejam: relativas e absolutas.
A s relações jurídicas são ditas relativas quando dizem
respeito e vinculam aos seus efeitos apenas as pessoas
diretamente envolvidas. As pessoas estranhas à relação
não são abrangidas e não ficam absolutamente vinculadas.
São chamadas relativas justamente porque somente envol­
vem as partes relacionadas entre si. São também chama­
das: relações pessoais. Thl ocorre, por exemplo, nas rela­
ções de família, em que os direitos e as obrigações circuns­
crevem-se, exclusivamente, às pessoas do marido e da
mulher, dos pais e dos filhos etc.; nas relações contratuais,

101
Orlando de Almeida Secco

em que os direitos e as obrigações limitam-se às pessoas


que contratam, às que garantem o contrato, ou às que nele
intervém por algum motivo; nas relações sucessórias, em
que os direitos e as obrigações restringem-se às pessoas
diretamente ligadas à herança, tais com o herdeiros legíti­
mos e testamentários, credores das dívidas do falecido etc.
As relações jurídicas são ditas absolutas quando vin­
culam aos seus efeitos todas e quaisquer pessoas e não
apenas as pessoas diretamente envolvidas. A característi­
ca delas está exatamente na extensão dos seus efeitos a
todos em geral. Por isso é que se diz que as relações jurídi­
cas absolutas operam “erga om nes” (‘para com tod os’ ou
'em relação a tod os’).
A s relações jurídicas absolutas compreendem as rela­
ções de direitos personalíssimos e as de direitos reais, de
que são exemplos, de um lado, a liberdade de locom oção, os
direitos à honra, ao nome, à vida, à integridade corporal, e,
do outro lado, o direito de propriedade, a enfiteuse, as ser­
vidões, o usufruto, o uso, a habitação, o penhor, a hipoteca.
Procurando explicar o verdadeiro sentido das relações
jurídicas “erga om nes” , assim se expressa MACHADO
PAUPÉRIO:

“O m eu direito de propriedade ou liberdade de locom o­


ção, p or exemplo, deve ser respeitado por todos, ao con­
trário do meu direito com relação a alguém a quem
tenha emprestado determ inado objeto".

De fato, aí está a essência do conceito. Quando a rela­


ção jurídica é absoluta, os seus efeitos são dirigidos indis­
tintamente a todas as pessoas da sociedade que ficam
implicitamente obrigadas a respeitar o direito de que
alguém seja o titular. Difere, pois, da relação jurídica relati­
va na qual a obrigação somente recai sobre determinada
pessoa, não tendo qualquer ingerência quanto às demais

102
Introdução ao Estudo do Direito

pessoas não envolvidas. Assim, se tenho um crédito contra


alguém, o devedor é apenas tal pessoa ou, ainda, quem
solidariamente com ela responsabilizou-se pelo pagam ento
e pelo cumprimento da obrigação. Todavia, se adquiro um
imóvel, o meu direito de propriedade tem que ser respeita­
do não só por quem me vendeu o imóvel com o também por
todos os demais indivíduos. Os efeitos atuam, indistinta­
mente, com relação a todos os membros da sociedade.

30. A s relações jurídicas caracterizam-se, como, aliás,


já ficou bem delineado, pelos efeitos que produzem vincu­
lando sempre dois sujeitos: o ativo (que possui o direito
principal) e o passivo (que tem a obrigação principal).
Esses efeitos podem ser: imediatos e diferidos.
A força do Direito está na garantia que dá concernen­
te a tais efeitos tipicam ente vinculatívos. Em nossa
Constituição Federal, por exemplo, no artigo 5a, inciso
XXXV vé-se:

"A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário


lesão ou am eaça a direito".

Logo, se alguém for titular de um direito, contará com


a tutela judicial para que este seja efetivamente concretiza­
do no caso de o responsável pela obrigação não a cumprir
espontaneamente.
A regra é serem os efeitos de uma relação jurídica ime­
diatos.
Assim, ocorrendo o fato jurídico, constituída estará a
relação jurídica, operando-se automaticamente os seus
efeitos. Quando, por exemplo, alguém contrai matrimônio
passam a existir instantaneamente diversos direitos e inú­
meras obrigações face à pessoa do outro cônjuge.
Contudo, podem ocorrer efeitos retardatários em
alguns casos. Efeitos esses ditos mediatos, adiados ou

103
Orlando de Almeida Secco

diferidos. Aí então a relação jurídica serve apenas de base


para direitos e obrigações futuros. Exemplificando: não há
nenhuma dúvida de que os descendentes são os primeiros
contem plados na escala da sucessão legítima (novo Código
Civil, artigo 1.829). D esse modo, o parentesco é uma condi­
ção essencial e prévia para que, futuramente, em face da
morte de alguém, se possa ser incluído na sucessão, habi­
litando-se à herança deixada. Tal habilitação, porém,
somente ocorrerá após o óbito do parente, quando se abre
a sucessão em favor dos herdeiros. Os efeitos sucessórios
decorrentes da relação jurídica do parentesco são, portan­
to, diferidos.
Quanto aos efeitos, cumpre assinalar que ainda p o­
dem ser: múltiplos e exclusivos.
Os efeitos são múltiplos quando a relação jurídica en­
seja precipuamente um direito e uma obrigação principal,
mas paralelamente, dá origem a outros direitos e obriga­
ções secundários. O titular do direito principal é o sujeito
ativo, e o responsável pela obrigação principal é o sujei­
to passivo. Cada um desses sujeitos, entretanto, concom i-
tantemente, possui direitos e obrigações secundários. O
exemplo já dado acerca da locação (item 27) esclarece bem
o que acabam os de dizer, tornando-se desnecessária a
repetição agora.
Os efeitos são exclusivos quando da relação jurídica
decorre unicamente um direito e uma obrigação. O exem ­
plo, por sinal muito raro, nos é dado por HERMES LIMA:

“Só excepcionalm ente da relação ocorre um único direi­


to e uma única obrigação, com o no em préstim o sem
juros em que só há obrigação de restituir”.

104
Capítulo VII
Fato Jurídico em Sentido Amplo

31. Noção ~ 32. Classificação - 33. ConceitvaçÕes - 34. Caracteres -


35. Eficácia.

31. Quando estudamos a fórmula das normas de


imperativo hipotético (Capítulo V item 19), dissem os ser
ela constituída de duas partes. À primeira parte da fórmu­
la denominamos naquela oportunidade de hipótese, supos­
to ou fato. Ora, se a norma for jurídica e enquadrada no tipo
de imperativo hipotético, teremos então que a primeira
parte da sua fórmula - SE FOR “B” - será chamada de hipó­
tese, suposto ou fato jurídico.
Assim sendo, usando-se o sentido mais simples possí­
vel da linguagem, fato jurídico, ou ainda hipótese jurídica
ou suposto jurídico, é aquele acontecim ento ou aquela
situação de fato cuja ocorrência produzirá efeitos que este­
jam plenamente garantidos pelo Direito. São, pois, os fatos
ou acontecim entos cujos efeitos estão previstos e garanti­
dos pela própria norma jurídica em sua parte dispositiva -
DEVE SER “A” .
Fato jurídico em sentido amplo é aquele acontecim en­
to ou situação de fato, independente ou dependente da
vontade, que tenha por fim imediato ou mediato adquirir,
resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos.

32. Antes de examinarmos o aspecto conceituai mais


a fundo, faremos uma breve exposição acerca das divisões
e subdivisões do denominado "fato jurídico em sentido
am plo” , isto é, a sua classificação.

105
Orlando de Almeida Secco

Iniciemos, denom inando-o fato jurídico em sentido


amplo, também cham ado fato jurídico “lato sensu” (‘em
sentido geral'). Ele se subdivide em duas espécies:
I - fato jurídico em sentido estrito, ou fato jurídico
“ stricto sensu” (‘em sentido estrito’), ou fato jurídico mate­
rial, ou fato jurídico natural, ou fato jurídico involuntário;
II - fato jurídico humano, ou fato jurídico voluntário.
Enquanto o fato jurídico involuntário não apresenta sub-
classificação, o fato jurídico voluntário subclassifica-se em
duas categorias, que são: 1. ato jurídico em sentido amplo,
ou ato jurídico “lato sensu”, ou ato lícito; 2. ato ilícito. O ato
lícito subclassifica-se em três categorias, quais sejam:

a) ato meramente lícito ou mero ato jurídico;


b) ato jurídico em sentido estrito ou ato jurídico
“ stricto sensu";
c) n egócio jurídico.

Finalmente, o ato ilícito subclassifica-se em duas cate­


gorias:

a) ilícito civil;
b) ilícito penal.

Considerando a com plexidade dessas divisões e sub-


classificações, façamos um quadro sinótíco para tornar
mais elucidativa a matéria:

106
Introdução ao Estudo do Direito

I. Fato jurídico em
' a) ato
sentido estrito, ou
meramente
fato jurídico “stricto
lícito, ou mero
FATO sensu" ('em sentido
ato jurídico.
JURÍDICO estrito'), ou fato
b) ato jurídico
EM jurídico material, ou
em sentido
SENTIDO fato jurídico natural,
estrito ou ato
AMPLO ou ou feto jurídico
jurídico “ strict
fato jurídico "lato involuntário.
sensu” .
sensu” {'em
/ 1. ato jurídico c) negócio
sentido geral’) em sentido jurídico.
amplo, ou ato
II. Fato jurídico
jurídico “lato
humano, ou fato
jurídico voluntário.
< sensu” , ou ato
lícita.
a) ilícito civil.
b) ilícito penal
2. ato ilícito.

33. Uma vez feita a classificação e dada a visão glo­


bal do fato jurídico em sentido amplo, passemos a concei­
tuar e exemplificar cada espécie ou subclasse do mesmo.
Fato jurídico em sentido amplo ou "lato sensu” é o
acontecim ento ou situação d e fato, independente ou
dependente da vontade, que tenha por fim imediato ou
mediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extin-
guir direitos. São, portanto, aqueles fatos capazes de pro­
duzir efeitos que estejam plenamente previstos e tutelados
pelo Direito.
Fato jurídico em sentido estrito, “ stricto sensu” , mate­
rial, natural ou involuntário, como a última denominação
está a indicai, é aquele fato cuja ocorrência não depende da
vontade. E, portanto, um fato alheio à vontade, mas que,
apesar disso, produz efeitos que a lei garante. Por ser alheio
à vontade, é essencialmente um “fato” e não um “ ato".
O exemplo mais marcante de fato jurídico involuntário
é a idade. Ela, sem que o homem possa conter o seu avan-

107
Orlando de Almeida Secco

ço, acompanha inexoravelmente o evoluir do tempo. N esse


caminho vão nascendo, m odificando-se e m esmo extin­
guindo-se direitos, sem que a vontade tenha ou mesmo
possa ter qualquer parcela de influência. Apenas para ilus­
trar, basta dizer-se que antes de completar a idade de 16
anos, são nulos todos os atos praticados pessoalm ente pelo
jovem e que visem produzir efeitos jurídicos, dada a sua
incapacidade absoluta. Já os atos praticados entre os 16
anos com pletos e os 18 incompletos são passíveis de ratifi­
cação, ou m esmo de anulação, porém nulos não são, dada
a incapacidade relativa do jovem. A pós os 18 anos de idade
o homem são (mentalmente sadio) atinge a plenitude da
sua capacidade jurídica, podendo por si só e livremente
adquirir direitos e contrair obrigações. Todavia, esse
m esm o indivíduo, muito embora já dotado de capacidade
jurídica aos 18 anos, somente aos 35 anos de idade poderá
candidatar-se a determinados cargos públicos, com o é o
caso de vir a ser Presidente da República. Já ao chegar à
idade de 70 anos, se for funcionário público, extinguir-se-á
o seu direito de permanecer em atividade funcional, sendo
aposentado compulsoriamente. A idade, com o se vê é um
exemplo característico de fato jurídico involuntário.
Mas há outros exem plos não m enos marcantes: os
acontecim entos ordinários, tais com o o nascimento com
vida, a morte não proveniente de suicídio, o simples decur­
so do tempo; ou os acontecimentos extraordinários, decor­
rentes de caso fortuito ou de força maior, tais com o: tem­
pestade, terremoto, geada, seca, embargo de obra.
Fato jurídico voluntário ou fato humano, em contrapo­
sição, é exatamente aquele fato que depende intrinseca-
mente da vontade do homem. Por isso mesmo, não é só
“ fato” , mas, acima de tudo, é “ a to” . É ação humana, no
sentido genérico do termo.

108
Introdução ao Estudo do Direito

Não faltarão exem plos de fatos jurídicos voluntários,


bastando citar qualquer tipo de contrato: locação, compra
e venda, doação.
Também todas as ações ou om issões humanas que por­
ventura causem danos ou que violem direitos de outrem
estão inseridas com o exemplos de fatos jurídicos voluntá­
rios, posto que se referem a atos, quer sejam eles comissi-
vos (quando se age) ou omissivos (quando se deixa de agir).
Por isso a subclassificação dos fatos jurídicos voluntá­
rios em: atos lícitos e atos ilícitos. Os primeiros decorrentes
da obediência irrestrita aos ditames da lei, enquanto os
segundos praticados ao arrepio da legislação, isto é, ferin­
do os seus preceitos.
O ato lícito é aquele que resulta da obediência ao
determinado pela lei. O ato ilícito é, ao contrário, o pratica­
do violando o preceituado pela lei.
Um exemplo de ato lícito no qual se introduzam ape­
nas alguns detalhes poderá tornar-se um exemplo de ato
ilícito. Assim, se a com pra e venda de um imóvel é feita por
partes legítimas e capazes, obedecen do-se a forma exigida
por lei, isto é, por escritura pública, (de acordo com o exigi­
do pelo artigo 108, do novo C ódigo Civil), e observados
todos os demais aspectos que a legislação determina,
tem os aí um exemplo de ato lícito; porém, se quem vende
não é o legítimo proprietário, ou não obtém deste a indis­
pensável procuração com poderes específicos para efetuar
a venda, e ainda assim pratica o ato, e por instrumento par­
ticular, tem os agora um caso típico de ato ilícito. Simples
detalhes, portanto, são suficientes para modificar toda a
configuração de um caso.
No desenvolver dos estudos de atos lícitos e atos ilíci­
tos, nos capítulos seguintes, aprofundaremos os conheci­
mentos acerca de cada um deles.
Ato meramente lícito ou mero ato jurídico é aquele ato
que, embora sendo ação humana, produz efeitos jurídicos

109
Orlando de Almeida Secco

sem que tenha havido por parte do agente (o que pratica o


ato) qualquer manifestação ou declaração de vontade
nesse sentido. Produz, pois, efeitos jurídicos sem que o
agente tenha manifestado qualquer intenção de realizá-los.
Exemplificando: um homem cavando em terreno que lhe
pertence para ali fazer plantação ou abrir um poço, encon­
tra um tesouro enterrado há dezenas de anos e de cujo
dono não haja memória. Adquire, assim, a propriedade
d esse bem, sem que, ao escavar, tivesse objetivamente
qualquer intenção de achar algo de valor. Nasce aí, portan­
to, um direito sem que tivesse havido qualquer manifesta­
ção de vontade do agente para tal. Dito direito está ampa­
rado pelo artigo 1.265 do novo Código Civil. Outro exemplo
se tem quando alguém semeia em terras alheias e as
sem entes germinam, dando origem a inúmeras árvores fru­
tíferas. O dono das terras torna-se proprietário dessas
árvores e frutos. No novo Código Civil, artigo 1.254, está
configurado a hipótese e o direito.
Ato jurídico em sentido estrito, ou “ stricto sensu", são
ações humanas que para produzirem efeitos dependem de
determinada intenção do agente, isto é, dependem de
manifestação da sua vontade, sem que, todavia, se realize
qualquer acordo com a vontade de outrem. Exemplificando:
quando alguém decide fazer ocupação de propriedade
alheia, com o fazem os posseiros, não tem em princípio
outra intenção senão a de fixar-se em determinado lugar
pertencente a outrem. Procura um local para residir è ali
produzir e viver em geral do próprio cultivo. Na realidade,
ao exercer a ocupação dessas terras não pretende jamais
comprá-las e nem m esmo pagar pelo seu uso. Há, em casos
com o esse, uma invasão resultante de uma intenção prévia
e manifesta do invasor sem qualquer interesse negociai.
Mas, sem dúvida, inexiste qualquer acordo com o proprie­
tário das terras. Interessante, porém, é que dessa posse
decorrente da invasão poderá resultar o surgimento de

110
Introdução ao Estudo do Direito

efeitos jurídicos, com o bem esclarece o artigo 1.238 do


novo Código Civil ao abordar a “usucapião". A posse
mansa e pacífica, pelo decurso do tempo, segundo tal ins­
tituto jurídico, produzirá efeitos de tal ordem, a ponto de
poder transformar um simples posseiro em proprietário do
bem possuído.
N egócio jurídico é ação humana em que além da mani­
festação inconteste da intenção do agente há a declaração
expressa dessa sua vontade, estabelecendo-se um acordo
com a vontade de outrem. Assim, não só existe no negócio
jurídico a intenção do agente com o tam bém o desenrolar
de providências indispensáveis à concretização dos efeitos
jurídicos almejados. Os negócios jurídicos são atos de von­
tade acrescidos da declaração expressa dessa vontade,
m ediante celebração de acordo com a outra parte.
Instaura-se assim uma relação concreta entre as partes,
cujas vontades convergem a um só propósito. Os contratos
são os exem plos típicos: locação, empréstimo etc.

34. Fundamentalmente, os fatos jurídicos em sentido


amplo apresentam os seguintes caracteres:

a) quanto à origem, tanto podem ser naturais com o


humanos. Caso se originarem de acontecimentos
ou situações de fato que independam da nossa
vontade serão naturais, também denominados
involuntários ou, simplesmente, fatos. Se resulta-
rem de acontecimentos ou situações de fato que
dependam da nossa vontade serão então chama­
d os humanos, voluntários ou, simplesmente, atos;
b) quanto ao vínculo, interligam sempre duas par­
tes. Isto em decorrência da própria bilateralidade
que está implícita no relacionamento jurídico. A
todo direito há que corresponder sempre um
dever. Logo, se alguém é titular de um direito

111
Orlando de Almeida Secco

(sujeito ativo) há que existir um outro alguém res­


ponsável pela obrigação que lhe corresponda
(sujeito passivo). O fato jurídico necessariamente
envolverá sempre essas duas partes numa rela­
ção estreitada e por si só capaz de dar nascim en­
to, resguardar, transferir, modificar ou extinguir
direitos;
c) finalmente, quanto à manifestação, hão de ser
sempre exteriorizados. Os fatos jurídicos para
surtirem efeitos não podem ser incubados, não
podem ser latentes. Faz-se mister que se tornem
perceptíveis para então produzirem as con se­
qüências esperadas. Para entender tal caracterís­
tica basta ter-se em mira, apenas para exemplifi-
cação, que não há possibilidade de se concretizar
um negócio jurídico por mero pensamento. É pre­
ciso sempre se partir para a exteriorização do que
se pensa, fazendo uma proposta a alguém que a
aceitará ou a rejeitará no todo ou em parte. O sim­
ples pensam ento não externado, portanto, deixa­
rá de produzir efeitos, porque enquanto assim
permanecer não será do conhecimento da outra
parte. Não havendo exteriorização, não haverá
intersubjetividade, sendo óbvio que não produzi­
rá qualquer efeito. Todo fato jurídico há que ser
manifestamente exteriorizado.

O novo Código Civil introduziu uma novidade em seu


artigo 111, ao declarar que: “O silêncio importa anuência,
quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não
for necessária a declaração de vontade expressa” .
N esse caso em particular, ao nosso m odo de ver, só há
que se considerar com relação ao sujeito passivo do negó­
cio jurídico. Assim, o proponente (sujeito ativo) exterioriza
a sua vontade para celebrar o negócio jurídico e a outra

112
Introdução ao Estudo do Direito

parte, sujeito passivo (proposto) silencia, valendo esse


silêncio com o anuência, isto é, concordância.
Na prática, raríssimas serão as hipóteses de aplicação
dessa inovação, condicionada que fica às circunstâncias ou
aos usos!
Exemplo: se em um Centro Comercial ("Shopping
Center") há estacionam ento pago com manobrista (“valet
parking” ) e ao ali chegar com o meu veículo entrego as cha­
ves a essa pessoa, que as recebe, sem nada falar, dadas as
circunstâncias ou usos, está subentendido que ela aceitou
estacionar e guardar o carro até que eu retorne para pegá-
lo, após pagar o valor devido por tal serviço prestado.

35. A eficácia do fato jurídico em sentido amplo é a


concretização das suas conseqüências jurídicas, represen­
tadas estas pelo surgimento de direitos e deveres entre as
partes envolvidas no relacionamento.
Ditas conseqüências, com o já ficou anteriormente
salientado, podem ser: aquisição, resguardo, transferência,
m odificação e extinção de direitos. Adiante, em capítulo
específico sobre esses temas, estudaremos cada um de p er
si, detalhadamente.
Cumpre ainda assinalar-se que a eficácia dos fatos
jurídicos pod e ser instantânea ou retardatária, conforme o
momento da sua concretização. N esse particular, assem e­
lha-se em tudo ao que já ficou exposto no Capítulo VI (item
30) quanto aos efeitos das relações jurídicas.
Isto posto, se a eficácia do fato jurídico for instantâ­
nea, dir-se-á ser imediata; se for retardatária, dir-se-á dife­
rida ou mediata.
Na compra e venda à vista, praticamente os direitos e
os deveres ocorrem em sua plenitude instantaneamente. A
eficácia é então imediata e com o tal tanto o vendedor deve
entregar a coisa vendida ao comprador com o este deve
pagar o preço àquele, no ato da negociação ou logo após.

113
Orlando de Almeida Secco

Entretanto, no empréstimo, por exemplo, o direito que o pro­


prietário tem d e reaver a coisa que emprestou somente se
consolida na data em que estiver previsto o vencimento da
obrigação pelo tomador do empréstimo. Nesse caso, com o
em tantos outros sujeitos a prazo, a eficácia do fato jurídico
é diferida porque está condicionada a acontecimento certo
e futuro. São hipóteses em que o fato ocorrido em um dado
momento terá a sua eficácia em um momento posterior, isto
é, estará sujeita a term o (acontecimento futuro e certo do
qual fica dependente a eficácia de um fato jurídico).

114
Capítulo VIII
Ato Jurídico em Sentido Amplo

36. Noção - 37. Espécies - 38. Condições de validade - 39. Princípio da


autonomia da vontade. 7feoria da vontade e teoria da declaração -
40. Prova, publicidade e modalidades - 41. Defeitos. Nulos, anuláveis e
inexistentes.

36. Ato jurídico em sentido amplo, ou ato jurídico


“lato sensu", ou ato licito, com o vimos no Capítulo VII, item
32, é a primeira dentre as duas categorias em que se sub-
classifica o fato jurídico humano, também cham ado fato
jurídico voluntário.
É o ato praticado em obediência ao disposto pela lei,
ou por ela admitido, do qual resulte aquisição, resguardo,
transferência, m odificação ou extinção de direitos.
Nos dizeres de DANIEL COELHO DE SOUZA:

"Ato jurídico é m anifestação de vontade de acordo com


a norma jurídica da qual resulta a criação, a conserva­
ção, a m odificação, a transmissão ou a extin ção de
direitos".

37. Já vimos as espécies ou categorias em que se


subclassifica o ato jurídico em sentido amplo, quais sejam:

a) ato meramente lícito ou mero ato jurídico;


b) ato jurídico em sentido estrito ou ato jurídico
“ stricto sensu";
c) n egócio jurídico.

Ditas espécies foram devidamente conceituadas e


exemplificadas no Capítulo VII, item 33.

115
Orlando de Almeida Secco

Apenas visando reforçar o que já ficou antes estudado,


achamos por bem dar alguns com plem entos nesta oportu­
nidade.
Os atos meramente lícitos, também cham ados meros
atos jurídicos, não têm por fim imediato dar origem, modi­
ficar ou m esm o extinguir direitos ou obrigações, Na realida­
de é a lei que dá uma conotação jurídica a tais atos, tornan­
do-os eficazes. Ademais, com o já dissemos, nesse tipo de
ato o agente não contribui sequer com qualquer manifesta­
ção ou declaração de vontade. Os efeitos produzem-se sem
que o agente tenha manifestado qualquer intenção de rea­
lizá-los; produzem -se porque é a lei que adjudica a tais atos
certa eficácia. São, pois, efeitos expressamente declarados
por lei, decorrentes, porém, de atos que não tinham por fim
imediato ensejá-los.
O exemplo do artigo 1.265 do novo Código Civil é bas­
tante expressivo. Refere-se ao achado ocasional de um
tesouro, de cujo dono não haja memória, passando então a
pertencer a quem o encontrou, desde que em um prédio de
sua propriedade. N essa hipótese passa o descobridor a ser
dono do tesouro por ele achado por acaso em um imóvel do
qual seja dono.
Diferente, porém, dos atos meramente lícitos é a ques­
tão no que se refere aos atos jurídicos em sentido estrito
(“ stricto sensu” ) e aos negócios jurídicos, porque nesses
dois casos o fim imediato é dar origem, modificar ou m esm o
extinguir direitos ou obrigações. Há, em ambos os casos,
intenção do agente, embora somente no segundo exista
declaração de vontade.
No ato jurídico em sentido estrito a ação humana
depende de determinada intenção do agente, isto é, da
manifestação da sua vontade sem que se realize, todavia,
qualquer acordo com a vontade de outrem. É o caso, por
exemplo, da ocupação de um terreno alheio. O posseiro não

116
Introdução ao Estudo do Direito

deseja comprar, nem alugar. Não deseja celebrar com o pro­


prietário do imóvel qualquer negociação.
No negócio jurídico a ação humana também depende
da intenção do agente, mas há, além disso, uma declaração
expressa dessa vontade e o estabelecimento de acordo
com a vontade de outrem. É assim ato de vontade acresci­
do de declaração expressa da mesma. É o caso, por exem ­
plo, dos contratos em geral (compra e venda, locação etc.).
Também se usam outros critérios diferenciadores de
ato jurídico em sentido estrito e negócio jurídico. Ato jurí­
dico em sentido estrito caracteriza-se pela unilateralidade,
pois não há acordo com a vontade alheia, a exemplo da
adoção e do testamento, ao passo que negócio jurídico tem
com o traço característico a bilateralidade, pelo acordo de
vontade de ambas as partes, expressamente configurado,
com o ocorre, já dissemos, nos contratos em geral, com o
compra e venda, locação, empréstimo etc.
PAULO DOURADO DE GUSMÃO sustenta que a dife­
rença básica entre ambas é simplesmente patrimonial.
Para o eminente jurista o ato jurídico é todo o ato que não
tem imediata ou diretamente por finalidade conseqüência
jurídica de natureza patrimonial (adoção, emancipação),
enquanto o n egócio jurídico é a declaração expressa da
vontade destinada a produzir efeitos jurídicos de natureza
patrimonial (contratos).

38. Condições de validade de um ato jurídico são os


seus pressupostos básicos, isto é, os requisitos essenciais
para que os efeitos dele decorrentes sejam legitimados,
sejam reconhecidos. Se o ato não atentar para tais condi­
ções, será então ineficaz, invalidado.
No novo Código Civil (artigo 104) estão expressas as
três condições de validade do negócio jurídico, e por con ­
seqüência, do ato jurídico, que são; "I) agente capaz; II)

117
Orlando de Almeida Secco

objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III)


forma prescrita ou não defesa em lei” .
A capacidade do agente, no caso, é a possibilidade de
exercer por si só os atos da vida civil. É ter o agente não só
condições para querer com o também para realizar o ato. Os
menores de dezesseis anos de idade, por exemplo, não são
capazes. Segundo a lei, são absolutamente incapazes
(novo Código Civil, artigo 3a, inciso í). Os atos praticados
por tais menores são nulos e não produzem nenhum efeito
(novo Código Civil, artigo 166, inciso I). Falta-lhes, portan­
to, capacidade para agir, também chamada capacidade de
exercício.
Os maiores de dezesseis anos e menores de dezoito
anos de idade, segundo a lei, são relativamente incapazes
(novo Código Civil, artigo 4a, inciso I). Os atos jurídicos pra­
ticados por tais menores são anuláveis (novo Código Civil,
artigo 171, inciso I), salvo se confirmados pelas partes
(novo Código Civil, artigo 172).
Logo, é a partir dos dezoito anos de idade que o indi­
víduo se torna capaz, acabando então a menoridade e
ficando habilitado para todos os atos da vida civil (novo
Código Civil, artigo B2). Tkl critério, porém, é relativo. Uma
pessoa pode ter mais de dezoito anos de idade e, no entan­
to, ser ou tornar-se incapaz quando estiver, por exemplo,
enquadrada em uma das hipóteses assinaladas no artigo
32, do novo C ódigo Civil, com o os casos de enfermidade ou
de deficiência mental que impossibilitem o necessário dis­
cernimento para a prática do ato, ou ainda, a causa transi­
tória que im peça exprimir a sua vontade. Em contraparti­
da, poderá tornar-se capaz antes m esm o de completar os
dezoito anos de idade, se ocorrer uma dentre as hipóteses
enumeradas pelo parágrafo único do artigo 5a, do novo
Código Civil, com o sejam: a) pela concessão dos pais, ou de
um deles na falta do outro, mediante instrumento público,
independentem ente de hom ologação judicial, ou por sen­

118
Introdução ao Estudo do Direito

tença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis


anos completos; b) pelo casamento; c) pelo exercício de
em prego público efetivo; d) pela colação de grau em curso
de ensino superior; e) pelo estabelecim ento civil ou com er­
cial oti pela existência de relação de emprego; desde que,
em função deles, o menor com dezesseis anos de idade
com pletos tenha econom ia própria.
A incapacidade quer seja absoluta, quer seja relativa,
há de ser suprida por alguém, com o determina o novo
Código Civil em seu artigo 116.
Denomina-se representante aquele que supre a inca­
pacidade absoluta de alguém e assistente o que supre a
incapacidade relativa.
Representantes são: pais, tutores e curadores.
Em regra, o pai (e na falta deste, a mãe) representa o
filho menor de 16 anos de idade (novo Código Civil, art.
1.634, inciso V); o tutor representa o órfão (novo Código
Civil, art. 1.728); o curador representa o deficiente mental
(novo Código Civil, art. 1.767, inc. III, l â figura); e o ausen­
te (novo Código Civil, art. 22).
Assistentes em geral também são essas pessoas. O
pai (e na falta, a mãe) assiste o filho maior de 16 e menor
de 18 anos de idade (novo Código Civil, art. 1.634, inciso V,
segunda parte); o tutor assiste o órfão (novo Código Civil,
art. 1.747, inciso 1, segunda parte); o curador assiste o pró­
digo (novo Código Civil, art. 1.767, inciso V).
A incapacidade relativa pode ser suprida não só pela
assistência com o tam bém pela autorização. Como exem ­
plo, veja-se o artigo 1.525, inciso II, do novo Código Civil,
estipulando a necessidade de autorização escrita para o
menor casar-se e a ser dada pelas pessoas sob cuja depen­
dência estiver ou a autorização judicial que a supra.
Objeto é na realidade o meio utilizado para lograr-se o
fim pretendido; objeto lícito é aquele que não se contrapo­
nha à lei, que não se coloque ofensivamente aos bons cos­

119
Orlando de Almeida Secco

tumes e que não seja impossível, pela sua própria natureza


ou destinação.
O novo Código Civil inclusive, no artigo 166, inciso II,
prevê a nulidade do negócio jurídico e, por conseqüência,
do ato jurídico quando for ilícito, im possível ou índetermi-
nável o seu objeto.
Evidente que um objeto será ilícito quando manifesta­
mente ofensivo aos dispositivos legais. Exemplo: vender-se
algum bem do qual não se seja proprietário e nem se tenha
poderes outorgados pelo dono para fazê-lo.
Também será ilícito o objeto quando ofensivo aos bons
costumes. Exemplo: estabelecer um contrato de interme­
diação para fins de servir à lascívia (Iuxúria ou libertina­
gem ) de outrem. Tal situação constitui, além de atentado
aos bons costumes, um crime previsto pelo artigo 227, do
Código Penal.
O objeto será impossível se materialmente não tiver
possibilidade de tornar-se uma realidade concreta, prestá­
vel, ou m esmo se juridicamente for inconcebível. Daí dizer-
se que há dois tipos de impossibilidade do objeto:

a) física ou material;
b) jurídica ou legal.

A impossibilidade física p ode ser retratada, por exem ­


plo, se alguém tentasse vender lotes de terrenos no Sol, na
Lua ou nas estrelas de pequena grandeza; ou, se alguém
tentasse vender porções ideais do oceano.
A impossibilidade jurídica seria, por exemplo, tentar
vender praças públicas, ou terrenos situados nas beiras
das praias, junto ao mar, terrenos de marinha (Decreto-Lei
n2 9.760/46, artigo 2a, letra “ a").
Sendo im possível o objeto, também impossível será o
ato jurídico.
A propósito, salienta DANIEL COELHO DE SOUZA:

120
Introdução ao Estudo do Direito

"Os deveres im possíveis sâo inexigíveis

A forma do ato é o seu revestimento, a sua exteriorida-


de. Quando o ato se exterioriza ele deixa transparecer em
geral aspectos solenes que com põem o seu ritual. E bem
verdade que a lei nem sempre exige uma solenidade para
tornar válidos os atos jurídicos. Mas, quando o faz, se esta
não for observada, o ato será então nulo.
Veja-se o que determina o artigo 107 do novo Código
Civil:

“A validade da declaração de vontade não dependerá


de forma especial, senão quando a lei expressam ente a
exigir”.

Exigindo o artigo 108 do novo C ódigo Civil que seja


lavrada escritura pública para a validade dos negócios jurí­
dicos que visem à constituição, transferência, m odificação
ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor supe­
rior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país,
tais atos serão, portanto, nulos, se não for obedecida a
forma imposta.
Acerca da nulidade ora assinalada, com pleta o artigo
166, inciso IV, do m esm o código, dizendo que é nulo o n egó­
cio jurídico quando não revestir a forma prescrita em lei, a
escritura pública nesse caso.
Em que pese o teor desse artigo 108, do novo Código
Civil, podem ser celebrados mediante instrumento particu­
lar, feito e assinado, ou somente assinado por quem esteja
na livre disposição e administração de seus bens, atos
visando provar obrigações de qualquer valor, exigindo-se
tão-somente que tais documentos sejam registrados no
Registro Público para que produzam também efeitos em
relação a terceiros, isto é, pessoas outras que não sejam as
envolvidas na obrigação. Tàmbém podem ser feitos por ins­

121
Orlando de Almeida Secco

trumento particular, já que não houve expressa revogação


pelo novo Código Civil, os compromissos de compra e ven­
da, cessões de compromisso de compra e venda e prom es­
sas de cessão de direitos relativos a imóveis, loteados ou
não, urbanos ou rurais (artigos 11 e 22, do Decreto-Lei 58,
de 10/12/1937, e art. 26 da Lei n« 6.766, de 19/12/1979).
Quanto à adoção, o Estatuto da Criança e do A doles­
cente (Lei n£ 8.069, de 13/7/90), no artigo 47, passou a esta­
belecer que o vínculo somente se constituí por sentença
judicial, que será inscrita no Registro Civil. Não tem valor,
portanto, o chamado “papel passado" (instrumento parti­
cular de adoção) e muito m enos o ato meramente apalavra-
do (adoção verbal, por acordo entre as partes). O novo Có­
digo Civil a esse respeito, no artigo 1.623, e em seu pará­
grafo único, passou a exigir processo judicial e, portanto,
sentença constitutiva da adoção, tanto para os menores de
18 anos de idade quanto para os maiores de 18 anos de ida­
de, respectivamente, adoção plena e adoção simples.
Não havendo imposição legal para que se observe a
forma especial, os atos jurídicos valerão quando praticados
sem tal solenidade. Poderão, por exemplo, ser realizados por
instrumentos particulares: locação, cessão de direitos,
mútuo etc. Os atos que não sejam celebrados por instrumen­
to público necessitam, entretanto, algumas cautelas, com o
terem que ser comprovados por uma das maneiras mencio­
nadas pelo artigo 212, do novo Código Civil. Se os efeitos
tiverem que alcançar terceiros, com o já ressaltamos anterior­
mente, hão que estar registrados no registro público com pe­
tente. Por último, deverão estar assinados por quem esteja
na livre disposição e administração de seus bens.
Acerca da forma do ato jurídico assim se expressa
DANIEL COELHO DE SOUZA:

“As form as são várias, desde as com plexas até as m ais


singelas. Podem consistir numa solenidade, com o a

122
Introdução ao Estudo do Direito

celebração do m atrimônio; num ato praticado perante


um servidor público, com o as escrituras públicas; num
docum ento lavrado p elos próprios interessados, com o
as escrituras particulares

Diz o artigo 104, inciso III, do novo Código Civil que o


ato jurídico para ser válido requer "forma prescrita ou não
defesa em lei” . Entende-se por forma prescrita aquela que
a lei impõe para determinados fatos ou situações, com o é o
caso da escritura pública.
Forma não defesa em lei é aquela que a lei não proíbe.
Logo, será válido todo o ato que obedecer a formas
não vedadas expressamente por dispositivo legal. Veja-se
o artigo 541 e seu parágrafo único, do novo Código Civil.

39. O ato jurídico, com o vimos, necessita para ter vali­


dade de três condicionantes: o agente capaz, o objeto líci­
to, possível, determinado ou determinável e a forma pres­
crita ou não defesa (não proibida) em lei.
Dissemos então que a capacidade do agente nada
mais é do que a possibilidade de exercer por si só os atos
da vida civil. Exercer esses atos implica conseqüentem en­
te em um querer. É exatamente nesse querer que se insere
o próprio dinamismo do ato jurídico. Quando o indivíduo-
pratica o ato, implicitamente está manifestando a sua von­
tade, o seu querer dirigido ao fim pretendido. Aí está o pró­
prio fundamento do ato jurídico.
A vontade é essencial! Sendo o ato jurídico todo o ato
lícito que tenha por fim imediato adquirir, resguardar,
transferir, modificar ou extinguir direitos, o agente contri­
bui sempre com a sua vontade, orientada para a obtenção
desses resultados. Mas, com o de certa forma a vontade há
que ser exteriorizada, isto é, transmitida para tornar-se do
conhecim ento da outra pessoa, seguir-se-á sempre uma

123
Orlando de Almeida Secco

declaração. Esta por sua vez consiste na divulgação para o


conhecim ento de outrem.
Para compreendermos melhor, digam os que se deseje
comprar o imóvel de alguém. Aí está a vontade, até então
interiorizada e do nosso exclusivo conhecimento. Significa
que a nossa vontade não exteriorizada ainda não se tornou
conhecida pela outra parte. Todavia, quando declaramos a
outra pessoa a nossa intenção, e o fazemos livremente, é
que se estabelece a possibilidade da concretização.
Desse modo, com o muito bem assinala HERMES
LIMA:

“Vontade e declaração integram o ato jurídico, porque


vontade indeclarada, de propósito oculto, é irrelevante
para o direito, e declaração sem vontade real, com o a re­
sultante de dolo ou do erro, não cria vínculos jurídicos".

Sendo a vontade um elemento essencial à pratica de


qualquer ato jurídico, e sendo a declaração a própria exte­
riorização dessa vontade, surgiram então duas teorias a
respeito e que procuraremos expor resumidamente: teoria
da vontade e teoria da declaração.
Pela “Teoria da Vontade” o que se tem em mira é o
aspecto interiorizado do sujeito do dever ou do sujeito do
direito, ou seja, a sua intenção, o seu propósito; os fatos
hão que ser interpretados com o provenientes da vontade
real psicológica do sujeito. Em outras palavras, com o nem
sempre a declaração do indivíduo terá refletido com preci­
são absoluta aquilo que ele tinha em mente, passa a ser
essencial examinar-se a declaração quanto aos seus verda­
deiros objetivos, e para isso há que ser evidenciada a inten­
ção do indivíduo, a sua vontade real, essencialmente inter­
na. Para a "Teoria da Vontade" o que importa é a intenção
(interioridade).

124
Introdução ao Estudo do Direito

Já a “Teoria da Declaração" está baseada na vontade


formalizada juridicamente e expressa pelo sujeito do dever
ou pelo sujeito do direito, em geral no texto ao manifestar-
se. Segundo essa teoria, pou co importa a vontade real psi­
cológica, isto é, a intenção do sujeito. Exteriorizada a sua
vontade real, o que se concretiza através da declaração,
não há mais que se investigar a intenção. Para a “ Teoria da
Declaração" o que importa é o que estiver declarado (exte-
rioridade).
A “Teoria da Vontade” foi adotada pelos franceses e a
“ Teoria da Declaração", pelos alemães.
Em nosso Direito, estabelece o novo Código Civil, no
artigo 112:

"Nas declarações de vontade se atenderá m ais à inten­


ção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da
linguagem ”.

Examinando-se o que aí está expresso, constata-se


que para nós o importante é a intenção, prevalecendo esta
sobre a vontade formalizada juridicamente, sobre a decla­
ração. Logo, aqui no Brasil foi adotada a “Teoria da Von­
tade", sob inspiração do “Code Civil” francês. Melhor
esclarecimento nos dá o artigo 404, inciso I, do nosso C ó­
digo de Processo Civil.
Apenas para que se compreenda melhor o posiciona­
mento das duas teorias, tomemos o seguinte exemplo:
Digamos que alguém se case crendo que o seu cônju­
ge seja p essoa honrada e de boa fama. Tfendo sido celebra­
do o matrimônio, já terá essa pessoa manifestada a sua
vontade através de uma declaração. Casou-se porque tinha
essa intenção, embora desconhecesse por ocasião daquele
ato alguns aspectos importantes quanto à personalidade
do outro cônjuge.

125
Orlando de Almeida Secco

Seguindo-se rigorosamente a “ Teoria da Declaração” ,


deve prevalecer aquilo que ficou expressamente consigna­
do. Uma vez já tendo sido feita a declaração - aceitando o
matrimônio deve este prevalecer, pouco importando o
lado subjetivo, caracterizado pelo engano cometido. Sendo
assim, o casamento concretizado deve permanecer intocá­
vel, em bora se argumente que se a pessoa soubesse da má
reputação da outra não teria casado. Pela “ Teoria da
Declaração” o que há de prevalecer é a declaração feita
manifestando a intenção, e não a vontade real psicológica.
Pela “Teoria da Vontade” , exatamente em sentido con ­
trário, caberia investigar-se o aspecto interiorizado do
declarante, ou seja, a sua verdadeira intenção, o seu propó­
sito. Ficaria desde logo salientado que somente havia casa­
do porque desconhecia o lado desabonador do outro cônju­
ge. Comprovado que a intenção fora enganosa, estaria
seriamente com prom etida a declaração feita, cabendo
anulá-la.
N osso atual Código Civil, adotando pelo artigo 112 a
chamada “Teoria da Vontade” , admite a anulação do casa­
mento com base no consentimento (declaração) feito com
erro essencial quanto à pessoa do outro cônjuge (artigo
1.556). Aí fica demonstrado que o nosso Direito admite a
possibilidade de ser a declaração pesquisada nos seus ver­
dadeiros propósitos, o que, em última análise, é descobrir a
intenção (vontade real psicológica) do sujeito.
Estudadas as duas teorias, estamos agora em condi­
ções de abordar o chamado “Princípio da Autonomia, da
Vontade” .
Em nosso Direito está consagrada a idéia de liberdade
de contratar. Os indivíduos dotados de capacidade podem
livremente pactuar, estabelecendo reciprocamente direitos
e obrigações. O bservados os parâmetros fixados pelo
Ordenamento Jurídico, tal liberdade é muito ampla, sofren­

126
Introdução ao Estudo do Direito

do apenas determinadas restrições, motivadas pelo inte­


resse público.
A autonomia da vontade está alicerçada na igualação
dos indivíduos em virtude da lei. Sabe-se, contudo, que tal
igualdade, juridicamente estabelecida, não produz na rea­
lidade resultados tão precisos e dignos de confiança.
Havendo poderosos, quebrado estará o seu ponto de equi­
líbrio. Justamente por isso, e na defesa do interesse públi­
co, é que o “Princípio da Autonomia da Vontade" sofre
algumas restrições.
Sobre o assunto, com propriedade e clareza, assim se
expressa HERMES U M A:

"Reconhecida a igualdade de todos perante a lei os


indivíduos eram livres para se obrigarem , porque o
faziam em conseqüência de uma vontade própria e
autônom a e igual entre eles.
M as a tradução em term os jurídicos da igualdade e da
autonom ia da vontade não correpondiam aos term os
qu e a realidade apresentava - uns podiam m ais que
outros e, p or isto, tinham m ais liberdade do que ou­
tros, e a vontade d e alguns era m ais forte qu e a von­
ta d e de m u itos" ,

As limitações impostas pelo Estado à autonomia da


vontade são bastante perceptíveis, principalmente no que
concerne aos contratos, e nestes, mormente nas locações
de imóveis. Para se dar uma idéia, basta passar os olhos
pela atual lei reguladora da locação predial urbana (Lei n-
8.245, de 18 de outubro de 1991), ali se encontrando:

a) proibição de estipular-se o valor do aluguel em


m oeda estrangeira e a sua vinculação à variação
cambial ou ao salário mínimo (art. 17);

127
Orlando de Almeida Secco

b) limitação do repasse ao inquilino apenas das cha­


madas despesas ordinárias de condomínio (art.
23, inciso XII);
c) limitação do direito à purgação da mora, se o
locatário já se houver beneficiado dessa faculda­
de por duas vezes nos doze m eses imediatamen­
te anteriores à proposição da ação (art. 62, pará­
grafo único).

A purgação da mora é o ato pelo qual o inquilino, cita­


do para responder à ação de despejo por falta de pagam en­
to, requer ao juiz que seja determinada uma data e hora
certa para fins de saldar os seus débitos em Cartório, evi­
tando assim ser despejado.
No Direito do Trabalho também aparecem inúmeras li­
m itações à autonomia da vontade, bastando destacar:

a) remuneração do trabalho noturno superior à do


diurno ("Consolidação das Leis do Trabalho” -
CLT, art. 73);
b) fixação do salário mínimo com o a contraprestação
mínima devida e paga diretamente pelo em prega­
dor ao em pregado (CLT, art. 76);
c) estabelecimento da duração normal do trabalho
para os em pregados em qualquer atividade priva­
da (CLT, art. 58).

Sobre as limitações à autonomia da vontade, acrescen­


ta MACHADO PAUPÉRIO:

"R estrições de toda ordem aparecem para suprir as


deficiências do econom icam ente fraco, substituindo-se
em grande parte a autonom ia contratual pelos princí­
pios de ordem pública que a nova legislação passou
ostensivcunente a incluir

128
Introdução ao Estudo do Direito

0 “ Princípio da Autonomia da Vontade" está caracte­


rizado pelo m esmo artigo 112 do novo Código Civil, que,
com o assinalamos, é alusivo à “ Teoria da Vontade".
Desse princípio decorrem implicitamente outros dois,
quais sejam:

1 - “ PACTA SUNT SERVANDA" - (‘Os pactos são


obrigatórios' ou 'Os contratos devem ser cum pridos') - É
um princípio pelo qual fica evidenciada a liberdade de con ­
tratar dentro da licitude, mas, em contrapartida, im põe-se
a obrigatoriedade do cumprimento de tudo que ficar con­
tratado. Em nosso novo C ódigo Civil, o artigo 427 é bastan­
te sintonizado com tal princípio, ao declarar:

"A proposta de contrato obriga o proponente, se o con ­


trário não resultar dos term os dela, da natureza do
n egócio, ou das circunstâncias do caso".

Como se constata, a proposta de contrato, obrigando o


proponente, torna visível a exigibilidade do cumprimento
por parte deste. A aceitação da proposta pela outra parte
faz com que fique também vinculada e obrigada (novo
Código Civil, art. 432).
Em suma, feita a proposta por um e manifestada a
aceitação pelo outro, reputar-se-á concluído o contrato,
obrigando então as partes ao cumprimento do que tiverem
pactuado entre si.

II - “RES INTER ALIOS ACTA VEL JUDICATA ALIIS,


NON NOCET NEC PRODEST" (‘O que é ajustado ou julgado
com relação a alguns não beneficia nem prejudica os
demais') - Por esse princípio, fica ressaltada a vinculação ao
caso concreto tão-somente das pessoas relacionadas, ex-
cluindo-se aquelas que não mantenham qualquer ligação.

129
Orlando de Almeida Secco

No novo Código Civil, inclusive, surge agora dispositi­


vo que não havia no código velho, do seguinte teor:

"Nenhuma obrigação haverá para quem se com prom e­


ter p or outrem , se este, depois de se ter obrigado, faltar
à prestação" (A rtigo 440).

Ademais, no artigo 264 do m esmo Código, que alude


às obrigações solidárias, verifica-se que:

“A solidariedade não se presum e; resulta da lei ou da


vontade das partes".

Assim, devedores e credores das obrigações são ape­


nas as partes envolvidas por um contrato ou ainda as p es­
soas cuja vinculação resulte de im posição legal. Ninguém
mais, fora essas, tem qualquer vinculação.
Os autores contemporâneos mais renomados afirmam
que todos esses princípios estão, na era atual, em decres­
cente prestígio, ressaltando que a descida é bastante ace­
lerada. Exemplificam com as freqüentes interferências do
Estado na defesa do interesse público, limitando cada vez
mais a autonomia da vontade das partes, o que é mais insi-
nuante nas relações locatícias, de trabalho e no direito de
propriedade. Havendo cada vez mais cláusulas obrigató­
rias, por im posição legal, notório é o enfraquecimento da
autonomia da vontade das partes contratantes, perdendo
os contratos destarte a soberania de que eram detentores
no passado.

40. Cuida o novo Código Civil, a partir do artigo 212,


da prova dos atos jurídicos.
Tbdos os meios ou recursos d e que se possa dispor
para comprovar um ato jurídico é uma prova do mesmo.

130
Introdução ao Estudo do Direito

A prova, segundo o conceito sumário transcrito por


AFTALIÓN, OLANO e VILANOVA, extraído de RAYMUN-
DOSALVAT.

"Es la dem onstración, p or algunos de los m edios que ia


ley establece, d ela verdad de un h ech o dei cual depen­
de la existencia de um d erech o ".
ÇÉ a dem onstração, por alguns dos m eios que a lei esta ­
b elece, da verdade de um fato do qual depende a exis­
tência de um direito'.)

Para FLÓSCOLO DA NÓBREGA:

"Prova, em direito, é o m eio de tornar certa, de dem ons­


trar a realidade de um fato ".

HERMES LIMA faz referência à definição de prova for­


mulada por CLÓVIS BEVILÁQUA:

"Prova é o conjunto de meios em pregados para de­


m onstrar legalm ente a existência de um ato jurídico".

A prova de um ato jurídico é a demonstração da exis­


tência deste, resultante da utilização dos meios adequa­
dos, concludentes e legalmente admissíveis para o fim a
que se destinam.
Emergem desse conceito quatro requisitos essenciais
da prova:

a) que ela resulte da utilização dos meios com o fito


de demonstrar a existência de um ato jurídico;
b) que esses meios se cinjam à com provação preten­
dida;
c) que tal comprovação seja esclarecedora e conclu­
siva;

131
Orlando de Almeida Secco

d) que os meios utilizados sejam legalmente permi­


tidos.

Questão de máxima relevância a respeito do tema em


estudo é o “ onus probandi" (‘o ônus da prova’ ou ‘o encar­
g o da prova’). Em outras palavras, é determinar-se a quem
com pete apresentar a prova: quem tem essa incumbência,
tal encargo.
O princípio fundamental que rege a administração da
prova dispõe que, em regra, a prova d eve ser produzida por
quem alega o fato do qual decorra o direito. O ônus da
prova, portanto, pertence a quem alega o fato, e não a
quem o nega.
A exceção a esse princípio veio com o advento do
Código de Defesa do Consumidor (C.D.C.), Lei na 8.078, de
11 de setembro de 1990, cujo artigo 6o, inciso VIII, estabe­
lece com o sendo direito básico do consumidor a facilitação
da defesa de seus direitos, prevendo nesse caso a “inver­
são do ônus da prova” , a seu favor, no processo civil, a cri­
tério do juiz.
A inversão do ônus da prova ocorre em tal hipótese
“ope legis" (“por força de lei” ).
Cumpre ressaltar-se ainda que nem sempre tal ônus
da prova se impõe com o uma obrigação para quem alega,
vez que existem situações ou fatos em que a própria lei pre­
sume favoravelmente ao interessado.
A presunção legal exime que se comprove o alegado.
Exemplos de presunção legais têm no artigo 1.597 do
novo Código Civil, que declara:

"Presumem-se concebid os na constância do casam ento


os filhos:
I - nascidos 180 (cen to e oitenta) dias, p elo m enos,
depois de estabelecida a convivência conjugal;

132
Introdução ao Estudo do Direito

II - nascidos nos 300 (trezentos) dias su bseqü en tes à


dissolução da sociedade conjugal p or m orte, sepa­
ração judicial, nulidade e anulação do casam ento.
I I I - (...)”.

Como se vê, o filho nascido em decorrência de uma


dentre as situações aqui transcritas não necessita provar
que resultou do casamento de seu pai com a sua mãe; é a
lei que presume isso!
A presunção, entretanto, admite duas espécies:

a) absoluta, também chamada “juris et de jure” (‘de


direito e por direito');
b) relativa ou condicional também conhecida por
“juris tantum” (‘ somente pelo direito’ ).

A presunção “juris et de jure", ou simplesmente pre­


sunção "de jure’’ , com o preferem alguns tratadistas, é a
que não admite prova em contrário. Justamente por isso é
que também se chama presunção absoluta. O exemplo
mais significativo dessa presunção é a “ coisa julgada” ,
definida pela “Lei de Introdução ao Código Civil" (Decreto-
Lei nfi 4.657/42, artigo ô2, § 3a), da seguinte maneira:

“ Cham a-se coisa julgada ou caso julgado a decisão


judicial de que já não caiba recurso".

A presunção “juris tantum” , diferentemente da ante­


rior, admite prova em contrário. Logo, são presunções con ­
sideradas relativas ou condicionais porque somente sub­
sistem até que se com prove o contrário.
Exemplo dessa presunção tem na hipótese do devedor
de uma importância ter em seu poder o título de crédito
representativo do seu débito. Presume-se, então, que a dívi­
da já foi paga pelo mesmo, pois o normal seria o título per­

133
Orlando de Almeida Secco

manecer na posse do credor até o seu efetivo pagamento.


Essa presunção admite, com o dissemos, prova em contrário.
Outro exemplo de presunção relativa ou condicional
tem na Lei na 2.681, de 7 de dezem bro de 1912, que regula
a responsabilidade civil das estradas de ferro. Dispõe essa
lei, em seu artigo primeiro:

“A s estradas de ferro serão responsáveis pela perda


total ou parcial, furto ou avaria das m ercadorias que
receberem para transportar. Será sem pre presum ida a
culpa e contra esta presunção só se admitirá alguma
das segu in tes provas: Ia-- caso fortuito ou força maior;

Dissemos que provar é utilizar meios adequados, con­


cludentes e legalmente admissíveis. Precisamos, então, es­
clarecer agora quais sejam esses meios que a lei admite
com o comprobatórios de um ato jurídico. Atentando-se para
o artigo 212 do novo Código Civil, tem-se logo uma idéia
bastante vasta, posto que os atos jurídicos, aos quais não se
imponha forma especial, poderão provar-se mediante:

a) confissão;
b) documentos;
c) testemunhas;
d) presunção;
e) perícia.

Não vamos nos deter em nenhuma dessas provas


nesta oportunidade. O tema terá estudo bastante aprofun­
dado pelos especialistas do direito processual ou judiciário
na ép oca própria. Aqui, registraremos apenas o seguinte: a
confissão é a melhor de todas as provas (em latim: “ confes-
sio est probatio omnibus mellíor” ), mas, mesmo assim,
deve ser aceita com reservas.

134
Introdução ao Estudo do Direito

Diz a lei:

“Há confissão, quando a parte admite a verdade de um


fato, contrário ao seu interesse e favorável ao adversá­
rio. A confissão é judicial ou extrajudicial”.
(Código de Processo Civil, artigo 348).

A maneira de obter-se a confissão judicialmente é


através do depoim ento pessoal prestado pela parte. Esse
depoimento pessoal consiste no interrogatório feito pelo
juiz à parte, sobre os fatos em demanda, cabendo à m esma
responder. Haverá confissão sempre que a parte interroga­
da reconhecer com o sendo verdadeiras as alegações feitas
pela parte contrária. Tkmbém no Código de Processo Civil,
artigos 342 a 347, está disciplinado o depoimento pessoal.
A lei admite a existência da confissão extrajudicial
(artigo 353, do Código de Processo Civil), mormente quan­
do a parte firma um docum ento nesse sentido, ou seja,
reconhecendo com o verdadeiras as razões da parte contrá­
ria. Um exem plo característico disso é o chamado “instru­
mento particular de confissão de dívida", em que o devedor
expressamente declara existir uma dívida, e o seu montan­
te, em favor do seu credor.
Sobre a confissão, cabe ainda ser mencionada a deno­
minada “pena de con fesso” , a que se refere o artigo 319, do
Código de Processo Civil. Consiste ela na pena aplicável
quando o réu não exerce a sua defesa (resposta ou con tes­
tação) no prazo que a lei determine.
A lei não admite a confissão para toda e qualquer hi­
pótese. Sendo o direito indisponível, não é válida a confis­
são feita em juízo sobre fatos relativos ao mesmo. Não vale,
por exemplo, a parte confessar em juízo que renunciou à
pensão alimentícia, quando a lei veda essa renúncia, com o
estabelecido no artigo 1.707 do novo Código Civil e que

135
Orlando de Almeida Secco

mereceu reforço com o verbete da Súmula 379 do egrégio


Supremo Tribunal Federal.
Documentos são os escritos oriundos de órgãos públi­
cos ou os efetuados por iniciativa privada. No primeiro
caso, tem os certidões, traslados, atestados, guias de
impostos, alvarás etc., e, no segundo, contratos, declara­
ções, correspondências, recibos, livros comerciais etc.
Nos artigos 109, 215 a 217, 221 e 224 do novo Código
Civil, há alguns aspectos relevantes a serem observados
quanto aos docum entos públicos e particulares, cuja leitu­
ra recom endamos nesta oportunidade.
Recomendam os tam bém um exame do conteúdo dos
artigos 364 a 399 do Código de Processo Civil, alusivos à
prova documental.
As testemunhas são as pessoas que, conhecedoras
dos fatos, prestam depoim entos capazes de confirmar a
verdade alegada pela parte que as indica.
A prova testemunhai é repleta de particularidades, a
com eçar pelo princípio latino que diz:

“Testis unus, testis nullus."


('Uma testem unha, nenhum a testem unha%

De fato, testemunha única é quase uma inutilidade! A


lei fala sempre no plural (testemunhas, rol de testemunhas
etc.). Mas, quando só existe uma testemunha, é com ela
que a parte terá que dispor, sem dúvida.
No novo Código Civil, artigo 227, e no Código de
Processo Civil, artigo 401, estão assinaladas as hipóteses
em que não se admite a prova testemunhai isoladamente
de outra prova. São casos em que tal prova deverá vir sem ­
pre acompanhada de, pelo menos, uma das demais provas
permitidas. Não pode ser, portanto, prova exclusiva.
Por outro lado, há pessoas que não podem servir de
testemunhas, com o sejam: os menores de dezesseis anos;

136
Introdução ao Estudo do Direito

aqueles que, por enfermidade ou retardamento mental, não


tiverem discernimento para a prática dos atos da vida civil;
os ce g o s e surdos, quando a ciência do fato que se quer
provar dependa dos sentidos que lhes faltam; o interessa­
do no litígio, o amigo íntimo ou o inimigo capital das par­
tes; os cônjuges, os ascendentes, os descendentes e os
colaterais, até o terceiro grau de alguma das partes, por
consangüinidade, ou afinidade. A proibição de que tais
pessoas atuem com o testemunha está expressa no artigo
228, incisos I a V, do novo Código Civil.
O Código de Processo Civil classifica as pessoas que
não podem depor com o testemunhas em três categorias:

a) incapazes;
b) impedidas;
c) suspeitas.

Elas estão indicadas no artigo 405, parágrafos l 2, 2- e


3a, respectivamente. Exemplificando: são testemunhas in­
capazes o doente mental interditado e o.menor de 16 anos
de idade; são testemunhas impedidas o cônjuge d e alguma
das partes e a pessoa que seja parte na causa; são teste­
munhas suspeitas o condenado por crime de falso testem u­
nho e o inimigo capital da parte, ou o seu amigo íntimo.
A presunção é também um meio de prova. O tema já
foi, porém, bastante desenvolvido no início deste item 40.
No que diz respeito à perícia, tem os a considerar, prin­
cipalmente, os exames, as vistorias e as avaliações.
No exame, o perito faz minuciosa constatação técnica
para fins de fornecer ao juiz os dados capazes de propiciar
a elucidação do caso concreto. Assim sendo, o perito con ­
tador examina livros, contas, balanços, escriturações fis­
cais etc.; o perito m édico-legista examina o corpo de delito
de crimes contra a vida, de lesões corporais etc.; o perito

137
Orlando de Almeida Secco

grafotécnico examina falsificações de assinaturas, autenti­


cidade e autoria de docum entos manuscritos etc.
Vistorias são inspeções feitas diretamente "in- lo co ”
(‘no lugar’), também com o propósito de fornecer ao juiz os
dados elucidativos do caso. Faz-se vistoria para constatar a
extensão dos danos sofridos por um imóvel após um incên­
dio; para determinar as verdadeiras metragens e confronta­
ções de uma área de terras; para determinarem-se as con ­
seqüências de uma construção nova em relação aos pré­
dios vizinhos etc.
Avaliações são as determinações dos valores dos bens
objetos dos processos judiciais. Chamam-se avaliadores os
peritos que as realizam. Avaliam-se bens para efeito de cál­
culo do im posto devido nos inventários; para fins de proce­
der ao leilão do bem penhorado; para fins de garantia de
um processo de execução etc.
A s provas periciais acima indicadas são disciplinadas
pelo Código de Processo Civil, artigos 420 a 439.
Denominam-se laudos as peças através das quais os
peritos se pronunciam tecnicam ente nos autos do processo
após executarem os seus ofícios.
Quanto ao arbitramento existe uma legislação bem
recente, Lei na 9.307, de 23 de setembro de 1996, pela qual
as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da deno­
minada arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos
patrimoniais disponíveis, sendo que poderá ser árbitro
qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes
litigantes, nos termos d o artigo 13 dessa lei.
O s atos jurídicos muitas vezes necessitam ser do
conhecim ento d e pessoas que, em bora neles não intervin­
do (por não serem partes), são interessadas nos efeitos pro­
duzidos, pessoas essas que se denominam “terceiros” .
Se os terceiros, de certa forma, podem vir a ser preju­
dicados pelo ato jurídico praticado, sem que dele tenham

138
Introdução ao Estudo do Direito

tomado conhecimento, a única maneira de evitar-se esse


mal é a publicidade.
Quando a lei impõe que determinado ato somente te­
nha validade se não for preterida a solenidade considerada
essencial (novo Código Civil, artigo 166, V), ela está exata­
mente a defender os interesses dos terceiros estranhos à
relação jurídica.
A publicidade, portanto, é a divulgação do ato, nos
casos, do m odo e com a freqüência que a lei determina para
fins de torná-lo do conhecim ento público e resguardarem
direitos e interesses de terceiros.
Se o ato só puder ser considerado válido através da
publicidade, e se esta foi devidamente realizada, os tercei­
ros que dela não tomaram conhecim ento terão que se con­
formar com as conseqüências contrárias aos seus interes­
ses. Na realidade, se a publicidade foi realizada com o
determinado pela lei, os terceiros não poderão alegar d e s­
conhecim ento do ato. Mas, se não foi promovida a publici­
dade exigida por lei, poderão pleitear a nulidade d o ato,
com fulcro no citado artigo 166, V do novo Código Civil.
Cumpre ressaltar-se que a publicidade somente se faz
obrigatória para determinados atos jurídicos. Quando exi­
gida, a publicidade subdivide-se em duas espécies:

a) publicidade constitutiva;
b) publicidade déclaratória.

Publicidade constitutiva é aquela considerada essen­


cial, imprescindível mesmo, para que o ato jurídico adquira
eficácia e o reconhecimento legal. Só podem os dizer que o
ato se constituiu quando ela (publicidade) fói realizada. O
exemplo típico é a obrigatoriedade da transcrição do ins­
trumento público no Registro de Imóveis para que se con­
solide a propriedade imobiliária. Quem adquire um imóvel,
há de fazê-lo por escritura pública (novo Código Civil, arti­

139
Orlando de Almeida Secco

go 108), mas só se tornará realmente o proprietário após


promover o registro dessa escritura de compra e venda no
com petente Ofício de Registro de Imóveis. Veja-se a respei­
to o que determine o artigo 1.245, do novo Código Civil:

“ Transfere-se entre vivos a propriedade m ediante o


registro do título translativo no R egistro do Im óvel",

A transcrição acima m encionada é obrigatória, com o


se constata no parágrafo l ü, desse artigo:

"Enquanto não se registrar o título translativo, o alie-


nante continua a ser havido com o dono do im óvel”.

Aproveitamos para recomendar a especial leitura aos


dizeres do artigo 1.227 do novo C ódigo Civil, artigo esse
que remeterá o leitor aos artigos 1.245, 1.246 e 1.247 do
mesmo código.
A propósito, transcrevemos abaixo o artigo 172, da
“Lei dos Registros Públicos" (Lei nfi 6.015, de 31 de dezem ­
bro de 1973):

"No R egistro de Im óveis serão feitos, nos term os desta


Lei, o registro e a averbação dos títulos ou atos con sti­
tutivos, declaratórios, translativos e extin tivos de direi­
tos reais sobre im óveis reconhecidos em lei, 'inter vivos'
ou 'causa m ortis' ("entre os vivos" ou "em razão da
m orte"), quer para sua constituição, transferência e
extinção, quer para sua validade em relação a terceiros,
quer para sua disponibilidade”.

Publicidade declaratória ó a que, embora não obriga­


tória para a validade do ato, é feita para dar conhecimento
do m esm o aos terceiros interessados nas suas conseqüên­
cias. Os atos só valem contra terceiros se efetivada a publi­

140
Introdução ao Estudo do Direito

cidade! Normalmente a via indicada para tal publicidade é


o Ofício de Registro de Títulos e Documentos.
O bserve-se que na mencionada "Lei de Registros Pú­
blicos", no artigo 129, estão m encionados todos os atos
cujo registro é obrigatório no “Registro de Títulos e
Documentos" para produzirem efeitos em relação a tercei­
ros. São eles:

a) os contratos de locação de prédios;


b) os docum entos decorrentes de depósitos ou de
cauções feitos em garantia de cumprimento de
obrigações contratuais;
c) as cartas de fiança, em geral, feitas por instru­
mento particular;
d) os contratos de locação de serviços;
e) os contratos de compra e venda em prestações,
com reserva de domínio ou não;
f) os contratos de alienação ou de prom essas de
venda referentes a bens imóveis;
g) os contratos de alienação fiduciária;
h) todos os docum entos de procedência estrangeira,
acom panhados das respectivas traduções;
i) as quitações, recibos e contratos de compra e
venda de automóveis, bem com o o penhor destes;
j) os atos administrativos expedidos para cumpri­
mento de decisões judiciais, sem trânsito em jul­
gado, pelas quais for determinada a entrega,
pelas alfândegas e mesas de renda, de bens e
mercadorias procedentes do exterior;
1) os instrumentos de cessão de direitos e de crédi­
tos, de sub-rogação e de dação em pagamento.

A publicidade, em regra, é feita:

a) pelos registros públicos (Registros de Imóveis,


Registros de Títulos e Documentos, Registros de

141
Orlando de Almeida Secco

Direitos Autorais, Registros de Marcas e Paten­


tes, Registros de Comércio etc.);
b) pelos editais (publicados em diários oficiais, jor­
nais de grande circulação, e afixados em lugares
de costume);
c) pelas notificações (judiciais e extrajudiciais).

A s leis somente com eçarão a vigorar após terem sido


oficialmente publicadas ("Lei de Introdução ao Código Ci­
vil", artigo primeiro).
Duas são as conseqüências óbvias da falta de publici­
dade do ato:

I- se a publicidade era do tipo constitutivo, a sua


falta implicará a não-efetivação do ato, que per­
m anecerá pendente de consum ação, até que ela
seja realizada;
II - se a publicidade era do tipo declaratório, a sua falta
implicará a não-validade do ato contra terceiros
prejudicados ou interessados em seus efeitos.

O novo Código Civil, nos artigos 121 a 136, trata das


denominadas modalidades dos atos jurídicos.
Nas declarações de vontade, às vezes, acontece a
inclusão de elementos condicionantes capazes não só de
limitar com o até mesmo de suprimir a eficácia do ato.
Trata-se, portanto, de elementos acidentais, meramente
condicionadores da eficácia do ato jurídico e aceite pela
vontade das partes.
A esses elementos acidentais, a essas circunstâncias
a que a eficácia do ato jurídico fica subordinada, é que se
denominam modalidades.
O nosso Código Civil prevê quatro tipos de modalida­
des, a saber:

142
Introdução ao Estudo do Direito

a) condição (art. 121);


b) termo (art. 131);
c) prazo (art. 132);
d) encargo (art. 136).

A condição é definida legalmente no m encionado arti­


go com o sendo:

“(...) a cláusula que, derivando exclusivam ente da von­


tade das pstrtes, subordina o efeito do n egócio jurídico
a evento futuro e incerto

Através dos artigos 125 e 127, pode-se constatar a


existência de duas espécies de condição:

a) condição suspensíva;
b) condição resolutiva.

Se a condição for suspensiva, a eficácia do ato ficará


na dependência da realização da mesma; em outras pala­
vras, enquanto não se verificar a condição imposta, o ato
jurídico permanecerá ineficaz e nenhum direito dele decor­
rente terá sido adquirido.
Como o próprio nome parece indicar a condição sus­
pensiva “ suspende” a eficácia do ato até que ela se verifi­
que efetivamente. Enquanto ela não se verifica, há apenas
um direito eventual, um direito pendente. Exemplo: o
adquirente de imóvel alugado que se compromete a pagar
uma indenização determinada ao inquilino, se este desocu ­
par o prédio. É condição suspensiva porque a indenização
somente será devida a partir da efetiva desocupação do
imóvel. Antes de desocupá-lo, o inquilino tem apenas um
direito eventual.
Outros exem plos de con dição suspensiva têm a
seguir:

143
Orlando de Almeida Secco

a) “O pai que promete um automóvel ao filho sob a


condição de obter classificação no exame vesti­
bular" - (PAULO NADER);
b) "Contrato com alguém, se até 31 de dezem bro do
ano em curso realizar determinado negócio, dar-
lhe 20% do apurado” - (MACHADO PAUPÉRIO).

Sendo a condição resolutiva, a situação será exata­


mente a oposta, isto é, a eficácia do ato somente perdurará
até que a condição ocorra. Significa que a eficácia do ato
estará condicionada a não ocorrer jamais tal condição.
O ato jurídico ao ser praticado produz imediatamente os
seus efeitos, os quais perdurarão somente enquanto não
ocorrer a condição resolutiva. Esta, com o o próprio nome indi­
ca, ocorrendo, resolve a eficácia do ato, isto é, extingue-o.
O artigo 127 do novo Código Civil é bastante elucida­
tivo:

“Se for resolutiva a condição, enquanto esta se não se


realizar, vigorará o n egócio jurídico, podendo exercer-se
desde a conclusão deste o direito p or ele estabelecido"

Exemplo de condição resolutiva tem quando alguém


se com promete a pagar os estudos de outrem, enquanto
este não tiver sofrido qualquer reprovação. A obrigação
nesse caso somente cessa se ocorrer uma reprovação do
estudante.
Outros exem plos de condição resolutiva são expostos
a seguir:

a) "Uma pessoa transfere uma propriedade para


outrem, enquanto não se c a s e ” - (PAULO
NADER);
b) “Deixo a uma sobrinha uma pensão enquanto per­
manecer ela solteira” - (MACHADO PAUPÉRIO).

144
Introdução ao Estudo do Direito

Termo é a fixação de um determinado momento com o


base de tem po para estabelecer o inicio, ou o fim, da eficá­
cia de um direito. Há, portanto, duas espécies de termo:

a) termo inicial, também chamado “ dies a q u o” (‘dia


a partir do qual’) ou, ainda, termo suspensivo;
b) termo final, também conhecido por “dies ad quem”
('dia até o qual’) ou, ainda, termo resolutivo.

O termo inicial determina o momento a partir do qual


o ato jurídico iniciará a sua eficácia.

Ex.: aquisição de um imóvel a prestação, ficando


determinado o vencim ento da primeira parcela para
trinta dias após a Iavratura do instrumento público.

O termo inicial, segundo se constata pelo artigo 131


do novo Código Civil, suspende o exercício, mas não a aqui­
sição do direito. Significa que o direito desde a celebração
do ato jurídico passa a pertencer ao seu titular, devendo,
entretanto, para o seu exercício aguardar o momento futu­
ro previsto. Vale dizer que a eficácia somente passará a
ocorrer daquele termo para diante.
No exemplo dado, o vendedor, desde a Iavratura da
escritura, passa a ter o direito de receber as prestações do
devedor, tendo, porém, que aguardar a data do vencim en­
to da primeira parcela, que é o momento a partir do qual
esse direito poderá ser eficazmente exercido.
O termo final determina o momento até o qual a eficá­
cia era válida, cessando os efeitos do ato jurídico a partir
de então.

Ex.: o pagamento do salário-família do trabalha­


dor, que som ente é devido até o dia em que o filho
com plete 14 anos de idade (Lei nfl 4.266, de 3 de outu­

145
Orlando de Almeida Secco

bro de 1963, artigo segundo). Significa que no dia em


que seja completada essa idade, deixará de ser devi­
da tal contribuição ao trabalhador.

Prazo é o lapso de tempo com preendido entre os dois


termos (inicial e final). O prazo é a limitação do termo,
posto que abrange desde o início do ato jurídico até a ocor­
rência do termo final. Todo o prazo traz implicitamente a
idéia de um momento a partir do qual se inicia a eficácia do
ato jurídico e, em correspondência, o exato momento da
cessação dessa eficácia. Por isso que se diz ser o prazo a
limitação do termo.
Os prazos são contados excluindo-se o dia do com eço
e incluindo-se o dia do vencimento (novo Código Civil, arti­
g o 132). Caindo o dia do vencimento em feriado, ou dia não
útil, considerar-se-á prorrogado o prazo até o dia útil sub­
seqüente.
O prazo pode ser fixado em anos, m eses, semanas,
dias e até em horas. Neste último caso, por ser o mais raro
dentre os enumerados, citamos o artigo 652, do Código de
Processo Civil, que diz:

"O devedor será citado para, no prazo de 24 (vinte e


qruatro) horas, pagar ou nomear b en s à penhora ",

Encargo, também chamado modo, é a modalidade que


consiste na inserção de uma obrigação no ato jurídico gra­
tuito, a ser atendida pelo beneficiário desse ato.
Atos jurídicos gratuitos são, por exemplo, a doação e o
legado testamentário.
O encargo é sempre coercitivo! É, na realidade, uma
exigência imposta ao beneficiário do ato jurídico gratuito.
Exemplificando: "alguém doa um prédio à municipalidade,
para que esta instale, no local, uma biblioteca pública” -

146
Introdução ao Estudo do Direito

(PAULO NADER). Aí está um exemplo típico da chamada


doação com encargo.
Outro exemplo: "se deixo por verba testamentária, a
alguém, pensão mensal com o encargo de prover a subsis­
tência de um menor até a maioridade, vê-se o beneficiário
na estrita obrigação de atender ao cumprimento da minha
vontade, para fazer jus à pensão que lhe deixo" - (MACHA­
DO PAUPÉRIO). Al tem os um exemplo característico de
legado testamentário com encargo.

41. IVata o novo Código Civil, nos artigos 138 a 165,


dos defeitos dos atos jurídicos.
Primeiramente, há que se compreender o verdadeiro
sentido do que se entende por defeitos.
Dissemos no item 39 que o nosso Direito consagrou a
prevalência da Tteoria da Vontade sobre a da Declaração,
admitindo, desse modo, a necessidade de ser a declaração
pesquisada nos seus verdadeiros propósitos, o que, em
última análise, é descobrir a intenção (vontade real p sico­
lógica) do sujeito.
O defeito do ato jurídico pode ser explicado com o
sendo a dissonância revelada entre a declaração feita pelo
sujeito e a sua verdadeira intenção ou vontade. Diz-se que
há defeito, portanto, quando a vontade manifestada atra­
vés da declaração não se coaduna com os propósitos do
sujeito vistos sob o ângulo psicológico.
Os defeitos também são conhecidos pela expressão
“vícios da vontade” .
Segundo o novo Código Civil, seis são as espécies d es­
ses defeitos ou vícios da vontade, a saber:

a) erro ou ignorância (arts. 138 a 144);


b) dolo (arts. 145 a 150);
c) coação (arts. 151 a 155);
d) estado de perigo (art. 156);

147
Orlando de Almeida Secco

e) lesão (art. 157);


e) fraude contra credores (arts. 158 a 165).

O erro e a ignorância estão englobados, mas não se


trata de sinônimos. Erro é o falso conhecim ento de aspec­
tos considerados relevantes para a manifestação da vonta­
de, enquanto que ignorância é o desconhecim ento, total ou
m esm o parcial, desses aspectos. Erro implica se ter um
conhecim ento enganoso, equivocado, incompleto; ignorân­
cia, se ter o desconhecim ento, total ou parcial. Entretanto,
a diferença conceituai existente não é importante, posto
que seja erro, ou seja, ignorância, juridicamente, os efeitos
são os m esmos, isto é, ensejam a anulabilidade do ato jurí­
dico.
O erro pode ser de duas espécies:

a) substancial ou essencial;
b) acidental.

O erro é substancial ou essencial quando incide dire­


tamente sobre os elementos constitutivos do próprio ato
jurídico. Admite, então, algumas subclassificações:

a) "Error in negotio" (‘erro sobre o n egócio’).


Ex.: efetuar a venda de um bem imóvel na suposi­
ção de o estar alugando;
b) “Error in corpore” (‘erro sobre o objeto').
Ex.: alguém compra um imóvel conjugado na
suposição de estar adquirindo imóvel de quarto e
sala separada;
c) “Error in persona” ('erro sobre pessoa').
Ex.: alguém se casa e só então vem a descobrir
que o seu cônjuge não desfruta de boa fama, ou
não é uma p essoa honrada;
d) “ Error in substantia (‘erro sobre a substância’).

148
Introdução ao Estudo do Direito

Ex.: alguém pensa estar comprando mel de abelha


puro e na realidade é glicose;
e) “ Error in quantitate” ('erro sobre a quantidade').
Ex.: adquirir dois hectares de terras crendo eqüiva­
ler a uma área de 50.000 metros quadrados (1 hectare eqüi­
vale a 10.000 metros quadrados);
f) “ Error in qualitate” (‘erro sobre a qualidade’).
Ex.: adquirir um relógio à prova de água e constatar
que, submerso, não mais funciona.

Segundo bem assinala HERMES LIMA:

“Substancial é o erro sem o qual o ato nâo se celebraria”.

Significa dizer-se que, se o agente tivesse conheci­


mento da realidade, não teria praticado o ato jurídico.
Erro acidental é o erro não essencial, embora também
vicie a vontade. Ele incide diretamente sobre elementos
secundários do objeto constitutivo do ato jurídico. Não dá
ensejo à anulação do ato, justificando tão-som ente o rece­
bimento de uma indenização pelas perdas e danos.
Exemplo típico de erro acidental são os chamados
vícios redibitórios a que alude o artigo 441 do novo Código
Civil. Se o objeto do ato jurídico, apresentar vícios ocultos,
não perceptíveis de imediato, poderá o adquirente pleitear
a devolução do que pagou acrescida de perdas e danos, ou,
ainda, reclamar um abatimento no preço (art. 442 do novo
Código Civil). Como exemplo característico, tem os a venda
de veículo com o apodrecimento da lataria devidamente
disfarçado pelo vendedor, de m odo que somente seja cons­
tatado pelo comprador após algum tem po de uso. Esse
comprador poderá ficar com o veículo, apesar do mau esta­
do de conservação, embora pleiteando uma redução no
preço. A ação judicial cabível é denominada, em latim:
“ actio quanti minoris” (‘ação de diminuição do preço’). A

149
Orlando de Almeida Secco

outra possibilidade será o comprador rejeitar o veículo


adquirido, devolvendo-o ao vendedor e exigindo a restitui­
ção da importância paga, acrescida d e perdas e danos. A
ação judicial apropriada, nesse caso, se denomina “ação
redibitória".
Cabe, acerca do erro, comentar-se, ainda, a existência
de duas espécies:

a) “error juris” ('erro de direito’);


b) "error facti” (‘erro de fato’).

O erro de direito resulta do desconhecim ento da lei,


ensejando uma falsa declaração da vontade. Só é admitida
essa espécie de erro em atos de natureza privada; é incabí-
vel nos atos de natureza pública.
Na realidade, o erro de direito encontra pouco amparo,
bastando atentar-se para o que declara o artigo 3a da “Lei
de Introdução ao Código Civil” :

"Ninguém se escusa de cum prir a lei, alegando que não


a con h ece".

Entretanto, nos atos de natureza privada pode ser


adm itido, em caráter de excepcion alidade, tal erro.
Exemplificando: o proprietário de imóvel, embora sendo
casado, aluga pelo prazo de doze anos um imóvel, sem
obter a autorização da esposa. Há, no caso, um erro de
direito, posto que a Lei na 8.245, de 18 de outubro de 1991,
dispõe expressamente:

“Art. 3a - O contrato de locação p od e ser ajustado por


qualquer prazo, dependendo de vênia conjugal, se
igual ou superior a dez anos. Parágrafo único - A usente
a vênia conjugal, o cônjuge não estará obrigado a
observar o prazo exced en te".

150
Introdução ao Estudo do Direito

Erro de fato é o incidente ou sobre a qualidade do


objeto ou sobre a qualidade ou identidade da pessoa do ato
jurídico, ensejando a falsa declaração de vontade. Essa
espécie de erro já foi anteriormente estudada ao fazermos
referência ao “error in corpore” e ao “error in persong.” •
No novo Código Civil, o erro de fato está previsto no
artigo 142. Cumpre ressaltar-se que no Código Penal o erro
de direito e o erro de fato estão contemplados, respectiva­
mente, no artigo 20, § Ia, e no art. 21.
Dolo é a manobra ou o ardil, utilizado por alguém, ludi­
briando outrem no sentido de que este pratique um deter­
minado ato em prejuízo próprio, beneficiando ao autor do
dolo ou a terceiros.
O dolo mais se assemelha à expressão “má-fé"; isso por­
que quem age com dolo, na verdade, engana a determinada
pessoa, que acabará sendo a grande prejudicada, a vítima.
No dolo há vício da vontade por parte da pessoa enga­
nada. É ela quem pratica ingenuamente o ato jurídico que
a prejudica, confiando no autor do dolo. Se conhecesse a
verdade, não praticaria o ato.
Quando abordamos os chamados vícios redibitórios,
dem os o exemplo do veículo cuja lataria estava com o apo­
drecimento disfarçado. Ali, tratava-se de erro acidental
porque o comprador se fizesse um exame mais acurado,
teria constatado facilmente a camuflagem. Era caso de erro
porque, embora o vendedor tivesse agido de certa forma
ludibriadora, o comprador, inadvertido, é que de fato enga­
nou a si próprio.
No dolo a questão é outra. A vítima do dolo não engana
a si própria; ela é, na realidade, enganada pelo autor do dolo.
Aí está a essência da diferenciação entre o erro e o dolo!
O dolo também admite duas espécies:

a) substancial, essencial, principal, ou “ dolus cau­


sam dans” (‘dolo causador de dano’ );

151


Orlando de Almeida Secco

b) acidental, acessório, secundário, ou “ dolus inci-


d en s” (‘dolo incidente’).

O dolo é substancial quando, se ele não estivesse pre­


sente, o ato jurídico jamais teria sido praticado. Vale dizer-
se que o ato jurídico só é praticado em virtude de ser o
agente uma vítima de dolo. Em situação diferente, não teria
agido. O exemplo de MACHADO PAUPÉRIO é suficiente
para esclarecer essa espécie de dolo:

"Se um corretor prom ove a venda d e títulos que já nada


valem, induzindo o com prador a praticar o ato com o
bom e vantajoso, configura-se aí claram ente o dolo
(essencial ou substancial)".

Note-se no exemplo dado que o corretor, induzindo a


vítima a comprar os títulos, tira proveito da venda efetua­
da, causando dano à mesma. Se a vítima soubesse que os
títulos não tinham valor, não os compraria.
O dolo é acidental quando o ato jurídico seria pratica­
do apesar dele, embora de um outro modo. Há dolo aciden­
tal, por exemplo, quando, num contrato de locação, o fiador,
embora sendo casado, apresenta-se com o solteiro, assinan­
do sem a esposa. A rigor, tal fiança é nula (novo Código
Civil, artigo 1.647, inciso III). Os nossos Tribunais têm
entendido que “ a fiança prestada pelo marido, sem o con ­
sentimento da mulher, torna-se anulável, e a nulidade pode
ser pedida por ela, tanto em ação autônoma, com o em defe­
sa na ação do credor, ou em execução, e, até em apelação".
Tbdavia, com o a m eação do marido nos bens do casal pode
ser objeto de execução por parte do locador (credor), a fian­
ça é, em parte, aproveitável. Ademais, a esposa do fiador
não está obrigada a pleitear a nulidade da fiança prestada
sem o seu consentimento, caso em que a fiança será total­
mente aproveitável. Diz-se que o dolo é acidental porque se

152
Introdução ao Estudo do Direito

o locador soubesse que o fiador era casado teria exigido a


aposição da assinatura da esposa deste no Contrato. O ato
seria praticado, portanto, de uma outra forma, mas o fato
em si não alteraria o ato jurídico principal, uma vez que a
fiança é apenas uma garantia do contrato de locação.
O dolo substancial enseja a anulação do ato jurídico,
enquanto o dolo acidental só obriga à satisfação de perdas
e danos.
Tanto há dolo resultante da ação, com o também da
omissão. A om issão dolosa está prevista no artigo 147 do
novo Código Civil.
Um exemplo de om issão dolosa tem quando alguém
necessita alugar um imóvel residencial em lugar tranqüilo
e o locador, intencionalmente silencia, nada comentando
sobre a existência de um clube próximo que realiza fre­
qüentes e estrondosas festas.
Cumpre, ainda, assinalar-se que, de acordo com o arti­
g o 150 do novo Código Civil, havendo dolo recíproco entre
as partes envolvidas no ato jurídico, nenhuma delas pode­
rá alegá-lo para anular o ato, nem reclamar indenização da
outra parte. O dolo recíproco é habitualmente encontrado
entre indivíduos que desejam ser mais espertos do que
outros e realizam atos jurídicos entre si. Por exemplo: um
deles deseja desfazer-se de seu veículo já bastante usado,
mas cuja quilometragem foi adulterada; o outro quer pas­
sar para alguém a sua lancha, cujo casco de madeira está
apodrecido, porém, disfarçado com pintura recente. Fazem,
então, uma troca desses bens, cada um achando que levou
vantagem sobre o outro. Descobertas as falcatruas, nada
podem reclamar um do outro, sendo mais recomendável
que desfaçam o negócio maliciosamente realizado.
A coação é o constrangimento a que alguém é subm e­
tido por outrem, daí fazendo ou deixando de fazer algo por
temor de vir a sofrer alguma violência ou conseqüência
maléfica.

153
Orlando de Almeida Secco

A coação é uma opressão do coator contra o coato ou


coagido. Na coação o coator exerce uma ameaça, uma intimi­
dação, contra o coagido de m odo que este pratica o ato jurí­
dico para evitar um mal mais grave. Lógico que a manifesta­
ção da vontade do coagido é totalmente falsa e infundada.
Há duas espécies de coação:

a) coa çã o física ou “vis absoluta" ( ‘violência


absoluta’);
b) coação psicológica, moral ou “vis compulsoria”
(‘violência compulsória’).

Os atos praticados sob coação são anuláveis, com o se


infere do artigo 171, inciso II, do novo Código Civil.
Para apreciar-se, na prática, a existência da coação há
que se levar em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde,
o temperamento do coagido e todas as demais circunstân­
cias que possam influir na sua gravidade. Há que se esta­
belecer um paralelo entre tais aspectos em relação ao coa­
gido e ao seu coator. E questão, portanto, essencialmente
de provas circunstanciais.
Não tem cabimento, por exemplo, que um lutador de
boxe alegue ter assinado uma nota promissória em favor de
um ancião, porque este, embora desarmado, o submetera a
coação física. Estabelecido um paralelo entre coagido e
coator, vê-se claramente a im procedência da alegação.
Estado de perigo é uma novidade introduzida pelo novo
Código Civil e que não fazia parte do elenco dos defeitos dos
atos jurídicos a que se referia o código velho revogado.
O seu conceito nos é dado pelo artigo 156, assim
expresso:

“Configura-se o estado de perigo quando alguém, p re­


m ido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua

154
Introdução ao Estudo do Direito

família, de grave dano conhecido peia outra parte,


assum e obrigação excessivam ente onerosa”

Poder-se-ia dar com o exemplo a situação de um fazen­


deiro com pessoa da sua família acometida de grave doen­
ça, impossibilitado de prestar-lhe socorro por via terrestre
em virtude de inundações que derrubaram barreiras em
todas as estradas de acesso à fazenda e que destruíram as
pontes. O fazendeiro então, por telefone celular, contata o
proprietário de um helicóptero da região para que efetue o
resgate do doente utilizando esse meio de transporte.
Sabedor de que o fazendeiro se acha premido pela necessi­
dade imperiosa, o dono do helicóptero impõe um preço
para esse serviço 20 vezes maior que o normal e a ser p ago
em quatro parcelas iguais. O fazendeiro sem condições de
discutir, dada a emergência, assim quatro cheques, três
dos quais pré-datados. A questão merecerá discussão judi­
cial quando, passados esses primeiros momentos de afli­
ção, o fazendeiro sustar o pagamento dos três cheques
pendentes para submeter ao juiz o manifesto defeito do
negócio jurídico.
Lesão ou “Lesão enorm e" - com o assim a chamou o
ilustre Supervisor da Comissão Elaboradora e Revisora do
Código Civil -Miguel Reale- na Exposição de M otivos - é
uma outra novidade que também não constava da relação
dos defeitos dos atos jurídicos do Código Civil de 1916.
Está definida no artigo 157 da seguinte forma:

"Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob prem ente


necessidade, ou por inexperiência, se obriga a presta­
ção m anifestam ente desproporcional ao valor da p res­
tação oposta".

Um exemplo significativo é o que se dá, por exemplo,


na hipótese de fixação de aluguel manifestamente excessi­

155
Orlando de Almeida Secco

vo, arbitrado pelo locador e a ser pago pelo locatário inex­


periente que, findo o prazo de locação, deixar de restituir a
coisa.
O novo Código Civil transfere a solução desse tipo de
conflito para o Juiz, com o se depreende da leitura atenta ao
artigo 575, parágrafo único, assim redigido:

"Se o aluguel arbitrado for m anifestam ente excessivo,


poderá o ju iz reduzi-lo, m as tendo sem pre em conta o
seu caráter de penalidade1'’.

Essa é uma nova política adotada pelo Código Civil,


utilizando-se de cláusulas gerais sempre que necessário
para aqueles casos em que se exige probidade, boa fé ou
correção (“ corretezza” ) por parte do titular do direito.
A fraude contra credores é o ato pelo qual o devedor,
já insolvente ou em vias de assim tornar-se, procura dimi­
nuir as garantias de recebimentos dos seus credores. É, em
síntese, o ato pelo qual o devedor tenta prejudicar o seu
credor. Em geral, caracteriza-se pelo desfazimento dos
bens possuídos, pelo devedor, antes que os credores provi­
denciem as suas apreensões. Quando estas ocorrem, já não
há mais o que apreender.
Para o credor anular os atos lesivos aos seus direitos,
praticados fraudulentamente pelo devedor, há uma ação
judicial apropriada, denominada “A ção Revogatória" ou
“A ção Pauliana” (em homenagem a Paulus, pretor romano),
a qual poderá ser intentada contra o devedor insolvente ou
contra a pessoa que com ele celebrou estipulação conside­
rada fraudulenta, ou ainda contra terceiros adquirentes que
hajam procedido de má-fé (novo Código Civil, artigo 161).
A simulação era um dos defeitos dos atos jurídicos pre­
vistos no velho Código Civil revogado (artigos 102 a 105).
No novo Código Civil não aparece a simulação no rol
dos defeitos dos negócios jurídicos, contudo!

156
Introdução ao Estudo do Direito

Apesar disso, ela não foi esquecida!


Novamente nos referindo à Exposição de Motivos do
ilustre Professor Miguel Reale encontramos os seus escla­
recimentos a respeito desse aspecto. Disse ele, então:

"Relevante alteração se fe z no tocante ao instituto da


simulação, que passa a acarretar a nulidade do n egócio
jurídico simulado, subsistindo o dissimulado, se válido
for na substância e na form a”.

A simulação, acarretando a nulidade do n egócio jurídi­


co simulado, mas subsistindo o dissimulado, se válido,
passa a integrar o artigo 167 e seus parágrafos, do novo
Código Civil.
Finalmente, resta-nos esclarecer o que sejam os atos
jurídicos nulos, anuláveis a inexistentes.
O ato nulo é aquele que não produz absolutamente
qualquer efeito. Portador de defeito insanável é um ato irre­
mediável. No artigo 166, incisos I a VII, do novo Código
Civil, estão previstas as hipóteses de atos jurídicos nulos.
Apenas para exemplificar, é nulo o ato jurídico praticado
sem revestir a forma prescrita em lei. Assim, nula será a
adoção efetuada por instrumento particular, ou verbalmen­
te, uma vez que agora é exigida uma sentença judicial para
o reconhecimento do vínculo entre adotantes, com o pais, e
adotado (Lei n2 8.069, de 13/7/1997 - Estatuto da Criança e
do Adolescente).
Atos anuláveis, segundo o artigo 171 do novo Código
Civil, são os praticados por agente relativamente incapaz e
os atos resultantes de vícios da vontade (defeitos), tais
com o erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão e fraude
contra credores. Exemplificando, é anulável o casamento
quando um dos nubentes incidiu em erro sobre a pessoa
(“error in persona”) do outro cônjuge, com o estabelecem os
artigos 1.556 e 139, inciso II, do novo Código Civil.

157
Orlando de Almeida Secco

Inexistentes são os atos intrinsecamente destituídos


de qualquer éfieácia, porquanto jamais realizados, embora
assim se suponham. Tàis quais os atos nulos, os inexisten­
tes não produziram e nem produzem o menor efeito jurídi­
co. Mas atos inexistentes diferem de atos nulos. Quem
melhor explica tal diferenciação é MIGUEL REALE, “ver-
b is ” (‘textualmente'):

"O ato inexistente, na realidade, ca rece de algum ele­


m ento constitutivo, perm anecendo juridicam ente em ­
brionário, ainda "in fieri” (“ern criação”), devendo ser
declarada a sua não-significação jurídica, se alguém o
invocar Como base de uma pretensão. Os atos nulos ou
anuláveis, ao contrário, já reúnem iod os os elementos
constitutivos, mas de maneirà aparente ou inidônea a
produzir efeitos válidos, em virtude de vícios? inerentes a
um ou m ais de seus elem entos constitutivos".

E o m esm o renomado autor exemplifica o ato inexis­


tente da seguinte forma:

"Assim, se alguém p reten d e desquitar-se, invocando


casamento Concluído apenas peran te a autoridade reli­
giosa, segundo o Direito Canônico, e ainda não devida­
m ente registrado de conform idade com a nossa lei civil,
não se p od e declarar o autor careced or de ação, p or ser
nulo o seu casam ento, m as sim p or ser in existen te em
fa ce da lei brasileira”.

158
Capítulo IX
Ato Ilícito

42. Noção - 43. Elementos - 44. Ilícito civil e ilícito penal - 45. Res­
ponsabilidade civil e responsabilidade criminal.

42. Ato ilícito, com o vimos no Capítulo VII, item 32, é


a segunda dentre as duas categorias em que se subclassi-
fíca o fato jurídico humano, também chamado fato jurídico
voluntário.
O novo Código Civil define o ato ilícito nos artigos 186
e 187, adiante transcritos:

“A lt. 1 8 6 - A qu ele que, p or ação ou om issão voluntária,


negligência ou im prudência, violar direito e causar
dano a outrem , ainda que exclusivam ente moral, com e­
te ato ilícito ".

"Art. 187 - Também com ete ato ilícito o titular de um


direito que, ao exercê-lo, exced e m anifestam ente os
lim ites im postos p elo seu fim econôm ico ou social, pela
b oa-fé ou pelos bons costum es

Pela primeira hipótese, contida no artigo 186, o ato ilí­


cito não somente consiste na ação comissiva (agir) ou na
ação omissiva (deixar de agir) desejada (portanto voluntá­
ria) que infrinja direito e cause dano a outrem, dano esse
que tanto pode ser material ou moral, com o também a negli­
gência e a imprudência que produzam idênticos resultados.
Segundo nos ensina A. L. MACHADO NETO:

“O ilícito consiste na conduta que é a negação da con­


duta devida com o dever jurídico. Se a prestação consis­

159
Orlando de Almeida Secco

tia em pagar um dado im posto ou uma dívida contra­


tual em tal prazo, a nào-prestação ou ilícito consistirá
em não efetu ar o pagam ento n o prazo devido; se o
d ever era não im pedir uma conduta - p or exem plo:
fruir as vantagens de uma propriedade nossa - o ilíci­
to consistirá em im pedi-lo; se o d ever jurídico con siste
em respeita r a vida ou a honra do próxim o, a não-pres-
tação consistirá em com eter ou ten tar o hom icídio e
em com eter a calúnia, a injúria ou a difam ação, e as­
sim p o r diante".

O novo código, avançando no conceito do ato ilícito


(com o não fazia antes o Código Civil revogado, no seu arti­
g o 159) passa a considerar com o tal tam bém o exercício de
um direito pelo seu legítimo titular (artigo 187), no caso
deste agir com excessos, ou seja, ultrapassando os limites
estabelecidos pelo seu fim econôm ico ou pelo seu fim
social, ou ainda pela boa-fé e pelos costumes.
Assim , as cobranças de diárias excessivas em hospi­
tais, casas de saúde, guarda-m óveis e em hotelaria são
alguns d os inúmeros exem plos corriqueiros, observados
nas grandes cidades, e que poderão acarretar ilicitudes,
quando ultrapassarem a noção que a pessoa comum tem
acerca da boa-fé, com o é o caso de não serem previamen­
te com unicados aos usuários, m ediante tabelas expostas
em local de grande visibilidade, todos os preços pratica­
dos, usuários esses que som ente tomam conhecim ento
d esse relevante aspecto depois que os serviços foram
prestados e quando então lhes é apresentada a conta
para ser paga, com todos os constrangim entos daí d ecor­
rentes e inevitáveis.
A ilicitude, em resumo, está em se ter um procedi­
mento em sentido oposto ao determ inado pelo dever jurí­
dico, violando, destarte, o Ordenamento Jurídico ou a Lei.
Segundo PAULO NADER:

160
Introdução ao Estudo do Direito

“A to ilícito é a conduta humana violadora da ordem


jurídica. Só pratica ilícito quem possui dever jurídico. A
ilicitude im plica sem pre na lesão a um direito pela q u e­
bra do dever jurídico".

43. Da própria noção de ilícito dada pelo aludido arti­


go 186, pode-se concluir quais sejam os elementos consti­
tutivos desse ato.
A rigor, são quatro elementos, dois deles possuindo
natureza subjetiva, isto é, intimamente vinculados ao
agente causador do dano, e dois com natureza objetiva,
ligada propriamente ao evento danoso em si. Temos, então:

I - E lem entos objetivos


a) a ação ou a om issão humana (conduta) causado­
ra de dano;
b) a violação do direito de outrem ou o dano a bem
jurídico alheio (antijuridicidade).

II - Elem entos su bjetivos


a) responsabilidade do agente em face do ato comis-
sivo ou omissivo praticado (imputabilidade);
b) a intenção do agente ao praticar o ato ilícito (cul­
pabilidade).

Em síntese, pois, os elementos configurativos do ato


ilícito são:

a) conduta;
b) antijuridicidade;
c) imputabilidade;
d) culpabilidade.

Os dois primeiros considerados objetivos, e os dois


últimos, subjetivos.

161
Orlando de Almeida Secco

Em razão do que ficou acima exposto, cumpre assina-


lar-se que, modernamente, não mais se torna suficiente o
denominado nexo causai para caracterizar o ato ilícito. A
relação entre causa e efeito, isto é, praticar-se um ato,
com issivo ou omissivo, ensejando um resultado danoso,
não é o bastante. Assim, não é suficiente a presença de ele­
mentos objetivos! Hoje, exige-se tam bém a vinculação do
agente, no que concerne ao seu "animus” (‘intenção’) e à
sua “imputatio” (‘im putação’). Exige-se, portanto, que
sejam levados em consideração os elementos subjetivos.
Façamos, então, um breve estudo de cada um dos ele­
mentos enumerados:

1. Conduta é a ação ou om issão humana. Quando há


uma atuação violadora do Ordenamento Jurídico
ou da Lei, diz-se que o ato é comissivo, ou seja,
resultante de uma ação do agente. Quando, ao
contrário, há uma om issão violadora do Ordena­
m ento Jurídico ou da Lei, diz-se que o ato é omis­
sivo, isto é, resultante de uma inércia do agente.
2. Antijuridicidade é a atuação contrária ao dever
jurídico, resultando em violação do direito de
outrem ou dano a bem alheio juridicamente prote­
gido. Atuar antijuridicamente é contrapor-se ao
preceituado normativamente pelo Direito.
3. Imputabilidade é a responsabilidade atribuível ao
agente em face do ato com issivo ou omissivo por
ele praticado. Ser imputável é ter-se responsabili­
dade segundo o critério determinado pela lei, do
mesmo modo que ser inimputável é desfrutar-se
de irresponsabilidade consoante a lei.
4. Culpabilidade é a intenção, real ou presumida, do
agente ao praticar o ato. Quem tem culpabilidade
é quem age com culpa (no sentido amplo). A
culpa em sentido amplo (“latu sensu” ) admite:

162
Introdução ao Estudo do Direito

a) dolo;
b) preterintenção;
c) culpa em sentido estrito (“stricto sensu” ).

Há dolo quando o agente deseja praticar o ato. Assim,


o resultado danoso é por ele não só devidamente represen­
tado e previsto com o até m esm o desejado. Há preterinten­
ção - ou preterdolo - quando o agente deseja um resultado
danoso, mas, na prática, o que ocorre é além do desejado
pelo mesmo. Diz-se em terminologia técnica que no preter-
dolo o agente age com dolo no antecedente e com culpa no
conseqüente. Quer dizer que ele tem um querer em face de
um resultado previamente representado na sua mente, daí
o dolo, mas atinge um efeito além do esperado, ultrapassan­
do aquilo que pretendia, daí a culpa. Há, finalmente, culpa
- em sentido estrito - quando o agente, embora não dese­
jando o resultado, nem assumindo o risco de produzi-lo, pro­
duz o dano por atuar com negligência, imperícia ou impru­
dência. Se o agente queria o resultado, era caso de dolo
(direto); se não queria, mas assumiu o risco de produzir o
resultado, também era dolo (indireto). Se não queria o resul­
tado e nem assumira o risco de pruduzi-lo, mas acabou por
produzi-lo, é culpa. Assim, na culpa o ato decorre do agen­
te ter atuado por negligência, imperícia ou imprudência.
A negligência é o relaxamento, o desmazelo. Ex.: via­
jar à noite em veículo, descendo a serra, sem ter verificado
previamente o estado dos pneus, dos freios e da iluminação
do carro. Imperícia é a falta de habilitação ou de conheci­
mento técnico. Ex.: dirigir m otocicleta sem habilitação para
tal meio de locom oção. Imprudência é o desrespeito às cau­
telas normalmente exigíveis para cada situação em parti­
cular. Ex.: estacionar um veículo à noite, na estrada, fora do
acostamento, sem colocar sinalização ou sem manter as
lanternas acesas.

163
Orlando de Almeida Secco

A diferença conceituai existente entre tais termos não


é relevante, porque conduzem a uma m esma conseqüência
jurídica. Tanto faz agir-se por negligência, com o por impe-
rícia, ou m esmo por imprudência, porquanto se terá agido
sempre com culpa. Em assim sendo, produzido um dano
em virtude de culpa (sentido estrito), a conseqüência será
ter que repará-la e submeter-se à penalidade cabível à
espécie, se também for o caso.

44. A terminologia do novo C ódigo Civil mereceu


atualização e um dos aspectos que comprovam isso foi a
queda da obsoleta sínonímia que existia entre juridicidade
e licitude. Na realidade, não podem deixar de ser conside­
rados jurídicos aqueles atos que, em bora ilícitos, produzem
efeitos jurídicos. Nessa linha de pensamento, não é difícil
com preender-se que o ato ilícito poderá produzir con se­
qüências jurídicas em duas áreas distintas e independen­
tes do nosso Direito, ou mesmo em ambas simultaneamen­
te, qual seja, Direito Civil e Direito Penal.
Se deixar imprudentemente um vaso de plantas no
parapeito da janela do meu apartamento e, com a ventania
forte, ele despenca e vai danificar um veículo estacionado
na rua, sou o responsável pela reparação do dano ocorrido,
e o caso vincula-se ao ramo do Direito Civil.
Se, em comem oração à passagem do ano, da minha
janela solto foguetes estrondosos e um deles atinge
alguém, causando lesões corporais leves, sou responsável
pela minha ação criminosa, e o caso será da esfera do
Direito Penal.
Se numa estrada, imprudentemente, faço com o meu
carro uma ultrapassagem na curva, invadindo a pista op os­
ta e colidindo de frente com um veículo que trafegava em
sentido contrário, sou o responsável pelos danos materiais
que tenha causado em tal veículo, além de responder pelos
ferimentos que tenha causado no motorista do mesmo.

164
Introdução ao Estudo do Direito

Nesse caso, há manifestamente duas ilicitudes, vincula­


das, respectivamente, ao Direito Civil e ao Direito Penal.
Em conseqüência do que acabamos de expor, duas
são as categorias em que se subclassifica o ato ilícito:

a) ilícito civil;
b) ilícito penal (veja-se o item 32).

Ilícito civil é o descumprimento de um dever jurídico


imposto por normas de Direito Privado, causando danos a
cuja reparação se fica obrigado. É o ilícito a que se refere o
artigo 186 do novo Código Civil, portanto.
Ilícito penal é o crime ou delito. É o descumprimento
de um dever jurídico imposto por normas de Direito
Público, sujeitando o agente a uma pena.
A. L. MACHADO NETO, em trabalho jurídico primoro­
so, analisa os critérios que procuram diferenciar o ilícito
civil do ilícito penal. Faz, então, referência a autores para os
quais tal distinção está em que o ilícito civil é uma violação
do direito subjetivo, enquanto o ilícito penal seria uma vio­
lação do direito objetivo; cita CESARINO SFORZA, para
quem o ilícito civil caracteriza-se pelo inadimplemento de
uma obrigação assumida voluntariamente, enquanto que o
ilícito penal seria a inobservância de uma obrigação n eces­
sária, legal. Acrescenta que, para outros, é atribuído ao ilí­
cito penal uma irreparabilidade objetiva, enquanto para o
civil há uma reparação. Conclui, então, dizendo:

"Nenhum d esses critérios é, porém, suficiente, e isso


decorre do fato de que pretendem uma distinção essen ­
cial de con ceitos que apenas acidentalm ente se distin­
guem . (...) D esse m odo, não há maneira de defini-los e
distinguir um do outro senão a maneira formal fundada
no caráter civil ou penal da norma aplicável ao ca so " .

165
Orlando de Almeida Secco

Um aspecto relevante, provavelmente não considera­


do pelas correntes doutrinárias acima, é quanto à respon­
sabilidade decorrente de um ilícito civil e de um ilícito
penal. Quem pratica um ilícito civil passa a ter responsabi­
lidade patrimonial. Deve, portanto, reparar o dano causado
com o seu patrimônio. Essa responsabilidade pode, inclusi­
ve, ser transferida, por exemplo, aos herdeiros. O artigo
1.997 do novo Código Civil é taxativo a respeito:

"A herança responde p elo pagam ento das dívidas do


falecido

Por outro lado, quem pratica um ilícito penal passa a


ter responsabilidade pessoal, através da qual o agente, e
não mais que ele, responderá pela pena cabível à espécie.
A responsabilidade pessoal, característica do ilícito penal é
intransferível. N esse sentido, dispõe a Constituição Federal
(artigo 5 inciso XLV):

“Nenhuma pena passará da pessoa do condenado,

Com plem entando o texto constitucional, dispôs,


então, o Código Penal, no artigo 13:

"O resultado, de que depende a existência do crime,


som en te é im putável a quem lhe deu causa

45. Ficou bem salientado no presente Capítulo que a


prática de um ato ilícito, violando direito, ou causando pre­
juízo a outrem, obriga o agente a reparar o dano. Em ter­
mos bem mais esclarecedores, isso quer dizer que ao agen­
te são impostas obrigações; em decorrência da ilicitude do
seu ato. Ora, se o agente fica obrigado a reparar o dano
causado, ele tem, portanto, responsabilidade. Conforme

166
Introdução ao Estudo do Direito

seja a natureza do ilícito, a responsabilidade correlaciona­


da será, então, civil ou criminal.
A responsabilidade civil, dissemos antes, é eminente­
mente patrimonial. G agente há de garantir com o seu patri­
mônio a reparação pelos danos causados. Nesse sentido,
dispõe expressamente o artigo 942 do novo Código Givil:

"Os b en s do responsável pela ofensa ou violação do


direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano
causado; e, se a ofensa tiver m ais de um autor, todos
responderão solidariam ente pela reparação”.

Gomo do ilícito civil resulta um dano a bem jurídico de


outrem, a responsabilidade civil é a vinculaçãõ do autor ou
autores do dano, com o também dos demais responsáveis
(ainda que não tenham sido autores), à obrigação de repa­
rá-lo. Assim, a responsabilidade civil é a determinação do
sujeito obrigado a reparar o prejuízo causado sob garantia
do patrimônio que possua.
A primeira dúvida que certamente surgirá é a resul­
tante de termos afirmado acima haver responsáveis pela
reparação que não tenham sido autores do dano. Sérá p os­
sível atribuir-se responsabilidade a quem não deu causa
aos prejuízos?
A resposta é afirmativa. Sim, é possível! No artigo 932
do novo Código Civil estão indicados todos os civilmente
responsáveis por atos ilícitos a que não deram causa.
Dadas as particularidades, esclarecem os que a vinculaçãõ
desses responsáveis é imposta pela lei a fim de ficar garan­
tido o interesse da vítima do dano. A novidade é que,
segundo o artigo 933 do atual Código Civil, mudando o que
anteriormente estava estabelecido pelo artigo 1.523 do
código revogado, passam tais responsáveis a responder
pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos, m esm o
que não haja culpa de sua parte. É a responsabilidade inde­

167
Orlando de Almeida Secco

pendentem ente de culpa! Anteriormente, só era considera­


da a responsabilidade se houvesse a culpa ou a negligên­
cia d e sua parte.
Dito isso, são responsáveis civis, além dos autores do
dano:

a) os pais, pelos filhos menores que estiverem sob


sua autoridade e em sua companhia.
Ex.: uma criança lança uma pedra e quebra a
vitrina de uma loja. Os pais arcarão com os gastos
necessários à substituição do vidro quebrado e
das mercadorias danificadas;
b) o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados,
que se acharem nas m esm as condições.
Ex.: um menor, órfão de pais, sob tutela do avô
paterno, risca com um prego a pintura do automó­
vel novo de um vizinho. O tutor custeará as d es­
pesas necessárias à reparação;
c) o empregador ou comitente, por seus emprega­
dos, serviçais e prepostos, no exercício do traba­
lho que lhes competir, ou em razão dele.
Ex.: o chofer particular d e um industrial, dirigindo
imprudentemente, derruba o muro de uma casa ao
subir com o carro na calçada. O industrial pagará
os prejuízos causados pelo seu empregado;
d) os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabe­
lecim entos, onde se albergue por dinheiro,
mesmo para fins de educação, pelos seus hóspe­
des, moradores e educandos.
Ex.: o hóspede deixa sob a guarda do recepcionis­
ta, valores declarados e por este conferidos, os
quais desaparecem do cofre destinado para esse
fim. O hoteleiro ressarcirá os prejuízos do seu hós­
pede;

168
Introdução ao Estuda do Direito

e) os que gratuitamente houverem participado nos


produtos do crime, até a concorrente quantia.
Ex.: um jovem retira faróis, espelho e pneus de
um veículo estacionado na rua, cujo proprietário
se encontra no exterior, presenteando os seus
amigos com parte desses objetos. Cada amigo,
beneficiário das doa ções, responderá pelas
importâncias correspondentes aos objetos que
tenha recebido. N esse último caso, todos são res­
ponsáveis, m esm o inexistindo concorrência de
culpa (novo Código Civil, artigo 933).

Dissemos que no artigo 932 estão assinalados todos


os civilmente responsáveis por atos ilícitos a que não
deram causa e que a vinculaçãõ desses responsáveis é
imposta pela lei a fim de ficar garantido o interesse da víti­
ma do dolo. Dissemos ainda que os mesmos atualmente
serão considerados responsáveis, mesmo que não tenham
concorrido para o dano com culpa de sua parte, mas, res­
saltamos que no código revogado a previsão legal era
outra, já que havia a necessidade de com provação de
terem concorrido para o dano por culpa ou por negligência
de sua parte.
Temos então para serem analisadas três situações
perfeitamente caracterizadas:

1. ser responsável pela reparação do dano, por ter


agido com culpa (ato próprio);
2. ser responsável por ato alheio, desde que com ­
provada a culpa ou a negligência;
3. ser responsável por ato alheio independentem en­
te de culpa.

O caso mais comum e fácil de ser compreendido, de


fato, é aquele em que o agente pratica o ato ilícito culposa-

169
Orlando de Almeida Secco

mente, respondendo pelas suas conseqüências. Trata-se de


culpa em virtude de "ato próprio” . Ocorre com as pessoas
dotadas de capacidade. Ex.: um indivíduo, maior e capaz,
avança o sinal com o seu automóvel e danifica veículo
alheio. Fica obrigado a reparar o dano, em razão da culpa
pelo ato próprio,
O caso mais raro e difícil de ser com preendido é aque­
le em que ocorre a culpa em razão de fato praticado por
outrem. Trata-se aí de culpa em virtude de “ato alheio” .
N essa hipótese, prevalece o princípio da culpa decorrente
de certa omissão ou de uma falta de fiscalização a que
estaria implicitamente obrigada a pessoa responsabiliza­
da. Há, então, três espécies de culpa:

a) “Culpa in vigilando" ('cu lpa pela falta de


vigilância’), de que são exem plos as responsabili­
dades dos pais, tutores e curadores pelos filhos,
pupilos e curatelados;
b) "Culpa in eligendo" (‘culpa pela má escolha’), de
que é exemplo a responsabilidade do empregador
pela má seleção de seus empregados;
c) “Culpa in custodiendo” (‘culpa pela falta de segu­
rança ou de proteção’), de que é exemplo a res­
ponsabilidade do edificante pelos danos causa­
dos ao prédio vizinho por ocasião de uma constru­
ção. Estão aí as razões justificativas da responsa­
bilidade civil por ato alheio.

Prosseguindo, chega-se à terceira situação, que é a


atualmente adotada pelo Código Civil, isto é, a responsabi­
lidade por ato de terceiro independentem ente de culpa.
Com o dissem os antes, vigorou durante muitos anos
em nosso Direito o princípio de que só poderia haver res­
ponsabilidade, havendo culpa.

170
Introdução ao Estudo do Direito

Ocorre que em tem pos mais recentes e que an tece­


deram o atual C ódigo Civil surgiu a tese da responsabili­
dade m esm o sem culpa, pautada que era na existência
do risco.
Os autores não conseguiram chegar a um entendimen­
to unânime.
N ossos Tribunais passaram gradativamente a adotar a
teoria do risco, com o bem evidencia a jurisprudência abai­
xo transcrita:

"Ação de responsabilidade civil por danos sofridos em


virtude de disparos de arma de fogo feitos p or policiais
durante uma diligência. Aplicação do princípio do risco
administrativo consagrado pelo art. 107 e seu parágra­
fo único da Constituição Federal." (Acórdão da 6a C.C.,
de 28-11-78. A pelação Cível n2 6.260 - Registrada em
9-05-79 - Relator: Desembargador Basileu Ribeiro Filho
- Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.)

"Responsabilidade civil. Cuipa da guarda. Se coisa é


deixada em lugar que perm ite o seu uso sem a m enor
dificuldade, responde o dono da m esm a, independente­
m ente de culpa, p elo prejuízo que a m esm a causar a
terceiro. " (Ac. unânime da 8a Câmara Cível de 3-06-80
- Apelação Cível n£ 11.159 - Regisrada em 19-08-80 -
Relator: Desembargador Paulo Dourado de Gusmão -
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.)

‘A em presa locadora de veículos responde, civil e soli­


dariamente, com o locatário, pelos danos p or este cau­
sados a terceiro, no uso do carro locado. ’’ (Súmula nfl
492 do egrégio Supremo Tribunal Federal.)

Diante do exposto, duas são as teorias admissíveis


acerca da responsabilidade civil:
Orlando de Almeida Secco

a) Teoria subjetiva ou Teoria da Culpa;


b) Teoria Objetiva ou Teoria do Risco.

Pela Teoria Subjetiva, só há responsabilidade se hou­


ver culpa do sujeito. Não havendo culpa, inexistirá qual­
quer responsabilidade, porque não há ilicitude.
Pela Teoria Objetiva ou Teoria do Risco, pode haver
responsabilidade independentemente da culpa do sujeito.
Fundamenta-se na tese de que se alguém tirar proveito de
alguma coisa é justo que também suporte os prejuízos que
dela decorram, isto é, os ônus provenientes do risco do seu
uso ou exploração. Em latim: “Ubi emolumentum, ibi
onus". Traduzindo-se: ‘Onde estão os lucros, estão também
os ônus’ .
Pronuncia-se sobre essa teoria HERMES LIMA:

"Entretanto, seria perturbador em extrem o da seguran­


ça social, da segurança devida a cada indivíduo no
exercício de suas atividades normais, que os prejuízos,
sofridos e provenientes de atos, om issões e desastres
causados pelos outros não o capacitassem a reclam ar
indenização, Assim , ao lado dos casos de responsabili­
dade decorrente da culpa, segundo os esquem as tradi­
cionais, incum be ao direito considerar os casos de res­
ponsabilidade sem culpa".

Pela Teoria Subjetiva, o que importa é determinar-se


ter havido culpa. Inexistindo esta, inexistirá também a res­
ponsabilidade. Pela Teoria Objetiva ou Teoria do Risco, rele­
vante não é saber se houve culpa, mas, sim, se houve dano.
Existindo dano, ausente a culpa, existirá também a respon­
sabilidade.
Transcrevemos jurisprudência comprobatória de que
os nossos Tribunais têm adotado tam bém a Tfeoria do Risco.

172
Introdução ao Estudo do Direito

Vejamos, agora, leis brasileiras seguidoras do m esm o prin­


cípio:

“A s estradas de ferro serâo sem pre responsáveis pela


perda total ou parcial, furto ou avaria das m ercadorias
que receberem para transportar. Será sem pre presum i­
da a culpa e contra esta presunção só se admitirá algu­
ma das segu in tes provas: ía) caso fortuito ou força
maior;
(Artigo Ia, da Lei na 2.681, de 7 de dezembro de 1912).

"O transportador responde p elo dano resultante de d es­


truição, perda ou avaria de bagagem despachada ou de
carga, n os acidentes ocorridos durante o transporte
aéreo."
(Artigo 98, do Decreto-Lei na 32, de 18 de novembro de
1966).

Outro exemplo em que se admite a responsabilidade


civil independentemente da culpa e baseada tão-som ente
no risco está contido no artigo 4a, da Lei na 6.453, de 17 de
outubro de 1977:

“Será exclusiva do operador da instalação nuclear, nos


term os desta Lei, independentem ente da existên cia de
culpa, a responsabilidade civil pela reparação de dano
nuclear causado p or acidente nuclear".

(Observação: “operador", segundo essa m esma Lei, é


a pessoa jurídica devidamente autorizada para operar ins­
talação nuclear.)
O novo Código Civil deu um enfoque diferente à res­
ponsabilidade civil, não só ampliando o conceito de dano,
abrangendo agora o denominado dano moral, com o tam­
bém por se situar, de forma equilibrada, sob a ótica da res­

173
Orlando de Almeida Secco

ponsabilidade objetiva. A prova disso está no reiterado uso


da expressão: “haverá obrigação de reparar o dano, inde­
pendentem ente da culpa” , encontrada no parágrafo único,
do artigo 927, e nos artigos 931, 933 e 936.
No que concerne à responsabilidade criminal, decor­
rente da prática de ilícito penal, a Teoria Objetiva não é
aplicável. A responsabilidade criminal admite somente a
Teoria Subjetiva, em virtude da “Relação de Causalidade” ,
prevista no artigo 13 do Código Penal, segundo o qual "o
resultado, de que depende a existência do crime, somente
é imputável a quem lhe deu causa” . Logo, ninguém mais,
além do agente, poderá ser imputado.
Devemos, finalmente, assinalar que a responsabilida­
de civil e a responsabilidade criminal são independentes
entre si (novo Código Civil, artigo 935). Significa que ser
declarado irresponsável num processo criminal não impede
que se venha a ser obrigado a pagar uma indenização no
cível. Ex.: se uma criança atinge com a sua prancha de
“ surf” uma outra na praia, criminalmente será irresponsá­
vel em virtude da menoridade; civilmente, porém, os pais
dela serão responsabilizados pelo pagam ento da indeniza­
ção pelos danos físicos causados à outra criança.

174

fc
Capítulo X
Coerção e Sanção

46, Noções - 47. Conceitos' - 48. Classificação - 49. Ação judicial.

46. Já foi assinalado anteriormente que não há direi­


to sem o correspondente dever ou obrigação. De fato, o
direito de alguém há de ser exercido sempre contra outrem,
de m odo que um seja o titular do direito e o outro o respon­
sável pelo cumprimento da obrigação.
É a norma jurídica que atribui direitos ao mesmo
tem po em que impõe deveres, vinculando os sujeitos envol­
vidos nas relações.
O dever jurídico, ou seja, o dever imposto a alguém por
uma norma jurídica, não é mais do que a conduta a que
está sujeito o responsável por uma obrigação em decorrên­
cia do estabelecido pela lei. Trata-se, pois, de uma obriga­
ção imposta pela lei, cujo cumprimento esta não só prevê
com o também garante sob pena de punição.
MACHADO PAUPÉRIO, com sabedoria assinala que o
dever jurídico vem a ser:

"Nada mais, nada m enos que a obrigação, por p arte de


cada pessoa, de observar determ inado com portam ento,
ativo ou om issivo, sob pena de se ver com pelida a fazê-
lo pela força da ordem jurídica".

Fácil é entender-se que na idéia estrutural do Direito


são vislumbradas duas vigas mestras, interligadas, quais
sejam: a coerção e a sanção. A primeira mostrando a p ossi­
bilidade do uso da força para fazer-se cumprir a norma jurí­
dica, e a segunda, o castigo aplicável no caso de infringir-
se tal norma.

175
Orlando de Almeida Secco

Alguns autores, ao tratarem do tem a em pauta, usam


com freqüência a palavra coação em vez de coerção. Para
eles, as normas jurídicas im põem -se coativamente; elas
coagem . Para outros, coação e coerção têm sínonímia.
Nós, particularmente, fazemos uma diferenciação entre
coerção (coercitividade, coercividade ou coercibilidade) e
coação (coatividade). Isso porque entendemos que qualquer
norma seja ela jurídica, religiosa, moral, educacional etc., de
uma certa forma coage, variando apenas a intensidade da
coação exercida sobre o destinatário. Afinal, coagir é cons­
tranger, é forçar, o que sabem os acontece com toda e qual­
quer norma. Mas coerção é algo mais; coerção é repressão!
Produz um efeito muito mais intenso. Coerção, com o bem
assinala AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA FERREIRA, é:

"A força que emana da soberania do Estado e é capaz


de im por o respeito à norma legal".

Só as normas jurídicas efetivamente têm coerção, por­


que só elas reprimem no verdadeiro sentido da palavra, isto
é, se fazem respeitar, proibindo e punindo com veemência,
com vigor.
No Capítulo V, item 22, já fizemos comentários bem
minuciosos acerca do nosso entendimento sobre tal dife­
renciação conceituai, de m odo que convidam os o leitor a
reler a parte mencionada.

47. A coerção, marco característico das normas jurídi­


cas, é a força do Ordenamento Jurídico oriunda da própria
soberania do Estado, segundo a qual essas normas se
fazem respeitar, impõem-se, cominando inclusive penas e
outras punições, quando infringidas. Essa força deve-se em
b oa parte a uma das características das normas jurídicas,
denom inada heterogeneidade ou heteronom ia - (Vide
Capítulo V, item 21).

176
Introdução ao Estudo do Direito

Sem dúvida, para que o disposto por uma norma jurí­


dica possa prevalecer sempre, independentemente da von­
tade do destinatário da mesma, há que estar imbuída de
um poder inquebrantável, repressor, e isso é a coerção. A
coercitividade nada mais é do que o cumprimento da
norma jurídico a todo custo, queira ou não.
Sanção, por outro lado, é a conseqüência a que se
sujeita o infrator de uma norma jurídica. É o castigo im pos­
to a quem d esob edece ao dispositivo legal ou a quem des-
cumpre um dever jurídico.
Juridicamente falando-se, a palavra 'sanção' tem um
outro significado importante, o qual será estudado mais
adiante, quando tratarmos do processo de formação das
leis. Mas não há que se fazer confusão. No presente capítu­
lo, a sanção a que nos referimos é no sentido exclusivo de
punição, castigo, pena.
A ligação entre sanção e coerção é inquestionável,
mormente quando o castigo é rigoroso, tal com o acontece
com as penas de “prisão perpétua” , “reclusão", “ decreta­
ção de nulidade do ato praticado", etc.
Como impor e executar sanções rigorosas sem contar
com a adequada e indispensável força impositiva? A
garantia da aplicabilidade prática da sanção está integral­
m ente d epositada na coerção, isto é, na força do
Ordenamento Jurídico.
É a coerção a força assecuratória da aplicação e da
execução da sanção. E, por sua vez, a sanção, a conseqüên­
cia a que se sujeita o infrator da norma jurídica, o descum -
pridor do dever jurídico.
AFTALIÓN, OLANO e VILANOVA fazem a seguinte
interligação entre a sanção e a coerção:

“A unque p or extensión se admita la existencia de 'san­


ciones' m orales es indudable que, en todo caso, las san­
ciones dei derecho exhiben caracteres que hacen im po-

177
Orlando de Almeida Secco

sibíe toda confusión con aqueüas. En tal sentido cabe


destacar, p o rló que h ace a las sanciones jurídicas, que:
1) se encuentran 'previstas especificam en te’ dentro de
un esquem a y sistem as norm ativos - e i ordenam iento
jurídico - que las predeterm inan en sus condiciones de
aplicación y eféctos; 2) son coercibles, en el sentido, no
sólo de que es posible, de hecho, su im posición coactiva
p or terceros - cosa que ocurre en toda interferencia de
conductas - sino que dicha im posición por pa rte de los
órganos dei Estado es considerada com o lícita. El orde­
nam iento jurídico es un ordenam iento coercible y coer­
citivo, en el sentido de que conm ina a los indivíduos a
una conducta determinada, m ediante la amenaza de
que un órgano dei Estado los privará de ciertos bienes
aun contra su voluntad, haciendo eventualm ente uso
de lá fuerza".

"Ainda que por exten são se adm ita a existência de


'sanções' morais, é, contudo, indubitável, que as san­
çõ es do Direito exibem caracteres que tom am im possí­
vel qualquer confusão com aquelas. N esse sentido,
cabe destacar o (caráter) p elo qual são feitas as san­
çõ es jurídicas, as quais: 1) encontram-se ‘p revistas
especificam en te' dentro de um esquem a e sistem a nor­
m ativos - o Ordenam ento Jurídico - que as predeterm i­
nam em suas condições de aplicação e efeitos; 2) são
coercíveís, no sentido não só de que é possível, de fato,
a sua im posição coativa p or terceiros - coisa que ocor­
re em toda interferência de condutas - com o tam bém
que a dita im posição p or parte dos órgãos do Estado é
considerada lícita. O Ordenam ento Jurídico é um orde­
nam ento coercível e coercitivo, no sentido de que com i-
na aos indivíduos uma conduta determ inada m ediante
a am eaça de que um órgão do Estado os privará de cer-

178
Introdução ao Estudo do Direito

tos bens, ainda que contra sua vontade, fazendo even ­


tualm ente uso da força ”.

48. A s sanções impostas pelo Direito admitem diver­


sas classificações. Procuremos estabelecer a seguir as mais
usuais:

a) quanto ao ramo do Direito a que se refiram, as


sanções podem ser constitucionais, tributárias,
penais, civis, processuais, administrativas, etc.
Cada ramo do Direito admite geralmente sanções
que lhe são típicas. Exemplificando, o “ impeach-
ment" é sanção do Direito Constitucional; a
multa, do Direito Tributário; a reclusão, do Direito
Penal; as perdas e danos, do Direito Civil; a pena
de confesso, do Direito Processual; a demissão,
do Direito Administrativo etc.;
b) quanto à relação existente entre o dever jurídico e
o ato praticado, as sanções podem ser com pensa­
tórias e penais. Em regra, toda desobediência a um
dever jurídico enseja a aplicação de uma sanção.
Sempre que possível deverá existir certa propor­
cionalidade entre a sanção aplicável e o dever jurí­
dico descumprido ou violado. A sanção com pensa­
tória busca, com o o próprio nome indica, com pen­
sar o prejuízo através da justa e equivalente repa­
ração indenizatória. A sanção penal, pela própria
impossibilidade prática de se restabelecer o equi­
líbrio em face de um crime, é meramente retributi-
va. Retribui-se ao agente (autor de um crime) uma
conseqüência, maior ou menor, de acordo com o
delito que praticou, sem, contudo, compensar pro­
priamente o prejuízo causado pelo seu ato. Essa
classificação encontra respaldo na teoria do pro­
fessor mexicano EDUARDO GARCIA MAYNEZ,

179
Orlando de Almeida Secco

segundo o qual a sanção pode coincidir ou não


com o dever jurídico descumprido. A não coinci­
dência entre aquela e este decorre sempre de uma
impossibilidade objetiva, ou seja, pela própria
natureza das coisas não é possível que a Ordem
Jurídica restabeleça a situação ao que era antes.
Assim, se alguém causa um dano ou deixa de
pagar uma dívida, executam-se tantos bens quan­
tos sejam necessários, pertencentes ao devedor da
obrigação, para compensar o prejuízo ou pagar a
dívida do mesmo. Se, porém, pratica um crime
(homicídio, por exemplo), a sanção que priva a
liberdade do criminoso não restabelece a situação
ao que era antes, pois o crime é irreparável. Nesse
caso, não há coincidência entre a sanção e o dever
jurídico violado. Há, apenas, retribuição punitiva;
quanto à coatividade, classificação proposta pelo
professor uruguaio EDUARDO JIMÉNEZ DE ARE-
CHAGA, podem ser: sanções não-coativas e san­
ções coativas. As primeiras, quando não necessi­
tam do recurso à força para serem aplicadas, a
exem plo da oficina mecânica que retém o veículo
enquanto o proprietário não paga a conta corres­
pondente aos serviços efetuados. As segundas,
exigindo o recurso à força para serem aplicadas,
ora pelo Estado (ex.: pena de detenção), ora pelos
próprios particulares (ex.: legítima defesa);
quanto aos efeitos produzidos, segundo PAULO
DOURADO DE GUSMÃO, as sanções podem ser:
repressivas (as sanções penais; a perda do pátrio-
poder, no direito civil; a represália, no direito
internacional, etc.);
preventivas (a medida de segurança, no direito
penal);
Introdução ao Estudo do Direito

execu tivas (execução forçada, no direito tributá­


rio);
restitutivas (as perdas e danos, no direito civil);
rescisórias (dissolução de sociedades, no direito
comercial);
extintivas (preclusão, no direito processual).

Inúmeras outras classificações podem ser acrescenta­


das, com o as de FAUCONNET (retributivas e restitutivas);
BOBBIO (medidas preventivas e medidas sucessivas);
LLAMBIAS DE AZEVEDO (sanções punitivas e sanções
premiais). Evidentemente, impossível seria tentar esgotá-
las, razão pela qual nos limitamos às que foram com enta­
das acima, por serem as mais comumente adotadas.
Considerando-se que a coerção do Direito é uma
repressão, sob a am eaça de se aplicar uma sanção sempre
que houver uma infringência normativa, os autores classifi­
cam a coerção tomando por base a coação exercida sobre
os indivíduos. Há, então, duas espécies de coação;

1) psicológica;
2) física ou material.

A coação psicológica, em princípio, está presente em


qualquer norma ética. Não é exclusividade das normas jurí­
dicas. A coação física, porém, é marca exclusiva das nor­
mas jurídicas, somente nelas sendo encontrada e reconhe­
cidamente válida.
A coação psicológica é intimidativa por natureza. É
em geral suficiente para impor o respeito às normas jurídi­
cas. Se alguém sabe que se não pagar a sua dívida terá os
seus bens apreendidos e leiloados, esse receio geralmente
basta para obrigá-lo a cumprir a obrigação. São, portanto,
coações psicológicas: a decretação de despejo, a busca e
apreensão de bens, a destituição do pátrio-poder, a perda

181
Orlando de Almeida Secco

da função pública, a im posição de multa, a decretação da


nulidade do ato, a obrigatoriedade do pagam ento de inde­
nização.
A coação física, também chamada coação material,
atua mais incisivamente sobre o indivíduo no aspecto con ­
cernente à sua integridade corporal ou à sua liberdade de
locom oção. O texto constitucional preceitua, no artigo 52,
inciso LXVIII, que:

“C onceder-se-á ‘habeas-corpus' sem pre que alguém


sofrer ou se achar am eaçado de sofrer violência ou coa­
ção em sua liberdade de locom oção, p or ilegalidade ou
abuso de p od er”.

Como se vê, a coação física só é vedada no caso de ser


ilegal ou decorrente de abuso de poder. Fora essas hipóte­
ses, é admissível a sua imposição. Exemplos de coação físi­
ca têm: prisão perpétua, reclusão, detenção, prisão simples
e pena de morte.

49. Ficou bem sedimentada a idéia de que a coerção


é m onopólio do Estado, seja através da coação psicológica,
seja através da coação física, exercida sobre os indivíduos.
Conseqüência lógica desse monopólio é que qualquer
indivíduo, na qualidade de titular de um direito violado ou
am eaçado de violação, terá que recorrer ao Estado para
conseguir a reparação ou a defesa d esse direito, juridica­
mente tutelado, uma vez que é negado a cada um fazer jus­
tiça com as próprias mãos.
Portanto, é plenamente reconhecido o chamado "direi­
to de a çã o” , consistente na prerrogativa de se solicitar a
intervenção do Estado para fins de ser aplicada a norma
jurídica ao caso concreto e impostas as sanções preconce­
bidas aos infratores da lei e dos direitos alheios.

182
Introdução ao Estudo do Direito

Já se disse antes, e nunca é demais repetir, que a lei


não excluirá da apreciação pelo Poder Judiciário qualquer
lesão ou ameaça a direito (Constituição Federal, art. 5a,
XXXV). Logo, aos direitos violados ou am eaçados de viola­
ção, correspondem ações judiciais assecuratórias.
Diante do exposto, dispõem os titulares dos direitos
das ações protetoras desses direitos, as chamadas "ações
judiciais".
Segundo o professor EDUARDO GARCIA MAYNEZ, a
ação judicial é:

"A /acuidade de pedir aos órgãos jurisdicionais do


Estado a aplicação das norm as jurídicas a casos con ­
cretos, seja com o fim de esclarecer uma situação jurí­
dica, seja com o de declarar a existência de uma obri­
gação e, em caso necessário, fazê-la efetiva ”.

Como se vê claramente, a ação judicial é o reconheci­


mento ao particular de invocar ao Estado, através do poder
apropriado, o Judiciário, a proteção ou a defesa de um
direito subjetivo lesado ou em vias de sofrer uma lesão.
Na ação judicial, há dois pólos evidenciados:

a) o titular do direito de ação, em defesa do seu


direito violado ou ameaçado;
b) o titular do direito de punir, na condição de defen­
sor da Ordem Jurídica constituída.

O titular do direito de ação é o sujeito que invoca a ati­


vidade jurisdicional do Estado, em um caso concreto, para
que este intervenha no conflito de interesses, diga o Direito
aplicável e imponha a sanção cabível. O titular do direito de
punir é o próprio Estado, por intermédio do seu Poder
Judiciário.

183
Orlando de Almeida Secco

Não se deve confundir os dois pólos evidenciados na


ação judicial com as partes nela envolvidas em decorrência
do direito subjetivo em demanda.
Os pólos são, de um lado, aquele que, usando o seu
“direito de ação", exige a aplicação das normas jurídicas
pelos órgãos jurisdicionais do Estado e, do outro lado,
aquele que tem por obrigação atuar jurisdicionalmente,
quando solicitado, isto é, o próprio Estado. A s partes da
ação judicial, porém, são, de um lado, o autor ou autores da
ação (sujeito ativo) e, do outro lado, o réu ou réus da ação
(sujeito passivo). Esse réu é exatamente contra quem o
autor p ed e a manifestação do Estado, através do seu órgão
jurisdicional. Autor e réu são, assim, as partes envolvidas
no conflito de interesses, cabendo ao Poder Judiciário efe­
tuar a com posição desse conflito, restabelecendo a harmo­
nia e, conseqüentem ente, a paz social.
As ações judiciais são, portanto, os meios utilizáveis
para se fazer valer, através da Justiça, qualquer direito des­
respeitado, ameaçado, violado ou cujo exercício seja obsta-
culado de alguma forma.
Segundo AFTALIÓN, OLANO e VILANOVA:

“La acción es, pues, una esp ecie de derecho accesorío


de los derechos principales; sólo surge para consagrar
el restablecim iento de éstos, que sin ella serían una
vana prom esa y quedarían entregados a la sola volun-
tad de los indivíduos".

‘A ação é, pois, uma esp écie de direito acessório dos


direitos principais; som ente surge para consagrar o res­
tabelecim en to destes, que sem ela (ação judicial)
seriam uma prom essa em vão e ficariam entregues á
vontade isolada dos indivíduos'.

Questiona-se, doutrinariamente, qual seja a natureza


jurídica da ação judicial. Para uns, há uma íntima vincula-

184
Introdução ao Estudo do Direito

ção e identificação entre o direito de ação e o direito por ela


defendido. É a cognom inada "teoria da ação-m eio", atra­
vés da qual a ação judicial é o m eio de se defender um
direito. Para outros, não há tal vinculação nem identifica­
ção, apregoando-se, então, uma independência entre o
direito de ação e o direito por ela defendido. É a chamada
“teoria da autonomia do direito de ação".
Defensores da “teoria da ação-m eio” , temos: KELSEN
e COVIELLO. O radicalismo dessa teoria chega a ponto de
praticamente condicionar a existência e eficácia do direito
à viabilidade de uma ação adequada para fazê-lo valer.
Sustentam a “teoria da autonomia do direito de ação",
CHIOVENDA, BULOW, WACH, ROCCO, DEGENKOLB, den­
tre outros.
A tese predominante na atualidade é a da segunda
corrente doutrinária ("teoria da autonomia do direito de
a çã o” ), mas, na con cepção de ROCCO, interpretada e rati­
ficada por A. L. MACHADO NETO da seguinte forma:

"Segundo essa con cepçã o teórica (teoria da autonom ia


do direito de ação com o direito abstrato à tutela jurídi­
ca de ROCCO e DEGENKOLB) ao direito de ação corres­
ponde, p or p a rte do Estado, o dever de prestar a obri­
gação jurisdicional, de dar sentença; pró ou contra,
conform e o fundam ento de direito m aterial que justifi­
que a pretensão do autor, ou a falta desse fundam ento,
respectivam ente. D e ditar sentença; pró ou contra, con ­
form e o caso, daí direito abstrato à tutela jurídica e não
concreto - sen ten ça favorável - com o pretendiam os
teóricos da posição anteriorm ente considerada (teoria
da autonomia do direito de ação com o direito con creto
à tutela jurídica de WACH e BULOW)".

Entre nós, A. L. MACHADO NETO e J. FLÓSCOLO DA


NÓBREGA defendem a corrente doutrinária que conceitua

185
Orlando de Almeida Secco

a ação com o direito autônomo, à qual, evidentemente, nos


filiamos também.
A propósito, FLÓSCOLO DA NÓBREGA assim expõe:

“A doutrina m oderna conceitua a ação com o direito


autônom o, que existe p or si, independente de qualquer
outro direito subjetivo. É um direito com o outro qual­
quer, um direito ao lado dos demais, apenas peculiari-
zado por ser sem pre contra o Estado e caber apenas a
quem alegue um m teresse jurídico a defender. É sem ­
p re contra o Estado, porque é este o detentor do poder
de jurisdição, ou seja, do pod er de administrar justiça;
e ca b e apenas a quem pretenda a defesa de um interes­
se, porque na falta desse interesse, a intervenção do
Estado seria ociosa e sem razão de ser".

A s ações admitem classificação também-


No Direito Romano, as ações agrupavam-se em três
categorias:

a) ações pessoais (‘in personam ’);


b) ações reais (‘in rem’ );
c) ações mistas.

A ções pessoais eram as fundadas em alguma obriga­


ção. A ções reais eram todas as restantes, exceto as ações
d e “communi dividundo” ('divisão de condom ínio’), “fami-
liae erciscundae” (‘partilha de herança’) e “ finium regundo-
rum” (‘ação de demarcação de limites’), ações essas consi­
deradas mistas.
As principais classificações da ação judicial são as
seguintes:

A ) Quanto à natureza do direito:

a) ações civis;

186
Introdução ao Estudo do Direito

b) ações penais.

A s ações penais, tam bém chamadas criminais, quan­


do têm por escopo a apuração da autoria de um crime e da
culpabilidade do criminoso para fins de fixação da pena
aplicável e o regime prisional cabível (Ex.: integralmente
fechado, inicialmente fechado, semi-aberto, aberto). A ções
civis, por exclusão, são as restantes, cuja natureza não seja
penal.

B) Quanto ao aspecto patrim onial:

a) ações pessoais;
b) ações reais.

A ções pessoais são aquelas movidas pelo credor con ­


tra o devedor para exigir o cumprimento de uma prestação,
obrigação ou crédito.
Ex.: ação de cobrança de dívida (execução), ação de
despejo por falta de pagam ento etc.
Ações reais são aquelas propostas para impor às demais
pessoas o dever de se absterem de praticar atos impeditivos
do uso, gozo ou disposição do direito por parte do seu titular,
geralmente versando sobre propriedade ou posse.
Ex.: ação de manutenção e de reintegração de posse,
ação de divisão e demarcação de terras etc.

C) Quanto ao fim a que se destina a açáo:

a) declaratórias;
b) condenatórias;
c) constitutivas.

As declaratórias têm por finalidade uma simples


declaração ou negação da existência do direito.

187
Orlando de Almeida Secco

Ex.: ação de declaração de ausência; ação de declara­


ção de insolvência; ação de declaração de crédito.
As condenatórias visam a uma declaração de um direi­
to seguida da realização do direito declarado.
Ex.: ação de despejo por falta de pagamento; processo
de execução por título executivo extrajudicial; ação ordiná­
ria de indenização.
A s constitutivas visam à constituição ou à modificação
de um direito.
Ex.: ação de investigação de paternidade, requerimen­
to de falência; ação de dissolução de sociedade.
Certamente outras classificações deverão ser encon­
tradas. A s aqui indicadas são, entretanto, as que se desta­
cam e que necessitam ser conhecidas pelo estudante
nessa fase inicial de contato com a ciência jurídica.

188
Capítulo XI
Caso Fortuito e Força Maior.

50. Noçâo - 51. Sintonia e diferenciação - 52. Efeitos jurídicos.

50. No Capítulo anterior mostramos não só a corres­


pondência existente entre o direito e a obrigação, com o
também a possibilidade do emprego da força para fazer-se
cumprir o dever jurídico, sob pena de uma sanção.
Em síntese, demonstrou-se que a todo direito corres­
ponde um dever, assim como, ao descumprimento deste
último, uma sanção. Certo é que todas as obrigações
impostas pelo Direito trazem implicitamente a garantia do
seu cumprimento, justamente porque o devedor sabe que
sofrerá alguma punição se fugir à sua responsabilidade.
Entretanto, nem sempre o fato de se descumprir a
obrigação imposta ou assumida ensejará uma punição. Em
outras palavras, há hipóteses em que o Direito admite a
exoneração da responsabilidade do devedor de uma obri­
gação, ou seja, não responder ou não se responsabilizar o
devedor pela inexecução da obrigação que lhe competia,
quando não tenha expressamente assumido esse encargo.
Caso fortuito e força maior caracterizam exatamente
as hipóteses capazes de justificar a inexecução das obriga­
ções quando, simultaneamente, fique comprovado inexistir
parcela de culpa atribuível aos devedores das mesmas.
Em regra, o devedor de uma obrigação não responde
pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou de força
maior, com o assinala o artigo 393 do novo C ódigo Civil,
consagrador do denom inado “Princípio da Exoneração por
Inimputabilidade", que consiste na irresponsabilidade do
devedor quando houver impossibilidade do cumprimento
da prestação, não por fato seu, mas, sim, por im posição de

189
Orlando de Almeida Secco

acontecim ento estranho ao seu poder, superior às suas for­


ças. São, então, configuradamente, situações em que o
devedor se vê impossibilitado de cumprir aquilo a que
estava obrigado, sem que haja, por outro lado, qualquer
parcela de culpa da sua parte. Fica, assim, isento de res­
ponsabilidade pela inexecução.

51. Discute-se acerca dos termos “ caso fortuito” e


“ força m aior” serem ou não sinônimos. D eve-se ressaltar
de plano que tal diferenciação tem apenas interesse dou­
trinário.
Há autores que defendem a sinonímia, assim com o há
outros que consideram os termos diferentes entre si.
O nosso Código Civil não ajuda muito a esclarecer o
problema. Diríamos até que ele estabelece aumento da
confusão. Lendo-se o artigo 393 e o seu parágrafo único nos
deparamos com o seguinte texto, praticamente repetindo-
se o que dizia o Código Civil revogado no artigo 1.058:

"Art. 393 - O devedor não responde p elos prejuízos


resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressa­
mente não se houver por ele responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força m aior veri­
fica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível
evitar ou im pedir".

Entendemos, contudo, que os termos abrangem cau­


sas totalmente diferentes, embora conduzam sempre a um
m esm o efeito. Desse modo, não há sinonímia!
O caso fortuito traz implicitamente um acontecimento
natural ou evento decorrente da força da natureza (fato natu­
ral), de que são exemplos: erupção vulcânica, terremoto,
maremoto, enxurrada, seca, queda de raio, avalanche etc.
A força maior, por sua vez, evidencia um acontecimen­
to resultante de ato alheio (fato de outrem) que supere os

190
Introdução ao Estudo do Direito

meios de que se dispõe para evitá-lo, isto é, além das pró­


prias forças que o indivíduo possua para se contrapor,
sendo exemplos: guerra, greve, revolução, invasão de terri­
tório, sentença judicial específica que impeça o cumpri­
mento da obrigação assumida, desapropriação, embargo
para suspensão de uma obra etc.
Exemplificando: se, na qualidade de agricultor, assu­
mo uma obrigação de entregar a minha safra de cana-de-
açúcar numa determinada data e, antes dessa data, toda a
minha produção agrícola perece em razão de uma enxurra­
da, fico isento de responsabilidade do cumprimento da
obrigação em virtude de ter ocorrido um “caso fortuito".
Se, na qualidade de construtor assumo uma obrigação
de entregar um prédio totalmente acabado em uma deter­
minada data e, no transcurso do prazo ajustado, vem essa
obra a ser embargada liminarmente através de uma deter­
minação judicial, fico isento da responsabilidade de cum­
primento do prazo ajustado em virtude de ter ocorrido
“força maior” .
Assim, a característica d o caso fortuito é o evento
decorrente da natureza; e da força maior é o fato de outrem
que suplante as nossas próprias forças ou os m eios de que
dispom os para superá-lo.
Há autores que destacam uma terceira hipótese de
exoneração da responsabilidade, denom inada “ factum
principis” (‘fato do príncipe’). Trata-se aí da impossibilida­
de de cumprimento de uma obrigação em razão de normas
ou ordens oriundas da autoridade, isto é, através do órgão
competente.
Particularmente, inserimos o “factum principis” na
hipótese de ‘força maior', visto que ele retrata sim plesmen­
te o fato de outrem - no caso o Estado - que supere os
meios de que se dispõe para evitá-lo. Exemplos dados
com o sendo ‘força maior’ simbolizam o chamado “factum
principis" perfeitamente, quais sejam: sentença judicial,

191
Orlando de Almeida Secco

desapropriação, embargo para suspensão de uma obra,


Não há razão de ordem prática que justifique considerar-se
o 'fato do príncipe’ uma hipótese isolada, daí a considerar­
m os implícita na ‘força maior’.

52. Indaga-se a respeito de quais sejam os efeitos


resultantes se ocorrer um caso fortuito ou a força maior? A
resposta p ode ser obtida consultando-se o artigo 393 e seu
parágrafo único do novo C ódigo Civil.
Procuremos sintetizar o assunto, demonstrando as
situações que podem ocorrer na prática.
Ia) O devedor expressamente se responsabiliza pelos
prejuízos resultantes de caso fortuito ou de força maior.
Ora, se o devedor admite a eventual ocorrência do caso for­
tuito e da força maior e ainda concorda em assumir a res­
ponsabilidade nessas hipóteses, então, será responsável
se elas ocorrerem.
Vejamos um exemplo prático, transcrevendo uma cláu­
sula contratual típica, extraída de um "Contrato de
Arrendamento Mercantil” :

"A Arrendatária assum e a integrai responsabilidade


p or eventual destruição, deterioração, danos irrepará­
veis ou perdas totais ou parciais dos b en s arrendados,
quaisquer que sejam as razões que ocasionem tais
eventos, inclusive as decorrentes de 'caso fortu ito' ou
de 'força maior'".

2fl) O devedor expressamente rejeita qualquer respon­


sabilidade da sua parte ocorrendo caso fortuito ou força
maior. Se o devedor não assumiu a responsabilidade, vindo
a ocorrer uma dessas hipóteses, ele não poderá ser respon­
sabilizado, exceto se estiver em mora. É o que determina o
artigo 393 do novo Código Civil!

192
Introdução ao Estudo do Direito

Assim, se o devedor não cumpriu a obrigação no seu


vencimento, se não a cumpriu no lugar ou da forma conven­
cionada, será considerado, a partir de então, ‘devedor em
mora’ . Se, já estando em mora, sobrevier a impossibilidade
do cumprimento da obrigação em face da ocorrência de
caso fortuito ou força maior durante o período de atraso, o
devedor será, então, responsabilizado - (novo Código Civil,
artigo 399), a não ser que consiga provar isenção de culpa
da sua parte, ou que o dano aconteceria ainda que a obri­
gação tivesse sido cumprida na época própria, no local pre­
visto e da forma estabelecida.
3a) O devedor não assume e também não rejeita a res­
ponsabilidade, de maneira expressa. Há, no caso, total
om issão a respeito. N essa hipótese, prevalece o disposto
na lei. Se o devedor não assumiu expressamente a respon­
sabilidade, o seu silêncio vale com o tê-la recusado.
Assim, na om issão textual, o devedor não responde
pelos prejuízos decorrentes de caso fortuito e força maior,
salvo se estiver em mora e não conseguir provar ou isenção
de culpa ou a superveniência do dano ainda que não esti­
v esse em mora.
Como se vê, o caso fortuito e a força maior encerram
as seguintes características:

a) resultam d e fatos da natureza ou de outrem que


impossibilitem o cumprimento da obrigação;
b) não há necessidade do devedor se manifestar de
maneira expressa para, então, isentar-se da res­
ponsabilidade, posto que tal isenção resulta do
disposto na própria lei;
c) é necessário, em caso de devedor em mora, que
ele com prove isenção de culpa da sua parte ou
que o dano sobreviria mesmo que a obrigação
fosse cumprida a tempo, para, então, ficar isento
de responsabilidade.

193
Orlando de Almeida Secco

Indaga-se, também, acerca de: quem deva comprovar a


ocorrência do caso fortuito ou da força maior? Afinal, a quem
com pete o chamado ‘ônus da prova' (“ onus probandi” )?
A resposta, logicamente, será: o ‘ônus da prova’ cabe
ao devedor, isto é, ao sujeito que deseja demonstrar que a
obrigação não foi cumprida em virtude de ter ocorrido hipó­
tese excludente da sua responsabilidade. O ônus da prova
incum be a quem alega não ter responsabilidade. Quem
alega deve comprovar as alegações feitas.
Assim, se uma estátua colocada em uma praça pública
é arrancada pela força do vento e vai danificar um veiculo
estacionado nas proximidades, deverá o dono do carro acio­
nar o Estado para obter a indenização dos prejuízos sofri­
dos. Caberá, então, ao Estado, para eximir-se da responsa­
bilidade, contestar a ação, alegando em sua defesa que os
danos resultaram de “caso fortuito” , para o qual não contri­
buiu com a menor parcela de culpa. O furacão, o vendaval
etc. são fenômenos da natureza que isentam de responsabi­
lidade quem, em situação normal, responsável seria.
A defesa do Estado no exemplo dado, com fundamen­
to em caso fortuito, certamente, seria acolhida pelo Juízo.
‘Caso fortuito’ e ‘força maior’, nesta incluída o “ factum
principis” são, portanto, causas exonerativas da responsa­
bilidade do devedor pela inexecução da obrigação que lhe
competia, consagradas pelo “Princípio da Exoneração por
Inimputabilidade” ,

194
Capítulo XII
As Causas De Exclusão Da Ilicitude E
O Abuso Do Direito

53. Legítima defesa - 54. Estado de necessidade —55. Estrito cumpri­


mento do dever legal - 56. Exercício regular de direito - 57. Abuso do
direito.

53. A legítima defesa no nosso Direito Civil é uma das


hipóteses em que inexiste ilicitude na prática de determi­
nado ato, o qual seria considerado ilícito se praticado em
situação diferente. Daí dizer-se que a legítima defesa é
representativa da inexistência de ilicitude ou, se preferi­
rem, da existência de uma excepcional licitude. O ato é líci­
to face às condições excepcionais que o revestem.
A matéria está contida no novo Código Civil, artigo
188, inciso I, "verbis” (com as seguintes palavras):

"Não constituem atos ilícitos:


I - Os praticados em legítim a defesa (. ..)".

No nosso Direito Penal a legítima defesa é causa de


exclusão da antijuridicidade, de m odo que o mesmo ato, se
praticado em situação diversa, seria considerado crime.
Legítima defesa, no Direito Penal, é a exclusão da antijuri­
dicidade. É a exclusão da ilicitude ou da criminalidade. É,
enfim, a causa justificativa do ato ou a causa descriminan-
te do ato.
Diz o Código Penal, no artigo 23, inciso II:

"Não há crime quando o agen te pratica o fato:


U ;
II - em legítim a defesa "

195
Orlando de Almeida Secco

Fácil é concluir-se que a legítima defesa é que dá ao


ato uma excepcional licitude ou que exclui dele a ilicitude
e criminalidade.
Apenas para exemplificar-se: matar alguém é um
crime, porém, matar alguém em legítima defesa não é
crime. É a legítima defesa que descrimina o ato, que o jus­
tifica, que o torna lícito.
Quanto ao conceito do que seja a legítima defesa, cre­
mos que a definição legal, contida no próprio Código Penal,
consegu e satisfazer plenamente.
Diz o artigo 25:

“E ntende-se em legítim a defesa quem , usando m odera­


dam ente dos m eios necessários, rep ele injusta agres­
são, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem ”.

Nos dizeres de ANÍBAL BRUNO:

“É a situação do hom em que reage, com em prego


m oderado dos meios necessários, na proteção de um
bem jurídico próprio ou alheio, contra injusta agressão
atual ou im inente”.

Do exame esmiuçador dos dois conceitos acima, pode­


m os extrair os requisitos essenciais à caracterização de
uma situação de legítima defesa.

a) haver uma agressão injusta, atual ou iminente;


b) que dita agressão injusta am eace bem jurídico
próprio ou de outrem;
c) que a repulsa a tal agressão seja exercida m ode­
radamente;
d) que se usem tão-som ente os m eios necessários à
repulsa.

Há ainda dois outros requisitos, muito discutidos dou-


trinariamente, e que são:

196
Introdução ao Estudo do Direito

e) que a agressão sofrida não tenha sido provocada


pela própria vítima;
f) que a agressão seja um ato praticado por um ser
humano e não por um animal.

Antes de tudo, cabe assinalar que agressão é signifi­


cativamente o ato humano capaz de pôr em risco ou causar
danos a um bem jurídico. Bem jurídico, obviamente, é tudo
que tendo interesse para o homem está devidamente tute­
lado pelo Direito, com o a vida, a integridade física, o patri­
mônio etc. A própria honra é admitida com o sendo passível
de legítima defesa.
Diz-se que a agressão é injusta quando ela evidencia
um flagrante desrespeito a um direito. É, portanto, a agres­
são injustificável, descabida, capaz de violar o direito de
alguém, a vitima. Na ilicitude de tal agressão é que está o
suporte jurídico que legitima a defesa. À ilicitude do ata­
que passa a corresponder a excepcional licitude da defesa,
desde que mantidas as devidas proporções entre esta e
aquele, com o ainda verem os no presente capítulo.
Tbdos os requisitos enunciados serão oportunamente
estudados com maior profundidade pelos especialistas do
Direito Civil e do Direito Penal. Aqui nos limitaremos a dar
uma breve noção:

1. Agressão injusta, atual ou iminente, é aquela


situação de fato geradora do perigo ou de dano a
um bem jurídico. É atual quando já está produzin­
do efeitos, isto é, quando há instantaneidade. É
iminente quando os efeitos se produzem ou
podem produzir-se logo após, numa seqüência
ininterrupta de tempo. A distinção entre o atual e
o iminente pode ser mais bem com preendida nos
dois exemplos adiante: ao agredir-se alguém a
socos, há instantaneidade ou atualidade; ao

197
Orlando de Almeida Secco

pegar-se uma cadeira, levantá-la e com ela sus­


pensa avançar para agredir alguém numa distân­
cia um pouco afastada, há iminência. Não há nem
atualidade nem iminência quando, por exemplo, a
vítima de uma injusta agressão retira-se do local,
vai buscar uma arma ou objeto contundente e
retom a tentando localizar o seu agressor para a
desforra. Neste último exem plo dado não se pode
falar de legítima defesa. O lapso de tem po entre a
injusta agressão e o revide é muito grande, des­
caracterizando a excludente da criminalidade.
Na con cep çã o de agressão injusta está
implícita não só a violência (ato com issivo) ao
bem jurídico, com o até m esm o a omissão (ato
omissivo) suficiente para causar danos, a exem­
plo do motorista que acelera o ônibus e mesmo
vendo que certamente irá atropelar alguém não
freia o veículo, omitindo-se; ao qu e um passagei­
ro, atento à situação e em defesa do pedestre,
afasta o motorista (revide) e manobra rapidamen­
te o coletivo, desviando-o e evitando, assim, o
acidente. Diante do ato omissivo do motorista,
terá então o passageiro agido e o fez em legítima
defesa do pedestre.
Agressão injusta, ameaçadora de bem jurídico
próprio ou de outrem, significa que tanto p od e­
m os agir em defesa do nosso próprio bem, como
em defesa do bem alheio, ou seja, bem de outra
p essoa . O próprio exem plo dado acim a já
demonstrou isso claramente.
ANIBAL BRUNO faz a seguinte observação:
"... A doutrina m oderna am plificou sem limi­
tes o princípio da defesa do bem jurídico
alheio. E para essa defesa, não im porta o
ponto de vista do terceiro agredido, a sua
Introdução ao Estudo do Direito

consciência do perigo ou o seu ânimo de


defender-se

3. Repulsa é agressão exercida m oderadam ente. É


aquela proporcionalidade justa entre a violência
sofrida e a defesa contraposta. Se a defesa ultra­
passa os limites da moderação passa então a ter
o aspecto de uma vingança, afastando por com ­
pleto a idéia de ter havido repulsa. Ora, se a
agressão já foi sustada e aquele que se defendia
prossegue desnecessariam ente com os seus atos
até às últimas conseqüências possíveis, certa­
mente que excedeu os limites da moderação. Não
há que se considerar aí a tese de haver atuado
com repulsa.
4. Que sejam usados tão-somente os meios n eces­
sários à repulsa é outra forma de proporcionalida­
de. Desta feita com relação ao meio em pregado
na agressão e ao meio utilizado na defesa. Pode-
se repelir eficazmente uma agressão a socos
em pregando-se igual meio. Não se justifica abso­
lutamente fazê-lo com o uso de uma arma de fogo.
Neste caso é evidente a desproporcionalidade.

Discute-se acerca da possibilidade de haver, ou não, o


reconhecimento da legítima defesa quando foi a própria
vítima quem provocou a agressão sofrida.
Desde que tal provocação da vítima não tome o aspec­
to de uma verdadeira agressão, tem a doutrina entendido
caber legítima defesa no caso. A matéria, porém, não é
pacífica! Muitos entendem que havendo provocação da
vítima em parte já fica excluído o aspecto injusto da agres­
são que se seguirá contra ela. Entretanto, inúmeros aspec­
tos terão que ser analisados no exame de um caso concre­

199
Orlando de Almeida Secco

to. As decisões, no nosso m odo de ver, dependerão basica­


mente dessas análises.
Quanto ao aspecto da agressão injusta ser sempre um
ato humano, surge o clássico problema da defesa, por
exemplo, contra o ataque de um cão feroz. Em princípio, a
legítima defesa só existe contra injusta agressão humana.
O ataque de animais não se reveste do aspecto de uma
agressão, posto que nele não há propriamente nenhuma
ação. O animal bravio ataca simplesmente por instinto. Não
tem, nem poderia ter, dada a sua irracionalidade, noção do
justo e do injusto. Entretanto, se o cão atua contra alguém
porque foi adestrado para isso, investindo contra a sua víti­
ma incitado pelo dono, cabe a legítima defesa. N esse caso
o cão está sendo usado com o um mero instrumento da von­
tade do seu dono, um ser humano. É essa a melhor solução
e que tem merecido acolhimento pelos estudiosos.
Para exemplificar-se legítima defesa criminal e civil,
digam os que um garçom ao trazer a conta seja injustamen­
te agredido a socos pelo freguês que não quer efetuar o
pagamento. Revidando imediatamente, com um único soco
certeiro, o garçom consegue fazer cessar a agressão injus­
ta, mas quebra os óculos importados do seu desafeto.
Tendo agido em legítima defesa, o garçom não responderá
penalmente pelas lesões corporais do freguês, porque se
beneficiará da exclusão da criminalidade a que alude o
artigo 23-11, com binado com o artigo 25, ambos do Código
Penal. Por outro lado, não poderá ser obrigado a reparar o
dano, ou seja, a indenizar o prejuízo decorrente da quebra
dos óculos importados, porque agira em legítima defesa
contando, assim, com a tutela prevista pelo artigo 188, inci­
so I, do C ódigo Civil. O parágrafo único desse mesmo arti­
go, com binado com o artigo 929, serve para melhor escla­
recer a posição do Código acerca do direito à reparação
pelos danos sofridos. Está implícito que tal direito depen­
derá sempre da apuração da culpa do perigo. Ora, se no

200
Introdução ao Estudo do Direito

exemplo dado o dono dos óculos foi o injusto agressor que


iniciou a luta, não vem os com o p ossa ele pleitear com êxito
a reparação do seu prejuízo contra o garçom. A culpabilida­
de definirá quem tem ou não razão nesse episódio.
Cumpre ainda comentar-se a legítima defesa putativa
e o excesso de legítima defesa.
'Legítima defesa putativa’ é a situação de quem
defende, por equívoco, supondo que o bem jurídico iria
sofrer uma agressão injusta. Essa errônea suposição é
requisito essencial, obrigatório; se faltar, não haverá legíti­
ma defesa putativa.
Diz então ANIBAL BRUNO:

"Mas, desde que o a gen te se supõe, erroneam ente, na


situação de quem legitim am ente se defende, não existe
dolo e o fato fica im pune por ausência de culpabilidade.
Se o erro for culposo, p or culpa responderá o a gen te na
agressão gue fizer".

‘Excesso de legítima defesa' é aquela parte da defesa


exercida além da moderação. É aquela parte a mais na
defesa, suficiente para estabelecer uma desproporção
entre a injusta agressão sofrida e a repulsa à mesma.
Pode esse excesso ser também considerado com rela­
ção ao meio usado na defesa, se foi desproporcional e maior
do que o do ataque.
Em quaisquer dos casos, havendo excesso, ter-se-á
que levar em conta o grau de culpabilidade do agente. Em
regra o excesso é punível, dependendo do dolo ou da culpa
do agente que se defendeu legitimamente. Inexistindo dolo
ou culpa de sua parte, certamente que não haverá punição.

54. O ‘estado de necessidade’ mantêm estreitas liga­


ções com a ‘legítima defesa’ , vindo ambos a constituir o
chamado “ Direito de N ecessidade” . Segundo esse direito, o

201
Orlando de Almeida Secco

ato praticado reveste-se de licitude com um caráter de


excepcionalidade, tendo em vista as circunstâncias pre­
sentes, posto que, em situação diversa, o m esm o ato seria
considerado ilícito ou criminoso.
O “Direito de N ecessidade", portanto, é que justifica a
exclusão da ilicitude do ato nas circunstâncias em que este
ocorre.
No novo Código Civil o estado de necessidade não
aparece claramente expresso. Ele está implícito segundo
os dizeres do artigo 188, inciso II:

"Não constituem atos ilícitos:


U
II ~ A deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a
lesão a pessoa, a fim de rem over p erigo im inente1'.

Essa deterioração ou destruição de coisa alheia, a fim


de remover perigo iminente, é que constitui propriamente o
estado de necessidade para o Direito Civil.
Já o Direito Penal, ao contrário, é bastante cristalino a
respeito. Não só o artigo 23, inciso I, d o Código Penal, men­
ciona expressamente o estado de necessidade, com o o arti­
go 24, do mesmo Código, dá a definição legal.
0 aludido artigo 23-1, declara:

“Não há crim e quando o a gen te pratica o fato:


1 - em estado de necessidade";

Como se pode observar, o estado de necessidade (do


m esm o m odo que a legítima defesa) é para o Direito Civil
representativo da inexistência de ilicitude ou da existência
de uma excepcional licitude. Para o Direito Penal é causa de
exclusão da antijuridicidade do ato, da exclusão da ilicitu­
de e da criminalidade; é, enfim, causa justificativa do ato
ou causa descriminante do mesmo.

202
Introdução ao Estudo do Direito

Cabe fazer-se desde logo a diferenciação substancial


entre o estado de necessidade e a legítima defesa. Como
foi visto, na legítima defesa aquele que defende na realida­
de exerce uma violência contra o bem jurídico do autor de
uma injusta agressão. Essa violência apresenta o caráter
de uma reação, de uma repulsa. Primeiro há a agressão
injusta e somente após é que ocorre a defesa justa. No
estado de necessidade, porém, a situação é outra! A violên­
cia é exercida contra o bem jurídico de um inocente, para
salvar de perigo, atual ou iminente, um bem jurídico pró­
prio ou de outrem. A í não há então nenhuma reação ou
repulsa. Aquele que age em estado de necessidade é na
verdade um agressor, embora o seu ato se justifique plena­
mente dentro das circunstâncias em que ocorre, isso por­
que o bem jurídico do inocente se situa com o um obstácu­
lo à salvação do bem em perigo.
A justificativa dessa agressão contra o bem jurídico de
inocente para salvação do bem em perigo encontra respal­
do na seguinte afirmação de ANÍBAL BRUNO:

"Não se pode im por com o dever jurídico uma atitude de


renúncia que muitas vezes precisaria tom ar-se heróica".

O conceito de estado de necessidade pode ser extraí­


do, com o assinalamos anteriormente, do próprio Código
Penal. O artigo 24 dá a definição legal do estado de n eces­
sidade da seguinte maneira:

"Considera-se em estado de necessidade quem pratica


o fato para salvar de p erigo atual, que não provocou p or
sua vontade, nem podia de outro m odo evitar, direito
próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias,
não era razoável exigir-se".

HERMES LIMA assim define o estado de necessidade:

203
Orlando de Almeida Secco

“É o ato que deteriorou ou destruiu coisa alheia, no p ro­


pósito de rem over perigo im inente

Da m esma forma usada por ocasião do estudo da legí­


tima defesa, apontemos agora os requisitos essenciais à
caracterização de um estado de necessidade. Tàis requisi­
tos são:

a) existir um perigo, atual ou iminente, para um bem


jurídico;
b) que dito perigo acometa bem jurídico próprio ou
de outrem;
c) que seja um perigo inevitável;
d) que não resulte o perigo de uma ação voluntária
do próprio agente;
e) que, em face das circunstâncias, não se possa
impor o sacrifício do bem em perigo.

1. O primeiro requisito deixa bem clara a idéia da


instantaneidade ou do imediatismo. O ataque ao
bem jurídico de inocente só terá cabimento para
salvar-se o bem jurídico próprio ou de outrem cujo
perigo já esteja presente ou na iminência de se
processar.
2. O perigo pode apresentar-se não só a um bem
jurídico do próprio agente com o a um bem jurídi­
co de outrem. Pode-se, pois, agir em estado de
necessidade para salvar bem jurídico alheio.
3. A inevitabilidade do perigo consiste na im possi­
bilidade de o mesmo ser sustado sem se causar
dano a um bem jurídico de inocente. E lógico que
se o perigo pudesse ser evitado sem se causar
qualquer lesão a bem jurídico de inocente, causa­
da a lesão desnecessária, não poderia o agente

204
Introdução ao Estudo do Direito

beneficiar-se da exclusão da ilicitude do seu ato.


A inevitabilidade é, pois, essencial.
4. Não tem qualquer cabimento que o agente cause
voluntariamente o perigo e depois se beneficie do
estado de necessidade. Aquele que provoca o
perigo não pode se beneficiar da exclusão da ili­
citude, o que, aliás, é perfeitamente lógico.
5. Não se poder impor o sacrifício do bem jurídico é
estabelecer-se uma certa proporcionalidade ou
valoração entre o bem que se sacrifica e o que se
quer salvar do perigo. O estado de necessidade
só tem procedência quando o bem jurídico a ser
sacrificado é de menor ou igual valor que o bem
jurídico a ser salvo do perigo pelo agente. Não se
admite estado de necessidade quando o bem
sacrificado valia mais que o bem salvo de perigo.
Entretanto, a apreciação desses valores é q u es­
tão muito subjetiva, envolvendo sempre inúmeros
aspectos circunstanciais, cujo exame se faz
imprescindível para o deslinde de um caso con ­
creto.

Para exemplificar-se o estado de necessidade, tom e­


mos dois casos distintos, o primeiro mais diretamente liga­
do à esfera do Direito Civil e o segundo à do Direito Penal:

1. Suponhamos que haja um incêndio num determi­


nado local, onde exista material de fácil com bus­
tão que possa acarretar a propagação das cha­
mas e ocasionar uma tragédia de proporções
gigantescas. Num caso desses, poder-se-á d es­
truir esse material perigoso, para im pedir a
destruição de bens que com pensem esse sacrifí­
cio. (MACHADO PAUPÉRIO).

205
Orlando de Almeida Secco

2. O sacrifício de um dos náufragos, na disputa pela


m esma tábua de salvação, ou os casos de antro­
pofagia entre náufragos famintos. Aí a colisão é
entre bens de igual valia - uma vida por outra
vida. Casos com o esses figuram hoje em nosso
Direito com o de estado de necessidade (ANÍBAL
BRUNO).

Também no reconhecimento do estado de necessidade


poderá ocorrer que o agente se exceda, agindo com violên­
cia além daquela que realmente precisaria para remover ou
para sustar o perigo. O excesso não elimina a descriminan-
te ou a excepcional licitude d o ato praticado até o limite em
que ele se fazia indispensável; mas o agente responderá
pelos danos resultantes do excesso praticado, por dolo ou
por culpa, conforme o caso.
Cumpre ainda assinalar-se que o estado de necessida­
de não beneficia a todos indistintamente. Há situações e
condições que não se coadunam com o mesmo, ficando
logicam ente excluídas. Tal é o caso dó bom beiro militar que
prefere sacrificar a vida alheia para salvar a própria vida
num incêndio, quando o seu dever era exatamente o opos­
to. N esse exemplo, não poderá alegar ter agido em estado
de necessidade, pois, a sua função é a de salvar a vida de
outrem, ainda que sacrificando a própria vida. Esclarece
essa questão o parágrafo 1- do artigo 24, do Código Penal:

“Não p od e alegar estado de necessidade quem tinha o


dever legal de enfrentar o perigo

55. O ‘estrito cumprimento de dever legal’ é uma


outra causa excludente da criminalidade, prevista pelo
Código Penal no inciso III (parte inicial), do artigo 23:

“Não há crim e quando o agente pratica o fato:

206
Introdução ao Estudo do Direito

(...)
III - em estrito cum prim ento de dever legal (...)".

Pela própria natureza desse tema, não há equivalência


no Código Civil! Quem age no estrito cumprimento de
dever legal não com ete crime. O tema é, portanto, essen­
cialmente de natureza penal.
Agir no estrito cumprimento de dever legal é praticar
atos que no rigor da palavra teriam tudo para serem consi­
derados crimes, perdendo, entretanto, tal característica
justamente por resultarem, com o a própria expressão assi­
nala, por im posição de um “dever legal". O carrasco ao exe­
cutar uma sentença de morte está no estrito cumprimento
de dever legal, não podendo, portanto, responder criminal-
mente pelo seu ato de matar. Diga-se o mesmo do soldado
que em uma guerra mata o inimigo em combate e do agen­
te penitenciário que mantém o seu prisioneiro no cárcere.
Nessas hipóteses, tais pessoas não estão incidindo nos cri­
m es previstos pelo Código Penal, respectivamente, nos
artigos 121 (homicídio) e 148 (cárcere privado), porque
estão cumprindo um dever legal.
Dever legal deve ser entendido o estabelecido pela
legislação, ficando excluídos desse conceito os cham ados
deveres sociais e deveres religiosos, dentre outros.
A expressão estrito cumprimento de dever legal dá
bem idéia de que se torna inaceitável qualquer excesso,
por mínimo que ele seja. Estrito significa exato, restrito,
inextensível. Quando o agente extrapola das suas funções,
agindo fora dos limites que o dever impunha, responde
então pelo excesso, pois aí já se configura uma ilicitude
pela qual há de ser responsabilizado. Isso é lógico e a lei
penal não deixa dúvidas.

56. O exercício regular de direito é também causa


excludente de ilicitude ou excludente de criminalidade.

207
Orlando de Almeida Secco

No novo Código Civil está contido no inciso I (parte


final), do artigo 188:

"Náo constituem atos ilícitos:


I - Os praticados (...) no exercício regular de um direito
recon h ecid o”.

No C ódigo Penal encontra-se no inciso III (parte final),


do artigo 23:

“Náo há crim e guando o agen te pratica o fato:


(...)
III - (...) no exercício regular de direito".

Os direitos são atribuídos, com o vimos, pelas normas


jurídicas. Essas mesmas normas, sem dúvida, estabelecem
de certa forma os parâmetros dentro dos quais os direitos
possam e devam ser exercidos.
Se pegarmos, por exemplo, o novo Código Civil, encon­
traremos inúmeros dispositivos que limitam o exercício de
direitos reconhecidos. Nos artigos 1.280, 1.308 e 1.310,
vem os inúmeras situações que limitam o direito à proprie­
dade imóvel.
E muito normal que a lei explicite até que limites um
direito possa ser livremente exercitado pelo seu titular.
Diríamos então que há o exercício regular de um direito
sempre que o mesmo se cinja aos limites determinados
pela lei, sem ultrapassá-los.
Tbmemos com o exemplo o poder familiar. Segundo o
Código Civil, artigo 1.634, com pete aos pais, quanto à p e s­
soa dos filhos menores, dirigirem-lhes a criação e educa­
ção, bem com o exigir que estes lhes prestem obediência,
respeito e os serviços próprios da sua idade e condição.
Todavia, esse direito dos pais não poderá ser exercido imo-
deradamente. Daí dizermos que os pais estarão no exercí­

208
Introdução ao Estudo do Direito

cio regular de direito reconhecido, o poder familiar nesse


caso, enquanto não ultrapassarem os limites, explícitos ou
implícitos, desse direito. Ultrapassados os ditos limites,
configurar-se-á desde logo uma ilicitude, um abuso do
direito, ou até m esmo um crime, a exemplo do artigo 136 do
Código Penal que tipifica o crime de "Maus-tratos” .
ANÍBAL BRUNO, de maneira excelente, apresenta inú­
meros exem plos de exercícios regulares do direito, mere­
cendo destaques:

a) o ato do indivíduo que, para defender a sua pro­


priedade, cerca-a de vários meios de proteção, as
chamadas defesas predispostas ou “ offendicula",
como: muros com pontas de ferro e fragmentos de
vidro, grades etc.;
b) o ato do cirurgião, devidamente autorizado pelo
paciente ou seu responsável, tendo-se em vista
as conseqüências e riscos prováveis de uma
intervenção cirúrgica;
c) o ato lesivo dos atletas contra adversários por
ocasião da prática de esportes violentos (boxe,
luta-livre, futebol).

Em todos esses casos há, em princípio, um exercício


regular de direito e exclusão da ilicitude ou da criminalidade
pelas suas conseqüências meramente acidentais, salvo natu­
ralmente se comprovada a concorrência de dolo ou de culpa.

57. Ficou bem salientado, ao estudarmos o exercício


regular de direito, que existem parâmetros dentro dos quais
os direitos podem e devem ser exercidos. Isso significa
dizer-se que os direitos são relativos; eles não são absolu­
tos, com o possam a princípio parecer. Se os direitos fossem
absolutos, não sofreriam quaisquer restrições ou limitações
ao seu exercício. Sendo relativos, com o de fato são, os exer­

209
Orlando d© Almeida Secco

cícios de um direito de maneira anormais pelo seu titular,


causando prejuízo a outrem, é considerado abusivo.
A relatividade dos direitos concentra-se exatamente
na finalidade dos mesmos: Os direitos subjetivos são sem­
pre decorrentes do interesse social. Quando um direito
individual colide ou se desvia do interesse da comunidade
está contrariando a sua própria razão d e ser. Essencial­
mente aí está a filosofia que inspira o conceito de abuso do
direito.
O abuso do direito é o exercício anormal de um direito
pelo titular, isto é, sem que haj a interesse legítimo ou além
d esse interesse, por mera rivalidade, concorrência ou para
prejudicar a outrem, sem que o agen te se beneficie do
resultado e, ainda, causando dano a terceiro.
D esse conceito podem os extrair alguns requisitos
essenciais:

a) que haja de feto um direito e o seu exercício pelo


titular do mesmo;
b) que tal exercício se faça sem qualquer interesse
legítimo ou além desse interesse;
c) que o exercício do direito ocorra por mera rivali­
dade, concorrência ou ainda para causar prejuízo
a outrem;
d) que o agente não se beneficie do resultado;
e) que canse dano a terceiros.

Hâ autores que entendem caber no conceito de abuso


de direito a hipótese do exercício do direito com legítimo
interesse e sem a intenção d e prejudicar outrem, desde que
ocorram prejuízos a terceiros. Cremos não ser o caso, pois
não vem os aí o abuso propriamente configurado, mas, sim,
um ato ilícito pelo dano causado.
É importante ressaltar-se que no abuso do direito não
há manifestamente uma iHcitude ou um ato antijurídico. Se

210
Introdução ao Estudo do Direito

assim fosse, estaríamos ou diante de um ilícito civil ou de


uma ação típica configuradora de crime, hipóteses que não
podem ser consideradas com o abusivas, visto serem elas
de natureza muito mais grave. Para haver abuso do direito
há que existir com o pressuposto básico um direito do qual
se fará uso imoderado.
O abuso do direito é na verdade um ato reconhecida­
mente licito, embora praticado desmedidamente, vindo a
trazer prejuízos a outrem.
Diz MACHADO PAUPÉRIO, filiado ao pensamento de
PERREAU:

“No abuso do direito não há uma violação direta da lei,


com o poderá p a recer a m uitos, m as apenas a violação
do princípio geral de que os direitos devem exercer-se
dentro de certos lim ites".

Acrescenta FLÓSCOLO DA NÓBREGA:

"O ato pod e constituir um crim e, ou um direito civil, e


num e noutro caso está fora do cam po do abuso do
direito, enquadrando-se no da responsabilidade penai,
ou civil.
Para que se possa falar em abuso do direito, e n ecessá ­
rio que se trate de um ato de todo lícito, praticado nos
lim ites do direito reconhecido ao titular, mas com refle­
x o s prejudiciais sobre direitos de terceiros".

Completa HERMES LIMA:

"Resumindo, podem os repetir que, do ponto de vista


geral da antijuridicidade, o ato humano p od e ser ilegal,
ilícito ou excessivo. Ilegal, o realizado sem direito; ilíci­
to, o de que resultou violação do direito alheio ou p re­
juízo de outrem ; excessivo, o que resultou do uso imo-

211
Orlando de Almeida Secco

derado de prerrogativas jurídicas. M odalidade de ato


ilícito, o abuso do direito, porém , com ele náo se confun­
de, pois o abuso decorre do exercício de um direito".

Do acima exposto, pode-se concluir que do exercício


regular de um direito ou da legítima defesa possam ocorrer
atos excessivos, praticados, portanto, além do necessário e
caracterizando então o abuso.
O novo Código Civil não tem nenhum artigo abordan­
do expressamente o abuso do direito. Tal entendimento
obtém -se pela via indireta, mediante interpretação literal
do artigo 188 e de seu parágrafo único. Se não constituem
ilícitos os atos praticados em legítima defesa, no exercício
regular de um direito e no estado de necessidade, consti­
tuirão abusos do direito os praticados além do absoluta­
mente necessário e que venham a exceder os limites que os
justificam.
Capítulo XIII
A Aquisição dos Direitos e o Seu Exercício.

58. Aquisição - 59. Modificação - 60. Exercício - 61. Defesa e conser­


vação.

58. Ao estudarmos o fato jurídico em sentido amplo


(Capítulo VII, item 33) dizíamos que ele é o acontecim ento
ou a situação de fato, independente ou dependente da von­
tade, que tenha por fim, imediato ou mediato, adquirir, res­
guardar, transferir, modificar ou extinguir direitos.
Pretendemos agora aprofundar um pouco mais a
noção desses verbos, dando-lhes seu verdadeiro sentido
prático. No presente Capítulo estudaremos os direitos a
partir da aquisição, enquanto no Capítulo seguinte cuida­
remos isoladamente da extinção dos direitos. Significa
dizer-se que desejam os nesses dois capítulos estudar os
direitos no que concerne à aquisição, resguardo, transfe­
rência, m odificação e extinção. Para melhor memorização
dos cinco verbos use a seguinte sigla: "ADRESTRAMO-
DEX", isto é, ADquirir, RESguardar, TRAnsferir, MODificar e
EXtingüir.
Iniciemos pela primeira situação prevista: adquirir
direitos.
Adquirir um direito é tornar-se o titular do mesmo. Ser
titular de um direito, por sua vez, eqüivale a dizer-se: p os­
suir o direito com o coisa própria, isto é, apropriar-se dele.
Mas o direito é uma coisa abstrata, não é concreta.
Apropriar-se de uma coisa abstrata é idéia difícil de ser
compreendida. Contudo, desde o momento em que um
direito nasça, certamente haverá de pertencer a alguém, a
um sujeito. Afinal, de que valeria um direito que não pudes­
se ser atribuído a alguém? Tornar-se-ia uma inutilidade!

213
Orlando de Almeida Secco

Todo direito pertence, portanto, a alguém, que o


adquire. Esse alguém, em virtude da aquisição, assume a
posição de titular do direito, ou seja, p essoa a quem o
m esm o passe a pertencer. Tal titular recebe a denominação
de sujeito do direito.
Sujeito do direito é o titular do mesmo, assim conside­
rado a partir do momento da aquisição.
A aquisição de direitos pode ocorrer de duas manei­
ras: originária e derivada.
Aquisição originária é aquela em que o sujeito passa a
possuir o direito sem que haja qualquer relacionamento jurí­
dico com um outro sujeito na qualidade de titular anterior
desse mesmo direito. Conclui-se que o direito praticamente
não teve qualquer titular anterior. Não há passagem do direi­
to de um titular para outro; ele surge, isto sim, como algo
novo e que pela primeira vez é adquirido pór um sujeito.
Um exem plo bastante elucidativo é quando nos apro­
priamos dos peixes que conseguim os pescar no oceano. A
aquisição, representada pelo direito de possuirmos os pei­
xes com o propriedade nossa é tipicamente originária. Até
concretizar-se a pescaria, os peixes eram "res nullius" (‘coi­
sas de ninguém', ‘coisas sem dono’ ).
A ocupação, para garantir inicialmente a posse e p os­
teriormente a propriedade, é outro exem plo de aquisição
originária tendo-se em vista bens imóveis.
Diz o artigo 1.204 do novo Código Civil:

“A dquire-se a p osse desde o m om ento em que se torna


possível o exercício, em nom e próprio, de qualquer dos
pod eres inerentes à propriedade”.

A aquisição originária decorre da inexistência de um


titular anterior desse direito que se adquire. É, portanto,
uma aquisição sem titular precedente; sem transmissão do
direito e que se manifesta autonomamente.
Introdução ao Estudo do Direito

A aquisição derivada, ao contrário, é aquela que d e­


corre da transmissão do direito de um titular precedente a
outro titular subseqüente. Deriva de um titular para outro,
com o bem deixa transparecer a sua própria denominação.
Assim, se um determinado bem é doado, o direito de pro­
priedade passa do titular anterior (doador) para o titular
novo (donatário). Há, no caso, uma transferência da titula­
ridade, de m odo que a aquisição por parte do donatário é
tipicamente “derivada” .
Ocorre, porém, que a transferência de direitos de um
titular para outro pode não ser completa, total. Daí subdivi­
dir-se a aquisição derivada em duas espécies:

a) translativa;
b) constitutiva.

Na aquisição derivada translativa há transferência


total do direito para o seu novo titular, não mantendo o titu­
lar anterior qualquer parcela do mesmo a partir daí. Assim,
se alguém vende, à vista, um veículo de sua propriedade, o
comprador passa a ser o novo proprietário do bem a partir
do momento em que a negociação é fechada. Recebido o
preço por parte do vendedor desliga-se este integralmente
da propriedade do bem vendido.
Diferentemente, na aquisição derivada constitutiva o
titular anterior ainda mantém consigo alguma parcela do
direito sobre o bem objeto da transferência. Para exemplifi­
car, digamos que os pais façam a doação de um imóvel ao
filho, com cláusula de usufruto em favor dos doadores. Nesse
exemplo, o direito de propriedade do filho tem certa limita­
ção, porquanto não poderá usar o imóvel ou auferir os rendi­
mentos provenientes da sua locação enquanto permanece­
rem vivos os seus pais. Como se vê, os titulares anteriores do
direito (doadores) fizeram a transferência de uma parte
desse direito ao novo titular (donatário), mas reservaram

215
Orlando de Almeida Secco

para si uma parcela que permanecerá em poder dos mesmos


enquanto vivos forem. Mantém, assim, ainda algum poder
sobre o bem transferido. Reservaram, pois, uma parcela do
direito transferido ao novo titular.
De m odo diverso, na aquisição derivada translativa há
simultaneamente a aquisição do direito por parte do novo
titular e a extinção do direito por parte do antigo titular,
A aquisição de direitos poderá ser feita mediante ato
do próprio adquirente ou através de ato de outrem. As duas
hipóteses aparecem no novo Código Civil, artigo 1.205.
Haverá ato próprio quando, por exemplo, o indivíduo quer
comprar um carro e pessoalmente celebra o ato aquisitivo
perante o vendedor. A aquisição por ato de outrem é quan­
do o adquirente nada pratica pessoalmente, sendo, então,
representado por alguém que age em nome dele, o seu
representante ou o seu procurador. Essa representação
pod e ser de três tipos:

a) legal;
b) voluntária;
c) involuntária.

Representação legal é aquela que a lei determina, que


a lei impõe. O filho, menor impúbere, pode adquirir direitos
mediante representação legal, através dos pais, ou, na falta
destes, conforme estabelece o novo Código Civil, no artigo
116 com binado com o artigo 3a, inciso I.
Representação voluntária é a que decorre do mandato,
isto é, a feita por meio de procuração. O adquirente faz-se,
então, representar no ato aquisitivo por um procurador, a
quem outorga os poderes específicos e necessários para a
prática do ato. Veja-se a respeito o artigo 653 e seguintes
do novo C ódigo Civil.
O novo Código Civil no artigo 1.205, inciso II, manteve
situação que estava prevista no código revogado, qual seja,

216
Introdução ao Estudo do Direito

a aquisição da posse através de terceiro, mesmo sem pro­


curação (mandato), ato esse, contudo, que dependerá de
ratificação posteriormente pelo beneficiário para ter eficá­
cia. Esta é a chamada representação involuntária, raramen­
te adotada.
Os direitos, quanto ao momento da aquisição, serão:

a) atuais;
b) futuros.

Atuais são os com pletamente adquiridos no ato.


Ex.: compra, à vista.

Futuros são aqueles cuja aquisição não se acabou de


operar, perm anecendo pendente ainda por certo tempo.
Ex.: aquisição de veículo a prazo, com alienação fidu-
ciária tam bém conhecida com o reserva de domínio. Outro
exemplo, a compra de imóvel em prestações, estas repre­
sentadas por notas promissórias “pro-solvendo” (‘destina­
das ao pagam ento’).
Como os conceitos de “ alienação fiduciária" e de títu­
los cambiais “pro-solvendo" dependem de estudos esp e­
cializados e aprofundados que somente ocorrerão futura­
mente no desenrolar do curso de Direito, basta que se
tenha agora em mente que na aquisição fUtura a efetivação
plena do direito somente ocorrerá quando o adquirente
tiver cumprido integralmente a sua parte da obrigação
assumida. Se ele comprou um bem a prazo, enquanto não
quitar o seu débito, evidentemente que não terá a proprie­
dade definitiva, porque ainda a está adquirindo.
Quanto à aquisição futura, poderá, ainda, subclassifi-
car-se em:

a) deferida;
b) não deferida.

217
Orlando de Almeida Secco

A aquisição futura é “ deferida" quando depende ex­


clusivamente do adquírente.
Ex.: a aceitação de uma herança é aquisição que
depende exclusivamente do herdeiro querê-la ou não. É
difícil imaginar-se, mas há casos de herdeiros que não acei­
tam a herança deixada pelo falecido por motivos íntimos.
A aquisição futura é “não deferida” quando indepen­
de do adquirente, dependendo de fatos ou condições que
podem ocorrer ou não, isto é, falíveis.
Ex.: se alguém promete uma recom pensa a quem
achar um cão perdido, animal esse cujas características
são divulgadas (raça, cor do pelo, nome pelo qual atende),
só terá direito a recebê-la aquele que entregar o verdadei­
ro animal procurado, fato que passa a depender da opinião
do dono do animal e não de quem acha um cão.

59. Os direitos, após terem sido adquiridos, estarão


sujeitos a sofrer m odificações, ora pela própria vontade dos
seus titulares e ora independentemente dessas vontades.
Costuma-se agrupar as m odificações em duas catego­
rias:

a) subjetivas;
b) objetivas.

Diz-se que a modificação é subjetiva quando o direito


passa de um titular para outro. Essa modificação subjetiva
admite duas espécies:

a) “inter vivos” (‘entre os vivos' ou ‘entre as pessoas


vivas’);
b) “ mortis causa" (‘por causa da m orte’).

Há m odificação subjetiva "inter vivos” , por exemplo,


quando o credor faz uma cessão do seu crédito a outra p es­

218
Introdução ao Estudo do Direito

soa. Assim, sendo Caio - credor de Tício - e tendo cedido o


seu crédito para Tulius, terá havido modificação subjetiva,
porque o novo credor de Tício passará a ser então o Tulius.
O mesmo direito de crédito teve modificado o seu titular,
am bos vivos, que ajustaram entre si a referida alteração.
Há m odificação subjetiva “ mortis causa", por exem ­
plo, quando o direito passa de um titular a outro em virtu­
de da morte do primeiro. Se Marcus é pai de Cíntia e tem
bens, falecendo Marcus, herdará sua filha Cíntia os bens
deixados pelo "de cujus” (‘falecido’ ou ‘aquele do qual’ a
herança procede). Os bens passam do autor da herança
para a herdeira em virtude do óbito do primeiro.
Diz-se que a m odificação é objetiva quando o próprio
objeto do direito é que sofre alteração. Essa m odificação
objetiva admite duas espécies;

a) quantitativa;
b) qualitativa,

Há modificação objetiva quantitativa quando o objeto


sofre aumento ou diminuição. Modifica-se para mais ou
para menos.
Ex.: proprietário de um terreno que realiza uma con s­
trução no mesmo. Com a benfeitoria realizada o direito
sofre uma modificação quantitativa, aumentando, portanto,
o objeto sobre o qual recai a propriedade.
Se, ao contrário, o dono de uma fazenda tem parte das
suas terras desapropriada para dar passagem a uma rodo­
via, ocorre, então, uma modificação quantitativa, diminuin­
do o objeto sobre o qual recai a propriedade.
Há m odificação objetiva qualitativa quando o objeto
sofre alteração na sua essência.
Ex.: alguém é dono de telas famosas e as empresta
para serem expostas em uma Galeria de Arte. Digamos que
ocorra um incêndio e destrua tais telas. O titular será,

219
Orlando de Almeida Secco

então, indenizado pelos prejuízos. O direito que tinha sobre


as telas passará a ser exercido sobre um valor equivalente,
em dinheiro. Muda, portanto, o objeto sobre o qual incide o
direito. Antes a tela e agora o dinheiro.
Damos abaixo um quadro sinótico das m odificações de
direitos:

a) "inter vivos”
1) Subjetivas
b) “mortis causa”
M odificações
de direitos

a) quantitativas
2) Objetivas <
b) qualitativas

60. Não se confunde aquisição de direitos com o exer­


cício de direitos. Embora qualquer pessoa possa adquirir
direito, por si própria, ou por intermédio de outrem, nem
todas as pessoas podem exercer diretamente os direitos
que adquirirem. A razão disso está no fato de diferirem
“capacidade de direito" e “ capacidade de exercício".
Façamos uma breve explanação a respeito desses concei­
tos diferenciados.
Antes de completar 18 anos de idade, civilmente, o
indivíduo desfruta da chamada “ capacidade de direito” ,
“capacidade de gozo" ou “capacidade de aquisição” , pela
qual lhe é facultado adquirir direitos, mas somente poden­
do exercê-los por via de um órgão de representação. Ex.: o
menor de 12 anos de idade poderá adquirir a propriedade
de um imóvel, mas será o seu pai ou seu representante
legal, quem praticará o ato jurídico em nom e dele. Na escri­
tura pública constará, por exemplo: “Como Outorgado

220
Introdução ao Estudo do Direito

Comprador, Sérvio (...), menor impúbere, neste ato repre­


sentado por seu pai, Derlópidas
Ao completar 18 anos, contudo, passa a desfrutar da
chamada “capacidade de fato” , “capacidade de exercício"
ou “ capacidade de a çã o” , pela qual o indivíduo íntegro de
espírito, por si só, poderá adquirir direito, exercê-lo e con ­
trair obrigação.
Há casos em que essa “capacidade de exercício" pode
ser antecipada a partir de 16 anos de idade, conform e
determina o parágrafo único, do artigo 5a, do novo Código
Civil, “verbis” (‘textualmente’):

"Cessará, para os m enores, a incapacidade:

I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do


outro, m ediante instrum ento público, independen­
tem en te de hom ologação judicial, ou p or sentença
do juiz, ouvido o tutor, se o m enor tiver d ezesseis
anos com pletos. (É a chamada 'em ancipação ’ dos
m enores).
II - pelo casam ento;
III - pelo exercício de em prego público efetivo;
IV - pela colação de grau em curso de ensino superior;
V - p elo estabelecim ento civil ou com ercial, ou pela
existência de relação de em prego, desde que, em
função deles, o m enor com dezesseis anos com ple­
tos tenha econom ia própria”.

Indaga-se freqüentemente se o não-exercício de um


direito poderá acarretar a perda do mesmo. A resposta
acertada será dizer-se “nem sempre"! Em regra, o exercício
do direito é subjetivo, isto é, depende da vontade do seu
titular. Não existe uma obrigação rígida de exercer-se um
direito próprio, assim com o o não-exercício desse direito
próprio geralmente não implica em perdê-lo. Todavia, há

221
Orlando de Almeida Secco

casos excepcionais em que o não-exercício do direito impli­


cará, no mínimo, na perda do meio adequado à sua defesa.
Tais circunstâncias estão am plam ente estudadas no
Capítulo seguinte, quando tratamos da decadência e da
prescrição.

61.
Sem dúvida, quem adquire direito procura sem­
pre conservá-lo e defendê-lo!
Na conservação e na defesa de direitos, o titular
demonstra, de forma inequívoca, que deseja continuar
nessa sua condição de titular. Usa, então, de expedientes
postos à sua disposição pela lei, para deixar patente o seu
ânimo, o seu “jus in re" (o seu ‘direito sobre a coisa').
A nossa lei processual civil (Livro III - Capítulo II -
Seção X) expõe os principais meios colocados à disposição
do indivíduo para a conservação e defesa dos seus direitos:
“Protestos, notificações e interpelações” . Diz o artigo 867
do Código de Processo Civil (C.PC.)-‘

“ Todo aquele que desejar prevenir responsabilidade, pro­


ver a conservação e ressalva de seus direitos ou m anifes­
tar qualquer intenção de m odo formal, poderá fazer por
escrito o seu protesto, em p etição dirigida ao juiz, e
requerer que do m esm o se intim e a quem de direito".

Os protestos, notificações e interpelações estão disci­


plinados pelos artigos 867 a 873 do aludido Código. Ali
constam, ainda, as intimações.
O protesto propriamente dito é o ato pelo qual se pode
prevenir responsabilidade, prover a conservação e a ressal­
va de direitos ou manifestar qualquer intenção de m odo for­
mal, devendo ser feito por escrito, expondo-se os fatos e os
fundamentos correspondentes, tendo, porém, com o condi­
ção indispensável, que ficar demonstrado o legítimo inte­
resse do requerente.

222
Introdução ao Estudo do Direito

A Intimação é a ciência que se dá a alguém dos atos


praticados em Juízo. Refere-se, portanto, ao passado!
Refere-se a coisas já acontecidas e que são cientificadas a
alguém para não alegar o seu desconhecimento.
A notificação é a ciência que se dá a alguém para fazer
ou deixar de fazer alguma coisa após ter sido notificado.
Refere-se, pois, ao futuro! Mantém pertinência com os atos
que deverão ser praticados ou que se deixará de praticar a
partir do recebimento da notificação.
Alguns autores afirmam que os conceitos de notifica­
ção e intimação atualmente se fundem. Para estes é uma
coisa só! Não recom endam os tal interpretação, tecnica­
mente incorreta e em total desacordo com a doutrina.
A interpelação é a advertência que se faz a alguém
para que cumpra a obrigação assumida, sob pena de ser
constituído em mora e sujeitar-se às medidas legais aplicá­
veis à espécie.
Sobre protestos, notificações e interpelações transcre­
vem os a opinião abalizada de PONTES DE MIRANDA:

“Características do p rotesto (judicial) é ser ato p roces­


sual que supõe ter o p rotestan te declarado o direito a
respeito de si próprio, ou a em issão de m anifestação de
vontade com plem entar de outra (...) ou com unicação de
vontade de exercer alguma pretensão. Não tem efeitos
que dependam de atos d e outrem ; são seus. Tem p or
fim constituir para a prova (pro-testeir) da intenção do
agente, ou conservar algo com ela (...)".

“Características da notificação são o ser ato processual


que contém exteriorização de acontecim ento do espíri­
to (vontade, representação) e o produzir-se o seu efeito
‘e x leg e', ou ‘e x voluntate'.

223
Orlando de Almeida Secco

(...) A notificação supõe 'nota’, que se leva ao conheci­


m ento de alguém, e não, de regra, declaração de vonta­
de. Não há, pois, confundirem -se p rotesto e notificação".

"Característica da interpelação é consistir em exteriori­


zação da vontade que não tem conseqüências jurídicas
per se. A eficácia depende do ato ou da om issão do
interpelado. Essa eficácia, nas notificações, (...) se pro­
duz com a só notificação (...)".
(...) Com a interpelação com unica-se que se exerce a
preten são (...). Não se criam direitos, nem pretensões,
no plano do direito m aterial, salvo o que resulta da
constituição em mora, se essa ainda não se produziu
(..r .

Para o eminente tratadista a diferença existente entre


esses conceitos (notificação, intimação, protesto e interpe­
lação) é de grande importância, porque traduz o elemento
irredutível entre tais atos processuais.

224
Capítulo XIV
A Extinção dos Direitos

62. Perecimento do objeto (destruição, confusão, comistão e adjun-


ção) - 63. Alienação - 64. Renúncia - 65. Prescrição. - 66. Decadência.

62 . No Capítulo anterior, estudamos os direitos desde


a aquisição até o exercício. Cuidaremos, agora, da extinção
dos direitos. A primeira delas está implícita no texto do
artigo 1.223 do novo C ódigo Civil, que assim se acha redi­
gido:

‘'Perde-se a p osse quando cessa, em bora contra a von­


tade do possuidor, o p od er sobre o bem , (...)”.

0 perecimento do objeto pode ser então definido


como:

1 - a ocorrência da perda das suas qualidades essen ­


ciais ou do seu valor econôm ico;
II - o fato de confundir-se com outro, de m odo que
perca a sua individualidade, im pedindo que possa
se distinguir;
III - situar-se em lugar do qual nâo m ais se possa reti­
rar.

Tal definição (extraída do velho Código Civil, artigo


78), não foi prestigiada pelo novo Código! Mas, doutrinaria-
mente, há que ser mantida, e isso porque no novo Código
há inúmeros dispositivos inteiramente ligados ao tema
perecimento do objeto, a exemplo dos artigos 1.275-IV
1.410-IV 1.436-11 e 1.499-11.

225
Orlando de Almeida Secco

O primeiro caso acima é típico da destruição do obje­


to, ao assinalar: perda das suas qualidades essenciais ou
do seu valor econôm ico.
Ex.: Uma tela de um pintor famoso, destruída pelo
fogo.
O segundo caracteriza a confusão, a com istão e a
adjunção, previstas pelo artigo 1.272 do novo C ódigo Civil.
Como se sabe, pode ocorrer que da mistura de matérias de
naturezas diversas se forme uma nova espécie, insepará­
vel, e aí está a denominada “confusão” .
Ex.: Substâncias que se dissolvam na água, ou que se
fundam com o calor, não mais permitindo a sua individuali-
zação após misturadas.
O terceiro é a impossibilidade de reaver o objeto pela
inacessibilidade do lugar onde se encontre.
Ex.: A jóia levada pela força das ondas do mar.

63. A alienação do objeto é outra maneira de extin-


guir-se o direito. Alienar é transferir a propriedade, o domí­
nio, para outrem, por ato voluntário. Assim, a alienação
tanto pode ser a título oneroso (venda de um bem qual­
quer), com o a título gratuito (doações em geral).
A alienação, implicitamente, configura uma dualida­
de: quem aliena vê extinto o seu direito, enquanto que a
outra parte passa a adquirir o direito que lhe foi transferi­
do. Há, portanto, extinção do direito para um (alienante ou
transmitente) em correspondência com aquisição do direi­
to para o outro (adquirente).
A alienação está prevista em diferentes artigos do
novo C ódigo Civil, tais como: 1.275-1; 1.436-IV (parte final);
447; 481 e 538.

64. Outra maneira de extinguir-se direito é através da


renúncia.

226
Introdução ao Estudo do Direito

Renunciar é prescindir do direito em favor de outrem,


por ato voluntário. É abrir mão do direito que se possui.
No novo Código Civil há também diversos artigos
expressamente alusivos à renúncia de direitos, tais como:
1.275-11; 1.436-III; 828-1 e 1.806.
Cabe, porém, fazer-se aqui uma ressalva. Nem todos
os direitos são renunciáveis! Significa dizer-se que há
alguns direitos irrenunciáveis, quais sejam:

a) direitos de ordem pública;


b) direitos da personalidade.

No primeiro caso (direitos de ordem pública) tem os


com o exemplo a proibição de se renunciar à pensão alimen­
tícia (novo Código Civil, artigo 1.707, e verbete da Súmula
379 do egrégio Supremo Tiibunal Flederal). Na Constituição
Federal, artigo 7-, incisos I a XXXIV, e no parágrafo único,
há diversos direitos de ordem pública, direitos esses, con ­
seqüentemente, irrenunciáveis.
No segundo caso (direitos da personalidade), tem os
com o irrenunciáveis, por exemplo, o direito à vida e o direi­
to à liberdade (Constituição Federal, artigo 52 e
"Declaração Universal dos Direitos do Homem” , artigo III,
com binado com o artigo XXX).
Apenas para facilitar o estudo transcrevemos aqui os
citados artigos da “ Declaração Universal dos Direitos do
Homem” , aprovada em Resolução da III Sessão Ordinária
da Assem bléia Geral das Nações Unidas, realizada em
Paris, França, no dia 10 de dezem bro de 1948.

"Artigo III - Todo hom em tem direito è vida, à liberda­


de e á segurança pessoal".

"A rtigo X X X - N enhum a disposição da p resen te


Declaração p od e ser interpretada com o o recon h eci­

227
Orlando de Almeida Secco

m ento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito


de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato
destinado à destruição de quaisquer dos direitos e
liberdades aqui estabelecidos".

65. A prescrição e a decadência são institutos jurídi­


cos que apresentam semelhança quanto à causa que os ori­
gina, sendo, contudo, diferentes quantos aos efeitos que
produzem. Portanto, não são sinônimos e isto porque visam
a objetos distintos.
Na Exposição de Motivos do Supervisor da Comissão
Revisora e Elaboradora do Código Civil, datada de 16 de
janeiro de 1975, consta expresso a seguinte explicação
dada por Miguel Reale:

“M enção à parte, m erece o tratam ento dado aos proble­


m as da prescrição e decadência, que, anos a fio, a dou­
trina e a jurisprudência tentaram em vão distinguir,
sendo adotadas, às vezes, num mesmo Tribunal, teses
conflitantes, com grave dano para a Justiça e assom bro
das partes.
Prescrição e decadência não se extremam segundo
rigorosos critérios lógico-form ais, dependendo sua dis­
tinção, não raro, de m otivos de conveniência e utilida­
de social, reconhecidos pela Política legislativa.
Para p or cobro a uma situação deveras desconcertante,
optou a Comissão p or uma fórmula que espanca quais­
quer dúvidas. Prazos de prescrição, no sistem a do
Projeto, passam a ser, apenas e exclusivam ente, os
taxativam ente discriminados na Parte Geral, Título IV,
Capítulo I, sendo de decadência tod os os demais, esta ­
belecidos, em cada caso, isto é, com o com plem ento de
cada artigo que rege a m atéria, tanto na Parte Geral,
com o na Especial.

228
Introdução ao Estudo do Direito

Ainda a propósito da prescrição, há um problem a ter­


m inológico digno de especial ressalte. Trata-se de saber
se prescreve a ação ou a pretensão. A pós am adurecidos
estudos, preferiu-se a segunda solução, p or ser conside­
rada a m ais condizente com o Direito Processual con ­
tem porâneo, que de há muito superou a teoria da ação
com o sim ples projeção de direitos subjetivos.
É claro que nas q u estões term inológicas pod e haver
certa margem de escolha opcional, m as o indispensá­
vel, num sistem a de leis, é que, eleita uma via, se m an­
tenha fidelidade ao sentido técn ico e unívoco atribuído
às palavras, o que se procurou satisfazer nas dem ais
secções do A nteprojeto".

Nesse passo, inútil será tratarmos desse apaixonante


tema da mesma forma com o fizemos em neste nosso traba­
lho, nas nove edições anteriores!
Atualmente o relevante é saber-se que a prescrição
está limitada a situações perfeitamente caracterizadas e
cujo elenco se acha no artigo 206 do novo Código Civil. É
exatamente ali que aparecem não só as mais variadas hipó­
teses com o também os diferentes prazos que acarretam a
aplicação desse instituto.
Importante observar-se que não havendo a lei fixado
prazo mais reduzido, o maior prazo prescricional previsto
passa a ser de 10 (dez) anos, com o tal estabelecido pelo
artigo 205 do novo C ódigo Civil. (No Código Civil revoga­
do, artigo 177, o maior prazo era o dobro desse, ou seja,
eram 20 anos).
O menor prazo prescricional agora é de 1 (um) ano. (No
Código Civil revogado o menor prazo era de 10 dias previs­
to no artigo 178, § l fl).
Assim sendo, prescrevem:

a) Em 1 (um) ano:

229
Orlando de Almeida Secco

I- a pretensão dos hospedeiros ou fornecedores


de víveres destinados a consum o no próprio
estabelecimento, para o pagam ento da hos­
pedagem ou dos alimentos;
II - a pretensão do segurado contra o segurador,
ou a deste contra aquele;
III - a pretensão dos tabeliães, auxiliares da jus­
tiça, serventuários judiciais, árbitros e peri­
tos, pela percepção de emolumentos, custas
e honorários;
IV - a pretensão contra os peritos, pela avaliação
dos bens que entraram para a formação do
capital de sociedade anônima;
V - a pretensão dos credores não pagos contra
os sócios ou acionistas e os liquidantes.

b) Em 2 (dois) anos, a pretensão para haver presta­


ções alimentares.

c) Em 3 (três) anos:
I - a pretensão relativa a aluguéis de prédios
urbanos ou rústicos;
II - a pretensão para receber prestações venci­
das de rendas temporárias ou vitalícias;
III - a pretensão para haver juros, dividendos ou
quaisquer prestações acessórias, pagáveis,
em períodos não maiores de um ano, com
capitalização ou sem ela;
IV - a pretensão de ressarcimento de enriqueci­
mento sem causa;
V - a pretensão de reparação civil;
VI - a pretensão de restituição dos lucros ou divi­
dendos recebidos de má-fé;

230
Introdução ao Estudo do Direito

VII - a pretensão contra os fundadores, adminis­


tradores, fiscais e liquidantes, por violação
da lei ou do estatuto social;
VIII - a pretensão para haver o pagamento de tí­
tulo de crédito;
IX - a pretensão do beneficiário contra o segura­
dor e a do terceiro prejudicado, no caso de
seguro de responsabilidade civil obrigatório.

d) Em 4 (quatro) anos, a pretensão relativa à tutela.

e) Em 5 (cinco) anos:
I - a pretensão de cobrança de dívidas líquidas
constantes de instrumento público ou parti­
cular;
II - a pretensão dos profissionais liberais em g e ­
ral, procuradores judiciais, curadores e pro­
fessores pelos seus honorários;
III - a pretensão do vencedor para haver do ven­
cido o que despendeu em juízo.

A decadência referir-se-á, portanto, a todos os demais


prazos estabelecidos em cada caso, isto é, com o com ple­
mento de cada artigo que rege a matéria, tanto na Parte
Geral com o na Parte Especial do novo Código Civil.
Eis alguns exemplos:
1) Artigo 445 do novo Código Civil - “O adquirente
decai do direito de obter a redibição ou abatimento no
preço no prazo de trinta dias se a coisa for móvel, e de um
ano, se for imóvel";
2) Artigo 501 do novo Código Civil - "Decai do direito
de propor as ações previstas no artigo antecedente o ven­
dedor ou o comprador que não o fizer no prazo de um ano,
a contar do registro do título” ;

231
Orlando de Almeida Secco

3) Artigo 516 do novo Código Civil - “Inexistindo prazo


estipulado, o direito de preem pção caducará, se a coisa for
móvel, não se exercendo nos três dias, e, se for imóvel, não
se exercendo nos sessenta dias subseqüentes à data em
que o com prador tiver notificado o vendedor” ;
4) Artigo 554 do novo Código Civil: "A doação a enti­
dade fatura caducará se, em dois anos, esta não estiver
constituída regularmente” ;
5) Artigo 1.124 do novo Código Civil: “Na falta de
prazo estipulado em lei ou em ato do poder público, será
considerada caduca a autorização se a sociedade não
entrar em funcionamento nos doze m eses seguintes à res­
pectiva publicação” ;
6) Artigo 1.532 do novo Código Civü: “A eficácia da
habilitação será de noventa dias, a contar da data em que
foi extraído o certificado";
7) Artigo 1.555 do novo Código Civil: “ O casam ento do
menor em idade núbil, quando não autorizado por seu
representante legal, só poderá ser anulado se a ação for
proposta em cento e oitenta dias, por iniciativa do incapaz,
ao deixar de sê-lo, de seus representantes legais ou de
seus herdeiros necessários” ;
8) A rtigo 1.560 do novo Código Civil: “O prazo para ser
intentada a ação de anulação de casamento, a contar da
data da celebração, é de: I - cento e oitenta dias, no caso
do inciso IV do art. 1.550; II - dois anos, se incompetente a
autoridade celebrante; III - três anos, nos casos dos incisos
I a IV, do art. 1.557; IV - quatro anos, se houver coação";
9) Parágrafo primeiro, do artigo 1.560, do novo Código
Civil: “Extingue-se, em cento e oitenta dias, o direito de
anular o casamento dos menores de dezesseis anos, conta­
do o prazo para o menor do dia em que perfez essa idade;
e da data do casamento, para seus representantes legais
ou ascendentes";

232
Introdução ao Estudo do Direito

10) Artigo 1.891 do novo Código Civil: “Caducará o


testamento marítimo, ou o aeronáutico, se o testador não
morrer na viagem, nem nos noventa dias subseqüentes ao
seu desem barque em terra, onde possa fazer, na forma
ordinária, outro testamento".

Demonstrado o que se considera prescrição e deca­


dência no novo Código Civil, estamos então em condições
de aprofundar o estudo da teoria acerca desses dois temas,
teoria essa que parece permanecer intocável, apesar das
alterações introduzidas pela nova legislação.
Decadência, também chamada caducidade, é o pereci­
mento ou a perda de um direito em virtude do seu titular
não o haver exercido no decurso de um prazo estipulado
por lei para tal exercício. Assim sendo, perdido o prazo
extinto estará o direito correspondente a esse prazo.
Se tomarmos um dos artigos que escolhem os do novo
código para ilustrar a decadência já encontraremos um
exemplo significativo do que acabam os de dizer.
Veja-se o artigo 445, que diz: “O adquirente decai do
direito de obter redibição ou abatimento no preço no prazo
de 30 (trinta) dias se a coisa for móvel, e de 1 (um) ano, se
for im óvel” . Trata-se de dois prazos de decadência, um d es­
tinado aos bens m óveis e outro aos bens imóveis. Assim, se
não for exercido pelo adquirente o seu direito nos prazos
m encionados, estará autom aticam ente ocasionada a
perda, ou melhor dizendo, o perecimento desse direito.
A decadência está, pois, relacionada com certos direi­
tos que já nascem impondo uma limitação no tem po para
serem exercidos, sob pena de se extinguirem após o
decurso do prazo estabelecido se houver a inércia dos
seus titulares.
BERNARDO RIBEIRO DE MORAES assim conceitua a
decadência:

233
Orlando de Almeida Secco

"Juridicamente, decadência indica a queda ou o pereci-


m ento do direito pelo decurso do prazo fixado ao seu
exercício, sem que seu titular o tivesse exercid o”.
“A decadência, conform e se verifica, é o fenôm eno
extin tivo do direito que náo é exercitado p elo seu titu­
lar através da atividade com peten te, dentro de certo
prazo leg a l”.

PAULO DOURADO DE GUSMÃO a define com o sendo:

"A perda do direito ou da faculdade p or não exercido no


prazo fatal estabelecido na lei".

CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA afirma:

“D ecadência é o perecim ento do direito, em razão do


seu não-exercício em um prazo predeterm inado".

Para darmos mais um exemplo simples da decadência


fiquemos com a hipótese da concessão de um prazo para
pagam ento à vista de uma obrigação com direito a descon­
to, tal com o acontece com alguns im postos e com as des­
pesas de condom ínio de certos edifícios. Se o titular (con­
tribuinte óu condôm ino) exercer o seu direito até a data
fixada, desfrutará do desconto concedido; após a data,
porém, perderá tal direito, por não tê-lo exercido tem pesti­
vamente, ou seja, por ter perdido o prazo fixado.
Um exem plo mais técnico de decadência é dado pelo
seguinte acórdão da 3a Câmara d o la Conselho de
Contribuintes, em 16-05-79, publicado no Diário Oficial da
União (Seção I, Parte I) de 8-06-79, pautado no que dispõe
o artigo 173 do Código TYibutário Nacional (C.T.N.):

“D ecadência - É vedado à Fhzenda Nacional constituir


o crédito tributário através de lançam ento suplem en-

234
Introdução ao Estudo do Direito

tar, quando decorridos m ais de cinco anos contados da


data em que o sujeito passivo apresentar sua declara­
ção de rendim entos".

Fundamenta-se, pois, a decadência nos direitos ou


faculdades cujo exercício está limitado no tempo, de m odo
que, ou se exerce enquanto possível, ou não se exerce
jamais, porque se extinguem.
Conclui-se que a inércia do titular do direito durante o
prazo fixado para o seu exercício acarretará a perda, o pere-
cimento, a caducidade enfim desse direito.
Assim, o objeto da decadência é o direito, cujo exercí­
cio está, desde o seu nascimento, limitado no tempo.
São aspectos característicos da decadência:

a) um direito que já nasce impondo um determinado


prazo para vir a ser exercido, sob pena de pereci-
mento para o seu titular;
b) o decurso do prazo estabelecido sem que haja
qualquer iniciativa do titular do direito;
c) a caducidade, queda ou perecimento do direito,
em face de não ter sido exercido enquanto era
possível fazê-lo.

66. A prescrição, segundo o entendimento daqueles


que elaboraram o novo Código Civil, deixa de ser a extinção
da possibilidade de mover-se uma determinada ação judi­
cial protetora de um direito em virtude de ter-se expirado o
prazo fixado por lei para a sua propositura. Passa agora a
ser focalizada sob o ângulo da extinção da pretensão.
Há, portanto, um prazo estabelecido para que o titular
de um direito manifeste a sua pretensão quanto a exercê-
lo. Perdido esse prazo, estará extinta a pretensão.
Exemplificando: se foi previsto o prazo de 2 (dois) anos
para o credor de alimentos (alimentando) exigir d o devedor

235
Orlando de Almeida Secco

(alimentante) o cumprimento dessa obrigação de pagar


pensão alimentícia, ficando inerte o interessado durante
todo esse prazo, estará extinta a sua pretensão quanto às
parcelas vencidas até então, ou seja, as parcelas vencidas
há dois anos ou mais. Estar extinta a pretensão significa
dizer-se que não existe mais a possibilidade do alimentan­
do, na qualidade de autor, intentar uma A ção de Alimentos
e com ela lograr resultado que lhe seja favorável. Isto por­
que, o réu, o alimentante no caso, ao ser citado, defender-
se-á, utilizando o argumento de que ocorreu a extinção da
pretensão do autor quanto às parcelas já vencidas há mais
de dois anos, parcelas essas já prescritas. Presente a pres­
crição e reconhecido isso pelo juiz, a sentença forçosamen­
te será no sentido de julgar improcedente o pedido do autor.
Não sabem os ainda com o os doutrinadores se posi­
cionarão acerca do conceito da prescrição seguido pelo
novo código, mormente porque esse tem a nunca foi con ­
ceb id o de maneira pacífica e uniforme pelos juristas no
passado. Sob a égide do cód igo anterior havia duas cor­
rentes doutrinárias sustentando diferentes objetividades
no tocante à prescrição, nunca sendo dem ais relembrá-las
nesta oportunidade.
Para a corrente seguidora do Direito Romano, com o os
civilistas alemães, a prescrição faz extinguir a ação, mas
não afeta o direito, que permanece inviolável. Tbdavia, na
prática, um direito sem a ação judicial protetora tem pouca
significação. Daí ter surgido uma outra corrente, ítalo-fran-
cesa, admitindo que a prescrição extinga de maneira ime­
diata ou direta a ação, e por via de conseqüência, extingue
de maneira mediata ou indireta o próprio direito que a ação
visava proteger.
Adiante, no estudo deste m esm o capítulo, procurare­
m os firmar uma posição sobre tal discórdia.
Antes, porém, devem os dar mais um esclarecimento. A
prescrição subdivide-se em duas espécies: prescrição aqui­

236
Introdução ao Estudo do Direito

sitiva e prescrição extintiva ou liberatória. A primeira repre­


senta uma forma de aquisição de direitos reais e toma a
denominação de: a usucapião (palavra essa que é feminina;
veja-se Livro III, Título I, Capítulo II, Seção I, do novo Código
Civil, entre os artigos 1.237 e 1.238). Caracteriza uma forma
pela qual se adquire um direito real pelo decurso do tempo
e pela posse da coisa. A segunda espécie refere-se propria­
mente à extinção da ação protetora de um direito.
É, no sentido de prescrição extintiva ou liheratória que
conduziremos os nossos estudos na cadeira de “Introdução
ao Estudo do Direito” .
A prescrição aquisitiva ou a usucapião será abordada
pela Disciplina “Direito Civil" quando for estudado o cha­
mado “ Direito das Coisas".
Mas, a separação dessas duas modalidades de pres­
crição não se faz apenas por interesse didático! O próprio
Código Civil a faz, colocando a prescrição extintiva, sim­
plesm ente chamada de prescrição, na Parte Geral, enquan­
to que a prescrição aquisitiva, denominada usucapião, é
abordada na Parte Especial (Livro III, artigos 1.238 a 1.244,
do novo Código Civil).
Passemos, então, a conceituar a prescrição (extintiva
ou liberatória), cujo estudo nos propusemos a fazer nesta
oportunidade.
BERNARDO RIBEIRO DE MORAES declara:

“Prescrição é o fenôm eno extin tivo de uma açáo ajuizá-


vel pela inércia de seu titular, durante o prazo que a lei
estabeleceu para esse fim. A prescrição extin gue a ação
capaz de fazer prevalecer o direito

WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO assim a define:

“A prescrição consiste na perda da ação atribuída a um


direito, e de toda a sua capacidade defensiva, em con­

237
Orlando de Almeida Secco

seqüência do não-uso dela, durante um determ inado


espaço de tem po".

ORLANDO GOMES declara:

“A prescrição é o m odo p elo qual um direito se extin gue


pela inércia do seu titular, durante certo lapso de
tem po, que fica privado da ação própria para assegurá-
lo".

CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA explica finalmente:

“A prescrição extintiva conduz à perda do direito pelo


seu titular negligente, ao fim de certo lapso de tem po,
e p od e ser, em contraste com a prescrição aquisitiva,
encarada com força destrutiva. Perda do direito, disse­
mos, e assim nos alinhamos entre os que consideram
que a prescrição implica em algo m ais do que o p ereci­
m ento da açã o”.

Conclui-se, examinando os conceitos acima aponta­


dos, que uns se filiam à corrente que admite apenas a
extinção da ação, enquanto outros defendem a extinção do
direito além da extinção da ação. Mera questão - com o se
vê - de posição doutrinária. O que importa é haver em
comum, pacificamente admitido, que a prescrição é a extin­
ção da ação protetora de um direito. Para nós, aliás, é o
quanto basta! Se o direito remanescente perde a sua eficá­
cia porque não mais possui a ação judicial que o protege,
pouco importa conceitualmente falando-se. Na realidade,
prescrição é a extinção da ação que protege um direito; a
perda do próprio direito já é outro instituto, a que se deno­
mina decadência ou caducidade.
Importante é observar-se que o artigo 269, inciso IV, 2-
figura, do Código de Processo Civil, afirma que: "Extingue-

238
Introdução ao Estudo do Direito

se o processo sem julgamento do mérito quando o juiz pro­


nunciar a prescrição” . N essa linha de raciocínio, estará
extinta a ação, tese defendida pela corrente seguidora do
Direito Romano.
Finalizamos, relembrando que a diretriz seguida pelo
novo Código Civil, quanto a ser a prescrição a extinção da
pretensão (e não da ação), resultou de mera questão de
preferência, o que não invalida os entendimentos diferen­
tes acerca do tema controvertido.
A prescrição tem, pois, os seguintes aspectos caracte­
rísticos:

a) uma ação judicial protetora de um direito, com o


estabelecimento de um prazo dentro do qual
poderia ser proposta, isto é, poderia ser ajuizada;
b) o decurso do prazo estabelecido sem que tenha
havido qualquer iniciativa do titular do direito da
ação;
c) a extinção da ação - segundo uns (com o inclusi­
ve nós) ou, diretamente, a extinção da ação é,
indiretamente, a extinção do próprio direito -
segundo outros, ou ainda, a extinção da preten­
são, segundo a opção tomada pelos elaboradores
do novo Código Civil.

Em geral acrescenta-se uma outra característica, qual


seja:

d) o não-surgimento ou ocorrência de qualquer fato


ou ato capaz de impedir, suspender ou interrom­
per o decurso do prazo prescricional.

A prescrição e a decadência possuem outras circuns­


tâncias diferenciadoras e igualmente importantes. Vejamos
algumas delas:

239
Orlando de Almeida Secco

I - O prazo de decadência, uma vez iniciada a sua con ­


tagem, segue contínuo até final, inadmitindo qualquer
interrupção ou suspensão. Já o prazo de prescrição pode
sofrer interrupção ou suspensão. A interrupção caracteri-
za-se pela ação do titular antes de expirar-se o prazo pres-
cricional. Uma vez intentada a ação pelo titular do direito a
prescrição ficará interrompida. O efeito prático da interrup­
ção é que ela tem o poder de destruir o tem po prescricional
anteriormente decorrido, tempo esse que não mais será
levado em consideração na hipótese de nova inércia do
titular do direito de ação. Significa que uma vez interrompi­
do o decurso de um prazo prescricional pelo ajuizamento
da ação cabível e pela citação do réu, a contagem recom e­
çará então de zero para o caso de uma nova inércia do titu­
lar. As causas que interrompem a prescrição estão m encio­
nadas no artigo 202 do novo Código Civil.
A suspensão do prazo prescricional, entretanto, é dife­
rente! Ela somente tem aplicabilidade nas hipóteses estabe­
lecidas pela lei e que poderão influir tanto no início da con­
tagem do prazo prescricional, impedindo-a, como no próprio
curso do prazo prescricional, protraindo-o. Cessada a sus­
pensão, contudo, o tempo prescricional já decorrido, se for o
caso, será somado ao que vier a decorrer. Na suspensão da
prescrição o tempo anterior à mesma e que já tenha decorri­
do será sempre somado ao tempo novo que vier a decorrer
para completar-se então o prazo prescricional. Assim, se o
prazo prescricional for de três anos, por exemplo, e antes de
ocorrer a sua suspensão já tiverem decorrido dois anos, ces­
sada esta, faltará somente um ano para a extinção da possi­
bilidade da ação, completando-se o triênio.
As causas que impedem o início da contagem do
prazo prescricional (causas impeditivas) ou as que a para­
lisam quando já em andamento (causas suspensivas) estão
enunciadas nos artigos 197 a 199 do novo Código Civil.

240
Introdução ao Estudo do Direito

II - A decadência pode ser alegada inclusive pelo juiz,


“ ex-officio” (‘em razão do próprio ofício'), mas a prescrição
não pode. Esta só pode ser alegada pela parte a quem
aproveite, com o dispõem os artigos 193 e 194 do novo
C ódigo Civil. Neste particular há, todavia, que se fazer uma
importante atualização e consideração! Com o advento da
Lei n2 11.280, de 16 de fevereiro de 2006, alterando artigos
do Código de Processo Civil, a prescrição passou a também
merecer declaração de ofício pelo juiz, ainda que não tenha
havido a prévia iniciativa nesse sentido da parte interessa­
da. Diz o artigo 219, parágrafo 5a, do Código de Processo
Civil, com a nova redação dada pela Lei nfl 11.280/06: “O
juiz pronunciará, de ofício, a prescrição” ;
III - A decadência ocorre contra todas as pessoas
enquanto a prescrição não. Exemplificando, não corre a
prescrição contra os menores de 16 anos de idade ou contra
as pessoas portadoras de enfermidade ou doença mental.

241
Capítulo XV
Fbrmação da Lei

67. Elaboração da Constituição - 68. A s fases do processo legislativo -


69. "vacatio legis" - 70. Fbrmação da lei estadual e da lei municipal -
71. Atos legislativos - 72. Lei è Regulamento.

67. A formação da lei - ou, nos dizeres da própria


Constituição Federal, a elaboração da lei - consiste num
processo relativamente com plexo e bastante trabalhoso a
que se submeterá um projeto de lei até vir a se transformar
em uma lèi.
Assim, a elaboração ou formação da lei é uma suces­
são de fases e de atos que vão desde a apresentação de um
projeto de lei até a efetiva concretização da lei pretendida,
tornando-à obrigatória e imposta coercitivamente a todos
os cidadãos,
A rigor existem dois processos distintos de formação
da lei:

a) o processo de formação da lei constitucional, da


Carta Magna, tam bém chamada Carta Política;
b) o processo de formação da lei còmum, Lei Ordi­
nária no sentido amplo.

O primeiro processo citado tem por objetivo a elabora­


ção da Constituição, enquanto que o segundo está voltado
para a elaboração das Emendas à Constituição, das Leis
Complementares à Constituição, das Leis Ordinárias (em
sentido estrito), das Leis Delegadas, das M edidas Pro­
visórias, dos Decretos Legislativos e das Resoluções.
Para a elaboração da Constituição é convocada uma
Assem bléia Constituinte que é uma assembléia represen­

243
Orlando de Almeida Secco

tativa da população nacional. Dita A ssem bléia Consti­


tuinte, na qualidade de legisladora, exercerá o denominado
poder constituinte, também chamada soberania constituin­
te, com vistas à elaboração e, logo após, a promulgação da
Constituição da República Federativa.
Tal processo é dotado de peculiaridades, de m odo que
não há pontos tangenciais entre a função constituinte e a
função legislativa. As diferenças entre elas são expressi­
vas, bastando apenas dizer-se que a Assem bléia Cons­
tituinte tem uma atuação extraordinária e transitória, res-
tringindo-se ao lapso de tempo necessário para que seja
elaborada e promulgada a Constituição, dissolvendo-se
logo em seguida.
Em nosso estudo presente, interessa mais diretamen­
te a segundo hipótese, qual seja, o processo de formação
da lei comum. Passemos, pois, ao processo legislativo.

68 . Como todo processo, há uma sucessão lógica de


fases sistematicamente dispostas. Os autores não são unâ­
nimes no que concerne à quantidade dessas fases, embora
em geral todos as mencionem ora isoladas e ora englobadas.
Didaticamente podem os fixá-las em sete, quais sejam:

a) Iniciativa;
b) Discussão;
c) Votação;
d) Aprovação;
e) Sanção ou Veto;
f) Promulgação;
g) Publicação.

Esclareçamos sucintamente cada uma dessas fases:

Iniciativa é a apresentação do projeto de lei o qual é


formulado com vistas à sua aprovação para tornar-se então

244
Introdução ao Estudo do Direito

uma lei, impulsionando-se, assim, o denominado processo


legislativo. Quando se fala de um projeto de lei significa
dizer-se que estamos tratando de um esb oço de uma futu­
ra lei, esboço este já contendo todos os pormenores para
disciplinar uma determinada matéria que interesse ao Di­
reito. Ele é apresentado para ser debatido pelos membros
do Poder Legislativo e, se for o caso, para ser aprovado.
Todo projeto de lei tem em mira ser convertido em uma lei.
Segundo o texto constitucional federal em vigor, arti­
g o 61:

“A iniciativa das leis com plem entares e ordinárias cabe


a qualquer m em bro ou Com issão da Câmara dos
Deputados, do Senado Fbderal ou do Congresso N acio­
nal, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal
Fbderal, àos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral
da República e aos cidadãos, na forma e nos casos p re­
vistos nesta Constituição”.

Verifica-se, assim, que o Presidente da República é


uma das autoridades com petentes para fins de dar ensejo
à iniciativa de leis. Há casos inclusive em que a sua com ­
petência é privativa, isto é, somente a ele cabe a iniciativa
da lei. A com petência privativa de leis de iniciativa do
Presidente da República está enumerada no parágrafo pri­
meiro do artigo 61 da Constituição Federal. Poderá, ainda,
o Presidente da República solicitar urgência para a aprecia­
ção de projetos de sua iniciativa. 'Tais projetos de lei da ini­
ciativa do Presidente da República serão primeiramente
encaminhados à Câmara dos Deputados e em seguida ao
Senado Federal, com um prazo, igual e sucessivo, de qua­
renta e cinco dias para cada uma dessas Casas se pronun­
ciar sobre a proposição. Se após o decurso desse prazo
total de noventa dias não houver as necessárias manifesta­
ções por parte da Câmara dos Deputados e do Senado

245
Orlando de Almeida Secco

Federal, será a proposição incluída na ordem do dia, so-


brestando-se a deliberação quanto aos demais assuntos,
para que se ultime a votação (Constituição Federal, pará­
grafo 2a, do artigo 64).
Dentre a com petência de iniciativa privativa do Pre­
sidente da República destacam -se: as leis que fixem ou que
modifiquem os efetivos das Forças Armadas; as leis que
disponham sobre a criação de cargos, funções ou em pregos
públicos na administração direta e autárquica ou aumento
de sua remuneração; as leis que disponham sobre a criação
e extinção dos Ministérios e órgãos da administração públi­
ca (Constituição Federal, artigo 61, § Ia, inciso I, e inciso II,
alíneas "a" e “ e ” ).
Os projetos de lei, quer sejam provenientes da inicia­
tiva do Senado Federal, quer sejam oriundos da Câmara
dos Deputados, passarão obrigatoriamente pelo exame das
Com issões Permanentes dessas Casas Legislativas.
No Senado Federal as Comissões Permanentes, enume­
radas no artigo 72 do seu Regimento Interno (Resolução na
93, de 1970, editada de conformidade com a Resolução n2
18, de 1989), além da Comissão Diretora, são as seguintes:

I) Comissão de Assuntos Econôm icos - CAE;


II) Comissão de Assuntos Sociais - CAS;
III) Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania -
CCJ;
IV-A) Com issão de Educação - CE; (criada pela
Resolução 46/93);
IV-B) Comissão de Legislação Participativa (criada
pela Resolução 64/02);
V) Com issão de R elações Exteriores e Defesa
Nacional - CRJ5;
VI) Comissão de Serviços de Infra-Estrutura - CL

24a
Introdução ao Estudo do Direito

A Câmara dos Deputados, segundo dispõe o artigo 32


do seu Regimento Interno, possui as Seguintes Com issões
Permanentes:
1) Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecim en­
to e Desenvolvimento Rural;
2) Comissão da Amazônia, Integração Nacional e de
Desenvolvimento Regional;
3) Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação
e Informática;
4) C om issão d e Constituição e Justiça e de
Cidadania;
5) Comissão de Defesa do Consumidor;
6) Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indús­
tria e Comércio;
7) Comissão de Desenvolvimento Urbano;
8) Comissão de Direitos Humanos e Minorias;
9) Comissão de Educação e Cultura;
10) Comissão de Finanças e Tributação;
11) Comissão de Fiscalização Financeira e Controle;
12) Comissão de Legislação Participativa;
13) Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável;
14) Comissão de Minas e Energia;
15) Comissão de Relações Exteriores e de Defesa
Nacional;
16) Comissão de Segurança Pública e Combate ao
Crime Organizado;
17) Comissão de Seguridade Social e Família;
18) C om issão de Trabalho, de Adm inistração e
Serviço Público;
19) Comissão de Turismo e Desporto;
20) Comissão de Viação e Transportes.

As Com issões Permanentes analisam sob os aspectos


das suas respectivas com petências as proposições, isto é,

247
Orlando de Almeida Secco

toda a matéria sujeita à deliberação posterior pelo Senado


ou pela Câmara dos Deputados. A elas com pete estudar e
emitir parecer conclusivo sobre os assuntos submetidos ao
seu exame. Esse parecer poderá ser: pela aprovação, total
ou parcial, da proposição; pela sua rejeição; pelo seu arqui­
vamento; pelo destaque, para proposição em separado, de
parte da proposição principal, ou de emenda; pela apresen­
tação de projeto, de requerimento, de em enda ou de sube-
menda; ou ainda, pela orientação a ser seguida em relação
à matéria examinada. Os pareceres serão lidos em plenário,
publicados no Diário do Congresso N acional e distribuídos
em avulso, após a manifestação das com issões a que tenha
sido despachada a matéria. Cada proposição - salvas as
emendas - terá curso próprio tanto no Senado Federal
quanto na Câmara dos Deputados.
Discussão é a etapa seguinte. A pós a manifestação
das Com issões com petentes para o estudo da matéria e de
ser lido o parecer em Plenário, seguem -se: decisão da M esa
ou do Presidente e deliberação da Comissão ou do Plenário.
Discussão é, portanto, a fase dos trabalhos caracterizada
pelo debate em Plenário.
No Senado Federal, segundo dispõe o artigo 273 do
seu Regimento Interno, anunciada a matéria será dada a
palavra aos oradores para a discussão. Esta se encerra ou
pela ausência de oradores ou por deliberação do Plenário a
requerimento de qualquer Senador quando já houverem
falado pelo menos três Senadores a favor e três Senadores
contra. Na Câmara dos Deputados, segundo o artigo 178 do
Regimento Interno, a discussão se encerra pela ausência
de oradores, pelo decurso dos prazos regimentais ou, ain­
da, por deliberação do Plenário.
Vbtação é a terceira fase, consistindo na apuração,
mediante votos, da aceitação ou recusa ao projeto, seu
substitutivo e suas emendas. No Senado Federal ela é to­
mada por maioria absoluta de votos (Constituição Federal,

248
Introdução ao Estudo do Direito

art. 47), presente a maioria dos seus membros, conforme


dispõe o artigo 288 do Regimento Interno, ressalvadas as
hipóteses previstas nos incisos I a V desse m esm o artigo.
Na Câmara dos Deputados é tomada por maioria dos votos,
presente a maioria absoluta de seus membros, diz o artigo
183 do Regimento Interno. Terminada a votação e apurados
os votos será proclamado o resultado, especificando-se os
votos favoráveis, contrários, brancos, nulos e as absten­
ções e ter-se-á então por aprovado, ou não, o projeto de lei
apresentado.
Aprovação é, portanto, a aquiescência, por unanimida­
de ou por maioria de votos, ao projeto com a sua redação
original ou emendada, ou ainda, ao seu substitutivo.
Pode ocorrer que após a votação o projeto não logre
aprovação. N esse caso, em virtude do resultado apurado
ser-lhe desfavorável não mais prosseguirá a caminhada,
por ter sido rejeitado. Pessoalmente, denominamos por
“rejeição secundária” essa nova possibilidade de recusa de
um projeto de lei, quando então ele é arquivado. A "rejei­
ção liminar” ou “primária" poderá ter ocorrido logo no iní­
cio dos trabalhos, caso tenha sido desfavorável o parecer
das Com issões Permanentes que examinaram a proposi­
ção, opinando pela sua rejeição ou pelo seu arquivamento.
Cabe agora uma consideração toda especial. Votado e
aprovado o projeto de lei numa das Casas, a chamada
Câmara iniciadora, deverá ele passar à outra Casa, denom i­
nada Câmara revisora, onde terá que ser novamente discu­
tido, votado e aprovado. A Constituição Federal, em seu
artigo 65, é bastante explícita:

“O projeto de lei aprovado p or uma Casa será revisto


pela outra, em um só turno de discussão e votação, e
enviado à sanção ou prom ulgação, se a Casa revisora o
aprovar, ou arquivado, se o rejeitar".

249
Orlando de Almeida Secco

Como se vê, o projeto de lei após ter sido aprovado


pela Câmara dos Deputados deverá ser encaminhado ao
Senado Federal para revisão, e vice-versa. Na revisão,
obviamente, poderão ser oferecidas novãs emendas ao pro­
jeto de lei. Assim, três são as possibilidades que poderão
ocorrer na prática:

a) o projeto já aprovado pela Câmara iniciadora vem


a ser rejeitado pela Câmara revisor a. N esse caso
ele é arquivado. Pessoalmente, denominamos
“rejeição terciária” a essa nova possibilidade de
recusa de um projeto de lei com o seu conseqüen­
te arquivamento;
b) o projeto vem a sofrer em endas apresentadas
pela Câmara revisora. Em tal hipótese deverá
então retornar à Câmara iniciadora para que esta
aprecie o teor das mesmas;
c) o projeto já aprovado pela Câmara iniciadora vem
a merecer aprovação tam bém pela Câmara revi­
sora. N esse caso segue para a fase seguinte, que
é a sanção.

Sanção é, por assim dizer-se o derradeiro ato na elabo­


ração de uma lei, posto que, se ela vier a ocorrer, o projeto
não mais será modificado a partir de então.
O termo ‘sanção’ aqui m encionado não se confunde
com o termo ‘sanção’ no sentido de punição, conseqüência
a que se sujeitam os infratores dá lei. A sanção com o fase
do processo de formação da lei é a aprovação do projeto de
lei pelo Poder Executivo. É a aquiescência ou concordância
do Presidente da República ao projeto já anteriormente
aprovado pelo Poder Legislativo,
A sanção presidencial está prevista no artigo 66 da
Constituição Federal.

250
Introdução ao Estudo do Direito

Todavia, o Poder Executivo poderá concordar apenas


em parte ou até m esm o discordar do projeto. E o que se
denomina veto (Constituição Federai, artigo 66, parágrafos
l 2 e 22). Na primeira hipótese tem -se o denominado ‘veto
parcial’ e, na segunda, o 'veto total’.
Normalmente, o veto tem por fundamento o fato de ser
o projeto inconstitucional ou quiçá contrário ao interesse
público (artigo 66, § Ia) sob a ótica do Presidente da
República.
Alguns autores costum am denominar de ‘sanção
positiva' a aprovação do projeto pelo Poder Executivo e de
‘sanção negativa’, ‘parcial’ ou ‘total’, conforme o caso, o veto.
Preferimos designar por ‘sanção’ o ato do Executivo ratifica-
dor da sua concordância ao projeto de lei e, por ‘veto’ a sua
reprovação, seja parcial, ou seja, total. Tàl posicionamento,
além de ser o mais usualmente adotado, certamente que é
bem mais didático. Assim, para nós, sanção é a aprovação e
veto é a rejeição do projeto, no todo ou em parte.
Havendo veto, quer seja ele total ou parcial, o projeto
terá que retornar ao Congresso Nacional para a devida
apreciação em sessão conjunta das duas Casas - Câmara
dos Deputados e Senado Federal.
Prom ulgação é um ato proclamatório, através do qual
o que antes era projeto passa a ser lei e, conseqüentem en­
te, a integrar o direito positivo pátrio. Ela consiste em uma
ordem expedida para que a nova lei seja posta em execu­
ção por parte das autoridades que tenham tal atribuição.
Via de regra a promulgação é ato do Poder Executivo e
que se segue à sanção antes procedida pelo mesmo. Ela é
uma ordem para que o projeto seja executável com o lei, a
que se seguirá a sua publicação.
Pode ocorrer, entretanto, que a promulgação seja feita
pelo Presidente do Senado, ou se este não a fizer, pelo Vice-
Presidente do Senado, se - rejeitado o veto ao ser aprecia­

251
Orlando de Almeida Secco

do pelo Congresso Nacional - o Presidente da República


não promulgar o projeto em 48 horas (artigo 66, § 7a).
Também a prom ulgação será da com petência do
Presidente do Senado nos casos previstos pelo artigo 49,
da Constituição Federal, com o por exemplo: “Autorizar o
Presidente da República a declarar guerra e celebrar a paz
Mas a promulgação da lei por si só ainda não a torna
obrigatória, porquanto ela ainda não passou a ser do
conhecim ento de todos. Resta, assim, uma última etapa a
ser cumprida: a publicação. Somente após a publicação da
lei pelo Diário Oficial é que ela se tornará obrigatória.
Publicação é a divulgação do texto da lei aprovada,
sancionada e promulgada pelo órgão oficial para que passe
a ser conhecido pelo público e pelas demais autoridades.
Questão da máxima importância então passa a ser
determinar-se qual a data em que a lei passará efetivamen­
te a vigorar.
Se a lei dispuser textualmente que entrará em vigor na
data da sua publicação, ou num prazo determinado, não há
qualquer dúvida! Entrará, respectivamente, em vigor ou no
dia da sua publicação ou no dia em que expirar o prazo fixa­
do. Silenciando, porém, a esse respeito, a regra será então
aquela que ficou antes estabelecida pela “ Lei de Introdução
ao Código Civil” (D.L. na 4.657, de 4 de setembro de 1942).
Diz o artigo l fi da mencionada lei.

"Salvo disposição contrária, a lei com eça a vigorar em


todo o País 45 (quarenta e cinco) dias depois de oficial­
m en te publicada”.

No parágrafo l 2 desse m esmo artigo, conclui a lei:

“N os Estados estrangeiros, a obrigatoriedade da lei


brasileira, quando admitida, se inicia 3 (três) m eses
depois de oficialm ente publicada".

252
Introdução ao Estudo do Direito

Conclui-se que a lei não dispondo a respeito da data


da sua entrada em vigor, esta ocorrerá 45 dias após a publi­
cação oficial, nò País; e, no Exterior, quando admitida a
nossa lei, esse prazo dilata-se para 3 (três) meses.
Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publi­
cação de seu texto destinada a promover alguma correção,
o prazo recomeçará a correr da data da nova publicação.
Entretanto, quaisquer correções havidas a texto de lei
que já esteja em vigor serão tidas com o uma lei nova.
Uma vez a lei entrando em vigor e não se destinando a
ter uma duração temporária, isto é, um prazo determinado,
ela vigorará até que outra lei a modifique, revogue ou seja
incompatível com ela. Vale dizer que, se a lei tem um prazo
determinado, ela vigorará apenas até que este se extinga o
lapso temporal estabelecido. Exemplo: a lei que fixa os limi­
tes para os abatimentos de renda bruta das pessoas físicas
na declaração de rendimentos apresentada no exercício de
2006, referente ao ano-base de 2005. Tal lei, com o sabemos,
vigora apenas para o exercício a que se refira. Para o exercí­
cio seguinte de 2007, ano-base 2006, surgirá então uma
nova lei estabelecendo os novos limites, ainda que estes
possam se repetir exatamente iguais aos anteriores.
Se, contudo, a lei não tem um prazo determinado,
impossível será prever-se durante quanto tempo ela vigora­
rá. E isto porque não há nenhuma limitação temporal! Para
ilustrar o que acabamos de destacar, basta dizer-se que
tem os leis ainda em pleno vigor e que datam do século XIX,
com o é o caso do nosso Código Comercial (Lei nfl 556, de 25
de junho de 1850), apenas em parte revogado pelo novo
Código Civil com o textualmente se vê no artigo 2.045.
Apenas para concluir, a nova Constituição Federal
substituiu os antigos Decretos-leis pelas denominadas
Medidas Provisórias, a serem adotadas pelo Presidente da
Republica em caso de relevância e urgência, com o força de
lei, deven do subm etê-las de im ediato ao C ongresso

253
Orlando de Almeida Secco

Nacional, que estando em recesso, será convocado extraor­


dinariamente para se reunir no prazo de cinco dias. As
Medidas Provisórias perderão eficácia, desde a edição, se
não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias,
prorrogáveis uma vez por igual período, devendo o
Congresso Nacional disciplinar por Decreto Legislativo as
relações jurídicas delas decorrentes, conforme dispõem o
artigo 62, parágrafos 3a e 4a, da Constituição Federal.

69. Quando uma lei é publicada, mas não entra em


vigor imediatamente na data da sua publicação, ocorre um
fenômeno jurídico interessante. Embora já seja uma lei per­
feitamente válida, ou seja, uma lei devidamente aprovada,
sancionada, promulgada e publicada, ela ainda não tem
qualquer eficácia, pois os seus preceitos somente se torna­
rão obrigatórios a partir da data da entrada em vigor, futu­
ramente. Há, portanto, um lapso de tem po "in albis” (‘em
branco'), com preendido entre a data da publicação da lei e
a data em que ela começará a viger.
Esse intervalo de tem po é o que se denomina “ VACA-
TIO LEGIS” , expressão latina cuja tradução é “ o tem po
vago da lei” ou “ a vacância da lei". É o tem po que medeia
entre a data da publicação de uma lei e a data da sua entra­
da em vigor, quando os dois eventos, excepcionalmente,
não ocorrem de forma simultânea.
Se a lei ainda não entrou em vigor, significa dizer que
ela ainda não se tornou obrigatória. Fácil é concluir-se que
durante a “vacatio legis” a lei não produz qualquer efeito.
Embora tenhamos que reconhecer a sua existência com o
lei, ainda não podem os falar da sua obrigatoriedade. Tal
aspecto somente ocorrerá com o início da sua vigência.
M omento futuro, portanto!
Em síntese, se uma lei for publicada nesta data e
silencie a respeito de quando entrará em vigor, de confor­
midade com o disposto pelo artigo Ia da “Lei d e Introdução

254
Introdução ao Estudo do Direito

ao Código Civil” , essa lei somente vigerá, no País, 45 (qua­


renta e cinco) dias após a sua publicação. N esse intervalo
não produzirá nenhum efeito nem será obrigatória!
As leis vigentes presumem-se válidas, mas nem sem ­
pre uma lei válida estará em vigor, tal com o acontece quan­
do estamos na presença de uma “vacatio legis” .

70. No que concerne à formação da lei estadual e à


formação da lei municipal, praticamente repetir-se-á aqui
tudo o que já foi anteriormente dito, posto que a similitude
dos seus processos legislativos com o antes observado
para as leis federais é muito grande. Por outro lado, a
Constituição Federal determinando as regras gerais a
serem seguidas estabelece e reforça ainda mais essa corre­
lação legislativa.
Nos Estados da Federação o Poder Executivo é repre­
sentado pelo Governador e o Poder Legislativo pelos
Deputados Estaduais (Assem bléia Legislativa).
Nos Municípios o Poder Executivo é representado pelo
Prefeito e o Poder Legislativo pelos Vereadores (Câmara
Municipal).
As fases com ponentes do processo de formação das
leis seguem -se na m esma ordem já anteriormente estuda­
da, desde a iniciativa até a publicação, inclusive. Muda
apenas o Diário Oficial onde a publicação se efetua, isto
porque há Diário Oficial da União e Diários Oficiais dos dife­
rentes Estados que com põem a Federação.
Ademais, pelo artigo 11 e seu parágrafo único do A to
das Disposições Constitucionais Transitórias’, fica perfeita­
mente evidenciada a aplicabilidade dos seus princípios
para a elaboração das Constituições Estaduais e das Leis
Orgânicas dos Municípios.
Por tais razões, aplica-se, no que couber, aos Estados
e aos Municípios, a disposição do artigo 59 e seguintes da

255
Orlando de Almeida Secco

Constituição Federal concernentes ao denominado proces­


so legislativo.

71. Consoante o disposto pelo artigo 59 da Cons­


tituição Federal, o processo legislativo com preende a ela­
boração dos seguintes atos legislativos, sete ao todo:

a) Emendas à Constituição;
b) Leis Complementares;
c) Leis Ordinárias;
d) Leis Delegadas;
e) M edidas Provisórias;
f) Decretos Legislativos;
g) Resoluções.

Façamos então breves comentários acerca de cada um


desses atos legislativos:

Em endas à Constituição consistem, segundo o enten­


dimento propiciado pela atual Constituição, nas reformas
do próprio texto constitucional, de grande ou pequeno
alcance, promovendo-lhe adições, supressões ou mesmo
m odificações.
N osso Direito Constitucional registra, na palavra de re-
nomados autores, que no passado havia certa diferenciação
entre o sentido de emenda e o de reforma da Constituição. A
emenda era a modificação de pequeno vulto, de pequeno
alcance, enquanto que a reforma, por ser mais ampla, era de
grande alcance. Portanto, a distinção entre ambas se basea­
va na maior ou na menor amplitude das m odificações que se
introduziam no texto constitucional.
Atualmente tais aspectos tornaram-se irrelevantes,
considerando-se emenda e reforma com o sendo pratica­
mente uma mesma coisa.

256

1
Introdução ao Estudo do Direito

Para demonstrar o acima dito, basta que se examine o


teor da Emenda Constitucional nfí 1, de 17 de outubro de
1969. Constata-se que houve, praticamente, uma reforma
do texto original - Constituição Federal de 24 de janeiro de
1967 - embora essa reformulação apareça, formalmente,
com o sendo uma emenda. Daí comprovar-se não haver dife­
rença alguma, conceitualmente falando-se.
Exemplo de Emenda Constitucional tem aquela que
tomou o nfl 9, datada de 23 de junho de 1977, introduzindo
o divórcio no País. Antes dela o parágrafo 1-, do artigo 175,
da Constituição Federal de 1969, tinha a seguinte redação:

"O casam ento é indissolúvel".

Com tal emenda, a redação desse parágrafo passou a


vigorar da seguinte maneira:

"O casam ento som ente poderá ser dissolvido, n os casos


expressos em lei, desde que haja prévia separação judi­
cial p or m ais de três anos".

Exemplo de Emenda Constitucional bem mais recente,


tem os a de n2 16, de 4 de junho de 1997, que modificou a
redação do artigo 82 da atual Constituição Federal, redu­
zindo a duração do mandato do Presidente da República.
L eis Com plem entares à Constituição são atos legislati­
vos admissíveis somente nos casos em que a própria
Constituição expressamente autorize.
Diferem das Emendas Constitucionais, porque não
passam as Leis Complementares a integrarem o texto da
Constituição com o aquelas fazem.
A Lei Complementar à Constituição é uma lei em sepa­
rado, com o o próprio nome indica, complementando-a, e
que não dá nova redação ao texto, com o ocorre com as
Emendas. Propicia, isto sim, um complemento, em aparta­

257
Orlando de Almeida Secco

do, paiticularizando e até mesmo detalhando determinada


matéria que a Constituição abordou apenas genericamente.
Na atual Constituição Federal há m enção expressa a
Leis Complementares, com o, por exemplo, no artigo 7a inci­
so I; no artigo 14, parágrafo 9a; e no artigo 18, parágrafo 3-,
dentre outros.
Leis Ordinárias são as leis comuns, na verdadeira
a cep çã o da palavra. São as leis oriundas d o Poder
Legislativo no exercício de sua função primordial que é
legislar.
A Lei Ordinária é denominada simplesmente “Lei” .
Exemplo: Lei nfl 6.969, de 10 de dezem bro de 1981, lei que
dispõe a respeito da aquisição, por usucapião especial, de
imóveis rurais.
Leis D elegadas são aquelas que emanam de um dos
Poderes mediante a delegação da com petência feita por
outro Poder. O segundo desses Poderes, chamado poder
delegado, normalmente não teria com petência para elabo­
rar a lei, mas veio a adquiri-la em virtude da delegação
feita pelo primeiro, o poder delegante.
O ato de legislar basicamente é função precípua e
específica do Poder Legislativo. Quando, porém, este Poder
Legislativo delega a sua com petência a um outro Poder
para que seja elaborada uma lei resulta então a denomina­
da “Lei D elegada” . Lei decorrente da delegação dos p od e­
res para elaborá-la.
Segundo dispõe expressam ente o artigo 68 da
Constituição Federal, as Leis Delegadas serão elaboradas
pelo Presidente da República, o qual deverá solicitar a
delegação ao Congresso Nacional. No parágrafo primeiro
desse m esm o artigo estão expressos os atos de com petên­
cia exclusiva ou privativa que não admitem delegação a
outro Poder.
Exemplos de Leis Delegada têm a seguir: a) Lei
Delegada n2 1, de 25 de setembro de 1962, que criou os car­

258
Introdução ao Estudo do Direito

gos de Ministros Extraordinários; b) Lei Delegada nfl 5, de


26 de setembro de 1962, que organizou a Superintendência
Nacional de Abastecim ento SUNAB; c) Lei Delegada nfl 8,
de 11 de outubro de 1962, que criou o Fundo Federal
Agropecuário - FFAP
Pela Constituição Federal anterior poderia o Poder
Executivo, em casos de urgência ou de interesse publico
relevante, e desde que não acarretasse aumento de d esp e­
sa, expedir Decretos-Leis sobre matérias relativas à segu­
rança nacional, finanças públicas, criação de cargos públi­
cos e respectivos vencim entos (artigo 55, da Constituição
Federal, de 1969). A nova Constituição Federal, todavia,
substituiu os antigos Decretos-Leis pelas atuais Medidas
Provisórias, igualmente cabíveis apenas em caso de rele­
vância e urgência, adotadas com força de lei, nos termos do
artigo 62 e seus parágrafos.
Decretos Legislativos são atos cuja com petência é de
total exclusividade do Congressò Nacional e independente
de sanção do Presidente da República, tendo por finalida­
de básica a aprovação dos atos do Chefe da Nação pelo
próprio Congresso. Aprovação dos atos do Presidente da
República que sejam praticados “ ad referendum” (‘sujeitos
à apreciação') por parte do Poder Legislativo. Exemplos: a)
Decreto Legislativo na 81, de 29 de outubro de 1976, que
aprova o texto da Convenção Internacional de Telecomu­
nicações, assinado pelo Brasil em Málaga-Torremolinos;
b) Decreto Legislativo n2 99, de 1964, que aprova o
Acordo sobre Privilégios e Imunidades da Organização dos
Estados Americanos (OEA).
R esoluções são atos vinculados à própria atividade do
Congresso Nacional, também independentes da sanção do
Presidente da República, tendo por base finalidades especí­
ficas, como: atribuir a delegação de poderes ao Presidente
da República (de onde se originam as Leis Delegadas); dar
autorizações ao Presidente da República ou ao Vice-

259
Orlando de Almeida Secco

Presidente da República para se ausentarem do País; deli­


berar, suspendendo a execução de lei declarada inconstitu­
cional pelo S.T.F. - Supremo Tribunal Federal. Esta última
atribuição mencionada merecendo um destaque todo espe­
cial. E, portanto, através de Resolução que o Congresso
Nacional delibera a respeito da suspensão de lei que tenha
sido declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal
Federal. Exemplo: Resolução do Senado Federal n2 6, de 5 de
maio de 1970, que suspende em parte a execução do § Ia do
artigo 22, da Lei nfi 5.049, de 29 de junho de 1966.

72. Há duas espécies de leis quanto à aplicabilidade


dos seus conteúdos:

a) leis auto-aplicáveis, que se tornam aplicáveis


diretamente, sem necessitarem de qualquer dis­
positivo complementar;
b) leis regulamentáveis, que não podem prescindir
de dispositivos complementares para se torna­
rem aplicáveis. Tais dispositivos complementa­
res, que são verdadeiras normas jurídicas, deno­
minam-se Regulamentos.

Cabe-nos neste ponto esclarecer a vinculação existen­


te entre a Lei e o seu Regulamento; aquela denominada lei
formal e este lei material.
Os Regulamentos a que nos referimos são aquelas nor­
mas jurídicas oriundas da Administração Pública destinadas
à aplicação prática da lei formal. Há uma vinculação muito
íntima entre o Regulamento e a Lei à qual ele se refira.
Voltado para tornar a lei exeqüível, o Regulamento não
pode inovar em relação a esta, ou seja, deve ater-se ao que
dispôs a Lei a respeito, sem criar direito novo, o que ense­
jaria conflito legislativo. Assim sendo, o Regulamento é a
própria Lei exposta de forma mais detalhada, bem mais

260
Introdução ao Estudo do Direito

especificada e rica de detalhes, para fins de ser executável


na prática aquilo que ela, a lei, prescreva e determine. É
lógico que o Regulamento não pode dispor contrariamente
ao texto da Lei à qual se refira e vincule.
A lei dá os lineamentos gerais, sem descer às particu­
laridades, sempre que ela for do tipo regulamentável, qual
seja lei sujeita a uma regulamentação. Por sua vez, o
Regulamento, complem entando a lei é que desce às minú­
cias, abordando os aspectos especiais necessários à apli­
cação na prática da aludida lei.
Daí concluir-se que o Regulamento, em relação à Lei,
apresenta, pelo menos, quatro particularidades:

1. Subsidiariedade, isto é, posição secundária e


auxiliar face à Lei, da qual depende, pois, ela o
antecede naturalmente. O Regulam ento tem
com o pressuposto necessário a existência da Lei
à qual corresponda.
2. Limitação, ou seja, o Regulamento não pode
transgredir o disposto pela Lei, vinculando-se ao
estabelecido textualmente por ela.
3. Inovabilidade, que significa não poder criar direi­
to novo, não poder preencher as lacunas da Lei
suprindo as suas eventuais om issões disciplina-
doras.
4. Regularização, que é a principal atribuição, pau­
tada no ato ou efeito de regular a Lei, esclarecen­
do-a e facilitando, por meio de disposições nor­
mativas, a sua execução na prática.

Exemplificando Leis e Regulamentos, temos:

1. A Lei n2 8.036, de 11 de maio de 1990, que rege o


Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (F.G.T.S.),
fundo esse que foi criado pela atualmente revoga-

261
Orlando de Almeida Secco

da Lei nfl 5.107, de 13 de setembro de 1966. Diz tal


lei, em seu artigo 31 que: "O Poder Executivo
expedirá o Regulamento desta Lei no prazo de 60
(sessenta) dias a contar da data da sua promulga­
ç ã o ” . Resultou daí o Decreto n2 99.684, de 8 de
novembro de 1990, que consolidou as normas
regulamentares do Fundo de Garantia do Tempo
de Serviço - F.G.T.S.
2. A Lei nfi 5.316, de 14 de setembro de 1967, que
integrou o Seguro de Acidentes do Trabalho na
Previdência Social, surgindo, então, o Decreto n2
61.784, de 28 de novembro de 1967, que aprovou
o Regulam ento d o Seguro d e A ciden tes do
Trabalho. Diz o artigo l fl do referido Decreto. “Fica
aprovado o regulamento que a este acompanha,
destinado à fiel execução da Lei n2 5.316".
3. A Lei n° 6.368, de 21 de outubro de 1976, que dis­
põe sobre as M edidas de Prevenção e Repressão
ao Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Substâncias
Entorpecentes ou que Determinem Dependência
Física ou Psíquica, cujo artigo 45 dispõe: “O Poder
Executivo regulamentará a presente lei dentro de
60 (sessenta) dias, contados da sua publicação."
Surgiu, em conseqüência, o Decreto n2 78.992, de
21 de dezembro de 1976, que regulamentou a
referida lei. Por oportuno, é bom que se diga, essa
Lei na 6.368/76 já está atualmente revogada pela
nova Lei de Tóxicos, Lei na 11.343, de 2006.

262
Capítulo XVI
Hierarquia e Constitucionalidade
das Leis

73. Noçâo de hierarquia - 74. Sistema hierárquico piramidal de Hans


Kelsen - 75. Razões justificativas da hierarquia das leis e da Ordem Ju­
rídica - 76. Constitucionalidade e inconstitucionalidade - 77. Obri­
gatoriedade e aplicação das leis.

73. Procuremos, inicialmente, dar uma idéia do que


seja hierarquia. Ela deve ser entendida com o sendo princí­
pios simultâneos de ordenamento e de subordinação, cons­
tituídos por diversos escalões decrescentes de autoridade.
É, figurativamente, uma pirâmide em cujo vértice se acha a
autoridade maior. Daí, até chegar-se à base, partem, sim­
bolicamente, diversas categorias decrescentes de autori­
dade. Em síntese, no vértice da pirâmide está a autoridade
máxima hierárquica e na base está o último grau de subor­
dinação.
Na pirâmide configuradora da hierarquia, os escalões
ou degraus quanto mais próximos se situem do ápice (vér­
tice) maiores autoridades desfrutam, de m odo que os esca ­
lões inferiores sempre lhes devem subordinação. Todavia,
em um m esm o escalão ou degrau não há supremacia entre
os que ali estiverem posicionados, mas, sim, igualdade de
nível hierárquico. Em outras palavras, absoluta equipara­
ção de nível de autoridade.
Sendo a Ordem Jurídica essencialmente ordenadora,
conclusão a que se chega em decorrência do seu próprio
nome, e sendo ela disciplinadora pela sua própria nature­
za, a hierarquia é um dos seus pressupostos básicos.
De fato, a expressão Ordem Jurídica faz pressupor a
existência de escalões hierárquicos. Há, então, uma hierar­
quia dentro da Ordem Jurídica, com o também há hierar­

263
Orlando de Almeida Secco

quia entre as Leis. Alguns autores costumam englobá-las


com o sendo uma só.

74. Foi Hans Kelsen quem estabeleceu o denominado


Ordenamento Jurídico Piramidal, estruturado em diversos
escalões hierárquicos, com o que constituindo uma verda­
deira pirâmide. É o que chamamos de “ Sistema Hierárquico
Piramidal” .
Dentro do nosso Ordenamento Jurídico, não há dúvi­
das, as Leis estão em plano hierárquico superior, sobrepu­
jando, por exem plo, a Analogia, os Costum es e os
Princípios Gerais de Direito. A Doutrina e a Jurisprudência,
por suas vezes, subordinam-se à Lei e às demais fontes
anteriormente mencionadas.
No Ordenamento Jurídico da “Commom Law" (siste­
ma jurídico adotado pelo Reino Unido - ‘United Kingdom'
ou *UK’ - portanto, na Inglaterra, dentre outros países),
diferentemente do nosso, são os Costumes e o Precedente
Judicial (“ Case L aw ” - ‘precedente legal’ ) que encabeçam
o sistem a, do m esm o m odo que a Constituição da
República Federativa lidera o nosso.
Assim com o a Ordem Jurídica, as leis também seguem
um rigoroso sistema de hierarquia.
A lei que ocupa o vértice da pirâmide, denominada Lei
Fundamental ou Lei Fundante, é a “ Constituição Federal” .
Abaixo dela surgem, então, em diferentes graus hierárqui­
cos, as Leis Fundadas que são todos os demais atos legis­
lativos com ponentes desse sistema.
Lei Fundante é a que estabelece os princípios e os
com andos gerais. As Leis Fundadas devem-lhes total ob e­
diência. Elas, as Leis Fundadas, não podem dispor em sen­
tido contrário ao que tenha sido preceituado pela Lei
Fundante, sob pena de restar desmoronada a pirâmide e
toda a sua estrutura. Aliás, a maneira exata não é se dizer
“ não p od em ” , mas, sim, “não devem "!

264
Introdução ao Estudo do Direito

Na realidade, as Leis Fundadas “podem ” , diríamos


assim, dispor em sentido contrário à Lei Fundante, só que
de nada adiantará tal fato, porquanto estarão eivadas de
um vício insanável. Serão, pois, essas leis invalidadas.
Assim, a expressão mais correta será dizer-se: as Leis
Fundadas “não devem " dispor em sentido contrário ao esta­
belecido pela Lei Fundante, sob pena de serem invalidadas.
Tanto o acima dito é verdadeiro que freqüentemente
são encontradas leis dispondo em sentido contrário ao que
estabelece a Constituição Federal, fato por sinal inútil, pois,
uma vez declarada a inconstitucionalidade dessas leis, per­
derão elas, imediatamente, as suas eficácias. Sobre o as­
sunto ainda faremos considerações mais adiante, ao tratar­
mos do tem a ‘inconstitucionalidade das leis'.
A hierarquia estabelecida para as nossas leis é a
seguinte:

1. “Constituição Federal” ou Constituição da Repú­


blica Federativa do Brasil (Lei Fundante ou
Fundamental, que encabeça todo o sistema).
2. Leis Constitucionais, compreendendo:
a) "Emendas à Constituição".
b) “Leis Complementares".
3. “Leis Ordinárias", “Leis Delegadas", "Medidas
Provisórias” e "Tratados Internacionais” referen­
dados.
4. “Decretos Legislativos” e “R esoluções” do Con­
gresso Nacional.
5. “Contratos Coletivos de Trabalho” .
6. “Decretos".
7. “Regulamentos".

Dentre os diversos autores que abordam esse assunto


o problema surge nos escalões intermediários da pirâmide
hierárquica, pontos nos quais se observam algumas diver­

265
Orlando de Almeida Secco

gências de opiniões. Quanto aos dois extremos, todos são


unânimes: a Constituição Federal acha-se no vértice da
pirâmide e os Regulamentos em sua base.
Detalhe importante a ser acrescido é que as leis fede­
rais são hierarquicamente superiores às leis estaduais, e
ambas às leis municipais.

75. Resta indagar-se qual seja a finalidade prática da


hierarquia das Leis e da Ordem Jurídica?
Em primeiro lugar, a justificativa está na própria orga­
nização dos sistemas legal e jurídico do país. Há que exis­
tir autoridade e comando, estabelecendo-se um m odo lógi­
co de disciplinar as coisas. Se não houvesse as hierarquias
das Leis e da Ordem Jurídica, difícil seria solucionarem-se
os conflitos de interesses entre os indivíduos, porque, pri­
meiramente, estariam as diversas leis federais, estaduais e
municipais e as demais fontes do Direito suscitando confli­
tos entre elas mesmas. Daí resultaria um verdadeiro caos
legislativo e jurídico!
Em segundo lugar, a justificativa está na indispensá­
vel uniform idade dos dispositivos. Havendo hierarquia,
com o de fato há, as leis superiores cuidarão mais detida­
m ente dos aspectos gerais enquanto que as leis inferio­
res se fixarão nos detalhes, nas particularidades. Não
fora assim, grande seria o problem a gerado por dispositi­
vos conflitantes, passando a reinar uma im ensa confusão
legislativa.
Em terceiro lugar, o juiz som ente haverá de aplicar a
fonte de escalão hierarquicamente inferior quando com -
provadam ente inexistir fonte mais graduada disponível
para a solução do conflito de interesses. Não pode, pois, o
juiz aplicar o Costume se houver Lei específica sobre o
caso em litígio.
Finalmente, em quarto lugar, pelo princípio hierárqui­
co piramidal é praticamente ineficaz a lei ou a fonte de gra­

266
Introdução ao Estudo do Direito

duação inferior, quando for incompatível com os fundamen­


tos gerais traçados pela Lei Fundante. É o aspecto da con s­
titucionalidade e da inconstitucionalidade das leis, que
abordaremos a seguir.

76. A constitucionalidade das leis é a total obediência


destas aos dispositivos e princípios contidos na Consti­
tuição Federal.
Sendo a Constituição a Lei Fundante ou Fundamental
e, nessa condição, a norteadora de todas as demais leis,
obviamente que os seus preceitos hão que ser rigorosa­
mente respeitados. Nenhuma Lei Fundada deverá dispor
em sentido contrário ou diverso daquele previamente esta­
belecido pela Constituição Federal, pena de ser declarada
a sua inconstitucionalidade.
Diz o artigo 52, inciso X, da Constituição Federal:

“A rtigo 52 - Com pete privativam ente ao Senado


Federal:
(...) X - suspender a execução, no todo ou em
parte, de lei declarada inconstitucional p or decisão
definitiva do Supremo Tribunal Fbderal".

Completa o artigo 102, nò seu inciso I, alínea "a ” , e no


parágrafo 1-:

“A rtigo 102 - C om pete ao Supremo Tribunal Fbderal,


precipuam énte, a guarda da Constituição, cabendo-
lhe: I - processar e julgar, originariam ente:
a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato
norm ativo federal ou estadual; (...) Parágrafo Ia - A
argüição de descum prim ento de preceito fundam en­
tal decorrente desta Constituição será apreciada p e ­
lo Supremo Tribunal Fbderal, na forma da lei".

267
Orlando de Almeida Secco

Portanto, a inconstitucionalidade das leis é declarada


por decisão definitiva do egrégio Supremo Tribunal Fede­
ral - S.T.F., seguindo-se a suspensão das mesmas pelo
Senado Federal, através de Resolução baixada para esse
fim (ver item 71). Exemplo: Resolução na 5, de 21 de março
de 1978, do Senado Federal:

"Artigo único - É suspensa, p or inconstitucionalidade,


nos term os da decisão definitiva do Supremo Tribunal
Federal, proferida em 15 de setem bro de 1977, nos autos
do R ecurso Extraordinário n2 87.255, do Estado de São
Paulo, a execu çã o do artigo 10 do D ecreto-L ei Federal
n2 1.216, de 9 de m aio de 1972 e do § 2a do artigo 98 da
Lei Paulista na 440, de 24 de setem bro de 1974".

77. A obrigatoriedade da lei é a determinação do


momento a partir do qual ela se impõe com toda a sua
imperatividade (obrigatoriedade), podendo, então, exigir
que se cumpram os seus preceitos e se apliquem as san­
ções aos que a desobedecerem .
Nenhuma lei é obrigatória antes de entrar em vigor, do
mesmo m odo que nenhuma lei entra em vigor antes de ser
oficialmente publicada. A publicação é, pois, o marco ini­
cial da obrigatoriedade de qualquer lei.
Atualmente, é muito comum a lei entrar em vigor na
própria data da sua publicação, desde que assim ela pró­
pria disponha expressamente. Exemplo: Lei na 6.146, de 29
de novembro de 1974, em cujo artigo 4a lê-se:

"Esta lei entrará em vigor na data da sua publicação,


revogadas as disposições em con trá rio".

Algumas vezes, a lei entra em vigor em data posterior


à da sua publicação, caso em que também dispõe textual­

268
Introdução ao Estudo do Direito

mente a respeito. Exemplo: Lei n - 4.595, de 31 de dezembro


de 1964, com o preceitua o seu artigo 65:

"Esta lei entrará em vigor 90 (noventa) dias após a


data de sua publicação, revogadas as disposições em
contrário".

Outras vezes, a lei tem simultaneamente obrigatorie­


dade imediata na data da sua publicação para determina­
das hipóteses e em data posterior para outras situações.
Exemplo: Lei n2 6.404, de 15 de dezem bro de 1976:

'Artigo 295 - A p resen te lei entrará em vigor 60 (sessen­


ta) dias após a sua publicação, aplicando-se, todavia, a
partir da data da publicação, às com panhias que se
constituírem ”.

Finalmente, há casos de leis que não mencionam qual


a data da sua entrada em vigor, a exemplo do que ocorre
com a Lei n2 810, de 6 de setembro de 1949, lei essa que
definiu o chamado “ ano civil” . Em casos assim, para deter-
minar-se a obrigatoriedade da lei aplica-se o disposto pela
“Lei de Introdução ao Código Civil” , artigo l 2, que estabe­
lece entrar a lei em vigor, no Pais, 45 (quarenta e cinco) dias
depois de oficialmente publicada e, nos Estados estrangei­
ros, quando for ela admitida, 3 (três) m eses depois de ofi­
cialmente publicada.
A obrigatoriedade, pois, de uma lei caracteriza o poder
que a mesma tem de fazer-se cumprir e de punir quem ouse
desobedecer aos seus preceitos.
Quanto ao aspecto aplicação da lei, significa definir-se
quem tem atribuições para empregá-la no caso concreto. A
aplicação das leis é atividade primordial e típica do Poder
Judiciário. São os Juizes, assim entendidos todos os Ma­

269
Orlando de Almeida Secco

gistrados, que têm tal competência, consoante o disposto


pelo artigo 5a da "Lei de Introdução ao Código Civil” .

“Na aplicação da lei, o ju iz atenderá aos fins a que ela


se dirige e às exigên cias do bem com um ”.

Por ocasião da aplicação da lei consolidado estará o


consolidado princípio: ‘IURA NOVIT CURIA” (‘O Tribunal
conhece o Direito’).
De fato, para aplicar a lei, o magistrado deve por dever
de ofício conhecê-laí A aplicação da lei, portanto, é a m is­
são precípua dos juizes, não lhes sendo possível desconhe-
cê-la, ainda que não invocada pela parte interessada.
Capítulo XVII
Interpretação Da Lei.

78. Noçào - 79. Espécies - 80. Métodos - 81. Resultados - 82. Herme­
nêutica Jurídica.

78. A interpretação da lei é um tem a tratado pratica­


mente por todos os autores da nossa Disciplina, o que reve­
la de plano a importância do seu estudo.
Partindo-se da noção mais geral possível, interpretar
significa buscar-se o verdadeiro sentido, ou seja, desven­
dar-se o conteúdo de algo, N esse passo, não há dúvida de
que as leis devam ser interpretadas para que se possa
alcançar a verdadeira intenção e os propósitos contidos
textualmente nos seus dispositivos. Afinal, o aforismo
romano “ in Claris non fit interpretatio" (‘ as leis claras não
necessitam interpretação' ou 'as leis claras interpretam-se
por si m esm as’ ) só se con cebe caso o texto seja perfeita­
mente inteligível, fato que não é o mais comum na prática.
Segundo CLÓVIS BEVILÁQUA:

"Interpretar a lei é revelar o pensam ento que anima as


suas palavras".

Para MACHADO PAUPÉRIO:

“(...) O ob jeto por excelência da interpretação é revelar


o espírito da lei, a chamada ‘m ens legis'".

A interpretação da lei nada mais é do que a apuração


do sentido dos seus dispositivos e a determinação dos fins
a que ela se destina. É, com o já disseram em tantas opor­
tunidades, desvendar os mistérios de uma norma jurídica.

271
Orlando de Almeida Secco

79. A interpretação da lei admite, quanto à fonte de


onde emana, as seguintes espécies:

a) autêntica ou legislativa;
b) doutrinária ou doutrinai;
c) judicial ou jurisprudencial;
d) administrativa.

A interpretação é autêntica, tam bém chamada inter­


pretação legislativa, quando uma lei interpreta outra lei de
sentido obscuro, duvidoso ou até mesmo controvertido. Há,
portanto, duas leis no caso, e que são, respectivamente, a
lei anterior, cujo sentido se deseja apurar, e a lei nova que
a interpreta.
Como bem assinala HERMES LIMA:

“A característica da interpretação autêntica é declarar


de maneira formal e obrigatória, com o deve ser com ­
preendida a lei anterior. N esse caso, a lei nova não se
limita apenas a reproduzir em term os m ais claros os
term os da lei antiga; m odifica-os, seja porque o endere­
ço originário da lei tev e de m udar p or força de outras
condições sociais e políticas, seja porque a lei, ob jeto da
interpretação, sendo m uito antiga, com portou a p ossi­
bilidade de nela introduzir-se princípio novo, sob a fic­
ção de que seu prim eiro sentido fora conservado”.

Há autores que chegam a duvidar trata-se m esmo a


interpretação autêntica ou legislativa de uma verdadeira
interpretação, uma vez que se tem efetivamente na lei
intérprete uma lei nova. Para estes, a lei que interpreta
outra, revoga de certa forma a lei antiga interpretada.
Quem esclarece a questão, a nosso ver, é PAULO DOURA­
DO DE GUSMÃO, ao afirmar que a interpretação autêntica:

272
Introdução ao Estudo do Direito

"É a estabelecida por norma (lei, regulam ento, tratado


etc.), tendo p or ob jeto norma anterior obscura. Thl
interpretação im plica a retroatividade da lei que a esta ­
b elece, sendo obrigatória da data em que entrou em
vigor a lei interpretada pelo legislador".

Como se p ode deduzir, a lei nova remete os seus efei­


tos a período anterior à sua própria existência, o que
demonstra ser ela, a lei antiga, já devidamente esclarecida.
Fica assim evidenciado que se trata realmente de interpre­
tação, e não de revogação, o que a lei nova concretiza em
relação à lei antiga.
Apenas para exemplificar, vez que se tratam de leis
atualmente já revogadas, observem os o que dizia a Lei n2
5.334/67, que interpretava dispositivos da Lei nfi 4.494/64,
assim se expressando:

“Art. í 2 - Os reajustam entos de que trata o artigo 19 da


Lei nQ4.494, de 25 de novem bro de 1964, qizando relati­
vos às locações a gue se refere o artigo 18 da m esm a lei,
não poderão ser percentualm ente superiores ao aum en­
to do m aior salário mínimo no País".

Interpretação doutrinária, também chamada interpre­


tação doutrinai, é aquela realizada com base científica
pelos doutrinadores e juristas, aí englobados os autores de
obras jurídicas, jurisconsultos renomados e professores da
ciência jurídica, dentre outros.
É bastante comum encontrarem-se livros de Direito
especializados que comentam artigos de uma lei, consoli­
dação de leis ou código dando o verdadeiro sentido do
texto comentado, o que é feito com base em critérios emi­
nentemente científicos. Assim pode-se exemplificar com os
“ Comentários ao Código de Processo Civil” , do renomado e

273
Orlando de Almeida Secco

saudoso jurista PONTES DE MIRANDA, obra de consulta


obrigatória por parte dos militantes da advocacia.
Interpretação judicial, também chamada interpretação
jurisprudencial, é a resultante das decisões prolatadas pela
Justiça. As Sentenças dos nossos juizes, os Acórdãos dos
nossos Tribunais, as Súmulas dos Tribunais Superiores com
as suas jurisprudências predominantes e firmes são am os­
tras marcantes dessa espécie de interpretação porquanto
retratam com fidelidade a maneira pela qual os Magistra­
dos concebem o real sentido da norma jurídica quando da
sua aplicação ao caso concreto. Exemplificando, tem os o
verbete da Súmula n2 187 do Egrégio S.T.E:

“A responsabilidade contratual do transportador, pelo


acidente com o passageiro, não é elidida p or culpa de
terceiro, contra o qual tem ação regressiva"

Interpretação administrativa é aquela cuja fonte ela-


boradora é a própria Administração Publica, através de
seus órgãos e mediante pareceres, despachos, decisões,
circulares, portarias etc. Para exemplificar, observem os o
que declara interpretativamente o artigo 2a, parágrafo 22,
da Portaria n2 14, de 22 de junho de 1998, do Direitor do
Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor:

"JRara efeito do disposto nas alíneas ‘b ’ e ‘c ’, na base de


cálculo da incidência dos juros, será considerado com o
p reço de partida o p reço à vista

Em ordem de importância, a interpretação jurispru­


dencial é a que ocupa o lugar de destaque, fato este justi­
ficável porque ela deixa evidente a maneira pela qual d eve­
rá ser julgada a questão. Se a inclinação dos Tribunais for
diferente daquela que se pretenda postular em Juízo as
probabilidades de êxito na causa proposta serão pratica­

274
Introdução ao Estudo do Direito

mente nulas! O direito bom é aquele que conta com o apoio


de decisões judiciais acolhendo-o em demandas similares
já julgadas anteriormente.
Digamos, para sedimentar-se bem o que ficou acima
exposto, que uma mulher casada, tendo abandonado o lar
conjugal voluntariamente, resolva mover uma A ção de
Alimentos contra o marido. Ora, se a jurisprudência do nosso
Tribunal de Justiça está inclinada a admitir que “não deve
ser acolhido pedido de alimentos formulado pela mulher
casada que, voluntariamente, deixou o lar conjugal, alegan­
do incompatibilidade de gênios e não alegando ou provando
nenhum ato do marido que refletisse falta de observância
dos seus deveres", sem dúvida a probabilidade de êxito
dessa ação há de ser mínima. Havendo precedente em sen­
tido contrário do desejado, certo é que mínimas serão as
possibilidades de ver-se acolhida essa pretensão.
PAULO DOURADO DE GUSMÃO refere-se, inclusive,
acerca da Súmula do Supremo Tribunal Federal (S.T.F),
dizendo:

“Entre nós, o Supremo Tribunal Fèderal baixou súmula


de sua jurisprudência predom inante, ‘p ublicada ofi­
cialm ente', com o A n exo de seu Regim ento, cujos ares-
tos nela contidos, num erados, representam uma p rofe­
cia de com o serão decididas qu estões sem elhantes.
Assim , em função dela, p od e-se fazer uma profecia de
com o o Supremo decidirá um caso análogo".

80 . Se interpretar uma lei é procurar estabelecer o


sentido verdadeiro de seus dispositivos, para a sua concre­
tização far-se-á indispensável seguir algum método. Sem
dúvida, o ato de interpretar é criterioso, cheio de detalhes
e bastante formal. Requer a utilização de certos recursos
para se atingir os objetivos visados. Os m étodos usuais
para interpretar-se uma lei são:

275
Orlando de Almeida Secco

a) literal ou gramatical;
b) lógico ou racional;
c) sistemático;
d) histórico;
e) sociológico;
f) teleológico.

O m étodo literal, ou gramatical, ainda denominado


método fílológico, é aquele voltado à investigação das
“verba legis” (‘palavras da lei’)- Tem por escop o apurar o
sentido da lei partindo-se do exame gramatical dos vocábu­
los que a constituem. F^z-se, assim, uma análise léxica e
sintática das palavras e, após, conclui-se qual seja o valor
das expressões textuais da lei. Aqui se tem em mira a letra
da lei, isto é, o teor das palavras que constituem o seu texto.
C.H. PORTO CARREIRO, assim retrata a interpretação
gramatical:

“Partindo-se do princípio de que cada palavra tem seu


valor sem ântico próprio e, ainda de que o legislador não
deveria usar palavras que não fossem as próprias ou
apropriadas à finalidade da norma, indaga-se do signifi­
cado que anima cada um dos seus vocábulos. N esse
caso, tem sido chamada a atenção para a distinção entre
o significado técnico e o vulgar (ou popular) das pala­
vras, que são interpretadas. (...) Assim, p or exem plo,
quando o nosso Código Civil, na Parte Especial, Livro I,
Tít. II, Cap. III, faz referência aos 'Direitos e D everes da
Mulher', tem os de entender que se trata especificam en­
te da m ulher casada, da esposa e não da mulher generi­
cam ente. Será mulher, em relação ao marido".
(Obs.: O texto se refere ao velho Código Civil).

O m étodo lógico, ou racional, consiste em se aplicarem


os princípios universais da lógica formal e da razão aos dis­

276
Introdução ao Estudo do Direito

positivos da lei que se deseja interpretar. Aqui se almeja


encontrar inicialmente o ‘espírito da lei1 (‘‘mens legis") por
um processo lógico-analítico e, num estágio mais avança­
do, a ‘razão da lei’ (“ratio legis") por um processo lógico-
jurídico. Utilizam-se para alcançar os fins pretendidos pro­
cessos lógicos da dedução e da indução.
Novamente, mencionamos H. C. PORTO CARREIRO,
que assim se refere à interpretação lógica ou racional:

'!A lei, com o ordenam ento jurídico, destacou -se do


legislador, adquiriu sua autonomia, m as nâo perdeu os
laços que a ligam aos fatos geradores. O legislador nâo
concebeu, em sua m ente, a lei, retirando-a do nada. (...)
A 'mens legis' é concebida com o sua própria finalidade,
ou seja, com o a execu çã o de um trabalho de raciocínio.
(...) Assim , os que se dedicam à interpretação p elo p ro­
cesso lógico procuram a idéia que se encontra 'sub
litteris'. Afirmam, repetindo Celso (‘D igesto’, liv. 33, tit.
10, frag. 7, 2&) que 'prior atque poten tior est, quam vox,
m ens dicentis' (“m ais im portante e m ais forte que a
palavra é a intenção do que afirma"). Daí o valor, talvez
excessivo, que atribuíram è 'mens legis'; daí, tam bém ,
a invocação que m uitos fizeram à ■ ratio leg is’. A 'razão
da lei' (já fora da subm issão do legislador) poderia for­
n ecer elem entos necessários à com preensão do seu con­
teúdo, de seu sentido, de sua finalidade. Buscar os fun­
dam entos racionais da lei passou a ser a preocupação
máxima dos herm enêutas. O enquadram ento dos m oti­
vos da norma passou a ser feito de acordo com os prin­
cípios da lógica form a l".

Pelo m étodo sistemático, interpreta-se a lei conside­


rando-a com o parte integrante de um todo, ou seja, de um
sistema jurídico. Como a lei nunca se dissocia do sistema
ao qual pertence, mantendo estreitas ligações com todo o

277
Orlando de Almeida Secco

ordenamento jurídico nacional e, ainda, com sistemas jurí­


dicos similares de outros povos, tal m étodo explora exata­
mente a conexão que deve existir entre essa lei, que se
deseja interpretar, e os demais com ponentes integrantes
do todo.
Assinala HERMES LIMA:

"O m étodo sistem ático, capaz de precisar os laços ínti­


m os que prendem a disposição aos princípios do direito
positivo com o um todo coerente, pois, isolada, qualquer
disposição é suscetível de restrições ou am pliações que
o seu enquadram ento no sistem a não justifica".

Já o m étodo histórico busca nos precedentes legislati­


vos o verdadeiro sentido da lei a ser interpretada. Como as
leis que vão surgindo resultam do aperfeiçoamento de leis
anteriores ou do disciplinamento de fatos e situações não
contem plados no passado, a comparação com a evolução
ocorrida no tem po é de fundamental importância.
Segundo PORTO CARREIRO:

"Considerando, justam ente, que o D ireito tem sua his­


tória e que ele é produto de uma comunidade, os adep­
tos desse processo interpretativo passaram a dar gran­
de valor à tradição histórica e aos cham ados 'trabalhos
preparatórios das leis e dos códigos', com o reü exos dos
projetos, dos p a receres das com issões parlam entares e
a té das discussões em plenário. Pesquisar as causas
históricas e a té m esm o psicológicas em que se deu o
nascim ento do preceito jurídico, passou a ser a grande
preocupação do intérprete. D escobrir a necessidade
que gerou sua feitura, buscar sua razão histórica de
existir, esm iuçar os fatos geradores do princípio jurídi­
co, aprender a verdadeira 'occasio leg is' - eis as regras
de procedim ento histórico de interpretação

278
Introdução ao Estudo do Direito

Quanto ao m étodo sociológico, deve-se em grande


parte ao surgimento da "Sociologia Jurídica” . Parte do
pressuposto de que a lei é essencialmente dinâmica, acom ­
panhando “pari passu” (‘a passo igual') as transformações
e evoluções da sociedade à qual esteja dirigida. Aqui é pra­
ticamente irrelevante a intenção do legislador. A lei se
sujeita a constante mutação, ajustando-se de tem pos em
tem pos às novas necessidades sociais.
Sobre esse método, FLÓSCOLO DA NÓBREGA afirma:

"A lei não tem , pois, conteúdo fixo, invariável, não pod e
viver para sempre imobilizada dentro de sua fórmula
verbal, de todo im perm eável às rea ções do m eio, às
m utações da vida. Item de ced er às im posições do pro­
gresso, de entregar-se ao fluxo existencial, de ir evo­
luindo paralela à sociedade e adquirindo significação
nova, à ba se das novas valorações".

Com o se verifica, em face d esse m étodo, o intérpre­


te da lei necessita com preender bem todos os elem entos
sociais que contribuíram para formar a lei, além de acom ­
panhar a evolução d esses m esm os elem entos no tem po,
para poder ajustar o sentido da lei à nova realidade
alcançada pela sociedade. A característica fundamental
do m étodo é, pois, dar à lei um sentido de atualidade.
N esse particular, tal m étodo procura com pensar todas as
p ossíveis d istorções a que os dem ais m étodos normal­
m ente conduzem .
Finalmente, o m étodo teleológico que é aquele pelo
qual se procura fazer uma interligação entre a lei e a causa,
a sua finalidade. Consiste basicam ente em uma reunião
dos demais m étodos, buscando alcançar a finalística da lei
que é sempre um valor que o legislador tem em mira.
Segundo MIGUEL REALE:

279
Orlando de Almeida Secco

“Já o nosso genial TEIXEIRA DE FREITAS, inspirado


nos ensinam entos de SAVIGNY, nos ensinara, em m ea­
dos do século passado, que basta a mudança de locali­
zação de um dispositivo, no corpo do sistem a legal, para
alterar-lhe a significação. Esse ensinam ento, antes de
alcance m ais lógico-form al, passou com o tem po a
adquirir im portância decisiva, porque ligado à substân­
cia da lei, que é o seu significado, em razão de seus fins".

“A com preensão fínalística da lei, ou seja, a interpreta­


ção teleológica veio se afirmando, desde as contribui­
ções fundam entais de Rudolf von Ihering, sobretudo em
sua obra 'O Fim do Direito".

AFTALIÓN, OLANO e VI LAN OVA condenam, entre­


tanto, o m étodo teleológico, dizendo a certa altura:

“Pero si no fueran suficientes las razones que hem os


dado para excluir la conceptuación teleológica dei
âm bito de la ciência jurídica, agregarem os ahora algu-
nos argum entos. En este orden de ideas debem os sena-
lar que es un grueso error hablar dei ‘fin de una le y ’, por
la sencilla razón que los únicos que pueden perseguir
fines son los hom bres. (...) Del mismo m odo, es sabido
que a v eces el derecho ofrece distintas instituciones
para llegar a iguales o sim ilares fines. (...) A lo sum o
podría decirse que las leyes no persiguen fines, sino que
son m ediospara fines que se conceptúan valiosos (...)."
“Porém, se não foram suficientes as razões gue dem os
para excluir a conceituação teleológica do âm bito da
ciência jurídica, adicionarem os agora alguns argum en­
tos. N essa ordem de idéias, devem os assinalar que é um
grande erro falar do efim de uma lei' pela sim ples razão
que os únicos que podem persegu ir fins são os hom ens.
(...) Do m esm o m odo, é sabido que às v ezes o direito ofe­

280
Introdução ao Estudo do Direito

rece distintas instituições para chegar a fins iguais ou


sem elhantes. (...) Em resum o, poderia dizer-se que as
leis não perseguem fins, m as sim que são m eios para
fins que se conceituam valiosos (...)”.

Os mesmos autores concluem, todavia, dizendo:

“Pero los errores dei teleologism o no deben, en m odo


alguno, im pedim os recon ocer a IHERING el m érito emi-
nen e que im portaba su afán p or 'acercar el derecho a la
vida' (...)".

'Porém, os erros do teleologism o não devem , de m odo


algum, nos im pedir recon h ecer a IHERING o em inente
m érito que im portava o seu afã de “aproxim ar o direito
à vida (...)’.

81 . Efetuada a interpretação de uma lei, usando um


ou mais de um dentre os m étodos abordados anteriormen­
te, chegar-se-á, então, ao resultado. Este é o efeito da inter­
pretação, ou seja, o que se obtém em virtude dela.
Assim, quanto aos efeitos que se possa obter, a inter­
pretação há de ser:

a) modificativa;
b) ab-rogativa;
c) declarativa.

Interpretação modificativa será aquela que, uma vez


efetivada, atribuirá à lei interpretada um sentido abrangen­
te de fatos ou conseqüências além ou aquém dos que foram
imaginados ou disciplinados pelo próprio legislador. Pauta-
se pelo predomínio que deve existir da objetividade da lei
sobre a subjetividade do legislador, de m odo a promover

281
Orlando de Almeida Secco

uma absoluta integração da norma jurídica à realidade de


um momento atualizado.
Interpretação ab-rogativa será aquela que conclua
existirem duas ou mais leis (ou m esmo dispositivos de leis)
conflitantes entre si, chegando a se contradizerem de m odo
que apenas uma dessas leis (ou dispositivo) deva perma­
necer vigente, revogando-se a outra lei (ou o outro disposi­
tivo legal).
Interpretação declarativa será a que conclua pela ine- ’
xistência de modificação ou de ab-rogação. Essa interpre­
tação, porém, poderá alcançar três conseqüências distin­
tas, quais sejam:

a) coincidente;
b) restritiva;
c) extensiva.

Se a interpretação der à lei um sentido em idênticas e


exatas proporções às pretendidas pelo legislador, será
declarativa coincidente, ou declarativa propriamente dita.
Aqui há uma equivalência entre as palavras da lei e o seu
espírito; entre o texto legal e o sentido que o legislador
intencionava atribuir. Exemplo: “Não podem casar: as p es­
soas casadas” (Código Civil, artigo 1.521, inciso VI). O sen­
tido aí é quanto à im possibilidade de uma pessoa já casa­
da civilmente contrair um novo matrimônio enquanto per­
manecer eficaz o anterior.
Se a interpretação der à lei um sentido menos amplo
do que aquele expresso pelo legislador no texto, será,
então, declarativa restritiva. Exemplo: quando, no Código
Penal, artigo 28, inciso II, se declara que “não excluem a
imputabilidade penal a embriaguez, voluntária ou culposa,
pelo álcool ou substância de efeitos análogos” , não se quer
dizer que a chamada “ embriaguez patológica” aí esteja

282
Introdução ao Estudo do Direito

também inserida. Essa embriaguez, quando cientificamen­


te comprovada, poderá excluir a responsabilidade.
Se, finalmente, a interpretação der à lei um sentido
mais amplo do que aquele expresso pelo legislador no
texto será, então, declarativa extensiva. Exemplo: quando,
no Código Penal, artigo 235, se define o crime de bigamia
com o contrair, sendo casado, novo casamento, se quer
punir não só ó duplo casamento, com o também o triplo,
quádruplo, e assim sucessivamente. A lei fala em “biga­
mia” , mas quer referir-se a dois ou mais casamentos, o que,
em última análise, seria a bigamia e a poligamia.
Indaga-se habitualmente se as interpretações declara-
tivas restritivas e extensivas não se confundem com as
interpretações modificativas. Na interpretação declarativa
restritiva e na extensiva, o intérprete apenas restringe ou
amplia o sentido, “declarando” o que o legislador quis
dizer. Na modificativa, entretanto, o intérprete esclarece,
indo, inclusive, além do que o próprio legislador previra.
Logo, não se confundem!
Com o bem esclarece A. L. MACHADO NETO:

“É óbvio que, para haver interpretação extensiva ou


restritiva de caráter declarativo e não m odificativo, a
exten ão ou restrição há de resultar do espírito da
norma devidam ente apurado pelos processos interpre-
tativos. A am pliação ou restrição não será, em verdade,
da norma, ou do seu sentido próprio, mas, tão-som ente,
de seu significado aparente”.

82. Tendo-se abordado os principais temas da inter­


pretação de uma lei, chegam os, afinal, à “Hermenêutica
Jurídica” .
O termo hermenêutica é de origem grega, advindo da
palavra “herm eneúein” (‘interpretação’ ). Segundo afir­
mam, resultou a mencionada palavra do nome do deus da

283
Orlando de Almeida Secco

mitologia grega HERMES -, a quem era atribuído o dom de


‘interpretar a vontade divina’.
A “ Hermenêutica Jurídica", tam bém denom inada
“Exegese Jurídica", é um cam po atuacional dentro da ciên­
cia jurídica em que os seus cientistas, denominados "her-
m enêutas” ou “ exegetas” , se dedicam à interpretação das
normas jurídicas, utilizando, para isso, toda uma teoria
consistente de princípios e de m étodos específicos.
A hermenêutica é a teoria com que se efetiva o lado
prático, isto é, a interpretação. A interpretação é a realiza­
ção prática que advém de princípios e de métodos, teóri­
cos, estabelecidos pela hermenêutica.
Como declara CARLOS MAXIMILIANO:

“O jurista, esclarecido pela herm enêutica, descobre, em


código, ou em ato escrito, a frase im plícita, m ais direta­
m en te aplicável a um fato do que o tex to expresso.
M ultiplica as utilidades de uma obra; afirma o que o
legislador decretaria, se previsse o incidente e o quises­
se prevenir ou resolver; intervém com o auxiliar presti-
m oso da realização do direito".

E é esse mesmo autor que a define nos seguintes ter­


mos:
“A H erm enêutica Jurídica tem p or ob jeto o estudo e a
sistem atização dos processos aplicáveis para determ i­
nar o sentido e o alcance das exp ressões do direito".

As escolas hermenêuticas datam de longo tempo. Já


os juristas romanos se dividiam em questões de natureza
interpretativa. Mas foi, porém, com a promulgação do
Código de Napoleão (“Code Napoléon” ), na França, publi­
cado em 1804, unificando o Direito Civil francês, que se
logrou maior dinamismo com a chamada “Escola da Exe­
gese". A doutrina da Escola fixou-se então, no sentido de

284
Introdução ao Estudo do Direito

que “a interpretação é mera exegese dos textos, e sua fina­


lidade a descoberta da intenção psicológica do legislador” .
Surgem, em seguida, diversas outras Escolas, poden­
do-se destacar o “Utilitarismo" de BENTHAM, a “Escola
Analítica" de AUSTIN, o “Teleologism o" de IHERING,
todas elas reacionárias, contra os exegetas do “Code
N apoléon” . Citam-se, ainda, a “ Escola H istórica” de
SAVIGNY, a "Escola do Direito Livre" de EHRLICH, a
“ Escola do Direito Justo" de HERMANN e FUCHS, até ch e­
gar-se à mais recente teoria hermenêutica, atribuída ao
espanhol SICHES, com a aplicação da denominada "lógica
da razão vital".
A Hermenêutica Jurídica, hoje, está consagrada, con­
tribuindo definitivamente para a perfeita aplicação de lei.
Como acentua PORTO CARREIRO:

"Interpreta-se, pois, a norma jurídica existen te, que


deva ser usada, ainda que clara e precisa, buscando-se
sua exata adequação ao m om ento histórico de sua apli­
cação, o que afasta m ais outra hipótese, que perdurara
entre vários filósofos do Direito, segundo a qual inter-
preta -se a lei som ente quando houver lacunas do prin­
cípio jurídico invocado a p roteger a relação social
am eaçada ou agredida

285
Capítulo XVIII
Lacunas no Direito e Fontes do Direito

83. Considerações prévias - 84. Analogia - 85. Costumes - 86. Princí­


pios Gerais de Direito - 87. Doutrina - 88. Jurisprudência - 89. Eqüi­
dade, 71-atados Internacionais, Atos e Negócios Jurídicos.

83. O termo lacuna revela a falha ou om issão de


algum aspecto considerado importante. Deixa bem nítida a
imagem de um vazio cujo preenchimento se impõe.
Falar-se de lacunas no Direito é antever hipóteses a
descoberto, ou seja, situações não contempladas pelas
suas regras e princípios e para as quais não se teria qual­
quer solução.
Admitir-se a existência de lacunas no Direito é con ce­
ber-se o eventual surgimento de uma hipótese não previs­
ta pelo Ordenamento Jurídico, decorrendo daí ser pratica­
mente impossível dar-lhe solução. Se o Direito não previu,
mas o fato ocorreu, teoricamente não haverá solução que se
dê ao mesmo.
O Ordenamento Jurídico, todavia, não se fez incom ple­
to. Antecipando-se ao surgimento eventual de hipóteses
não previstas, tomou as medidas acauteladoras de auto-
integração. Em outras palavras, o próprio Ordenamento
Jurídico supre as suas om issões através de princípios des­
tinados a esse fim.
Há autores que admitem posição contrária à nossa!
Entendem eles que haja lacunas no Direito. Defendem a
tese da lacuna material, nome que se dá à lacuna no
Direito. Para nós, porém, o Direito é auto-integrativo com o
dissem os anteriormente. Daí porque ele supre as suas
om issões através de princípios aplicáveis nesses casos,
preenchendo o vazio existente.

287
Orlando de Almeida Secco

Mas, se por um lado, dizem os que não há lacunas no


Direito, por outro lado, defendem os a tese da existência de
lacunas na lei, também denominadas lacunas formais.
Afinal, não é difícil de se conceber a om issão de uma lei
acerca de hipóteses que possam surgir em decorrência do
acelerado ritmo com que evolui a sociedade nos dias
atuais. A cada dia surgem novas situações, desafiando a
argúcia do legislador.
Para robustecer o nosso ponto de vista, diz o artigo 4a
da "Lei de Introdução ao Código Civil” :

"Quando a lei for omissa

Admite-se, pois, textualmente, que possa haver om is­


são na lei, o que, em última análise, são as suas lacunas.
Assim, não há ‘lacuna material’, mas pode haver ‘lacu­
na formal’; não há lacunas no Direito, mas pode haver lacu­
nas na lei.
Quando se constatar lacunas na lei deverão ser ime­
diatamente acionados os meios disponíveis à integração
do sistema, isto é, as demais fontes do Direito.
As fontes do Direito são os processos dos quais ema­
nam as normas jurídicas. Nos dizeres de MIGUEL REALE:

“Por ‘fon te de direito' designam os os p rocessos ou


m eios em virtude dos quais as regras jurídicas se posi­
tivam com legítim a força obrigatória, isto é, com vigên­
cia e eficácia ",

E completa o mesmo autor:

"(...) O ordenam ento é o sistem a de norm as jurídicas ‘in


acto', com preendendo as fon tes de direito e todos os
seu s conteúdos e p rojeções: é, pois, o sistem a das nor­
m as em sua concreta realização, abrangendo tanto as
regras explícitas com o as elaboradas para suprir lacu­
nas do sistem a, (...).

288
Introdução ao Estudo do Direito

(...) Mas, se o sistem a legal pode ter casos omissos, o


ordenam ento jurídico não pod e deixar de conter soluções
para todas as questões que surgirem na vida de relaçáo.
É o principio da plenitude da ordem jurídica positiva,
m ais um dos postulados da razão prática jurídica (...)”.

Pelo aludido “Princípio da Plenitude da Ordem Jurídica


Positiva", há a auto-integração a que nos referimos antes, de
modo que o Direito alcança o ponto mais longínquo ao qual
tenha chegado a Sociedade na sua natural e célere evolução,
e consegue sempre solucionar as novas questões suscita­
das, por mais inéditas e imprevisíveis que elas sejam.
A s fontes do Direito classificam-se em:

I) imediatas, principais ou diretas;


II) mediatas, subsidiárias ou indiretas.

Representemos num quadro sinótico tais fontes:


/
I) Imediata
{ Lei

Fontes
do 1. Analogia;
Direito 2. Costumes;
II) Mediatas 3. Princípios Gerais de Direito;
\ 4. Doutrina;
5. Jurisprudência;
6. Eqüidade, Tratados Internacio­
nais, Atos e Negócios Jurídicos.

Justifica-se, agora, transcrever-se na íntegra o artigo


42 da “Lei de Introdução ao Código Civil":

289
Orlando de Almeida Secco

"Quando a lei for omissa, o ju iz decidirá o caso de acor­


do com a analogia, os costum es e os princípios gerais
de direito".

'Ihrnbém oportuno é transcrever-se o artigo 126 do


Código de Processo Civil:

"O ju iz não se exim e de sentenciar ou despachar ale­


gando lacuna ou obscuridade da lei. No julgam ento da
lide caber-lhe-á aplicar as norm as legais; não as haven­
do, recorrerá à analogia, aos costum es e aos princípios
gerais de direito".

Das fontes enumeradas, a lei é a principal delas no


que se refere ao Direito. A s demais fontes, de utilizações
apenas subsidiárias, não têm uma aceitação pacífica entre
os doutrinadores, os quais adotam umas, rejeitam outras,
com o também não fazem nenhuma referência a algumas
outras que são simplesmente ignoradas.
Conciliando as diversas posições encontradas nos
livros, englobam os as principais fontes subsidiárias e dis­
correremos acerca de cada uma delas adiante. O estudan­
te passará a ter ao m enos uma visão nítida de todo o con ­
junto, acrescida de uma breve noção de cada uma das fon­
tes em particular. Ao aprofundar os seus estudos irá, então,
eliminando autom aticam ente aquelas fontes que não
tenham valor expressivo na atualidade, fixando-se nas
demais que considerará importante.
Sobre a lei, fonte principal, não faremos maiores consi­
derações neste Capítulo. Este tema já foi amplamente tra­
tado nesta edição em seu Capítulo V, itens 18 a 25, com o
também no Capítulo XV, itens 67 a 72, no Capítulo XVI,
itens 73 a 77 e, ainda, no Capítulo XVII, itens 78 a 82.
Passemos, então, às demais fontes, utilizáveis quando
a fonte principal for omissa (lacunosa).

290
Introdução ao Estudo do Direito

84. Iniciemos pela ANALOGIA.


O tema tem um significado inconfundível: analogia é
"ponto de semelhança, entre coisas diferentes" (Aurélio
Buarque de Holanda Ferreira).
Realmente, analogia é similitude, não é igualdade 1
Quando se tem em mente a utilização da analogia, na pri­
meira fase se visualiza algo que não esteja disciplinado por
lei e, concomitantemente, se focaliza uma hipótese pareci­
da e que esteja devidamente regulamentada por lei. Na
segunda fase, aplica-se a lei regulamentadora da hipótese
parecida àquela situação que não dispõe de lei específica.
Melhor dizendo: a hipótese “A” não está disciplinada por lei,
mas a hipótese “B” está. Sendo ambas as hipóteses (“A” e
“B”) muito parecidas, aplica-se, então, a lei prevista para
“B” à hipótese “A", vez que esta não dispõe de lei própria.
A analogia, portanto, implica em existir uma sem e­
lhança entre a hipótese tomada com o padrão (aquela que
está disciplinada por lei) e a hipótese a ser resolvida (sem
que haja norma disciplinadora a respeito). A lei existente
para uma situação é “arrastada" para suprir a falta de lei
na outra.
A analogia admite duas espécies:

a) “ analogia legis” (‘ analogia da lei’);


b) “ analogia juris" (‘analogia do direito').

A “ analogia leg is” é aquela resultante da utilização de


uma lei aplicável à hipótese semelhante em um caso que
não disponha de lei específica. A “ analogia juris” é a resul­
tante da aplicação de princípios jurídicos em um caso simi­
lar. Na primeira, utiliza-se a lei; na segunda, os princípios
de direito.
Com o já ficou retratada antes, a lei não pode prever
todas as situações capazes de ocorrer na prática, mormen­
te quando a sociedade é permanentemente dinâmica em

291
Orlando de Almeida Secco

sua evolução e nos relacionamentos. Mas, se os fatos novos


mantêm alguma similitude com outros preexistentes, nada
obsta que se use a lei destinada a estes na regulamentação
daqueles outros. Diga-se o mesmo com relação aos princí­
pios utilizáveis para resolver os conflitos oriundos de um
novo instituto jurídico que surja.
Como bem realça HERMES LIMA:

“Na afinidade de fato e na identidade de razão vai bu s­


car a analogia seu s fundam entos com o processo revela­
dor do direito.
Essa afinidade perm ite que o fato não previsto possa
ser regulado sem recurso ao legislador. Embora m ate­
rialm ente diferentes, são juridicam ente sem elhantes”.

Os exemplos tradicionais da utilização da Analogia


nos são dados pelo próprio HERMES LIMA, quais sejam:

“ a) se a lei diz que o indivíduo que causa prejuízo a


outrem deve reparar o dano, o m esm o princípio
deve estender-se, por analogia, às pessoas jurí­
dicas;
b) a garantia da evicção aplicável aos contratos de
compra e venda, analogicamente, se aplica aos
contratos translativos a título oneroso;
c) se a lei admite a influência do dolo com o causa de
nulidade dos contratos, analogicamente, aplicará
a mesma regra aos negócios jurídicos” .

Questão relevante é saber-se até que ponto a Analogia


pode ser aplicada com o fonte subsidiária. Haverá ramos do
Direito que restringem a utilização da Analogia?
Em matéria de Direito Civil, parece-nos pacífica a uti­
lização da Analogia, porque ela está expressamente autori­
zada nos seguintes diplomas legais:

292
Introdução ao Estudo do Direito

a) “Lei de Introdução ao Código Civil", artigo 4^;


b) “ Código de Processo Civil” , artigos 126 e 335.

No Direito do Trabalho está expressa a utilização da


Analogia no artigo 8a da “Consolidação das Leis do Trà-
balho" (C.L.T.).
No Direito Tributário também está permitida a sua uti­
lização, conforme dispõe o “Código Tributário Nacional",
artigo 108, inciso I.
Parece-nos que o grande problema da utilização da
Analogia repousa no Direito Penal, onde de um lado,
NELSON HUNGRIA e GALDINO SIQUEIRA não admitem a
sua utilização em questões penais e, de outro lado, são
favoráveis à sua utilização ANÍBAL BRUNO, MAGALHÁES
NORONHA e FREDERICO MARQUES, dentre outros.
Entendemos que a Analogia se aplique tam bém na
esfera penal, mas, tão-somente, quando de uma alguma
forma possa beneficiar ao acusado no que concerne à ilici­
tude do ato e à m itigação da pena. É admissível, portanto,
a utilização em matéria penal da chamada “ analogia in
bonam partem" (‘analogia mais favorável à parte’ ou se
preferirem ‘analogia que seja benéfica ao acusado’ ).
Questão interessante formula e em seguida soluciona
NANCY ARAGÃO:

"Dê a distinção entre interpretação e analogia:


R esposta: a diferença en tre a interpretação da lei e
aplicação da analogia con siste no fa to de, com a p ri­
m eira, buscar-se o sentido de tex to de lei obscuro ou
in certo; enquanto que, com a segunda se busca p reen ­
ch er a lacuna da lei, que não previu determ inada
situação, buscando solucioná-la m ediante a aplicação
de outro dispositivo legal que regule casos sem elhan­
tes;

293
Orlando de Almeida Secco

85. A noção de Costumes é bastante antiga, posto


que segundo os historiadores e tratadistas os gregos e os
romanos já os conheciam. Os primeiros através das “ nómos
ágraphos” (‘normas não escritas') e, os segundos, através
o “jus non scriptum” (‘direito não escrito’).
Modernamente os Costumes têm grande relevância no
direito inglês, o qual possui essencialm ente duas fontes,
respectivamente, a "comraon law " (‘direito costumeiro’) e o
“ statute la w ” (‘direito legislado’). Para os ingleses, a “ com-
mon la w ” é uma coletânea de decisões judiciais, constitu­
tivas do chamado “case law " (‘precedente judicial’). Esse
precedente nada mais é do que a decisão prolatada judi­
cialmente sobre um caso concreto que foi levado à aprecia­
ção do Judiciário, passando, então, a constituir o m odelo a
ser obrigatoriamente adotado para decidirem-se os casos
idênticos que futuramente surjam. A decisão para o caso
"a", o tal precedente, será repetida para os casos futuros,
“b ", " c ” , “d ", e assim por diante, se idênticas forem as
hipóteses submetidas a julgamento.
Têm os precedentes do direito anglo-saxão a força de
uma lei, daí se poder traduzir também ao pé-da-letra “ case
la w ” com o sendo o ‘caso-lei’ , isto é, o caso já julgado que
se torna uma lei por constituir uma decisão precedente e
que tornar-se-á obrigatória para todos os casos idênticos
subseqüentes, ainda que passados anos.
Segundo o “Black’s Law Dictionary”, que dá as defini­
ções dos termos e frases das jurisprudências americana e
inglesa, antiga e moderna, “com m on la w ” tem o seguinte
significado:

“A s distinguished from the Roman Law, the m odem


civil law, the canon law, and the other system s, the
com m on law is that b od y o f la w and juristic theory
w hich w as originated, developed and form ulated and
is adm inistered in England (...).

294
Introdução ao Estudo do Direito

(...) The com m on law com prises the b od y o f th ose prin­


cipies and rules o f action, relating to the governm ent
and secu rity o f persons and property, w hich derive
their authority solely from usages and custom s o f
im m em orial antiquity, or from the judgm ents and
d ecrees o f the courts recognizing, affirmmg, and enfor-
cing such usages and custom s; and, in this sense, par-
ticularly the ancient unw ritten law o f England".

Traduzindo:

T ã o distinto do D ireito Romano com o o m oderno Di­


reito Civil, o Direito Canônico, e os outros sistemas, o
Direito Costum eiro é aquele corpo de leis e de teoria
jurídica que se originou, desenvolveu, foi formulado e é
administrado na Inglaterra (...).
(...) O D ireito Costum eiro com preende a corporificação
daqueles princípios e regras de ação relacionados com
o governo, com a segurança das pessoa s e a proprieda­
de, derivando a sua autoridade exclusivam ente dos
usos e costum es de uma antigüidade imemorial, ou dos
julgam entos e d ecretos dos Tribunais reconhecendo,
afirmando e com pelindo tais usos e costum es; e n esse
sentido 'particularm ente, é o velho direito nâo-escrito
da Inglaterra'.

Os costumes, de fato, são entendidos com o sendo os


procedim entos constantes e uniformes adotados por um
grupo social e por esse mesmo grupo tidos com o obrigató­
rios. Assim, é a prática reiterada e constante de determina­
dos atos que acaba por gerar a mentálização de que tais
atos sejam essenciais para o bem da coletividade. De gera­
ção em geração se transmite a idéia, a qual se consolida, se
aperfeiçoa, se incorpora ao cotidiano, e acaba por tornar-se
obrigatória a partir daí.

295
Orlando de Almeida Secco

Como assinala PORTO CARREIRO:

“Os costumes aparecem com a ‘p rática de atos', refor­


m ulados pela experiência com a finalidade de regula­
m entar as relações inter-hum anas e estatuir regras de
conduta intragrupal”.

Seguindo os ensinamentos de FERRARA, podem os


aduzir que os costum es se estabelecem no seio social em
face da observância repetida e pacifista de certos usos.
Esses usos, forma embrionária de direitos, neles se conver­
terão a partir do instante em que socialmente passar a ser
vedada a conduta diferente de cada um. A í está configura­
do o exato momento em que os usos passam a ser incorpo­
rados e tidos com o obrigatórios.
Para chegar-se ao costum e há uma suposta progres­
são. Uma escala que vai evoluindo gradativamente.
Inicialmente, surge o ‘hábito’ que é um m odo indivi­
dualizado de agir e que se repete com relativa freqüência,
só tendo valor para aquele indivíduo que assim age. Do
hábito passa-se mais adiante ao ‘u so’, que é o m odo sem e­
lhante de agir pelos diversos membros com ponentes da
sociedade. O uso é o agir de m odo semelhante e reiterado
já agora por uma coletividade e não mais por uma só p e s­
soa. N esse exato momento em que o hábito (modo de agir
individual) se transfigura em uso (modo de agir coletivo),
surge a mentalização de que a prática desses atos é essen­
cial e necessária para todos. Temos, então, a 'convicção' ou
‘reconhecimento do u so’ com o útil à sociedade. Daí para o
‘costum e’ basta que o ‘u so’ seja muitas vezes repetido e
que a ‘convicção’ permaneça firme no sentido de ser uma
necessidade social agir da forma adotada.
HERMES LIMA assinala que, com o fonte de direito, os
Costumes apresentam dois elementos constitutivos:

296
Introdução ao Estudo do Direito

"Um externo, objetivo, de natureza m aterial, que é o


uso constante, prolongado - a 'inveterata consuetudo';
o outro de natureza psicológica, interno, subjetivo, o
reconhecim ento geral de sua obrigatoriedade - a 'opi-
nio juris n ecessita tis’.
A s definições do direito costum eiro destacam sem pre
os dois elem entos acim a. Está nas ‘Institutas’: 1Direito
não escrito é o que o uso tem comprovado; pois os cos­
tumes antigos comprovados pelo consentim ento dos
que os seguem parecem-nos leis'”.

Entendido o que sejam os Costumes, resta-nos concei­


tuar o Direito Consuetudinário ou Direito Costumeiro com o
sendo o decorrente da observação e respeito às normas jurí­
dicas não escritas, isto é, normas resultantes de práticas
sociais reiteradas, constantes e tidas com o obrigatórias.
Predominando em nosso Direito a legislação escrita,
poder-se-á utilizar o Costume? Certamente que sim, mas
apenas com o fonte subsidiária.
A “Lei de Introdução ao Código Civil" dispõe, no arti­
go 4a, que se poderão usar os Costumes, quando a lei for
omissa.
No Código Civil, por exemplo, tem -se referência à uti­
lização do Costume no artigo 569, inciso II: “ (...) segundo o
costum e do lugar” .
Na Consolidação das Leis do Trabalho (C.L.T.), os usos
e costum es são admissíveis, conforme dispõe o artigo 8a.
No Código de Processo Civil, o Direito Consuetudi­
nário é cabível, segundo o artigo 337.
No Direito Comercial é que os Costumes tinham gran­
de repercussão!
O quadro mudou, contudo, recentemente e isso por­
que toda a “Parte Primeira" do Código Comercial - Lei nfi
556, de 25 de junho de 1850 - com posta pelos artigos Ia a

297
Orlando de Almeida Secco

456, foi revogada pelo novo Código Civil, com o expressa­


mente declarado por este, em seu artigo 2.045.
Mas, apesar dessa invasão de um código novo em
outro bem antigo, pelo m enos um dos dispositivos revoga­
dos do Código Comercial, o artigo 168, que fazia referência
aos usos do com ércio (costumes), foi não só mantido com o
até m esmo revitalizado pelo novo C ódigo Civil, em seu arti­
g o 695.
Os Costumes admitem três espécies:

a) “contra legem ” (‘contrários à lei’);


b) “ secundum legem ” (‘conforme a lei’);,
c) "praeter legem " (‘além da lei’).

O Costume “ contra legem ” , por opor-se à lei, não tem


admissibilidade em nosso Direito. Há quem confunda co s ­
tume “ contra legem ” com desuso da lei. Quando uma lei
perde a sua eficácia em razão de não ser usada estamos
diante de um desuso da lei, e não de um costume "contra
legem ” . Assim, nos cinemas, mais especificam ente nas
salas de projeção, onde por lei é proibido fumar, o costum e
de fazer-se exatamente o contrário não desm erece a lei. Ela
continuará prevalecendo, sujeitando os infratores à multa
prevista. Felizmente nos dias atuais já há uma melhor com ­
preensão da parte dos fumantes no tocante aos incôm odos
e os riscos que causam em ambientes fechados, pelo que o
respeito à lei que proíbe fumar nessas dependências vem
sendo rigidamente observado. Não fora assim, certo é que
a lei prevalecerá sempre, em que pese haver um costume
em m odo contrário. Já a lei em desuso (o chamado “ desue-
tudo") é praticamente uma ‘letra morta’ de origem; ela já se
tornou ineficaz de nascença.
O Costume "secundum legem ” , por estar de acordo
com o disposto pela lei, serve-lhe de interpretação e de

298
Introdução ao Estudo do Direito

reforço. N esse caso é o tipo de Costume que esclarece a lei,


por estar em perfeita sintonia com ela.
Finalmente, o Costume “praeter legem ” é o utilizável
quando a lei for omissa, para preencher a lacuna da
mesma. É o Costume que se considera efetivamente com o
sendo uma fonte subsidiária do Direito.

86 . Os PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO constituem a


essencialidade do Direito. É deles que são retirados os p os­
tulados que servirão de suporte à regulamentação da socie­
dade sob o aspecto jurídico, fixando os padrões e orientan­
do os preceitos que serão traduzidos pela legislação.
São princípios que se consolidaram com o passar dos
tem pos e sobre os quais se apóia toda a estrutura do
Direito. Tais princípios, contrariando o que se possa supor,
não estão formulados materialmente. Não constam de
nenhum diploma legal. Apesar disso, são conhecidos, por­
que a eles se pode chegar por meio de deduções ou pelo
exame mais acurado do Direito Positivo. Na realidade, os
Princípios Gerais do Direito são os sustentadores, informa­
dores e norteadores do Direito Positivo. Tal idéia é refletida
pela Corrente Doutrinária Positivista, segundo a qual os
Princípios Gerais de Direito são aqueles que o Ordenamento
Jurídico consagrou, estando evidenciados nas leis.
A Corrente Doutrinária Jusnaturalista interpreta que
tais princípios simbolizam o Direito Natural, sendo, portan­
to, postulados acima do Direito Positivo e com o tal univer­
sais, eternos e imutáveis. Sustentada inicialmente por
GIORGIO DEL VEC CHIO, tal concepção hoje não tem mais
equilíbrio nem muita aceitação.
A definição ideal desses princípios nos dá COVIELLO,
reproduzidas textualmente por HERMES LIMA:

"Princípios Gerais de Direito são aqueles princípios em


que se assenta a legislação positiva e, em bora não se

299
Orlando de Almeida Secco

achem form ulados em nenhum lugar, formam o pressu ­


p osto lógico necessário das várias norm as dessa legis­
lação".

Entre nós quem parece ter enfrentado mais diretamen­


te a questão conceituai desses princípios foi MIGUEL
REALE, que afirma a certa altura, em sua obra:

"A nosso ver, princípios gerais de direito são enuncia-


çõ es norm ativas de valor genérico, que condicionam e
orientam a com preensão do ordenam ento jurídico, quer
para a sua aplicação e integração, quer para a elabora­
ção de novas normas. Cobrem, desse m odo, tanto o
cam po da pesquisa pura do Direito quanto o de sua
atualização prá tica”.
(...) "A maioria dos princípios gerais de direito, porém ,
não constam de tex tos legais, m as representam con tex­
tos doutrinários ou dogm áticos fundam entais”.
(...) “Bastará dar alguns exem plos para se verificar a
com plexidade e variedade d esses con ceitos ou pensa­
mentos gerais que informam a Jurisprudência. Eles se
abrem num lequ e de p receitos fundam entais, desde a
m tangibilidade dos valores da pessoa humana, (...), até
os relativos à autonom ia da vontade e à liberdade de
contratar; à boa-fé com o pressu posto da conduta jurí­
dica; à proibição de locupletam ento ilícito; ao equilíbrio
dos contratos de onerosidade excessiva para um dos
contratantes; (...)”.

Para o eminente jurista, a m esma conclusão - já ante­


riormente assinalada - segundo a qual os Princípios Gerais
de Direito se desenvolvem no plano do Direito Positivo.
Trata-se, pois, de renomado doutrinador que se tornou um
defensor da Corrente Doutrinária Positivista.

300
Introdução ao Estudo do Direito

Podemos chegar aos Princípios Gerais partindo das


leis e seguindo, então, por generalizações sucessivas
(método indutivo). Há que se caminhar de norma jurídica
em norma jurídica para encontrarem-se os princípios espe­
cíficos, com uns a todas elas; depois, de princípios específi­
cos em princípios específicos, até encontrar os princípios
gerais sustentadores dos mesmos. É, assim, uma longa
caminhada, feita através de com parações, abstrações e
principalmente de generalizações.
Os Princípios Gerais de Direito têm a sua admissibili­
dade prevista em nosso Direito, destacando-se;

1. Lei de Introdução ao Código Civil, artigo 4£;


2. Código de Processo Civil, artigo 126;
3. Consolidação das Leis do Trabalho, artigo 8^;
4. Código Tributário Nacional, artigos 108, inciso II,
e 109.

Dentre os Princípios Gerais do Direito consagrados


pelo n osso Direito, m erecem destaque os seguintes, inseri­
dos que estão na nossa Constituição Federal:

a) Todos são iguais perante a lei, sem distinção de


qualquer natureza (art. 5& caput);
b) Nenhuma pena passará da pessoa do condenado
(art. 52, inciso XLV);
c) aos acusados em geral são assegurados o contra­
ditório e ampla defesa... (art. 5a, inciso LV);
d) A educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segu­
rança, a previdência social, a proteção à materni­
dade e à infância e a assistência aos desampara­
dos são direitos sociais (art. 6®);
e) Proporcionar os meios de acesso à cultura, à edu­
cação e à ciência é com petência comum da União,

301
Orlando de Almeida Secco

dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios


(art. 23, inciso V).

No artigo 7^ da Constituição Federal, estão consagra­


dos diversos princípios concernentes ao trabalho com o
obrigação social e aos direitos dos trabalhadores, em plena
coincidência com os Princípios Gerais de Direito adotados
pela Civilização Ocidental.

87. A DOUTRINA (jurídica, no caso) é também uma


das fontes subsidiárias do Direito. Consiste em uma forma
expositiva e esclarecedora do Direito, feita pelo jurista, p es­
soa essa a quem cabe o estudo aprofundado da ciência. A
Doutrina é, conseqüentem ente, o Direito resultante de
estudos voltados para sua sistematização, esclarecimento,
adequação e até m esmo para a inovação.
Através da Doutrina podem ser alcançadas diversas
proposições:

a) apresentação detalhada do direito em tese;


b) classificação e sistematização do direito exposto;
c) elucidação e interpretação dos textos legais e dos
direitos cientificamente estudados;
d) concepção e formulação de novos institutos jurí­
dicos.

Tinha razão SAVIGNY ao denominar a Doutrina com o


sendo o "Direito Científico” .
A Doutrina admite três espécies:

a) dogmática;
b) técnica;
c) crítica.

A dogm ática é a essencialmente criadora. Acompanha


a evolução da sociedade. Analisa as várias instituições jurí­

302
Introdução ao Estudo do Direito

dicas, insere aperfeiçoamentos e realiza inovações, intro­


duzindo novas teorias, conceitos e normas.
A técnica é com a qual se consegue esclarecer o
Direito, revelá-lo, interpretá-lo enfim.
A crítica é que aponta as lacunas e as deficiências da
legislação, abrindo perspectivas ilimitadas com vistas ao
aperfeiçoamento e atualização do Direito frente à evolução
social.
A Doutrina está inserida dentre as fontes subsidiárias
do Direito que não são unanimemente aceitas pelos trata-
distas! Há até m esmo alguns que não a considera fonte,
mas que, apesar disso, vêem nela um papel de inegável
valor no desenvolvimento da ciência jurídica. Justifica-se
isso porque ela processando-se no plano teórico culmina
por fornecer subsídios muitíssimo relevantes não só para
os legisladores com o até mesmo e, principalmente, para os
julgadores.
M anifestando-se acerca da Doutrina com o fonte subsi­
diária do Direito, PAULO NADER assinala que: “Moderna­
mente os estudos científicos, reveladores do Direito vigen­
te e de suas tendências, não obrigam os juizes. A doutrina
não é fonte formal, porque não possui ‘estrutura de poder’ ,
indispensável à caracterização das formas de expressão do
Direito” .
Concordamos plenamente com tal assertiva, mas, sem
pairar dúvida alguma, quem acostumado esteja à prática
diária da atividade forense constatará que não são poucas
as decisões judiciais cuja fundamentação resulte apoiada
em determinada obra de um consagrado jurista.
Tal aspecto revela acima de tudo a força que o estudo
científico do Direito tem na atuação prática da legislação
aplicada ao caso concreto. Além disso, inegável é a contri­
buição da Doutrina no aperfeiçoamento da legislação, esta
em constante formação.

303
Orlando de Almeida Secco

A. L. MACHADO NETO posiciona a Doutrina com o


fonte jurídica e a entende com o sendo:

“(...) A obra científica dos jurisprudentes ou juristas


com entando a legislação, os costum es e a jurisprudên­
cia, procurando realizar a necessária coerência do sis­
tem a jurídico e construir os institutos à base das dispo­
sições norm ativas vigentes. É a obra do jurista na tare­
fa teórica e prática de construir a ciência e a técnica
jurídica”.

Expressão da máxima importância desse saudoso


mestre é a que assegura:

"Na evolução histórica a doutrina descreve uma traje­


tória inversa ou oposta à do costume. E ste foi, histori­
cam ente, a prim eira fon te; a doutrina, flor de civiliza­
ção jurídica, é o produto outonal da vida do direito; é a
derradeira. Enquanto o costum e vem perdendo terreno,
(...) a doutrina vem ganhando terreno".

88. A JURISPRUDÊNCIA é a coletânea das decisões


proferidas pelos Tribunais.
Significa ser ela o entendimento que da lei têm aque­
les cuja missão precípua é aplicá-la.
Aqui entre nós a jurisprudência resulta dos julgamen­
tos feitos pelas turmas julgadoras, as quais são com postas
por Ministros ou por Desembargadores, órgãos colegiados
de julgamento. Essas turmas diferem dos Juizes de Direito
porque estes julgam isoladamente e não em grupo. Antes
tínhamos também a jurisprudência resultante dos julga­
mentos coletivos feitos pelos Juizes dos Tribunais de
Alçada (Cível e Criminal). Tais tribunais atualmente foram
extintos com a reforma do Poder Judiciário. Repetindo,
jurisprudência são aquelas decisões que resultam da mani­

304
Introdução ao Estudo do Direito

festação do pensam ento coletivo, ao qual se chega através


do voto individual de cada um, convergente e no m esm o
sentido dos votos dos demais membros.
A jurisprudência para nós tem, na prática, uma certa
afinidade com o “case la w ” do sistema anglo-saxônico.
Efetivamente, o que se deseja através dela é estabelecer
uma uniformidade e uma constância das decisões para os
casos idênticos. É criar-se em nosso sistema jurídico, por
assim dizer, a figura do chamado “precedente judicial” .
Segundo CARLOS COSSIO:

"A Lei reina e a Jurisprudência governa,

Todavia, a diferença existente entre a nossa Juris­


prudência e o precedente do sistema inglês é que, para
nós, uma decisão única não cria propriamente a regra a
predominar. Em nosso País, das sentenças de primeira ins­
tância, também chamado primeiro grau (Juizes das Varas
Cíveis, das Varas Criminais, das Varas de Família, das
Juntas de Conciliação e Julgamento, das Varas Federais
etc.), cabem recursos à segunda instância ou segundo grau
(TVibunal de Justiça, Tribunal Regional do Trabalho,
Tribunal Regional Federal etc.). Desses recursos, após
terem sido julgados pela segunda instância através dos
denom inados acórdãos, poderá, ainda, em determinadas
hipóteses, caber um novo julgamento, seja ele mediante
recurso especial direcionado ao egrégio Superior Tribunal
de Justiça (S.T.J.) ou recurso extraordinário ao egrégio
Supremo Tribunal Federal (S.T.F.) - (Constituição Federal,
art. 102, inciso III) - quando a decisão recorrida, neste últi­
mo caso:

a) contrariar dispositivo da Constituição Federal;


b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei
federal;

305
Orlando de Almeida Secco

c) julgar válida lei ou ato de governo local contesta­


do em face da Constituição Federal.

Assim, dada a pluralidade de Tribunais e de jurisdi­


ções, não seria de todo inviável obterem-se decisões dife­
rentes para casos idênticos.
Em face dessa oscilação perfeitamente compreensível,
o que para nós vem a constituir o precedente judicial é a
jurisprudência predominante, isto é, os julgados constan­
tes e uniformes sobre determinadas matérias. Não basta,
portanto, uma decisão isolada; é preciso uma repetição tal
que enseje a chamada uniformização da jurisprudência, ou
seja, decisões voltadas sempre para um m esm o sentido.
A jurisprudência é, pois, a interpretação dada à lei
pelos julgadores, estabelecendo, de certa forma, o parâme­
tro pelo qual deverão ser julgados todos os casos idênticos.
Como bem argumenta FLÓSCOLO DA NÓBREGA:

"Cumprir a jurisprudência consagrada não é para o ju iz


apenas uma questão de com odidade, ou conform ismo,
m as um im perativo da ordem e segurança jurídica.
Nada m ais contrário ao direito que a incerteza e insta­
bilidade, e nada desacredita m ais a justiça e leva a d es­
crer de sua virtude, do que a versatilidade de suas d eci­
sões. O ju iz tem o dever funcionai de m anter a unidade
da jurisprudência com o condição para assegurar a con ­
fiança e respeito nas decisões da justiça"

A Jurisprudência pode ser:

a) “ secundum legem ” (‘conforme a lei’);


b) “praeter legem ” ('além da lei’).

Discordamos dos que acrescentam uma terceira espé­


cie, a "contra legem " (‘contra a lei’).

306
Introdução ao Estudo do Direito

A "secundum legem ” nada mais é do que a interpreta­


ção da lei realizada pelos juizes, harmonizando perfeita­
mente o disposto pelo texto legal e o sentido atribuído ao
mesmo.
A "praeter legem ” é a Jurisprudência que preenche as
lacunas da lei. É a Jurisprudência que se considera efetiva­
mente fonte subsidiária do Direito.
A preocupação com a uniformização da Jurispru­
dência em nosso Direito atualmente é imensa! Tanto assim
que no C ódigo de Processo Civil há um capítulo inteiramen­
te dedicado a tal finalidade, nos artigos 476 a 479, assim
denominado: “Da Uniformização da Jurisprudência".
No Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal,
há também uma seção específica sobre a Jurisprudência
(artigos 99 a 103).
Diz o artigo 102:

“A Jurisprudência assentada pelo Tribunal será com ­


preendida na Súmula do Supremo Tribunal Federal".

Afirma PAULO DOURADO DE GUSMÃO:

“No sistem a continental, isto é, no direito codificado,


com o, por exem plo, é o caso do nosso, o valor da juris­
prudência com o fon te de direito é relativo, apesar de, na
realidade, o direito decorrer da interpretação dos tribu­
nais. A s decisões de Tribunais superiores são constante­
m en te invocadas pelas partes e servem , m uitas vezes,
de reforço para as decisões de instâncias inferiores.
Entre nós, o Supremo Tribunal Federal editou Súmulas
de sua Jurisprudência predom inante, que representa a
interpretação oficial do direito dessa egrégia Corte".

Indaga-se com muita freqüência: a Jurisprudência é


fixa e imutável? A resposta, certamente, será não! A

307
Orlando de Almeida Secco

Jurisprudência, em princípio, não é fixa nem é imutável!


Adaptar-se-á aos novos valores, à m edida que a Sociedade
e o.Direito forem evoluindo e mudando de conceitos. No
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, artigo
103, inclusive, está expresso:

"Qualquer dos M inistros p od e propor a revisão da juris­


prudência assentada em m atéria constitucional e da
com pendiada na Súmula, proceden do-se ao sobresta-
m ento do feito, se n ecessário"

A Jurisprudência brasileira é revelada, principalmen­


te, pelo Diário Oficial, existindo, porém, inúmeras revistas e
pu blicações especializadas em divulgá-las, além dos
modernos recursos colocados à nossa disposição pela
Informática (CD-ROM e disquetes, para exemplificar).

Apenas a título de ilustração, mencionemos algumas


Jurisprudências muito antigas para que se tenha a perfei­
ta idéia das suas importâncias até hoje:

1. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro -


“O direito que tem o advogado de consultar autos,
não é um direito absoluto, que não conhece limita­
ções. Por igual, é-lhe vedado o ingresso na sala de
sessões onde ocorre julgamento em segredo de
justiça, se não é procurador dos Contendores ou
parte no feito” . (Acórdão unânime. Recurso n^
1.998 - Registrado em 26-08-80 - Julgado em 15-
05-80 - Relator: Desembargador HAMILTON DE
MORAES E BARROS). Publicada no Ementário na
33/80 - Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro
- Poder Judiciário - Parte III - 16-10-80, pág. 63.

2. Ex-Tribunal Federal de Recursos (T.F.R.).

308
Introdução ao Estudo do Direito

“Súmula ns 30 - Conexos os crimes praticados por


policial militar e por civil, ou acusados estes com o
co-autores pela m esm a infração, com p ete à
Justiça Militar Estadual processar e julgar o poli­
cial pelo crime militar (C.EM., art. 9 a ) e à Justiça
Comum, o civil” (Referência - Constituição
Federal, art. 144, § 1^, “d ” , com a redação da EC
n&7, de 1977). Publicada no Diário da Justiça
(União), em 23-10-80, pág. 8.581.

3. Supremo Tribunal Federal -


“Súmula na 494 - A ação para anular venda de
ascendente a descendente, sem consentimento
dos demais, prescreve em vinte anos, contados
da data do ato, revogada a Súmula ns 152".
Publicada no Regimento Interno e Súmula do
S.T.F. - Forense - 1979, pág. 238.

No último exemplo dado acima, pode-se até m esm o


verificar o que dissem os antes: a Jurisprudência não é fixa
nem é imutável! A Súmula ns 152 do Supremo Tribunal
Federal está expressamente revogada pela Súmula n^ 494
daquela egrégia Corte. Apenas para esclarecim ento, na
Súmula revogada o prazo prescricional era de quatro anos,
passando a ser de vinte anos na Súmula mais recente.
Dizia a revogada Súmula n£> 152: “A ação para anular venda
d e ascendente a descendente, sem o consentim ento dos
demais, prescreve em quatro anos, a contar da abertura da
su cessã o” .

89. A s fontes do Direito, com o dissemos, subdividem-


se em imediata (Lei) e mediatas (Analogia, Costumes,
Princípios Gerais de Direito e Jurisprudência). Embora
existam opiniões divergentes, citam-se, ainda, com o fontes
mediatas, a Eqüidade, os Tratados Internacionais, os Atos

309
Orlando de Almeida Secco

e os N egócios Jurídicos. Devemos considerar estas últimas


indicações com o fontes também, apesar de reconhecida­
mente possuírem grandeza de menor expressão. Digamos
que elas sejam fontes subsidiárias de um segundo escalão,
para posicionar-se bem a diferença existente.
Que são fontes subsidiárias, não há a menor dúvida! A
Eqüidade, por exemplo, está expressamente prevista no
artigo 82 da Consolidação das Leis do Trabalho (C.L.T); os
Tratados Internacionais estão m encionados no artigo 96 do
Código Tributário Nacional. Os N egócios Jurídicos estão
previstos no artigo 104 do novo Código Civil.
Façamos aqui uma breve conceituação de cada uma
dessas fontes.
A Eqüidade fora definida por ARISTÓTELES, em
"Ética” , com o sendo “ a régua flexível que se adapta ao
contorno dos objetos que se deseje medir".
Analogicam ente à idéia de ARISTÓTELES foi dito que
a Eqüidade se assemelha, por exemplo, a se pretender
medir uma pedra. Tantos são os contornos e as reentrân­
cias que somente uma régua de chum bo poderia permitir a
determinação da sua medida exata, isto porque é uma
régua flexível que p ode se adaptar perfeitamente às diver­
sas curvas existentes. Assim é a Eqüidade, amoldando a
norma rígida e abstrata para que ela se torne justa quando
aplicada a cada caso em particular.
Filosoficamente, Aristóteles já apregoara que, em cer­
tas hipóteses, far-se-ia indispensável abrandar o rigor das
leis, excessivamente abstratas e genéricas, chegando-se,
então, ao que chamou de “justo legal” . Assinalou que é
esta a razão de ser da Eqüidade, a qual aparece com o uma
espécie de justiça distinta da contida na própria lei. É a jus­
tiça do caso em particular, que permite adaptar-se uma lei
abstrata ao mesmo, abrandando os seus efeitos.
Tratados Internacionais são os acordos firmados, por
escrito, entre Estados soberanos, regulamentando as rela­

310
Introdução ao Estudo do Direito

ções entre as partes signatárias, que, em face disso, assu­


mem ob rig a ções recíprocas, extensivas aos dem ais
Estados que manifestem as suas adesões.
Quanto aos Atos e N egócios Jurídicos, cremos que no
Capítulo VII já ficariam bem solidificadas as suas concei-
tuações.

311
Capítulo XIX
Conflito de Leis no Tempo.

90. Vigência temporária da Jei - 91. .Revogação da lei - 92. Lei ripristi-
natária - 93. Os conflitos de leis no tempo e suas soluções - 94. Princípio
da irretroatividade da lei - 95. Retroatividade e ultratividade da lei.

90. A specto que se reveste de excepcionalidade é o


da vigência temporária da lei. Assim dizemos por que é
considerada uma exceção a lei que tenha um tem po deter­
minado de vigência. O normal é a lei vigorar até que outra
lei a modifique ou revogue; com duração, portanto, sem
qualquer determinação de prazo.
A lei temporária é então aquela que vigorará por lapso
de tem po prefixado. Sabe-se, de antemão, o início e o fim
da sua vigência, da sua eficácia. É uma lei dotada de ‘auto-
revogação’ , posto que terminado o prazo de vigência, nela
previsto, fica automaticamente revogada, isto é, cessam a
sua obrigatoriedade e os seus efeitos.
Exemplificando a lei temporária, temos:

1. Decreto-Lei ne 1.117, de 10 de agosto de 1970,


concedendo isenção de imposto (IPI) às máqui­
nas e implementos agrícolas. Dizia o artigo 62 da
aludida legislação:

"As isen ções outorgadas p or este decreto-lei vigorarão


até o dia 31 de dezem bro de 1974".

2. Lei nQ 5.174, de 27 de outubro de 1966, dispondo


sobre a concessão de incentivos fiscais em favor
da Região Amazônica. No artigo 1^, consta:

313
Orlando de Almeida Secco

“Na forma da legislação fiscal aplicável, gozarão as


p essoas jurídicas, a té o exercício de 1982, inclusive, de
isenção do im posto de renda e quaisquer adicionais a
que estiverem sujeitas,

3. Lei nfi 5.279, de 27 de abril de 1967, cujo artigo le


assim dispunha:

“Fica prorrogado por 15 (quinze) dias úteis o prazo para


apresentação das declarações do im posto de renda,
p elas pessoas físicas e jurídicas, no p resen te exercício".

Nos exemplos acima, com o facilmente se constata, há


limitação de prazos, fixados na lei, para exercitarem-se os
direitos pelos m esmos estabelecidos.
Na Ia parte do artigo 2e da "Lei de Introdução ao
Código Civil” , pode-se observar a referência feita às leis
temporárias, vazada nos seguintes termos:

“Não se destinando à vigência temporária, a lei terá


vigor até (...)".

91 . Como dissem os, se a lei temporária é a exceção, a


lei sem vigência delimitada no tempo será a regra.
De fato, o normal é que ao entrar em vigor permaneça
assim até que uma outra lei a modifique ou revogue.
Complementando-se o artigo 2a de “Lei de Introdução
ao Código Civil” , acima parcialmente transcrito, tem -se a
seguinte redação:

“Não se destinando à vigência temporária, a lei terá


vigor a té que outra a m odifique ou revogue".

Devemos, então, agora esclarecer o que vem a ser a


revogação.

314
Introdução ao Estudo do Direito

Denomina-se revogação de uma lei a perda total ou


parcial da sua eficácia.
A revogação é o gênero que admite duas espécies:

a) ab-rogação;
b) derrogação.

Am bas as espécies admitem subdivisões em expres­


sas e tácitas. A revogação pode, então, ser esquematizada
da seguinte maneira:

a) ab-rogação ou 1. expressa
revogação total 2 . tácita

REVOGAÇAO

a) derrogação ou 1. expressa
revogação parcial 2 . tácita

A b-rogação' é a supressão total de uma lei por outra


lei. A lei revogadora faz com que cesse totalmente a eficá­
cia da lei revogada.
A ‘ab-rogação’ será expressa quando a lei revogadora
declarar textualmente que lei é por ela revogada. Exemplo:
Lei ns 8.245, de 18 de outubro de 1991 (Dispõe sobre as loca­
ções dos imóveis urbanos). Diz essa lei no seu artigo 90:

"Revogam -se as disposições em contrário, especialm ente:


I - O D ecreto-L ei n^ 24.150, de 20 de abril de 1934;
I I - A Lei ne 6.239, de 19 de setem bro de 1975;
III - A Lei n& 6.649, de 16 de m aio de 1979;
I V - A Lei n& 6.698, de 15 de outubro de 1979;

VIII - A Lei n& 8.157, de 3 de janeiro de 1991".

315
Orlando de Almeida Secco

Como se vê, textualmente, indica-se o que üca ab-


rogado.
A ‘ab-rogação’ será tácita quando a lei revogadora,
embora não se referindo expressamente à lei que fica por
ela revogada, apresenta dispositivos que colidem com os
desta ou que regulam inteiramente a matéria de qtíe esta
tratava. É a revogação implícita, em contraposição à deno­
minada revogação expressa, também chamada revogação
explícita.
Exemplificando: Dizia o Decreto-Lei na 6 , de 14 de abril
de 1966 (atualmente já revogado pela também já revogada
Lei na 6.649/79), dispondo sobre o reajustamento dos alu­
guéis, dos imóveis locados para fins residenciais, o seguin­
te: “Artigo la - Quando a modificação do salário mínimo
legal for decretada (...), o reajustamento dos aluguéis de
imóveis locados para fins residenciais, antes da Lei na
4.494, de 25 de novembro de 1964, processar-se-á segundo
a forma prevista no artigo 24 dessa lei, (...)". Posteriormen­
te, entrou em vigor a Lei na 6.205, de 29 de abril de 1975,
estabelecendo a descaracterização do salário mínimo com o
fator de correção monetária e declarando textualmente:
“Artigo le - Os valores monetários fixados com base no
salário mínimo não serão considerados para quaisquer fins
de direito” . “Artigo 2s - Em substituição à correção pelo
salário mínimo, o Poder Executivo estabelecerá sistema
especial de atualização monetária".
Como se conclui, não sendo mais possível utilizar-se o
salário mínimo com o referência para aumentar o valor dos
aluguéis residenciais, a Lei ns 6.205/75 ab-rogara tacita-
mente o disposto pelo Decreto-Lei na 6/ 66.
A ‘derrogação’ é a revogação apenas parcial da lei,
perm anecendo em vigor os dispositivos que não sejam afe­
tados.
A ‘derrogação’ será expressa quando a lei revogadora
declarar textualmente que dispositivos da outra lei está

316
Introdução ao Estudo do Direito

revogando. Exemplo: A Lei na 6.515, de 26 de dezem bro de


1977, regulando os casos de dissolução da sociedade con ­
jugal e do casamento, revogou expressamente diversos
artigos do velho Código Civil:

“A rt. 54 - R evogam -se os arts, 315 a 328 e o § 1^ do art.


1.605 do Códigro Civil e as dem ais disposições em con­
trário".

Ttata-se, no caso, de uma ‘derrogação’ , porque os


demais artigos do velho Código Civil, não tendo sido afeta­
dos, permaneceram vigorando até que sobreveio o novo e
atual Código Civil disciplinando de vez tal matéria jurídica.
A ‘derrogação’ será tácita quando a lei revogadora,
embora não se referindo expressamente à lei que fica par­
cialmente revogada por ela, apresenta dispositivos que
colidem com alguns desta ou que regulam inteiramente a
matéria de que esta tratava em seu texto. Exemplificando:
no Código de Processo Civil, na subseção que cuida da pro­
dução da prova testemunhai, consta que é lícito a cada
parte oferecer, no máximo, dez ( 10) testemunhas (parágra­
fo único, do artigo 407). Na Consolidação das Leis do
Trabalho (C.L.T.), porém, artigo 821, ao tratar das provas,
está expresso: “Cada uma das partes não poderá indicar
mais de três testemunhas, salvo quando se tratar de inqué­
rito, caso em que esse número poderá ser elevado a seis” .
Com o se vê, há uma colisão! Prevalece na Justiça do
Ttabalho o que determina a C.L.T., e não o que dispõe o
Código de Processo Civil, no que concerne ao número de
testemunhas admissíveis com o meios de prova. É, pois,
‘derrogação’ tácita.
Entretanto, os artigos do Código de Processo Civil que
não colidam com os da Consolidação das Leis do Trabalho
perm anecem utilizáveis, embora subsidiariamente, confor­
me dispõe a C.L.T. no seu artigo 769, textualmente: “Nos

317
Orlando de Almeida Secco

casos omissos, o direito processual comum será fonte sub­


sidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo
em que for incompatível com as normas deste Título” .

92. LEI RIPRISTINATÁRIA é a decorrente do que


declara o artigo 2e, parágrafo 3s, da “Lei de Introdução ao
Código Civil".

"Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se


restaura p or ter a lei revogadora perdido a vigência."

Exemplifiquemos melhor:
Uma lei “X ” foi totalmente revogada (ab-rogada no
caso) por outra lei, à qual estam os denominando lei “Y ” . Se
futuramente esta lei “Y ” vier a sofrer também a sua revoga­
ção feita por uma nova lei chamada “Z ” , esse fato não res­
taurará a lei “X ” primeiramente revogada. Teremos agora,
isto sim, duas leis já revogadas, a “X ” e a “Y ” . Para que a
lei “X ” fosse restaurada era preciso que a lei “ Z ” manifes­
tasse expressamente tal intenção.
Do acima exposto, pode-se concluir que a revogação
de uma lei, em regra, é definitiva. A restauração de uma lei
já anteriormente revogada é a exceção.
CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA assim se manifesta
acerca do efeito ripristinatário:

"Em doutrina, a m atéria é controvertida. De um lado,


os que sustentam o 'efeito ripristinatário' im ediato e
autom ático da lei que revoga a lei revogadora, por
entenderem que, apagados os seu s efeitos em razão da
ab-rogação, esta significa haver desaparecido a causa
de ter a primeira lei revogada deixado de vigorar, o que
noutros term os traduz a sua im ediata restauração. Em
oposição, sustenta-se que com a revogação, fica aboli­

318
Introdução ao Estudo do Direito

da inteiram ente a lei; desaparece, perd e a força obriga­


tória/morre".

No exem plo que demos, ‘lei ripristinatária1 seria a lei


"X", isto se a lei “ Z" (‘lei ripristinadora’ ) produzisse efeito
ripristinatário imediato e automático ao áb-rogar a lei “Y” .
Defendemos, porém, a corrente doutrinária que sustenta
não haver o efeito ripristinatário automático. A restauração
da lei já revogada ao nosso modo de ver requer menção
expressa nesse sentido. A própria “ Lei de Introdução ao
C ódigo Civil” parece-nos muito clara a esse respeito.
Confirmando a nossa tese, segue adiante um exemplo
bastante oportuno:
O Decreto na 84.029, de 26-06-79, dera nova redação à
alínea " b ” , do item I, do artigo 54 do Regulamento do
Custeio da Previdência Social. Posteriormente, surgiu o
Decreto ns 85.264, de 17-10-80, que revogou o Decreto ns
84.029/79 citado, nos seguintes termos: “Art. Is - fica revo­
gado o Decreto 84.029, de 26 de setembro de 1979, e resta­
belecida, em conseqüência, a redação original da letra “b ”
do item I do artigo 54 do Regulamento do Custeio da
Previdência Social (...)."
Como se constata, o efeito ripristinatário do Decreto ns
85.264/80 não foi imediato e nem automático. Ibrnou-se
necessária a m enção expressa para concretizar-se a restau­
ração da redação original do Regulamento do Custeio da
Previdência Social, com o o exemplo dado acima esclarece.

93. Podemos agora passar propriamente à explanação


do conflito de leis no tempo propriamente.
Diz-se que há conflito de leis no tem po quando situa­
ções jurídicas constituídas sob a égide de uma lei velha
defrontam-se com as disposições da lei nova revogadora
daquela. O problema, então, consiste em se definir se a lei
velha continua a surtir efeitos mesmo depois de revogada,

319
Orlando de Almeida Secco

se a lei nova deve produzir efeitos anteriores mesmo à sua


vigência, ou se devem ser aplicadas ambas as leis, sendo a
lei velha até entrar em vigor a lei nova, e a lei nova a partir
da data da sua vigência.
HERMES LIMA afirma:

"Do fato de uma lei suced er a outra, regulando de m odo


diferente a m atéria de que a prim eira se ocupava, resul­
tam problem as que formam o 'conflito de leis no
tem po'. E sse conflito decorre de circunstâncias tais
com o subsistirem conseqüências da lei antiga sob o
im pério da lei nova; de situações criadas pela lei antiga
que na lei nova não encontram m ais apoio.
Que lei se deve aplicar em tais casos, com o resolver-se
a questão nos seus m últiplos a sp ectos?"

O conflito de leis no tem po não é nada mais do que a


colisão da lei nova com a lei velha, reclamando uma defini­
ção acerca da aplicabilidade só de uma; só da outra; ou de
ambas, sendo uma até um dado momento e a outra a par­
tir daí.
Denomina-se “ Direito Intertemporal” ao conjunto de
regras jurídicas que se destinam a dar solução aos conflitos
de leis no tempo.
O "Direito Intertemporal" é também denominado “Di­
reito Transitório’’ , e contém as regras a serem seguidas
para solucionar tais conflitos de leis no tempo.
Fato comum é o legislador preocupar-se antecipada­
mente com o possível conflito, tomando, então, medidas
preventivas, já na própria lei nova. Essas medidas preven­
tivas, verdadeiras regras de Direito Intertemporal, consti­
tuem as denominadas “D isposições Transitórias” , encon­
tradas em muitas leis. São, por assim dizerem-se, espécies
de ‘am ortecedores’ destinados a equilibrar as coisas no
exato momento em que a lei nova introduz mudanças subs­

320
Introdução ao Estudo do Direito

tanciais e consideráveis, se comparadas à situação regula­


da pela lei velha até então.
Para bem se situar a importância das “Disposições
Transitórias", tomemos com o exemplo a atual “Lei das
Sociedades Anônim as” (Lei na 6.404, de 15 de dezem bro de
1976). Essa lei tem no seu último capítulo, o de número
XXVI, seis artigos (295 a 300) especificamente sobre o
assunto. Como essa lei introduziu m odificações considerá­
veis, se compararmos com o que era antes na vigência da
lei velha (Decreto-Lei n^ 2.267, de 26 de setembro de 1940),
estabeleceu, então, critérios capazes de definir o procedi­
mento a ser adotado na passagem de um regime legal para
o outro. Dentre esses critérios, destacam-se:

a) prazo de entrada em vigor da lei nova fixado em


sessenta (60) dias após a sua publicação, aplican­
do-se, todavia, a partir da publicação às com pa­
nhias que se constituírem (artigo 295). A con ces­
são do prazo de sessenta dias teve em conta
beneficiar as empresas que já existiam, na data
da publicação da nova lei;
b) concessão do prazo de um ano, a contar da entra­
da em vigor da lei, para as empresas existentes
procederem à adaptação do Estatuto Social aos
preceitos da mesma (artigo 296);
c) con cessã o do prazo de cinco anos, tam bém a
contar da entrada em vigor da lei, para as em ­
presas existentes eliminarem as participações
recíprocas que passaram a ser vedadas (artigo
296, § 3a);
d) permissão às companhias existentes, com capital
inferior a cinco milhões de cruzeiros - m oeda em
vigor naquela época -, para se transformarem em
sociedade por quotas de responsabilidade limita­

321
Orlando de Almeida Secco

da, no prazo de um ano a contar da vigência da lei


(artigo 298).

Como se vê, as disposições acima são algumas das


que foram inseridas na lei para abrandar os primeiros efei­
tos da transição de um regime legal ao outro.
Como o próprio nome está indicando, as "D isposições
Transitórias " vigoram apenas no período de transição entre
as duas leis, a velha e a nova. São normas cuja vigência
tem um prazo pré-determinado.
Mas, não se pode esperar que o legislador consiga
prever todos os conflitos possíveis ao elaborar as disposi­
ções transitórias. A prática revelará sempre uma imensidão
de problemas a exigirem soluções, raramente contem pla­
das na lei nova. No Direito Intertemporal estão, porém,
estabelecidos os princípios que disciplinam a matéria e
solucionam esse tipo de conflito. A seguir, examinaremos
os princípios dâ irretroatividade e da retroatividade da lei,
assim com o da sua ultratividade.

94. A ‘irretroatividade’ ou a ‘não-retroatividade’ da lei


é o princípio pelo qual a lei nova não deve abranger as
situações jurídicas disciplinadas pela lei velha. Em outras
palavras, é a não-incidência ou a não-aplicabilidade da lei
nova a fatos anteriores à sua própria vigência. Parece-nos
até m esm o uma questão de lógica! A lei entrando em vigor
em uma determinada data somente deverá aplicar-se daí
para o futuro. Atuar para o passado, em tese, seria deses-
tabilizar o ordenamento social, em geral, e as relações jurí­
dicas, em particular.
Pelo chamado “Princípio da Irretroatividade da Lei” ou
da “ Não-retroatividade", nenhuma lei pode ser aplicada a
fatos anteriores à sua vigência. É o princípio que se opõe
naturalmente à retroatividade de uma lei.
Como afirma FLÓSCOLO DA NÓBREGA:
Introdução ao Estudo do Direito

“A irretroatividade é assim um im positivo da justiça,


com o condição da segurança e estabilidade das rela­
ções sociais".

O “Princípio da Irretroatividade da Lei” está consagra­


do em nosso Direito. A Constituição Federal, no artigo 5^,
inciso XXXVI, estatui:

“A lei náo prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico


p erfeito e a coisa julgada”.

"A Lei de Introdução ao Código Civil", no artigo 6s,


acrescenta:
“A lei em vigor terá efeito im ediato e geral, respeitados
o ato jurídico p erfeito, o direito adquirido e a coisa jul­
gada".

Uma análise inicialmente superficial dos textos legais


acima reproduzidos deixa bem cristalina a idéia de que o
“Princípio da Irretroatividade da Lei” é a regra geral. Essa
conotação, aliás, já era dada pelos romanos e foi mais bem
sedim entado com os comentadores do "C ode Civil” fran­
cês, o célebre “Code Napoleon” .
A noção da irretroatividade está, em primeiro lugar,
intimamente ligada à conceituação de “ direito adquiri­
d o". Dita conceituação, porém, é m issão das mais árduas
e que se tem constituído num verdadeiro desafio, princi­
palm ente aos juristas m odernos. Tanto assim que surgi­
ram correntes doutrinárias diversas. Para uns, direitos
adquiridos são os tutelados por ações próprias; para
outros, são os direitos derivativos de ato de vontade,
incorporando-os ao patrimônio próprio; há ainda susten­
tações escudadas em vários outros argumentos. Citem-se
tam bém as teorias recentes:

323
Orlando de Almeida Secco

a) “ Teoria da Situação Jurídica Concreta", de


BONNECASE;
b) “Tteoria dos Eatos Cumpridos", de WINDSCHEID
e FERRARA;
c) “Teoria Formal” , de ROUBIER e PLANIOL.

A doutrina clássica, iniciada por BLONDEAU e conti­


nuada por CHABOT e MERLIN, teve com o postulado a
“inadmissibilidade da retroatividade da lei nova capaz de
afetar os direitos adquiridos” . Por isso m esm o é conhecida
com o a “Tteoria dos Direitos Adquiridos” . Essa Teoria esta­
beleceu uma distinção entre a chamada "expectativa de
direito" e o “ direito adquirido".
A 'expectativa de direito’ é a probabilidade, sujeita
que fica a efetividade do direito a um evento futuro.
Enquanto este não ocorre, o direito não se consolida. A
herança é um ótimo exemplo; o filho tem uma ‘expectativa
de direito' à herança, que som ente se consolida com a
morte do pai, da mãe, ou de am bos e, ainda, se tiverem dei­
xado algum patrimônio.
O 'direito adquirido’ é o que já ingressou no domínio
do seu titular, passando, então, a fazer parte do patrimônio
do sujeito. Tal situação não pode ser abalada. Um bom
exemplo atual nos dá a chamada estabilidade do em prega­
do aos dez anos de serviços prestados ao mesmo em prega­
dor (Consolidação das Leis do Trabalho, artigo 492), quan­
do não optante pelo Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço (FGTS). Quem com pletou esse tem po e não optou,
adquiriu estabilidade.
\
A doutrina clássica admite, porém, em caráter de
exceção, a retroatividade das leis de ordem pública, ainda
que atingindo direitos adquiridos, sob a justificativa de que
as razões de ordem social hão de prevalecer sobre as de
ordem individual.

324
Introdução ao Estudo do Direito

Das diversas doutrinas modernas, parece-nos que a de


ROUBIER, seguida por PLANIOL, é a que melhor se coadu­
na com o disposto pela nossa “Lei de Introdução ao Código
Civil". Defendem eles a chamada “Tfeoria Formal” . ROUBIER
divide o tem po em três etapas: passado, presente e futuro.
Cada uma dessas etapas admite então um determinado
efeito. Considera-se efeito retroativo a aplicação da lei nova
ao passado, isto é, aos fatos anteriores à sua própria exis­
tência; efeito imediato é a aplicação instantânea da lei no
presente aos fatos ainda não consumados, ou seja, aos fatos
ainda pendentes; efeito deferido é a aplicação da lei velha a
fatos futuros m esmo após já ter sido ela revogada.
A retroatividade é a exceção da regra, e só tem admis­
sibilidade em caráter de absoluta excepcionalidade.
O efeito deferido perde a razão de ser, pois, revogada
a lei velha, do momento em que a lei nova inicie a sua
vigência passará esta a ter aplicabilidade imediata.
O efeito imediato e geral é o que sobressai. Segundo
ROUBIER, a lei nova aplica-se à situação jurídica ainda não
constituída, imediatamente. Se a situação jurídica já esti­
ver consolidada ao entrar em vigor a lei nova, esta respei­
tará então tais efeitos e não incidirá sobre os mesmos.
Segundo a nossa "Lei de Introdução ao Código Civil” , o
que se adotou com o regra básica foi praticamente isso. A lei
nova terá efeito imediato e geral. Logo, a partir do início da
sua vigência e daí para frente. Respeitará, contudo, o ato
jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. Nesse
particular, está a Lei de Introdução seguindo os ditames da
própria Constituição Ftederal, artigo 5a, inciso XXXVI:

“A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico


p erfeito e a coisa julgada"

Os conceitos de ato jurídico perfeito, direito adquirido


e coisa julgada encontram -se expressos na “Lei de
Introdução ao Código Civil” , artigo 62, parágrafos l 2, 2a e 3a.

325
Orlando de Almeida Secco

Assim, repetindo textualmente a nossa lei, 'ato jurídi­


co perfeito’ é o já consum ado segundo a lei vigente ao
tem po em que se efetuou; ‘direitos adquiridos’ são os que
o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, com o aque­
les cujo com eço do exercício tenha termo prefixado, ou con ­
dição preestabelecída inalterável ao arbítrio de outrem;
‘coisa julgada’ ou ‘caso julgado’ é a decisão judicial de que
não caiba recurso.
Como na prática é imensamente difícil caracterizar-se
o “direito adquirido” , na atualidade, acerca do "Princípio
da Irretroatividade", tem -se adotado a seguinte orientação:

a) os fatos já consum ados ("facta praeterita” ), disci­


plinados então pela lei velha, não são afetados
pela lei nova. Os efeitos produzidos sob a égide
da lei velha e já totalmente consolidados não são
alterados pela lei nova;
b) os fatos ainda não consumados, isto é, os fatos
pendentes (“facta pendentia"), ficam disciplina­
dos pela lei nova, a partir da sua entrada em
vigor.
Considera-se fato já consum ado (ou situação jurí­
dica definitivamente constituída) aquele que já
tiver atendido e realizado integralmente todos os
requisitos essenciais e indispensáveis à sua con ­
figuração total. Se tal ocorrer na vigência da lei
velha, não caberá à lei nova influir nos efeitos pro­
duzidos e já solidificados;
c) os fatos novos, que surjam na vigência da lei
nova, obviamente por ela passam a ser discipli­
nados.

Do exposto, o fato já consum ado sob a égide da lei


velha, por ela será regulado, ainda que os seus efeitos
somente venham a produzir-se quando a lei nova já esteja

326
Introdução ao Estudo do Direito

em vigor. Inadmissível, nessa hipótese, a retroatividade da


lei (nova).
Os fatos ainda não consum ados quando da data de
entrada em vigor da lei nova, por ela serão então regulados
face ao seu efeito imediato e geral. Diga-se o m esm o quan­
to aos fatos novos e que tenham surgido na vigência da lei
nova, para os quais a lei velha não tem o menor alcance ou
aplicabilidade.

95. A retroatividade, já dissemos, é aplicação da lei


nova aos fatos anteriores à sua vigência. Ela (a lei) atua no
passado. Se essa atuação vier de alguma forma a abalar o
direito adquirido, o ato jurídico perfeito ou a coisa julgada,
sem dúvida a retroatividade estará vedada. A lei não pode
retroagir quando venha a ferir tais garantias previstas pelo
próprio texto constitucional e pela “Lei de Introdução ao
Código Civil” .
Diante do que acabamos de assinalar, é de se supor
existirem hipóteses capazes de permitir a retroatividade de
uma lei. De fato, existem!
No Direito Penal admite-se a retroatividade da lei que
de certa forma seja mais benigna ao acusado. Diz a respei­
to, inclusive, a Constituição Federal (art. 5a, inciso XL):

“XL - A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o


réu";

Para o Direito Penal admite-se, portanto, a retroativi­


dade da lei mais favorável para o acusado e aplica-se o
princípio da irretroatividade da lei mais severa.
A retroatividade benigna é a denominada “in bonam
partem” (‘em favor da parte’ ou ‘em benefício do autor do
crime’). Admite-se, pois, a retroatividade da lei em qualquer
hipótese, às vezes até em se tratando de coisa julgada,
sempre que possa de alguma forma beneficiar o réu, descri­

327
Orlando de Almeida Secco

minando o ato praticado por este, mitigando a pena ou


fazendo incidir alguma atenuante até então não prevista.
Dispunha a respeito o C ódigo Penal no parágrafo único
do artigo 2-,

“A lei posterior, que de outro m odo favorece o agente,


aplica-se ao fato nâo definitivam ente julgado e, na
parte em que comina pena m enos rigorosa, ainda ao
fato julgado p or sentença condenatória irrecorrível”.

Havia uma aparente contradição entre o que estatuía


esse parágrafo único do artigo 2a do Código Penal e o dis­
posto pelo artigo 153, § 16, da Constituição Federal de
1969. Segundo o Código Penal, ao que se lia a lei penal mais
favorável não retroagiria se o fato já estivesse definitiva­
mente julgado, salvo se com inasse pena mais rigorosa.
Mas aquela Constituição Federal, hoje fora de vigor, previa
a retroatividade também no que diz respeito ao crime. A
contradição, porém, ficou superada com a atual redação ao
artigo 22, parágrafo único, do C ódigo Penal, que mudou o
texto acima exposto para o seguinte: “A lei posterior, que
de qualquer m odo favorecer o agente, aplica-se aos fatos
anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória
transitada em julgado” .
A Doutrina tem -se fixado, porém, no sentido de que, a
despeito da existência da coisa julgada, a lei mais benigna
retroagirá sempre que beneficiar o agente, ou seja:

a) quando descriminar o ato, isto é, não mais se con ­


siderar crime ou contravenção;
b) quando mitigar a pena, isto é, diminuí-la, modifi­
cá-la ou até m esm o mudar o regime da sua apli­
cação;
c) quando estipular qualquer atenuante não previs­
ta pela lei anterior.

328
Introdução ao Estudo do Direito

Adm ite-se, portanto, a retroatividade da lei no Direito


Penal, quando for mais favorável ao criminoso; no Direito
Administrativo, em relação às penas disciplinares de segu­
rança e de polícia e em relação às leis de aumentos.
Há autores, com o MACHADO PAUPÉRIO e PAULO
NADER, que citam ainda a retroatividade das leis aboliti-
vas, a exem plo da lei que aboliu a escravatura, e as das leis
interpretativas que retroagem à data da vigência da lei por
elas interpretada.
Resta-nos agora esclarecer finalmente a denominada
‘ultratividade’ da lei, matéria que está intimamente ligada
ao chamado Direito Público.
Como se sabe, existem leis temporárias e leis excep­
cionais, destinadas a uma vigência limitada, respectiva­
mente, ou ao tem po prefixado, ou enquanto persistirem as
condições que determinaram a existência da lei.
Uma tabela de preços de artigos de consum o oriunda
do Poder Público é uma lei temporária; as decretações do
estado de sítio e do estado de calamidade pública são leis
excepcionais.
A lei temporária vigora até extinguir-se o prazo de
duração previsto para a mesma; a lei excepcional vigora
enquanto persistirem as anormalidades que a motivaram
(greve, revolução, calamidade pública etc.).
Digamos, por exemplo, que um comerciante desres­
peite a “ Thbela Oficial de Preços" e venda as suas merca­
dorias por valor acima do legalmente estipulado. Tendo
infringido a lei, digam os que ele seja autuado. Instaurado o
processo, suponhamos que este se prolongue a ponto da
condenação só ocorrer numa data em que a dita tabela já
esteja revogada por uma outra prevendo valores mais ele­
vados. Poderá o comerciante ser punido pela infringência
da tabela já revogada? Evidentemente que sim! Na época
da infração vigoravam os preços que ele maliciosamente
desrespeitou.

329
Oilando de Almeida Secco

A ultratividade da lei é exatamente a aplicação dos


seus dispositivos depois de cessada a sua vigência, mas
tendo por incidência os fatos ocorridos enquanto a lei ainda
vigorava.
No Código Penal a ultratividade da lei está configura­
da no artigo 3a, que diz:
"A lei excepcional ou tem porária, em bora decorrido o
período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a
determinaram, aplica-se ao fa to praticado durante sua
vigência".

Não há que se confundir ‘ultratividade’ e ‘efeito


deferido' da lei.
A ultratividade da lei é a sua aplicação após ter perdi­
do a vigência, mas acerca de fatos consum ados enquanto
ela ainda vigorava. Aplicação da lei a destem po sobre fatos
tempestivos.
No efeito deferido, aplicar-se-ia a lei já revogada aos
fatos ainda por se consumarem em uma data futura, oca ­
sião em que já estivesse a lei nova vigorando. Como se
sabe, em nosso Direito, tendo a lei nova efeito imediato e
geral, não tem aplicação o efeito deferido da lei (velha). O
efeito deferido seria, se viável fosse, a aplicação da lei a
destem po, sobre fatos intempestivos.

330
Capítulo XX
Conflito de Leis no Espaço

96. Limites da lei no espaço - 97. O conflito de leis no espaço - 98. Di­
reito Internacional Privado (DIP) - 99. Princípios básicos - 100. O siste­
ma adotado no Brasil.

96. Falar de lei no espaço significa delimitar-se o


cam po de atuação da mesma sob o aspecto geográfico. A
idéia de espaço aí é entendida com o sendo os limites g e o ­
gráficos dentro dos quais terá a lei toda a eficácia a que se
destina.
Por uma questão de lógica, os estados soberanos cos­
tumam aplicar as suas leis dentro dos limites dos seus ter­
ritórios. Mas, o problema com eça a surgir quando essa lei
tenha que ser aplicada ao cidadão de uma outra nacionali­
dade que esteja de passagem, ou m esm o domiciliado, no
território nacional.
O problema aumentará o seu grau de com plexidade
quando uma m esm a hipótese envolver legislações con cor­
rentes de dois ou mais Estados soberanos, cada um rei­
vindicando que a sua lei é que deva ser aplicada ao caso
concreto.
Tudo ficaria simples se os limites da lei no espaço fos­
sem os limites territoriais dos Estados soberanos, aí inseri­
dos os espaços: continental, insular (baías, golfos, rios,
canais, lagoas, lagos etc.), marítimo, aéreo, subsolo, e os
cham ados territórios fictos (navios e aeronaves nacionais
militares, por exemplo).
Ocorre que na prática não é bem assim! Os Estados
soberanos, para a preservação do bom entendimento e
relacionamento com os outros Estados da comunidade

331
Orlando de Almeida Secco

internacional, costum am adotar critérios que variam con ­


forme o caso que se apresente.
Os limites da lei no espaço, portanto, não obedecem
às exatas representações dos limites territoriais ou geográ­
ficos de um país. Modernamente, tanto é admitida a aplica­
ção da lei nacional em território estrangeiro, com o da lei
estrangeira em território nacional, dependendo especifica­
mente do caso, e do que disponham a respeito as legisla­
ções dos países envolvidos na questão a ser decidida.
Assim, os limites da lei no espaço alcançam não raras
vezes a denominada extraterritorialidade, configurada, por
exemplo, quando há interesse de cidadão nacional que
possua bens ou que realize negócios jurídicos no exterior,
ou ainda, quando pratique, ou seja, vítima de crime em ter­
ritório estrangeiro.
A. L. MACHADO NETO acentua a respeito o seguinte:

'Asrsim com o ocorre com a questáo da lei no tem po tam ­


bém ocorre com o problem a em tela, que p od e suscitar
duas soiuções extremadas e unilaterais. São elas o sis­
tem a da extrem a territorialidade e o da tam bém extre­
mada extraterritorialidade. Pelo prim eiro, aplicar-se-ia
a todo e qualquer indivíduo ou coisa situados no terri­
tório de um país, o direito desse p a ís”.
"O segundo sistem a envolve duas variantes. Trata-se
da escolha da lei extraterritorial que se há de aplicar.
Esta p od e ser a nacional, isto é, a lei da nação de que
for o indivíduo, ou a domiciliar, ou seja, a lei do país em
que estiver domiciliado. A m bos os sistemas, m antidos
em sua forma extrem ada, apresentam insuperáveis
inconvenientes. O prim eiro, criaria um absoluto isola­
m ento jurídico e, a partir deste, um isolam ento total
entre os povos. O segundo, concluiria p or com prom eter
a própria soberania nacional pela constante e reiterada
aplicação do direito estrangeiro”.

332
Introdução ao Estudo do Direito

97. O ‘conflito de leis no esp a ço’ pode ser conceitua­


do com o sendo o resultante de duas ou mais legislações
pertencentes a Estados soberanos concorrendo entre si
quanto à aplicabilidade ao caso concreto, cada uma delas
achando-se igualmente com petente para reger a hipótese
ou o fato jurídico.
Esse conflito caracteriza-se pela coexistência de leis
autônomas e divergentes, disputando a primazia da aplica­
ção ao caso.
Melhor do que palavras, um bom exemplo esclarecerá
o que seja o ‘conflito de leis no espaço’ . Digamos que no
Brasil se adote o princípio de que as pessoas aqui domici­
liadas estarão sujeitas às nossas leis quanto a determina­
dos direitos. Duas hipóteses poderão ocorrer, no caso de
estrangeiro aqui domiciliado:

l 2) a lei do país do cidadão estrangeiro (coincidente


com a nossa) declara que, quanto ao direito em
questão, aplicar-se-á a legislação do Estado no
qual o cidadão esteja domiciliado. Ora, se o cida­
dão está domiciliado no Brasil, aplicar-se-á então
a lei brasileira. Logo, não há conflito algum nesse
caso;
2fl) a lei do país do cidadão estrangeiro (divergindo
da nossa) declara que quanto ao direito em ques­
tão, aplicar-se-á a legislação da nacionalidade do
cidadão.

Ora, se a nossa lei diz que se aplica o princípio do


domicílio e se a lei do país de origem do estrangeiro diz que
se aplica o princípio da nacionalidade, estamos diante de
um im passe que caracteriza o aludido conflito. Como resol­
ver a questão? Aplicar ao estrangeiro a lei brasileira, por­
que ele está aqui domiciliado, ou aplicar a lei d o outro país,
por ser ele cidadão ali nascido, obedecendo, portanto, à

333
Orlando de Almeida Secco

regra da nacionalidade? Isso é o ‘conflito de leis no e sp a ço’ ,


caracterizado, com o afirmamos, pela coexistência de leis
autônomas e divergentes, concorrendo uma com a outra
para dar solução a um caso concreto. Se as duas leis podem
ser aplicadas e conflitam entre si, uma delas deverá ser
rejeitada. O problema é saber qual delas se rejeitará.

98. Há uma frase que, em Direito, já se tornou célebre:


“ Onde há homens, há interesses; onde há interesses, há
conflitos; onde há conflitos, há que se com pô-los".
Realmente, onde há conflitos, há que se promover a
com posição dos mesmos, ou seja, dar-lhes uma solução, a
qual haverá de ser jurídica.
Para solucionar os conflitos de leis no espaço surgiu
um ramo da ciência jurídica todo especial que se denomina
“Direito Internacional Privado” , entre nós muito conhecido
pela sigla 'DIP\ Chamam-no também, às vezes, “Direito
Interespacial” .
O “Direito Internacional Privado” (DIP) é o ramo da
ciência jurídica que se dedica à problemática dos conflitos
de leis no espaço, buscando dar-lhes a solução adequada.
Pode ser conceituado, ainda, com o sendo o conjunto de
normas jurídicas que têm por finalidade promover a com po­
sição dos conflitos, no plano internacional, entre leis autô­
nomas e divergentes oriundas de ordenamentos jurídicos
diversos.
O que muitas vezes causa certa celeuma é que o DIP
não possui em nossa legislação nenhum cód igo.
Acostum ados a ver o Direito Civil no Código Civil, o Direito
Comercial no Código Comercial, o Direito Penal no Código
Penal, o Direito Tributário no Código Tributário, o Direito do
Trabalho na Consolidação das Leis do Trabalho etc., estra­
nhamos, em parte, o que ocorre com esse ramo da nossa
ciência, restrito a alguns dispositivos de uma lei.

334
Introdução ao Estudo do Direito

Mas, já assinalara A. L. MACHADO NETO: “Talvez


pela própria problem ática de sua tem ática o ‘Direito
Internacional Privado’ é o ramo mais discutido da enciclo­
pédia jurídica".
Na realidade, as normas básicas que constituem o
nosso "Direito Internacional Privado" estão concentradas
em uns poucos artigos da "Lei de Introdução ao Código
Civil". Mas, apesar do reduzido número de artigos, pratica­
mente ali estão evidentes todos os princípios adotados
pela nossa legislação sobre essa matéria. Para constatação
imediata do que se acaba de afirmar, examinem-se os dis­
positivos da citada lei, a partir do artigo 7a.
A razão justificativa da existência do “ Direito
Internacional Privado” parece-nos bem sintetizada por
HERMES LIMA ao declarar:

“Os direitos que regem os atos dos particulares nas


relações internacionais não são os m esm os nas diferen­
tes nações, havendo necessidade da solução dos confli­
tos que nascem dessa dessem elhança”.

99. O "Direito Internacional Privado” adota com o bús­


solas orientadoras das suas regras diferentes princípios
básicos, sobre os quais discorreremos, resumidamente, a
seguir:

a) Princípio da Nacionalidade;
b) Princípio do Domicílio;
c) Princípio da Territorialidade.

O ‘Princípio da Nacionalidade’ postula que a lei aplicá­


vel deva ser sempre a lei nacional em proteção do seu cida­
dão, onde quer que este se encontre. Tal princípio admite,
pois, a extraterritorialidade da lei nacional, porquanto atri­
bui a prerrogativa da aplicação da lei do país, ao seu cida­

335

A
Orlando de Almeida Secco

dão, em território estrangeiro. Por esse princípio aplica-se


a lei do país de origem da pessoa. Em matéria penal, por
exemplo, a extraterritorialidade do nosso Direito está disci­
plinada pelo parágrafo primeiro, do artigo 5a, do Código
Penal, ao considerar com o extensão do território nacional
as em barcações e aeronaves brasileiras, de natureza públi­
ca ou a serviço do governo brasileiro, onde quer que se
encontrem.
O 'Princípio do Domicílio' sustenta que a lei aplicável
deva ser a do lugar onde a p essoa tenha residência fixa,
isto é, com a intenção d e permanência. É óbvio que, para
as pessoas sem residência fixa, o conceito de domicílio há
de adaptar-se a tal circunstância, admitindo-se, então, o
chamado 'domicílio ocasional’ ou o ‘lugar onde a pessoa se
encontre’ . Evidente que se admitindo tal princípio significa
que implicitamente se estará aceitando uma outra maneira
de aplicação extraterritorial da lei nacional, quando o cida­
dão tiver domicílio aqui no País, mas estiver ocasionalmen­
te no exterior.
O ‘Princípio da Nacionalidade' juntamente com o
'Princípio do Domicílio’ constituem o que a doutrina cha­
mou de “Personalidade das Leis” , visto impor-se a lei
nacional m esm o fora das suas fronteiras.
O 'Princípio da Territorialidade’ é o que defende a apli­
cação da lei em todo o território do Estado soberano que a
criou. O conceito de território, aí, bem mais amplo do que o
território geográfico, com o já se afirmou anteriormente. Por
esse princípio a lei aplicável é a lei do país, circunscrita às
suas fronteiras.
Não há dúvida alguma de que o conflito de leis no
espaço ocorrerá sempre que para uma determinada hipóte­
se jurídica um país adotar um desses princípios e o outro
país adotar princípio diferente. Se, por exemplo, para deci­
dir as questões sobre bens imóveis um país adota o
‘Princípio da Territorialidade’ , declarando que a lei aplicá­

336
Introdução ao Estudo do Direito

vel é a do lugar onde os bens estão situados, e o outro país


adota o ‘Princípio da Nacionalidade’ , afirmando que a lei
aplicável é a da nacionalidade do proprietário desses bens,
já estaremos diante de um conflito de leis perfeitamente
caracterizado.
Para tentar solucionar os im passes decorrentes da
adoção de princípios diferentes por cada legislação para
uma idêntica hipótese jurídica, BÁRTOLO DE SAXOFER-
RATO, em seu livro “Conflito de Leis", sistematizou o que
denominou “ Teoria dos Estatutos".
O sistema consiste na determinação de qual princípio
deva ser adotado para cada hipótese jurídica.
Bártolo admitiu a existência de três estatutos:

a) Estatuto Pessoal;
b) Estatuto Real;
c) Estatuto Misto.

O Estatuto Pessoal era o que regeria as questões da


pessoa concernente à capacidade, nome, estado civil, direi­
to de família etc. N esses casos admitir-se-ia a extraterrito-
rialidade da lei, utilizando-se o “Princípio do Domicílio” ,
um dos que integram a chamada ‘Personalidade das Leis’ .
O Estatuto Real era o que disciplinaria as questões
relativas aos bens. N esses casos, adotar-se-ia o ‘Princípio
da Territorialidade', aplicando-se a lei do lugar onde os
bens estivessem situados, isto é, a “lex rei sitae" (‘lei da
situação da coisa').
O Estatuto Misto era o que regularia as questões óbri-
gacionais, ou seja, os negócios jurídicos (contratos). Em
tais casos adotar-se-ia o ‘Princípio da Territorialidade’ , apli­
cando-se a lei do lugar onde os atos se consumassem, isto
é, a lei do lugar onde a obrigação tivesse que ser cumprida
(“lex loci").

337
Orlando de Almeida Secco

Tkis estatutos serviram, sem dúvida alguma, com o


orientação segura para as legislações posteriores.
Mais modernamente, porém, SAVIGNY propôs uma
teoria pela qual em caso de conflito de leis no espaço, deve­
ria prevalecer o “Princípio da Sede da Relação Jurídica” ,
que se resume na adoção da “Teoria do Domicílio” . Solucio­
nam-se os conflitos, aplicando a lei do domicílio da pessoa.
Em contraposição à teoria de SAVIGNY, surgiu a teoria de
MANCINI, defendendo para a solução dos conflitos a ado­
ção do ‘Princípio da Nacionalidade’. Solucionam-se os con ­
flitos, aplicando a lei do país de origem da pessoa.
Verdade é que, apesar de haver em nossos dias atuais
certo entendimento, mais ou m enos uniforme, entre os
diversos estados soberanos, acerca de quais princípios
deva reger cada hipótese, o assunto é particularmente dis­
ciplinado por dispositivos específicos inseridos em cada
legislação. Paralelamente, há, ainda, alguns tratados e con ­
venções internacionais que regem determinados aspectos
entre os países signatários e os que manifestem as suas
adesões.
Interessa-nos, particularmente, saber a posição brasi­
leira em face do problema. Isso é o que veremos a seguir.

100. Como asseguramos anteriormente, as normas de


“ Direito Internacional Privado” (DIP) no Brasil estão princi­
palmente consolidadas na “Lei de Introdução ao Código
Civil” (Decreto-Lei ns 4.657, de 4 de setembro de 1942), do
artigo 7s até o 19 e seu parágrafo único. Tendo essa lei ape­
nas dezenove artigos, praticamente é o “Direito Interes-
pacial" o tema em destaque na mesma.
O sistema adotado no Brasil para solucionar os confli­
tos de leis no espaço resume-se no seguinte:

a) para determinar as regras sobre o com eço e o fim


da personalidade, o nome, a capacidade e os

338
Introdução ao Estudo do Direito

direitos de família, adota-se a lei do país em que


for domiciliada a pessoa (art. 7a), logo, ‘Princípio
do Domicílio’.
Em conseqüência, o estrangeiro aqui domiciliado
terá que se submeter à nossa legislação no que
concerne a esses aspectos;
b) para qualificar os bens imóveis e regular as rela­
ções a eles concernentes, aplica-se a lei do país
em que estiverem situados (art. 82), logo, o
‘Princípio da Territorialidade’.
Assim, os bens imóveis situados no Brasil, ainda
que adquiridos por estrangeiro, são regulados
pela lei brasileira. Prevalece, portanto, a “lex rei
sitae” (‘a lei da situação do b em ” ou a "lei do
lugar em que a coisa está situada’);
c) para os bens móveis trazidos pelo dono dos m es­
mos, ou destinados a transporte para outros luga­
res, aplica-se a lei do domicüio do proprietário
(art. 8^, § 1q). Logo ‘Princípio do Domicílio’;
d) para os bens penhorados, aplica-se a lei do domi­
cílio da pessoa em cuja posse se encontre sob
penhor (art. 8G, § 2Q). Logo, 'Princípio do
Domicílio’ ;
e) para qualificar e reger as obrigações aplica-se a
lei do país em que se constituir (art. 9a). Logo,
‘Princípio da Territorialidade’. D esse modo, a
regra é a ‘lei do lugar reger o ato’ (“locus regit
actum” ), isto é, a lei aplicável é a do país onde os
contratos sejam celebrados.
Acerca de contratos, contudo, podem as partes
de comum acordo estabelecer a lei aplicável à
espécie;
f) a sucessão por morte ou por ausência ob ed ece à
lei do país em que era domiciliado o falecido ou
desaparecido qualquer que seja a natureza e a

339
Orlando de Almeida Secco

situação dos bens (art. 10). Logo, ‘Princípio do


Domicílio';
g) em matéria penal é o ‘Princípio da Territoriali­
dade’ o predominante. Aplica-se a lei brasileira
aos crimes aqui praticados mesmo por estrangei­
ros. Há, porém, outros princípios, a saber:
1) ‘da Proteção Real’ - em que a lei aplicável
será a do bem jurídico violado ou ameaçado;
2) ‘da Justiça Universal’ - em que a lei aplicá­
vel será a do país onde for encontrado o
delinqüente;
3) ‘da Nacionalidade’ - em que a lei aplicável é
a do país de origem do agente, ou da vítima.

Quanto à aplicação da lei penal no espaço, o nosso


Direito admite todos esses princípios, embora o predomi­
nante seja o da ‘Territorialidade’.
Em virtude da existência da disciplina "Direito
Internacional Privado” no desenvolver do curso de gradua­
ção, deixamos que o professor da matéria aprofunde os
ensinamentos aqui apenas genericamente abordados para
dar-se uma idéia geral.

340
Capítulo XXI
A Tbtalidade dos Saberes Jurídicos

101. As quatro dimensões - 102. Os ramos principais do Direito.

101 . Já no Direito Romano era concebida a divisão


dicotôm ica do Direito, representada pelo "Ius Publicum ”
('Direito Público’) e o “Ius Privatum " (‘Direito Privado’).
Segundo ULPIANO, no “Digesto":

"Publicum ius est quad ad statum rei Rom anae spec-


tat, privatum , quod ad singulorum utilitatem pertinet,
sunt enim quaedam publicae utilia, quedam privatum ."

Em síntese, o Direito Público disciplinava as coisas do


Estado; regulava as relações entre os homens, considera­
dos com o membros da sociedade política. O Direito Público
ocupava-se do governo do Estado e das relações dos cida­
dãos com o Poder Público. O Direito Privado, por outro lado,
tinha por objeto regular as relações dos cidadãos entre si,
isto é, dos particulares.
N essa divisão dicotôm ica dois sujeitos ficam eviden­
ciados, quais sejam, o Estado (no Direito Público) e a p es­
soa (no Direito Privado).
Todavia, a divisão clássica do Direito, segundo os
romanos, era a tricotômica com posta de:

a) “ius civile” ;
b) “ ius gentium” ;
c) "ius naturale” .

O “ ius civile” (‘direito civil’) era o direito próprio dos


cidadãos romanos e que englobava tanto o “ius publicum ”
com o o “ius privatum’’ .

341
Orlando de Almeida Secco

O “ ius gentium” (‘direito das gentes’) era o direito


comum entre os romanos e os outros povos. Era o direito
aplicável aos cidadãos não- romanos (estrangeiros).
O “ius naturale” ('direito natural') era o direito que
estava acima das divisões entre os povos, servindo de
fonte de inspiração para toda e qualquer legislação.
Verdade é que a divisão tradicional em ‘Direito
Público’ e ‘Direito Privado’ chegou aos nossos tem pos; o
que praticamente foi motivo de grandes divergências dos
estudiosos era a diferenciação entre ambos. Dizer-se que
no Direito Público há o interesse do Estado e que no Direito
Privado há o interesse da pessoa encontrou severas críticas
por parte daqueles que acham ser impossível não haver
uma pequena parcela de interesse da pessoa nos direitos
públicos, e em contrapartida, uma pequena parcela de
interesse do Estado nos direitos privados.
Conciliando posições e dando o flexionamento que os
conceitos necessitavam em razão das críticas, passou-se a
entender que o “Direito Público” é aquele em que há pre­
dominância do interesse do Estado, e “Direito Privado" é
aquele em que há predominância do interesse do particu­
lar, isto é, da pessoa. Com tais conceitos reformulados, pas­
sou-se a admitir existirem, em am bos os casos, interesses
de menor expressão. A diferença conceituai fixou-se então
no critério da predominância do interesse. No Direito
Público predomina o interesse do Estado, embora saiba­
m os que há também interesses das pessoas, e no Direito
Privado ocorre exatamente o contrário.
Sem dúvida, é absolutamente impossível fazer-se a
separação total do Direito Público e do Direito Privado. Para
bem entender-se a vinculação existente, tomem os com o
exemplo o ‘direito de família’. Apesar de ser tema específi­
co do Direito Privado, não se p od e negar o interesse do
Estado, vez que a família é um dos sustentáculos da pró­

342
Introdução ao Estudo do Direito

pria estrutura social. É, com o já vimos, uma das institui­


ções fundamentais (família, propriedade e Estado).
AFTALIÓN, OLANO e VILANOVA sustentam o
seguinte:

"No obstan te lo que se advierte precedentemente,


cajbe conservaria división en te d erech o p ú b lico y dere-
cho privado com o m eram ente indicativa de un p red o­
m ínio de una u otra idea en las distintas ram as dei
derecho y en hom enaje a la tradición que le confiere un
valor entendido, y tam bién en grad a a su indudable
claridad didáctita. En efecto ; si tom am os instituciones
típicas de uno y otro campo, p or ejem plo de un lado el
Senado de la Nación o la ciudadanía y, dei otro, el
m atrim onio o un contrato de com praventa, na cabe
duda alguna acerca de cuales de las m encionadas ins­
titu cion es pueden ser adscritas al derecho público y
cuales al derecho privado. Si tom am os, en cam bio, las
asociaciones profesionales (sindicatos) o el servicio de
taxím etros o com edores en una gran ciudad, serias
dudas tendrem os en seguida si querem os colocarlas en
una u otra categoria. La sítuacíón de conjunto podría,
pues, ser caracterizada dei m odo siguiente: en un
extrem o se encuentran las instituciones típicas dei
derecho político-constitutional, claram ente públicas;
en el otro extrem o, algunas institutiones típicas dei
derecho civilcom ercial, claram ente privadas. Entre
am bos extrem os una zona interm edia que, si bien
parece m uy borrosa cuando se trata de dar una res-
puesta en general al problem a, resulta, sin em bargo,
definida con à cep ta b le precisión cusindo se limita la
respuesta a un lugar y tiem po determ inados."

“Náo obstante o que anteriorm ente se adverte, ca be ser


conservada a divisão entre Direito Público e Direito

343
Orlando de Almeida Secco

Privado com o m eram ente indicativa do predom ínio de


uma ou de outra idéia n os distintos ram os do direito e
em hom enagem à tradição, que lhe confere um valor
expressivo, com o tam bém graças à sua indubitável cla­
reza didática. D e fato, se pegam os as instituições típi­
cas de um e de outro cam po, p or exem plo, de um lado
o Senado Fbderal ou a Cidadania, e do outro lado o
M atrimônio ou um Contrato de Compra e Venda, não
paira qualquer dúvida acerca de quais das m enciona­
das instituições podem ser adstritas ao Direito Público
e quais ao Direito Privado. Se, ao contrário, pegarm os
as A ssociações Profissionais (Sindicatos) ou os Serviços
de Táxis ou de R estaurantes de uma grande cidade,
sérias dúvidas passam os a ter em seguida ao desejar­
m os enquadrá-los em uma ou em outra categoria. A
situação no seu conjunto poderia, pois, ser caracteriza­
da do seguinte m odo: em um extrem o se encontram as
instituições típicas do direito político-constitucional,
claram ente públicas; e, no outro extrem o, algumas ins­
tituições típicas do direito civil-com ercial, claram ente
privadas. Entre am bos os extrem os, existe uma zona
intermediária, a qual se bem que pareça m uito confusa
quando se trata de dar uma resposta genérica ao p ro­
blem a, resulta, sem dúvida, definida com o de aceitável
precisão quando limita a sua resposta a um lugar e
tempo determinados".

A clássica divisão do Direito em público e privado foi


acolhida por SAVIGNY, para quem no Direito Público o
Estado é o fim, ocupando o indivíduo um plano secundário,
enquanto no Direito Privado o indivíduo é o fim, sendo o
Estado o meio.
PAULO CONDORCET, com objetividade, ressalta:

344
Introdução ao Estudo do Direito

"A divisão do direito em público e privado é clássica e


m uito antiga, p ois rem onta aos romanos. Essa distm-
ção, a té h oje polêm ica tanto em seu significado quanto
em seu fundam ento, apesar de tudo é a m ais aceita,
em bora n os dias que correm não m ais assim se possa
admitir, em virtude do desenvolvim ento de certas for­
ças e relações, que a partir de m eados do século XIX
estão a exigir um novo enfoque. A dicotom ia clássica
transform ou-se em tricotom ia moderna. Assim , além do
D ireito Público e Privado, cabe registrar a presença de
um novo, ex ten so e im portante ram o do D ireito
Positivo, o Direito Econôm ico e Social

E acrescenta mais adiante:

"Há pois que assmalar uma tricotom ia m etaulpiana, ou


seja, além de direito público e privado, o direito positi­
vo o é tam bém econôm ico-social".

A questão salientada pelo insigne mestre encontra


apoio em muitos autores da atualidade. De fato, na divisão
tradicional do Direito há duas extremidades cujos ramos
que as com põem são inconfundíveis. Todavia, existe uma
zona intermediária, onde se torna difícil dizer se um deter­
minado ramo da ciência tende para um extremo ou para o
outro. A admissibilidade da divisão tricotômica resolve pra­
ticamente esse problema porque o que não for Direito
Público e nem for Direito Privado será, então, Direito
Econômico-Social. Mas, não se pode negar, sob o título de
Direito Econômico-Social ainda não estão bem definidos
todos os com ponentes, visto tratar-se de um direito muito
recente. Sabe-se, porém, que esse direito "encara o homem
dentro do quadro social da vida profissional, que é, por
natureza, comunitário. O direito econôm ico e social é antes
de tudo um ‘direito de grupos’, que leva em consideração

345
Orlando de Almeida Secco

muito mais o interesse global dos grupos em presença do


que o interesse individual” .
A divisão tricotômica inicialmente foi proposta por
PAUL ROUBIER, sendo com posta de:

a) Direito Público;
b) Direito Privado;
c) Direito Misto.

Foi GURVITCH quem sugeriu a denominação de ‘Di­


reito Econôm ico’ para substituir o que se chamava ‘Direito
M isto’ .
PAULINO JACQUES adotou a divisão tricotômica com ­
posta de:

a) Direito Público;
b) Direito Privado;
c) Direito Social.

Como se vê, a adoção da tricotomia é matéria já acei­


ta, restando apenas fixar-se a denom inação da terceira es­
pécie dentre as diferentes propostas formuladas, quais
sejam: ‘Direito M isto’ , ‘Direito Econôm ico’ , ‘Direito Social’ ,
ou ‘Direito Econôm ico-Social’.
Mas, com o a evolução do homem é uma constante,
chegam os em nossa época a um estágio social em que as
divisões até aqui apontadas já não mais satisfazem plena­
mente. Isso porque a cada dia o homem determina uma
nova etapa no avanço tecnológico, resultando daí a n eces­
sidade do pronto atendimento do Direito a uma nova reali­
dade social. Aliás, já dissem os antes, “ubi societais, ibi jus"
(‘onde está a sociedade, também está o Direito'). É impres­
cindível que o Direito acompanhe o evoluir da sociedade,
mantendo sob absoluto disciplinamento normativo qual­

346
Introdução ao Estudo do Direito

quer fato novo resultante do desenvolvimento sob os mais


amplos aspectos possíveis.
Em face disso, já se está adotando hoje um ‘dimen-
sionamento’ do Direito, consistente de quatro etapas. As
duas primeiras representam a tradicional e histórica divi­
são dicotômica. A terceira retrata o recentemente admitido
‘Direito M isto’, 'Social’, ‘Econôm ico’ ou ‘Econômico-Social’ .
A quarta é o reflexo do estágio técnico-científico dos nos­
sos tempos.
Assim, a divisão contemporânea do Direito é preconi­
zada com o sendo constituída em ‘d im en sões’ . Essas
dim ensões são em número de quatro, daí denominar-se
quadridimensional, e estão assim dispostas:

la dim ensão - ‘Direito Público'


2a dim ensão - ‘Direito Privado’
3^ dimensão - ‘Direito Social’
4a dimensão - ‘Direito Cósm ico’ .

102 . Adm itindo-se a divisão quadridimensional do


Direito, surgirá a dificuldade de se promover a inserção
dos diversos ramos da ciência jurídica na dim ensão corres­
pondente.
Não há absolutam ente uniformidade de critérios,
sobre o tema, entre os autores. O que para uns é ramo do
Direito Público, para outros pertence ao Direito Misto; para
alguns a divisão dicotôm ica esgota o assunto, achando
estes inadmissível a divisão tricotômica, e sendo fácil con­
cluir-se a inaceitabilidade, pelos mesmos, da divisão qua­
dridimensional.
Mas há que se partir de certa forma para diante,
enfrentando o desafio. A ssim sendo, longe d e se preten­
der fixar um a p osiçã o definitiva, didaticam ente a divi­
são quadridim ensional do Direito p od e ser assim apre­
sentada:

347
Orlando de Almeida Secco

a) Direito Constitucional
b) Direito Administrativo
c) Direito Penal
d) Direito Processual, Judiciário
ou Procedimental
1^ Dimensão - DIREITO e) Direito Financeiro (Tributário -
PÚBLICO Fiscal)
f) Direito Canônico, da Igreja
Católica
g) Direito Internacional Público
h) Direito do Menor
i) Direito Eleitoral
j) Direito Político

a) Direito Civil
2â Dimensão - DIREITO b) Direito Comercial
PRIVADO c) Direito Industrial
d) Direito Internacional Privado

1 a) Direito do Trabalho
b) Direito de Previdência e As
sistência Social (Previdenciá-
rio ou Seguridade Social)
3^ Dimensão - DIREITO / c) Direito de Minas
SOCIAL d) Direito Marítimo
e) Direito Aeronáutico ou Aéreo
f) Direito Agrário ou Rural
g) Direito Atôm ico ou Nuclear

4a Dimensão
- DIREITO a) Direito Espacial
CÓSMICO

348
Introdução ao Estudo do Direito

Estabeleçamos agora uma breve noção de cada um


desses ramos inseridos no quadro sinótico da divisão qua-
dridimensional:

1. DIREITO CONSTITUCIONAL é o que regula a


estrutura fundamental do Estado e determina as
funções dos respectivos órgãos. A s suas normas
referem-se à organização fundamental do Estado
e regem a estruturação e o funcionamento dos
seus órgãos, além das relações mantidas com os
cidadãos.
2. DIREITO ADMINISTRATIVO é o que regula não
só a organização com o também o funcionamento
da administração pública. A s suas normas refe­
rem-se às relações dos órgãos do Estado entre si
ou com os particulares. Esse direito é o que esta­
belece as bases para a realização do serviço
público, isto é, da atividade estatal dirigida à
satisfação das necessidades coletivas considera­
das de fundamental importância.
3. DIREITO PENAL é o que tipifica, define e comina
sanções aos atos considerados ilícitos penais. As
suas normas regulam a atuação do Estado no
com bate ao crime e à contravenção, sob as for­
mas de prevenção e repressão.
4. DIREITO PROCESSUAL, tam bém cham ado
Direito Judiciário, é o que regula o exercício do
direito de ação, assim com o a organização e fun­
cionamento dos órgãos judiciais. As suas normas
disciplinam todos os atos judiciais, tendo em
vista a aplicação do Direito ao caso concreto. É o
ramo que se dedica à organização da Justiça e
que regula a atividade jurisdicional do Estado
para a aplicação das leis a cada caso.

349
Orlando de Almeida Secco

5. DIREITO FINANCEIRO, também chamado Direito


Tributário ou Direito Fiscal, é o que regula as
finanças públicas, mediante disciplinamento das
receitas e das despesas. Disciplina os recursos
financeiros do Estado, provenientes dos im pos­
tos, taxas, contribuições, tarifas, e demais meios
de arrecadação, e as relações do Estado com os
contribuintes.
6 . DIREITO CANÔNICO, apontado com o sendo um
ramo do Direito Público por JELLINEK, é o que
regula as relações da Igreja. Consiste em um con ­
junto de normas disciplinares que regulam a vida
de uma comunidade religiosa ou as decisões dos
seus concílios.
7. DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO é o que
regula as relações dos Estados soberanos entre
si. A s suas normas tutelam as relações dos titula­
res de direitos subjetivos no plano internacional.
Estabelecem o regime jurídico da convivência dos
Estados soberanos, regulando as relações dos
países considerados com o sujeitos de direitos e
de deveres, estabelecidos por Acordo, ou pelo
Costume.
8. DIREITO DO MENOR é o que regula todos os
aspectos e medidas inerentes à assistência, pro­
teção e vigilância a menores de dezoito anos que
se encontrem em situação irregular, segundo a
definição legal, e a menores de dezoito a vinte e
um anos de idade nos casos expressos em lei.
9. DIREITO ELEITORAL é o que regula todos os
aspectos pertinentes ao sufrágio. A s suas normas
destinam-se a assegurar a organização e o exercí­
cio do direito de votar e ser votado.
10. DIREITO POLÍTICO é o que regula os direitos e os
deveres do Estado no âmbito interno, abrangen­

350
Introdução ao Estudo do Direito

do a denominada Teoria Geral do Estado (irmã


gêm ea da “Introdução ao Estudo do Direito” ) e a
História das Idéias Políticas.
11. DIREITO CIVIL é o que regula os interesses funda­
mentais do homem no que concerne às relações
dos indivíduos com as próprias pessoas, com os
seus bens, com a sua família, com as suas obriga­
ções e ainda no que diz respeito às sucessões.
12. DIREITO COMERCIAL é o que regula as relações
jurídicas inerentes ao comércio. Normas que dis­
ciplinam sob os mais variados aspectos a ativida­
de mercantil.
13. DIREITO INDUSTRIAL é o que regula a proprieda­
de industrial, envolvendo principalm ente os
aspectos relacionados à concessão de privilégios
e de registros, assim com o os concernentes à
repressão a falsas indicações de procedência e à
concorrência desleal.
14. DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO (DIP) é o que
se dedica à solução dos conflitos de leis no espaço,
conforme já assinalado no Capítulo anterior.
15. DIREITO DO TRABALHO é o que regula as relações
trabalhistas. Suas normas referem-se à organização
da vida do trabalho, privado e subordinado, sob os
mais variados aspectos, inclusive acerca dos direi­
tos e interesses legítimos dos trabalhadores.
16. DIREITO DE PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA
SOCIAL é o que precipuamente disciplina a
garantia dos meios indispensáveis à manutenção,
por idade avançada, incapacidade, tem po de ser­
viço, encargos familiares, prisão ou morte, dos tra­
balhadores, à manutenção dos seus beneficiários,
assim com o a organização dos serviços destina­
dos à proteção da saúde e bem-estar dos mesmos.

351
Orlando de Almeida Secco

17. DIREITO DE MINAS é o que regula precipuamen-


te as questões concernentes aos recursos mine­
rais, sua industrialização e produção, assim com o
a distribuição, o com ércio e o consumo de produ­
tos minerais.
18. DIREITO MARÍTIMO é o que regula a navegação
e cabotagem , a indústria e o com ércio marítimos.
19. DIREITO AERONÁUTICO OU AÉREO é o que
regula as questões pertinentes à navegação
aérea sob os seus mais variados aspectos.
20. DIREITO AGRÁRIO OU RURAL é o que regula as
questões concernentes ao exercício da Agricul­
tura e atividades rurais sob os seus mais amplos
aspectos.
21. DIREITO ATÔMICO OU NUCLEAR é o que regula
principalmente a limitação e a utilização das
armas atômicas e disciplina as questões concer­
nentes à energia nuclear.
22. DIREITO ESPACIAL é o que regula as questões
relativas ao chamado "Espaço Exterior” e aos cor­
pos siderais, principalmente no que concerne à
exploração e uso dos mesmos, sem que haja apro­
priação pelos exploradores e usuários.

A relação do quadro sinótico apresentado nas páginas


anteriores vem recebendo consideráveis acréscimos nos
últimos tem pos, de m odo que já há bibliografias especiali­
zadas nos seguintes ramos:

Biodireito
Direito Agrário
Direito Agroambiental ou Direito Ambiental ou Direito
do Meio Ambiente
Direito Bancário
Direito da Arquitetura e Construção

352
Introdução ao Estudo do Direito

Direito do Autor
Direito Corporativo
Direito da Comunicação Social
Direito do Capital ou Direito do Mercado Financeiro ou
Direito dos Valores Mobiliários
Direito do Comércio Internacional
Direito do Consumidor
Direito Desportivo
Direito da Eletricidade
Direito d o Estado
Direito Ecológico
Direito Econôm ico
Direito Educacional
Direito Empresarial ou Direito de Empresa ou Direito
Societário
Direito Esportivo
Direito Fundiário
Direito Global
Direitos Humanos
Direito da Imprensa
Direito da Infância e da Juventude
Direito de Informática ou Direito Eletrônico
Direito Industrial
Direitos Intelectuais
Direito Interplanetário
Direito de Marcas ou Direito de Marcas e Patentes
Direito de Mera Ordenação Social
Direito Nobiliárquico
Direito Notarial e Registrai
Direito Orçamentário
Direito Quântico
Direito de Seguros
Direito das Telecomunicações
Direito do Turismo
Direito Urbanístico

353
Bibliografia

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356
TurÍs\<§kitora
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João de A lm eida
João Luiz da Silva A lm eida

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